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S ENGLANTINE
1ª Edição
2020
Play Date –
Melanie Martinez
Sad Day – Fka Twigs
Estou
pisando em um panfleto do Salt-In.
Há alguns deles poluindo a campina por toda a parte que me encontro.
Sinto-me tentada a ler sobre o que se trata o tal torneio, mas só de me
imaginar lendo qualquer que seja o panfleto, me sinto com tédio.
Estou no meu terceiro copo de cerveja, enquanto engulo alguns
punhados de amendoins e caminho.
Harvey está no centro de um grupo, conversando animadamente,
enquanto fala sobre sua carreira longa e promissora na dança no gelo.
Quando éramos menores, as pessoas caçoavam de Harvey o tempo todo.
Quando passamos a ganhar torneios e competições, todos passaram a
venerá-lo, calando fortemente suas bocas.
Em momentos como aquele, sou uma covarde.
Não me aproximo de Harvey e nem de sua legião de fãs que se
torturam por ouvir falar de algo que enche seu coração de saudade. Me
sinto a completa responsável por ninguém mais ver Harvey Bird no foco.
Tento repetir a mim mesma que, se Harvey quisesse uma nova parceira, ele
teria encontrado. Mas desde que meu médico me proibiu de qualquer
movimento brusco, forçando meu ombro e meu pé, sinto que eu sou a
razão.
Que ele agarrou a consequência como sua.
Então me afasto. Dou alguns passos para trás e seguro bem firme meu
copo de cerveja, não querendo ouvir mais nenhuma palavra que me lembre
o que fui e o que me tornei em um espaço de apenas um ano. Mastigo
ferozmente o amendoim e caminho até os carros. Sei que não irei embora,
não bebendo tanto, mas um momento sozinha para respirar — sem sentir o
cheiro de uma fogueira e madeira queimando — é o que eu preciso.
Sentada no capô, Taylor Moore está conversando com Aster. A
primeira garota enrola a ponta dos dedos no cabelo ruivo, enquanto Aster
tenta controlar seus dedos na coxa de Taylor. Se Aster quisesse e Taylor
fosse corajosa, os dedos de Aster estariam dentro de Taylor em apenas
instantes.
Quando me aproximo e as duas percebem, Taylor ameaça falsamente
Aster; aponta o dedo na cara de Aster Campbell e avisa que, se ela olhar
novamente para Garret irá se ver com ela. Tento me agarrar ao melhor
teatro de pessoa inconveniente possível; se eu desse risada, Taylor Moore
iria perder seu tempo comigo — e eu perderia o meu.
Aster, no entanto, não fica surpresa com o tom de ameaça, apenas
concorda. Sem esperar por mais nada, Taylor desfila para longe de nós,
rebolando os quadris e jogando o cabelo ruivo para os lados. Até sumir
entre as árvores, onde viveria seu romance intenso e altamente estúpido
com Garret.
— Ela é boa. — Elogio, apontando para o lado que Taylor desapareceu
com o copo de cerveja. — Como não está matriculada no curso de artes
cênicas da United Salt?
Aster enfia as mãos nos bolsos e me encara, impassível.
— Acho que precisamos trocar algumas palavrinhas. — Aster diz
séria.
Quero rir.
Não, na verdade, quero gargalhar. A detestável Aster Campbell não
quer mesmo falar comigo. Quer? Que favor ela pedirá? Sei até como isso
irá começar.
Não sei por que não quis vir à fogueira, sempre há algo para me
divertir. Seja um garoto socando o outro, ou uma garota defendendo a
namorada hétero dela.
— Pode falar — respondi, tentando esconder que estava apreciando
tudo aquilo.
— A Taylor, ela...
— Está traindo Garret com você. — Completei. Até mesmo fingi que
coloquei a mão na boca para esconder minha língua grande e afiada. Como
o esperado, Aster suspirou, exausta. — Sei. E daí?
— Ela sabe que você viu a gente.
— Se queriam privacidade, o melhor lugar não era uma varanda, Aster.
— Bebi um pouco mais da minha cerveja. — E aí?
Aster se aproximou de mim, dando um passo. Seus olhos estão focados
nos meus e eu tive que me conter para não rir mais.
Ela estava tentando me atrair. Atrair para sua teia de mentiras.
— Tô ligada que você tem motivo o suficiente para querer que o
Garret caía daquele cavalo dele. — Aster fez uma piada. Mas ao meu
silêncio, ela se conteve para não rir. — Sei que você e o Garret namoraram
por um tempo. — Aster começa novamente, coçando a nuca. — Será que
pode manter isso entre nós?
— Entre eu, você e a Taylor? — Fiz questão de perguntar. — Não sei...
Será que ela está bem com isso?
— Olha, Nicola. — Aster perdeu um pouco sua paciência. — Sei o
que está pensando isso, mas não sou idiota. Estou apenas me divertindo e se
a Taylor não aguenta aquele mané do Garret, quem sou eu para culpá-la?
— Acha que ela é hétero, mesmo? Ou só quer atenção?
— Não importa o que ela é ou deixa de ser. Pode guardar esse segredo
por mim?
— É melhor pedir por Deus ou por qualquer outra pessoa, pedir por
você é uma péssima forma de me convencer.
Tudo em Aster Campbell me lembra um caos.
Seus cabelos, cacheados e bonitos, sempre vivem embaraçados e
embolados atrás de uma bandana. Os esmaltes vivem descascados, nunca a
vi usar um esmalte de unha completa. Suas orelhas são preenchidas por
furos, mais de cinco em cada. Nunca está de batom — não que isso seja um
defeito, mas é um detalhe. Seus lábios sempre estão rachados pelo tempo
péssimo. Há sempre uma coleção de camisetas largas e manchadas de
cândida propositalmente. Aster e Harvey chamam aquilo de moda ou estilo,
já eu considero o cúmulo.
Porém, em Aster, toda aquela confusão de cores, desleixo e a mistura
de “não dou a mínima para nada” combinam perfeitamente. Chega até ser
harmonioso de se ver.
Aster também carrega um colar de cadeado em seu pescoço, como um
lembrete.
É como me olhar no espelho ao contrário. Dá até certos calafrios
pensar em não ter o cabelo organizado como o dela, ou até mesmo usar uma
distopia de cores. Mas em Aster até que fica legal. Ele tem aquele jeito
despreocupado que deixa quase tudo bastante jovial e legal.
Toco meu colar de pérolas e dou de ombros.
— Faça o que quiser e com quem quiser, Aster. Mas não pense que
guardarei todos os seus segredinhos.
4
Eu nasci em Brighton.
Vim de uma família muito bem estruturada que não soube lidar com a
o falecimento do meu avô — viva a ironia — e que preferiu não lidar com a
viúva.
Uma família que queria que minha avó se sentisse bem, mas não...
tanto. Uma família que se ofereceu para ajudá-la em qualquer fase, mas que
desistiu quando percebeu que a fortuna dela não passava de algumas libras
jogadas no fundo de um banco. Uma família que a amava, mas só quando
estava no auge de sua carreira e ainda era convidada para dar entrevistas no
rádio, depois, servia apenas para lamentações. Uma família que queria ver
minha avó bem, mas melhor se houvesse dinheiro envolvido.
Eu tinha sete anos quando vovó perguntou à minha mãe se poderia me
criar.
Para famílias “normais” ou remotas, a pergunta poderia ser uma
ofensa. Um insulto gravíssimo. Para minha mãe, bem, acredito que para
minha mãe foi um alívio. Quase como “Ora, por que não perguntou antes?”
Na época, queriam encontrar uma enfermeira para minha avó. Ela não
estava doente e nem nada disso, mas estava começando a envelhecer e
minha família não queria encarregar um tempo à minha avó que não
tinham. Quero dizer, eles tinham, mas Regina Campbell não era mais a
Regina Campbell, então não se importaram com mais nada.
Vovó queria me criar porque eu dava trabalho para minha mãe. Mordia
as crianças na escola, era um pouco violenta, odiava ser educada, odiava me
comportar e vovó disse que poderia dar um jeito em mim de uma vez por
todas. O santo remédio que ela passou a procurar e jamais encontrou.
Enfim, minha mãe cedeu — não que isso tenha custado muito caro ou
muitas conversas, apenas duas a convenceram.
Não me lembro muito bem dos meus reais sentimentos. Não sei se
prometi a mim mesma que daria o dobro de trabalho para vovó Regina; não
lembro o que queria na época. Só lembro de ir embora de Brighton, com um
ursinho de pelúcia entre as pernas e uma mochila ao meu lado, vovó estava
fumando com a janela aberta, enquanto um motorista seguia em frente, com
um caminhão de mudanças logo atrás de nós.
Durante a viagem de Brighton até Salt, vovó disse que era a neta mais
bonita que ela tinha. Ninguém nunca havia me chamado de bonita antes. Só
encrenqueira e mal educada. Vovó disse que meus cabelos cacheados eram
meu verdadeiro charme. Ninguém nunca disse que meus cabelos eram
lindos ou charmosos, só falavam que deveriam penteá-los e conte-los em
um penteado qualquer.
Vovó disse que meus lábios cheios, eram desenhados à mão por anjos.
Ninguém nunca tinha me contado uma história mística sobre mim. Só que
os lábios das outras garotinhas eram mais discretos e, por isso, eu precisava
ser boazinha para suprir minha falta de beleza.
Então, fui amolecendo.
A criança que prometia tacar fogo em cortinas caras, só queria saber o
que mais ela podia ser de acordo com avó. Os primeiros dias em Salt e na
nova vizinhança foram horríveis. Minha vizinha de janela era a perfeitinha
Nicola Wolf, de cabelos arrumados e postura intacta.
Ela odiava brincar na areia, na lama, não gostava de patinar por
diversão e sempre fazia careta quando preferia pular e dançar a sentar e
brincar de bonecas. Era a criança mais chata do mundo.
Um dia, ainda sem amigos, no Jardim de Infância, encontrei uma
garota, pequena e mirrada, fazendo seus ursinhos de pelúcia caírem da Casa
da Barbie.
— O que é isso? — Eu perguntei completamente curiosa.
— Eles estão pulando de bungee jump — respondeu Gwen.
Mas, para variar um pouco, Gwen ficou desconfiada de mim durante
duas semanas até decidir dividir alguns bolinhos de baunilha comigo no
recreio.
Sobre os concursos de beleza, eu gostava.
Meu Deus, eu me divertia para caralho sempre que precisava fingir
que não era eu. Graças à vovó, eu acreditei fielmente que podia vencê-los.
Como venci muitos. A maioria das pessoas acha que vovó é quem me
obrigou a participar de um concurso de beleza, mas apenas quis.
Por conta própria.
Foi em um dia em que encontrei algumas fotos dela no sótão, com a
minha idade. Ela havia sido Miss Brighton e conseguiu uma vaga no Miss
Universo representando a Inglaterra aos vinte e um. Ela me contou a
história enquanto fazia panquecas pela manhã. Então, sem esperar ela
terminar, disse que queria tentar.
Lógico que a caminhada foi difícil; odiava que penteassem meus
cabelos, as maquiagens incomodavam e os vestidos eram rosa demais. Mas
depois, depois que eu desfilava, acenava para vovó na plateia e sorria, eu
percebia que, de fato, estava fazendo algo divertido. Sabotar e provocar as
outras misses eram a minha parte favorita de tudo. Elas choravam com tanta
facilidade que me dava ainda mais vontade de continuar.
Só parei de competir quando não achei mais graça alguma. Sempre era
a mesma coisa; desfile, perguntas idiotas com respostas prontas, exibição de
talento, classificatórias, mais desfiles e a vencedora. Pronto. Fim de papo.
De volta para a casa.
Ah, sim. Os concursos serviram para fazer com que vovó e eu
tivéssemos um laço ainda mais forte, com certeza. Mas também serviu para
fazer com que meus troféus ficassem ao lado dos de atuação de vovó.
Nosso mural é a minha parte predileta da casa. Fica abaixo da escada
principal e tem nossas fotos, dispostas abaixo de uma luz neon que muda de
cor.
A ideia da luz foi minha.
Quando cresci e percebi que gostava de garotas — mais do que
importuná-las — vovó não ficou surpresa. Ela tragou um cigarro e disse que
tudo bem. Naquela noite, ela me deu seu colar favorito de todo o mundo.
Um colar de ouro branco com um pingente de cadeado. Ela disse que
aquele colar lhe acompanhou por muitos anos; que ela o segurava sempre
que precisava manter a calma e que a ajudava sempre a descobrir quem ela
era e a verdade sobre si mesma.
Vovó, então, me disse que as pessoas iriam tentar me punir por amar.
Que as pessoas iriam testar minha paciência e que eu deveria ser franca e
manter a calma. Que, dali em diante, eu precisava sempre saber quem eu
era.
Nunca mais o tirei do pescoço.
Somos melhores amigas e graças à minha avó, soube desde pequena
que tenho um valor enorme no mundo.
— Não acredito!
— Pois acredite, porque não estou contando mentira nenhuma, Gwen.
— Você odeia dança no gelo! — Gwen berrou do outro lado da linha.
— Tipo, desde que...
— Eu sei, eu sei. Mas a chatinha da Nicola Wolf irá me pagar. E com o
dinheiro irei conseguir a Betty de uma vez por todas. Nem preciso
agradecer. Danço, venço esse troço e ainda ganho um carro. Está me
entendendo?
Ouço minha melhor amiga suspirar do outro lado da linha.
— Está indo para lá agora? — Gwen quis saber.
— Estou. Chegando à arena de ensaios. Arena Palmer. — Empurro a
porta pesada a vácuo da arena pública da cidade. Algumas pessoas podem
treinar à vontade, outras precisam marcar horário. — Eu prometi não
prometi?
— Certo... — A desconfiança de Gwen ataca novamente. — Me conte
tudo depois!
Desliguei o celular, enfiando na minha calça e abrindo uma latinha de
energético em seguida.
A Arena Palmer me recebeu rapidamente. Sem graça.
Algumas funções da cidade de Salt é sempre apoiar os esportes de
gelo. A pista de patinação estava vazia, por apenas uma figura deslizando
pelo gelo artificial de maneira leve e graciosa. Dei um longo gole no
energético e me aproximei das duas pessoas que estavam me esperando.
Harvey Bird é quem estava patinando; de um lado e para o outro, com
um sorriso enorme no rosto que só fazia os olhos de Nicola Wolf faiscarem.
É até estranho perceber que Nicola tem apreço por alguém neste mundo e
ainda mais por Harvey. Alguém absolutamente normal.
— E aí. — Desci alguns degraus da arquibancada, para chegar até
Nicola. Inteiramente de preto, Nicola também usava um rabo de cavalo bem
penteado e firme ao topo da cabeça. Ela me direcionou apenas uma olhada e
um aceno de queixo. Era o bastante. — E aí, Harvey! — Acenei para ele,
que havia acabado de girar mais de cinco vezes no lugar.
— E aí, Aster! — Gritou, girando novamente acima dos calcanhares
em patins.
— Bem... — Nicola passou seus olhos pelo energético na minha mão e
depois para o meu rosto. Quase entrando em colapso. — Preciso dizer que
está atrasada? — E fingiu um sorriso.
Joguei todo meu peso ao seu lado, me sentando e deixando que minha
mochila caísse entre minhas pernas.
Foram três dias interessantes.
Dias em que me vi obrigada a falar com Nicola Wolf; cada dia por
algum motivo diferente. Dei meu número a ela, afirmando que poderia me
ligar ou enviar uma mensagem sobre os treinos.
Até mesmo tive que falar com ela em uma aula!
Eu nem sabia que fazíamos uma aula na faculdade juntas, meu Deus!
Agora, depois dessas setenta e duas horas, eu sou oficialmente a
parceira de Harvey Bird em uma competição no gelo.
O que não faço pela Betty?
— O que iria adiantar? — Devolvi a provocação. — Você irá falar do
mesmo jeito.
— Precisa saber que somos pontuais. — Nicola arrebitou o nariz. —
Ser pontual te dá pontos, sabia disso?
— Não é a Olimpíada, Nicola. — Revirei os olhos. — É apenas um
torneio.
— Oh. — Ela murmurou incrédula. — Acha mesmo que eles não irão
julgar sua pontualidade, ou... Ou sua destreza...
— Nicola! — Harvey se aproximou de nós. Deslizou até a barreira de
madeira e plástico que separava a pista de patinação das arquibancadas e
apoiou os braços ali. — Não assuste a menina logo no primeiro dia.
— Só estou dizendo... — Nicola engole em seco, empertigando os
ombros. — Que temos que ser levados a sério.
— Nem começamos. — Harvey sorriu. — Relaxa, por favor.
Nicola não discutiu com ele, apesar de querer.
Apenas enrugou o nariz e umedeceu os lábios, contrariada.
Sua atitude quase — eu disse quase — me faz sorrir. Garotas teimosas
ainda são garotas teimosas. Mas garotas prepotentes e estressadas tinham
uma parte de mim que ainda não conseguia entender o porquê me atraíam
tanto. Elas sempre encaram a vida com uma pressa exagerada, enquanto
apenas quero desacelerar.
— Então... — Nicola bate os pés de modo frenético e ansioso na
madeira abaixo de sua sola. — Não iremos explicar nada a ela?
Harvey Bird, que eu espero que saiba responder Nicola à altura, apenas
sorri serenamente. Sem um pingo de estresse.
— Ainda é o primeiro dia, Nikki. — Harvey garante, com um sorriso
de efeito que é capaz de acalmar Nicola Wolf. — Vamos apenas conversar
sobre os treinos diários e ver como nos damos bem, hum? — Harvey abaixa
um pouco o queixo, para encontrar os olhos de Nicola.
Ela suspira, convencida e confirma com o queixo, silenciosa.
Solto uma risada nasal.
— Fofos. — Sibilo. — E então, como isso será feito?
— Trouxe seus patins? — Harvey pergunta para mim.
— Sim.
— Então só os coloque e vamos tentar encontrar nossa química na
pista e na dança.
Bato uma palma rítmica, confirmando.
Sinto Nicola inquieta ao meu lado.
Será que ela entraria em pane se passasse apenas um dia, um diazinho,
sem dar ordens em alguém?
Deixo o energético de lado — até digo que Nicola pode beber. Veja
como sou boazinha.
Retiro meus patins reservas da mochila, preparo meus pés e minhas
meias, e os coloco. Em pé, me arrasto até a entrada da pista de patinação,
Harvey me espera com uma mão estendida.
— Você não vem? — pergunto a Nicola.
Seus olhos estão presos em nós dois, em pé, diante de seu corpo. Ela
não trouxe nenhum patim, não trouxe nada para estar conosco. Apenas está
sentada, com as mãos reunidas ao joelho, em silêncio, nos avaliando.
— Serei a treinadora — responde um pouco vaga nas palavras. —
Apenas isso.
Subo as sobrancelhas e a ignoro.
Eu sei que Nicola não pode competir, mas patinar deve ser uma tarefa
fácil, não é? É só zanzar de um lado e para o outro, deslizar com equilíbrio,
determinação.
Não deve exigir muito.
— Antes de começarmos a... — Coço minha nuca. — Procurarmos
nossa química. — Harvey, o médico, dá um sorriso. Nicola, o monstro,
enruga os lábios. — Por que é que você precisa do dinheiro do prêmio?
Nicola inspira e abafa um gritinho, como se eu tivesse não só lhe
ofendido como toda sua família.
— Não precisa responder se não quiser, Harvey! — Nicola junta as
sobrancelhas, irritada.
— Não, tá tudo bem. — Ele garante ao gesticular para ela. — Dívida
estudantil — diz para mim. — É bem grande. E a minha bolsa não cobre
muito. Estou meio atrasado para um empréstimo estudantil e pode ser ainda
pior. O prêmio vai cobrir boa parte do valor, ou ele todo. Depende da nossa
posição.
Agora sinto um pouco de pressão.
— Bem. — Subo os ombros. — Se vamos fazer isso. É melhor
fazermos direito!
8
Às sete e meia, vou até a janela. Estou com o saco de papel com os
pedaços de vidros embrulhados. Barr está saindo da casa das Campbell
porque o ônibus da escola acabou de buzinar, chamando por ele.
Barr saí da casa delas, acenando para a sra. Campbell e para uma Aster
surpreendentemente acordada. As duas mandam beijos para ele e enfim,
meu irmão corre até o ônibus, sobe seus degraus e some atrás da porta
sanfonada.
Aperto o cabo de vassoura entre meus dedos e manco até a cozinha,
deixando em uma parte isolada, no canto ao lado da porta para me lembrar
de reciclar e não simplesmente jogar fora. Me apoio na pia da cozinha, para
começar a lavar as únicas louças que restam.
Alguém bate na porta dos fundos e me arrasto para atender, mesmo
sabendo que darei de cara com Aster.
Não estou com humor para suas piadinhas, e nem seu estilo todo de
vida. Mas atendo, porque Aster acolheu meu irmão e quero perguntar a ela
se os gritos foram audíveis.
Quando atendo, Aster está usando um coque bagunçado e proposital.
Os cabelos cacheados saltam do penteado e tem duas mechas na frente,
cada uma do lado de um olho. Está de pijama, um de inverno com mangas
longas e pantufas que parecem aquecer seus pés.
Não queria ter comprimido os lábios. Mas comprimi para segurar
minha respiração.
Percebi que na pele de Aster há pintas pretas, que são muito bem
visíveis quando as mechas destacam seu rosto. Ela está muito bonita e me
odeio por acha-la tão atraente de um jeito tão natural.
— Cara. — Aster diz, depois de tentar sorrir para amenizar as coisas.
Seus olhos escapam para meu pé direito enfaixado e ela entra na minha
cozinha, depois que me arrasto para o lado. — O que aconteceu? Quem fez
isso com você?
Fecho a porta, me encostando nela. Um minuto para um descanso.
Talvez eu falte na faculdade hoje.
— Bem, eu diria que eu mesma fiz isso comigo. — Sibilo.
Aster não gosta da resposta.
Seus olhos se movem novamente para o meu pé direito e ela se agacha.
— Nicola Wolf, o que aconteceu? — Ela pergunta debaixo.
Prendo de novo a respiração.
Nunca fui tão sacana, mas vê-la tão perto de mim e debaixo, me causa
um aperto no estômago desconfortável. Minha mente imagina coisas que
não concordo em um momento como esse.
— Vidro — respondo a contra gosto. — Pisei em um pedaço de vidro
e aconteceu o óbvio. Sou uma idiota.
— Você não é uma idiota. — Aster consegue finalmente sorrir de lado
com a constatação. Ela se ergue do chão e para de frente para mim, agora
muito mais perto. — Pode me dizer o que houve? — Aster coloca a mão
nos bolsos, sem saber o que fazer.
Há sérios problemas em falar. Adoraria que ela pudesse passear pela
minha mente, assim saberia de uma vez e me pouparia de detalhes. Então,
percebo que só estou cansada de repetir — mesmo não mentalmente — o
que houve pela noite passada.
Suspiro, mostrando a Aster que até a minha respiração está pesada.
— Posso. Não tem problema — respondo, olhando para baixo e depois
para cima. — Só não quero falar agora.
— Respeito. — Aster concorda rapidamente, sem um pingo de receio
ou remorso. — Quer ajuda? Com alguma coisa? E os treinos?
— Ainda serei uma idiota comprometida, acredite em mim. — Pisco.
Aster gargalha frouxamente. — Só tirarei daqui a algumas semanas. Não
quebrei e nem nada disso. — Mordo meus lábios. — O Barr se comportou?
— Ele é maneiro. — Aster confirma com o queixo. — Ficamos
jogando Tranca, Ludo e tudo o que encontrei no sótão. Fiquei me
perguntando porque nunca fiz nada antes com o pirralho.
— Sempre que quiser e eu estiver cheia de trabalhos para fazer, sinta-
se dona de Barr. — Abro os braços. Aster volta a rir. — Sério. Obrigada. De
verdade.
— Acho que... como forma de mostrar que está bem grata, poderíamos
trocar os bancos da Betty, não é mesmo? — Aster brinca, erguendo os
ombros. — Com aqueles de couros chique. O que acha?
— Um carro me parece bom o bastante.
— O nome do carro é Betty, por favor. Respeite! — Aster pede, com o
olho aberto e outro fechado. — Já basta Gwen se recusar a falar o nome
dela.
— Talvez Gwen não goste do nome Betty. — Observo.
Percebo que acabei de falar um pré-conceito meu sobre Gwen
Hallister. E ainda melhor, para a melhor amiga dela.
Logicamente, Aster Campbell não entende o que quero dizer.
— Ah. — Coço minha pálpebra. — Serei franca. — Desisto de
enrolar. — Às vezes acho que Gwen não gosta de muita coisa.
Especialmente de mim.
— Por que acha isso? — Aster cruza os braços, investigando.
— Ela parece não gostar de todo mundo que não seja o Harvey.
É nesse momento que espero que Aster e eu entremos em um pé de
guerra total. Mas, ao contrário do que eu penso, Aster descruza os braços e
ri, enfiando novamente as mãos nos bolsos do pijama e sorrindo de uma
maneira descontraída. Como se fossemos amigas.
— A Gwen é assim. — Aster garante. — Desde pequena. Ela matava
os ursos de pelúcia dela e depois acusava com os olhos qualquer pessoa.
Todo mundo julga que Gwen não gosta de ninguém. Mas gosta. E quanto a
você, ela não tem nada contra.
— E nem a favor.
— Diria que mais a favor do que contra. — Aster remexe os lábios. —
Ela gosta mesmo é do Harvey.
— Estaria errada se não gostasse.
— Sim. Mas o caso é que até eu mesma tinha dúvidas de que Gwen
gostava de mim. Fui conhecendo e sabendo que ela tem esse mal consigo;
transparecer antipatia apenas pelo olhar quando, na realidade, está pensando
apenas em nada. Literalmente falando. — Aster me aconselha e pisca ao
final da frase.
É a minha vez de sorrir.
Não.
De rir!
— Olha. — Aster começa novamente, engolindo em seco. — Não
quero parecer repetitiva, mas você foi sozinha ao hospital?
Quero debochar desse momento — como sempre faço quando não
consigo lidar com uma situação.
— Harvey — digo. — Ele é meu super herói. Está dormindo na sala.
Felizmente, o único cômodo da casa que não parece mal arrumado é a
cozinha.
— Diga a ele que estou treinando mentalmente todos os dias. — Aster
bate continência. — Ele é uma boa pessoa, estou feliz que Gwen esteja
gostando dele.
— Gwen é uma ótima pessoa para o Harvey, acredito que sim. —
Confirmo. — É isso o que ele gosta, na verdade, de pessoas.
Aster ergue as sobrancelhas, como se não tivesse pensado por esse
lado.
— Harvey é pan.
— Sério? — Aster está sorrindo, embora esteja desacreditada também.
— Não sabia. Isso é bom... gosto de pessoas que saibam quem são.
— Sim, ele é ótimo!
Faço algo que não queria; bocejo. E assim que termino de me
espreguiçar involuntariamente, Aster bate uma palma.
— Eu vou indo, deve ter sido uma noite cansativa. — Ela se apressa
até a porta. Com a mão já na maçaneta, Aster me olha por cima dos ombros.
— Só queria dizer também... que quero pedir desculpa sobre o que disse na
arena. Não quero roubar o lugar de ninguém e nem ser heroína. Acho que
os créditos tem que ser feito todos seus.
— Não precisa pedir desculpa quando você tem razão.
O semblante de Aster muda.
— Realmente desejo estar no seu lugar, ser a pessoa que levará Harvey
ao pódio. Mas não posso ser e preciso me conformar para nossa equipe dar
certo. — Sorrio, sendo verdadeira com minhas palavras e com o que quero
demonstrar. — Aceito suas desculpas se aceitar as minhas. Eu também
preciso rever meu comportamento nos treinos!
Aster Campbell demonstra surpresa, mas não de uma maneira
ofensiva. Ela apenas assente com o rosto e retira a mão da maçaneta.
— Uma trégua? — Sugere, me estendendo a mão. — Pela paz. E pelo
Harvey. Seria bom.
— Pelo Harvey. — Seguro sua mão e nós duas trocamos um
cumprimento. Selando nossa paz declarada. — Serei boazinha.
— Irei me focar. — Aster umedece os lábios e solta minha mão.
Agora, voltando a pousa-la na maçaneta novamente. — Agora vou indo.
Mas antes preciso fazer uma piadinha, só para mostrar que posso entrar na
trégua em paz. — Ela desce os degraus pequenos do lado de fora e eu me
apoio na porta, esperando para fechá-la. — Como se sente sendo amiga de
uma pessoa tão interessante? Vou perguntar para a Gwen e você me
responde também. Ok?
— Ah, Aster. — Sorrio negando com a cabeça. — Você sempre acha
que me conhece.
— Poderia fazer um livro sobre você. — Aster abre os braços.
— Então não esqueça de acrescentar que sou bissexual, assim ficará
mais real os termos da personagem. — Faço um som com a boca que, com
certeza, cala a de Aster.
Bato uma continência, ao meio de protestos de Aster perguntando se é
verdade ou mentira. Mas fecho a porta mesmo assim, embora esteja
sorrindo e tendo plena consciência que quem me fez sorrir foi ela.
12
Sempre me gabei que nunca havia quebrado nada do meu corpo. Nem
um osso sequer. Eu tinha um recorde mental ou nenhuma história para
contar quando me perguntavam sobre minha infância. Ou se eu era uma
criança muito agitada ou se sempre caía ou me machucava com facilidade.
A resposta é não.
Mas agora, posso falar com “orgulho” que meus dois pés passaram por
situações nada legais. Por exemplo, o esquerdo me impede de competir, e
agora o direito está interditado por alguns dias.
Quando meus pais me viram com o pé enfaixado, um pouco de culpa
misturada com remorso atingiu os rostos deles. Sei que sim. Pela maneira
que meu pai não conseguia mastigar a comida sempre que eu me arrastava
até a mesa, ou pela maneira rápida, prática e indolor que passei a mentir
para Barr. Para ele, disse que derrubei uma garrafa de vidro de Coca-Cola, e
sendo um imbecil, acabei pisando em um caco de vidro.
Senti que todo o jantar minha mãe prendia a respiração e meu pai só
olhava as ervilhas e as cenouras cozidas dentro de seu prato. Nada além
disso. Nem um pedido de desculpa, e nem uma ajuda a mais. Quero dizer,
eles estavam me ajudando. Depois da briga em que eu levei a pior, eles
passaram a falar mais com Barr. Pediram para que ele tocasse mais piano e
falasse sobre hóquei. Todos — os três — falaram sobre o casamento de
Nancy em breve e como precisávamos encontrar uma roupa adequada para
estarmos lá.
Já que somos a família da noiva.
Barr estava animado em visitar Londres, por outros milhões de
motivos que pode ser difícil definir. Mas na idade dele, qualquer viagem é
uma viagem mágica. Então, não quis estragar ou manchar sua diversão
apenas pela falta da minha.
A cidade inteira já sabia o que tinha acontecido comigo. As pessoas
abriram espaço para eu poder passar em seções do mercado, me ajudavam
no corredor da escola e sempre cochichavam. Talvez falando que o azar
decidiu sentar no meu ombro e me acompanhar pelo restante da vida. Ou
apenas sendo dramáticos. É complexo saber.
Os treinos com Aster e Harvey melhoraram, significantemente.
Gwen Hallister sempre aparecia pelos ensaios quando terminava seu
turno na loja de discos. Harvey me disse que ela não tem muito o que fazer
numa loja que ainda vende CD’s e vinis. Que alguns clientes apenas
escutam música pelos fones acoplados em estantes e depois vão embora.
Que é um emprego de meio período e que ainda paga bem, mas não o
bastante para valer à pena mofar em uma loja.
Eu gostava — no fundo — que Gwen tivesse um senso crítico de
opinião; se Aster deslizava para longe de Harvey, Gwen me falava
imediatamente. Não de propósito, mas para me ajudar. Aster não pode, de
jeito nenhum, patinar para longe de Harvey e vice e versa. E, talvez —
apenas talvez — um cargo de treinadora sozinha seja um pouco difícil. Só
estou dizendo. Estou em desvantagem. Prestar atenção nos dois é difícil.
Não sabia como me aproximar de Gwen. Embora ela seja a pessoa que
Harvey esteja gostando nesse momento. Não sei me aproximar de ninguém.
O que é ridículo. Eu sei me aproximar de Harvey Bird, por isso ele é meu
único e melhor amigo. Mas o restante das pessoas? Não sei!
Não me lembro como me relacionei com Garret, mas é bem provável
que tenha sido ele o exemplo de socialidade entre nós dois e tenha falado
comigo primeiro. Acontece que me esqueci de verdade como tudo
aconteceu. Mas gosto de me apegar a ideia de que foi Garret quem me
convidou para sair, e não ao contrário.
Eu estaria sendo bastante estúpida.
Na véspera do Halloween, Gwen, Harvey, Aster e eu estávamos na
Arena Palmer. Eu tinha escolhido um instrumental de John Williams em
Star Wars, e Harvey e Aster estavam arriscando passos livres. Aster ainda
tem uma brutalidade e uma maneira ríspida de se mover na pista; como se
estivesse defendendo a si mesma de um disco voador e perigoso. Preciso
lembrar a ela constantemente que não estamos em um jogo de hóquei, que
ela não precisa cerrar os dentes sempre que erra um passo e que precisa
manter o rosto neutro e sorrir só quando precisar.
É como lapidar do zero um diamante bruto.
Poético, não é?
Mas é somente a verdade.
Meu pé continuava enfaixado, mas me locomover com ele estava
sendo mais fácil dos que nos primeiros dias. Consigo ficar sentada sempre
na arquibancada, com um megafone que Harvey encontrou na garagem
dele. Disse que pode me ajudar nas instruções.
Nesse momento, Aster está patinando, suavemente, para ao lado de
Harvey. Eles sorriem um para o outro e Aster toca a mão dele. Leva até o
ombro, no ritmo da melodia, tranquila e serena. Ela fecha os olhos e deixa
Harvey a conduzir, de costas, entre a pista muito bem iluminada. Aster
continua de em ré, de costas para onde Harvey estava a guiando. Seus
cabelos cacheados tocam delicadamente sua pele. Os fios teimosos que
insistem em escapar do seu coque. Mas, estamos ensaiando há duas horas, é
até compreensível.
Seguro a haste do megafone entre meus dedos, com a intenção de
gritar a eles para tomarem cuidado. Que nenhum dos dois podem cair ou se
ferir. Mas me contenho. Não quero ser chata e não quero estragar esse
momento de tanta serenidade entre os dois. Harvey sabe o que está fazendo.
Esse é o primeiro passo para conseguir enxergar que ele não é nenhum
garotinho de seis anos de idade. Ele é profissional, assim como eu.
Ou assim como eu fui, é claro.
Solto o megafone dos meus dedos, desprendo a vontade de encerrar o
momento.
Eles dão uma volta completa, com Aster Campbell de olhos fechados.
Infelizmente, sinto a mesma sensação de quando estávamos na minha
cozinha na semana retrasada. Que ela é bonita e sempre sabe o que está
fazendo,
Pisco meus olhos, me desprendendo esse fato sobre Aster.
— Eles são bons, não é? — Gwen desliza para perto de mim, na
arquibancada. Seus olhos brilham por Harvey e depois passam para mim.
— Até fiquei sem palavras.
Sinto uma pequena irritação pela última frase. É quase como ser pega
em flagrante admirando Aster; pois Gwen está babando por Harvey e a
única pessoa que resta é... a pessoa que realmente me parece muito bem
vista daqui.
— Sim. Para treinos simples, sim. Quero ver quando começamos os
ensaios pesados. Quando Harvey começar a rodar ou erguer Aster. — Finjo
um sorriso, do qual faz Gwen juntar levemente as sobrancelhas.
Provavelmente se perguntando o que tinha dito de errado. — Fim do
ensaio! — Falo pelo megafone. — Podem relaxar.
Aster abre os olhos como se despertasse uma princesa de seu sono;
com calma e graciosidade. Quero revirar meus olhos fortemente a cada
detalhe nela que passo a reparar e me coloco em pé. Harvey e Aster se
direcionam até a porta, que mais parece uma passagem entre a pista e a
arquibancada. Eles tiram os patins longe de nós e caminham com eles
pendurados entre os dedos.
— Só estávamos fazendo um teste de confiança. — Harvey está suado,
ele limpa os respingos de suor da testa com o dorso da mão. — O que
achou? Logo começaremos as partes perigosas.
— Sei disso. — Sorrio, erguendo meus ombros. — Mas irei encerrar.
Amanhã é Halloween e não quero prender todos nós nesse feriado. Sou ou
não sou boazinha? — Faço a piada para Harvey escutar, mas Aster quem dá
risada.
Não nos falamos muito desde do dia em que ela pediu desculpa e
aceitamos e declaramos uma trégua. Pela paz e por Harvey. Ela está
chegando aos treinos pontualmente. Houve até mesmo um dia na semana
passada em que Aster já estava aqui quando chegamos. Ela acenou e sorriu,
perguntando o motivo de termos demorado tanto.
Enquanto recolho minhas coisas, Harvey e Gwen se afastam, deixando
Aster e eu sozinhas. Recolho algumas partes das minhas anotações e sobre
as melhores consideráveis na postura da Campbell quando ela se senta ao
meu lado, prestes a falar.
— O que fará amanhã? — Aster pergunta.
Ela está puxando assunto?
— Levarei Barr para pedir doces na vizinhança. E depois, assistirei
algum filme de terror, só para falar que curti a festa. E você?
— Pedir doces? — Aster franze o nariz e a testa ao mesmo tempo.
— Você nem parece que mora na nossa rua. — É uma piada. Uma
frase que faz Aster dar de ombros. — Alguns dos nossos vizinhos tiveram a
ideia de dar um Halloween incrível para as crianças do bairro, como nos
filmes. Pedir doces, travessuras, andar fantasiados pelas ruas e avenidas.
Essas coisas. Então o Barr está animado de bater em porta em porta.
— Maneiro. — Aster murcha os lábios ao reconhecer. — Na minha
época não tinha nada disso. Fofo. Queria que tivessem feito algo parecido.
Tenho uma lista de fantasias ótimas que poderia ter me vestido.
— Sim, ele está muito animado. — Recolho tudo o que espalhei em
outros bancos na minha mochila. Aster me encara, enquanto levanto. Parece
cuidado e cautela, e limpo minha garganta, desconfortável com o olhar. —
E você?
— Ah. — Ela se levanta também, ainda com os patins pendurados
entre os cadarços amarrados ao redor de seu pescoço. — Gwen dará uma
festa à fantasia.
— Harvey comentou. — E inclusive, me convidou. Mas neguei. —
Você vai?
— Sim. — Aster enfia as mãos nos bolsos logo após colocar a mochila
em suas costas. — Mas antes da festa estou livre. Posso ir com vocês pegar
alguns doces?
Minha garganta e língua estão totalmente secas.
Avisto Gwen e Harvey à porta da Arena Palmer. Conversando e
sorrindo. Harvey me disse que Gwen convidou muitas pessoas para a festa e
que essas pessoas convidaram outras e que será a festa do ano.
Por que pedir doces comigo e com Barr é mais interessante do que
chegar mais cedo na festa da sua melhor amiga?
— Pode. — Dou de ombros também. Quero parecer natural e não
desaprovando essa ideia. — Claro que pode. O Barr vai adorar.
— Combinado, então. — Aster pisca, apressando seu passo para pular
nas costas de Gwen e exigir que as duas fossem tomar um pouco de café na
confeitaria favorita delas.
— Está bom?
Barr está aflito com sua fantasia, ele quer que tudo esteja nos mínimos
detalhes perfeitos que imaginou. Ele tem uma festa para ir. Sua primeira
festa do ensino fundamental e a primeira que irá sozinho. Um garoto de sua
sala, alguém chamado Luc, o convidou hoje à tarde. Ele pediu para mamãe
e ela deixou. Barr irá dormir na casa de Luc depois que a mãe dele vier
busca-lo antes da meia-noite. Barr tem planos de comer muito chocolate,
assistir filmes com muito sangue e só dormir depois das três da manhã.
— Está melhor do que todas as fantasias que já vi. — Elogiei ele,
observando que a rua estava movimentada para um feriado que Salt não
comemora muito bem.
Nada de legal ou muito importante acontece por aqui mesmo.
Barr Wolf está fantasiado de Grover, de Percy Jackson. Colocou
pequenos chifres falsos entre o cabelo crespo e baixo, pintou à mão com a
ajuda de papai, os emblemas as letras do Acampamento Meio-Sangue,
colocou uma calça jeans preta de lavagem totalmente nova — que eu nem
sabia que ele a tinha.
— Podemos ir? — Barr pergunta de uma vez, pegando uma sacola
plástica com uma abóbora que está fumando um cigarro.
— Vamos. — Me apresso em dizer.
Porque mamãe está com aquele olhar que quer me pedir alguma coisa.
E irei prontamente negar.
Quando Barr desce as escadarias primeiro, mamãe me chama,
tranquila, sem levantar suspeitas. Ela se encosta no batente da porta e ainda
envergonhada — sem encarar meu pé ferido — ela sorri. Ou ao menos
tenta.
— Será que podemos conversar? Quando Barr for até a casa do
amigo?
Eu poderia dizer sim se já não soubesse o que “conversar” significa em
outras palavras. Então apenas sorrio, de volta.
— Não. — Simplifico. — Irei à uma festa.
É mentira.
Neguei todos os convites de Harvey e de Gwen para aparecer. Mas
agora que estou falando com mamãe, terei que ir.
— Te vejo amanhã. — Encerro nossa pequena conversa e desço as
escadas.
Barr já está falando com Aster Campbell, de frente para o jardim da
casa dela. Todos na vizinhança não pouparam gastos para oferecer um dia
inteiro de horror e “magia” para seus filhos. Todas as casas possuem pelo
menos duas abóboras luminárias. Sangue falso em caixas de correio e ou
alguns Condes Dráculas de fantoche sentados em uma cadeira na varanda.
Me aproximo dos dois e percebo que Aster está fantasiada também.
Sei que estamos indo à uma festa, mas não imaginava que ela levaria a
sério.
Está bonita.
Bem bonita.
Dentro de uma fantasia dos Caça-Fantasmas, até mesmo o macacão de
cor marrom papelão e uma caixa de alumínio presa às suas costas. Cabelos
em um rabo de cavalo que deixa os cachos soltos e bufantes do lado de trás.
Ao me ver, Aster tem duas reações; sorrir e depois negar com a cabeça.
— Não está fantasiada, Nicola. — Ela reclama assim que me
aproximo. — Aposto que pegou o primeiro vestido preto que encontrou e
acha que está.
Meio que me vesti de Wesdnesday Addams. Estou usando um vestido
preto, não muito longo até os joelhos, meia-calça e sapatilhas baixas,
também pretas. Uma maquiagem ao redor dos olhos, muito mal feita e
cadavérica. Tranças dos dois lados caem em meu busto. E as pessoas não
precisam saber o que são olheiras e o que é maquiagem pura.
— Sim, estou. — Defendo minha fantasia. — Achei um tutorial fácil.
Não estrague a brincadeira, Aster. Sou a própria Wednesday!
— Não irei discordar! — Aster ergue as mãos em rendição. — Vamos
nessa, pirralho?
— Vamos! — Barr comemora e corre na frente.
Aster me olha e aponta para frente, para eu poder passar primeiro.
Então, dou um passo e nossos ombros se chocam. Decididas a caminharmos
uma do lado da outra, ficamos em silêncio pelos primeiros cinco minutos.
Aster pegou uma carona comigo, ela precisava passar em casa antes da
faculdade. Foi estranho tê-la ao meu lado. Nós não falamos sobre o beijo e
torcemos para Colly não ter visto. Não por nada. Mas ela pode achar que
queríamos ficar sozinhas em um provador apenas para, justamente, nos
beijarmos. E não foi o que aconteceu.
Mas não adiantou, porque assim que viramos a esquina e identificamos
meu carro, Aster me beijou novamente. Minhas costas bateram contra o
vidro e senti sua boca na minha novamente. Então... como poderia parar
algo que eu estava gostando?
Mas não houve nenhum assunto quando decidimos ir para casa. Só
conseguíamos rir quando olhávamos uma para outra e pressentir Aster se
segurando para não me beijar novamente ao meu lado. Todos os semáforos
eram sinal de risadas altas, desacreditadas e bonitas. Bastante bonitas.
Na rua de nossa casa é que as coisas se tornaram mais estranhas.
Não haveria um beijo de despedida na frente de nossas casas, não
quando minha família não sabia nada sobre mim. Felizmente, Aster apenas
fez um sinal com os dedos, que significava “Te vejo mais tarde” e entrou
em sua casa.
Claro que, como uma idiota que está em sua teia de conquistas, fiquei
esperando Aster entrar em casa até decidir entrar na minha. Segurei o
pingente de cadeado por minutos antes de abrir a porta da frente.
Ao contrário de dias comuns, a TV estava desligada e o lençol acima
do sofá estava dobrado na ponta dele. Até parecia uma sala de estar bastante
corriqueira. Mamãe estava fora, sei disso porque Barr está gritando,
comemorando do quintal dos fundos.
Deixo minha bolsa ao pé de um móvel qualquer e ando pelo corredor,
até chegar à cozinha e à porta dos fundos que está aberta.
Barr está em uma casa na árvore, em um grande orvalho que fica aos
fundos.
Me encontro bastante surpresa por não ter reparado que agora
tínhamos uma casa na árvore. Que devo ter ficado tão absorta na minha
própria vida, que nem reparava na vida da minha casa. Barr acenava para
mim, da pequena janela à frente de uma escada de madeira. Meu pai estava
com as mãos no quadril, orgulhoso de seu feito e feliz por Barr.
— Olha, Nicola! — Barr disse. — Bem mais alta dos que as outras!
— Estou vendo. — Sorrio.
Julguei que Barr não fosse gostar de uma casa na árvore. Não nessa
idade.
Mas ele gostou.
Não!
Ele amou.
Acho que nem seu explicar o que Barr tanto gosta nela; se é realmente
o que queria ou se foi construída pelo nosso pai. Alguém que sempre foi
muito talentoso, mas que deixara de lado a produção. Bem, de qualquer
forma, não importa o motivo de Barr Wolf ter gostado dela. O importa é que
gosta.
— Fez um ótimo trabalho. — Elogio meu pai.
Ele sorri de lado, ainda bastante tristonho.
— Será uma ótima lembrança para ele. — Escolhe dizer.
Apenas confirmo com o queixo e projeto um sorriso ainda maior para
o meu irmão.
Afinal, meu pai tem razão.
19
Ela
volta minutos depois, com Taylor Moore ao seu encalço. A ruiva está
vestindo um casaco longo e sem maquiagem. Desde que Garret foi embora,
ela vive desse jeito.
A própria viúva dele.
— Vamos lá. — A sra. Tent indica que Taylor se sente ao meu lado.
Ela se recusa, falando que ficará em pé. — Srta, Moore, como deve saber,
você me entregou um trabalho na semana retrasada que fala sobre a Frida,
uma garotinha de treze anos que sonha em ser astronauta, mas que acaba
descobrindo que tem câncer. Certo?
— Correto. — Taylor Moore sorri de lado, um breve sorriso.
— Pode me falar um pouco mais sobre a sua obra? — A sra. Tent
pergunta, apoiando o queixo entre as mãos pousadas sob à mesa.
— Bom. — Taylor dispara. — Frida tem quinze anos...
— Achei que ela tivesse treze — digo.
Taylor me olha rapidamente, como se notasse minha presença somente
naquele instante.
— Verdade. — Taylor sorri superiormente. — Estava me esquecendo.
São tantas coisas para pensar ultimamente, sra. Tent. Sabe? Com a ida...
— A partida de Garret Cox não é pauta aqui, srta. Moore.
Taylor parece engolir cimento, mas não protesta.
— Frida tem treze anos e irá morrer. Mas quer ser astronauta. Sonha
mais do que tudo em voar e alcançar as estrelas, antes que a morte chegue.
— Taylor recita tudo ao esbanjar um sorriso falso de triunfo.
A sra. Tent assente com o queixo e logo depois, emenda:
— E qual é moral da história?
O sorriso de Taylor oscila, mas não se fecha.
— A moral? — questiona.
— A moral. — Insisto. — Sabe? — Me levanto. — Quando
começamos a estudar Introdução aos Originais, a professora, a cara srta.
Tent, disse que podíamos colocar uma moral ao final de nossas histórias.
Então me responda, srta. Moore, qual é a moral da história da Frida?
Silêncio no escritório.
Os olhos de Taylor vacilam da nossa professora para mim rápidas
vezes em poucos segundos.
— Estão me acusando de alguma coisa? — A voz de Taylor treme.
— Responda à pergunta da srta. Campbell.
Taylor fecha os punhos e os abre.
— Não tinha moral. — Taylor arruma os ombros. — É uma... uma
história. Optei por não fazer uma moral.
Relaxo meus ombros, rindo para dentro do nariz.
— A moral é que todos os sonhos são válidos. Não importa qual seja
nossa condição de vida ou de saúde, que sonhar nos faz vivos e nos faz
traçar objetivos concretos em vida. — Declamo. — Frida tem o sonho de
ser astronauta, mas ele não é impossível apenas porque ela irá morrer. Ele é
bastante lúcido e bonito, e poético. E o que a faz ficar viva por um longo
tempo.
— E a moral está escrita ao final do seu trabalho, srta. Moore! — A
professora Tent indica com o dedo, ao final de uma página metade em
branco, metade transcrita à mão. — Acho que preciso conversar com a
senhorita. — A sra. Tent fica sério. — Aster — diz. — Me perdoe pelo mal
entendido. Tenha certeza que levaremos essa questão até o fim.
— Obrigada, sra. Tent.
— Taylor, sente-se, por favor!
Taylor Moore estava quase chorando, mas não era hora de sentir pena.
— O
que houve?
O braço de Nicola me segurou na saída da aula. Da qual não tivemos.
A sra. Tent teve que se ausentar pelo caso de Taylor e todos fomos liberados
mais cedo.
Apenas me encostei à parede, segurando Nicola pela cintura. Ela,
incrivelmente, deixou ser tocada de maneira tão íntima na faculdade. Em
um mar de pessoas que poderiam comentar.
Mas ela não se importava, conforme contava tudo o que tinha
acontecido dentro daquele escritório fechado e sinistro.
— Ela te plagiou?
— Aham.
— Meu Deus!
— Mas a burrinha não sabia que precisava memorizar tudo de uma
vez. Ou pelo menos o sentido da história. Se Taylor fosse mais inteligente,
eu estaria encrencada para caralho.
— Se ela fosse inteligente, teria feito o próprio trabalho. — Nicola
resumiu.
Aperto sua cintura ao perceber que não estou participando de uma
miragem. Nicola está em meus braços.
— Sim. Mas a sra. Tent irá resolver. Sei que sim. — Mordo meus
lábios, me segurando para não a beijar. — E o seu trabalho? Como foi? —
Mudo de assunto.
— Quer ler? — Nicola o retira da mochila atrás de seu corpo. — A sra.
Tent gostou muito e... bem... — Ela umedece os lábios, insegura por algum
motivo. — Ela adorou. Enfim, gostaria da sua opinião. Não é fictício, mas
também não é biográfico.
— Claro que quero ler. — Pego o trabalho de sua mão e o abro.
Nicola se desvencilha de mim — o que é uma pena — e espera
pacientemente do meu lado, conforme abro a primeira página de uma pasta.
É a cópia. Vejo pela xerox mal feita da biblioteca da United Salt.
“SOBRE BASTIDORES DESTRUTIVOS E COMO UM DELES
ME PRIVOU DO MUNDO
POR nicola wolf
Sei que quando estamos apaixonados tudo é um motivo enorme para
estarmos com a pessoa que amamos ou que passamos a adorar e a confiar.
Acho que quando as pessoas me falam que estão namorando, sempre me
pergunto como é nos ‘bastidores’.
A família da minha mãe sempre fala que, se querermos saber como
uma coisa funciona, precisamos conhecer seu bastidor.
Mas o que é um bastidor, afinal?
Em séries e filmes, são as câmeras, são o que acontecem para aquela
cena ir ao ar ou ser feita. São a computação gráfica, o IA, são os diretores
que ficam atrás das câmeras. Um bastidor é tudo aquilo de grandioso que
acontece e ninguém mais vê. O que enxergamos na tela do cinema é o
resultado de um trabalho duro de uma equipe de dezenas de pessoas, que
são creditadas em letras minúsculas ao final do filme que a maioria não
assiste ou nem presta atenção. Nós somos forçados a esperar os créditos
acabarem quando alguma cena extra é prometida. Fora isso, quem liga
para os bastidores?
Talvez as pessoas que façam parte dele.
Mas o que quero dizer, é que existem os bastidores de qualquer
relação. Quando vemos uma foto nas redes sociais, de um casal sorridente,
companheiro e fiel, somos levados a pensar que adoraríamos ter aquilo o
que eles têm. Mas, nós querermos mesmo, ou queremos o que eles mostram
online? Quero dizer, quantos casais famosos adoramos, mas iriámos
detestar se soubéssemos o que acontece nos bastidores deles?
Quantas pessoas não deixam transparecer o que realmente acontece
dentro e fora de uma relação?
Eu diria que quase nenhuma. Ao nosso redor, jamais iremos saber o
que acontece, da mesma forma que jamais saberão o que acontece dentro
de nós.
Fico me perguntando, de vez em quando, quantos casais que vemos na
rua são verdadeiramente bons? Quantos caras que seguram as bolsas de
suas namoradas na rua estão realmente preocupados com elas? Quantos
casais de pessoas deixam de segurar um na mão do outro, com medo de
sofrer represálias? Quantos amigos vemos passear no shopping e, na
verdade, são um casal?
O que eu sei sobre o meu é que ele é horrível.
Bem, o meu namorado é incrível. Mas o bastidor dele, não é.
Ele promete que as coisas irão ficar bem, que ele jamais levantará a
mão para mim novamente – nunca chegou a me bater, mas uma breve
ameaçada, sim. Enche meu rosto de beijos e eu me sinto tão amada, que
decido que ele é o que quero para sempre. Não sua violência, não sua
forma de mentir para mim, não a maneira fria com que me olha quando
decide que irá me punir, não quando sua mão aperta meu pescoço com
mais força na hora do sexo e nem quando seu pulso encontro o meu punho
de maneira nada além de protetora. Nada disso.
Mas eu o quero.
Por algum motivo?
Bem...
Tenho certeza que ele não é igual aos outros. Sei que as pessoas vivem
falando que uma mudança só é certa quando a vemos, mas acho que...
discordo. Eu o quero na mesma intenção que ele me quer.
Veja com cuidado, ele quer se casar comigo!
Não é como as outras garotas que se tornam diversão para ele. Eu sou
a garota. Eu sou a mulher que ele quer levar ao altar e não a tirar mais de
lá.
(Ou talvez a aliança seja o fator definitivo que possa me chamar de
“minha” para sempre)
Mas ele não é assim! Ele é diferente.
(Como diferente se ele te insulta?)
Ele pede desculpa.
(Os outros também).
Não, não, não. Você não está entendendo. Os outros relacionamentos
são destrutivos, o meu é apenas... um bastidor. Um mal entendido. Uma
briga de casais como qualquer outro conjugue tem.
(Mas se ele promete que nunca mais fará nada parecido e faz, ele é
uma farsa. É um mentiroso)
Não, ele não é! É apenas um garoto.
(De vinte e poucos anos? Ele deixou de ser um garoto faz anos, temo
em te contar)
Você ainda não entendeu!
(Então, me conte)
Ele me faz bem, me faz sentir amada. Quer um futuro comigo.
(Mas te bate...
Ele não me bate. De onde tirou isso?
(Mas te pune. Te insulta, faz a achar que ninguém iria amá-la
novamente)
Mas ninguém irá me amar. Ele mesmo diz. Que sou chorona demais,
que sou sensível demais, que sou maluca, ciumenta, apegada, mandona e
instável. Talvez ele tenha razão. Talvez só ele me ame... são defeitos demais.
Ele tem razão, não tem?
(Não, ele não tem. No fundo você sabe que ele não tem)
Mas eu sou a garota certa para ele.
Ele só quer diversão com as outras.
(Você poderia querer se fosse conversado ou se fosse um
relacionamento aberto. Mas... hum... não é)
Não poderia ser. Ele tem ciúme de outros caras comigo.
(Espera... você não tem amigos?)
Amigas, sim. Mas muita das vezes ele não gosta delas. Quero dizer. É
o que eu estava explicando lá em cima antes de você me interromper;
existem os bas...
(Sim, os bastidores. Eu sei, eu sei. Como irá passar por cima do fato
de que você não tem amigos?)
Amigas, sim.
(Não estou falando delas)
Ele tem certeza que amigos podem me fazer ser falada pela cidade.
Vivemos em uma cidade pequena, não quero dar motivo a ele...
(Dar motivo a ele sobre o quê?)
Você sabe...
(Adoraria que falasse em voz alta)
Não precisa. Você sabe. A única parte que não gosto dele.
(As pessoas não são quebra-cabeças. Elas têm seus defeitos, mas
quando um deles te assusta, sinto em lhe dizer, mas não é mais...)
Nem pense em dizer a palavra “saudável” me cansei dela.
(Entendo)
Posso continuar?
(Pode)
Bem, para finalizar. Acredito que as pessoas vivem cercadas por
mundos que não fazem parte.
O bastidor do meu relacionamento é horrível, eu sei.
Mas é normal como qualquer outra relação.
Sei disso.
(Não, você não sabe)”
21