TURMA: 6º ano Desistido e cansado, se sentou ao lado
dela. Quem sabe cala, quem não sabe fica calado? 1 – LÍNGUA PORTUGUESA(BIANCA) O mar enchia a noite de silêncios, as ondas pareciam já se enrolar no peito assustado do A menina sem palavra homem. Foi quando lhe ocorreu: sua filha só podia ser salva por uma história! E logo ali lhe inventou Mia Couto uma, assim: Era uma vez uma menina que pediu ao pai A menina não palavreava. Nenhuma vogal que fosse apanhar a lua para ela. O pai meteu-se lhe saía, seus lábios se ocupavam só em sons que num barco e remou para longe. Quando chegou à não somavam dois nem quatro. Era uma língua só dobra do horizonte pôs-se em bicos de sonhos para dela, um dialeto pessoal. Quando lembrava as alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas palavras ela esquecia o pensamento. Quando mãos, com mil cuidados. O planeta era leve como construía o raciocínio perdia o idioma. Não é que uma balão. fosse muda. Falava em língua que nem há nesta Quando ele puxou para arrancar aquele atual humanidade.. Mesmo sem entender nada as fruto do céu se escutou um rebenta mundo. A lua se pessoas ficavam presas na entonação. E era tão cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se tocante que havia sempre quem chorasse. encrispou, o barco se afundou, engolido num Seu pai muito lhe dedicava afeição e aflição. abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar Uma noite lhe apertou as mãozinhas e cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao implorou, certo que falava sozinho: contrário de todas as direções, para lá e para além, — Fala comigo, filha! recolhendo os pedaços lunares. Olhou o horizonte e — Mar... chamou: O pai espantou-se de boca e orelha. Ela — Pai! falara? Deu um pulo e sacudiu os ombros da Então, se abriu uma fenda funda, a ferida filha. Vês, tu falas, ela fala, ela fala! Disse mar, ela de nascença da própria terra. Dos lábios dessa disse mar, repetia o pai pelos aposentos. Acorreram cicatriz se derramava sangue. A água sangrava? O os familiares e se debruçaram sobre ela. Mas mais sangue se aguava? E foi assim. Essa foi uma vez. nenhum som entendível se anunciou. Chegado a este ponto, o pai perdeu voz e O pai não se conformou. Pensou e se calou. A história tinha perdido fio e meada dentro repensou e elaborou um plano. Levou a filha para da sua cabeça. onde havia mar e mar depois do mar. Se havia sido A menina, nesse repente, se ergueu e a única palavra que ela articulara em toda a sua avançou por dentro das ondas. O pai a seguiu, vida seria, então, no mar que se descortinaria a temeroso. Viu a filha apontar o mar. Então ele razão da inabilidade. vislumbrou, em toda extensão do oceano, uma A menina chegou àquela imensidão. fenda profunda. O pai se espantou com aquela Sentou-se na areia, joelhos interferindo na inesperada fratura, espelho fantástico da história paisagem. E lágrimas interferindo nos joelhos. O que ele acabara de inventar. Um medo fundo lhe mundo que ela pretendera infinito era, afinal, estranhou as entranhas. Seria naquele abismo que pequeno? O pai pedia que ela voltasse, era preciso eles ambos se escoariam?Filha, venha para trás. regressarem, o mar subia em ameaça. Se atrase, filha, por favor... — Venha, minha filha! Ao invés de recuar a menina se adentrou Mas a miúda estava tão imóvel que nem se mais no mar. Depois, parou e passou a mão pela dizia parada. O pai se admirava, feito tonto. água. A ferida líquida se fechou, instantânea. E o — Vamos filha! Caso senão as ondas nos mar se refez, um. A menina voltou atrás, pegou na vão engolir. mão do pai e o conduziu de rumo a casa. No cimo, O pai rodopiava em seu redor, se culpando a lua se recompunha. do estado da menina. Dançou, cantou, pulou. Tudo — Viu, pai? Eu acabei a sua história! para a distrair. Depois, decidiu as vias do fato: E os dois, iluminados, se extinguiram no meteu mãos nas axilas dela e puxou-a. quarto de onde nunca haviam saído.