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ELEMENTOS DE ESTRATÉGIA
- APONTAMENTOS PARA UM CURSO -
VOLUME 1
Organizados por:
ABEL CABRAL COUTO
COR. ART.
PREÂMBULO
O Instituto de Altos Estudos Militares orgulha-se, com alguma parcela de vaidade, de ser
uma instituição pioneira, em Portugal no estudo, ensino e divulgação dos fenómenos
estratégicos.
Esse estudo e ensino, até há bem pouco tempo circunscrito ao meio castrense, só agora,
embora tardiamente, principia a despertar um interesse mais alargado e a divulgar-se na
sociedade civil.
Pouco se tem escrito no nosso pais sobre esta matéria; e daquilo que se tem feito, os
elementos publicados constituem a excepção.
A cadeira de Estratégia tem vindo a ser ministrada neste Instituto, ao longo dos anos, aos
Cursos de Estado-Maior e aos Cursos Superiores de Comando e Direcção, estes últimos
sucedâneos dos antigos Cursos de Altos Comandos; trata-se, e tem sido esse o nosso
entendimento, de matéria fundamental para quem desempenha funções de Estado-Maior ou de
quem esta investido em altas funções de Comando, Direcção ou Chefia, pois só através do
conhecimento estratégico, em estreita ligação com a Historia, a Geografia, a Política e as
Ciências Sociais, é possível compreender os problemas que se põem ou que surgem na nossa
sociedade ou nas relações internacionais, determinar as suas causas, Os seus fundamentos, as
suas interligações e as suas envolventes, e assim desenvolver esquemas de raciocínio que con-
duzam a possíveis soluções que, depois de devidamente comparadas em termos de vantagens e
inconvenientes permitam encontrar a decisão mais equilibrada para cada caso concreto.
Não admira, portanto, que muitos e distintos professores desta casa se tenham dedicado
ao estudo e a docência da Estratégia, investigando, coligindo, sistematizando, discutindo e
elaborando doutrina que tem tido, como destinatários, única e exclusivamente o nosso universo
militar.
Seria, porem, altamente condenável que esse conhecimento acumulado não fosse devidamente
organizado e divulgado a outros níveis, a fim de abrir novas pistas e alargar horizontes a quem
se interessa por estas matérias.
Foi essa difícil e árdua tarefa que solicitei ao General Abel Cabral Couto, professor
distintíssimo que foi deste Instituto, que prontamente acedeu ao desafio que lhe foi formulado,
apesar de se encontrar a desempenhar as altas junções de Comandante da Academia Militar, de
leccionar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e de colaborar com as mais variadas
Instituições.
É de salientar, ainda, que tendo esta publicação constituído o suporte dos cursos ministrados
até 1980 no âmbito da Estratégia, embora sob outra forma, ela mantém plena actualidade.
O Director
1. A presente edição tem como texto de referência o das NC-5101, de Agosto de 1980, tendo-
se completado a 6.ª parte, relativa a Estratégia da Guerra Subversiva, e refundido alguns
capítulos em função de material escrito que já existia esboçado naquela data. Trata-se, assim, de
um texto “datado”, o que afecta, essencialmente, os capítulos II e VI da 5.ª parte.
- .......................................................................................................................................
2. Esta 2.ª edição foi ditada pela urgência de se proporcionar ao Curso Superior de
Comando e Direcção (CS/CD) um mínimo de textos de apoio ao programa gizado para o
referido Curso, durante a sua fase transitória. As limitações de tempo não permitiram reformular,
actualizar e completar os referidos Apontamentos nos moldes desejados pelo signatário, de
forma a fazê-los corresponder, mais fielmente, à matéria das exposições orais. Dentro daquelas
limitações, os esforços foram sobretudo orientados para a revisão de aspectos que perderam
actualidade desde 1968; para a eliminação ou revisão da óptica de análise de certos pontos, em
consequência da Revolução de Abril; e para a elaboração de novos capítulos sobre assuntos
que, recentemente, adquiriram especial acuidade ou que, do antecedente, se encontravam omissos
em relação ao plano já então traçado.
( ....................................... )
3. Dada a impossibilidade, por falta de tempo, de se redigir algo sobre a 4.ª parte -
ESTRATÉGIA DA GUERRA CLÁSSICA, optou-se pela solução de distribuir com estes
«Apontamentos» o que, sobre o assunto, consta das «LIÇÕES DE ESTRATÉGIA», do então Ten-
Cor Lopes Alves.
4 ......................................................................................................................................................
INTRODUÇÃO À TEORIA
DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
a. Qualquer que seja o campo de investigação, há sempre várias formas de reunir, classificar e
organizar, para efeitos de análise, os fenómenos que se pretendem estudar. De facto, quer nas
ciências físicas, quer nas ciências sociais, o observador pode escolher, como foco, as partes ou
o todo, os componentes ou o sistema, ou seja, o nível da micro ou da macro análise. Assim acontece
com o estudo das relações internacionais, que pode ser conduzido, fundamentalmente, segundo três
níveis ou perspectivas de análise:
- o nível do sistema político internacional;
- o nível dos actores desse sistema;
- o nível do processo de decisão dos actores.
b. O nível sistémico é o único que permite examinar as relações internacionais como um todo,
com uma profundidade e compreensão que são necessariamente perdidas quando se desce a
níveis de análise inferiores ou parciais. A análise das relações internacionais ao nível sistémico
assenta nos seguintes pressupostos fundamentais:
1) Todo o sistema busca o equilíbrio e regularidade de funcionamento, isto é, contém em si
mecanismos que lhe permitem, quando sujeito a uma perturbação, reagir e retomar uma
posição de equilíbrio, por forma a tentar evitar a sua rotura ou a garantir a sua
sobrevivência.
2) No jogo da política internacional, o ponto fundamental a ter presente é que cada actor é o
guardião da sua própria segurança e independência.
3) O comportamento de cada actor depende do comportamento de outros actores.
O foco de análise é, assim, a configuração de Poder entre os actores e os padrões de interacção
que o sistema revela, de forma a obterem-se generalizações sobre fenómenos, tais como a criação e
dissolução de alianças; os tipos de configurações de Poder, suas características, frequência e
duração; modificações da sua estabilidade e formas de reacção a tais modificações, etc., etc.
Assim, o nível sistémico sugere que o comportamento dos actores pode ser, em apreciável
extensão, explicado em termos de modificações na distribuição de Poder no sistema. Consequente-
mente, de acordo com este ângulo de análise:
c. A segunda perspectiva encara o sistema em termos das suas unidades componentes. Enquanto
o nível anterior colocava a ênfase nas determinantes externas, este segundo nível de análise
atribui o comportamento dos actores essencialmente as suas próprias características internas. Por
outro lado, o nível sistémico exige ou pressupõe um mesmo código de conduta operacional dos
actores, todos eles movidos por idênticos motivos fundamentais; pelo contrário, no nível de
análise dos actores, a ênfase é posta na diversidade das motivações, atitudes e comportamentos dos
actores, em consequência de diferenças na sua anatomia, na idiossincrasia das populações, no
seu grau de desenvolvimento, no passado histórico, etc., etc.
Um dos perigos deste nível de análise é o de uma visão etnocêntrica das relações internacionais,
centrada num determinado actor, levando a uma percepção do mundo através do prisma dos
interesses desse actor; por outro lado, o risco de um exagero no acentuar das diversidades pode
levar a perder de vista a indiscutível existência de padrões de comportamento históricos e a sua
potencialidade explicativa e de previsão.
d. Nos parágrafos anteriores temos, por assim dizer, «personalizado» entidades colectivas. Mas é
evidente que «Portugal» (por exemplo) não toma decisões, as quais são tomadas por certos
homens que ocupam as posições de chefia. Assim, é de aceitar que, perante um mesmo ambiente
externo e interno, diferentes decisores tomem decisões também diferentes, pelo que os objectivos
prosseguidos, os tipos de política seguidos, os meios utilizados, etc., etc., seriam fortemente
influenciados pelas características do decisor e do processo de decisão.
A teoria da decisão será discutida na Área 2 (Administração e Organização). Relativamente à
perspectiva de análise das relações internacionais através da análise do processo de decisão, limitar-
nos-emos a chamar aqui a atenção para dois aspectos: a importância que, na decisão, têm as
percepções que os decisores têm do mundo e as formas institucionais do processo de decisão e de
implementação dessas decisões.
O primeiro destes aspectos é muito importante, na medida em que é o laço entre o ambiente e a
decisão produzida: o mundo «real» e o mundo tal como é «percebido», quer essa percepção seja
correcta ou não. Quer dizer, o decisor decide sobre uma «imagem» do problema. Esta
distinção entre as coisas «como elas parecem» e as coisas «como elas são» levanta uma questão
fundamental: é o ambiente objectivo que é importante - como é sugerido nos níveis de análise
anteriores - ou é a percepção subjectiva do decisor e a sua interpretação daquele ambiente
que são importantes? Daqui a relevância, segundo este nível de análise, não só dos circuitos de
informação que servem os decisores, mas também da natureza da elite dirigente, em especial da sua
ideologia, psicologia, influências inatas, tradições e atavismos, ou seja, daquilo que alguns autores
chamam o seu «prisma de atitudes” (daqui o florescimento, por exemplo, de “Kremlinlogistas”,
etc.).
O segundo aspecto diz respeito, entre outros, à forma de governar, à ordem constitucional que
vigora no campo interno e restrições que impõe ao poder governamental, a extensão dos circuitos
entre quem decide e quem executa, etc., etc. É, por exemplo, neste contexto que se coloca o
debate sobre a influência da forma de governo. Assim, diz-se por vezes que um governo
totalitário tem, em termos de política internacional, certas vantagens sobre um governo
democrático, visto que o poder e o processo de decisão são altamente centralizados e, por
conseguinte, tal permite uma reacção rápida à evolução das situações e facilita a concentração dos
esforços em apoio das políticas escolhidas; por outro lado, há quem aponte que um governo
totalitário, embora gozando de maior flexibilidade táctica, tende para uma rigidez estratégica, além
de assentar em bases de apoio que tendem a esboroar-se em situações de crise. Um outro elemento
importante é o da complexidade da máquina burocrática situada entre quem decide e quem executa,
a qual pode fazer que se verifiquem degradações, ou mesmo deturpações, entre o que é decidido e
o que é, de facto, implementado.
e. Perante o exposto, poderemos concluir que no estudo das relações internacionais (e, como
veremos, no da estratégia, na medida em que é um dos seus segmentos) devem ser conjugados os três
métodos de análise.
OS ACTORES DO SISTEMA
POLÍTICO INTERNACIONAL
1. Generalidades
a. Em sentido lato, um sistema político internacional pode ser definido como um conjunto de
centros independentes de decisões políticas que interactuam com uma certa frequência e re-
gularidade. Se a interacção entre as organizações independentes não é frequente e regular, não
poderemos falar num sistema: por exemplo, no século XV a China e os Estados da Europa não
eram partes de um mesmo sistema internacional.
c. Assim, hoje em dia, embora a opinião e a sistematização não sejam pacíficas, tende-se a
considerar como actores da cena internacional e elementos do sistema político internacional:
- Os Estados.
- Outros actores territoriais, como os chamados “movimentos de libertação».
- As organizações internacionais.
- As organizações transnacionais.
Os Estados são, como veremos, os principais actores da cena internacional; os restantes, são, em
principio, actores «menores» ou «limitados», embora tendam a assumir um papel e importância
crescentes.
2. O Estado-Nação
a. Elementos do Estado-Nação
Cada Estado-Nação tem certos caracteres que o definem como tal - um território bem
delimitado, uma população, um governo, a capacidade de estabelecer relações com outros Estados
e, acima de tudo, soberania, a qual se traduz no não reconhecimento de qualquer autoridade
externa como superior à sua, no interior do seu território. É esta ultima característica que, fun-
damentalmente, determina a natureza do sistema político internacional.
Todos estes tipos de unidades políticas visaram as mesmas aspirações humanas fundamentais
que, sinteticamente, podem ser referidas por: 1 - SEGURANÇA e 2 - PROSPERIDADE e BEM-
ESTAR e, como o curso da História o mostra, a incapacidade de realização destas finalidades
por qualquer tipo de unidade política tem estado, em ultima análise, na base da sua queda.
De novo o pluralismo passou a caracterizar a ordem política. Mas, apesar de tudo, o apelo de
unidade continuou a atrair o espírito dos homens nos séculos seguintes. Por um curto período de
tempo Carlos Magno dominou a Europa Ocidental e, com o seu apoio militar, Leão III
reavivou a ideia imperial, fazendo de Carlos Magno, em 800, o imperador dos Romanos. A
ideia foi retomada quando, no século X, Otão foi coroado imperador do Santo Império Romano.
Mas, no máximo, este Império confinou-se a um grupo de principados germânicos; para além destes,
não exercia qualquer autoridade efectiva. Na Europa verificava-se, na realidade, uma
descentralização política, uma multiplicidade de feudos, ducados e principados, que usufruíam de uma
larga autonomia e sobre os quais os reis tinham um controlo apenas nominal. Todavia, uma
certa unidade, embora limitada, foi-se desenvolvendo a partir de uma religião comum centrada em
Roma e fomentada pelo esforço conjunto de várias Cruzadas, desde os fins do século XI até
meados do século XIII.
Grandes forças surgidas nos séculos XIV e XV minaram as instituições medievais e levaram à
formação de uma nova unidade política - o Estado territorial. Para tal contribuíram o
crescimento do comércio e dos centros urbanos, acompanhado do aparecimento de uma nova classe
comercial; a aliança entre esta classe e o governante - rei ou príncipe - que propendeu a impor
a ordem pela força a pequenos principados, muitas vezes em guerra entre si; e o cisma verificado na
Igreja com a Reforma, originando a proliferação de seitas protestantes e o fim da unidade
religiosa da Europa.
O Estado territorial, representando uma centralização do poder político, foi nos primeiros
tempos associado ao governante ou dinastia que o criou. A partir de pequeno conjunto de Estados da
Europa Ocidental - Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Holanda - a nova unidade política
generalizou-se, atingindo o mundo inteiro passados cerca de quatro séculos. Os Estados europeus
atlânticos, ao orientarem o seu poder através das vias marítimas, não levaram consigo apenas a sua
tecnologia e formas de administração superiores: introduziram também, nas novas áreas em que
penetraram, os seus métodos de organização politica.
Por estas razões, muitos observadores concluem que o Estado-Nação, como aconteceu com as
unidades políticas que o precederam, entrou em declínio e estaria condenado a desaparecer.
Exclusivamente com os seus próprios recursos, não teria possibilidade de ser instrumento da
segurança, progresso e bem-estar. Daí o aparecimento de tendências supranacionais, conducentes
a unidades políticas mais vastas e complexas, como são, entre outros, os movimentos que visam uma
integração política europeia. E não há dúvida que as Grandes Potências actuais são unidades
políticas de fisionomia especial, do tipo federado, de grande extensão territorial, elevados recursos
naturais, grande demografia, apreciável capacidade de encaixe nuclear, etc.
e. A vitalidade do Estado-Nação
Mas a despeito daqueles indícios de uma doença fatal, é evidente que o Estado-Nação revela
ainda, hoje em dia, uma enorme vitalidade, como o atesta o crescente e rápido aparecimento de
novos Estados. De facto, o nacionalismo parece ser ainda o mais poderoso fenómeno na sociedade
internacional, responsável pelo aparecimento de dezenas de novos Estados-Nações nos últimos 30
anos. Mesmo nas áreas onde se verificam tendências supranacionais, não se pode afirmar que o
nacionalismo tenha deixado de ser uma força poderosa, e daí a lentidão com que as referidas
tendências têm evoluído. E na constituição das Nações Unidas nenhum Estado abdicou dos seus
direitos soberanos essenciais.
Por outro lado, as bases especulativas em que assenta a tese da «queda do Estado-Nação»,
referidas na alínea anterior, estão em processo de revisão. Assim, um dos seus principais teori-
zadores(*) reavalia as suas posições e acaba por concluir pela capacidade de sobrevivência do
Estado-Nação. Para o efeito, considera essencialmente que:
O «equilíbrio do terror» nuclear restringiu substancialmente as possibilidades de recurso à acção
(*)
J. Herz- «Rise and Demise of the Territorial State» - World Politics, IX, 1957.
J. Hers- «The Territorial State Revisited» - Polity, n.° 1, 1968.
militar ou, no mínimo, tende a reduzir aquela a acções militares clássicas, relativamente as quais,
como no passado, o Estado-Nação pode assegurar uma razoável impenetrabilidade;
- A proliferação de potências nucleares, estabelecendo novos equilíbrios e contribuindo para a
definição de zonas de influência razoavelmente delimitadas, tende a contribuir para a estabilização dum
«status quo», dados os riscos de qualquer alteração significativa das situações estabelecidas;
- O fim do colonialismo tende a estabilizar o número de Estados, e na sua actual
territorialidade;
- Uma certa tendência para a «desradicalização ideológica», associada à revivescência do
sentimento nacional, tende a atenuar a rigidez dos blocos, aumentando as possibilidades de as nações
mais fracas resistirem à condição de serem reduzidas a "satélites" ou "clientes" e, consequen-
temente, poderem alargar o seu espaço de decisão e readquirir uma maior liberdade de acção;
- As possibilidades da «modernização», no campo da valorização dos meios humanos, da
melhor exploração de recursos escassos, aumentam a capacidade de progresso e bem-estar, mesmo a
partir de uma base territorial aparentemente reduzida.
f. Síntese
Em suma, hoje em dia e apesar das tendências supranacionais, os Estados são ainda os
principais actores da cena internacional. A sociedade de Estados é pluralista, composta de unidades
soberanas, o que significa que entre os seus membros continuarão a verificar-se largas divergências
de interesses e conflitos profundamente enraizados e de difícil solução. Vislumbram-se tendências
para a criação de unidades políticas diferentes do Estado-Nação, particularmente através de
integrações regionais. Mas seria irrealista minimizar os obstáculos existentes (língua, tradições,
ressentimentos históricos, divergências de interesses, etc.) à criação de um novo sistema
internacional. Alem disso, a criação de tais unidades não representaria uma radical modificação do
actual sistema de organização política da sociedade internacional, mas apenas uma redução do
número de protagonistas.
3. «Movimentos de Libertação»
4. Organizações Internacionais
d. Em resumo, parece de concluir que as organizações internacionais, com eventual excepção das
de natureza militar, têm sido actores pouco significativos no tabuleiro político-estratégico
internacional.
5. Organizações Transnacionais
a. As organizações transnacionais são de natureza variada. De entre as que poderão ter maior
importância no jogo político-estratégico, referiremos algumas organizações de natureza política,
social, religiosa e económica.
NOTAS:
1. Os valores constantes dos n.º acima são arredondados (e em alguns casos estimados).
2. Fontes:
- De 2, 3, 4 e 5 : R S. Cline - World Power Assessment - 1977
- De 6: Rev. Fortune, Agosto, 1975.
CAPÍTULO III
1. Conceitos preliminares
Pode dizer-se que os princípios fundamentais que regem o sistema político internacional são o da
soberania, integridade territorial e igualdade legal dos Estados. De facto, não é motivo de
controvérsia, no campo do Direito Internacional, que todos os Estados são soberanos, têm direito à
inviolabilidade das suas fronteiras e são membros iguais da sociedade internacional. As unidades
políticas diferem largamente no que se refere a dimensões, quantidade de população, grau de
desenvolvimento económico, formas de governo, carácter nacional, etc. ; mas uma vez admitidas, pelo
processo do reconhecimento, elas são legalmente iguais e legalmente tituladas para exercerem,
virtualmente, uma jurisdição exclusiva em todo o seu espaço geográfico.
b. Força e Poder
(3) Subjectividade
O poder de um actor depende, em grande medida, do que os outros pensam o que ele é.
(4) Personalização
O poder depende das qualidades de quem o exerce, que se traduzem na forma como são
articuladas, polarizadas, impulsionadas e aplicadas as forças disponíveis. De pouco vale
ter meios dos quais se não sabe tirar partido.
(5) Convertibilidade
As forças, que servem de base ao poder, não podem, em maior ou menor grau, ser convertidas a
um padrão comum, que permita, não só a sua mensuração, mas, em especial, a sua troca ou
compensação. Quer dizer, em relação ao poder não há instrumento equivalente ao da
moeda em relação à economia. E, assim, por exemplo, um excesso num determinado
recurso (energia hidroeléctrica, por exemplo) de pouco ou nada serve para compensar
a falta de outro recurso (aviões, por exemplo).
(6) Multidimensional
Dada a variedade de forças, de acordo com a sua natureza, o poder assenta em bases
multidimensionais, pelo que se pode considerar multifacetado. Assim, a capacidade para
impor sanções económicas, por exemplo, não significa idêntica capacidade no campo militar
e vice-versa.
(7) Temporalidade
O poder, próprio e de outros, está em constante evolução, em regra lenta, embora possam
ocorrer alterações súbitas significativas. Por conseguinte, só tem significado também em
relação a um momento ou período concreto.
(8) Instrumentalidade
Em principio, o poder não é um fim, mas sim um instrumento para se atingirem fins ou
objectivos. A obtenção do poder ou de mais poder é, assim, apenas um objectivo mediato.
Mas há perversões, tal como acontece com a riqueza: então, o poder transforma-se num
fim.
Sempre que, numa dada época, surgem «Estados revolucionários», que se dão como missão a
derrota total do sistema político, económico e cultural predominante (caso da França, nos fins do
século XVIII e princípios do século XIX; da Alemanha hitleriana; e da URSS e alguns países do
Terceiro Mundo no século actual) cai-se em sistemas heterogéneos.
a. Os sistemas homogéneos são, em primeiro lugar, relativamente estáveis: por um lado, regendo-se
os membros por idênticos valores e pelos mesmos códigos operacionais, a despeito de interesses
nacionais porventura diferentes, o sistema tende intrinsecamente para o equilíbrio; por outro lado, por
essas mesmas razões, o comportamento dos membros é, nas suas linhas gerais, previsível, já que se os
Estados têm regimes análogos, estes são certamente tradicionais, com regras já conhecidas e, por
conseguinte, são pouco plausíveis os comportamentos imprevistos. Em segundo lugar, a
homogeneidade do sistema favorece a limitação da violência: acima dos diferendos particulares
há uma solidariedade geral quanto à manutenção do sistema - pode pôr-se em causa uma parcela de
um território, mas não se põe em causa a existência de um Estado ou de um regime político-
isto é, não há lugar para o «inimigo puro». Em terceiro lugar, a violência, quando estala, é de limitada
duração. De facto, aquela situação corresponde a uma perturbação no sistema, o qual, perante um
risco de rotura, tende a gerar os mecanismos que o levam, o mais rapidamente possível, a encontrar
um novo equilíbrio.
c. Os sistemas heterogéneos desenvolvem características de um modo geral inversas das
acabadas de referir.
(*)
Ver em colectânea International Politics and Foreign Policy, editado por J. Rosenau, os ensaios:
- «Variants on Six Models of lhe International System», por M. Kaplan.
- «Bipolarity, Multipolarity and lhe Future», por R. Rosecrance.
4. Sistemas Unipolares
b. Numa Confederação Mundial existiria um governo mundial que operaria sobre governos
territoriais nacionais e não directamente sobre os indivíduos. Tal sistema poderia, por exemplo,
resultar de um maior desenvolvimento do campo de atribuições da actual Organização das Nações
Unidas e a consequente e voluntária diminuição dos direitos soberanos dos Estados-membros. Alguns
autores pensam que um governo mundial, num sistema deste tipo, sob a égide de uma organização
internacional, teria fundamentalmente duas funções: a manutenção da paz e a gestão geral dos
recursos e matérias-primas escassos e de interesse para toda a humanidade. A primeira atribuição
implicaria a extinção dos exércitos nacionais (desarmamento geral e obrigatório) e a sua substituição
por uma pequena força armada internacional, vigorando, nos níveis nacionais, apenas as forças
policiais necessárias a manutenção da ordem pública, que continuaria a ser uma responsabilidade
nacional. A segunda atribuição preocupar-se-ia, fundamentalmente, com a administração de um
orçamento que, progressivamente, permitisse atenuar os desequilíbrios no desenvolvimento das várias
regiões (desequilíbrios educacionais, sanitários, alimentares, etc., etc. ); com a gestão e exploração
dos espaços internacionais (mares, espaço aéreo, etc.); com as regras de exploração e de
comercialização de recursos essenciais ou esgotáveis (petróleo e cereais, por exemplo); com
problemas de poluição à escala mundial, etc., etc., o que poderia conseguir-se com um maior
desenvolvimento nas atribuições de várias organizações especializadas da ONU e eventual criação de
outras.
Num sistema deste tipo, os conflitos de interesses seriam resolvidos de acordo com as regras
políticas estabelecidas no quadro da confederação. Os funcionários internacionais deveriam
lealdade ao sistema internacional em si próprio e não aos seus países de origem.
A estabilidade do sistema dependeria do grau em que fosse capaz de garantir a segurança e o
progresso e bem-estar equilibrados de todos os Estados membros, o que, por seu turno, dependeria do
grau em que tivesse acesso directo a recursos e outros meios e da relação entre as suas
possibilidades e as possibilidades dos vários actores nacionais que fossem membros do sistema.
d. O Império Mundial seria o sistema que resultaria se um Estado viesse a dominar todo o
globo, através da demonstração de uma forca de tal forma superior e com tal ubiquidade que
fosse capaz de rapidamente aniquilar qualquer foco de resistência que tendesse a gerar-se no
interior do sistema. Em princípio, a governação poderia ser descentralizada através de governos
“pseudo-nacionais”, mas totalmente enfeudados ao da Potência dominante, em especial através de
um forte cimento ideológico. É o sistema que muitos autores ocidentais vislumbram se viesse a
concretizar-se a Revolução Mundial comunista.
Como referiremos na 2.ª Parte com mais pormenor, um tal sistema é hoje em dia tecnicamente
possível e, embora eventualmente sujeito a crises localizadas frequentes, o sistema poderia ser
globalmente estável, desde que houvesse coesão na elite dirigente e determinação no emprego da
força contra quaisquer tentativas de resistência.
5. Sistemas Bipolares
a. Os sistemas bipolares fundam-se na existência de duas potências (superpotências) cada uma com
um grau de poder incomparavelmente superior ao de quaisquer outras potências ou possível
combinação de outras potências. Embora, como veremos, um sistema bipolar dê origem à formação de
blocos, salientamos que os «pólos» são dois Estados e não duas alianças ou blocos de Estados. Estas
últimas são tipos de relações entre Estados, que são influenciadas pela estrutura do sistema (definida
pelos pólos») mas não constituem essa estrutura. Por outro lado, num sistema bipolar a rivalidade entre
as superpotências é devida à estrutura, isto é, a configuração do poder, sendo independente de
ideologias, que a podem exacerbar mas que não a determinam.
b. Antes de abordarmos os vários tipos de sistemas bipolares, vejamos, dada a sua importância
actual, algumas características daqueles sistemas em geral, particularmente no que se refere à
forma como determinam as relações, em termos de alianças ou alinhamentos, entre Estados e aos seus
prospectos de estabilidade.
Num sistema bipolar a atenção de cada superpotência centra-se na sua rival. Há, assim, no sistema,
duas relações primárias ou fundamentais. O alinhamento das potências menores é determinado por
razões estruturais e por circunstâncias específicas de natureza geográfica, histórica ou
ideológica/cultural. Cada uma das superpotências, receosa da outra, procurará a hegemonia ou forçará
alianças sobre alguns Estados situados entre elas. Quando uma das superpotências inicia o
processo, a outra entende-o como ameaçador, dado que cada uma tende a ver qualquer
«movimento» do adversário - mesmo se defensivamente motivado - como uma atitude
deliberada e hostil para reforçar a sua posição, tornando-se inevitável uma contra-acção ou
reacção. A mesma ameaça é entendida por outras das restantes potências menores, que tendem a
procurar na outra superpotência uma protecção. Geram-se, assim, alianças e blocos. Uma vez
formados os alinhamentos, estes tendem a manter-se estáveis, já que no interior de cada bloco as
pequenas e médias potências têm escolhas limitadas, na medida em que, dado o grau de pre-
ponderância política, económica e militar da respectiva superpotência, tendem a ser reduzidas à
condição de satélites, que gravitam na órbita daquela.
Por outro lado, um aumento de poder ou de segurança por uma das partes será encarada, pela
outra, como uma diminuição do seu poder ou segurança. E, assim, as superpotências, sempre que
se lhes depare um vazio de poder, tenderão a preenchê-lo concorrencialmente, a fim de evitarem
a percebida diminuição de segurança que resultaria do seu preenchimento pela rival. Em
consequência, as superpotências têm necessariamente uma política planetária, relativamente à qual
nenhum acontecimento mundial, por aparentemente mais longínquo que seja, é indiferente: mesmo
que não estejam em jogo interesses directos próprios, há sempre, no mínimo, a nortear o seu
comportamento, que impedir que o adversário possa colher benefícios desse acontecimento.
O receio de qualquer alteração na relação de forças conduz a uma preocupação pela manutenção
das posições alcançadas. Traçar linhas ou «fronteiras» entre as respectivas esferas de influência e
preservar esse «status quo» territorial torna-se uma preocupação fundamental.
Pelas razões expostas, a bipolaridade, além de extensiva, é também intensiva, traduzindo-se esta
última característica pela disputa na obtenção de aliados, pela busca da coesão das principais
alianças, pela sensibilidade de cada superpotência a possíveis defecções no seu campo, pela
corrida aos armamentos, pela competição tecnológica, etc. As alianças podem desempenhar, neste
contexto, três funções: reforçar o poder da superpotência protectora; delimitar «fronteiras»; e dar à
superpotência uma razão para intervir, quando se trate de preservar o «status quo» territorial.
c. De acordo com o grau decrescente de rigidez da estrutura, alguns teorizadores têm divisado
quatro(*) tipos ou variantes de sistemas bipolares:
- rígido;
- flexível;
- muito flexível;
- de «detente».
d. Num sistema bipolar rígido a tensão entre as superpotências e a supremacia destas em relação a
outras potências são tais que praticamente todos os Estados estão alinhados em dois blocos, e as
organizações internacionais ou desaparecem ou não desempenham qualquer papel significativo.
Como não há qualquer função de integração ou de mediação (isto é, não há um terceiro), tende a
verificar-se um elevado grau de tensão disfuncional no sistema, pelo que este se torna potencialmente
instável. Em regra este tipo de sistema tem-se verificado quando a bipolarização coincide com
fortes clivagens ideológicas (sistemas heterogéneos), as quais asseguram a coesão e permanência
dos blocos.
Pode dizer-se que foi o sistema que vigorou de 1945 a 1955. Neste período, a intensa rivalidade
entre a URSS e os EUA resultou na chamada «guerra fria» e no estabelecimento de várias
cadeias de alianças, no quadro, por parte dos EUA, de uma chamada «política de contenção» que
tinha, como áreas prioritárias, a Europa Ocidental (com a Turquia), o «crescente interior» e a
Ásia Insular. Assim, no início de 1955, enquanto na ONU existiam, como membros, apenas 59
Estados soberanos, os EUA e a Inglaterra, por um lado, e a URSS, pelo outro, estavam formalmente
aliados com mais de 60 Estados (alguns pertenciam a mais de uma aliança). O sistema de
alianças era, praticamente, universal, confirmando o conceito acima expresso. Por outro lado, a
ONU era essencialmente um “palco de propaganda”, sem qualquer papel significativo; no Conselho
de Segurança o recurso ao veto era sistemático, sempre que eram visados interesses importantes
de qualquer das superpotências.
e. Num sistema bipolar flexível (por alguns autores também chamado bipolicêntrico, por
considerarem que, do ponto de vista militar é bipolar, mas que, do ponto de vista político ou
económico, é multipolar), continuam a verificar-se dois grandes pólos de poder, liderando dois
blocos. Porém, em consequência de um impasse ou bloqueamento resultantes de um equilíbrio militar
entre as superpotências e do desenvolvimento de focos de poder político-económicos ao nível
regional, torna-se possível:
- que actores situados em áreas periféricas não pertençam aos dois blocos, adoptando assim
posições de não alinhamento e perseguindo objectivos próprios com uma apreciável liberdade de
acção;
- que, dentro de cada bloco, os aliados não só recuperem uma certa liberdade de acção no campo
(*)
M. Kaplan considera cinco tipos.
diplomático, como, em maior ou menor grau, consigam ser encarados pelo líder do bloco mais
como «parceiros» do que como meros «satélites»;
- que as organizações internacionais assumam um papel mais significativo, inclusive de mediação
entre as superpotências.
- o desenvolvimento de associações regionais, com papel político crescente.
Conquanto se possam verificar enfraquecimentos na rigidez dos blocos, continua a não ser possível
uma inversão de alianças. Todavia, cada superpotência pode conseguir estabelecer laços com aliados
secundários da outra, para explorar diferenças no seio da aliança adversa e assim enfraquecer. Por
outro lado, os Estados secundários poderão estabelecer laços em campos opostos, a fim de
procurarem aumentar a sua capacidade de negociação dentro das suas próprias alianças.
Assim, mesmo na ausência de mobilidade de um bloco para outro, verifica-se uma certa
movimentação no seio das alianças e um papel menos hegemónico por parte de cada superpotência.
Quanto aos actores não pertencentes a blocos procuram, por um lado, coordenar os seus
objectivos com os da organização internacional fundamental e subordinar os objectivos dos blocos
aos dessa organização internacional; por outro lado, procuram explorar em proveito próprio a
competição entre as superpotências, colhendo de ambas benefícios necessários ao seu desenvol-
vimento económico e social.
Vários autores consideram que foi este o sistema que vigorou de meados da década de 50 a
meados da de 60.
f. Num sistema bipolar muito flexível, embora continuem a existir apenas dois grandes pólos
de poder, liderando dois blocos, verifica-se:
- a existência de apreciáveis áreas de acordo entre as superpotências, a par da manutenção de
antagonismos inconciliáveis noutras áreas;
- dentro de cada bloco, uma mais acentuada liberdade de acção no campo diplomático e económico
dos Estados secundários em relação à potência dominante, a qual pode conduzir mesmo a
defecções, embora sem mudança de bloco (passagem à neutralidade de membros de alianças),
bem como a uma contestação à política de blocos por membros importantes de ambos os blocos;
- a busca de uma acomodação entre os dois blocos, com o reconhecimento explícito ou implícito do
«status quo», a intensificação de relações extramilitares entre os membros de blocos opostos, a
procura da estabilização de um equilíbrio militar, etc.;
- um papel crescente dos actores não pertencentes aos blocos;
- um reforço da importância da organização internacional fundamental;
- uma valorização do Direito Internacional, acompanhada de restrições psicológicas ao
intervencionismo das superpotências;
- a perspectiva de emergência de novos pólos de poder (através de uma proliferação limitada de
potências nucleares), que permite antever a passagem a um sistema multipolar. Este sistema
contém elementos de forte instabilidade. A sua manutenção e estabilidade exigem, por um lado,
uma acentuada autolimitação por parte das superpotências; por outro lado, um papel comedido e
não radicalizado quer dos actores não pertencentes a blocos, quer da organização internacional
fundamental, pois, caso contrário, pode dar-se o caso de uma das superpotências (e os seus aliados
mais consistentes) porem em causa a própria organização internacional, retirando-se da mesma,
com o consequente enfraquecimento da sua capacidade e utilidade.
6. Sistemas multipolares
a. Um sistema multipolar tem mais de dois (embora poucos) centros de poder. É o sistema
também conhecido por «balança de poder». M. Kaplan considera necessária a existência de, pelo
menos, cinco actores principais e apresenta seis regras que regeriam o funcionamento do sistema;
R. Aron critica tais pontos de vista e considera fundamental apenas uma dessas regras, a qual
constituiria a essência do equilíbrio do sistema: «cada actor principal deve actuar de modo a opor-se a
qualquer coligação ou outro actor principal que tenda a assumir uma posição de predominância em
relação ao resto do sistema».
b. Um sistema multipolar apresenta as seguintes características fundamentais:
- o número de relações principais é igual à combinação do número de pólos dois a dois;
- as alianças tendem a ser especificas e de curta duração, ditadas pela lógica do equilíbrio e não
por ideologias;
- como são possíveis várias combinações de equilíbrio, há mais flexibilidade nas políticas externas
dos actores principais e secundários, com maior oportunidade para o deslocamento dos
alinhamentos.
c. Para a maioria dos autores, o actual sistema bipolar tende a transformar-se em multipolar, com
a ascensão da China, o movimento para a integração da Europa Ocidental, etc. Todavia, tal sistema,
a verificar-se diferirá significativamente do sistema de «balança de poder» europeu, que vigorou
desde o fim das guerras napoleónicas até a 1.ª GM. Para o efeito, vários autores apontam a
impossibilidade, ao nível de potências nucleares, de existência de alianças no sentido tradicional
e de um «balanceiro» ou «fiel da balança» que, no modelo tradicional, era o restabelecedor do
equilíbrio.
7. Sistemas difusos
a. Um sistema difuso é um sistema multipolar em que o número de pólos é muito elevado. No
passado, poderia confundir-se com um sistema multipolar; hoje em dia, em consequência do facto
nuclear, pode vir a assumir características específicas, sendo de encarar duas grandes variantes, de
acordo com M. Kaplan, em função das possibilidades de proliferação de potências nucleares e das
características que esta assumir:
- sistema difuso não oligárquico («unit veto»);
- sistema difuso oligárquico (“incomplete nuclear diffusion”).
Num sistema deste tipo observar-se-iam, segundo alguns autores, as seguintes tendências:
- políticas externas isolacionistas das superpotências nucleares;
- desaparecimento das alianças, as quais, em qualquer caso, seriam precárias;
- cada grande potência tenderia a definir claramente a sua zona de influência (considerada de
segurança) numa base regional;
- desaparecimento de pretensões a hegemonia;
- as guerras que viessem a ocorrer seriam não nucleares e limitadas na sua área geográfica;
- atenuação substancial da radicalização ideológica, caminhando-se, consequentemente, para um
sistema homogéneo;
- redução das funções e da importância da organização internacional fundamental.
c. A segunda variante corresponde também à hipótese de uma proliferação nuclear, mas em
que a maioria das potências nucleares disporia apenas de forças nucleares reduzidas e
vulneráveis, em total desproporção com as de um número reduzido de superpotências nucleares.
Como este sistema será analisado na 5.ª Parte do Curso, quando tratarmos da proliferação
nuclear, limitamo-nos, neste momento, a referi-lo.
Resumindo o que neste e em anteriores capítulos foi referido sobre o assunto, podemos
dizer que o sistema internacional contemporâneo se caracteriza por:
c. Uma bipolarização hoje em dia flexível, com prospectos de passagem a «detente», mas
sem exclusão da possibilidade de retorno a uma bipolarização rígida.
d. A perspectiva, a médio prazo, de uma evolução para um sistema multipolar, com a ascensão
da China e, eventualmente, da Europa Ocidental e Japão.
f. A crescente importância de actores que não são Estados, tais como organizações internacionais,
empresas multinacionais, grupos de interesses e internacionais políticas, que transcendem as fronteiras
nacionais.
h. A posição predominante alcançada por três potências essencialmente não europeias (EUA,
URSS e China), o que, em relação a sistemas anteriores, significa uma deslocação dos centros
do sistema para fora da Europa.
O PODER E A POLÍTICA
1. Essência da política
a. Generalidades
Analisados os actores e estruturas do sistema internacional, convirá, tendo em vista o objecto do
Curso, determo-nos um pouco nas seguintes questões fundamentais:
- quais os fins visados pelos actores?
- a acção, tendo em vista esses fins, a que tipos de relações e interacções pode conduzir?
- como surgem as situações de conflito e como podem ser resolvidas, isto é, qual a génese do
fenómeno estratégico?
2. Política de poder
A consecução dos fins últimos da política conduz, nos campos interno ou externo, a relações que
podem ser de cooperação de acomodação ou de conflito. De facto, o homem coopera com
outros em objectivos comuns e cria as organizações necessárias para o efeito; acomoda-se aos seus
companheiros, norteando a sua conduta em conformidade com valores comuns e aceitando a pressão
normativa do costume e da lei; mas também aceita o conflito para obter vantagens pessoais ou por
um ideal impessoal.
Na sociedade internacional observam-se também os três processos básicos de relações. As
unidades políticas têm cooperado em objectivos comuns, como, por exemplo, no campo das
comunicações sem as quais o moderno intercâmbio internacional não seria possível; têm através da
aceitação de valores comuns, desenvolvido formas de acomodação que se compendiam num corpo
de normas que constitui o Direito Internacional; mas têm também entrado em conflito e recorrido à
força para alcançar determinados objectivos.
Por conseguinte, se se podem considerar extremistas as concepções que reduzem as relações
sociais a conflitos permanentes, inelutáveis e irredutíveis, ignorando as dimensões da cooperação e
da acomodação, também, à luz da experiência histórica, são utópicas as concepções que
pretendem ignorar a dimensão conflitual e violenta das sociedades reais, independentemente dos
juízos de valor que se formem sobre tal facto. Quer dizer, todas as sociedades, nacionais ou
internacionais, são, em maior ou menor grau, conflituais e impregnadas de violência. Todavia,
os conflitos revestem-se de características e importância diferentes naqueles dois tipos de
sociedades, por estas possuírem características também diferentes.
Pode dizer-se que, nas sociedades nacionais, «a força do direito impera sobre o direito da
força».
Ora, na sociedade internacional o processo de integração é ainda muito incipiente. Nela não há
«legislador, nem juiz, nem polícia». Em consequência, o contraste mais frisante entre as condições
existentes no interior dos Estados e as da sociedade internacional reside em que nos primeiros
existe ordem, enquanto a segunda é desordenada. A independência soberana dos Estados, a
ausência de uma autoridade superior dão às relações entre Estados um carácter peculiar de anarquia.
E, em consequência, os conflitos tendem a ser frequentes, não existindo poder superior que force a sua
resolução.
c. Política e poder
Como na sociedade internacional «não há legislador, nem juiz, nem polícia», não existem
também restrições - pelo menos seguramente eficazes - quanto aos meios através dos quais
os Estados, soberanos, podem tentar atingir os seus objectivos específicos. Quer dizer, toda a política
internacional comporta um choque constante de vontades, visto que é constituída, essencialmente, por
relações entre Estados que se pretendem determinar livremente e que tendem a fazer o que podem e
não o que devem. É esta a essência da política de poder que, mau grado a criação da SDN e da
ONU e os esforços no sentido do desenvolvimento do Direito Internacional, ainda hoje
domina a cena internacional. Podemos, portanto, definir a política de poder como um sistema de
relações internacionais em que os Estados se consideram a si próprios como fins últimos e em que,
consequentemente, empregam, ao menos com propósitos vitais, os meios à sua disposição que
considerem mais eficazes e avaliados apenas segundo o critério do seu valor em caso de conflito.
Tal significa que, contrariamente ao que referimos para as sociedades nacionais, na sociedade
internacional tende a predominar «o direito da força», pelo menos sempre que estejam em
jogo, para um Estado, objectivos considerados vitais ou importantes.
a. Segurança
Toda a unidade política aspira, naturalmente, a manter-se e sobreviver. Como na sociedade
internacional não existe uma organização capaz de, eficazmente, preservar a ordem e de fazer e
aplicar a lei, cada Estado tem, como preocupação primária, a sua segurança, a fim de poder garantir
a sua existência, usufruir os seus direitos e proteger os seus interesses.
A seguranca traduz um estado ou condição, mas é também um fenómeno psicológico. Aliás, a
língua portuguesa recorria, no passado, a duas palavras diferentes para distinguir aquelas duas
acepções: «segurança» e «seguridade». Assim, o Dicionário de Morais e Silva assinala:
Segurança: diz-se das pessoas e das coisas; seguridade somente se diz das pessoas e
refere-se ao estado de espírito.
A segurança exprime a efectiva carência de perigo, quando não existem (ou foram
removidas) as causas dele; seguridade exprime a tranquilidade de espírito, nascida da confiança
que se tem (ou da opinião em que se está) de que não há perigo. Pode o homem sentir-se em
seguridade quando, na realidade, a sua segurança está ameaçada; e, pelo contrário, pode haver
segurança e o homem não se sentir em seguridade.
A primeira situação (seguridade sem segurança) é muito frequente, nos planos individual e
colectivo, e reflecte uma inconsciência dos perigos; nela reside a displicência com que, muitas
vezes, são encarados os assuntos da defesa nacional. A segunda situação pode traduzir uma
doença ou paranóia.
A segurança é um estado instável, dependente não só de decisões próprias, mas também das
decisões dos outros ou da confluência de circunstâncias variáveis: um ambiente, num determinado
momento, vazio de perigos pode, instantaneamente, tornar-se inseguro, em consequência de decisões
próprias ou alheias. A segurança não é, assim, um dado adquirido, exigindo uma atenção permanente.
As dimensões do problema da segurança de um determinado Estado são, em grande parte, um
reflexo situacional, que pouco tem a ver com a vontade desse Estado. Assim, por exemplo, a
situação geográfica pode, por si só, determinar graus de segurança, conforme esse Estado se
situa em relação a tensões importantes entre outros Estados (excentricamente ou não).
O conceito de segurança pode ser considerado como incluindo apenas a garantia da
independência, da soberania, da integridade territorial e da unidade do Estado ou pode ser entendido
como abrangendo todo um conjunto de interesses, que podem ir desde a garantia de acesso a
matérias-primas essenciais até a protecção de investimentos e de cidadãos nacionais no estrangeiro,
desde cinturas de segurança a zonas de influência ou neutralizadas, desde o controlo do nível de
capacidade militar de adversários potenciais e vizinhos até à uniformidade dos regimes e sistemas
políticos, etc., etc. Assim, a preocupação da segurança pode tornar-se tão ambiciosa que acabe por se
transformar numa aspiração de ilimitada expansão. A miragem da segurança absoluta exigiria, no
plano individual, que se vencesse a morte e, no plano colectivo político, o domínio do mundo... Ora, a
noção de “perigo” tem de ser associada, por um lado, à probabilidade da sua ocorrência (caso
contrário, as pessoas normais não andariam de avião...) e, por outro lado, ao valor do que pode ser
afectado ou que fica em jogo. Em consequência, há riscos que são aceitáveis, ou porque são
remotamente prováveis ou porque afectam interesses de valor pouco significativo perante os
custos que a superação daqueles riscos exigiria. A segurança deve ser, portanto, entendida como um
valor relativo, que exigirá uma mobilização de esforços que deverá ser função da probabilidade de
ocorrência das ameaças admitidas, da sua periculosidade e do valor do que está em jogo e,
consequentemente, dos riscos calculados.
A segurança, como resultado da capacidade para superar os perigos que podem afectar os fins do
Estado, pode assentar ou em recursos próprios, ou nestes conjugados com o apoio de amigos, ou na
fraqueza dos adversários potenciais. Tal significa que um Estado pode procurar a sua segurança ou
através de um alargamento do seu próprio poder e/ou arranjando aliados e/ou através de acções
que conduzam ao enfraquecimento e desgaste dos seus adversários. Aparentemente, o Estado será
tanto mais seguro quanto mais forte. Mas deve notar-se que um aumento da força nem sempre se
traduz numa maior segurança. De facto, em qualquer sistema de equilíbrio existe um «optimum» de
forças, cuja ultrapassagem, ao propiciar condições de hegemonia, tenderá a romper o equilíbrio do
sistema. Tal situação pode originar um enfraquecimento relativo, provocado pela passagem de
aliados para a neutralidade ou de neutros para o campo adverso ou motivado por um esforço
simétrico e mais bem sucedido por parte do(s) adversário(s). Assim, por exemplo, é discutível que os
EUA ou a URSS se encontrem, hoje em dia, mais seguros que há dez anos, apesar de disporem de
meios militares muito mais sofisticados e poderosos.
b. Prosperidade e bem-estar social
A satisfação das necessidades materiais e morais da sociedade, através da produção de bens e
sua adequada repartição e da prestação de serviços, assenta, em grande parte, em medidas de política
interna; mas implica também medidas variadas de projecção externa, como podem ser a obtenção de
matérias-primas, a aquisição de equipamentos, a conquista de mercados para os excedentes de
produção, a colocação de excedentes demográficos, a captação de fluxos turísticos, a obtenção de
mão-de-obra, etc.. etc.
c. Relações reciprocas
A decomposição da política nas duas finalidades atrás referidas é útil para efeitos de análise,
mas deve ter-se presente que se trata de um artifício, na medida em que a política é una e
incindível. Aqueles objectivos últimos são interdependentes e podem implicar acções que se
excluem, que se complementam ou que se reforçam reciprocamente.
Assim, sem segurança dificilmente haverá progresso e bem-estar social. De facto, as situações
de instabilidade ou de risco de guerra, no campo internacional ou interno, em regra abalam a confiança
necessária aos investimentos produtivos, originam fugas de capitais para regiões consideradas mais
seguras, propiciam situações de pânico e de especulação, etc., etc., tudo se traduzindo numa retracção
económica e tensão social, contrárias às necessidades do progresso e bem-estar social. Por outro lado,
sem progresso e bem-estar social são reduzidas as possibilidades de se alcançar o desejável grau de
segurança, não só porque há riscos de quebra da coesão social e de um enfraquecimento das
motivações necessárias a qualquer esforço no campo da segurança, como serão escassos os recursos
materiais que poderão ser orientados para um reforço das condições de segurança, como, ainda,
serão acrescidas e variadas as vulnerabilidades a formas de pressão externa.
Mas «segurança» e «progresso e bem-estar social» são também, por vezes, objectivos
contraditórios. De facto, os recursos de um país são sempre escassos em relação ao desejável,
pelo que um dos grandes problemas que se põe ao decisor político é o da atribuição de recursos,
escassos, pelos vários sectores de actividade, o que se traduz por opções de acordo com determinados
critérios de prioridade. Assim, um esforço no campo da segurança militar, por exemplo, significará
uma redução de possibilidades em sectores mais directamente relacionados com o progresso e bem-
estar e vice-versa: é o velho problema dos «canhões e da manteiga».
Em contrapartida há esforços no campo da «segurança» que podem contribuir para o «progresso
e bem-estar», bastando para o efeito atentar no papel de dinamizador económico
desempenhado pela investigação para a defesa ou pelas chamadas indústrias de defesa, bem como,
noutro plano, na valorização física e tecnológica da população jovem de um país obtida através do
serviço militar. E, como é evidente, há acções que visam o progresso e bem-estar social e que se
reflectem, directamente, numa melhoria das condições de segurança de um país, como pode ser, por
exemplo, o desenvolvimento de uma frota marítima adequada ou de fontes que garantam a auto-
suficiência energética.
Em face do exposto, os dois objectivos últimos da política não devem ser considerados
dicotomicamente, como algo que se exclui mutuamente. Nem há razão para se falar em «política de
segurança» em oposição ou alternativa a «política de desenvolvimento», por exemplo. Os dois
objectivos últimos devem, na medida em que são interdependentes, ser analisados de uma forma
global, traduzindo a unidade da política. A URSS (grande potência militar; deficiente
potência económico-social), o Japão (grande potência económico-social; fraca potência militar) e
os EUA (potência militar e económico-social equilibrada) podem servir de modelos.
4. Tipos de política externa
a. Generalidades
Como referimos no capítulo I, todo o sistema busca o equilíbrio, através de um contínuo
reajustamento das relações de forças no seu seio. Ora, toda a política visa, nas suas grandes linhas
gerais, ou a conservação e protecção da combinação de valores existentes ou a obtenção de novos
valores. A estes dois esquemas básicos correspondem, seguindo de perto H. Morgenthau, duas
políticas internacionais típicas. Assim, um Estado cuja política externa tende para a manutenção
da relação de forças e da situação de equilíbrio existentes prossegue uma política de «status quo»
um Estado cuja política externa visa uma modificação a seu favor da relação de forças e o controlo
político de novas áreas prossegue uma política expansionista.
c. Política expansionista
O poder dificilmente se autolimita, tendendo a visar os objectives que estiverem ao seu alcance.
Quanto maior for o poder, mais ambiciosos podem ser os objectivos visados; a consecução destes
proporciona bases mais vastas que permitem apoiar a obtenção de novos objectivos, ainda mais
ambiciosos. Pode originar-se, assim, um poder em crescimento acelerado, o qual tende a ser
dinâmico no campo externo e a gerar políticas expansionistas, a não ser que seja contido por
adequados contra-poderes.
O expansionismo pode resultar de uma política deliberada. Mas a História mostra que há certas
situações ou conjunturas que, quase inevitavelmente, conduzem a políticas expansionistas,
independentemente das intenções iniciais dos seus agentes. Entre essas situações figuram uma
guerra vitoriosa e uma situação de fraqueza política.
Numa situação de guerra quente, é muito natural que, quando se comece a desenhar um vencedor e
um vencido, aquele passe a conduzir, independentemente da natureza dos seus objectivos iniciais,
uma política expansionista, destinada a provocar uma modificação permanente e favorável na
relação de forças com o adversário derrotado, a qual definirá o novo «status quo» do após-guerra.
Assim, uma guerra inicialmente considerada (pelo futuro vencedor) como meramente defensiva
pode transformar-se, com a aproximação da vitória, em guerra expansionista (caso da França em
1914; da URSS em 1945; e de Israel em 1967).
Outra situação típica que favorece o aparecimento de uma política expansionista é a existência
de Estados fracos ou de espaços politicamente vazios, acessíveis a um Estado forte (o poder tem
horror ao vazio... ).
Uma política expansionista não significa, necessariamente, a anexação ou a conquista militar de
novas áreas territoriais: basta, por exemplo, promover o acesso ao poder, no território visado, de um
«governo-fantoche», favorável ou dependente dos interesses do Estado dominante. Por outro lado,
nem todas as acções expansionistas traduzem uma política expansionista: a difusão de uma língua,
por exemplo, não implica necessariamente o controlo político das áreas em que penetra; o mesmo
pode acontecer com o expansionismo económico (caso do Japão, por exemplo). Em contrapartida,
uma ajuda económica ou o fomento de uma ideologia, por exemplo, podem ser instrumentos de uma
política expansionista. Quer dizer, é o fim visado (controlo político de novas áreas), e não os meios,
que permite afirmar a existência ou não de uma política expansionista.
1. Formas de Resolução
No caso de um conflito, os diferentes métodos gerais de resolução podem ser agrupados nas
seguintes categorias:
- persuasão;
- negociação;
- mediação, arbitragem, bons ofícios;
- tribunais;
- coacção;
empregados de duas formas, também gerais
- a acção directa;
- a acção indirecta.
Relativamente aos métodos indicados, tal não significa que cada esforço no sentido de resolução
de um conflito caia, exclusivamente, numa daquelas categorias. Pelo contrário, as políticas mais
felizes consistem, em regra, numa judiciosa combinação de todas elas.
Por exemplo, suponhamos um conflito entre uma entidade patronal e um sindicato. Pode procurar-
se, directamente, a solução do conflito pela persuasão. Se os argumentos, tal como apresentados, não
forem convincentes, podem entabular-se negociações, tendo em vista a obtenção de concessões
mútuas. Se a negociação falha, as partes podem tentar a mediação ou aceitar a arbitragem. O
sindicato pode, porém, recusar a solução pacífica e passar à acção violenta sob a forma, por exemplo,
de uma greve. Em qualquer caso, os oponentes tentarão todos os métodos possíveis para influenciar o
comportamento um do outro. A força do grupo influenciará, obviamente, a escolha do método e seria
um erro supor que aquela é apenas importante no caso da coacção. Pelo contrário, se o sindicato for
poderoso a prova de força pode tornar-se desnecessária e, por exemplo, a negociação poderá ser
conduzida com êxito e com mais facilidade ou a simples ameaça de recurso à greve poderá levar à
retomada de negociações em bases mais generosas para o sindicato.
Os sindicatos, como todos os grupos que actuam no seio do Estado, podem recorrer a uma outra
forma de acção para alcançarem os seus objectivos. Se a acção directa se revelar inadequada,
podem tentar uma via indirecta, através da legislação, procurando obter o emprego, em seu favor, do
poder legislativo do Estado. Poderão assim alcançar, por exemplo, salários mínimos que,
possivelmente, não seriam obtidos pela acção directa sobre as entidades patronais. Há casos em que a
acção indirecta pelas vias constitucionais não é possível, quer pela falta de poder do grupo, quer pela
falta de um mecanismo legal adequado. Então o grupo poderá ser levado a uma acção indirecta de
natureza especial, que terá em vista modificações da Constituição ou da distribuição da
autoridade, a criação de novos órgãos, etc. A acção é, neste caso, orientada não para o emprego
dos instrumentos de governo existentes, mas para a modificação destes ou criação de novos
instrumentos.
Também para a resolução de conflitos entre Estados podem ser empregados os quatro processos
anteriormente referidos, através de uma acção directa ou indirecta. E é evidente que, também
nesta situação, a força não é importante apenas no caso de coacção.
Interessa, porem, salientar que, no caso de um conflito político internacional, o quadro da acção é,
em regra, muito mais vasto que o anteriormente apontado, a título de exemplo, para um conflito
no interior do Estado. De facto, hoje em dia, a contracção do mundo em consequência do
desenvolvimento das comunicações, o carácter ideológico da maioria dos conflitos e a divisão do
mundo em blocos, fazem com que qualquer problema, mesmo de carácter local, interesse mais ou
menos profundamente à quase totalidade da sociedade internacional. O quadro da acção é,
assim, sempre multilateral.
2. Estratégia e diplomacia
Na sua acepção tradicional, a diplomacia é a arte de convencer sem empregar a força. Dos
processos anteriormente referidos vemos que três deles - persuasão, negociação e mediação ou
arbitragem - não envolvem o emprego da força. Aqueles processos inscrever-se-iam, assim,
no campo da diplomacia.
A outra forma de resolução é a coacção, a qual resulta do emprego ou ameaça de emprego da
força, de forma a obrigar o adversário a aceitar os nossos pontos de vista. O emprego da
coacção releva da estratégia.
A distinção assim apresentada é, na realidade, artificiosa. Como vimos, a força não é importante
apenas no caso da coacção. Em rigor, só há diplomacia pura no caso das relações de cooperação e
de acomodação e, quando muito, nas situações de conflito apenas no caso da persuasão, quer sobre
o adversário, quer sobre os neutros, quando, relativamente a estes últimos, tem por fim ganhar
simpatias ou desarmar suspeitas. Nos demais casos, a acção diplomática recorre, em maior ou
menor grau, a formas de pressão (económica, psicológica ou de outra natureza), pelo que o que na
realidade então existe é uma estratégia diplomática.
3. Estratégia e economia
A natureza dos objectivos abstractos e últimos da política - segurança e prosperidade - leva, por
vezes, ao estabelecimento de uma dualidade correspondente entre a estratégia e economia. A
economia, suporte da prosperidade, seria a lógica interna que governa a acção em política interna; a
estratégia, base da segurança, desempenharia o mesmo papel em política externa. O raciocínio é, em
grande medida, válido e a estratégia e a economia surgem-nos assim como dois dos grandes suportes
e instrumentos da política.
4. Síntese
No campo da Política Internacional, não há duas nações que tenham, precisamente, os mesmos
objectivos concretos. Assim, estes podem conduzir uma nação a entrar em conflito ou a estabelecer
alianças com outras nações. No campo da política interna, as divergências quanto à natureza dos
objectivos prosseguidos, à sua prioridade ou à forma de os atingir podem dar origem a conflitos no
interior dos próprios Estados.
Os conflitos entre Estados e os conflitos no interior dos próprios Estados podem variar desde
meros desacordos e litígios de interesses até diferendos fundamentais e irreconciliáveis. Os primeiros
são, por vezes, susceptíveis de ser resolvidos por meios pacíficos - isto é, pela persuasão,
negociação, mediação, arbitragem e outros processos consagrados pelo Direito Internacional - pelo
que não originam, necessariamente, um estado de guerra - declarada ou não - entre os grupos
políticos considerados. O segundo tipo de conflitos só pode ser resolvido coagindo o adversário
a aceitar os nossos pontos de vista, através de uma exploração das possibilidades conferidas pela força.
A coacção pode considerar-se, como veremos, sinónimo de guerra, quer se caracterize pelo
emprego da força militar, quer por uma qualquer aplicação de outros elementos do potencial nacional,
conjugada com o risco de emprego da força militar. A exploração da coacção para se alcançarem
objectivos políticos releva da estratégia.
CAPÍTULO VI
A FORCA EM ACÇÃO
1. Estado de capitulação
Pela coacção procura-se levar o adversário a aceitar os nossos pontos de vista, isto é, a
capitular. Esta capitulação pode ser obtida através de:
- risco de um esmagamento físico, pela destruição ou ameaça de destruição dos seus meios
materiais de reacção;
- risco de uma asfixia económica, impedindo o adversário de manter os meios de reacção de que
dispõe;
- uma substituição do interlocutor, modificando a chefia do adversário num sentido favorável
aos nossos pontos de vista;
- e/ou criando no adversário um estado psicológico de capitulação, pela deterioração das suas
forças morais.
Embora a acção de esmagamento psicológico possa ser acompanhada e facilitada pelas acções que
visam o esmagamento físico ou a asfixia económica, estas últimas não são indispensáveis. Quer dizer, é
possível (pelo menos em teoria) obter a decisão exclusivamente através de uma acção psicológica
adequada que consiga minar o moral do adversário. Aliás, a guerra é, sobretudo, uma prova de vontades
e, como tal, comporta naturalmente um elemento psicológico: só é vencido aquele que se reconhece
como tal. Na guerra absoluta, em que a violência é levada aos extremos, visando o desarmamento ou o
aniquilamento de um dos adversários, o elemento psicológico acaba, é certo, por se apagar. Mas trata-se
de um caso limite. A maior parte das guerras reais são guerras limitadas e nelas é sempre fundamental o
elemento psicológico. De facto, as dificuldades materiais e humanas criadas ao adversário visam,
sobretudo, evidenciar um «custo» superior ao valor do objectivo em jogo, de modo que esse adversário
conclua ser inútil ou irracional prosseguir a guerra e, portanto, capitule. A importância do elemento
psicológico é ainda evidenciada pelo facto de que, desde sempre mas com especial acuidade hoje em
dia, nem sempre é necessária, para se obter a capitulação, a aplicação ou emprego da força: bastará
frequentemente a ameaça de emprego ou a exibição da força.
A acção coerciva tem sido, muitas vezes, identificada apenas com a acção militar e, de facto, esta
última tem desempenhado a maior parte das vezes um papel capital. Mas a guerra nunca é um fenómeno
puramente militar, mas sim de carácter total, onde se combinam e interferem acções diplomáticas,
económicas, psicológicas, de espionagem, subversivas, etc., bem como acções militares, que se não
reduzem a operações militares. Se na maioria dos casos as Forças Armadas têm constituído o elemento
principal, há numerosos exemplos onde têm sido outros os factores decisivos: a revolução interna, o
bloqueio, etc. Assim, a acção coerciva pode revestir-se de várias formas e de diversos graus de
intensidade.
2. Formas de coacção
As formas de coacção relacionam-se com os recursos e capacidades operacionalmente
disponíveis. Assim, a coacção pode ser exercida através das seguintes formas principais, que diz res-
peito aos meios empregados e não aos efeitos obtidos:
- acção psicológica;
- acção diplomática;
- acção política clandestina no interior do adversário;
- acção económica;
- acção militar.
Chama-se, desde já, a atenção para esta classificação, visto que vai servir de base, na 3.ª Parte, à
definição dos vários ramos ou divisões da Estratégia.
4. Guerra total
Estas formas de coacção podem ser empregadas isolada ou conjugadamente e com diferentes
gradações de intensidade. Diremos que será total a guerra que envolve todas as formas de coacção.
1.ª PARTE
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OBSERVAÇÕES