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a aos 15 anos
Autora: Luísa Ducla Soares
Copyright © Brilho das Letras, 2015
Ilustrações: Marta Teives
Composição, impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda.
Depósito legal n.o 397 520/15
Esta edição é uma versão atualizada do original de Diário de Sofia e C.ª aos
15 anos publicado em 1994
1.ª edição, Lisboa, outubro, 2015
4 de outubro
Esqueci-me de me apresentar na primeira página.
Mas fiz bem. Chamo-me... mas vou inventar um nome
falso para mim e para todas as pessoas de que vou falar.
Assim serei uma personagem irreconhecível e não vou
comprometer ninguém.
Faz de conta, portanto, que sou a Sofia, que a minha
escola é o Colégio Universal. O meu cão será o Pipocas.
18 de outubro
Como seria bom que a minha vida fosse uma
aventura e eu uma heroína de não sei quê. Nesse caso
o Diário podia tornar-se num livro de aventuras.
25 de outubro
Fiz, por acaso, uma descoberta sensacional — o
café. (Claro que já milhões de pessoas a fizeram antes
de mim, até o meu pai, vejam lá...)
Ia a passar em frente da esplanada da Princesa das
Arábias quando senti alguém puxar-me os cabelos. Era
o Miguel. Chamou-me para a mesa dele, onde estavam
dois jovens desconhecidos. Ao fim de pouco tempo
éramos amigos e combinámos no dia seguinte voltar
lá. Arrastei a Cátia comigo, porque ela também não
conhecia o café, e passámos a levar para lá os livros
de estudo. Enquanto não apareceu mais ninguém,
estudámos as duas, depois ficámos a conversar.
Dantes o meu maior desejo era ir para as Amoreiras,
perdia uma hora para lá, outra para cá e no fim só víamos
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26 de outubro
A tia da Vanessa trabalha no edifício ao lado da
escola. É um casarão pousado no que resta de uma
antiga quinta, com oliveiras retorcidas e um poço.
Como o portão não tem fecho, a malta da escola vai
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27 de outubro
A Cátia, o Miguel e eu resolvemos fazer um pacto
solene de eterna amizade e confiança. Somos colegas
desde que entrámos para o 5.o ano, os grupos iam
mudando, mas nós nunca nos separámos.
— Um pacto de sangue? — perguntou a Cátia.
O Miguel riu-se.
— Isso está ultrapassado! E não sabes que as pessoas
não devem andar a picar-se, a misturar sangues? Parece
que nunca ouviste falar da sida ou da hepatite B.
— Damos a nossa palavra. Em vez de jurarmos pela
Bíblia, juramos por alguma coisa que todos adoramos.
Pelo Sol, por exemplo — propus eu.
Eles aceitaram. Um juramento pelo Sol é lindo e
original. Que seria de nós sem o Sol?
28 de outubro
Aos quinze anos as pessoas não têm direito a nada. São
uns paus-mandados. (Claro que podem não obedecer.)
E aos dezasseis?
O Fernando, que já os fez, porque é repetente,
esclareceu‑me.
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30 de outubro
Encontrámos hoje o Careca no café e começámos a
falar sobre a droga, como se não fosse nada com ele, a
ver se o rapaz se descaía.
— Então os betinhos querem saber coisas. Venham
comigo que eu mostro-vos um espetáculo.
Eu ainda estive para refilar, porque prefiro ouvir dois
palavrões a ser tratada por betinha, mas achei mais
prudente calar-me, não queria perder o espetáculo.
Ele levou-nos por ruas tortuosas até um descampado
com prédios em construção. Havia lá meia dúzia de garotos
pequenos, à procura de sacos de plástico numa lixeira.
— Para que é que eles querem aquela porcaria?
Ainda se fossem caixas de cartão para vender...
— De pequenino se torce o pepino e se começa a
snifar cola. À borla. Depois vem o resto.
Um miúdo sentou-se na lama a tossir. Dois pareciam
tontos, os outros riam e diziam disparates.
— Fora daqui! — gritei eu — Ou chamo a polícia.
Eles riram.
— Não se prendem crianças. E se as prendessem, ao
menos não dormiam ao relento e tinham sempre o que
comer — disse o Careca.
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31 de outubro
A minha mãe diz sempre que está a fazer dieta para
emagrecer, farta-se de passar fome às refeições, mas não
abate nem um quilo.
Finalmente compreendi porquê. Fui à carteira dela
buscar as chaves e vi lá nada menos do que três tabletes
de chocolate!
Para mim, nunca compra. Diz que fazem mal
aos dentes.
Tirei-lhas todas e logo à noite na cama já vou comer
uma. Eu é que estou magra e em idade de crescer!
A mãe já remexeu na mala várias vezes, mas não
deu um pio.
Afinal só fiz uma boa ação, afastando-a das
tentações.
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