Jacobin Abcs

Machine Translated by Google

O ABC do Socialismo
The ABCs of Socialism foi produzido como uma

colaboração entre Verso Books e Jacobin
revista, que é lançada online e impressa
trimestralmente para mais de 15.000 assinantes.
Se você estiver interessado nas ideias deste livro, junte-

se a um grupo de leitura jacobino em mais de setenta
cidades ao redor do mundo.
Visite www.jacobinmag.com/reading-groups/ para

mais detalhes.
O ABC
do Socialismo
EDITADO POR
Bhaskar Sunkara
ILUSTRADO POR
Phil Wrigglesworth
Publicado pela primeira vez pela

Verso 2016 © Jacobin Foundation Ltd.
Todos os direitos reservados
Os direitos morais dos autores foram afirmados
Em direção a
Reino Unido: 6 Meard Street, Londres W1F 0EG

EUA: 20 Jay Street, Suite 1010, Brooklyn, NY 11201
Verso é a marca da New Left Books
ISBN-13: 978-1-78478-726-4
Catalogação da Biblioteca Britânica em Dados de Publicação

Um registro de catálogo para este livro está disponível no site britânico
Biblioteca
Dados de catalogação na publicação da Biblioteca do Congresso

Um registro de catálogo para este livro está disponível na Biblioteca do
Congresso
Composto em Antuérpia por tipo A2

Impresso nos EUA pela Sheridan Press
Entre centenas de outros, este livro foi possível

graças à generosidade de:
Saki Bailey
Danny Bates
João Erganian
Marshall Mayer
David Mehan
Mark Ó Dochartaigh
Brian Skiffington
Frederico Sperounis
Francisco Tseng
Nathan Zimmerman
Agradecimentos especiais ao Fundo

Educacional Anita L. Mishler (nitafund@gmail.com)
Autor
Este livro contém anotações no texto

para leitura adicional. Algumas
anotações contêm informações de 12345
hiperlink para referência direta a

artigos no arquivo online da Jacobin .
Basta copiar os dígitos incluídos na
anotação no final do seguinte URL para artigos relacion
www.jacobinmag.com/?p=12345
sobre os autores
Nicole Aschoff é editora-chefe da Jacobin

e autor de Os Novos Profetas do Capital.
Alyssa Battistoni é editora da Jacobin e estudante de

doutorado em ciências políticas na Universidade de Yale.
Jonah Birch é estudante de pós-graduação em

sociologia na Universidade de Nova York e editor
colaborador da Jacobin.
Vivek Chibber é professor de sociologia na Universidade

de Nova York. Seu último livro é Teoria Pós-colonial
e o Espectro do Capital.
Danny Katch é um colaborador do Socialist Worker

e o autor do Socialismo ... Sério.
Chris Maisano é editor colaborador da Jacobin

e um funcionário sindical em Nova York.
Nivedita Majumdar é professora associada de inglês

no John Jay College. Ela é secretária do Congresso de
Pessoal Profissional, do corpo docente e do
sindicato de funcionários da CUNY.
Michael A. McCarthy é professor assistente de sociologia

na Marquette University.
Joseph M. Schwartz é o vice-presidente nacional dos

Socialistas Democratas da América e
professor de ciência política na Temple University.
Bhaskar Sunkara é o editor fundador e editor da

Jacobin.
Keeanga-Yamahtta Taylor é professora

assistente no Centro de Pesquisa da Universidade de Princeton
Estudos Afro-Americanos e o autor
de De #BlackLivesMatter à Libertação Negra.
Adaner Usmani é estudante de graduação na

Universidade de Nova York e faz parte do conselho da New Politics.
Erik Olin Wright é professor de sociologia na Universidade

de Wisconsin-Madison. Seu último livro é
Alternativas ao Capitalismo: Propostas para uma
Economia Democrática.
10
A América já não é meio socialista?
12
22
Mas pelo menos
o capitalismo é livre e
democrático, certo?
O socialismo parece bom em

teoria, mas a natureza humana não
torna impossível a sua realização?
30
70
E quanto ao racismo? Os
socialistas não se preocupam apenas com a classe?
O socialismo e o
feminismo não
estão às vezes
em conflito?
82
104
Os socialistas são pacifistas?
Algumas guerras não são justificadas?
Um mundo mais democrático não

significaria apenas uma crise
ambiental maior?
94
Introdução
Conteúdo
36
Os ricos não merecem
ficar com a maior parte do seu dinheiro?
Os socialistas ficarão com meus

registros de Kenny Loggins?
46
O socialismo não acaba sempre

na ditadura?
52
O socialismo é
um conceito ocidental?
62
120
Por que os socialistas
falam tanto sobre os trabalhadores?
O socialismo
será chato?
128
Há pouco mais de um século, o

socialismo podia não ter sido uma
força de massas na política
americana, mas parecia destinado a tornar-se
Em 1912, o Partido Socialista
obteve quase um milhão de votos
nas eleições presidenciais, tinha
120.000 membros e elegeu mais de
mil socialistas para cargos públicos.
Prefeitos de cidades como Berkeley,
Flint, Milwaukee e Schenectady eram todos s
O mesmo aconteceu com um congressista, Victor
Berger, e dezenas de autoridades estaduais.
Naquele ano, só em Oklahoma foram

publicados onze semanários socialistas.
E em grupos do país – desde os
enclaves judeus do Lower East Side
até às cidades mineiras do Ocidente –
a “comunidade cooperativa” era o
sonho ao qual todos os outros apelos
políticos eram comparados.
Essa comunidade nunca existiu
e as décadas que se seguiram
seriam menos gentis com a
esquerda. Ainda houve revoltas e
vitórias, claro, e os socialistas
tiveram um bom desempenho,
ajudando a construir campanhas
contra a opressão e a exploração.
Mas à medida que entrámos no
século XXI, o socialismo nos Estados Unidos
10
atual e mais como um pedaço

moribundo da história americana.
Com o surgimento da campanha
de Bernie Sanders e de novos
movimentos pela democracia e pela
liberdade, isto pode estar a começar
a mudar. Todos os acontecimentos
deste ano apontam para o
surgimento dos “Democratas
Sanders”, um grupo que é
desproporcionalmente jovem e que
apela a redistribuição massiva de
riqueza e poder. Sanders é apenas
o começo; esta força continuará a lutar por um
Nos últimos seis meses, tivemos
mais conversas sobre socialismo, tanto
com amigos como com estranhos, do
que nos últimos seis anos. O número
de assinantes da Jacobin aumentou
centenas a cada semana, e nossa caixa
de entrada está inundada de e-mails
com perguntas básicas sobre definição de socialis
Não temos todas as respostas, mas este
livro foi feito para ajudar a resolver algumas
delas. O ABC do Socialismo
será útil nos próximos anos - não apenas
como uma cartilha para futuras gerações
de radicais, mas também como um artefato
de uma época em que a esquerda socialista
estava mais uma vez cheia de promessas.
Como essa história termina depende de nós.
O ABC do Socialismo 11
A América já não é
meio socialista?
Chris Maisano
Se você passa muito tempo nas redes

sociais, provavelmente já viu memes que
pretendem mostrar o quão socialista os
Estados Unidos já são, listando vários
programas, serviços e agências
governamentais. Há muitas variações
sobre o tema, mas a minha favorita lista
nada menos que cinquenta e cinco
programas ostensivamente socialistas,
cuja única coisa em comum é que o Tio Sam executa todos e
Alguns atendem diretamente às necessidades
sociais e envolvem alguma medida de redistribuição
de renda (bibliotecas públicas, assistência social, assistência social).

programa, Segurança Social, vale-refeição).
Alguns parecem envolvidos sem nenhum
bom motivo (Alertas Amber? A Casa Branca?).
Outras são atividades operacionais
básicas que qualquer governo moderno,
independentemente da sua orientação
ideológica, realizaria (censo, bombeiros,
remoção de lixo e neve, esgotos,
iluminação pública). E outros ainda
envolvem o vasto aparato de coerção e força (departamentos
Enquanto as estruturas
fundamentais da economia
permanecerem inalteradas, a
acção estatal
beneficiará desproporcionalmente
os interesses capitalistas à custa
FBI, CIA, militares, tribunais, prisões e

cadeias).
Apesar de todas as virtudes de Bernie
Sanders, a sua campanha para presidente
apenas adensou a névoa da confusão
ideológica. Numa campanha eleitoral no
ano passado, ele endossou o pensamento
por trás do mais simplista desses memes:
“Quando você vai à sua biblioteca pública,
quando liga para o corpo de bombeiros ou
para a polícia, para que você pensa que
está ligando? Estas são instituições
socialistas.” Por esta lógica, qualquer tipo
de projecto colectivo financiado pelos
impostos e realizado através da acção governamental é social
Não é difícil ver o problema dessa linha
de pensamento. Num país tão profunda e
reflexivamente anti-estatista como os
Estados Unidos, a identificação do Formação
A
socialismo com o governo é talvez a pior

estratégia retórica possível que a esquerda
poderia adoptar. “Como o DMV? Então
você vai adorar o socialismo!” não é um
slogan que conquistará muitos
convertidos. Mais importante ainda,
confundir toda a acção governamental 23608
com o socialismo obriga-nos a defender muitas das formas m
14
aqueles que gostaríamos de abolir numa

sociedade livre e justa.
Uma coisa é identificar as bibliotecas
públicas com o socialismo. Operam de
acordo com princípios democráticos de
acesso e distribuição, prestando serviços a
todos, independentemente da capacidade
de pagamento de cada um. Seriam uma das
instituições mais importantes em qualquer
sociedade socialista digna desse nome. Mas
outra bem diferente é incluir a polícia. Se as
forças responsáveis pela morte de Sandra
Bland, Eric Garner e Rekia Boyd exemplificam
o socialismo em acção, então nenhuma
pessoa que queira liberdade e justiça deverá ser socialista.
A ideia de que qualquer actividade
governamental é sinónimo de socialismo
tem importantes implicações políticas e
estratégicas. Afinal de contas, se o nosso
país já fosse, pelo menos parcialmente,
socialista, então tudo o que teríamos de
fazer é continuar a expandir gradualmente o
governo. Não teríamos de alterar o objectivo
de quaisquer programas existentes, nem
teríamos de reformar as estruturas administrativas das agências
E porque todos esses programas
supostamente socialistas foram vencidos
sem desafiar fundamentalmente a
propriedade privada , não haveria
necessidade de um confronto decisivo com
os proprietários do capital e os seus aliados
políticos. Tudo o que teríamos de fazer é
eleger políticos simpáticos para cargos e
deixá-los legislar no seu caminho para ainda mais socialismo.
Os acadêmicos que ganham a vida estudando
política muitas vezes caem nessa armadilha.
Olhando simplesmente para a dimensão do
governo em termos de despesa global, muitos
argumentam que os EUA estão a tornar-se cada
vez mais socialistas, quer queiram quer não. Na
sua opinião, as grandes reformas sociais acontecerão quer queira quer
a população passiva passa a apoiar

programas bem-sucedidos somente
depois de terem sido legislados por
políticos e implementados por burocratas.
As despesas governamentais em programas
sociais e outras atividades poderão aumentar nas
próximas décadas devido ao envelhecimento da
população, à crise climática e a outros
desenvolvimentos. Mas o grande volume de
despesas pouco nos diz sobre a valência política
da acção governamental. É sempre necessário
colocar questões-chave sobre esta actividade
estatal : reforça ou enfraquece o poder daqueles
que possuem capital? Aumentará a nossa
subordinação à disciplina do mercado ou oferecer- 16716
nos-á mais liberdade relativamente às suas

exigências? Os
Houve uma série de iniciativas governamentais

em grande escala desde a década de 1980, mesmo
durante períodos de domínio político republicano .
Mas muitos dos maiores programas das últimas
décadas não fazem nada para fortalecer o poder Coveiros
dos trabalhadores.
O Crédito Fiscal sobre o Rendimento do
Trabalho (eitc) trouxe o alívio muito necessário
aos trabalhadores pobres, mas também serve
como um subsídio indirecto para os empregadores
com baixos salários. O Medicare Parte D oferece
alguns subsídios para idosos de baixa renda ,
mas é amplamente reconhecido como uma oferta
cara para a indústria de medicamentos prescritos.
O Obamacare aumentou a cobertura do
seguro de saúde, parcialmente através da
(contestada) expansão do Medicaid. Mas o
mandato individual serve apenas para aprofundar
a mercantilização, acrescentando milhões de
americanos ao sistema de seguros privado com
fins lucrativos. O plano de estímulo de 2009
provavelmente salvou o país de outra Grande
Depressão, mas foi inadequado à escala da crise
e pesou a favor da
16
cortes de impostos para empresas que simplesmente

embolsaram o dinheiro em vez de contratar novos
trabalhadores. A lista continua.
Por que isso acontece? Por um lado, os ricos
e poderosos investem pesadamente na actividade
política para promover os seus interesses e
bloquear reformas progressistas. No final do
ano passado, as contribuições de apenas 158
famílias e das empresas que possuem
( impressionantes 176 milhões de dólares)
representavam cerca de metade do financiamento
total na corrida presidencial de 2016. Através
dos seus gastos políticos e da influência que
estes adquirem, conseguiram moldar políticas
fiscais e outras políticas em seu próprio
benefício, uma vantagem reforçada por decisões
judiciais favoráveis (por exemplo, Citizens United) e actividades de lob
De acordo com um estudo amplamente
conhecido de 2014, realizado por dois cientistas
políticos, o domínio político dos ricos é agora
tão pronunciado que os cidadãos comuns
exercem influência “quase nula” sobre a elaboração de políticas gover
As classes média e alta também ocupam os
cargos mais importantes no governo, tanto
eleitos como nomeados. Partilham um conjunto
comum de ideias e valores baseados na
protecção do status quo e na repressão de
qualquer grande desafio a esse sistema,
especialmente aqueles que vêm da classe
trabalhadora e da esquerda.
Estas formas directas de influência não são
a única forma pela qual interesses poderosos
moldam a acção governamental. Afinal de
contas, os governos dependem de um nível
minimamente robusto de actividade económica
para se financiarem . As receitas fiscais ou o
financiamento da dívida de que os governos
dependem estão directamente relacionados com
o estado da economia capitalista e as suas taxas
de crescimento e rentabilidade. Se o nível de
actividade económica diminuir – talvez porque os capitalistas estão de
legislação que beneficie os trabalhadores —

o Estado terá cada vez mais dificuldade em
financiar as suas actividades. Isto, por sua
vez, leva a um declínio na sua legitimidade e
no seu nível de apoio popular.
Dado que a actividade económica é
significativamente determinada pelas decisões
de investimento dos capitalistas privados, estas
forças podem essencialmente vetar políticas 28175
governamentais que considerem serem contra os seus interesses.

Muitas vezes, se os capitalistas não forem O
induzidos a fazer investimentos através de

subsídios empresariais e outros incentivos,
simplesmente recusar-se-ão a investir.
Consequentemente, existe uma forte
tendência para os políticos e burocratas Shawn
alinharem as suas decisões políticas com os

interesses dos capitalistas no sector privado.
Preservar a “confiança empresarial” é um grande
constrangimento à formação de políticas e é
uma das principais razões pelas quais a acção
governamental é tantas vezes favorável aos
interesses capitalistas. É também como eles são
capazes de fundir os seus próprios interesses
com um interesse “público” ou “nacional” mais
amplo – sob um sistema capitalista, há alguma
verdade na sua afirmação.
Na ausência de organização
popular e de militância, a acção
governamental pouco fará para desviar
o equilíbrio de poder do capital para o
trabalho, ou para minar a disciplina de
mercado em vez de aprofundá-la.
Enquanto as estruturas fundamentais
da economia permanecerem
inalteradas, a acção estatal beneficiará
desproporcionalmente os interesses capitalistas à custa
Isto não quer dizer que as reformas
progressistas nunca possam ser ganhas
sob o capitalismo, ou que o governo seja
completamente imune à pressão pública. No entanto, tais reform
18
Na ausência de organização
popular e militância,
a ação governamental pouco
fará
para mudar o equilíbrio de
afastando o poder do
capital em direção ao trabalho.
só foram vencidas com o apoio de lutas

diretas e de massas contra os empregadores.
Simplesmente eleger políticos para
cargos públicos ou observar a expansão
do governo pelo seu próprio impulso
nunca foi, e nunca será, suficiente. O
poder económico é poder político, e sob
o capitalismo os proprietários do capital
terão sempre a capacidade de minar a
democracia popular – não importa quem esteja no Congresso
Ganhar o poder governamental e utilizá-
lo para quebrar o domínio da classe
capitalista é uma condição necessária para
iniciar a transição para o socialismo. Um
governo dirigido por um partido socialista
(ou uma coligação de partidos de esquerda
e da classe trabalhadora) agiria no sentido
de submeter as principais indústrias e
empresas da economia a alguma forma de controlo social. Mas s
As amargas experiências do século XX
ensinaram-nos que o socialismo não
promoverá a causa da liberdade humana se
as estruturas políticas e administrativas
do governo não forem completamente
democratizadas.
É aqui que a mobilização popular contínua

fora (e, se necessário, contra) das estruturas
políticas formais se torna absolutamente crucial.
Para resistir à inevitável reacção das forças
capitalistas e conservadoras, uma transição
socialista precisaria de recorrer ao apoio popular
em massa e à participação directa nos assuntos
do governo.
Isto implicaria não só a criação de órgãos

directamente democráticos que suplantassem
ou complementassem instituições representativas
como o Congresso, mas também a revisão
drástica das agências estatais e das estruturas
administrativas . Uma tal expansão do poder
popular seria necessária para expulsar o pessoal
comprometido com o antigo regime e para
transformar as burocracias muitas vezes
alienantes e repressivas que actualmente
administram os serviços públicos.
As escolas públicas, os departamentos de
assistência social, as agências de planeamento,
os tribunais e todas as outras agências
governamentais convidariam os trabalhadores e
os beneficiários a participar na concepção e implementação desses se
Os sindicatos do sector público poderiam
desempenhar um papel fundamental neste
esforço, organizando tanto os prestadores como
os utilizadores dos serviços públicos para
transformar radicalmente as estruturas administrativas do governo.
Somente sob estas condições a actividade
governamental seria sinónimo de socialismo
democrático. Em vez de propor um conceito
abstracto de “governo” contra as forças do
capital, deveríamos começar o árduo trabalho de
conceber e construir novas instituições que
possam tornar o governo do povo, pelo povo e
para o povo uma realidade. ÿ
20
Não, o socialismo
não é apenas mais governo –
trata-se de propriedade
e controle democráticos.
Mas pelo menos o

capitalismo é livre e
democrático, certo?
Erik Olin Wright
Nos Estados Unidos, muitos tomam como

certo que a liberdade e a democracia estão
inextricavelmente ligadas ao capitalismo.
Milton Friedman, no seu livro Capitalismo
e Liberdade, chegou ao ponto de
argumentar que o capitalismo era uma condição necessária pa
É certamente verdade que a aparência
e a propagação do capitalismo trouxe
consigo uma tremenda expansão das
liberdades individuais e, eventualmente,
lutas populares por formas mais
democráticas de organização política. A Ellen
alegação de que o capitalismo obstrui

A
fundamentalmente tanto a liberdade como

a democracia soará então estranha para muitos.
Dizer que o capitalismo restringe o
florescimento destes valores não significa
argumentar que o capitalismo foi contrário
à liberdade e à democracia em todos os
casos. Pelo contrário, através do
funcionamento dos seus processos mais
básicos, o capitalismo gera graves défices
tanto de liberdade como de democracia que nunca poderá reme
a emergência de certas formas limitadas de

liberdade e democracia, mas impõe um limite
baixo à sua futura realização.
No centro destes valores está a
autodeterminação: a crença de que as pessoas
devem ser capazes de decidir as condições
das suas próprias vidas em toda a extensão
possível . Quando uma ação de uma pessoa
afeta apenas essa pessoa, então ela deve ser
capaz de se envolver nessa atividade sem pedir
permissão a ninguém. Este é o contexto da
liberdade. Mas quando uma ação afeta a vida
de outras pessoas, essas outras pessoas
devem ter uma palavra a dizer na atividade.
Este é o contexto da democracia. Em ambos, a
principal preocupação é que as pessoas
mantenham o máximo controlo possível sobre
a forma que as suas vidas irão assumir.
Na prática, praticamente todas as escolhas
que uma pessoa faz terão algum efeito sobre
outras. É impossível que todos contribuam
para todas as decisões que lhes dizem respeito,
e qualquer sistema social que insistisse numa
participação democrática tão abrangente
imporia um fardo insuportável às pessoas. O
que precisamos, portanto, é de um conjunto
de regras para distinguir entre questões de
liberdade e aquelas de democracia. Na nossa
sociedade, tal distinção é geralmente feita com
referência à fronteira entre as esferas privada
e pública.
Não há nada de natural ou espontâneo
nesta linha entre o privado e o público;
ela é forjada e mantida por processos
sociais. As tarefas decorrentes destes
processos são complexas e
frequentemente contestadas. O Estado
impõe vigorosamente algumas fronteiras
públicas/privadas e deixa outras serem
mantidas ou dissolvidas como normas
sociais. Muitas vezes a fronteira entre o público e o privad
24
Mas pelo menos o capitalismo é livre e democrático, certo?
numa sociedade totalmente democrática, a

própria fronteira está sujeita à deliberação democrática.
O capitalismo constrói a fronteira entre as esferas
pública e privada de uma forma que restringe a
realização da verdadeira liberdade individual e reduz
o âmbito de uma democracia significativa. Existem
cinco maneiras pelas quais isso é facilmente
aparente.
1. “Trabalhar ou morrer de fome” não é liberdade
O capitalismo está ancorado na acumulação privada

de riqueza e na procura de rendimento através do
mercado. As desigualdades económicas que
resultam destas actividades “privadas” são
intrínsecas ao capitalismo e criam desigualdades
naquilo que o filósofo Philippe van Parijs chama de
“liberdade real”.
Seja o que for que possamos entender por
liberdade, ela deve incluir a capacidade de dizer
“não”. Uma pessoa rica pode decidir livremente não
trabalhar por um salário; uma pessoa pobre sem
meios de subsistência independentes não pode fazê-
lo facilmente.
Mas o valor da liberdade é mais profundo
Em Miya
do que isso. É também a capacidade de agir

positivamente nos próprios planos de vida – de
escolher não apenas uma resposta, mas a própria pergunta.
Os filhos de pais ricos podem fazer estágios não
remunerados para progredir na carreira; os filhos de 9534
pais pobres não podem.

O capitalismo priva muitas pessoas de liberdade
real neste sentido. A pobreza no meio da abundância
existe devido a uma equação directa entre os
recursos materiais e os recursos necessários para a
autodeterminação.
2. Os capitalistas decidem
A forma como a fronteira entre as esferas pública e

privada é traçada no capitalismo
exclui decisões cruciais, que afectam um grande

número de pessoas, do controlo democrático .
Talvez o direito mais fundamental que acompanha
a propriedade privada do capital seja o direito de
decidir investir e desinvestir estritamente com base
no interesse próprio.
A decisão de uma empresa de transferir a

produção de um local para outro é uma questão
privada, embora tenha um impacto radical na vida
de todos em ambos os locais. Mesmo que se
argumente que esta concentração de poder em
mãos privadas é necessária para a afectação
eficiente de recursos, a exclusão deste tipo de
decisões do controlo democrático dizima
inequivocamente a capacidade de autodeterminação
de todos, excepto dos proprietários do capital.
3. Nove às cinco é tirania
As empresas capitalistas podem ser

organizadas como ditaduras no local de
trabalho. Um componente essencial do poder
do proprietário de uma empresa é o direito de
dizer aos funcionários o que fazer. Essa é a
base do contrato de trabalho: o candidato a
emprego concorda em seguir as ordens do empregador em troca de
É claro que um empregador também é livre de
conceder aos trabalhadores uma autonomia
considerável e, em algumas situações, esta é a
forma de organização do trabalho que maximiza o
lucro. Mas tal autonomia é concedida ou negada de
acordo com a vontade do proprietário. Nenhuma
concepção robusta de autodeterminação permitiria
que a autonomia dependesse das preferências
privadas das elites.
Um defensor do capitalismo poderia responder
que um trabalhador que não gosta do governo do
patrão pode sempre pedir demissão. Mas como os trabalhadores
26
Mas pelo menos o capitalismo é livre e democrático, certo?
por definição, não possuem meios de

subsistência independentes, se desistirem
terão de procurar um novo emprego e, na
medida em que o emprego disponível
for em empresas capitalistas, continuarão
sujeitos aos ditames de um patrão.
4. Os governos têm de servir os

interesses dos capitalistas privados
O controlo privado sobre as principais decisões

de investimento cria uma pressão constante
sobre as autoridades públicas para O Chris
promulgarem regras favoráveis aos interesses

dos capitalistas. A ameaça do desinvestimento
e da mobilidade de capitais está sempre no
pano de fundo das discussões sobre políticas
públicas e, portanto, os políticos, qualquer que
seja a sua orientação ideológica, são forçados 1221
a preocupar-se em manter um “bom clima de negócios”.
Os valores democráticos são vazios
enquanto uma classe de cidadãos tiver
prioridade sobre todas as outras.
5. As elites controlam o sistema político
Finalmente, as pessoas ricas têm maior acesso

do que outras ao poder político. Este é o caso
em todas as democracias capitalistas, embora
a desigualdade do poder político baseada na
riqueza seja muito maior em alguns países do
que em outros.
Os mecanismos específicos para este
maior acesso são bastante variados:
contribuições para campanhas políticas;
financiar esforços de lobby; redes sociais
de elite de vários tipos; e subornos
diretos e outras formas de corrupção.
Nos Estados Unidos, não são apenas os
indivíduos ricos, mas também as empresas
capitalistas, que não enfrentam nenhuma restrição significativa à sua
capacidade de mobilizar recursos

privados para fins políticos. Este acesso
diferenciado ao poder político anula o
princípio mais básico da democracia.
•••
Estas consequências são endémicas ao

capitalismo como sistema económico. Isto não
significa que por vezes não possam ser mitigados
nas sociedades capitalistas. Em diferentes
épocas e lugares, muitas políticas foram erigidas
para compensar a deformação da liberdade e da
democracia causada pelo capitalismo.
As restrições públicas podem ser impostas
ao investimento privado de formas que corroem
a fronteira rígida entre o público e o privado ;
um sector público forte e formas activas de
investimento estatal podem enfraquecer a
ameaça da mobilidade de capitais; as restrições
à utilização da riqueza privada nas eleições e ao
financiamento público das campanhas políticas
podem reduzir o acesso privilegiado dos ricos
ao poder político; a legislação laboral pode
reforçar o poder colectivo dos trabalhadores
tanto na arena política como no local de trabalho;
e uma ampla variedade de políticas de bem-estar
social pode aumentar a liberdade real daqueles
que não têm acesso à riqueza privada.
Quando as condições políticas são adequadas,
as características antidemocráticas e impeditivas
da liberdade do capitalismo podem ser atenuadas,
mas não podem ser eliminadas. Dominar o
capitalismo desta forma tem sido o objectivo
central das políticas defendidas pelos socialistas
nas economias capitalistas em todo o mundo.
Mas para que a liberdade e a democracia

sejam plenamente realizadas, o capitalismo não
deve apenas ser domesticado. Deve ser superado.
28
Pode parecer que sim, mas

a liberdade e a
democracia genuínas não são
compatíveis com o capita
O socialismo parece
bom em teoria, mas a
natureza humana não
torna impossível a sua realizaçã
Adaner Usmani
e Bhaskar Sunkara
“Bom na teoria, ruim na prática.” As pessoas

que professam interesse no socialismo e na
ideia de uma sociedade sem exploração e
hierarquia deparam-se frequentemente com
esta resposta desdenhosa. Claro, o conceito
parece legal, mas as pessoas não são muito
legais, certo? Não será o capitalismo muito
mais adequado à natureza humana – uma
natureza dominada pela competitividade e pela venalidade?
Os socialistas não acreditam nestes truísmos.
Eles não vêem a história como uma mera
crónica de crueldade e egoísmo. Eles também
veem inúmeros atos de empatia, reciprocidade
e amor. As pessoas são complexas: fazem
coisas indescritíveis, mas também se
envolvem em atos notáveis de bondade e,
mesmo em situações difíceis, mostram
profundo respeito pelos outros.
Isso não significa que somos de plástico —
que não existe natureza humana.
Os progressistas por vezes fazem esta afirmação,
muitas vezes discutindo com aqueles que vêem as
pessoas como maximizadoras de utilidade que andam e falam.
Apesar das suas boas intenções, esta censura vai

longe demais.
Por pelo menos duas razões, os socialistas
estão comprometidos com a visão de que todos os
humanos partilham alguns interesses importantes.
A primeira é moral. A acusação dos socialistas de
como as sociedades actuais não conseguem
fornecer bens de primeira necessidade, como
alimentação e abrigo num mundo de abundância,
ou impedem o desenvolvimento de pessoas presas
a empregos ingratos, cansativos e mal remunerados,
baseia-se numa crença central (declarada ou não)
sobre a impulsos e interesses que animam as pessoas em todos os lugare
A nossa indignação pelo facto de aos indivíduos
ser negado o direito de viver vidas livres e plenas
está ancorada na ideia de que as pessoas são
inerentemente criativas e curiosas, e que o
capitalismo muitas vezes sufoca estas qualidades.
Simplificando, lutamos por um mundo mais livre e
gratificante porque todos, em todos os lugares, se
preocupam com a sua liberdade e realização.
Mas esta não é a única razão pela qual os
socialistas estão interessados nos impulsos
universais da humanidade. Ter uma concepção da
natureza humana também nos ajuda a dar sentido
ao mundo que nos rodeia. E ao ajudar-nos a
interpretar o mundo, também ajuda os nossos
esforços para o mudar.
Lutamos por um mundo

mais livre e gratificante porque
todos, em todos os
lugares, se preocupam com
a sua liberdade e realiz
32
A natureza humana torna o socialismo impossível?
Uma das nossas

principais tarefas como socialistas
ajudar a tornar a acção
colectiva uma escolha viável para
ainda mais pessoas.
Marx disse a famosa frase que “a história 12043
de toda a sociedade até agora existente é a

história das lutas de classes”. A resistência
à exploração e à opressão é uma constante O
ao longo da história — faz parte da natureza

humana tanto como a competitividade ou a
ganância. O mundo que nos rodeia está
Karl
repleto de casos de pessoas que defendem as suas vidas e dignid

E embora as estruturas sociais possam
moldar e restringir a acção individual, não
existem estruturas que destruam os direitos
e liberdades das pessoas sem convidar à resistência.
É claro que a história de toda a “ sociedade
até agora existente” é também um registo de
passividade e até de aquiescência. A acção
colectiva em massa contra a exploração e a
opressão é rara. Se os seres humanos em
todo o mundo estão empenhados em defender
os seus interesses individuais, porque não resistimos mais?
Bem, a visão de que todas as pessoas
têm incentivos para exigir liberdade e
realização não implica que terão sempre a
capacidade para o fazer. Mudar o mundo não
é tarefa fácil. Em circunstâncias normais, os
riscos associados à acção colectiva parecem
muitas vezes esmagadores.
Por exemplo, os trabalhadores que optam por
aderir a um sindicato ou entrar em greve para
melhorar as suas condições de trabalho podem
ser alvo do escrutínio dos seus patrões e até perder os seus empregos.
A acção colectiva exige que muitos indivíduos 23.500

diferentes decidam assumir estes riscos em
conjunto, por isso não é surpreendente que
seja incomum e na maior parte das vezes passageira. Unindo
Dito de outra forma, os socialistas não

acreditam que a ausência de movimentos de
massas seja um sinal de que as pessoas não têm
nenhum desejo inerente de reagir, ou pior, que os
nem sequer reconhecem quais são os seus

interesses. Pelo contrário, o protesto é incomum
porque as pessoas são inteligentes. Eles sabem
que no actual momento político a mudança é
uma esperança arriscada e distante, por isso desenvolvem outras estra
Mas às vezes as pessoas avançam e assumem
riscos. Eles organizam e constroem movimentos
progressistas a partir de baixo. A história está
repleta de exemplos de pessoas que lutam contra 23847
a exploração, e uma das nossas principais

tarefas como socialistas é apoiar estes
movimentos, para ajudar a tornar a acção
colectiva uma escolha viável para ainda mais pessoas.
Neste esforço — e na luta para definir os A
Bruce
valores de uma sociedade mais justa — seremos

ajudados, e não prejudicados, pela nossa natureza partilhada. ÿ
34
A nossa natureza
partilhada ajuda-nos, na
verdade, a construir e
definir os valores de uma sociedade
Os ricos não
merecem ficar com a
maior parte do seu dinheiro?
Michael A. McCarthy
Magnatas da tecnologia, artistas adorados e

atletas deslumbrantes quase sempre aparecem
em debates acalorados sobre impostos. Você
não gosta do seu iPod? E quanto a Harry Potter?
Economistas neoliberais argumentam que
figuras como Steve Jobs, JK Rowling e
LeBron James deveriam ganhar mais
dinheiro do que o resto de nós. Afinal, nós — os consumidores
são aqueles que compram seus produtos. Os
seus salários mais elevados criam o incentivo
necessário para o trabalho árduo e a inovação
de que até os preguiçosos entre nós beneficiam.
Por mais intuitivo que possa parecer, essa
visão não se sustenta. Os defensores de
impostos baixos sobre os ricos escolhem
deliberadamente exemplos da tecnologia e do
entretenimento, sugerindo que a elite são
grandes inovadores, verdadeiramente feitos
de uma roupagem diferente. Mas uma olhada
na lista dos CEOs mais bem pagos dos
Estados Unidos nos diz o contrário. O
executivo mais bem pago é David Zaslav, da
Discovery Communications , que faturou mais de US$ 150 milhões e
A justificação socialista para os

impostos baseia-se numa
visão – nem sempre
capturado em pesquisas de opinião -
sobre como a riqueza
capitalista é realmente criada.
empreendimento humano? Ajudando a transmitir

“Here Comes Honey Boo Boo”.
A maioria das pessoas entende isso e acredita
que os ricos deveriam pagar mais impostos.
De acordo com uma sondagem Gallup de 2015, 62
por cento acreditam que os trabalhadores com
rendimentos mais elevados são tributados “muito
pouco”, enquanto apenas 25 por cento pensam que
pagam a sua “parte justa”. 69 por cento acreditam
que as empresas não são suficientemente tributadas,
enquanto apenas 16 por cento estavam satisfeitos
com as taxas actuais . Mas a justificação socialista
para os impostos baseia-se numa visão – muitas
vezes não captada nas sondagens de opinião – sobre
como a riqueza capitalista é realmente criada. Para
explorá-lo, primeiro precisamos de compreender o que são os impostos e o q
A política fiscal faz duas coisas na

sociedade capitalista. Em primeiro lugar,
determina que parte do bolo económico
total será gerida pelo público, sob a forma
de receitas do governo, e quanto será
deixado ao uso de intervenientes privados,
como indivíduos e empresas. Em segundo
lugar, estipula como essa participação
pública é dividida entre as necessidades e
desejos concorrentes de indivíduos,
organizações e corporações. A primeira
diz respeito ao controle de recursos, enquanto a segunda é um
38
Os ricos não merecem ficar com a maior parte do seu dinheiro?
Mesmo quando um governo obtém receitas

fiscais elevadas, não as destina necessariamente
a fins progressistas. Basta considerar os
enormes benefícios que fluem para as empresas
através de subsídios ou de investigação e 20206
desenvolvimento apoiados pelo Estado, e é

fácil ver como os governos podem redistribuir
Inovação
para cima, para baixo ou horizontalmente.

Numa economia capitalista, onde os recursos
produtivos continuam a ser propriedade
privada, os socialistas apelam a que uma parte
significativa do produto social seja controlada
Tony
publicamente e redistribuída democraticamente para baixo.

No entanto, nos Estados Unidos de hoje, a
visão libertária de que “tributação é roubo”
penetrou tão profundamente nas concepções
cotidianas de propriedade que mesmo aqueles
que apoiam a tributação progressiva muitas
vezes aceitam a premissa de que existe uma
renda antes de impostos que as pessoas
ganham e deveriam próprio. Mesmo o credo
liberal de que todos precisam de “fazer a sua
parte justa” baseia-se na ideia implícita de que
tanto os trabalhadores como o capital pagam
impostos por obrigação cívica de abdicar de parte do que lhes perte
Pelas mesmas razões, os libertários
argumentam que se a renda antes dos impostos
é o produto direto do esforço de uma pessoa
ou empresa, deveria ser deles para usá-la como acharem adequado.
Nesta perspectiva, mesmo que o governo
tenha decidido democraticamente tributar os
ricos a uma taxa mais elevada, a tributação
continua a ser fundamentalmente injusta. Na
formulação extrema do filósofo político
libertário Robert Nozick, “a tributação dos
rendimentos do trabalho está no mesmo nível do trabalho forçado”.
Esse ponto de vista foi criticado com razão
pelos progressistas. Mas os socialistas não
deveriam recorrer ao critério liberal comum
para a tributação: que a capacidade de
pagamento de uma pessoa ou empresa deveria
determinar o valor que eles pagam. A conhecida

justificação circula mesmo entre os esquerdistas,
que ouvem nela um eco do ditado “de cada um de
acordo com as suas capacidades , para cada um
de acordo com as suas necessidades”.
Essa perspectiva sugere uma de duas coisas,
ambas imprecisas. Primeiro, que os impostos são
uma espécie de mal necessário para aqueles que
são tributados. Embora o rendimento antes de
impostos de uma pessoa ou empresa seja o
resultado do seu próprio trabalho, é mais prático
para a sociedade tributar parte desse rendimento
para fins públicos do que deixá- lo sob controlo
privado. Ou, alternativamente, que tributar mais
os ricos é apenas ser justo.
Ambas as visões nos levam de volta ao
emaranhado libertário – uma tal política fiscal 12084
ainda não viola os direitos do indivíduo? A justiça

deveria então superar os direitos individuais? E o
argumento socialista a favor de uma tributação
progressiva pesada não viola também, em última Os
análise, os direitos do indivíduo? Por que os

socialistas odeiam tanto a liberdade?
Limites
A visão socialista da redistribuição dentro

de uma sociedade capitalista deve rejeitar
uma premissa importante em jogo em quase
todos os debates sobre política fiscal: que o
rendimento antes de impostos é algo ganho
exclusivamente pelo esforço individual e
possuído privadamente antes de o Estado
intervir para participar. disso. Quando
rompemos com esta fantasia libertária, é fácil
ver que o rendimento individual e empresarial
só é possível através de acção estatal financiada por impostos.
A economia capitalista não é auto- regulada.
A primeira pré-condição para as empresas obterem
lucros são os direitos de propriedade impostos
pelo Estado, que conferem a algumas pessoas a
propriedade e o controlo sobre os recursos
produtivos, ao mesmo tempo que excluem outras. Em segundo lugar, os
40
têm de gerir os mercados de trabalho para ajudar a

garantir que as necessidades de competências das
empresas são satisfeitas. Os Estados fazem isso

através da definição de políticas de imigração e
educação. Todos os estados capitalistas também
tentam mitigar os riscos do mercado de trabalho,
seja o risco de escassez de mão-de-obra para as
empresas ou de desemprego para os trabalhadores.
Terceiro, a maioria dos capitalistas quer que os
Estados apliquem leis anti-trust, contratuais,
criminais, de propriedade e de responsabilidade civil,

uma vez que isso torna as interacções de mercado
mais previsíveis e fiáveis. E, finalmente, a economia
capitalista precisa de uma infra- estrutura funcional.
Mesmo a maioria dos libertários argumenta que o
controlo estatal sobre a oferta monetária e as taxas de juro é necessário para
Tudo isso é feito com impostos. Em suma, a
própria noção de rendimento ou lucros antes de
impostos é um truque de contabilidade. O rendimento
de uma pessoa ou os lucros de uma empresa são,
em parte, o resultado da cobrança de impostos pelos
governos e da criação activa de condições sob as
quais foram capazes de ganhar dinheiro, em primeiro
lugar. Neste quadro, “tributar os ricos” não é apenas
um grito de despeito ou uma exigência de justiça.
A defesa socialista da tributação e da

redistribuição progressiva é construída a partir de
três factores básicos de como o capitalismo funciona.
Em primeiro lugar, tal como acabamos de explorar,
os rendimentos pessoais e os lucros empresariais
não são simplesmente o resultado do trabalho
individual e da competição empresarial – em vez
disso, fazem parte de um produto social mais amplo.
O rendimento total gerado numa sociedade
capitalista é o resultado de um esforço social
colectivo, tornado possível por uma arquitectura
social e jurídica específica, e canalizado através de
instituições financiadas tanto pelo sector público como por instituições contr
Em segundo lugar, a desigualdade de

classe que resulta da produção deste produto social
é relacional. Os capitalistas só conseguem

acumular grandes reservas de riqueza porque os
trabalhadores não o fazem. Se todas as coisas
permanecerem iguais, as empresas podem
aumentar os seus lucros na proporção inversa
dos custos laborais que suportam. A condição
para esta relação é, mais uma vez, política e
mantida através da receita fiscal. As empresas
dependem dos Estados para fazer cumprir os
direitos de propriedade e os contratos que mantêm
a propriedade dos recursos produtivos da
sociedade — os seus meios de produção — nas
mãos de muito poucos. Como resultado, no
capitalismo, a maioria das pessoas trabalha para
outras pessoas; eles não contratam outros para
trabalhar para eles. E os capitalistas empregam
trabalhadores apenas quando acreditam que os esforços desses trabalh
fazer o contrário seria suicídio de mercado.
É claro que o trabalho árduo, a astúcia e a
sorte proporcionam a alguns trabalhadores a
capacidade de se tornarem capitalistas. Mas a
estrutura básica do capitalismo, na qual um
O
direito
pequeno número possui a maior parte dos activos

produtivos, garante que a grande maioria das
pessoas irá (na melhor das hipóteses) passar a
vida a ganhar salários, mas nunca lucros. A
tributação proporciona uma solução parcial para
essa desigualdade estrutural essencial da sociedade capitalista.
Terceiro, a redistribuição através da 23818
tributação é um meio de ampliar a liberdade individual –

não restringindo-o, como afirmam os libertários.
A liberdade, segundo o teórico liberal Isaiah
Berlin, tem uma dupla composição. Por um lado,
existe a liberdade negativa, a ausência de coerção
ou “liberdade de” que é a marca registrada das
concepções mais comuns de liberdade nos
Estados Unidos hoje. No que diz respeito à
coerção, os impostos financiam uma variedade
de disposições públicas que oferecem aos
cidadãos alguma medida de liberdade face à
tirania privada das empresas. Eles formam o
42
A própria noção de
rendimento ou lucros
antes dos
impostos é um truque de contabi
toda a base do aparelho estatal que, num

sistema capitalista, é a única força cujo poder
excede o da classe capitalista como um todo.
Sem leis que proíbam a escravatura, escritas

pelas legislaturas e aplicadas em tribunais
sustentados pelos cofres públicos, as pessoas
seriam obrigadas, pela ameaça de violência ou
pela fome, a trabalhar sem dinheiro algum. Sem
regulamentos, como os que exigem pelo menos
um mínimo de segurança no local de trabalho
ou os que obrigam a gestão a envolver-se na
negociação colectiva, os trabalhadores
perderiam o pouco que têm a dizer sobre a
forma como o seu trabalho é organizado.
No contexto da política fiscal, contudo, a
liberdade positiva também é importante. A verdade
A
liberdade positiva é a “capacidade de” – a

capacidade de fazer coisas e a possibilidade de
selecionar objetivos e fazer esforços para realizá-los.
Essa liberdade requer recursos. Nas
sociedades capitalistas com baixos níveis
de redistribuição , a liberdade positiva é uma soma
27860zero
jogo em que alguns desfrutam de muitas

dessas habilidades em detrimento de muitos outros.
Não se pode dizer que a política fiscal que divide
o produto social de tal forma que permite a
algumas pessoas viver vidas opulentas enquanto
outras sobrevivem, promove a liberdade. O
sistema de educação pública, por exemplo, que
oferece aos cidadãos a oportunidade de
desenvolver conhecimentos e competências na prossecução de objec
e ambições individuais, é uma base de

liberdade positiva que só pode ser
sustentada através de impostos.
Numa sociedade verdadeiramente
socialista, a combinação de igualdade
política e económica ofereceria a todos um
grau muito maior de liberdade negativa e
positiva do que aquele que desfrutam sob
o capitalismo. Até percebermos esse
mundo, a redistribuição progressiva através
da tributação é tanto um meio de corrigir
as desigualdades estruturais como a
principal forma de expandirmos e alargarmos a liberdade ao ma
Mas estamos no caminho errado.
Ao longo das últimas décadas, os ganhos financeiros
resultantes da crescente produtividade do trabalho
fluíram principalmente para o topo, enquanto as taxas de
impostos sobre os trabalhadores com maiores rendimentos
foram drasticamente reduzidas e aproximam-se agora dos níveis anteriores ao New D
Mesmo um aumento modesto da carga fiscal
total sobre 1 por cento dos que mais ganham,
para uma taxa de 45 por cento, muito inferior aos O
que
níveis do pós-guerra, traria receitas adicionais

de 275 mil milhões de dólares. Isso é muito mais
do que apenas os 47 mil milhões de dólares
necessários para tornar todas as faculdades e
universidades públicas gratuitas. Esses aumentos
também contribuem muito para gerar as receitas 28787
necessárias para financiar um sistema universal

de cuidados de saúde, aumentar os benefícios
da Segurança Social e reconstruir as nossas infra-estruturas em ruínas
A maioria concordaria que todos nós
merecemos viver numa sociedade onde
recebemos o que merecemos, somos livres e
temos a capacidade de ser criativos e atingir o
nosso potencial. Por mais pouco glamoroso
que possa parecer, a tributação redistributiva é
um passo nesta direcção. Os ricos não ganharam
a sua riqueza – eles apenas a guardam para nós. ÿ
44
A riqueza é criada
socialmente – a redistribuição
apenas permite que
mais pessoas desfrutem dos
frutos do seu trabalho.
Os socialistas ficarão com

meus registros de Kenny Loggins?
Bhaskar Sunkara
O icônico single de John Lennon,

“Imagine”, de 1971, pede aos ouvintes que
visualizem um mundo sem posses, sem
ganância ou fome, no qual os tesouros da
Terra sejam compartilhados por toda a
humanidade. Não é surpreendente que a
canção tenha se tornado um hino para
gerações de sonhadores, mas também
capta algo sobre a visão socialista – o
desejo poderoso de acabar com a miséria
e a opressão e ajudar cada pessoa a atingir o seu potencial m
Mas o quadro pintado pela música de
Lennon pode ser um pouco preocupante para
aqueles de nós que não querem um mundo
sem bens pessoais – uma espécie de comuna
global onde somos forçados a usar pulseiras
de cânhamo e compartilhar nossos discos de Kenny Loggins.
Felizmente, os socialistas não estão
interessados em coletivizar a sua música.
Não é porque não amamos Loggins.
Simplesmente não queremos um mundo
sem propriedade pessoal – as coisas
destinadas ao consumo individual. Em vez disso, os socialist
uma sociedade sem propriedade privada – as

coisas que dão às pessoas que as possuem
poder sobre aquelas que não as possuem.
O poder criado pela propriedade privada é
expresso mais claramente no mercado de
trabalho, onde os proprietários de empresas
decidem quem merece e quem não merece um
emprego, e são capazes de impor condições de
trabalho que, se tivessem uma alternativa justa,
as pessoas comuns de outra forma não
conseguiriam. rejeitar. E embora os trabalhadores
realizem a maior parte do trabalho real , os
proprietários têm uma palavra a dizer
unilateralmente sobre a forma como os lucros
são divididos e não compensam os empregados
por todo o valor que produzem. Os socialistas chamam este fenómeno d
A exploração não é exclusiva do capitalismo.
Está presente em qualquer sociedade de classes
e significa simplesmente que algumas pessoas
são obrigadas a trabalhar sob a direção e em
benefício de outras. Um
Lois
Em comparação com os sistemas de

escravatura ou de servidão, as dificuldades que
muitos trabalhadores enfrentam hoje são menos
óbvias de imediato. Na maioria dos países, eles
têm protecções legais reais e podem pagar as
necessidades básicas – resultado de batalhas 24811
vencidas pelos movimentos laborais para limitar o âmbito e a intensidad

Mas a exploração só é mitigada no capitalismo,
nunca eliminada. Considere este exemplo
(reconhecidamente abstrato): digamos que você
esteja recebendo US$ 15 por hora do proprietário
de uma empresa estável e lucrativa.
Você trabalha lá há cinco anos e dedica cerca de
sessenta horas por semana.
Não importa como seja o seu trabalho -
seja fácil ou cansativo, chato ou emocionante -
uma coisa é certa: seu trabalho está rendendo
mais (provavelmente muito mais) do que US$ 15
por hora para seu chefe. Essa diferença
persistente entre o que você produz e
48
Os socialistas ficarão com meus registros de Kenny Loggins?
Mudar radicalmente
as coisas significaria
eliminar a fonte do
poder dos capitalistas: a
propriedade privada da prop
o que você recebe em troca é

exploração – uma fonte chave de
lucros e riqueza no capitalismo.
E, claro, com o seu salário você é forçado
a comprar todas as coisas necessárias para
uma vida boa – habitação, cuidados de saúde,
cuidados infantis, educação universitária –
que também são mercadorias, produzidas por
outros trabalhadores que não são totalmente
remunerados. por seus esforços também.
O Seth
Mudar radicalmente as coisas significaria

eliminar a fonte do poder dos capitalistas: a
propriedade privada da propriedade.
Numa sociedade socialista – mesmo
numa sociedade em que os mercados são 5487
mantidos em esferas como os bens de

consumo – você e os seus colegas de
trabalho não passariam o dia a enriquecer
os outros. Você manteria muito mais do
valor que produziu. Isto poderia traduzir-
se num maior conforto material ou,
alternativamente , na possibilidade de Perseguindo
a
decidir trabalhar menos sem perda de remuneração para pode

Isso pode parecer uma quimera, mas é
totalmente plausível. Trabalhadores em todos
os níveis de design, produção e entrega sabem
como fazer as coisas que a sociedade precisa –
eles fazem isso todos os dias. Eles podem 29390
administrar seus locais de trabalho coletivamente, eliminando o
intermediários que possuem propriedades privadas.

Na verdade, o controlo democrático sobre os
nossos locais de trabalho e as outras instituições
que moldam as nossas comunidades é a chave
para acabar com a exploração.
Essa é a visão socialista: abolir a propriedade
privada das coisas que todos necessitamos e
usamos – fábricas, bancos, escritórios,
recursos naturais, serviços públicos, infra-
estruturas de comunicação e transporte – e
substituí-la pela propriedade social, minando
assim o poder das elites de acumular bens.
riqueza e poder. E esse é também o apelo ético
do socialismo: um mundo onde as pessoas não
tentem controlar os outros para ganho pessoal,
mas em vez disso cooperem para que todos
possam florescer.
Chris
Trabalhando
Quanto aos bens pessoais, você pode manter

seus registros Kenny Loggins.
Na verdade, numa sociedade livre das crises
económicas destrutivas endémicas do
capitalismo, com mais segurança no emprego e 4836
com necessidades removidas da esfera do

mercado, a sua colecção de discos estaria livre
da zona de perigo porque não teria de penhorá-
lo para obter dinheiro do aluguel.
Em poucas palavras, isso é socialismo:
menos John Lennon, mais Kenny Loggins. ÿ
50
Os socialistas querem um
mundo sem propriedade
privada, e não propriedade pessoa
Você pode ficar com sua
música terrível.
O socialismo
não termina
sempre em ditadura?
José M. Schwartz
Foi ensinado a uma geração de americanos

que a Guerra Fria foi travada entre a
liberdade e a tirania, com o resultado ganho
de forma decisiva a favor do capitalismo
democrático. O socialismo, de todos os
matizes, foi confundido com os crimes da
União Soviética e condenado ao lixo das
más ideias.
No entanto, muitos socialistas eram
oponentes consistentes do autoritarismo
tanto de esquerda como de direita. O próprio
Marx compreendeu que só através do poder
dos seus números democráticos os
trabalhadores poderiam criar uma sociedade
socialista. Para esse fim, O Manifesto
Comunista termina com um apelo aos
trabalhadores para que ganhem a batalha
pela democracia contra as forças aristocráticas e reaccionárias
Legiões de socialistas seguiram este
caminho, defendendo ardentemente os
direitos políticos e civis, ao mesmo tempo
que lutavam para democratizar o controlo
sobre a vida económica e cultural através da expansão dos direito
democracia no local de trabalho. Apesar da

afirmação comum de que “capitalismo é igual
a democracia ”, os próprios capitalistas,
ausentes da pressão de uma classe
trabalhadora organizada, nunca apoiaram
reformas democráticas. Embora o sufrágio
universal para os homens brancos tenha
chegado aos Estados Unidos no período
jacksoniano, os socialistas europeus tiveram
de lutar até ao final do século XIX contra os
regimes capitalistas autoritários na Alemanha,
França, Itália e outros lugares para conseguir
o voto nos trabalhadores. classe e homens
pobres. Os socialistas ganharam apoio popular
como os defensores mais consistentes do
sufrágio universal masculino - e, eventualmente,
do sufrágio feminino - bem como do direito legal de formar sindicato
Os socialistas e os seus aliados no
movimento operário também compreenderam
há muito tempo que as pessoas num estado
de extrema necessidade não podem ser
pessoas livres. Assim, a tradição socialista é
popularmente identificada fora dos Estados
Unidos com a conquista da provisão pública
de educação, cuidados de saúde, cuidados
infantis e pensões de velhice e dentro dos Estados Unidos por apoia
Para muitos socialistas, o apoio às
reformas democráticas era incondicional;
mas eles também acreditavam que o poder de classe precisava
Embora critiquem o
capitalismo como
antidemocrático, os
socialistas
democráticos têm-se oposto
consistentemente a governos auto
54
O socialismo não termina sempre em ditadura?
a restrição do poder do capital tinha de ser

promovida para que os trabalhadores
pudessem controlar totalmente o seu
destino social e económico. Embora
criticassem o capitalismo como
antidemocrático, os socialistas
democráticos opuseram-se consistentemente a governos auto
Revolucionários como Rosa
Luxemburgo e Victor Serge criticaram o
regime soviético inicial por proibir os
partidos da oposição , eliminar experiências
de democracia no local de trabalho e não
abraçar o pluralismo político e as A
Rosa
liberdades civis. Se o Estado possui os

meios de produção, a questão permanece:
quão democrático é o Estado? Como
escreveu Luxemburgo no seu panfleto de 1918 sobre a Revol
Sem eleições gerais, sem liberdade de

imprensa, liberdade de expressão,
liberdade de reunião, sem a livre
batalha de opiniões, a vida em todas
as instituições públicas definha, torna-
se uma caricatura de si mesma, e a
burocracia surge como o único factor decisivo.
Luxemburgo compreendeu que a Comuna

de Paris de 1871, a breve experiência de
democracia radical a que Marx e Engels
se referiram como um verdadeiro governo Carlos
da classe trabalhadora , tinha múltiplos

partidos políticos no seu conselho
A
municipal, apenas um dos quais era

afiliado à Internacional de Marx.
Associação dos Trabalhadores. Fiéis a
estes valores, os socialistas, os
comunistas dissidentes e os sindicalistas
independentes lideraram as rebeliões
democráticas contra o regime comunista
na Alemanha Oriental em 1953, na Hungria
em 1956 e na Polónia em 1956, 1968 e
1980. Os socialistas democráticos também lideraram a breve,
Governo Dubÿek na Checoslováquia em 1968.

Todas estas rebeliões foram esmagadas pelos
tanques soviéticos.
A queda da União Soviética, contudo,
dificilmente significou a conquista da democracia.
Os socialistas rejeitam a afirmação de que a
democracia capitalista é totalmente democrática.
Na verdade, os ricos abandonaram o seu
compromisso até mesmo com a democracia básica
quando se sentiram ameaçados pelos movimentos dos trabalhadores.
A análise de Marx em O Dezoito Brumário
sobre o apoio capitalista francês ao golpe
de Luís Napoleão contra a Segunda República
Francesa prefigura assustadoramente o
apoio posterior do capital ao fascismo na
década de 1930. Em ambos os casos, uma
pequena burguesia em declínio, uma classe
média sitiada e elites agrárias tradicionais
ganharam o apoio dos capitalistas para
frustrar a crescente militância da classe trabalhadora , derruband
Os regimes autoritários das décadas de 1970 e
1980 na América Latina também recorreram a um
apoio empresarial de natureza semelhante. Grande
parte do prestígio da esquerda europeia do pós-
guerra e da esquerda latino-americana de hoje
resultou do facto de serem os opositores mais
consistentes do fascismo.
Os movimentos socialistas e anticoloniais do
século XX compreenderam que os objectivos
democráticos revolucionários de igualdade,
liberdade e fraternidade não poderiam ser
realizados se o poder económico desigual pudesse
ser transformado em poder político e se os
trabalhadores fossem dominados pelo capital.
Os socialistas lutam pela democracia económica
com base na crença democrática radical de que
“o que diz respeito a todos deve ser decidido por todos”.
O argumento capitalista de que a escolha
individual no mercado é igual à liberdade
mascara a realidade de que o capitalismo é
um sistema antidemocrático no qual a maioria das pessoas
56
passam grande parte da vida sendo “mandados”.

As corporações são formas de ditaduras
hierárquicas , uma vez que aqueles que nelas
trabalham não têm voz sobre como produzem,
o que produzem e como é utilizado o lucro
que criam . Os democratas radicais acreditam
que a autoridade vinculativa (não apenas a
lei, mas também o poder de determinar a
divisão do trabalho numa empresa) só é válida
se todos os membros da instituição afectados
pelas suas práticas tiverem voz igual na
tomada dessas decisões.
A democratização de uma economia
complexa assumiria provavelmente uma
variedade de formas institucionais, que vão
desde a propriedade dos trabalhadores e das
cooperativas, até à propriedade estatal de
instituições financeiras e monopólios naturais
(como as telecomunicações e a energia) —
bem como a regulamentação internacional das normas laborais e a
A estrutura global da economia seria
determinada através de políticas democráticas
e não por burocratas estatais. Mas a questão
permanece: como passar da oligarquia
capitalista para a democracia socialista?
No final da década de 1970, muitos
socialistas democráticos reconheceram que
a rentabilidade das empresas tinha sido
comprimida pelas restrições impostas ao
capital pelos movimentos laborais, feministas,
ambientais e anti- racistas da década de
Kjell
O
1960 . Eles compreenderam que os

capitalistas retaliariam através da mobilização política , da tercei
Assim, em toda a Europa, os socialistas
pressionaram por reformas destinadas a obter
um maior controlo público sobre o
investimento. O movimento laboral sueco 24895
abraçou o Plano Meidner, um programa que

teria tributado os lucros das empresas durante
um período de vinte e cinco anos para criar a
propriedade pública de grandes empresas. Uma coligação Socialis
François Mitterrand, que assumiu a 24164
presidência francesa em 1981, nacionalizou

30% da indústria francesa e reforçou
radicalmente os direitos de negociação colectiva.
Em resposta, o capital francês e sueco
investiu no estrangeiro em vez de o fazer no
país, criando uma recessão que travou estes Jonah
movimentos promissores em direcção ao socialismo democrático.

As
As políticas de Thatcher e Reagan, que deram

início a mais de trinta anos de dessindicalização
e cortes na rede de segurança, confirmaram a
previsão da esquerda de que ou os socialistas
iriam além do Estado-providência para o
controlo democrático sobre o capital ou o
poder capitalista corroeria os ganhos do social-
democracia do pós-guerra.
Hoje, os socialistas de todo o mundo
enfrentam o desafio assustador de como
reconstruir um poder político da classe
trabalhadora suficientemente forte para
derrotar o consenso tanto dos conservadores
como dos social-democratas da Terceira Via a favor da austeridade
Mas e quanto aos muitos governos no
mundo em desenvolvimento que ainda se
autodenominam socialistas, especialmente
Estados de partido único? Em muitos aspectos,
os estados comunistas de partido único
tinham mais em comum com os antigos
estados capitalistas autoritários
“desenvolvimentistas” – como a Prússia e o
Japão do final do século XIX, e a Coreia do Sul
e Taiwan do pós-guerra – do que com a visão
do socialismo democrático. Estes governos
priorizaram a industrialização liderada pelo
Estado em detrimento dos direitos democráticos, especialmente os
Nem Marx nem o socialismo europeu
clássico previram que os partidos socialistas
revolucionários poderiam tomar o poder mais
facilmente em sociedades predominantemente
agrárias e autocráticas. Em parte, estes
partidos baseavam-se numa classe trabalhadora nascente radicaliza
58
Os socialistas lutam
pela democracia económica com
base na crença radical de
que “o que diz respeito a todos
deve ser decidido por tod
pela exploração do capital estrangeiro. Mas na

China e na Rússia, os comunistas também
chegaram ao poder porque a aristocracia e os
senhores da guerra não conseguiram defender
o povo contra invasões – os exércitos
camponeses derrotados queriam paz e terra. A
tradição marxista tinha pouco a dizer sobre
como as sociedades predominantemente
agrárias e pós-coloniais poderiam desenvolver-
se de forma equitativa e democrática . O que a
história nos diz é que tentar forçar os
camponeses que tinham acabado de receber
terras privadas dos revolucionários comunistas
a regressar às explorações agrícolas colectivas
estatais resulta em guerras civis brutais que atrasam o desenvolvim
As reformas económicas contemporâneas
na China, no Vietname e em Cuba favorecem
uma economia de mercado mista com um
papel significativo para o capital estrangeiro
e para os camponeses proprietários de terras China
Eli
privadas. Mas as elites de partido único que

instituíram estas experiências de pluralismo
económico quase sempre reprimiram os
defensores do pluralismo político, das
liberdades civis e dos direitos laborais. Apesar 3715
da contínua perseguição estatal, as crescentes

lutas trabalhistas independentes em lugares
como a China e o Vietname podem reavivar o
papel da classe trabalhadora na promoção da
democracia. É nesses movimentos, e não em governos autocráticos
É claro que também existe uma rica

história de experiências de socialismo
democrático no mundo em desenvolvimento,
que vai desde o governo de Unidade Popular
de Salvador Allende, no Chile, na década de
1970, até aos primeiros anos do governo de
Michael Manley, na Jamaica, nessa mesma
década. A “maré rosa” latino-americana na
Bolívia, na Venezuela , no Equador e no
Brasil representa hoje diversas experiências
no desenvolvimento democrático – embora
as suas políticas de governo dependam mais
da redistribuição dos rendimentos das
exportações de mercadorias do que da
reestruturação das relações de poder
económico. Mas o governo dos Estados
Unidos e os interesses capitalistas globais
trabalham consistentemente para minar até mesmo estes esforço
A CIA e a inteligência britânica derrubaram
o governo democraticamente eleito de
Mohammad Mosaddegh no Irão em 1954,
quando nacionalizou o petróleo britânico. O
Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial cortaram o crédito ao Chile e a CIA
ajudou activamente o brutal golpe militar de
Augusto Pinochet naquele país. Os Estados
Unidos também conspiraram com o FMI para
espremer a economia jamaicana da era Manley.
A hostilidade capitalista até mesmo contra
governos reformistas moderados no mundo
em desenvolvimento não conhece limites. Os
EUA derrubaram à força o governo de
Jacobo Árbenz, na Guatemala, em 1954, e a
presidência de Juan Bosch, na República
Dominicana, em 1965, porque eram a favor
de uma modesta reforma agrária. Para os
estudantes de história , a questão não deveria
ser se o socialismo conduz necessariamente
à ditadura, mas se um movimento socialista
revivido pode superar a natureza oligárquica
e antidemocrática do capitalismo. ÿ
60
O socialismo é frequentemente
confundido com o autoritarismo.
Mas, historicamente, os
socialistas têm estado entre
os mais ferrenhos defensores da d
O socialismo é
um conceito ocidental?
Nivedita Majumdar
O socialismo está no ar. Regressou aos

Estados Unidos com a crise económica de
2008, que deixou clara para uma nova
geração a natureza exploradora do capitalismo
e desencadeou lutas para desafiar a
austeridade e a impressionante desigualdade
de rendimentos. Os activistas de vários
movimentos ajudaram a criar o ambiente em
que um candidato presidencial poderia falar
sobre o socialismo a nível nacional.
Embora possa não ser a figura mais
radical, Bernie Sanders, que se identifica
abertamente como socialista, está a atrair
dezenas de milhares de pessoas para a sua
campanha, subvertendo as expectativas de todos.
Não é nenhuma surpresa, então, que a ideia
do socialismo também enfrente um forte contra-ataque –
e não apenas da direita. Dentro da própria
esquerda, suspeita-se de um ideal que
muitos vêem como obstinadamente
focado nas questões económicas e
distante de outros sofrimentos quotidianos,
especialmente os das pessoas negras e pardas. Específico d
a evocação da social-democracia escandinava

suscitou críticas de que ele endossa uma
espécie de “excepcionalismo nórdico” que é
hostil à diversidade. Tais ataques, mesmo às
variedades mais moderadas do socialismo,
são alimentados , especialmente nos campi
universitários, por posições teóricas que vêem
o marxismo e muitos dos seus descendentes 7014
como irremediavelmente eurocêntricos.
A suposição subjacente a estas linhas de
ataque relacionadas é que o socialismo, uma
ideologia supostamente ocidental (e branca),
embora capaz de abordar as injustiças Como
económicas, permanece incapaz de falar com Vivek
a experiência vivida de opressão e discriminação

no Sul Global, bem como com os oprimidos.
grupos em outros lugares.
Existe alguma validade nesta crítica?
O ideal socialista assenta na crença de que
os trabalhadores de todo o mundo sofrem
às mãos dos capitalistas e partilham um
interesse comum em resistir à exploração.
Chamar a isto uma ideia estritamente
ocidental seria novidade para os mais de
1.100 trabalhadores do sector do vestuário
em Dhaka, Bangladesh, que foram mortos
em Abril de 2013, quando o edifício da 11608
Depois
fábrica Rana Plaza onde trabalhavam

desabou sobre eles. O prédio foi declarado
um risco à segurança, mas seus empregadores os forçaram a e
Dois anos após o colapso da fábrica, a
Human Rights Watch realizou um estudo do
detalhado das práticas industriais no Bangladesh.

Constatou-se uma retaliação severa em toda a
indústria contra a organização laboral, que é a
única salvaguarda eficaz contra condições de
trabalho perigosas e salários desanimadores.
Para impedir as actividades sindicais, os
proprietários das fábricas conduziram
rotineiramente campanhas cruéis de intimidação
e retaliação contra os trabalhadores, a maioria deles mulheres. Traba
64
O socialismo é um conceito ocidental?
Os líderes das iniciativas de organização não apenas

perderam seus empregos, mas foram frequentemente
colocados na lista negra de todo o setor.
Do outro lado do globo, em Abril de 2015, o

Walmart fechou cinco das suas lojas americanas,
despedindo 2.200 trabalhadores com apenas
algumas horas de antecedência. Embora a razão
declarada para os encerramentos tenha sido
“reparações de canalizações”, foi uma acção de
retaliação contra os trabalhadores que tentavam
organizar-se por um salário digno e melhores
condições de trabalho. O Walmart, onde os
trabalhadores fizeram recentemente greve de fome
para protestar contra os salários miseráveis, é o maior empregador de ne
mulheres.
Será eurocêntrico argumentar que os

trabalhadores do sector do vestuário do
Bangladesh têm tanto em jogo na luta pelos seus direitos económicos ?
por um sustento decente e segurança no emprego
– enquanto os trabalhadores são demitidos nas
lojas americanas do Walmart? Certamente os seus
gestores e proprietários de fábricas no Bangladesh não pensam assim.
Eles não estão menos preocupados e nem menos
hostis à ideia de organização dos trabalhadores
do que os gestores do Walmart.
Os capitalistas em todos os lugares vêem os
trabalhadores como uma fonte de lucro. Num
sistema movido exclusivamente pela motivação
do lucro, há pouco incentivo para atender às
necessidades dos trabalhadores além dos ditames
do mercado. E as leis do mercado, quaisquer que
sejam as reivindicações da economia neoclássica,
não são justas nem imparciais. O poder económico
e político superior do capital assegura que as leis
do mercado sejam sempre fixadas a seu favor.
Em ambos os contextos, contudo, uma análise
socialista aponta para outra realidade em funcionamento.
Contra todas as probabilidades, os trabalhadores
invariavelmente reagem . Mas é sempre uma
batalha agonizante, com o capital a usar todas as
armas do seu arsenal para esmagar a resistência dos trabalhadores. O
Os métodos grosseiros dos chefes incluem a

intimidação física quando conseguem escapar
impunes , como no Bangladesh, e manobras
mais polidas, como o encerramento de lojas
inteiras, como nos Estados Unidos. Para o
trabalho, o resultado da batalha é sempre
arriscado e imprevisível porque o capital
retalia contra a dissidência a cada passo.
Mas o capital também nunca poderá estar
totalmente tranquilo, porque a exploração em todo o lado gera res
O socialismo não é eurocêntrico porque a
lógica do capital é universal – e também o é a
resistência contra ele. As especificidades
culturais podem moldar alguns detalhes da
operação do capital de forma diferente nos
Estados Unidos e no Bangladesh, em França e
na Nicarágua, mas não alteram a sua
priorização fundamental dos lucros em
detrimento das pessoas. É por isso que, durante
mais de cem anos, muitos dos movimentos
sociais mais poderosos e abrangentes do Sul
Global foram inspirados pelo ideal socialista.
Quaisquer que sejam as suas diferenças,
líderes tão diversos como Mao Zedong na
China, Kwame Nkrumah no Gana, Walter
Rodney na Guiana, Chris Hani na África do
Sul, Amílcar Cabral na Guiné-Bissau, MN
Roy, na Índia, e Che Guevara, em toda a
América Latina, viam o socialismo como uma
teoria e uma prática não menos relevantes para
a sua experiência do que o era para os
sindicalistas europeus. E sim, estes
revolucionários também enfrentaram opositores
políticos que rejeitaram a sua causa como uma
teoria do Ocidente, inadequada às realidades
orientais: os líderes da direita religiosa, as classes proprietárias de t
Na fatídica manhã do desabamento do
Rana Plaza, os trabalhadores estavam
relutantes em entrar no prédio. Grandes
rachaduras apareceram nas paredes da
fábrica e os inspetores declararam o prédio como perigoso. Mas
66
O socialismo é um conceito ocidental?
a administração os forçou a começar a trabalhar.

Uma mãe devastada recordou mais tarde
que a sua filha de dezoito anos, que
morreu no colapso, tinha sido ameaçada
de perda de salário durante todo o mês
se decidisse não trabalhar naquele dia. Este é um tipo espec
11866
Por que somos marxistas

Nivedita Majumdar • Jacobina • 7.2.2014
que
preocupado
com
básico,
força
a
grande
maioria
de desumanização, nascida da privação e da

impotência e familiar aos trabalhadores em
todas as partes do mundo, que são forçados
a escolher entre o seu sustento e a sua
segurança. O socialismo identifica a fonte de
tal desumanização – propriedade privada e
exploração – e rejeita-a.
O capitalismo não oprime apenas os
trabalhadores no chão de fábrica. Cria
toda uma cultura em que a lógica da
opressão e da competição se torna senso
comum. Isso coloca as pessoas umas
contra as outras e contra sua própria
humanidade. Tal como o personagem de
Franz Kafka em A Metamorfose, Gregor
Samsa, as pessoas são alienadas do seu
eu humano, isoladas dos seus
semelhantes e torturadas pela perda de tudo o que poderia s
Não há nada de eurocêntrico em rejeitar
a lógica destrutiva do capital e lutar por um
mundo melhor que a substitua.
É a escolha genuinamente universal e
humana. ÿ
68
O socialismo
não é eurocêntrico
porque a lógica do
capital é universal – e
também o é a resistência con
E quanto ao racismo?
Os socialistas não se
preocupam apenas com a classe?

Keeanga-Yamahtta Taylor
Por mais de um ano, o movimento

“Black Lives Matter” dominou os Estados
Unidos. O slogan central do movimento
é um reconhecimento simples e
declarativo da humanidade negra numa
sociedade que é devastada pela
desigualdade económica e social que é
desproporcionalmente vivida pelos afro- americanos.
O movimento é relativamente novo, mas
A
pobreza
o racismo que o gerou não o é. De acordo

com todos os barómetros da sociedade
americana – cuidados de saúde , educação, emprego, pobreza –
Os afro-americanos estão em pior situação.
Os responsáveis eleitos de todo o espectro
político atribuem muitas vezes a culpa destas
disparidades à ausência de “responsabilidade
pessoal” ou vêem-nas como um fenómeno 13783
cultural específico dos afro-americanos.
Na realidade, a desigualdade racial tem
sido em grande parte produzida por políticas
governamentais e instituições privadas que
não só empobrecem os afro-americanos,
mas também os demonizam e criminalizam.
Ganhar brancos comuns

para um programa anti-
racista é uma componente
chave na construção de um
movimento de massas genuíno
e unificado, capaz de desafiar
No entanto, o racismo não é simplesmente

um produto de políticas públicas errôneas ou
mesmo de atitudes individuais de pessoas
brancas racistas – e compreender as raízes
do racismo na sociedade americana é fundamental para erradicá-lo
Elaborar melhores políticas públicas e proibir
comportamentos discriminatórios por parte de
indivíduos ou instituições não resolverá o
problema. E embora exista uma séria
necessidade de acção governamental que
proíba práticas que prejudicam grupos inteiros
de pessoas, estas estratégias não conseguem
compreender a escala e a profundidade da desigualdade racial nos E
Para compreender por que razão os
Estados Unidos parecem tão resistentes à
igualdade racial, temos de olhar para além das
acções dos funcionários eleitos ou mesmo
daqueles que prosperam com a discriminação
racial no sector privado. Temos que observar
a forma como a sociedade americana está
organizada sob o capitalismo.
Dividir para reinar
O capitalismo é um sistema económico

baseado na exploração de muitos por poucos.
Devido à enorme desigualdade que produz ,
o capitalismo depende de várias ferramentas
políticas, sociais e ideológicas para racionalizar
essa desigualdade e, ao mesmo tempo,
72
dividindo a maioria, que tem todo o

interesse em unir-se para lhe resistir.
Como é que o 1% mantém o seu controlo
desproporcional da riqueza e dos recursos
na sociedade americana? Através de um
processo de dividir para governar.
O racismo é apenas uma entre muitas
opressões destinadas a servir este propósito.
Por exemplo, o racismo americano
desenvolveu-se sob o regime de escravatura
como justificação para a escravização de
africanos numa altura em que o mundo
celebrava os conceitos de liberdade, liberdade e autodeterminação
A desumanização e a sujeição dos negros
tiveram que ser racionalizadas neste momento
de novas possibilidades políticas. Mas o
objectivo central era preservar a instituição
da escravatura e as enormes riquezas que ela
produzia.
Como reconheceu Karl
Marx: A escravatura directa é o pivô
da indústria burguesa tanto como a
maquinaria, os créditos, etc. Sem
escravatura não há algodão; sem
algodão não há indústria moderna.
Foi a escravatura que deu valor às
colónias; foram as colónias que
criaram o comércio mundial e é o
comércio mundial que é a pré-condição da indústria em
Assim, a escravatura é uma categoria
económica da maior importância.
Marx também identificou a centralidade da

trabalho escravo africano até a gênese
do capitalismo quando escreveu que “a
descoberta de ouro e prata na América,
a extirpação, escravização e
sepultamento em minas da população
aborígine, o início da conquista e saque do Oriente
Índias, a transformação da África num viveiro
de caça comercial de peles negras,
sinalizou o alvorecer rosado da era da

produção capitalista.”
As necessidades de trabalho do capital
por si só poderiam explicar como o racismo Como
funcionava sob o capitalismo. A desumanização literal

22959
A violência dos africanos em prol do trabalho
foi usada para justificar o seu tratamento
severo e o seu estatuto degradado nos Estados Unidos.
Esta desumanização não terminou
simplesmente quando a escravatura foi
abolida; em vez disso, a marca de inferioridade
impressa na pele negra foi transportada para
a Emancipação e lançou as bases para a
cidadania de segunda classe que os afro- a
americanos experimentaram durante quase cem anos após a escrav

A degradação dos negros também
tornou os afro-americanos mais
vulneráveis à coerção económica e à
manipulação – e não apenas à “anti-
negritude”. A coerção e a manipulação
estavam enraizadas na evolução das
exigências económicas do capital, mas o
seu impacto repercutiu muito além do
domínio económico. Os negros foram
privados do seu direito de voto, sujeitos
a violência desenfreada e presos a
trabalhos braçais e mal remunerados. Esta foi a economia p
Houve outra consequência do racismo e da
marcação dos negros. Os afro -americanos
foram tão completamente banidos da vida
política, civil e social que era virtualmente
impossível para a grande maioria dos brancos
pobres e da classe trabalhadora sequer
conceber a união com os negros para desafiar
o domínio e a autoridade da camarilha branca
dominante.
Marx reconheceu esta divisão básica
dentro da classe trabalhadora quando
observou : “Nos Estados Unidos da
América, todo movimento independente
dos trabalhadores ficou paralisado enquanto a escravidão d
74
desfigurou uma parte da República. O

trabalho não pode emancipar-se na pele
branca onde na pele negra é marcado”.
Marx compreendeu a dinâmica moderna
do racismo como o meio pelo qual os
trabalhadores que tinham interesses
objectivos comuns também podiam tornar-
se inimigos mortais devido a ideias
subjectivas – mas ainda assim reais –
racistas e nacionalistas. Olhando para as tensões entre trabalhad
escreveu:
Cada centro industrial e comercial da

Inglaterra possui uma classe
trabalhadora dividida em dois campos
hostis, os proletários ingleses e os
proletários irlandeses. O trabalhador
inglês comum odeia o trabalhador
irlandês como um concorrente que
rebaixa o seu padrão de vida. Em
relação ao trabalhador irlandês, ele
sente-se um membro da nação
dominante e assim se transforma num
instrumento dos aristocratas e capitalistas do seu país c
Este antagonismo é artificialmente mantido vivo e

intensificado pela imprensa, pelo púlpito, pelos
jornais cómicos, em suma, por todos os meios à
disposição das classes dominantes. Este antagonismo
é o segredo da impotência da classe trabalhadora
inglesa, apesar da sua organização. É o segredo pelo
qual o capitalista mantém o seu poder. E essa classe
tem plena consciência disso.
Para os socialistas nos Estados Unidos, reconhecer a

centralidade do racismo na divisão da classe que tem o
poder real de desfazer o capitalismo tem normalmente
significado que os socialistas têm estado fortemente
envolvidos em campanhas e movimentos sociais para
acabar com o racismo.
Mas dentro da tradição socialista, muitos

também argumentaram que, como os afro-
americanos e a maioria dos outros não-
brancos são desproporcionalmente pobres e
da classe trabalhadora, as campanhas
destinadas a acabar com a desigualdade
económica por si só acabariam com a sua opressão.
Esta posição ignora como o racismo
constitui a sua própria base para a opressão
das pessoas não-brancas. Os negros comuns
e outras minorias não-brancas são oprimidos
não só devido à sua pobreza, mas também
devido às suas identidades raciais ou étnicas.
Também não existe uma correlação directa
entre a expansão económica ou a melhoria
das condições económicas e uma diminuição
da desigualdade racial. Na realidade, a
discriminação racial impede frequentemente
que os afro-americanos e outros tenham
acesso pleno aos frutos da expansão económica.
Afinal, a insurgência negra da década de
1960 coincidiu com a economia robusta e
próspera da década de 1960 – os negros
estavam a rebelar-se porque estavam excluídos
da riqueza americana. uma força independente
que causa estragos nas vidas de todos os
afro-americanos.
A luta contra o racismo cruza-se

regularmente com lutas pela igualdade
económica, mas o racismo não se
expressa apenas em questões económicas.
As lutas anti-racistas também ocorrem
em resposta às crises sociais que as
comunidades negras enfrentam,
incluindo lutas contra o perfilamento
racial; brutalidade policial; habitação,
cuidados de saúde e desigualdade
educacional; e encarceramento em
massa e outros aspectos do sistema de “justiça criminal”.
76
preconceitos ideias
e
e lutas
As
da
23971
Levando o racismo a sério

Jennifer Roesch • Jacobina • 8.8.2015
Estas lutas contra a desigualdade racial são

fundamentais, tanto para melhorar a vida das pessoas
Afro-americanos e outras minorias raciais
e étnicas aqui e agora, e
para demonstrar às pessoas brancas comuns
o impacto destrutivo do racismo na vida

das pessoas não brancas.
Ganhar brancos comuns para um programa
anti-racista é uma componente chave na
construção de um movimento de massas genuíno
e unificado, capaz de desafiar o capital. A
unidade não pode ser alcançada sugerindo que
os negros devem minimizar o papel do racismo
na nossa sociedade para não alienar os brancos
- concentrando-se apenas na luta “mais
importante” contra a desigualdade económica.
É por isso que grupos multirraciais de
socialistas sempre participaram nas lutas contra
o racismo. Isto foi particularmente verdade ao
longo do século XX, à medida que os afro-
americanos se tornaram uma população mais
urbana, em constante conflito e competição
com os brancos nativos e imigrantes brancos
por empregos, habitação e escolas. O conflito
violento entre negros e brancos da classe
trabalhadora sublinhou até que ponto a divisão
racial destruiu os laços de solidariedade
necessários para desafiar colectivamente os
empregadores, os proprietários de terras e os funcionários eleitos.
Os socialistas desempenharam papéis
importantes em campanhas contra o linchamento
e o racismo no sistema de justiça criminal, como
a campanha dos Scottsboro Boys na década de
1930, quando nove jovens afro-americanos foram acusados de estupra
A luta contra o racismo

cruza-se regularmente
com lutas pela igualdade
económica, mas o racismo
não se expressa
apenas através de preocupações
78
Ganhar brancos comuns para um

programa anti-racista é um
componente chave na construção de
um movimento de massas genuíno e
duas mulheres brancas em Scottsboro, Alabama.

A liberal Associação Nacional para o Avanço
das Pessoas de Cor (naacp) mostrou-se
relutante em aceitar o caso, mas os
julgamentos de Scottsboro tornaram-se
uma prioridade para o Partido Comunista
e para a sua afiliada Defesa Legal Internacional.
Uma parte da campanha envolveu visitar
as mães dos rapazes por todo o país e
depois por todo o mundo para chamar a
atenção e apoio para o seu caso.
Ada Wright – mãe de dois dos meninos –
viajou para dezesseis países em seis meses
em 1932 para contar a história de seu filho.
Por estar viajando com comunistas
conhecidos, ela era frequentemente
impedida de falar. Na Checoslováquia, ela
foi acusada de ser comunista e presa
durante três dias antes de ser expulsa do país.
Os socialistas também estiveram
envolvidos em iniciativas de sindicalização Os
Robin
entre os afro-americanos e foram

fundamentais nas campanhas pelos direitos
civis no Norte, no Sul e no Ocidente para
os afro- americanos e outras minorias
oprimidas . Este envolvimento explica por
que muitos afro-americanos gravitaram em 24300
torno da política socialista ao longo das

suas vidas – os socialistas sempre
articularam uma visão da sociedade que poderia garantir a verd
No final da década de 1960, até figuras Restauração
como Martin Luther King Jr descreviam 9653

uma espécie de visão socialista do futuro.
Numa apresentação em 1966 numa
reunião da sua organização, a Conferência
de Liderança Cristã do Sul, King comentou:
Devemos encarar honestamente o facto de

que o movimento deve abordar a questão da do
reestruturação de toda a sociedade americana.

Há quarenta milhões de pessoas pobres
aqui. E um dia teremos de fazer a pergunta:
“Por que há quarenta milhões de pessoas
pobres na América?”
E quando começamos a fazer essa
pergunta , estamos a levantar questões
sobre o sistema económico, sobre uma
distribuição mais ampla da riqueza.
Quando você faz essa pergunta, você
começa a questionar a economia capitalista...
“Quem é o dono do petróleo?” Você começa a

fazer a pergunta: “Quem é o dono do minério de ferro?”
Você começa a perguntar: “Por que é que as
pessoas têm de pagar contas de água num
mundo onde dois terços são água?” Estas
são perguntas que devem ser feitas.
À medida que os movimentos continuaram a

radicalizar-se, grupos como os Panteras Negras
e a Liga dos Trabalhadores Negros
Revolucionários seguiram a tradição de Malcolm
X quando ligaram a opressão negra directamente
ao capitalismo. Os Panteras e a Liga foram mais
longe do que Malcolm ao tentarem construir
organizações socialistas com o objectivo
específico de organizar os negros da classe
trabalhadora para lutarem por um futuro socialista.
Hoje, o desafio para os socialistas não é
diferente: estar centralmente envolvido nas
lutas contra o racismo e, ao mesmo tempo, lutar
por um mundo baseado nas necessidades humanas e não no lucro. ÿ
80
Na verdade, pensamos
que a luta contra o racismo é
fundamental para
desfazer o poder da classe domina
O socialismo e o
feminismo não estão
às vezes em conflito?
Nicole Aschoff
O socialismo e o feminismo têm uma relação

longa e por vezes tensa.
Os socialistas são frequentemente
acusados de dar excessiva importância à
classe – de colocar a divisão estrutural entre
aqueles que devem trabalhar por um salário
para sobreviver e aqueles que possuem os
meios de produção no centro de todas as
análises. Pior ainda, ignoram ou subestimam
a importância de outros factores – como o
empoderamento
O
sexismo, o racismo ou a homofobia – na

formação das hierarquias de poder. Ou
admitem a importância destas normas e
práticas negativas, mas argumentam que só poderão ser erradica
Entretanto, os socialistas acusam as
feministas tradicionais de se concentrarem
demasiado nos direitos individuais em vez
da luta colectiva e de ignorarem as divisões
estruturais entre as mulheres. Eles acusam
as feministas tradicionais de se alinharem 20512
com projetos políticos burgueses que

diminuem a agência das mulheres
trabalhadoras ou de promover demandas da classe média que igno
das mulheres pobres, tanto no norte

como no sul global.
Estes são debates antigos que remontam a
meados do século XIX e à Primeira Internacional, e

giram em torno de questões profundamente políticas
de poder e das contradições da sociedade capitalista.
Para turvar ainda mais as águas está a

forma como a política do feminismo é
complicada pela natureza histórica do
capitalismo – a forma como o sexismo é
integrado tanto nos processos de obtenção
de lucro como na reprodução do sistema capitalista como um to
Este dinamismo é muito evidente hoje em dia,
quando uma candidata presidencial, Hillary Clinton,
é a principal escolha entre os milionários dos EUA.
Mas a divisão entre socialismo e feminismo é, em
última análise, desnecessária.
Por que os socialistas deveriam ser feministas
A opressão das mulheres, tanto na sociedade

dos EUA como a nível mundial, é multidimensional —
as divisões de género nas esferas política, económica
e social sublinham a razão pela qual, para nos
libertarmos da tirania do capital, os socialistas
também devem ser feministas.
A possibilidade de uma mulher finalmente

se tornar presidente dos EUA realça a gritante
falta de liderança feminina, tanto nos EUA
como em todo o mundo. Apesar de mulheres
poderosas como Angela Merkel, Christine
LeGarde, Janet Yellen e Dilma Rousseff, o
equilíbrio de género na política e no mundo
empresarial continua altamente distorcido.
Apenas 4% dos CEO das empresas Fortune 500 são
mulheres e a maioria dos conselhos de administração das
empresas tem poucos ou nenhum membro feminino.
Globalmente, 90 por cento dos chefes de estado
são homens, e na Conferência Económica Mundial de 2015
84
O socialismo e o feminismo não estão às vezes em conflito?
No Fórum, apenas 17 por cento dos 2.500

representantes presentes eram mulheres,
enquanto 2013 marcou a primeira vez que
mulheres ocuparam vinte assentos no Senado dos EUA.
Ao contrário de muitos países, as mulheres
nos Estados Unidos têm, grosso modo, direitos
e protecção jurídica iguais, bem como acesso à
Aborto
sem
educação, nutrição e cuidados de saúde que os

homens. Mas as divisões de género são evidentes
em toda a sociedade.
As mulheres superam os homens no ensino
superior , mas não alcançam níveis comparáveis
de sucesso ou riqueza e permanecem
estereotipadas e sub-representadas nos meios
de comunicação populares. Os ataques aos 27772
direitos reprodutivos das mulheres continuam

inabaláveis e, após um declínio longo e constante
ao longo da década de 1990, as taxas de violência
contra as mulheres não diminuíram desde 2005.
Ao mesmo tempo, as decisões sobre o
equilíbrio entre a vida doméstica e a vida
profissional, face aos custos cada vez maiores
de habitação e de cuidados infantis , são tão
difíceis como sempre. Nos cinquenta anos desde
a aprovação da Lei da Igualdade Salarial de
1963, as mulheres entraram em massa no
mercado de trabalho; hoje, 60% das mulheres
trabalham fora de casa. As mães solteiras e
casadas têm ainda mais probabilidades de
trabalhar, incluindo 57 por cento das mães com filhos com menos de u
O capital alimenta-
se das normas
existentes de sexismo,
agravando a
natureza exploradora do trabalho
Mas as mulheres que trabalham a tempo inteiro ainda
ganham apenas 81 por cento do que os homens ganham –

um número inflacionado pelos declínios mais rápidos nos
salários dos homens (excluindo os que têm formação
universitária) nos últimos anos.
As disparidades salariais são acompanhadas por
uma divisão do trabalho baseada no género. Os
sectores do comércio retalhista, dos serviços e da
alimentação — o centro do novo crescimento do
emprego — são dominados pelas mulheres, e a
feminização do trabalho de “cuidado” é ainda mais

pronunciada. Apesar dos avanços recentes, como a
extensão da Lei das Normas Trabalhistas Justas aos
trabalhadores domésticos, o trabalho de prestação de cuidados ainda é visto co
Um número desproporcional de empregos de prestação

de cuidados são empregos contingentes e mal remunerados,
nos quais a humilhação, o assédio, a agressão e o roubo
de salários são comuns.
Além destas diferenças claras entre as experiências
de homens e mulheres nos EUA, há efeitos mais insidiosos

e de longo alcance do sexismo. Feministas como bell
hooks argumentam que o sexismo e o racismo permeiam
todos os cantos da sociedade e que as narrativas
dominantes de poder glorificam as visões brancas e
heteronormativas da vida.
Desde o nascimento, rapazes e raparigas são tratados

de forma diferente e os estereótipos de género
introduzidos em casa, na escola e na vida quotidiana são
perpetuados ao longo da vida das mulheres, moldando as
suas identidades e escolhas de vida.
O sexismo também desempenha um papel menos
óbvio, mas crítico, na obtenção de lucros. Desde o início,
o capitalismo tem dependido de trabalho não remunerado
fora do mercado de trabalho (principalmente em casa) que
fornece o ingrediente essencial para a acumulação de
capital: trabalhadores – que devem ser criados, vestidos,
alimentados, socializados e amados.
Este trabalho não remunerado é altamente influenciado pelo género.
Embora mais homens participem nas tarefas domésticas
86
tarefas domésticas e a criação dos filhos do que

no passado, a reprodução social ainda recai
principalmente sobre as mulheres, que deverão
suportar o fardo mais pesado das tarefas
domésticas. A maioria das mulheres também realiza trabalho remunerad
14168
Cuidando na Cidade
Johanna Brenner • Jacobina • Edição 15/16
pensem
além
Mesmo
no
seu
auge,
os
estados
de
casa, transformando seu trabalho doméstico

em um “segundo turno”. Desta forma, as
mulheres são duplamente oprimidas –
exploradas no local de trabalho e não
reconhecidas como trabalhadoras na reprodução social do trabalho.
Por que as feministas deveriam ser socialistas
Estas persistentes divisões de género entre

classes — nas esferas política, económica
e social — alimentam o ponto de vista
feminista dominante de que o sexismo é
algo à parte do capitalismo, algo que deve
ser abordado separadamente.
Ao longo de inúmeras ondas de luta
feminista, as activistas têm prosseguido uma
variedade de estratégias para combater o
sexismo e as divisões de género. Hoje, as
principais feministas gravitam em torno de
colocar as mulheres no poder - tanto na Ela Sarah
esfera política como económica - como forma

de resolver a série de problemas que as
mulheres enfrentam, tais como desigualdade
salarial, violência, equilíbrio entre vida profissional e pessoal , e s
Porta-vozes proeminentes como Sheryl 5602
Sandberg, Hillary Clinton, Anne-Marie

Slaughter e muitas outras defendem esta
estratégia feminista de “tomada do poder”.
Sandberg — um dos proponentes mais
influentes desta estratégia — argumenta
que as mulheres precisam de deixar de ter
medo e começar a “perturbar o status quo”.
Se o fizerem, ela acredita que esta geração
pode colmatar a lacuna de liderança e, ao
fazê-lo, tornar o mundo um lugar melhor para todas as mulhere
A essência do argumento da tomada do
poder é que se as mulheres estivessem no
poder, elas, ao contrário dos homens, teriam o
cuidado de implementar políticas que
beneficiassem as mulheres e que as divisões
de género entre classes nas esferas económica, política e cultural só
88
as mulheres ocupam um número igual de posições

de liderança que os homens.
A ênfase no avanço individual como o
caminho para alcançar os objectivos do
feminismo não é nova e tem sido criticada
por numerosas feministas, incluindo Charlotte
Bunch e Susan Faludi, que questionam a
noção de solidariedade fraterna como um
remédio para problemas de género profundamente enraizados. divi
Como diz Faludi: “Não se pode mudar o mundo
para as mulheres simplesmente inserindo
rostos femininos no topo de um sistema
inalterado de poder social e económico”.
Feministas socialistas como Johanna
Brenner também apontam para como o
feminismo dominante encobre as profundas tensões entre as mulher
Podemos generosamente caracterizar

como ambivalentes as relações entre as
mulheres da classe trabalhadora/mulheres
pobres e as mulheres profissionais da
classe média, cujo trabalho é elevar e
regular aqueles que passam a ser definidos
como problemáticos – os pobres, os
insalubres, os culturalmente pobres .
inaptos, os sexualmente desviantes, os
mal-educados. Estas tensões de classe
infiltram-se na política feminista, à medida
que as defensoras feministas da classe média afirmam represen
Assim, embora seja certamente necessário

reconhecer como a sociedade contemporânea
continua a ser marcada pelo género, é também
necessário ter clareza sobre como superar
estas divisões e, igualmente importante,
reconhecer as limitações de um feminismo que
não desafia capitalismo.
O capital alimenta-se das normas existentes
de sexismo, agravando a natureza exploradora
do trabalho assalariado. Quando as ambições
e desejos das mulheres são silenciados ou
subvalorizados, é mais fácil tirar partido deles. Sexismo é
Para nos libertarmos da

tirania do capital, os
socialistas também devem ser
parte do kit de ferramentas da empresa, permitindo

que as empresas paguem menos às mulheres -
especialmente às mulheres negras - e as
discriminem de outras formas.
Mas mesmo que erradicamos o sexismo,
as contradições inerentes ao capitalismo
persistirão . É importante e necessário que
as mulheres assumam posições de poder,
mas isso não mudará a divisão fundamental
entre trabalhadores e proprietários – entre as
mulheres no topo e as mulheres na base.
Não mudará o facto de a maioria das mulheres
se encontrarem em empregos precários e de
baixos salários, que representam uma barreira
muito maior ao progresso e a uma vida
confortável do que o sexismo na esfera económica ou política.
Não mudará o poder da motivação do lucro e
a compulsão das empresas para dar aos
trabalhadores tão pouco quanto as normas
económicas, sociais e culturais permitirem.
É claro que a sociedade não é redutível à
relação salarial e as divisões de género são
reais e persistentes. Levar a classe a sério
significa ancorar a opressão das mulheres
nas condições materiais em que vivem e
trabalham, reconhecendo ao mesmo tempo
o papel do sexismo na formação tanto da
vida profissional como da vida doméstica das mulheres.
O movimento feminista – tanto o seu
A encarnação do “bem-estar social” e a sua
contemporaneidade radical – obteve ganhos
significativos. O desafio agora é duplo:
defender estas vitórias duramente conquistadas e
90
tornar possível que todas as mulheres desfrutem

realmente delas e avançar com exigências novas
e concretas que abordem a complexa relação entre
sexismo e obtenção de lucro.
Não há uma resposta simples sobre como

atingir esses objetivos gêmeos. No passado, as
mulheres obtiveram os maiores ganhos ao lutar
simultaneamente pelos direitos das mulheres e
pelos direitos dos trabalhadores – ligando a luta
contra o sexismo à luta contra o capital.
Como argumentam Eileen Boris e Anelise

Orleck , durante as décadas de 1970 e 1980 “
as feministas sindicais ajudaram a lançar um
movimento de mulheres revitalizado que
desencadeou novas exigências pelos direitos
das mulheres em casa, no trabalho e dentro
dos sindicatos”. Aeromoças de avião,
trabalhadores do sector do vestuário,
funcionários administrativos e trabalhadores
domésticos desafiaram o movimento sindical
dominado pelos homens (uma mulher só teve
assento no conselho executivo do afl-cio em 1980) e, no processo, fo
As mulheres sindicalizadas criaram um novo
campo de possibilidades ao exigirem não só
salários mais elevados e igualdade de
oportunidades, mas também cuidados infantis,
horários de trabalho flexíveis, licença de gravidez
e outros ganhos normalmente ignorados ou subvalorizados pelos seus ir
Esta é a direção que ambos os socialistas
e as feministas deveriam orientar-se –
para lutas e exigências que desafiam
tanto os impulsos do capital como as
normas enraizadas do sexismo que
estão tão profundamente enraizadas no capitalismo.
As lutas e demandas que conseguem isso
são concretas e estão sendo combatidas
atualmente. Por exemplo, a luta por cuidados
de saúde de pagador único – que
proporcionariam cuidados de saúde como um direito de todos
pessoa do berço ao túmulo, independentemente

da sua capacidade de pagar – é uma exigência
que mina tanto o sexismo como o poder do
capital para controlar e reprimir a agência dos
trabalhadores. Existem muitas outras
exigências concretas a curto prazo que
combinam também os objectivos do feminismo
e do socialismo, incluindo o ensino superior
gratuito, cuidados infantis gratuitos e um
rendimento básico universal combinado com uma rede de seguranç
Estas reformas lançariam as bases para
objectivos mais radicais que iriam longe na
erradicação do sexismo, da exploração e da
mercantilização da vida social. Por exemplo,
projectos para aumentar o controlo colectivo
e democrático sobre instituições
fundamentais para a nossa vida doméstica,
escolar e profissional – escolas, bancos,
locais de trabalho, governos municipais e
agências estatais e locais – dariam a todas
as mulheres e homens mais poder, autonomia e a possibilidade
Esta estratégia anticapitalista contém a
possibilidade da mudança radical de que as
mulheres necessitam.
Em última análise, os objectivos do
feminismo radical e do socialismo são os
mesmos – justiça e igualdade para todas as
pessoas, e não simplesmente oportunidades
iguais para as mulheres ou participação igual das mulheres num siste
92
Em última análise, os
objectivos de um
feminismo radical e de um
socialismo são os
mesmos – justiça e igualdade para to
Um mundo mais
democrático não
significaria
apenas uma
crise ambiental maior?
Alyssa Battistoni
O capitalismo está a causar estragos no mundo

em que vivemos. As alterações climáticas
ameaçam alterar o nosso planeta de forma
irreconhecível, afogando povoações costeiras,
intensificando secas e ondas de calor e
fortalecendo condições meteorológicas extremas.
Os efeitos mais prejudiciais, claro,
recaem sobre as pessoas mais pobres do mundo.
A sobrepesca levou a pesca ao ponto do
colapso; o abastecimento de água doce é
escasso em regiões que abrigam metade da
população mundial; a agricultura industrial
intensiva em fertilizantes esgotou os nutrientes
das terras agrícolas; as florestas estão a ser
arrasadas a taxas surpreendentes para dar lugar
O
Mito
a culturas comerciais e criação de gado; as

taxas de extinção são comparadas às dos
apocalipses pré-históricos induzidos por meteoros.
Esses não são problemas que podem ser
resolvidos trocando uma lâmpada. A actividade
humana transformou todo o planeta de formas 20875
que ameaçam agora a forma como o habitamos –

alguns de nós muito mais do que outros. Mas se
Precisamos valorizar o
trabalho da produção ecológica —
reconhecer que a atividade
dos ecossistemas
mantém a terra viável para
a vida humana e cuidar deles em conf
você aponta que não é a humanidade em abstrato, mas o

capitalismo que devemos responsabilizar, você ouvirá uma
réplica familiar: o socialismo também é ruim para o meio
ambiente!
A produção na União Soviética também
dependia de combustíveis fósseis, terras
agrícolas degradadas, rios poluídos e vastas extensões desmatadas
É verdade que o histórico ambiental da
URSS não inspira muita confiança.
Mas isso não significa que o capitalismo
possa resolver os nossos problemas
ambientais, como declaram os empresários
verde-claros, ou que a sociedade industrial
moderna deva ser totalmente abandonada,
como alguns verdes profundos pretendem.
O capitalismo pode certamente sobreviver
ao agravamento das condições ambientais,
pelo menos durante algum tempo – mas
sobreviverá sob condições de crescente eco-
apartheid, com segurança e conforto para os ricos e escassez cr
descansar.
No entanto, o sonho socialista do século

XX de maximizar a produção na procura da
abundância e da igualdade parece cada vez
mais insustentável. Os marxistas sustentavam
que o comunismo surgiria em meio a
condições pós-capitalistas de
superabundância: uma vez que os motores
capitalistas estivessem rugindo, eles poderiam ser apreendidos
96
O socialismo é ruim para o meio ambiente?
de tudo. Mas esses motores já não podem

funcionar com combustíveis fósseis , e o
capitalismo de consumo contemporâneo não é
a abundância que tínhamos em mente.
Precisamos não apenas de apoderar-nos dos
meios de produção, mas de transformá-los.
Precisamos também de uma visão de futuro
diferente da que foi apresentada pela esquerda
mais recentemente. O esquerdismo ambientalista
ultimamente tem tendido para uma tendência
anarquista que desconfia da produção em
grande escala e do poder concentrado, seja
privado ou público. Isto não deveria ser
surpreendente – porque os problemas
ambientais são tão específicos do local, que
muitas vezes levam a soluções locais de
pequena escala. Mas as alterações climáticas
e outras crises ambientais decorrentes dos
sistemas globais de produção e consumo são
questões sistémicas da economia política;
abordá-los exigirá mais do que apenas bolsões
de práticas alternativas. E os problemas
ambientais não respeitam fronteiras políticas:
a interdependência ecológica é outro lembrete
de que a sustentabilidade só virá através da
solidariedade global.
A que futuro deverá aspirar o socialismo
do século XXI? Como podemos alcançar uma
sociedade justa sem depender de combustíveis
fósseis ou exacerbar outras formas de
destruição ambiental?
Ao descobrir uma resposta, os socialistas
deveriam olhar para as tradições socialistas-
feministas preocupadas com o trabalho que torna
a vida vivível. As feministas socialistas há muito
que chamam a atenção para o trabalho de
reprodução social – as actividades necessárias
para reabastecer os trabalhadores assalariados,
tanto individualmente como através das gerações,
tais como a educação, o cuidado das crianças,
o trabalho doméstico e a preparação de alimentos. As lutas pela reprod
sobre as exigências e possibilidades da

vida fora da fábrica, e têm muito a nos
ensinar sobre a organização de novas
formas de vida. Precisamos também de
valorizar o trabalho de reprodução
ecológica — reconhecer que a actividade
dos ecossistemas mantém a terra viável
para a vida humana e cuidar deles em conformidade.
Enquanto alguns socialistas aspiram a
uma superabundância de tudo para todos,
os ambientalistas tendem a apontar o
consumo excessivo como o principal
culpado da degradação ambiental. Mas
nem todo consumo é equivalente. O
capitalismo depende de factores de
produção baratos sob a forma de trabalho
e da natureza para produzir os seus
produtos baratos. Como resultado, o
sistema reduz consistentemente os custos
e padrões ambientais e trabalhistas . Bens Aproveite
Daniel
baratos não são necessariamente ruins,

mas não deveriam ser feitos à custa dos
trabalhadores e dos ecossistemas. O
objectivo de uma sociedade socialista não
é reprimir o consumo popular, mas criar uma sociedade que en
Precisamos encontrar maneiras de viver 14170
luxuosamente , mas também com leveza,

esteticamente e não asceticamente. Em vez
de um ciclo interminável de trabalho e
compras, a vida num futuro socialista de
baixo carbono seria orientada em torno de
actividades que tornassem a vida bela e
gratificante, mas que exigissem um
consumo menos intensivo de recursos: ler
livros, ensinar, aprender, fazer música, ver
espectáculos. , dançar, praticar esportes, ir ao parque, fazer cam
O fornecimento robusto de bens públicos
torna possível desfrutar de luxos
comunitários , ao mesmo tempo que diminui
as formas de desperdício de consumo
privado . Isso significa habitação pública acessível a todos; grat
98
O objectivo de uma sociedade

socialista não é reprimir o
consumo popular, mas criar
uma sociedade que enfatize a
qualidade de vida em detrimento da qua
sistemas de transporte dentro e entre

cidades para que as pessoas possam circular
sem possuir carro; parques e jardins
espaçosos que oferecem descanso da vida
cotidiana; apoio às artes e à cultura em
diversas formas; e espaços abundantes
para uso educacional e recreativo público,
como bibliotecas, quadras de basquete e
teatros. As cidades são frequentemente
apontadas como uma parte fundamental
dos futuros verdes devido à sua densidade
energética eficiente . Mas as cidades verdes
exigem mais do que apenas planeamento
urbano e edifícios altos. O socialismo deve
reivindicar a cidade como um espaço de luta
e solidariedade na prossecução de
necessidades e desejos – fornecer recursos
públicos como um meio para a emancipação e o florescimento, e
Os capitalistas prometem que a tecnologia
resolverá os problemas ambientais. As
soluções tecnológicas não são uma panaceia,
mas também não podemos entregar a
tecnologia aos capitalistas de risco : os
projectos socialistas utópicos há muito que
imaginam um mundo melhor construído a
partir das capacidades combinadas dos seres
humanos, da natureza e da tecnologia. E uma
série de tecnologias atuais, desde fontes de
energia limpa até biotecnologias, prometem
fazer parte de um futuro mais sustentável. Mas enquanto forem co
só quando for rentável e acessível

apenas a quem pode pagar, o seu
potencial só será explorado quando servir os capitalistas
Uma sociedade socialista apoiaria a investigação
de problemas cujas soluções não são lucrativas
A
e garantiria que as tecnologias resultantes

fossem utilizadas para benefício público.
A energia, em particular, é de importância 26111
central – a utilização de energia é responsável

por metade de todas as emissões de carbono e
sustenta a vida moderna em todos os aspectos.
As tecnologias de energia renovável , e a energia
solar em particular , prometem ser fontes
abundantes de energia limpa. Mas embora a
energia solar seja frequentemente considerada
inerentemente de pequena escala e democrática,
as empresas privadas também estão a montar Luta
parques solares gigantescos, posicionando -se

como o canal para um futuro energético limpo.
Entretanto, a desregulamentação e a
privatização dos serviços eléctricos na era
neoliberal prejudicaram a capacidade do público
de construir a nova infra-estrutura eléctrica
interligada que tornaria possível uma grande
transição para a energia limpa. Uma sociedade
socialista poderia escolher quais as fontes de
energia a utilizar e a rapidez com que uma
transição deveria ocorrer com base no
conhecimento sobre os benefícios ambientais e
de saúde e as necessidades sociais, em vez de
nas margens de lucro. Poderíamos produzir
energia limpa em grande escala e construir a infra-estrutura necessári
Ao mesmo tempo, as novas tecnologias não
constituem, por si só, progresso, deixando de
lado as reivindicações egoístas das empresas de tecnologia.
A nova electrónica médica, por exemplo,
nem sempre se traduz em melhores
cuidados; Os iPads não se traduzem
numa melhor educação – na verdade, o
oposto é frequentemente o caso. Uma
sociedade socialista tomaria decisões sobre a produção e im
100
novas tecnologias baseadas em objectivos

escolhidos democraticamente, em vez de
produzir e consumir de forma desperdiçada,
a fim de manter a rentabilidade de diversas
indústrias. Poderíamos garantir que todos
tivessem acesso a electricidade limpa e barata,
por exemplo, antes de dedicarmos recursos à
produção de brinquedos electrónicos para os ricos.
Continuarão a existir actividades extractivas,
centrais eléctricas de grande escala e fábricas
industriais num socialismo sustentável. Alguns
deles serão desagradáveis; alguns deles
perturbarão os ecossistemas locais. Mas em
vez de despejar os danos da produção moderna
sobre as pessoas com menos poder para lhes
resistir – como os trabalhadores, as comunidades
de cor e as comunidades indígenas –
tomaremos decisões conscientes sobre quais
os danos que aceitaremos e onde e como eles
se materializarão . , priorizando as perspectivas
e necessidades daqueles que há muito sofrem
com elas. Poderíamos tratar as paisagens de
trabalho como algo mais do que terrenos
baldios e reconhecer que a presença de
maquinaria e indústria não significa
necessariamente devastação . Poderíamos
pagar os custos da minimização dos danos
ambientais, em vez de poupar esforços para vencer a concorrência.
O capitalismo começou por confiscar
recursos públicos e comuns para benefício
privado e desapropriar os seus anteriores utilizadores.
A propriedade colectiva dos meios de
produção deve incluir a propriedade
comum da terra, dos oceanos e da atmosfera.
Isso significaria não apenas partilhar os
recursos que esses espaços geram, mas
decidir em conjunto como devem ser
utilizados. Uma sociedade socialista
poderia usar o conhecimento científico
sobre a capacidade ecológica para gerir e
regular o uso desses espaços , em vez de ceder aos caprichos

ouçam os 98 por cento dos cientistas que

dizem que estão a ocorrer alterações climáticas
antropogénicas, por exemplo, em vez das
mentiras dos lobistas dos combustíveis fósseis.
Sob o socialismo, tomaríamos decisões
sobre a utilização dos recursos de forma
democrática, tendo em conta as necessidades
e os valores humanos, em vez de 9538
maximizarmos o lucro. Um socialismo

ecologicamente sustentável não consiste em Vivo
preservar um conceito idealizado de natureza

intocada e intocada. Trata-se de escolher o
mundo que criamos e em que vivemos, e de
reconhecer que partilhamos esse mundo com
outras espécies que não os humanos. Um Alyssa
mundo habitável é um mundo onde todos podem ter uma vida boa
Esse mundo necessitará tanto de florestas
como de fábricas, de refúgios selvagens e
também de cidades. Procuraremos proporcionar
às pessoas um bom trabalho, mas também
trabalharemos menos; pensaremos no trabalho
que realmente precisa ser feito, em vez de criar
empregos apenas para manter as pessoas
empregadas. Optaremos por manter alguns
espaços livres do uso humano óbvio e proteger
os espaços para a vida selvagem, ao mesmo
tempo que possibilitaremos que as pessoas escapem da vida urbana pa
Nosso objetivo será produzir o suficiente para
que todos possam viver vidas ricas e plenas,
em vez de esperar uma chance remota de
acumular riquezas privadas. Com as nossas
necessidades satisfeitas , podemos realizar o
nosso potencial humano no contexto de
relações sociais de lazer com outros humanos
e outras espécies, com o suficiente para
todos e tempo para o que quisermos. ÿ
102
Sob o socialismo, tomaríamos

decisões sobre a
utilização dos recursos de forma
democrática, tendo em
conta as necessidades e os
valores humanos, em vez de m
Os socialistas são pacifistas?

Algumas guerras não
são justificadas?
Jonas Birch
Em junho de 1918, Eugene Debs fez um

discurso que o levaria à prisão. Falando
em Canton, Ohio, o líder do Partido
Socialista denunciou o presidente
Woodrow Wilson e a Grande Guerra à qual
conduziu os Estados Unidos.
Para Debs, o massacre em massa que
assolou a Europa durante quatro anos
sangrentos foi um conflito travado no
interesse dos capitalistas, mas combatido
pelos trabalhadores. Em cada país foram
os ricos que declararam a guerra e
lucraram com ela; mas foram os pobres
que foram enviados para lutar e morrer aos milhões.
Sempre foi assim, disse Debs ao
público , desde que exércitos foram
enviados para lutar entre si em nome do
rei ou do país. “As guerras ao longo da
história foram travadas para conquista e
pilhagem”, disse ele. “A master class
sempre declarou as guerras; a classe
disciplinar sempre travou as batalhas. A
master class teve tudo a ganhar e nada a perder,

enquanto a classe disciplinada não teve nada

a ganhar e tudo a perder – especialmente suas vidas.”
A mensagem de Debs aos trabalhadores era
simples : o seu inimigo não era o povo da
Alemanha, os soldados da classe trabalhadora
que estavam a ser enviados para assassinar;
foram os governantes, de ambos os lados, que
ordenaram as tropas para a batalha. Foram os
capitalistas e os seus representantes nos
governos americano e alemão, cuja riqueza e
poder lhes deram o controlo sobre o destino de
milhões de pessoas.
O discurso de Debs foi demais para as
autoridades dos Estados Unidos – prenderam
-no ao abrigo de uma nova lei que restringe a
liberdade de expressão, a Lei de Espionagem
de 1917, e condenaram-no a dez anos de prisão.
Notavelmente, nas eleições de 1920, Debs
concorreu à presidência pela chapa socialista
enquanto estava sentado numa penitenciária
federal de Atlanta, e ainda assim conseguiu ganhar quase um milhão d
Tornando o mundo seguro para o capitalismo
No exemplo de Debs, podemos ver as ideias

centrais que sustentaram a abordagem do
movimento socialista à questão da guerra. Os
socialistas sempre consideraram a propensão
do capitalismo para guerras de conquista e
pilhagem como a expressão máxima da
brutalidade do sistema. Na organização da
violência estatal numa escala sem precedentes,
vemos a tendência do capitalismo para
subordinar as necessidades humanas à lógica
do lucro e do poder. No fosso entre a promessa
de igualdade democrática e a realidade da
opressão de classe que a guerra expressa,
vemos a injustiça fundamental que define a
nossa ordem social.
Sob o capitalismo, a exploração ocorre
principalmente através do mercado. É o
106
Os socialistas são pacifistas? Algumas guerras não são justificadas?
relação contratual ostensivamente não

coercitiva entre trabalhadores e empregadores
que mascara desigualdades de classe
subjacentes mais profundas . Mas o poder
de guerra do Estado capitalista ainda é
essencial para o funcionamento saudável
do sistema. Os capitalistas em países como
os Estados Unidos ainda dependem das
forças armadas do seu próprio governo,
tanto para impor as “regras do jogo” na Fanning
Rory
economia global como para os ajudar a

competir de forma mais eficaz contra outras classes dominantes.
Contra este estado de coisas, os
socialistas apoiam a organização de
movimentos de massas contra as guerras
travadas pelo nosso governo. Participamos 30196
na luta contra as restrições à liberdade de

expressão e a outros direitos democráticos
que inevitavelmente acompanham estas
guerras. Contra os apelos à “ unidade
nacional”, lutamos pela solidariedade
internacional e por uma organização de
classe mais forte para lutar pelos interesses
dos trabalhadores. A longo prazo,
pretendemos traduzir estes movimentos numa luta mais ampla po
Em nenhum lugar esta abordagem é mais
importante do que nos Estados Unidos – o 26507
país capitalista mais poderoso do mundo. Abolir
Hoje, os EUA gastam mais nas suas forças

armadas do que os próximos sete países
com maiores gastos juntos. Nosso governo
tem cerca de oitocentas bases militares
estrangeiras. Soldados americanos ou tropas os
aliadas estão presentes em todas as regiões do globo.

Ao longo do último século e meio, o
Estado americano travou guerras brutais em
nome de um império em crescimento, desde
a Guerra Hispano-Americana de 1898 até às
recentes invasões do Afeganistão e do
Iraque. Interveio repetidas vezes em África,
na Ásia e na América Latina para proteger os interesses

dos negócios e reprimir movimentos que

possam ameaçar o seu controlo sobre
recursos essenciais ou minar a
estabilidade do sistema capitalista global.
Muitas vezes, estas aventuras eram
descritas como necessárias para trazer
liberdade e democracia aos países
oprimidos ou para proteger os cidadãos americanos do perig
O registro histórico, no entanto, conta uma história
diferente.
Mesmo na época da Guerra Hispano-Americana
de 1898, considerada por muitos como o alvorecer
do imperialismo americano moderno, o governo
dos EUA invadia Cuba, Porto Rico e as Filipinas em
nome da libertação dos seus povos do jugo . do
colonialismo espanhol. Quando, depois de
assegurada a vitória, Washington decidiu tornar
esses três territórios protectorados americanos
(ou, no caso de Porto Rico, uma colónia definitiva),
emitiu garantias de que tinha apenas as intenções
mais benevolentes.
E quando os residentes desses países interpretaram

estas promessas de liberdade e democracia
demasiado literalmente, os Estados Unidos
decidiram que não tinham outra escolha senão
esmagar as lutas populares pela independência
que surgiram. Nas Filipinas, uma insurreição
nacionalista que eclodiu em 1899 foi reprimida ao
custo de várias centenas de milhares de vidas
filipinas.
Em todas as guerras entre então e agora, o
padrão tem sido o mesmo. O governo dos EUA
entrou na Primeira Guerra Mundial em 1917 (depois
de Wilson ter vencido as eleições de 1916 com base
nas suas promessas anti-guerra) para “tornar o
mundo seguro para a democracia”, ao mesmo
tempo que enviava fuzileiros navais por toda a
América Latina em defesa da situação económica
e política do capital. interesses. Lutou na Segunda
Guerra Mundial para “libertar o mundo da tirania”, mas passou os anos do
108
em Itália, patrocinando uma guerra

civil violenta na Grécia e apoiando o xá do Irão.
Enviou milhões para as suas sepulturas na
Coreia e no Sudeste Asiático para “salvar” as
pessoas do comunismo, ao mesmo tempo
que instalou ditaduras brutais tanto no
Vietname do Sul como na Coreia do Sul.
Entretanto, os decisores políticos dos EUA
organizaram secretamente o derrube de
governos populares e democráticos em todo
o mundo – desde Mohammad Mosaddegh no
Irão até Patrice Lumumba no Congo e Salvador Allende no Chile.
Para justificar estas campanhas, as
autoridades americanas recorreram
frequentemente ao racismo cruel. O General
William Westmoreland justificou certa vez a
brutalidade das forças que liderou no Nixon
e
Vietname dizendo que “O Oriente não atribui

à vida o mesmo preço elevado que um
ocidental... Valorizamos a vida e a dignidade
humana. Eles não se importam com a vida e a dignidade humana.”
Em cada momento, o governo americano
tem demonstrado que o seu compromisso 21447
com a democracia e a liberdade no exterior é
tão superficial quanto o seu compromisso
com a igualdade no país. Repetidas vezes ,
provou que o seu medo do controlo
democrático sobre os recursos mundiais era
mais profundo do que a sua retórica pró-
democrática . Como disse Henry Kissinger,
que serviu como conselheiro de política
externa de três presidentes, sobre os esforços
da administração Nixon para derrubar o
governo socialista eleito do Chile: “Não vejo
por que precisamos de ficar parados e ver um
país ir embora. comunista por causa da
irresponsabilidade do seu próprio povo.” O
mesmo aconteceu com as tentativas da década de 1980 de minar o
Mais recentemente, este padrão
repetiu-se no Médio Oriente – agora o
campo de batalha central para os EUA e os seus países.

concorrentes imperiais, devido ao seu papel

como centro da produção global de petróleo.
Se as guerras no Iraque e no Afeganistão
foram inicialmente justificadas como
necessárias para defender as vidas
americanas, destruir a Al Qaeda e erradicar
o terrorismo, não alcançaram nenhum desses
objectivos. Nem resultaram em governos democráticos em nenhu
Pelo contrário, as centenas de milhares de
vidas perdidas nestas guerras apenas
desestabilizaram a região e intensificaram as
divisões sectárias. Em vez de apoiar
movimentos democráticos, os Estados Unidos
apoiaram regimes ditatoriais no Egipto e no
Bahrein e ajudaram a fortalecer as monarquias
mais cruéis e reaccionárias na Arábia Saudita e
nos Emirados Árabes Unidos.
Os Estados Unidos também
permitiram que Israel aumentasse a
sua violência diária (com ataques semi-
regulares de assassinatos em massa
em Gaza), ocupação e expansão dos
colonatos à custa dos palestinianos.
E assistiu aos lados em conflito na
guerra civil síria supervisionarem um
massacre que afogou a luta síria pela
democracia no sangue de centenas de milhares de cidad
Dado o âmbito e a escala da violência
imperial americana, é crucial que os socialistas
nos Estados Unidos se oponham às
intervenções militares do seu governo. Tal
posição é necessária para qualquer solidariedade
genuína da classe trabalhadora . Cada vez que
o governo dos EUA explode uma festa de
casamento no Afeganistão ou ajuda a proteger
um esquadrão da morte no Iraque; cada vez
que manda alguém apodrecer numa prisão no
Afeganistão ou na Baía de Guantánamo; sempre
que permite à CIA torturar um prisioneiro; torna menos provável a so
Por que deveriam os trabalhadores de outros
países aliar-se aos dos Estados Unidos ?
110
Estados, em nome de quem são bombardeados

e ocupados? Na medida em que os americanos
aceitam o nacionalismo que inevitavelmente
acompanha as maquinações do seu governo
no estrangeiro, tornam impossível a emergência
de um movimento de classe contra a opressão
e a exploração.
Entretanto, a posição dos trabalhadores
americanos apenas se deteriora ainda mais.
Quando centenas de milhares de milhões de
dólares são gastos atacando países em todo
o mundo, não estão disponíveis para
programas de bem-estar social que possam
ajudar os que vivem no seu país. O desperdício
de sangue e de recursos, o racismo e as
revoltas reaccionárias que são as servas das
guerras no estrangeiro, todos repercutem em
detrimento dos trabalhadores nos EUA. Numa
altura em que milhões de americanos sofrem
com o desemprego e a pobreza, os mais de 2
biliões de dólares gastos na invasão e
ocupação do Iraque parecem cada vez mais obscenos.
Tudo isto significa que o movimento
operário americano tem um incentivo material
para se opor ao impulso do seu próprio governo para a guerra.
É por esta razão que os socialistas pensam
que um movimento internacional da classe
trabalhadora contra a guerra e o imperialismo
não é apenas necessário, mas também possível.
O inimigo em casa
No entanto, se os socialistas num país

como os Estados Unidos se opõem às
guerras travadas pelos seus governos,
isso não significa que sejam pacifistas
- isto é, que se oponham a todas as
guerras ou tenham uma posição de
princípio contra qualquer tipo de
violência. A questão é quem está a
travar a guerra e em nome de que interesses ou políticas.

Como observou o teórico militar do

século XIX , Carl von Clausewitz: “A
guerra é uma continuação da política por outros meios”.
Clausewitz queria dizer que, para compreender
o carácter de uma determinada guerra, era
necessário compreender quem a travava e
com que objectivo. É claro que Clausewitz,
um general prussiano nas Guerras
Napoleónicas, dificilmente era um radical de
esquerda, mas o seu ponto básico é importante para os socialistas
O movimento socialista quer erradicar
a guerra porque ela é brutal e irracional –
um desperdício de vidas humanas e de
recursos sociais que produz uma enorme
devastação . Mas num mundo cheio de
exploração e opressão, é preciso
diferenciar entre a violência daqueles que
lutam para manter a injustiça e daqueles
que lutam contra a injustiça.
Não se pode, por exemplo, confundir
a violência do apartheid sul-africano
com a dos elementos armados do
Congresso Nacional Africano de Nelson
Mandela. O mesmo se aplica à violência
dos militares americanos durante a
Guerra do Vietname – uma guerra que
acabou por matar cerca de 3,5 milhões
de pessoas – e à da Frente de Libertação
Nacional Vietnamita, que lutou para
libertar o Vietname da dominação francesa e americana. .
Para o movimento socialista, a máxima
de Clausewitz aponta para a necessidade
de avaliar qualquer guerra com base nos
interesses que serve. Não é por acaso
que socialistas como Marx e Engels
apoiaram a União na Guerra Civil,
reconhecendo que, apesar da intenção
declarada de Lincoln de reunificar o país sem acabar com a e
contra a Confederação se tornaria necessariamente
uma guerra contra a classe dos proprietários. Na
verdade, como Lincoln – que na década de 1840 se opôs
112
a Guerra Mexicano-Americana porque a via

como um esforço para expandir a escravatura
a novos territórios – veio a reconhecer que o
Norte só poderia ter sucesso mobilizando os
escravos numa batalha pela sua própria liberdade.
somente
milhões
decorrentes
mortes
as
da
guerra
10835
O fardo da atrocidade
Penny Lewis • Jacobina • 29/04/2014

Nada disto pretende sugerir que os

socialistas tenham uma abordagem
puramente instrumental da violência – que
pensamos, como tantas vezes se afirma, que
“os fins justificam os meios”. Nos nossos
esforços para alcançar o tipo de mudança
que procuramos , a violência só pode minar
a nossa causa a longo prazo; nunca
poderemos esperar igualar a capacidade de
violência do Estado capitalista, e o nosso
movimento só será enfraquecido na medida
em que a luta pelo socialismo se transformar de um conflito socia
Nem apoiamos necessariamente os governos
só porque eles estão em conflito com os nossos:
não desculpamos a violência imperial de, por
exemplo, a Rússia e a China simplesmente porque
ocasionalmente estão em desacordo com os
nossos próprios governantes.
Mais fundamentalmente, é importante
deixar claro que o nosso apoio aos grupos
que lutam contra a sua opressão, nas mãos
do governo dos EUA ou de qualquer outra
pessoa, não significa que sejamos sempre
acríticos em relação a estas forças. Basta
olhar para os níveis crescentes de
desigualdade e para a crescente penetração
do capitalismo global na África do Sul desde
a queda do apartheid, ou no Vietname desde
a sua libertação, para ver que mesmo as lutas
vitoriosas não precisam de produzir um
resultado verdadeiramente justo . . Na
verdade, ao mesmo tempo que expressam
solidariedade com os movimentos que
desafiam a opressão, os socialistas devem
estar dispostos a criticar aqueles que travam
estas lutas, sempre que necessário - quer essa crítica seja feita po
Mas também não tratamos todos os
lados num conflito específico como se fossem iguais.
Acima de tudo, opomo-nos ao papel do nosso
próprio governo na propagação de guerras ou na
expansão da sua influência militar e política, ao mesmo tempo que
114
às custas das classes trabalhadoras do mundo.

Como disse o revolucionário alemão Karl
Liebknecht num discurso durante a Primeira
Guerra Mundial, entendemos que “o principal
inimigo está em casa”.
Nesta base, esperamos forjar um
movimento internacionalista que possa não
só desafiar uma intervenção imperial
específica , mas que possa vir a representar
uma ameaça aos próprios fundamentos de
um sistema que gera guerra e violência em
massa numa escala sem precedentes na história.
Além do Imperialismo
Hoje, a Esquerda é demasiado fraca para

atingir esse objectivo. Nos Estados Unidos,
o movimento operário carece de capacidade
para uma actividade sustentada contra a
guerra. Mas o que o exemplo de Eugene
Debs nos mostra é que existe uma longa
história de oposição radical ao imperialismo
da qual podemos retirar esperança e inspiração.
Essa tradição de anti-imperialismo de
esquerda sobreviveu depois da morte do
próprio Debs. Se perdeu força durante os
anos de repressão macarthista da Guerra Vietnã:
Joe
Fria após a Segunda Guerra Mundial, foi

revivido durante as décadas de 1960 e 1970.
Figuras como Martin Luther King Jr tornaram-
se críticos cada vez mais veementes da
Guerra do Vietnã. Embora seja frequentemente
descrito como um moralista anódino, um
precursor do liberalismo multicultural, King
foi na verdade um visionário cuja política se
tornou cada vez mais radical em conjunto
com o movimento que liderou. Nada
expressou melhor esse radicalismo
crescente do que a sua decisão de se opor
publicamente à Guerra do Vietname - uma
medida que até os seus conselheiros mais próximos recomenda

Ignorando o conselho deles, em 4 de abril

de 1967, exatamente um ano antes de seu
assassinato, King fez o discurso mais
controverso de sua carreira. Falando na
Igreja Riverside, em Nova Iorque, ele se
manifestou contra a Guerra do Vietname e
apelou à administração Johnson para que
suspendesse a sua campanha de
bombardeamentos sem precedentes e
iniciasse a retirada de meio milhão de soldados norte-americanos
Condenando a “loucura” da política da
administração democrata, King concentrou-
se na incrível brutalidade que as pessoas
comuns no Vietname enfrentaram às mãos
dos militares americanos. “Eles devem ver
os americanos como libertadores
estranhos”, concluiu , quando essa
suposta libertação envolveu apoiar
governos corruptos e antidemocráticos,
destruir aldeias inteiras, desfolhar o campo
com napalm e Agente Laranja, e matar
mulheres, crianças e a população. idoso.
E o que dizer dos soldados norte-
americanos, esmagadoramente crianças
da classe trabalhadora oriundas de
comunidades rurais atingidas pela pobreza
e de guetos urbanos segregados?
Observando o número desproporcional de
afro- americanos que foram enviados para
matar e morrer nos pântanos do Vietname,
King criticou a administração por “pegar
os jovens negros que tinham sido
paralisados pela nossa sociedade e enviá-
los a 13 mil quilómetros de distância”. para
garantir liberdades no Sudeste Asiático que não tinham encon
King salientou que as esperanças de um
esforço real para combater a pobreza nos
EUA, inspiradas pelo programa Grande
Sociedade de Johnson, foram destruídas
pela escalada no Vietname. Uma campanha
genuína para erradicar a pobreza internamente era impossível,
116
Num mundo cheio de

exploração e opressão, é
preciso diferenciar entre
a violência dos
aqueles que lutam para
manter a injustiça e
aqueles que lutam contra a injusti
ele concluiu, “enquanto aventuras como

a do Vietnã continuassem a atrair
homens, habilidades e dinheiro como
um tubo de sucção demoníaco e destrutivo”.
Perante tudo isto, King disse que não
podia mais ficar calado, apesar da forte
pressão dos seus supostos aliados na
administração Johnson para evitar críticas
públicas à política do governo para o
Vietname . Comparando a incrível escala
da violência no Vietname com a destruição
relativamente pequena produzida por uma
série de motins que eclodiram em muitas
das grandes cidades da América - que
causaram muita preocupação na imprensa
sobre a ameaça representada pelos
“extremistas negros” — King descreveu a
sua constatação “de que nunca mais
poderia levantar a minha voz contra a
violência dos oprimidos nos guetos sem
primeiro ter falado claramente com o maior
fornecedor de violência no mundo de hoje:
o meu próprio governo”. Poucos dias
depois, ele marchou num protesto em massa contra a guerra
O discurso de King, conhecido pela
posteridade como “Além do Vietnã”, rendeu-lhe a ira

até mesmo de figuras anteriormente simpáticas

do establishment liberal. Ele foi desconvidado
de uma visita planejada com Johnson na Casa
Branca. Um dos conselheiros do presidente
escreveu em privado que King tinha “apostado
na sua sorte com os comunistas”. Enquanto
isso, ele foi atacado em editoriais publicados
no dia seguinte em 168 grandes jornais. O New
York Times escreveu que a sua denúncia da
guerra foi “um desperdício e autodestrutiva”. O
Washington Post fez melhor, dizendo de King:
“ele diminuiu a sua utilidade para a sua causa,
o seu país e o seu povo”.
O que King compreendeu foi que o 19306
racismo e a desigualdade interna, e a guerra

no estrangeiro, estavam interligados. Este
reconhecimento colocou-o em conflito com A
os seus antigos apoiantes liberais, cuja

vontade de desafiar o status quo terminou -
como tantas vezes aconteceu com o
Evolução
establishment liberal - quando a posição da

América como a potência imperial mais forte do mundo entrou e
No entanto, ao confrontar estas questões e
ao desafiar os seus antigos amigos, King estava
a abordar um conjunto de questões que
qualquer movimento social de massas que faça
avanços sérios nos Estados Unidos acabará
por ter de enfrentar: não se pode falar sobre
mudança social em casa enquanto se ignora a
carnificina gerada pela política externa
americana. Para a esquerda dos EUA, e
especialmente para qualquer futuro movimento socialista aqui, esta é
118
Os socialistas querem
erradicar a guerra
porque ela é brutal e
irracional. Mas
pensamos que há uma
diferença entre a
violência dos opri
Por que os socialistas

falam tanto sobre os
trabalhadores?
Vivek Chibber
A maioria das pessoas sabe que os socialistas

colocam a classe trabalhadora no centro da sua
visão política. Mas por que exatamente? Quando
faço esta pergunta a estudantes ou mesmo a
activistas, obtenho uma série de respostas, mas a
resposta mais comum é moral –
os socialistas pensam que os trabalhadores são
os que mais sofrem sob o capitalismo, fazendo da
sua situação a questão mais importante a focar.
Agora é verdade, claro, que os trabalhadores
enfrentam todo o tipo de indignidades e
privações materiais , e qualquer movimento
pela justiça social tem de considerar isto
como uma questão central. Mas se isso é
tudo, se esta é a única razão pela qual
devemos nos concentrar nas aulas, o
argumento desmorona facilmente. Afinal, há
muitos grupos que sofrem indignidades e injustiças – minorias raci
Por que destacar os trabalhadores? Por que não
dizer simplesmente que todos os grupos marginais
e oprimidos deveriam estar no centro da estratégia socialista?
No entanto, o foco na classe é mais do que
apenas o argumento moral. A razão

Os socialistas acreditam que a organização de

classes tem de estar no centro de uma
estratégia política viável e também tem a ver
com dois outros factores práticos : um
diagnóstico de quais são as fontes de injustiça
na sociedade moderna, e um prognóstico de
quais são as melhores alavancas para mudança em uma direção ma
O capitalismo não vai entregar
Há muitas coisas que as pessoas precisam

para levar uma vida decente. Mas dois itens
são absolutamente essenciais. A primeira é
alguma garantia de segurança material –
coisas como ter renda, moradia e cuidados
básicos de saúde. A segunda é estar livre da dominação social –
se você estiver sob o controle de outra pessoa,
se ela tomar muitas das decisões importantes
por você, você estará constantemente
vulnerável a abusos. Assim, numa sociedade
em que a maioria das pessoas não tem
segurança no emprego, ou tem emprego mas
não consegue pagar as suas contas, em que
têm de se submeter ao controlo de outras
pessoas, em que não têm voz na forma como
as leis e regulamentações são feitas – é impossível alcançar a justiç
O capitalismo é um sistema económico
que depende da privação da grande
maioria das pessoas destas pré-condições
essenciais para uma vida digna. Os
trabalhadores chegam ao trabalho todos
os dias sabendo que têm pouca segurança
no emprego; recebem o que os
empregadores consideram consistente
com a sua principal prioridade, que é a
obtenção de lucros e não o bem-estar
dos empregados; trabalham em ritmo e
duração determinados por seus chefes; e
submetem-se a estas condições, não
porque queiram, mas porque para a
maioria deles, a alternativa a aceitar estas condições é não t
122
19550
Por que os socialistas falam tanto sobre os trabalhadores?
A legislação trabalhista não nos salvará

Joe Burns • Jacobino • 27/01/2015
movimento
O
operário
não
é
movimento.
Tem
do capitalismo. É a característica definidora

do sistema.
O poder económico e político está nas
mãos dos capitalistas, cujo único objectivo é
maximizar os lucros, o que significa que a
condição dos trabalhadores é, na melhor das
hipóteses, uma preocupação secundária para
eles. E isso significa que o sistema é, na sua essência, injusto.
Segurando a alavanca
Segue-se que o primeiro passo para tornar a

nossa sociedade mais humana e justa é
reduzir a insegurança e a privação material nos

Os trabalhadores não são apenas um agente social
grupo que é sistematicamente

explorados, eles também são o
grupo mais bem posicionado para implementar
mudança real.
a vida de tantas pessoas e aumentar a sua

margem de autodeterminação. Mas deparamo-
nos imediatamente com um problema – a
resistência política das elites.
O poder não é distribuído igualmente no
capitalismo . Os capitalistas decidem quem é
contratado e despedido e quem trabalha
durante quanto tempo, não os trabalhadores.
Os capitalistas também têm o maior poder
político, porque podem fazer coisas como
fazer lobby, financiar campanhas políticas e
financiar partidos políticos. E uma vez que
são eles que beneficiam do sistema, porque
é que deveriam encorajar mudanças no
mesmo, mudanças que inevitavelmente
significam uma diminuição do seu poder e
dos seus resultados financeiros? A resposta
é que eles não aceitam desafios muito bem e fazem o melhor que p
Os movimentos pela reforma progressista
constataram repetidamente que sempre que
tentam pressionar por mudanças na direcção
da justiça, esbarram no poder do capital.
Quaisquer reformas que exijam uma
redistribuição de rendimentos, ou que venham
do governo como uma medida social – quer
se trate de cuidados de saúde, regulamentos
ambientais, salários mínimos ou programas
de emprego – são rotineiramente contestadas
pelos ricos, porque tais medidas significam
inevitavelmente um redução em sua renda (como impostos) ou em
124
Por que os socialistas falam tanto sobre os trabalhadores?
lucros. O que isto significa é que os esforços

de reforma progressistas têm de encontrar
uma fonte de alavancagem, uma fonte de
poder que lhes permita superar a resistência
da classe capitalista e dos seus funcionários políticos.
A classe trabalhadora tem este poder, por
uma razão simples : os capitalistas só podem
obter os seus lucros se os trabalhadores
comparecerem para trabalhar todos os dias,
e se se recusarem a participar, os lucros
secam da noite para o dia. E se há algo que
chama a atenção dos empregadores é quando o dinheiro para de f
Acções como greves não têm apenas o
potencial de pôr de joelhos determinados
capitalistas, mas podem ter um impacto muito
além, em camada após camada de outras
instituições que dependem directa ou
indirectamente deles – incluindo o governo.
Esta capacidade de derrubar todo o sistema,
simplesmente recusando-se a trabalhar, dá
aos trabalhadores uma espécie de vantagem
que nenhum outro grupo na sociedade tem,
excepto os próprios capitalistas. É por isso Por
Erik
que, se a mudança social progressista exige

a superação da oposição capitalista – e aprendemos ao longo de t
então é de importância central organizar os
trabalhadores para que possam usar esse poder.
Os trabalhadores não são, portanto, 26897
apenas um grupo social que é sistematicamente

oprimido e explorado na sociedade moderna,
são também o grupo que está melhor
posicionado para promover mudanças reais
e extrair concessões do principal centro de
poder – os banqueiros e industriais que
dirigem o sistema. Eles são o grupo que entra
em contacto com os capitalistas todos os
dias e está ligado a um conflito perene com
eles como parte da sua própria existência.
Eles são o único grupo que precisa de capital
se quiserem melhorar as suas vidas. Não há
mais força lógica para organizar um movimento político.

E isso não é apenas uma teoria. Se

olharmos para trás, para as condições em
que foram aprovadas reformas de grande
alcance ao longo dos últimos cem anos,
reformas que melhoraram as condições
materiais dos pobres, ou que lhes deram
mais direitos contra o mercado - elas
basearam-se invariavelmente na classe
trabalhadora. mobilização. Isto é verdade
não apenas com as medidas “daltónicas”
do Estado-providência, mas mesmo com
fenómenos como os direitos civis e a luta pelo voto.
Qualquer movimento que estendesse
benefícios aos pobres, fossem eles negros ou
brancos, homens ou mulheres, tinha que se
basear numa mobilização dos trabalhadores.
Isto era verdade na Europa e no Sul Global,
tanto quanto nos Estados Unidos.
É este poder de extrair concessões reais
do capital que torna a classe trabalhadora tão
importante para a estratégia política.
É claro que o facto de os trabalhadores
também constituírem a maioria em todas as
sociedades capitalistas e de serem
sistematicamente explorados apenas torna a sua situação ainda ma
Esta combinação de urgência moral e força
estratégica é a razão pela qual a política
socialista se baseia na classe trabalhadora. ÿ
126
Os trabalhadores estão no
centro do sistema capitalista.
E é por isso que estão no
centro da política
socialista.
O socialismo
será chato?
Danny Katch
O ano era 2081 e todos finalmente eram

iguais. Eles não eram apenas iguais
perante Deus e a lei. Eles eram iguais
em todos os sentidos. Ninguém era
mais inteligente do que ninguém.
Ninguém era mais bonito do que
ninguém. Ninguém era mais forte ou
mais rápido do que ninguém. Toda esta
igualdade deveu-se às Emendas 211,
212 e 213 à Constituição e à vigilância
incessante dos agentes do Handicapper General dos Esta
Esta não é a minha versão de 2081,
mas a de Kurt Vonnegut nas primeiras
linhas de seu “Harrison Bergeron”, um
conto sobre um futuro em que todos serão iguais.
Pessoas atraentes são forçadas a usar máscaras,
pessoas inteligentes têm fones de ouvido que
distraem regularmente seus pensamentos com
ruídos altos e assim por diante.
Como seria de esperar de Vonnegut,
há alguns momentos sombriamente hilários -
como uma apresentação de balé em que os
dançarinos são algemados com pesos nas pernas - mas

ao contrário da maioria das suas histórias,

“Harrison Bergeron” baseia-se numa
premissa reaccionária: a igualdade só pode
ser alcançada reduzindo os mais talentosos
às fileiras medíocres das massas.
O socialismo tem sido frequentemente
retratado na ficção científica nestes tipos de
termos distópicos cinzentos, que reflectem
a ambivalência que muitos artistas têm em
relação ao capitalismo. Os artistas sentem A
Miranda
muitas vezes repulsa pelos valores anti-

humanos e pela cultura comercializada da
sua sociedade, mas também estão
conscientes de que têm um estatuto único
dentro dela que lhes permite expressar a sua individualidade
23040 cria
Temem que o socialismo os retire desse
estatuto e os reduza ao nível de meros
trabalhadores, porque são incapazes de
imaginar um mundo que valorize e encoraje
a expressão artística de todos os seus membros.
É claro que há outra razão pela qual as
sociedades socialistas são imaginadas como
sombrias e sombrias: a maioria das
sociedades que se autodenominaram
socialistas têm sido sombrias e sombrias.
Pouco depois das revoluções na Europa
Oriental que puseram fim ao domínio da
União Soviética, os Rolling Stones fizeram
um concerto lendário em Praga, no qual
foram recebidos como heróis culturais.
O problema é que estávamos em 1990,
Mick e Keith tinham quase cinquenta anos, e
já se passaram anos desde seu hit mais
recente, uma música chamada “Harlem Shuffle”, que é horrível.
Esqueçam os livros censurados e as
proibições de manifestações. Se você
quiser entender o quão chata era a
sociedade stalinista, assista ao vídeo
de “Harlem Shuffle” e depois pense em
uma das cidades mais legais da Europa
enlouquecendo de alegria com a chance de ver aqueles ca
130
O socialismo será chato?
Para ser um socialista

eficaz, é extremamente
útil gostar dos seres huma
Será que realmente importa se o socialismo

é chato? Talvez pareça tolo, até mesmo
ofensivo , preocupar-se com um assunto tão
trivial comparado com os horrores que o
capitalismo inflige o tempo todo. Pense nos
perigos do aumento dos furacões e dos
incêndios florestais causados pelas alterações
climáticas, no trauma de perder a sua casa ou
o seu emprego, ou na insegurança de não
saber se o homem sentado ao seu lado a vê
como alvo de violação. Gostamos de assistir
a filmes sobre o fim do mundo ou sobre
pessoas que enfrentam adversidades , mas na
vida real a maioria de nós prefere a previsibilidade e a rotina.
Preocupar-se com o facto de o socialismo
poder ser aborrecido pode parecer o derradeiro
“ problema dos brancos”, como a Internet
gosta de dizer. Claro que seria bom eliminar a
pobreza, a guerra e o racismo... mas e se eu ficar entediado?
Mas isso importa, claro, porque não
queremos viver numa sociedade sem
criatividade e entusiasmo, e também porque
se essas coisas estão a ser sufocadas, então
deve haver uma certa camarilha ou classe
dominante que está a fazer o sufoco - seja ou
não, eles acham que é para o nosso próprio
bem. Finalmente, se o socialismo for obsoleto
e estático, nunca será capaz de substituir o
capitalismo, que pode ser chamado com
precisão de muitas coisas desagradáveis, mas aborrecido não é um

O capitalismo revolucionou o mundo

muitas vezes nos últimos duzentos anos e
mudou a forma como pensamos, olhamos,
comunicamos e trabalhamos. Apenas nas
últimas décadas, este sistema adaptou-se
rápida e eficazmente à onda global de
protestos e greves dos anos sessenta e
setenta: fábricas sindicalizadas foram
fechadas e transferidas para outros cantos
do mundo, o papel declarado do governo
foi transferido de ajudando as pessoas a
ajudar as corporações a ajudar as pessoas
e, finalmente, todas essas mudanças e
outras também foram vendidas para nós
como aquilo pelo qual os manifestantes
lutaram o tempo todo - um mundo em que
todo homem, mulher e criança nasce com
o mesmo direito de compre quantos smartphones e jeans rasg
O capitalismo pode reinventar-se muito
mais rapidamente do que qualquer ordem
económica anterior. “A conservação dos
antigos modos de produção em forma
inalterada”, escrevem Marx e Engels no
Manifesto Comunista , é “a primeira
condição de existência para todas as
classes industriais anteriores. A constante
revolução da produção, a perturbação
ininterrupta de todas as condições sociais,
a incerteza e a agitação eternas distinguem
a época capitalista de todas as anteriores.” Tudo
Marshall
Enquanto as sociedades de classes

anteriores tentavam desesperadamente manter o status quo, o
O resultado é um mundo em constante movimento.
O bairro fabril de ontem é a favela de hoje
e o bairro hipster de amanhã. Tudo o que
é sólido se desmancha no ar. Essa é outra
frase do Manifesto e também o nome de
um livro maravilhoso de Marshall Berman, 12043
que escreve que viver no capitalismo

moderno é “nos encontrar num ambiente
que nos promete aventura, poder, alegria,
132
crescimento, transformação de nós mesmos e

do mundo – e ao mesmo tempo, isso ameaça
destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos,
tudo o que somos.”
No entanto, a maior parte de nossas vidas está
longe de ser emocionante. Trabalhamos para chefes

que querem que sejamos drones estúpidos. Mesmo
quando uma invenção nova e interessante chega ao
nosso local de trabalho, podemos contar com que
ela eventualmente será usada para nos obrigar a
trabalhar mais em menos tempo, o que pode
despertar as paixões da gestão, mas apenas preencherá os nossos dias com
Fora do trabalho, é a mesma história. As
escolas consideram que seu papel principal é
fornecer “prontidão para a carreira”, que é uma 24680
frase inofensiva que significa preparar as

crianças para lidar com as besteiras do trabalho.
Mesmo as poucas horas que deveriam ser
nossas são gastas principalmente lavando
A
roupas, cozinhando, limpando, verificando os

deveres de casa e todas as outras tarefas
necessárias para preparar a nós mesmos e às
Megan
nossas famílias para o trabalho no dia seguinte.

A maioria de nós só sente a excitação do
capitalismo como algo que acontece noutro
lugar: novos gadgets para pessoas ricas, festas
loucas para celebridades, espectáculos
espantosos para ver no sofá. Pelo lado positivo,
pelo menos a maior parte é melhor do que
“Harlem Shuffle”.
Pior ainda, quando conseguimos tocar diretamente
na emoção, geralmente é porque estamos no centro
da questão. São nossos empregos sendo substituídos
por aquele novo robô incrível, nosso aluguel ficando
muito caro desde que a bela torre de luxo foi
construída do outro lado da rua. Para piorar a
situação, se nos queixarmos, somos informados de
que estamos a impedir o progresso.
O sacrifício de indivíduos em nome do

progresso social é considerado um dos

os horrores do socialismo, um mundo governado

por burocratas sem rosto que supostamente
agem para o bem comum. Mas há muitos
decisores invisíveis e não eleitos sob o
capitalismo, desde funcionários de seguros de
saúde que não nos conhecem, mas podem
determinar se a nossa cirurgia é “necessária”,
até fundações financiadas por bilionários que
declaram escolas que nunca visitaram como
sendo escolas que nunca visitaram. “falhas”.
O socialismo também envolve muitas
mudanças, convulsões e até caos, mas este
caos, como Hal Draper poderia ter dito, vem de 12043
baixo. Durante a Revolução Russa, o governo

soviético liderado pelos bolcheviques retirou o
casamento do controle da igreja um mês depois As
de assumir o poder e permitiu que os casais se

divorciassem a pedido de qualquer um dos
parceiros.
Estas leis mudaram dramaticamente a Hal
dinâmica familiar e a vida das mulheres, como

evidenciado por algumas das letras de canções
que se tornaram populares nas aldeias rurais russas:
Houve um tempo em que meu marido usava

os punhos e a força. Mas agora ele está tão terno.
Pois ele teme o divórcio. Não tenho mais
medo do meu marido. Se não pudermos
cooperar, irei a tribunal e iremos separar-nos.
É claro que o divórcio pode ser doloroso e

também libertador. As revoluções lançam tudo
sob uma nova luz, desde os nossos líderes até
aos nossos entes queridos, o que pode ser ao
mesmo tempo emocionante e doloroso.
“Acontecimentos gigantescos”, escreveu
Trotsky num artigo de jornal de 1923, “caíram
sobre a família na sua antiga forma, a guerra e a
revolução. E seguindo-os veio rastejando
lentamente a toupeira subterrânea - o
pensamento crítico, o estudo consciente e a avaliação das relações fa
134
e formas de vida. Não admira que este

processo reaja da forma mais íntima e,
portanto, mais dolorosa nas relações familiares.”
Num outro artigo, Trotsky descreveu a
experiência quotidiana na Rússia revolucionária
como “o processo pelo qual a vida quotidiana
das massas trabalhadoras está a ser dividida
e formada de novo”. Tal como o capitalismo,
estes primeiros passos em direcção ao
socialismo ofereciam tanto a promessa de
criação como a ameaça de destruição, mas
com a diferença crucial de que as pessoas
sobre as quais Trotsky escreveu estavam a
desempenhar um papel activo na determinação de como o seu mun
Estavam longe de ter o controlo total,
especialmente sobre a pobreza e o
analfabetismo em massa que o czar e a guerra
mundial lhes tinham legado. Mas mesmo
nestas condições miseráveis, os anos entre a
Revolução de Outubro e a consolidação final
do poder por Estaline demonstraram o
entusiasmo de uma sociedade em que novas
portas estão abertas às classes maioritárias
pela primeira vez.
Houve uma explosão de arte e
cultura . Pintores e escultores de
vanguarda decoraram as praças
públicas das cidades russas com a
sua arte futurista. Para que conste,
Lenine odiava os futuristas, mas isso
não impediu o governo de financiar
a sua revista, Art of the Commune.
Balés e teatros foram abertos ao
público de massa. Grupos culturais e
comités de trabalhadores uniram-se
para levar arte e formação artística
às fábricas. O cineasta Sergei
Eisenstein ganhou fama mundial pela
técnica inovadora dos seus filmes que retratam a Revo
A premissa boba de “Harrison Bergeron”
foi refutada. O socialismo não encontrou talentosos

artistas como uma ameaça à “igualdade” ou

encontrar uma contradição entre valorizar os
artistas individuais e abrir o mundo da arte
anteriormente elitista às massas de
trabalhadores e camponeses.
As possibilidades do socialismo que o
mundo vislumbrou na Rússia durante alguns
anos não foram uma experiência estéril
controlada por um punhado de teóricos, mas
uma criação confusa e emocionante de dezenas
de milhões de pessoas que tentavam encontrar
uma forma diferente de gerir a sociedade e de
tratar uns aos outros. com todas as
competências, impedimentos e neuroses que
adquiriram ao viver sob o capitalismo, nas
circunstâncias horríveis de um país pobre e
devastado pela guerra. Eles erraram de todas
as maneiras, mas também mostraram que o
socialismo é uma possibilidade real , e não um
sonho utópico que não se adapta às necessidades dos seres human
E a sociedade para a qual apontavam era
um lugar onde a igualdade significava não
diminuir, mas aumentar o nível cultural e
intelectual geral da sociedade. Nos muitos
romances, filmes e outras representações
artísticas do socialismo, há pouca menção ao
aumento das taxas de divórcio e aos debates
acalorados sobre a arte. A maioria deles
imagina sociedades sem conflitos, e é por isso
que parecem tão assustadoras – incluindo
aquelas que pretendem promover o socialismo.
Um problema semelhante existe hoje em
muitos movimentos de protesto, nos quais
alguns activistas querem organizar movimentos
e reuniões em torno de um modelo de consenso,
o que significa que quase todos os presentes
têm de chegar a acordo sobre uma decisão para que esta seja aprova
Às vezes, o consenso pode ser uma forma eficaz
de construir confiança entre pessoas que não se
conhecem e não confiam umas nas outras,
especialmente porque a maioria das pessoas neste mundo supostamente
136
A maioria de nós só experimenta

a excitação de
o capitalismo como algo que
acontece em outro lugar:
novos gadgets para pessoas
ricas, festas selvagens para
celebridades, performances
incríveis para assistir no sofá.
A sociedade democrática quase não tem

experiência em participar no processo
democrático de discussão, debate e,
depois, numa votação por maioria.
Contudo, quando os organizadores encaram
o consenso não apenas como uma táctica
temporária, mas como um modelo de como a
sociedade deve ser gerida, surge um problema.
Quero viver numa sociedade democrática com
conflitos e discussões, onde as pessoas não
tenham medo de defender aquilo em que
acreditam e não se sintam pressionadas a
suavizar as suas opiniões para que, quando for
alcançado um compromisso, possamos fingir
que todos concordamos em primeiro lugar. Se
a sua defesa do socialismo se baseia na ideia
de que as pessoas deixarão de entrar em
discussões e até mesmo de agir ocasionalmente como idiotas, você p
O socialismo não será criado, escreveu
Lenin uma vez, com “material humano
abstracto, ou com material humano
especialmente preparado por nós, mas com
o material humano que nos foi legado pelo
capitalismo. É verdade que isso não é uma questão fácil, mas não

para esta tarefa é suficientemente séria para

merecer discussão.”
Para ser um socialista eficaz, é extremamente
útil gostar dos seres humanos. Não a
humanidade como conceito, mas pessoas
reais e suadas. Em Tudo o que é sólido
desmancha no ar, Berman conta uma história
sobre Robert Moses, o famoso planejador
público da cidade de Nova York que arrasou
bairros inteiros que atrapalhavam os locais
exatos onde ele imaginava novas rodovias.
Moisés, disse certa vez um amigo , “amava o público, mas não como p
Ele construiu parques, praias e rodovias para
uso das massas, embora detestasse a maioria
dos nova-iorquinos da classe trabalhadora
que encontrou.
Amar o público, mas não as pessoas, é
também uma característica dos socialistas
elitistas, cuja fé repousa mais em planos de
desenvolvimento quinquenais, em planos
utópicos ou em vencer eleições futuras do que
nas maravilhas que centenas de milhões
podem realizar quando são inspirados e
libertados . . É por isso que as suas visões para o socialismo são tã
Por outro lado, Marx, que muitas vezes é
apresentado como um intelectual isolado, era
uma pessoa turbulenta, argumentativa,
engraçada e apaixonada , que certa vez declarou
que seu ditado favorito era a máxima: “Eu sou
um ser humano, não considero nada que seja
humano. estranho para mim.” Acho difícil
imaginar como um mundo governado pela
maioria dos seres humanos, com todos os
nossos gloriosos e irritantemente diferentes
talentos, personalidades, loucuras e paixões , poderia ser chato. ÿ
138
O socialismo não
consiste em
induzir uma mediocridade
branda. Trata-
se de liberar o potencial criativo d
Notas
Notas
Notas
Notas
US$ 14,95/£ 8,99/US$ 19,50 CAN

Jacobin Abcs

Enviado por

Dados do documento

Título original

Direitos autorais

Formatos disponíveis

Compartilhar este documento

Compartilhar ou incorporar documento

Opções de compartilhamento

Você considera este documento útil?

Este conteúdo é inapropriado?

Direitos autorais:

Formatos disponíveis

Jacobin Abcs

Enviado por

Direitos autorais:

Formatos disponíveis

Machine Translated by Google

Machine Translated by Google

The ABCs of Socialism foi produzido como uma

Se você estiver interessado nas ideias deste livro, junte-

Visite www.jacobinmag.com/reading-groups/ para

Publicado pela primeira vez pela

Todos os direitos reservados

Os direitos morais dos autores foram afirmados

Reino Unido: 6 Meard Street, Londres W1F 0EG

Verso é a marca da New Left Books

Catalogação da Biblioteca Britânica em Dados de Publicação

Dados de catalogação na publicação da Biblioteca do Congresso

Composto em Antuérpia por tipo A2

Entre centenas de outros, este livro foi possível

Agradecimentos especiais ao Fundo

Este livro contém anotações no texto

hiperlink para referência direta a

Nicole Aschoff é editora-chefe da Jacobin

Alyssa Battistoni é editora da Jacobin e estudante de

Jonah Birch é estudante de pós-graduação em

Vivek Chibber é professor de sociologia na Universidade

Danny Katch é um colaborador do Socialist Worker

Chris Maisano é editor colaborador da Jacobin

Nivedita Majumdar é professora associada de inglês

Michael A. McCarthy é professor assistente de sociologia

Joseph M. Schwartz é o vice-presidente nacional dos

Bhaskar Sunkara é o editor fundador e editor da

Keeanga-Yamahtta Taylor é professora

Adaner Usmani é estudante de graduação na

Erik Olin Wright é professor de sociologia na Universidade

A América já não é meio socialista?

O socialismo parece bom em

Um mundo mais democrático não

Os socialistas ficarão com meus

O socialismo não acaba sempre

Há pouco mais de um século, o

Naquele ano, só em Oklahoma foram

atual e mais como um pedaço

Se você passa muito tempo nas redes

de renda (bibliotecas públicas, assistência social, assistência social).

FBI, CIA, militares, tribunais, prisões e

socialismo com o governo é talvez a pior

com o socialismo obriga-nos a defender muitas das formas m

A América já não é meio socialista?

aqueles que gostaríamos de abolir numa

a população passiva passa a apoiar

nos-á mais liberdade relativamente às suas

Houve uma série de iniciativas governamentais

A América já não é meio socialista?

cortes de impostos para empresas que simplesmente

legislação que beneficie os trabalhadores —

governamentais que considerem serem contra os seus interesses.

induzidos a fazer investimentos através de

alinharem as suas decisões políticas com os

A América já não é meio socialista?

só foram vencidas com o apoio de lutas

É aqui que a mobilização popular contínua

Isto implicaria não só a criação de órgãos

Mas pelo menos o

Erik Olin Wright

Nos Estados Unidos, muitos tomam como

alegação de que o capitalismo obstrui

fundamentalmente tanto a liberdade como