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JJReis O Levante Dos Males
JJReis O Levante Dos Males
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Embora o termo "paternalismo" possa ser "muito amplo para
uma análise minuciosa", como observa E. P. Thompson, 6
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A ausência de participação crioula nas revoltas escravas
da Bahia levanta algumas questões teóricas e de história com-
parativa. A literatura recente sobre conflitos sociais tem mos-
trado que os elementos mais integrados dos grupos dominados
se rebelam e lideram seus companheiros menos informados na
luta contra a opressão. Anthony Oberschall, por exemplo, cri-
tica a idéia tradicional de que os rebeldes são indivíduos cul-
tural e socialmente marginalizados. Ele sugere o oposto. Na
área específica de estudos sobre a escravidão, Gerald Mullin
observa, em seu excelente livro sobre resistência escrava na
Virgínia, Estados Unidos, que havia uma correlação entre ní-
vel de aculturação e habilidade para planejar rebeliões mais
sofisticadas. Sobre a revolução escrava no Haiti, James es-
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Se uma jihad clássica não aconteceu na Bahia em 1835,
isso não quer dizer que o fator religioso deva ser subestimado.
O islã foi uma poderosa força ideológica e organizacional, e
articulou politicamente a ira de escravos e libertos africanos
contra os beneficiários da exploração de classe e da opressão
étnica. A religião esteve entrelaçada com classe e etnia e todas
devem ser consideradas como fatores dinâmicos que possibili-
taram a rebelião de 1835. A religião, evidentemente, apre-
senta um tipo de determinação diferente do de classe e etnia.
Seu papel é "pensar" estas duas últimas em combinação com
uma crítica da função social e significado das mesmas na vida
de seus adeptos. Dito isso, não acreditamos ser necessário
classificar o levante dos males de acordo com um modelo
exato da antropologia ou sociologia da religião. Foi um movi-
mento messiânico? Foi milenarista? IZk, L C V C elementos de
ambos, mas num sentido muito geral. Depois de listar mais de
duas dúzias de expressões que buscam definir o que chama de
"movimentos sociorreligiosos", Vittorio Lanternari conclui:
"Nenhum desses termos pode separadamente descrever a rea-
lidade complexa, dinâmica, de sequer um movimento". Ho- 25
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APÊNDICES*
Apêndice 1
TRA TADO PROPOSTO A MANUEL DA SIL VA FERREIRA
PELOS SEUS ESCRA VOS DURANTE O TEMPO EM QUE SE
CONSERVARAM LEVANTADOS (c. 1789)
Meu Senhor, nós queremos paz e não queremos guerra; se
meu senhor também quiser nossa paz há de ser nessa conformidade,
se quiser estar pelo que nós quisermos a saber.
Em cada semana nos há de dar os dias de sexta-feira e de
sábado para trabalharmos para nós não tirando um destes dias por
causa de dia santo.
Para podermos viver nos há de dar rede, tarrafa e canoas.
Não nos há de obrigar a fazer camboas, nem a mariscar, e
quando quiser fazer camboas e mariscar mandes os seus pretos
Minas.
Para o seu sustento tenha lancha de pescaria ou canoas do
alto, e quando quiser comer mariscos mande os seus pretos Minas.
Faça uma barca grande para quando for para Bahia nós me-
termos as nossas cargas para não pegarmos fretes.
Na planta de mandioca, os homens queremos que só tenham
tarefa de duas mãos e meia e as mulheres de duas mãos.
, A tarefa de farinha há de ser de cinco alqueires rasos, pondo
(*) Nos textos que seguem, atualizamos a grafia das palavras e colocamos as
abreviações por extenso. A pontuação original e o uso de maiúscula em certas pa-
lavras, contudo, foram mantidos.
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