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e agora?
Como seguir em frente
se ainda há sentimento
UMA NOTA SOBRE DIREITOS AUTORAIS
CRÉDITOS DO MATERIAL
Direção
Fred Elboni
Curadoria e redação
Clarissa Oliveira
Coordenação
Design e diagramação
Hanna Oliveira
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Sumário
Introdução ..................................................................................................... 4
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Pinturas de prisão 2 – Gülsün Karamustafa (1978)
Emergência
Mário Quintana
abafada,
Todo dia, há anos, recebo perguntas sobre como lidar com o fim de um
relacionamento. Términos são sofridos e afetam todas as esferas da vida: a
vida interior das emoções e pensamentos, a vida prática das rotinas e
relações diárias e nossas ações no mundo externo. Não existe resposta
pronta ou fórmula mágica para “superar”. Atravessar essa fase sofrida é um
processo muito individual – afinal, pessoas e relações não cabem em
caixinhas. Não posso prometer uma chave que vai te tirar da cela escura.
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1. Acalmando o coração
2. Acolhendo os pensamentos
3. Exercitando o desapego
5. Praticando o autocuidado
6. Voltando a sonhar
Busquei construir este material com base não apenas nas minhas leituras e
reflexões, mas também em expressão criativas de vários meios: pintura,
poesia, literatura, cinema.
Quem me conhece sabe que valorizo muito a Arte como forma de terapia –
de entender e ser entendido, de se aprofundar internamente e se expandir
externamente – e compartilho essa conexão com você, na esperança de que
essas imagens e palavras possam iluminar sua travessia. Incluí também duas
crônicas inéditas, dedicadas a todas e todos que precisam saber que isso
passa, que não estão só, que o sol voltará a brilhar no seu lindo e ferido
coração.
Espero que você receba esse curso e esse material de apoio como um
abraço, um ombro amigo, uma janela que se abre, uma promessa de que há
muita vida boa pela frente, apesar dos muitos pesares que podem marcar
esse seu momento.
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Coração atropelado:
uma crônica
Sem saber o que o amanhã me reserva, o agora me atropela. Caminho pelas
ruas da cidade com todas as emoções dentro de mim, batalhando por um
lugar ao sol. E com um aperto descomunal no peito, suplico por alívio. Por
que o sofrimento insiste em me habitar se já pedi tanto para ele sair e
encontrar uma nova morada?
Não conheço todas as torturas medievais, mas esta me parece a mais sádica.
Não há remédio que a alivia.
Mantenho meus olhos abertos sempre que possível, pois não quero cair na
fatalidade de fechá-los e, acidentalmente, sonhar com o que já passou.
Muitas vezes sinto que vivi este amor sozinho. E mesmo não encontrando
explicações, sigo questionando. Por que estou sendo obrigado a me
distanciar da coisa mais bonita que me aconteceu?
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Era uma vez. Felizes para sempre. Eu e você. Você e eu. E agora, como vai
ser?
Se confiei tanto no amor do outro, por qual motivo não confiarei na minha
força de me amar? Morro de saudade como morri de amor.
Mas, desta vez, vou aprender a morrer por mim e não pelo outro.
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O abraço – Gustav Klimt (1909)
Artigo VIII
Thiago
de Mello
ama
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1. Acalmando o coração
Saber que isso vai passar, ou mesmo que você já esteve nesse lugar e
conseguiu sair, não é um consolo tão grande assim, porque a escuridão
consegue ser mais forte do que tudo isso, a ponto de engolir qualquer senso
de futuro, qualquer perspectiva de mudança. É preciso, antes de tudo, lidar
com esse presente esmagador: um presente marcado por tantas emoções
difíceis e indesejadas.
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O abraço não mente. Não tenta fingir que está tudo bem. Não tenta te
O abraço simplesmente é.
tudo que brota, mas encontre uma âncora para não se deixar levar pelo
tsunami, nem que essa âncora seja o próprio amor – aquela energia boa e
mundo.
Seja tolerante com as lág rimas que ousam escapar dos olhos,
necessárias
precisam de afeto
Para seguir em frente com fir meza e confiança, o coração pode até estar
que precisa.
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Reinvenção
Cecília Meireles
A vida só é possível
reinventada.
a vida só é possível
reinventada.
desprendo-me do balanço
Só — na treva,
a vida só é possível
reinventada.
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2. Acolhendo os pensamentos
Falas que soam como verdades, mas não passam de crenças tingidas pelo
pessimismo do presente, invadem a consciência desavisadamente. Nunca mais
serei feliz. Perdi o amor da minha vida. Nada mais faz sentido.
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“Eu só quero entender o que aconteceu”.
Sim, eu sei. Mas, às vezes, vestir o nobre chapéu daquele que “busca a
verdade” não passa de uma ilusão. Porque não existe, nos relacionamentos
ou nas pessoas, uma Verdade. Existem sentimentos, afetos, valores,
prioridades, impulsos, verdades (no plural), mentiras (que contamos a nós
mesmos) e sombras que se escondem nas águas turvas do inconsciente.
Refletir e fazer perguntas é louvável. Mas não dá para se tornar refém das
respostas, por mais brilhantes e “redondas” que sejam as teses construídas
nesse longo e rigoroso processo de pensar. Deixe os pensamentos virem,
claro, mas segure-os como se estivesse segurando um pássaro; de forma
solta, compreendendo que é algo vivo, que pode mudar ou seguir outro
rumo a qualquer momento.
Por mais que você precise de solidez nesse momento de
terremoto, evite solidificar teses e crenças. A vida real é rica e
complexa demais para caber nos compartimentos estreitos da
mente.
Por mais que você anseie por respostas que expliquem a tragédia,
não caia na tentação dos clichês e discursos prontos.
Por mais que você se sinta reconfortado por fantasias ou
realidades paralelas, não se deixe cair na toca do coelho e acabar
preso no mundo das maravilhas.
Com o coração sereno e a mente em seu devido lugar de guia, não ditadora,
você não apenas dormirá melhor, como verá que a nuvem negra que paira
sobre sua cabeça vai, aos poucos, se dissipar. E se estiver impossível
controlar a enxurrada de pensamentos ruins, saiba há muitas ferramentas
possívels para te ajudar: da meditação à escrita, da terapia da fala ao
tratamento com remédios, se for o caso. Ninguém merece ser refém dos
próprios pensamentos.
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Menina com balão – Banksy (2002)
Mário Cesariny
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3. Exercitando o desapego
Imagina que você sofra uma queda e quebre o osso da perna. Você vai ao
pronto socorro, coloca uma tala e toma os remédios prescritos, mas, no dia
seguinte, resolve não ficar de repouso. É muito disruptivo e você tem muito
o que fazer. Então você caminha pela casa normalmente, sai para dar uma
volta no shopping e até vai à academia, correr na esteira. O que você acha
que vai sentir? Vai doer mais ou menos? E o que vai acontecer com sua
fratura? Vai sarar mais rápido ou mais devagar?
O mesmo vale para a sua rotina após o término. Por mais que você tenha
zelo sobre suas emoções e modere os pensamentos – isto é, mesmo que
você cuide muito bem do seu mundo interior –, o mundo externo tem um
enorme impacto sobre seu bem-estar. A gente sempre vai esbarrar nas
concretitudes da vida: lugares, objetos, compromissos, horários, milhares de
tarefas mundanas do cotidiano. E mesmo o coração mais calmo ou a mente
mais equilibrada não será capaz de resistir às lembranças diárias da relação
que acabou.
É por isso que praticar o desapego é essencial. Assim que você estiver em
condições de arregaçar as mangas e começar os trabalhos, faça isso – é a
melhor forma de se proteger e criar um ambiente mais propício para sua
boa recuperação.
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Nem sempre será possível eliminar o contato por completo. Talvez vocês
trabalhem ou estudem juntos ou tenham filhos ou pets em comum. Nesses
casos, vale a pena fazerem combinados, de preferência num momento em
que estejam ambos calmos e conseguindo conversar como adultos
civilizados. Não dá para controlar tudo, mas dá para prometer fazer o seu
melhor e se comprometer, acima de tudo, com o seu bem-estar.
Para praticar o desapego com eficácia, é útil pensar nesse momento como a
hora em que você está criando um redoma de proteção para si mesmo.
Canalize a energia de um pai botando limites num filho. Pense naquela mãe
que não deixa a criança sair sem casaco no frio ou o pai que não deixa o
adolescente pegar o carro se vai beber. Nesse caso, você é ao mesmo tempo
a mãe/ o pai e também a criança. Os limites representam as bordas da sua
redoma de proteção. Você precisa dela porque ainda está num estado
fragilizado.
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“104” (de The sun and her flowers)
Rupi Kaur
me perguntei
e se nada me quiser
e também o antídoto
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4. Assumindo sua nova identidade
Uma das sensações mais difíceis de processar após o término é o vazio. Para
além da tristeza e das dúvidas, das novas rotinas e prioridades, há um
buraco enorme, que parece vir da própria alma. O vazio é do tamanho do
espaço que aquela pessoa ocupava em sua vida. Às vezes, especialmente
depois de uma relação muito longa ou muito intensa, esse buraco ameaça
nos engolir por inteiro.
É a pergunta que todos fazemos quando algo importante acaba: uma fase
da vida, um projeto importante, um relacionamento. Sem aquela figura tão
central ao seu lado, sem aquele papel que você desempenhava, é provável
que você se sinta irreconhecível, incompleto – talvez até mesmo “menor”
ou “inferior” à pessoa que você era antes.
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2. A cura definitiva para essa sensação de inferioridade ou incompletude
não é uma nova relação: é o autoconhecimento e o amor próprio. Quem
não se ama ou não se acha inteiro está fadado a construir relações sobre
as frágeis bases da sua insegurança ou até mesmo a ter relacionamentos
tóxicos e/ou abusivos por se recusar a estar sozinho.
Olha para dentro e olha para o espelho: Quem é a pessoa que está aí
dentro? O que você ainda pode descobrir sobre ela?
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Amor e depois de amor
Derek
Walcott
(Tradução de
Mesmo quem não tem nem nunca teve um bom modelo de amor generoso
e paciente é capaz de entender que todo ser humano se desenvolve melhor
num ambiente caloroso, tolerante com nossas deficiências, disposto a nos
ensinar, sempre ciente e respeitoso da nossa individualidade, dos nossos
ritmos e necessidades.
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beleza e fórmulas mágicas para combater o estresse. Não é disso que estou
falando aqui. Nada contra massagens, máscaras faciais e sessões de
meditação, mas cuidar de si é muito maior do que algo que você possa
comprar ou fazer por cinco minutos no seu dia.
Portanto, cuide-se bem. Como diz o poeta, “dê vinho, dê pão”. Seu coração
agradece.
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Em torno dela – Marc Chagall (1945)
Depois de tudo
Fernando
Sabino
Da procura um encontro.
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6. Voltando a sonhar
A minha sugestão é que você use sonhos e desejos como sua estrela guia.
Tudo pode estar escuro e o terreno nada familiar. Mas há uma força motriz
dentro de cada um de nós que pode iluminar nosso caminho: são as
imagens e os anseios da nossa alma, em sonhos ou fantasias.
Não tenho as respostas, mas suspeito que haja fatores internos e externos.
O que desejamos é informado por nosso ambiente – inclusive o contexto
histórico e social em que nos encontramos – mas deve haver também algo
essencialmente nosso, algo que nos ilumina por dentro.
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Proponho, então, que você se exponha ao máximo de experiências que
desepertem em você entusiasmo, interesse ou curiosidade. Siga o seu
coração. Ao mesmo tempo, faça isso com consciência, de forma deliberada;
não apenas para preencher a agenda.
Por fim, durma. Sonhe. Permita-se ser inundada pelas cores, cenas e
doideiras do seu inconsciente. Divirta-se com os enredos. Se quiser, escreva
os seus sonhos depois e veja se eles abrem alguma janela interessante para
seu desejo.
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Janela aberta, Collioure – Henri Matisse (1905)
Janela
Adélia
Prado
Por isso, o último e mais difícil passo que você pode dar é voltar a se abrir
para a vida. Eu sei que o que você está pensando:
Sim, o medo faz parte. Na vida, não temos garantia de nada, só da morte. O
sofrimento já está dado: não temos como escapar. Viver é perder, se
frustrar, quebrar a cara. Mas quem nem entra no jogo, quem não corre atrás
dos sonhos nem dá uma chance ao amor abre mão de uma oportunidade de
experimentar aquela misto maravihoso de emoções que fazem todo o
esforço, toda a vulnerabilidade, valer a pena:
Conexão
Alegria
Encantamento
Não estou falando que é hora de se entregar a um novo amor. Não se trata
disso. Só quem vai dizer se você está pronto para isso é o seu coração. E ele
tem o próprio tempo e a própria linguagem. Não adianta eu dizer: “Abre o
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seu coração”. Se ele não estiver pronto, ele não vai se abrir. E você só vai se
sentir inadequado, pressionado, cobrado.
O que estou sugerindo é que você abra a sua cabeça para a possibilidade de
que muitas experiências maravilhosas te aguardam para além das quatro
paredes do seu quarto. Muito além do amor romântico, de jantares a luz de
vela, beijos apaixonados e dormir de conchinha, a vida lá fora oferece:
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A lista
Beau Taplin
um carro bacana,
dentro da própria
cabeça e coração.
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Minha mensagem final
Alguns querem ser donos de cachorros serelepes e babões, que fazem festa
quando os donos chegam em casa. Outros teriam gatos, autossuficientes e
carinhosos.
Não é uma conquista fácil. Dependendo de quem você é, talvez seja mais
fácil ter uma piscina de borda infinita do que gostar de você mesmo, de
verdade. Estar feliz na própria pele é algo dificílimo, ainda mais nos dias de
hoje, em que toda a sociedade parece conspirar para que nos comparemos
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uns com os outros, sempre a desejar algo que (ainda) não temos.
Hoje sei que nada disso importa. Sem a paz interior do verdadeiro amor
próprio, estaremos sempre zonzos, catando a aprovação dos outros.
Passamos nosso tempo com gente legal, que nos interessa de verdade,
não por obrigação ou tradição.
Portanto, ame-se como você já amou alguém. Olhe-se com a admiração que
você já olhou para esse mesmo alguém. Estenda para você aquele mesmo
abraço caloroso, o mesmo olhar generoso, a mesma tolerância
incondicional. Ame-se. Faça disso um hábito e, eu garanto, coisas boas
acontecerão.
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10 filmes para ver
... e se identificar
Divertida mente
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Alta fidelidade
Legalmente loira
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Brilho eterno de uma mente sem lembranças
Ressaca de amor
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(500) Dias com ela
La La Land (2016)
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10 livros para ler
... e se inspirar
Não ficção
(Harper Collins)
(Objetiva)
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Mais for te do que nunca, de Brené Brown
(Sextante)
(Elefante)
para a humanidade.
(Lúcida Letra)
reler.
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Cartas de um terapeuta para seus momentos de
crise, de Alexandre Coimbra Amaral
(Paidós)
Ficção
(Biblioteca Azul)
(Intrínseca)
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Copo vazio, de Natalia Timerman
(Todavia)
(Intrínseca)
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SOBRE OS ARTISTAS E POETAS
Acredito muito no poder da arte para curar feridas, nos transportar a
lugares interessantes e abrir nossa cabeça (e nosso coração) para novas
possibilidades. Ao preparar este material, busquei incluir artistas e
poetas diversos (mesmo de forma muito passageira), na esperança de
que algumas dessas obras possam te trazer alívio, encanto e, quem
sabe, um pouco de alegria. Aqui vai um pouquinho mais sobre cada
um deles.
ARTISTAS
Gülsün Karamustafa
Gustav Klimt
Klimt foi um pintor austríaco do século XIX famoso por suas obras
pintadas em dourado de estilo art nouveau, como O beijo e a obra na
página 8.
Edward Hopper
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Banksy
Marlon Amaro
Henri Matisse
Pablo Picasso
Sem dúvida um dos artistas mais influentes do século XX, Picasso foi
um pintor e escultor espanhol radicado na França. A obra da página 20
é característica do seu Período Azul.
Marc Chagall
Aliza Nisenbaum
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POETAS
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Derek Walcott (p. 20)
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