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Wilson Gomes
Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia)
19.set.2023 às 20h54
Uma colega foi acusada de transfobia e racismo por ter errado o gênero de um adjetivo
dirigido a uma aluna trans que via pela primeira vez em sua aula, por tê-la confundido com
um homem gay. Sim, usar equivocadamente "chateado" em vez de "chateada" disparou uma
espiral de insanidade na qual a professora foi acusada, julgada pelo coletivo, condenada e
severamente punida, tudo em menos de 24 horas.
Em discussão que se seguiu ao equívoco, gravada, a aluna sustenta três teses. Que a relação
pedagógica é um piquenique igualitário em que alunos e professores levam o que têm e todos
se sentam para compartilhar; que o aluno que pertence a uma minoria "historicamente
subalternizada" tem prerrogativas pedagógicas que o põem acima do docente, inclusive a de
realizar sua própria "curadoria" das fontes usadas na disciplina, recusando os autores brancos
e europeus que constam da bibliografia; que qualquer atitude de contestação ou crítica da
interpretação ou da "curadoria" do estudante é destituída de função pedagógica,
constituindo-se, ao contrário, em uma ofensa inaceitável ao aluno pertencente à minoria.
Atitude para a qual, aliás, a única resposta decente é a denúncia pública, a acusação de um
crime identitário grave — racismo, transfobia, misoginia, assédio — e, naturalmente, o
pedido de demissão do docente, conforme o roteiro desta semana.
Por fim, para que correr o risco de inocentar um culpado apenas pela leviandade de querer
salvar um inocente?
Um dos lugares mais insalubres para se trabalhar hoje são as universidades. Ao menor
interesse contrariado, à menor reivindicação de hierarquia pedagógica, à mera indicação de
bibliografia pode corresponder uma acusação de gravíssimo crime identitário. Crime
hediondo, sentença automaticamente cumprida.
Complacente com a sua cria, nem o espírito de corpo típico do ambiente acadêmico vem em
socorro dos acusados-condenados-punidos, nem sequer para pedir que tenham um julgamento
justo ou que o linchamento ocorra depois de apurados isentamente os fatos.
O aluno deve ser acolhido, os professores que lidem com os leões. O cartaz e a pichação
ficam na parede, o dedo na cara, o cerco, o centro acadêmico cúmplice, o docente tratado
como pária e criminoso na casa em que trabalha há dez, 20 anos, tudo acontece sem que
qualquer reação institucional se esboce.
A minha colega teve sorte de alguém estar gravando a aula. E, mesmo assim, vários docentes
se alinharam automaticamente à acusação. Na instituição, toda aquela valentia corporativa
contra o bolsonarismo reduz-se ao silêncio intimidado ante a corporação identitária.
Apesar da gravação, a militância identitária corre às ruas e às redes para fazer exatamente o
que fazia o bolsonarismo: continuar a difamar a docente e a universidade e a destilar o seu
ressentimento contra a instituição.