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O encanamento estava apresentando problemas. Nada descia.

É desses alicerces feitos na


favela, casa em cima de casa. Aperto necessário para um lugar onde um pedacinho de terra é
preciosíssimo. E o dono dificilmente morava perto. Sempre aparecia um probleminha aqui e
ali, e os inquilinos davam um jeito, descontando no aluguel. Mas aquele não parecia o caso.

- A água da nossa casa não ta descendo e a da de cima também não vai, – Délcio, passara
grande parte do dia empurrando pela o encanamento uma mangueira velha. Chegara na
conclusão de que nada daquilo adiantaria. O piso estava com uma coloração avermelhada. –
Provavelmente vamos ter que quebrar o piso. Mas eu não faço ideia do por que está dessa cor.
Enquanto isso tem que avisar a vizinha de cima, para não usar a pia dela.

- Eu não vou, não. – Cristina sempre teve receios da velha, que morava em cima. Já a viu
matando o próprio gato a pauladas na escada que dividiam. Fora os cachorros que ela pegava
da rua e meses depois estavam em sacos de lixo. – Amor, me desculpe. Mas essa mulher me
faz mal só de olhar.

E alguém bate a porta. O casal se olha. Talvez fosse o dono, Seu Jardel, já que algumas horas
atrás ele tinha prometido, por telefone, aparecer para averiguar os acontecimentos. E Cristina
vai à porta. Era a velha. Olhos esbugalhados, rugas acentuadas e um sorriso amarelado que
parecia forçado. Logo indagou: - Tá tudo bem? Eu escutei uns barulhos, vocês tão tendo
problemas? – Délcio também estranhava aquela mulher, mas a aceitava já que pra ele a
velhice trazia a insanidade. Tinha como exemplo o pai, seu herói na infância que se resumia
agora, em um velho teimoso.

- Não. É só um probleminha com a encanação, já íamos até falar com a senhora para não usar
a pia da cozinha.- Enquanto isso, a velha foi adentrando a casa. Como estivesse pesquisando,
observava todos os detalhes com atenção. Délcio, continuou: - Seu Jardel, prometeu vir por
aqui, pra ver o problema. Talvez daqui pra manhã. - A velha já estava no lugar do problema da
infiltração. Sua expressão mudou, parecia não acreditar no que via. O semblante, era de
seriedade. A infiltração que se mostrava no piso, manchava-o de vermelho. Fixou-se a olhar o
chão como uma estátua, e após uma longa pausa voltou-se para o casal e disse:

- Ele está aqui, meu marido. – virou-se novamente, agora dando as costas, indo em direção a
porta que tinha entrado, sem pedir. – Mas não se preocupem, eu vou chamar ele de volta. Vai
ficar tudo bem. – O casal se mantiveram calados. Não quiseram entrar naquela loucura dita
pela senhora, sua vizinha. Mas para surpresa deles, no outro dia, o vazamento tinha
desaparecido junto com o entupimento. E quem apareceu, foi o Seu Jardel. Que depois de
escutar dos inquilinos o ocorrido do dia anterior. Deu umas boas risadas. E lhes contou:

- Foi uma anemia que acabou agravando e virando um câncer. Quando ele chegou no hospital
não conseguiram achar veia alguma, furaram muito ele, e nada saia dos furos. Ele estava muito
pálido, como não tivesse sangue algum. Ela diz que ele chegou sem nenhum pingo de sangue
lá. – pausou - Vocês já foram lá em cima, na casa dela? – O casal negou com a cabeça, e ele
sorriu. - Então, é tudo em vermelho. Que ela mandou reformar depois que o velho morreu.

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