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CAPITULO 3 O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA ADOLESCENCIA Para a maior parte dos investigadores, as transformagdes fi- sicas constituem as modificagdes mais evidentes da adolescéncia. Tal como vimos no Capitulo 2, as transformagSes no dominio fisico so acompanhadas por alteragdes nas capacidades fisicas ¢ de reprodugao. Estas alteragdes constituem, também, um impor- tante indicador para a familia e para a comunidade de que a crianga esti a tornar-se um adulto. Igualmente draméticas, mas menos Obvias para a maior parte das pessoas, so as transforma- Oes nas capacidades de pensar, raciocinar e de resolugio de problemas. So estas modificagdes cognitivas que constituem o onto central deste capitulo, Apresenta-se em primeiro lugar uma discussao sobre algu- mas diferengas importantes entre as caracteristicas cognitivas dos adolescentes e as das criangas mais novas. Em seguida, exami- nar-se-4 0 modo como estas alteracdes podem ter lugar e serdo referidas algumas das implicagdes das novas capacidades cogniti- vas na adaptago dos adolescentes a escola ¢ a outras tarefas da vida. Devido ao facto de existirem varias maneiras possiveis de compreender as capacidades em desenvolvimento, de pensar ¢ de raciocinar dos adolescentes, foi seleccionado um conjunto de 88 DESENVOLV. COGNITIVO « Cap. 3 problemas para os quais estas faculdades so muito relevantes, Por exemplo, a escola consome uma grande quantidade do tem. po ¢ da energia dos adolescentes; a capacidade de obter bons resultados nas tarefas académicas é um dos aspectos que esti re- lacionado com as alteragées intelectuais, as quais sito importan- tes para o desenvolvimento cognitive na adolescéncia. Porém, as transformagées intelectuais influenciam, numa variedade de for- Mas, 0 modo como nos sittamos perante o mundo. Por este facto, & importante perguntarmos como 6 que os adolescentes, de uma maneira geral, resolvem os seus problemas, mesmo que estes estejam pouco relacionados com o que aprendem na es- cola. Posteriormente, no Capitulo 4, consideram-se alguns dos aspectos do desenvolvimento social e emocional que envolvem, também, as capacidades de pensar e de raciocinar. © PENSAMENTO DO ADOLESCENTE. O nosso primeiro passo para a compreensao do pensamento do adolescente consiste em especificar algumas das maneiras, elas quais 0 modo de pensar de um aluno do 3° ciclo do ensing bisico, por exemplo, ou de um estudante do ensino secundatio, € diferente daquele que utilizado por uma crianga mais nova Nesta seco serdo abordadas algumas dessas diferencas. © JOGO DE LAS VEGAS Imagine a seguinte situagdo: Um adulto oferece a criangas ¢ a adolescentes a oportunidade de jogar um novo jogo. Este jogo € muito semelhante as méquinas automsticas (slot machines), por isso chamamos-Ihe “O Jogo de Las Vegas’. Ele € constituide Por um aparelho com trés botdes: um vermelho, um amarelo e um azul. Quando se carrega no botto correcto (vermelho), uma Fecompensa ou prémio € langado para dentro de um pequeno Compartimento. O segredo ¢ que a maquina esti adaptada de forma a dar recompensas, apenas, durante 66% dlo tempo. Assim, @ estratégia mais eficaz consiste em carregar repetidamente no botdo vermelho. As criancas e os adolescentes de todas as idades tentaram jogar e, depois de algum tempo, tomou-se evidente Que entre as varias idades existiam nitidas diferengas no tipo de abordagem que faziam do jogo, Num estudo conduzido com este jogo, as ctiancas da escola ¢lementar eram confrontadas com 0 facto de, independente- DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 89. mente do botio em que carregavam, receberem prémios s6 de z em quando [1], Por exemplo, a Lisa, de 9 anos de idade, concluiu que a melhor estratégia era mudar de botdo para botio, isto é — “Se ganhasse mudava, se perdesse mudava também". A partir do momento em que ela e as outras criangas da mesma idade decidiram utilizar uma dada estratégia, passaram a utilizé- -la sempre, mesmo quando se tornava evidente que essa actua- ¢3o nao era bem sucedida, Como resultado disso, recebiam muito menos prémios do que, eventualmente, poderiam receber se carregassem repetidamente no botao vermelho. A Angie, de 15 anos de idade, também defendia a ideia de que a estratégia correcta deveria ser muito complexa. No entan- to, quando reparou que as estratégias que utilizava nao eram boas, pé-las de parte e, rapidamente, concluiu que © modo mais eficiente de jogar o jogo era carregar repetidamente no botdo vermelho. O seu resultado foi muito superior ao de Lisa. Contudo, nao foi muito superior ao de Jenny, de 4 anos de idade. A Jenny, tal como as outras criangas pequenas, estava bastante contente por carregar continuamente no botdo verme- Iho, j4 que tinha descoberto que era 0 Ginico que dava prémios. Mais do que a Lisa ou a Angie, a Jenny permanecia na solugdo vencedora! © PENSAMENTO INFANTIL POR OPOSIGAO AO PENSAMENTO ADOLESCENTE, As diferentes estratégias utilizadas no jogo de Las Vegas mostram algumas das diferengas entre 0 pensamento caracteri tico dos adolescentes e o pensamento das criancas em idade escolar. Depois de muitos anos de estudo destas diferengas, os psic6logos identificaram cinco contrastes que parecem ser es- pecialmente importantes [2,3]. Estes aspectos so destacados no Quadro 3.1; em seguida, passamos a aborcki-los detalhadamente. © pensamento das criangas em idade escolar esti, em larga medida, limitado aos objectos e as situagdes que clas vivenciam ‘ou com que se defrontam no “aqui e agora”. Elas dedicam a sua atengio ao que podem experienciar directamente. Quando estao a resolver problemas, tais como o jogo de Las Vegas, as criancas da escola elementar concentram-se em particularidades, ou deta- 90 DESENVOLV. COGNITIVO + Cap. 3 Quadro 3.1. Comparagao entre © pensamento da crianga e 0 pensamento do adolescente INFANCIA "ADOLESCENCIA Pensamento limitado ao aqui e agora Resolugiio de problemas ditada pelos detalhes dos mesmos Pensamento limitado aos objectos « situagdes concretas Pensamento concentrado na prépria perspectva individual Ihes, do problema, sem considerarem formas possiveis, através das quais esses elementos podem ser combinados. Por exemplo, no jogo de Las Vegas, a Lisa comportou-se de determinada ma- neira porque 0 facto de existirem trés botdes na maquina levou-a a sentir-se muito baralhada. Em vez. de considerar que dois dos botdes poderiam ser irrelevantes, pensava que essa caracteristica do jogo tinha de ser levada em conta na sua forma de resolver 0 problema, Os adolescentes, pelo contatio, slo muito mais propensos 2 . Ao mesmo tempo que a Angie admitiu a possibilidade de um boto poder estar envolvido na solugio, estava também bastante ciente de que existiam ou- tras possibilidades, estando essa certeza patente na forma como se comportou perante jogo. Para formular esta ideia por outras palavras, pode dizer-se que as criancas em idade escolar tém tendéncia para pensar 0 que & os adolescentes sio susceptiveis de considerar, também, 0 que deveria ser. do proceso de resolugio de problemas — tal como os cientistas testam as hipéteses num processo de investigagao. A tendéncia das criangas da escola elementar para se sentirem confusas com 05 detalhes concretos de uma dada situacdo tem interferéncia na verificac4o das hip6teses. Por exemplo, quando a hipétese DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 on defendida por Lisa, que consistia em carregar seguidamente nos botdes de acordo com uma sequéncia complexa, a qual, na sua opinido a levaria a ganhar o jogo, mostrou nao ser verdadeira, ela foi incapaz de mudar para outra estratégia que conduzisse a resultaclos mais satisfat6rios. Por outro lado, Angie foi capaz de testar um certo nimero de hipdteses acerca das possiveis manei- ras de ganhar 0 jogo, fazendo-o de um modo rapido e eficiente. Como resultado, foi capaz de chegar mais rapidamente do que Lisa a uma estratégia efectiva. Outro aspecto importante a realcar, é que Lisa foi perfeita- mente capaz de formular hipéteses ¢ de comegar a testi-las de uma forma acidental. A diferenca entre Lisa e um adolescente, relativamente ao modo de pensar, consiste no facto de aquela ter feito uma abordagem mais rigida da tarefa. Ela debatia-se com uma ou duas hipéteses em vez de pensar, de uma forma mais alargada, sobre todas as possiveis solugSes que poderiam existir. Em comparagdo com 0 modo de resolugio de problemas carac- teristico das criangas em idade escolar, a resolugio de problemas nos adolescentes inclui a capacidade de testar hip6teses que podem, a partida, parecer impossiveis, ou que podem parecer a solug’o provavel no momento. Outro exemplo sobre a diferenca entre o pensamento infan- til e 0 pensamento do adolescente e que envolve a formulago de hipéteses esté evidente na seguinte experiéncia feita numa turma Stonehenge": Uma Fortaleza ou um Templo Religioso? David Elkind, educador de cariz piagetiano, ensina sobre uma des- coberta histérica na area dos estudos sociais da escola elementar, para por em evidéncia a incapacidade de os alunos, que se caracterizam por ‘um pensamento concreto, fazerem a distingao entre factos ¢ teorias (4). ‘Apresenta uma série de figuras de Stonebenge, realcando um grande niimero de factos ~ 0 enorme tamanho das pedras, a sua colocagio num ‘campo aberto, as trincheiras circulares delimitando as linhas de defesa internas e externas, € outras informagdes semelhantes a partir das quais € possivel concluir que Stonehenge foi uma fortaleza pré-historica, David Elkind € bastante cuidadoso ao listar um grande nimero de + NIT, Estruturas pré-historicas megalticas constitufdas por pedras dispostas na vertical € na horizontal, que foram encontradas em Salisbury Plain, Inglaterra 92 DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 Fig. 3.1, Stonebenge — Um forte ou ‘um templo religioso? aspectos para dar apoio a esta conclusao, Em seguida, apresenta apenas alguns factos tais como © campo aberto € as duuas pedras (a base © 0 altar), que se alinham de um modo perfeito com o nascer do sol, todos (8 anos, no dia 21 de Junho, sugerindo, por isso, que aquele sitio era realmente um templo religioso. Esta segunda conclusio baseia-se em , porém, € essencialmente mais logica. As criangas, contudo, nao alteram as suas opinides. Para clas, 0 grande ntimero de menos factos, factos coneretos, ou seja, diferenga quantitativa, € mais importante do que © pequeno niimero de factos que “provam” a natureza religiosa daquele lugar. Essencialmente, para as criangas desta idade nao existem dliferengas entre as teorias € 0s factos, O que € importante € 0 ntimero deles. Assim, a base para um raciocinio logico ¢ complexo, numa perspectiva cientifica, ainda nao est ao aleance das criangas que frequentam a escola elementat Quando Angie jogou © jogo de Las Vegas, parecia estar a mover-se através de um conjunto de possiveis formas de resolver 0 problema, de uma forma organizada e completamente sistemitica. A Lisa, pelo contririo, tentou primeiro uma solugio e, depois outra, sem levar em conta 0 modo sistemético através do qual uma dada soluglo poderia estar relacionada com outra, Uma demonstragio clissica desta caracterfstica do pensa- mento envolve a seguinte tarefa: descobrir a combinagio cor- recta de cinco produtos quimicos incolores, que constituiré a solugio de uma cor particular [5]. A maior parte dos adolescen- tes sabe imediatamente que a resposta correcta € uma das possi- veis combinacdes légicas dos produtos incolores, Na sua maioria, eles tentam resolver 0 problema experimentando, simplesmente, cada combinagio possivel de um modo progres- DESENVOLV. COGNITIVO + Cap. 3 ieee 93 sivo, até aparecer a cor correcta. As criangas mais novas, contudo, so menos capazes de imaginar as possiveis combina- des de tantos liquidos nem sequer sio capazes de agir sistema- ticamente, tentando as possiveis combinagdes no sentido de encontrarem as que silo correcta: © icam que, de um Nao estio limitaclos ao que percepcionam ou ao que jé viram no pasado. Os individuos com um pensamento formal reconhecem que aquilo que apreendem constitui, apenas, uma possibilidade num conjunto de possibilidades; as coisas podem ser diferentes do que parecem. Os adolescentes nao pensam, apenas, de um modo mais especulativo € flexivel sobre os objectos e situagdes a sua volta. ‘exemplo, 0s psic6logos Daniel Osherson ¢ Ellen Markman sub- meteram criangas em idade escolar e adolescentes a um jogo de adivinhas (6]. Eles estenderam-thes as maos, com os punhos fechados, explicando-lhes que tinham escondida uma ficha de péquer. Em seguida, pediram a cada um deles que certas afirmagdes eram verdadeiras ou falsas. Uma das afirma- $0es era a seguinte: “A ficha que tenho na minha mao é verde € ndo é verde”. Mais tarde, era repetida esta afirmagao, a0 mesmo tempo que uma ficha vermelha ou uma verde era mostrada para que todos os participantes a vissem. As criangas em idade escolar afirmavam, frequentemente, que "ndo podiam dizer” se a afirmagio era verdadeira ou falsa, quando a mao estava fechada; quando a ficha era visivel, davam a tesposta com base naquilo que viam. Por exemplo, se a cor da ficha fosse igual a cor referida na afirmagAo, as criangas tinham tendéncia a dizer que ela era verdadeira. Baseavam-se na associaglo que faziam entre a afirmagio e 0 que era visivel, ndo prestando atengio ao facto de, em primeiro lugar, a afirma- ¢A0 nio ter possibilidade de ser verdadeira. Os adolescentes € adultos, contudo, sio mais capazes de responder que a afirma- s40 nao € verdadeira, porque, em termos légicos, ela nio é possivel. A ficha ndo pode ser, ao mesmo tempo, verde € nao verde. Por isso, os adolescentes sto mais capazes de lidar com issesse se 94 DESENVOLV, COGNITIVO + Cap. 3 as proprias proposicdes em vez de fazerem as proposicdes € a irrelevante realidade visivel, Este exemplo permite compreender com maior facilidade 0 modo como os adolescentes poderio pensar acerca do pensa- mento, Estio mais predispostos a centrarem-se sobre 0 abstracto do que sobre 0 concreto. Desta forma, os pensamentos abstrac- tos podem tornar-se objectos do pensamento, assim como acontece com as situag6es concretas e as circunstancias vividas. beputecaaaliartes Por exemplo, os adolescentes sio mais capazes do que as criangas de ter alguma imbora as criangas mais novas consigam resolver os mesmos problemas que os adoles- centes, ndo sao tao capazes, como eles, de falar do ‘rocederam, 00 Finalmente, devido ao facto de os adolescentes terem a capacidade de pensar acerca do pensamento, eles passam muito mais tempo do que as lange mae nevis 2 SSCA toossce- ges relacionadas com 5S Seon Um dos resultados consiste no facto de os adoles- sociagdes entre centes ‘Ser. Por exemplo, um estudante de uma escola secundaria fez o seguinte comentario: Eu estou sempre a antecipar as coisas - na maior parte do tempo espero que acontegam coisas boss, no entanto, quando elas acontecem as outtas pessoas descubro que tenho tendéncia - os outros, ou eu proprio - a esperar que acontegam coisas mis. Tenho receio de - penso que tenho mais receio do que a maioria das pessoas... ser prejudicado e de sale magoado, Uma reflexdo como esta acerca da forma de ser raramente esta presente antes da adolescéncia, ja que ela requer a capaci- dade de pensar acerca dos pensamentos. Intimamente ligado a capacidade de pensar sobre 0 pen- samento, esta 0 conhecimento do facto de diferentes pessoas terem ferended penlamieanos Gobir Turia Gea geo circunstancia. Esta caracteristica foi demonstrada em alguns estudos iniciais realizados pelo psic6logo suico Jean Piaget (71. Piaget demonstrou, repetidas vezes, que as criangas tém DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 5 tendéncia para pensar que todas as pessoas percepcionam as situagdes da mesma maneira que elas. Descreveu estas criangas pequenas como egocéntricas, porque elas se baseavam ou centravam nos seus proprios pontos de vista. Os adolescentes, contudo, sio mais capazes de reconhecer que as ideias dos Isto quer dizer que compreen- dem que as outras pessoas tém diferentes interesses, conheci- mentos ¢ modos de compreensao. Em certo sentido, reconhe- cem que os seus proprios pontos de vista constituem, apenas una iso posse de uns dada star, ¢ que exsem cues tantos pontos de vista quanto o namero de pessoas. A capaci- dade de pensar em termos perspectivistas esta, como € ébvio, relacionada com as outras caracteristicas do pensamento dos adolescentes j4 descritas anteriormente. Ela constitui um aspecto particularmente importante da capacidade do adoles- cente para raciocinar e para analisar as relagdes sociais, tal ‘como veremos no Capitulo 4, DO PENSAMENTO INFANTIL AO PENSAMENTO ADOLESCENTE Na secgio anterior foram abordadas varias diferengas entre © pensamento tipico das criangas em idade escolar e 0 pensa- mento tipico dos adolescentes. Concentremo-nos, principal- mente, na descri¢do dessas diferencas. Até este momento, ainda ndo considerimos como € que poder ocorrer a mudanca do pensamento infantil para o pensamento adolescente. O problema da transigio é bastante importante por varias razdes. Em pri- meiro lugar, 0 conhecimento do processo pelo qual ocorre o de- senvolvimento cognitivo permite compreender melhor os esfor- 0s realizados pelos adolescentes, 4 medida que sofrem a transicao da infancia para a adolescéncia. Em segundo lugar, pode ser possivel facilitar ou estimular uma modificaga0 cogni- tiva naqueles adolescentes cujas capacidades para pensar e ra- ciocinar no so adequadas As situagdes com que se confrontam todos os dias, Contudo, € apenas através da compreensio do modo como essas mudangas ocorrem que poderemos oferecer- -lhes ajuda. Neste momento, vamos concentrar a nossa aten explicagio dada por Jean Piaget acerca do pensamento adoles- cente. O nosso ponto central esta relacionado com a explicagéo de Piaget sobre a natureza das diferencas entre 0 pensamento de criangas de diferentes idades e com as suas ideias acerca do modo como estas modificages ocorrem & medida que elas vao crescendo. numa 96 DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 Fig. 3.2. ean Piaget. (Bill Anderson/Monemeyer) A TEORIA DOS ESTADIOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE PIAGET Jean Piaget dedicou a maior parte da sua longa carreira ao estudo cuidadoso de criangas e de adolescentes, muitos dos quais acompanhou durante extensos periodos de tempo. O ob- jectivo de Piaget era o de tragar 0 curso do desenvolvimento cognitivo, Queria ser capaz de explicar por que razao as criangas mais novas parecem ndo ter certas capacidades intelectuais que sao caracteristicas das criangas mais velhas e dos adultos. Piaget concluiu que as capacidades cognitivas dos adolescentes, que foram descritas anteriormente, neste capitulo, se desenvolvem a partir das capacidades para pensar ¢ raciocinar tipicas das crian- ¢as mais novas [8]. Ele acreditava que cada nova capacidade representa uma elaboracdo ¢ uma integrac4o de capacidades intelectuais anteriores. Além disso, pensava que o desenvolvi- mento segue um padrao l6gico que caracteriza todos os indivi- duos - foi a descrigdo deste padrao, em termos de série de estidios de desenvolvimento intelectual, que tomou Piaget um autor agora famoso. Nesta sece&o do livto vamos abordar a teoria do desenvolvi- mento cognitive de Piaget, os estidios que descreveu e 0 processo pelo qual se efectua a modificacdo cognitiva. |RESIHOTURA PscOLOGICA ECs ESTADIOS DE ed Os estidios de Piaget constituem, efectivamente, descrigdes de diferentes capacidades de pensar ¢ de raciocinar, as quais re- sultam de estruturas psicolégicas qualitativamente diferentes. Es tas estruturas tornam-se mais elaboradas e apliciveis de um modo cada vez mais vasto, a0 longo do curso do desenvolvi- mento, Para tornar esta ideia mais clara, citam-se dois exemplos cionados com a estrutura psicolégica piagetiana, Em primeiro lugar, as criangas muito pequenas apresentam especialmente padroes manifestos de capacidades motoras, a que Piaget chamou esguemas. Estes padroes de accdes motoras € sensoriais constituem a inteligéncia da crianca — as suas formas de experienciar e compreender 0 mundo. Um exemplo destes esquemas € 0 acto de agarrar. As criangas muito pequenas co- nhecem muitas coisas, na medida em que elas as podem agarrar ~ 08 dedos, os guizos, os brinquedos suspensos no bergo e mais tarde os copos, as formas de madeira, os discos de plastico, as Fig, 33. “Qual dos copos tem mais “gua?” 6 um problema cognitivo bastante dificil para as criangas pequenas, porém, os adolescentes ‘conseguem resolvé-lo com facilidade. (Sandra Johnson) DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 ” bolas, as caixas, etc. As coisas que clas agarram tém diferentes formas, texturas ¢ dimens& no entanto, 0 padrdo de accao ligado ao acto de agarrar caractetiza-se por uma certa uniformi- dade. E esta uniformidade de acco para com os objectos que evidencia a existéncia le uma estrutura, isto é, um modo parti- cular de experienciar a realidade. © segundo exemplo a citar apresenta a relativa complexi- dade das estruturas mentais das criangas em idade escolar. Uma das descricdes mais famosas de Piaget relaciona-se com o facto de as criangas saberem que certas mudancas na aparéncia exterior nem sempre envolvem transformagdes nas caracteristicas bisicas de alguns aspectos dla realidade. Esta capacidade ¢ in- cluida na conservagdo, porque implica a conservagao do conhe- cimento de que certas caracteristicas basicas dos objectos se mantém, mesmo que 0 seu aspecto exterior se altere. O exemplo Classico deste facto envolve dois recipientes idénticos (A, ¢ A. cheios de 4gua. O liquido no recipiente A, é despejado num recipiente mais baixo e mais largo (B). Embora a quantidade de liquido seja a mesma, a maior parte das criangas, até 20 meio da escola elementar, afirma que 0 recipiente B contém menos ‘gua do que 0 A, Aparentemente, a crianga sente-se confusa devido a menor altura que 0 liquido atinge no recipiente B. Ela nao é capaz de considerar que, embora a altura tenha diminufdo, a largura sofreu um aumento. As respostas a tarefas de conservagio reflectem, na opiniao de Piaget, certas estruturas psicol6gicas que thes esto subjacen- tes. A crianca que concentra a sua atengio somente na altura est a utilizar uma estrutura simples, a qual prescreve 0 tipo de julgamentos relativos 4 quantidade — que quantidade de alguma coisa tem perante si - que devem ser feitos, com base numa Gnica dimensao: qual a altura que determinada coisa parece ter. Os individuos mais maduros tém a certeza de que o tamanho envolve mais do que uma dimensio e que todas as dimensoes relevantes devem ser levadas em conta, a0 calcularem se a quan- tidade de determinado material sofreu, na realidade, alguma alte~ taco quando a sua aparéncia foi modificada. A estrutura se~ guinte € mais complexa e implica a coordenagdo de duas dimensoes do problema, em vez da centrag@o numa das dimen- sdes apenas. Piaget defende que estas estruturas complexas constituem, de facto, sistemas de pensamento e de raciocinio. As criangas mais crescidas nao dirio, apenas, que os presidentes A, ¢ B contém a mesma quantidade de 4gua. Mas, mais importante do que isso, € 0 facto de mostrarem, também, que possuem um 98 DESENVOLV. COGNITIVO + Cap. 3 Quadro 32, Estidios de Desenvolvimento Cognitive de Piaget um conjunto organizado de razées que explicam a sua resposta. Afirmariio que (1) A, teré 0 mesmo aspecto de A,, se 0 liquido contido em B for colocado, novamente, nesse recipiente, (2) que a largura diferente de B compensa as diferengas na altura atingida pelos liquidos em A, e B, ¢ (3) que estes factos aconte- cerdo sempre da mesma maneira, independentemente da forma dos recipientes onde for colocado 0 liquid proveniente do recipiente A,, Estes aspectos interligados sio bastante importan- tes e mostram que a crianga tem sistemas cognitivos para pensar € para raciocinar. Embora estes sistemas sejam, ainda, principal- mente aplicados a objectos concretos ¢ a percepgdes, as criangas em idade escolar conseguem fazer algo muito mais sofisticado ¢ claborado do que as criancas cujas estruturas psicolégicas nio Ihes permitem compreender a conservagio. ests os pee Piaget descreveu quatro periodos principais de desenvolvi- mento cognitivo. Estes estidios encontram-se delimitados no Quadro 3.2. Cada um deles representa um perfodo na vida da crianga, durante 0 qual as estruturas psicol6gicas que tornam possivel a capacidade para pensar e raciocinar vao sendo cada vez mais complexas ¢ abstractas [9]. Estas modlificagdes so qua- Inativas, 0 que significa que as qualidades do pensamento so- frem alteragdes, de um dado estidio para o seguinte. Seguida- mente, vamos passar a uma abordagem destes estidios. A vida cognitiva das criangas até aos dois anos consiste, principalmente, nas cabo sobre os objector que as rodeiam. Consequentement, Piaget classificou a etay do desenvolvimento cognitivo enol A porque acrediava que al Quactro 32 Estdios de Desenvolvimento Cognitivo de Piaget. DADE ESTADIO ‘Nascimento = 2 Sensério-moror 2-7 Intuitivo ou pré-operacional 7-12 Operagdes concretas 12-adulto Operagdes formas DESENVOLV. COGNITIVO + Cap. 3 , les . Gradualmente, estes esquemas externos de acco tornam-se interiorizados, nas palavras de Piaget. Nessa altura, © pensamento passa a ser constituido por acgoes mentais que, anteriormente, eram levadas a efeito de forma manifesta pelas criancas do perfodo sens6rio-motor. Este perfodo, que inclui a maior parte dos anos pré-escolares, é chamado de porque € uma etapa de transicao e de Preparacio para as capacidades cognitivas relativamente mais desenvolvidas, a que Piaget chamou pensamento,operacional Em niveis mais avangados, as estruturas cognitivas tornam-se mais do que, simplesmente, simulagdes mentais de sequéncias particulares de acces. O pensamento mais desenvolvido envol= ve padres logicos generalizados, os quais sao aplicados a dife- rentes tipos dle relagdes entre as pessoas ¢ 08 objectos no mundo da crianca. A este tipo de principios mais gerais, Piaget chamou ‘operagdes. As operagdes constituem acgdes mentais de nivel superior que “entram em todas as coordenagdes de acgdes patti- culares” [10], Por exemplo, os objectos ¢ as pessoas e, mais tarde, as ideias e as proposigées — podem ser conjugados, colo- cados em ordens e submetidos a todas as outras operagdes que fazem parte dos conjuntos logicos. De um modo geral, as opera- ges referem-se as formas, pelas quais as coisas em que pensa- mos sio mentalmente organizadas € reorganizadas, durante o proceso de pensamento. A caracteristica mais importante das operagées consiste no facto de elas serem reversiveis. Por exem- plo, podemos combinar a classe dos “pais” ¢ a classe das “maes" para formar uma nova classe, "progenitores"; além disso, pode inverter-se esta operacdo retirando a classe dos “pais” ¢ dei- xando ficar a classe das “miles,” tal como existia no inicio. £ 0 conhecimento directo de que este tipo de rearranjos € possivel gue esti na base da maior flexibilidade co pensamento caracte- Fistico clas criangas mais velhas. Piaget caracterizou © pensamento das criangas em idade es- colar ¢ dos adolescentes em termos de operacdes. Ele classificou © pensamento das criangas em idade escolar como 4 € © pensamento dos adolescentes como Be. forma, foi com base em diferentes operacdes que Piaget caracterizou as diferencas entre o pensamento das crian- 100 DESENVOLV. COGNITIVO « Cap. 3 oO Fig. 3.4. 0 Problema do Péndulo: ‘Um teste de Piaget as operagdes formais, cas em idade escolar € © pensamento dos adolescentes. Estas ferencas foram descritas na primeira parte deste capitulo. Em a Consequentemente, pensam sobre as suas experiéncias ¢ sobre 0 ambiente & sua volta de um modo mais sistematico, € m comparagdo com o que aconteci a le pré-escolar, deixa de ser uma acgio feita passo a passo mas, antes, Estes esquemas abstractos tornam possivel, também, a coordenagio simultinea de um maior nimero de elementos cognitivos (por ex., objectos, pessoas ou acontecimentos) ‘comparativamente aos que sao tipicamente utilizados pelas criangas do periodo pré-operacional. De acordo com Piaget, 0 = vai sendo capaz de considerar relagdes entre eles. Tal como vimos na seco relativa ao pensamento do adoles- cente, as diferencas principais entre o periodo das operagées concretas e 0 periodo das operagdes formais tém a ver com a maior capacidade de abstraccio dos adolescentes — possibilida- des abstractas e pensamentos abstractos - ¢ com a maior flexi- bilidade com que eles conseguem raciocinar acerca quer da realidade quer das possibilidades, As capacidades ligadas as operacdes formais que sto exigidas dos adolescentes encon- tram-se ilustradas na Figura 3.4 Uma série de pesos de diferentes grandezas, 41. Demonstrar 0 movimento de vaivém do um péndulo, atando um peso @ corda & p; ¢, também é possivel transfor. mar esta proposicio na sua correlativa Cou dual), designadamente, ¢ = nao p e q. Desta forma, obteremos um grupo cumutativo de quatro elementos, tal que CR = N, CN = R, RN = CecRN=1. (1) um dos componentes do conjunto INRC, as dificuldades tornam-se evidentes, Piaget afirmou: Consideremos, por exemplo, a implicagio > q; se ela permanecer inalterada, poceremos dizer que caracteriza a transformagao da identi- exemplo, para a ilustragio do braco da balanga (ver Fig. 3.5), Dulit descreveu cada operagio numa sequéncia (2). Imaginemo-nos sentados em frente ao brago da balanga, 0 qual se encon- tra equilibrado. Comegamos por colocar um peso num dos lados e, consequentemente, 0 brago move-se para baixo. A identidade 6 a 103 operacao inicial. Se removermos 0 peso ocorre a negagdo € a balanga fica, novamente, equili- brada. A reciprocidade acontece quando se tem um dos seguintes procedimentos para equilibrar a balanga: acrescenta-se um novo peso do outro lado ou desloca-se 0 prato. Em ambos os casos 0 efeito € reciproco € 0 braco fica, de novo, equilibrado. Para a correlacdo basta anular, simplesmente, as operages anteriores retirar © novo peso e/ou deslocar © prato para a sua posicdo original. Neste momento, © prato € colocado, mais uma vez, no seu lado inicial e, por isso, este tipo de procedimento correla~ ciona-se com o I original. Este exemplo concreto do conjunto INRC descreve a estrutura do raciocinio formal. Tal como destacimos no texto, este proceso € extremamente importante ~ € utilizado para formular hipéteses, para chegar a conclusdes légicas, para verificar a exactiddo das proposi- ‘Bes € para considerar todas as variagdes poss ‘eis. Ralph Mosher sintetizou bem este facto: Os adolescentes sio capazes de pensar acerca dos pensamentos, palavras, ideias, conceitos € hipéteses e conseguem fazt-Jo em relaglo a uma vasta gama de fendmenos, que vvao desde aspectos do mundo fisico a conceitos reais e ideais do eu, (3) BIBLIOGRAFIA, 1, PIAGET, J, Intellectual evolution from adolescence to adulthood. Human Development, 1972,15, 6 Reprinted by permission ofS. Karger AG, Base 2, DULIT, E,, Adolescent thinking a la Piaget: the formal stage. Journal of Youth and Adolescence, 1972, 1 @), 281-301 3. MOSHER, R,, Adolescents’ development and educa tion: A Janus knot, Berkeley, Calif: MeCutehan, 1979, p18. O PROCESSO DE MUDANCA A mudanga de estadio para estadio, na teoria de Piaget — in- cluindo a transig&o do periodo das operagées concretas para 0 periodo das operagSes formais — envolve transformagSes nas es- truturas psicol6gicas que esto subjacentes a0 pensamento © a0 raciocinio em cada um dos sucessivos estdios. As alteragdes nas estruturas mentais resultam do confronto com aspectos novos dos objectos das situagdes. Piaget chamou a este processo de mudanga equilibragdo, porque acreditava que as experiéncias novas provocam um desequilibrio no funcionamento das estrutu- ras mentais, facto que motiva o individuo a elaborar estruturas mais complexas e mais aplicaveis a abstraccoes. Podera ser Gtil pensar acerca da equilibragio fazendo um paralelo entre os processos biolégicos, através dos quais os ali- mentos so ingeridos para beneficio dos rgios do corpo ¢ 0 desenvolvimento das estruturas, as quais tém sido descritas como “6rgios psicolégicos”. De facto, Piaget afirmou que os individuos se adaptam psicologicamente as situagdes, através do mesmo proceso que explica como € que 0 corpo utiliza os alimentos. Passemos, entdo, a examinar mais rigorosamente a explicagio de Piaget. Cada vez que somos confrontados com um problema inte- lectual — um objecto, uma situagio ou qualquer coisa que tenha- 104 DESENVOLV. COGNITIVO + Cap. 3 mos necessidade de compreender ~ tentamos abordar essa questo de acordo com as nossas estruturas mentais actuais. Este Proceso, chamado assimilagdo, envolve as nossas tentativas de fazer com que as caracteristicas de uma dada situacio se ajustem aos padroes de accio que, na realidade, possuimos. Ao mesmo tempo, tentamos adaptar esses padrdes aos aspectos pouco familiares das novas experiéncias. Este proceso envolve a aco- modagao, uma adequagio das estruturas jé existentes, num e forco para levar em conta as caracteristicas dos novos sujeitos, ‘objectos ou outros aspectos de uma determinada situagao. Considera-se que a assimilagdo e a acomodagao funcionam em Conjunto no acto de pensar € no raciocinio. Na maior parte dos casos pensa-se, também, que estes processos esto em equili brio; isto é, que eles ocorrem com a mesma extensio na maioria dos actos intelectuais bem sucedidos. No entanto, se formos confrontados com experi@ncias mais complexas do que estamos habituados, este equilibrio entre os Processos em desenvolvimento de assimilagao ¢ de acomodagio podera ser perturbado. Considere-se 0 caso da conservagio. Quando as criancas passam a ter a certeza de que o recipiente mais pequeno € mais largo e 0 recipiente mais alto © mais estreito 14m, realmente, a mesma quantidade de agua, indepen- dentemente dos liquidos em cada um deles formarem colunas de alturas diferentes, elas sto obrigadas, de forma stibita, a conside- rar outra dimensao para além da altura. Os seus esquemas actuais que envolvem a avaliago de uma certa quantidade de liquido, de acordo com a altura que este atinge num recipiente, devem ser alterados de modo a serem consideradas outras dimensées fisicas do recipiente e a coordenacao entre elas. Como € que Piaget explicaria este facto? Ele diria que a necessi- dade de considerar uma nova dimensio provocaria um desequi- librio entre a assimilagao e a acomodagao. Para restabelecer 0 equilibrio, os esforcos da crianga para adaptar os esquemas que Possui a nova dimensio devem entrar em equilibrio com o Proceso de assimilacio do problema pelos esquemas ja existen- tes, nos quais era considerada apenas a altura. Este novo estado de equilibrio s6 poderd ser alcangado quando a propria estrutura for alargada. Desta forma, a equilibracdo € um proceso de resta- belecimento do equilibrio entre a assimilagao e a acomodacio, que é devido a uma nova e mais complexa estrutura. A teoria de Piaget sobre as modificagdes psicoldgicas ent: tiza a elaboragaio gradual das estruturas mentais, ou seja, dos padrées para as actividades intelectuais, através das experiéncias de equilibragao, Outros autores, como por exemplo os defenso- 105 “res da teoria da aprendizagem, falam das modificagdes cognitivas em termos de desenvolvimento quantitativo das capacidades, em vez de em alteragdes qualitativas tal como defende Piaget. No entanto, quer os te6ricos da aprendizagem, quer os autores cognitivo-lesenvolvimentistas, como Piaget, afirmam que as mais, variadas experiéncias afectam, de muitas formas, 0 desenvoh mento cogni _ Desenvolvimento do raciocinio ligado as operagBes formals Piaget acreditava que a transi¢lo de estédio para estidio ‘ocorria, na vida das criangas e dos adolescentes, como resultado das experiéncias comuns da vida diéria, Com base nesta ideia, muitos autores tentaram melhorar as capacidades de raciocini dos adolescentes induzindo a equilibragto, Vamos, entio, consi- derar um desses programas de treino. Num estudo, o psicdlogo Barnaby Barratt pretendeu melho- rar a capacidade dos adolescentes para resolver problemas, nos quais eles tinham de considerar, simultaneamente, um certo nii- mero de aspectos [12]. Apresenta-se, em seguida, um exemplo dlo tipo de raciocinio que Barratt estava interessado em estudar: DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 Numa festa existiam apenas quatro tagas com comida, A primeira continha arroz, a segunda frango, a terceira tomates € a quarta cogumelos. Todos recebiam alguma comida. Algumas pessoas recebiam, apenas, um dos tipos de alimento, outras recebiam dois, outras recebiam ues, ¢ $0: ‘mente uma pessoa recebia alimentos pertencentes aos quatro tipos. Todas as pessoas da festa receberiam uma combinaclo diferente de alimentos. Qual © nGimero maximo de pessoas que poderia participar na festa, € 0 que € que elas comeriam? Em vez de um problema importante, isto pode parecer mais um enigma para Wdesvendar, no entanto, na sua complexidade 6, pelo menos, semethante a muitos dos problemas priticos que se colocam na vida didria. Barratt decidiu treinar 80 adolescentes muito novos, os quais foram escolhidos a partir do grupo dos melhores alunos em ma- temitica de uma escola secundaria da Gra-bretanha. Os adoles- centes tinham 12, 13 € 14 anos de idade. Barratt avaliou, cuida- dosamente, as suas capacidades de raciocinio em bastantes problemas que exigiam a consideragao simultanea de varios elementos. Verificou que os seus desempenhos eram, de um modo geral, bastante pobres e, raramente, apresentavam a complexidade e a flexibilidade caracteristicas do pensamento relativo a0 periodo das operagdes formais. Mais tarde, treinou 106 DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 alguns deles em duas fases. Na primeira fase, treinou-os em problemas que exigiam que considerassem apenas parte dos elementos de cada vez. Por exemplo, no problema dos alimentos que foi referido anteriormente, pediu-lhes para pensarem quan- tas pessoas poderiam ter comido, se cada uma delas recebesse dois dos quatro tipos de alimentos, em vez de combinagdes de trés ou mais. Na segunda parte do treino, passou a apresentar tarefas mais exigentes, pedindo-lhes para considerarem todas as possiveis combinagdes dos elementos em causa, Estava interes- sado ndo apenas em saber se os adolescentes conseguiam dar respostas comrectas aos problemas, mas também naquilo que eles pensavam ser necessirio fazer para resolver esses problemas, e como é que, na sua opinido, as outras pessoas deveriam proce- der para também os resolverem Depois destas duas sessdes de treino, testou novamente os adolescentes nas suas capacidades de resolugio destes pro- blemas, Barratt comparou os desempenhos destes sujeitos com ‘os desempenhos de adolescentes da mesma idade que nao receberam qualquer tipo de treino, O treino mostrou-se mais eficaz nos adolescentes de 14 anos de idade. Os seus resultados, em termos de estidios piagetianos, eram quase trés vezes supe- riores aos resultados dos adolescentes com a mesma idade, que lo tinham recebido 0 treino. Talvez estes adolescentes de 14 anos tivessem apresentado uma melhoria nos seus desempe- nhos, devido ao factd de o seu nivel geral de desenvolvimento cognitivo ser superior ao dos participantes mais novos. Talvez, ainda, este facto os tornasse capazes de tirar beneficios do treino, permitindo-Ihes incorporar, mais rapidamente, os efeitos deste tipo de treino nos processos que jé possuiam de resolugo de problemas. Estudos semelhantes a este, efectuado por Barratt, dao algum apoio a utilizagao de exercicios de treino para tentar estimular 0 desenvolvimento cognitive, Pode acontecer, de facto, que os efeitos do treino nao sejam devidos a uma reorga- nizag&o nas estruturas psicolégicas, tal como foi defendido por Piaget. Muitos autores cognitivo-desenvolvimentistas argumen- tam, no entanto, que seria impossivel alcangar os melhoramen- tos que se conseguem obter com a utilizagdo de programas de treino, simplesmente através da pratica ou de uma aprendiza- gem suplementar sobre problemas particulares [13]. Defendem que € necessiria uma reorganizacio cognitiva para explicar as dramaticas mudangas que tém lugar em programas de treino efectivo - e, igualmente, no decurso normal do desenvolvi- ‘mento cognitivo. DESENVOLV. COGNITIVO + Cap. 3 Tig. 36. Os adolescentes desenvolvem padres de pensamento formal e st0 capazes de utilizar estratégias logicas. (Prank Sitemany Stock, Boston) 107 Algumas limitagdes ‘A passagem das operagdes concretas para as operagdes formais é um acontecimento dramitico, Porém, grande parte da informagao existente acerca da utilidade das ideias de Piaget para descrever 0 modo de pensar dos adolescentes, sugere que se devem ter em mente duas importantes limitagbes. Uma dessas limitagdes refere-se ao facto de a transformiacao do pensamento relativo 4s operagdes concretas no pensamento caracteristico das operagdes formais nao ocorrer abruptamente. Em vez. disso, a transi¢Zio faz-se de modo gradual, Durante lon- gos periodos, uma pessoa jovem pode, em muitas situagdes, apresentar indicios de um pensamento muito desenvolvido, acompanhados, quase no mesmo ntimero de vezes, por manifes- tagdes de pensamento relativamente imaturo, De facto, Piaget reconheceu que em cada estidio de desenvolvimento cognitivo 0 pensamento e © raciocinio podem parecer, em algumas situagdes, mais caracteristicos dos estédios anteriores e — por vezes — dos estidios posteriores. Quando Piaget se refere a um individuo que se encontra no petiodo das operagdes formais, pretende simples- mente dizer que, na maior parte das vezes, essa pessoa apresenta um nivel de desempenho intelectual que parece reflectir as quali- dades abstractas, complexas ¢ flexiveis das operagdes formais Nos anos iniciais da adolescéncia, em particular, as capaci- dades para pensar e raciocinar podem parecer altamente varia- veis. Por vezes, os adolescentes mais novos mostram confianga na realidade imediata, facto que caracteriza os individuos perten- centes ao periodo das operagdes concretas; outras vezes, mani- festam uma capacidade de reflexio abstracta, a qual € mais caracteristica do pensamento formal. Esta ambiguidade ¢, em certos momentos, bastante dificil de aceitar pelos professores pais. De facto, a tendéncia é, provavelmente, tanto para sobresti- mar como para subestimar o nivel de funcionamento cognitivo de que 0 jovem adolescente 6, realmente, capaz. ‘A segunda restrigo importante consiste no facto de os indivi duos poderem apresentar uma maior maturidade em algumas areas de funcionamento, em detrimento de outras. Alguns adolescentes, por exemplo, podem ser muito competentes em termos sociais € ser capazes de pensar de modos muito complexos acerca da natureza das relagdes interpessoais e das interacgdes, no entanto, em assuntos académicos talvez no apresentem evidéncias de uma capacidade cognitiva muito desenvolvida. De modo inverso, os individuos muito bons em termos académicos podem apresentar desempenhos inferiores ao nivel das suas competéncias sociais. —OOO 108 DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 Este aspecto € especialmente importante devido ao modo restrito como, habitualmente, € estudado o pensamento relative a0 perfodo das operagdes formais. Piaget desenvolveu as suas ideias em termos de principios légico-formais. Porém, ele proprio reconheceu que os individuos que esto pouco familiari zados com assuntos académicos podem, apesar disso, encontrar -se no periodo das operagdes formais, embora s6 seja possivel verificar esse facto através dos seus desempenhos em 4teas parti- culares [14]. Por exemplo, defendia que as tribos primitivas podiam apresentar uma sofisticagio cognitiva bastante grande nos métodos de cagar e de perseguir as presas, que punham em pritica na selva. Se compreendermos as caracteris plexas destas tarefas, poderemos tomar consciéncia da com- plexidade dos seus processos intelectuais. No entanto, provavel- mente, nao conseguiriam apresentar desempenhos tao bons em tarefas que envolvessem a utilizagio de produtos quimicos incolores ou que exigissem a equilibragio de uma balanga. Do mesmo modo, os adolescentes que vivem em cidades do interior podem ser extraordinariamente habilidosos nos negécios inseri- dos nas complexidades da vida de rua, mas talvez ndo sejam igualmente capazes de lidar com temas académicos. § importante relembrar que 0 pensamento caracteristico do periodo das operagdes formais se refere a0 modo abstracto, fle- xivel e complexo, pelo qual as ideias, os objectos € as situagoes so analisados e compreendidos. Piaget possibilitou-nos a com- preensdo da inteligéncia dos adolescentes, a qual engloba uma vasta gama de capacidades para pensar e raciocinar que variam em complexidade e em aplicabilidade. Posteriormente, neste capitulo, discutir-se-do algumas das formas, pelas quais os ado- lescentes diferem uns dos outros no que diz respeito as suas ca- pacidades intelectuais. com- PARA ALEM DE PIAGET: O ESTADIO DA DESCOBERTA DE PROBLEMAS © desenvolvimento fisico, como & ébvio, é limitado, chamou *operagées formais" — no qual somos capazes de pensar de um modo l6gico, sstems- Frequentemente, algum tempo antes do vvigésimo aniversério os ossos longos deixam de ccrescer, pelo que se pode afitmar que ja atingi- mos a altura definitiva. No entanto, 0 que se passa com 0 desenvolvimento mental? Ser que a chegada a0 estidio maduro a que Piaget € simbélico ~ significa que 0 desenvolvi- mento mental est completo? A investigadora Patricia Arlin, da University of British Columbia, sugere que pode existit um estidio suplementar de desenvolvimento cogni tivo, ao qual chamou de “descoberta de proble- mas", De acordo com Arlin, este estidio é carac- terizado pela capacidade de desenvolver novas solugdes, imaginar programas baseados em perspectivas alargadas © formular “questoes inovadoras’, que tomam os individuos capazes de expandit 0 seu conhecimento de base e de obter novas intuigoes. Arlin especificou que este estédio mais avangado representa uma ampliagio ~ nao uma rejeicdo — da teoria de Piaget. De facto, a capaci dade de defini conceitos e de raciocinar de forma abstracta € a plataforma, a partir da qual se pode desenvolver a capacidade de descobrir problemas. Adin realgou, contudo, que a maior parte das avaliacdes feitas no periodo das opera- oes formais de Piaget envolve a resolugio de problemas por parte dos sujeitos. A invengao de uum novo problema, ou a descoberta de novas questdes, so aspectos que nao foram levados em conta nos trabalhios de Piaget. Embora sejam necessirias outras goes para determinar a validade cientifica desta teoria, ela €, apesar disso, consistente com a ideia largamente defendida de que os seres humanos posstiem um potencial quase ilimitado de desenvolvimento intelectual, Certamente, individuos como Isaac Newton, Marie Curie, Booker T. Washington, Albert Einstein € outros, que foram responsiveis pelas inovagdes cientifi- cas, possuiiam uma capacidade criativa muito peculiar. Se os investigadores conseguirem confirmar que algumas pessoas possuem o potencial de um Einstein ou de uma Cutie, os educadores poderio vir a ser confrontados com a necessidade de rever os curriculos das escolas secundarias, das universidades e de outras insti- tuigdes, no sentido de promover um desenvolvi- ‘mento cognitive como este, de ‘nivel superior”, BIBLIOGRAFIA, ARLIN, P., Project description: A cognitive process model of problem finding. Vancouver: University of British Columbia, Department of Educational Psychology and Special Education, 1986, O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E OS DESEMPENHOS DOS ADOLESCENTES Um teste perspectiva de Piaget sobre as diferengas entre 0 pensamento infantil € o pensamento adolescente, consiste em sa- ber se esta distin¢ao nos ajuda a compreender 0 comportamento dos adolescentes nas tarefas que, habitualmente, thes sio pedidas para executar, Nos Giltimos anos, tém vindo a ser estuda- dos dois tipos de problemas intelectuais comuns na vida dos adolescentes: a tomada de decisio e o rendimento escolar. Nesta seceao do livro analisa-se, de forma breve, a informagao dis- ponivel sobre estes dois tipos de tarefas. Um dos problemas da definigio de adolescéncia, tal como vimos no Capitulo 1, € a competéncia das pessoas jovens para tomarem decisOes legalmente regulamentadas, tais como as que envolvem © casamento, 0 consentimento de certos tratamentos médicos, a participago voluntiria em experiéncias, e a escolha 110 DESENVOLV. COGNITIVO + Cap. 3 da cust6dia parental em caso de divorcio dos pais. A definigio de pensamento formal, de Piaget, sugere que, em comparacio com as criangas em idade escolar, os adolescentes sio muito mais competentes pata considerar os aspectos frequentemente complexos envolvidos em tais decisbes. Contudo, uma vez que o pensamento formal é adquirido gradualmente, é necessdrio ainda saber como € que 0 processo de tomacla de decisio dos adoles- centes se modifica no decurso da segunda década da vida, Num estudo recente, Lois Weithorn e Susan Campbell [15] examinaram a capacidade de tomada de decisio de criangas e de adolescentes, em decisdes que se relacionavam com a possi- bilidade de estes virem a ser submetidos a um tratamento médico. Frequentemente, estas decisdes so deixadas 20 encargo dos pais ou tutores, porque se supde que os mais jovens sao legalmente incompetentes para decidir por si proprios. Weithorn ¢ Campbell testaram individuos de 9, 14, 18 € 21 anos de idade (vinte rapazes e vinte raparigas em cada grupo). A cada um destes participantes eram descritos, detalh damente, quatro casos hipotéticos: dois casos (epilepsia e diabetes), nos quais deveriam ser tomadas decisdes acerca de um possivel tratamento médico, € outros dois casos (depressii € enurese ou “molhar a cama”) nos quais eram considerados tratamentos a nivel psicolégico. A desctigdo de cada caso inclufa informagdes acerca da natureza do problema; tratamentos alternativos; beneficios esperados © possiveis riscos; mal-estar e efeitos secundarios e consequéncias da falta de tratamento. Por exemplo, Tom, que foi referido como estando a sofrer de depressao, foi descrito da seguinte forma: [Ele] tem-se sentido triste ¢ em baixo na maior parte do tempo desde he algumas semanas... recusa-se a sait do quarto, a ir para a escola ou a falar com alguém da famfia. Tom perdeu o apetite e tem difeuldade em dormir durante 1 noite, Ninguém tem a certeza do que se esti a passar com ele, mas todos pensam que nao se trata de um problema fisico. ‘© médico de Tom sugeriu que fosse a uma) psicoterapeuta.. uma Pessoa cujo trabalho consiste em ajudar os indivicios que andam constan- femente preocupados com os seus problemas. A psicoterapeuta disse a ‘Tom que pensava que ele era capaz de fazer uma de duas coisas possivels para tatar a depressio. Uma das escolhas poderia ser... esabelecer encontros regulares com ela no {seu consult6rio. Cada sessio... durara, pelo menos, uma hora. ‘Uma vez por semana, Tom ia sozinho 2 consulta e conversariam acerca de tido © que preocupava, ou sobre alguns assuntos propostos por ‘Tom, Num outro dia, durante a semana, a psicoterapeuta reunir-se-ta durante uma hora com Tom e toda a sua familia, Durante estas reunides, todas as pessoas deveriam falar das coisas que sio importantes para elas, cenquanto familia. Se Tom e a sua fariia conseguirem acompanhar estas consulas, egularmente, durante alguns meses, € possivel que ele consign DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 ui retomar a sua vida normal, embora nao exista uma certeza absoluta de que as consullas 0 ajudario a resolver © problema, ‘Uma segunda escolha... seria intesnar ‘Tom num... hospital especial para pessoas que sofrem de problemas emocionais. Alguns pacientes ali hospitalizados poderio sofrer de depressio, como Tom, embora outros possam sofrer de diferentes problemas. Enquanto estivesse no hospital, ‘Tom teria de comparilhar o seu quarto com outro paciente e deveria parti- cipar em algumas actividades difrias, tais como actividades plisticas ¢ imiisica. Deveria encontrar-se, sozinho, com a psicoterapeuta duas vezes por semana, no hospital, e haveria, também, uma reunigo em que toda a familia pasticiparia, Tom deveria, ainda, tomar parte numa psicoterapia de grupo, com outros pacientes, onde todos eles discutiriam, em conjunto com a psicoterapeuta, os seus problemas. Durante 0 tempo em que estivesse hospitalizado, Tom ficaria afastado da sua familia, dos seus amigos e da sua casa. Terla de faltar as aaulas, no entanto, poderia combinar com os seus colegas no sentido de les Ihe levarem até a0 hospital os apontamentos das aulas, para que pudesse continuar 2 acompanhar a matéria leccionada. Terla de obedecer f algumas regras, tais como a hora a que deveria ir para a cama ¢ no podria deixar o hospital sem permissio, Se Tom permanecesse no hospi- tal durante algumas semanas e, depois, continuasse a ir semanalmente a consulta de psicoterapia, possivelmente conseguiria ser capaz de retomar a sua vida normal, embora nao Ihe fosse dada uma garantia absoluta de que a estadia no hospital o ajudasse a resolver o seu problema. No caso de Tom, ele tinha trés escolhas possivels. Podia decidir nto fazer nada e esperar que a depressio melhorasse por si propria; poderia ir regularmente a consultas da psicoterapeuta; ou poderia ser admitido num hospital para doentes mentais. Se estivesses na situagio do Tom, tendo tr@s hipoteses de escolha, que tipo de decisto tomatias? De acordo com a descrig&o de cada caso, Weithorn e Cam- pbell falaram com os participantes no sentido de saberem as suas reacgdes. Para se certificarem de que todos compreende- ram © caso, 0s investigadores colocaram questdes especificas a08 sujeitos (e. g, “O que & um psicoterapeuta?”) e examinaram alguns aspectos dos diferentes tipos de tratamento (e. g “Usando a tua imaginagio, nomeia pelo menos dois assuntos que, na tua opiniao, as pessoas talvez. abordem numa psicotera- pia.”) Também perguntaram aos participantes que tipo de trata mento alternativo prefeririam e investigaram minuciosamente para saberem se os participantes, na sua tomada de decisdo, Ievaram em conta todos os aspectos de cada caso. Eles referi- ram, por exemplo, que uma depressio poderia melhorar sem tratamento, que uma depressdo grave tem interferéncias nas actividades principais de um individuo e que o tratamento pode nao resolver © problema. ‘A suposta incapacidade dos jovens para reflectir sobre todas estas consideragdes € a primeira razdo pela qual as decisdes que envolvem tratamentos médicos s4o, legalmente, deixadas a outros. Os investigadores verificaram que os individuos de 14 anos de idade revelaram uma compreensio do caso equivalente aquela DESENVOLV. COGNITIVO + Cap. 3 que era apresentada pelos jovens de 18 © 21 anos de idade. No entanto, os de 9 anos nao eram to maduros nas suas respostas como os individuos de outras faixas etirias. Embora expressassem algumas preferéncias por certos tipos de tratamento, tal como os mais velhos, tornava-se menos evidente facto de considerarem, nas suas decisdes, todos os aspectos importantes do caso, como o faziam os individuos de 14, 18 ¢ 21 anos de idacle. Os autores concluiram que os adolescentes de 14 anos sao capazes, em termos cognitivos, de tomar decisdes bem fundamentadas ¢ com- petentes acerca de tratamentos médicos. E interessante verificar que os resultados de Weithorn e Campbell entram em contradigao com informagées provenientes de estudos anteriores. Por exemplo, num estudo realizado em 1981, a psic6loga Catherine Lewis [16] concluiu que, mesmo aos 16 anos de idade, a maior parte dos adolescentes no possui as capacidades necessatias para tomar decisées competentes. As diferencas entre estes resultados podem ficar a dever-se, em parte, aos métodos de investigagio utilizados para avaliar a competéncia dos individuos. No estudo de Lewis, a competéncia foi avaliada com base em respostas espontineas dadas a questdes sobre que tipo de conselhos dariam os adolescentes a individuos da mesma idade, que estivessem confrontados com decisdes dificeis. Tal como em muitas investigagdes sobre 0 desenvolvimento cognitivo, este método toma dificil afirmar se os adolescentes mais novos revelam falta de competéncia nos julgamentos que fazem, ou se, simplesmente, t¢m dificuldades em transmitir por palavras, pensamentos € sentimentos comple- xos. Os adolescentes mais velhos poderiam ter mais facilidade em verbalizar 0 seu pensamento. De modo oposto, Weithomn e Campbell associaram entrevistas acerca das proprias ideias dos participantes a questOes especificas, as quais Ihes permitiam res- ponder sem serem, principalmente, levadas em conta as suas capacidades verbais. Estes estudos estilo entre as poucas fontes de informac: disponiveis sobre 0 tipo de pensamento ¢ de raciocinio dos adolescentes, relativamente aos problemas da vida real. Tal como se vera mais a frente, neste livro, este tipo de tomada de decisao € pertinente para questdes como 0 envolvimento sexual dos adolescentes e 0 isco de gravidez indesejada entre as jovens (Capitulo 9) e para questdes relativas 4 escolha de uma carreira (Capitulo 13). Muitas outras decisées que afectam os adolescentes ¢ a sociedade, incluindo 0 uso de drogas ¢ a compra e utilizagao de bens de consumo caros, como 0 automdvel, estéo também relacionadas como grau em que os _ Fig. 37. A aprendizagem efectiva requer a observacio ¢ 0 treino, (Hugh Rogers/ Monkmeyen) DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 113 adolescentes atingiram um nivel de competéncia cognitiva que Ihes permite pensar ¢ raciocinar, adequadamente, acerca de situagdes complexas. © RENDIMENTO ESCOLAR © aparecimento das capacidades formais tem, também, um certo ntimero de implicagdes no desempenho dos adolescentes em matérias escolares tradicionais. Por exemplo, a sua utilizagao as logicas, racionais ¢ abstractas, constitui uma prova de que os significados simbélicos, as metaforas e analogias sdo, agora, compreendidos. As hist6rias com moral podem ser generalizadas e os jogos e as simulagdes podem ser apresenta dos desde que os alunos compreendam as suas implicagdes. Por exemplo, se quisermos ensinar alguma coisa sobre os principios € teorias econémicas poderemos utilizar um jogo como 0 Mono- pélio, colocando questdes que destaquem princfpios gerais. Nu- ma idade elementar as criangas conseguem compreender 0 jogo apenas como jogo; elas ndo sto capazes de perceber os aspectos gerais que, através dele, podem ser abordados. Os adolescentes sio, também, mais capazes de responder a questOes abstractas envolvidas nos filmes, na publicidade e nas formas de arte, tais como a pintura, o drama, a danca e a misica. Quanto mais activo for o proceso simbélico, mais ele promove o desenvolv mento cognitivo. Por exemplo, durante este estédio escrever poemas é mais indicado do que lé-los, realizar filmes é mais eficaz do que vé-los ¢ participar em dramatizagdes é mais apropriado do que observ4-las. 4 DESENVOLV. COGNITIVO + Cap. 3 Nos tiltimos anos tém sido feitos alguns esforcos para estu- dar as experiéncias escolares tipicas, pretendendo-se saber qual @ sua adequacao para os individuos jovens que esto a atravessar a fase de transigio para o pensamento formal, John Renner € os seus colegas, da Universidade de Oklahoma, levaram a efeito a mais extensa série de estudos, com objectivo de analisar a cor respondéncia, ou a incompatibilidade, entre o nivel de desenvol- vimento cognitivo dos adolescentes e as componentes curricula- res das escolas secundérias [17]. Foi, também, levada em conta por estes investigadores a complexidade das leituras e das tarefas proprias de cada area de estudo (¢. g., Inglés, Biologia, Ciencias, etc,), Verificaram que existia uma discrepdncia entre o estidio de desenvolvimento cognitivo em que os adolescentes se encontra- vam, de acordo com avaliagdes feitas através das tarefas propos- tas por Piaget, e as matérias curriculares. Por exemplo, um curti- culo de Inglés poderia ser dificil de compreender, ainda que, em termos de estrutura, fosse bastante concreto, e, g. “Muito bem, a tarefa consiste em memorizar as primeitas 100 linhas do Blogueado pela neve de John Greenleaf Whittier”. No estudo de Renner, todos os estudantes da grande amos- tra utilizada (688), que eram representantes de vinte e cinco es- colas diferentes do terceiro ciclo do ensino basico € do ensino secundério, foram testados individualmente em tarefas relacio- nadas com as operagdes formais, propostas por Piaget. Dos alunos pertencentes a todos os graus de ensino, apenas uma minoria se encontrava jé no periodo das operagdes formais (ver Quadro 3.3). No entanto, a maior parte dos assuntos cutticulares Quadro 33. Os alunos da escola secundaria ¢ as operagdes formais, NIVEL "TAMANHO PERCENTAGEM DA DE OPERAGOES AMOSTRA FORMATS ‘Terceito ciclo 78an0 96 ” 8° ano 108 B 9 ano 4 18 Ensino secundirio 102 ano 4 7 11 ano 9 2» 122 ano 7 33 ‘Adaptado de RENNER, J. W., Research, teaching, and learning with the Piaget ‘model, Norman: University of Oklahoma Press, 1976, p. 97. © University of Oblaboma Pres. DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 5 pressupunha capacidades cognitivas do nivel das operagdes formais. Por exemplo, a disciplina de Biologia incluia matérias ‘como as bases genéticas das caracteristicas fisicas ¢ o significado de um ecossistema, as quais representavam tarefas dificeis e intelectualmente abstractas para os jovens adolescentes. Além. disso, Renner descobriu que quanto mais um estudante mos- trasse possuir capacidades formais, maiores seriam as suas pro- babilidades de ter bons desempenhos em testes que envolves- sem 08 conceitos basicos das disciplinas mais avangadas, como por exemplo, a Fisica e a Quimica. Aparentemente, as capacida- des cognitivas tém bastante importincia nos desempenhos escolares dos adolescentes. Os resultados de Renner levam-nos a concluir que a maio- tia dos adolescentes no compreende os assuntos das discipli nas, nao sabe o que é esperado deles nas tarefas que lhes so propostas, nem qual o significado dos conceitos de que ouvem, falar. Os estudantes, e isso € 0 que pode realmente acontecer, vao as aulas e simulam a tendéncia geral da turma - pelo menos, foi o que a maior parte deles fez no estudo de Renner. Todavia, neste seu percurso escolar, a aprendizagem genuina que tem lugar parece ser bastante reduzida, Este resultado € consistente com o ponto de vista de Piaget, segundo o qual os individuos nao conseguem compreender os aspectos complexos dos problemas, quando estes exigem um tipo de raciocinio avangado que se situa acima do seu nivel real de funciona- mento. Aparentemente, a mesma situaglo revela-se verdadeira num exemplo, agora classico, citado pelo primeiro psic6logo americano, William James: A uma amiga minha, que estava de visita a uma escola, foi pedico para examinar uma classe de alunos muito novos, de geografia. Ao dar uma vista de olhos sobre o livro de base, ela disse: "Imaginem que deveriam cavar um buraco no cho com centenas de metros de profundi- dade, O que € que pensam que sentiriam quando chegassem a0 fundo ~ mais calor ou mais fio, do que no principio?" Nenhum aluno da classe foi capaz de responder, € a professora afitmou: "Tenho a certeza de que sabem a resposta, mas penso que a questo nao foi colocada de forma muito directa, Deixe-me tentar.” Ento, pegando no livro, perguntou: ‘que condigdes se encontra o interior da Temra?", recebendo, de imediato © ‘em unissono, de metade da turma, a seguinte resposta: “O interior da Te ra encontra-se em incandescéncia” (18) © caso anteriormente referido sugere que, se os alunos nao forem ajudados a desenvolver © seu potencial no sentido de atingirem o pensamento formal, eles permanecerio, antes, quase como autématos reais que, respeitosamente, repetem expressdes, de acordo com as ordens dadas pelos professores. 116 DESENVOLV. COGNITIVO + Cap. 3 © aspecto mais desolador de tudo isto talvez sejam os resulta- dos apresentados no Quadro 3.3., os quais nos indicam que durante os trés anos do terceiro ciclo do ensino basico se verifica, apenas, uma alteragdo muito pequena no nivel de funcionamento cognitivo. De modo semelhante, a experiéncia educacional do ensino secundirio provoca um aumento da ordem dos 6% no pensa- mento formal; depois de trés anos, considerando cerca de 180 dias por ano, com cinco ou seis horas de tempo lectivo por dia, esta alteragdo nao nos surpreende. A grande maioria (dois ter 08) dos alunos ainda se encontra no nivel das operagdes con- cretas, Se houvesse uma melhor correspondéncia entre 0 nivel Cognitivo dos estudantes € © contetido dos assuntos apresenta dos na escola, talvez existissem mais possibilidades de estimula- do intelectual, de modo a facilitar 0 desenvolvimento cognitivo. A constatacdo de que existem discrepancias muito importantes entre as matérias curriculares © os métodos de ensino, por um la- do, € a complexidade do raciocinio, por outro, realga a necessi- dace de voltar a enfatizar os pressupostos desenvolvimentistas abordadlos nos capitulos anteriores. Ao longo do desenvolvimento, a passagem para estidios mais complexos depende da adequagao das condigées de apren- dizagem ao nivel real de funcionamento do individuo jovem, po- dendo-se, mais tarde, aumentar gradualmente a complexidade dos contetidos que se ensinam. Este proceso pode falhar em ambas as direcgdes: podemos ensinar de maneira ineficaz, quer subestimando os alunos, quer dificultando demasiado as tarefas, @ ponto de ultrapassar as suas capacidades reais. Por exemplo, poderiamos pedir aos alunos do terceiro ano para ler o livro Mo- by Dick © para interpretar o significado da obsessao do Capitao Ahab — tarefa esta que seria demasiado dificil para eles. Cer- tamente, ndo compreenderiam o significado simbélico da baleia branca e da perseguicdo que Ihe era feita pelo Capitio Ahab. E claro que poderiamos leva-los a memorizar as respostas correc- tas. Poderiamos, ainda, fazer com que recitassem todas as ex- pressdes adequadas, tal como faziam as criancas com os contet- dos escolares do séc. XIX, nos Estados Unidos; porém, nio compreenderiam, verdadeiramente, a tarefa. Saber de cor ndo significa conhecer, diria Piaget. A subestimagao do funciona- mento intelectual procede, como é 6bvio, em sentido oposto. Le- var os estudantes do ensino secundario (ou, na realidade, estu- dantes universitatios), a memorizar, por exemplo, listas enormes de acontecimentos, seria um caso de correspondéncia negativa entre a tarefa proposta € o nivel de funcionamento dos alunos. DESENVOLY. COGNITIVO + Cap. 3 7 Outro exemplo refere-se a um trabalho-de-casa (escolar), no qual o estudante tem de somar uma coluna de dez a uma coluna de quinze digitos e, em seguida, fazer outros vinte problemas exactamente iguais. © problema desenvolvimentista que se coloca ao nivel da educagio nao é simples: Como criar condigdes educativas que estimulem 0 desenvolvimento do pensamento formal? Como es- timular © potencial para raciocinio abstracto e simb6lico durante a adolescéncia? £ conveniente referir, contudo, que este assunto nada tem a ver com a tao falada questio ameri- cana, acerca do modo como podera ser acelerado 0 desenvolvi- mento. Nao se est a tentar empurrar os alunos ao longo dos estédios cognitivos, de modo a que os do 1° ano jé se encon- trem no periodo das operagdes formais. Em primeiro lugar, deve salientar-se que ndo € possivel este tipo de aceleragio. Convém lembrar que um dos pressupostos de Piaget se refere ao facto de os estédios terem lugar sequencialmente; cada avango requer uma experiéncia bastante grande para que s verifiquem aquisigdes completas ¢ para que se dé a consolid: o das capacidades cognitivas, A questo para as escolas, por conseguinte, ndo é como acelerar, mas, antes, como impedir uma estagnacdo — como promover uma interaccao estimulante que favorega o desenvolvimento. A ABORDAGEM DO PROCESSAMENTO DA INFORMACAO E © DESENVOLVIMENTO COGNITIVO Em meados dos anos 80, foi proposto um novo tipo de abordagem para explicar como € que as transformagdes cogniti- vas ocorrem entre a infancia e a adolescéncia. Com base num conjunto de pressupostos diferentes das ideias de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo, esta nova teoria, chamada aborda- gem do processamento da informagao, tenta, igualmente, expli- car 08 processos de pensamento mais flexiveis, abstractos ¢ exaustivos, que sto apresentados pelos adolescentes. De acordo com este tipo de abordagem, a mente humana é concebida como um sistema complexo que recebe, armazena e utiliza informagao ~ de modo semelhante aos computadores digi- tais que se estio a tomar cada vez mais frequentes, na vida ame- ricana, A medida que as criangas se desenvolvem e€ se tornam adolescentes, a capacidade do sistema de processamento da in- formacao parece aumentar. Muitos psicélogos acreditam que 0 pensamento dos adolescentes € mais complexo € sofisticado do 18. DESENVOLY, COGNITIVO « Ci Fig. 38. A consecugio de ‘conhecimentos priticos ajuda 0 adolescente a ter melhores ‘desempenhos em tarefas cognitivas, complexas. (Harry Wills Stock, Boston) que © das criangas, devido a este aumento da capacidade de processamento da informagio [19, 20, 21]. Por exemplo, no jogo de Las Vegas os adolescentes nao apresentam um desempenho semelhante ao das criangas de quatro anos de idade, porque 0 seu maior conhecimento Ihes permite encontrar ~ ¢ testar — um ntimero mais extenso de solugdes possiveis; os adolescentes so, ainda, superiores as criangas da escola elementar, porque as capacidades que possuem permitem-lhes utilizar as suas intui- ges. Ao explicar 0 funcionamento cognitivo mais desenvolvido, a abordagem do processamento da informagao enfatiza este maior conhecimento e capacidade de tratar a informagdo, em ve de falar em estruturas psicol6gicas mais complexas. Alguns teéri cos [22, 23] consideram este tipo de abordagem € a teoria de Piaget como complementares, argumentando que a transi¢Zo do perfodo das operagdes concretas para o periodo das operagdes formais depende de um aumento na capacidade de processa- mento da informagao. Uma questo bisica, nesta perspectiva de alteragio cogni- tiva, consiste em saber como que a capacidade de processa mento da informacao aumenta com a idade. £ de referir 0 facto de ninguém ter sido ainda capaz de demonstrar que 0 nosso -quipamento” mental se torna mais vasto, 4 medida que vamos crescendo, E claro que, no entanto, os adolescentes funcionam como se tivessem uma capacidade mental superior a das crian- cas, Pelo menos trés aspectos do processamento da informacio parece contribuir para o aparecimento destas alteracdes funcio- nais: © aumento do conhecimento, a capacidade de pensar de um modo organizado e planeado e a capacidade de desempe- nhar, simultaneamente, varias fungdes mentais.

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