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ADEILDO NASCIMENTO

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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

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ADEILDO NASCIMENTO

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2016
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Copyrig@2016 por Adeildo Nascimento.

Editor responsável: Ivan Tadeu Panicio Jr


Revisão: Quezia Mattos e Jairo Rodrigues
Projeto Gráfico: Nei Zuzek

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

NASCIMENTO, Adeildo.
Inteligência Espiritual no Mundo do Trabalho.
Curitiba: Editora Edifica, 2016.

1. Inteligência Espiritual
2. Desenvolvimento Humano e Organizacional
3. Coaching
- Inteligência Espiritual no Mundo do Trabalho
2ª Edição: Agosto 2017 – 1.000 exemplares

Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios


a não ser em citações breves, com indicação da fonte.

Todos os direitos reservados:


EDITORA EDIFICA
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Email: contato@editoraedifica.com.br
www.editoraedifica.com.br

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ADEILDO NASCIMENTO

ÍNDICE

A gradecimentos 7

P refácio 9

Capítulo 1: P ão 13

Capítulo 2: De que pão estamos falando? 21

Capítulo 3: O que conta x o que pode ser contado 35

Capítulo 4: Em que época você naceu? 47

Capítulo 5: O adoecimento do mundo do trabalho 69

Capítulo 6: Temperança 91

Capítulo7: E se Deus não existir 105

Capítulo 8: Em busca de uma vocação 117

Capítulo 9: Conceituando a inteligência espiritual 129

Epílogo 139

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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

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ADEILDO NASCIMENTO

AGRADECIMENTOS

A os meus amigos(as), clientes, companheiros de trabalho


e de jornada que me municiaram de experiências e de momentos
de vida maravilhosos.
R egina Arns, Karlis Kruklis e José Fares, pela leitura
prévia e pelos comentários generosos.
A o meu amigo Nei Zuzek pelos feedbacks sinceros
após leituras minuciosas e pelo belo trabalho de design grá-
fico.
A Daviane, pelos cafés, dicas, conversas e por ter me-
dado a honra de escrever o prefácio do livro.
Aos meus irmãos cristãos de tantas e diferentes igrejas-
que me desafiaram, me ouviram e me aconselharam muito
até aqui.
A o meu irmão, amigo e pastor Marcos, têm sido uma
alegria dividir meu ministério e minha trajetória cristã con-
tigo ao longo destes anos todos.
A os meus pais Adeildo e Amélia que me ensinaram
desde muito cedo o valor da educação e do trabalho.
A minha esposa Jô e ao meu filho João, que me pre-
sentearam com o papel de esposo e de pai e me ajudam a
ser um homem melhor.
A Deus, na pessoa de Jesus Cristo, e ao Espírito San-
to, mestres de obra de um cristão em construção.

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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

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ADEILDO NASCIMENTO

PREFÁCIO

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ADEILDO NASCIMENTO

A descoberta de um propósito comum, capaz de mo-


bilizar os esforços das pessoas numa mesma direção, tem
sido objeto de atenção e ação de algumas empresas da atu-
alidade. Para alguns especialistas em gestão, propósito é o
modo único e autêntico por meio do qual a marca de uma
empresa fará a diferença no mundo. Estudos que compa-
ram os resultados dos negócios antes e depois de tal achado,
comprovam que aqueles que vem depois, são surpreenden-
temente superiores aos encontrados na condição anterior.

A verdade é: empresas nesta consciência sabem que cada


indivíduo é talentoso e capaz de, independentemente do ní-
vel ou profissão, contribuir com os resultados do todo, para
o bem comum. E isto é altamente motivador.

É sobre esta condição individual que o autor discorre sua


obra, destacando que cada pessoa tem um chamado vocacio-
nal, único, que vai para além dos aspectos financeiros, de fama
ou de poder. Somos convidados a refletir sobre qual tem sido
a nossa resposta a este chamado, e por quais caminhos temos
empreendido nossos esforços no lugar onde passamos a maior
parte de nosso tempo, ou seja, no ambiente de trabalho. Viver
esta dimensão de uma forma rica, instigante e dignificante é a
proposta aqui, e, inteligência espiritual, nada mais é, do que a
prática deste entendimento.

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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Embora Adeildo tenha tomado contato com este cami-


nho desde muito cedo a partir da sua vivência na religião
Cristã, a inteligência espiritual para ele, não está vinculada
a práticas religiosas, e sim, da vivência da espiritualidade
no seu sentido mais amplo.

A obra ganha legitimidade pelo fato do autor ter, em sua


própria história profissional, ocupado posições executivas
estratégicas, vivendo, na própria pele os dilemas e as dores
do mundo corporativo, mas também, as dádivas de uma
vida profissional vivida com significado.

Suas experiências ilustram com nitidez o preço que pa-


gamos por uma vida profissional orientada para objetivos
de curto prazo ou por atributos efêmeros, que ao invés de
adicionar, nos roubam pouco a pouco a vida que existe em
nós.

Se desejamos o bem coletivo para a humanidade, o con-


vite se torna imperativo. Espaços em branco no planeta
precisam serem ocupados, urgentemente.
Não existe nada mais oportuno do que colocarmos nos-
sas contribuições e valores mais elevados a nosso serviço e
a serviço de um mundo que precisa que façamos apenas, a
nossa parte.

Boa leitura!

Daviane Chemin
Vice-Presidente da ABRH Brasil
Associação Brasileira de Recursos Humanos

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CAPÍTULO 1

PÃO

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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

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P ão. Isso mesmo, pão. Não consigo achar outro ponto


de partida. Em linhas gerais, não adianta começar qual-
quer conversa sem que você esteja satisfeito em suas necessi-
dades mais básicas. Como diz o velho ditado popular, “saco
vazio não para em pé”.

Seja entrevistando um candidato a uma vaga de em-


prego ou pregando para a conversão de um infiel, cheguei
à conclusão de que a nossa motivação básica é o pão nosso
de cada dia, o nosso sustento. Aprendi isso primeiramente
com Jesus Cristo, que antes de pregar para uma multidão,
se moveu de íntima compaixão pelo estado de seus ouvintes
e, antes de começar a falar, providenciou-lhes peixe e pão.
Ninguém consegue prestar atenção em palavras quando o
estômago ronca forte ou quando as mãos estão trêmulas de
fome.

Também aprendi isso após entrevistar muitos candida-


tos a emprego, que, ao serem questionados a respeito das
suas pretensões salariais, viam-se extremamente constran-
gidos pelo fato de estarem desempregados e, naquela situ-
ação, só queriam o trabalho. Pouco importava o montante
do salário, desde que sua situação pudesse ser mudada ra-
pidamente. Afinal, quando as contas começam a se avolu-
mar e os seus filhos já não têm mais as mesmas coisas que

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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

estavam acostumados a comer na geladeira, a meta primor-


dial é voltar ao mercado de trabalho – o salário negocia-se
depois.

Certa vez, entrevistava um candidato para uma vaga ge-


rencial na empresa em que trabalhava e, inevitavelmente,
chegamos à fatídica pergunta sobre qual era a pretensão
salarial dele. Naquele momento, ele estava desempregado
há vários meses e via-se pelo currículo que era um profis-
sional muito experiente, mas que tinha feito algumas más
escolhas em sua carreira.

Quando perguntei, a resposta foi: “Não se preocupe


com isso, eu me adapto à política salarial da empresa e o
que vocês me pagarem está bom”. Não me dei por satisfeito,
até porque a pretensão salarial demonstra bastante do perfil
do candidato, sua preparação para o desafio, sua autoesti-
ma e o desejo, ou não, que ele tem de trabalhar na empresa.
Eu disse: “Entendo sua vontade de trabalhar conosco e sua
atual condição, mas não quero te desvalorizar enquanto
profissional, por isso, me diga quanto teremos que pagar
para ter você conosco”.

Aquele foi o primeiro candidato totalmente honesto co-


migo – e que atire a primeira pedra quem nunca omitiu ou
floreou respostas numa entrevista de emprego. Ele baixou a
cabeça, pensou por alguns instantes e disse: “Eu sabia que
essa pergunta chegaria, como chegou em todas as outras
entrevistas de emprego que tenho feito no último ano. Para
ser totalmente sincero, eu gostaria de ganhar o mesmo que
eu ganhava antes de ser demitido do meu último emprego,

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ADEILDO NASCIMENTO

mas eu sei que isso será impossível neste momento. Não te-
nho mais condições de sustentar a minha família e sei que
a resposta que eu te der pode definir a minha continuidade
neste processo de seleção. Sei também que sou muito mais
qualificado do que você precisa para a posição que você está
buscando. Só posso te prometer uma coisa: se me der uma
chance de recomeçar, mesmo ganhando abaixo do meu úl-
timo salário, faço um compromisso pessoal com você de
não sair da empresa, no mínimo, pelos próximos 3 anos”.

Difícil fazer planos futuros quando o presente não está


resolvido. Outras e outras entrevistas como esta acontece-
ram, com maior e menor honestidade, mas o que aprendi
durante este tempo é que o pão nosso de cada dia guia
nossas ações primárias de metas. Aquela oferta de empre-
go significava o recomeço para aquele profissional, um ho-
mem de muita honestidade e dignidade. Ele foi contratado,
cumpriu o acordo comigo e depois de 4 anos trabalhando
na empresa, pediu demissão para ocupar um cargo mais
elevado em outra empresa, como era de se esperar.

Não tenho dúvidas de que a entrevista com essa outra


empresa foi em bases totalmente diferentes daquela que ele
fez comigo. Tenho certeza de que sua autoestima era outra
e que ele não se intimidou na hora de dizer sua pretensão
salarial e suas condições para assumir o outro cargo. As
condições agora eram outras. Suas necessidades básicas es-
tavam novamente satisfeitas e ele não tinha mais problemas
para sustentar sua família.

O medo é um dos grandes motivos das nossas ações.

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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

O medo de perder o emprego ou de não conseguir sus-


tentar nossas famílias passam por cima de planos futuros
com velocidade e peso avassaladores. Como já disse Charlie
Brown1, “O medo segue os nossos sonhos”. Eu diria que
o medo impede os nossos sonhos ou, no mínimo, coloca
vírgulas em nossas histórias.

O sustento é o fator primordial de motivação das pes-


soas. É difícil falar de grandes planos e projetos futuros
quando o presente está sendo afetado bem diante dos seus
olhos. Cansei de ver pessoas se aproveitarem deste fato para
conseguir mão-de-obra barata e obter grandes resultados
de curto prazo. Essa é a lei da oferta e da demanda, diz a
economia. Pilhas de currículos davam prova de para onde
apontava o fiel dessa balança.

Nenhuma inteligência resiste à fome, nem mesmo a es-


piritual. Trabalhar para o seu sustento e de sua família é
quase uma ação instintiva. O mundo sempre funcionou
assim, vejamos: chefes distribuem tarefas, acompanham
o seu andamento e cobram resultados. Esta é a descrição
básica de cargos de qualquer chefe, desde que o mundo é
mundo. Do capataz das pirâmides do Egito até o CEO2 das
empresas modernas.

1 Charlie Brown Jr. (também abreviada como CBJR) foi uma banda
brasileira formada em Santos no ano de 1992. Misturou vários ritmos como o
rock, hardcore, o reggae, o rap, o skate punk, criando um estilo próprio. Suas
letras fizeram críticas à sociedade da perspectiva do universo jovem contemporâ-
neo. Todos os membros da banda eram naturais da cidade de Santos, exceto o
vocalista Chorão, que nasceu em São Paulo.

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ADEILDO NASCIMENTO

Um fator importante a ser considerado de início, é este:


só podemos falar de Inteligência Espiritual, ou de qualquer
outra, se nossas necessidades básicas estiverem minima-
mente satisfeitas. Não acredito que Inteligência Espiritual
seja assunto de importância para muitas pessoas e empresas
no Brasil de hoje, mas pode sim ser um norte para outras.
Já para uma outra parte de pessoas e empresas, ela pode ser
um alvo a ser perseguido já, agora. Do contrário, entrarão
em choque consigo mesmas e o final tem-se demonstrado,
como veremos mais à frente, nada animador.

2 Diretor executivo (AO 1945: director executivo) , diretor geral ou


Chefe Executivo de Ofício (às vezes designado pelo estrangeirismo Chief Execu-
tive Officer, ou pela sigla CEO, em inglês) é o cargo que está no topo da hierar-
quia operacional de uma empresa. Ele possui a responsabilidade de executar as
diretrizes propostas pelo Conselho de Administração, que por sua vez é composto
por representantes dos acionistas da empresa.

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CAPÍTULO 2

DE QUE PÃO
ESTAMOS FALANDO?

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A Bíblia ensina que gastar dinheiro com aquilo que


não é pão não é recomendável. A sugestão é gastar o produ-
to do nosso trabalho somente com aquilo que pode nos sa-
tisfazer3. Os judeus têm muito a nos ensinar sobre trabalho,
ganho e poupança. A lógica do Maná4 os havia ensinado a
luta e o agradecimento pela bondade diária de Deus, e os
anos de escravidão ensinaram o valor das coisas conquista-
das pelo trabalho árduo. Todas estas histórias apontavam
para a busca de um coração generoso, a ponto de chacoa-
lhar a Oliveira, de modo que nem todos os frutos caíssem
por terra. Alguns deveriam permanecer lá ou, então, que
não se recolhessem as espigas que caíssem ao chão duran-
te a colheita, pois haveria outras pessoas mais necessitadas
que viriam atrás dos mais abastados, respigando5 o rema-
3 Bíblia Sagrada – Isaías 55:2 Por que gastais o dinheiro naquilo
que não é pão? E o produto do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer?
Ouvi-me atentamente, e comei o que é bom, e a vossa alma se deleite com a
gordura.
4 Maná (no hebraico: ‫ ָמן‬man). O livro bíblico de Êxodo o descreve
como um alimento produzido milagrosamente, sendo fornecido por Deus ao
povo Israelita, liderado por Moisés, durante sua estada no deserto rumo à terra
prometida. Segundo Êxodo, após a evaporação do orvalho formado durante a
madrugada, aparecia uma coisa miúda, flocosa, como a geada, branco, descrito
como uma semente de coentro, e como o bdélio, que lembrava pequenas pérolas.
Geralmente era moído, cozido, e assado, sendo transformado em bolos. Diz-se
que seu sabor lembrava bolachas de mel, ou bolo doce de azeite.
5 res.pi.gar (re+espiga+ar) Apanhar as espigas que ficaram no campo
depois da ceifa: Respigar ao (ou no) campo. Finda a ceifa, as mulheres respigam.
Colher aqui e além.
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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

nescente do chão e dos galhos.

Foi justamente um membro de uma família judia cha-


mado Abraham Maslow6 que nos forneceu um grande ar-
cabouço de explicação para o que aconteceu naquela sala
de reunião durante a entrevista de emprego. Maslow foi
um psicólogo americano que criou a Teoria da Hierarquia
das Necessidades, popularmente conhecida como a Pirâ-
mide de Maslow7. Segundo estes fundamentos, há uma
hierarquia nas necessidades humanas e você só evolui para
um segundo nível quando as necessidades do nível anterior
já estão satisfeitas.

No primeiro nível das necessidades de Maslow, ou na


base da Pirâmide de Maslow, estão as nossas necessidades
básicas ou fisiológicas como: respiração, comida, água,
sexo, sono e excreção. No segundo nível estão as neces-
sidades de segurança: do corpo, da família, do emprego,
da saúde, etc. Embora existam várias críticas ao modelo
apresentado por Maslow, a minha observação prática em
RH, especificamente a respeito das necessidades básicas do
ser humano, dá cabo de muitas explicações para o compor-
tamento humano. A resposta daquele candidato, naquele
momento, transformou a sua vida num testemunho real da
efetividade da teoria.
6 Abraham Maslow (1 de Abril de 1908, Nova Iorque — 8 de Junho
de 1970, Califórnia) foi um psicólogo americano, conhecido pela proposta
Hierarquia de necessidades de Maslow. Maslow era o mais velho de sete irmãos,
de uma família judia do Brooklyn, Nova Iorque, Trabalhou no MIT, fundando
o centro de pesquisa National Laboratories for Group Dynamics.
7 A hierarquia de necessidades de Maslow, também conhecida como
pirâmide de Maslow, é uma divisão hierárquica proposta por Abraham Ma-
slow, em que as necessidades de nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das
necessidades de nível mais alto. Cada um tem de “escalar” uma hierarquia de
necessidades para atingir a sua auto-realização.
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ADEILDO NASCIMENTO

Contudo, a grande pergunta que ficava para mim tinha


mais a ver com a escalada da pirâmide de Maslow do que
com ela propriamente, ou como as necessidades estavam
divididas. Isso porque a maior parte das críticas a Maslow
dizem respeito à conformação da pirâmide e a necessidade
de se passar por todas as etapas para alcançar as demais.

Formar-me em Economia e ler os clássicos das Ciências


Econômicas me ajudaram a compreender um pouco mais
as questões de comportamento humano e marketing, das
possibilidades de ganhos através da diferenciação dos pro-
dutos e da obsolescência programada ou criada. Olhando
esse lado da história econômica, as teorias de Maslow e os
anseios e motivações dos profissionais nas empresas, em
especial os grupos executivos, cheguei à conclusão de que
o mercado de consumo na pós-modernidade tinha como
premissa colocar graxa na Pirâmide de Maslow. Isso por-
que, teoricamente, não há consumo no topo da pirâmide.
O mercado de consumo tem o seu ápice de vendas em pro-
dutos de necessidades “básicas”: comer, beber, morar, dor-
mir, se locomover, necessidades fisiológicas, de segurança
e vestimenta. Fazendo uma conta rápida e simples, ou an-
dando pelas ruas das grandes metrópoles, diga-me quantos
comércios e shopping centers você vê e que são dedicados
a estes produtos. Este é o nosso dia a dia do consumo e ele
está todo na base da Pirâmide.

Para manter o consumo – a base do sistema capitalista8


8 O capitalismo é um sistema econômico em que os meios de produção,
distribuição, decisões sobre oferta, demanda, preço e investimentos são em
grande parte ou totalmente de propriedade privada, com fins lucrativos. Os lu-
cros são distribuídos para os proprietários que investem em empresas. Predomina
o trabalho assalariado. É dominante no mundo ocidental desde o final do
feudalismo.
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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

– é necessário, por consequência, manter as pessoas apega-


das às suas necessidades básicas. A realização plena e o con-
tentamento alcançados nos níveis superiores da pirâmide
colocam em risco o sistema de consumo criado pela socie-
dade pós-moderna, onde o ter é mais valorizado que o ser.

O preço da felicidade

Em sua famosa palestra no TED9 da Califórnia em


2008, o escritor Benjamin Wallace10 trouxe à tona a discus-
são se a felicidade pode ser comprada. Partindo do princí-
pio que rege boa parte das relações sociais, que valorizam
sobremaneira a posse e o consumo de coisas caras e luxuo-
sas, Wallace experimentou coisas que a maioria dos mortais
gostaria de experimentar, e os resultados desta vivência fo-
ram surpreendentes, embasando muito do que digo a res-
peito da graxa na pirâmide de Maslow e suas consequências
para a nossa busca diária e frenética por felicidade.

Sua busca começou pela curiosidade de saber por que


algumas pessoas gastam enormes quantidades de dinheiro
para adquirir alguns bens e produtos, além de tentar des-
cobrir se o fato de gastarem tanto dinheiro nisso os fazia
viver uma vida mais feliz que a dele. Wallace conseguiu o
patrocínio de uma revista para a qual escrevia e embarcou
numa aventura fantástica para experimentar algumas das
9 TED (acrônimo de Technology, Entertainment, Design; em
português: Tecnologia, Entretenimento, Design) é uma série de conferências re-
alizadas na Europa, na Ásia e nas Américas pela fundação Sapling, dos Estados
Unidos, sem fins lucrativos, destinadas à disseminação de ideias – segundo as
palavras da própria organização, “ ideias que merecem ser disseminadas”. Suas
apresentações são limitadas a dezesseis minutos, e os vídeos são amplamente
divulgados na Internet.
10 Jornalista e articulista da Revista Vanity Fair.
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ADEILDO NASCIMENTO

coisas mais caras deste mundo, em uma série de catego-


rias, a maior parte delas pertencente à base da Pirâmide de
Maslow.

Seu primeiro “desafio” foi experimentar o que é consi-


derada a carne mais cara do mundo, o Kobe Beef11 – o ver-
dadeiro, uma vez que a maior parte que é vendida mundo
afora é falsificada ou não possui as reais características do
original japonês. Pela bagatela de US$ 160,00 ele provou
um minúsculo bife de Kobe – e se arrependeu, porque a
carne é tão densa de gordura que mais parece um foie gras
(um patê), a ponto de não parecer uma carne.

Ainda na categoria de alimentos, Wallace foi provar um


dos itens da gastronomia mais caros por unidade: trufas
brancas. O pedido foi um prato de massa, o garçom chegou
com um pedaço de trufa branca, um ralador e começou a
ralar a trufa sobre a massa. O charme das trufas brancas
está no seu aroma e não no paladar. Após raladas sobre a
comida, um leve aroma de nozes e cogumelos chega ao seu
nariz. O efeito dura cerca de 10 segundos, isso mesmo, só
10 segundos. Qual o preço para essa sensação aromática
tão breve? US$ 120,00.

Outro item ligado ao paladar experimentado por ele foi


o azeite de Oliva Manni, produzido numa única encosta
da Toscana, muito bem protegido do oxigênio e da luz, em
garrafas únicas e pintadas especialmente, seladas com gás
11 Kobe beef refere-se aos cortes do bife da estirpe Tajima do gado
wagyu, criado na província de Hyogo, Japão, de acordo com as regras definidas
pela Associação de Marketing e Promoção da Distribuição do Kobe Beef. A
carne geralmente é considerada uma iguaria, reconhecida pelo seu sabor, con-
sistência e gordura, bem marmorizada. O Kobe beef pode ser preparado como
bife, sukiyaki, shabu shabu, sashimi, teppanyaki, entre outros tipos.
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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

inerte. A produção é controlada com análises moleculares


constantes e os resultados publicados online, tudo isso para
acompanhar o desenvolvimento dos fenólicos do azeite e,
com isso, poder analisar sua frescura. Junto com outras 20
pessoas, Wallace fez uma degustação às cegas do azeite,
que custa US$ 33,00 por 20ml. O Manni ficou em último
lugar na avaliação feita pelos participantes.

Quem não aprecia um bom café? Wallace provou o café


mais caro do mundo, o Kopi Luwak da Austrália, que cus-
ta US$ 1.200,00 o quilo. O Luwak é um pequeno gato
selvagem que invade as plantações de café durante a noite
e come os grãos mais maduros de café. Então uma enzima
do seu trato digestivo atua sobre os grãos em seu estômago
antes de defecá-los. Catadores recolhem os excrementos do
Luwak, os limpam e então o café é processado e vendido.

Já que o tópico é excrementos e defecação, Wallace apre-


sentou aos ouvintes o Neorest 600, o vaso sanitário mais
caro do mundo e que custa cerca de US$ 6.000,00. É pro-
duzido no Japão. Além de possuir levantamento automá-
tico da tampa (pré-aquecida) e leitor de MP3 para tornar
sua estada no banheiro mais agradável, o Neorest pode até
mesmo analisar sua urina e enviar os resultados do teste
para o seu médico por e-mail.

Na sequência ele fez uma visita guiada para uma das


suítes de hotel mais caras do mundo, a Ty Warner Suite no
Four Seasons em Manhattan. São 400 metros quadrados
com uma vista de 360o em 4 lindas varandas. Inclusos no
pacote uma limusine Rolls-Royce com motorista e acesso a
uma adega de vinhos, que podem ser consumidos à vonta-

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ADEILDO NASCIMENTO

de. Custo: US$ 30.000,00 a diária. Esse é o tipo de quarto


de hotel que não se aluga para dormir, com certeza. Para
dormir você precisa de uma cama como a Vividus Bed, que
custa a bagatela de US$ 65.000,00. Sem mais comentários.

Outra categoria analisada foi a dos produtos de beleza.


Wallace experimentou o sabonete COR, feito com nano-
partículas de prata para produzir uma esfoliação perfeita
na pele de quem os usa – além de sua propagada ação an-
tibacteriana. Wallace diz que sentiu cócegas e um cheiro
muito bom ao usá-lo, mas ninguém notou a diferença em
seu rosto e nem conseguiu concluir que ele havia usado um
sabonete de US$ 120,00 a unidade.

Wallace fez a sua palestra vestindo uma calça jeans Jo-


mon de cerca de US$ 800,00. A calça é feita de algodão
orgânico do Zimbabwe colhido manualmente e tecida
num tear manual, depois mergulhada 24 vezes num índigo
natural para obter sua coloração “única”. O que deixou o
palestrante incomodado foi o fato de não receber nenhum
elogio pela calça que usava. Em se tratando de um item de
moda fashion, o que ele esperava era pelo menos alguns
elogios.

Que tal então um carro para se locomover com tranqui-


lidade e evitar o transporte público superlotado? A opção
é uma Bugatti Veyron. Você só precisa desembolsar um
milhão e meio de dólares – a dica é esperar a cotação do
dólar no Brasil melhorar, caso você queira economizar um
pouquinho. Wallace diz que o prazer de dirigir é excep-
cional e que os olhares de atenção, com certeza, estarão
voltados para você.

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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Note que as categorias analisadas por ele estão na base


da Pirâmide de Maslow. O que o mercado de consumo faz
conosco é a pergunta sobre qual produto nós utilizamos,
ou seja, você diz: “Gostaria de tomar um cafezinho” e o
mundo te perguntará: “qual café?”. Você está com sono ou
precisando ir ao banheiro e será estereotipado de acordo
com a cama e o vaso sanitário que você usa.

Se estamos todos em busca de felicidade, a pergunta é


se ela pode ser comprada com a posse de produtos e bens
que nos colocarão em evidência na sociedade ou em nossas
redes de relacionamento social. O mercado dirá que sim,
afinal de contas, o meio de demonstrar sucesso e prosperi-
dade é através das coisas que você possui e do patrimônio
que constrói ao longo dos anos de sua vida terrena.

O ponto é que fomos apresentados ao dinheiro, ou,


como diz o texto bíblico, fomos apresentados a Mamon12, a
palavra hebraica que significa literalmente dinheiro, descri-
to por Jesus Cristo como uma divindade capaz de arrebatar
o seu coração, os seus sentimentos, as suas metas e os seus
objetivos de vida. Isso porque o dinheiro não é neutro. Em-
bora criado, economicamente falando, para facilitar as tro-
cas, o dinheiro rapidamente assumiu o papel principal da
12 Mamon é um termo, derivado da Bíblia, usado para descrever
riqueza material ou cobiça, na maioria das vezes, mas nem sempre, personifi-
cado como uma divindade. A própria palavra é uma transliteração da palavra
hebraica “Mamom” (‫)ןֹומ ָמ‬, que significa literalmente “ dinheiro”. Como ser,
Mamon representa o terceiro pecado, a Ganância ou Avareza, também o antic-
risto, devorador de almas, e um dos sete príncipes do Inferno. Sua aparência é
normalmente relacionada a um nobre de aparência deformada, que carrega um
grande saco de moedas de ouro, e “suborna” os humanos para obter suas almas.
Em outros casos é visto com uma espécie de pássaro negro (semelhante ao Abu-
tre), porém com dentes capazes de estraçalhar as almas humanas que comprara.

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ADEILDO NASCIMENTO

lógica capitalista de ganho e acumulação. A grande questão


é estabelecer o vínculo do dinheiro ou da posse de produtos
e serviços obtidos através dele (o dinheiro), com a sensação
de felicidade ou, no mínimo, com a sensação de prazer.

Um dos grandes experimentos neste sentido, também


apresentado por Wallace em sua palestra do TED, foi feito
pela CalTech – a Universidade Tecnológica da Califórnia.
Os pesquisadores colocaram um grupo de pessoas para fa-
zer uma degustação às cegas de “alguns” vinhos. Contudo,
o que os participantes não sabiam é que um mesmo vinho
foi dividido em quatro taças diferentes. A única coisa que
mudava, e que era de conhecimento dos participantes, foi
o valor atribuído ao preço dos supostos vinhos em cada
uma das taças. A partir daí os pesquisadores monitoravam
a área do cérebro responsável pelo sentimento e sensação
de prazer.

O que eles curiosamente descobriram é que a sensação


de prazer dos participantes aumentava à medida que eles
degustavam o mesmo vinho, mas com informação de pre-
ço maior, ou seja, quanto maior o preço, maior o prazer,
mesmo que estivessem falando do mesmo vinho, dos mes-
mos produtos, das mesmas necessidades.

O que parecia um experimento apenas curioso nos dá


inúmeras pistas do que o mercado de consumo faz com
os mais desavisados. Se estamos todos buscando um ní-
vel de completude, de autorrealização pessoal e, acima de
tudo, um estado de contentamento, o mercado de consu-
mo aparece como um impeditivo fundamental para que
esse nível não chegue nunca, ou pelo menos não enquanto

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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

houver disposição e tecnologia para uma diferenciação tão


grande de produtos e a perspicácia para trabalharem nossos
subconscientes de tal maneira a deixar sempre algo mais a
desejar, em regra, algo bem mais caro que a opção anterior.

A lógica cruel, simples e superpoderosa está na sua clas-


sificação social e não na sua evolução como ser humano.
Classes A, B, C ou D em nada têm relação com a Pirâmide
de Maslow, ou seja, pela lógica do consumo de massa, es-
tamos todos fadados a amargar a base da pirâmide, e todas
as vezes em que tentarmos ascender ao próximo nível sur-
girá um novo produto, uma nova cama, um novo café, um
novo smartphone, um novo carro e até mesmo um nova
maneira de se livrar de suas necessidades fisiológicas mais
primárias. Continuaremos escorregando parede abaixo e
que atire a primeira pedra quem nunca tentou, mas tam-
bém não conseguiu.

32
ADEILDO NASCIMENTO

33
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

34
ADEILDO NASCIMENTO

CAPÍTULO 3

O QUE CONTA x
O QUE PODE SER CONTADO

35
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

36
ADEILDO NASCIMENTO

“Nem tudo que conta pode ser contado,


e nem tudo que pode ser contado conta”.


Albert Einstein

A frase de Einstein13, além de muito reveladora, é tam-


bém muito educativa quando falamos de Inteligência Es-
piritual. Isso porque um dos atributos de uma pessoa in-
teligente, espiritualmente falando, é a capacidade de focar
esforços e destinar tempo para as coisas que contam e não,
apenas, para as coisas que podem ser contadas.

Em meus anos de trabalho como profissional de Recur-


sos Humanos, observei a fundo os reais fatores de motiva-
ção das pessoas e pude ver uma sistêmica, constante e pro-
funda mudança nesta equação e justaposição de fatores. É
mais ou menos assim: quando perguntado a uma pessoa o
que mais conta em sua vida, invariavelmente, o que aparece
em 99% das respostas, para não dizer 100%, é a família.

13 Albert Einstein (Ulm, 14 de março de 1879 — Princeton, 18


de abril de 1955) foi um físico teórico alemão. Entre suas principais obras
desenvolveu a teoria da relatividade geral, ao lado da mecânica quântica um
dos dois pilares da física moderna. Embora mais conhecido por sua fórmula de
equivalência massa-energia, E=mc² — que foi chamada de “a equação mais
famosa do mundo” —, foi laureado com o Prêmio Nobel de Física de 1921 “por
suas contribuições à física teórica” e, especialmente, por sua descoberta da lei do
efeito fotoelétrico, que foi fundamental no estabelecimento da teoria quântica.
37
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Em alguns casos, para as pessoas mais religiosas e espi-


ritualizadas, a palavra “Deus” vem antes de família. E aqui
não quero considerá-la, ainda, pois trataremos do efeito
“Deus” um pouco mais à frente. Então, vou me deter ape-
nas nos aspectos “terrenos” desta dita equação.

Os fatores primordiais de motivação envolvendo a famí-


lia de um profissional são basicamente: o medo, a ambição
e o amor. O medo é demonstrado pela obrigação e/ou dever
do sustento da família. Ninguém gosta de se imaginar sem
ter as condições mínimas de prover o alimento e a seguran-
ça para sua família. Isso conta muito. Na sequência vem a
ambição, uma vez que o sustento está garantido, começam
os sonhos de um futuro melhor. Uma casa maior e mais
confortável, a educação de qualidade para os seus filhos, as
férias merecidas naquele resort e por aí vai. Tudo isso tem
como pano de fundo o maior motivador de todos: o amor.
“O amor lança fora todo medo”14 diz o texto bíblico, com
toda a razão que lhe é peculiar. Em resumo, o amor não é
“um” fator motivador, mas “o” fator motivador quando se
coloca a família como aquilo que mais se conta nesta vida.

O problema surge quando a tensão entre o amor à fa-


mília e o amor-próprio aumenta. A Inteligência Espiritual
neste caso, como veremos mais adiante, buscará minimizar
esta tensão quando coloca o foco e o esforço naquilo que
conta, ao invés daquilo que pode ser contado. Trocando
em miúdos, o que, a princípio, parece complicado é: o que
te vem à mente quando você pensa em alguma coisa que
14 Bíblia Sagrada – 1 João 4:18 No amor não há temor, antes o per-
feito amor lança fora o temor; porque o temor tem consigo a pena, e o que teme
não é perfeito em amor.

38
ADEILDO NASCIMENTO

pode ser contada? O meu chute, muito embora você este-


ja tentando se enganar ou me enganar, é o dinheiro! Isso
mesmo, o bom e velho dinheiro. Mamon, uma divindade
adorada por todos nós em nossos mais secretos, e públicos,
pensamentos.

A busca frenética pelo dinheiro e pela acumulação cria


uma cortina de fumaça que deturpa o olhar futuro de al-
guns profissionais. Se no início as motivações eram todas
voltadas para a família, para o seu sustento e para uma
ambição comedida de herança e futuro para os filhos, aos
poucos as motivações começam a ter um outro centro de
atenção, o umbigo. Eu costumo usar o termo “umbigola-
tria” para definir o que acontece com algumas pessoas ao
longo de sua trajetória pessoal e profissional.

Certa vez fui conversar com um executivo sobre uma


possível promoção a um cargo de Diretor. O objetivo era
lhe explicar que tal promoção necessitaria de uma mudan-
ça de cidade para outro extremo do país, a fim de cuidar
de uma regional. Eu sabia, por entrevistas passadas e por
análises de perfil e de potencial, que aquele profissional,
além do desejo de crescer profissionalmente, era também a
pessoa mais indicada para aquela função.

Iniciei a conversa falando de todas as perspectivas de


carreira para ele e como a empresa acreditava no futuro
dele dentro da organização. É claro que a promoção vinha
acompanhada de aumento salarial, de benefícios, além do
status e prestígio do cargo. Obviamente, ele ficou eufóri-
co com a possibilidade e com todo o contexto. Contudo,
também falei da necessidade de mudança de cidade, afinal

39
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

de contas, não imaginávamos que aquele desafio seria bem


executado por um profissional que estivesse longe da sua
família ou que decidisse por viajar semanalmente morando
em uma cidade e trabalhando em outra.

Neste ponto, de súbito, o entusiasmo deu uma arrefe-


cida. Não parecia que aquela seria uma decisão fácil de se
tomar, embora, em sua cabeça já tivesse aceitado as conse-
quências. Os “entraves” para que tudo fosse só alegria eram
a sua esposa e os seus filhos. Entrave parece uma palavra
meio forte a ser usado neste contexto, mas foi exatamente
essa a sensação que ele me passou quando se referiu à sua
família.

Embora não explícito, era nítida a divisão de projetos e


anseios dele e da sua esposa. Por várias vezes apareceram as
palavras “minha carreira”, “carreira dela”, “minha remune-
ração” e o “salário dela”. Não existia um projeto de família,
mas sim projetos individuais de carreira e, até mesmo, de
vida. O centro da discussão estava nele e nos seus anseios
de carreira. As demais coisas, que até então eram priori-
dades, começavam a transitar em órbitas muito distantes
do seu umbigo. Para você, pode parecer leviano fazer uma
conceituação como esta, mas acredite, tenho muita expe-
riência no trato com pessoas, principalmente quando fala-
mos de carreiras profissionais. Os olhos, a postura corporal,
a forma e a tonalidade da voz acabam entregando o que
é importante do que é supérfluo ou, simplesmente, não é
prioridade.

Quando reparei que a questão gerou uma dúvida, inter-


rompi a conversa dizendo que a decisão não precisaria ser

40
ADEILDO NASCIMENTO

tomada naquele momento. Disse que compreendia que o


tempo era e é um fator importante para a tomada correta
de decisão e que nada como uma noite entre dois dias para
uma boa dose de análise e reflexão. Dei a ele um tempo e
agendamos de nos encontrar novamente no dia seguinte
para seguirmos com a conversa.

No dia seguinte, ele entrou em minha sala com um


olhar preocupado, mas com postura de decisão. A frase foi
a seguinte: “Quando é que eu me mudo?”. Como não notei
muito entusiasmo na pergunta, o retruquei para saber o
que havia acontecido na noite anterior. Ele me contou que
a conversa com a esposa não havia sido fácil, mas que com
ela ou sem ela, ele estava determinado a encarar o novo
desafio.

Fiquei numa situação tremendamente difícil. Pelo lado


da empresa e da minha posição em RH, a resposta dele era
extremamente conveniente, mas, por outro lado, eu sabia
que ele não estava sendo nenhum um pouco sensato quan-
to às prioridades da vida. Nem sempre o que conta pode
ser contado, mas ele sabia no detalhe o que uma posição de
Diretor significaria em termos quantitativos para ele.

Existem limites de interferência de um profissional de


RH na vida privada de um profissional. Eu jamais poderia
declinar da oferta que eu fiz a ele única e exclusivamen-
te porque via um problema familiar nascendo. Ele era um
profissional adulto e não estava interessado em aconselha-
mento familiar naquele momento. A decisão, em última
instância, era apenas dele.

41
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Nossa inteligência intelectual é muito aflorada na hora


de fazer contas. É inadmissível não desejar algo maior, prin-
cipalmente quando falamos de carreira profissional. Nossos
organogramas falam de topo, têm forma de pirâmide e são
cada vez mais exclusivistas, à medida que subimos.

Vivemos em um país em que o salário de um profissional


de manufatura é várias vezes menor que o salário do presi-
dente. Criamos níveis e mais níveis (Auxiliar, Assistente I,
Assistente II, Assistente III, Analista Jr, Analista Pl, Analis-
ta Sr, Líder, Supervisor, Coordenador, Gerente, Gerente Sr,
Diretor, Superintendente, Vice-Presidente, CEO, Presidente,
Presidente do Conselho, etc.) que denotam acúmulo de coi-
sas que podem ser contadas e servir de base de comparação
entre as pessoas.

Evoluímos de certa maneira em nossa Inteligência Emo-


cional15 quando conseguimos lidar um pouco melhor com
a relação vida pessoal x vida profissional e, após tantos trei-
namentos e programas de team building16, aprendemos um
pouco mais sobre empatia, sinergia e espírito de equipe.
Contudo, nossa inteligência ainda não alcançou o patamar
de fazer as contas certas para aquelas “coisas” que não podem
ser contadas. Existe ainda uma densa cortina de fumaça que
as escondem de nós no nosso dia a dia e, principalmente,
quando fazemos planejamentos de carreiras profissionais.
Como disse no início, são as decisões de carreira que defi-
15 Inteligência emocional é um conceito em Psicologia que descreve a
capacidade de reconhecer os próprios sentimentos e os dos outros, assim como a
capacidade de lidar com eles.
16 Treinamentos corporativos que visam a integração e a formação de
equipes.

42
ADEILDO NASCIMENTO

nem a vida ou as decisões de vida que definem a carreira?

A capacidade de fazer as “contas” certas é um atributo da


Inteligência Espiritual. Definir prioridades e propósitos de
vida e, principalmente, balizar suas decisões – desde as mais
corriqueiras e cotidianas até as mais delicadas e importantes
– são comportamentos de pessoas mais espiritualizadas que
a média geral. Você pode contra argumentar e dizer que isso
nada tem a ver com a espiritualidade, mas eu desafio você a
fazer um exame crítico de suas decisões dos últimos anos,
em termos de carreira profissional. Me atrevo a afirmar que
as prioridades no que você diz têm algo a ver com Deus e/ou
com a sua família, contudo, na prática, alguns minutos de
conversa poderão demonstrar um caminho totalmente con-
trário ao seu discurso. Provavelmente estes caminhos passa-
rão muito próximos do seu umbigo.

O desfecho daquela história demonstrou um saldo ne-


gativo para todos os lados. Meses depois de se mudar para a
nova cidade com a mulher e os filhos, este profissional aca-
bou não performando de acordo com as expectativas da em-
presa. Sua mulher vivia em viagens constantes de ida e volta
para sua cidade natal, com longos períodos distante do ma-
rido e de um dos filhos. Este filho, inclusive, antecipou um
intercâmbio para o exterior e, recentemente, fiquei sabendo
que nunca mais voltou a morar com os pais – mesmo tendo
esta escolha. Um ano mais tarde, o diretor foi demitido. O
casamento sofreu marcas profundas e o profissional de RH
aprendeu mais algumas lições: verifique todas as variáveis
antes de uma oferta de promoção e mudança; diga tudo o
que pensa e seja o mais honesto possível com os seus pen-
samentos e feedbacks; e investigue se o que não pode ser

43
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

contado vai contar.

O alinhamento entre o discurso e a prática nos compor-


tamentos diários é um grande indicativo de Inteligência Es-
piritual nas pessoas que prezam por valores como Deus, fa-
mília, amigos e suas relações primárias com pessoas que, de
alguma maneira, dependem delas. Não apenas dependência
financeira, mas também o que eu chamo de “dependência
fraterna”, ou seja, caso você não esteja por perto, qual o ta-
manho da falta que você irá causar na vida e na alma das
pessoas que te rodeiam.

A Inteligência Espiritual apresenta novos conceitos e fór-


mulas para fazer contas. Nem sempre a maior renda finan-
ceira significa ganhos; às vezes, muito pelo contrário. Um
olhar espiritual coloca em perspectiva aquilo que não pode
ser contado. Conceito muito parecido com a diferença entre
preço e valor vindo da Economia, na maioria das vezes a eti-
queta não reflete o valor das coisas. Talvez seja por isso que
somos enganados, afinal de contas, ninguém coloca etiqueta
de preços nos filhos ou nos cônjuges, embora nosso lado pri-
mitivo e apenas nosso Q.I. – Quoeficiente Intelectual – con-
siga nos tentar neste sentido.

Curiosamente, todas as vezes em que somos questiona-


dos a dizer o que mais conta para nós, acabamos listando
tudo aquilo que não pode ser contado, porém, quando nos
questionam quais são as coisas em que mais investimos tem-
po e dinheiro, aparecem apenas as que podem ser contadas.
Como sempre, discursos desalinhados de práticas. Pessoas
com elevado coeficiente espiritual costumam viver de acordo
com aquilo que dizem.

44
ADEILDO NASCIMENTO

45
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

46
ADEILDO NASCIMENTO

CAPÍTULO 4

EM QUE ÉPOCA
VOCÊ NASCEU?

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INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

48
ADEILDO NASCIMENTO

“N ão quero que meus filhos passem pelo que eu passei”.

“Não quero para mim o mesmo estilo de vida de meus


pais”.

Estão são as frases que mais ouvi e ouço conversando


com pessoas de diferentes gerações. O mundo fala de um
tal “conflito de gerações” e tem razão de assim dizer, pois
acredito que uma falta de empatia generalizada envolve
nossa sociedade hoje. As motivações e os anseios relativos
ao trabalho mudaram drasticamente no período de apenas
uma geração. Sou um homem de 41 anos de idade, per-
tenço a uma geração de transição, que recebeu insights17 e
exemplos dos pais, mas que vê o filho vivendo numa socie-
dade totalmente diferente da minha e extremamente dife-
rente da de meus pais.

Se focarmos apenas na lógica das motivações para o tra-


balho, observaremos os seguintes efeitos: nossos pais traba-
lharam por sustento, o objetivo primordial do trabalho era
garantir o alimento e a manutenção da casa por mais um
mês. Contudo, nossos pais, em sua maioria, foram aque-

17 Intuição - intuir algo, ter um insight. 49


INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

les que usaram a seguinte frase quando falavam conosco:


“Meu filho, papai não teve a oportunidade de estudar, mas
você vai!”. Em maior ou menor intensidade, nossos pais já
vislumbravam um potencial de vida melhor aos seus filhos,
se os mesmos se dedicassem aos estudos.

Viviam numa época em que apenas os mais ricos e abas-


tados tinham a oportunidade de estudar e isso os colocava
em posição de destaque e de prosperidade financeira. Era
a época dos “doutores”. Qualquer graduação de nível supe-
rior garantia a você o grau social de “doutor”.

Nós somos os filhos que ouviram o conselho ou que


foram forçados a ouvi-lo. Estudamos um pouco, ou muito,
mais. Nas estantes das casas de nossos pais os porta-retratos
são de jovens com beca e de canudo na mão. A felicidade
pelos primeiros filhos ou primeiros membros da família
a se formar era motivo de orgulho e admiração de pais e
mães que calejaram as mãos e amargaram turnos e mais
turnos, infindáveis horas extras e mais de um emprego para
garantir um futuro melhor aos seus herdeiros. Afinal de
contas, ninguém queria que seus filhos passassem pelo que
passaram.

O estudo nos abriu portas e criou possibilidades. Fomos


apresentados ao mundo corporativo com todo seu glamour
e suas promessas. Tínhamos uma mesa e uma cadeira que
eram só nossas. Fizemos nossas primeiras viagens de avião.
Nossas roupas começaram a melhorar – interessante como
no guarda-roupas as melhores peças eram destinadas ao
ambiente de trabalho – e nossa aparência começou a, pou-
co a pouco, ficar diferente da de nossos pais. Nossas mãos

50
ADEILDO NASCIMENTO

eram muito mais macias que as deles.

O mundo corporativo nos acenou com o caminho da


prosperidade financeira e da possibilidade de criação de um
patrimônio. Nossos pais nunca imaginaram ter o que nós
começamos a ter na nossa mais tenra idade. Começamos
a sonhar com o carro melhor, com a casa maior, com a
viagem para o exterior e, principalmente, com a possibili-
dade de liderar, de empreender, de controlar e de estar em
centros de decisão. Se nossos pais apenas faziam sem saber
por que faziam, nós começamos a ter a chance de pensar,
de opinar e de criar.

O resultado é que a carreira profissional, que antes era


coadjuvante num projeto de vida, tomou o lugar principal
e de destaque. Talvez pela insistente pergunta em nossas
cabeças: “O que você vai ser quando crescer?”. Não acredi-
to que nossos pais tenham ouvido esta pergunta tão insis-
tentemente quanto nós. Afinal de contas, toda a esperança
deles era colocada sobre nossas costas.

De tanto ouvir essa pergunta, começamos a nos preocu-


par muito cedo com nossos futuros. O trabalho, ou melhor
dizendo, o emprego, era a tábua de salvação e de propósi-
to para todas as famílias, e quando o mundo corporativo
acenava com suas possibilidades quase infinitas, isso soava
como música para os que sonhavam em entrar para a classe
média.

Ainda me lembro com alegria o dia em que comuni-


quei aos meus pais que tinha conseguido um estágio numa
grande empresa multinacional do ramo metal-mecânico

51
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

na Cidade Industrial de Curitiba. Era como se o futuro


do filho deles estivesse totalmente garantido. Eu poderia
me dedicar muito e até me aposentar naquela empresa, que
supriria todas as minhas necessidades e me colocaria em
posição de destaque na sociedade. A única coisa com que
não contávamos era que o mundo fosse mudar tão drastica-
mente e tão rapidamente. Não esperávamos que o simples
intervalo de uma geração nos reservasse tantas surpresas,
possibilidades e armadilhas.

A tecnologia, talvez, tenha sido a maior surpresa de to-


das. Não pelas inovações que criou e disponibilizou, mas
sim pela velocidade em que elas apareceram. Diante dos
nossos olhos, vimos todas as ferramentas que facilitavam
a nossa vida desaparecerem para dar lugar a outras muito
mais rápidas, inteligentes, amigáveis e de fácil acesso. Ain-
da me lembro do meu espanto e admiração quando vi o
recebimento de um fax18 no escritório do meu pai.

Vivemos o mundo da internet discada e discos de 256k19


que armazenavam nossos pouquíssimos documentos de
texto. Nossas fotografias reveladas em filmes de 12, 24 ou
36 poses, o desespero e frustração quando pagávamos pela
18 Fax, faxe, telefax (abreviaturas do termo latino facsimile e telefac-
simile) ou telecópia é uma tecnologia das telecomunicações usada para a trans-
ferência remota de documentos através da rede telefônica. A ideia de transmitir
e reproduzir documentos a longa distância foi patenteada por Alexander Bain
em 1843. Da união da ideia de Bain com aparelho telefônico criado por Alex-
ander Graham Bell, o primeiro protótipo do fac-símile, mais conhecido como
fax, foi criado nos Laboratórios Bell em 1926.
19 Disquete, também conhecido como diskette, disk ou floppy disk, é
um tipo de disco de armazenamento composto por um disco de armazenamento
magnético fino e flexível, selado por um plástico retangular, forrado com tecido
que remove as partículas de poeira. Disquetes podem ser lidos e gravados por um
leitor de disquete, chamado também de floppy disk drive (FDD).
52
ADEILDO NASCIMENTO

revelação deles e descobríamos que o filme tinha queima-


do – interessante como a gíria “queimou o filme” resiste
até hoje, embora a maioria das pessoas não saiba da sua
origem.

A tecnologia desempregou muita gente. Pegou de sur-


presa aqueles que se agarraram ao passado como fonte de
seus conhecimentos. Mecânicos que diziam com a boca
cheia saber regular um carburador20 pelo ouvido foram
atropelados pela injeção eletrônica, da mesma forma que a
KODAK foi atropelada pelo INSTAGRAM ou que a Enci-
clopédia BARSA perde o sentido em tempos de GOOGLE
e de WIKIPEDIA.

Dentro destes mesmos movimentos, também aparece-


ram as armadilhas de comunicação, de comportamentos,
de vícios, de perdas de produtividade – mas, acima de tudo,
a armadilha da separação. O trabalho intelectual e tecnoló-
gico acabou por separar, e muito, o trabalhador do produto
final do seu ofício.

A sociedade vive há milhares de anos no modelo de pro-


dução rural, há centenas de anos no modelo de produção
industrial, mas apenas há dezenas de anos no modelo de
produção intelectual. Criamos uma geração que passa os
dias presa a uma mesa, olhando fixamente uma tela de
computador, e com sérias dificuldades de explicar aos seus
20 O carburador é um componente mecânico responsável pela alimen-
tação de um motor de combustão. Ele é responsável pela criação da mistura ar/
combustível e sua dosagem em motores de combustão interna, seu funciona-
mento básico é totalmente mecânico. Utilizado nos automóveis por quase um
século, o carburador passou por mudanças em termos de tecnologia, passando
a ser comandado por dispositivos eletrônicos antes de finalmente ser substituído
por uma nova tecnologia que cumpre sua função: a injeção eletrônica.
53
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

filhos o que produziram depois de um longo dia de traba-


lho.

A armadilha da separação reforça o pensar de uma vida


sem propósitos. Um certo senso de não-produtividade, de
não-cumprimento de objetivos de vida ou mesmo de não-
-contribuição para a sociedade. Não são poucos os profissio-
nais que hoje se ressentem do modo de vida que levam. So-
mos a geração dos workaholics21, daqueles que têm horário
para entrar, mas não para sair. Somos aqueles que vestem a
camisa da empresa, que não hesitam um segundo em deixar
a família no final de semana para resolver aquele problema
urgentíssimo que surgiu na empresa. Somos aqueles que pre-
cisam programar muito bem a época de nascimento do filho,
ou daquela cirurgia, para não conflitar com o período de
orçamento na “firma”.

Triste sina ou desejo enrustido? Afinal de contas, gosta-


mos disso ou não? Quem sabe aos olhos dos nossos pais, uma
coisa muito boa, afinal de contas os filhos deles se tornaram
importantes, agora são “doutores”. Trabalham em escritórios
com ar-condicionado, cafezinho e salas de descompressão22.
A armadilha, contudo, se torna um pouco mais visível aos
olhos dos nossos filhos. “Não quero para mim o mesmo esti-
lo de vida dos meus pais” é a frase que está na boca dos filhos
desta geração. O que eles vivenciaram foram casas com pais
e mães ausentes. Desde a mais tenra idade em creches boas
21 Trabalhador compulsivo ou Workaholic meio que um “trabalhóla-
tra” (também, adicto ao trabalho, dependente do trabalho ou workaholic) des-
igna uma pessoa viciada em trabalho. Workaholic é uma expressão americana
que teve origem na palavra alcoholic (alcoólatra). Serve para designar uma
pessoa viciada, não em álcool mas em trabalho.
22 Salas de descanso e entretenimento existentes em algumas empresas
com o objetivo de relaxamento e “ limpeza mental” dos empregados.
54
ADEILDO NASCIMENTO

e confortáveis, na primeira infância com programas cada vez


mais intensos: balé, judô, natação, inglês, música, futebol, etc
etc etc.

Que trabalho é esse que afasta meus pais de mim? A


resposta dos pais é que o trabalho é o que garante a boa
roupa, a boa comida, a casa confortável e os passeios para
o exterior, além do videogame de última geração. Mimos e
distrações para justificar nossas carreiras? De novo me faço
a pergunta cruel e que martela nossas reais intenções: o ob-
jetivo é a nossa família mesmo? Quem tem coragem de se
reunir com os filhos e perguntar se eles preferem os pais
mais ou menos tempo em casa? Mais ou menos dinheiro e
conforto? Nossas carreiras profissionais têm limite de ascen-
são? Boas perguntas.

O que conseguimos concluir é que a época em que nas-


cemos revela muito de nós e das nossas intenções, motivos
e anseios. Trabalhando com todas estas gerações, eu conse-
gui, através da observação, traçar alguns modelos mentais
básicos conforme a geração a que pertencemos. O quadro a
seguir ilustra como cada uma delas enxerga tópicos relativos
ao trabalho, ou mercado de trabalho, e que podem te au-
xiliar a criar um pouco mais de empatia no trato com cada
uma dessas gerações.

Importante lembrar que falo em termos de comporta-


mento “médio” da maioria das pessoas em cada geração,
mas não podemos tratar esse assunto de maneira determi-
nista. Isso porque conseguimos achar pessoas da geração X
que podem ter determinados comportamentos idênticos aos
da geração Z e vice-versa.

55
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Para efeitos de sociologia brasileira podemos considerar


a seguinte divisão: geração X são os nascidos na década de
70; geração Y são os nascidos entre os anos 70 e 90; geração
Z os nascidos a partir da década de 90.
XY X Y Z Z
Tempo Serviço Muito Casual Sem
importante importância
Promoção Definida Definida Definida pelo
pelo tempo pelo mérito mérito e $
Aumento Salário Pelo tempo Pelo mérito Pelo valor
agregado
Demissão Meu Deus! Porque? Estou indo
embora
Contrato Trabalho Unilateral Bilateral Autônomo

Carreira Definida Definida em Definida pelo


pela empresa conjunto profissional
Status Importamte Muito Pouco
importamte importamte

E no que tange à divisão vida pessoal x vida profissional,


o que observo é a seguinte situação:
Vida Profissional

Vida Profissional
Vida Profissional

Vida Pessoal
Vida Pessoal

Vida Pessoal

56
ADEILDO NASCIMENTO

Quando comparo a geração Y com a geração Z em ter-


mos de tempo à disposição do trabalho e tempo de qualida-
de de vida e prazer, vejo o seguinte contrassenso: a geração
Y desejando ganhar o seu primeiro milhão (R$) e a geração
Z querendo gastar o seu primeiro milhão (R$).

Algumas pistas nos parecem mostrar que a geração mais


afetada por todas estas mudanças é justamente a geração Y.
Transicional, é a geração mais pressionada, por estar hoje
no topo das organizações, lidando com situações totalmen-
te novas, um quadro tecnológico sempre em constante ino-
vação e um padrão de comportamento humano totalmente
diferente do vivido pelas gerações anteriores.

O resultado é devastador, como veremos mais adiante.


O mundo corporativo começa a adoecer e nenhuma in-
teligência tem sido eficiente para curá-lo de suas mazelas.
Cada dia mais executivos abaixo dos 50 anos de idade op-
tam por uma segunda carreira, aumenta o número deles
que sofrem de problemas cardíacos, bem como os casos de
separações e divórcios. Cada vez mais executivos entram
em depressão, ou precisam de remédios para dormir e para
acordar. A geração Z olha isso com espanto, e é daí que
nasce a frase “não quero para mim o mesmo estilo de vida
de meus pais”.

Recentemente, já atuando como consultor de empresas,


fui chamado para auxiliar uma empresa em momento de
plano de sucessão. O pai e a mãe, dois empreendedores na-
tos que construíram uma empresa de sucesso no seu ramo
de atuação, e que agora, com o peso da idade, querem gas-
tar um pouco do dinheiro acumulado e curtir o final de

57
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

suas vidas, decidiram discutir a possibilidade de passar o


negócio para um filho e uma filha.

Na verdade, eu fui chamado pela área de Recursos Hu-


manos, que via a necessidade iminente da criação de um
plano de sucessão estruturado para o momento da empresa.
Me reuni com a responsável pelo RH, entendi a demanda,
mas disse que não poderia enviar uma proposta de trabalho
sem, antes de qualquer coisa, ter a possibilidade de conver-
sar com os fundadores da empresa e, na sequência, com os
possíveis sucessores. Notei que ela consentiu meio contra-
riada, o que me soou estranho. Comecei a desconfiar que
a demanda não havia partido dos donos da empresa, mas
sim do próprio RH. Contudo, é impossível a implantação
de um plano de sucessão – se você quiser que ele seja bem-
-sucedido – sem que haja o desejo, ou pelo menos a concor-
dância das partes interessadas, principalmente as que serão
sucedidas.

Quando enfim consegui fazer a reunião com o dono da


empresa – sua esposa estava viajando e não pode participar
– de cara percebi que não havia nenhum desejo de deixar
o comando da companhia. Quando perguntei a ele quais
eram os motivos para procurar alguém para auxiliá-lo num
plano de sucessão, a resposta veio de forma direta e categó-
rica: “O único motivo é que acham que eu não sirvo mais
para tocar o meu próprio negócio”. Devolvi a pergunta e
disse: “E eles estão certos?”. O olhar daquele senhor me ful-
minou por alguns instantes, como querendo me perguntar:
“Quem é você mesmo?”.

Percebi que ele se conteve antes de me responder. Me

58
ADEILDO NASCIMENTO

olhando fixamente, pensou e então disse: “Não, eles não


estão certos, mas concordo que não vou viver para sempre”.
Então perguntei: “Mas caso o senhor soubesse que poderia
viver mais uns 30 anos, continuaria fazendo o que vem
fazendo?”. Ele respondeu de maneira rápida e decidida: “É
claro que sim! Ninguém melhor do que eu para manter essa
empresa”. “O senhor acredita que é a única pessoa capaz de
conduzir o negócio?”, foi a minha tréplica. Então ele me
responde, já em tom mais simpático: “Na minha família,
sim”.

A resposta me deu todas as pistas necessárias para en-


tender que aquela sucessão familiar não era desejada pelas
partes. Como a conversa seguiu de forma mais amigável e a
confiança nas minhas reais intenções de ajudá-lo também,
ele começou a se abrir um pouco mais. Os filhos não sen-
tiam o mínimo interesse pelo negócio dos pais. Seguiram
carreiras totalmente distintas e que nada tinham a ver com
administração, finanças ou produção. Afinal de contas, eles
tiveram a chance que pouquíssimas pessoas têm de escolher
o que queriam fazer da vida. Eles puderam responder e es-
colher, realmente, o que queriam ser quando crescessem.

Mas indo mais a fundo, também comecei a entender


que a indiferença pelo negócio da família não era apenas
por razões de carreira, mas o componente emocional falava
tão alto quanto este. Ouvindo as histórias daquele homem,
pude perceber, além da melancolia, um certo ar de “Se pu-
desse, teria feito algumas coisas de um jeito diferente”. Ele
começou a me relatar o quanto a sua filha detestava a em-
presa dos pais. Para ela, os negócios sempre foram o ladrão
do tempo dos seus pais.

59
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Contando sobre sua filha e seu filho, ele parecia demons-


trar que sempre viveu num fio de navalha tentando achar
o equilíbrio perfeito entre a família e os negócios. Quando
me relatou sobre o dia em que sua filha decidiu ir morar de-
finitivamente no exterior, senti um tom de tristeza e remor-
so profundos. Parecia que toda a prosperidade financeira
que tinha possibilitado tantas escolhas aos filhos agora se
voltava contra ele num momento decisivo da sua vida. O
filho já havia sugerido aos pais que vendessem o negócio.
Era como imaginar uma faca lhe atravessando o peito. “O
que eu poderia esperar de um médico?”, foram as suas pala-
vras. “Mas a mãe dele sempre o imaginou vestido de jaleco
branco... Paciência”.

Histórias como esta estão acontecendo em todos os can-


tos do mundo, no Brasil em especial. Uma nova geração
que não quer para si o mesmo estilo de vida de seus pais.
Talvez a palavra que passe na sua cabeça seja “ingratidão”,
mas eu posso te garantir que não. Conversando com re-
presentantes desta geração, é possível perceber a gratidão
que todos eles têm por tudo que receberam dos seus pais,
porém, invariavelmente o que eles mais receberam tinha
natureza monetária e o que faltou, ou falta, foi o tempo de
qualidade e a presença dos pais em momentos que para eles
eram fundamentais.

Disso tudo, surgem as minhas dúvidas reais quando


questiono se os verdadeiros motivos da nossa geração não
são todos muito carregados de egoísmo, vaidade e ambi-
ção desmedida. Nosso discurso tem sido maravilhoso, mas
quando levado a cabo nos ressentimos pelas escolhas de nos-
sos filhos. Fomos influenciados pela vida de trabalho árduo

60
ADEILDO NASCIMENTO

de nossos pais, mas estamos, de alguma maneira, falhando


em transmitir esta influência para a geração seguinte? Qual
a medida exata do equilíbrio das nossas atenções naquilo
que é afetivo e naquilo que é sustento para os nossos filhos?

São questionamentos que também começaram a povo-


ar a minha mente em um determinado período da minha
carreira profissional. Houve uma época em que fui alertado
pela minha esposa a respeito disso. Nosso filho, então com
3 anos de idade, havia dito a ela que estava com saudades
de mim. Isso aconteceu num momento de minha carreira
em que o trabalho se avolumava de tal forma que, quando
eu saía de casa, ele estava dormindo, e quando retornava
também. Já os finais de semana eram recheados de horas-
-extras e de muito trabalho para a construção de “um futu-
ro melhor para o meu filho”.

O quanto temos de preconceito ainda é uma incógnita


para mim, mas não tenho dúvidas de que seja muito. Cada
história é uma história, cada família é uma família, eu sei
disso. Também sei que você, assim como eu, vai achar to-
dos os álibis perfeitos para justificar o seu comportamento
na maneira de encarar a vida. O grande problema é que
quando as respostas começam a surgir, invariavelmente,
já é tarde demais para fazer ajustes de rumo. Os filhos já
cresceram, as carreiras já foram definidas, os almoços de
domingo já não são mais os mesmos, as dores pelo corpo já
aumentaram e os negócios... Bem, o que será deles?

Todas essas histórias se cruzam no mundo corporativo.


De cafezinhos a reuniões de planejamento estratégico, de
estagiários a CEOs. Todos humanos, todos filhos e pais,

61
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

todos com seus anseios e ambições. Mas, afinal de contas,


qual a relação entre conflito de gerações e inteligência espi-
ritual? A resposta é: sabedoria.

Se minimizar o conflito de gerações e os seus efeitos


é nosso objetivo, teríamos que descobrir algum ponto em
comum, alguma liga ou fio condutor que fizesse a inter-
conexão das gerações. Alguma fonte que fosse idêntica a
todos os atores desse teatro e da qual todos eles pudessem
beber e se saciar e, além de tudo, serem empáticos uns com
os outros.

Se olharmos para a História, o trabalho sempre ocupou


este papel. Era lá, no trabalho diário, que pais e filhos fa-
lavam a mesma língua. A ocupação dos pais era recebida
como herança pelos filhos. O filho do marceneiro aprendia
o ofício do seu pai. O agricultor tinha vários filhos para ga-
rantir mais mão-de-obra para trabalhar na terra da família.
Os brinquedos infantis tinham a ver com as ferramentas
utilizadas pelos pais, e assim por diante. O trabalho era
como uma cola, uma liga entre as gerações. Porém, como
falamos anteriormente, nós perdemos isso à medida que as
escolhas dos filhos não mais tinham a ver com o ofício dos
pais. Não precisavam mais acordar juntos e regular seus
relógios e atividades diárias com base nas tarefas do traba-
lho dos pais. A liga se perdeu e nós nos afastamos pouco a
pouco. Sem culpados, simplesmente seguimos o curso da
nossa sociedade.

Talvez pudéssemos utilizar o conhecimento como a liga


conectora entre as gerações. Os pais ensinando os filhos.
Ensinando ofícios, trabalhos, auxiliando nas tarefas da es-

62
ADEILDO NASCIMENTO

cola, ensinando a dirigir, a nadar, a cozinhar, a limpar o


quarto, a lavar a louça, etc.

Mas também perdemos isto tudo. Não temos mais tem-


po e é comprovada a eficácia das escolas de natação, auto-
escolas, escolas de idiomas, escolas de culinária. As práticas
mais avançadas de pedagogia nos colocam dificuldades
para ensinar coisas básicas de alfabetização e matemática
aos nossos filhos. Agora eles aprendem de um jeito diferen-
te, de um jeito melhorado e nós temos o dinheiro disponí-
vel para lhes garantir um futuro melhor e mais condizente
com esse novo momento social.

Na era de tutoriais do YouTube23, eles aprendem uns


com os outros. E quer saber? Eles sabem mais do que nós.
Apenas deixe o seu smartphone na mão do seu filho menor
de dez anos de idade, e veja o que ele é capaz de fazer. Ele
vai aprender inglês bem mais rápido que você – se é que
você sabe muita coisa de inglês – e vai começar a se comu-
nicar com outras pessoas de uma maneira bem melhor que
a sua.

Nós vivemos nos tempos da Enciclopédia BARSA e fazí-


amos nossos trabalhos escolares lendo e escrevendo textos
copiados dela. Eles vivem no mundo do Google, YouTube
e Wikipedia 24. Eles colaboram muito mais do que nós so-
23 YouTube é um site que permite que os seus usuários carreguem e
compartilhem vídeos em formato digital. Foi fundado em fevereiro de 2005 por
três pioneiros do PayPal, um famoso site da internet ligado a gerenciamento de
transferência de fundos.
24 Wikipédia é um projeto de enciclopédia multilíngue de licença livre,
baseado na web, escrito de maneira colaborativa e que se encontra atual-
mente sob administração da Fundação Wikimedia, uma organização sem fins
lucrativos cuja missão é “empoderar e engajar pessoas pelo mundo para coletar e

63
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

nhamos um dia. Nós jogávamos Atari25 e escondíamos a


sete chaves a informação da “manha” para passar de fases.
Eles jogam Playstation26 conectados em rede e contam as
“manhas” para todos os amigos na velocidade da luz. Nós
lemos manuais de instrução, eles assistem tutoriais. Admi-
rável mundo novo!

Então, não podemos contar com o trabalho e nem com


o conhecimento como conexão entre gerações para criar a
empatia tão sonhada e almejada por todos nestes tempos de
mudança. Qual será então a saída? Na lógica da Inteligên-
cia Espiritual, existem duas fontes conhecidas de sabedoria:
o tempo e a espiritualidade. A sabedoria vem com o dia
a dia ou como faz menção o grande compositor Renato
Teixeira 27 em sua belíssima música Tocando em Frente:
“conhecer as manhas e as manhãs, o sabor das massas e
das maçãs”, ou seja, é preciso tempo, tempo de vida, para
conhecer todas as manhãs.

desenvolver conteúdo educacional sob uma licença livre ou no domínio público,


e para disseminá-lo efetivamente e globalmente.
25 Atari 2600 é um video game projetado por Jay Miner e lançado em
1977 nos Estados Unidos e em 1983 no Brasil. Considerado um símbolo cul-
tural dos anos 80, foi um fenômeno de vendas no Brasil entre os anos de 1984 a
1986 e seus jogos permanecem na memória de muitos que viveram a juventude
nesta época.
26 PlayStation (oficialmente abreviado PS) é uma série de consoles de
videogame criada e desenvolvida pela Sony Computer Entertainment, abran-
gendo a quinta, sexta, sétima e oitava gerações de videogames. A marca foi lan-
çada pela primeira vez em 3 de dezembro de 1994 no Japão. Dispõe de um total
de seis consoles — sendo dois deles portáteis —, um centro de mídia, um serviço
on-line, uma linha de controladores e um palmtop, bem como diversas revistas
especializadas. O nome PlayStation está no idioma inglês e pode ser traduzido
como Estação de Brincar ou Estação para Jogar.
27 Renato Teixeira de Oliveira (Santos, 20 de maio de 1945) é um
compositor e cantor brasileiro.

64
ADEILDO NASCIMENTO

Sabedoria vem com o tempo, com a vivência, com erros


e acertos, com manhãs e noites, com “cases” e na batida do
trabalho diário. “Cachorro mordido de cobra tem medo de
linguiça” diz o ditado popular. Passar por várias situações
pessoais e profissionais nos dão a “tarimba” necessária para
evitar erros que os mais novos com certeza irão cometer.
Anos de trabalho na mesma atividade nos dão clareza de
raciocínio e “feeling” para as decisões certas.

Isso não é conhecimento, é sabedoria. Há algum tempo


atrás ouvi uma das melhores definições sobre a diferença
entre conhecimento e sabedoria que a analogia pode nos
oferecer. Ouvi um pastor dizer assim: “Conhecimento é
você saber que tomate é fruta, isto está no Google, sabe-
doria é você saber que não deve colocar tomate em salada
de fruta”. Também ouvi de um executivo, após uma pa-
lestra que fiz, o seguinte comentário: “Realmente eles têm
muito conhecimento, mas infelizmente não sabem o que
fazer com ele”. Ele tem razão. Ter muito conhecimento não
garante a sua correta aplicação e muito menos a sabedoria
de entender em quais momentos tal conhecimento é neces-
sário. Contudo, se tratarmos o conhecimento como ferra-
menta, não podemos negar que eles têm muito mais do que
nós. São todas ferramentas eletrônicas, conectadas, on-line
e carregadas de colaboração. A busca, como disse antes, é
achar uma conexão para colocar gerações em contato dire-
to, sem preconceitos e com muita empatia.

O indivíduo que possui uma visão transcendente e es-


piritual extrapola o plano terreno da vida e entende, antes
de mais nada, que há uma sabedoria suprema, que há uma
fonte maior que simplesmente aquilo que podemos ver e

65
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

aprender neste plano terreno. Beber desta fonte chamada


Deus lhe garante respostas, direções e principalmente pro-
pósitos que não são aprendidos em universidades e nem no
Google.

Eu posso esperar o tempo me presentear com sabedoria,


mas também posso recorrer a Deus e pedir que Ele me con-
ceda antecipadamente a mesma sabedoria. Se a sabedoria
divina, ou espiritual, é gratuita, ela também não escolhe
ou seleciona por faixa etária. Se existe um lugar onde as
gerações não são levadas em conta, ou não denotam anseios
ou motivações diferentes, é diante da sabedoria espiritual.

Construir negócios baseados em grandeza e propósi-


tos guiados por sabedoria e inteligência espiritual pode se
constituir na cola de gerações. Se não conseguimos mais
conectar o nosso trabalho com o trabalho dos nossos filhos,
podemos sim nos conectar através da sabedoria e dos pro-
pósitos, acreditando que somos participantes de um plano
maior, um planejamento maior em que a liderança extra-
pola o plano terreno das motivações e anseios individuais
de pais e filhos.

O resultado pode ser maravilhoso quando não falarmos


mais de plano de sucessão de negócios, mas sim de sucessão
de propósitos. Nossos filhos não necessitarão ter a mesma
formação que a nossa, mas serão ensinados desde a mais
tenra idade sobre sabedoria divina e Inteligência Espiritual.
Nessa escola os métodos e estratégias de ensino não mu-
dam nunca. Não são vinculadas ao tempo e ao espaço de
nossas vidas, mas transcendem. O objetivo é que o estilo
de vida de pais e filhos se fundam na sabedoria e não no

66
ADEILDO NASCIMENTO

conhecimento. As técnicas e a tecnologia irão evoluir, com


certeza, mas os propósitos continuarão lá, firmes como a
fundação de uma grande obra.

Na antiguidade os grandes projetos arquitetônicos leva-


vam centenas de anos para acabar. Isso significava que quem
trabalhava na fundação das construções tinha a certeza de
que não veria a construção toda pronta. A responsabilidade
pelo acabamento fino e final da obra seria responsabilidade
dos seus ta-ta-ra-ta-ta-ra-netos. Caso a fundação não fosse
bem feita, comprometeria todo o restante da construção,
e dependendo da qualidade do alicerce, a motivação dos
futuros trabalhadores poderia ser de alguma maneira aba-
lada.

Hoje, quando admiramos as grandes construções, as


magníficas catedrais construídas com ferramentas rudi-
mentares, ficamos imaginando quantas gerações foram ne-
cessárias para a entrega final da obra. Algumas pistas nos
levam à cola da sabedoria e da Inteligência Espiritual. To-
dos eles, de todas as gerações, não enxergavam a constru-
ção como um negócio simplesmente, mas como uma dádi-
va e uma oportunidade de participar de um plano maior, a
construção da casa de Deus na terra.

As catedrais exerciam este tipo de influência nas pesso-


as e principalmente em seus construtores. Eles viviam em
condições de pobreza extrema, mas as catedrais eram sun-
tuosas e maravilhosas. A ideia a ser demonstrada é que, ao
cruzar os portais da catedral, o mundo mudava, era como
se cruzassem o portal do Paraíso, saindo da terra e indo
para o céu, para o lugar da morada divina.

67
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Meu motivo aqui não é discutir a exploração da fé, mas


te fazer entender que o objetivo da construção era maior
que o trabalho em si. Eles faziam para Deus, construíam
baseados num propósito maior. Uma geração deixava um
legado de continuidade para a outra, todos baseados num
propósito maior que a carpintaria e a marcenaria, maior
que a administração e o marketing.

Naquele tempo, os pais desejavam que os filhos passas-


sem por tudo que eles tinham passado e os filhos desejavam
o mesmo estilo de vida dos pais. Todos trabalhavam para
construir a casa de Deus, o seu ponto de conexão com o
transcendente, a passagem para o Paraíso, da terra para o
céu.

Será que ainda hoje é possível existir pontos de conexão


de anseios e propósitos únicos para pais e filhos? Nossas
carreiras podem ser escolhidas sob este paradigma? Deci-
sões familiares e de trabalho baseadas em aspectos espiritu-
ais encontram adeptos no novo milênio?

Se levo em consideração o que disse o rabino Solomon


Gabirol28: “Uma boa pergunta já contém metade da respos-
ta”, sigo feliz na busca das outras metades e espero que meu
filho esteja comigo nessa busca, pois quando eu envelhecer,
espero não precisar fazer um plano de sucessão de negócios,
mas um plano de sucessão de propósitos divinos. Isso é In-
teligência Espiritual.

28 Solomon Ibn Gabirol (Málaga, c. 1021 - Valência, c. 1058) foi um


judeu andaluzi, poeta e filósofo.

68
ADEILDO NASCIMENTO

CAPÍTULO 5

O ADOECIMENTO
DO MUNDO DO TRABALHO

69
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

70
ADEILDO NASCIMENTO

“Somente quem sabe o porquê da vida


é capaz de suportar-lhe o como”.
Nietzsche

Segundo o relatório da OMS (Organização Mundial de


Saúde) apresentado à ONU (Organização das Nações Uni-
das) em 2014, a cada 40 segundos uma pessoa se suicida no
mundo. Os dados são tão alarmantes a ponto de a OMS
pedir uma atenção especial ao tema.

O Brasil está no oitavo lugar no ranking que mede os


casos de suicídios no mundo. Em 2012 quase 12 mil pesso-
as se suicidaram em nosso país. A faixa etária mais atingida
é entre 15 e 29 anos de idade e a principal causa apontada
como motivo para os atos é a depressão.

A doença já é reconhecida entre os especialistas e estu-


diosos do assunto como o “mal do século”. E sua evolução
é mesmo considerável. Em 1905 cerca de 1% da população
mundial sofria de depressão. Em 1950 este número aumen-
tou para 6% e na virada do milênio o número já está em
14%. Se de um lado a incidência cresce, por outro a faixa
etária do grupo mais atingido cai drasticamente. Atual-
mente as pessoas com menos de 45 anos de idade são as
que mais sofrem com a depressão.

Há pouco tempo atrás atuei como consultor em uma


empresa que estava fazendo uma pesquisa sobre a saúde dos
seus executivos e vinha descobrindo dados muito preocu-

71
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

pantes, tais como: mais de 70% dos gestores com sobre-


peso e mais de 60% fazendo uso de remédios para dormir
e de estimulantes para conseguir dar conta das inúmeras
responsabilidades e pressões do dia a dia.

Em 2014 a Revista Exame publicou matéria sobre uma


pesquisa conduzida por uma operadora de saúde, listando as
20 doenças mais comuns do mundo corporativo, bem como
a sua incidência relativa. Eis algumas delas: rinite, alergia
de pele, ansiedade, excesso de peso, enxaquecas e dores no
pescoço e ombros. Os motivos apontados como causa para
a grande maioria de todas elas são: o estresse das longas jor-
nadas à disposição do empregador e a grande pressão por
resultados cada vez maiores; tudo isso aliado a hábitos se-
dentários, pouco ou nenhum exercício físico e péssima ali-
mentação.

Como headhunter29 me deparo com as exigências das


empresas em termos de competências listadas como requisi-
tos para os candidatos a cargos de gestão. Em tempos de co-
nhecimentos e ferramentais que são praticamente commodi-
ties30, os aspectos comportamentais costumam ser os fatores
de desempate de quem segue adiante e de quem fica para trás
nos processos seletivos. E dentre todos os requisitos compor-

29 Recrutador ou Headhunter é uma pessoa ou empresa especializada


na procura de profissionais ou executivos talentosos.
30 Commodity ou, em português, comódite, é um termo proveniente
da língua inglesa (plural em inglês: “commodities”; em português, comódites),
que originalmente significava qualquer mercadoria, mas hoje é utilizado nas
transações comerciais de produtos de origem primária na bolsa de valores,
para se referir a produtos de qualidade e características uniforme, que não são
diferenciados independentemente de quem os produziu ou de sua origem, sendo
seu preço uniformemente determinado pela oferta e procura internacional.

72
ADEILDO NASCIMENTO

tamentais listados, a resiliência31 aparece como carro-chefe.


Tanto a resiliência como o stress são termos emprestados
da física e da mecânica para a área de Humanas. Na física,
os materiais são testados para que se ache o seu nível de
stress, ou seja, até que ponto eles podem ser tensionados e,
depois disso, ainda voltar ao seu estado normal. Quanto
maior esse nível, maior a resiliência desse material. O que
o mundo corporativo faz há muito tempo é vir testando o
nível de stress e resiliência dos seus trabalhadores. Os po-
tenciais e high performers32 são aqueles com altíssimos ní-
veis de resiliência, que conseguem enfrentar momentos de
pressão sem perder sua têmpera e, mesmo depois de enor-
mes pressões, ainda serem capazes de fazer juízos eficazes e
eficientes e, depois de tudo, voltarem para casa da mesma
maneira com que saíram.

A grande questão por trás de tudo isso é: qual é o li-


mite? Até que ponto os trabalhadores têm-se apoiado em
subterfúgios para manter os seus níveis de resiliência? Qual
o preço que está sendo pago para uma carreira de sucesso?
Quem mais sofre para manter a resiliência de outros? Qual
a relação entre a depressão e as doenças psicossomáticas e o
aumento do stress nas empresas?

Como sempre, boas perguntas, mas das quais todo


mundo foge. O assunto é tão desconfortável que muitas
empresas decidem deixá-lo de lado para não se meter numa
caixa de abelhas raivosas. Contudo, essa fuga não deve du-
31 A resiliência é um aspecto psicológico, definido como a capacidade
de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de
situações adversas - choque, estresse etc. - sem entrar em surto psicológico.
32 Termo utilizado no mundo corporativo para se referir a profissionais
de alto desempenho.

73
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

rar muito tempo. Isso porque há uma escassez de talentos


no mercado de trabalho brasileiro e a necessidade cada vez
maior de mão-de-obra qualificada por parte das empresas
versus as demandas – cada vez mais específicas em termos
de qualidade de vida por parte de uma nova geração de
profissionais – vai acabar deixando a discussão do assunto
em pratos limpos, de maneira totalmente clara e transpa-
rente.

Se olharmos esse adoecimento do mundo corporativo


em relação ao caráter social da pós-modernidade, cada vez
mais materialista e consumista, onde o ter significa muito
mais que o ser, conseguimos descobrir o combustível por
trás de tudo isso. Afinal de contas, quem em sã consciência
trabalharia contra si mesmo e acumularia problemas mé-
dicos incontáveis? Caso não seja uma pessoa masoquista
na sua essência, podemos concluir que as pessoas estão se
cobrando de uma maneira um tanto quanto excessiva e se
expondo a condições sobre-humanas de pressão e estresse,
atrás de uma condição social que lhes renda poder, fama e
dinheiro. Caso a recompensa não fosse tão atraente, todo o
esforço não valeria a pena.

Depressão, síndrome do pânico, bipolaridade. Em toda


a minha carreira como gestor e consultor de RH, é impos-
sível contar com quantos casos como estes eu já tive que me
deparar e tentar dar o encaminhamento correto para todas
as situações. Minha posição sempre foi extremamente de-
licada e desafiadora, porque o profissional de RH acaba
ficando dividido entre o lado humano do profissional e a
pressão por resultados para se ter as pessoas certas, nas po-
sições certas, nos momentos certos, aptas e preparadas para

74
ADEILDO NASCIMENTO

conseguir resultados, além de engajadas e satisfeitas com a


empresa.

Essa é uma equação cada dia mais difícil de fechar. O


remédio de curto prazo, invariavelmente, é reforçar ainda
mais os aspectos de fama, poder e dinheiro dos executivos,
quase a ponto de fazer isso se tornar um vício, uma adic-
ção. Profissionais cobram cada vez mais caro o seu tempo à
disposição da empresa, suas noites e dias longe de casa, sua
distância da família, e por aí vai.

Nessa ciranda corporativa de promoções, aumentos


salariais e mimos corporativos, coisas como “vocação”
e “ideal de vida” descem a ladeira das prioridades quase
amargando a “lanterna” da última posição. Não é de hoje
que ouço profissionais em programas de Transição de Car-
reira, totalmente estabelecidos financeiramente depois de
acumular anos e anos de bons salários e polpudos bônus,
falarem da vontade de iniciar um projeto profissional ali-
nhado a suas vocações e que cause senso de construção e
empreendedorismo.

São cada vez mais comuns executivos com menos de 50


anos de idade optarem por carreiras alternativas mais co-
nectadas com suas vocações pessoais. Isso porque a noção
de “carreira” profissional está a cada dia mudando mais e
os profissionais começam a perceber que o preço pago em
termos de vida – afinal de contas, tempo não é dinheiro,
tempo é vida – é muito alto quando falamos de realiza-
ção plena. Aqui parece que a graxa na Pirâmide de Maslow
também tem feito suas vítimas.

75
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Converso com muitos profissionais que desejam seguir


por esse caminho, mas boa parte deles ainda se encontra
viciado pela tríade Poder, Fama e Dinheiro do mundo cor-
porativo, e mesmo com sinais claros de doenças físicas e
emocionais, a maioria não consegue se desvencilhar do seu
estado atual.

Certa vez me encontrei num jantar com um CEO muito


famoso do mundo corporativo, mas que na ocasião se en-
contrava recém-aposentado. Depois de algumas trocas de
assunto sem muita profundidade, perguntei como estava a
vida de aposentado e quais eram os planos dele para o futu-
ro. Prestando atenção nas respostas que ele começou a dar,
me dei conta de que nada tinham a ver com o futuro, mas
eram simplesmente comentários saudosistas do passado de
glamour e atenção que todo CEO tem. Os poucos planos
futuros eram ligados a projetos que pudessem resgatar este
mesmo cenário, mesmo sem se preocupar com ganhos ou
lucros no investimento do seu patrimônio pessoal, parecia
que o objetivo era colocar o dinheiro em empreendimentos
e projetos que pudessem fazer o mundo novamente o ver
como executivo de sucesso.

Ele teve muita sorte e juízo por cuidar bem da sua saúde,
porque havia-se aposentado em plena forma física e psíqui-
ca. Por outro lado, já conheci e atendi muitos profissionais
que foram forçados, ou inspirados, a mudar de vida e de
carreira profissional depois de um AVC, infarto ou depres-
são. Vidas que chegaram no seu limite frente a todas as ne-
cessidades impostas pelo mundo corporativo, o pagamento
das “drogas” que mantem o vício aceso, a “vibe” rolando.

76
ADEILDO NASCIMENTO

Você pode me achar um tanto pessimista quanto às re-


lações de trabalho entre profissionais e empresas, mas fiz
isso de propósito, porque minha intenção é enxergar o ado-
ecimento do mundo do trabalho pela ótica da Inteligência
Espiritual. Para isso, depois de muito ler, observar e pes-
quisar, e conversar com vários amigos, mentores, professo-
res, colegas de profissão e psicólogos, acabei encontrando
nas teorias do grande psicólogo Viktor Frankl alguns belos
insights e respostas para as minhas dúvidas, além de uma
relação fundamental e basilar para o conceito de Inteligên-
cia Espiritual.

Viktor Frankl foi um médico psiquiatra austríaco que


viveu os horrores do nazismo. Nascido em Viena, pade-
ceu de muitas privações ainda na sua infância. Em 1938 a
Áustria é invadida pelas tropas alemãs de Hitler. Em 1942
Viktor e seus pais são deportados para o Gheto de There-
sienstadt. Em 1944 ele e sua mãe são transportados pelos
nazistas para serem exterminados em Auschwitz. Sua mãe
é assassinada nas câmaras de gás logo na sua chegada ao
campo, mas Viktor sobrevive até a libertação do local pelas
tropas americanas.

Os horrores do campo de concentração foram uma


grande escola e um grande laboratório para Frankl. Foi lá,
para se manter ativo e distraído, que ele trabalhou para re-
organizar muitos dos seus estudos e pesquisas e, mesmo
em condições terríveis de sobrevivência, encontrou a sua
tese central sobre o sentido da vida e a psicologia humana.

Viktor Frankl é o fundador da escola da Logoterapia,


que explora o sentido da vida e da existência dos indivídu-

77
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

os, bem como os efeitos da dimensão espiritual nos com-


portamentos humanos. E é justamente aí que quero fazer a
conexão com o problema do adoecimento do mundo cor-
porativo com a Inteligência Espiritual.

Frankl foi um grande observador do comportamento


humano. Ele considerava que uma das grandes causas das
neuroses individuais era o distanciamento destes mesmos
indivíduos da espiritualidade. Ele observou que os seres hu-
manos carregam consigo uma busca e uma necessidade de
sentido para a vida e para a existência, e que este chamado
“vazio existencial” produzia problemas sérios nos compor-
tamentos das pessoas observadas por ele durante grande
parte da sua carreira.

Para Frankl, na escola da Logoterapia, o homem é um


ser tridimensional com suas expressões biológicas, psicoló-
gicas e espirituais, sendo que Freud33, desde então e até hoje
o grande pai da Psicanálise e influenciador da Psicologia,
não teria considerado em seus estudos esta terceira dimen-
são espiritual, que para Frankl era parte importantíssima a
ser considerada.

“O homem, por força de sua dimensão espiritual, pode


encontrar sentido em cada situação da vida e dar-lhe uma
resposta adequada”. Palavras de Frankl enquanto relatava
suas experiências e observações dentro do campo de con-
centração nazista. Para ele o propósito principal da vida é
33 Sigismund Schlomo Freud (Freiberg in Mähren, 6 de maio de
1856 — Londres, 23 de setembro de 1939[3] ), mais conhecido como Sigmund
Freud, foi um médico neurologista e criador da Psicanálise. Freud nasceu em
uma família judaica, em Freiberg in Mähren, na época pertencente ao Império
Austríaco.

78
ADEILDO NASCIMENTO

uma meta fora do nosso próprio eu, algo que nos dá razão
da existência.

Frankl observava com cuidado, naquele ambiente cer-


cado de violência e mortes diárias, os comportamentos
das pessoas que o rodeavam e, principalmente, as causas
da morte além da fome, do frio, do abandono, da solidão,
do desespero e das agressões de todos os tipos e formas.
Nas suas observações, notou que os primeiros a morrer não
eram aqueles mais privados de comida ou água, mas os que
primeiro perdiam a esperança e propósitos de vida.

Em sua célebre frase “O homem consegue viver 40 dias


sem comida, 3 dias sem água, 8 minutos sem ar, mas ne-
nhum segundo sem esperança”, ele exemplificou tudo aqui-
lo que via ao seu redor. O sentido da vida estava intima-
mente conectado ao sentido de propósito que as pessoas
tinham e na esperança no amanhã. Isso as mantinha vivas
durante muito tempo, mesmo em condições extremamente
degradantes e violentas, ou seja, o que conhecemos hoje
como stress corporativo em nada se parecia com os horro-
res vivenciados naqueles dias, o que corrobora ainda mais
o sentido da espiritualidade e da força dos propósitos em
nossa vida atual.

Parafraseando Nietzsche34, Frankl dizia que quem tem


um “porquê” enfrenta qualquer “como”. Nietzsche havia
dito que “somente quem sabe o porquê da vida é capaz de
34 Friedrich Wilhelm Nietzsche (Röcken, 15 de outubro de 1844 —
Weimar, 25 de agosto de 1900) foi um filólogo, filósofo, crítico cultural, poeta
e compositor alemão do século XIX.[1] Ele escreveu vários textos críticos sobre a
religião, a moral, a cultura contemporânea, filosofia e ciência, exibindo uma
predileção por metáfora, ironia e aforismo.

79
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

suportar-lhe o como”. Nesta lógica a conexão do sentido da


vida com o adoecimento das pessoas se demonstra visível
e explicável.
Em última instância há uma psicossomatização35 da
nossa falta de propósito, da nossa falta de “porquês” que
forneça informação suficientemente lógica e de qualidade
para nos fazer suportar o “como” do mundo corporativo.
Não é à toa que os processos de recrutamento e seleção
comecem a perder em qualidade, uma vez que, na sua
maioria, ainda estão focados em competências técnicas e
comportamentais, deixando em segundo plano os valores
e propósitos de vida.

Isso é totalmente entendível e explicável. Empresas exis-


tem para dar lucros e maiores retornos sobre os investimen-
tos dos donos do capital. As empresas não passam por crise
de identidade ou de valores, nós passamos. O máximo que
pode acontecer para as empresas é uma mancha em suas
reputações ou, em última instância, a falência, mas o sis-
tema de livre mercado vai apenas direcionar o capital para
uma outra empresa. No nosso caso, sofrem o nosso corpo
e a nossa alma.

Em novembro de 2013, a Revista Super Interessante pu-


blicou em sua matéria de capa um excelente artigo sobre a
Ciência da Fé. Com o título “Fé faz bem” o artigo demons-
trou, através de uma série de casos, estudos e experimentos,
35 A psicossomática é uma ciência interdisciplinar que gera diversas
especialidades da medicina e da psicologia, para estudar os efeitos de fatores
sociais e psicológicos, sobre processos orgânicos do corpo e sobre o bem-estar das
pessoas. O termo também pode ser compreendido, tal como descreve Mello Filho,
como “uma ideologia sobre a saúde, o adoecer e sobre as práticas de saúde, é um
campo de pesquisas sobre estes fatos e, ao mesmo tempo, uma prática, a prática
de uma medicina integral”.
80
ADEILDO NASCIMENTO

o papel da fé no dia a dia das pessoas. Dados mostraram


que as pessoas ligadas a algum tipo de religião ou que se di-
ziam crentes em algo superior têm 3 vezes mais chances de
sobreviver após cirurgias complicadas que envolvem trans-
plantes e, pelo menos, 7 anos a mais de expectativa de vida
em relação àquelas pessoas que diziam não ter fé alguma
em nada parecido com Deus ou uma força superior. Como
o próprio artigo dizia, “Não é intervenção divina. Não é
feitiçaria. É comportamento”.

Outra questão está relacionada ao modo otimista de


encarar a vida dos “crentes” e espiritualizados. A conexão
dos fatos cotidianos com propósitos divinos, em última
instância, acaba por fornecer sentido à vida, até mesmo
em situações que para as outras pessoas passaria por ba-
nal. Acabam, dessa maneira, desenvolvendo um senso de
gratidão e de pertencimento que os ateus, em linha geral,
não desenvolvem. Como já disse um pensador, “Um difícil
momento para um ateu é quando algo surpreendentemente
bom e imerecido acontece a ele e não existe ninguém para
agradecer”. Se não existe ninguém a quem agradecer quan-
do acontece algo de bom, quando algo mau acontece tam-
bém não existe ninguém a quem pedir consolo e guarida.

A relação com o dinheiro e as riquezas materiais tam-


bém acabam sendo afetadas pelo efeito da crença. Quem
costuma acreditar em Deus ou em algo divino tende a fazer
doações 2 vezes mais que os outros e 2,5 vezes mais traba-
lhos voluntários. Curiosamente, a renda familiar das pes-
soas ditas “religiosas” é maior que das famílias que diziam
não acreditar em Deus.

81
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Em 2004 o geneticista americano Dean Hamer36 divul-


gou ter descoberto através da genética o que ele chamou de
“o gene de Deus”. Batizado de VMAT2 a descoberta dizia
ter relação com a atuação de um conjunto de substâncias
químicas que atuam em nosso cérebro regulando a ação
dos neurotransmissores ligados ao humor e ao prazer. Nos
voluntários que participaram da pesquisa de Dean foi apli-
cado um questionário para avaliar o nível de espiritualida-
de de cada um deles, trazendo perguntas ligadas a práticas
e rituais religiosos. Após a aplicação dos questionários e da
realização dos experimentos práticos, Hamer observou as
significativas diferenças relacionadas com as variações do
gene de Deus. Segundo ele “somos programados genetica-
mente para ter experiências místicas, elas levam as pessoas
para algo novo, a ponto de ouvirem Deus falar com elas”.

Exames de neuroimagem realizados em monges bu-


distas enquanto faziam suas meditações mostraram clara-
mente quais as partes de nosso cérebro que atuam frene-
ticamente em momentos de profunda espiritualidade. O
simples pensar em Deus produz uma atividade cerebral
diferente de todas as outras. Se a Ciência ainda não pode
provar a existência de Deus, uma parte significativa dela
consegue provar os efeitos de crença divina no comporta-
mento das pessoas.

36 Dr. Dean Hamer é um geneticista Americano, ele obteve o título de


Bacharel no Trinity College, em Connecticut, nos EUA, e seu PhD na Harvard
Medical School. Ele está envolvido em duas grandes controvérsias científicas.
Junto com Simon LeVay, postulou a existência de um gene que predispoe à ho-
mossexualidade, e, mais recentemente a existência de um Gene divino, respon-
sável pela percepção de experiências religiosas. Além de seu trabalho científico,
ele publicou vários livros de ciência destinados a um público geral, em geral bem
vendidos, e tem propriedade sobre várias patentes.

82
ADEILDO NASCIMENTO

Quando colocamos lado a lado os fatores de adoeci-


mento do mundo corporativo e os efeitos da fé em nossos
comportamentos, conseguimos entender a necessidade ur-
gente do desenvolvimento de uma inteligência não apenas
intelectual ou emocional, mas um avanço em partes mais
subjetivas, mas não menos importantes, de nosso cérebro.
Embora o conceito de Inteligência Espiritual seja muito
novo, a experiência das pessoas com o sagrado já vem de
tempos. Aliando tudo isso aos novos métodos de pesquisas
e a toda a tecnologia que temos disponível, não é difícil
perceber para onde o futuro está nos levando.

A busca por uma terceira inteligência se mostra como


saída de um mundo totalmente conturbado e à beira do
caos existencial. O contato com o sagrado e a busca de
verdadeiros propósitos de vida conectados à sua vocação
enquanto ser humano podem ser a chave para a nossa cura.

Minha experiência pessoal relacionada a este capítulo


foi como um sinal vermelho gigante em minha vida. Em-
bora sempre convivendo com sobrepeso – sou gordinho
desde a adolescência –, meus exames clínicos sempre foram
excelentes e nunca tive problemas crônicos de saúde. Mi-
nha pressão nunca havia se alterado, “12x8” era a resposta
conhecida em todos os meus exames e check-ups anuais.
Porém, certo dia, já no final de minha carreira como exe-
cutivo, num momento superatribulado da empresa e da
minha área, enquanto conversava com a minha secretária,
comecei a ver as coisas meio nubladas, cinzas e, aos poucos,
minha visão começou a escurecer. Minha secretária notou
em minha feição que algo estava anormal e me perguntou
se eu estava bem. Sua voz me pareceu baixa, me segurei na

83
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

cadeira e disse a ela que não. Por pouco não desmaiei. Nun-
ca havia vivido uma situação como aquela na vida. Foi um
sentimento muito ruim. Acredito que só não desmaiei pelo
meu orgulho de “macho” e por pensar na situação cons-
trangedora que seria. O Diretor de RH desmaiando em sua
sala e tendo que ser atendido de emergência.

Me mantive firme na cadeira, mas pedi à secretária que


entrasse em contato com o ambulatório. Ela me trouxe um
copo d’água e, após algumas tomadas de fôlego, desci para
conversar com a médica do trabalho. Pela primeira vez na
minha vida tive uma oscilação na minha pressão arterial,
que naquele dia havia baixado muito. E essa não foi a única
vez a partir daquele momento. Nos meses que se seguiram
comecei a viver uma oscilação de pressão bem grande, al-
ternando entre altas e baixas. Dificuldade para dormir e
para acordar eram frequentes. Ansiedade extrema e proble-
mas que ainda nem existiam começaram a povoar minha
mente.

Sempre fui muito crítico comigo mesmo quanto aos re-


sultados e entregas do meu trabalho. Sempre disse, e ainda
cito, com orgulho, o fato de ter sido recontratado uma vez
por uma grande empresa multinacional da área financeira
e outras duas vezes por uma grande empresa do mercado
de telecomunicações. Minha carreira avançou rápido – em
1998 era estagiário em RH e em 2008, Diretor de RH – e os
resultados sempre foram sensíveis. Minhas avaliações de de-
sempenho, invariavelmente, atingiam os níveis mais altos da
escala. Ainda guardo com orgulho o feedback de um gestor
extremamente exigente que tive, e que ao escrever o comen-
tário da minha avaliação máxima naquele ano, fez menção

84
ADEILDO NASCIMENTO

ao fato de que em toda a sua carreira só ter avaliado apenas


duas pessoas com notas máximas, e eu era uma delas.
Todo este histórico só foi possível por uma entrega qua-
se incondicional à minha carreira. Entre tantas idas e vin-
das na minha trajetória de ascensão vertical aos cargos de
gestão, praticamente não tirava férias com mais de uma se-
mana de duração. Dedicava tempo e mais tempo às neces-
sidades das empresas. A pressão pelo exemplo de liderança
também era grande, afinal de contas, o líder que se preza
tem que chegar antes de todo mundo e sair depois de todo
mundo – diga-se de passagem, quantas vezes eu torci para
que o último empregado decidisse ir embora para que eu
também pudesse ir. Junte tudo isso a uma alimentação des-
regrada, nenhum exercício físico e poucas horas de sono.
Problemas à vista.

Todos estes anos de dedicação começaram a cobrar o


seu preço. Fui diagnosticado com um nível de stress bem
elevado, além de uma hérnia de hiato, problemas de refluxo
gástrico e enxaquecas constantes. Começa então a necessi-
dade do uso de medicamentos. Como de regra: para dor-
mir, para acordar, para motivar, para diminuir a acidez do
estômago, etc. etc.

Certa vez brinquei com o médico responsável pelo


check-up dos executivos da empresa: perguntei quantas
vezes ele fazia “copie e cole” com as receitas e prescrições
para os executivos das empresas que atendia. Ele sorriu e
concordou comigo que todas elas eram, na essência, cópias
umas das outras, apenas algumas poucas alterações para
torná-las um pouco mais pessoais. Mas, por mais incrível
que possa parecer, “apenas” problemas de saúde não são

85
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

suficientes para que uma pessoa mude de vida. Se você pes-


quisar com médicos vai ver que, mesmo quando a orienta-
ção para o paciente é “ou você muda ou você morre”, boa
parte das pessoas não muda. Segue a vida com os mesmos
comportamentos autodestrutivos, afinal de contas, somos
todos super-heróis imbatíveis e imortais.

Eu também não mudei imediatamente. Os medicamen-


tos têm o seu valor e a sua eficácia. Minha pressão foi con-
trolada, um bom Omeprazol37 resolve muita coisa. Dor-
mindo e acordando, a vida segue seu curso. Os problemas
físicos e de saúde foram mais um sinal para mim, como
uma placa de sinalização no caminho da vida. Eu prestei
muita atenção, mas ela por si só não foi suficiente para que
eu abandonasse a carreira executiva.

Naquele tempo os meus mundos corporativo e espiri-


tual começaram a se fundir com mais intensidade. A mi-
nha busca por propósitos de vida começou, aos poucos, a
falar um pouco mais alto dentro de mim. Eu começava a
me fazer todas as perguntas que eu relatei até aqui, neste
e nos capítulos anteriores, e não existe nada mais potente
e desconfortável do que uma boa pergunta. Na verdade,
não existe ninguém melhor para nos desafiar do que nós
mesmos. O problema é que a maioria de nós não quer ser
confrontada ou desafiada. Eu comecei a aceitar e depois a
querer a confrontação.

Aos poucos comecei a escutar as minhas vozes interio-


37 Omeprazol é um medicamento da classe dos inibidores da bomba de
protões (ou prótons), usado como antiulceroso. É um pó branco ou quase branco,
muito pouco solúvel na água. Está indicado nas úlceras pépticas benignas, tanto
gástrica como duodenal.
86
ADEILDO NASCIMENTO

res, a minha e a de quem eu acredito ser o Espírito San-


to dentro de mim. Elas começaram a me incomodar com
muito mais frequência que antes, mas, ao mesmo tempo,
crescia a minha sede pelas respostas. Junto com elas, tam-
bém começou a crescer o meu potencial de mentiras de
mim para mim mesmo, se é que você me entende. De cara
isso me fez descobrir o grande mentiroso que eu era e me
fez enxergar o tamanho do meu umbigo, que tinha o ta-
manho do universo.

A partir do momento em que decidi começar a respon-


der às minhas perguntas sem mentir para mim mesmo, a
deixar claro e transparente as minhas reais intenções e os
meus reais objetivos, uma cortina começou a cair à minha
frente. Não eram eles. Não era Deus, não era a minha es-
posa, não era o meu filho, não eram as empresas. Era eu. A
minha prioridade era única e exclusivamente eu. Um gran-
de e perfeito egoísta, totalmente adicto e viciado no poder,
na fama e no dinheiro. Além disso tudo, um perfeito enga-
nador e pernóstico, pois eu conseguia dar a tudo isso uma
aura de humildade. Eu já não desejava nem mais desfrutar
do que eu tinha conseguido, pois, meu único e maior pra-
zer era mostrar e ostentar o que eu havia conseguido.

Nessa época, eu li um livro que falava um pouco sobre o


que eu estava vivendo, e o autor comentava sobre as pessoas
que vivem de metas, mas que já perderam o senso de objeti-
vo e de propósito, e que geralmente são aquelas pessoas que
começam a acumular bens, mas já não conseguem desfru-
tar deles. O exemplo que ele usou caiu como uma luva para
a minha vida. Sempre tive o sonho de ter uma casa com
piscina e eu havia acabado de comprar uma casa assim, e

87
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

no livro o autor usou a analogia das pessoas que compram


casa com piscina, mas os que mais usam a piscina são os
parentes e os amigos, porque ele(a) não tem tempo para
isso, pois precisa trabalhar para pagar as contas da casa e o
cara que limpa a piscina.

Eu estava doente sim, mas a minha doença não era físi-


ca, era espiritual. A partir daquele dia, eu tomei uma deci-
são muito difícil, que afetaria não só a mim, mas a toda a
minha família. Eu tentaria viver um plano de vida e não de
carreira, deixaria que as decisões da minha vida definissem
a minha carreira e não o contrário. Até então a minha car-
reira profissional decidia por mim onde eu morava, como
eu me vestia, a que horas eu acordava e dormia, o que e
quando eu comia, as pessoas com quem eu me relacionava
e a importância e prioridade de tudo em minha vida. O
objetivo agora era inverso, eu e minha esposa (presente de
Deus em minha vida) decidiríamos onde iríamos morar,
qual seriam os padrões de vida limite e no que dedicarí-
amos tempo e dinheiro. A partir disso eu definiria qual a
carreira que, alinhada com as minhas habilidades e compe-
tências, seria o meu objetivo. O início da cura.

A doença era espiritual porque eu havia perdido, quase


sem perceber, o alinhamento entre metas, objetivos e pro-
pósitos para a minha existência. Assim, como diz Zé Ra-
malho38, eu estava levando uma vida de gado. Gado fino
e elegante, mas gado. No final das contas, eu não era mais
38 José Ramalho Neto (Brejo do Cruz, 3 de outubro de 1949), mais
conhecido como Zé Ramalho, é um cantor e compositor brasileiro. É primo da
cantora Elba Ramalho. Em outubro de 2008, a revista Rolling Stone promoveu
a Lista dos Cem Maiores Artistas da Música Brasileira, cujo resultado colocou
Zé Ramalho na 41ª posição.

88
ADEILDO NASCIMENTO

o protagonista da minha vida, era apenas um coadjuvante


tentando cavar o seu “lugar ao sol” no mundo corporativo
para, quem sabe um dia, chegar a ser capa da revista que
diria “O Estagiário que virou Vice-Presidente”. Doce, linda
e perfeita tentação.

89
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

90
ADEILDO NASCIMENTO

CAPÍTULO 6

TEMPERANÇA

91
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

92
ADEILDO NASCIMENTO

A temperança é um dos maiores


prazeres”.
Johann Goethe

Mesa farta e boa. Família e amigos, todos com saúde,


ao redor dela. Roupas limpas e cheirosas, casa confortável
com varanda cheia de vento fresco, quartos e cobertores
aconchegantes para amenizar o friozinho da noite. Café
fresco pela manhã e pão crocante, ainda quente, com man-
teiga derretendo sobre ele. Viagem de férias, banho no mar
ou na cachoeira. Conhecer lugares novos. Saborear novos
sabores e texturas. Um bom vinho com uma massa espe-
cial. Namorar a pessoa amada e desfrutar dos corpos um
do outro. Adormecer no sofá depois de um belo almoço de
domingo. A lista é infindável e tenho certeza que você tem
a sua lista predileta.

Prazer. O bom e velho prazer.

Não há como continuar na busca por uma Inteligência


Espiritual sem antes atentarmos para o prazer. Do contrário
entenderíamos que apenas os monges que decidem por uma
vida monástica e clausural são inteligentes, espiritualmente
falando.

Pessoalmente não acredito em qualquer consciência ou


Inteligência Espiritual que retire do ser humano o prazer
corporal, tátil, físico. Prazer não é pecado. Pecado é a fina-

93
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

lidade que você dá ao prazer e a relação do seu prazer com


o do(s) outro(s).
A Idade Média39, o período das trevas, foi a época da
História quando ganhou força a teoria de que o corpo não
contribui em nada para o desenvolvimento espiritual. Para
os pensadores da época, todo e qualquer uso do corpo ti-
nha como objetivo final o desenvolvimento de vícios e dis-
trações que, supostamente, afastavam o homem de Deus.
O corpo feminino, em especial, era o depósito de todos os
males e tentações humanas, pois era visto como “lugar de
tentações”. Teólogos chegavam a afirmar a relação direta
das mulheres com o demônio, e por isso a queda de Adão
ter acontecido da maneira que aconteceu. Uma costela tor-
ta de Adão deveria ter sido a causa de tantos problemas. A
renúncia ao corpo e aos prazeres ditos “da carne” foram a
tônica de séculos e séculos de ensinos, filosofias e teologias.

Contudo, se buscarmos na perspectiva da atualidade


algo que resumisse o prazer humano, depois de todos es-
tes séculos, não tenho dúvidas de que encontraríamos o
sexo. É impressionante notar como tudo em nossa socie-
dade atual gira em torno dele. Mesmo os comerciais mais
“ingênuos” ou “infantis” acabam sendo feitos por mulheres
e homens que, de alguma maneira, tentam despertar nos
outros a lascívia e o desejo.

Tenho citado “poder, fama e dinheiro” como a tríade


39 A Idade Média ou Era medieval (adj. medieval) é um período da
história da Europa entre os séculos V e XV. Inicia-se com a Queda do Império
Romano do Ocidente e termina durante a transição para a Idade Moderna. A
Idade Média é o período intermédio da divisão clássica da História ocidental
em três períodos: a Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna, sendo fre-
quentemente dividido em Alta e Baixa Idade Média.

94
ADEILDO NASCIMENTO

mais tentadora e os inimigos centrais da Inteligência Espi-


ritual, mas há quem diga que a tríade é outra: “poder, di-
nheiro e sexo”. Você pode colocar na sua balança pessoal se
a fama ou o sexo lhe causam maior ou menor tentação, mas
no final das contas vai perceber que uma coisa leva à outra.
A velha piada de que o homem ou a mulher de “sucesso”
acabam por trocar um (ou uma) de 40 por duas (ou dois)
de vinte traduz este princípio, ou seja, se tenho dinheiro
posso optar pela fama e a fama me traz sexo.

John Stuart Mill40 (1873) acreditava que o desejo sexual


diminuiria à medida que a sociedade avançasse em conhe-
cimento e riquezas. Ele disse: “Acredito que o mais provável
é que essa paixão em especial venha a estar, no homem, a
exemplo do que já ocorre com um grande número de mu-
lheres, sob total controle da razão”. Pobre Mill, não ima-
ginava ele a força da pornografia turbinada pela internet e
mal suporia ele que o futuro nos reservaria as “periguetes
do funk” e os “Boy Magia”. Nem o desejo sexual arrefeceu,
muito menos as mulheres ficaram na mesma situação ante-
rior, se é que a situação anterior era esta mesmo. Tenho lá
minhas dúvidas. Isso porque o sexo sempre foi e vai conti-
nuar sendo uma parte importantíssima do prazer humano.
O ser humano tem prazer no sexo, ao contrário da maioria
das espécies, em que ele só cumpre o papel de procriação.

Philip Yancey41, no seu livro Rumores de Outro Mun-


40 John Stuart Mill (Londres, 20 de Maio de 1806 — Avignon, 8 de
Maio de 1873) foi um filósofo e economista britânico nascido na Inglaterra,
e um dos pensadores liberais mais influentes do século XIX. Foi um defensor
do utilitarismo, a teoria ética proposta inicialmente por seu padrinho Jeremy
Bentham.
41 Philip Yancey (nascido em 1949) é um escritor e jornalista cristão

95
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

do, sugere que se um visitante de outro planeta chegasse à


Terra ele poderia, com raríssimas exceções, avaliar o nível
de progresso material e tecnológico de países e regiões com
base no número de pontos-de-venda de pornografia, ou
seja, seguindo este princípio, a pornografia é um balizador
de “desenvolvimento” humano. Porque a secularização do
Ocidente e o seu metódico afastamento do sagrado têm
produzido consequências até antes inimagináveis por gran-
des pensadores e filósofos. Admirável mundo novo.

As discussões mais contemporâneas dizem respeito a


qual é a hora de iniciar o “papo de sexo” com as crianças.
A idade da primeira menstruação vem diminuindo com o
passar dos anos e as roupas “infantis” são cada vez menos
infantis. Netinhas “descendo na boquinha da garrafa” co-
meçam a entreter – e assustar – avós e tias na sala de estar.
Mas temos que ter muito cuidado e temperança ao analisar
os efeitos do prazer nas nossas vidas, do contrário, você
pode achar que para se ter Inteligência Espiritual é preciso
desmanchar toda e qualquer ideia de prazer e isso não é,
nem por um instante, verdade.

A utilização do prazer nos dias atuais é, em última ins-


tância, o problema a ser resolvido. Ter e conquistar prazer
não é errado. Isso faz parte de uma vida plena em todos os
seus sentidos. Desfrutar do produto do seu trabalho e das
suas conquistas está no DNA humano, e isso não é um
fator de determinação da Inteligência Espiritual. Você não

americano. Seus livros venderam mais de 14 milhões de cópias, desde a sua


estréia em 1977 e são lidos em 25 idiomas pelo mundo todo, fazendo dele um
dos mais vendidos autores cristãos. Premiado duas vezes com o “Melhor livro do
ano” pela ECPA, além de outros prêmios, Yancey colabora com a revista Chris-
tianity Today, como editor associado a maclerison e macliran.
96
ADEILDO NASCIMENTO

se torna menos inteligente quando perde a virgindade ou é


mais por optar pelo celibato.
O problema da degradação humana em relação ao pra-
zer é a falta de limites, de temperança na utilização do pra-
zer. A antropologia sempre nos forneceu sinais e pistas a
esse respeito. Mesmo as gerações mais “primitivas” do ser
humano evitaram certos comportamentos que acreditavam
ultrapassar o limite da alma e do espírito. Tribos, por mais
isoladas que fossem, evitavam ou condenavam o sexo com
vários parceiros, com parentes próximos, com animais e
com crianças.

O avanço social e a sociedade pós-moderna é que co-


meça a destruir os limites anteriormente colocados pelos
nossos antepassados. Novamente caímos na armadilha da
“umbigolatria”. Se o mundo gira ao meu redor e eu tenho
desejo por crianças, por que não satisfazer a minha sede por
prazer? Recentemente, observamos atônitos os comentários
de pedófilos em redes sociais, sobre uma criança que parti-
cipava de um reality show de gastronomia. O que antes era
feito às escondidas e causava vergonha, hoje é publicado em
redes sociais, causando orgulho para quem os exterioriza
na internet.

Um dos distintivos da Inteligência Espiritual é a tempe-


rança. Ela é o prazer primordial a ser buscado por aqueles
que desejam ascender a um nível de espiritualidade maior
que o da média. Porque o prazer humano, ao contrário do
animal, vem carregado de relacionamentos. Somos seres
morais e não agimos apenas por instinto. Quando estou
à mesa com amigos, abraçando meus pais, tendo relações
sexuais com outra pessoa ou beijando meu filho, estou de

97
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

alguma maneira em contato com algo mais que somente o


corpo do outro. Não é inteligente se privar de prazeres físi-
cos e corpóreos. Eles existem para serem desfrutados, mas o
melhor caminho para desfrutá-los é o do meio. O caminho
da temperança, o caminho dos limites sadios.

Certa vez tive que lidar com um caso de assédio sexu-


al em uma das empresas que trabalhei. Um alto executivo
havia assediado uma funcionária num evento da empresa
realizado em um hotel. Situação extremamente delicada
e complicada. Ele, um alto executivo. Ela, “apenas” uma
funcionária no início de sua carreira, ainda sem saber ao
certo quais seriam as consequências daquele depoimento a
respeito do caso.

Sem entrar em detalhes do fato em si, o que quero com-


partilhar com essa história é o padrão comportamental de
ambos. Porque as posições hierárquicas e o poder colocam
pessoas em posições de vantagem ou desvantagem em si-
tuações como essa. O papo com a funcionária, como é de
se supor, não foi nada agradável. Ela procurou o RH cheia
de receios e medos. Em toda a sua fala ela procurava deixar
claro que não havia dado motivos para o comportamento
dele. O clima era de festa e estar perto de chefes e líderes
era uma oportunidade única. Ser conhecida e reconhecida
por pessoas que podem no futuro decidir seu futuro profis-
sional é muito bom.

Isso é comum nas empresas. Faz parte do gerenciamen-


to da sua trajetória profissional. Política e networking são
necessários para qualquer pessoa que queira evoluir numa
empresa. Quanto mais você sobe em posições hierárquicas,

98
ADEILDO NASCIMENTO

mais necessária a política se faz. É claro que o caráter pode


transformar política em politicagem e networking em con-
trole de pessoas a seu favor.

Aquela funcionária aproveitou o momento e se apresen-


tou ao Diretor. Queria ser conhecida, lembrada. Como é
bom ser um pouco mais que um crachá ou um nome numa
lista. O papo seguia descontraído e agradável. Um chopp
aqui e outro ali. Perguntas mais pessoais começam a entrar
em cena e, de repente, uma mão sobre a coxa e uma palavra
mais próxima ao ouvido por causa do barulho. Até então
apenas um pouco mais de “carinho”. Nada com o que se
preocupar.

O problema começou quando as palavras dóceis come-


çaram a se transformar em elogios mais sensuais, evoluin-
do para baixaria e culminando com um convite claro para
uma visita ao seu quarto. A primeira barganha foi a possi-
bilidade de ascensão profissional que terminou com uma
ameaça de demissão. O poder e o desejo sexual fazendo
mais uma vítima.

O assédio sofrido por altos executivos é grande, mas não


é um assédio sexual ou moral, muito pelo contrário. Che-
fes e líderes são cercados de pessoas que enxergam neles
oportunidades e riscos. Como diz o ditado popular, “o saco
do chefe é o corrimão do sucesso”. Sim, os bons e velhos
“puxa-sacos” ou bajuladores. Não há como escapar deles. É
simplesmente impossível. Contudo, o estrago que eles pro-
duzem nas pessoas é devastador. Colocam seres humanos,
como eu e você, em posições especiais, cercadas de glamour
e de uma aura especial de atenção. Quando se junta a isso

99
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

o fato de verdadeiramente você poder decidir o futuro das


pessoas, pronto, temos a fórmula perfeita para uma “desin-
teligência” total.

Não estou generalizando. Nem todo mundo que se


aproxima de um chefe é um bajulador, mas não há como
eximir o poder e a influência que qualquer chefe tem sobre
a carreira de seus subordinados. O problema é o que o or-
gulho e a vaidade, turbinados pela ação dos bajuladores, faz
com aqueles que detêm poder sobre outras pessoas. Aquela
sensação de onipotência pode evoluir para chantagem vela-
da ou descarada. Foi o que aconteceu naquele dia, naquele
evento, naquele hotel.

Havia, sem dúvida, a necessidade de ouvir a outra par-


te da história. E lá fui eu para uma reunião com aquele
executivo. O rapport42 começou agradável como sempre,
uma pessoa extremamente polida e educada, extremamen-
te respeitado por todos na empresa. Na sua mesa exibia um
porta-retratos da família. O problema é que ele não imagi-
nava qual seria o assunto da reunião.

Quando contei a ele o motivo que me trazia ali sua


fisionomia mudou instantaneamente. O ar cordial e de
simpatia subitamente se alterou para um estado de alerta
e preocupação que eu nunca havia visto antes nele. Era um
misto de medo, pavor e raiva. Sua primeira reação foi ten-
tar me diminuir, “afinal de contas o RH não traz receita
para a empresa, é apenas um centro de custo”, “ao invés de
trabalhar ficávamos nos preocupando com ’coisas’ que em
42 Rapport é uma palavra de origem francesa e não tem tradução para
o português, entretanto, dentro da PNL criar o Rapport pode ser entendido
como o estabelecimento de confiança, harmonia e cooperação em uma relação.
100
ADEILDO NASCIMENTO

nada agregam valor para a empresa”. Mantive a calma, não


me intimidei e segui com o assunto de maneira muito res-
peitosa, mas assertiva. O ponto é que estávamos com uma
denúncia de assédio sexual em mãos.
Os minutos que se seguiram foram de total indignação
por parte dele. Começou a listar todos os problemas que a
funcionária, segundo ele, vinha causando à área. Sua total
falta de profissionalismo somada a um desempenho medí-
ocre. A intenção era desqualificar a profissional. Porém, o
que mais me chamou a atenção não foram as acusações ou
a sua tentativa de desviar o foco da discussão. Um comen-
tário solto no meio do discurso me causou espanto: “Este
tipo de gente não entende quem nós somos”.

O tom de total arrogância e desprezo pela outra pessoa,


ou “tipo de gente”, me levaram a questioná-lo sobre quais
seriam os motivos que levariam a funcionária a colocá-lo
numa situação como aquela, quais seriam os seus interesses
em prejudicá-lo. A resposta foi ainda mais reveladora. “Elas
estão aqui para fazer o que eu mando. Se não fosse por
mim, nenhuma delas se sustentaria nessa empresa”.

É fácil extrapolar. É fácil ir para os extremos quando


poder, dinheiro, posição hierárquica, cercada de bajulado-
res e holofotes fazem parte do seu cotidiano. Um senso de
superioridade e de obrigação em ser servido começa aos
poucos a tomar conta do ego, já um tanto quanto inflado,
de alguns profissionais.

Fui ao extremo do prazer humano, o sexo, para dese-


nhar a caricatura perfeita do que a busca pelo prazer sem
temperança e sem limites pode fazer com as pessoas no

101
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

mundo do trabalho. Tratar empregados como coisas ou re-


cursos que só existem para fazer o que você manda é facil-
mente traduzido para fazer o que você deseja. E o que eu
desejo é prazer. Se ao invés de assédio sexual, tratássemos
de assédio moral, isso mereceria não apenas um capítulo,
mas um livro inteiro de histórias e relatos de chefes que
abusaram de seus subordinados. Você mesmo, tenho certe-
za, teria histórias e mais histórias para contar. A lógica é a
mesma. Prazer. Prazer físico ou prazer da alma em subjugar
as pessoas que, segundo a sua lógica, fazem parte de uma
classe inferior de pessoas ou que apenas existem para satis-
fazer as suas necessidades.

Uma busca espiritual te leva de encontro com a tempe-


rança. A busca por uma vida plena, abundante e prazerosa,
mas que não deixa de levar em conta o prazer dos outros, o
prazer da coletividade. O Apóstolo Paulo (São Paulo para
os católicos) dizia que todas as coisas lhe eram lícitas, mas
nem todas lhe convinham e que ele não se deixaria domi-
nar por nenhuma delas43. Ter temperança é o mesmo que
ser temperado. Nem salgado, nem insípido. Temperança
fala de limites, de pontos de controle da sua consciência e,
principalmente, do seu ego.

A temperança, como disse Goethe44, é um dos maiores


43 Bíblia Sagrada – 1 Co 6:12 Todas as coisas me são lícitas, mas nem
todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei
dominar por nenhuma.
44 Johann Wolfgang von Goethe (Frankfurt am Main, 28 de Agosto de
1749 — Weimar, 22 de Março de 1832) foi um autor e estadista alemão que
também fez incursões pelo campo da ciência natural. Como escritor, Goethe
foi uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo
europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX. Juntamente com
Friedrich Schiller, foi um dos líderes do movimento literário romântico alemão
Sturm und Drang.
102
ADEILDO NASCIMENTO

prazeres. Prazer, este sim, que pode ser desfrutado sem li-
mites e sem culpas. Gozar os dias da sua vida com a pessoa
amada, ao redor de uma mesa farta, também foi o conselho
de Salomão45, o homem mais sábio que já existiu, segundo
a Bíblia. A Inteligência Espiritual não nos priva do pra-
zer, mas nos coloca diante de uma posição de prestação
de contas. Em primeira instância, com as pessoas que nos
rodeiam, e depois a Deus. Uma prestação de contas neste
plano de vida física e num plano espiritual.

Temperar a vida é o segredo de uma pessoa com alto


nível de Inteligência Espiritual. Viver com abundância e
prazer, e proporcionar abundância e prazer de vida aos ou-
tros é o caminho do meio. O caminho certo.

45 Salomão foi um rei de Israel (mencionado, sobretudo, no Livro dos


Reis), filho de David com Bate-Seba, que teria se tornado o terceiro rei de Is-
rael, governando durante cerca de quarenta anos (segundo algumas cronologias
bíblicas, de 1009 a 922 a.C.).

103
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

104
ADEILDO NASCIMENTO

CAPÍTULO 7

E SE DEUS
NÃO EXISTIR

105
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

106
ADEILDO NASCIMENTO

“... ele (Ivan Fiodorovitch Karamazov) declarou em tom solene que em toda
a face da Terra não existe absolutamente nada que obrigue os homens a ama-
rem seus semelhantes, que essa lei da Natureza, que reza que o Homem ame a
humanidade, não existe em absoluto e que, se até hoje existiu o amor na Terra,
este não se deveu a lei natural mas tão-só ao fato de que os homens acreditavam
na própria imortalidade. Ivan Fiodorovitch acrescentou, entre parênteses, que é
nisso que consiste toda a lei natural, de sorte que, destruindo-se nos homens a fé
em sua imortalidade, neles se exaure de imediato não só o amor como também
toda e qualquer força para que continue a vida no mundo. E mais: então não
haverá mais nada amoral, tudo será permitido, até a antropofagia. Mas isso
ainda é pouco, ele concluiu afirmando que, para cada indivíduo particular, por
exemplo, como nós aqui, que não acredita em Deus nem na própria imortalida-
de, a lei moral da Natureza deve ser imediatamente convertida no oposto total
da lei religiosa anterior, e que o egoísmo, chegando até ao crime, não só deve ser
permitido ao homem mas até mesmo reconhecido como a saída indispensável, a
mais racional e quase a mais nobre para a situação.”

Trecho do livro “Os Irmãos Karamazov”


de Fiódor Dostoiévski, escrito em 1879.

A citação “se Deus não existe tudo é permitido” não faz


parte do livro de Doistoévski46, mas foi tirada desta pas-
46 Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (em russo: Фёдор Миха́йлович
Достое́вский, AFI ; Moscovo, 30 de outu-
bro / 11 de novembro de 1821 — São Petersburgo, 28 de janeiro / 9 de fevereiro
de 1881) – ocasionalmente grafado como Dostoievsky – foi um escritor e filósofo
russo, considerado um dos maiores romancistas da história e um dos mais ino-
vadores artistas de todos os tempos. É tido como o fundador do existencialismo,
107
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

sagem onde Ivan Karamazov faz a sua defesa de como o


mundo seria se a imortalidade da alma não existisse. Onde
a existência é única e, depois de morto, há apenas o nada.

Se a lógica de Ivan sobre o “nada” depois da morte esti-


ver correta – como um grande contingente de pessoas acre-
dita –, eu diria que a sua defesa está perfeita. A busca pelo
prazer e por tudo que essa vida possa te render valeria cada
trapaça, cada roubo, cada assédio e cada crime, como o
próprio Ivan argumenta. Se não há Deus, não existe tam-
bém a necessidade de nenhuma prestação de contas.

A Inteligência Espiritual propõe um estilo de vida total-


mente contrário a essa ideia. Um estilo de vida de prestação
de contas a Deus, a um alguém ou a algo além deste plano
terreno e físico, que coloque propósitos à sua existência.
Se pensarmos de maneira totalmente racional, como ateus,
parece uma total perda de tempo dedicar sua existência a
alguém que você não tem comprovação de existência.

Neste ponto, recorro a Blaise Pascal47 e ao seu postulado


filosófico que ficou conhecido como a “Aposta de Pascal”48.
mais frequentemente por Notas do Subterrâneo, descrito por Walter Kaufmann
como a “melhor proposta para existencialismo já escrita”.
47 Blaise Pascal (Clermont-Ferrand, 19 de junho de 1623 — Paris,
19 de agosto de 1662) foi um físico, matemático, filósofo moralista e teólogo
francês.
48 A Aposta de Pascal é uma proposta argumentativa de filosofia apolo-
gética criada pelo filósofo, matemático e físico francês do século XVII Blaise Pas-
cal. Ela postula que há mais a ser ganho pela suposição da existência de Deus do
que pelo ateísmo, e que uma pessoa racional deveria pautar sua existência como
se Deus existisse, mesmo que a veracidade da questão não possa ser conhecida
de fato. Pascal formulou a questão em um contexto cristão, e foi publicado na
seção 233 do seu livro póstumo “Pensées” (Pensamentos). Historicamente, foi um
trabalho pioneiro no campo da teoria das probabilidades, marcou o primeiro
uso formal da teoria da decisão, e antecipou filosofias futuras como existen-
108
ADEILDO NASCIMENTO

Filósofo, matemático e físico francês, Pascal foi desafiado a


provar matematicamente a existência de Deus. Explicando
de uma maneira bem simplista, Pascal chegou à conclusão
de que é bem melhor ter fé em algo que não exista do que
não ter fé em algo que exista. Se você crer em Deus e no
futuro descobrir que Ele não existe, suas perdas serão mo-
mentâneas, porém, se você não crer Nele e no fim descobrir
que Ele existe, as perdas serão eternas. Em resumo, na dú-
vida é melhor acreditar. Se Blaise Pascal acreditava ser mais
seguro apostar na existência de Deus, Ivan postulava como
o mundo seria se a aposta fosse contrária. E não seria um
mundo nada bonito.

Saímos da total ignorância para um conhecimento e


evolução fantásticos. A “nuvem” de dados nos cerca sem
percebermos, afinal, nunca tivemos tanta informação dis-
ponível. Dissecamos as partículas subatômicas e o DNA
humano. Clonamos animais e já temos a tecnologia para
clonar o ser humano. Nossas próximas fronteiras já pas-
saram da Lua há muito tempo. Conseguimos enviar uma
sonda a Marte e controlamos os movimentos de um veícu-
lo em seu solo a partir da Terra. O que antes víamos em
filmes de ficção, hoje é realidade plena e disponível para
um grande contingente de pessoas ao redor do globo. Con-
tudo, ainda seguimos sem a solução para os nossos mais
angustiantes problemas: a maldade humana, o sofrimento
humano e a morte.

Afinal de contas, somos homens bons tentados pelo mal


cialismo, pragmatismo e voluntarismo. Este argumento tem o formato que se
segue: se você acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho infinito; se
você acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda finita; se você não
acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho finito; se você não acredita
em Deus e estiver errado, você terá uma perda infinita.
109
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

ou homens maus em busca de algum bem que possa nos


salvar? Neste sentido, a evolução social tem jogado contra
as nossas esperanças de um futuro melhor para a humani-
dade. O afastamento da espiritualidade e do sagrado tem
provocado feridas terríveis em nossa sociedade já tão casti-
gada. Igrejas e templos se tornam um negócio como outro
qualquer, onde o lucro e a aplicação de recursos só servem
para aumentar uma máquina mesquinha de religiosidade
e expansão da ignorância. O fanatismo se transforma em
atos terroristas e as mortes em nome de “Deus” seguem
mundo afora.

A maldade não escolhe classe social ou nível educacio-


nal. Atear fogo em mendigos e moradores de rua ou es-
pancar jovens indefesos até que morram não é privilégio
de pessoas pobres ou sem estudo. As pancadarias entre tor-
cidas organizadas contam com a participação de jovens de
todas as classes.

O mundo do trabalho não passa incólume por essa evo-


lução social. Não é apenas o adoecimento do corpo com
somatização dos problemas das nossas almas. Mas o ca-
ráter dos negócios, altamente influenciado pela ideologia
maquiavélica49 50, somada às regras do capitalismo de livre
mercado, nos colocam na rota de um futuro preocupan-

49 Nicolau Maquiavel (em italiano: Niccolò di Bernardo dei Machi-


avelli; Florença, 3 de maio de 1469 — Florença, 21 de junho de 1527) foi
um historiador, poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento.[1] É
reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna,[1]
pelo fato de ter escrito sobre o Estado e o governo como realmente são e não como
deveriam ser.
50 Maquiavelismo é a denominação que se dá à doutrina política
emanada do livro O Príncipe de Maquiavel, escrito por Nicolau Maquiavel em
1513.
110
ADEILDO NASCIMENTO

te. Neste exato momento leio matérias que me dão conta


de que, dentro de pouco tempo, apenas 62 pessoas serão
detentoras de 50% de toda a riqueza mundial. Donas de
tanto dinheiro que mesmo se quisessem não conseguiriam
gastá-lo todo no período restante de suas vidas. Isto tam-
bém nos mostra que a concentração de renda traz em si a
maldade do ser humano, uma vez que a outra metade das
riquezas do mundo não é capaz de alimentar e dar condi-
ções mínimas de sobrevivência à grande maioria das pesso-
as do Planeta.

Maldade traz sofrimento. Em todas as dimensões da


existência humana o mundo está sofrendo. No Cristianis-
mo se diz que o mundo geme, a natureza começa a ter do-
res como as dores de parto. No Hinduísmo o universo cí-
clico desce ao seu mais baixo nível, nascendo do espírito de
Brama51, desce através de sua alma e termina no seu corpo.
Vemos essa evolução em vários aspectos culturais e sociais.
Nas artes, na música, no trabalho, nas relações humanas,
no sexo e, por incrível que pareça, nas próprias religiões,
que deveriam ser aquelas que jogam contra todo este dis-
tanciamento do sagrado e da espiritualidade. Porém, quan-
do se veem “sacerdotes” construindo reinos terrenos, chego
à conclusão de que, verdadeiramente, o fim está próximo.

A morte é o fim dado e certo de todos nós. Aguardar o


51 Brama, Brahma ou Bramá é o primeiro deus da Trimúrti, a trin-
dade do hinduísmo (os outros deuses são Vishnu e Shiva). Brama é considerado,
pelos hindus, a representação da força criadora ativa no universo. A visão de
universo pelos hindus é cíclica. Depois que um universo é destruído por Shiva,
Vishnu se encontra dormindo e flutuando no oceano primordial. Quando o
próximo universo está para ser criado, Brama aparece montado numa flor de
lótus brotada do umbigo de Vishnu e recria todo o universo.

111
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

momento da morte lidando com maldade e o sofrimento


humano é como colocar gasolina no fogo. Apesar de toda
a evolução tecnológica e científica que tenhamos passado,
ainda aguardamos com temor e pavor o dia do fechamento
definitivo de nossos olhos carnais e da completa paralisia
de nosso fôlego.

“Onde está Deus?” é a pergunta mais concorrida nos


dias de hoje. Os Deístas talvez tenham descoberto o cami-
nho do meio nesse quesito e consigam aliviar suas consci-
ências para a questão do mal e do sofrimento. Partindo do
princípio da existência de um criador ou força criativa, po-
rém, sem nenhuma obrigação de prestação de contas mo-
ral. Neste caso “Deus” não teria nenhuma obrigação moral
de estar em lugar nenhum, muito menos autoridade para
cobrar nada de ninguém.

Aceitar ou negar a existência de Deus e a sua forma de


relacionamento com Ele é ponto central da Inteligência
Espiritual, porque essa Inteligência no Mundo do Traba-
lho parte da premissa da prestação de contas. O fruto ou
resultado do meu trabalho dignifica ou não o meu plano
espiritual. A minha produção física ou intelectual exerce
influência positiva ou negativa sobre a maldade, o sofri-
mento e a morte dos homens?

Existem duas opções e não mais que duas: trabalho para


ganhar dinheiro e me sustentar ou trabalho para cumprir
um papel? Entenda por cumprir um papel a ideia de que
você existe e foi criado para cumprir uma tarefa específica,
através de sua existência neste plano terreno. Este papel lhe
foi concedido pelo Criador, que também tem um plano,

112
ADEILDO NASCIMENTO

um propósito com este mundo em evolução, seja para o


bem ou para o mal.

Se Deus não existe, não existe também nenhum propó-


sito específico para a existência, para o trabalho, para a pro-
dução ou para a vida. Este era o dilema de Ivan Karama-
zov. Porque perder tanto tempo tentando ser ético, moral e
ter bom caráter se isso de nada vale ou não vai me adiantar
de nada após a morte.

Quando relatei as prioridades na vida das pessoas quan-


do são questionadas sobre o tema, Deus sempre aparece
em primeiro lugar. Te desafio a ler e relembrar os agradeci-
mentos feitos em livros ou em formaturas. Ele sempre está
lá, em primeiro lugar. Porém, a questão que vem depois
é: você sequer pensou em Deus antes de entregar aquele
relatório cheio de erros porque precisava sair um pouco
mais cedo. Deus apareceu em seus pensamentos quando
você mentiu que ficou parado em um engarrafamento para
justificar o seu atraso. Onde Ele estava quando você fez
aquele comentário depreciativo sobre seu colega que estava
disputando a mesma posição que você ao seu chefe? Onde
estava Deus quando um executivo assediou a funcionária?
Onde estava Deus quando você decidiu puxar o tapete de
alguém para chegar mais cedo à posição de Gerente? Onde
estava Deus quando decidimos esconder dados importan-
tes do balanço anual de nossa empresa para não interferir
no preço de nossas ações?

Se Deus não existe, o mundo do trabalho vai seguir o


mesmo caminho da sociedade pós-moderna e relativista.
“Umbigólatras” com poder, dinheiro e fama fazendo suas

113
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

vítimas na escalada do sucesso. Se Deus não existe, você


perdeu grana e tempo ao comprar e ler este livro até aqui.

Faça sua aposta. Blaise Pascal ou Ivan Karamazov po-


dem ser seus conselheiros, mas escolha um lado. Talvez
possa ter te passado pela cabeça a ideia de dividir suas fi-
chas pela metade e apostar nas duas alternativas, mas acre-
dite, esta não é uma boa ideia.

No seu clássico “A Divina Comédia”52, Dante Alighieri53


relata sua visita ao Inferno acompanhado de seu guia, Vir-
gílio. Na sua primeira parada, após ouvir gritos e gemidos,
ele pergunta a Virgílio de quem são eles, ao que o poeta res-
ponde serem daqueles que viveram sem ter merecido nem
louvor, nem censura, os ignavos – preguiçosos; indolentes;
covardes – que não foram fiéis a Deus, nem rebeldes.

Viver em cima do muro num parco cinza, sem cor e sem


vida em relação à espiritualidade tem mais cara de Ivan Ka-
ramazov do que de Blaise Pascal, ou seja, apostar nas duas
alternativas, no final das contas, significa apostar todas as
fichas na não existência de Deus.

Termino este capítulo com um texto conhecido como a


Fábula do Muro.

52 “O Poema Sagrado de Dante”, séculos após registrado como A


Divina Comédia (em italiano: Divina Commedia, originalmente Comedìa e,
mais tarde, denominada Divina Comédia por Giovanni Boccaccio) é um poema
de viés épico e teológico da literatura italiana e da mundial, escrito por Dante
Alighieri no século XIV e dividido em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso.
53 Dante Alighieri (Florença, entre 21 de maio e 20 de junho de 1265
— Ravena, 13 ou 14 de setembro de 1321) foi um escritor, poeta e político
italiano. É considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana, definido
como il sommo poeta (“o sumo poeta”).
114
ADEILDO NASCIMENTO

“Havia um grande muro separando dois grandes gru-


pos. De um lado do muro estavam Deus, os anjos e os
servos leais de Deus. Do outro lado do muro estavam Sa-
tanás, seus demônios e todos os humanos que não servem
a Deus. E em cima do muro havia um homem indeciso. O
homem observou que o grupo do lado de Deus chamava e
gritava sem parar para ele: Ei, desce do muro agora... Vem
pra cá! Já o grupo de Satanás não gritava e nem dizia nada.
Essa situação continuou por um tempo, até que o homem
resolveu perguntar a Satanás: O grupo do lado de Deus
fica o tempo todo me chamando para descer e ficar do lado
deles. Por que você e seu grupo não me chamam? Satanás
respondeu: porque o muro é meu”.

115
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

116
ADEILDO NASCIMENTO

CAPÍTULO 8

EM BUSCA DE
UMA VOCAÇÃO

117
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

118
ADEILDO NASCIMENTO

“Onde as necessidades do mundo


se cruzam com as suas capacidades
e possibilidades,
aí está a sua vocação”.
Aristóteles


“O que fazemos nessa vida,
ecoa na eternidade”.

Personagem Máximus
do filme Gladiador

Costumo dizer que minha carreira profissional se ini-


ciou realmente em 1997, quando eu já estava com 23 anos.
Na verdade, eu trabalho desde os 14 anos, mas foi em 1997
que eu conheci um ambiente corporativo de verdade. Esta-
va cursando Economia na Universidade Federal do Paraná,
depois de ter desistido da Faculdade de Análise de Sistemas
na Pontifícia Universidade Católica de Curitiba. Dois fa-
tores me levaram a deixar a área de TI de lado: o primeiro
foi a falta de dinheiro para bancar as mensalidades numa
universidade privada. O segundo foi o fato de eu não me
sentir realizado na área.

Decidi então mudar e fui aprovado no vestibular de


Economia. Restava então mudar de carreira, uma vez
que toda a minha experiência até aquele momento tinha
ligação com computadores. Foi então que algo fantástico
aconteceu em minha vida. Consegui um estágio em uma
multinacional alemã na Cidade Industrial de Curitiba, na
área de Recursos Humanos. Um ambiente e um horizon-
119
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

te totalmente novos se descortinaram à minha frente. De


pequenas empresas a uma multinacional, de computadores
a pessoas, de poucas pessoas a milhares, de simples escritó-
rios a dezenas de áreas e departamentos com vários níveis
organizacionais.

A minha busca por uma carreira profissional que me


deixasse motivado e com um senso de pertencimento nun-
ca foi tarefa fácil. Se você analisar todas as mudanças que
já fiz tanto em minha vida quanto na carreira profissional,
você vai chegar facilmente a essa conclusão. Sempre tive
inveja da minha irmã, que desde muito cedo tinha claro o
que queria para sua vida. Trabalhar na área de saúde sem-
pre foi o desejo dela, que hoje consegue exercer toda a sua
vocação sendo enfermeira socorrista no SAMU – Serviço
de Atendimento Médico de Urgência. Você deve conhe-
cer pessoas assim, que desde sempre sabem o que querem
ser quando crescer e continuar sendo depois de “crescidos”.
Comigo não foi assim tão fácil.

Um dos grandes aprendizados que obtive para minha


vida trabalhando naquela multinacional foi a importância
que se dava para o treinamento e desenvolvimento de líde-
res. Cursos e mais cursos, muito dinheiro investido em Re-
cursos Humanos, programas e programas de identificação
de potenciais para as posições mais altas da organização.
Foi lá que comecei a entender que líderes de qualidade tam-
bém dependem de vocação.

Talvez a leitura até aqui tenha criado na sua mente a


ideia de que sou contra todo e qualquer tipo de ascensão
profissional, o que não é verdade. Conheci e ainda conhe-

120
ADEILDO NASCIMENTO

ço executivos totalmente vocacionados para a posição que


ocupam. Trabalhei com líderes inspiradores e que motiva-
vam pessoas como ninguém. Pessoas que trabalham para
desenvolver negócios, criar milhares de postos de trabalho,
melhorar condições sociais e de vida para família inteiras.
Conheci homens e mulheres que me incentivaram e ser-
viram de exemplo como empreendedores destemidos, que
enxergam possibilidades de negócio onde ninguém mais
imaginava ser possível. Trabalhei com pessoas com tanta
habilidade e conhecimento técnico que me deixavam de
queixo caído. Que conseguiam analisar e decidir várias
questões ao mesmo tempo. Conversei com executivos com
quem tive o simples prazer de ouvir falar e conduzir uma
reunião.

Ainda hoje, quando faço palestras ou workshops sobre


liderança, a pergunta que sempre vem à tona é se o líder
nasce pronto. A minha resposta sempre é um sonoro “não”,
de bate pronto, mas eu tenho a certeza de que os grandes e
melhores líderes têm vocação para a posição que ocupam.
O grande problema é que, a partir do momento em que fo-
mos apresentados ao dinheiro, e este se constituiu na única
forma de ascensão social em nossa sociedade de consumo,
aliado ao fato das grandes diferenças de salário entre o me-
nor e o maior nível hierárquico nas corporações, que che-
gam a absurdos 100 vezes mais nas grandes empresas, esta-
belece-se em nossas vidas um grande abismo entre a nossa
vocação e aquilo em que vamos trabalhar para sobreviver
e ascender socialmente. O resultado foi o desejo intrínseco
de todo profissional de se tornar líder ou executivo.

Conversando com pessoas em transição de carreira, atu-

121
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

almente é fácil notar que uma boa parte delas não faz o
que gosta ou não sente vocação para isso. Normalmente
temos que trabalhar naquilo que não gostamos para, às ve-
zes, sustentar a nossa vocação como algum tipo de hobby
ou passatempo. Isso é totalmente compreensível e aceitável,
os problemas começam a acontecer quando pessoas sem
vocação nenhuma para a liderança chegam ao topo, por
exemplo. O resultado você deve conhecer ou já deve ter
sido liderado por alguém nessa condição; porém, eu come-
cei a observar outros profissionais no desempenho de suas
funções.

Recentemente o mundo se lembrou do episódio acon-


tecido em Chernobyl54, quando o reator nuclear explo-
diu e colocou em risco uma boa parte do globo terrestre
à exposição radioativa. O ano era 1986, o reator número
4 da central nuclear de Chernobyl explodiu durante uma
ação mal executada da área de segurança. Nesse momen-
to, bombeiros, cientistas e especialistas, em situações como
aquela, se colocam a postos para o trabalho. O xenônio do
núcleo do reator já havia sido liberado, o que colocava toda
a região em contaminação comprovada. É impensável acre-
ditar que todas aquelas pessoas, em especial os bombeiros,
não sabiam no que estavam se metendo, a contaminação
54 Chernobil, Chernóbil, Chernobyl, Tchernobil ou Tchernóbil[ (em
ucraniano Чорнобиль, transl. Tchornobil’) é uma cidade fantasma localizada
no norte da Ucrânia, perto da fronteira com a Bielorrússia. Em meados da
década de 1970, foi construída pela União Soviética uma central nuclear no
noroeste da cidade. Entretanto, essa cidade não era a residência dos trabal-
hadores da usina. Quando a usina estava em construção, Pripyat, uma cidade
maior e mais perto da usina, foi planejada e construída como residência para os
trabalhadores. Em 26 de abril de 1986 ocorreu o acidente nuclear de Cherno-
bil. Um reator da central de Chernobil teve problemas técnicos e liberou uma
nuvem radioativa contaminando pessoas, animais e o meio ambiente de uma
vasta extensão de terras.
122
ADEILDO NASCIMENTO

fatal deles próprios. Bombeiros se revezando entre diarreias


e vômitos causados pela contaminação, pilotos de helicóp-
teros, médicos e socorristas, cientistas andando por todos
os lados. O trabalho dessas pessoas resultou na morte de
todos eles, mas também na preservação de milhares de ou-
tras vidas nos anos que se seguiram e com reflexos até os
dias de hoje.

Você já imaginou se ligasse para um serviço de socor-


ro médico, para a polícia ou para o corpo de bombeiros e
recebesse a resposta de que não existem profissionais para
prestar atendimento, uma vez que todos eles deixaram suas
funções para estudar e serem líderes, empresários ou execu-
tivos? Normalmente estamos tão preocupados com a nossa
própria vida e carreira que esquecemos que o mundo segue,
ainda tão belo e harmônico, em virtude de pessoas que, na
maioria das vezes, abdicando de bem-estar social, seguem a
vida trabalhando de acordo com suas vocações.

Quando ouvimos uma bela música que nos faz relaxar


e nos inspira a alma, nem prestamos atenção na dificulda-
de de sobrevivência que a maioria dos músicos enfrenta.
Terrível mesmo é quando a maior parte das pessoas prefere
comprar produtos piratas para “economizar” seu dinheiro,
afinal de contas, precisamos investir em nossas carreiras
rumo ao topo. Me desculpe a ironia, mas uma sociedade
de consumo como a nossa cumpre o terrível papel de, cada
vez mais, nos afastar de nossas vocações. Quem sofre com
isso tudo? Todos nós.

Como bem observou Aristóteles55 “onde as necessidades


55 Aristóteles (em grego antigo: Ἀριστοτέλης, transl. Aristotélēs;
Estagira, 384 a.C. — Atenas, 322 a.C.) foi um filósofo grego, aluno de Platão
123
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

do mundo se cruzam com as suas capacidades e possibili-


dades, aí está a sua vocação”. Se começarmos a falar das ne-
cessidades do mundo, este livro não terá um fim tão cedo,
mas podemos focar em um único ponto aqui. Educação. É
líquido e certo que o desenvolvimento de todos os países ao
longo da História passou pela educação do seu povo, certo?
Seguindo neste raciocínio, se fizéssemos um cálculo super-
ficial de quantas pessoas vocacionadas para o ensino estão
espalhadas pela nossa sociedade, cumprindo um papel so-
cial que em nada tem conexão com sua vocação de vida,
teremos um panorama da situação. Se extrapolamos isso
para todas as outras áreas da vida social, podemos compre-
ender, como diz a música de Caetano Veloso56: “Alguma
coisa está fora da ordem”. Eu diria que muita coisa está fora
da ordem.

A minha proposta para você, agora, é totalmente con-


trária ao pensamento de Ivan Karamazov. Imagine um
universo criado com regras e um plano estratégico e in-
teligente por trás dele. Imagine que a sua existência cum-
pre um papel, um objetivo. Que todas as habilidades, dons
e talentos que você possui ou ainda vai possuir estão lá,
como ferramentas para que no momento certo você esteja
lá, pronto a desempenhar o seu trabalho.

e professor de Alexandre, o Grande. Seus escritos abrangem diversos assuntos,


como a física, a metafísica, as leis da poesia e do drama, a música, a lógica, a
retórica, o governo, a ética, a biologia e a zoologia. Juntamente com Platão e
Sócrates (professor de Platão), Aristóteles é visto como um dos fundadores da
filosofia ocidental. Em 343 a.C. torna-se tutor de Alexandre da Macedónia, na
época com treze anos de idade, que será o mais célebre conquistador do mundo
antigo. Em 335 a.C. Alexandre assume o trono e Aristóteles volta para Atenas
onde funda o Liceu.
56 Caetano Emanuel Viana Teles Veloso (Santo Amaro, 7 de agosto de
1942) é um músico, produtor, arranjador e escritor brasileiro.
124
ADEILDO NASCIMENTO

Esse trabalho pode ser ocupar uma posição de CEO ou


Chairman57 de uma grande empresa, compor belas músi-
cas, entrar em edifícios em chamas para resgatar pessoas,
trabalhar sabores e temperos em uma cozinha, limpar um
jardim, compor belas músicas, ser líder de uma comunida-
de espiritual, lutar contra o desmatamento, preparar uma
dieta para alguém que está sofrendo com a obesidade, es-
crever, inspirar, abraçar, ouvir, estender a mão ou cuidar de
sua casa e de seus filhos. A lista é infinita.

A Inteligência Espiritual é o caminho interior que te leva


ao encontro da sua vocação. Que te coloca em linha con-
sigo mesmo e com o seu criador. Quando citei bombeiros,
me lembrei dos atentados de 11 de Setembro nos EUA58.
Enquanto todos corriam para longe das torres em chamas,
os bombeiros tomavam o caminho contrário. Exemplos
como este me fazem refletir sobre o meu egoísmo, quando
tomo decisões de carreira e de vida baseadas apenas no seu
retorno financeiro.

Quando o personagem do filme O Gladiador59, Máxi-


57 Chairman é o mais alto representante de um grupo ou empresa,
nomeadamente um Conselho de Administração, Comitê ou Assembleia Delib-
erativa. A pessoa que assegura o cargo é normalmente eleita ou nomeada pelos
membros do grupo. O Chairman preside às reuniões do grupo e conduz a ordem
de trabalhos de forma ordeira. Quando os membros não estão reunidos em
sessão, os deveres do Chairman passam por atuar como o mais alto representante
do grupo e seu porta-voz.
58 Os ataques ou atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 (às
vezes, referido apenas como 11 de setembro) foram uma série de ataques suicidas
contra os Estados Unidos coordenados pela organização fundamentalista
islâmica al-Qaeda em 11 de setembro de 2001.
59 Gladiador (no original em inglês Gladiator) é um filme ameri-
cano de 2000 dirigido por Ridley Scott e estrelado por Russell Crowe, Joaquin
Phoenix, Connie Nielsen, Ralf Möller, Oliver Reed, Djimon Hounsou, Derek
Jacobi, John Shrapnel e Richard Harris. Crowe interpreta o leal General Máxi-
125
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

mus, interpretado brilhantemente pelo ator Russel Crowe,


diz em frente à sua tropa preparada para uma batalha “o
que fazemos nessa vida ecoa na eternidade”, entendo que
temos perdido este sentido ao longo das gerações. A maior
parte de nós executa as tarefas diárias sem nenhum tipo de
pensamento na eternidade. Estamos tão conectados nesta
terra, com a cabeça tão curvada para as questões “munda-
nas”, que não prestamos mais atenção nos sinais externos
que recebemos todos os dias.

Ainda invejo os profissionais que, a despeito de tudo e


todos, seguem firmes respeitando suas vocações. Quando
converso com eles – e como gosto de conversar com eles
– me sinto honrado em absorver, por um pouco que seja,
essa Inteligência Espiritual que eles nem sabem que têm.
A humildade transparece sorrateira, porque eles mesmos
não conseguem enxergar algum tipo de eco maior em suas
ações diárias. É praticamente por reflexo, instinto. Nunca
vi nenhum bombeiro correndo do fogo ou do perigo, mas
já vi dezenas de “líderes” deixando seus times na mão para
conseguir a próxima promoção.

Enquanto escrevia este capítulo, assisti a um filme ins-


pirador. Baseado em uma história real, o filme The First
Grader (em português o título é “O Aluno”) narra a luta
de Maruge, um senhor de 84 anos, que lutou pela indepen-
dência do Quênia durante o domínio inglês, enquanto era
jovem. Depois de velho, já com o Quênia livre, ele ouve de
seu presidente que a partir de agora o país garantirá educa-
mus Décimus Meridius, que é traído quando o ambicioso filho do imperador,
Cómodo, mata seu pai e toma o trono. Reduzido a um escravo, Máximo ascende
através das lutas de gladiadores para vingar a morte de sua família e do antigo
Imperador.
126
ADEILDO NASCIMENTO

ção gratuita para todos. A partir daí Maruge se lança num


desafio pessoal para aprender a ler. A perseverança e o em-
penho dele encontram uma professora vocacionada que se
sente incapaz de negar ensino a quem lhe pede com tama-
nho anseio. Um exemplo claro de decisões tomadas muito
além dos fatores externos. Colocar em risco a posição em
função da vocação, pouquíssimas pessoas conseguem atin-
gir este nível de espiritualidade. No filme a professora de
Maruge diz que aprendeu com seu pai que devemos conti-
nuar aprendendo até que tenhamos terra em nossas orelhas,
ou seja, enquanto vivermos, haverá espaço para aprender.

Não acredito que, como sociedade, já conseguimos to-


mar decisões de carreira baseadas em nossas vocações, mas
posso te assegurar que se você, no mínimo, iniciar uma
busca sincera dentro de si, em primeiro lugar, e depois em
Deus, você começará a aprender a tocar a eternidade. Tal-
vez um dia as diferenças salariais diminuam, particular-
mente tenho trabalhado para que isso aconteça em meus
níveis de influência, mas enquanto isso não acontece, pes-
soas com níveis elevados de Inteligência Espiritual estão
por aí construindo caminhos onde eles ainda não existem.
Em ambientes corporativos, ou ao seu lado, quando você
mais precisar delas.

127
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

128
ADEILDO NASCIMENTO

CAPÍTULO 9

CONCEITUANDO A
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL

129
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

130
ADEILDO NASCIMENTO

O termo Inteligência Espiritual apareceu há muito tem-


po em estudos filosóficos e psicológicos. A primeira a utili-
zá-lo com maior ênfase e bases acadêmicas bem definidas
foi Danah Zohar60, física e filósofa do MIT com especiali-
zação em Religiões e Psicologia em Harvard.

Zohar propôs através de observações e estudos que a


Inteligência Espiritual está situada acima dos conceitos
tradicionais de quoeficiente espiritual (SQ) e quoeficiente
emocional (EQ), como um nível elevado de consciência de
propósito e significado pessoal, e que isso é derivado de um
complexo processo adaptativo de nosso cérebro. Usando
conhecimentos de física quântica e filosofia, Zohar coloca
em xeque o determinismo de Newton61 e a metáfora mecâ-
nica de Taylor62 na construção da nossa inteligência.
60 Danah Zohar (nascida em 1945) é britânica, formada em física e
filosofia pelo MIT, especialista em filosofia, religião e psicologia da Universidade
de Harvard.
61 Isaac Newton (Woolsthorpe-by-Colsterworth, 25 de dezembro de
1642jul./ 4 de janeiro de 1643greg. — Kensington, 20 de março de 1726jul./
31 de março de 1727greg.) foi um cientista inglês, mais reconhecido como físico
e matemático, embora tenha sido também astrônomo, alquimista, filósofo
natural e teólogo. Sua obra, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica,
é considerada uma das mais influentes na história da ciência. Publicada em
1687, esta obra descreve a lei da gravitação universal e as três leis de Newton,
que fundamentaram a mecânica clássica.
62 Frederick Winslow Taylor (Filadélfia, 20 de março de 1856 —
131
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Em 2000, a autora escreveu o livro “SQ: Connecting


With Our Spiritual Intelligence. New York: Bloomsbury
Publishing” e, em 2004, “Spiritual Capital: Wealth We
Can Live By. San Francisco: Berrett-Koehler Publishers,
Inc.”, mas o assunto já havia sido abordado por ela em seu
livro escrito em 1997; “ReWiring the Corporate Brain”,
sendo atualmente considerada autoridade máxima no as-
sunto.

O psicólogo Howard Earl Gardner63, autor de vários li-


vros e centenas de artigos, é o pai da Teoria das Múltiplas
Inteligências – assunto extremamente analisado e pesqui-
sado, conforme consta em seu livro de 1983: “Frames of
Mind: The Theory of Multiple Intelligences” –, contudo, o
autor optou por não incluir a Inteligência Espiritual como
uma das múltiplas inteligências humanas, em virtude do
desafio científico e das inúmeras abordagens que o tema
poderia propor. Ao invés disso, Gardner sugeriu uma inte-
ligência denominada “Inteligência Existencial”A partir do
seu trabalho, outros psicólogos contemporâneos levaram as
pesquisas à frente, com a criação de ferramentas de medida
e de desenvolvimento do que hoje conhecemos por SQ –
Quoeficiente Espiritual.

Uma boa parte das críticas relativas às medidas de Inte-


ligência Espiritual repousam no fato de que tal mensuração
Filadélfia, 21 de março de 1915) foi um engenheiro mecânico estadunidense.
Técnico em mecânica e operário, formou-se engenheiro mecânico estudando à
noite. Escreveu o livro “The Principles of Scientific Management”, publicado
em 1911. É considerado o “Pai da Administração Científica” por propor a
utilização de métodos científicos cartesianos na administração de empresas. Seu
foco era a eficiência e eficácia operacional na administração industrial.
63 Howard Gardner é professor de Cognição e Educação na Universi-
dade de Harvard, professor adjunto de neurologia na Universidade de Boston.
132
ADEILDO NASCIMENTO

surge de métodos de autoavaliação, o que prejudica signi-


ficativamente os resultados, dando espaço para falsos índi-
ces. Mas mesmo com tantas questões ainda sem respostas
definitivas, a Inteligência Espiritual tem sido fonte de inter-
mináveis discussões e estudos mundo afora, especialmente
no universo corporativo. Este, como vimos anteriormente,
tem buscado incansavelmente formas de conter seu adoe-
cimento contínuo e, assim, resolver as questões humanas
surgidas neste novo contexto de mudanças que ocorrem na
velocidade da luz.

A década de 90 foi um excelente palco para a introdu-


ção deste assunto nos corredores corporativos. Ainda que
não mostrada como Inteligência Espiritual propriamente
dita, os livros e as inúmeras palestras de Stephen Covey64
começaram a rechear bibliotecas e, principalmente, as me-
sas dos executivos, em especial os de Recursos Humanos.
De acordo com o próprio Stephen Covey, “A Inteligência
Espiritual é a mais importante e central das inteligências,
uma vez que se torna a fonte de direção para todas as ou-
tras”.

Stephen Richards Covey foi um renomado educador,


escritor, consultor e palestrante americano. Seu best-seller
“Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes” foi traduzi-
do e vendido globalmente. Covey foi um grande inspirador
64 Stephen Richards Covey (Salt Lake City, 24 de outubro de 1932
- Idaho Falls, 16 de julho de 2012) foi um escritor estadunidense, autor do
best-seller administrativo (classificado por alguns como livro de auto-ajuda) Os
Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes, publicado pela primeira vez em
1989, como também do livro (Primeiro o Mais Importante), dentre outros. Foi
fundador da Covey Leadership Center em Salt Lake City, Utah, e da “Covey”
de FranklinCovey Corporation, que ensina a como fazer planejamentos nas
organizações.
133
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

e motivador organizacional e influenciou – e ainda influen-


cia – milhares de profissionais de Recursos Humanos pelo
mundo.

Pessoas como Danah Zohar e Stephen Covey também


me influenciaram muito enquanto observava in loco os
conceitos abordados por eles em minhas passagens como
executivo e consultor de RH. Aliado ao fato da minha espi-
ritualidade ser desenvolvida desde menino, acabei por en-
contrar nessas observações, e também em didáticas diárias
nos encontros e trabalhos com todos os tipos de profissio-
nais, uma fonte de trabalho fascinante.

Uma das definições mais importantes da Inteligência


Espiritual reside no fato de que ela é totalmente distinta
da religiosidade ou da religião propriamente dita. Embora
a religião sempre apareça como o meio mais curto para a
nossa espiritualidade, uma pessoa pode ser extremamente
inteligente espiritualmente, sem necessariamente ser reli-
giosa.

Os princípios básicos da Inteligência Espiritual são:

Autoconhecimento elevado com sinceridade pessoal: um


profundo conhecimento das minhas crenças, valores, an-
seios e motivações e a capacidade de não mentir para mim
mesmo(a) sobre eles;

Espontaneidade: viver e se responsabilizar por cada mo-


mento da sua vida numa atitude de protagonista e não-
-vítima das situações;

134
ADEILDO NASCIMENTO

Autogestão: viver e agir conforme suas crenças e valo-


res não negociáveis;

Visão holística: enxergar fronteiras amplas nas suas re-


lações e redes de contatos, sempre com senso de pertenci-
mento;

Compaixão: muito além da empatia, significa estar pro-


fundamente conectado com o seu próximo e a sociedade
como um todo;

Diversidade: saber valorizar pessoas e culturas diferen-


tes de você e não os menosprezar;

Independência: desenvolver altíssimo senso de convicção


e não se deixar contaminar pela multidão;

Humildade: se situar como apenas um agente ou perso-


nagem numa trama extremamente grande e mesmo assim
ter a ciência do seu papel no todo;

Senso de propósito: habilidade de perguntar e entender os


“porquês” das questões fundamentais da vida;

Senso de vocação: profundo senso de servidão e de retri-


buição à vida.

Em última instância, a Inteligência Espiritual é a capa-


cidade de transcender a matéria e o cotidiano e, através de
princípios de vida e de um elevado estado de consciência,
adquirir a capacidade de resolver problemas em busca da
prosperidade, não apenas para si, mas para as pessoas que
te rodeiam e para a sociedade de um modo geral.
135
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

O tema e o conceito são muito novos e ainda pouco es-


tudados cientificamente. Meu campo de estudos, confesso,
não foram apenas as bibliotecas e a academia, foi gente.
Minha vocação e minha profissão tem me proporcionado
estar com gente, tocar gente, falar com gente, aconselhar
gente, empregar gente, mentorear gente, guiar espiritual-
mente gente, viver gente. Cristo e o Cristianismo me en-
sinaram que viver para mim mesmo talvez seja a forma
mais pobre de vida. É simples dizer, mas muito difícil de
fazer. Simples sim, fácil não, mas tem sido uma regra cons-
tante em minha vida ao trabalhar com gente. O mundo
corporativo e a consultoria me ensinaram a perseverança
e a determinação na busca de resultados, a eficiência e a
eficácia, mas me iludiram e quase apagaram meu propó-
sito quando se tratava de recompensa e reconhecimento.
No final, fiz deles o meu objeto de paixão, de observação
e de estudo. Viajei para outras partes do mundo e observei
comportamentos similares em termos de espiritualidade e
de trabalho. Pessoas mudam muito pouco em sua essência
nas questões relacionadas ao trabalho, independentemente
de sua cultura.

Segundo a minha convicção de fé, nós, os seres huma-


nos, somos imagem e semelhança daquele que nos criou
e carregamos dentro de nós um vazio, assim como disse
Dostoiévski: “Existe no Homem um vazio do tamanho de
Deus”. Passamos a vida tentando completar este vazio. Es-
calamos a escada do sucesso, ascendemos os níveis da pi-
râmide das necessidades, compramos casas e carros novos,
desejamos o estrelato e as capas das revistas ou simples-
mente mostrar aos vizinhos e aos amigos das redes sociais

136
ADEILDO NASCIMENTO

a nossa “boa vida”. Mas, infelizmente, nada disso nos com-


pleta. Nada disso parecer responder os nossos “porquês” e o
vazio, além de continuar lá, parece aumentar à medida que
os anos passam.

Viver como se não existisse mais nada além deste plano


transforma toda a existência em algo totalmente sem sen-
tido, mais ou menos como disse Shakespeare65 em Mac-
beth66: “A vida é uma sombra errante; um pobre comedian-
te que se pavoneia no breve instante que lhe reserva a cena,
para depois não ser mais ouvido. É um conto de fadas, que
nada significa. Narrado por um idiota cheio de som e fú-
ria”. Essa falta de significado e de propósitos tem nos dei-
xado atônitos, doentes e à deriva num mundo veloz e de
mudanças constantes, onde nada parece ser perene, eterno.

Contudo, se acrescento a Inteligência Espiritual à Apos-


ta de Pascal, concluo que não existem perdas em nenhuma
das circunstâncias. Mesmo acreditando em algo que no
futuro se demonstre inexistente, o que vi, ouvi e vivi em
todos estes anos de aprendizado com gente é que só exis-
65 William Shakespeare (Stratford-upon-Avon, 23 de abril de 1564
— Stratford-upon-Avon, 23 de abril de 1616) foi um poeta, dramaturgo e ator
inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente drama-
turgo do mundo. É chamado frequentemente de poeta nacional da Inglaterra
e de “Bardo do Avon” (ou simplesmente The Bard, “O Bardo”). De suas obras,
incluindo aquelas em colaboração, restaram até os dias de hoje 38 peças, 154
sonetos, dois longos poemas narrativos, e mais alguns versos esparsos, cujas
autorias, no entanto, são ainda disputadas. Suas peças foram traduzidas para
todas as principais línguas modernas e são mais encenadas que as de qualquer
outro dramaturgo. Muitos de seus textos e temas, especialmente os do teatro,
permanecem vivos até os nossos dias, sendo revisitados com frequência, especial-
mente no teatro, na televisão, no cinema e na literatura.
66 Macbeth é uma tragédia do dramaturgo inglês William Shakespeare,
sobre um regicídio e suas consequências. É a tragédia shakespeariana mais
curta, e acredita-se que tenha sido escrita entre 1603 e 1607.
137
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

tem perdas do lado da descrença e até mesmo a morte, pela


crença (fé), vale mais que uma vida inteira de descrença.

E quem algum dia poderia imaginar que morte fosse


sinal de inteligência? Mas segundo Aristóteles, “Nunca
existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura”.

Admirável loucura. Admirável inteligência. Definitiva-


mente, existem coisas que só os loucos sabem.

138
ADEILDO NASCIMENTO

EPÍLOGO

139
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

140
ADEILDO NASCIMENTO

Imagine-se trabalhando cheio de metas e objetivos, mas


com total falta de propósitos e sem o mínimo senso de vo-
cação ou de cumprimento de um chamado. Imagine-se
vivendo apenas pelo sustento ou pela busca da fama, do
poder e do dinheiro, mais e mais dinheiro. Será mesmo
esta a vida que eu quero para mim? O que eu produzo
satisfaz verdadeiramente minha alma? O meu legado será
algo a que o(s) meus(s) filho(s) desejarão dar continuidade?
Eu inspiro a vida da minha família e dos meus amigos mais
próximos, de alguma maneira? Minha vida terá feito algu-
ma diferença depois que eu partir? Nada como perguntas.
Nada como você sozinho consigo mesmo, com sua alma e
o seu espírito.

Para mim, tudo começou pelo fato de viver em dois


mundos que, aparentemente, pareciam muito distantes.
Minha vida parecia ser dividida em momentos distintos
e com objetivos opostos. Num primeiro momento, com-
plementares e harmoniosos, em outros, até conflitantes. O
mundo corporativo profissional e o mundo espiritual. Exe-
cutivo de Recursos Humanos e Evangelista Cristão. Estas
eram as duas forças atuando na minha vida em termos de
metas, objetivos e propósitos.

141
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

Meu networking67 gira dentro destes dois mundos. Não


consigo separá-los eficazmente, e quem me procura ou se
relaciona comigo também deve ter esta dificuldade, acre-
dito eu. Tenho irmãos de fé que são ou foram colegas de
trabalho e colegas de trabalho que não possuem fé em nada,
ou devotam sua fé a um deus diferente do meu. À medida
que a fé entra em discussões profissionais, tudo fica cinza.
Se um mundo tem base científica, outro se sustenta pela
certeza naquilo que não se vê e não pode ser comprovado
com ferramentas humanas. Uma imensa dificuldade por si
só. Por outro lado, um ambiente de discussões e conflitos
tão intensos que deram e continuam dando margem para
as minhas buscas e definições.

Nasci numa família cristã evangélica e desde muito cedo


fui apresentado à dimensão espiritual da minha existência.
Deus sempre foi muito presente em todas as etapas da mi-
nha vida e no meu cotidiano. Desde muito pequeno, fre-
quentei escolas bíblicas e o contato com o texto sagrado
inundava o meu imaginário e moldava a minha trajetória
futura.

A educação sempre foi algo caro e essencial em nossa


família. Meus pais não pouparam esforços para que nossa
educação fosse de primeira qualidade. Eles viam nisso a pos-
sibilidade de um futuro melhor para os seus filhos. O que
realmente se comprovou de verdade. Numa época em que
não existiam Google e Facebook, frequentar a escola bíblica
e o colégio particular foram um presente e tanto para uma
pessoa que, no futuro, seria consultor e palestrante. Falar
67 (em inglês) é uma expressão que representa uma rede de contatos
(de cunho) profissional. Diz respeito às pessoas que um indivíduo conhece e aos
relacionamentos pessoais, comerciais e profissionais que mantém com elas.
142
ADEILDO NASCIMENTO

em público normalmente não é um problema para cristãos


evangélicos. A leitura da Bíblia pode ser complicada para
uma criança, mas facilita várias outras leituras no futuro.

Além da educação formal e cristã, outro fator primordial


para a construção do que sou hoje foi o trabalho. Quando
tinha 14 anos de idade, meus pais decidiram que eu deveria
estudar no turno da noite e trabalhar durante o dia. Não
era fácil conseguir um trabalho formal para um garoto de
14 anos, mas fui surpreendido pela notícia, dada pelo meu
pai, de que seu contador precisava de um office-boy e que
eu teria essa chance de começar minha trajetória profissio-
nal. Anos mais tarde, descobri que essa vaga nunca existiu
e que quem, na verdade, pagava o meu “salário” eram os
meus próprios pais. O contador havia me contratado aten-
dendo a um pedido de meu pai, que se dispôs a pagar o
meu salário. No princípio você pode achar que quem ga-
nhou com este acordo foi o contador, mas o futuro revelou
que o maior beneficiado fui eu mesmo.

Meus pais sabiam a importância do trabalho na cons-


trução do caráter de um homem. Coisa que eu fui desco-
brir muitos anos depois na faculdade de Economia. Como
é curioso notar que a sabedoria popular e “humilde” revela
coisas ao coração de alguns que nunca leram os clássicos
das Ciências Humanas. Fazer um filho saber o valor da
conquista por meio do seu próprio esforço é coisa especial e
importante, e alguns pais sabem disso mesmo com pouca,
ou nenhuma, formação acadêmica.

Aquele trabalho me ensinou muito mais do que eu me-


recia. Pela primeira vez na vida, fui colocado frente a uma

143
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

situação única: a da produção e da criação. Nada afeta mais


o ser humano do que a capacidade criativa. Dos trabalhos
mais elementares aos mais complexos, criar algo a partir
das suas mãos ou do seu intelecto traz entusiasmo ao co-
ração e à alma. O fato de termos sido desconectados ou
afastados dos produtos finais de nosso trabalho é um fator
de frustração para o profissional de hoje.

Naquela época eu não tinha a mínima noção de que tal-


vez a grande liga futura dos meus dois mundos – profissio-
nal e espiritual – iriam convergir justamente neste ponto:
da produção e da criação. Lidar com profissionais em suas
carreiras e com gente em suas angústias da alma termi-
naram me levando a um ponto de intersecção: se alguma
coisa está errada, é porque o projeto inicial não está sendo
seguido como o planejado.

A falta de propósitos de vida pode ser traduzida como


o grande fator de infelicidade, ou até mesmo de desespero,
das pessoas e profissionais na atualidade. Os salários e os
benefícios, bem como as promessas de uma vida melhor,
acabam sendo uma ferramenta rápida para obtenção de
um estado mais reconfortante, porém, não trabalham na
causa do problema. Dessa maneira, várias pessoas apenas
sobrevivem, mas não vivem uma vida plena em todos os
seus sentidos.

Não sei ao certo qual seria a melhor definição para a mi-


nha condição: um executivo cristão ou um cristão executi-
vo. Por várias vezes, me perdi entre os conceitos. A busca de
propósitos claros de vida em meio a estas duas frentes não
é lá tarefa muito fácil, para alguns, até mesmo impossível.

144
ADEILDO NASCIMENTO

Afinal de contas, são as decisões de carreira que definem a


vida ou as decisões de vida que definem a carreira? Carreira
e vida não deveriam ser sinônimos da mesma coisa? Se,
como dizia Cervantes68, “até a morte, tudo é vida”, então
não existe uma divisão verdadeira entre vida pessoal e vida
profissional.

Tantas questões me levaram a buscas cotidianas por res-


postas e minha grande fonte de inspiração eram a Bíblia,
os livros e a observação contínua de pessoas que, nesses
anos de trabalho em Recursos Humanos, cruzaram a mi-
nha vida. Foram líderes, chefes, colegas de trabalho, tanto
de níveis hierárquicos superiores quanto inferiores. Depois
vieram os clientes da consultoria, candidatos a posições de
emprego, empreendedores, além de milhares de pessoas
que ouviram minhas palestras e outras tantas com quem
tive o prazer de conversar em vários cafés e almoços para
orientá-las ou simplesmente dar algumas dicas de carreira.

Outra importante fonte de observação foram as igrejas


por onde passei e as pessoas com quem tive contato em to-
das elas. Sou um evangelista cristão e minha função, como
tal, é pregar o Evangelho de Jesus Cristo. O dom da ora-
tória deveria retornar ao seu verdadeiro dono e, para um
cristão como eu, a forma de fazer isso é utilizando o dom e
o talento para o benefício de Cristo.

Igrejas e empresas se parecem muito enquanto institui-

68 Miguel de Cervantes Saavedra (Alcalá de Henares, 29 de setembro


de 1547 — Madrid, 22 de abril de 1616) foi romancista, dramaturgo e poeta
castelhano.

145
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

ções, ambas com receitas e despesas. Seus organogramas69


podem ser até mesmo confundidos por alguém menos avi-
sado. Hierarquias existem em ambos os lados, e pastores e
bispos, assim como presidentes e diretores, passam pelos
mesmos dilemas e tentações das posições de poder.

Quando analisava friamente missões, visões, objetivos


e valores, eu também via verdades e mentiras nos dois la-
dos, além dos desafios da implantação e disseminação de
cultura organizacional e da cultura do Reino de Deus. Os
seres humanos são os únicos que criam cultura e gerenciar
pessoas sob este prisma é tarefa de pastores e de CEOs 70.

Como sempre gostei de fazer perguntas, comecei a fazê-


-las para que todas as respostas pudessem ser compiladas
neste livro. Saber o porquê das coisas sempre foi o combus-
tível da minha vida profissional em Recursos Humanos e
das minhas incursões com as pessoas espiritualizadas que
cruzavam o meu caminho. Saber o “porquê” das coisas na
vida profissional me possibilitou ser um excelente profis-
sional de Recursos Humanos. Tenho orgulho imenso da
carreira que construí nessa área. As respostas aos porquês
me fizeram extremamente hábil na organização de práticas
e políticas de RH que motivavam funcionários e geravam
resultados para as empresas nas quais trabalhei como exe-
cutivo ou como consultor.
69 Organograma é um gráfico que representa a unidade estrutural de
uma organização.
70 Diretor executivo (AO 1945: director executivo) , diretor geral ou
Chefe Executivo de Ofício (às vezes designado pelo estrangeirismo Chief Execu-
tive Officer, ou pela sigla CEO, em inglês) é o cargo que está no topo da hierar-
quia operacional de uma empresa. Ele possui a responsabilidade de executar as
diretrizes propostas pelo Conselho de Administração, que por sua vez é composto
por representantes dos acionistas da empresa.

146
ADEILDO NASCIMENTO

Saber os “porquês” da vida espiritual me ajudou a cum-


prir com mais eficiência e eficácia a minha vocação de
evangelista. Preparar um sermão se parece muito com a
preparação de políticas de RH, uma vez que em ambos o
foco é o incentivo e a motivação. Se por um lado motiva-
va para o trabalho árduo e engajado, por outro, o sermão
motiva para a conversão e para o engajamento no Reino de
Deus.

Acabo me considerando um privilegiado. O campo de


observação e de pesquisa estava todo ali, à minha frente.
Dentre muitas anotações e memórias, cuidando sempre
para preservar o ser humano por trás de cada uma delas,
minha intenção foi levar você a uma viagem – a minha via-
gem – na busca de uma inteligência que seja tão poderosa
e que possa, aos poucos, nos levar à união de dois mundos
que, a princípio, parecem distintos e incompatíveis, mas
que na verdade podem ser a chave para uma vida cheia de
propósitos e, por consequência, cheia de felicidade e con-
tentamento.

Por várias vezes desafiei você em suas crenças. Te fiz per-


guntas sem pudor ou medo, e espero que você tenha tido
coragem de enfrentá-las, porque se você fizer isso, estará
enfrentando a você mesmo. Se o orgulho precede a que-
da71, como ensina o texto bíblico, ser enfrentado e questio-
nado talvez possa te manter de pé por muito tempo.

Encontrar Deus na sua vida e entender o quão próximo


Ele está e o quanto Ele pode transformar sua existência
71 Bíblia Sagrada - Provérbios 16:18 A soberba precede a ruína, e a
altivez do espírito precede a queda.
147
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL NO MUNDO DO TRABALHO

numa vida cheia de propósitos é o meu desejo. Ele nos con-


vida para uma grande aventura e para o engajamento em
um projeto estratégico de impacto universal. A redenção
do mundo!

Deus te abençoe!

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ADEILDO NASCIMENTO

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