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ELEMENTOS DE ESTRATÉGIA

INSTITUTO DE ALTOS ESTUDOS MILITARES

ELEMENTOS DE ESTRATÉGIA
- APONTAMENTOS PARA UM CURSO -
VOLUME 1

Organizados por:
ABEL CABRAL COUTO
COR. ART.
PREÂMBULO

O Instituto de Altos Estudos Militares orgulha-se, com alguma parcela de vaidade, de ser
uma instituição pioneira, em Portugal no estudo, ensino e divulgação dos fenómenos
estratégicos.
Esse estudo e ensino, até há bem pouco tempo circunscrito ao meio castrense, só agora,
embora tardiamente, principia a despertar um interesse mais alargado e a divulgar-se na
sociedade civil.
Pouco se tem escrito no nosso pais sobre esta matéria; e daquilo que se tem feito, os
elementos publicados constituem a excepção.
A cadeira de Estratégia tem vindo a ser ministrada neste Instituto, ao longo dos anos, aos
Cursos de Estado-Maior e aos Cursos Superiores de Comando e Direcção, estes últimos
sucedâneos dos antigos Cursos de Altos Comandos; trata-se, e tem sido esse o nosso
entendimento, de matéria fundamental para quem desempenha funções de Estado-Maior ou de
quem esta investido em altas funções de Comando, Direcção ou Chefia, pois só através do
conhecimento estratégico, em estreita ligação com a Historia, a Geografia, a Política e as
Ciências Sociais, é possível compreender os problemas que se põem ou que surgem na nossa
sociedade ou nas relações internacionais, determinar as suas causas, Os seus fundamentos, as
suas interligações e as suas envolventes, e assim desenvolver esquemas de raciocínio que con-
duzam a possíveis soluções que, depois de devidamente comparadas em termos de vantagens e
inconvenientes permitam encontrar a decisão mais equilibrada para cada caso concreto.

Não admira, portanto, que muitos e distintos professores desta casa se tenham dedicado
ao estudo e a docência da Estratégia, investigando, coligindo, sistematizando, discutindo e
elaborando doutrina que tem tido, como destinatários, única e exclusivamente o nosso universo
militar.
Seria, porem, altamente condenável que esse conhecimento acumulado não fosse devidamente
organizado e divulgado a outros níveis, a fim de abrir novas pistas e alargar horizontes a quem
se interessa por estas matérias.
Foi essa difícil e árdua tarefa que solicitei ao General Abel Cabral Couto, professor
distintíssimo que foi deste Instituto, que prontamente acedeu ao desafio que lhe foi formulado,
apesar de se encontrar a desempenhar as altas junções de Comandante da Academia Militar, de
leccionar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e de colaborar com as mais variadas
Instituições.
É de salientar, ainda, que tendo esta publicação constituído o suporte dos cursos ministrados
até 1980 no âmbito da Estratégia, embora sob outra forma, ela mantém plena actualidade.

Ao General ABEL COUTO, o Instituto de Altos Estudos Militares manifesta-lhe o seu


reconhecimento pelo elevado serviço que acaba de prestar; porque o autor, contrariamente ao
que afirma e com a modéstia que o caracteriza, não se limitou a ser um «mero organizador) o que
já por si justificaria a nossa gratidão; muito do que está escrito é inovador e produto da sua
reflexão, o que bastante valoriza esta obra, que continua a constituir uma valiosa referência
para os estudos e trabalhos de Estratégia neste Instituto.

IAEM em Pedrouços, 16 de Março de 1988

O Director

RAUL JORGE GONÇALVES PASSOS


General
AO LEITOR

1. A presente edição tem como texto de referência o das NC-5101, de Agosto de 1980, tendo-
se completado a 6.ª parte, relativa a Estratégia da Guerra Subversiva, e refundido alguns
capítulos em função de material escrito que já existia esboçado naquela data. Trata-se, assim, de
um texto “datado”, o que afecta, essencialmente, os capítulos II e VI da 5.ª parte.

2.O Texto é, em grande medida, constituído por «apontamentos» baseados em notas ou


sínteses de leituras diversas. O Tempo decorrido desde muitas dessas leituras e as
contingências da mobilidade profissional, impedem a citação, a par e passo, de todas as fontes
utilizadas. Em consequência, o signatário remeteu-se a um papel de mero organizador. Alem
disso, foi retirado a edição qualquer interesse de ordem comercial.
O texto vai porem, acompanhado de uma bibliografia extensa, referida a 1980,
assinalando-se as obras ou artigos que se reputam de maior interesse. Refere-se que, no plano
conceptual, o signatário considera como figuras tutelares H. Morgenthau, R Aron e, em
especial, o gen. A Beaufre.

3. Aproveito a oportunidade para prestar uma homenagem e exprimir um reconhecimento.


Homenagem a todos aqueles oficiais que no IAEM me precederam no ensino da Estratégia
e que foram contribuindo para um saber acumulado, que permitiu, pelo menos, estabelecer
ópticas de abordagem e forjar metodologias de análise no campo dos fenómenos político-
estratégicos que, até há pouco tempo, se poderiam considerar pioneiras e avançadas no panorama
do ensino superior em Portugal; e, entre esses oficiais, destaco o gen. Kaulza de Arriaga, que
considero o verdadeiro modernizador e dinamizador da Estratégia no IAEM, e o gen. J.
Lopes Alves, meu antigo professor, e que, quer no âmbito da reflexão teórica quer no campo
dos trabalhos práticos de aplicação, desempenhou um papel relevante nos antigos cursos de
Estado-Maior.
Reconhecimento a todos os camaradas e antigos alunos que, com as suas questões, duvidas,
sugestões ou palavras de estimulo muito contribuíram para o texto e edição deste trabalho; e,
entre esses oficiais, desejo deixar aqui registados os nomes dos gen. Firmino Miguel Gonçalves
Passos, Loureiro dos Santos e Belchior Vieira e do brig. Lemos Pires.

Lisboa, 15 de Outubro de 1987

ABEL CABRAL COUTO


EXTRACTO DA NOTA PRÉVIA ÀS NC-5101

1. Da 1.ª edição destes «Apontamentos», de 1968, transcreve-se o seguinte, por se


considerar actual:

«Hesitou o autor na sua publicação por duas razões principais:

- .......................................................................................................................................

- a sua convicção de que, a um nível de ensino superior, a publicação de lições


escritas tende, não só a conduzir a uma “cristalização» do mesmo, como ainda a prender o
aluno a um texto rígido que pode levá-lo a descurar o trabalho pessoal de investigação e
de análise, que se considera indispensável, já que àquele nível e num domínio tão vasto e
fluido como o da Estratégia, o interesse do ensino se deve medir mais pela inquietação
intelectual que suscita, pela curiosidade que provoca, pelos ângulos de visão, hipóteses de
explicação e sistematização que sugere e pelas discussões que origina, que pelo
estabelecimento de conceitos ou de doutrinas pretensamente incontroversos.»

«Como se indica no título, estes elementos de estudo são constituídos por


«apontamentos». Tal significa que, na sua maioria, se trata de notas ou sínteses de leitura,
por vezes mesmo de transcrições directas, de obras citadas na resenha bibliográfica, sem
preocupações, portanto, de originalidade. Por conseguinte, o seu mérito ou demérito
residirão, sobretudo, na maior ou menor actualidade e profundidade das obras consultadas,
na felicidade da selecção e encadeamento dos assuntos e na coerência intelectual da
sistematização alcançada.»

2. Esta 2.ª edição foi ditada pela urgência de se proporcionar ao Curso Superior de
Comando e Direcção (CS/CD) um mínimo de textos de apoio ao programa gizado para o
referido Curso, durante a sua fase transitória. As limitações de tempo não permitiram reformular,
actualizar e completar os referidos Apontamentos nos moldes desejados pelo signatário, de
forma a fazê-los corresponder, mais fielmente, à matéria das exposições orais. Dentro daquelas
limitações, os esforços foram sobretudo orientados para a revisão de aspectos que perderam
actualidade desde 1968; para a eliminação ou revisão da óptica de análise de certos pontos, em
consequência da Revolução de Abril; e para a elaboração de novos capítulos sobre assuntos
que, recentemente, adquiriram especial acuidade ou que, do antecedente, se encontravam omissos
em relação ao plano já então traçado.
( ....................................... )

3. Dada a impossibilidade, por falta de tempo, de se redigir algo sobre a 4.ª parte -
ESTRATÉGIA DA GUERRA CLÁSSICA, optou-se pela solução de distribuir com estes
«Apontamentos» o que, sobre o assunto, consta das «LIÇÕES DE ESTRATÉGIA», do então Ten-
Cor Lopes Alves.

4 ......................................................................................................................................................

5. Em relação ao plano do Curso, seria intenção do signatário concluir os presentes


«Apontamentos» da seguinte forma, a fim de os compatibilizar mais perfeitamente com as
exposições orais:
a. .....................................................................................................................................................
b. 3.ª Parte
- Desenvolver o tema «DEFESA E SEGURANÇA», refundindo, em conformidade o capítulo
relativo as “ENQUADRANTES DA ESTRATÉGIA».
- Incluir um novo capítulo sobre «A DIRECÇÃO DA ESTRATÉGIA», refundindo, em
conformidade, o capítulo sobre as «DIVISÕES DA ESTRATÉGIA».
c. 4.ª Parte
Elaborar completamente a «ESTRATÉGIA DA GUERRA CLÁSSICA - ESTRATÉGIA
MILITAR TERRESTRE».
d. 5.ª Parte
Incluir um novo capítulo sobre a «GESTÃO DE CRISES».
e ............................................................................
f. 7.ª Parte
Elaborar completamente esta parte, com capítulos sobre:
- ESTRATÉGIA DA URSS
- ESTRATÉGIA DOS EUA
- ESTRATÉGIA DA CHINA
- A TENSÃO NORTE-SUL

IAEM, Agosto de 1980

Abel Cabral Couto

Cor Art a c/CCEM


1.ª PARTE

INTRODUÇÃO À TEORIA
DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS

(A génese do fenómeno estratégico)


CAPÍTULO I
GENERALIDADES

1. Níveis de análise das relações internacionais

a. Qualquer que seja o campo de investigação, há sempre várias formas de reunir, classificar e
organizar, para efeitos de análise, os fenómenos que se pretendem estudar. De facto, quer nas
ciências físicas, quer nas ciências sociais, o observador pode escolher, como foco, as partes ou
o todo, os componentes ou o sistema, ou seja, o nível da micro ou da macro análise. Assim acontece
com o estudo das relações internacionais, que pode ser conduzido, fundamentalmente, segundo três
níveis ou perspectivas de análise:
- o nível do sistema político internacional;
- o nível dos actores desse sistema;
- o nível do processo de decisão dos actores.

b. O nível sistémico é o único que permite examinar as relações internacionais como um todo,
com uma profundidade e compreensão que são necessariamente perdidas quando se desce a
níveis de análise inferiores ou parciais. A análise das relações internacionais ao nível sistémico
assenta nos seguintes pressupostos fundamentais:
1) Todo o sistema busca o equilíbrio e regularidade de funcionamento, isto é, contém em si
mecanismos que lhe permitem, quando sujeito a uma perturbação, reagir e retomar uma
posição de equilíbrio, por forma a tentar evitar a sua rotura ou a garantir a sua
sobrevivência.
2) No jogo da política internacional, o ponto fundamental a ter presente é que cada actor é o
guardião da sua própria segurança e independência.
3) O comportamento de cada actor depende do comportamento de outros actores.
O foco de análise é, assim, a configuração de Poder entre os actores e os padrões de interacção
que o sistema revela, de forma a obterem-se generalizações sobre fenómenos, tais como a criação e
dissolução de alianças; os tipos de configurações de Poder, suas características, frequência e
duração; modificações da sua estabilidade e formas de reacção a tais modificações, etc., etc.
Assim, o nível sistémico sugere que o comportamento dos actores pode ser, em apreciável
extensão, explicado em termos de modificações na distribuição de Poder no sistema. Consequente-
mente, de acordo com este ângulo de análise:

1) As características do sistema determinam o comportamento dos actores: estes têm uma


limitada liberdade de acção, sendo relativamente estreita a gama das opções quanto às
políticas externas que podem adoptar, as quais seriam fundamentalmente condicionadas pelo
ambiente externo.
2) Conforme se altera a distribuição do Poder, assim se modifica o comportamento e o
alinhamento dos actores, isto é, as políticas externas são interdependentes.
3) Os factores internos de cada actor, tais como, a organização política ou económica, a
estrutura social, a ideologia, etc., têm um impacto pouco significativo na política externa que
prosseguem.
Pode-se afirmar que o modelo sistémico parece explicar satisfatoriamente a actuação dos
actores verificada em várias conjunturas históricas e, em especial, a «continuidade» da política
externa de várias nações, independentemente de épocas históricas ou das características dos
regimes políticos internos (caso da Rússia e de Portugal, por exemplo). Mas muitos autores con-
sideram evidente que o modelo não explica convenientemente todas as situações, tornando-se
necessário encarar os outros níveis de análise, para se obterem explicações alternativas ou
suplementares.

c. A segunda perspectiva encara o sistema em termos das suas unidades componentes. Enquanto
o nível anterior colocava a ênfase nas determinantes externas, este segundo nível de análise
atribui o comportamento dos actores essencialmente as suas próprias características internas. Por
outro lado, o nível sistémico exige ou pressupõe um mesmo código de conduta operacional dos
actores, todos eles movidos por idênticos motivos fundamentais; pelo contrário, no nível de
análise dos actores, a ênfase é posta na diversidade das motivações, atitudes e comportamentos dos
actores, em consequência de diferenças na sua anatomia, na idiossincrasia das populações, no
seu grau de desenvolvimento, no passado histórico, etc., etc.
Um dos perigos deste nível de análise é o de uma visão etnocêntrica das relações internacionais,
centrada num determinado actor, levando a uma percepção do mundo através do prisma dos
interesses desse actor; por outro lado, o risco de um exagero no acentuar das diversidades pode
levar a perder de vista a indiscutível existência de padrões de comportamento históricos e a sua
potencialidade explicativa e de previsão.
d. Nos parágrafos anteriores temos, por assim dizer, «personalizado» entidades colectivas. Mas é
evidente que «Portugal» (por exemplo) não toma decisões, as quais são tomadas por certos
homens que ocupam as posições de chefia. Assim, é de aceitar que, perante um mesmo ambiente
externo e interno, diferentes decisores tomem decisões também diferentes, pelo que os objectivos
prosseguidos, os tipos de política seguidos, os meios utilizados, etc., etc., seriam fortemente
influenciados pelas características do decisor e do processo de decisão.
A teoria da decisão será discutida na Área 2 (Administração e Organização). Relativamente à
perspectiva de análise das relações internacionais através da análise do processo de decisão, limitar-
nos-emos a chamar aqui a atenção para dois aspectos: a importância que, na decisão, têm as
percepções que os decisores têm do mundo e as formas institucionais do processo de decisão e de
implementação dessas decisões.

O primeiro destes aspectos é muito importante, na medida em que é o laço entre o ambiente e a
decisão produzida: o mundo «real» e o mundo tal como é «percebido», quer essa percepção seja
correcta ou não. Quer dizer, o decisor decide sobre uma «imagem» do problema. Esta
distinção entre as coisas «como elas parecem» e as coisas «como elas são» levanta uma questão
fundamental: é o ambiente objectivo que é importante - como é sugerido nos níveis de análise
anteriores - ou é a percepção subjectiva do decisor e a sua interpretação daquele ambiente
que são importantes? Daqui a relevância, segundo este nível de análise, não só dos circuitos de
informação que servem os decisores, mas também da natureza da elite dirigente, em especial da sua
ideologia, psicologia, influências inatas, tradições e atavismos, ou seja, daquilo que alguns autores
chamam o seu «prisma de atitudes” (daqui o florescimento, por exemplo, de “Kremlinlogistas”,
etc.).
O segundo aspecto diz respeito, entre outros, à forma de governar, à ordem constitucional que
vigora no campo interno e restrições que impõe ao poder governamental, a extensão dos circuitos
entre quem decide e quem executa, etc., etc. É, por exemplo, neste contexto que se coloca o
debate sobre a influência da forma de governo. Assim, diz-se por vezes que um governo
totalitário tem, em termos de política internacional, certas vantagens sobre um governo
democrático, visto que o poder e o processo de decisão são altamente centralizados e, por
conseguinte, tal permite uma reacção rápida à evolução das situações e facilita a concentração dos
esforços em apoio das políticas escolhidas; por outro lado, há quem aponte que um governo
totalitário, embora gozando de maior flexibilidade táctica, tende para uma rigidez estratégica, além
de assentar em bases de apoio que tendem a esboroar-se em situações de crise. Um outro elemento
importante é o da complexidade da máquina burocrática situada entre quem decide e quem executa,
a qual pode fazer que se verifiquem degradações, ou mesmo deturpações, entre o que é decidido e
o que é, de facto, implementado.

e. Perante o exposto, poderemos concluir que no estudo das relações internacionais (e, como
veremos, no da estratégia, na medida em que é um dos seus segmentos) devem ser conjugados os três
métodos de análise.

2. O sistema político internacional

a. Pormenorizando e sistematizando o que dissemos anteriormente, o estudo de um sistema


político internacional deveria envolver a análise dos seguintes aspectos:
1) Os limites do sistema, isto é, a definição dos actores.
2) A estrutura do sistema, definida pela configuração de poder entre os principais actores.
3) Os padrões de relação (alinhamentos e interdependências) entre esses actores.
4) As formas de interacção entre os actores (contactos diplomáticos, comércio, turismo, guerra,
etc. ).
5) Regras ou costumes, implícitos ou explícitos, que regulam as interacções entre os actores, em
parte consubstanciadas num corpo de Direito Internacional.
6) Principais características dos actores, isto é, os tipos de governo e de administração; os seus
estilos e «códigos operacionais»; a natureza do seu processo de tomada de decisão; os valores,
imagens e influência relativa dos indivíduos e órgãos que participam naquele processo; e os
métodos segundo os quais os recursos dos actores são mobilizados para alcançarem os
seus objectivos.

b. Nesta 1.ª Parte, de Introdução à Teoria das Relações Internacionais, limitar-nos-emos a


focar aqueles aspectos que tem relacionamento directo com o objecto deste Curso, ou seja, com a
Estratégia. Outras áreas de estudo - em especial a matéria de Direito Internacional - cobrirão
outros aspectos, na medida consentânea com o tempo disponível e a finalidade geral do ensino.
Assim, nos capítulos seguintes abordaremos:
- de uma forma mais ou menos sistemática, os actores, os tipos teóricos de estruturas e a
estrutura do actual sistema internacional;
- de uma forma genérica, as regras do sistema, os padrões de relação e as formas de
interacção, tendo em especial atenção as interacções de conflito.
Quanto às características dos principais actores, serão referidas na 7.ª Parte do Curso, quando
tratarmos da Estratégia das Grandes Potências.
CAPÍTULO II

OS ACTORES DO SISTEMA
POLÍTICO INTERNACIONAL

1. Generalidades

a. Em sentido lato, um sistema político internacional pode ser definido como um conjunto de
centros independentes de decisões políticas que interactuam com uma certa frequência e re-
gularidade. Se a interacção entre as organizações independentes não é frequente e regular, não
poderemos falar num sistema: por exemplo, no século XV a China e os Estados da Europa não
eram partes de um mesmo sistema internacional.

b. A humanidade actual está dividida em Estados, isto é, em sociedades organizadas de


forma soberana num território bem definido, geridas por um governo destinado a satisfazer as
necessidades essenciais dos indivíduos e grupos que as compõem e que, em regra, evidenciam
padrões culturais comuns, governo esse que detém o monopólio da forca física. O Estado pretende
não reconhecer, como superior, qualquer outra autoridade política (principio da independência) e
pretende exercer a sua autoridade, com exclusão de qualquer outra, num dado espaço bem definido
(principio da soberania). Os modernos Estados são, de um modo geral, nações que conseguiram
assumir-se como unidades políticas independentes e soberanas, e daí a designação de Estado-Nação.
Mas, quer sob o impulso de um ideal nacional ainda não concretizado em Estado, quer porque o
governo de facto existente de um dado território é considerado ilegítimo por uma fracção significativa
da população, surgem por vezes movimentos políticos de base territorial, à revelia do governo de
facto existente nesse território, mas que conseguem estabelecer ligação com outros governos,
movimentos ou organizações internacionais, participando assim activamente na cena internacional.
Podemos designá-los, genericamente, por «outros actores territoriais sem serem Estados», de que são
exemplo os chamados «movimentos de libertação».
Das relações que os Estados mantêm entre si resultam tomadas de consciência de interesses
comuns, que tendem a corporizar-se na criação de organizações internacionais entre Estados, umas
de vocação universal, outras de âmbito regional.
Finalmente, indivíduos e grupos humanos estabelecem entre si relações permanentes de vária
natureza (religiosas, económicas, culturais, desportivas, etc.), fora do quadro territorial de um
único Estado. Surgem, desta forma, organizações transnacionais em que os seus membros não são
Estados.

c. Assim, hoje em dia, embora a opinião e a sistematização não sejam pacíficas, tende-se a
considerar como actores da cena internacional e elementos do sistema político internacional:
- Os Estados.
- Outros actores territoriais, como os chamados “movimentos de libertação».
- As organizações internacionais.
- As organizações transnacionais.
Os Estados são, como veremos, os principais actores da cena internacional; os restantes, são, em
principio, actores «menores» ou «limitados», embora tendam a assumir um papel e importância
crescentes.

2. O Estado-Nação

a. Elementos do Estado-Nação
Cada Estado-Nação tem certos caracteres que o definem como tal - um território bem
delimitado, uma população, um governo, a capacidade de estabelecer relações com outros Estados
e, acima de tudo, soberania, a qual se traduz no não reconhecimento de qualquer autoridade
externa como superior à sua, no interior do seu território. É esta ultima característica que, fun-
damentalmente, determina a natureza do sistema político internacional.

b. Unidades políticas históricas.


Suas finalidades fundamentais
A génese do fenómeno político reside no facto social fundamental de que, em todos os
estádios de desenvolvimento, os homens têm necessidades e aspirações que sentem não poderem
ser satisfeitas por esforços individuais, daí resultando a formação de grupos sociais. De acordo com
alguns autores, o Estado nasce quando um grupo institucionaliza a sua própria protecção.
Ora, embora o homem actual tenha a tendência de encarar o moderno Estado territorial como
o centro do seu universo e de lhe atribuir uma qualidade de permanência e durabilidade como se
fosse da ordem natural, não devemos esquecer que outros tipos de unidades políticas serviram o
homem no passado, desaparecendo da cena à medida que deixavam de poder preencher as suas
necessidades. E nem todas essas unidades políticas se identificavam com o território, como no
Estado moderno. Uma rápida reflexão sobre essa evolução histórica parece conveniente, não só
para se ajuizar se o actual Estado é uma «meta» ou uma «etapa», como para se compreenderem as
raízes profundas de determinados fenómenos contemporâneos de natureza supranacional.
Os homens nos tempos primitivos agruparam-se e organizaram as suas vidas em clãs ou tribos,
com base no parentesco de família. E, na evolução da sociedade ocidental, o actual Estado
territorial foi precedido pela extrema fragmentação política chamada feudalismo e, antes deste, pelo
Império e Estado-Cidade. A tribo era uma comunidade de pequena dimensão, de carácter rural e
assente em laços familiares. Nela, a divisão do trabalho é limitada e a propriedade é colectiva. Trata-
se de uma comunidade sem base territorial bem definida, em estreita comunhão com a natureza,
de mentalidade religiosa e mágica, norteada pela procura da subsistência, submissa aos costumes
estabelecidos, etc, etc.
O Estado-Cidade, cujo modelo é o das mais antigas cidades gregas e romanas, agrupava
várias tribos que atingiram o estádio agrícola. A divisão do trabalho é mais acentuada, com o
desenvolvimento do artesanato e da troca comercial. A organização política torna-se mais complexa,
porque a população é mais numerosa e diversificada, tornando-se necessária uma administração. O
desenvolvimento de um exército constituiu um outro elemento essencial, a fim de, por um lado,
proteger as riquezas concentradas na cidade, e, por outro, conquistar novas terras que eram fontes de
riqueza e de uma mão-de-obra complementar resultante da escravização das populações
conquistadas. O desenvolvimento das cidades arrastou o da propriedade privada: pouco a pouco, os
cidadãos recebiam a título individual terras conquistadas e partilhavam entre si uma parte das terras
públicas.
A senhoria feudal constituiu-se na Europa após a queda do Império Romano. As cidades
entraram em decadência e a actividade essencial tornou-se novamente rural. O solo estava nas
mãos de grandes senhores feudais, os quais o cultivavam por intermédio de servos ligados a terra,
que lhes entregavam grande parte dos rendimentos. Os senhores feudais são simultaneamente chefes
militares, que asseguram a protecção dos homens, das casas e das colheitas existentes nos seus
domínios, e chefes políticos, que fazem reinar a ordem pública e exercem a justiça nos mesmos
domínios. Os senhores estão ligados uns aos outros por uma hierarquia complexa de suseranos e
vassalos. A fidelidade pessoal, os lagos de sangue, a religião e a honra militar constituem a
base do sistema de valores.
O Estado-Nação constitui uma sociedade mais vasta que as anteriores, agrupando populações
numerosas num território extenso e bem delimitado, com base num poder centralizador e unificador.
Funda-se no aparecimento e desenvolvimento do comércio e da indústria, com o consequente
renascimento de uma civilização urbana. As actividades relacionadas com a transformação e a
comercialização de produtos vão-se tornando, progressivamente, dominantes, e surgem novos
serviços destinados a fazer face a necessidades sociais cada vez mais complexas, com o
consequente aumento da divisão do trabalho, e a diversificação, empolamento e ramificação
hierarquizada da administração.

Todos estes tipos de unidades políticas visaram as mesmas aspirações humanas fundamentais
que, sinteticamente, podem ser referidas por: 1 - SEGURANÇA e 2 - PROSPERIDADE e BEM-
ESTAR e, como o curso da História o mostra, a incapacidade de realização destas finalidades
por qualquer tipo de unidade política tem estado, em ultima análise, na base da sua queda.

c. Evolução das unidades políticas e suas causas


Talvez seja instrutivo examinar, resumidamente, o mundo do Estado-Cidade, da antiga Grécia,
pois que, em microcosmo, assemelha-se ao mundo actual.
Como o sistema do Estado-Nação, o sistema do Estado-Cidade era pluralista, constituído
por um certo número de unidades de diferentes dimensões e poder, mas autónomas. A vizinhança
geográfica, as diferenças nos recursos disponíveis e as necessidades económicas tornaram os
Estados-Cidades interdependentes. Alguns deles, como certas comunidades marítimas, enfrentaram a
pressão de uma população implantada numa base de recursos limitados empenhado-se em acções
ultramarinas, estabelecendo núcleos de colonização e conquistando o acesso a recursos alimentares e
a matérias-primas fora da metrópole: outras procuraram a segurança e o bem-estar impondo o seu
controlo a Estados vizinhos, através da demonstração de uma força superior. Um mesmo
mecanismo - a balança de poder funcionou por várias vezes para frustrar as ambições hegemó-
nicas acalentadas pelos maiores Estados-Cidades - Atenas, Esparta, Tebas, etc. A hegemonia
conseguida por qualquer destas cidades foi sempre de curta duração, galvanizando as outras para uma
acção unificada contra o perigo comum. Mas as ligas ou alianças desintegravam-se logo que a
ameaça comum deixava de existir ou em virtude de discórdias internas; porém, as rivalidades no
interior do sistema foram postas de lado quando os Estados-Cidades se uniram contra o inimigo
externo comum - a Pérsia - no século V a.c.
Mesmo assim, o Estado-Cidade deixou de ser uma unidade política viável. Demasiado pequena,
não mais podia garantir, por si só, a segurança e a prosperidade do seu povo; teria sido necessária
uma forma qualquer de união, efectiva e duradoura, para que o Estado-Cidade pudesse sobreviver.
A incapacidade dos Estados-Cidades de criarem essa mais larga união levou à sua absorção por
Filipe e Alexandre da Macedónia.

Se o pluralismo foi a característica central do sistema grego, a unidade tornou-se a palavra de


ordem sob o Império Romano. Levando consigo a lei e a ordem, concedendo a cidadania aos
povos submetidos, conduzindo um programa de gradual assimilação, aceitando muitos dos usos,
costumes e instituições que encontraram, os Romanos, com o seu génio político, construíram um
Império duradouro, assente na base sólida do consentimento. Contudo, o Império tornou-se tão
grande, que era cada vez mais difícil manter o seu controlo efectivo a partir de um único centro de
poder. A partir das regiões mais excêntricas foram-se desenvolvendo reacções, a desagregação
económica corroeu a força do Império e as dissidências internas enfraqueceram a sociedade
imperial. Roma, não mais capaz de garantir segurança e bem-estar, entrou em colapso.

De novo o pluralismo passou a caracterizar a ordem política. Mas, apesar de tudo, o apelo de
unidade continuou a atrair o espírito dos homens nos séculos seguintes. Por um curto período de
tempo Carlos Magno dominou a Europa Ocidental e, com o seu apoio militar, Leão III
reavivou a ideia imperial, fazendo de Carlos Magno, em 800, o imperador dos Romanos. A
ideia foi retomada quando, no século X, Otão foi coroado imperador do Santo Império Romano.
Mas, no máximo, este Império confinou-se a um grupo de principados germânicos; para além destes,
não exercia qualquer autoridade efectiva. Na Europa verificava-se, na realidade, uma
descentralização política, uma multiplicidade de feudos, ducados e principados, que usufruíam de uma
larga autonomia e sobre os quais os reis tinham um controlo apenas nominal. Todavia, uma
certa unidade, embora limitada, foi-se desenvolvendo a partir de uma religião comum centrada em
Roma e fomentada pelo esforço conjunto de várias Cruzadas, desde os fins do século XI até
meados do século XIII.

Grandes forças surgidas nos séculos XIV e XV minaram as instituições medievais e levaram à
formação de uma nova unidade política - o Estado territorial. Para tal contribuíram o
crescimento do comércio e dos centros urbanos, acompanhado do aparecimento de uma nova classe
comercial; a aliança entre esta classe e o governante - rei ou príncipe - que propendeu a impor
a ordem pela força a pequenos principados, muitas vezes em guerra entre si; e o cisma verificado na
Igreja com a Reforma, originando a proliferação de seitas protestantes e o fim da unidade
religiosa da Europa.

O Estado territorial, representando uma centralização do poder político, foi nos primeiros
tempos associado ao governante ou dinastia que o criou. A partir de pequeno conjunto de Estados da
Europa Ocidental - Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Holanda - a nova unidade política
generalizou-se, atingindo o mundo inteiro passados cerca de quatro séculos. Os Estados europeus
atlânticos, ao orientarem o seu poder através das vias marítimas, não levaram consigo apenas a sua
tecnologia e formas de administração superiores: introduziram também, nas novas áreas em que
penetraram, os seus métodos de organização politica.

d. Sobrevivência do Estado-Nação. Tendências supranacionais


Uma questão fundamental a por é saber se o Estado-Nação tem sido capaz de enfrentar as
exigências que são feitas a todos os tipos de unidades políticas, isto é, garantir a segurança, pros-
peridade e bem-estar.
A centralização do poder político e o estabelecimento da autoridade suprema do governante
tiveram por finalidade alcançar-se uma maior segurança. Ao aumentar o seu próprio poder e ao
recusar o reconhecimento de qualquer autoridade superior, o Estado aumentou a segurança do seu
território bem definido e habitantes. Com efeito, o território tornou-se impermeável. Mesmo no
campo económico tudo foi feito para aumentar o carácter exclusivista e autárcico do Estado. Ao
longo dos séculos XVI, XVII e XVIII procurou a auto-suficiência, o excesso das exportações
sobre as importações e a acumulação de reservas de ouro. As aquisições coloniais, as alfândegas, as
protecções do transporte de mercadorias, etc., reforçaram essa orientação exclusivista, seguida pelo
Estado nas esferas política e económica.
Mas sob o impacto das revoluções industrial e das comunicações, os Estados tornaram-se
interdependentes e a sua auto-suficiência foi abalada por uma cada vez maior produção e cir-
culação de bens, maior especialização e mais elevados níveis de vida. A conservação da
prosperidade no interior do Estado tornou-se prisioneira de movimentos económicos sobre os quais,
muitas vezes, o Estado pouco controlo pode exercer. Progressivamente foi-se desenvolvendo uma
economia à escala mundial; nenhum Estado é imune às influencias exercidas por essa economia.
Por outro lado, a maior parte, senão a totalidade dos Estados, é incapaz de garantir a segurança
do seu território e das populações. As armas termonucleares, combinadas com vectores cada vez mais
aperfeiçoados, acabaram definitivamente com a impenetrabilidade do Estado. As fronteiras e as
medidas defensivas, por mais vastas e aperfeiçoadas que estas sejam, não constituem barreiras
eficazes contra a intrusão; não há Estados invulneráveis.

Por estas razões, muitos observadores concluem que o Estado-Nação, como aconteceu com as
unidades políticas que o precederam, entrou em declínio e estaria condenado a desaparecer.
Exclusivamente com os seus próprios recursos, não teria possibilidade de ser instrumento da
segurança, progresso e bem-estar. Daí o aparecimento de tendências supranacionais, conducentes
a unidades políticas mais vastas e complexas, como são, entre outros, os movimentos que visam uma
integração política europeia. E não há dúvida que as Grandes Potências actuais são unidades
políticas de fisionomia especial, do tipo federado, de grande extensão territorial, elevados recursos
naturais, grande demografia, apreciável capacidade de encaixe nuclear, etc.

e. A vitalidade do Estado-Nação
Mas a despeito daqueles indícios de uma doença fatal, é evidente que o Estado-Nação revela
ainda, hoje em dia, uma enorme vitalidade, como o atesta o crescente e rápido aparecimento de
novos Estados. De facto, o nacionalismo parece ser ainda o mais poderoso fenómeno na sociedade
internacional, responsável pelo aparecimento de dezenas de novos Estados-Nações nos últimos 30
anos. Mesmo nas áreas onde se verificam tendências supranacionais, não se pode afirmar que o
nacionalismo tenha deixado de ser uma força poderosa, e daí a lentidão com que as referidas
tendências têm evoluído. E na constituição das Nações Unidas nenhum Estado abdicou dos seus
direitos soberanos essenciais.
Por outro lado, as bases especulativas em que assenta a tese da «queda do Estado-Nação»,
referidas na alínea anterior, estão em processo de revisão. Assim, um dos seus principais teori-
zadores(*) reavalia as suas posições e acaba por concluir pela capacidade de sobrevivência do
Estado-Nação. Para o efeito, considera essencialmente que:
O «equilíbrio do terror» nuclear restringiu substancialmente as possibilidades de recurso à acção

(*)
J. Herz- «Rise and Demise of the Territorial State» - World Politics, IX, 1957.
J. Hers- «The Territorial State Revisited» - Polity, n.° 1, 1968.
militar ou, no mínimo, tende a reduzir aquela a acções militares clássicas, relativamente as quais,
como no passado, o Estado-Nação pode assegurar uma razoável impenetrabilidade;
- A proliferação de potências nucleares, estabelecendo novos equilíbrios e contribuindo para a
definição de zonas de influência razoavelmente delimitadas, tende a contribuir para a estabilização dum
«status quo», dados os riscos de qualquer alteração significativa das situações estabelecidas;
- O fim do colonialismo tende a estabilizar o número de Estados, e na sua actual
territorialidade;
- Uma certa tendência para a «desradicalização ideológica», associada à revivescência do
sentimento nacional, tende a atenuar a rigidez dos blocos, aumentando as possibilidades de as nações
mais fracas resistirem à condição de serem reduzidas a "satélites" ou "clientes" e, consequen-
temente, poderem alargar o seu espaço de decisão e readquirir uma maior liberdade de acção;
- As possibilidades da «modernização», no campo da valorização dos meios humanos, da
melhor exploração de recursos escassos, aumentam a capacidade de progresso e bem-estar, mesmo a
partir de uma base territorial aparentemente reduzida.

f. Síntese

Em suma, hoje em dia e apesar das tendências supranacionais, os Estados são ainda os
principais actores da cena internacional. A sociedade de Estados é pluralista, composta de unidades
soberanas, o que significa que entre os seus membros continuarão a verificar-se largas divergências
de interesses e conflitos profundamente enraizados e de difícil solução. Vislumbram-se tendências
para a criação de unidades políticas diferentes do Estado-Nação, particularmente através de
integrações regionais. Mas seria irrealista minimizar os obstáculos existentes (língua, tradições,
ressentimentos históricos, divergências de interesses, etc.) à criação de um novo sistema
internacional. Alem disso, a criação de tais unidades não representaria uma radical modificação do
actual sistema de organização política da sociedade internacional, mas apenas uma redução do
número de protagonistas.

3. «Movimentos de Libertação»

Embora sem possuírem os atributos da soberania, os movimentos políticos violentos de base


territorial têm por vezes desempenhado um papel importante no sistema internacional. Em maior
ou menor grau, têm sido divisadas, entre outras, as seguintes formas de actuação a nível
internacional: estabelecimento de «relações diplomáticas» com Governos estrangeiros; audição, e
por vezes representação, em organizações internacionais; difusão de propaganda; aquisição de
armas, quer através de Governos quer de empresas privadas; realização de acções militares
contra territórios vizinhos; promoção de golpes de Estado em territórios da sua área de interesse;
perturbação da segurança em áreas distantes através de acções de terrorismo internacional, etc.,
etc. Por exemplo, a OLP tem sido um actor da cena internacional mais importante que a maioria dos
Estados, teoricamente mais qualificados como actores de direito, e de tal forma que tem sido
capaz de influenciar a política das grandes potências.

4. Organizações Internacionais

a. Na génese das organizações internacionais, encontram-se as duas grandes preocupações de


segurança ou de progresso e bem-estar. A origem de algumas tem o acento tónico na busca de uma
ordem político-militar que reforce as condições de seguranca dos seus membros: outras foram
essencialmente motivadas pela procura de uma ordem político-económica/social que aumente as
possibilidades de progresso e desenvolvimento. Como referimos, o objectivo último de algumas
dessas organizações (inicialmente de carácter militar e/ou económico-social) parece ser uma nova
ordem política, que permita o enfraquecimento do Estado-Nação, por sucessivas perdas de
soberania, conduzindo a conjuntos supranacionais (de natureza mais provavelmente regional) ou a
um governo mundial, pela via de integrações aos níveis económico, social, militar, etc., e que
culminem num processo de integração política. Voltaremos a este assunto na 2.ª Parte do Curso,
quando tratarmos do problema da Paz.

b. As organizações internacionais podem ser de vocação universal (caso da ONU e


respectivas agencias especializadas) ou regional.
Quanto à sua natureza, podem ser essencialmente políticas (ONU, OEA, OUA, etc.),
económicas (CECA, MCE, COMECON, OPEP, etc.) ou militares (CED, NATO, Pacto de
VARSÓVIA, etc.).
c. De um modo geral, pode dizer-se que as organizações de natureza política, apesar da sua
natureza mais ambiciosa, têm desempenhado um papel pouco relevante no sector estratégico e
que o seu sucesso tem sido mais notório, e com um papel ascendente, em sectores
especializados ligados ao desenvolvimento económico, à saúde, à educação, etc. De facto, os
grandes problemas estratégicos internacionais (Médio Oriente, Vietname, controlo de armamentos,
etc.) têm sido resolvidos à margem das organizações teoricamente vocacionadas para o efeito
(ONU). A este respeito, a ONU tem sido, fundamentalmente, um palco de propaganda, sem influência
significativa na marcha e resolução desses problemas.
Quanto às organizações de natureza militar, o seu papel tem sido significativo no campo
estratégico, em especial as centradas em torno das superpotências, embora dificilmente se possam
comportar como actores autónomos, antes se tenham revelado, até ao momento, muito
dependentes dos seus poderosos líderes.

d. Em resumo, parece de concluir que as organizações internacionais, com eventual excepção das
de natureza militar, têm sido actores pouco significativos no tabuleiro político-estratégico
internacional.

5. Organizações Transnacionais

a. As organizações transnacionais são de natureza variada. De entre as que poderão ter maior
importância no jogo político-estratégico, referiremos algumas organizações de natureza política,
social, religiosa e económica.

b. As internacionais políticas (Comunista, Socialista, Liberal, Democrata-cristã, etc.) têm


passado por vicissitudes várias, particularmente as duas primeiras, confundidas na origem.
Nascida da esperança marxista de uma união dos proletários de todo o mundo, capaz de vencer
as fronteiras nacionais, a Internacional Socialista viu terminada essa ilusão com a 1.ª GM, em que a
maioria dos trabalhadores socialistas dos vários países se uniu em torno dos seus governos nacionais,
e veio a ramificar-se em duas: a Internacional Comunista e a Internacional Socialista (democrática).
A Internacional Comunista passou por várias fases. Na 1.ª fase, entre a 1.ª e a 2.ª GM, foi
praticamente dominada pelo Komintern, órgão encarregado de difundir o ideário comunista e de
organizar partidos comunistas através do mundo, rigidamente subordinados ao PC da URSS. Após a
2.ª GM, o Komintern foi substituído pelo Cominem, que se revelou menos constrangedor, e que veio
a ser extinto em 1954. Deste facto, conjugado com uma revivescência dos sentimentos
nacionalistas e com a percepção das especificidades dos problemas de cada nação, tem resultado um
certo enfraquecimento da Internacional Comunista, tendendo os partidos comunistas a adoptar, cada
vez mais, linhas de orientação nacionais. Este fenómeno foi reforçado com a crise resultante da cisão
verificada entre a URSS e a China.
Quanto à Internacional Socialista, que passou por grave crise após a 1.ª GM, foi reorganizada e
dinamizada a partir de 1951. Circunscrita, no início, praticamente à Europa, tem ultimamente
procurado alargar o seu campo de actuação, em especial na América Latina. A Internacional
Socialista constitui, sobretudo, uma potência de opinião e grupo de pressão, que procura promover o
ideário do socialismo democrático, exercendo uma espécie de magistratura moral sobre o conjunto do
movimento socialista nos seus vários cambiantes.
As restantes «Internacionais» são de criação mais recente e tem objectivos e características
idênticas à anterior.
As «internacionais políticas» têm tido uma importância variável nas relações internacionais.
Relativamente a algumas delas parece observar-se um recrudescimento de importância. Potências de
opinião, canalizadoras de fundos, formadoras de quadros, etc., as «internacionais políticas» podem ser
um instrumento estratégico apreciável para acção no interior dos Estados visados.

c. Das «internacionais sociais”, interessa referir a Cruz Vermelha Internacional e as


«internacionais sindicais».
A Cruz Vermelha é, sobretudo, um intercessor entre Estados e uma potência de opinião, que tem
desempenhado um papel não desprezável na humanização dos conflitos.
Quanto às Federações Sindicais internacionais, têm raízes também na concepção marxista da
solidariedade internacional dos trabalhadores. Receadas, de inicio, por poderem transferir para a
escala mundial, como um centro de decisão autónomo, as lutas sociais internas (por exemplo,
desencadeamento de greves à escala mundial), em breve se verificou que aquelas federações não
superavam nem os nacionalismos, nem as grandes ideologias que dividem o mundo. Assim, as
grandes organizações sindicais britânicas e americanas são hoje exclusivamente nacionais, mais
preocupadas com a repartição dos respectivos rendimentos nacionais, que com as relações
internacionais; e quanto às grandes federações internacionais (FMS, CISL, etc.) tem estado menos
empenhadas em reivindicarem os interesses dos trabalhadores, à escala internacional, que em
apoiarem os respectivos campos na guerra fria, particularmente competindo por adquirirem
influência sobre as organizações sindicais, politicamente importantes, de novos Estados. Por
conseguinte, as “internacionais sindicais” podem ser também um instrumento estratégico de valor
apreciável para acção no interior dos Estados visados.

d. Quanto às «internacionais religiosas» (Igrejas), são as mais antigas organizações


transnacionais. Exprimindo, particularmente a Igreja Católica, um sistema de valores e uma
cultura que abarcam todos os aspectos da vida humana, são consideradas, por alguns
autores, como verdadeiras sociedades globais, com capacidade de decisão autónoma. Todavia,
o desenvolvimento do Estado-Nação tem, geralmente, arrastado as Igrejas para um papel
subordinado.
A Igreja Católica, além de manter relações diplomáticas com muitos Estados, tem também
relações hierárquicas com cerca de 700 milhões de católicos espalhados pelo mundo. Em
consequência da sua organização e da sua supremacia espiritual, a Igreja Católica tem exercido,
e continua a exercer, uma significativa influência política nos Estados em que uma parte substancial
da população seja católica.
As Igrejas cristas não católicas, organizadas no Conselho Mundial das Igrejas, não podem
desempenhar um papel político tão significativo, por falta de organização centralizada e
hierarquizada.
Quanto a outras grandes religiões (Budismo, Islamismo, Judaísmo, etc.) não dispõem de
qualquer organização centralizada, embora o judaísmo disponha do seu novo centro espiritual em
Israel. Todavia, actualmente, deve salientar-se a importância do Islamismo. Religião com um forte
passado histórico, conta com alguma centenas de milhões de crentes, embora divididos por
várias seitas. Polarizado em regiões de elevada importância estratégica mundial e que, de um momento
para o outro, se vêem em condições de serem detentoras de um enorme potencial financeiro por nelas
se situarem os principais reservatórios de petróleo de que actualmente depende o mundo
industrializado, regiões nas quais vivem massas humanas que, nos últimos séculos, atravessaram um
periodo de decadência, de dependências e de humilhações, o islamismo pode vir a tornar-se no
vector ideológico que, com o recente potencial económico, poderá cimentar uma vasta área geográfica
e conferir-lhe uma dinâmica de consequências extremamente importantes ao nível mundial, do
ponto de vista político-estrategico.

e. Outras importantes organizações transnacionais são de natureza económica. Inicialmente, as


grandes organizações económicas, como a Companhia das Índias Orientais, eram puramente
comerciais. Todavia, como não podiam conduzir os seus negócios sem um certo grau de controlo
político sobre as fontes de abastecimento, as suas actividades tornaram-se, de uma forma
crescente, também políticas e militares. Mas, depois que alcançavam uma certa importância, os
Estados de origem invariavelmente passavam a controlá-las. Surgiram depois as grandes
organizações industriais, cujos interesses se prolongavam para além dos limites dos Estados de origem
e se interpenetravam com os interesses desses mesmos Estados. No século XIX, por vezes
conseguiram que os seus governos nacionais adquirissem o território de que elas necessitavam
para o abastecimento de matérias-primas.
Actualmente, as grandes empresas multinacionais não podem deixar de impressionar pelo seu
peso económico. Se para a definição dos 100 maiores actores económicos mundiais se
considerarem, do lado dos Estados, os respectivos PNB e, do lado das empresas multinacionais,
o volume de negócios, verificava-se (em 1975) que 51 são empresas e 49 são Estados.
Admite-se que, no ano 2000, as principais empresas multinacionais (cerca de 200 a 300)
produzirão mais de metade do produto industrial mundial bruto.
Pelas suas dimensões em termos financeiros e humanos, é de admitir que as empresas
multinacionais têm um grande impacto político, pelo menos indirecto, no sistema contemporâneo.
Assim, através da forma como atribuem factores de produção e pelo controlo das correntes de
investimento, influenciam fortemente a natureza do desenvolvimento económico a nível mundial; a
níveis nacionais, as suas decisões quanto à criação de novas instalações ou encerramento de outras
existentes, à natureza e localização dessas instalações, à propaganda dos produtos, às condições de
investimento, etc., etc., podem afectar de forma muito significativa a estrutura económica de um
país, o seu nível de emprego, as receitas de impostos, os padrões de consumo, etc., etc.
Por outro lado, as grandes empresas multinacionais estabelecem actualmente relações directas
com governos de vários países, através dos seus equivalentes de ministros ou embaixadores. E neste
aspecto, as ideologias podem não ser fronteiras; algumas empresas multinacionais, atacadas pelos PC
a Oeste, são interlocutores privilegiados de alguns Estados a Leste.
Neste quadro geral, são naturais as seguintes perguntas:
- São as empresas multinacionais actores autónomos da cena internacional, pelo menos no
campo político-económico?
- Ou são instrumentos da política dos Estados-sede?
- Ou, pelo contrário, são os Estados que, de forma mais ou menos discreta, se transformam em
instrumento dos seus interesses?
- Ou são aquelas empresas meras organizações económicas, sem qualquer peso político
significativo nas relações entre Estados?
As respostas a estas perguntas dependem muito de opções ideológicas. Assim, e sem se
referirem as concepções mais extremas, Robinson vislumbra um processo evolutivo em 4 fases:
a empresa «internacional», na qual a propriedade, a direcção superior e os capitais são
uninacionais e em que os mercados e os investimentos directos são internacionais; a empresa
«multinacional», em que os capitais passam a ser também internacionais; a empresa
«transnacional», em que também a propriedade e a direcção passam a entidades de diferentes
nacionalidades; e, finalmente, a empresa “supranacionais” (de que não há exemplos ainda), que
seria juridicamente desnacionalizada e que seria registada num organismo internacional, que a
controlaria e ao qual pagaria impostos. No mínimo, e segundo Duverger, as empresas multi-
nacionais limitam o poder de decisão dos Estados em matérias económicas e financeiras e, pelo
menos, para os seus quadros superiores, tendem, tal como as Igrejas, a transformar-se em
universos políticos: aqueles seriam mais cidadãos da IBM, da Ford, da Philips, etc., que dos
EUA, Holanda, etc., etc.
Embora de objectivos mais ambiciosos que exclusivamente os de natureza económica, convém
fazer aqui uma ligeira referência a uma nova organização transnacional, de influência po-
tencialmente crescente na evolução das relações internacionais: a chamada «Comissão
Trilateral». Trata-se de uma organização privada, constituída por influentes cidadãos das três
regiões economicamente mais desenvolvidas do mundo e integradas numa economia de
mercado - EUA, Europa Ocidental e Japão. Visando, nos termos dos seus estatutos, «encorajar
uma mais íntima colaboração entre as referidas três regiões no que respeita a problemas comuns,
incrementar a compreensão de tais problemas pela opinião publica, apoiar propostas para o seu
tratamento em comum e estimular hábitos e práticas de trabalho em comum entre as mesmas
Regiões», a Comissão Trilateral tende a ser, pela elevada qualificação e ligação dos seus
membros a vários sectores de actividade, um importante grupo de pressão, capaz de influenciar a
política das referidas Regiões e, indirectamente, a cena internacional.
ANEXO “A” AO CAP. II- ALGUNS DADOS TÉCNICOS

1. Estados de maior superfície (Km 2)


URSS ................ 22 402 200 Austrália................ 7 686 810
Canadá .............. 9 976 140 Índia ..................... 3 268 100
China .................. 9561000 Argentina ............ 2776660
EUA .................. 9 363 350 Sudão .................. 2 506 810
Brasil .................. 8 511 970 Argélia ................ 2 381 740

2. Estados mais povoados (10 6 Ha b - 1 9 7 5 )

China ......................... 951 Brasil .................... 110


Índia .......................... 628 Bangladesh............ 76
URSS ....................... 628 Paquistão .............. 73
EUA ......................... 215 Nigéria ................. 65
Indonésia .................. 134 RFA .................... 62
Japão ........................ 113 México.................. 62

3. Estados de maior PNB (1975 - 109 dólares)

EUA ............... 1 500


URSS .................. 790
Japão .................... 485
RFA .................... 420
França................... 340
China ................... 260
Reino Unido ......... 230
Itália .................... 170
Canadá ................. 150
Espanha ................ 100

4. Estados de maior rendimento «per capita» (1975 - dólares)

Kuwait ............. 10 000


Suécia ................. 8 540
Suíça................... 7 030
EUA................... 6 980
RFA ................... 6 770
Canadá .............. 6 490
França ............... 6 4 2 0
Noruega ............. 6 250
Dinamarca ........ 6 000
Austrália ............ 5 880
Arábia Saudita .... 5 650
Holanda ............ 5 110,
Bélgica .............. 5 050
Japão.................. 4 290
RDA ................. 4 170
Reino Unido ..... 4 100
…………………
URSS ................ 3 070
...........................
China ................. 270

5. Principais produtores de energia não hídrica (1975)

a. PETRÓLEO (10 6 barris diários)


URSS ...................... 9,6 Kuwait ......................... 2,1
EUA ......................... 8,4 Nigéria ......................... 1,8
Arábia Saudita.......... 7,1 Emiratos Árabes .......... 1,7
Irão........................... 5,4 Canadá ........................ 1,5
Venezuela ............... 2,4 Líbia ........................... 1,5
Iraque ........................ 2,3 China.............................. 1,3
Indonésia........................ 1,3

b. CARVÃO (10 6 ton. métricas)


EUA ......................... 570 RFA ............................. 95
URSS ....................... 485 Índia ............................ 95
China ........................ 430 RAS ............................. 70
Polónia ..................... 170 Austrália ....................... 65
Reino Unido ............ 130

c. ENERGIA NUCLEAR (10 3 mega watts)


EUA .................................................................................. 45,4
Reino Unido ........................................................................ 10,5
URSS ................................................................................. 7,3
Japão ................................................................................... 7,1
RFA .................................................................................... 6,2

6. Principais empresas multinacionais (1975 – Vendas mundiais em 109 dólares)

Exxon……………… 42,1 Mobil Oil …………. 18,9


Royal Dutch/Shell… 33,4 British Petroleum .... 18,3
General Motors...... 31,6 Standard Oil (Calif).. 17,2
Ford Motor ………. 23,6 National Iranian Oil.. 16,8
Texaco……………. 23,3 Gulf Oil……………. 16,5
Unilever…………… 13,7

NOTAS:
1. Os valores constantes dos n.º acima são arredondados (e em alguns casos estimados).
2. Fontes:
- De 2, 3, 4 e 5 : R S. Cline - World Power Assessment - 1977
- De 6: Rev. Fortune, Agosto, 1975.
CAPÍTULO III

ESTRUTURA DOS SISTEMAS INTERNACIONAIS

1. Conceitos preliminares

a. Principais regras do sistema

Pode dizer-se que os princípios fundamentais que regem o sistema político internacional são o da
soberania, integridade territorial e igualdade legal dos Estados. De facto, não é motivo de
controvérsia, no campo do Direito Internacional, que todos os Estados são soberanos, têm direito à
inviolabilidade das suas fronteiras e são membros iguais da sociedade internacional. As unidades
políticas diferem largamente no que se refere a dimensões, quantidade de população, grau de
desenvolvimento económico, formas de governo, carácter nacional, etc. ; mas uma vez admitidas, pelo
processo do reconhecimento, elas são legalmente iguais e legalmente tituladas para exercerem,
virtualmente, uma jurisdição exclusiva em todo o seu espaço geográfico.

b. Força e Poder

Na realidade, porém, os Estados diferem largamente no que se refere às respectivas capacidades


para orientarem a sua política interna e para determinarem as condições e afectarem os
acontecimentos para além das suas fronteiras. Quer dizer, em consequência de diferenças na sua
anatomia e situação geográfica, as unidades políticas revelam um poder diferente.
O conceito de «poder» é nuclear em todo o fenómeno político, mas, por paradoxal que
pareça, é ainda de definição controversa. Em especial, há autores que incluem na noção de
poder toda a capacidade para afectar, num sentido favorável, a atitude ou comportamento de
outrem; outros há que distinguem entre poder e influência. De acordo com R. Aron, K. Knorr e
outros autores da escola realista, adoptaremos esta última posição, pela qual a noção de poder
está associada à capacidade de impor uma vontade, por nos parecer ser a acepção mais
operacional do ponto de vista do estudo da estratégia. Neste contexto, e conforme K. Knorr,
quando numa relação entre A e B as escolhas de B são restringidas pelo seu receio de sanções,
explícitas ou supostas, por parte de A, dir-se-á que há uma relação de poder; haverá uma relação
de influência quando as escolhas de B são aumentadas, em vez de diminuídas, pela capacidade
de A. Ou, de outra forma, à coacção, explícita ou implícita, corresponde uma relação de poder;
à persuasão ou à espera de uma recompensa corresponde uma relação de influência. Assim,
segundo R. Aron, o Poder é a capacidade de um actor político impor a sua vontade a outro actor
político, mediante a suposição de sanções eficazes nos casos de uma não aceitação dessa
vontade. Entenderemos por Forças os meios, recursos ou capacidades de toda a natureza
(militares, económicos, humanos, organizacionais, psicológicos, etc.) de que um actor político
pode lançar mão ou tirar partido para alcançar os seus objectivos.
Para se ter poder é preciso ter força, mas a condição, embora necessária, não é suficiente, devido às
características do poder, entre as quais se apontam as seguintes:
(1) Relatividade
O poder só tem significado quando relacionado com outrem (em relação a quem?). Neste
aspecto, operacionalmente o que interessa é o que se pode chamar «diferenciais de poder»,
visto que no caso de capacidades opostas iguais o poder tende a desaparecer, isto é,
poder equilibrado é poder neutralizado. Daqui toda uma teoria da «balança de poder»,
visando evitar tendências de hegemonia, ou do «equilíbrio estratégico», visando a paz.

(2) Carácter situacional


O poder só tem também significado no quadro de uma situação concreta, relacionando-se
com os objectivos que, nesta situação, se pretendem atingir (em relação a quê e em que
circunstâncias?). De facto, há recursos ou forças que podem ser úteis na consecução de um
dado objectivo e irrelevantes, ou mesmo contraproducentes, se o objectivo for outro. Por outro
lado, para um objectivo de idêntica natureza, o poder depende do contexto ou ambiente em que
esse objectivo é prosseguido, pois, embora existam as forças adequadas, pode ser mais ou
menos fácil aplicá-las.

(3) Subjectividade
O poder de um actor depende, em grande medida, do que os outros pensam o que ele é.

(4) Personalização
O poder depende das qualidades de quem o exerce, que se traduzem na forma como são
articuladas, polarizadas, impulsionadas e aplicadas as forças disponíveis. De pouco vale
ter meios dos quais se não sabe tirar partido.

(5) Convertibilidade
As forças, que servem de base ao poder, não podem, em maior ou menor grau, ser convertidas a
um padrão comum, que permita, não só a sua mensuração, mas, em especial, a sua troca ou
compensação. Quer dizer, em relação ao poder não há instrumento equivalente ao da
moeda em relação à economia. E, assim, por exemplo, um excesso num determinado
recurso (energia hidroeléctrica, por exemplo) de pouco ou nada serve para compensar
a falta de outro recurso (aviões, por exemplo).

(6) Multidimensional
Dada a variedade de forças, de acordo com a sua natureza, o poder assenta em bases
multidimensionais, pelo que se pode considerar multifacetado. Assim, a capacidade para
impor sanções económicas, por exemplo, não significa idêntica capacidade no campo militar
e vice-versa.

(7) Temporalidade
O poder, próprio e de outros, está em constante evolução, em regra lenta, embora possam
ocorrer alterações súbitas significativas. Por conseguinte, só tem significado também em
relação a um momento ou período concreto.

(8) Instrumentalidade
Em principio, o poder não é um fim, mas sim um instrumento para se atingirem fins ou
objectivos. A obtenção do poder ou de mais poder é, assim, apenas um objectivo mediato.
Mas há perversões, tal como acontece com a riqueza: então, o poder transforma-se num
fim.

(9) Neutralidade moral


O poder, em si, não tem significado ético ou moral. Este é-lhe apenas conferido
pelos fins ou objectivos visados.
Em consequência o poder «real» ou «efectivo» só se define, verdadeiramente, em acto, ou seja,
perante a «prova de força»; até lá, é apenas um «poder potencial» ou «putativo». Podemos assim dizer,
em síntese, que o poder resulta da consciência que se tem (ou outros têm) da força; da forma como esta
é explorada, o que depende de quem o exerce (caso de Israel e do Egipto, por exemplo, em 1967); dos
objectivos visados e das circunstâncias em que os mesmos são prosseguidos, traduzindo-se estas
influências na maior ou menor adesão ou na maior ou menor adequação das forcas disponíveis
relativamente aqueles objectivos ou na maior ou menor facilidade de aplicação dessas forças. Algumas
forças, de natureza material, podem ser avaliadas com uma certa aproximação: já é mais difícil a
avaliação do poder que poderão traduzir, já que, como se disse, aquele depende do adversário em
causa, dos objectivos concretos visados, das circunstâncias de lugar e tempo, das características do
chefe, etc. Consideremos, como exemplo, o incidente do navio Pueblo entre os EUA e a Coreia do
Norte e tomemos duas hipóteses: 1) aprisionamento do navio em águas territoriais coreanas: 2)
aprisionamento fora dessas águas territoriais. Em qualquer dos casos, a relação das forças em presença
seria a mesma: simplesmente, na 1.ª hipótese, os EUA não tiveram capacidade para impor a sua
vontade, enquanto pode supor-se que, no caso da 2.ª hipótese, os EUA seriam capazes de obrigar os
coreanos a devolver o navio e a sua tripulação.
Daqui uma conclusão importante, nem sempre devidamente apreciada em consequência de se
confundir força e poder: uma unidade política mais fraca não é, inevitavelmente, obrigada a ceder
perante a vontade de uma muito mais forte desde que, em consequência das circunstancias de momento,
aquela última não esteja em condições de empregar efectivamente toda a força de que dispõe. Se a
mais forte não puder, por exemplo, empregar a força militar - como sucede com frequência hoje
em dia - será obrigada a recorrer a outras formas menores de coacção, muitas vezes ineficazes, ou à
persuasão. Em consequência, a táctica do desafio da recusa ou da obstrução permite muitas vezes
ao mais fraco impor a sua vontade (pelo menos no sentido de uma resistência à vontade de outrem). E
assim, num mundo teoricamente dominado pelas Grandes Potências, as pequenas potências podem,
por vezes, desempenhar um papel importante na cena internacional político-estratégica e gozar de
uma apreciável liberdade de acção no campo da política externa.

As gradações do poder podem reconhecer-se no vocabulário da política internacional. Os


Estados são, frequentemente, chamados «Potências» e são graduados de acordo com os seus im-
pactos noutras nações. A expressão «Grande Potência» está, historicamente, associada ao sistema de
Estados europeus. As Grandes Potências eram, no inicio, aqueles Estados europeus que tinham
sempre uma palavra a dizer ou um papel a desempenhar em qualquer assunto internacional. Depois de
1870, o grupo das Grandes Potências incluía a Inglaterra, Alemanha, Franca, Rússia e o
Império Austro-Húngaro. Por 1914 surgem como Grandes Potências dois Estados não
europeus, os EUA e o Japão. A revolução de 1917 eliminou temporariamente a Rússia da lista, e a
derrota de 1918 eliminou, também temporariamente, a Alemanha e, definitivamente, o Império
Austro-Húngaro. Com a 2.ª GM surgiu o termo «Superpotência», aplicado aos EUA e URSS, o qual
reflecte o reconhecimento da possibilidade destes dois Estados influenciarem os acontecimentos em
qualquer parte do mundo, excedendo de longe as possibilidades de quaisquer outros Estados.

2. Tipos de Sistemas Internacionais

a. De acordo com a sistematização de R. Aron, os sistemas políticos internacionais podem ser


encarados em função da natureza e concepção política dos Estados componentes ou da distribuição
do poder (configuração da relação de forças) entre aqueles componentes.

b. No primeiro caso, os sistemas podem ser classificados em:


- homogéneos, quando os Estados são do mesmo tipo e obedecem à mesma concepção da
política, isto é, não põem em causa a ordem internacional vigente;
- heterogéneos, quando contém Estados organizados segundo princípios ou valores
diferentes e enformados por concepções políticas que visam modificar profundamente o
sistema.

Sempre que, numa dada época, surgem «Estados revolucionários», que se dão como missão a
derrota total do sistema político, económico e cultural predominante (caso da França, nos fins do
século XVIII e princípios do século XIX; da Alemanha hitleriana; e da URSS e alguns países do
Terceiro Mundo no século actual) cai-se em sistemas heterogéneos.

c. Tendo em atenção a distribuição do poder, podem verificar-se as seguintes hipóteses básicas,


dando origem aos tipos de sistemas que se indicam:
- O poder encontra-se concentrado num único pólo - sistema unipolar.
- O poder encontra-se concentrado em dois pólos - sistema bipolar.
- O poder encontra-se concentrado em poucos pólos - sistema multipolar.
- O poder encontra-se distribuído por muitos pólos - sistema difuso.
Como veremos, esta classificação básica e esquemática admite muitas variantes. A
importância desta tipologia reside na sua influência sobre a orientação geral das políticas externas dos
membros do sistema e sobre as restrições que a estrutura do sistema pode impor à liberdade de acção
dos seus componentes.
d. Nos números seguintes analisaremos, embora de forma sintética, as características intrínsecas de
cada um dos tipos referidos(*).

3. Sistemas homogéneos e heterogéneos

a. Os sistemas homogéneos são, em primeiro lugar, relativamente estáveis: por um lado, regendo-se
os membros por idênticos valores e pelos mesmos códigos operacionais, a despeito de interesses
nacionais porventura diferentes, o sistema tende intrinsecamente para o equilíbrio; por outro lado, por
essas mesmas razões, o comportamento dos membros é, nas suas linhas gerais, previsível, já que se os
Estados têm regimes análogos, estes são certamente tradicionais, com regras já conhecidas e, por
conseguinte, são pouco plausíveis os comportamentos imprevistos. Em segundo lugar, a
homogeneidade do sistema favorece a limitação da violência: acima dos diferendos particulares
há uma solidariedade geral quanto à manutenção do sistema - pode pôr-se em causa uma parcela de
um território, mas não se põe em causa a existência de um Estado ou de um regime político-
isto é, não há lugar para o «inimigo puro». Em terceiro lugar, a violência, quando estala, é de limitada
duração. De facto, aquela situação corresponde a uma perturbação no sistema, o qual, perante um
risco de rotura, tende a gerar os mecanismos que o levam, o mais rapidamente possível, a encontrar
um novo equilíbrio.
c. Os sistemas heterogéneos desenvolvem características de um modo geral inversas das
acabadas de referir.

(*)
Ver em colectânea International Politics and Foreign Policy, editado por J. Rosenau, os ensaios:
- «Variants on Six Models of lhe International System», por M. Kaplan.
- «Bipolarity, Multipolarity and lhe Future», por R. Rosecrance.
4. Sistemas Unipolares

a. Podem conceber-se sistemas unipolares de 3 tipos:


- Confederação Mundial;
- Estado Universal;
- Império Mundial.
Os dois primeiros resultariam de um processo de integração internacional; o último de uma situação
de hegemonia por parte de um Estado, levada às últimas consequências. Para a consecução dos dois
primeiros tipos, os teóricos do processo vêem dois grandes métodos, o método funcional e o
método federal, os quais diferem essencialmente em termos de ritmo e de marcha do processo (da
base para o topo ou do topo para a base). Voltaremos a este assunto na 2.a Parte do Curso.

b. Numa Confederação Mundial existiria um governo mundial que operaria sobre governos
territoriais nacionais e não directamente sobre os indivíduos. Tal sistema poderia, por exemplo,
resultar de um maior desenvolvimento do campo de atribuições da actual Organização das Nações
Unidas e a consequente e voluntária diminuição dos direitos soberanos dos Estados-membros. Alguns
autores pensam que um governo mundial, num sistema deste tipo, sob a égide de uma organização
internacional, teria fundamentalmente duas funções: a manutenção da paz e a gestão geral dos
recursos e matérias-primas escassos e de interesse para toda a humanidade. A primeira atribuição
implicaria a extinção dos exércitos nacionais (desarmamento geral e obrigatório) e a sua substituição
por uma pequena força armada internacional, vigorando, nos níveis nacionais, apenas as forças
policiais necessárias a manutenção da ordem pública, que continuaria a ser uma responsabilidade
nacional. A segunda atribuição preocupar-se-ia, fundamentalmente, com a administração de um
orçamento que, progressivamente, permitisse atenuar os desequilíbrios no desenvolvimento das várias
regiões (desequilíbrios educacionais, sanitários, alimentares, etc., etc. ); com a gestão e exploração
dos espaços internacionais (mares, espaço aéreo, etc.); com as regras de exploração e de
comercialização de recursos essenciais ou esgotáveis (petróleo e cereais, por exemplo); com
problemas de poluição à escala mundial, etc., etc., o que poderia conseguir-se com um maior
desenvolvimento nas atribuições de várias organizações especializadas da ONU e eventual criação de
outras.
Num sistema deste tipo, os conflitos de interesses seriam resolvidos de acordo com as regras
políticas estabelecidas no quadro da confederação. Os funcionários internacionais deveriam
lealdade ao sistema internacional em si próprio e não aos seus países de origem.
A estabilidade do sistema dependeria do grau em que fosse capaz de garantir a segurança e o
progresso e bem-estar equilibrados de todos os Estados membros, o que, por seu turno, dependeria do
grau em que tivesse acesso directo a recursos e outros meios e da relação entre as suas
possibilidades e as possibilidades dos vários actores nacionais que fossem membros do sistema.

c. O Estado Universal resultaria de uma integração internacional completa, ou seja, do


estabelecimento de uma verdadeira comunidade mundial, com a superação dos nacionalismos e, con-
sequentemente, com o desaparecimento do actual sistema de Estados e apagamento das
fronteiras. Poderia resultar de uma evolução do tipo anterior a qual, coroada de êxito, poderia
conduzir ao desejo de um sistema internacional ainda mais integrado e solidário.
Sendo a adesão ao sistema voluntária, poderia, em princípio, verificar-se a manutenção de
alguns Estados fora do sistema ou a sua retirada do mesmo. Mas, na primeira hipótese, desde que o
sistema integrasse a grande maioria dos actuais Estados, seria muito difícil actuar contra ele;
quanto à segunda hipótese, seria de concretização difícil, dados os custos de tal retirada face às
interdependências entretanto criadas. Assim, em princípio, um sistema deste tipo seria altamente
estável (passar-se-ia à escala internacional o que se passa às escalas nacionais).

d. O Império Mundial seria o sistema que resultaria se um Estado viesse a dominar todo o
globo, através da demonstração de uma forca de tal forma superior e com tal ubiquidade que
fosse capaz de rapidamente aniquilar qualquer foco de resistência que tendesse a gerar-se no
interior do sistema. Em princípio, a governação poderia ser descentralizada através de governos
“pseudo-nacionais”, mas totalmente enfeudados ao da Potência dominante, em especial através de
um forte cimento ideológico. É o sistema que muitos autores ocidentais vislumbram se viesse a
concretizar-se a Revolução Mundial comunista.
Como referiremos na 2.ª Parte com mais pormenor, um tal sistema é hoje em dia tecnicamente
possível e, embora eventualmente sujeito a crises localizadas frequentes, o sistema poderia ser
globalmente estável, desde que houvesse coesão na elite dirigente e determinação no emprego da
força contra quaisquer tentativas de resistência.

5. Sistemas Bipolares

a. Os sistemas bipolares fundam-se na existência de duas potências (superpotências) cada uma com
um grau de poder incomparavelmente superior ao de quaisquer outras potências ou possível
combinação de outras potências. Embora, como veremos, um sistema bipolar dê origem à formação de
blocos, salientamos que os «pólos» são dois Estados e não duas alianças ou blocos de Estados. Estas
últimas são tipos de relações entre Estados, que são influenciadas pela estrutura do sistema (definida
pelos pólos») mas não constituem essa estrutura. Por outro lado, num sistema bipolar a rivalidade entre
as superpotências é devida à estrutura, isto é, a configuração do poder, sendo independente de
ideologias, que a podem exacerbar mas que não a determinam.

b. Antes de abordarmos os vários tipos de sistemas bipolares, vejamos, dada a sua importância
actual, algumas características daqueles sistemas em geral, particularmente no que se refere à
forma como determinam as relações, em termos de alianças ou alinhamentos, entre Estados e aos seus
prospectos de estabilidade.
Num sistema bipolar a atenção de cada superpotência centra-se na sua rival. Há, assim, no sistema,
duas relações primárias ou fundamentais. O alinhamento das potências menores é determinado por
razões estruturais e por circunstâncias específicas de natureza geográfica, histórica ou
ideológica/cultural. Cada uma das superpotências, receosa da outra, procurará a hegemonia ou forçará
alianças sobre alguns Estados situados entre elas. Quando uma das superpotências inicia o
processo, a outra entende-o como ameaçador, dado que cada uma tende a ver qualquer
«movimento» do adversário - mesmo se defensivamente motivado - como uma atitude
deliberada e hostil para reforçar a sua posição, tornando-se inevitável uma contra-acção ou
reacção. A mesma ameaça é entendida por outras das restantes potências menores, que tendem a
procurar na outra superpotência uma protecção. Geram-se, assim, alianças e blocos. Uma vez
formados os alinhamentos, estes tendem a manter-se estáveis, já que no interior de cada bloco as
pequenas e médias potências têm escolhas limitadas, na medida em que, dado o grau de pre-
ponderância política, económica e militar da respectiva superpotência, tendem a ser reduzidas à
condição de satélites, que gravitam na órbita daquela.
Por outro lado, um aumento de poder ou de segurança por uma das partes será encarada, pela
outra, como uma diminuição do seu poder ou segurança. E, assim, as superpotências, sempre que
se lhes depare um vazio de poder, tenderão a preenchê-lo concorrencialmente, a fim de evitarem
a percebida diminuição de segurança que resultaria do seu preenchimento pela rival. Em
consequência, as superpotências têm necessariamente uma política planetária, relativamente à qual
nenhum acontecimento mundial, por aparentemente mais longínquo que seja, é indiferente: mesmo
que não estejam em jogo interesses directos próprios, há sempre, no mínimo, a nortear o seu
comportamento, que impedir que o adversário possa colher benefícios desse acontecimento.
O receio de qualquer alteração na relação de forças conduz a uma preocupação pela manutenção
das posições alcançadas. Traçar linhas ou «fronteiras» entre as respectivas esferas de influência e
preservar esse «status quo» territorial torna-se uma preocupação fundamental.
Pelas razões expostas, a bipolaridade, além de extensiva, é também intensiva, traduzindo-se esta
última característica pela disputa na obtenção de aliados, pela busca da coesão das principais
alianças, pela sensibilidade de cada superpotência a possíveis defecções no seu campo, pela
corrida aos armamentos, pela competição tecnológica, etc. As alianças podem desempenhar, neste
contexto, três funções: reforçar o poder da superpotência protectora; delimitar «fronteiras»; e dar à
superpotência uma razão para intervir, quando se trate de preservar o «status quo» territorial.

c. De acordo com o grau decrescente de rigidez da estrutura, alguns teorizadores têm divisado
quatro(*) tipos ou variantes de sistemas bipolares:
- rígido;
- flexível;
- muito flexível;
- de «detente».

d. Num sistema bipolar rígido a tensão entre as superpotências e a supremacia destas em relação a
outras potências são tais que praticamente todos os Estados estão alinhados em dois blocos, e as
organizações internacionais ou desaparecem ou não desempenham qualquer papel significativo.
Como não há qualquer função de integração ou de mediação (isto é, não há um terceiro), tende a
verificar-se um elevado grau de tensão disfuncional no sistema, pelo que este se torna potencialmente
instável. Em regra este tipo de sistema tem-se verificado quando a bipolarização coincide com
fortes clivagens ideológicas (sistemas heterogéneos), as quais asseguram a coesão e permanência
dos blocos.
Pode dizer-se que foi o sistema que vigorou de 1945 a 1955. Neste período, a intensa rivalidade
entre a URSS e os EUA resultou na chamada «guerra fria» e no estabelecimento de várias
cadeias de alianças, no quadro, por parte dos EUA, de uma chamada «política de contenção» que
tinha, como áreas prioritárias, a Europa Ocidental (com a Turquia), o «crescente interior» e a
Ásia Insular. Assim, no início de 1955, enquanto na ONU existiam, como membros, apenas 59
Estados soberanos, os EUA e a Inglaterra, por um lado, e a URSS, pelo outro, estavam formalmente
aliados com mais de 60 Estados (alguns pertenciam a mais de uma aliança). O sistema de
alianças era, praticamente, universal, confirmando o conceito acima expresso. Por outro lado, a
ONU era essencialmente um “palco de propaganda”, sem qualquer papel significativo; no Conselho
de Segurança o recurso ao veto era sistemático, sempre que eram visados interesses importantes
de qualquer das superpotências.

e. Num sistema bipolar flexível (por alguns autores também chamado bipolicêntrico, por
considerarem que, do ponto de vista militar é bipolar, mas que, do ponto de vista político ou
económico, é multipolar), continuam a verificar-se dois grandes pólos de poder, liderando dois
blocos. Porém, em consequência de um impasse ou bloqueamento resultantes de um equilíbrio militar
entre as superpotências e do desenvolvimento de focos de poder político-económicos ao nível
regional, torna-se possível:
- que actores situados em áreas periféricas não pertençam aos dois blocos, adoptando assim
posições de não alinhamento e perseguindo objectivos próprios com uma apreciável liberdade de
acção;
- que, dentro de cada bloco, os aliados não só recuperem uma certa liberdade de acção no campo
(*)
M. Kaplan considera cinco tipos.
diplomático, como, em maior ou menor grau, consigam ser encarados pelo líder do bloco mais
como «parceiros» do que como meros «satélites»;
- que as organizações internacionais assumam um papel mais significativo, inclusive de mediação
entre as superpotências.
- o desenvolvimento de associações regionais, com papel político crescente.

Conquanto se possam verificar enfraquecimentos na rigidez dos blocos, continua a não ser possível
uma inversão de alianças. Todavia, cada superpotência pode conseguir estabelecer laços com aliados
secundários da outra, para explorar diferenças no seio da aliança adversa e assim enfraquecer. Por
outro lado, os Estados secundários poderão estabelecer laços em campos opostos, a fim de
procurarem aumentar a sua capacidade de negociação dentro das suas próprias alianças.
Assim, mesmo na ausência de mobilidade de um bloco para outro, verifica-se uma certa
movimentação no seio das alianças e um papel menos hegemónico por parte de cada superpotência.
Quanto aos actores não pertencentes a blocos procuram, por um lado, coordenar os seus
objectivos com os da organização internacional fundamental e subordinar os objectivos dos blocos
aos dessa organização internacional; por outro lado, procuram explorar em proveito próprio a
competição entre as superpotências, colhendo de ambas benefícios necessários ao seu desenvol-
vimento económico e social.

Vários autores consideram que foi este o sistema que vigorou de meados da década de 50 a
meados da de 60.

f. Num sistema bipolar muito flexível, embora continuem a existir apenas dois grandes pólos
de poder, liderando dois blocos, verifica-se:
- a existência de apreciáveis áreas de acordo entre as superpotências, a par da manutenção de
antagonismos inconciliáveis noutras áreas;
- dentro de cada bloco, uma mais acentuada liberdade de acção no campo diplomático e económico
dos Estados secundários em relação à potência dominante, a qual pode conduzir mesmo a
defecções, embora sem mudança de bloco (passagem à neutralidade de membros de alianças),
bem como a uma contestação à política de blocos por membros importantes de ambos os blocos;
- a busca de uma acomodação entre os dois blocos, com o reconhecimento explícito ou implícito do
«status quo», a intensificação de relações extramilitares entre os membros de blocos opostos, a
procura da estabilização de um equilíbrio militar, etc.;
- um papel crescente dos actores não pertencentes aos blocos;
- um reforço da importância da organização internacional fundamental;
- uma valorização do Direito Internacional, acompanhada de restrições psicológicas ao
intervencionismo das superpotências;
- a perspectiva de emergência de novos pólos de poder (através de uma proliferação limitada de
potências nucleares), que permite antever a passagem a um sistema multipolar. Este sistema
contém elementos de forte instabilidade. A sua manutenção e estabilidade exigem, por um lado,
uma acentuada autolimitação por parte das superpotências; por outro lado, um papel comedido e
não radicalizado quer dos actores não pertencentes a blocos, quer da organização internacional
fundamental, pois, caso contrário, pode dar-se o caso de uma das superpotências (e os seus aliados
mais consistentes) porem em causa a própria organização internacional, retirando-se da mesma,
com o consequente enfraquecimento da sua capacidade e utilidade.

g. O sistema de «detente» pressupõe uma acentuada convergência entre as superpotências nos


campos político, económico e cultural, com uma crescente e alargada circulação (de bens,
pessoas e ideias) entre as mesmas, pelo que o sistema tenderia para homogéneo; as superpotências
seriam, sobretudo, competitivas entre si, em vez de hostis, isto é, as tensões e
desconfianças mútuas abrandariam substancialmente, verificando-se acordos substanciais no campo
do controlo de armamentos, traduzidos mesmo numa redução de forças e eventual
desmilitarização de algumas áreas.
Em consequência do sistema de «detente», enfraqueceria a organização interna dos dois
blocos; a disciplina de atitudes no interior de cada bloco diminuiria também, passando a ser possível
que membros de um bloco tomassem posições contrárias as do líder do mesmo bloco e alinhadas
pelas do líder do bloco oposto, em alguns aspectos concretos da política internacional, mesmo na
área territorial do bloco.
No campo do direito internacional, verificar-se-ia um seu reforço, sendo mais generalizadamente
respeitado o princípio da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados. Por outro lado, a
organização internacional fundamental veria reforçado o seu papel, em especial no que se refere à
manutenção da paz com a colaboração das superpotências, ao controlo de armamentos, à utilização
do espaço exterior e das águas internacionais, etc., etc.

h. Como se vê, as características das variantes de um sistema bipolar dependem,


fundamentalmente, da maior ou menor tensão, equilíbrio, confiança ou suspeição ou radicalização
ideológica entre as duas superpotências. Assim, como a história contemporânea o revela, embora
possa ser lento o processo de evolução da variante «rígida» para a «muito flexível», um agravamento
súbito da tensão entre as superpotências pode transformar rapidamente uma variante de «detente», por
exemplo, na variante «rígida».

6. Sistemas multipolares

a. Um sistema multipolar tem mais de dois (embora poucos) centros de poder. É o sistema
também conhecido por «balança de poder». M. Kaplan considera necessária a existência de, pelo
menos, cinco actores principais e apresenta seis regras que regeriam o funcionamento do sistema;
R. Aron critica tais pontos de vista e considera fundamental apenas uma dessas regras, a qual
constituiria a essência do equilíbrio do sistema: «cada actor principal deve actuar de modo a opor-se a
qualquer coligação ou outro actor principal que tenda a assumir uma posição de predominância em
relação ao resto do sistema».
b. Um sistema multipolar apresenta as seguintes características fundamentais:
- o número de relações principais é igual à combinação do número de pólos dois a dois;
- as alianças tendem a ser especificas e de curta duração, ditadas pela lógica do equilíbrio e não
por ideologias;
- como são possíveis várias combinações de equilíbrio, há mais flexibilidade nas políticas externas
dos actores principais e secundários, com maior oportunidade para o deslocamento dos
alinhamentos.
c. Para a maioria dos autores, o actual sistema bipolar tende a transformar-se em multipolar, com
a ascensão da China, o movimento para a integração da Europa Ocidental, etc. Todavia, tal sistema,
a verificar-se diferirá significativamente do sistema de «balança de poder» europeu, que vigorou
desde o fim das guerras napoleónicas até a 1.ª GM. Para o efeito, vários autores apontam a
impossibilidade, ao nível de potências nucleares, de existência de alianças no sentido tradicional
e de um «balanceiro» ou «fiel da balança» que, no modelo tradicional, era o restabelecedor do
equilíbrio.
7. Sistemas difusos
a. Um sistema difuso é um sistema multipolar em que o número de pólos é muito elevado. No
passado, poderia confundir-se com um sistema multipolar; hoje em dia, em consequência do facto
nuclear, pode vir a assumir características específicas, sendo de encarar duas grandes variantes, de
acordo com M. Kaplan, em função das possibilidades de proliferação de potências nucleares e das
características que esta assumir:
- sistema difuso não oligárquico («unit veto»);
- sistema difuso oligárquico (“incomplete nuclear diffusion”).

b. A primeira variante assenta na hipótese de uma proliferação geral de potências nucleares


com sistemas de armas de idêntica e elevada sofisticação, a qual acabaria por conferir um direito de
«veto» a cada umas dessas grandes potências, conduzindo a um «equilíbrio pelo terror» generalizado,
em que todos se vetariam mutuamente.
De facto, admitamos que se cai num mundo de, por exemplo, vinte superpotências nucleares, todas
elas com uma apreciável capacidade contra-forças. Uma potência que iniciasse um ataque nuclear
contra outra, embora podendo aniquilar parte substancial da capacidade de represália desta última,
gastaria para o efeito a maior parte do seu arsenal nuclear; em consequência, ficaria vulnerável a um
subsequente ataque por um terceiro atacante e assim sucessivamente. Estas vulnerabilidades
recíprocas tendem, naturalmente, a criar uma paralisia geral e, por conseguinte, a tornar
extremamente improvável que qualquer dessas grandes potências tome a iniciativa de um ataque
nuclear.

Num sistema deste tipo observar-se-iam, segundo alguns autores, as seguintes tendências:
- políticas externas isolacionistas das superpotências nucleares;
- desaparecimento das alianças, as quais, em qualquer caso, seriam precárias;
- cada grande potência tenderia a definir claramente a sua zona de influência (considerada de
segurança) numa base regional;
- desaparecimento de pretensões a hegemonia;
- as guerras que viessem a ocorrer seriam não nucleares e limitadas na sua área geográfica;
- atenuação substancial da radicalização ideológica, caminhando-se, consequentemente, para um
sistema homogéneo;
- redução das funções e da importância da organização internacional fundamental.
c. A segunda variante corresponde também à hipótese de uma proliferação nuclear, mas em
que a maioria das potências nucleares disporia apenas de forças nucleares reduzidas e
vulneráveis, em total desproporção com as de um número reduzido de superpotências nucleares.
Como este sistema será analisado na 5.ª Parte do Curso, quando tratarmos da proliferação
nuclear, limitamo-nos, neste momento, a referi-lo.

8. Considerações complementares sobre bipolaridade e multipolaridade

a. As potenciais vantagens e inconvenientes, em termos de estabilidade, dos sistemas bipolares e


multipolares têm sido objecto de largo debate na literatura especializada. Pelo seu interesse, e
sintetizando o que anteriormente foi referido, alinharemos os principais argumentos que têm sido
avançados.
b. No que se refere aos sistemas bipolares, aponta-se que:
1) Acentuam o antagonismo, em consequência da obsessão e constante receio relativamente ao
“outro”, desenvolvendo uma atmosfera de constante pressão; mas, em consequência desse
receio mútuo, as superpotências são obrigadas a uma atitude de prudência e de autolimitação.
Quer dizer, um sistema bipolar é potencialmente fértil em tensões e crises, mas são menores
as probabilidades de um conflito violento entre as grandes potências.
2) Havendo apenas dois grandes antagonistas, os campos estão definidos, bem como as suas
fronteiras; a luta, surda, entre as superpotências desenrola-se, fundamentalmente, de
maneira indirecta, nas periferias. Mas nestas é difícil que ocorra qualquer conflito que não
possa ser controlado pelas superpotências. Quer dizer, os conflitos são localizados, no quadro
de um equilíbrio ou estabilidade globais.
3) Em virtude de a competição ser intensiva, abrangendo domínios variados como a preparação
militar, propaganda, crescimento económico, etc., nada escapa ao cálculo em termos do
equilíbrio internacional.
4) Em virtude de os adversários essenciais serem apenas dois, há possibilidade de ambos se
conhecerem mútua e profundamente no que se refere a possibilidades, intenções e grandes
interesses. É, assim, reduzida a probabilidade de um grande conflito entre ambos por erro de
cálculo, escalada incontrolável, etc.
5) Embora um conflito violento entre as duas superpotências seja pouco provável, a verificar-se
afectará não só toda a humanidade (já que todos os actores secundários terão
obrigatoriamente de alinhar por um dos pólos), como terá para a mesma consequências
incalculáveis.
6) A preponderância das duas superpotências faz com que pequenas variações no equilíbrio não
tenham influência decisiva. O sistema pode, assim, absorver perturbações menores que,
noutros sistemas, poderiam originar um conflito generalizado.

c. Quanto aos sistemas multipolares, argumenta-se que:


1) Como são em maior número as interacções primárias, isto é, como cada pólo tem relações
com vários pólos, entrecruzam-se interesses convergentes e divergentes. Esta maior interacção
contribuiria para uma maior estabilidade.
2) A distribuição do poder por vários pólos dificultaria quaisquer tentativas hegemónicas por
qualquer deles. Por outro lado, o cruzamento de interesses obrigaria a políticas mais flexíveis,
buscando mais o compromisso que a radicalização, tudo contribuindo para baixar o nível de
tensões e a ocorrência de crises graves.
3) A interacção entre os pólos reflectir-se-ia ao nível das alianças, que dariam consequentemente
origem a blocos menos rígidos. Um membro de uma aliança compartilharia certamente
interesses comuns e divergentes com os seus aliados, mas provavelmente também com alguns
membros de coligações opostas, o que também contribuiria para baixar o nível de tensões.
4) Quanto maior é o numero de actores principais, menor é a atenção que cada um pode prestar a
um outro. A obsessão do «outro», característica de um sistema bipolar atenua-se.
5) Um conflito grave entre dois pólos não envolverá, obrigatoriamente, os restantes, pelo que
poderá não afectar toda a humanidade.
6) Um sistema multipolar dificulta a definição de «fronteiras» claras. Por outro lado, a maior
flexibilidade dos actores principais e secundários pode contribuir para o desenvolvimento de
comportamentos ambíguos. A maior indefinição das «fronteiras» entre zonas de influência e a
ambiguidade de comportamentos aumentam a probabilidade de ocorrência de conflitos graves
por erro de cálculo; por outro lado, um maior número de actores principais dificulta o controlo de
qualquer escalada, se ocorrer qualquer conflito grave. Quer dizer, um sistema multipolar será,
potencialmente, menos tenso e com menos crises graves; mas no caso de ocorrência de uma crise
grave, esta pode mais facilmente degenerar num conflito violento de mais difícil controlo.

9. Características do sistema internacional contemporâneo

Resumindo o que neste e em anteriores capítulos foi referido sobre o assunto, podemos
dizer que o sistema internacional contemporâneo se caracteriza por:

a. Heterogeneidade e complexidade (actores numerosos de varia natureza e com prismas de


valores muito diferenciados).

b. O grande potencial de destruição daqueles que possuem armas nucleares e modernos


sistemas de lançamento.

c. Uma bipolarização hoje em dia flexível, com prospectos de passagem a «detente», mas
sem exclusão da possibilidade de retorno a uma bipolarização rígida.

d. A perspectiva, a médio prazo, de uma evolução para um sistema multipolar, com a ascensão
da China e, eventualmente, da Europa Ocidental e Japão.

e. A crescente vulnerabilidade dos Estados a intrusões externas, incluindo subversão,


terrorismo internacional, pressões económicas, acção militar, etc.

f. A crescente importância de actores que não são Estados, tais como organizações internacionais,
empresas multinacionais, grupos de interesses e internacionais políticas, que transcendem as fronteiras
nacionais.

g. O aparecimento de tendências supranacionais, pelo menos a níveis regionais.

h. A posição predominante alcançada por três potências essencialmente não europeias (EUA,
URSS e China), o que, em relação a sistemas anteriores, significa uma deslocação dos centros
do sistema para fora da Europa.

i. O elevado grau de interdependência de todos os tipos de actores.

j. A mundialização do sistema e, consequentemente, das relações, acontecimentos e problemas.


CAPÍTULO IV

O PODER E A POLÍTICA

1. Essência da política

a. Generalidades
Analisados os actores e estruturas do sistema internacional, convirá, tendo em vista o objecto do
Curso, determo-nos um pouco nas seguintes questões fundamentais:
- quais os fins visados pelos actores?
- a acção, tendo em vista esses fins, a que tipos de relações e interacções pode conduzir?
- como surgem as situações de conflito e como podem ser resolvidas, isto é, qual a génese do
fenómeno estratégico?

Neste capítulo abordaremos, resumidamente, as duas primeiras questões. E não só porque os


Estados são os actores mais completos e determinantes, mas também por facilidade da análise e
redução desta ao essencial para o objectivo do Curso, cingimo-nos ao «sistema de Estados».

b. Fins, objectivos e interesses


J. Freund sistematiza a análise da essência do fenómeno político segundo três níveis:
- o nível teleológico, que determina a finalidade específica da política;
- o nível a que chama (talvez à falta de melhor termo) de tecnológico, caracterizado pela
realização de objectivos limitados e parcelares e que traduzem, a todo o momento, a forma
como se procura alcançar aquela finalidade;
- o nível escatológico ou dos fins últimos do homem, que não são realizáveis apenas pela Política,
mas em que esta é uma das dimensões da actividade humana que, como tal, contribui para que o
homem atinja esses fins últimos.
De acordo com esta sistematização (e pondo de lado o nível escatológico que se relaciona
também com a Política, mas não é especifico desta) temos, como base terminológica:
- finalidade da Política (ou, acrescentaremos nós, objectivos últimos);
- objectivos políticos (a longo, médio e curto prazo).
Na literatura da ciência política, especialmente anglo-saxónica, surge frequentemente o termo
«interesse», exprimindo o que o Estado, tendo em vista os seus fins, entende como necessário ou
desejável em relação a uma situação, região ou problema específicos. Como o que é desejável ou
necessário se transforma, evidentemente, num objectivo da Política, há uma correspondência natural
entre os termos «interesse» e «objectivos». Assim, a independência, a soberania, a integridade terri-
torial, a liberdade dos mares, etc., são referidos, conforme os autores, ou como “objectivos” ou como
«interesses».

c. Finalidade ou objectivos últimos da Política


Como já foi dito, os objectivos últimos ou teleológicos da Política e que, por conseguinte,
determinam a essência do que é político, são a SEGURANÇA e o PROGRESSO E BEM-ES-
TAR SOCIAL. A estes dois fins alguns autores juntam, por vezes, dois outros que não apresentam o
mesmo carácter de constância e de universalidade: o PRESTÍGIO e o TRIUNFO DE UMA
IDEIA.
Por outro lado, no âmbito interno, se bem que o poder se destine a alcançar aqueles objectivos
últimos, parece evidente que ele é também um instrumento cuja posse permite servir os interesses de
certas forças, classes ou grupos sociais, pelo que, neste último aspecto, a Política envolve sempre uma
«luta pelo poder». A conquista ou a conservação ou a melhoria da posição de poder torna-se, assim, um
objectivo de todo o chefe político. Além disso, é através do poder que os objectivos últimos podem ser
alcançados.
Oportunamente analisaremos com algum pormenor os objectivos últimos da Política.

d. Hierarquia dos objectivos políticos


Os objectivos a alcançar, a todo o momento, pela Política, podem ser de múltipla natureza, de
importância variada, de âmbito diverso, de diferente dimensão temporal, etc., etc. Vejamos alguns
exemplos de tal variedade:
- Garantir a soberania nas águas territoriais.
- Conseguir que um determinado governo baixe as tarifas aduaneiras.
- Procurar alterar a Carta da ONU.
- Evitar a expansão, numa determinada área geográfica, de uma ideologia rival.
- Obter a libertação de um cidadão que se encontra prisioneiro num país estrangeiro.
- Alcançar uma capacidade de dissuasão em relação a determinada ameaça.
- Garantir a inviolabilidade e integridade do território.
- Manter no poder um governo amigo.
Na 3.ª Parte serão abordados alguns critérios de classificação destes vários tipos de objectivos.
De momento, referiremos o que respeita à hierarquia ou importância dos objectivos, bem
reflectida na listagem acima, em que uns são determinantes para os fins últimos do Estado e
outros são de valor relativamente reduzido. Assim, do ponto de vista da sua importância, os
objectivos políticos podem ser classificados como vitais, importantes ou secundários. São vitais
os objectivos cuja consecução é entendida como directamente indispensável à sobrevivência
nacional, pelo que, se necessário, o Estado mobilizará, para a sua consecução ou preservação,
todos os recursos e recorrerá a todos os meios ou processos, militares e não-militares, que
estiverem ao seu alcance; um objectivo vital não é negociável. São considerados importantes os
objectivos que se relacionam, de forma significativa, com os fins últimos da política, mas sem
serem indispensáveis à sobrevivência nacional, de modo que poderão obrigar ao emprego da força
militar, mas de uma forma limitada e de acordo com um esforço proporcional ao valor atribuído
ao objectivo em jogo. Diz-se, por vezes, que, por objectivos vitais, «morre-se»; por objectivos
importantes, «combate-se»; e, por objectivos secundários, «negoceia-se». Por exemplo, os EUA
consideraram que o controlo de todo o Vietname por um regime comunista poderia abrir o
caminho à extensão daquele regime a outras áreas vizinhas (teoria do dominó), o que alteraria de
forma significativa o equilíbrio na região e afectaria de forma apreciável, no entender do Governo
dos EUA, a segurança americana. Em função desta análise, os EUA consideraram como objectivo
importante impedirem que o Vietname do Sul caísse sob um regime comunista e envolveram-se,
para o efeito, numa guerra limitada.
É evidente que esta classificação dos objectivos políticos não é rígida, é variável ao longo dos
tempos e depende muito da hierarquia de valores prevalecente ou da conjuntura histórica. Assim,
objectivos que, numa dada conjuntura, eram entendidos como vitais ou importantes podem, de
um momento para o outro, passar a secundários a vice-versa. Foi o que se passou com muitos
objectivos relacionados com a colonização.
Os objectivos secundários alimentam o grosso da vida internacional e da actividade diplomática.
As relações internacionais são, assim, essencialmente constituídas, a todo o momento, por uma
teia em que se negoceiam objectivos secundários através de concessões mútuas (pelo que só
tem capacidade negocial quem é rico em alguma coisa...), acompanhada de fenómenos de
conflitualidade e violência variáveis, em torno de objectivos importantes ou vitais para os vários
actores, e que evoluem essencialmente em função das relações de poder.

2. Política de poder

a. Tipos de relações sociais

A consecução dos fins últimos da política conduz, nos campos interno ou externo, a relações que
podem ser de cooperação de acomodação ou de conflito. De facto, o homem coopera com
outros em objectivos comuns e cria as organizações necessárias para o efeito; acomoda-se aos seus
companheiros, norteando a sua conduta em conformidade com valores comuns e aceitando a pressão
normativa do costume e da lei; mas também aceita o conflito para obter vantagens pessoais ou por
um ideal impessoal.
Na sociedade internacional observam-se também os três processos básicos de relações. As
unidades políticas têm cooperado em objectivos comuns, como, por exemplo, no campo das
comunicações sem as quais o moderno intercâmbio internacional não seria possível; têm através da
aceitação de valores comuns, desenvolvido formas de acomodação que se compendiam num corpo
de normas que constitui o Direito Internacional; mas têm também entrado em conflito e recorrido à
força para alcançar determinados objectivos.
Por conseguinte, se se podem considerar extremistas as concepções que reduzem as relações
sociais a conflitos permanentes, inelutáveis e irredutíveis, ignorando as dimensões da cooperação e
da acomodação, também, à luz da experiência histórica, são utópicas as concepções que
pretendem ignorar a dimensão conflitual e violenta das sociedades reais, independentemente dos
juízos de valor que se formem sobre tal facto. Quer dizer, todas as sociedades, nacionais ou
internacionais, são, em maior ou menor grau, conflituais e impregnadas de violência. Todavia,
os conflitos revestem-se de características e importância diferentes naqueles dois tipos de
sociedades, por estas possuírem características também diferentes.

b. Diferenças entre as sociedades nacionais e a sociedade internacional


As sociedades nacionais revelam um elevado grau de coesão. A uniformidade cultural; o passado
histórico; a comunhão, pelos seus membros, de escalas de valores, de códigos de comportamentos e
de aspirações idênticas; as pressões externas; e, acima de tudo, uma organização política hierarquizada
combinam-se de forma a fazerem de cada sociedade nacional um todo razoavelmente integrado,
distinto de outras sociedades nacionais. Nela as relações de cooperação e de acomodação
sobrepõem-se às de conflito. Trata-se de sociedades em que há um Poder Político, isto é:
- instituições que definem normas, regras e processos, ou seja, que legislam;
- governos que organizam, em maior ou menor grau, os serviços colectivos e a gestão do conjunto
em nome do interesse geral;
- órgãos que julgam infracções ou desvios, isto é, tribunais;
- meios de coacção, organizados e monopolizados pelo Poder Político, capazes de agir contra os
infractores ou recalcitrantes, por forma a garantir-se a segurança e a ordem no interior da
sociedade.

Pode dizer-se que, nas sociedades nacionais, «a força do direito impera sobre o direito da
força».
Ora, na sociedade internacional o processo de integração é ainda muito incipiente. Nela não há
«legislador, nem juiz, nem polícia». Em consequência, o contraste mais frisante entre as condições
existentes no interior dos Estados e as da sociedade internacional reside em que nos primeiros
existe ordem, enquanto a segunda é desordenada. A independência soberana dos Estados, a
ausência de uma autoridade superior dão às relações entre Estados um carácter peculiar de anarquia.
E, em consequência, os conflitos tendem a ser frequentes, não existindo poder superior que force a sua
resolução.

c. Política e poder
Como na sociedade internacional «não há legislador, nem juiz, nem polícia», não existem
também restrições - pelo menos seguramente eficazes - quanto aos meios através dos quais
os Estados, soberanos, podem tentar atingir os seus objectivos específicos. Quer dizer, toda a política
internacional comporta um choque constante de vontades, visto que é constituída, essencialmente, por
relações entre Estados que se pretendem determinar livremente e que tendem a fazer o que podem e
não o que devem. É esta a essência da política de poder que, mau grado a criação da SDN e da
ONU e os esforços no sentido do desenvolvimento do Direito Internacional, ainda hoje
domina a cena internacional. Podemos, portanto, definir a política de poder como um sistema de
relações internacionais em que os Estados se consideram a si próprios como fins últimos e em que,
consequentemente, empregam, ao menos com propósitos vitais, os meios à sua disposição que
considerem mais eficazes e avaliados apenas segundo o critério do seu valor em caso de conflito.
Tal significa que, contrariamente ao que referimos para as sociedades nacionais, na sociedade
internacional tende a predominar «o direito da força», pelo menos sempre que estejam em
jogo, para um Estado, objectivos considerados vitais ou importantes.

3. A interdependência dos fins

a. Segurança
Toda a unidade política aspira, naturalmente, a manter-se e sobreviver. Como na sociedade
internacional não existe uma organização capaz de, eficazmente, preservar a ordem e de fazer e
aplicar a lei, cada Estado tem, como preocupação primária, a sua segurança, a fim de poder garantir
a sua existência, usufruir os seus direitos e proteger os seus interesses.
A seguranca traduz um estado ou condição, mas é também um fenómeno psicológico. Aliás, a
língua portuguesa recorria, no passado, a duas palavras diferentes para distinguir aquelas duas
acepções: «segurança» e «seguridade». Assim, o Dicionário de Morais e Silva assinala:

Segurança: diz-se das pessoas e das coisas; seguridade somente se diz das pessoas e
refere-se ao estado de espírito.
A segurança exprime a efectiva carência de perigo, quando não existem (ou foram
removidas) as causas dele; seguridade exprime a tranquilidade de espírito, nascida da confiança
que se tem (ou da opinião em que se está) de que não há perigo. Pode o homem sentir-se em
seguridade quando, na realidade, a sua segurança está ameaçada; e, pelo contrário, pode haver
segurança e o homem não se sentir em seguridade.

A primeira situação (seguridade sem segurança) é muito frequente, nos planos individual e
colectivo, e reflecte uma inconsciência dos perigos; nela reside a displicência com que, muitas
vezes, são encarados os assuntos da defesa nacional. A segunda situação pode traduzir uma
doença ou paranóia.
A segurança é um estado instável, dependente não só de decisões próprias, mas também das
decisões dos outros ou da confluência de circunstâncias variáveis: um ambiente, num determinado
momento, vazio de perigos pode, instantaneamente, tornar-se inseguro, em consequência de decisões
próprias ou alheias. A segurança não é, assim, um dado adquirido, exigindo uma atenção permanente.
As dimensões do problema da segurança de um determinado Estado são, em grande parte, um
reflexo situacional, que pouco tem a ver com a vontade desse Estado. Assim, por exemplo, a
situação geográfica pode, por si só, determinar graus de segurança, conforme esse Estado se
situa em relação a tensões importantes entre outros Estados (excentricamente ou não).
O conceito de segurança pode ser considerado como incluindo apenas a garantia da
independência, da soberania, da integridade territorial e da unidade do Estado ou pode ser entendido
como abrangendo todo um conjunto de interesses, que podem ir desde a garantia de acesso a
matérias-primas essenciais até a protecção de investimentos e de cidadãos nacionais no estrangeiro,
desde cinturas de segurança a zonas de influência ou neutralizadas, desde o controlo do nível de
capacidade militar de adversários potenciais e vizinhos até à uniformidade dos regimes e sistemas
políticos, etc., etc. Assim, a preocupação da segurança pode tornar-se tão ambiciosa que acabe por se
transformar numa aspiração de ilimitada expansão. A miragem da segurança absoluta exigiria, no
plano individual, que se vencesse a morte e, no plano colectivo político, o domínio do mundo... Ora, a
noção de “perigo” tem de ser associada, por um lado, à probabilidade da sua ocorrência (caso
contrário, as pessoas normais não andariam de avião...) e, por outro lado, ao valor do que pode ser
afectado ou que fica em jogo. Em consequência, há riscos que são aceitáveis, ou porque são
remotamente prováveis ou porque afectam interesses de valor pouco significativo perante os
custos que a superação daqueles riscos exigiria. A segurança deve ser, portanto, entendida como um
valor relativo, que exigirá uma mobilização de esforços que deverá ser função da probabilidade de
ocorrência das ameaças admitidas, da sua periculosidade e do valor do que está em jogo e,
consequentemente, dos riscos calculados.

A segurança, como resultado da capacidade para superar os perigos que podem afectar os fins do
Estado, pode assentar ou em recursos próprios, ou nestes conjugados com o apoio de amigos, ou na
fraqueza dos adversários potenciais. Tal significa que um Estado pode procurar a sua segurança ou
através de um alargamento do seu próprio poder e/ou arranjando aliados e/ou através de acções
que conduzam ao enfraquecimento e desgaste dos seus adversários. Aparentemente, o Estado será
tanto mais seguro quanto mais forte. Mas deve notar-se que um aumento da força nem sempre se
traduz numa maior segurança. De facto, em qualquer sistema de equilíbrio existe um «optimum» de
forças, cuja ultrapassagem, ao propiciar condições de hegemonia, tenderá a romper o equilíbrio do
sistema. Tal situação pode originar um enfraquecimento relativo, provocado pela passagem de
aliados para a neutralidade ou de neutros para o campo adverso ou motivado por um esforço
simétrico e mais bem sucedido por parte do(s) adversário(s). Assim, por exemplo, é discutível que os
EUA ou a URSS se encontrem, hoje em dia, mais seguros que há dez anos, apesar de disporem de
meios militares muito mais sofisticados e poderosos.
b. Prosperidade e bem-estar social
A satisfação das necessidades materiais e morais da sociedade, através da produção de bens e
sua adequada repartição e da prestação de serviços, assenta, em grande parte, em medidas de política
interna; mas implica também medidas variadas de projecção externa, como podem ser a obtenção de
matérias-primas, a aquisição de equipamentos, a conquista de mercados para os excedentes de
produção, a colocação de excedentes demográficos, a captação de fluxos turísticos, a obtenção de
mão-de-obra, etc.. etc.

c. Relações reciprocas
A decomposição da política nas duas finalidades atrás referidas é útil para efeitos de análise,
mas deve ter-se presente que se trata de um artifício, na medida em que a política é una e
incindível. Aqueles objectivos últimos são interdependentes e podem implicar acções que se
excluem, que se complementam ou que se reforçam reciprocamente.
Assim, sem segurança dificilmente haverá progresso e bem-estar social. De facto, as situações
de instabilidade ou de risco de guerra, no campo internacional ou interno, em regra abalam a confiança
necessária aos investimentos produtivos, originam fugas de capitais para regiões consideradas mais
seguras, propiciam situações de pânico e de especulação, etc., etc., tudo se traduzindo numa retracção
económica e tensão social, contrárias às necessidades do progresso e bem-estar social. Por outro lado,
sem progresso e bem-estar social são reduzidas as possibilidades de se alcançar o desejável grau de
segurança, não só porque há riscos de quebra da coesão social e de um enfraquecimento das
motivações necessárias a qualquer esforço no campo da segurança, como serão escassos os recursos
materiais que poderão ser orientados para um reforço das condições de segurança, como, ainda,
serão acrescidas e variadas as vulnerabilidades a formas de pressão externa.

Mas «segurança» e «progresso e bem-estar social» são também, por vezes, objectivos
contraditórios. De facto, os recursos de um país são sempre escassos em relação ao desejável,
pelo que um dos grandes problemas que se põe ao decisor político é o da atribuição de recursos,
escassos, pelos vários sectores de actividade, o que se traduz por opções de acordo com determinados
critérios de prioridade. Assim, um esforço no campo da segurança militar, por exemplo, significará
uma redução de possibilidades em sectores mais directamente relacionados com o progresso e bem-
estar e vice-versa: é o velho problema dos «canhões e da manteiga».
Em contrapartida há esforços no campo da «segurança» que podem contribuir para o «progresso
e bem-estar», bastando para o efeito atentar no papel de dinamizador económico
desempenhado pela investigação para a defesa ou pelas chamadas indústrias de defesa, bem como,
noutro plano, na valorização física e tecnológica da população jovem de um país obtida através do
serviço militar. E, como é evidente, há acções que visam o progresso e bem-estar social e que se
reflectem, directamente, numa melhoria das condições de segurança de um país, como pode ser, por
exemplo, o desenvolvimento de uma frota marítima adequada ou de fontes que garantam a auto-
suficiência energética.
Em face do exposto, os dois objectivos últimos da política não devem ser considerados
dicotomicamente, como algo que se exclui mutuamente. Nem há razão para se falar em «política de
segurança» em oposição ou alternativa a «política de desenvolvimento», por exemplo. Os dois
objectivos últimos devem, na medida em que são interdependentes, ser analisados de uma forma
global, traduzindo a unidade da política. A URSS (grande potência militar; deficiente
potência económico-social), o Japão (grande potência económico-social; fraca potência militar) e
os EUA (potência militar e económico-social equilibrada) podem servir de modelos.
4. Tipos de política externa

a. Generalidades
Como referimos no capítulo I, todo o sistema busca o equilíbrio, através de um contínuo
reajustamento das relações de forças no seu seio. Ora, toda a política visa, nas suas grandes linhas
gerais, ou a conservação e protecção da combinação de valores existentes ou a obtenção de novos
valores. A estes dois esquemas básicos correspondem, seguindo de perto H. Morgenthau, duas
políticas internacionais típicas. Assim, um Estado cuja política externa tende para a manutenção
da relação de forças e da situação de equilíbrio existentes prossegue uma política de «status quo»
um Estado cuja política externa visa uma modificação a seu favor da relação de forças e o controlo
político de novas áreas prossegue uma política expansionista.

b. Política de «status quo»


A política de «status quo» é de natureza conservadora e, como se referiu, visa a manutenção da
relação de forças e de áreas de influência que traduzem o equilíbrio gerado num determinado momento
histórico. Este é, frequentemente, o final de uma «guerra quente», em que a nova articulação de poder
é reconhecida e sancionada por Tratados ou Acordos.
Uma política de «status quo» não significa um imobilismo e uma oposição a toda e qualquer
modificação, sendo compatível com flutuações ou ajustamentos que não alterem a relação de forças
entre os principais Estados interessados. Assim, por exemplo, a partir de 1949 no conjunto da
Europa verificou-se uma política de «status quo».

c. Política expansionista
O poder dificilmente se autolimita, tendendo a visar os objectives que estiverem ao seu alcance.
Quanto maior for o poder, mais ambiciosos podem ser os objectivos visados; a consecução destes
proporciona bases mais vastas que permitem apoiar a obtenção de novos objectivos, ainda mais
ambiciosos. Pode originar-se, assim, um poder em crescimento acelerado, o qual tende a ser
dinâmico no campo externo e a gerar políticas expansionistas, a não ser que seja contido por
adequados contra-poderes.
O expansionismo pode resultar de uma política deliberada. Mas a História mostra que há certas
situações ou conjunturas que, quase inevitavelmente, conduzem a políticas expansionistas,
independentemente das intenções iniciais dos seus agentes. Entre essas situações figuram uma
guerra vitoriosa e uma situação de fraqueza política.
Numa situação de guerra quente, é muito natural que, quando se comece a desenhar um vencedor e
um vencido, aquele passe a conduzir, independentemente da natureza dos seus objectivos iniciais,
uma política expansionista, destinada a provocar uma modificação permanente e favorável na
relação de forças com o adversário derrotado, a qual definirá o novo «status quo» do após-guerra.
Assim, uma guerra inicialmente considerada (pelo futuro vencedor) como meramente defensiva
pode transformar-se, com a aproximação da vitória, em guerra expansionista (caso da França em
1914; da URSS em 1945; e de Israel em 1967).
Outra situação típica que favorece o aparecimento de uma política expansionista é a existência
de Estados fracos ou de espaços politicamente vazios, acessíveis a um Estado forte (o poder tem
horror ao vazio... ).
Uma política expansionista não significa, necessariamente, a anexação ou a conquista militar de
novas áreas territoriais: basta, por exemplo, promover o acesso ao poder, no território visado, de um
«governo-fantoche», favorável ou dependente dos interesses do Estado dominante. Por outro lado,
nem todas as acções expansionistas traduzem uma política expansionista: a difusão de uma língua,
por exemplo, não implica necessariamente o controlo político das áreas em que penetra; o mesmo
pode acontecer com o expansionismo económico (caso do Japão, por exemplo). Em contrapartida,
uma ajuda económica ou o fomento de uma ideologia, por exemplo, podem ser instrumentos de uma
política expansionista. Quer dizer, é o fim visado (controlo político de novas áreas), e não os meios,
que permite afirmar a existência ou não de uma política expansionista.

5. Os sofismas ideológicos e a política


Em cada situação concreta, o estadista decide, não com base em princípios altruístas, mas à luz da
sua interpretação da decisão que, nessa situação, se apresenta como mais vantajosa e com menos
inconvenientes para a nação. Face aos objectivos últimos da política, as grandes questões que se
põem ao chefe político são do seguinte tipo: Qual a decisão que melhor contribui para a
segurança nacional? Ou para o progresso e bem-estar social? Ou para o prestígio do país? Ou para a
conquista, conservação ou melhoria da posição de poder? A prevalência dos interesses
nacionais faz que, por vezes, os reais objectivos prosseguidos não podem ser claramente afirmados,
por contrariarem ou princípios políticos oficialmente defendidos ou sectores significativos da opinião
mundial e que interessa não hostilizar, ou por poderem suscitar reacções desfavoráveis de outros
Estados e que se pretendem evitar, ou por poderem ser impopulares à escala nacional, etc. Nestas
situações, a política prosseguida é, então, apresentada e justificada em termos de ordem ética,
jurídica, biológica, científica, etc., isto é, a verdadeira natureza dessa política é «camuflada» por
justificações e racionalizações ideológicas. Tal é particularmente o caso de uma política
expansionista, que, como é evidente, não pode ser declarada como tal, mas que, ao mesmo tempo,
tem de procurar provar e convencer que o «status quo» existente deve ser alterado.
Quando apela à justificações de ordem juridica, uma política expansionista invoca normalmente,
não o direito positivo, mas a doutrina do direito natural, já que o primeiro tende a ser suporte do
que existe. Também o movimento de descolonização assentou, de início, em justificações deste
tipo, visto que o direito internacional positivo seria a expressão da cultura e do equilíbrio de
interesses das potências colonizadoras.
O movimento de colonização foi racionalizado sob formas éticas ou religiosas, que viriam a
traduzir-se em expressões ou conceitos tais como «o fardo do homem branco», o direito de
exploração de riquezas inexploradas em benefício da humanidade», «a propagação da fé»,
etc. O expansionismo árabe também se justifica em termos de uma missão religiosa (adquirindo
nova virulência com o fundamentalismo islâmico). A expansão russa tem, ao longo da
História, recorrido a racionalizações que se baseiam na fé ortodoxa, no pan-eslavismo, na
revolução mundial, na solidariedade para com os povos oprimidos, etc., etc.
Sob a influência das concepções de Darwin e Spencer, têm sido aduzidos argumentos de ordem
biológica, como sejam os da teoria do «espaço vital», que serviu de base à tentativa de expan-
sionismo da Alemanha na década de 30.
O princípio da autodeterminação justificou a independência de grandes regiões da África e da
Ásia, em relação às antigas metrópoles. Mas a destruição da anterior ordem política, em
nome da autodeterminação, abriu caminho, por vezes, a novos expansionismos, sob a forma
económica (neocolonialismo) ou ideológica.
Hoje em dia, observam-se frequentemente, em apoio de políticas prosseguidas,
racionalizações de significado ambíguo, na medida em que, umas vezes, «as palavras
correspondem aos actos», mas, outras vezes, tal não acontece, pelo que tais racionalizações
ideológicas não são mais que cortinas de propaganda. Tal é, por exemplo, o caso de invocações
como o «anti-imperialismo», «o respeito pelos princípios da Carta da ONU», «a defesa da paz», «o
perigo nuclear», «a defesa ou promoção da democracia», «os direitos do homem», etc., etc.
Quanto ao «anti-imperialismo» basta notar que, em 1914 como em 1939, ambos os partidos
afirmaram entrar em guerra para se defenderem contra as tentativas imperialistas do outro contendor
e que, desde o fim da 2.ª GM, americanos e russos se acusam reciprocamente de imperialistas.
Todos os membros da ONU se apresentam como defensores dos princípios da Carta. Como os
vários Estados prosseguem, frequentemente, políticas contraditórias, a referência à ONU e à sua Carta
torna-se, então, um artificio ideológico, através do qual cada Estado procura justificar a sua política
à luz de princípios geralmente aceites.
Torna-se também evidente que certos «congressos de paz», «ofensivas de paz», campanhas contra
o «perigo nuclear», etc., quer pelos momentos e forma simultânea como ocorrem em vários locais,
quer pelas organizações que as patrocinam ou promovem e seu enfeudamento ideológico, são
apenas armas típicas de propaganda, destinadas, ou a paralisar e desequilibrar psicologicamente o
adversário, e/ou a mascarar sob a forma do pacifismo a verdadeira natureza das políticas
prosseguidas e/ou a conquistar o apoio da opinião pública para essas políticas.
A «defesa da democracia» e «dos direitos do homem» constituem, evidentemente, causas nobres.
Mas sendo tais causas frequentemente invocadas, em relação a outras áreas, por governos assentes em
princípios e actos muito diferenciados e antagónicos, aquelas invocações são também, frequentemente,
apenas uma arma de propaganda, destinada a inverter situações nas áreas visadas, num
sentido mais favorável aos objectivos dos promotores dessas campanhas.
CAPÍTULO V

CONFLITOS ENTRE ESTADOS E NO INTERIOR DOS ESTADOS

1. Formas de Resolução
No caso de um conflito, os diferentes métodos gerais de resolução podem ser agrupados nas
seguintes categorias:
- persuasão;
- negociação;
- mediação, arbitragem, bons ofícios;
- tribunais;
- coacção;
empregados de duas formas, também gerais
- a acção directa;
- a acção indirecta.
Relativamente aos métodos indicados, tal não significa que cada esforço no sentido de resolução
de um conflito caia, exclusivamente, numa daquelas categorias. Pelo contrário, as políticas mais
felizes consistem, em regra, numa judiciosa combinação de todas elas.
Por exemplo, suponhamos um conflito entre uma entidade patronal e um sindicato. Pode procurar-
se, directamente, a solução do conflito pela persuasão. Se os argumentos, tal como apresentados, não
forem convincentes, podem entabular-se negociações, tendo em vista a obtenção de concessões
mútuas. Se a negociação falha, as partes podem tentar a mediação ou aceitar a arbitragem. O
sindicato pode, porém, recusar a solução pacífica e passar à acção violenta sob a forma, por exemplo,
de uma greve. Em qualquer caso, os oponentes tentarão todos os métodos possíveis para influenciar o
comportamento um do outro. A força do grupo influenciará, obviamente, a escolha do método e seria
um erro supor que aquela é apenas importante no caso da coacção. Pelo contrário, se o sindicato for
poderoso a prova de força pode tornar-se desnecessária e, por exemplo, a negociação poderá ser
conduzida com êxito e com mais facilidade ou a simples ameaça de recurso à greve poderá levar à
retomada de negociações em bases mais generosas para o sindicato.
Os sindicatos, como todos os grupos que actuam no seio do Estado, podem recorrer a uma outra
forma de acção para alcançarem os seus objectivos. Se a acção directa se revelar inadequada,
podem tentar uma via indirecta, através da legislação, procurando obter o emprego, em seu favor, do
poder legislativo do Estado. Poderão assim alcançar, por exemplo, salários mínimos que,
possivelmente, não seriam obtidos pela acção directa sobre as entidades patronais. Há casos em que a
acção indirecta pelas vias constitucionais não é possível, quer pela falta de poder do grupo, quer pela
falta de um mecanismo legal adequado. Então o grupo poderá ser levado a uma acção indirecta de
natureza especial, que terá em vista modificações da Constituição ou da distribuição da
autoridade, a criação de novos órgãos, etc. A acção é, neste caso, orientada não para o emprego
dos instrumentos de governo existentes, mas para a modificação destes ou criação de novos
instrumentos.
Também para a resolução de conflitos entre Estados podem ser empregados os quatro processos
anteriormente referidos, através de uma acção directa ou indirecta. E é evidente que, também
nesta situação, a força não é importante apenas no caso de coacção.
Interessa, porem, salientar que, no caso de um conflito político internacional, o quadro da acção é,
em regra, muito mais vasto que o anteriormente apontado, a título de exemplo, para um conflito
no interior do Estado. De facto, hoje em dia, a contracção do mundo em consequência do
desenvolvimento das comunicações, o carácter ideológico da maioria dos conflitos e a divisão do
mundo em blocos, fazem com que qualquer problema, mesmo de carácter local, interesse mais ou
menos profundamente à quase totalidade da sociedade internacional. O quadro da acção é,
assim, sempre multilateral.

2. Estratégia e diplomacia

Na sua acepção tradicional, a diplomacia é a arte de convencer sem empregar a força. Dos
processos anteriormente referidos vemos que três deles - persuasão, negociação e mediação ou
arbitragem - não envolvem o emprego da força. Aqueles processos inscrever-se-iam, assim,
no campo da diplomacia.
A outra forma de resolução é a coacção, a qual resulta do emprego ou ameaça de emprego da
força, de forma a obrigar o adversário a aceitar os nossos pontos de vista. O emprego da
coacção releva da estratégia.
A distinção assim apresentada é, na realidade, artificiosa. Como vimos, a força não é importante
apenas no caso da coacção. Em rigor, só há diplomacia pura no caso das relações de cooperação e
de acomodação e, quando muito, nas situações de conflito apenas no caso da persuasão, quer sobre
o adversário, quer sobre os neutros, quando, relativamente a estes últimos, tem por fim ganhar
simpatias ou desarmar suspeitas. Nos demais casos, a acção diplomática recorre, em maior ou
menor grau, a formas de pressão (económica, psicológica ou de outra natureza), pelo que o que na
realidade então existe é uma estratégia diplomática.

3. Estratégia e economia

A natureza dos objectivos abstractos e últimos da política - segurança e prosperidade - leva, por
vezes, ao estabelecimento de uma dualidade correspondente entre a estratégia e economia. A
economia, suporte da prosperidade, seria a lógica interna que governa a acção em política interna; a
estratégia, base da segurança, desempenharia o mesmo papel em política externa. O raciocínio é, em
grande medida, válido e a estratégia e a economia surgem-nos assim como dois dos grandes suportes
e instrumentos da política.

Mas, na realidade, a economia intervém, poderosa e crescentemente, nas relações internacionais, e


as lutas internas têm também a sua estratégia. Por outro lado, a estratégia implica sempre atribuições e
repartições de recursos, em que o ângulo económico não pode ser ignorado. De forma que há uma
estratégia económica e há um aspecto económico da estratégia.

4. Síntese

No campo da Política Internacional, não há duas nações que tenham, precisamente, os mesmos
objectivos concretos. Assim, estes podem conduzir uma nação a entrar em conflito ou a estabelecer
alianças com outras nações. No campo da política interna, as divergências quanto à natureza dos
objectivos prosseguidos, à sua prioridade ou à forma de os atingir podem dar origem a conflitos no
interior dos próprios Estados.
Os conflitos entre Estados e os conflitos no interior dos próprios Estados podem variar desde
meros desacordos e litígios de interesses até diferendos fundamentais e irreconciliáveis. Os primeiros
são, por vezes, susceptíveis de ser resolvidos por meios pacíficos - isto é, pela persuasão,
negociação, mediação, arbitragem e outros processos consagrados pelo Direito Internacional - pelo
que não originam, necessariamente, um estado de guerra - declarada ou não - entre os grupos
políticos considerados. O segundo tipo de conflitos só pode ser resolvido coagindo o adversário
a aceitar os nossos pontos de vista, através de uma exploração das possibilidades conferidas pela força.
A coacção pode considerar-se, como veremos, sinónimo de guerra, quer se caracterize pelo
emprego da força militar, quer por uma qualquer aplicação de outros elementos do potencial nacional,
conjugada com o risco de emprego da força militar. A exploração da coacção para se alcançarem
objectivos políticos releva da estratégia.
CAPÍTULO VI

A FORCA EM ACÇÃO

1. Estado de capitulação

Pela coacção procura-se levar o adversário a aceitar os nossos pontos de vista, isto é, a
capitular. Esta capitulação pode ser obtida através de:
- risco de um esmagamento físico, pela destruição ou ameaça de destruição dos seus meios
materiais de reacção;
- risco de uma asfixia económica, impedindo o adversário de manter os meios de reacção de que
dispõe;
- uma substituição do interlocutor, modificando a chefia do adversário num sentido favorável
aos nossos pontos de vista;
- e/ou criando no adversário um estado psicológico de capitulação, pela deterioração das suas
forças morais.

Embora a acção de esmagamento psicológico possa ser acompanhada e facilitada pelas acções que
visam o esmagamento físico ou a asfixia económica, estas últimas não são indispensáveis. Quer dizer, é
possível (pelo menos em teoria) obter a decisão exclusivamente através de uma acção psicológica
adequada que consiga minar o moral do adversário. Aliás, a guerra é, sobretudo, uma prova de vontades
e, como tal, comporta naturalmente um elemento psicológico: só é vencido aquele que se reconhece
como tal. Na guerra absoluta, em que a violência é levada aos extremos, visando o desarmamento ou o
aniquilamento de um dos adversários, o elemento psicológico acaba, é certo, por se apagar. Mas trata-se
de um caso limite. A maior parte das guerras reais são guerras limitadas e nelas é sempre fundamental o
elemento psicológico. De facto, as dificuldades materiais e humanas criadas ao adversário visam,
sobretudo, evidenciar um «custo» superior ao valor do objectivo em jogo, de modo que esse adversário
conclua ser inútil ou irracional prosseguir a guerra e, portanto, capitule. A importância do elemento
psicológico é ainda evidenciada pelo facto de que, desde sempre mas com especial acuidade hoje em
dia, nem sempre é necessária, para se obter a capitulação, a aplicação ou emprego da força: bastará
frequentemente a ameaça de emprego ou a exibição da força.
A acção coerciva tem sido, muitas vezes, identificada apenas com a acção militar e, de facto, esta
última tem desempenhado a maior parte das vezes um papel capital. Mas a guerra nunca é um fenómeno
puramente militar, mas sim de carácter total, onde se combinam e interferem acções diplomáticas,
económicas, psicológicas, de espionagem, subversivas, etc., bem como acções militares, que se não
reduzem a operações militares. Se na maioria dos casos as Forças Armadas têm constituído o elemento
principal, há numerosos exemplos onde têm sido outros os factores decisivos: a revolução interna, o
bloqueio, etc. Assim, a acção coerciva pode revestir-se de várias formas e de diversos graus de
intensidade.

2. Formas de coacção
As formas de coacção relacionam-se com os recursos e capacidades operacionalmente
disponíveis. Assim, a coacção pode ser exercida através das seguintes formas principais, que diz res-
peito aos meios empregados e não aos efeitos obtidos:
- acção psicológica;
- acção diplomática;
- acção política clandestina no interior do adversário;
- acção económica;
- acção militar.

Chama-se, desde já, a atenção para esta classificação, visto que vai servir de base, na 3.ª Parte, à
definição dos vários ramos ou divisões da Estratégia.

3. Breve caracterização das formas de coacção


A coacção psicológica explora as tensões sociais ou económicas, bem como as paixões de
natureza ideológica, de modo a influenciarem-se, num sentido desejável, governos adversários ou
neutros, determinados grupos no interior do adversário e a opinião pública, a fim de conquistar
adesões para os objectivos que se visam, desacreditar os do adversário e desmoralizar este.
A acção psicológica, como forma de coacção, é de todos os séculos. Todavia, o seu alcance e
importância tem aumentado, em virtude dos progressos no campo das comunicações de massa e na
psicologia. Ora, esses meios permitem atingir profundamente grandes massas humanas e, através
de uma adequada manipulação dos acontecimentos (ampliando-os, silenciando-os ou de-
turpando-os), podem condicioná-las, de maneira que a sua conduta passe a ser norteada mais por
«slogans» que por ideias criticamente elaboradas ou aceites. O recurso a outras técnicas, baseadas
na psicologia, permite atingir o domínio da consciência, confundir o verdadeiro e o falso, minar
motivações e o espírito de lealdade, tudo permitindo, não só desagregar o moral do adversário, mas,
mais do que isso, «conquistar a alma» desse adversário, fazendo com que pelo menos sectores
significativos comunguem dos valores que se apregoam e passem a pautar as suas atitudes em
conformidade com esses novos valores. A acção psicológica visa, assim, a conquista e controlo dos
espíritos dos homens. A propaganda política hostil através dos meios de comunicação de massa
evidencia a permanência dos conflitos entre Estados ou blocos e o recurso sem tréguas aos meios de
pressão. Assim, o período da chamada «guerra fria» entre os EUA e a URSS foi, sobretudo,
caracterizado por uma violenta e profundamente hostil acção psicológica entre os dois adversários e
respectivos blocos. Interessa salientar que a capacidade de acção psicológica não é função do poder
militar ou económico. Basta atentar no papel desempenhado por Cuba, no campo revolucionário, ou
recordar o papel da Radio Brazaville, durante as guerras ultramarinas.
Hoje em dia quase sempre ao serviço de uma ideologia, a acção psicológica é um dos meios mais
eficazes para a execução de políticas expansionistas.
A acção diplomática procura isolar o adversário e seus aliados e obter o apoio, ou no mínimo a
neutralidade, de outras potências relativamente aos objectivos visados. É, actualmente, mais vasta,
complexa e multifacetada que outrora, dado que a acção é sempre multilateral e por vezes à escala
planetária, os palcos são variados, havendo que actuar junto de governos, em organizações
internacionais, etc., e os resultados podem assumir formas também variadas, desde políticas
declaratórias, recomendações da ONU, deliberações do Conselho de Segurança, créditos
financeiros, fornecimentos de material de guerra, etc., etc.
A coacção política clandestina no interior do adversário (ou, de forma abreviada, coacção
política interior, e que não deve ser confundida com a acção política interna do próprio agente) é
também de todos os tempos: sempre os adversários se procuraram mutuamente subverter ou
corromper. Porém, o carácter ideológico da maior parte dos conflitos modernos e a crescente
abertura das fronteiras a todas as formas de circulação (de pessoas, de ideias, de divisas, etc.) abre
perspectivas sofisticadas e eficazes a esta forma de coacção. As técnicas de actuação podem ser
variadas, citando-se, a título de exemplo, a criação e apoio de grupos de pressão (comerciais,
financeiros, sindicais, editoriais, etc., etc. ), o exacerbamento de tensões, o desencadeamento de
acções de terrorismo ou de sabotagem, a criação e apoio de quintas colunas ou de grupos de
guerrilha que se opõem ao governo de facto existente, o fomento de revoltas internas ou de golpes de
estado, etc., etc. Esta forma de coacção visa os seguintes objectivos fundamentais, prosseguidos
isolada ou globalmente: desestabilizar o adversário, criando-lhe dificuldades internas que
enfraqueçam a sua capacidade de acção externa; levar o adversário a rever os seus objectivos
políticos num sentido mais favorável aos interesses que se pretende promover ou proteger; colocar
no poder um governo apoiado numa facção mais favorável àqueles mesmos interesses, com alteração
ou não do regime político vigente no território em questão.
Dadas as limitações a um confronto directo entre as Grandes Potências, em virtude do facto
nuclear, aquela confrontação tem assumido, frequentemente, uma forma indirecta, em que as ten-
tativas de modificação da influência política em determinados países ou regiões tem sido feitas
através da acção política no interior desses países ou regiões. Assim, a instabilidade surgida nesses
países é frequentemente de origem exógena, através de uma acção política clandestina levada a efeito
por outra potência, ou, mesmo quando de origem endógena, acaba por ser manipulada por outras
potências.
A coacção económica tem também um passado histórico, em especial a partir do Renascimento e
sob a forma do bloqueio. Mas enquanto outrora, dada a relativa auto-suficiência dos Estados, as
possibilidades desta forma de coacção eram limitadas, hoje em dia a interdependência económica
confere-lhe possibilidades inusitadas.
A utilização de medidas económicas como instrumento estratégico pode levar o Estado visado a
uma asfixia económica ou, pelo menos, a quebras sensíveis nos níveis de produção e de vida, em
regra também indutoras de crises políticas internas, por seu turno exploráveis por outras formas de
coacção. Entre as armas económicas figuram, como mais frequentes, o petróleo, os bens alimentares,
matérias-primas essenciais, a tecnologia e a moeda. Entre as medidas de coacção económica
apontam-se, a titulo de exemplo, restrições no fornecimento ou obtenção de recursos alimentares
essenciais para a população (cereais, por exemplo), ou de recursos energéticos, matérias-primas ou
bens de equipamentos essenciais para o funcionamento da indústria; manipulação das cotações e dos
preços de produtos; restrições de créditos financeiros; alterações das taxas de juro; desvalorização ou
valorização de divisas; medidas de protecção ou restritivas no domínio da tecnologia; criação de
dificuldades na circulação de mercadorias ou no escoamento de produções, através de perturbações
nos sistemas de comunicações e de transportes, etc., etc.
A coacção militar sempre existiu e pode assumir também formas variadas. Visa obrigar o
adversário a aceitar os nossos pontos de vista ou impedir o adversário de recorrer a determinadas
linhas de acção, através do emprego de meios militares orientados contra as fontes de poder do
adversário ou da evidência, ou demonstração, de uma capacidade militar que anule ou paralise a
vontade adversa. As formas de acção podem ser variadas, incluindo o posicionamento ou a
movimentação de forças, alterações no seu grau de prontidão e alerta, mobilização de reservas,
realização de exercícios ou de demonstrações de força, fornecimento de instrutores e conselheiros
militares, bloqueio militar, intervenção aberta de forças militares segundo variados graus de violência,
etc., etc. Assim, a coacção militar não se reduz à execução de operações militares e,
consequentemente, mesmo no campo externo as Forças Armadas têm-se tornado um instrumento
mais subtil da política e que pode ser usado de diversas formas, para a consecução de objectivos
também muito diversificados e que não se restringem a conquista ou defesa armada de um território
ou à destruição do poder material do adversário.
Em todos os domínios há que distinguir entre a capacidade ofensiva e defensiva. Assim, e
apenas a titulo de exemplo, refere-se que: uma população politicamente desenvolvida é menos
vulnerável a coacção psicológica; e um país com uma economia pouco evoluída revela, muitas vezes,
uma grande capacidade de resistência à coacção económica, à qual, em contrapartida, pode ser mais
sensível uma economia desenvolvida. Por outro lado, todos os domínios, e não apenas o militar, têm
os seus limites ou gradações adequados: um excesso de acção psicológica ou de agitação social pode
provocar fenómenos de rejeição significativos e contraproducentes em relação aos objectivos
visados; no campo da coacção económica, privar um cliente de determinados produtos tem
também o efeito inverso ou negativo de privar o produtor de determinados recursos, etc., etc.

4. Guerra total

Estas formas de coacção podem ser empregadas isolada ou conjugadamente e com diferentes
gradações de intensidade. Diremos que será total a guerra que envolve todas as formas de coacção.
1.ª PARTE

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

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2. ARTIGOS EM REVISTAS

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Vários - Foreign Policy in a Nuclear Age – “DIALOGUE”, Vol. 10, n.º 2, 1977.

OBSERVAÇÕES

As obras ou artigos sublinhados ou influenciaram significativamente os «Apontamentos» ou


são particularmente recomendados, com vista a um aprofundamento, desenvolvimento ou
obtenção de visões diferentes de aspectos neles abordados.

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