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T E N D Ê N C I A P E T I S TA

ARTICULAÇÃO DE
ESQUERDA
RESOLUÇÕES
8o Congresso Nacional


TENDÊNCIA PETISTA
Tendência Petista
Articulação de Esquerda
Resoluções
8o Congresso Nacional (2023)
2023, Página 13
Organizador e editor
Valter Pomar
Projeto gráfico e diagramação
Emilio Font
Conselho editorial Página 13
Elisa Guaraná, Francisco Xarão, Giovane Zuanazzi, Jandyra Uehara, Luiz Momesso,
Marcos Piccin, Pamela Kenne, Paulo Denisar, Pedro Pomar, Pere Petit, Rodrigo César, Rosana
Ramos, Rosângela Alves de Oliveira, Sonia Fardin, Suelen Aires Gonçalves.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A Esperança é vermelha : resoluções nacionais [livro eletrônico] : da tendência


petista : articulação de esquerda : 2004 : 2005 : 2006 /organização
Valter Ventura da Rocha Pomar. -- 1. ed. -- São Paulo: Associação de
Estudos Página 13, 2023.
PDF
Bibliografia.
ISBN 978-65-88850-14-5
1. Brasil - Política e governo 2. Democracia 3. Direita e esquerda (Ciência
política) 4. Luta de classes 5. Silva, Luís Inácio Lula da, 1945-. Sociedade
- Brasil I. Pomar, Valter Ventura da Rocha.
23-144950 CDD-306.2081

Índices para catálogo sistemático:


1. Conferência Nacional da Articulação de Esquerda :
Ciências sociais : Brasil 306.2081
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
Sumário

Apresentação 7

Sem luta não haverá transformação 9

Sobre o PT e a AE 54

A Saúde como política pública estratégica e de Estado 62

Desafios da educação no terceiro governo Lula 78

A frente de batalha da comunicação 81

Balanço da direção 86
Apresentação

O Partido dos Trabalhadores aprovou, no V Encontro Nacional (1987) e no


I Congresso (1991), o direito de tendência. E determinou que as tendên-
cias devem dar publicidade, ao Partido, acerca de suas posições e atividades.
Cumprindo esta determinação, publicamos neste livreto as resoluções
do 8º Congresso Nacional da da tendência petista Articulação de Esquerda. O
congresso foi realizado nos dias 28, 29 e 30 de julho de 2023, na sede nacional
do PT, em Brasília.
Destacamos o fato de que neste ano de 2023 a tendência petista Articula-
ção de Esquerda completa 30 anos, fato que foi lembrado no Oitavo Congres-
so, para cuja sessão de abertura convidamos o conjunto da militância petista,
em particular a direção nacional do PT, a direção do PT no Distrito Federal e
a as direções de todas as tendências existentes no Partido, a começar pelas 14
tendências que fazem parte das 8 chapas representadas no Diretório Nacional
do Partido eleito em 2019.
O 8º Congresso aprovou uma resolução política geral e três resoluções es-
pecíficas (sobre saúde, educação e comunicação), bem como uma resolução
organizativa acerca do PT e da AE. Além disso, o 8º Congresso aprovou duas
moções, uma sobre os 40 anos da Central Única dos Trabalhadores e outra em
apoio a nomeação de Márcio Pochmann para presidente do IBGE. Ademais, o
Congresso debateu e remeteu para a Direção Nacional dar forma final resolu-
ções sobre juventude, mulheres e sobre cultura.
Ao término do Congresso, foi eleita a direção nacional da tendência petis-
ta Articulação de Esquerda, agora composta pelas seguintes pessoas: Adriana
Souza, Ana Affonso, Damarci Olivi, Daniela Matos, Eliane Bandeira, Elisa Gua-
raná, Gleice Jane, Hilton Faria da Silva, Humberto Amaducci, Ivonete Alves,
Jandyra Uehara, Júlio Quadros, Leirson Azevedo, Múcio Magalhães, Natália
Sena, Patrick Campos, Valter Pomar, Wilma dos Reis.
Além da eleição da nova direção, foi reconduzida a Comissão de ética,
composta por: Jonatas Moreth, Sophia Mata, Izabel Costa e Pere Petit.

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RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

Além das resoluções, publicamos neste livreto também o balanço da dire-


ção que encerrou o seu mandato. Este balanço não foi a voto, mas constitui
um documento que consideramos relevante.

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Sem luta não haverá transformação

L ula tomou posse na Presidência da República em 1º de janeiro de 2023.


Esta vitória só foi possível porque as forças democráticas e populares re-
sistiram e derrotaram os golpistas e os neofascistas, derrota consagrada no
dia 30 de outubro de 2022, tendo sido decisivo o voto da classe trabalhadora
com consciência de classe, das mulheres, das negras e negros, da juventude,
da população LGBTQIA+ e dos eleitores de coração nordestino, moradores ou
não daquela região do país.
A vitória eleitoral de 2022 só foi possível, também, porque fizemos oposi-
ção aos governos Temer e Bolsonaro, lutamos pela liberdade de Lula, impul-
sionamos a mobilização social e a luta política e ideológica, em todas as fren-
tes, combatendo os neoliberais e os neofascistas, enfrentando muitas vezes
em nossas próprias fileiras os que preferiam “virar a página do golpe”.
A partir da vitória eleitoral e antes mesmo de ser diplomado, Lula come-
çou de imediato a tomar decisões presidenciais. É o caso de sua participação
na 27ª Conferência do Clima das Nações Unidas e, também, da participação de
Lula nas negociações junto ao Congresso Nacional, buscando alterar o orça-
mento 2023, de forma a incluir recursos para pagar a chamada Bolsa Família
para milhões de famílias. O governo de extrema-direita não havia incluído
tais recursos na previsão orçamentária e, caso a negociação não fosse feita,
Lula teria iniciado seu governo administrando uma crise humanitária de pro-
porções ainda mais graves.
Também no período de 31 de outubro de 2022 a 1º de janeiro de 2023,
Lula dedicou grande atenção à transição e ao balanço da situação do país e do
governo federal. O resultado deste trabalho foi tornado público no dia 22 de
dezembro de 2022, num relatório cuja leitura é essencial para compreender a
herança maldita recebida pelo governo Lula.
No mesmo período, Lula se dedicou à composição do governo e à defi-
nição de suas relações com o judiciário e com o legislativo. Nos três casos,
aplicou-se a chamada “política de frente ampla”, ou seja, a política de alianças

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RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

entre o Partido dos Trabalhadores e um amplo leque de forças, incluindo aí


partidos e setores de partidos de esquerda, de centro, de centro-direita e de
direita.
Usando como argumento e muitas vezes como pretexto a “correlação de
forças”, se fizeram alianças, inclusive, com forças que integraram a base de
apoio do governo de extrema-direita. Um dos efeitos colaterais desta política
de amplas alianças foi que as forças de direita e extrema direita obtiveram
maioria nas eleições estaduais (governos e assembleias legislativas), maioria
no Congresso nacional (Senado e Câmara) e 48% de votos no segundo turno
das eleições presidenciais de 2022.
Alguns argumentam que a pequena diferença de votos que garantiu a vi-
tória de Lula (2 milhões de votos) seria uma confirmação da necessidade de
amplas alianças. Pensamos diferente: outra política no primeiro turno nos
teria colocado em melhores condições para disputar e vencer segundo turno.
Aliás, cabe lembrar que nós sempre dissemos que o mais provável seria
uma disputa muito dura, decidida apenas no segundo turno. Já entre os de-
fensores da “frente ampla” foram muitos os que acreditaram em uma vitória
já no primeiro turno. Depois, frente aos fatos, passaram a usar como “argu-
mento” em favor da frente ampla exatamente o contrário do que diziam an-
tes, demonstrando que sua defesa da ampla política de alianças é um dogma:
não importa o que esteja acontecendo, a solução estaria sempre nas amplas
alianças.
Em nossa opinião, para ampliar nossa votação seria necessário, especial-
mente no contexto das eleições presidenciais de 2022, priorizar a disputa da
classe trabalhadora, especialmente do voto daqueles que se abstiveram, vo-
taram branco e nulo – ao final quase 30 milhões de brasileiros e brasileiras.
E para disputar estes votos teria sido necessário fazer uma campanha muito
mais definida, política e programaticamente, que atacasse não apenas o neo-
fascismo, mas também o neoliberalismo.
Em resumo: para disputar e vencer as eleições presidenciais de 2022 era
necessário, sem dúvida, fazer alianças. Mas fazer alianças é diferente de re-
baixar o programa e capitular frente aos inimigos, motivo pelo qual repeti-
mos: outra política de alianças era possível e necessária, com mais critérios,
com mais limites. Foi isso o que propusemos ao Diretório Nacional do PT, in-
clusive no debate acerca da candidatura a vice-presidente, onde fizemos par-
te dos “13 votos” que se pronunciaram contra o nome finalmente aprovado.
Na mesma linha, é óbvio que se faz necessário manter relações institu-

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TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

cionais com o sistema judiciário. Mas se hoje prevalece no Supremo Tribunal


Federal uma postura contrária à extrema direita, há pouco tempo prevale-
ceu uma postura contrária à esquerda, com destaque para o respaldo dado
pela “suprema corte” para a ilegal condenação, prisão e interdição eleitoral
de Lula. Por isso, seguiremos lutando pelo controle externo e democrático do
judiciário, combatendo os que buscam atribuir-lhe funções e atribuições que
não são suas.
O cumprimento da lei – como foi feito na decisão pela inelegibilidade do
genocida – não deve ser confundido com a partidarização da justiça, com a
judicialização da política, com o protagonismo político das supremas cortes,
por exemplo, sob a forma do lavajatismo e do chamado lawfare. Em nenhum
caso é aceitável – ao menos em uma democracia – conceder a uma instituição
não eleita poderes exclusivos da soberania popular e de quem for diretamen-
te eleito por ela.
Especificamente sobre a inelegibilidade do cavernícola, é preciso manter
a guarda alta e evitar euforias despropositadas. Entre outros motivos, por ser
ilusão acreditar que a derrota do neofascismo dependerá principal ou exclu-
sivamente de medidas judiciais. Registramos, ainda, que não é aceitável a re-
condução do atual Procurador Geral da República.
Ao compor o ministério com que iniciou seu governo, Lula contemplou a
ampla coligação que o elegeu, mas também buscou contemplar outras forças
políticas, geralmente em nome de compor uma maioria congressual. Entre-
tanto, este objetivo não foi, até agora, alcançado. As vitórias do governo no
Congresso, pelo menos até o momento, se deram apenas naqueles casos em
que contamos com o apoio dos setores neoliberais, que por sua vez só apoiam
aquilo com o que têm acordo total ou parcial. As derrotas sofridas no marco
temporal e na questão do saneamento são uma demonstração disto.
Dos 37 ministros e ministras nomeados inicialmente por Lula, 17 são pe-
tistas ou simpatizantes do Partido; 3 são do PSB; 3 são do MDB; 3 são do PSD;
2 são do União Brasil (partido que, entretanto, não se considera parte da base
do governo no Congresso Nacional); 2 são vinculados ao PDT (embora um des-
tes dois seja na verdade vinculado ao União Brasil, que portanto ocupa de fato
três cadeiras no ministério); 1 é presidenta do PCdoB, 1 é destacada liderança
da Rede e 1 é filiada ao PSOL (embora não tenha se oposto a participação de
Sônia Guajajara como ministra, o PSOL enquanto partido não se considera
parte do governo).
Os partidos de direita com participação no governo não garantiram, até

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RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

o momento, nem mesmo a fidelidade de suas bancadas parlamentares, con-


figurando um caso do “toma lá, sem dá cá”, atitude que tem caracterizado a
relação de setores do PT com setores da direita.
Quando encerramos o 8º Congresso da AE, estava em curso uma negocia-
ção que pode levar à nomeação de novos ministros de direita, sob o argumen-
to de ampliar a governabilidade, vista única e exclusivamente de uma ótica
institucional. Ademais, há pressões no sentido de reduzir a participação das
mulheres em ministérios de grande peso.
O Partido dos Trabalhadores não pode nunca esquecer, nas suas articula-
ções visando a “governabilidade”, que em 2016 houve uma ruptura do chama-
do Estado democrático de direito, da qual resultou a deposição da presidenta
da República, a assunção de um governo usurpador, a fraude judicial e elei-
toral de 2018. Deste processo participou, direta e indiretamente, pelo menos
um governo estrangeiro. Todos estes fatos imprimem ilegalidade jurídica e
ilegitimidade política à todas as mudanças na legislação impostas, à gestão do
Estado e do povo brasileiros, pelos governos golpista e neofacista.
Como já disse o atual presidente da Câmara dos Deputados, a presente
legislatura é conservadora na política e liberal na economia; logo, o gover-
no pode mudar sua composição, mas isto não vai alterar a orientação do
Congresso.
Ademais da composição partidária estrito senso, é importante ressaltar
que o ministério é composto por uma maioria de homens e brancos, realidade
que precisa ser alterada, sempre tendo como premissa ampliar o espaço, no
governo, do campo democrático, popular e socialista.
Também se faz necessário corrigir distorções regionais e contemplar ade-
quadamente a diversidade partidária, pois uma única tendência controla a
maior parte dos principais cargos. Aliás, é sintomático que se defenda amplas
alianças com a direita e, ao mesmo tempo, se tente monopolizar os espaços de
governo para uma única tendência partidária.
Quando encerramos o 8º Congresso da Articulação de Esquerda, no dia 30
de julho de 2023, completar-se-ão sete meses do terceiro mandato de Lula na
presidência da República do Brasil.
Balanço oficial divulgado pelo próprio governo apresenta o seguinte
resumo: “meses de união e reconstrução: é o Brasil no rumo certo”, citan-
do entre outras medidas “programas que fazem a diferença no combate às
desigualdades e conciliam crescimento econômico com inclusão social: Bolsa
Família, Minha Casa, Minha Vida, Mais Médicos, Brasil Sorridente e Farmácia

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TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

Popular, entre tantos outros”; “mais renda, mais consumo e mais empregos,
impulsionados pelo aumento real do salário mínimo, a redução dos preços de
alimentos e combustíveis e o aumento da taxa de isenção do imposto de ren-
da”; “o combate à fome voltou a ser uma política de Estado, com o aumento
de repasses do Bolsa Família, o novo Programa de Aquisição de Alimentos, o
Plano Safra Agricultura Familiar e o reajuste nos repasses da alimentação es-
colar para estados e municípios”; “foram criados os ministérios da Mulher, da
Igualdade Racial e dos Povos Indígenas e sancionada a lei da igualdade sala-
rial e remuneratória entre mulheres e homens, além do anúncio do pacote de
igualdade racial e a volta da demarcação e homologação de terras indígenas”;
“o presidente Lula se reuniu com líderes de mais de 40 países e organizações
internacionais e transnacionais dentro e fora do País”. Acrescentamos, entre
outras medidas: combate ao garimpo ilegal; recursos para ciência e tecnolo-
gia; investimento cultural via Lei Paulo Gustavo e Lei Aldir Blanc 2; combate
ao trabalho escravo; recomposição do orçamento das universidades federais;
ações para deter o genocídio contra o povo Yanomami; a retomada de várias
obras paradas; a interrupção de privatizações; a recomposição do salário do
funcionalismo público; e destacamos a política externa do presidente Lula.
Especificamente sobre a política externa, apontamos que nossa posição
em defesa da paz – as vezes criticada como sendo de apoio à Rússia – não é
algo trivial. No processo em curso, de transformação do cenário geopolítico
global, é fundamental que o Brasil marque um caminho próprio, que contri-
bua para derrotar o militarismo dos EUA e seus aliados, mas que preserve a
autonomia dos nossos interesses nacionais e regionais. É preciso lembrar que
esta política externa “altiva e ativa” nos coloca na alça de mira do imperia-
lismo. Aliás, o golpe de Estado de 2016, que instalou um governo usurpador,
ilegal e ilegítimo, tornando possível a fraude eleitoral ocorrida no pleito de
2018, teve o apoio direto e indireto dos Estados Unidos, numa ação coordena-
da pelo então vice-presidente de Obama, o senhor Joe Biden, atual presidente
dos EUA.
Entre os diversos pontos da política externa que merecem destaque, ci-
tamos a indicação de Dilma Rousseff para presidir o Banco dos BRICS. Inde-
pendente das divergências que tivemos no passado com a companheira pre-
sidenta Dilma Rousseff e sem prejuízo de divergências que possamos ter no
presente e no futuro, é imprescindível reconhecer sua imensa contribuição,
seja na resistência ao golpe, seja no debate nacional e partidário desde então.
Assim como o presidente Lula, a companheira Dilma Rousseff conquistou – na

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RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

resistência contra a ditadura militar, na ação dos governos petistas e no en-


frentamento do golpismo e do neofascismo – um lugar destacado na trajetória
de lutas do povo brasileiro.
Retomando nosso balanço dos primeiros meses do governo Lula: de con-
junto, embora haja muito que comemorar, é muito mais o que resta por fazer.
Sabemos, também, que não basta governar bem, não basta administrar bem.
Fizemos grandes realizações administrativas entre 2003 e 2016, mas isso não
impediu o golpe, a vitória do cavernícola e quase sete anos de destruição. O
desfecho da luta política se decide na luta política, que é muito mais ampla do
que a ação administrativa de governo.
Por isto, o conjunto da militância petista deve saber combinar, de maneira
adequada, a necessária propaganda positiva das nossas realizações, com a
crítica e autocrítica dos nossos erros; a análise detalhada dos grandes desa-
fios que temos pela frente com um trabalho intenso de conscientização, de
permanente organização e mobilização do povo, bem como de elaboração das
táticas e da estratégica adequadas ao atual período histórico.

Êxitos, críticas e autocrítica


Tomados de conjunto, os primeiros meses do governo Lula devem ser co-
memorados, especialmente frente aos malfeitos de sete anos dos governos
golpistas e de extrema-direita.
Entretanto, sabemos que a avaliação política do governo não é um desdo-
bramento automático de suas realizações administrativas; sabemos, também,
que – como diz o próprio presidente Lula – precisamos exercer nossa capaci-
dade de crítica e de autocrítica.
Devemos lembrar que o desempenho do governo Lula nesses primeiros
meses teria sido melhor, se vários ministérios não tivessem sido saqueados,
desmontados ou até mesmo extintos pelo governo cavernícola, o que agora
exige uma engenharia administrativa, legal e orçamentária que torna muito
difícil este início de governo. Além disso, o orçamento deixado pelo governo
de extrema-direita foi absolutamente inferior ao necessário, contrastando
com a realidade, que exige grande e imediata intervenção.
Outro fator que dificulta a ação de vários ministérios é o fato de as equi-
pes demorarem demasiado para ser montadas, entre outros motivos porque
o governo combinou as nomeações com a busca – até o momento infrutífera
– de ter maioria no Congresso Nacional.
Como resultado daquela busca, há situações que na opinião do PT são ina-

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TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

ceitáveis, como é o caso da presença de integrantes e apoiadores do governo


cavernícola em postos chave do atual governo. Presença que não mudou o
comportamento efetivo destes setores no Congresso, que aliás clamam por
mais espaços no ministério, tendo inicialmente mirado inclusive no ministé-
rio da Saúde. A esse respeito, na esteira das manifestações da 17ª Conferência
Nacional de Saúde, reafirmamos: a saúde não é mercadoria e não pode ser
objeto de negociatas.
As ações positivas do governo Lula – especialmente quando postas em
contraste com anos de gestão golpista e da extrema-direita – não podem nos
levar a fechar os olhos para o fato de que, em algumas áreas e temas, até ago-
ra muito pouco ou quase nada mudou. E isto se deve, entre outros motivos,
ao fato de que vários ministérios são encabeçados por titulares vinculados a
direita, inclusive a setores que participaram do golpe, do lavajatismo, além de
terem apoiado o governo derrotado.
Evidente que enquanto prosseguir esta situação, nesses ministérios – com
destaque para situações como as da Comunicação, da Defesa e o das Minas e
Energia – não haverá avanços efetivos, no sentido do cumprimento do pro-
grama de reconstrução e transformação. Avanços que são urgentes: como tem
dito e repetido o presidente Lula, temos pressa. Não apenas para superar os
motivos que produzem sofrimento no povo, mas também porque a situação
política nacional, continental e mundial é muito instável, não sendo admissí-
vel que se perca um segundo sequer. E não será possível avançar sem travar
uma intensa disputa política.
Neste sentido, a questão da correlação de forças desfavorável, especial-
mente no Congresso Nacional, não pode ser encarada como empecilho ab-
soluto para que o governo submeta, às casas legislativas, projetos de lei que
avancem nas reformas estruturais; afinal, como já afirmamos, não basta diag-
nosticar a existência de uma correlação de forças desfavorável, cabendo ado-
tar os meios para alterá-la a nosso favor.
E nesta luta pela alteração na correlação de forças, tem papel fundamen-
tal a defesa aberta e explícita das reformas estruturais. E esta defesa inclui,
além do debate político e da mobilização social, a ação do próprio governo, do
presidente Lula e de seus ministros, em defesa de leis que contribuam para
materializar as mudanças que defendemos e que constam do programa legiti-
mado pelas urnas nas últimas eleições.
Portanto, pode contribuir na luta pela mudança na correlação de forças,
por exemplo, a defesa de uma reforma tributária que grave os ricos e incida

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RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

sobre a renda e o patrimônio, projetos que alterem o sistema financeiro na-


cional e o papel do BC, projetos em defesa da ampliação das políticas sociais,
da reforma agrária, da reforma das Forças Armadas e das PMs, da emenda
constitucional que dará nova redação aos art. 142 da Constituição, da refor-
mulação da Lei da Anistia. Projetos estruturantes que sirvam para mobilizar
a sociedade em torno dos verdadeiros interesses da maioria do nosso povo.
Resumindo – na linha de que preferimos uma boa luta a um mau acordo –
é muito importante e didático que o governo Lula eleja boas batalhas para
travar no Congresso Nacional, batalhas que acumulem forças no sentido de
alterar as desigualdades estruturais.
Citamos, entre estas desigualdades, as vinculadas ao acesso à terra, do
campesinato em geral, das populações quilombolas e das populações perifé-
ricas, na sua maioria negras. As violações de direitos e do território remon-
ta ao Brasil colonial. O trabalho escravo contemporâneo está vinculado ao
debate sobre a terra e sobre as desigualdades raciais. Cabe lembrar, ainda,
da intersecção das desigualdades de propriedade, renda, racial, de gênero
e sexualidade. É isto que explica a simultaneidade das violações de direitos
humanos, com destaque para as violências contra as mulheres, a população
negra e a população LGBTQI+. No Brasil, a violência policial é direcionada
principalmente contra estas populações mais vulneráveis. Violência que cres-
ceu com a ampliação do acesso as armas de fogo, que serviu para aumentar a
violência letal contra as maiorias populacionais, contra a classe trabalhadora,
especialmente mulheres, negros, jovens e população LGBTQI+. Sendo impor-
tante perceber que o crescimento da violência não é um fenômeno nacional,
mas mundial.

Crise sistêmica mundial


A situação mundial é de crise sistêmica. Esta crise possui múltiplas dimen-
sões (militar, política, social, econômica, ambiental, cultural), tem duração in-
determinada e seu desfecho dependerá de muitos conflitos que atualmente
estão em curso.
No âmbito mundial, um dos principais conflitos envolve Estados Unidos
e República Popular da China. Em nosso continente, um dos conflitos funda-
mentais se dá entre os que defendem a submissão ao imperialismo estadou-
nidense e, de outro lado, nós que defendemos a integração regional latino-a-
mericana e caribenha. E, no âmbito nacional, um dos conflitos fundamentais
se dá entre opositores e defensores do modelo primário-exportador, sem cuja

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TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

superação não haverá como garantir desenvolvimento, bem-estar social, li-


berdades democráticas e soberania nacional.
Os grandes conflitos que caracterizam o atual período histórico ganharam
maior dimensão, profundidade e velocidade nos últimos anos, a partir da cri-
se internacional de 2008. Em seguida vieram: a onda de golpes na América
Latina e a posterior reviravolta ocorrida em diversos países, com governos di-
reitistas sendo substituídos por governos progressistas e de esquerda; a pan-
demia e todos os seus impactos; o crescimento mundial da extrema-direita; a
guerra entre Rússia e Ucrânia/Otan.
Para onde quer que se olhe, o mundo está atravessado por conflitos, lutas
e mobilizações de todo tipo, como demonstra a recente onda de protestos na
França.
Momentos de crise profunda – como o que vivemos atualmente – são ter-
ríveis e perigosos, mas também são propícios para darmos passos decisivos
para a construção de um novo mundo, um mundo com bem-estar e liberda-
des, com soberania e integração, um mundo desenvolvido e que preserve o
meio ambiente, um mundo socialista.
Este é um dos motivos, aliás, que explica a calorosa recepção dada a Lula
nos quatro cantos do mundo: a humanidade quer um futuro diferente do pas-
sado, um futuro que tenha na palavra igualdade uma de suas mais poderosas
sínteses. E igualdade – falemos das coisas por completo – implica em lutar
contra o capitalismo e pelo socialismo.
É desta perspectiva, favorável à mudanças radicais e sistêmicas, que abor-
damos a atual conjuntura brasileira.
Nosso governo está chamado a contribuir para uma missão histórica, que
inclusive transcende as fronteiras do Brasil. Mas só teremos êxito se ampliar-
mos nosso apoio junto a classe trabalhadora, se dermos um salto de qualidade
na atuação de nosso Partido e se impusermos derrotas estruturais tanto à
extrema-direita neofacista quanto aos neoliberais.
Neste sentido, mais do que comemorar os êxitos parciais obtidos até agora
– entre os quais incluímos a inelegibilidade do cavernícola e, também, a rea-
lização no Brasil do XXVI encontro do Foro de São Paulo – o esforço principal
do PT deve ser vencer as batalhas presentes e futuras, entre as quais: i/mudar
a política do Banco Central e ii/derrotar a ditadura do capital financeiro; iii/
garantir forças armadas comprometidas com a defesa da soberania nacional;
iv/impor à maioria de direita do Congresso o respeito às prerrogativas cons-
titucionais do executivo e v/criar as condições para construir uma maioria

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RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

de esquerda no Congresso nacional; vi/democratizar o sistema judiciário; vii/


quebrar o oligopólio da comunicação; viii/executar uma política de reforma
agrária e ix/enfrentar o agronegócio e a mineração; x/iniciar um novo ciclo de
desenvolvimento do Brasil, com industrialização, alta tecnologia e proteção
do meio ambiente. Tudo isto combinado e à serviço de xi/melhorar rápida e
profundamente a qualidade de vida da maioria do povo brasileiro, com em-
pregos, salários, direitos trabalhistas e sociais, políticas de moradia, saúde,
educação e cultura. Vistas de conjunto, as batalhas presentes e futuras de-
mandam xii/um processo Constituinte, na linha do que já decidiu o sexto con-
gressos do PT. A Constituição de 1988 tinha imensas limitações, bem explica-
das por Lula quando informou – na fase final do Congresso Constituinte – que
a bancada do PT votaria contra o texto final, ao mesmo tempo que assinaria a
Carta. Posteriormente, cerca de 120 emendas constitucionais alteraram o tex-
to aprovado, geralmente acentuando seu caráter conservador. Quem deseja
transformar o país, não pode aprisionar nossos direitos e liberdades nos mar-
cos de 1988. Nem tampouco pode retardar a revogação das medidas adotadas
pelos governos pós golpe de 2016: reafirmamos a necessidade de xiii/revogar
as contra reformas trabalhista e da previdência, bem como destacamos que o
correto teria sido aumentar o salário mínimo – como defendeu a CUT – para
no mínimo R$ 1.382,71 e já a partir do início de 2023, como forma de compen-
sar o confisco salarial resultante da inflação. Reafirmamos, também, que é
preciso achar maneiras de recuperar o que foi confiscado desde o golpe.

Exonerar o presidente do Banco Central


Legislação aprovada durante o governo golpista concedeu uma suposta
“independência” ao Banco Central, suposta porque na prática o tornou ainda
mais dependente e extensão dos interesses do grande capital financeiro.
Nomeado pelo derrotado, o atual presidente do Banco Central mantém
uma política de juros altíssimos, cujo único propósito é transferir recursos
para o setor financeiro. Mais recentemente, o presidente do BC tem falado
em terceirizar ainda mais a gestão de nossas reservas em moeda estrangeira.
É preciso tomar todas as medidas legais e institucionais para, no mais rá-
pido prazo possível, alterar a diretoria do Banco Central, a começar pela sua
presidência, sob pena de não conseguirmos adotar uma política de desenvol-
vimento com ampliação do bem-estar social.
Apoiamos as críticas feitas pelo presidente Lula contra a política de ju-
ros. E propomos, ao governo, que oriente seus representantes no Conselho

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TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

Monetário Nacional a atuar conforme prevê o artigo 5º da lei complementar


número 179, de 24 de fevereiro de 2021, que no seu artigo 5º diz o seguin-
te: “O Presidente e os Diretores do Banco Central do Brasil serão exonerados
pelo Presidente da República (…) IV – quando apresentarem comprovado e
recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco
Central do Brasil. § 1º Na hipótese de que trata o inciso IV do caput deste arti-
go, compete ao Conselho Monetário Nacional submeter ao Presidente da Re-
pública a proposta de exoneração, cujo aperfeiçoamento ficará condicionado
à prévia aprovação, por maioria absoluta, do Senado Federal. § 2º Ocorrendo
vacância do cargo de Presidente ou de Diretor do Banco Central do Brasil, um
substituto será indicado e nomeado para completar o mandato, observados
os procedimentos estabelecidos no art. 3º e no caput do art. 4º desta Lei Com-
plementar, devendo a posse ocorrer no prazo de 15 (quinze) dias, contado da
aprovação do nome pelo Senado Federal. § 3º Na hipótese do § 2º deste artigo,
o cargo de Presidente do Banco Central do Brasil será exercido interinamen-
te pelo Diretor com mais tempo no exercício do cargo e, dentre os Diretores
com o mesmo tempo de exercício, pelo mais idoso, até a nomeação de novo
Presidente”.
A demissão do presidente do Banco Central e a redução da taxa de juros
são objetivos importantes, mas não são suficientes. Além de mudar a política
de juros altos e passar a ter a geração de empregos como o objetivo central
da política de juros, é preciso tomar medidas contra o oligopólio financeiro
privado. O país precisa ter soberania sobre sua moeda e isso depende de um
sistema financeiro que seja público.

Sem Anistia para os golpistas


No dia 8 de janeiro, milhares de criminosos atacaram os prédios do go-
verno federal, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Para
fazer a polícia da capital do país agir adequadamente contra os criminosos, o
presidente Lula foi obrigado a decretar intervenção na segurança do Distrito
Federal. Posteriormente, o presidente do Supremo Tribunal Federal decretou
o afastamento temporário do governador do Distrito Federal. E, dias depois,
foi a vez do comandante do Exército ser demitido e substituído, comprovando
que ele nunca deveria ter sido nomeado.
O ataque dos criminosos de extrema-direita não foi um ato espontâneo,
nem totalmente inesperado. Já no dia 12 de dezembro de 2022, quando da di-
plomação de Lula, a extrema-direita promoveu um quebra-quebra na cidade

19
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

de Brasília, contando com a cumplicidade do então presidente da República,


do governo do Distrito Federal, de setores das Forças Armadas e das polícias.
Na sequência destes fatos, no final de dezembro de 2022 e início de janeiro de
2023, as redes (anti)sociais da extrema-direita foram tomadas por mensagens
arregimentando pessoas para vir a Brasília. E acampamentos foram monta-
dos em frente a quartéis, por todo o Brasil.
Tratou-se, portanto, de uma operação de guerra, financiada por empre-
sários, coordenada por uma aliança cívico-militar e perpetrada por alguns
milhares de neofascistas, que usaram o acampamento defronte ao Quartel
General do Exército como principal base de operações. Apesar disso, o então
e ainda ministro da Defesa – que, reiteramos, precisa ser demitido – disse
que nos tais acampamentos havia “democratas”, inclusive “amigos e familia-
res” seus, prevendo que eles se desmobilizariam aos poucos e pacificamente.
Aliás, até hoje o atual ministro da Defesa segue – contra todas as evidências
– tentando encobrir a participação criminosa de altos comandantes nos atos
de 8 de janeiro. Suas declarações apenas confirmam os motivos pelos quais
ele foi preferido pelos militares para ocupar o posto.
Resta evidente a necessidade de processar, julgar e punir quem financiou
as caravanas e os acampamentos da extrema-direita; quem, por ação ou omis-
são, facilitou o acesso da extrema-direita à Esplanada dos Ministérios, onde
ficam os três prédios atacados; assim como processar, julgar e punir quem
invadiu e depredou os três palácios. Ficou patente, também, a necessidade de
uma revisão completa dos protocolos de segurança e inteligência do governo
federal. Parte disto vem sendo feito. Mas muito resta por ser feito, como ficou
fartamente demonstrado pelos fatos que levaram à demissão do General en-
carregado do chamado GSI; e, mais recentemente, pela descoberta de diálogos
mantidos pelo então ajudante de ordem do cavernícola.
Até agora, oficiais-generais e outros militares de alta patente envolvidos
com o golpe não foram punidos, nem mesmo administrativamente. O ex-co-
mandante do Exército, por exemplo, general Júlio César Arruda, precisa ser
investigado por meio do devido inquérito e punido com prisão, uma vez que
resistiu às ordens para desalojar o acampamento bolsonarista montado dian-
te do Quartel General do Exército em Brasília, desacatou ministros e o inter-
ventor federal no Distrito Federal (DF) e chegou a ameaçar um coronel da
Polícia Militar que tentava remover os acampados.
Outro general de quatro estrelas, Gustavo Dutra de Menezes, foi responsá-
vel por impedir ações contra os bolsonaristas acampados no QG. Portanto, é

20
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

outro caso de militar da mais alta patente que não pode permanecer na ativa,
independentemente das ações que vierem a ser ajuizadas contra ele por par-
ticipação nos eventos golpistas.
Caso os generais Arruda e Dutra não sejam objeto de reforma, passando
à reserva, eles continuarão participando do Alto Comando do Exército, o que
é uma situação inaceitável, tais as evidências de seu envolvimento com os
golpistas.
Reformá-los imediatamente é uma prerrogativa do governo federal e deve
ser levada a cabo, sob pena de premiar quem conspirou contra a vontade po-
pular. Dutra, por exemplo, vem até o momento exercendo uma subchefia do
Estado-Maior do Exército.
Destaque-se como ação extremamente positiva a transferência da Agência
Brasileira de Informações (ABIN) para a Casa Civil, deixando assim de fazer
parte do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Mas o próprio GSI deve
ser extinto e o controle da Inteligência (assim como da proteção do presidente
da República) deve ficar sob controle de órgãos civis e não do Exército. Ade-
mais, precisamos ter um Ministério da Defesa que seja legítimo representante
do poder civil. Além de seguir pendente a necessidade de criar um Ministério
da Segurança Pública e de dar publicidade aos atos cometidos pelos ministros
da Justiça do governo cavernícola.
Segue necessária, também, uma reforma das Forças Armadas e das PMs,
que seja capaz de democratizar tanto os processos de recrutamento e de for-
mação de oficiais como suas estruturas internas (organização, regulamentos,
hierarquia). Os currículos atuais dos colégios militares são fortemente envie-
sados pelo conservadorismo mais reacionário, calcado nas antigas doutrinas
de “Segurança Nacional” e nas agendas expansionistas dos EUA, a ponto de as
Forças Armadas considerarem seriamente a possibilidade de uma invasão da
Amazônia pela França e de colocarem um oficial-general a serviço da 5ª Frota
dos Estados Unidos.
Os colégios não podem se furtar às orientações do Ministério da Educação,
nem escamotear uma vasta bibliografia de autores e escolas de pensamento
que os generais ainda hoje enxergam como “subversivos”. A resistência dos
militares a qualquer alteração no seu sistema escolar indica precisamente
quão crucial é esse sistema na reprodução da ideologia profundamente anti-
democrática, visceralmente oligárquica, que historicamente vem enquadran-
do a visão de mundo de gerações e gerações de oficiais. Lembrando que esta
visão de mundo inclui a subordinação das forças armadas brasileiras a uma

21
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

potência estrangeira: os Estados Unidos.


A gestão dos colégios militares é profundamente autoritária, desrespei-
tando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a Constituição Federal,
que preveem a gestão democrática do ensino, com a participação de profes-
sores, funcionários e estudantes nos colegiados e nas decisões das instituições
escolares. No ensino superior, um exemplo é o Instituto Tecnológico da Aero-
náutica (ITA), cujo reitor é escolhido em processo de seleção decidido exclu-
sivamente pelo Alto Comando da Aeronáutica, sem consulta à comunidade.
A extinção da diretoria responsável pelas escolas cívico-militares, no âm-
bito da Secretaria de Educação Básica do MEC, foi um passo importante para
sepultar a política do governo anterior. Contudo, este passo e os posteriores
não são suficientes para avançarmos na desmilitarização da gestão educacio-
nal e escolar das redes públicas. É preciso induzir a descontinuidade e a re-
versão do processo de militarização de escolas em estados e municípios, para
que as estruturas civis responsáveis por essas unidades escolares reassumam
plenamente sua gestão, em todos os aspectos, livrando-as da interferência de
militares e de suas respectivas corporações. Destacamos, por exemplo, o caso
de São Paulo e do Rio Grande do Sul, em que os respectivos governadores são
adeptos da militarização.
Vale lembrar, também, da necessidade de alterar o artigo 142 da Constitui-
ção Federal, que prevê, atualmente, a figura da “garantia da lei e da ordem”
(GLO). É preciso acabar com as chamadas operações de GLO e transferir au-
tomaticamente para a reserva o militar que assumir cargo público, encerran-
do as especulações sobre o suposto “poder moderador” das Forças Armadas,
pondo fim a um certo discurso praticado por setores neofascistas com a fina-
lidade de justificar a tutela militar sobre a sociedade civil.
É central a reformulação do artigo 1º da Lei da Anistia (lei 6.683/1979) e
do seu parágrafo 1º, que preveem anistia para os autores de “crimes conexos”,
uma espécie de código para anistiar agentes militares e civis que praticaram
torturas, assassinatos e toda sorte de atrocidades contra aqueles e aquelas
que se opuseram à Ditadura Militar, bem como contra diferentes grupos po-
pulacionais, inclusive camponeses e povos indígenas.
Ao “interpretar” essa lei, em 2010, o Supremo Tribunal Federal conside-
rou válidos os dispositivos de “crimes conexos”, legitimou a anistia que os
militares se autoconcederam (e a seus cúmplices civis), e interditou todo e
qualquer processo criminal contra torturadores e assassinos a serviço do re-
gime ditatorial e de seu terrorismo de Estado: centros de tortura, execuções

22
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

sumárias, “casas da morte”, desaparecimento forçado de corpos, falsificação


de laudos etc.
Não haverá sequer liberdades democráticas no Brasil, muito menos uma
“democracia”, enquanto persistir a tutela militar sobre a sociedade civil, en-
quanto a tortura não for definitivamente banida, enquanto as Polícias Milita-
res tiverem licença para matar. Inclusive por isso, outra alteração que deve-
mos priorizar, não “apesar da conjuntura”, mas exatamente para enfrentar as
pesadas adversidades conjunturais, é a desmilitarização das Polícias Militares
e sua desvinculação do Exército. É preciso pôr fim à falida “guerra às drogas”.
As PMs seguem comportando-se como “tropa de ocupação” nas periferias e co-
munidades faveladas dos grandes centros urbanos. São as forças policiais que
mais matam no mundo inteiro e as pessoas negras são as principais vítimas!
O texto atual da Constituição Federal as define como “forças auxiliares do
Exército”, o que dificulta aos governadores e governadoras exercer comando
sobre elas. O que vale inclusive para os governos estaduais encabeçados por
petistas, sendo o caso da Bahia particularmente inaceitável. Como demons-
tram os dados do Anuário de Segurança Pública 2023, estamos no quinto go-
verno sucessivo do PT no estado e a Bahia tem uma das polícias mais letais do
Brasil, abaixo do Amapá e acima do Rio de Janeiro. Além disso, das 50 cidades
mais violentas do país (“segundo a taxa de Mortes Violentas Intencionais, com
população acima de 100 mil habitantes”), a Bahia tem 12. A saber: Jequié,
Santo Antônio de Jesus, Simões Filho, Camaçari, Feira de Santana, Juazeiro,
Teixeira de Freitas, Salvador, Ilhéus, Luis Eduardo Magalhães, Eunapolis e
Alagoinhas. Reafirmamos aqui todas as críticas feitas em documentos assina-
dos pela tendência petista Articulação de Esquerda contra a “política militar”
do então governador Rui Costa, hoje ministro da Casa Civil.
Vale dizer que a desmilitarização é uma das diretrizes aprovadas em 2009
na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, realizada em Brasília, entre
27 e 30 de agosto de 2009. No Relatório Final da Conferência, publicado pelo
ministério da Justiça, consta o seguinte: “Desmilitarização das polícias – Reali-
zar a transição da segurança pública para atividade eminentemente civil; des-
militarizar as polícias; desvincular a polícia e corpos de bombeiros das forças
armadas; rever regulamentos e procedimentos disciplinares; garantir livre
associação sindical, direito de greve e filiação político-partidária; criar código
de ética único, respeitando a hierarquia, a disciplina e os direitos humanos;
submeter irregularidades dos profissionais militares à justiça comum.”
Enfrentar a questão militar deve estar entre as prioridades do programa

23
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

do PT e exortamos o governo do companheiro Lula a tomar medidas concre-


tas a respeito.
Fatos recentes da história do Brasil – como o golpe contra a Dilma, a prisão
de Lula, a eleição do cavernícola, a tentativa de golpe do 8 de janeiro – têm
relação direta com a tutela militar.
A respeito disto, há inúmeras resoluções, aprovadas pelo nosso Partido,
desde 1980 até 2017, no 6º Congresso Nacional do PT (lembrando que as re-
soluções do 7º Congresso até hoje não foram publicadas!). Mas o que o nosso
atual Diretório Nacional, eleito em 2019, no 7º Congresso, deliberou a respeito
da questão?
Quando debatemos o programa de reconstrução e transformação, a maio-
ria dos integrantes do Diretório recusou as propostas de resolução apresen-
tadas a respeito da tutela militar; naquela ocasião, a maioria do Diretório
escolheu remeter o tema para debate em uma comissão de especialistas, que
nunca se reuniu, ao menos que seja do conhecimento oficial do Partido.
Quando debatemos o programa da Federação, a maioria dos integrantes
do atual Diretório Nacional do PT recusou as propostas de resolução apresen-
tadas a respeito. Quando debatemos o programa da coligação presidencial,
a maioria dos integrantes do atual Diretório Nacional do PT recusou as pro-
postas de resolução apresentadas a respeito. Na transição de governo, não
foi constituído um grupo para tratar do tema. Aí veio o 8 de janeiro de 2023.
E apesar disto, seis meses depois, no dia 10 de julho de 2023, 47 integrantes
do Diretório Nacional do PT decidiram votar contra um texto que afirmava
o seguinte: “Não se poderá falar em democracia plena no Brasil, enquanto
persistir a tutela militar. O Diretório Nacional do PT decide convocar uma
conferência nacional para debater a política de Defesa Nacional e o papel das
forças armadas”.
Ou seja: o mesmo Diretório que exige “punição severa aos golpistas que
no dia 08 de janeiro intentaram contra o Estado Democrático de Direito”, in-
clusive punição a seus “estimuladores militares”; este mesmo Diretório pre-
fere não falar de “tutela militar”. E, ao mesmo tempo, decide não convocar
uma conferência para debater o papel das forças armadas. Os argumentos de
ocasião utilizados pelos poucos membros do atual Diretório Nacional que ten-
taram sustentar esta recusa são impublicáveis, pois imputam a sua própria
indisposição de tratar do tema, à suposta necessidade de consultar terceiras
pessoas.
Diante da resistência da atual maioria da direção nacional do PT em tra-

24
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

var o debate acerca da “questão militar”, a tendência Articulação de Esquer-


da fará sua parte, articulando junto à outras forças do PT e aos movimentos
sociais, inclusive na perspectiva de realizar uma atividade nacional onde se
possa debater o tema, com vistas a se buscar um maior acúmulo e propostas
concretas, a serem posteriormente submetidas às instâncias deliberativas do
nosso partido.
O golpismo de 8 de janeiro tem causas sistêmicas e seu tratamento não
pode ser adiado. E o tratamento dessas causas sistêmicas inclui o debate pú-
blico, aberto, democrático, acerca do papel das forças armadas. Aliás, é no-
tável como muitos dos que fogem do tema são os mesmos que enfatizam a
“defesa da democracia” como sua estrela guia estratégica. Que “democracia”
teremos, se não enfrentarmos a tutela militar?
O fato de o Diretório Nacional não querer debater o assunto e não querer
aprovar a emenda citada anteriormente não impede que o debate exista, mui-
to menos faz a tutela desaparecer. Mas o fato de a emenda ser rejeitada revela
que os 47, exata metade da direção nacional de nosso Partido, seguem não
percebendo que o tema é inescapável e inadiável, e que precisa ser tratado
publicamente.
No dia 8 de janeiro, quando muita gente foi surpreendida pelos aconteci-
mentos, vimos o resultado deste procrastinar.
Reafirmamos: o PT deve convocar uma conferência nacional para debater
Defesa Nacional e o papel das forças armadas. Precisamos de forças armadas
fortes, capacitadas tecnologicamente, subordinadas ao governo eleito pelo
povo e comprometidas com a defesa da soberania nacional.
Nesse espírito, consideramos extremamente positiva a emenda constitu-
cional apresentada pelo deputado federal Carlos Zaratini, alterando o artigo
142 da Constituição.
No terreno militar, assim como em outros terrenos, o governo Lula preci-
sa combinar uma “guerra de movimento” com uma “guerra de posição”, neste
caso parecida com aquela que se precisa fazer quando se reocupa uma cidade
que fora tomada por um exército invasor. É preciso ir de casa em casa, desalo-
jando franco-atiradores, desmontando minas e armadilhas de todo tipo. E ao
presidente não cabe o papel de fazer reclamações, como se diz ter feito quan-
do o criminoso Mauro Cid compareceu fardado na CPMI do 8 de janeiro. Ao
presidente cabe comandar. E demitir quem não obedece aos seus comandos.
Acrescentamos às nossas preocupações o tema das Guardas Municipais,
regidas pela Lei 13.022/2014, uma lei consideravelmente progressista, devido

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RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

aos princípios mínimos que orientam as atuações dessas instituições de segu-


rança pública municipais, previstos no artigo 3º, tornando-as teoricamente
(mas ainda não na prática) polícias de “novo tipo”, humanizadas, comprome-
tidas com a “proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da
cidadania e das liberdades públicas”; com a “preservação da vida, redução
do sofrimento e diminuição das perdas” e compromissadas “com a evolução
social da comunidade”. Entretanto, são muitas vezes empregadas conforme
o arbítrio dos gestores municipais, violando tais princípios, assemelhando-se
às polícias militares e reproduzindo o modus operandi dessas forças milita-
res. Assim sendo, defendemos entre outras medidas a formação de um núcleo
de fiscalização para o cumprimento e desenvolvimento de tais princípios nas
Guardas Municipais, introduzindo uma alteração no parágrafo 8º do artigo
144 da Constituição Federal, com a inclusão da obrigação do governo federal
de exercer essa fiscalização.
Acrescentamos, também, a necessidade de prosseguir com as medidas
que vem sendo adotadas, no sentido de reduzir o acesso às armas e de enfren-
tar a extrema-direita abrigada nos CACs.

Contra o “semipresidencialismo/semiparlamentarismo” e contra


o loteamento do orçamento público, mobilização popular, orçamento
participativo e reforma política
Em 2022, a bancada do PT no Congresso Nacional, com o aval indireto
do governo eleito, declarou apoio à reeleição do presidente da Câmara dos
Deputados e do presidente do Senado federal. Isto apesar de ambos terem
contribuído para dar sustentação legislativa à administração da extrema-di-
reita, além de terem introduzido métodos duramente criticados pelo PT, como
o popularmente designado “orçamento secreto”.
Apesar da disposição pacífica do PT, prevalece desde então – especialmen-
te no caso da presidência da Câmara dos Deputados – a tentativa de impor
uma espécie de “semiparlamentarismo/semipresidencialismo”.
Combatemos e seguiremos combatendo esta tentativa, sem respaldo cons-
titucional e sem respaldo popular. A atitude especialmente de Arhur Lira con-
firma o erro cometido pelo PT, ao votar na sua reeleição, sem nem ao menos
negociar previamente os termos desse apoio, numa atitude que, como já dis-
semos, pode ser resumida assim: “toma lá, sem dá cá”.
Mas ao invés de reconhecer o erro cometido em 2022, desde julho de 2023
se está negociando a entrada no governo de ministros indicados pelos parti-

26
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

dos que integram o Centrão coordenado por Arthur Lira.


Ceder à chantagem só levará a novas chantagens. Ao contrário desta ati-
tude, deveríamos tomar medidas para derrotar a hegemonia da direita e da
extrema-direita no Congresso Nacional.
Registre-se que a bancada liderada por Lira tem como um de seus objeti-
vos aprovar a chamada reforma administrativa. Dentro do governo, há seto-
res que defendem tal reforma, mesmo que de forma mitigada. Neste sentido,
a inclusão de novos ministros de direita no governo pode ter como um de seus
efeitos colaterais ampliar a pressão no sentido de comprometer o governo (e
o PT) com uma contrarreforma neoliberal.
No médio prazo, derrotar a hegemonia da direita exigirá ampliar a vota-
ção da esquerda nas próximas eleições proporcionais, mas também exigirá
mudanças legislativas constitucionais, sendo este um dos motivos pelos quais
reafirmamos a necessidade de fazer uma Assembleia Nacional Constituinte
que promova uma reforma política.
Vale dizer que a convocação de uma Constituinte é uma resolução apro-
vada pelo 6º Congresso do PT e até hoje vigente, embora esquecida pelos que
atualmente dirigem o Partido. Uma Constituinte é necessária, também, para
democratizar o sistema judiciário.
Evidentemente, para que seja possível convocar uma Assembleia Nacio-
nal Constituinte, faz-se necessário criar as condições para tal, o que inclui
compreender os riscos envolvidos, como bem demonstra a experiência chile-
na, em que o desfecho do processo constituinte foi até agora totalmente dis-
tinto dos casos boliviano, equatoriano e venezuelano.
Uma Constituinte é necessária, também, para democratizar o sistema de
justiça, composto pelo judiciário, pelos Ministérios Públicos Estaduais, pelo
Ministério Público Federal, pelas Defensorias Públicas Estaduais e da União, e
pelos advogados representados pela OAB.
É necessário adotar o controle externo do judiciário, não só pelo TCU e
pelas corregedorias dos tribunais, mas também pela população organizada,
superando a insuficiente estrutura de controle interno de caráter explicita-
mente corporativista; é necessário, também, adotar mecanismos de democra-
tização do judiciário, inclusive no ingresso em suas carreiras. É necessário,
ainda, diminuir os poderes excessivos conferidos aos MPs pela Constituição
Federal de 1988.
Destaque-se, ainda, a necessária democratização e controle do sistema po-
licial, persecutório, investigativo e prisional, que possui atuação baseada no

27
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

racismo estrutural, voltando-se quase que exclusivamente contra as pessoas


mais pobres, negras e das periferias.
A palavra de ordem da “Assembleia Constituinte” deve, portanto, ser par-
te de um plano geral de retomada da mobilização social de massas, em torno
de uma plataforma de lutas que inclua a revogação de todas as contrarre-
formas de Temer/Bolsonaro e a retomada do papel das empresas e bancos
públicos, bem como da necessária política de reindustrialização do país, com
destaque para a desprivatização da Eletrobras e Petrobras, atualizando o pro-
grama democrático-popular para as condições atuais da luta de classes no
Brasil e no mundo.
No curto prazo, impõe-se ampliar a denúncia contra as manobras do atual
presidente da Câmara, apoiar as investigações em curso contra os malfeitos
de que ele é acusado e, principalmente, criar um ambiente de mobilização
social e um verdadeiro mecanismo de participação popular na definição do
orçamento, que resgate os aspectos positivos do Orçamento Participativo,
como contraponto ao fisiologismo institucionalizado das emendas secretas,
fisiologismo ao qual se adapta crescentemente uma parte das bancadas de
esquerda.
Consideramos necessário fazer um balanço do PPA participativo, na pers-
pectiva de construir um Orçamento Participativo. Devemos buscar a elevação
permanente de participação popular na gestão da sociedade brasileira como
um todo, intensificar e acelerar o caminho para uma democracia cada vez
mais participativa, praticar efetivamente o previsto no complemento do pará-
grafo único do artigo primeiro da Constituição de 1988, usar das possibilida-
des abertas pelos meios de comunicação eletrônica, reforçando a importância
da participação enquanto instrumento pedagógico e de potencial transforma-
dor para a classe trabalhadora.

Iniciar um novo ciclo de desenvolvimento


Comemoramos o fato de 88% das negociações (setor privado) da data base
de maio de 2023, terem obtido vitórias acima da inflação. Assim como come-
moramos todas as medidas de recomposição de políticas públicas adotadas
em nossos governos e desmontadas pelo golpismo e pelo cavernícola. Mas
para mudar os rumos do Brasil, não basta aumentar os salários e ampliar as
políticas sociais. A ampliação do consumo popular é importante, mas ela não
é suficiente para dar os saltos produtivos que o país necessita, se quisermos
deixar de ser uma subpotência primário-exportadora. E sem deixarmos de

28
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

ser uma potência primário-exportadora, haverá limites intransponíveis para


melhorar a vida do povo.
A nossa vitória contra a extrema direita e contra o neoliberalismo depen-
dem não apenas de melhorar conjunturalmente a vida do povo, mas também
de mudanças estruturais, o que exige construirmos uma nova perspectiva de
futuro para o Brasil.
Entre estas mudanças estruturais, destacamos a reforma agrária e a polí-
tica ambiental, essenciais para oferecer alternativas concretas à hegemonia
do bloco primário-exportador, composto pelo agronegócio e pela mineração.
Outras medidas essenciais, evidentemente, são as que constroem nossa indus-
trialização e desenvolvimento tecnológico.
Neste sentido, é fundamental que o anúncio do Novo PAC mude o rumo
do debate acerca da política econômica. O problema central do Brasil não é
“controlar gastos”, mas sim ampliar os investimentos, especialmente os inves-
timentos do Estado, no sentido de induzir um tipo de desenvolvimento que
combata a desigualdade e mude o lugar do Brasil no mundo. Neste sentido,
os investimentos devem ficar de fora do “teto de gastos” estabelecido pelo
chamado novo marco fiscal.
As políticas dos governos golpistas e de extrema-direita foram no sentido
oposto ao que defendemos, ou seja, foram no sentido de beneficiar a primário
exportação e a ditadura do capital financeiro.
Um dos instrumentos disto foi o chamado “teto de gastos”, aprovado em
2017, que buscava limitar por vinte anos a expansão do gasto público à va-
riação inflacionária, excetuando os gastos financeiros, cuja evolução seguiu
descontrolada. O resultado foi um crescimento gigantesco da dívida pública,
a desestruturação das políticas sociais e a estagnação da economia nacional.
E, nos marcos das definições orçamentárias, um conflito entre as chamadas
políticas sociais e os investimentos diretamente produtivos, uma vez que nos
marcos do teto de gastos, o crescimento de umas só poderia ser feito às expen-
sas de outras; e, sempre, sem tocar nos ganhos do setor financeiro.
O preço deste tipo de política, quem pagou foi a maioria do povo, assim
como foi o povo que pagou os custos da mal denominada “lei de responsabi-
lidade fiscal”, que nunca impediu o crescimento da dívida pública, que bene-
ficiava o setor financeiro.
O PT sempre se opôs ao “teto de gastos” e congêneres. O presidente Lula,
na campanha de 2022, informou que iria trabalhar por sua revogação. E de
fato, enquanto o teto de gastos impedia a expansão real do gasto público, o

29
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

chamado Novo Arcabouço Fiscal (NAF, ainda em debate no Congresso nacio-


nal) permite que isso ocorra. Mas o NAF permite a expansão do gasto pú-
blico apenas sob determinadas condições. Em um cenário em que não se
conseguir aumentar a arrecadação – pela via decorrente do crescimento da
economia e/ou pela via decorrente do aumento das alíquotas de impostos, em
um cenário em que não se conseguir avanços significativos no combate às
desonerações e à sonegação, o crescimento dependerá fundamentalmente do
investimento privado e/ou estrangeiro. Mais do que isso: ao estabelecer um
crescimento das “despesas” sempre menor do que as receitas, o NAF aponta
para um futuro em que o Estado será mais mínimo do que é hoje.
Diante do marco fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda, defendemos
em tempo hábil diversas alterações, entre as quais estabelecer metas de cres-
cimento e geração de empregos, como parâmetros para a política fiscal; esta-
belecer metas fiscais expansionistas, portanto opostas à política monetária
do BC, para evitar o risco de uma dupla pressão contracionista; estabelecer
metas de evolução do superávit subordinadas às necessidades de investimen-
to, em nenhum caso aceitando déficit zero ou superávit, enquanto a economia
brasileira não crescer de forma sustentada; diluir ao longo de vários anos as
“punições” previstas para o caso de não cumprimento das metas; incluir pro-
postas tributárias que, além de rever desonerações e combater a sonegação,
aumentassem os impostos sobre os ricos; alterar os números de variação da
receita e crescimento dos “gastos”, no sentido de eliminar qualquer restrição
ao papel do setor público na economia brasileira. Reiteramos: o peso do setor
público frente ao PIB deve crescer e não diminuir, ao contrário do previsto na
proposta da Fazenda e na proposta de Cajado.
Defendemos, ainda, retirar a educação, a saúde, a previdência, o salário-
-mínimo e os investimentos da conta dos “gastos”, para evitar cortes nos de-
mais gastos públicos; e fortalecer os bancos públicos.
Além disso, apoiamos as propostas que visavam retirar do cálculo de gas-
tos primários eventuais operações de capitalização das empresas estatais.
Alertamos que o marco fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda, se fosse
aprovado como proposto, iria gerar pressões contra o piso constitucional da
saúde e da educação. E opinamos que o marco fiscal proposto pelo Ministério
da Fazenda era contraditório com as posições históricas do Partido e, prin-
cipalmente, contraditório com o tipo de política que o Brasil necessita para
sair das atuais condições de economia primário-exportadora, capturada pelo
setor financeiro, uma sociedade de imensa desigualdade.

30
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

Consideramos que a propaganda positiva que o Ministro da Fazenda e


parte de sua equipe fazem a respeito do novo marco fiscal é, em parte, puro
“pensamento positivo”; e, em parte, expressão de sua submissão à lógica fisca-
lista e “curtoprazista” que predomina na elite brasileira, inclusive em setores
com coração de esquerda.
Argumentou-se, dentro do governo e do Partido, que o marco fiscal pro-
posto pelo Ministério da Fazenda seria “o máximo de avanço possível, dada a
correlação de forças”.
De fato, a correlação de forças é sempre um problema. Mas por isso mes-
mo a questão não está principalmente em constatar qual é a correlação de
forças; a questão fundamental está sempre em decidir o que fazer para
alterar a correlação de forças. Se nos limitarmos a constatar qual é a corre-
lação de forças, é óbvio que o passo seguinte será dobrar-se a ela e, com isso,
retroceder ainda mais. E foi exatamente isso que ocorreu no debate do marco
fiscal no Congresso Nacional.
Submetido ao debate na Câmara dos Deputados, o NAF original foi altera-
do para pior, com a introdução de contingenciamento obrigatório, criminali-
zação, eliminação de exceções, proibição de concursos e reajustes etc.
Mesmo a direção do Partido não tendo sido consultada previamente,
prevaleceu na bancada da Câmara uma postura recuada, de não apresentar
emendas. Isto contribuiu para que a direita do Congresso nacional, através do
relator Cajado, pudesse agir sem nenhum contraponto, apresentando um re-
latório que piorou muito os problemas já existentes na proposta apresentada
originalmente pela Fazenda.
O relatório Cajado foi aprovado pela Câmara, inclusive com o voto da
bancada do PT. Posteriormente, no Senado, a proposta aprovada pela Câmara
sofreu duas alterações importantes, no sentido de preservar o Fundeb e os in-
vestimentos em ciência e tecnologia. Agora o tema está novamente em debate
na Câmara. Se for mantida a proposta do relator Cajado (PP Bahia), passare-
mos a ter dois problemas: uma política monetária contrária ao crescimento e
uma política fiscal que não contribui para o desenvolvimento.
Por que então setores do governo e do Partido apresentam o marco fiscal
como uma vitória?
Em alguns casos, por achar que tudo que vem do governo é bom. Noutros
casos, por entender que o marco fiscal aprovado é melhor do que o teto de
gastos, o que era verdade parcial no caso do proposto originalmente pela Fa-
zenda e quase deixou de ser no caso do aprovado pela Câmara. Há, também,

31
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

os que pensam que, com a aprovação do NAF, será possível alterar pacifica-
mente a política do Banco Central [nota adicionada pela Dnae: logo depois do
Congresso da AE, reuniu-se o Copom e reduziu a taxa de juros em incríveis 0,50
pontos percentuais, ou seja, seguimos com uma das maiores taxas de juros do
mundo, mostrando que este método de “alteração pacífica” provoca, na melhor
das hipóteses, efeitos minimalistas]. E há, ainda, os que sinceramente acre-
ditam que, com o NAF, teremos um cenário de retomada dos investimentos
privados, grandes investimentos estrangeiros, êxitos no combate à sonegação
e redução nas isenções.
De fato, se este cenário de grandes investimentos se confirmasse, parte
das restrições da política monetária do BC e parte das restrições da política
fiscal terão sido superadas. Também neste cenário, mesmo que o crescimento
dos “gastos” seja sempre menor do que as receitas, mesmo que o marco fiscal
projete um futuro em que o peso do setor público no PIB seja menor do que é
hoje, mesmo assim seria possível alguma ampliação significativa dos investi-
mentos públicos e do bem-estar social.
A pergunta é: este cenário otimista é realista? E, mesmo que ele venha
a se materializar, seria na intensidade e no tempo político adequados, ou
seja, de forma a afetar positivamente nosso desempenho nas eleições de
2024 e 2026? E, finalmente, mas não menos importante, as mudanças con-
tidas neste cenário otimista seriam suficientes para o país sair da condição
primário-exportadora?
Em nossa opinião, sem mudança na política de juros, sem forte investi-
mento público e sem alteração na política tributária, o investimento priva-
do não crescerá, ao menos não crescerá na quantidade e na qualidade ne-
cessárias. Motivo, aliás, pelo qual defendemos uma modificação radical na
política de lucros/dividendos da área da energia, Petrobrás principalmente.
Defendemos também, pelos motivos já explicados, alterar a lei que concedeu
“autonomia” ao Banco Central assim como alterar as orientações do Conselho
Monetário Nacional sobre as metas de inflação.
Por outro lado, o cenário internacional é excessivamente turbulento, não
sendo prudente confiar em investimentos estrangeiros cujo volume e natu-
reza sejam de monta a permitir saltos de qualidade na economia de um país
imenso como o Brasil. Além disso, mesmo que haja crescimento nos inves-
timentos, privados e estrangeiros, nas condições atuais ele seria em grande
parte capturado pelo sistema financeiro. Sem falar que fazer depender nos-
so desenvolvimento de capitais estrangeiros é um equívoco em si mes-

32
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

mo, como já foi fartamente demonstrado pela história republicana brasileira.


O mais importante, contudo, é que só teremos êxito na distribuição de
renda, no combate à sonegação e na redução das isenções, no volume e na
velocidade necessárias, se houver uma imensa mobilização política dos se-
tores populares contra os muito ricos. Paradoxalmente, abrimos mão – na
elaboração do marco fiscal e no debate da reforma tributária – do recurso
à mobilização e optamos por fazer concessões à Faria Lima, que retribuiu
ampliando momentaneamente a popularidade (entre os gestores financeiros)
do ministro da Fazenda.
Conclusão: o cenário otimista não é o mais provável. Sem mobilização
popular e intensa luta política e ideológica, o mais realista é um cenário sem
grandes investimentos estrangeiros, sem grandes investimentos privados na-
cionais, sem avanços significativos no combate às desonerações, sem avan-
ços significativos no combate à sonegação. E neste cenário realista o novo
marco fiscal imporá imensas restrições à ação do Estado e aos investimentos
públicos; aliás, já se pratica o contingenciamento orçamentário e já se discute
abertamente o fim dos mínimos constitucionais.
Diante desta situação, estamos convocados a travar uma imensa batalha
em favor de uma reforma tributária progressiva, que faça os ricos pagarem
a conta. O que exigirá superar, entre outros obstáculos, a postura atual do
Ministério da Fazenda, que assumiu indevidamente os compromissos de não
aumentar e de não criar impostos sobre os ricos. Defendemos uma reforma
tributária progressiva, a tributação do setor agroexportador, a revogação da
Lei Kandir e uma alteração no Imposto de Renda, retirando dos ombros da
classe trabalhadora assalariada o principal ônus tributário.
Sem novos impostos sobre os ricos, as receitas não vão crescer significa-
tivamente. Acontece que, nos próximos anos, certas despesas vão aumentar,
aconteça o que acontecer. E como – segundo o marco fiscal – o conjunto das
despesas não pode crescer mais do que 70% do crescimento das receitas… a
conclusão inevitável é que haverá uma disputa para saber quais despesas se-
rão mantidas e quais serão cortadas.
Pelos motivos acima, cresce a pressão para revogar os atuais pisos consti-
tucionais da saúde e da educação, conforme aliás já anunciado pelo Relatório
de Projeções Fiscais, publicação da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que
defende mudanças nos “principais despesas vinculadas a receitas”, citando as
emendas parlamentares obrigatórios, o fundo constitucional do Distrito Fe-
deral, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

33
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e – em primeiro lugar – os


Gastos Mínimos Constitucionais com Saúde e Educação.
A atitude da Secretaria do Tesouro Nacional é “coerente”: afinal, como já
dissemos, uma das premissas do “novo marco fiscal” é que os gastos só cres-
cerão até 70% do crescimento das receitas. Para um governo que não quer
ampliar investimentos, isto não é problema. Mas para um governo que não
só deseja, mas também está ampliando investimentos, há um conflito óbvio,
que só se resolve: i/fazendo crescer muito as receitas (o que exigiria, por exem-
plo, uma reforma tributária de verdade, algo totalmente diferente da reforma
aprovada recentemente, em primeira instância, pela Câmara dos Deputados)
e/ou 2/contendo algumas “despesas”, para abrir espaço para alguns investi-
mentos. Daí vem a tentação de fazer algo que a direita neoliberal sempre de-
fendeu: desconstitucionalizar, de fato ou de direito, os investimentos em saúde
e educação.
Ou seja, um dos efeitos colaterais do marco fiscal ainda em debate na Câ-
mara dos Deputados será jogar pobres contra pobres, disputando um cobertor
curto.
Por estes e por outros motivos, parabenizamos os parlamentares federais
(mais de 22) que, apesar de respeitarem a disciplina partidária, fizeram uma
declaração de voto demarcando com as diretrizes do marco fiscal.
Qualquer que seja o formato final do NAF, seguiremos necessitando de
medidas extraordinárias que nos permitam sair das atuais condições de desi-
gualdade social e primário-exportação. Precisamos de muitos investimentos,
investimentos principalmente estatais, e feitos com velocidade, durante várias
décadas. Sem isso, nosso país não escapará da atual situação, de subpotência
primário exportadora.
Para financiar nossa política de desenvolvimento, é preciso – entre outras
medidas – realizar uma reforma tributária progressiva, de grande impacto.
Esta batalha deve ser articulada com o Novo PAC: os ricos devem pagar a con-
ta, para o Brasil se desenvolver combatendo a desigualdade.
Nessa perspectiva, de politizar o debate sobre o desenvolvimento, defen-
demos a convocatória imediata de uma Conferência nacional pelo desenvol-
vimento. Sem mobilização popular, a chamada neoindustrialização será ape-
nas um slogan publicitário, restrito a uma bolha ou mesmo capturado pelos
defensores da primário-exportação. Aliás, é bom lembrar que parte expressiva
dos índices positivos de crescimento recém-verificados são resultado do agro,
que usa isso como argumento para seguir capturando imensos recursos pú-

34
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

blicos, o que por outro lado demonstra que a “livre iniciativa” no Brasil segue
sustentada, em grande medida, pelos recursos do Estado. Além disso, grande
parte da bem vinda redução do desemprego, verificada nos últimos meses, se
fez com base em empregos de baixa remuneração, sem formalização.
Ainda na perspectiva de uma política de desenvolvimento que mereça o
nome, destacamos a necessidade de a Petrobrás adotar medidas que rompam
totalmente com a política adotada no governo anterior e a façam jogar papel
central, junto com a Eletrobrás, no processo de retomada do crescimento, do
desenvolvimento e da chamada neoindustrialização.
A mudança da política de preços – cuja redução poderia ter sido muito
maior – é um importante passo neste sentido, mas muito mais precisa ser feito.
Defendemos a criação de uma empresa pública de energia, como base impres-
cindível para um projeto de desenvolvimento coerente com nossos objetivos
de liberdade, bem-estar, soberania e integração. Uma empresa de energia que
tenha como objetivo central o abastecimento do mercado interno aos menores
custos, proporcionar competitividade para a economia brasileira, coordenar
todo o setor energético brasileiro – fóssil e renováveis, abundantes em nosso
território nacional – para enfrentarmos a transição energética com a garantia
de assegurar benefício social, econômico e ambiental para a imensa maioria
de nossa população.
Destacamos, por fim, que não haverá “neoindustrialização”, nem tampou-
co política ambiental com transição ecológica, se não houver mudanças ra-
dicais no agronegócio e na mineração. Estes dois setores não têm “conflitos
ideológicos” apenas com o PT e com o governo Lula; têm conflitos com o futuro
da maioria do povo brasileiro. No futuro que eles defendem, não haverá mu-
dança no lugar do Brasil no mundo, nem tampouco mudança na desigualdade
social existente em nosso país.
É importante que – ao mesmo tempo que adota medidas de grande escala
em favor da industrialização – o governo Lula implemente políticas de inclu-
são social, através do fortalecimento da economia solidária. Políticas públicas
deste tipo, de geração de emprego e renda, são fundamentais para estimular a
auto-organização em associações e cooperativas. É crucial que o governo insti-
tua políticas púbicas que financiem o processo produtivo da economia solidá-
ria e promovam ações de compras destes produtos.

Transformar a qualidade de vida do povo


A luta contra o neofascismo é inseparável da luta contra o neoliberalismo.

35
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

As políticas neoliberais submetem o povo a um massacre cotidiano e contri-


buem para que parcelas da nossa população sejam capturadas pela extrema
direita e pelo individualismo extremo. Por isso, tampouco basta ampliar os
empregos e os salários. É indispensável recuperar e ampliar os direitos traba-
lhistas e sociais. E é preciso mudar as condições de vida como um todo, o que
exige, além de trabalho e emprego, renda e salários, fortes políticas públicas
de cultura, comunicação, saúde e educação, entre outras.
As periferias do país são um dos principais espaços desta luta por trans-
formar a qualidade de vida do povo. Nestas periferias moram aqueles setores
que mais contribuíram para a vitória eleitoral de 2022. Por outro lado e não por
acaso, é também nesses territórios que cresce a presença da extrema-direita.
Tem crescido nas periferias: a atuação da direita e extrema-direita, atra-
vés de políticos neoliberais e assistencialistas; de uma enorme quantidade
de igrejas conservadoras, especialmente neopentecostais, que mantém uma
política de assistencialismo e difundem ideias reacionárias e preconceituosas;
a atuação das milícias e facções criminosas, que funcionam como um Estado
paralelo, mantendo através da opressão e medo o controle social e eleitoral
dos territórios periféricos.
As periferias estão em disputa. Também por este motivo, é fundamental
que o PT e as organizações populares disputem e contribuam para organizar
as populações periféricas, que convivem constantemente com o racismo es-
trutural, com a violência policial, de gênero e religiosa, com a precarização ou
total ausência dos serviços públicos, com as maiores taxas de desemprego e
subemprego, com a insegurança alimentar e nutricional entre outras.
Neste trabalho, cumprem papel decisivo as políticas de comunicação, de
cultura, de educação e de saúde, objeto de resoluções específicas do 8º Con-
gresso da AE.
É necessário retomar a pauta do financiamento, que de acordo com
a Meta 20 do Plano Nacional de Educação deveria chegar até 10% do PIB,
objetivo que sofreu um profundo retrocesso com a Emenda Constitucional
que instituiu o chamado “teto dos gastos”. É preciso enfrentar, também, os
retrocessos ocorridos, desde 2016, na Educação Básica e no Ensino Médio. Nos
somamos a luta dos trabalhadores da educação e dos estudantes que pedem
a revogação do chamado novo ensino médio e combatem as concepções pri-
vatistas na área da educação, inclusive as que se manifestaram na transição e
no ministério da Educação.
Apoiamos as resoluções aprovadas pela 17ª Conferência Nacional de

36
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

Saúde e um SUS 100% público, integral, equânime e democrático. Apoiamos,


também, a luta para recuperar o orçamento do SUS, a defesa do piso da en-
fermagem, a luta contra a avassaladora privatização da gestão dos serviços
e das ações assistenciais, o enfrentamento à desregulamentação dos planos
e seguros privados, as ameaças ao cuidado em liberdade e antimanicomial.
Ainda no tocante à saúde, lembramos que em janeiro de 2023 foi anun-
ciado a criação de um departamento no Ministério do Desenvolvimento So-
cial, com a seguinte nomenclatura: “departamento de entidades de apoio e
acolhimento atuantes em álcool e outras drogas”. Essa ação favorece o setor
privatista da saúde, a ala conservadora das igrejas e seus partidos, o trata-
mento para usuários em abuso/dependência em substâncias psicoativas fora
dos preceitos de direitos humanos.
As chamadas comunidades terapêuticas não se enquadram na Resolução
de Tipificação dos Serviços Socioassistenciais aprovadas no Conselho Nacio-
nal de Assistência Social (n. 13/2014) e há contra as Comunidades Terapêu-
ticas diversas denúncias de irregularidades em todo o Brasil, apontadas no
Relatório da inspeção nacional em CTs, elaborado pelo Conselho Federal de
Psicologia, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e
pelo Ministério Público Federal (2018).
Nesse sentido, defendemos que o governo Lula revogue o decreto federal
que cria tal departamento, como recomendou o Conselho Nacional de Saú-
de, e simultaneamente desenvolva ações, sob a coordenação do Ministério da
Saúde, voltadas ao controle e vigilância, de modo a gradativamente extinguir
tais instituições, suspendendo a transferência de verbas públicas e definindo-
-as como asilos religiosos ou assemelhados, agenciando seu fechamento com
a retomada e fortalecimento dos serviços substitutivos na RAPS.

Orientações para as eleições 2024


As eleições municipais de 2024 serão mais uma etapa de nossa guerra
contra o neofascismo e o neoliberalismo. Não se tratará de uma batalha ex-
clusivamente contra o bolsonarismo. Também por isso, defendemos que no
primeiro turno das eleições o Partido deixe de lado a chamada “tática da fren-
te ampla” e adote uma tática de frente de esquerda.
Uma tática de esquerda nas eleições 2024 implica em apresentar candida-
turas petistas e de aliados de esquerda, em todas as cidades onde existimos.
Em alguns casos, estas candidaturas servirão para reconstruir o Partido e a
esquerda em âmbito local. Em outros casos, serão candidaturas competitivas,

37
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

que devem buscar reunir em torno de si um leque mais amplo de forças, in-
clusive para além da esquerda.
A adoção desta tática de esquerda enfrentará, para sua aplicação, um con-
junto de dificuldades:
i/a primeira delas é a inexistência ou virtual desaparição dos diretórios
municipais do Partido, como instância organizada, em grande número de ci-
dades do país;
ii/a segunda deles é a pressão por submeter o partido a denominada “ge-
opolítica de alianças”, que na prática tem servido para sacrificar a existência
do Partido em grande número de cidades, tratadas como moeda de troca em
favor da política de alianças de governos estaduais ou federal ou até mesmo
em favor do interesse de parlamentares estaduais e federais;
iii/a terceira dificuldade é a existência da Federação, com regras que ti-
ram do PT sua autonomia local e mesmo nacional. Vale lembrar que o Partido
Verde, integrante da federação contra o nosso voto, é em muitos locais um
partido controlado por forças de direita;
iv/a quarta dificuldade virá da não realização do PED nos municípios, o
que não contribui para fortalecer e legitimar as direções locais.
Qualquer que seja a tática que o PT adote para disputar as eleições 2024,
devemos trabalhar para lançar candidaturas da esquerda petista em todas as
cidades.
Nossas candidaturas devem aproveitar o processo eleitoral para defender
o governo Lula, nossos governos estaduais e municipais petistas, a atuação de
nossas bancadas e de nosso Partido, bem como devemos defender a atuação
dos partidos de esquerda, dos sindicatos e movimentos sociais.
Nossas candidaturas devem se somar ao esforço para que nossos gover-
nos cumpram o programa e implementem políticas em defesa dos interesses e
necessidades do povo, inclusive em temas como o pagamento dos pisos.
No caso específico do governo Lula, nossas candidaturas devem colocar
em debate a necessidade de uma política econômica de industrialização de
novo tipo, alicerçada na ampliação dos investimentos públicos, a serem via-
bilizados através de uma reforma tributária que penalize os ricos, ao mesmo
tempo que isente os pobres e reduza a carga tributária sobre os chamados
setores médios.
Nossas candidaturas devem contribuir para a retomada da mobilização
social, dando especial atenção neste momento para temas como a revogação
da chamada reforma do ensino médio, a luta pelo cumprimento do piso (en-

38
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

fermagem e educação) e, também, como já foi dito, para a construção de uma


campanha de massas em favor de que os ricos paguem impostos.
Nossas candidaturas devem travar o debate público em defesa dos direi-
tos de todos os setores explorados e oprimidos.
Nossas candidaturas devem contribuir para que a militância se mantenha
motivada e mobilizada. Isso foi decisivo para a vitória de 2022 e será igual-
mente decisivo para as vitórias em 2024 e 2026.
Nossas candidaturas devem defender o programa de reconstrução e
transformação do Brasil, bem como formular e apresentar propostas para as
cidades e para os respectivos mandatos.
Nossas candidaturas devem contribuir para acumular forças e para con-
quistar espaços institucionais.
A direção nacional da AE contribuirá com este esforço prosseguindo no
balanço detalhado das eleições 2022, apresentando análises e orientações
para sobre o cenário de 2023 e 2024, ajudando no planejamento das campa-
nhas, buscando junto ao partido recursos para as campanhas, contribuindo
na comunicação e na direção geral da campanha.
No caso das cidades hoje governadas por militantes da AE, bem como
no caso das cidades onde temos maiores chances nas eleições majoritárias,
a direção nacional da tendência buscará realizar um acompanhamento
permanente.
Também buscaremos fazer um acompanhamento permanente nas cam-
panhas de reeleição de nossos atuais parlamentares.
Ao longo dos últimos meses de 2023 e do primeiro semestre de 2023, a
Dnae convocará, sempre que possível uma vez por mês, reuniões virtuais na-
cionais para preparar nossa intervenção nas eleições 2024.
Especificamente sobre a Federação, reafirmamos todas as críticas que fi-
zemos quando o tema esteve em debate na Direção Nacional do PT. Para fazer
o Partido adotar a Federação, se fez um debate a toque de caixa, no qual se
disse que a Federação teria um significado estratégico e poderia resultar em
um grande desempenho nas eleições proporcionais. Hoje, grande número de
militantes e dirigentes já constatou que a Federação não afetou positiva-
mente nosso resultado eleitoral em 2022 e cria constrangimentos e pode
afetar negativamente nosso resultado eleitoral em 2024. Somos favorá-
veis a construir uma verdadeira frente de esquerda, com partidos e movimen-
tos; a Federação atualmente existente não é nada disso. E nunca será, pois sua
lógica é determinada pela legislação eleitoral. Em nossa opinião, o PT deve

39
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

deixar a Federação assim que isso for legalmente possível.

A política no comando
O PT foi fundado em 1980. Temos 43 anos. Em 1980 o povo brasileiro não
elegia pelo voto direto seu presidente da República. Este direito básico só foi
conquistado em 1989. Outra conquista em 1989 foi a ampliação do número
de pessoas habilitadas a votar. Desde 1989, a maior parte do povo brasileiro
tem direito a votar nas eleições. Não era assim antes. Pois bem: desde 1989
até hoje aconteceram 9 eleições presidenciais. O PT venceu cinco e ficou em
segundo lugar nas outras quatro eleições presidenciais.
Isso dá uma ideia da importância do PT na política brasileira e do apoio
eleitoral que temos no povo.
Entretanto, toda essa nossa força eleitoral não foi capaz de impedir o gol-
pe de 2016. E em 2022, nós ganhamos a eleição presidencial, com 60 milhões
de votos, mas nosso inimigo teve 58 milhões de votos. Além disso, as forças de
direita ganharam grande número de eleições estaduais e são majoritárias no
Congresso nacional.
Portanto, temos pela frente imensos desafios, se quisermos atingir nossos
grandes objetivos: ampliar o bem-estar social do povo, ampliar as liberdades
democráticas, impulsionar o desenvolvimento de novo tipo, garantir a sobe-
rania nacional, participar da integração regional, contribuir para a constru-
ção de uma nova ordem mundial, tudo isto tendo como objetivo histórico e
estratégico o socialismo.
Para dar conta desses objetivos de médio e longo prazo, precisamos nes-
te momento concentrar nossas energias em: 1/derrotar a extrema-direita; 2/
superar a influência do neoliberalismo; 3/disseminar, no povo brasileiro, uma
cultura democrática e popular; 4/ampliar a força das esquerdas nas institui-
ções de Estado, a começar pelas prefeituras que estaremos disputando em
2024 e pela reeleição de nosso projeto em 2026; 5/estimular a auto-organi-
zação da classe trabalhadora, em seus movimentos, sindicatos e partidos, a
começar pelo próprio PT.
Estas cinco tarefas estão intimamente ligadas ao sucesso do governo Lula,
sucesso que não se limita a “união e reconstrução”, mas que precisa se am-
pliar no sentido da reconstrução e transformação. Se o governo Lula tiver
sucesso neste trabalho de reconstrução e transformação, teremos sucesso na-
quelas cinco tarefas. E para o governo Lula ter sucesso no trabalho de recons-
trução e transformação, precisamos que o Partido e a esquerda partidária e

40
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

social tenham êxito naquelas cinco tarefas.


Por isso, se faz necessário dar um salto de qualidade no funcionamento do
nosso Partido, bem como do conjunto do campo democrático e popular. O que
inclui, no curto prazo, um enfrentamento coletivo da CPI do MST, a prepara-
ção adequada das eleições 2024. E, no curto e médio prazo, maior sincronia
entre ação do governo, dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais, o
que exige a construção de uma frente de esquerda.
Lula é hoje chefe de Estado, chefe de governo, líder da ala esquerda do go-
verno e nosso principal comunicador social. É uma sobrecarga brutal sobre os
ombros de uma única pessoa. Cabe ao Partido, como instituição coletiva, assu-
mir mais tarefas na defesa e na disputa de rumos do governo, na luta contra
a direita neoliberal e neofascista. E cabe tanto à esquerda partidária quanto à
esquerda social – lideradas pelo PT – não apenas vencer nas urnas em 2024 e
2026, mas também ocupar de maneira permanente as redes e as ruas. Só a am-
pliação da luta social garantirá a reconstrução e a transformação do Bra-
sil. Dito de outra forma: sem uma grande ampliação da luta social, da mobiliza-
ção de massas, da conscientização e da organização das massas trabalhadoras,
não teremos êxito em alterar a conjuntura em nosso favor. E, mais cedo ou mais
tarde, seremos novamente derrotados. É um mal sinal, nesse sentido, que desde
a campanha eleitoral não tenhamos mais conseguido – as vezes, nem tentado
– realizar grandes mobilizações. É particularmente escandaloso que, frente ao
ocorrido no dia 8 de janeiro, o campo democrático e popular não tenha reagido
à altura, deixando tudo nas mãos das chamadas instituições.

Atuando sob condições mais difíceis


O ocorrido no dia 8 de janeiro, o ocorrido com o NAF e os acontecimen-
tos internacionais confirmam que o terceiro governo Lula atua em condições
muito mais complexas e difíceis do que os governos encabeçados pelo PT en-
tre 2003 e 2016.
Além das dificuldades resultantes da situação mundial e da herança mal-
dita do golpismo e do bolsonarismo, temos as dificuldades ligadas à situação
do governo Lula, da classe trabalhadora, da esquerda e do PT.
Fica evidente, a cada dia que passa, que enfrentamos uma dupla oposição:
da direita tradicional e da direita neofascista, ambas neoliberais. Estas duas
direitas estão presentes no governo e na máquina de Estado. São majoritá-
rias no Congresso nacional, entre os governadores de Estado, nos aparatos de
segurança e na grande mídia. As duas oposições, embora se dividam no que

41
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

toca a “reconstrução”, unificam-se para impedir a “transformação” nacional.


Ambas operam para vencer as eleições de 2024 e tirar o PT da presidência, se
possível já em 2026.
Frente a este quadro, a linha política hegemônica na esquerda brasileira
e em nosso Partido está demonstrando ser ineficiente e insuficiente, tanto do
ponto de vista tático quanto do ponto de vista estratégico. É preciso mudar de
orientação estratégica e tática. E, para fazer isto, é preciso começar abando-
nando totalmente a atitude baluartista, cabotina, autocongratulatória, de elo-
gio a nós mesmos, que prevalece em certos setores; e, no lugar disto, é preciso
debater abertamente os problemas existentes, debate que deve ser feito nas
instâncias partidárias, com a base militante, com o povo de esquerda.
Hoje, ainda tem prevalecido a opção de não travar o debate, nem mes-
mo nas instâncias. Como já dissemos, antes da campanha eleitoral de 2022
começar, a maioria dos integrantes do atual Diretório Nacional escolheu não
aprovar nenhuma resolução sobre como enfrentar o bolsonarismo nas forças
armadas, assim como não aprovou uma resolução que propunha enfrentar
– já na campanha eleitoral – a mal denominada “independência” do Banco
Central. Tampouco debatemos previamente, na direção do Partido, a proposta
de Novo Arcabouço Fiscal. Como resultado, o Partido tem mais dificuldade de
enfrentar os problemas, uma vez que estes não desaparecem pelo fato de não
terem sido debatidos.
A respeito desses e de outros temas, como por exemplo a necessidade de
revogar as contrarreformas da previdência, trabalhista, sindical e do ensino
médio, a mudança de rumo da Petrobrás e a recuperação da Eletrobrás, a
luta por outra política de segurança pública e de Defesa, a tendência petista
Articulação de Esquerda tem apresentado diversas propostas ao Diretório Na-
cional do PT e a outras instâncias partidárias.
Com base nelas, o Oitavo Congresso da AE reitera a necessidade de mais e
melhores medidas concretas e imediatas, no sentido de retomar o crescimen-
to, implementar uma industrialização de novo tipo, mudar o curso do desen-
volvimento nacional, realizar a reforma agrária, defender o meio ambiente,
ampliar as políticas públicas de saúde e educação, concretizar o bem-estar
social e as liberdades democráticas do povo brasileiro, recuperar a soberania
nacional, promover a integração latino-americana e caribenha, mudar o lu-
gar do Brasil no mundo.
Uma das áreas onde tem havido mais ações concretas e disputa política-i-
deológica é o das políticas ambientais. Durante os governos Temer e Bolsona-

42
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

ro avançou o desmonte da legislação de proteção ambiental. Este desmonte


contribuiu para o aumento da devastação ambiental, com queimadas, des-
matamento e o uso de agrotóxicos. O governo Lula tem enfrentado o debate
ambiental, retomando e ampliando a proteção dos biomas e atuando para
frear, entre outros, o processo acelerado de privatização dos parques, praças
e áreas verdes em todo o país.
Entretanto, não bastam propostas, se não conquistarmos apoio e maioria
organizada junto a classe trabalhadora.
As eleições presidenciais de 2022 demonstraram que a esquerda é majori-
tária entre os eleitores ativos, por uma diferença de 2 milhões de votos. Aliás,
como já foi dito, ganhamos 5 das últimas 9 eleições presidenciais. Entretanto,
se considerarmos os mais de 30 milhões que votaram branco, nulo e se absti-
veram; e somarmos a estes os trabalhadores que votaram na candidatura pre-
sidencial da extrema-direita, a conclusão inescapável é que, neste momento,
a esquerda ainda não tem maioria numérica na classe trabalhadora.
Ademais, décadas de neoliberalismo, somadas a décadas de instituciona-
lização e burocratização, enfraqueceram brutalmente a presença, a força e
a representatividade das organizações da classe trabalhadora: movimentos,
associações, sindicatos, partidos. E, de outro lado, nas últimas décadas consti-
tuiu-se uma extrema-direita com base de massas. A situação é tão grave que
alguns setores da esquerda têm medo de disputar as ruas, têm medo de mo-
bilizar a população, por receio de que percamos controle e a direita assuma
protagonismo. Grande parte do balanço de junho de 2013 é marcado por este
temor, que se não for superado vai selar nosso destino: será fatalmente derro-
tada uma esquerda que, por opção e antecipação, cede as ruas para a direita.
Portanto, uma de nossas tarefas estratégicas, de cujo sucesso dependem
todas as outras tarefas, é fazer com que a esquerda conquiste e organize a
maioria da classe trabalhadora.
Conquistar e organizar a maioria exige um conjunto de ações práticas, en-
tre as quais trabalho de base, funcionamento regular das instâncias, política
de comunicação. Mas exige, acima de tudo, linha política correta. Neste senti-
do, reafirmamos a necessidade de recuperar o “fio vermelho” das elaborações
do V Encontro Nacional (1987) e do 6º Congresso Nacional do PT (2017).
Elaborar uma linha política correta tem sido, também, uma das preocupa-
ções fundamentais da tendência petista Articulação de Esquerda, desde 1993.
Isso pode ser constatado na leitura das resoluções de nossos seis seminários
nacionais (1993-1997), de nossas onze conferências nacionais (1998-2009) e de

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RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

nossos sete congressos nacionais (2011-2020). A seguir destacamos algumas


das questões presentes nessas resoluções.

Diretrizes estratégicas
A construção do socialismo supõe que a classe trabalhadora tenha poder
para reorganizar a sociedade. O tema do poder, no que consiste, como cons-
truí-lo, como conquistá-lo, é a questão chave em toda reflexão política.
Durante o século XIX, os socialistas enxergavam o tema do poder atra-
vés do prisma oferecido pela revolução francesa: 1789, 1848, 1871 eram os
paradigmas clássicos ao redor dos quais girava o imaginário de anarquistas,
sindicalistas revolucionários, socialistas, social-democratas, narodniks, co-
munistas etc.
As revoluções russas de 1905, fevereiro de 1917 e outubro de 1917 oferece-
ram um novo paradigma, ao redor do qual passou a girar, durante décadas, a
reflexão política, tática e estratégica de diferentes setores da esquerda mundial.
Os paradigmas “francês” e “russo” tinham semelhanças: o protagonismo
da plebe urbana, o papel contraditório das massas camponesas, a insurreição
seguida de guerra civil e contra inimigos externos, o caráter “permanente” da
revolução, o fantasma do “Termidor”.
O isolamento da Rússia soviética e a derrota das tentativas revolucioná-
rias na Alemanha, na Hungria e na Itália, entre outras, resultarão – nos anos
1920 e 1930 – numa reflexão acerca da estratégia a adotar, seja nos países
capitalistas desenvolvidos, seja nos países da chamada periferia colonizada
ou formalmente independente.
Tal reflexão correu simultânea a outros debates, acerca da construção
do socialismo na URSS, acerca de qual devia ser a política internacional de
um Estado socialista, acerca da evolução do capitalismo e do imperialismo
pós-Primeira Guerra Mundial, acerca de como se posicionar frente a, na épo-
ca, ascensão do nazifascismo e a cada vez mais provável (segunda) guerra
mundial.
Os escritos de Antonio Gramsci datam deste período, embora sua grande
influência (em variadas versões e contraditórias releituras) vá se estabelecer
após a Segunda Guerra, em uma situação mundial distinta daquela que serviu
de base para as reflexões do comunista italiano.
De toda forma, até o final da Segunda Guerra, quando se debatia os temas
do poder, predominava em grande parte da esquerda o paradigma da revo-
lução russa: o papel de vanguarda da direção partidária, o protagonismo das

44
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

plebes urbanas, o acúmulo de forças via lutas sindicais, políticas e ideológicas,


o duplo poder, a insurreição como parte da guerra civil, uma certa modalida-
de de construção do socialismo. Tal “modelo” estava presente inclusive nos
que defendiam as Frentes Populares, inclusive em sua versão mais moderada,
de alianças estratégicas com setores da burguesia, nas políticas conhecidas
como “etapistas”.
Um novo paradigma se afirmará com a vitória da revolução chinesa de
1949. Neste paradigma, o papel do Partido continua destacado, mas agora tra-
ta-se de um partido-exército. O protagonismo principal passa a ser das massas
camponesas. As cidades, antes palco da insurreição decisiva, passam a ser
“cercadas pelo campo”. O acúmulo de forças prévio inclui experiências preco-
ces de duplo poder, com libertação de territórios, formação de governos e de
um exército popular. A insurreição urbana torna-se um elemento auxiliar da
guerra popular prolongada.
Aos paradigmas “russo” e “chinês” soma-se, logo em seguida, um terceiro,
o da guerra de libertação nacional. Este terceiro paradigma vai se materiali-
zar sob duas formas principais. A primeira delas é antinazista, por exemplo
em países como Albânia e Iugoslávia (onde a derrota dos nazistas foi seguida
pela instauração de governos de orientação socialista); como a Grécia (neste
caso, a guerrilha comunista foi derrotada pela intervenção britânica); como a
Itália e a França (nestes dois casos, a política dos partidos comunistas foi a de
nem ao menos tentar transformar a guerra em revolução).
A segunda forma pela qual vai se materializar o paradigma da guerra de
libertação nacional é o da guerra anticolonial, como no caso por exemplo de
Vietnã, Laos, Camboja, Angola, Moçambique e Guiné Bissau.
Vale lembrar que ainda hoje há lutas anticoloniais em curso, como no
caso de Porto Rico, Sahara Ocidental e da Palestina. Por uma destas ironias
da história, os Estados Unidos – resultado da revolução anticolonial vitoriosa
das chamadas 13 colônias contra o Império Britânico – tornaram-se desde há
muito o principal ponto de apoio para o colonialismo moderno.
Os três paradigmas citados – “russo”, “chinês” e de “libertação nacional”
– influenciaram o debate político e estratégico da esquerda latino-americana,
ao longo de boa parte do século XX. Há toda uma literatura a respeito, que
vale a pena revisitar sempre, especialmente aquela que leva em conta o im-
pacto da revolta de Tupac Amaru, da revolução haitiana e da grande revolu-
ção mexicana, processos que apavoraram a elite continental muito antes que
acontecesse a revolução socialista russa.

45
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

A partir de 1959, surge outra grande influência paradigmática, a revolu-


ção cubana, uma revolução democrática antiditatorial, baseada na combina-
ção entre diferentes formas de luta e organização, com ênfase na combinação
entre guerrilha no campo e insurreição urbana; revolução que, uma vez vito-
riosa, se revelou cada vez mais democrática popular e anti-imperialista; e que
acabou convertendo-se em uma revolução socialista.
A revolução cubana – especialmente em suas interpretações de tipo “fo-
quista” – também influenciou fortemente a esquerda latinoamericana e cari-
benha nos anos 1960 e 1970. Mas, com a parcial exceção da revolução nicara-
guense, as estratégias inspiradas no exemplo cubano não foram vitoriosas em
nenhuma parte de nosso subcontinente.
O mesmo, entretanto, deve ser dito das demais estratégias adotadas pela
esquerda socialista em nosso continente. Aliás, devemos reconhecer que se as
revoluções são fenômenos raros, as revoluções vitoriosas são fenômenos ain-
da mais raros e profundamente singulares: há mais constância nos motivos
de derrota do que nas razões de vitória.
Nos anos 1970 também tivemos a experiência do governo da Unidade Po-
pular chilena. A história da Unidade Popular, os antecedentes da vitória elei-
toral de 1970, as vicissitudes do governo Allende, o golpe de 1973, a ditadura
que veio em seguida (com semelhanças e diferenças frente a outras ditaduras
contemporâneas), as políticas neoliberais e os governos de centro-esquerda
posteriores, são processos cujo estudo é essencial para quem hoje faz ou bus-
ca fazer parte dos governos “progressistas e de esquerda” na América Latina.
Reformista demais para os revolucionários, revolucionária demais para
os reformistas, a estratégia experimentada pela Unidade Popular ficou numa
espécie de limbo até 1998. Desde então, diversos governos da região passaram
a tentar construir o socialismo, não a partir de revoluções, mas sim a partir
de vitórias eleitorais.
Ao mesmo tempo, outros partidos socialistas da região passaram a ter que
lidar – em seus esquemas estratégicos – com governos que buscavam imple-
mentar reformas mais ou menos profundas no capitalismo. Portanto, pelo
menos para alguns setores da esquerda regional, a experiência pós 1998 exi-
gia revisitar o debate sobre a orientação estratégica que se buscou materiali-
zar no governo da Unidade Popular (UP). Evidentemente que este revisitar se
fez à busca de construir um “caminho chileno com final feliz”.
O revisitar da experiência da UP não fazia sentido, é óbvio, para quem a
revolução (e, em alguns casos, o socialismo) não faziam mais parte do hori-

46
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

zonte estratégico. Para gente assim, não cabia mais diferenciar “luta pelo go-
verno” e “luta pelo poder”; para eles, ganhar uma eleição seria igual a ganhar
o poder. Na prática, a confusão entre governo e poder contribuía para nem
ao menos se pensar em tocar nos demais instrumentos de poder controlados
pela classe dominante. Não admira que muitos dos que confundiam governo
e poder, também acreditavam que golpes seriam coisa do passado: imagina-
vam que se não mexêssemos com os poderes fáticos, a classe dominante não
se sentiria pressionada e, portanto, faria “as pazes com a democracia”. Esta
crença equivocada acerca dos supostos compromissos democráticos da classe
dominante latino-americana e caribenha foi abalada por tudo o que ocorreu
depois de 2008; mas ainda assim, uma parte da esquerda regional saiu do
recente ciclo de golpes ainda mais recuada do que antes.
O revisitar da experiência da UP tampouco fazia sentido para quem acre-
ditava e/ou acredita que os governos progressistas e de esquerda eram e/ou
são, na verdade, uma aclimatação da experiência socialdemocrata europeia
ou uma “customização” da experiência populista latino-americana e caribe-
nha. Para quem pensava ou pensa desta maneira, os governos progressistas e
de esquerda não passam de experiências mais ou menos funcionais ao esque-
ma de dominação imperialista e capitalista, governos mais ou menos refor-
mistas que logo seriam ultrapassados pelos acontecimentos, após o que a luta
de classe voltaria a condições que exigiriam – da parte da esquerda – a adoção
de algum dos paradigmas revolucionários clássicos.
Esta crença equivocada acerca da tolerância da classe dominante frente a
governos social-liberais ou social-democratas foi, também, abalada por tudo
o que ocorreu depois de 2008; mesmo assim, há setores da ultra-esquerda que
não aprenderam nada com a história recente e, hoje, organizam sua política
em torno do combate aos governos progressistas e de esquerda.
Portanto, seja para o esquerdismo, seja para a esquerda “melhorista”, a
experiência da Unidade Popular chilena não era e segue não sendo vista como
tendo muito o que nos ensinar, do ângulo estratégico, salvo do ponto de vista
negativo.
Aliás, é curioso constatar essas e outras semelhanças entre melhoristas e
esquerdistas. Ambos foram surpreendidos pelo golpismo, uns porque acha-
vam que a classe dominante não faria golpe contra governos que suposta-
mente faziam o que a classe dominante desejava; outros porque achavam que
a classe dominante não golpearia quem havia renunciado a fazer mudanças
estruturais radicais e imediatas.

47
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

Já para aqueles setores que continuam tendo o socialismo como objetivo


estratégico e que, portanto, querem que a classe trabalhadora tenha o poder
necessário para construir o socialismo, o “caso” da Unidade Popular entre
1970 e 1973 segue sendo estrategicamente atual.
Evidentemente, não se trata de copiar uma estratégia adotada em outro
país e em outra situação, seja porque a cópia constituiria em si mesma um
erro, seja porque a “via chilena para o socialismo” não teve êxito em nenhum
lugar. Do que se trata é perceber – ao elaborarmos uma estratégia adequada
a situação brasileira – que será preciso responder às questões postas pela “via
chilena”. E uma das questões é: como converter a parcela de poder obtida
num processo eleitoral, não apenas em melhorias concretas para a vida do
povo, mas também em transformações estruturais, inclusive no poder, condi-
ção indispensável para iniciar uma transição socialista?
Ao longo dos anos, a tendência petista Articulação de Esquerda vem bus-
cando responder a esta questão, tanto no plano prático quanto no plano te-
órico. A seguir resumimos algumas de nossas respostas, desenvolvidas por
extenso em outras de nossas resoluções.
Em primeiro lugar é preciso construir um sólido apoio nas classes traba-
lhadoras, o que inclui articular sob um comando estratégico único a maior
parte das organizações políticas e sociais. A combinação entre luta institucio-
nal e eleitoral, ação parlamentar e de governos, luta social e atuação partidá-
ria, só é virtuosa quando articulada politicamente.
Em segundo lugar, é preciso ganhar o apoio dos setores médios, dividir
as classes dominantes e isolar o inimigo principal. Impedindo que ocorra o
contrário: que a classe dominante isole a esquerda, ganhe o apoio dos setores
médios e divida as classes trabalhadoras.
Em terceiro lugar, é preciso combinar disputa política com disputa cultu-
ral. A construção do poder necessário para iniciar uma transição socialista é
indissociável da construção de outra hegemonia ideológica, cultural.
O que remete, em quarto lugar, para a necessidade de ganhar apoio e/ou
incidir de forma expressiva nos organismos estatais e nos organismos apa-
rentemente privados que executam funções públicas, como é o caso das igre-
jas, das escolas, da indústria cultural e dos meios de comunicação.
Em quinto lugar, é preciso conquistar uma maioria eleitoral que seja su-
ficiente para ter hegemonia de esquerda nos organismos executivos e legis-
lativos fundamentais. É insuficiente ter a presidência da República, mas sem
maioria no Congresso, nem nos governos subnacionais fundamentais.

48
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

Em sexto lugar, é preciso impedir a sabotagem e a subversão provenientes


dos organismos de Estado não eletivos, principalmente a alta burocracia, o
judiciário e as forças armadas. Trata-se de democratizar o acesso, estabelecer
controle social, mudar as doutrinas vigentes e, fundamentalmente, garantir
o respeito a legalidade que advém da soberania popular. Motivo pelo qual é
tão decisiva a realização de processos constituintes nos países engajados em
transformações estruturais.
Em sétimo lugar, é preciso construir uma rede de solidariedade e proteção
internacional, que reduza a ingerência externa que as metrópoles capitalistas
centrais fazem sobre processos socialistas nacionais. Daí, por exemplo, uma
das razões pelas quais adquire centralidade a integração regional latino-ame-
ricana e caribenha.
Em oitavo lugar, é preciso implementar um programa de transformações
que parta dos problemas reais enfrentados pela sociedade e que construa so-
luções que atendam às necessidades das camadas populares, respeitando os
níveis de consciência e a correlação de forças em cada momento, mas sempre
tendo em perspectiva que cada passo gera novas necessidades, novos confli-
tos e novas reações, cabendo à direção política do processo se antecipar.
No caso chileno, o programa de transformação seguiu por dois eixos fun-
damentais: o poder popular e a área de propriedade social. O que nos remete
para uma nona questão, que é a necessidade de – como um dos primeiros
passos de um longo processo – converter uma economia dominada pelo capi-
talismo privado, em uma economia hegemonizada pelo Estado, sob condução
de um governo de esquerda.
Finalmente, décimo tema, é preciso manter a iniciativa tática, especial-
mente nos momentos de impasse estratégico. O ano de 1973, no Chile, foi um
desses momentos. A classe dominante havia decidido ir para o golpe. E o go-
verno Allende perdeu progressivamente a iniciativa, passando a uma postura
cada vez mais defensiva, confundindo a defesa da legalidade, com a passivi-
dade legalista frente à subversão de direita.
O legalismo corresponde a uma visão estática acerca da consciência po-
pular. A legalidade é sempre uma mediação entre o texto estrito da lei (que
expressa a correlação de forças passada) e a legitimidade (que expressa a cor-
relação de forças presente). A burguesia sabe disto muito bem e não deixa
de invocar o suposto apoio popular, quando lhe interessa desrespeitar a lei,
sempre que a lei favorece a esquerda.
A história poderia ter sido diferente se, por exemplo frente ao Tancazo, o

49
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

presidente Allende tivesse acatado as propostas do General Prats, no sentido


de afastar os comandantes golpistas. Também por isso, é um erro dizer que
o golpe no Chile teria sido, inevitavelmente, vitorioso. O mesmo vale para o
Brasil: o golpe de 2016 poderia ter sido derrotado, se tivesse sido outra a
política adotada pelo nosso Partido e pelo nosso governo.

A estratégia do PT
Na segunda metade dos anos 1980, o Partido dos Trabalhadores elaborou
e tentou implementar uma estratégia política que fazia referência explícita à
experiência chilena de 1970-1973. Entre 1990 e 2002, a experiência da Unida-
de Popular perdeu influência nas formulações petistas, mas seguiu presen-
te. Entre 2003 e 2016, os governos petistas enfrentaram várias situações que
teriam sido melhor equacionadas, se algumas lições do Chile tivessem sido
levadas em consideração.
Em 2016, um golpe de Estado derrubou o governo brasileiro, então enca-
beçado pela presidenta Dilma Rousseff, do PT. Veio então um governo golpis-
ta, sob o qual foram realizadas as eleições presidenciais de 2018, nas quais se
impediu a participação do então ex-presidente Lula. Lula assistiu da cadeia a
vitória e a posse de um cavernícola. Mas, pouco tempo depois, Lula foi liberta-
do, reconquistou o direito de disputar as eleições e venceu – por dois milhões
de votos de diferença – as eleições presidenciais de 2022.
O atual governo Lula (2023-2026) experimenta dilemas estratégicos se-
melhantes aos presentes em seus dois primeiros governos (2003-2006, 2007-
2010), mas hoje as condições são piores do que no passado. Algo parecido
ocorre com os demais governos encabeçados por partidos nacional-popula-
res, de esquerda e progressistas na América Latina e Caribe.
Guardadas as devidas proporções, a mudança de cenário e, em particular,
a mudança de ânimo de alguns dos protagonistas às vezes faz lembrar o que
ocorreu quando o Partido Socialista voltou à presidência do Chile, com Ricar-
do Lagos (2000-2006): o mundo era outro, o Chile era outro, o Partido Socialis-
ta era outro, os problemas eram maiores e menores os meios para resolvê-los.
Mas, acima de tudo, era diferente a estratégia predominante na esquerda chi-
lena. E diferente num sentido muito profundo: em 2000, para amplos setores
da esquerda chilena, o “horizonte”, o objetivo final deixara de ser o socialismo
e passara a ser, não a socialdemocracia europeia ou o desenvolvimentismo
latino-americano dos anos 1950-1970, mas sim o social-liberalismo, ou seja, a
tentativa de fazer coexistir certos compromissos democráticos e sociais, com

50
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

políticas econômicas neoliberais e a submissão à hegemonia estadounidense.


Na época, talvez muitos não tenham se dado conta disso. Assim como,
hoje, muitos setores da esquerda latino-americana e caribenha pensam sin-
ceramente que não mudaram de lado, que estão apenas fazendo concessões
devido à correlação de forças etc. Tal metamorfose atinge, como é fartamente
demonstrado pelo governo Boric, inclusive setores que há tão pouco tempo
eram vistos como alternativas idôneas à velha esquerda.
Tudo isto ocorre, paradoxalmente, mas não surpreendentemente, num
ambiente em que o cenário mundial é de crises e guerras, o que noutros
tempos desembocou em rupturas e revoluções. E depois de 40 anos de neoli-
beralismo, que provocaram mudanças profundas nas classes trabalhadoras,
mudanças que colocam novos desafios teóricos e práticos para as forças polí-
ticas e sociais que seguem comprometidas com a derrota do capitalismo e do
imperialismo.

O papel do PT e da AE
Levando em conta o conjunto da situação, cabe concluir que, assim como
nossa poesia deve ser extraída do futuro, a estratégia da esquerda brasi-
leira também está por ser construída. E, se quisermos construir vitórias no
tempo de nossas vidas, esta construção passa por nosso Partido, pelo Partido
dos Trabalhadores.
A maioria da classe trabalhadora com consciência de classe, especialmen-
te mulheres, jovens, negros e negras, se identifica com o PT. Desde os anos
1980 até hoje, as vitórias da classe trabalhadora brasileira dependeram, em
grande medida, das opções feitas pelo PT. Assim como pesa sobre nós parte
importante da responsabilidade pelas derrotas.
Hoje, nosso Partido – ao mesmo tempo que tem imensos méritos – vem
apresentando imensas debilidades. A principal destas debilidades não é or-
ganizativa, nem de comunicação; a principal debilidade é política: nosso Par-
tido até agora não construiu uma linha política e uma maneira de funcionar
adequadas aos tempos de guerra em que vivemos. E isto acontece em grande
medida porque não se pode construir uma linha adequada do ponto de
vista estratégico, quando se abre mão do principal objetivo estratégico,
o socialismo. Embora a palavra socialismo continue constando das resolu-
ções, para amplos setores do Partido isso é apenas uma menção ritual, pois
estes setores abriram mão de discutir como articular a tática com a estratégia,
como articular a luta imediata com a luta pelo socialismo.

51
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

Essa articulação entre tática e estratégia é indispensável, se queremos sair


vitoriosos desta guerra que é travada, contra a maioria do povo brasileiro,
pelos defensores do imperialismo, do capitalismo, do modelo primário expor-
tador, do neofascismo, do patriarcado, do racismo, do fundamentalismo, pelos
defensores de todo tipo de preconceito, opressão e exploração. Guerra que
custou a vida de centenas de milhares de pessoas, como é o caso dos indígenas
vítimas de genocídio; e, também dos brasileiros e brasileiras que poderiam es-
tar entre nós, se o governo de extrema direita não tivesse sido aliado da Covid.
Neste contexto, de um Partido que ainda não construiu uma estratégia
à altura de seu próprio papel histórico, qual é o papel da tendência petista
Articulação de Esquerda?
A resposta é: contribuir, no limite de nossas forças, para que nosso Parti-
do – associado a CUT, ao MST, ao movimento sindical rural de trabalhadores
rurais e agricultores familiares, a CMP, ao MNLM, a UNE, a Ubes, as Frentes e a
todas as demais organizações do nosso povo –, para que a classe trabalhadora
esteja à altura dos imensos desafios postos pela atual situação nacional, con-
tinental e mundial. Desafios que exigem, sob a liderança e iniciativa do PT, a
formação de uma ampla frente de esquerda, reunindo as forças democráticas,
populares e socialistas.
Os desafios históricos e estratégicos postos diante de nossa classe exigem,
de nosso Partido, um intenso trabalho organizativo, com destaque para nosso
enraizamento na classe trabalhadora e para a mudança de métodos de funcio-
namento. E para isso, a retificação que exigimos que seja feita no PT, também
deve ser feita entre nós. As minorias e as maiorias de nosso Partido padecem
de deformações gravíssimas e não somos alheios a isto.
Destacamos, como parte desta retificação, em primeiro lugar, dar priori-
dade total para contribuir na organização da classe, nos locais de trabalho, de
moradia, de estudo, nos espaços de cultura e lazer. Para este esforço convoca-
mos cada militante de nossa tendência. Não basta criticar o que os outros não
fazem, é preciso fazer aquilo que achamos que precisa ser feito.
Em segundo lugar, contribuir para construir o Partido dos Trabalhado-
res e das trabalhadoras, como partido de massas e radicalmente democráti-
co. Novamente, reafirmamos: não basta criticar os que têm maioria nesta ou
naquela instância, é preciso fazer por nossa própria conta o que pode e deve
ser feito.
Em terceiro lugar, lutar contra as políticas equivocadas que existem no
interior do chamado campo democrático-popular, com destaque para os seto-

52
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

res social-liberais infiltrados na esquerda, defensores das privatizações, das


terceirizações, do capital financeiro e do agronegócio. Neste terreno, é pre-
ciso lembrar que as concessões feitas ao neoliberalismo só produzem mais
neoliberalismo.
Em quarto e fundamental lugar, trabalhar para que o PT continue lutan-
do, aqui e agora, em favor de soluções efetivamente socialistas e revolucioná-
rias para os grandes problemas do nosso país, de nosso continente e do mun-
do. Nos tempos perigosos e desafiantes em que vivemos, não cabe dúvida: o
futuro depende de a classe trabalhadora lutar com todas as suas forças pela
soberania, pela democracia, pelo desenvolvimento e pelo socialismo. A única
alternativa à crise sistêmica do capitalismo é o socialismo.

Brasília, 31 de julho de 2023

53
Sobre o PT e a AE

N o dia 19 de setembro de 2023, a tendência petista Articulação de Esquer-


da completará 30 anos de existência.
Caberá a direção nacional eleita no 8º Congresso dar continuidade às
ações planejadas para marcar a data. Entre estas ações, citamos: a publicação
de uma coleção de livros contendo todas as resoluções aprovadas em nos-
sos seminários, conferências e congressos nacionais; a publicação da coleção
completa de jornais Página 13; a publicação de uma revista Esquerda Petista,
bem como de edições especiais do Antivírus e do Podcast; a alimentação do
Arquivo Digital no site www.pagina13.org.br
Caberá, também, à direção nacional eleita no 8º Congresso publicar uma
edição atualizada do Manual do Militante, contendo uma apresentação da
tendência e de seu funcionamento interno; a realização de um seminário de
balanço dos 30 anos (nos dias 16 e 17 de setembro); e a realização de eventos
virtuais nos dias 18 e 19 de setembro.
Este conjunto de atividades deriva, em primeiro lugar, de nossa avaliação
de que temos um passado defensável.
Nesses trinta anos, não abrimos mão do socialismo. E hoje, mais do
que antes, o socialismo se reafirma como alternativa à crise sistêmica do
capitalismo.
Nesses trinta anos, não abrimos mão da luta por reformas estruturais e
por uma revolução política e social. E hoje, mais do que antes, fica evidente
que o caminho exclusivamente gradualista não é capaz de superar os obstá-
culos imensos postos diante da luta pelo bem-estar social, pelas liberdades,
pela soberania e pelo desenvolvimento, para não falar dos obstáculos postos
à luta pelo socialismo.
Nesses trinta anos, ao mesmo tempo que construímos uma estratégia que
compreende a luta eleitoral e a ação de governo como parte da luta pela cons-
trução e conquista do poder, nunca abrimos mão da necessidade de combinar
formas de luta – cultural, de massas e institucional – e de organização inde-

54
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

pendente da classe, a começar pelo Partido. E a experiência dos últimos anos


confirma que a hipertrofia da via institucional frente às outras formas de luta
reduz, inclusive, nossas chances de vitória eleitoral.
Nesses trinta anos, não abrimos mão do internacionalismo, do anti-im-
perialismo, da integração latino-americana e caribenha, da solidariedade a
quem é vítima da exploração, da opressão e do preconceito. E a vida con-
firmou que o futuro do Brasil depende, em importante medida, da situação
mundial – inclusive no plano ambiental, que incorporamos em nossa política
de curto, médio e longo prazo.
Nesses trinta anos, não abrimos mão da defesa e construção do Partido
dos Trabalhadores. Diferente de outros setores da esquerda que se pretende
revolucionária e socialista, sempre afirmamos que – nesta quadra histórica,
no tempo de nossas vidas – a vitória da classe trabalhadora passa pelo PT, não
contra o PT, não sem o PT, mas com o PT. Nos opusemos, às vezes ferozmente,
aos que declaravam o PT como “esgotado”, aos que afirmaram que o PT “não
era de esquerda”, aos que se foram do PT supostamente pela esquerda e hoje
voltam ao PT explicitamente pela direita, aos que se dedicaram a construir
seitas e organizações mais do que perfeitas, mas que pouco afetam a grande
luta de classes.
Nesses trinta anos, ao mesmo tempo em que construímos e defendemos o
PT, nunca abrimos mão de enfrentar as posições social-liberais e social-demo-
cratas existentes dentro do nosso Partido e que atualmente são majoritárias
na sua direção nacional.
Diferente de outros setores da chamada esquerda petista, optamos por
demarcar o campo de classe, travar a disputa ideológica, fazer a crítica, dis-
putar a direção. Nunca aceitamos abrir mão de nossas posições, em troca de
espaços e quetais. Pagamos um preço alto por isso, entre outros motivos por-
que não é fácil, nem tampouco óbvio defender posições revolucionárias em
épocas reformistas, defender que caminhos radicais podem ser os melhores
para superar derrotas, defender que uma boa luta é melhor do que um péssi-
mo acordo. E, também, porque – como petistas que somos - não somos imunes
aos problemas que criticamos.
Se estamos seguros de que nosso passado é defensável, também temos
certeza de que não queremos ter “um grande passado pela frente”.
A continuidade de nossa tendência só faz sentido se formos capazes de
seguir contribuindo para que a classe trabalhadora e nosso Partido façam a
coisa certa, especialmente nos próximos meses e anos.

55
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

E para isso nossa tendência precisa – como está indicado na resolução


política do Congresso – passar por um imenso processo de retificação.
Como já dissemos e queremos repetir, temos entre nós muitos dos pro-
blemas e defeitos que existem no interior do PT e da esquerda brasileira. Em
alguma medida isso é inevitável: não vivemos numa bolha, não somos uma
seita. Embora, a bem da verdade, alguns dos problemas citados, embora tam-
bém existam entre nós, existem em quantidade muito menor e sem afetar a
conduta geral da tendência, como já se demonstrou em temas como a promis-
cuidade com a direita, a promiscuidade com o empresariado, o oportunismo
no debate político-ideológico e a violência de gênero. Mas se queremos cum-
prir um papel diferenciado, precisamos enfrentar de maneira mais enfática
e resolutiva cada um dos problemas e defeitos do nosso Partido, e corrigir o
que deles exista em nós.
#
Primeiro: há petistas que dizem militar no Partido. Esta visão é equivoca-
da. O espaço da militância é a classe trabalhadora, a luta de classes na socie-
dade. O partido deve ser o espaço onde organizamos nossa atuação nesta luta
de classes. Claro que o Partido realmente existente está muito longe de ser
isso. Mas se o Partido não faz coisa certa, devemos trabalhar para que faça. E
devemos dar o exemplo, fazendo com que a tendência também seja o espaço
de organização de nossa ação na sociedade, na classe trabalhadora. Claro que
o PT, além de um partido, é também um movimento social, talvez o maior
movimento social do país, com mais de 30 milhões de simpatizantes autode-
clarados. Nesse sentido específico, cabe à tendência organizar nossa atuação
militante junto a este movimento social que chamamos de “nação petista”.
Mas organizar nossa atuação não pode ser, nem única, nem principalmente,
divulgar nossa opinião sobre os acontecimentos. É preciso um trabalho mili-
tante junto a classe trabalhadora.
Segundo: militar não é aparecer ocasionalmente, muito menos aparecer
apenas ou principalmente em momentos eleitorais. Militar é atual de maneira
permanente - nos locais de trabalho, de moradia, de estudo, nos espaços de
cultura e lazer – com três objetivos fundamentais: conscientizar, organizar
e mobilizar. E para que isso tenha efeito, não basta a militância individual, é
preciso militância coletiva. E para tal é necessário que existam e funcionem
as chamadas instâncias, que elas debatam o que fazer, avaliem o que foi feito,
façam o trabalho de crítica e autocrítica, corrijam rumos, tomem as decisões
fundamentais. Tanto no partido quanto na tendência, há instâncias que de-

56
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

veriam existir e não existem; há instâncias que existem formalmente, mas


não funcionam de fato; há instâncias que funcionam, mas não coletivamente.
É preciso trabalhar para mudar esta situação, indo de estado a estado, de ci-
dade a cidade, de categoria a categoria, de setor a setor. As direções, as coor-
denações, os organismos de base precisam existir, se reunir periodicamente,
planejar e avaliar sua atuação.
Terceiro: o trabalho de conscientização é permanente. Queremos trans-
formar o mundo, queremos construir e conquistar o poder, queremos ma-
terializar soluções criativas para todos os problemas da humanidade. E isso
exige estudar e elaborar, de forma permanente. As pessoas que ocupam po-
sições dirigentes precisam estudar, a militância precisa estudar, a classe tra-
balhadora precisa estudar. Por isso, o trabalho de cultura, de comunicação e
de educação são essenciais e não podem ser capturados pelo baixo nível da
classe dominante, pela autopropaganda que dialoga apenas com nossa pró-
pria bolha, com cirandas recreativas que evitam tratar com a profundidade
e seriedade os grandes problemas da classe, do Brasil e do mundo. É preciso
desenvolver, em nossa militância, a convicção de que, por mais que o coletivo
tenha seu papel, a autoformação é essencial. E que a conscientização – da
classe, da militância, dos dirigentes – não se faz principalmente estudando
problemas e soluções passados, se faz debatendo e elaborando soluções pre-
sentes para os problemas presentes. É no enfrentamento cotidiano contra a
extrema direita e contra os neoliberais; e também na disputa cotidiana contra
os social-liberais e social-democratas; que deve se formar nossa classe, nossa
militância e nossos dirigentes. Em palavras antigas, mas que seguem válidas:
nosso marxismo só ganha sentido se for análise concreta da situação concre-
ta. E o maior educador, a maior pedagogia, é a luta.
Quarto: parcelas do nosso partido só se mobilizam em anos pares. Conver-
tem o PT em espaço para discussão de temas eleitorais e, em menor medida,
em espaço para debater a ação dos mandatos conquistados. Em decorrência
disso, vão aceitando que mandatos parlamentares e executivos dirijam o
Partido. Alguns já se referem, jocosamente, a existência de um “sindicato”
de parlamentares, vários dos quais não pagam o Partido. Recentemente, este
“sindicato” teve uma grande vitória, anulando ilegalmente no Diretório Na-
cional uma resolução congressual do Partido, que limitava o número de vezes
em que alguém pode disputar sucessivamente um mesmo cargo.
A parlamentarização do PT atinge, também, muitas tendências de nosso
partido, que se converteram em verdadeiras “cooperativas de parlamenta-

57
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

res”, meras fachadas de mandatos, instrumento dos interesses de lideranças


públicas com força eleitoral. O resultado é que – apesar dos nomes às vezes
pomposos - muitas destas tendências vem perdendo progressivamente a
capacidade de formular e de dirigir projetos realmente coletivos. Como um
efeito colateral disso, o Partido vai sendo tratado, por muitas pessoas, como
uma agência de alocação em mandatos parlamentares, em governos ou em
estruturas conexas.
Não aceitamos esta situação e a combatemos, tanto no Partido quanto em
nossa própria tendência. Queremos ter mais presença em mandatos e em go-
vernos, mas queremos fazer isso preservando o princípio petista segundo o
qual é o Partido, através de suas instâncias, que dirige os mandatos; e que a
luta eleitoral e a ação institucional constituem duas dimensões, mas não as
únicas dimensões, da vida partidária. E lembramos sempre que queremos ser
revolucionários profissionais, não políticos profissionais, que buscam a todo
custo espaços e salários no Partido, em mandatos ou em governos.
Quinto: nosso Partido não pode depender de recursos públicos. Hoje, é isso
que ocorre. A maioria dos filiados não contribui. Grande parte dos militan-
tes não contribui. E um número significativo de governantes, parlamentares,
assessores e dirigentes tampouco contribui financeiramente. Isso gera uma
dependência absoluta do Partido frente aos recursos públicos, seja o fundo
partidário, seja o fundo eleitoral. O resultado é a estatização do Partido, na
mais absoluta contramão de tudo o que PT defendia quando surgiu (e na mais
absoluta contradição com o discurso de muitos que “fizeram carreira” critican-
do a estatização dos partidos no chamado socialismo real). Tanto no Partido
quanto na tendência, sustentamos a necessidade da contribuição militante.
Sexto: nosso Partido não pode abrir mão da democracia interna. A reali-
zação regular dos nossos congressos e encontros não pode ser tratada como
um fardo, como um custo, como uma rotina burocrática que a direção pode
cancelar ou postergar indefinidamente. O mesmo vale para as reuniões re-
gulares (e presenciais) das instâncias. A decisão de adiar o PED, embora res-
paldada no estatuto, foi um erro gravíssimo. O regulamento do PEDEX e das
plenárias, abrindo a possibilidade de recomposição irregular das instâncias,
com pessoas que não faziam parte das chapas e que inclusive ingressaram há
pouco no Partido, é outro erro gravíssimo. Já a decisão de permitir candida-
turas parlamentares indefinidas ao mesmo cargo é simplesmente ilegal, do
ponto de vista estatutário. E mesmo assim foi aprovada, por ampla maioria,
inclusive por dirigentes que a cada três palavras, incluem uma ode à “demo-

58
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

cracia”. Para além disso, segue vigente um problema que já apontamos desde
1995: desde aquela época até hoje, uma única tendência controla a tesouraria
nacional do Partido. As vezes com mais democracia, as vezes com menos; as
vezes com mais transparência, as vezes com menos. Mas nunca se estabele-
ceu uma gestão coletiva das finanças. Reiteramos que isso é outro gravíssimo
erro, inclusive por amesquinhar o debate interno. Por último, mas não menos
importante, há tempos viemos criticando a postura – por parte do grupo atu-
almente majoritário no Diretório Nacional do PT – de agir como um “partido
dentro do Partido”. Esta postura é danosa por sim mesma; mas agora, como
este grupo está profundamente dividido, o resultado prático é o péssimo fun-
cionamento das instâncias e uma série de conflitos que poderiam ser melhor
resolvidos se tratados partidariamente, coletivamente, nas instâncias. E não
como parte de uma luta interna dentro da luta interna.
#
A direção nacional da tendência, eleita no 8º Congresso, vai dirigir a ten-
dência até 2025. Neste período, deve dar conta de pelo menos quatro grandes
tarefas: a retificação da tendência, a disputa pelos rumos do governo Lula, as
eleições de 2024 e o PED de 2025.
Em relação a primeira tarefa: no segundo semestre de 2023, a direção
deve acompanhar todos os congressos estaduais da tendência, contribuindo
na elaboração das diretrizes políticas e do plano de trabalho. E no caso dos
estados onde ainda não existimos organizadamente (caso por exemplo de RR,
AC, RO, GO, SC) e no caso dos estados onde temos grandes debilidades polí-
tico-organizativas (caso por exemplo de PR, MT, MG, BA, PB, PI), a direção
nacional deve propor um plano de trabalho conjunto para organização da
tendência. Em todos os casos, a questão central que vai ser apresentada à
militância é: o que fazer para reforçar e ampliar nossa presença nos locais
de trabalho, moradia, estudo, cultura e lazer, especialmente nos movimentos
sociais e no movimento sindical.
Em relação a segunda tarefa: devemos fortalecer o coletivo responsável
pelo acompanhamento das ações de governo e parlamentares, de forma a ela-
borar um diagnóstico contínuo da situação e das perspectivas, contribuindo
para elaborar políticas nos espaços onde temos militantes atuando (no go-
verno, no parlamento ou relacionando-se com eles); e também contribuindo
para elaborar diretrizes para aquelas questões que a resolução política do 8º
Congresso aponta como centrais.
Em relação a terceira tarefa: ainda este ano, devemos elaborar um mapa

59
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

da situação eleitoral nacional e – em conjunto com as direções estaduais –


elaborar uma opinião sobre qual deva ser a tática do Partido, caso a caso. E,
nos estados e cidades onde tenhamos grandes chances, traçar um plano para
contribuir nacionalmente com nosso êxito eleitoral.
Em relação a quarta tarefa: devemos nos preparar desde já para disputar,
com chapa e candidatura presidencial, o PED 2025. A experiência desde 2001
até hoje demonstraram que uma tendência com as nossas características não
pode se dar ao luxo de abrir mão de travar, com perfil próprio, a disputa na-
cional. Sempre que possível, devemos adotar a mesma política nos estados e
cidades. Se estivermos preparados para disputar com perfil próprio, podemos
fazer os ajustes e alianças que cada situação exija. Mas se não estivermos
preparados, seremos arrastados para soluções que não necessariamente são
adequadas à nossa política. A preparação inclui ampliar a filiação ao Partido e
ampliar a filiação a tendência; manter iniciativas comuns com outros setores
do Partido (com destaque para o Manifesto Petista e para a Elahp); preparar
desde já quadros que possam assumir a tarefa de compor e encabeçar chapas,
com atenção especial para mulheres, jovens e pessoas negras.
Um aspecto importante de nossa preparação para o PED 2025 é nossa con-
tribuição para atualizar o programa, a estratégia e os métodos de trabalho do
Partido dos Trabalhadores. Nesse sentido, a direção da tendência deve dedi-
car parte de seu tempo para estimular o debate sobre os seguintes temas: a
situação mundial, em particular a situação do capitalismo e as perspectivas
do socialismo; a situação nacional, em particular a crise e as perspectivas do
capitalismo e da luta pelo socialismo no Brasil, com destaque para o estu-
do das classes sociais e da luta de classe em nosso país; a análise crítica das
organizações políticas e sociais da classe trabalhadora, com destaque para o
movimento sindical e para as organizações partidárias, incluindo o PT e as
principais organizações que se propõem alternativas ao petismo (os partidos
e organizações comunistas, o PSOL e o PSTU, os grupos derivados do racha da
Consulta Popular); bem como enfrentar, com perfil próprio, os debates acerca
das questões ambientais, de gênero, geracionais e étnicas.
Para dar conta dessas tarefas, propomos que a próxima direção nacional
seja composta da seguinte maneira:
1/uma direção nacional composta por 16 integrantes, sendo no mínimo 8
mulheres;
2/uma executiva nacional composta por 6 integrantes, sendo no mínimo
3 mulheres;

60
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

3/nos dois casos (direção e executiva) garantir a cota étnica e geracional,


bem como buscar a participação de militantes não profissionalizados;
4/a direção (16, dos quais 10 não são da executiva e 6 são da executiva) se
reunirá de três em três meses, virtual e/ou presencialmente;
5/a executiva (6) se reunirá mensalmente, virtual e/ou presencialmente;
6/as pessoas que integrarão a direção devem ter i/acordo com a linha polí-
tica aprovada no Congresso; ii/capacidade dirigente; iii/disposição de assumir
tarefas, a começar pela participação nas reuniões periódicas;
7/lembrando que a direção nacional não é um parlamento representativo
das regiões, estados, setores etc., a nominata da direção nacional deve bus-
car ter pelo menos 1 dirigente residente em cada uma das grandes regiões
do país; deve buscar ter pelo menos 1 dirigente do movimento sindical, do
movimento estudantil, do movimento de mulheres, do combate ao racismo;
deve buscar ter pelo menos 1 parlamentar e 1 integrante do governo federal;
8/lembrando que a executiva nacional é uma instância, como diz o nome,
executiva, cada uma das pessoas que venha a participar dela devem assu-
mir pelo menos 1 das seguintes tarefas: secretaria geral e de organização;
comunicação; finanças; formação política; acompanhamento das direções
partidárias; acompanhamento da frente institucional. Além disso, as pesso-
as integrantes da executiva devem compartilhar as seguintes tarefas: acom-
panhamento dos setoriais da AE; acompanhamento da frente institucional;
acompanhamento dos movimentos sociais; acompanhamento da atuação da
AE nos estados. De forma que cada dirigente da executiva terá pelo menos
duas tarefas.

61
A Saúde como política pública
estratégica e de Estado

A Saúde como política pública estratégica e de Estado, democrática,


classista, anticapitalista e rumo ao socialismo

M ilitantes, filiados, simpatizantes, membros do quadro diretivo e parla-


mentares do PT integraram o Movimento pela Reforma Sanitária, nas
décadas de 1970 e 1980, assim como lutaram pelo acesso universal à saúde na
8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986.
No Congresso Constituinte de 1987-1988, nossa bancada de deputados
federais defendeu o Sistema Único de Saúde universal, público, gratuito e
estatal.
A “Saúde como direito de todos e dever do Estado” é uma conquista con-
sagrada pela Constituição de 1988, que deu início à implantação do SUS como
política pública, embasado nos pilares da universalidade, descentralização,
integralidade e controle social.
De lá para cá, mesmo com todas as interdições e descaminhos impostos
pelas forças neoliberais e de extrema direita que hegemonizam o sistema po-
lítico brasileiro, seja nos diferentes níveis do executivo, legislativo ou judiciá-
rio, assim como no setor privado da saúde e na mídia empresarial, a militân-
cia de esquerda e do Partido dos Trabalhadores segue lutando em diferentes
espaços, junto aos movimentos sociais, governos e conselhos de saúde, pela
consolidação de um sistema de atenção à saúde para todes, comprometido
com a intersetorialidade, a equidade e a integralidade de ações, uma vez que
o direito à saúde não se esgota no tratamento de doenças.
Para uma vida digna e saudável, a população precisa ter acesso à alimenta-
ção, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação,
comunicação, transporte, cultura, lazer e outros bens e serviços essenciais.
Como projeto, o SUS se contrapõe ao modelo de desenvolvimento capi-
talista, porque é uma política pública inclusiva e nacional, que demanda
ação integrada e capilarizada das diversas políticas sociais de um Estado for-

62
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

te, que ao ser implementado fere e busca superar interesses de quem defende
e atua para que a Saúde seja mercadoria.
Na década de 1990, a onda neoliberal dificultou, distorceu, mas não impe-
diu o processo de inclusão social estimulado pelo SUS, que adquiriu capilari-
dade em todo território nacional.
Desde então até hoje, é evidente o impacto positivo nos indicadores de
saúde, tais como: redução da mortalidade infantil, da mortalidade materna,
da mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias, bem como o aumento
da esperança de vida ao nascer da população.
Esses avanços convivem, entretanto, com uma precária estabilização do
financiamento do SUS, sabidamente insuficiente para sistemas universais
como o nosso e bem menor que o desejável. Além disso, parte importante
do financiamento do sistema é desviado em direção ao setor privado, bem
como a um insustentável modelo de atenção que prioriza a atenção especiali-
zada e de alto custo em detrimento da atenção básica e das ações de preven-
ção das doenças e promoção da saúde. Além de existir evidente desequilíbrio
entre as instâncias federal e estadual frente a sobrecarga dos municípios.
Também não foram consolidados e integrados sistemas transparentes que
possibilitassem um gerenciamento adequado, marcado pela disseminação ge-
neralizada da entrega e terceirização da gestão dos serviços à iniciativa pri-
vada; nem conseguimos por fim aos desmandos e à lucratividade desenfreada
dos planos e seguros saúde, que impactam nos gastos de trabalhadores com
bens e serviços privados de saúde, especialmente de idosos.
Na pandemia, em que prevaleceu no nível federal o obscurantismo mili-
tarizado e grotesco, violento e agressivo, configurado no genocídio e no ne-
gacionismo da necropolítica, o SUS salvoumilhões de vidas. Na contramão do
discurso imposto pelos neoliberais, que tanto influencia a cultura política do
nosso povo, grande parte da população pode enxergar no SUS uma estrutura
estatal de confiança; inclusive os monopólios de mídia foram obrigados a re-
tratar o sistema como uma solução, ainda que isto tenha sido facilitado pelo
fato de que o elogio dizia respeito a vacinação e ao combate a uma pandemia.

Governo Lula
No contexto do governo de coalizão encabeçado por Lula, o Ministério
da Saúde (MS) nestes primeiros meses, com Nísia Trindade e equipe, vem
acertando em suas prioridades, embora haja um longo caminho para reverter
as muitas perdas dos últimos anos.

63
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

A nova ministra, pela experiência gestora como autoridade sanitária e re-


conhecido compromisso com a saúde pública, com a ciência e com a democra-
cia, veio para coordenar e repactuar com as demais instâncias a retomada das
capacidades de governo, retirando os militares que colonizavam a estrutura
ministerial, concentrando esforços na reconstrução de políticas que estavam
enfraquecidas para responder às necessidades da população.
Sua gestão vem priorizando a emergência na saúde dos povos Yanomani
para, junto com outras instâncias governamentais, focar na reversão do ge-
nocídio em curso daquele povo; a recuperação das coberturas vacinais em
queda, atuando para retomar a credibilidade e a confiança nas vacinas com a
reorganização do Programa Nacional de Imunização;a realização de investi-
mentos contínuos em ciência, tecnologia e inovação, com a descentralização
da produção de bens de saúde como vacinas, medicamentos e equipamentos
médicos para reduzir a dependência em relação a importações; a criação de
condições financeiras para pagamento do piso da Enfermagem com a sanção
da lei que liberou aos estados e municípios o valor de R$ 7,3 bilhões para
garantia de fontes pagadoras para efetivação do piso, inclusive o retroativo a
maio comunicado durante a 17ª Conferência Nacional de Saúde (CNS); a reor-
ganização e recriação do Programa Mais Médicos, com o preenchimento total
das 6 mil vagas na primeira chamada, podendo alcançar mais 10 mil vagas
até o final deste ano, para as populações acessarem ações e serviços de saúde
em zonas remotas como as terras indígenas, quilombolas e as periferias das
grandes cidades, provendo profissionais com progressão de carreira, capaci-
tação, acesso a telemedicina e abertura de novas vagas para cursos de Medi-
cina voltados às necessidades da população e formação generalista; a libera-
ção de recursos para reduzir filas de cirurgias no SUS, com alcance de pelo
menos 24 estados desde fevereiro, através do Programa Nacional de Redução
das Filas, prevendo chegar a R$600 milhões em repasses até o final de 2023,
conforme planejamento e demanda dos estados e municípios para garantir
equipes cirúrgicas completas e melhorar o fluxo de atendimento prioritários,
de acordo com as realidades locais; a reaproximação do Ministério com o Con-
selho Nacional de Saúde (CNS), que é a principal instância de controle social
das políticas públicas de saúde no país, cujo presidente integrou o grupo de
trabalho temático sobre saúde na transição de governo, como também o pri-
meiro escalão do ministério voltando a participar de suas reuniões e a reto-
mada dos apoios à organização da 17ª CNS, realizada no início dejulho, e à 5ª
Conferência Nacional de Saúde Mental, que finalmente ocorrerá em outubro

64
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

deste ano, após vários adiamentos ocasionados pela falta de vontade política
de que ocorresse durante o governo anterior.
Mas a Saúde, nessa quadra histórica, na correlação de forças sociais em
disputa, acumula desafios muito espinhosos, que envolvem iniciativas que
transcendem a ação do MS, a começar por se manter a esquerda no comando
do Ministério, alvo central dos embates do governo Lula com o “Centrão” de
Arthur Lira, que reiteradamente chantageia o governo para se impor como
real governante do país. Foi um alívio de toda a militância do SUS quando, du-
rante sua fala na Conferência, Lula reafirmou que Nísia Trindade se man-
tém como ministra.
Para além desses gravíssimos enfrentamentos, estão colocados desafios
relevantes para nossas lutas em defesa do SUS 100% público, integral, equâ-
nime e democrático que dizem respeito ao desfinanciamento do SUS nos mar-
cos da implementação do novo marco fiscal, à avassaladora privatização da
gestão dos serviços e das ações assistências através da contratação maciça de
serviços privados de forma substitutiva aos serviços públicos estatais,desre-
gulamentação dos planos e seguros privados e insatisfatória ação gestora do
Estado brasileiro combinada com a precarização da força de trabalho da saú-
de e as ameaças renitentes ao cuidado em liberdade e antimanicomial para
viabilizar a reforma psiquiátrica no Brasil.

Novo Marco Fiscal (NMF) e a Saúde com um financiamento 100%


público, ampliado e sustentado
Em relação a este assunto, ratificamos o posicionamento indicado no
item “Iniciar um novo ciclo de desenvolvimento” do “Texto base do Oitavo
Congresso nacional da tendência petista Articulação de Esquerda” no que se
refere à Saúde, pois a terceira edição do Relatório de Projeções Fiscais, publi-
cação da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, ao confir-
mar que o “novo marco fiscal”, para ter sustentabilidade, deverá ser acompa-
nhado de mudanças nos recursos vinculados, coloca na linha de tiro os Gastos
Mínimos Constitucionais com Saúde e Educação.
Com isso nossa luta por um financiamento 100% público ampliado e sus-
tentado muda de patamar. Ou seja, se nem a direita neoliberal até agora ha-
via ousado desconstitucionalizar os investimentos em saúde e educação, com
este posicionamento da Secretaria do Ministério, nosso governo está ofere-
cendo ao congresso nacional, liderado pelo Centrão, para que as forças so-
ciais mais retrógradas se lambuzem com o que virá daí.

65
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

Junto a isso, a versão enviada pelo Senado para a Câmara manteve o piso
da Enfermagem dentro dos limites colocados do NMF, o que não vai ser alte-
rado na Câmara, como todes sabemos. Tudo indicando que a execução finan-
ceira do piso bancada pelo governo federal certamente será bem complicada
em 2024 e seguintes.
Supondo que a Câmara aprove o texto tal como está (ou o piore) na vol-
ta do Senado, não haverá como negar que passamos a ter dois problemas:
uma política monetária e uma política fiscal que não contribuem para o de-
senvolvimento, agora agravada pela ameaça real de desconstitucionalização
do piso da Saúde. O que nos obrigará a travar uma batalha imensa por uma
reforma tributária progressiva, que faça os ricos pagarem a conta.
Neste sentido, ratificamos a Resolução nº 715(20/07/2023), que contém as
orientações estratégicas para o Plano Plurianual e o Plano Nacional de Saú-
deprovenientes da 17ª Conferência Nacional de Saúde(17ª CNS), resultan-
te das formulações das 27 Conferências Estaduais e do Distrito Federal e das
99 Conferências Livres Nacionais, após intensa discussão na dinâmica da Con-
ferência, cujasprioridades para as ações e serviços públicos de saúde aprova-
das pelo Conselho Nacional de Saúde,estabelecem a garantia do financiamen-
to estável, adequado, suficiente e permanente da saúde.
Para que seja superada “a lógica ultraneoliberal derrotada nas eleições de
2022, que legou freios, tanto à política macroeconômica, quanto aos instru-
mentos de Estado que induzem o desenvolvimento e a garantia de direitos, o
Direito àSaúde, principal dever do Estado inscrito na Constituição, deve ser
um dos principaisinstrumentos para garantir a retomada do papel e fortaleci-
mento do Estado.” (Resolução 715, p. 4).
Nessa medida, a referida Resolução define que “a revogação das regras
fiscais constitucionais e legaisque restringem o financiamento das políti-
cas sociais foi reiterada, especialmente as que estabelecem tetos de despe-
sas para o desenvolvimento de ações eserviços de saúde, na perspectiva de
que saúde não é gasto, mas sim investimento. Não há economia sem vida, e
não há vida sem garantia de saúde para toda a população como um direito
humano.” (idem).
“Nessa perspectiva, é preciso uma reforma tributária justa, social e saudá-
vel, que desonere a produção e o consumo, ampliando a taxação sobre renda,
patrimônio e riqueza de modo que respeite a capacidade contributiva basea-
da em tributar mais quem tiver mais patrimônio, renda, riqueza eampliando
a taxação de produtos nocivos à saúde. Isso será mais um fator decisivo para

66
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

o crescimento e desenvolvimento econômico e social e para mitigar as exter-


nalidades causadas ao SUS.” (idem, p. 5)

Saúde como elemento estratégico na política de desenvolvimento


nacional do programa de governo de reconstrução e transformação
do Brasil. Em defesa do SUS 100% público e gradativamente estatal
Mantido o cenário atual ‒ onde convivem privatização e terceirização
na saúde, ausência de Carreira Única nacional, multiprofissional e pactua-
da do SUS, com compartilhamento interfederativo, incipiente integração sani-
tária no Sistema entre os entes federados, desfinanciamento a partir do Golpe
de Estado de 2016, imensa renúnciafiscal e desonerações diversas em favor
de entes privados ‒, serão imensos os obstáculos para a saúde se converter
em um elemento estratégico de uma política de desenvolvimento nacional.
Reforçando a deliberação da 17ª CNS que indica que “o Direito à Saúde,
principal dever do Estado inscrito na constituição, (que) deve ser um dos
principais instrumentos para garantir a retomada do papel e fortalecimento
do Estado.” (Resolução 715, p. 4), será preciso ampla discussão e mobilização
social para que a saúde seja umas das prioridades contínuas no Programa
de Reconstrução e Transformação do Brasil, que vem que sendo implementa-
do pelo governo Lula.
Ou seja, manter a saúde como componente fundamental na estratégia
de desenvolvimento nacional perpassa as questões econômica, social, sani-
tária, humanitária e política, pois visa conferir concretude aos pontos que se
seguem.
• Garantir a implantação e manutenção de uma política global em defesa
da vida de todas as pessoas.
• Garantir a adequada reprodução da força de trabalho nacional.
• Garantir a incidência direta da área da saúde no crescimento econômico
geral.
• Garantir a área da saúde como suficiente e permanente produtor de
bens e de serviços necessários à consecução das finalidades do SUS, tanto as
clínicas – com foco individual – quanto as coletivas – com foco na população.
• Garantir ao SUS o papel de orientador do desenvolvimento do Complexo
Médico e Industrial da Saúde do País, o que é fundamental para a soberania
nacional.
• Garantir ao aparato sanitário do SUS sua ampliação no território na-
cional, o que significará ampliar sobremaneira a força de trabalho em saú-

67
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

de – intensiva no emprego de mão-de-obra –; prover assistência à saúde da


população de regiões do País que convivem com vazios assistenciais; prover
equipamentos de saúde especializados – hospitais, centros especializados e
unidades de urgência e emergência – e equipes de vigilância em saúde em
regiões do País nas quais são insuficientes ou ausentes.
• Estancar e iniciar a reversão de toda sorte de privatização direta ou in-
direta do SUS, adotada pelo Ministério da Saúde e pelas Secretarias Estaduais
e Municipais de Saúde, ao lado da criação de Carreira Única nacional, multi-
profissional e pactuada do SUS, com compartilhamento interfederativo, con-
templando todas as profissões e ocupações existentes no Sistema.
• Estabelecer uma política de estruturação e ampliação da rede própria
de forma a paulatinamente substituir a rede privada contratada em todos os
níveis de atenção.
• Ampliar o Programa “Mais Médicos” para o “Mais Saúde” com a inclusão
de outras categorias profissionais fundamentais na estruturação da atenção
básica nos municípios.
• Instituir a contratualização direta entre os serviços da Rede SUS e as
respectivas gestões nos correspondentes níveis administrativos, garantindo
autonomia administrativa e financeira bem como a profissionalização da ge-
rência e gestão desses serviços.
Entendemos que combater a privatização no SUS significa também elimi-
nar todas as formas de gerência, gestão e ações assistenciais – como fundações
de direito privado, serviços sociais autônomos, EBSERH e congêneres -, que de
forma direta ou indireta retroalimentam o clientelismo e patrimonialismo no
Estado e atentam contra direitos básicos dos servidores públicos como a esta-
bilidade, que é a forma de garantir imunidade dos trabalhadores contra ações
fisiologistas de governos.

Pela ampliação do financiamento público do cuidado em


liberdade laico no SUS
O governo Lula incorporou importantes lutadores da reforma psiquiátri-
ca e sanitária para os quadros do Ministério da Saúde, que adotam as pre-
missas da Reforma Psiquiátrica, defendendo o cuidado em liberdade social,
territorial e comunitária e a redução de danos como diretrizes do atendimen-
to a usuários de substâncias psicoativas, destacados representantes dos mo-
vimentos sociais da luta antimanicomial no último período, que se somam
às ruas e ao controle social no SUS. Estes sujeitos trazem para disputa insti-

68
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

tucional a agenda de ampliação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em


consonância com a lei 10.216/2001, cuja implantação incompleta econturbada
em nossos governos, frontalmente atacada pós-golpe, é retomada pela prio-
rização dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centros de Convivência
e Cultura, Residências Terapêuticas, Oficinas de Geração de Renda, ou seja,
a implementação de diversos serviços substitutivos, a qual se agregou mais
recentemente, a interdição parcial e completa dos Hospitais Custódias no Bra-
sil, instituída pela resolução 487 do Conselho Nacional de Justiça apoiada pelo
Ministério da Saúde e entidades/movimentos sociais progressistas.
É neste cenário de avanços, que se apresentam também contradições. Se
em 2011, durante o governo Dilma, as Comunidades Terapêuticas (CT) foram
inseridas na RAPS, através da portaria 3.088/2011, agora em janeiro de 2023
foi anunciado um departamento das CT no Ministério do Desenvolvimento
Social, que consolidou recentemente sua nomenclatura em “departamento de
entidades de apoio e acolhimento atuantes em álcool e outras drogas”. Ação
de governo essa que favorece o setor privatista da saúde, a ala conservadora
da igreja e seus partidos, e os tratamentos para usuários em abuso/depen-
dência em substâncias psicoativas fora dos preceitos de direitos humanos.
Prevaleceu o financiamento de 214 milhões em 2023 para práticas asilares
não laicas focadas na abstinência. É importante destacar que as CT não se
enquadram na Resolução de Tipificação dos Serviços Socioassistenciais apro-
vadas no Conselho Nacional de Assistência Social (n. 13/2014) e possuem di-
versas denúncias de irregularidades em todo o Brasil, apontadas no Relatório
da inspeção nacional em CTs, elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia,
pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e pelo Ministério
Público Federal (2018).
Nesse sentido, defendemos que o governo Lula revogue o decreto federal
que cria tal departamento, como recomendou o Conselho Nacional de Saú-
de, e simultaneamente desenvolva ações, sob a coordenação do Ministério da
Saúde, voltadas ao controle e vigilância de modo a gradativamente extinguir
tais instituições, suspendendo a transferência de verbas públicas e definindo-
-as como asilos religiosos ou assemelhados, agenciando seu fechamento com
a retomada e fortalecimento dos serviços substitutivos na RAPS.
No que tange as deliberações da 17ª CNS, contidas na Resolução citada
anteriormente, sem que fosse mencionado o conflito interno ao governo que
mantém essa estrutura organizacional fomentadora das CTs, foi destacada
a necessidade dofortalecimento do Estado Democrático de Direito e efetiva-

69
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

ção do “Sistema Único de Saúde (SUS) universal e equânime, garantindo a


execução domatriciamento eficaz e regular em toda a Rede de Atenção Psi-
cossocial (RAPS), com ampliação da participação direta das pessoas usuárias
da RAPS econstrução de políticas públicas de saúde mental – no âmbito do
Controle Social – sob as bases da ética do cuidado humano compartilhado
em liberdade e datransparência do Estado, prezando pelo Bem-Viver e pela
dignidade do povo brasileiro, em particular pela emancipação das pessoas em
processo de sofrimento psíquico, e a inserção e valorização de profissionais
das referidas áreas” (idem, p. 6).
Sendo também reafirmada a necessidade de “ampliar a articulação da
rede de atendimentos da Atenção Básica promovendo ações de promoção,
prevenção e recuperação da saúde, incluindo a rede de atenção à saúde men-
tal, álcool e drogas, com incentivo à capacitação profissional para o atendi-
mento mais qualificado e humanizado, com a ampliação das equipes de saú-
de da família e apoio à rede de saúde mental.” (idem, p. 7)

A reconstrução do pacto federativo na Saúde


com efetiva regionalização e uma carreira
interfederativa, multiprofissional, única e nacional do SUS
Sem a vigorosa restauração democrática, sem pujante incremento do
número de empregos e restauração e aprofundamento dos direitos sociais, o
Brasil não superará o caos provocado pelos neofascistas, ultraliberais e neoli-
berais. Na verdade, além de melhorar os indicadores epidemiológicos e pro-
mover o bem-estar social, a política de saúde, a um só tempo, deve almejar
combater o desemprego e a desigualdade, contribuindo para o crescimento
econômico e a desconcentração de renda, em um novo ciclo de desenvolvi-
mento inclusivo com sustentabilidade ambiental.
O entrelaçamento entre política de saúde, crescimento econômico e de-
senvolvimento ficou evidenciado em plena pandemia de coronavírus, quan-
do, por exemplo, o mercado produtor nacional não fabricou luvas, nem se-
ringas, tampouco agulhas e conjunto de testes diagnósticos em quantidade
suficiente para que pudéssemos combater a pandemia. Isso demonstrou que,
em nome da soberania sanitária, é estratégico o papel do SUS como instância
de dinamização dos complexos econômico-industriais produtivos em saúde.
A sustentabilidade e o futuro do SUS, estão umbilicalmente ligados ao
compromisso de luta contra a privatização do sistema de saúde e contra as
diversas formas de mercantilização no seu interior, mediante a reversão gra-

70
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

dual, organizada e acelerada da privatização até agora existente, criando as


bases econômicas e institucionais para a reconstrução do Estado na área da
saúde. Boa parte dos problemas de gestão do SUS decorrem do seu sucatea-
mento e o Estado, sob controle social, deve privilegiar a progressiva e defini-
tiva alocação de recursos financeiros para a administração pública direta e
indireta, como reza a Lei Orgânica da Saúde, até efetivamente os recursos pú-
blicos serem investidos de forma planejada apenas nas instituições públicas
estatais, ficando a compra de serviço privado complementar destinada para
as necessidades imprevistas e emergenciais.
Destacamos as questões nacionais de fundo que devem ser enfrentadas
para a sustentabilidade e o futuro do SUS por um governo de reconstrução e
transformação nacional, conforme enfatizaremos nos pontos que se seguem.
Estancar e reverter toda sorte de privatização direta ou indireta do Siste-
ma adotada pelo Ministério da Saúde e pelas Secretarias Estaduais e Munici-
pais de Saúde, porque:
• os processos de privatização direta ou indireta, inclusive da gestão, que
foram se amiudando no SUS nos últimos 20 anos, tornaram-no mais custoso
ao Erário Público do que se fosse operado exclusivamente pelo Poder Público;
• do ponto de vista da gestão do cuidado fornecido às pessoas e da mul-
tiplicidade de serviços prestados aos cidadãos e às cidadãs que envolvem o
cuidado às pessoas, tornaram-no incontrolável;
• existem evidências sólidas, extraídas da experiência internacional, so-
bre o modo mais efetivo para organizar a saúde, ou melhor, Sistemas públicos
e nacionais têm melhor desempenho que modelos privados.
Impõe-se que a União e todos os Estados da Federação (re) assumam pro-
tagonismo maior e de novo tipo no Sistema, dando um basta ao sacrifício que
se impôs historicamente às municipalidades e, assim, garantindo a efetiva in-
tegração sanitária sistêmica entre os entes federados e a natureza nacional
do SUS.
Múltiplos fatores na evolução histórica do SUS determinaram a fragmen-
tação do Sistema em redes de unidades de saúde dos entes federados – Muni-
cípios, Estados, Distrito Federal e União – em função do Ministério da Saúde
e as Secretarias Estaduais de Saúde não terem conseguido integrar o apara-
to sanitário nacional ao longo do tempo. Tal fragmentação é aprofundada
pela existência de:
• múltiplas lógicas organizativas no Sistema (administração direta e indi-
reta, contratos e convênios, organizações sociais – OS e outros);

71
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

• relação existente entre hospitais e ambulatórios privados e filantrópicos


e o SUS, há décadas, sobre os quais os gestores públicos têm baixa capacidade
de controle e governabilidade;
• crescente – e destrutiva! – privatização da gestão de serviços e de redes
de unidades de saúde municipais e estaduais, criando-se nos territórios de en-
tes federados gestores privados com poder e autonomia para definir política
de pessoal, estratégias de cuidado de usuários, entre outros.
Urge conferir uma nova institucionalidade para o SUS, o que pressupõe
lutar pela organização e a operacionalização do SUS a partir das 438 Regiões
de Saúde existentes no país – processo denominado regionalização previsto
na Constituição Federal de 1988 –, buscando superar a fragmentação e garan-
tir a integração sanitária do Sistema.
O processo de regionalização demanda o forte protagonismo das Secreta-
rias Municipais de Saúde, das Secretarias Estaduais de Saúde dos Estados e do
Distrito Federal, compartilhado necessariamente com o Ministério da Saúde,
tratando-se de uma cogestão entre os entes federados cuja institucionalização
requer aprovação de lei federal específica.
Lei federal específica com tal finalidade – organização e a operacionaliza-
ção do SUS a partir das Regiões de Saúde existentes no país – pode ensejar a
criação de uma estrutura administrativa estatal nacional, gerida pela Comis-
são Intergestores Tripartite – Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Se-
cretários de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional das Secretarias Municipais
de Saúde (CONASEMS) –, sob o acompanhamento do Conselho Nacional de
Saúde, no plano federal.
Manter-se-iam, com a ampliação da complexidade de suas funções, o pa-
pel institucional das Comissões Intergestores Bipartite estaduais – Secretarias
Estaduais de Saúde e Conselhos de Secretários Municipais de Saúde de cada
Estado da Federação (COSEMS) – e Conselhos Estaduais de Saúde, no plano es-
tadual; das Comissões Intergestores Regionais – representantes regionais de
Secretarias Estaduais de Saúde e os Secretários Municipais de Saúde de muni-
cípios localizados em cada Região de Saúde de cada Estado da Federação, no
plano regional; e das Secretarias Municipais de Saúde e Conselhos Municipais
de Saúde, no plano municipal.
Lei federal específica com tal finalidade – organização e a operacionaliza-
ção do SUS a partir das Regiões de Saúde existentes no país – pode decorrer,
eventualmente, em outro arranjo jurídico.
Criação de Carreira Única nacional e multiprofissional pactuada do SUS,

72
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

com compartilhamento interfederativo, contemplando todas as profissões


e ocupações existentes no Sistema, na qual seja implantado Plano de Carreira,
Cargos e Salários do SUS, que contemple cargos de comando e assessoria téc-
nica na carreira do SUS, cujo concurso de ingresso tome como referência ter-
ritorial o Estado da Federação e que, na sua estruturação, possibilite a adesão
de funcionários municipais, estaduais e federais. Enfim, faz-se tarde a criação
de tal instrumento potente para conferir prioridade e nobreza à profissiona-
lização do trabalho no setor público de saúde no Brasil.
Ressaltamos que, ainda que um processo de transformação do Brasil pres-
suponha mudar a essência da chamada lei de responsabilidade fiscal – LRF no
sentido de substituí-la por legislação de responsabilidade social, em caráter
emergencial, é necessário lutar para que sejam retirados os funcionários da
área da saúde – Municípios, Estados, Distrito Federal e União – da base de
cálculo da chamada LRF, porque a área da saúde é intensiva no emprego de
mão-de-obra, além de também ter atribuições de fiscalização e controle que
lhes são próprias e são destinadas a preservar a saúde e a vida das pessoas.
É preciso, igualmente, conhecer e eliminar os fatores que causam as doen-
ças, sendo hoje os principais determinantes a superexploração do trabalho, a
desigualdade, a pobreza, a fome, o desemprego, a violência, o analfabetismo
e a destruição do meio ambiente. É preciso água de qualidade, saneamento
básico em cada moradia, alimento sem agrotóxico em toda mesa e transporte
público adequado para todas e todos.
Esse conjunto de medidas representa um desafio gigantesco, mas com
o apoio das frentes políticas e movimentos populares e democráticos esta-
riam reunidas condições mais favoráveis para a luta pela realização dessas
reformas estruturais. É uma tarefa extraordinária, mas, neste momento, é
vital valorizarmos a solidariedade entre as nações, bem como a função social
da propriedade, o planejamento e o mercado interno, desprivatizando, assim,
o fundo público e incorporando a sociedade civil autenticamente representa-
tiva, consciente eorganizada no processo decisório governamental.
A resolução citada que aponta as deliberações estratégicas da 17ª CNS, em
relação a estes pontos, também vai no mesmo sentido do que defendemos, o
que podemos verificar em algumas de suas principais deliberações:
• “Estruturar Redes de Atenção à Saúde integrais e resolutivas por Regiões
de Saúde, ordenadas pela Atenção Básica (AB) em saúde e aos diferentes gru-
pos populacionais em suas demandas e necessidades de saúde, com financia-
mento tripartite, qualificação do acesso e Educação Permanente,monitoradas

73
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

pelo controle social em todos os níveis para a garantia dos direitos, da vida e
da democracia.” (idem, p. 6)
• “Implementar o SUS através de serviços e servidores públicos, superan-
do todas as formas de privatização na saúde (OS, OSCIP, PP, FEDP,EBSERH),
com instituição de cronograma de ações para esse fim.” (idem, p. 8)
• “Valorizar e intensificar ações em defesa do SUS, do exercício pleno da
democracia, da vida, da diversidade de realidades e da livre determinaçãodas
pessoas usuárias, através da mobilização social, combatendo qualquer inicia-
tiva de privatização, terceirização e monetarização das ações e serviçospúbli-
cos de saúde.” (idem, p. 8)
• “Desenvolver a capacitação profissional e expansão das unidades pú-
blicas de saúde da administração direta com o fortalecimento das pactua-
ções regionais assegurando o financiamento do SUS de forma a alcançar
sua sustentabilidade e fortalecer os processos de transparência no uso dos
recursospúblicos.” (idem, p. 9)
• “Reorganizar o SUS com planejamento intersetorial e ações transparen-
tes, mapeando e qualificando a força de trabalho, promovendo aredução de
déficits profissionais, ampliando o acesso aos serviços de saúde com quali-
dade e com critérios técnicos, com financiamento adequado nas trêsesferas
de governo, promovendo acesso à assistência para todas as pessoas, com a
capacidade de absorção em todos os níveis de atenção.” (idem, p. 9)
• “Criar a Carreira Única Interfederativa, com financiamento triparti-
te, piso salarial nacional para todas as categorias profissionais, com contra-
tação exclusiva por concurso público, combate à terceirização, valorização
das pessoas trabalhadoras da saúde e priorização das que trabalham no ter-
ritório, ampliação das políticas de educação permanente, atendendo as re-
ais necessidades da população brasileira.” (idem, pp. 12-13)
• “Fomentar o trabalho decente e a desprecarização de vínculos trabalhis-
tas para profissionais do SUS, incluindo profissionais dos Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (DSEI’s), por meio do fortalecimento e integração ensi-
no-serviço-comunidade e o controle social no SUS, dialogando com a Política
Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) de acordo com
a Portaria GM/MS nº1.823/2012.” (idem, p. 13)
• “Garantir o financiamento adequado, transparente e suficiente para o
desenvolvimento democrático, bem como a sustentabilidade orçamentária
do SUS, respeitando as diferenças regionais, o planejamento, o perfil epide-
miológico, o demográfico e o socioeconômico, a partir do fortalecimento daA-

74
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

tenção Básica (AB) em saúde e do diagnóstico loco regional, a fim de induzir


o planejamento, a regionalização, a construção de redes de atenção.”(idem,
p. 9)
• “Revogar as regras fiscais que estabelecem teto das despesas primárias,
especialmente desvinculando as despesas com ações e serviços públicos de
saúde do teto de gastos da União, revisar o pacto federativo,garantindo e
regulamentando critérios de transferências federais do Fundo Nacional de
Saúde, que garanta maior parcela aos municípios, nos termos da LC 141/2012,
inclusive para regulamentar a atualização dos valores e parâmetros de habi-
litação de novos serviços e reajustes periódicos da tabelaSUS, com a ruptura
com o subfinanciamento e a política de austeridade neoliberal, para respon-
der às necessidades da população.” (idem, p. 9)
• “Aumentar o orçamento do SUS, duplicando os recursos com a soma dos
investimentos de União, Estados e Municípios para totalizar o equivalente à
6% do Produto Interno Bruno (PIB) para a saúde pública, por meio da insti-
tuição de uma Política Econômica e Política Fiscal que promova a redução
da taxa de juros, eleve o piso mínimo federal para Ações e Serviços Públicos
de Saúde (ASPS), progressivamente, inicialmente até o ano de 2027,para R$
1.000,00 (um mil reais) per capita (a preços de 2021), levando em considera-
ção as necessidades sociais em saúde, que eleve os tributos de produtos noci-
vos à saúde, de modo a possibilitar o crescimento e a retomada do desenvol-
vimento com justiça social e o fortalecimento das políticas sociais, em especial
da seguridade social no país.” (idem, p. 10)
• “Ampliar a participação da União no gasto público em saúde, com reor-
ganização do pacto federativo, para que o gasto público corresponda no míni-
mo a 60% do gasto total em saúde.” (idem, p. 10)
• “Efetivar a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da Po-
pulação Negra, considerando os atravessamentos do racismo estrutural visan-
do a construção do Estado-Nação antirracista ao enfrentar políticas públicas
neoliberais, tais como abertura do SUS à exploração pelo capital estrangeiro,
conforme o Art. nº 142 da Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, que altera a
Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.” (idem, p. 11)
• “Garantir o Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS) como uma
política de Estado sistêmica e comprometida com as demandas dasociedade
brasileira e com o tratamento isonômico entre diferentes atores e atrizes
envolvidas, a fim de garantir o acesso universal, equânime e integral atec-
nologias que aumentem a qualidade de vida das pessoas e assegurem o de-

75
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

senvolvimento produtivo e de inovação no país, para redução da depen-


dênciatecnológica, com a participação dos diferentes atores envolvidos na
construção do CEIS, de modo a assegurar respeito aos princípios democráti-
cos que regem o SUS.” (idem, p. 10)
Por fim, respaldados pelas deliberações da 17ª CNS, devemos cerrar filei-
ras e organizar a luta em torno da defesa, da ampliação e do aprofundamento
do SUS, conforme foi inscrito na Constituição Federal de 1988 – CF de 1988, a
saber:
• um SUS de fato nacional – urge que a União e os Estados da Federação
(re) assumam protagonismo maior e de novo tipo no Sistema dando um basta
no sacrifício que se impôs historicamente às municipalidades;
• um SUS de fato único – urge superar a fragmentação do Sistema em
redes de entes federados que podem fazer – e fazem – o que querem, porém
guardam entre si insuficiente interação sistêmica, fragmentação essa agudi-
zada pela avassaladora privatização de redes públicas de saúde por meio de
Organizações Sociais;
• um SUS de fato público – urge estancar e reverter toda sorte de privati-
zação direta ou indireta do Sistema, a começar por aquela realizada por meio
de Organizações Sociais;
• um SUS de fato universal – para todos os brasileiros e todas as
brasileiras;
• um SUS de fato com carreira de âmbito nacional– urge criar uma
Carreira Única nacional, multiprofissional e pactuada do SUS, com compar-
tilhamento interfederativo, contemplando todas as profissões e ocupações
existentes no Sistema, que na sua estruturação possibilite a adesão de funcio-
nários municipais, estaduais e federais, cujo concurso de ingresso tome como
referência territorial o Estado da Federação;
• um SUS de fato com renovada e deliberativa participação da comu-
nidade; e,
• um SUS de fato com financiamento adequado – bloqueado desde o
seu nascedouro pela classe dominante brasileira que agiu politicamente
para obstaculizar o suficiente financiamento federal e, desse modo, dificultar
sobremaneira a implantação plena do Sistema.
Encerramos esta resolução chamando a atenção para a resolução 715 do
Conselho Nacional de Saúde, com as propostas estratégicas aprovadas pela
17ª CNS, resolução que afirma o seguinte: “Garantir os direitos sexuais e os
direitos reprodutivos das mulheres, meninas e pessoas que podem gestar ten-

76
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

do por base a justiça reprodutiva e atenção à saúde segundo os princípios


do SUS, considerando os direitos das pessoas que menstruam e daquelas que
estão na menopausa e em transição de gênero, tendo em conta, no sistema
de saúde, a equidade, igualdade com interseccionalidade de gênero, raça/et-
nia, deficiência, lugar social e outras”. Entretanto, para garantir os direitos
das mulheres, é preciso ir muito além. A atual legislação brasileira prevê, sob
imensas restrições, o direito ao aborto apenas quando há risco de vida para
a gestante ou quando a gravidez resultou de estupro. E a jurisprudência am-
pliou esse direito nos casos de anencefalia. Entretanto, em inumeráveis casos
este direito previsto em lei não é efetivamente garantido, seja por indevida
interferência judicial, seja por negação de atendimento por parte de profis-
sionais de saúde que alegam objeções éticas, seja por outros motivos. Além
disso, há um grande número de mulheres que, tendo optado pelo aborto fora
das situações previstas na lei e na jurisprudência, recorrem a procedimentos
e métodos que, quando não causam a morte, causam brutais sequelas, tanto
psicológicas quanto físicas; e quando essas mulheres buscam o auxílio mé-
dico adequado, não raro são submetidas a violência psicológica e processos
judiciais, inclusive algemadas aos leitos hospitalares. É preciso garantir o que
está previsto lei. É preciso, além disso, alterar a legislação que criminaliza o
aborto. E é preciso, finalmente, reconhecer o direito das mulheres a decidir
sobre suas vidas. Não se trata, como dizem as fake news da extrema-direita,
de banalizar o aborto, convertê-lo em método contraceptivo ou desconsiderar
os direitos das crianças. Nos países onde o aborto é legalmente permitido, de-
senvolveram-se procedimentos extremamente rigorosos, que garantem o di-
reito das mulheres e protegem sua saúde, além de oportunizar a essas mulhe-
res o acesso a métodos contraceptivos. Mas, como sabemos, vivemos num país
em que até há pouco não havia lei contra o fato das mulheres receberem, para
fazer o mesmo trabalho, menos do que os homens; um país onde o feminicídio
e o estupro são diários; um país onde, até agosto de 2023, a “legítima defesa da
honra” podia ser usada como argumento judicial. Num país assim, nada mais
natural do que haver imensa oposição a que exista o direito ao aborto legal,
seguro e realizado na rede pública. Mas seguiremos lutando por este direito,
que na prática é garantido às mulheres ricas e negado às mulheres pobres.

77
Desafios da educação no terceiro
governo Lula

O s seis anos dos governos golpista e de ultradireita provocaram um des-


monte inédito da educação pública, do ensino infantil ao superior. O
ministério da Educação viveu um período de profunda turbulência, marcada
não só por muitas trocas de ministros, mas também por idas e vindas em
programas e políticas.
O financiamento da educação foi afetado pela EC 95 - a chamada “emenda
do teto dos gastos” - e por cortes de recursos em todas as etapas da educação,
o que inviabilizou o pagamento de despesas básicas, desde água e energia até
a extensão da investigação e pesquisa.
O desmonte da educação básica seguiu com a imposição de uma contrar-
reforma do ensino médio, o aumento das chamadas Escolas Cívico Militares,
o desmonte da oferta da Educação de Jovens e Adultos (EJA), o fechamento
de turmas e turnos, o total engavetamento do Plano Nacional de Educação do
decênio 2014-2024 e a tentativa de desmonte do FUNDEB.
O terceiro governo Lula iniciou tendo que lidar com esta herança maldita,
deixada pelos governos golpista e de extrema-direita.
Neste contexto, saudamos enfaticamente a recomposição – decidida pelo
governo Lula - do Fórum Nacional de Educação, que terá como uma das prin-
cipais tarefas construir o documento que servirá de subsídio para a constru-
ção do Plano Nacional de Educação para o decênio 2024-2034.
Entretanto, o presidente Lula indicou, para ministro da Educação, um se-
nador que, quando governador do Ceará, manteve uma relação intensa com
setores empresariais da educação e com o chamado “modelo Sobral”.
Não admira que, embora este ministro seja filiado ao PT, na composição
da equipe do ministério, tenham grande espaço quadros oriundos do PDT ci-
rista e vinculados às pautas defendidas por fundações empresariais, que não
mantêm quaisquer elos com os movimentos sociais que deram sustentação
à eleição de Lula. Destaque-se a incidência de grupos empresariais como o

78
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

Todos pela Educação e a Fundação Leman.


Uma das decorrências disto é que, passados sete meses do governo, se-
guem em disputa medidas que deveriam ter sido tomadas imediatamente,
como a Revogação da Reforma do Novo Ensino Médio e o tema das escolas
cívico militares.
O Novo Ensino Médio está a depender da Consulta Pública lançada pelo
MEC, num formato bastante contestado pelos defendem padrões mais conso-
lidados de participação social. Quanto às escolas cívico-militares, o MEC final-
mente determinou o encerramento gradual até o final do ano, mas segue a
disputa contra quem defende o modelo.
Além disso, ainda não recebeu um encaminhamento explícito e consis-
tente um dos temas mais importantes da herança maldita de Bolsonaro, a
saber, as consequências da pandemia para uma geração inteira de crianças
e adolescentes.
Em relação ao financiamento da educação, a garantia da educação pú-
blica e a valorização dos trabalhadores da educação estão submetidos aos li-
mites impostos pelo Novo Arcabouço Fiscal, que pode se agravar ainda mais
a depender do que a Câmara dos Deputados decida a respeito. Lembramos
que o Senado retirou o Fundeb do cálculo dos limites, mas a disputa segue na
Câmara dos Deputados. Caso a Câmara altere o que foi aprovado no Senado,
isto pode inviabilizar a aplicação do piso tal como hoje está previsto em lei.
Além disso, o Novo Arcabouço Fiscal tem como efeito colateral a ameaça
aos mínimos constitucionais da saúde e da educação. Setores do governo já
vem sinalizando no sentido de mudar os indicadores, tentativa que se tiver
curso será – em nossa interpretação – o ponto de partida para a tentativa de
desconstitucionalizar os mínimos.
De conjunto, temos como tarefa disputar a concepção de educação que
defendemos e avançar nas seguintes pautas:
1.Revogar o Novo Ensino Médio e retomar na composição curricular das
disciplinas que compõem as áreas de conhecimento indispensáveis à forma-
ção integral da juventude brasileira;
2.Acabar definitivamente com as Escolas Cívico Militares e retomar a con-
cepção democrática naquelas escolas onde o modelo foi implantado.
3.Manter o FUNDEB fora dos limites do chamado novo arcabouço fiscal.
4.Regulamentar questões fundantes para expandir o financiamento da
educação, a exemplo da regulamentação do Custo Aluno Qualidade (CAQ).
5.Garantir a valorização dos profissionais da educação, fortalecendo o

79
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

Piso Salarial Nacional, exigindo o cumprimento de 1/3 da jornada para ativi-


dades extraclasse e regulamentando, mediante lei específica, uma proposta
de Carreira Nacional.
6.Enfrentar e barrar a interferência das empresas privadas no MEC, tanto
no aspecto pedagógico como financeiro. Dinheiro público para a educação
pública.
7.Regulamentar a Gestão Democrática do Ensino, na perspectiva de ga-
rantir a autonomia dos sistemas de ensino.
8.Romper definitivamente com o modelo de avaliações externas baseadas
em provas, que têm por objetivo a premiação ou a punição.
9.Garantir o direito à educação a todas e todos, fortalecendo a Educação
de Jovens e Adultos (EJA), a Educação do Campo, Indígena e Quilombola.
10.Construir as Conferências Extraordinárias de Educação - municipais,
estaduais e nacional - convocadas pelo Fórum Nacional de Educação para os
meses de outubro e novembro de 2023 e janeiro de 2024.
11. Desenhar um plano para enfrentar as consequências da pandemia,
que comece com o mapeamento dos seus efeitos sobre crianças e adolescentes
da rede pública.
12. Consolidar a Escola em Tempo Integral e expandir o modelo para todo
o país
13. Fortalecer o PNAES (Plano Nacional de Assistência Estudantil), incluin-
do um plano de equalização de condições de estudo em todas as IES do país.
14. Retomar o plano de ampliação do ensino superior, por meio da cons-
trução de Universidades Federais e Institutos Federais.
15.Garantir, fortalecer e ampliar os mínimos constitucionais e a lei de
cotas.
16.Divulgar amplamente o alcance das metas do Plano Nacional de Edu-
cação (PNE) 2014-2024 e o diagnóstico da educação brasileira decorrente do
legado de desmonte e destruição de políticas públicas firmada pelo governo
Bolsonaro.
#
Para atingir todos estes objetivos, temos como tarefa mobilizar o conjun-
to da classe trabalhadora, a começar pelos trabalhadores e trabalhadoras da
educação, para ocupar as ruas e disputar os rumos da educação brasileira.
De imediato, é necessário construir grande mobilização para o ato do dia
9 de agosto, em Brasília, convocado pela CNTE.

80
A frente de batalha da comunicação

D ecorridos os primeiros sete meses do terceiro mandato do presidente


Lula, já é possível enxergar com nitidez uma série de questões que dizem
respeito às políticas de comunicação social praticadas pelo governo federal e
ao relacionamento entre este e as diferentes mídias, especialmente os con-
glomerados de rádio e TV, bem como as grandes plataformas transnacionais
e suas respectivas redes sociais, e que merecem a atenção do nosso partido.
O recente ataque explícito de veículos do Grupo Globo à indicação do
companheiro Márcio Pochmann para presidir o Instituto Brasileiro de Ge-
ografia e Estatística (IBGE), ataque capitaneado pela principal porta-voz do
jornalismo econômico pró-neoliberalismo, é sinal de que pouco mudou nes-
ta seara mesmo em tempos de “frente ampla”. O alinhamento incondicional
do oligopólio midiático em defesa do presidente do Banco Central, nomeado
por Bolsonaro, e da assim chamada “independência” do BC é outro exemplo
pedagógico de comportamento político fortemente enviesado em favor das
políticas neoliberais.
Vale lembrar sempre e esquecer jamais que a ofensiva do oligopólio midi-
ático contra o PT e contra o governo Lula (especialmente a partir do episódio
do “Mensalão” em 2005), e mais adiante contra o governo Dilma, foi essencial
para a vitória do golpe de 2016; para a condenação e prisão de Lula; e, por
fim, para a eleição de um presidente de extrema-direita, pavimentando assim
a marcha dos neofascistas em direção ao Planalto.
Mesmo quando se opuseram em outras questões, esses grandes meios de
comunicação deram apoio integral às políticas neoliberais dos governos Te-
mer e Bolsonaro. Sua ação foi determinante, por exemplo, para convencer os
setores populares a mudarem de opinião e passarem a apoiar a criminosa re-
forma da Previdência Social proposta por Paulo Guedes e Bolsonaro, ao pro-
pagandear diariamente as supostas virtudes da reforma e, ao mesmo tempo,
omitindo a retirada de direitos e calando as vozes críticas.
Nos dias de hoje, o oligopólio midiático tenta enquadrar o terceiro manda-

81
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

to de Lula, aproveitando-se para isso de seu papel hegemônico na construção


de sentidos na sociedade, do seu alcance na formação de valores e opiniões.
Embora tenha perdido parte de sua influência e de suas bilionárias receitas
publicitárias para as grandes plataformas transnacionais, o oligopólio tradi-
cional ainda é forte o bastante para propor (ou vetar) agendas e para atuar no
plano político nacional.
No plano mundial, as comunicações são hoje dominadas por poucos
conglomerados transnacionais que atuam no processo de convergência tec-
nológica entre novas e antigas plataformas (TV aberta, por cabo e satélite,
rádio, imprensa, telecomunicações e Internet), avançando sobre os sistemas
de mídia de todo o mundo. Além do poder oriundo do domínio do fluxo inter-
nacional de informação, estes grupos enxergam na indústria da cultura um
lucrativo mercado.
Emissoras de rádio e a TV dependem de concessões públicas, uma vez que
o espectro eletromagnético é responsabilidade do Estado. As concessões são
para emissoras comerciais — emissoras educativas recebem autorizações e
rádios comunitárias recebem permissões. A duração das concessões é de 15
anos para TV e 10 anos para rádio, podendo ser renovadas. Porém, sua não
renovação depende da votação nominal de 2/5 do Congresso Nacional.
As gestões petistas anteriores praticaram uma política de comunicação
tradicional, apesar de iniciativas importantes em sentido contrário, que ter-
minaram abortadas, engavetadas ou mesmo desvirtuadas. O projeto governa-
mental de criação de uma nova legislação para o audiovisual e de uma agên-
cia para esta área (Ancinav), torpedeado pelo Grupo Globo, é um exemplo
marcante a demonstrar a prevalência dos interesses da radiodifusão comer-
cial nas políticas adotadas para o setor.
A realização da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em
2009, foi um fato notável, mas quase nenhuma de suas mais de 600 resolu-
ções chegou a ser implementada pelo governo. A democratização dos meios
de comunicação, principal finalidade da Confecom, é fundamental para que
o Brasil se torne uma sociedade mais justa e democrática. O sistema atual de
mídia é um potente antagonista de qualquer projeto sério de combate à enor-
me desigualdade social que caracteriza nosso país e que serve de permanente
fermento do neofascismo.
Neste sentido, surpreende que o Grupo Globo volte a ser favorecido, em
especial no tocante à destinação de verbas publicitárias. Assim, apenas no pri-
meiro semestre de 2023 esse conglomerado recebeu mais de R$ 54 milhões da

82
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

Secretaria de Comunicação Social (Secom). Mesmo levando-se em conta que o


governo não poderá prescindir de publicidade em certa escala, há que ocor-
reu nos mandatos anteriores, que destinaram bilhões de reais a esse grupo de
mídia que não hesitou em projetar politicamente a Operação Lava Jato, legi-
timá-la e aliar-se a ela para que cometesse, deliberadamente, o maior “erro”
judicial da história recente do Brasil.
Tarefa fundamental do governo é garantir a existência dos sistemas esta-
tal e público de comunicação. O primeiro deve servir como meio legítimo de
difusão das informações de interesse dos três poderes que compõem o Estado,
nos três níveis da Federação. Já o sistema público deve produzir conteúdos
de finalidade educativa, cultural e artística e dar voz às expressões diversas
da sociedade organizada, com autonomia e gestão participativa. O sistema
privado deve ser regulado e controlado: a Constituição proíbe expressamente
o monopólio.
O segundo mandato do presidente Lula já deu um passo importante nessa
direção, ao criar a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e iniciar a reconstru-
ção de sistema público de rádio e TV. A EBC, no entanto, tornou-se alvo do go-
verno Temer, que cassou o mandato de seu presidente e do Conselho Curador
da estatal; e depois do governo Bolsonaro, que nomeou generais para dirigir
a empresa e cerceou a atividade de seus jornalistas. A direção atual, nomeada
pelo governo Lula, tem adotado práticas controvertidas e sua relação com os
sindicatos que representam os trabalhadores é difícil, o que compromete uma
gestão mais democrática.
A TV Brasil precisa ser fortalecida por meio de crescentes investimentos
e dotada de maior alcance. Junto à rede de emissoras encabeçadas pela TV
Brasil, o sistema público de comunicação deve comportar também as outras
emissoras do chamado campo público: as universitárias, comunitárias e legis-
lativas. A rádio comunitária é, hoje, um dos principais instrumentos de pro-
moção do direito à comunicação.
Há necessidade de imediata revisão dos mecanismos de outorga de canais
de rádio e TV, concessões públicas que vem sendo historicamente tratadas
como propriedade absoluta por parte das emissoras de radiodifusão, muitas
das quais estão em situação de flagrante ilegalidade. A lei precisa ser cumpri-
da e devem ser adotados critérios e mecanismos para que a população possa
avaliar e debater não somente a concessão e renovação de outorgas mas tam-
bém o conteúdo transmitido.
No combate ao quadro de “terra sem lei” do sistema de concessões, o Par-

83
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

tido dos Trabalhadores deve se juntar à luta da sociedade organizada para


concretizar os preceitos da Constituição que estabelecem a proibição do mo-
nopólio na mídia e exigem conteúdos que privilegiem a educação, a cultura e
a arte nacionais e promovam a produção independente e regionalizada.
No campo da radiodifusão comunitária, o PT defende a adoção de uma
política clara que crie condições para que um número cada vez maior de loca-
lidades possa contar com essas emissoras. Esta política deve ampliar o núme-
ro de frequências para estas emissoras, ampliar os limites de área e potência
de alcance (hoje restritos a 1 km de raio e 25 watts) e garantir seus meios de
sustentabilidade financeira.
Para manter o caráter democrático e popular das rádios comunitárias, é
preciso ainda criar instrumentos que coíbam a apropriação dessas emissoras
por grupos políticos e religiosos locais – processo que reproduz a lógica dos
grandes negócios da comunicação e que nossos governos anteriores não fo-
ram capazes de evitar.
A atual gestão federal tem adotado práticas importantes, como a criação
de estruturas que coordenem o combate às fake news, o PodCast do presi-
dente Lula e o lançamento do CanalGov. Todas estas iniciativas devem estar
articuladas com uma ação efetiva no cumprimento da tarefa de construir um
novo marco institucional para as comunicações. Este processo de elaboração
de novas normas para o setor deve responder aos problemas apresentados
frente ao novo cenário da convergência de tecnologias, serviços e conteúdos
na perspectiva de democratizar a mídia no Brasil, o que inclui combater o po-
der desmedido das grandes plataformas virtuais transnacionais (Meta, Goo-
gle e outras) e regulá-las.
Por fim, o PT deve apoiar os movimentos que lutam para que estes e ou-
tros temas sejam debatidos numa ampla, democrática e participativa Confe-
rência Nacional de Comunicação, a 2a Confecom, construída a partir de eta-
pas estaduais e regionais e que tenha como objetivo apontar diretrizes para
as políticas do setor. O PT não medirá esforços para ajudar a mobilizar a so-
ciedade em torno do assunto.
Por outro lado, o PT tem que adotar medidas para a construção de uma
efetiva “política de comunicação de massas”, que lhe permita comunicar-se
diretamente com suas filiadas e seus filiados e com suas bases sociais, sem de-
pender da mediação deformada imposta pela mídia. O PT precisa construir e
operar seus próprios meios de comunicação, além de articular-se de maneira
efetiva com aqueles de caráter alternativo, sem ficar refém das empresas da

84
mídia comercial.
Há que desenvolver uma política de comunicação capaz de estimular e
disseminar o debate, unificar a ação, promover a troca de informações entre
as instâncias partidárias e dar as diretrizes gerais para a disputa de projetos
na sociedade.
Para que o PT seja realmente um partido democrático e militante, é preci-
so criar um jornal nacional semanal voltado para a militância petista e para a
militância da esquerda política e social. Além disso, é necessário potencializar
ao máximo o Portal do PT na internet e criar o canal de TV do PT.

85
Balanço da direção

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, que


encerrou seu mandato no 8o Congresso da AE, era composta por oito
pessoas: Damarci Olivi, Daniela Matos, Jandyra Uehara, Natália Sena, Júlio
Quadros, Patrick Campos, Múcio Magalhães e Valter Pomar.
A comissão de ética nacional era composta por Izabel Costa, Jonatas More-
th, Pere Petit e Sophia Mata (os dois últimos suplentes).
Compete a cada integrante fazer seu balanço individual.
O que segue é o balanço coletivo da direção nacional (portanto, não inclui
um balanço da comissão de ética).
A divisão de trabalho na direção nacional foi a seguinte: Mucio Maga-
lhães, acompanhamento dos estados do PI, PE, PB e SE; Valter Pomar, coor-
denação geral, comunicação e acompanhamento das regiões Sudeste, Norte
e do estado do Maranhão; Damarci Olivi, finanças; Daniela Matos, formação
e acompanhamento dos setoriais de cultura, LGBT e acompanhamento dos
estados do MT e GO; Natalia Sena, acompanhamento da bancada parlamentar
e dos estados do RN, CE, BA e AL; Jandyra Uehara, sindical e acompanhamento
do setorial de mulheres; Patrick Campos, acompanhamento da juventude, do
setorial de combate ao racismo, dos estados do MS e DF; Júlio Quadros, acom-
panhamento dos setoriais de moradia, rurais e da região Sul.
Reiteramos que cada dirigente pode e deve apresentar seu balanço pesso-
al, inclusive em relação às tarefas citadas anteriormente.
A atual direção nacional foi eleita pelo 5º Congresso nacional da AE (maio
de 2019) e reeleita pelo 6º Congresso nacional da AE. O 6º Congresso teve duas
etapas (a primeira em abril de 2021, a segunda em setembro de 2021). O 7º
Congresso nacional da AE (julho de 2022) foi exclusivamente dedicado ao de-
bate político.
Portanto, a atual direção nacional dirigiu a tendência durante o governo
cavernícola, na fase final da prisão de Lula, durante a pandemia, durante as
campanhas eleitorais de 2020 e 2022, no período internacional marcado pelos

86
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

governos Trump, pela retomada dos governos progressistas e de esquerda na


América Latina e pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Neste período, o Partido
realizou o PED de 2019 e elegeu as atuais direções partidárias. Também nesse
período aconteceram congressos da UNE e da CUT, além de eleições importan-
tes em sindicatos em que atuamos.
Neste período, a direção da tendência conseguiu manter um funciona-
mento regular, com reuniões periódicas e uma divisão de trabalho de traba-
lho entre seus integrantes.
As reuniões periódicas (uma vez por mês, mais ou menos) foram ge-
ralmente virtuais, embora tenham ocorrido algumas (cerca de 5) reuniões
presenciais.
A regularidade das reuniões (todas tiveram quórum, sendo que ao longo
do período menos de três reuniões marcadas foram suspensas e adiadas devi-
do a não garantia de quórum) foi facilitada por dois motivos: i/a possibilidade
de reuniões virtuais e ii/o número de integrantes da direção.
Em nossa opinião, instâncias muito grandes são inviáveis, ao menos nas
atuais condições de funcionamento e financeiras da tendência. Com uma dire-
ção de 8 membros, é preciso quórum de 5; e na maioria das reuniões da Dire-
ção, foi exatamente esse (5) o número de participantes presentes. Registre-se
que é melhor uma instância menor, mas que funcione como instância, coleti-
vamente; do que uma instância maior, aparentemente mais democrática, mas
que não consegue funcionar adequadamente, o que acaba concentrando em
indivíduos decisões que precisam ser coletivas.
Todas as reuniões da direção nacional debateram conjuntura e aprova-
ram resoluções políticas que circularam na militância. Embora tenha havi-
do situações e questões sobre as quais a direção não se pronunciou, isto foi
uma exceção; a regra foi a direção aprovar orientação política sobre todas as
principais questões. Aliás, consideramos simplesmente espantoso que os mui-
tos organismos partidários tenham aberto mão deste procedimento básico: a
análise cotidiana e coletiva da situação, a produção de orientações e definição
de tarefas.
A direção nacional da AE que está encerrando seu mandato buscou, tam-
bém, dar conta de um conjunto de tarefas: acompanhamento dos estados;
comunicação; finanças; formação; acompanhamento das secretarias e dos se-
toriais da AE e do PT; acompanhamento da bancada parlamentar e de nossa
presença em governos; acompanhamento do Diretório Nacional do PT e da
Fundação Perseu Abramo.

87
RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

Sobre as tarefas listadas acima, o desempenho coletivo da direção foi irre-


gular (o desempenho individual, como já dissemos, compete a cada dirigente
avaliar).
A maior debilidade é o acompanhamento dos estados. Há estados onde
não existimos e onde passarmos a existir depende em alguma medida da pre-
sença da direção nacional. Há estados onde temos uma existência simbólica,
sem funcionamento coletivo real e/ou sem presença real na luta de classes,
sendo que para mudar esta situação a direção nacional precisa ter uma po-
lítica de acompanhamento. Há estados onde temos existência real, mas onde
nosso funcionamento orgânico é precário, cabendo novamente à direção na-
cional incidir para mudar a situação. E, finalmente, há estados onde temos
presença na luta de classes e funcionamento orgânico, onde portanto as tare-
fas da direção nacional são de outro tipo (contribuir no debate etc.).
Visto de conjunto, o acompanhamento dos estados é onde mais deixamos
a desejar. Mas é importante dizer que não há acompanhamento nacional que
dê conta de fazer a tendência existir nos estados e cidades: esta é uma tarefa
que depende no fundamental da militância local. Temos muitos simpatizan-
tes em todo o país, que precisam ser informados e orientados sobre como
proceder para organizar a tendência. Nesse sentido, contribuirá bastante a
republicação atualizada do Manual do Militante (em versão impressa, mas
também em áudio e vídeo).
É importante dizer, também, que fizemos, neste período, inclusive duran-
te a pandemia, várias viagens aos estados, inclusive “caravanas” com a parti-
cipação de diversos integrantes da direção nacional.
A atual direção nacional da AE também acompanhou as secretarias e
setoriais da própria AE e do PT. Neste caso, a direção nacional teve um de-
sempenho coletivo melhor do que o acompanhamento dos estados, o que se
refletiu – com limitações e exceções pontuais, como é o caso do setorial sindi-
cal – numa participação mais organizada da AE na eleição das secretarias e
setoriais nacionais. Entretanto, o acompanhamento pós-eleitoral destes seto-
riais, por parte da direção nacional, é muito irregular, em alguns casos mais
intenso, noutros quase ausente.
Destaque-se, positivamente, que a direção nacional seguiu acompanhan-
do tanto o trabalho de juventude e estudantil, quanto o trabalho sindical. En-
tretanto, os resultados práticos disto são diversos. No caso sindical, avaliamos
que tem havido um continuado e expressivo crescimento da presença sindical
da tendência (não apenas em sindicatos cutistas, vide por exemplo nossa par-

88
TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

ticipação e apoio à chapa Renova Andes). No caso da juventude e movimento


estudantil, a situação ainda é de fragilidade e sua alteração exige um grande
esforço coletivo.
As duas situações descritas anteriormente (acompanhamento dos estados
e acompanhamento dos setoriais) apontam para a necessidade de - no mo-
mento em que elegermos a nova direção da tendência - seja explicitado que
dirigente é responsável por acompanhar o quê. Sendo necessário definir um
“protocolo” de acompanhamento, ou seja, o que cabe ser feito; assim como
é necessário ter uma rotina de socialização, na direção, da situação de cada
estado e de cada setorial, para que de fato haja um acompanhamento coletivo
por parte da direção.
Registre-se, neste ponto, o adequado acompanhamento que foi dado pela
direção nacional ao gravíssimo caso de violência contra a mulher, envolvendo
um ex-militante e uma militante. A esse respeito, foi dado um informe especí-
fico ao congresso, inclusive porque adotamos algumas medidas permanentes
a respeito (ouvidoria etc.).
Outra área onde apresentamos debilidades é no acompanhamento das
bancadas e governos. Praticamente não houve acompanhamento da situação
dos governos municipais (com exceção de São Leopoldo), nem acompanha-
mento de nossa presença nos governos estaduais. Note-se a respeito que nos-
sos militantes que atuam em governos municipais e estaduais são geralmente
muito tímidos em fornecer informações e análises políticas sobre o que está
ocorrendo em nível local, só recorrendo à direção nacional em situações de
crise. Esta atitude precisa mudar, é fundamental informar periodicamente o
que está ocorrendo, inclusive sob a forma de textos para publicar no Página
13. Vale dizer que “informar” não pode se limitar a fazer propaganda dos
feitos, mas também inclui a discussão sobre os problemas, as contradições, os
limites e sobre como enfrentar e transformar etc.
No caso do governo federal, tem havido um acompanhamento mais regu-
lar. No caso das bancadas, fizemos reuniões periódicas com nossos federais,
mas não foi possível fazer o mesmo com nossos estaduais. A exemplo do que
falamos antes, é importante que - ao elegermos a nova direção nacional da
tendência - seja explicitado que dirigente é responsável por acompanhar o
trabalho institucional, seja definido um “protocolo” de acompanhamento etc.
Onde fizemos um acompanhamento mais efetivo foi da direção nacional
do PT e da diretoria da Fundação Perseu Abramo. Deliberamos e implementa-
mos uma política correta e com bons resultados na eleição das atuais direções

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RESOLUÇÕES DO 8o CONGRESSO NACIONAL

do PT, em 2019. Deliberamos e implementamos uma política de composição


da executiva e da diretoria da FPA. Realizamos um acompanhamento coleti-
vo do funcionamento destas duas instâncias. Participamos regularmente dos
grupos de trabalho estabelecidos pelo diretório nacional do PT, especialmen-
te o GTE. Apresentamos projetos de resolução e participamos incisivamente
dos principais debates políticos do período (fora Bolsonaro, tática nas eleições
2020 e 2022, vice de Lula, Federação, programa de reconstrução e transforma-
ção, Nova Primavera, prorrogação dos mandatos das atuais direções, anula-
ção da decisão congressual sobre limite do número de mandatos parlamen-
tares consecutivos, composição do ministério do governo Lula etc.). Fizemos
demarcação de posições, inclusive pública, sempre que necessário.
Ainda do ponto de vista do Partido e da esquerda como um todo, a direção
nacional da AE se empenhou em dois projetos: o blog Manifesto Petista e a
Escola Latinoamericana de História e Política. Consideramos que foram duas
iniciativas acertadas e que devemos continuar a participar e apoiar.
Do ponto de vista organizativo, a direção nacional da AE manteve o tra-
balho de finanças (cobrança de anuidades, campanhas financeiras extraor-
dinárias com as rifas, manutenção da AEP13), o que por sua vez tornou pos-
sível outras ações, como a memória dos 30 anos de fundação da tendência, a
publicação mensal do Página 13, a publicação (ainda que com periodicidade
irregular) da revista Esquerda Petista, a manutenção técnica do site da AE
(o trabalho editorial é feito de forma voluntária pelo companheiro Marcos
Jakoby), a publicação de livros e da Agenda, a edição técnica do podcast (o
trabalho editorial é feito de forma voluntária pelo companheiro Patrick) etc.
O trabalho de finanças merece ser analisado de dois pontos de vista. Um é
político: somos uma das poucas tendências do PT que adota o método da con-
tribuição militante anual obrigatória. Outro é financeiro: precisamos ampliar
muito nossas finanças, se quisermos dar conta de nossas tarefas.
A direção fez um esforço grande na área de comunicação: site, Orientação
Militante, Podcast, Antivírus, Contramola, Página13 jornal, revista Esquerda
Petista. Realizamos algumas reuniões nacionais dos comunicadores da ten-
dência. A esse respeito, é preciso implementar o plano de trabalho aprovado,
elevar a qualidade e o alcance de nossas publicações e – principalmente – con-
seguir um maior engajamento no trabalho de produção de conteúdo, o que é
grave especialmente no caso da revista.
Na área da formação, foram feitas muitas atividades virtuais e parte da
demanda militante por formação foi na prática atendida pela Elahp. Isso afe-

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TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

tou a rotina das jornadas anuais de formação (embora a atual direção tenha
realizado, houve uma interrupção no período mais recente).
Vale ressaltar que não há nenhum militante da AE profissionalizado para
cuidar das tarefas da tendência em âmbito nacional. Ou seja: todos os traba-
lhos citados anteriormente – das tarefas práticas até as tarefas políticas - são
feitos de forma militante, por dirigentes que têm outras tarefas políticas e
profissionais e que, em alguns casos, estavam ou estão sem trabalho e remu-
neração regular.
Por fim, além daquilo que já consta no projeto de resolução, sugerimos
ao congresso:
1/aprovar uma resolução sobre a Federação, resgatando a crítica que fize-
mos, confirmada amplamente pelos fatos;
2/aprovar uma resolução sobre tática nas eleições 2024;
3/aprovar o regimento dos congressos estaduais e municipais da AE, que
devem realizar-se na segunda metade de 2023.

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TENDÊNCIA PETISTA

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