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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

FACULDADE DE DIREITO

RAFAELA RIBEIRO

A VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE DE DADOS PESSOAIS SENSÍVEIS COMO


CONSEQUÊNCIA DA VULNERABILIDADE DE DISPOSITIVOS DOTADOS DE
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA USO EM CASAS INTELIGENTES

São Paulo
2022
RAFAELA RIBEIRO

A VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE DE DADOS PESSOAIS SENSÍVEIS COMO


CONSEQUÊNCIA DA VULNERABILIDADE DE DISPOSITIVOS DOTADOS DE
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA USO EM CASAS INTELIGENTES

Artigo científico apresentado à Universidade


São Judas Tadeu como requisito parcial para
obtenção do título de bacharel em Direito,
área de Direito Digital, sob orientação do
Prof. Dr. Angelo Rigon Filho.

São Paulo
2022

1
RAFAELA RIBEIRO

A VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE DE DADOS PESSOAIS SENSÍVEIS COMO


CONSEQUÊNCIA DA VULNERABILIDADE DE DISPOSITIVOS DOTADOS DE
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA USO EM CASAS INTELIGENTES

Artigo científico apresentado à Universidade São Judas Tadeu como requisito parcial para
obtenção do título de bacharel em Direito, área de Direito Digital, sob orientação do Prof. Dr.
Angelo Rigon Filho.

Data de aprovação:____/____/____

Avaliação:______________________________________________________

Assinatura do Professor-orientador:__________________________________

Avaliação:______________________________________________________

Nome do Professor: ______________________________________________

Assinatura do Professor: __________________________________________

Média Final: ____________________________________________________

2
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe Elza


Aparecida Ribeiro, por ter me incentivado,
apoiado e sempre me dado esperança de que
posso conquistar tudo o que desejo, basta ter fé
e acreditar em Deus.

3
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer a minha mãe, por ter me criado e educado sozinha
e por sempre ter dado o seu melhor, tenho certeza de que sem o apoio dela, eu não conseguiria.
Agradeço a minha família por todo apoio, incentivo e orgulho que sempre tiveram por mim,
foi essencial para passar por todos os desafios durante os 5 (cinco) anos de faculdade.
Não poderia deixar de agradecer ao Thalis, meu namorado, que iniciou essa jornada junto
comigo, mas em outro curso, que foi um grande companheiro não só na faculdade, mas em
todos os dias quando eu precisava apenas de um abraço.
Além disso, aqueles que estiveram ao meu lado (literalmente) durante todo o período e
foram fundamentais para o meu crescimento: Camila, Carolina, Isabella e Giovanna. E, claro
a turma (DIR1AN-PLK), por me proporcionar a melhor experiência universitária e por me
oferecer o suporte quando mais precisei.
Por fim, agradeço aos profissionais que me fizeram ter certeza do caminho que eu queria
seguir e que sem dúvidas, são as minhas referências no ramo de direito digital: Helena,
Mariana, Marina, Tiago e Thamara. E, claro, a toda equipe de Proteção de Dados do escritório
Opice Blum, Bruno e Vainzof por terem me dado a oportunidade de estágio e que auxiliou
muito no meu crescimento profissional.

4
RESUMO

O presente trabalho visa discutir juridicamente acerca do uso de dispositivos dotados de


inteligência artificial, especificamente em casas inteligentes (smart home), e a maneira como
podem impactar de forma negativa na vida das pessoas, em decorrência da vulnerabilidade e
insegurança jurídica desses dispositivos, principalmente no que diz respeito ao risco de
violação de Dados Pessoais Sensíveis. A análise abordará os sistemas de inteligência artificial,
com foco no modelo de aprendizagem de máquina, e a problemática envolvida no seu
desenvolvimento e nas tomadas de decisão. Abordará, ainda, como esses problemas impactam
nos Dados Pessoais Sensíveis, principalmente em decorrência da utilização em casas
inteligentes. Assim, busca-se observar esclarecer o funcionamento desses dispositivos, suas
falhas, os riscos envolvidos, para promover o conhecimento sobre o tema e suas aplicações que
se fazem tão presentes no cotidiano das pessoas.

Palavras-chave: inteligência artificial; casas inteligentes; vulnerabilidade; dados pessoais


sensíveis.

5
ABSTRACT

This paper aims at the legal discussion of the use of devices endowed with artificial
intelligence, specifically aimed at smart homes, can impact negatively on people’s lives, due
to the vulnerability and legal insecurity of theses deceives, especially in the face of the violation
of Sensitive Personal Data. From there, it is time to analyze artificial intelligence systems,
focusing on the machine learning model, and the problems involved in their developed and
decision-making. From there, evaluate how these problems impact on Sensitive Personal Data,
mainly due to the use in intelligent homes. Thus, it is sought to observe clarify the operation of
these devices, their failures, the risks, to promote knowledge about the theme and its
applications that are so present in people’s daily lives.

Palavras-chave: artificial intelligence; smart homes; vulnerability; sensitive personal data.

6
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8

2. DA PRIVACIDADE E PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS .................................... 9

2.1 Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – Lei 13.709/18 ............................................ 11

2.2 Tratamento de Dados Pessoais Sensíveis ....................................................................... 13

3. BIG DATA, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E INTERNET DAS COISAS ........... 14

3.1 Big Data .......................................................................................................................... 14

3.2 Inteligência Artificial ......................................................................................................... 16

3.3 Internet das Coisas ............................................................................................................. 19

4. VULNERABILIDADE DOS DADOS PESSOAIS SENSÍVEIS EM CASAS


INTELIGENTES ................................................................................................................... 20

4.1 Casas Inteligentes ........................................................................................................... 20

4.2 Privacidade dos Dados Pessoais Sensíveis em Casas Inteligentes ................................. 21

5. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 22

6. REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 23

7
1. INTRODUÇÃO

Com a crescente evolução da tecnologia, a automação residencial vem ganhando


bastante espaço no mercado, em razão do desenvolvimento das tecnologias ligadas
principalmente ao Big Data, Inteligência Artificial (IA), e Internet das Coisas (IoT). Esse
avanço amplifica cada vez mais nossas interações com o meio em que vivemos e revoluciona
constantemente o modo de lidar com ações específicas. Tecnologias exponenciais como
aquelas baseadas em IA e IoT facilitam a comunicação entre homem e máquina e permitem
automatizar funções domésticas apresentando impacto direto na segurança e bem-estar.
Nesse sentido, o conceito de casa inteligente indica a presença de diferentes tecnologias
que atuam para auxiliar na sofisticação das tarefas residenciais. Usando técnicas para
monitorar o ambiente e propor melhorias em tempo real, com o objetivo de ajudar as pessoas
em suas atividades diárias em casa.
Essas técnicas aplicadas a uma residência permitem, por exemplo, o uso de sistemas para
monitorar a temperatura de um ambiente, a umidade de um quarto, aumentar ou diminuir a
iluminação de um local, ligar para os bombeiros em caso de presença de fogo.
No entanto, a integração de tais conceitos de forma aplicada, exige uma compreensão e
domínio a respeito de interfaces de comunicação entre os diferentes sistemas, uma vez que as
informações como Dados Pessoais Sensíveis são coletados por meio de sensores e transmitidas
pelas redes de conexão, expondo assim informações que podem ser capturadas na ausência de
protocolos de encriptação, anonimização ou pseudonominação dos dados.
Dessa forma, este trabalho analisa as vulnerabilidades e os riscos dos dispositivos
dotados de inteligência artificial para uso em casas inteligentes, no tocante aos riscos de
violações à privacidade, e dos Dados Pessoais Sensíveis.

8
2. DA PRIVACIDADE E PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

Em decorrência da expansão das tecnologias da informação e comunicação para novos


espaços da sociabilidade humana, a preocupação com a violação da privacidade de dados em
virtude do acesso e da coleta de Dados Pessoais através de mecanismos tecnológicos
aumentaram muito.
Porém, sem tais tecnologias, muitas das ameaças presentes à privacidade não existiriam.
O que sugerimos é que o fenômeno percebido como a decadência da privacidade seja lido como
a culminação acelerada pela tecnologia (THIBES, 2017, P.319).
Nesse sentido, os problemas referentes à coleta de Dados Pessoais e invasão à
privacidade, são anteriores ao uso excessivo da internet e aplicativos virtuais. Sendo assim, se
faz necessário entender como ocorreu o processo de construção do Direito à Privacidade.
O conceito de privacidade é um termo manipulável pelo próprio ordenamento jurídico
com o objetivo de atender a algumas das necessidades estruturais, que dificulta a sua redução
a uma definição âncora diante de variações que se expressam em diversas experiências
normativas pelo mundo (DONEDA, 2006).
Conforme afirmou Lessing (1999), a relação da privacidade com o que seria monitorável
ou buscável1, mantém uma dependência da tecnologia existente. A capacidade de
monitoramento alcançou a possibilidade de ser permanente, gerando informações sobre os
indivíduos, o que consequentemente aumenta as possibilidades do que pode ser procurado,
além de promover uma queda dos custos de acesso a essas informações.2
Nessa perspectiva, o conceito de informação pessoal passou a ser entendido como um
conceito central para privacidade (MACHADO, DONEDA, 2018).3 Além disso, para
DONEDA (2011), a distinção entre os termos “dado” e “informação”, começou a ser destacado
como uma conotação primitiva, com uma informação em estado potencial antes de ser
transmitida, quanto a informação se refere a algo além da representação contida no dado,
chegando ao limiar da cognição.4 No mais, mesmo com essa distinção, a lógica que deve

1 Os termos utilizados pelo autor no original são “monitored” e “searchable”, respectivamente.


2 “For by increasing the efficiency of a search, the changing technologies reduce the legal justifications for
interfering with the searches. As searches become more efficient, the scope of ‘reasonable’ searches increases”
(LESSIG, 1999, p. 60).
3 “In their famous 1890 article, Samuel Warren and Louis Brandeis merely assumed that privacy regulation would
always involve information identifiable to a person. They conceived of privacy as a right of ‘personality.’
Although the two authors did not define this concept in any detail, they drew on continental philosophy to argue
that every person deserves protection against certain kinds of harms as a consequence of her status as a human”
(SCHWARTZ; SOLOVE, 2011, p. 1819 apud MACHADO; DONEDA, 2018, p. 103).
4 “O dado estaria associado a uma espécie de ‘pré-informação’, anterior à interpretação e ao processo de
elaboração. (...) Sem aludir ao significado ou conteúdo em si, na informação já se pressupõe uma fase inicial de

9
nortear a disciplina da Proteção de Dados Pessoais deve abranger a informação pessoal
(DONEDA,2006).
Com a autodeterminação informativa, o indivíduo pode controlar o uso de seus dados,
determinar quem pode utilisá-los, para qual finalidade, sob quais condições e por quanto tempo,
erigindo-se como uma condição indispensável para uma sociedade democrática (SIMITIS,
2010),5 porém, a perspectiva individual não é suficiente para atender a finalidade da proteção
de Dados Pessoais. Dessa forma, a privacidade tem uma progressão para ser compreendida não
em uma lógica excludente, mas em caráter positivo de indutor da cidadania, da atividade
política em sentido amplo e das liberdades (DONEDA, 2006). 6
Todavia, de forma paradoxal, o papel de decisão individual do Titular dos dados foi
reduzido, uma vez que ocorreu o reconhecimento de que a proteção para certos Dados Pessoais
deveria se dar em um grau maior, como no caso dos Dados Pessoais Sensíveis (DONEDA,
2011). Com a limitação aos poderes individuais, foi indicada a necessidade de um controle
institucional que assegure o respeito aos Dados Pessoais por parte daqueles que tem sobre eles
o poder e, consequentemente, sobre as pessoas que tem os seus dados coletados (RODOTÁ,
2019).
A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) dispõe em seu art. 2º, inciso II (BRASIL,
2018), sobre a autodeterminação informativa, porém, é necessário ressaltar a possibilidade de
a autodeterminação informativa ser considerada uma “chave”, que poderiam gerar alguns
confrontos, especialmente em relação ao consentimento do Titular dos dados para o tratamento
de seus dados, podendo conduzi-los a uma falsa impressão de propriedade sobre as suas
informações, e comprometendo a sua natureza de direito fundamental (DONEDA, 2006).
Por conseguinte, resta claro que a relação entre a privacidade e o livre desenvolvimento
da personalidade é direta e conforme Rodotà (2008, p.92-93):

depuração de seu conteúdo – daí que a informação carrega em si também um sentido instrumental, no sentido de
uma redução de um estado de incerteza” (DONEDA, 2006, p. 152).
5 “Only then, the Court added, would individuals be able to freely form, express, and defend their opinions. The
Court concluded that the more personal privacy is curtailed, the more individuals will gradually give up their
constitutional rights. Informational self-determination, the Court stated, must therefore be seen and treated as an
elementary precondition of a democratic society. Both its existence and functioning depend, thus, on the capacity
of citizens to autonomously act and participate in society, a capability irrevocably linked to the knowledge and
control of their personal data” (SIMITIS, 2010, p. 1997-1998). Para tanto, a Corte Constitucional alemã
reconheceu a inexistência de dado pessoal irrelevante, uma vez que ainda que aparentemente sem valor, o dado
pessoal pode vir a adquiri-lo (DONEDA, 2006).
6 Em 1981 a Convenção de Strasbourg representa o ponto de referência inicial do modelo europeu sobre proteção
de dados, associando-a diretamente aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, como pressuposto de um
estado democrático (DONEDA, 2006).

10
“A privacidade pode ser identificada com a tutela das escolhas
de vida contra toda forma de controle público e de estigmação
social, em um quadro caracterizado justamente pela liberdade das
escolhas existências.”
Portanto, na medida em que a privacidade emerge como prerrogativa do indivíduo
determinar o seu grau de exposição e de inserção na vida social, com a exposição,
corresponderá à representação da sua personalidade perante a sociedade. Dessa forma, o
conceito de privacidade está associado ao reconhecimento da construção dinâmica da
identidade pessoal como novas formas de manifestação da proteção jurídica da pessoa contra
as ameaças de estigmatização e discriminação oriundas do desenvolvimento tecnológico
(KONDER, 2019, p.451). 7

2.1 Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – Lei 13.709/18

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), tem como objetivo proteger Dados
Pessoais de pessoas naturais, tratados tanto por meio físico, quanto por meio digital, garantindo
a proteção de direitos como os da liberdade de expressão e de comunicação, privacidade, honra,
imagem, autodeterminação informativa e livre desenvolvimento da personalidade (art. 2º).
Nesse sentido, a LGPD protege situações concernentes a operações de tratamento de
dados, ou seja, aquelas que se referem a coleta, produção, receptação, classificação, utilização,
acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento,
eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência,
difusão ou extração (art. 5º, X).
Todavia, o art. 4º da LGPD, traz algumas exceções no que tange a aplicação da Lei, são
elas: (i) tratamento por pessoas naturais para fins particulares e não econômicos; (ii) tratamento
para fins exclusivamente jornalísticos, artísticos ou acadêmicos; (iii) tratamento para fins

7 A noção de direito ao esquecimento enquanto pedido para que “determinada informação não esteja mais
acessível publicamente” (BRANCO, 2017, p. 144), compreendido neste trabalho enquanto integrante da
privacidade, estabelece relação com a construção da identidade da pessoa. Branco (2017, p. 180) define o direito
ao esquecimento como “violação à privacidade por meio de publicação de dado verídico, após lapso temporal,
capaz de causar dano a seu titular, sem que haja interesse público, conservando-se em todo caso a liberdade de
expressão e desde que não se trate de fato histórico, cuja demanda é direcionada, em última instância, ao Poder
Judiciário, que deverá, se entender cabível, ordenar a sua remoção ao meio de comunicação onde a informação se
encontra (e nunca ao motor de busca)”. Contudo, como apontam Machado e Negri (2017, p. 372), apesar de
reconhecida a privacidade enquanto direito, “não basta que seja mobilizada de forma abstrata para que se afirme,
sem maior cautela e ônus argumentativo, o direito ao esquecimento, como seu mero e linear desdobramento”. A
propósito, recomenda-se a leitura da análise empírica realizada por Negri e Korkmaz (2019) sobre a aplicação do
direito ao esquecimento pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1.660.168/RJ.

11
exclusivos de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado ou atividades de
investigação e repressão de infrações penais; e (iv) tratamento de dados provenientes de fora
do território nacional e que não sejam objeto de comunicação, uso compartilhado de dados com
agentes de tratamento brasileiros ou objeto de transferência internacional de dados com outro
país que não o de proveniência, desde que o país de proveniência proporcione grau de proteção
de Dados Pessoais adequados ao previsto na lei.
A LGPD também prevê alguns princípios que tem como objetivo restringir a atividade
de tratamento de Dados Pessoais, exigindo-se o cumprimento. Para Newton de Lucca (2018)
“princípio é uma proposição filosófica que serve de fundamento a uma dedução”, bem como,
“um conjunto de princípios a partir dos quais se pode fundar ou deduzir um sistema, um
agrupamento de conhecimentos”.
Dessa forma, o art. 6º da LGPD, estabelece os seguintes princípios: “finalidade,
adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança,
prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas”. É necessário ressaltar
a relevância do princípio da finalidade e do princípio da não discriminação, principalmente em
relação ao tratamento de Dados Pessoais Sensíveis.
É por meio do princípio de finalidade que é garantido ao Titular, mediante informação
prévia, quais as fronteiras de legalidade do tratamento de seus dados, delimitando assim, seus
propósitos, desde que lícitos e de terceiros que poderão ou não ter acesso aos dados.
Para Danilo Doneda, (2008) o princípio da finalidade conduz de forma incisiva os traços
característicos da matéria de proteção de Dados Pessoais, tendo em vista, que o motivo da
coleta deve ser compatível com o objetivo final do tratamento dos dados. Assim, deverá ser
informado ao titular as informações sobre o tratamento dos seus dados, que deverão ser
disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca da finalidade específica do
tratamento.
Quanto ao princípio da não discriminação, é vedada a utilização de Dados Pessoais para
fins discriminatórios, ilícitos ou abusivos. Este princípio se torna fundamental para evitar a
estimação, criação de estereótipos e coibir a limitação de direitos, pois prevê a impossibilidade
do tratamento de dados para fins discriminatórios, impondo limites e exigindo permissões no
tratamento de dados, de modo a mitigar o risco do determinismo tecnológico.
Por fim, o princípio em comento prevê que é vedado o tratamento dos dados para fins
discriminatórios quando praticado ilicitamente ou abusivamente, vislumbrando-se a
discriminação no tratamento de Dados Pessoais e de Dados Pessoais Sensíveis.

12
2.2 Tratamento de Dados Pessoais Sensíveis

Os Dados Pessoais Sensíveis estão previstos no inciso II da LGPD, sendo aqueles “sobre
origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou
organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou a vida
sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural” (BRASIL,
2018, sem paginação).
Em outras palavras, o Dado Pessoal Sensível é todo Dado Pessoal que denota
características de maior criticidade, de modo que seu tratamento equivocado ou ilícito pode
implicar riscos e vulnerabilidades aos direitos fundamentais do Titular ao qual se referem. Para
DONEDA (2006)8, a qualificação de um Dado Pessoal Sensível é fruto da noção de que certas
espécies de informações apresentam um elevado potencial lesivo ao seu Titular, de acordo com
uma configuração social.
Nesta linha, a configuração de um Dado Pessoal Sensível não poderia ser estabelecida
em abstrato, na medida em que é à luz do contexto de utilização do dado e da combinação com
outros dados disponíveis que pode ser verificada a potencialidade lesiva do seu tratamento
(KONDER,2019).
É em virtude do armazenamento e tratamento dos Dados Pessoais Sensíveis que podem
acarretar maior risco à personalidade do indivíduo, e principalmente a práticas discriminatórias.
Entre os diversos dados que podem ser associados à pessoa, alguns são aptos a favorecer a
exclusão e segregação, o que se representa como a chave de qualificação de determinados
dados sensíveis (KONDER,2019). Com isso, nas palavras de Rodotà (2019, p.36):9

É necessário enfatizar, de fato, que os dados sensíveis são aqueles


relativos à saúde e vida sexual, as opiniões e ao pertencimento étnico
ou racial, com uma lista semelhante às encontradas nas normas
relativas a casos de discriminações. Assim, somos confrontados com
algo que vai além da simples proteção da vida privada e se apresenta
como defensor da mesma igualdade entre as pessoas.

8 Doneda (2006) refere a um aspecto temporal dos dados sensíveis, como a inscrição na maçonaria.
9 Tradução livre de: “È necessario sottolineare, infatti, che i dati sensibile sono quelli che riguardano la salute e
la vita sessuale, le opinioni e l’appartenenza etnica o razziale, con una elencazione analoga a quella che si trova
nelle norme riguardanti i casi di discriminazione. Siamo così di fronte a qualcosa che eccede la semplice tutela
della vita privata e si pone come presidio della stessa eguaglianza tra le persone”.

13
Diante dos avanços tecnológicos, qualquer dado pessoal, principalmente os Dados
Pessoais Sensíveis podem ser tratados com uma finalidade discriminatória, para Doneda
(2006), o potencial lesivo no tratamento dos Dados Pessoais Sensíveis apresenta maior risco
que a média, seja para a pessoa, ou para a coletividade. Conforme expõe Doneda (2006, p.163):

(...) deve-se ter em conta que a diferenciação conceitual dos dados


sensíveis atende a uma necessidade de estabelecer uma área na qual a
probabilidade de utilização discriminatória é potencialmente maior –
sem deixarmos de reconhecer que há situações em que tal consequência
pode advir sem que sejam utilizados dados sensíveis, ou então que a
utilização destes dados se preste a fins legítimos e lícitos.

Em virtude dos avanços tecnológicos e no paradigma do Big Data, resta claro o risco
subjacente referente a circulação de um Dado Pessoal Sensível, que pode prejudicá-la, mesmo
que acobertado pela opacidade do tratamento dos dados. Em virtude da tecnologia, é crescente
a relação que se estabelece entre a utilidade das informações e a capacidade de interferir no
nosso cotidiano (DONEDA, 2006).
Com a possibilidade de utilizar Dados Pessoais Sensíveis para fins discriminatórios, tanto
por parte do mercado, quanto do Estado, que os dados sensíveis associam a conjunturas que
podem violar direitos fundamentais (MULHOLLAND, 2018). Dessa forma, proteger dados
sensíveis permite uma efetivação de direitos como saúde, liberdade religiosa, de associação,
dentre outros (MULHOLLAND, 2018).
Portanto, a proteção dos dados sensíveis permite efetivar o direito à saúde, à liberdade de
expressão e comunicação, à liberdade religiosa, bem como a liberdade de associação, na
medida em que resguardando essas informações, resguarda-se a pessoa natural para que se
desenvolva livremente (RODOTÀ, 2008).

3. BIG DATA, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E INTERNET DAS COISAS

3.1 Big Data


Para Michael Cox e David Ellsworth (1997, p.1), consideram big data como “um
conjunto de dados geralmente muito grandes, sobrecarregando a memória principal, disco local

14
e até disco remoto”. 10 No mais, conforme Gil Press (2014, p.1) o termo se popularizou após a
publicação em 2008 de um artigo11, ao qual afirmava que big data iria revolucionar as
atividades das empresas e pesquisa cientificas.
Ainda, no que tange a definição de big data, Frank Olhlhorst (2013, p. 6) descreve:

[...] o Big Data define uma situação em que os conjuntos de dados


cresceram para tal tamanhos enormes que as tecnologias de informação
convencionais não podem mais efetivamente lidar com o tamanho do
conjunto de dados ou a escala e crescimento do conjunto de dados. Em
outras palavras, o conjunto de dados cresceu tanto que é difícil
gerenciar e ainda mais difícil extrair valor disso. As principais
dificuldades são a aquisição, armazenamento, pesquisa,
compartilhamento, análise e visualização de dados.12

Dessa forma, após esclarecer as definições de big data, resta claro que o tratamento dos
dados coletados é muito difícil, tendo em vista a quantidade de dados gerados a dada segundo,
por organizações e consumidores. Nesta linha, Mckinsey Global Institute (2011, p.6) explica:

Big Data refere-se a conjuntos de dados cujo tamanho está além da


capacidade de ferramentas de software de banco de dados típicas para
capturar, armazenar, gerenciar e analisar. [...] Assumimos que, à
medida que a tecnologia avança ao longo do tempo, o tamanho dos
conjuntos de dados que se qualificam como big data também
aumentará.13

10 Tradução livre do trecho: “data sets are generally quite large, taxing the capacities of main memory, local disk,
and even remote disk. We call this the problem of big data”.
11 Randal E.; KATZ, Randy H.; LAZOWSKA, Edward D. Big-Data Computing: Creating revolutionary
breakthroughs in commerce, science, and society. A white paper prepared for the Computing Community
Consortium committee of the Computing Research Association. Acesso em: 30 outubro de 2022.
12 Tradução livre do trecho: “Big Data defines a situation in which data sets have grown to such enormous sizes
that conventional information technologies can no longer effectively handle either the size of the data set or the
scale and growth of the data set. In other words, the data set has grown so large that it is difficult to manage and
even harder to garner value out of it. The primary difficulties are the acquisition, storage, searching, sharing,
analytics, and visualization of data”.
13 Tradução livre do trecho: “Big Data refers to datasets whose size is beyond ability of typical database software
tools to capture, store, manage, and analyze. This definition of how big a dataset needs to be in order to be
considered big data -i.e., we don't define big data interms of being larger than a certain number of terabytes
(thousands of gigabytes). We assume that, as technology advances over time, the size of datasets that qualify as
big data will also increase.”

15
As principais características da Big Data que devem estar presentes nos dados para que
assim, possa considerar o termo, conforme Doug Laney (2001, p.1), 14são volume, velocidade
e variedade.
Primeiro, uma grande quantidade de dados é gerada a cada segundo e boa parte desses
dados se torna muito grande para armazenar e analisar usando as tecnologias de banco de dados
tradicionais, que acabam demandando uma atualização mais continua.
Segundo, tendo em vista o grande volume da produção de dados, a velocidade e o uso de
destes também aumentam de forma significativa. Em consequência disso, o armazenamento e
o processamento devem acelerar na mesma medida e de forma rápida e eficaz (LANEY,
2001, P.1).
Por fim, a última característica se refere a variedade dos dados, sendo possível observar
que os dados podem ser apresentados em diferentes formas e formatos (LANEY, 2001, P,1).
Porém, após a publicação da IBM15, as características da big data aumentaram,
ressaltando também: veracidade, valor e validação.
Referente a veracidade dos dados, resta claro a necessidade de garantir a confiabilidade
e a validade das informações, uma vez que todos os dados imprecisos poderiam se tornar cada
vez mais inúteis.
Para Eric Brown (2014, p.1), na medida em que os dados não teriam mais valor
intrínseco, apenas se tornariam úteis quando ocorresse a análise deles, podendo extrair
informações que traga valor aos consumidores e até mesmo para o mercado.
Por fim, a validação, é considerada como uma capacidade de assegurar algumas fontes
de dados que possam fazer sentido e serem analisadas sob os níveis de segurança e governança
previstos nos regulamentos legais (BAGNOLI, 2016, p. 9-10).

3.2 Inteligência Artificial


Inteligência Artificial (AI), refere-se a um campo de conhecimento associado à
linguagem, inteligência, raciocínio, bem como a resolução de problemas. Em outras palavras,
a IA propicia a simbiose entre o humano e a máquina ao acoplar sistemas inteligentes como a
interação entre duas espécies distintas conectadas.

14 Para maiores informações, consultar LANEY, Doug. 3D Data Management: controlling data volume, velocity,
and variety. Application Delivery Strategies, 6 fev. 2001. [S.l.], META Group, 2001.
15 Para maiores informações, consultar IBM. The four V’s of Big Data. Big Data & Analytics Hub.

16
Os estágios de desenvolvimento bem como as expectativas variam entre os campos e
suas aplicações, que incluem os veículos autônomos, reconhecimento de voz, games, casas
inteligentes, robótica, dentre outros. Nos dias atuais, os sistemas inteligentes estão em todas as
áreas de conhecimento e quase em toda a vida em sociedade.
A IA está associada com a capacidade de executar diferentes tarefas em diversos tipos de
ambientes, sem a ajuda humana. Dessa forma, o termo IA constitui vários procedimentos
computacionais cujas funções realizadas, caso o ser humano as executasse, seriam consideradas
inteligentes.16 Podemos citar como exemplos de alguns avanços que ocorreram na utilização
da IA: compreensão da linguagem, casas inteligentes, reconhecimento de fala etc. E
provavelmente, no futuro elas estarão presentes em praticamente todas as atividades humanas.
17

Assim, é necessário analisar todos os riscos, tendo em vista que a IA é uma atividade
baseada em coletar informações e, por isso, a importância da privacidade e proteção de dados,
bem como, a aplicação da LGPD é tão importante. Em consequência disso, nas últimas
décadas, devido ao aumento do poder computacional e do crescimento das técnicas de IA, a
linha conhecida como Aprendizado de Máquinas, vem ganhando muito importância. 18
Dessa forma, as informações são coletadas e processadas com o objetivo de atingir a
finalidade pretendida, sendo assim, a IA funciona com o alimente de informações e quanto
mais informações ela tiver, consequentemente mais benefícios poderá proporcionar. Sendo
assim, a utilização da Inteligência Artificial tem que estar em consonância e obedecendo todas
as normas de proteção de Dados Pessoais, pois em virtude da coleta de informações sem o
conhecimento do titular dos dados, poderá gerar muitos danos, pois a tecnologia já adquiriu
vida própria e passou a coordenar o ritmo das sociedades humanas.19
Portanto, para aplicar a Inteligência Artificial é fundamental seguir as regras e normas
referente as legislações protetivas ao cidadão, como é o exemplo da Lei Geral de Proteção de
Dados aqui no Brasil, principalmente no que tange a privacidade e proteção dos seus Dados
Pessoais, encontrando assim, um equilíbrio entre a aplicabilidade da Inteligência Artificial e a
privacidade e proteção dos dados dos indivíduos. Para que assim tenham conhecimento sobre

16 LOPES, Isaia Lima; SANTOS, Flávia Aparecida Oliveira; PINHEIRO, Carlos Alberto Murari. Inteligência
Artificial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 1.
17 ARTERO, Almir Olivette. Inteligência Artificial: teoria e prática. São Paulo: Livraria da Física, 2009, p. 13.
18 LOPES, Isaia Lima; SANTOS, Flávia Aparecida Oliveira; PINHEIRO, Carlos Alberto Murari. Inteligência
Artificial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 4.
19 TEIXEIRA, João de Fernandes. O Cérebro e o Robô: inteligência artificial, biotecnologia e nova ética. São
Paulo: Coleção Ethos, 2015, p. 17.

17
o que será feito com os seus dados e eventual aplicabilidade da Inteligência Artificial em
decorrência do dado coletado e armazenado.
Para Alan Turing, após o teste de Turing, foi comprovado que a Inteligência Artificial se
refere a um jogo de imitação, o que culminou a Turing descobrir quando o computador é
indistinguível de um humano em uma comunicação de linguagem natural e, portanto, o
computador deve ter atendido como uma inteligência no nível humano.
Para Gabriel (2018)20, a abordagem simbólica da inteligência é fruto do pensamento
orientado pela matemática em descrever de forma abstrata os processos que geram
comportamento inteligente, culminando no desenvolvimento dos computadores. Nesse sentido,
a Inteligência Artificial cataloga os Dados Pessoais que são oferecidos e o Banco de Dados que
irá alimentar a Inteligência Artificial que mostrará categorias diferentes de dados.

A maioria das pessoas, usando o senso comum, não consideraria as


máquinas “inteligentes” de maneira nenhuma. Claro, elas podem fazer
escolhas baseadas em algoritmos determinísticos ou eventos
probabilísticos, mas não compreendem nada. As máquinas não
entendem o que estão fazendo ou por que estão fazendo alguma coisa.21

Dessa forma, para desenvolver e melhorar algumas habilidades, a Inteligência Artificial


precisa conectar várias funções para compor o pensamento, memória, raciocínio,
aprendizagem, solução de problemas, sentidos, locomoções.22 Portanto, é necessário que
ocorra uma grande coleta de dados, para ter um bom desempenho quando aplicada em situações
reais. 23
Nesse sentido, a coleta de Dados Pessoais, principalmente os dados sensíveis, permitiu
inúmeras descobertas sobre o comportamento humano, que trouxe a reflexão de que a produção
de “novos produtos e serviços podem ser criados para melhorar nossa vida e a natureza das
nossas comunidades, nossos locais de trabalho e governos, será vital importância.”24

20 GABRIEL, Martha. Você, Eu e os Robôs: pequeno manual do mundo digital. São Paulo: Atlas, 2018, p. 191.
21 PISTONO, Frederico. Os robôs vão roubar seu trabalho, mas tudo bem: como sobreviver ao colapso econômico
e ser feliz. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Portifolio-Penguin, 2017, p. 45-46.
22 GABRIEL, Martha. Você, Eu e os Robôs: pequeno manual do mundo digital. São Paulo: Atlas, 2018, p. 193.
23 LOPES, Isaia Lima; SANTOS, Flávia Aparecida Oliveira; PINHEIRO, Carlos Alberto Murari. Inteligência
Artificial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 112.
24 HARTLEY, Scott. O fuzzy e o Techie: por quê as ciências humanas vão dominar o mundo digital: Trad. Luis
Dolhnikoff. São Paulo: BEI Comunicação, 2017, p. 33.

18
Portanto, a Inteligência Artificial pode ser uma ameaça importante à privacidade, pelo
seu posicionamento em espaços tradicionalmente protegidos e íntimos como por exemplo, em
sua própria casa, e pela sua capacidade de extrair informações relativas a Dados Pessoais
Sensíveis e de os transmiti-los.

3.3 Internet das Coisas


O termo “Internet das Coisas” (IoT), é utilizado para designar a conectividade e interação
entre diversos tipos de objetos do cotidiano, que são sensíveis à internet. 25 Ou seja, fazem parte
desse conceito dispositivo que usamos diariamente e que possuem sensores que são capazes de
captar aspectos do mundo real e enviá-los a centrais que recebem estas informações e as
utilizam de forma inteligente. 26
Não resta dúvidas que na resolução dos problemas os objetos inteligentes e que estão
integrados com a tecnologia da Internet das Coisas, possuem variadas funções. Porém, é
necessário ter cautela pois não é sempre que a tecnologia torna a vida mais fácil, podendo
impactar de uma forma negativa na vida dos usuários e consequentemente, causando riscos
graves. 27
Além disso, conforme já mencionado, é necessário estar atentos em relação à segurança,
privacidade e proteção de dados, tendo em vista o grande volume de dados, o que chamamos
de big data, que processam milhões de dados diariamente, possibilitando assim, a facilidade
em identificar os indivíduos em razão dos seus hábitos, desejos, escolhas, preferências.
A IoT é uma infraestrutura global de informação. Em decorrência do grande avanço do
serviço de conectividade física e virtual, por meio da comunicação entre os dispositivos,
principalmente em casas inteligentes, é possível o processamento de informações e a
comunicação integrada de um banco de dados à IoT, permitindo o uso de objetos e dispositivos
que oferece um grande volume de serviços e aplicações.28
Dessa forma, conforme discorreu Polloni (2020)29, os dados são como valores, datas,
descrições e outros dados que sozinhos não possuem valor significativo, mas após serem

25 SANTOS, Pedro Miguel Pereira. Internet das coisas: o desafio da privacidade. Dissertação (Mestrado em
Sistemas de Informação Organizacionais) — Escola Superior de Ciências Empresariais, Instituto Politécnico de
Setúbal, 2016.
26 NASCIMENTO, Rodrigo. O que, de fato, é internet das coisas e que revolução ela pode trazer?
Computerworld, 12 mar. 2015.
27 4 KOBIE, Nicole. The useless side of the internet of things. Motherboard, 5 fev. 2015.
28 I.T.U. International Telecommunication Union. World summit on the information society stocktaking. 2012.
Disponível em: www.itu.int/net.
29 POLLONI, E. G. F. Administrando sistemas de informação: estudo de viabilidade. [S.l.]: Futura, 2000.

19
manipulados por um sistema de processamento, se tornam informações relevantes que podem
ser usados para uma finalidade diferente, principalmente com relação a aplicação de IoT em
casas inteligentes, que possuem um grande volume de dados sensíveis e intrinsecamente
privados.

4. VULNERABILIDADE DOS DADOS PESSOAIS SENSÍVEIS EM CASAS


INTELIGENTES

4.1 Casas Inteligentes


Segundo Li et al. (2011) casas inteligentes, ou smart home, são locais voltado para um
ambiente residencial do futuro que capta sensores e atuadores passíveis de controle através da
internet. Os objetos nas casas inteligentes podem perceber as atividades dos moradores,
predizer seus comportamentos futuros e realizar ações proativas de acordo com as suas
necessidades e preferencias, fornecendo assim, maior conveniência, eficiência, conforto e
segurança.
Ainda de acordo com Li et al. (2011), os objetos presentes nas casas inteligentes realizam
a coleta de informações através de sensores, conectividade por meio da internet, bem como
reconhecem as atividades, predição e proatividade para fornecer benefícios aos habitantes da
residência, que compõem sistemas que permitem o controle e monitoramento remoto das smart
homes e de seus habitantes. Conforme conceitua Aldrich (2003):

Uma “smart home” pode ser definida como uma residência equipada com
tecnologia da informação e computação que antecipa e responde às
necessidades dos ocupantes, trabalhando para promover seu conforto,
conveniência, segurança e entretenimento por meio da gestão de tecnologias
na casa e conexões para o mundo além (ALDRICH, 2003) 30

Assim, a smart home é uma casa que proporciona segurança, conforto, conveniência e
entretenimento, através de tecnologias computacionais, que possuem capacidades de
identificar, adaptar-se e responder as solicitações dos habitantes por meio da conectividade

30 Texto original: “A “smart home” can be defined as a residence equipped with computing and information
technology which anticipates and responds to the needs of the occupants, working to promote their comfort,
convenience, security and entertainment through the management of technology within the home and connections
to the world beyond.” (ALDRICH, 2003).

20
com a Internet onde, realiza a troca de informações entre as aplicações na smart home, que
permitem a coleta de dados, e informações dos habitantes.
Portanto, para o funcionamento de uma smart home a IoT realiza a conexão que
permitindo o monitoramento e controle desses locais por meio da internet, como por exemplo,
ligar o ar-condicionado, ligar e desligar uma lâmpada, pedir para abrir e fechar cortinas, ou até
mesmo, fazer uma pesquisa ou tocar uma música.

4.2 Privacidade dos Dados Pessoais Sensíveis em Casas Inteligentes


Os Dados Pessoais Sensíveis gerados no contexto de casas inteligentes podem causar
grandes prejuízos, pois esses dados são gerados por dispositivos que estão dentro da casa dos
habitantes, que carregam muitas informações sensíveis e que consequentemente precisam de
uma proteção e privacidade.
Portanto, a tecnologia na medida em que pode ajudar a moldar uma esfera privada ainda
mais rica, pode tornar essa esfera mais frágil (RODOTÀ,2008). Isso ocorre, pois as potencias
tecnológicas avançam para extrair valor dos dados, em consonância com os novos métodos,
técnicas e algoritmos, bem como, o Big Data, Internet das Coisas e Inteligência Artificial.
Dessa forma, é necessário que esses Dados Pessoais Sensíveis estejam protegidos por
uma tutela forte de salvaguarda das informações, pois as pessoas estarão mais propensas a
serem discriminadas pelas suas opiniões, crenças religiosas e condições de saúde, conforme
aponta Rodotà (2005, p.27):

“a privacidade se apresenta, assim, como um elemento fundamental


para a sociedade da igualdade”31

Por esse motivo, a privacidade e a proteção desses Dados Pessoais Sensíveis são de
extrema importância, pois estão associados nas opções e características fundamentais da pessoa
e consequentemente, possuem um potencial inclinação para serem utilizados com finalidades
discriminatórias (RODOTÀ, 2008, P.96).
É dessa forma, que com a possibilidade de discriminação, para L.M.Friedman e J. Rosen,
Rodotà (2008, p.15), que reconhece que com a coleta de Dados Pessoais Sensíveis e a aptidão
de gerar perfis sociais e individuais discriminatórios que indicam a privacidade como:

31 Tradução livre de: “La privacy si presenta così come un elemento fondamentale della società
dell’eguaglianza”.

21
“a proteção de escolhas de vida contra qualquer forma de controle
público e estigma social”, a implicar na indispensável “reivindicação
de limites que protegem o indivíduo do direito de não ser simplificado,
objetivado e avaliado fora de contexto.”

É em decorrência da possibilidade de discriminação pelo uso indevido dos dados


sensíveis, que esses dados estão associados a violações de direitos fundamentais e que para
protegê-los permite a efetivação de muitos direitos como: saúde, religião, liberdade
comunicativas, de associação (MULHOLLAND, 2018).

5. CONCLUSÃO

No passado os registros dos usuários, opiniões, comentários, eram apenas informações


que não possuíam grande relevância, atualmente, essas informações podem ser utilizadas para
finalidades além do que a desejada e pode gerar danos irreparáveis.
Com o grande avanço tecnológico e com as vantagens de se obter benefícios e ter mais
facilidade e conforto dentro da sua casa as pessoas acabam arriscando a sua intimidade, e
correndo risco de que sua privacidade seja invadida. Ou seja, de um lado as novas tecnologias,
bem como a Inteligência Artificial, fornecem acesso à informação, por outro lado, existe a
capacidade de acúmulo e de divulgação de informações pessoais dos indivíduos que reflete na
erosão da privacidade.
Portanto, ao se utilizar das tecnologias, para adquirir objetos transformando sua casa em
smart home, é importante sempre que se resguarde a privacidade em todos os setores,
especialmente a da vida privada do cidadão. Como diz Hartley “o herói do futuro vai ser aquele
que entende os problemas e oportunidades reais da humanidade e consegue liderar e inspirar
times para resolvê-los”.
O acesso as novas tecnologias em casas inteligentes, devem obedecer aos direitos da
personalidade, bem como, à Lei Geral de Proteção de Dados, que devem estar em harmonia
aos demais direitos, principalmente ao acesso ilimitado a Internet, ao acesso à informação e as
novas tecnologias.
Os dados sensíveis carregam aspectos fundamentais do indivíduo que podem interferir
de forma direta e indiretamente na sua vida. Sendo assim, é necessário proteger os dados
sensíveis, para permitir que a pessoa tome decisões sem ser estigmatizada, além de abrir

22
margem para que seja julgada por condições das quais não escolheu, por exemplo, da sua
escolha religiosa ou de suas características genéticas.
Por sim, as tecnologias citadas no decorrer do trabalho, que não ostentam limites
intrínsecos e extrínsecos, podem cooperar para amplificar os problemas de ordem social,
política, ou podem ser funcionalizados para a pessoa e, dessa forma, para os valores
compartilhados socialmente.

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23
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