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Poesia com elos

16ª edição
Pamela Facco
Poesia com elos

Esperança

Um ano e meio voou, ou se arrastou, não sei bem.


Perco-me nessa percepção temporal onde muita
tragédia em níveis assustadores aconteceram, mas
poucas memórias físicas reais foram criadas.
Não sei, as vezes sinto que a vida foi pausada
naquele dia 17 de março de 2020 e outras horas não.
Parece que trinta anos me percorreram nesses 18
meses. Suspiro aliviada, até com certo orgulho de
como eu fiz o impossível para me manter sã, ainda
que com muita dor, diante dessa barbárie e imensa
tristeza que submerge o Brasil de Bolsonaro.
O isolamento obrigatório, a interrupção dos
planos, o medo do porvir e a melancolia como pano
de fundo. Todos nós em algum nível provamos nesses
últimos meses, simultaneamente e constantemente
esses sabores amargos. Uns de maneira mais racional
e isolada, outros de maneira afetiva e sensorial.
O fato é que não foi fácil, não foi leve, não foi
prazeiroso nem foi digno para ninguém. Sim é essa
a palavra exata, não foram tempos dignos.
Para além do nosso drama particular e das milhares
de possibilidades de falta de ar, olhar para fora
da janela dilacera o coração. Uma volta em qualquer
bairro e a miséria escancarada nos fere os olhos.
Se a vida não fosse de sentir, talvez apenas
seguir os protocolos fosse mais fácil.
Se a empatia não nos machucasse tão severamente
talvez fosse possível sorrir hoje.
Na minha última sessão de terapia meu analista me
sugeriu que eu tentasse me afastar das dores alheias
e passá-las a sentir apenas em terceira pessoa e não
com tamanha empatia como se tudo fosse sobre minha
carne, como se tudo me quebrasse os ossos.
Eu sou um poço de escuridão e vivo me driblando para
não cair nas minhas próprias amarras. Entre muitas e
severas auto destruições, aprendi a não mergulhar nas
minhas profundezas em tempos abstratos, mas eu ainda
não aprendi a me desvincular da dor outro.
Viver o hoje está complicado em um nível que eu não
sei dimensionar, assistir dores tão profundas a minha
volta e saber que nada posso fazer me afeta critica-
mente.
Não consigo me sentir bem em estar feliz, o coração
se atrofia e minha alegria se dissolve no ar feito
gotículas de perfume a céu aberto.
Esse era para ser um texto comemorativo sobre o
primeiro ensaio coletivo do Poesia com Elos pós tantos
meses de reclusão, mas era preciso contextualizar na
nossa linha do tempo, era preciso justificar o porque
de ter sido tão emblemático, importante e significati-
vo para todas nós esse encontro, mas percebi que no
meio dessa minha real e palpável alegria ainda tem
tanta dor.


Se a vida não fosse
de sentir,
talvez apenas seguir
os protocolos fosse
mais fácil.


Eu sinto que essa
foto poderia resgatar
a palavra amor no
meio de qualquer
guerra.

Coloquei paralelamente a esse texto a foto de um
abraço coletivo em plano fechado para me inspirar a
escrita.
Apenas braços, troncos, laços, elos e afetos.
Eu sinto que essa foto poderia resgatar a palavra
amor no meio de qualquer guerra.
Eu queria ser esse abraço em algum plano da surrea-
lidade, ou melhor, eu queria estar no centro de um
coração esmagado por esse abraço dentro da imaginação
dócil de uma criança bem amada.
Na verdade eu queria mesmo que o afeto transbor-
dasse dos nossos peitos e salvasse o nosso mundo.
Por que que o homem ordinário não se deixa afetar
pela arte nem se salvar pelo amor? Grande parte de
nossos problemas sociais seriam resolvidos se o homem
assumisse sua vulnerabilidade e acolhesse sua própria
dor.
Os homens deveriam encontrar e maximizar seu lado
feminino, sua delicadeza e poesia.
Enfim, como eu dei voltas para chegar até nós sete.
Voltemos!
Sábado, dia 28 de agosto de 2021 o primeiro ensaio
coletivo do Poesia com Elos, depois do genocídio.
Perdão, mas não irei suavizar nas palavras, nada
será maquiado. O absurdo é real e nos somos
rebeldes: tanto no ato de assumir nossas corrosões
e chorar desmedidamente pelas tristezas do mundo,
até impor a revolução com a nossa própria pele
através de uma arte que escancara uma outra possi-
bilidade de sociedade.
Pamela, Jessica, Laís, Karina, Vanessa, Márcia
e Victória. Fomos em sete aqui no estúdio, mas
representamos todos os outros Elos, numa equação
perfeita feito uma orquestra sinfônica.
O som era do pulsar dos nossos peitos que tocavam
numa batida homogênea dada pela sintonia das peles
cruas e das almas compatíveis.
A ansiedade pelo encontro tantas vezes adiado, se
dissolveu com alegria, por podermos enfim concre-
tizar a experimentação projetada ao longo desse
tempo de afastamento social.
Ser, estar, abraçar, sorrir, tocar, divertir e
respirar. O ser humano é dependente do coletivo,
da pele, da troca, do acolhimento, da diversão e
da arte.
Fazer parte de um ensaio coletivo do Poesia com
Elos é uma experiência incrivelmente transfor-
madora: tanto pelo seu conceito e representati-
vidade em oposição aos valores tóxicos da nossa
sociedade, até pelas quinas mais escondidas da
individualidade de cada um.
Nesse ensaio coletivo com proposição artística,
totalmente despido, vulnerável, sem máscaras nem
egos e dessa união sincera de almas e corpos, numa
só massa, numa só peça de arte de uma galeria e
nesse momento perceber-se parte do todo, agrega
muito para nossa personalidade e cura feridas que
muitas vezes nem sabíamos que existiam.
O Poesia com Elos é arte e a arte é uma das ferra-
mentas de cura mais sublimes que existe, junto
dela está o afeto e sua sensação de total perten-
cimento a algo com grande sentido e valor.
Veja, um ensaio coletivo com tamanha entrega e
sinceridade alcança essas duas ferramentas de uma
só vez.
Somos arte e somos parte de um elo maior.
Pertencemos, importamos, somos fundamentais e insubs-
tituíveis. Não seria o mesmo ensaio sem a Karina e
não foi o mesmo ensaio sem a Júlia. Cada um de nós é
um elo dessa grande potência de amor que é a nossa
comunidade.
Celebremos o encontro, a vida, o respeito, a plura-
lidade, diversidade e o amor. Sim, celebremos sempre
todo e qualquer amor, inclusive esse que nasce pelo
coletivo e que se mostra fraterno, desinteressado e
despretensiosamente colore e ilumina nossas partes
tristes.
É emocionante para mim, como criadora, ser ponte
entre tantas pessoas magnificas em um marco temporal
de um Brasil assustador.
Essa conexão, intimidade, pureza e rebeldia escan-
caradas nessas imagens justificam a minha existência
como artista, como mulher e como ser humano.
É um prazer poder dividir tanto com vocês.

A seguir o primeiro ensaio coletivo pós 18 meses.


P : Meninas,
como foi a
experiência do
ensaio?

Palavrinhas das participantes


“Venho alguns dias contando do poesia para algumas
pessoas, e para cada um vou traçando um caminho,
tentando explicar a imensidão do processo desse
projeto.
Em todas as histórias notei um ponto em comum:
O poesia foi e é um bálsamo em meio a tudo.
Lembro e sorrio ao pensar no início do clubinho
(ainda bem pequeno na época) debatendo temas tão
importantes e construindo laços entre si.
Formando esses laços pude conhecer pessoas incríveis,
e neste caso, ser fotografada com uma parte delas.
O Ensaio foi tão leve e divertido, cada uma da sua
forma sendo vistas pelos olhares (e lentes) aguçados
e sensíveis da Pam.
Sinto que do início ao fim tudo foi um grande abraço,
daqueles que é um afago.
E nesse sentimento acolhedor consigo equilibrar as
inseguranças dessa roda gigante da vida.
Sorte entrelaçar minha história com essas pessoas e
criar elos tão potentes nessa poesia.”

Karina
“Esse foi o meu terceiro ensaio coletivo pelo Poesia
com Elos, mas esse foi especial, pois foi o primeiro
onde eu estava reunidas com pessoas que fazem parte
da minha vida pessoal.
Nenhum ensaio é igual ao outro e é sempre um vislumbre
viver isso na pele, é incrível como temos esses
sentimentos sempre distintos em cada um deles.
Foi o primeiro ensaio depois de um ano INTENSO,
depois de tanto medo, depois de tanta angústia, tanta
revolta, tanta coisa ruim; mas também com muitas
outras boas, como por exemplo: todas as mulheres que
estavam comigo!
Eu nunca estive tão confortável na minha vida,
brincando e abraçando as minhas amigas totalmente
peladas, como uma situação normal. Sem os julgamen-
tos que a gente diariamente faz com os nossos corpos,
sem ligar de como a câmera vai capturar o seu corpo;
mas confesso que é um pouco assustador sair da nossa
“casca” onde tudo é confortável.
Mas é tão bom sair da casca, olhar e reconhecer que
esse é meu corpo e que tudo que está ali, forma o que
eu sou. Eu sou fã do Poesia porque ali eu consegui
me ver, me amar, aceitar minhas marcas e cuidar
delas. Quem vê de fora, imagina que a gente só cura
o físico, mas não!! A cura do emocional é tão trans-
formadora quanto.
É único a sensação de amor próprio que a gente sente,
além do alívio de ter ultrapassado mais aquele desafio
contra a gente mesmo!
Porque na verdade é isso que mais nos maltrata, nos
desafiamos todos os dias a sermos perfeitas quando a
gente só não consegue enxergar que já somos!
Eu já nem tenho mais palavras para explicar o quanto
é deslumbrante participar de um projeto como esse!”

Vitória
“Fiquei aqui pensando em como responder sobre a
experiência e o significado do ensaio coletivo com
mulheres. Talvez valha dar um passo atrás, dizendo
como estou desde o primeiro ensaio, feito em março.
Sinto muito pelas pessoas que não enxergam o que
comecei enxergar e/ou que ainda sentem medo, vergonha
ou não alcançam o que é possível experimentar quando
se entra no apartamento 132 da Pamela. Aqui, falo da
experiência naquela sala, metade de piso e parede
brancos, metade de cimento queimado (acho), com uma
mesa e espelho lindos.
Pam, assim como você, sua sala é um dos ambientes
mais acolhedores que já conheci. Os poucos elementos
visuais dispostos ali são fundamentais para que o
foco se mantenha: na lente, na fotógrafa, em nós, na
nossa dor e na nossa evolução. E, devagar, a gente
passa a perceber que nada daquilo é pouco. Pelo
contrário, é mais do que suficiente.
Estar ali sozinha em março, em meio a dor, foi desa-
fiador. A possibilidade de estar ali acompanhada,
em junho, apesar de não ter acontecido, me encheu
de emoção. Estar ali em agosto, com as meninas,
foi lindo: sem medo, tiramos a roupa. Sem compara-
ção de corpos, não nos olhamos. Ou olhamos – tanto
faz porque não teve julgamento. Ouvir as histórias
e dar face aos rostos que conhecemos pelo grupo
de WhatsApp ou pelas reuniões online foi integra-
dor. Do grupo, eu era a mais velha e seguia ouvindo
e partilhando histórias com elas. Juntas, além de
boas risadas, falamos sobre sonhos, desafios, medos,
revoltas. A Pam conectava tudo. Mais: orquestrava
o grupo, conduzia as fotos, tangibilizava ideias
(algumas ela havia apresentado dias antes).
Havíamos combinado de ficar 3 horas. Ficamos 5 e
teríamos ficado o dia inteiro, sem ver o tempo passar.
Talvez aí esteja a magia daquele encontro que foi,
de muitas formas e novamente, libertador.
E é com libertador que falo sobre o significado deste
ensaio coletivo sem dizer mais nada – a não ser que
quero e vou fazer outro. E depois outro. E outro.”

Márcia
“Eu conheci o poesia em um momento muito delicado
da minha vida e foi algo extremamente transformador
para mim, do tipo de coisas que podemos considerar
um verdadeiro divisor em nossas vidas.
Ter a oportunidade de participar do ensaio com essas
mulheres tão especiais foi um privilégio à parte.
Mesmo sem conhecer pessoalmente a maioria delas, a
sensação de intimidade e acolhimento foi imediata, e
em poucos minutos estávamos tirando as roupas sem o
menor receio, sem neuras, sem preocupações. A leveza
do clima presente ali é de acalentar meu coração até
hoje.
Entre abraços aconchegantes, muitas risadas e alguns
contorcionismos, fomos acompanhando a arte da Pam
tomando forma ali, na nossa frente, com nossos corpos,
despidos de qualquer vaidade neste momento. O senti-
mento de pertencimento é realmente libertador.
Desde sempre digo que o poesia entrou na minha vida
para me resgatar e este ensaio foi a prova concreta
de que conseguiu.”

Laís
“O ensaio coletivo foi um encontro extremamen-
te acolhedor. A maioria das mulheres ali eu nunca
tinha encontrado pessoalmente antes, apesar disso,
me senti confortável, feliz por estar compartilhando
aquele momento, por conhecer pessoalmente uma parte
do clubinho pessoas com as quais eu dividi muitos
dos meus pensamentos, sentimentos e fotos de todos
os desafios semanais feitos durante mais de um ano.
A troca intensa desse grupo me fez criar vínculos
que eu prezo muito. Uma mistura de pessoas que
se acolhem, que se ajudam, que colocam pautas em
discussão e fazem todos refletirem sobre diversos
assuntos. O clubinho foi além das minhas expectati-
vas fotográficas. Ele foi muitas vezes um refúgio e
sou muito grata por todos que conheci ali e também
pelo abrigo oferecido.
Complementando isso, o ensaio coletivo trouxe uma
experiência nova do toque de corpos nus sem a menor
pretensão sexual. Estávamos ali unidas pela amizade,
acolhendo a naturalidade uma da outra, compartilhan-
do um momento sem o peso de tabus e julgamentos.
Livres dessas amarras.
Não consigo mensurar o que esse ensaio coletivo
significou e muito menos separa-lo da experiência de
participar do clube de Elos e também de ter feito o
ensaio solo dias antes. Tudo se complementa e parece
uma revolução dentro de mim, com cada pessoa do grupo
com sua participação, especialmente a Pam.
Se fosse para resumir, diria: Estou mais autêntica
perante aos outros.
Desde 2019 já sabia que o Poesia com Elos iria ser
importante e revolucionário na minha vida, mas nesse
contexto pandêmico foi, e ainda é, o que faz meus
dias ficarem mais leves.”

Jéssica
Ensaio Solo
Poesia com elos
16ª edição Setembro de 2021
Pamela Facco
Melissa Facco
Rayan Chavez
Diogo D’Onofrio
Patricia Trombini
Caio Docx
Marcello Chagas
Victor Schiavon
Renato M Rodolfo
Ka Donato
Thales Afonseca
Natália Drigo
Jose Resende
Eneas Chiarini Jr
Marcos Fernandes
Daniel Dantonio
Caina Rangel
Marcio Pires
Anderson Leite
Felipe Masini
Joelson Rodrigues
Thiago Borges
Bruno Cardoso
Vinicius Souza
Lais F C
Vanessa de Andrade
Bruno C Souza
Vanessa Azevedo
Erick Ferreira
Daniel Fonseca
Jessica Viana
Fabio Rebouças
Vinicius Pereira
Leandro Cruz
Wim M S Degrave
Leison Maia Santos
Thiago Luiz Vicente Elos da minha poesia.
Erick Silva
André Soares
Ana Paula Tavares
Daniel Nunes
Gabriel Chho
Pablo Ganguli
Manoel J Oliveira
José Roberto B
Julia Magalhães
Alexandre Menezes
Diego Andrade
Junior
Elizabeth Rocha
Silva
Adriano Tamae
Marilia Zannon de Andrade Figueiredo
Fernando Aquino
Milena Monteiro
Juliana Caribé
João Guilherme Grecco
Guilherme Bruno
Diego Campos Arruda
Mariana S Torres
Milton Souza
Samuel Afonso
Felipe Sanches
Pedro Pagador
Jeovane Brito
Julio Cesar Felix
Marco Cesar Ferreira da Silva
Fernando P G Sa
Alberto Cozer
Alexandre Alves dos Santos
Lucas O Freitas
Leticia Crozara
Jody Brown
Mariana Tobias Canero
Wanderlay Rodrigues
Ana Rodrigues
Rodolpho Vasques
Glauco Alves
Laiz Graciano
Danilo Paiva
Marcus Vinicius Viana
Marcos Cabrerisso
Sergiao
Junior Franco
Erik Godoi
Marcos Cabrerisso
Britto Abyara
Juan Lamas
Willian Chisostomo
Lucas Rondon
Alexandre Dalbuquerque
Flávia Zacarias
Angelica
Leonardo Oliveira
Carlos
Aline Nunes
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Ronaldo Costa
Alceu
Lucas Taboza
Bruno
Luciano delanhesi
Andre Amorim
Sebastian Diaz
Deco Kiwi
Marcia Leite
Roberto Nascimento
Diacir Purcote
Erlon Montani
Paulo Trota
João Guilherme Grecco
Mailson Pinheiro
Erick Willian
Dante Neves
Selso da Silva
Luciana Lucena
Mário Rodrigues
Sérgio Rocha
Luan Dallas
André Campos
Thiago Mariano
Luis Moreira Elos da minha poesia.
Fábio Ribeiro
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Ton
Rodrigo F de Lima
Fábio Mighetti
Gustavo Basso
Pedro M Esposito
Carlor Neves
Gabriela Pavarini
Johnson Shimizu
Fábio Spila
Lucas Cavalcante
Daniel Faria Patire
Julio Cesar Lopes
Rodrigo de souza
Dener Pastore
Cesa Betioli
Thiago Santos
Matheus Bertholdo
Wagner Pyter F Silva
Gabriel Lima
Flávio Cassiolato
Daniel S Soares
Francisco G Filho
Nassergio Bento da Silva
Paula Braz
Aurelino Santos
Davine S G Souza
Lucas Levy
Renato Moraes


Junho de 2020

Poesia com elos


16ª edição
Pamela Facco

Setembro de 2021

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