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Poesia com elos

35ª edição
Pamela Facco
Poesia com elos

Volta da Humanidade
A gente sabe das violências rotineiras, a gente
entende como roda o mundo, mas sempre que há
um rosto que temos afeto dentro de uma história
pavorosa o nosso entendimento muda:
Nos revoltamos sinceramente, não conseguimos
aceitar que seja normalizado tamanha agressão a
uma pessoa que faz parte de nós. Agravamos sobre
todas as camadas e sentimos como se fosse conosco.
A humanidade volta inteiramente para dentro do
nosso corpo no momento em que realizamos que as
pessoas que temos profundo amor foram violentadas
seguidas vezes por uma sociedade doente. Queria
no dia de hoje, relembrar que o errado é a nossa
compreensão da ordem natural da sociedade e não
nossa revolta quando a personificação da dor se
faz real. É natural que nos conformemos e que nos
blindemos das dores gerais do mundo porque caso
contrário seria impossível aceitar viver, mas é
imprescindível que temperemos a nossa empatia um
pouco mais.
Não podemos aceitar conviver com uma sociedade
morna perante as violências, pois sermos toleran-
tes a abusos e absurdos faz com que eles cresçam,
se criem e se reproduzam em escala geométrica.
Precisamos estancar esse sangue e a empatia e a
humanidade são o caminho.
Na revista desse mês apresento um ensaio plural,
tanto de almas, corpos até sensações e representa-
ções. Passeamos entre algumas vivencias doloridas
e tentamos sublima-las em arte.
Apresento esse ensaio com os olhos rasos d’água,
pela beleza estética que ele construiu e também
pela profundidade das conexões que conseguimos
realizar em tão pouco tempo.
Encontrar alma dentro dos corpos e acolhimen-
to sincero entre desconhecidos em um domingo
artístico como foi o nosso é infinitamente mais
poético do que ler todas as obras de Fernando
Pessoa.
Reverencio esse encontro e entrega como quem
entende o valor e a grandiosidade desse momento.
O coletivo cura feridas que nenhum consultório
conseguiria alcançar. A fragilidade e a dor humana
são melhores curadas pela sensação de pertenci-
mento, pelo calor do abraço e por um acolhimento
afetivo em linhas horizontais, sem hierarquias
nem expectativas.
O grupo conectado positivamente é terapeutico. A
arte é refugio, é matéria prima, é caminho e é
solução para a sublimação dos nossos traumas. A
arte em grupo é força elevada a máxima potência.
Que prazer ser mediadora desses encontros e curas.
Filha de mãe solo e mãe solo, sem pai em casa, sem
muita estrutura psicológica.
Costumo dizer que eu já conheci todos os abusos
que uma mulher pode sofrer em tão pouco tempo
de vida. Violentada, abusada, abandonada, negli-
genciada, subestimada, louca, vagabunda, leviana,
mentirosa, traiçoeira.
Minha vida é um verdadeiro campo de batalha.
Solitária, na maior parte das vezes, não é fácil
compartilhar certas coisas. Não é todo mundo que
é capaz de entender. Mas eu me escolho. Todos os
dias. Eu escolho enfrentar todos os problemas
hereditárias de todas as mulheres antes de mim que
não tiveram o discernimento de fazer diferença.
Forte, determinada, corajosa, inteligente, perse-
verante, linda e verdadeira. Eu me escolho todos
os dias. Eu escolho os meus sonhos e um futuro
diferente. Nada do que vivo me define. Me conheço,
me descubro e me acolho em tudo que tenho para
viver e aprender. Aprendi a ser verdadeira comigo
mesma, mesmo sabendo que isso desagradaria a
maioria das pessoas. Eu sei o que quero, o que eu
não quero, quem sou e quem eu não quero ser. Eu me
curo todos os dias.
Enfrento os meus demônios e sei que não existe
nada nesse mundo que eu não seja capaz.”

Geovana Paiva
Essas imagens não são antagônicas à toa. O corpo, a alma, os hábitos,
os gostos, as qualidades, os dons, os amores e a história todinha de
uma mulher são sempre doentiamente julgados pela sociedade há centenas
de anos. Não importa o que façamos. Nunca estaremos a salvo, nem nunca
seremos o bastante.
Não conta nossas dores e nem as dezenas de vezes que precisamos abafar
nossos gritos para sobreviver. Deveríamos nos sentir gigantes por
persistimos no sonho APESAR do mundo, mas nossa percepção de nós mesmas
está sempre sendo turvada, e contaminada por opiniões tóxicas de pessoas
que ao invés de nos ouvir e nos acolher em momentos difíceis se engran-
decem no ódio e nos destroem ainda mais.
Nessa sequência eu queria revelar o que uma mulher no seu momento de dor
deveria receber do mundo. Infelizmente o hábito do ser humano ordinário
é sempre atacar uma mulher com julgamentos desprovidos de empatia,
bondade e grandeza de espírito.

A todas as mulheres, especialmente à Geovana.


Profunda gratidão à todos Elos da minha poesia.
Junho de 2020

Poesia com elos


35ª edição
Pamela Facco

Abril de 2023

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