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Camargo 1
P AIS E F ILHOS
O Relacionamento Especial Mais Relevante
Nossa Sala de Aula Mais Destacada
Primeira Parte
Segunda Parte
2 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de B. Camargo
O filho é uma aula, escolhida por todos os membros da família, para capacitar a
todos a aprender o perdão.
Não importa o que seja a “realidade”, pois, mesmo que outros sejam bons e
amorosos, nós edificaremos um conto de traição e rejeição e o
perceberemos como não amoroso. Precisamos que sejam assim, porque isso
confirma – para nós mesmos – que não somos responsáveis pelo que está
acontecendo conosco.
A meta de estarmos aqui é para nos lembrarmos de que não estamos aqui,
mas que somos os filhos de Deus, e não filhos do ego, ou de seu mundo.
1
N.T. – Entre grampos da tradução.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 3
P AIS E F ILHOS
O Relacionamento Especial Mais Relevante
Nossa Sala de Aula Mais Destacada
Primeira Parte
C R I A Ç Ã O E D I R E Ç Ã O D I D Á T I C A S
Todos os direitos de reprodução deste livro estão reservados sob as leis estabelecidas
nas Convenções Internacionais e pan-americanas de Direitos Autorais, protegendo a
integridade e fidelidade ao texto original. Esta tradução livre destina-se exclusivamente
à distribuição interna como cópia de rascunho.
Cópia xerográfica de prova de rascunho feita no Brasil
C a t a l o g a ç ã o n a F o n t e
Wapnick, K.
PAIS E FILHOS: O Relacionamento Especial Mais Relevante, Nossa Sala de Aula Mais
Destacada
Kenneth Wapnick
Tradução livre não autorizada para o português: M.Thereza de Barros Camargo
Inclui o índice
ISBN
ISBN
1.Curso em Milagres 2. Pais e Filhos – Vida religiosa 3.Pais – Vida religiosa 4. Filhos
– Vida religiosa I Título 5. Psicoterapia – Relacionamento interpessoal
BP00000CW00000
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PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 5
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 7
Não há nada em mim que tu não possas atingir. Eu nada tenho em mim
que não venha de Deus. A diferença entre nós agora, é que eu não tenho
nada mais. Isso me deixa em um estado que, em ti, é apenas potencial.
(T-1.II.3:10-13)
Meu relacionamento com você não é o que precisa ser curado, porque o seu corpo
e o meu, ambos são projeções de minha mente. O que tem de ser curado é o meu
relacionamento comigo mesmo!
p. 160
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 9
CONTEÚDO 1ª parte
SOBRE O AUTOR
SOBRE A TRADUTORA
SOBRE UM CURSO EM MILAGRES
REFERÊNCIAS E NOTAÇÕES
PREFÁCIO E RECONHECIMENTOS DO AUTOR
INTRODUÇÃO
1. MENSAGEM DE JESUS A BILL
Introdução
A Mensagem
2. PAIS CRIANDO FILHOS
DISCUSSÃO I
Colocar limites por meio de disciplina
Amor árduo
Amor condicional
Recusa ao amor
Piercing do corpo
Responsabilidade demasiada ou reduzida aos filhos
Efeito da dor e do abuso dos filhos
O ARCO DE SEGURANÇA
DISCUSSÃO II
Quando os Pais discordam entre si
Ensinando Um Curso em Milagres aos filhos – Treino
Religioso
Preparando os filhos para um mundo sem valor
Culpa por não ter sido um pai ou avô bom o suficiente
Tragédias, Desventuras e Morte
3. SUMÁRIO – FORMA E CONTEÚDO
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 11
SOBRE O AUTOR
KENNETH WAPNICK, PH.D. (Brooklyn, N.Y.-1942- ), de origem judaica, formado em
medicina, especializa-se em psicologia para clinicar como psicoterapeuta. Em
outubro,1972, desencantado com o mundo e com a vida, estava disposto a converter-se
ao catolicismo e trancafiar-se num mosteiro em Jerusalém, fechando-se para o mundo,
mesmo à custa do abandono de sua prática profissional, se preciso fosse, quando um
amigo seu, Father Michael, apresentou-o à Dra. Helen Schucman e ao Dr. William
Thetford, recomendando-lhe ler um texto que ela havia canalizado, e ele datilografado,
de nome UM CURSO EM MILAGRES. Eram sete pastas de arquivo, com o texto
datilografado, revisado pela escriba, um texto contínuo único, sem edição, versando
sobre o relacionamento entre pessoas, com base na espiritualidade. A partir dessa
leitura, sua vida muda. Passa, então, a dedicar-se exclusivamente a esse ensinamento
contido no sistema de pensamento que ensina, colabora com Helen e Bill, de quem se
fez amigo e companheiro, na preparação da edição do livro, finalmente publicado em
1976, com a indispensável participação de Judy Skutch, que cria a FUNDAÇÃO PARA A
PAZ INTERIOR, numa tiragem inicial de apenas 5.000 exemplares. Nunca mais se parou
de publicá-lo, hoje traduzido até agora em cerca de 20 línguas, dá volta ao mundo,
continuando a ser traduzido até que alcance todas as línguas faladas do mundo atual.
No outono de 1981 casa-se com Gloria, estudante do Curso, com quem cria, no
final de 1982, a Fundação para UM CURSO EM MILAGRES, braço didático da FUNDAÇÃO
PARA A PAZ INTERIOR. Hoje é o professor mais destacado do Curso e Presidente da
Fundação que criou, agora detentora do copyright do Curso, sempre contando com
Gloria para a preservação da autenticidade original do texto canalizado.
Diz Kenneth: “Antes de ler o Curso, sempre me sentia como se eu não fizesse
parte das coisas, estivesse separado e fosse um marginal a tudo por aqui. O Curso
tornou tudo claro para mim. Descobri que o que está dentro é igual ao que está fora. Se
não estiver, trato de fazer com que fique. O Curso fez de mim uma pessoa íntegra e
harmônica, que sabe quem é, de onde veio, porque está aqui, qual é seu encargo, e para
onde vou ao despertar desse sonho em que creio estar. Tudo agora para mim adquiriu
sentido, justificativa e propósito, e o que é melhor, agora sou feliz e estou em paz pelo
perdão.”
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 13
SOBRE A TRADUTORA
MARIA THEREZA DE BARROS CAMARGO, (Limeira, SP. 1928 - ), de origem católica
apostólica romana, sem educação católica formal, alfabetizada em português e inglês
juntos, diploma-se arquiteta pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie,
S.P., 1953. Casa-se, em 1955, com o diplomata de carreira brasileiro, Emb. B.Rocque
da Motta, mora 7 anos no exterior, com o marido, e a partir da primavera de 1962, no
Rio de Janeiro. É arquiteta da CEHAB-RJ, Cia. Estadual de Habitação do RJ, desde
1964. Buscadora espiritual desde adolescente, transita por diferentes denominações
espiritualistas e meditativas, à busca de Deus dentro de si. Encontra e estuda UM CURSO
EM MILAGRES a partir do outono de 1993. Traduz e escreve livros e textos com base no
sistema de pensamento de UM CURSO EM MILAGRES, hoje sua prática espiritual única.
Funda em 1996 o grupo A Vigília da Mente Int.- The Mind Watch Int.,
estrutura e orientação didática de sua produção de literatura sobre o Curso. Dá aulas do
Curso, funda com Geraldo Maia, em 1996, no Rio de Janeiro, o grupo de UCEM de
Copacabana; integra o grupo de Rosa Maria Simão, em Niterói, e o de Marcos Morgado
Ribeiro, “A-CURA-DA-MENTE-E-O-RETORNO-A-DEUS”, na Interrnet; é palestrante do
Curso, a convite. Cria, com o poeta, escritor, editor e professor de grego João José de
Melo Franco, o nome – psicortosofia – para o sistema de pensamento do Curso, e usa
os títulos de psicortósofa e psicortoterepeuta. Publica OREMAS – Orações em Poemas,
em 2007, Ibis Libris, focado no Curso, primeiro livro de poemas integralmente sobre o
Curso, em português. Lê seus Oremas em grupos de poesia, ensinando e difundindo a
psicortosofia poeticamente. Traduz O Desaparecimento do Universo e Sua Realidade
Imortal, de Gary R.Renard, que detalham, explicam e aprofundam o estudo do Curso,
publicados, no Brasil, pela Ibis Libris Editores, em 2008. Tem um casal de filhos,
Thereza Christina Rocque da Motta, advogada, tradutora jurídica e juramentada, poeta e
editora, e Carlos Prudente Rocque Serôa da Motta, engenheiro civil e de petróleo pleno,
fotógrafo, capitão velejador cruzeirista e criador de cães da raça collie, com sua mulher
Ana Claudia; hoje é avó de quatro netos, Alice, Eloísa, Pedro e Beatriz. Dá aulas do
Curso em português, inglês, francês e espanhol. Contato com a tradutora, pedido de
exemplares de OREMAS e esclarecimento gratuito sobre o Curso por telefone: 21
2521.6444, 21 9965.2115, e por e-mail mtbcamargo@terra.com.br
14 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
RECONHECIMENTOS DA TRADUTORA
Agradeço, em primeiro lugar, a Jesus que nos mandou esse Curso, o texto mais
importante surgido no mundo desde que o mundo é mundo, ao Divino Espírito Santo,
nosso Conteúdo, que nos ilumina a todos e nos firma em seu estudo e nos orienta, a
todo instante, em sua prática no dia-a-dia; a Helen Schucman, Bill Thetford, Ken e
Gloria Wapnick, Judy Skutch, e todos mais que colaboraram para trazer esse Curso à
luz e mantê-lo disponível como palavra escrita publicada, em muitos idiomas, desde sua
primeira edição em 1976.
Agradeço o apoio, a amizade e a consideração dos alunos de Um Curso em
Milagres que me ouvem falar e explicar o que ensina esse livro único no mundo.
Agradeço a UCEM, meu salvador de tantos e antigos tormentos físicos e
psicológicos, meu ‘muso,’ que me fez poeta após os 70 anos e além e depois de tudo,
me fez ser feliz sempre e estar em paz perene pelo perdão completo, e me ensina como
me permitir ter tudo que preciso e desejo neste sonho e haver, onde for, tudo que é meu
por direito Divino. Além de tudo que já fez e ainda fará por mim, me fará atingir –
afinal! – a cura da minha mente para eu conseguir quebrar, para sempre, o meu circulo
vicioso repetitivo de nascimentos e mortes – a que chamam reencarnação, ou roda de
Samsara – levando-me ao mundo real e ao meu despertar completo e total do sonho
insano de pesadelo em que, neste mundo, vivemos todos.
“Fora do amor, nada é real.”
Amém.
Maria Thereza de Barros Camargo,
Rio de Janeiro, janeiro, 2008
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 15
REFERÊNCIAS E NOTAÇÕES
A notação das citações empregada aqui obedece a notação oficial da tradução brasileira
de UM CURSO EM MILAGRES, edição de 1995, a saber:
Cada citação está identificada com a notação oficial UCEM, exemplificada acima, em
obras em português, para remeter o leitor ao trecho do livro, a que se refere, no interesse
do leitor.
As citações da ‘mensagem’ aqui transcritas, não têm notação indicada no original e não
fazem parte do Curso publicado. Elas integram o documento primeiro do Curso,
denominado UrText, que pode ser acessado , lido, baixado ou impresso via Internet, sob
esse nome, UrTextACIM.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 19
Prefácio
E ste conjunto de dois volumes deste livro é uma compilação de várias oficinas de
estudo e aulas da Academia, nas quais o tema de PAIS E FILHOS foi debatido. Ele
começa com minha palestra inicial na aula de 2005 da Academia, intitulada “PAIS
E FILHOS: Nossa Sala de Aula mais Difícil.” O ponto de equilíbrio dos livros é mantido
por minhas respostas às várias perguntas dos presentes que abordam esse tema, com
algumas perguntas novas, especialmente acrescentadas, do mesmo tema. Devido ao
amplo número de perguntas, e de sua importância no contexto do tema geral, decidimos
expandir nosso formato inicial para dois volumes, formato pequeno, propósito geral da
série, “A Prática de Um Curso em Milagres” de prover pequenos livros compactos, de
fácil manuseio e portabilidade.
A transcrição original da palestra, junto com as perguntas e respostas, foram
editadas para permitir leitura concisa e correta, mantendo a informalidade natural da
minha fala. A seleção e a editoração do material incluído aqui foram feitas para auxiliar
os estudantes de Um Curso em Milagres a aprender curar aquele relacionamento que
está entre os mais importantes, senão o mais importante, de suas vidas. Finalmente, meu
artigo “Perdoando o abusador: Nossa Única Esperança,” do número de março/2006
de nosso noticiário The Lighthouse, foi incluído no apêndice, no final da Parte II deste
livro.
Reconhecimentos
Agradeço à Rosemarie LoSasso, Diretora de Publicações da Fundação para
UCEM, por seu exemplar trabalho editorial. Como sempre, Rosemarie desempenhou
sua função no mais alto nível – sua marca – permitindo-me mais fácil e perfeitamente
completar o processo editorial.
Gostaria, mais uma vez nesta série, de agradecer à minha mulher Glória, cujas
recomendações constantes por livros desta natureza foram o estímulo e a inspiração
para este livro, sem mencionar sua ajuda em todo meu outro trabalho. Ela tem sido, de
fato, a luz que ilumina o caminho ao longo da história de nossa Fundação para UCEM,
desde sua criação em fins de 1982, agora em 2007 completando vinte e cinco anos.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 21
Introdução
E stou certo de que ninguém discordará da afirmação de que a nossa sala de aula
mais difícil são PAIS E FILHOS, quer seja sob o ponto de vista de ser uma criança e
estar crescendo, ou ser um adulto – um pai ou uma mãe – e estar se demolindo,
como seria, no caso, cuidar de pais idosos. Como está discutido ao longo das duas
partes deste livro, nosso relacionamento com nossos pais é o protótipo terreno de todos
os relacionamentos que se seguem, inclusive os que estabelecemos com nossos próprios
filhos. Esse relacionamento, portanto, abriga em si mesmo, a inteireza do sistema de
pensamento de separação, culpa, ataque e perda, do ego. É quase impossível conceber
que alguém consiga ser ajudado, se ainda não curou esse relacionamento primário, o
qual ninguém – sem exceção – consegue evitar, saltar ou fugir. De fato, sem sua cura, o
relacionamento com nossos pais permanece uma barreira, ou com sua cura uma ponte, à
cura de nosso relacionamento com Deus, o relacionamento basilar, o mais primário de
todos, sobre o qual todos os demais se baseiam. E assim, como Jesus nos ensina em Um
Curso em Milagres, se queremos a meta – despertar do sonho de culpa e retornar para
casa – temos também de acatar os meios que ele nos provê para isso: PERDOAR TODOS
NOSSOS RELACIONAMENTOS ESPECIAIS. Não perdoar, então, refletiria a nossa decisão de
permanecermos adormecidos, entre sonhos de vitimação, abuso, infortúnio,
incompreensão e dor, sofrimento e infortúnio. Nossos pais nos oferecem a maravilhosa
oportunidade de acelerar nosso caminho pela viagem de retorno a Deus, com Jesus ao
nosso lado. Por que – pergunta-nos ele repetidamente – escolheríamos não andar com
ele, e com todos os nossos irmãos e irmãs, que compartilham tanto nossos sonhos de
pesadelo e ansiedades para despertar? É meu desejo que estes livros proverão o ímpeto
de continuar, persistir e motivar-nos a completar essa jornada, para o nosso bem pessoal
e o bem de toda a Filiação.
Leituras
2
N.T. – No relacionamento PAIS-FILHOS, o primeiro que aprendemos, está a semente da
paz ou do inferno, conforme o aprendamos, ou não. Minha mãe nos dizia: “Se seu filho
não aprende em casa, o mundo o educa”. É melhor conseguir aprendê-lo no lar,
acredito.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 23
C omeço com uma mensagem que Jesus havia dado a Helen Schucman – escriba de
Um Curso em Milagres – destinada a William Thetford, seu associado, colega e
colaborador na escrita do Curso. A mensagem contém algum material
significativo, a respeito de PAIS E FILHOS, apesar de seu conteúdo ser totalmente
diferente. Originalmente, a mensagem teve a intenção de ajudar Bill com seu medo
(terror poderia ser uma palavra melhor para descrever sua emoção) de falar e dar aula
em público, a despeito de ter uma ótima voz para falar (e também, incidentalmente,
cantar)3, além de ter um senso de humor inteligente. Bill e Helen eram ambos
professores de psicologia médica na School of Physicians and Surgeons, a faculdade de
medicina da Universidade de Columbia, na Cidade de Nova York. A escrita do texto do
Curso, ditado por Helen a Bill, começou no outono de 1965, e uma noite, na primavera
de 1966, Bill estava para dar uma aula para estudantes, na Universidade de Colúmbia,
sobre psicologia excepcional. Ele estava petrificado de ir dar uma aula sozinho e, no
final, Helen terminou lecionando com ele.
Essa mensagem de Jesus veio para ajudá-lo a vencer seu bloqueio, relacionado
com seu problema de autoridade. Uma grande parte da mensagem aparece em meu
livro sobre a Helen, Absence from Felicity: The Story of Helen Schucman and Her
Scribing of A COURSE IN MIRACLES, do qual transcreverei (pp.261-67, segunda edição)4.
Não incluí nesse meu livro a parte da mensagem que já consta do próprio Curso.
Durante a fase de editoração do Curso, Helen, Bill e eu retiramos os aspectos mais
pessoais da mensagem, e deixamos o ensinamento genérico. A maior parte disso é
encontrada no início do Capítulo 4, na seção I, do Curso,“Ensinamento certo e
aprendizado certo,” e alguma coisa na última secção do Capítulo 3. A mensagem foi
registrada por Helen em dezembro, 1965, e nela Jesus junta, numa só costura, os
problemas de Bill com seus pais e seu pavoroso temor de falar em público.
Analisaremos as palavras de Jesus a Bill, em termos de princípios que têm a ver com
nossas próprias experiências, tanto como crianças, como pais. Sendo que a mensagem
pressupõe alguma familiaridade com os princípios de Um Curso em Milagres,
entretanto, apresento as palavras de Jesus, e a minha análise, com uma rápida visão
geral da base para o que Jesus está ensinando Bill.5
3
Os leitores podem se interessar em ouvir a fita de Bill lendo seleções do Curso,
publicadas pela Fundação pela Paz Interior sob o título “Leituras de Um Curso em
Milagres,” à venda na Fundação para Um Curso em Milagres..
4
N.T. – “Ausente da Felicidade: A História de Helen Schucman e sua escrita de UM
CURSO EM MILAGRES,” livro sem publicação em português, no Brasil, até esta data.
5
Para uma apresentação aprofundada do ensinamento de Um Curso em Milagres, ver
meu livro A Mensagem de UM CURSO EM MILAGRES, VOLUME 1: TODOS SÃO CHAMADOS.
N.T.- Sem publicação em português, no Brasil, até esta data.
24 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
6
N.T. – Carinhosamente apelidada por estudantes de Tomador de Decisões.
7
N.T. – Escolher é “querer”, “decidir”, “desejar”, “pedir”, “crer”, “ter medo”, etc..
8
N.T. – Entre grampos da tradução.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 25
A MENSAGEM
Como tu (Helen) disseste muitas vezes, ninguém adotou, como suas, todas as
atitudes de seus pais.
Essa é uma referência a uma prática comum a Helen, quando fazia terapia, ou
apenas ajudava amigos. Quando as pessoas diziam, e repetiam, a respeito de como seus
problemas brotavam do relacionamento problemático com seus pais, Helen explicava
que, se eles, cuidadosamente, examinassem seu desenvolvimento desde a infância,
veriam que não adotavam todas as atitudes que seus pais tinham. De fato, eles até eram
bem seletivos quanto a isso. Esse é o ponto mencionado por Jesus aqui, e ele baseia sua
mensagem no que Helen já praticava, mesmo anos antes da chegada de Um Curso em
Milagres.
Em todos os casos, há um longo processo de escolha, no qual o indivíduo [criança
ou adulto] escapa das que ele próprio vetou, enquanto retém as que ele aprovou e
aceitou [e incorporou]. Bill não reteve as crenças políticas dos pais, a despeito de
um particular tipo de jornal que constituía matéria de leitura deles, nessa área. A
razão pela qual ele conseguiu fazer isso foi porque se acreditava livre nessa área. 9
Jesus explica que Bill decidiu de qual atitude ele se manteria livre, e às quais
ele se deixaria submeter. Seus pais, então, não integravam essa equação. Ele apenas
arrebanhou-os dentro dela, para conseguir a desculpa por estar atado a certas áreas, e
livre em outras. Temos de nos dar conta de nossa própria desonestidade, quando nos
clamamos, em revolta e desespero, sermos o que nossos pais fizeram de nós. A
verdade é que fizemos uma escolha no passado, que mantemos no presente, para reter –
na memória – eventos passados como razões, explicações e justificativas para sermos
neuróticos, desafortunados, doentes e vitimados, ou que seja, agora. Houve, na década
de 1960, uma destacada tese psicológica, já descartada em sua maior parte, chamada a
mãe esquizofrênica. Essencialmente a tese dizia que havia sido a mãe perturbada que
havia feito sua criança ser pobre, inocente e esquizofrênica. É certo que há mães
perturbadas (e pais também) que não são influências saudáveis para seus filhos, mas a
verdade se mantém: ninguém faz quem quer que seja ficar esquizofrênico; nem coisa
alguma. Essa é uma parte essencial da mensagem de Jesus, como acabamos de ver.
Jesus, em seguida, explica o que verdadeiramente transpirou entre Bill e seus
pais, em relação a esse tipo de atitude:
Deve haver, nele, algum problema agudo que o torna tão ansioso por acatar a
percepção equivocada deles sobre seu próprio valor.
Uma das experiências de infância de Bill era de que seus pais não o valorizavam. Sua
irmã mais velha morreu ainda criança e seus pais ficaram devastados por sua morte.
Quando Bill estava com cerca de oito ou nove anos, desenvolveu-se nele uma febre
reumática que o manteve seriamente doente. Por um ano e pouco ele esteve mal de
9
N.T. – Grampos da tradução.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 27
saúde, mas, finalmente, se recuperou. A mensagem clara que ele se recorda ter recebido
de seus pais era de que “a criança errada é que morreu.” Na mensagem não há
referência direta a essa observação, mas faz parte do seu estimado ‘pano de fundo’. O
ponto destacado por Jesus é de que Bill jamais se esqueceu disso. Com certeza, como
uma criança, e mesmo como um adulto, tal memória é dura de ser posta de lado. O
ponto importante, entretanto, é que nós somos os que não pomos de lado, ou seja,
somos o que guardamos. Não conseguimos ser um pai, ou uma mãe, amoroso,
saudável, se, desde a infância, mantivermos em mente temas como esse. A chave de ser
um pai, ou uma mãe, ou uma autoridade, alguém incumbido de comando amoroso em
qualquer nível – um professor, por exemplo – é primeiro conseguir ultrapassar todas as
percepções equivocadas da infância, tais como que as percepções equivocadas de seus
pais a seu respeito sejam causadoras de sua própria percepção equivocada de si mesmo.
Jesus tentava estourar a bolha do ego de Bill quando disse: “Deve haver, nele, algum
problema agudo que o torna tão ansioso por aceitar a percepção equivocada deles, sobre
seu próprio valor.”
Essa tendência[ultrapassar todas as percepções equivocadas da infância] consegue
sempre ser considerada como punitiva. Ela não consegue encontrar justificativa na
desigualdade da força entre pais e filhos.
Os pais são, para os filhos, a autoridade máxima e detém o poder, e as crianças
vêm a ser consideradas desassistidas e desprotegidas vítimas inocentes. Mesmo assim,
Jesus diz que não há como conseguir justificar a crença de que nossos pais nos tratam
ou trataram assim por sermos desprotegidos. A implicação clara é de que crianças não
são nem desprotegidas, nem inocentes. Isso não consegue ser entendido no nível do
corpo, onde, de fato, somos desprotegidos, pois o corpo nada entende, por ser neutro,
mas é entendido unicamente no nível da mente, onde o entendimento reside. Em outras
palavras, as crianças colocam os pais como se fossem vitimadores, em analogia com o
que fizemos com Deus na separação. Nossa culpa pela separação exige punição, ao que
o ego dá boas-vindas por isso provar, para nós, que a separação seja uma realidade – um
pecado que merece uma resposta punitiva de Deus.
Essa [desigualdade] nunca é mais que temporária, e é muito mais uma questão de
maturidade e, por isso, uma diferença física. Ela não dura a não ser que se apegue
a ela.
O ponto indicado por Jesus é que, mesmo que no nível do corpo haja
diferenças, no final, são ilusórias, porque na mente temos o mesmo poder de nossos
pais. Crescemos e, ao término, nos tornamos iguais a nossos pais, física e
emocionalmente, a não ser que escolhamos nos apegar ao que ocorria antes. Portanto, a
questão nunca é o que foi feito a nós no passado, mas a decisão de nossa mente, no
presente, de nos apegar ao passado, desculpa e justificativa, por termos sido feitos a
vítima inocente e desprotegida, de forças e poderes além de nosso controle.
Jesus se refere, depois, a um incidente que Bill sempre trazia à baila. Quando
ele já era adulto, seu pai veio ao seu consultório e, furioso – na linguagem de Bill – teve
um verdadeiro ataque de raiva, agrediu-o, e nisso, destruiu todo seu novo consultório.
28 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
Quando o pai de Bill veio ao seu novo consultório e “destruiu-o” [entre aspas porque
essa era palavra de Bill] isso fica bem aparente que Bill tem de ter querido isso, para
permitir que fosse destruído.
Isso não quer dizer que Bill fosse culpado pela ação de seu pai, mas que,
inconscientemente, ele quis – “pediu’ – que seu pai destruísse seu consultório.10
As muitas vezes que ele comentou sobre esse evento, por si só, sugeriria a extrema
importância dessa percepção equivocada em seus próprio pensamento distorcido.
Considere quantas vezes já contamos e recontamos incidentes do passado, ou
pelo menos nos lembramos deles, repetidas e repetidas vezes. Isso não tem de ser,
obrigatoriamente, de um passado remoto, mas algo que pode ter sido feito para mim
ainda ontem ou até mesmo esta manhã. Quão freqüente nós repetimos nossa história de
abuso, quer seja ela manifestamente sexual, física, mental ou emocional, ou outras mais
sutis? Quanto isso faz parte de nossa memória; quão felizes ficamos em pagar a um
terapeuta um bom dinheiro, semanas, meses, anos a fio, para recontar nossa mesma
história ─ repetidas vezes! O próprio fato de que fazemos isso nos fala da grande
importância que atribuímos ao evento. Fazemos isso porque, como Bill, queríamos que
o evento ocorresse. Isso, repito, não nos torna culpados pelos egos de outras pessoas
que atuam contra nós; mas o fato de nunca deixarmos ir a lembrança ─ e de fato, com
freqüência, formamos nosso auto conceito, com fundamento em tal abuso ─ revela que
algo está podre no estado de nossas mentes, e não é resultado do que foi feto a nós. O
que está podre é a culpa em nossa mente, que nos diz ─ o tempo todo ─ que merecemos
que coisas terríveis sejam praticadas contra nós11.
E então, o que Jesus conta a Bill era uma aplicação do que ele estava
ensinando a seus dois primeiros estudantes, e a todos nós nesse curso: ninguém
consegue ser justificado em ver-se a si mesmo uma vítima inocente, injustamente
mal tratada. Se nos percebemos a nós mesmos nessa situação, como uma tentação,
conforme referida acima, repito,
Que estejas atento para a tentação de perceberes a ti mesmo sendo tratado
injustamente. (T-26.X.4:1)
isso é porque nós queremos ser injustamente tratados. Relembre essa passagem
dramática do Livro de Exercícios sobre a patética figura que todos aspiramos ser:
Ele parece uma figura lamentável, exaurida, cansada, em farrapos, cujos
pés sangram um pouco devido à estrada pedregosa em que caminha. Não há
ninguém que não tenha se identificado com ele, pois todos aqueles que aqui
vêm perseguiram a rota que ele segue e sentiram a derrota e a desesperança
como ele as está sentindo. Mas, seria ele realmente trágico, quando vês que
10
N.T. – Ler à pág. 477, no Texto, T-21.II.2:3-5, entre todas as relevâncias que o Curso
traz a nós, a informação mais relevante e mais reveladora de UCEM.
11
N.T. – Há uma expressão que usamos freqüente, que revela e confirma nosso desejo:
“Não sei porque, isso volta e meia me acontece!” ou “Isso só podia acontecer a mim!”
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 29
ele está seguindo o caminho que escolheu e que precisa apenas reconhecer
Quem caminha com ele, e abrir os seus próprios tesouros, para ser livre?
(E-pI.166.6)
Além disso, se consistentemente mantemos que, quando crianças, temos sido
tratados injustamente, então, não há maneira de, quando somos pais, conseguirmos
evitar tratamento injusto. Isso serve quer acreditemos ser injustamente tratados por
nossos filhos, ou tratá-los injustamente, abusarmos da autoridade ou sofrermos abuso de
autoridade, em qualquer posição que estejamos, parental ou outra. Jesus está dizendo a
Bill que há uma parte de sua mente, que toma decisões, presa – apegada – a essa auto
imagem. Mas essa parte decisória é totalmente inconsciente, o que faz com que isso
continue, se repita, e tenda a se perpetuar, sempre reciclada. A pergunta então fica
sendo:
Por que deveria alguém atribuir a uma percepção equivocada tanto poder? Não
consegue haver qualquer justificativa real para isso, porque mesmo o próprio Bill
reconheceu o problema real dizendo “Como conseguiu ele fazer isso a mim?” A
resposta é ele não fez isso.
O pai de Bill fez isso a ele mesmo e ao espaço físico do consultório. Ele não
fez isso a Bill. Quais fossem as projeções de seu pai sobre Bill, elas eram projeções e
nada tinham a ver, especificamente, com Bill, seu filho. A parte de Bill nisso foi dizer
que elas foram feitas a ele. Em outras palavras, ele fez uma conexão entre a agressão do
pai, a si mesmo, e ele, a vítima. Repito, a questão não está no que seu pai fez, ou deixou
de fazer, mas na interpretação de Bill, de que tudo havia sido contra ele. Isso
claramente se aplica a todos nós, pois ninguém, verdadeiramente, faz coisa alguma a
nós, ou por nós, senão a si próprio. Se comprarmos essa idéia, de que conseguem fazer-
nos algo, apenas nos juntamos a eles – dentro da bolha deles – na insana dança de raiva,
do ódio e da culpa.
Então, a mensagem amorosa de Jesus é: TEMOS DE ACEITAR A
RESPONSABILIDADE POR NOSSAS DECISÕES. Nós não somos responsáveis pelas decisões
tomadas por outros, mas nós temos de ser, definida e claramente, responsáveis pela
nossa escolha de deixar que as decisões deles nos afetem. Nossos corpos (consultórios
ou que seja) conseguem, de fato, serem afetados, mas nunca, jamais em tempo algum,
nossas mentes. O lamento de Bill ─ “Como conseguiu ele fazer isso a mim?” ─ não foi,
genuinamente, uma pergunta. Em vez disso, foi um atestado – passado a si mesmo – de
auto vitimação: “ELE CONSEGUIU FAZER ISSO A MIM!” E a resposta de Jesus, a todos nós,
compartilhando o mesmo lamento, mas ciente da verdade, é inequívoca: “ele nada fez!”
A pergunta que Bill tem de fazer a si mesmo, muito honestamente, é se ele está
disposto a demonstrar que seus pais não o machucaram. A não ser que esteja
disposto a fazer isso, ele não os perdoou, ainda.
Este é um tema chave em Um Curso em Milagres, pois ele aponta para o
âmago do perdão. Nós perdoamos os outros demonstrando nossa invulnerabilidade aos
seu ataque. Enquanto nossos corpos podem ser vulneráveis, nós não somos o corpo. O
que é requerido para que isso funcione, é mudar a identificação com o corpo para a
30 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
mente – de ausência de mente para mente plena. De fato, as pessoas podem ter ferido
nossas contas bancárias, negócios, casas ou carros, até mesmo nosso corpo, mas nada
fizeram conosco. Dispensa dizer, esta é a lição mais difícil para uma criança entender,
mas Um Curso em Milagres não é escrito para crianças. Entretanto, ele é escrito para
crianças espirituais. Só quando ficamos mais velhos nos tornamos capazes de dizer,
finalmente, que carregar esse peso da vitimação e do abuso não vale a pena. Dando-nos
conta disso, é quando nos tornamos capazes de pô-lo de lado.
Retornando ao contexto dessa mensagem, Jesus diz a Bill que o seu problema
com dar aulas, confiante e tranqüilo, remonta à falta de seu perdão a seu pai e sua mãe.
Ao dizer que se sente ferido, e por isso não consegue dar aulas, Bill está realmente
fazendo uma candente acusação: “VOCÊ FEZ ISSO COMIGO. PORQUE PREFERIU MINHA
IRMÃ A MIM, PORQUE DESTRUIU MINHA HOMBRIDADE POR ARRASAR COM MEU PRIMEIRO
CONSULTÓRIO, EU NÃO CONSIGO, AGORA, DAR AULA, E MINHA VULNERABILIDADE AOS
SEUS ATAQUES É UMA MALDITA ACUSAÇÃO CONDENATÓRIA DE SUA PARTE.” Isso é o que
todos nós fazemos, quando arrastamos nossas histórias por aí, em nossa “guirlanda de
infortúnios,” e as repetimos, sem cessar, muitas e muitas vezes, ao longo da existência,
para muitos.
Aqui está aquela sentença novamente, a quem todos nós nos relacionamos:
As muitas vezes que ele comentou sobre esse evento, só isso sugeriria a extrema
importância dessa percepção equivocada em seu próprio pensamento distorcido.
Seja honesto com você mesmo, e veja quantas vezes em curto espaço de tempo
você conta a mesma história. Alguém em sua família age contra você, e você chama o
resto da família para lhes contar a história. Alguém no escritório faz algo sem bondade
ou sem delicadeza a você, e você corre para contar isso aos amigos no escritório, e até
de fora do escritório. Seu chefe desce o sarrafo em você, e você depressinha conta a
todo mundo que encontra. Quanto mais você conta e repete sua história triste, melhor
você se sente, porque você está fortalecendo a percepção – realmente uma percepção
equivocada – de que você seja uma vítima. E assim nós, repetidamente, regurgitamos
nossas terríveis experiências de infância. Não as deixarmos ir conta a nós como elas são
muito importantes para nós. Repetindo este ponto crucial, nos isentamos da
responsabilidade pelo comportamento abusivo de outros em relação a nós, mas somos
exclusivamente responsáveis pela crença de que seu comportamento tenha a ver
conosco pessoalmente, quando, em verdade, ele nada tem a ver conosco, de forma
alguma.
Agora Jesus muda para terapia, com efeito, dizendo nessa mensagem que
psicoterapia, ensino e paternidade são a mesma coisa – para todas as partes envolvidas.
No nível da forma, por certo, os papéis respectivos são bem diferentes, para não dizer
desiguais. O propósito de mentalidade reta de toda terapia, ensino e paternidade, é
demonstrar que a desigualdade é temporária e ilusória.
A meta essencial da terapia é a mesma do conhecimento [equiparado à realidade,
verdade, Céu e Deus]. Ninguém consegue sobreviver independentemente enquanto
continue a estar disposto a ver-se através dos olhos de outros.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 31
Como crianças, não conseguimos escapar fácil de nos ver através dos olhos
dos pais. Mas a questão está em que nós, muitas vezes, depois de crescidos, não
conseguimos ultrapassar essas percepções. Sim, os pais de Bill o percebiam
equivocadamente, mas Bill se agarrou, de tal forma, a essa percepção equivocada, até
que conseguiu torná-la sua própria, a respeito de si mesmo. Então, por isso mesmo,
Jesus lhe pede, e a todos nós, para deixá-la ir. Não há explicação, nem justificativa para
se apegar a ela, exceto o desejo de fazer aumentar, cada vez mais, sua permanência
junto ao ego, pensando: SOU A VÍTIMA COITADINHA E INOCENTE e, assim, nos escusamos
de considerar que seja falha nossa se nossas vidas são tão atrapalhadas, e não
conseguimos cumprir, adequadamente, certas funções, se chegamos a fazê-las.
Isso irá sempre colocá-lo numa posição onde ele tenha de se ver, a si mesmo, em
focos de luz diferentes.
Esta última frase está no Curso publicado,
Não percebas a ti mesmo sob luzes diferentes. (T-3-V.10:8)
Bill se vê sob luzes diferentes, por causa das percepções e percepções equivocadas de
seus pais a respeito dele, sem levar em conta a dos outros. Nunca nos olhamos a nós
mesmos sem conexão ao mundo. Isso, desconectar-nos do mundo, afinal, significa ver-
nos a nós mesmos da maneira que Jesus nos vê. Temos dificuldade de fazer isso porque
apartamos sua vista de nós, esquecendo-nos que somos nós os que a colocamos
apartada, e não ele. Para preencher o vácuo perpétuo que nos impingimos, por isso nós
adotamos a visão de outros, quaisquer outros. Mas
Os pais não criam a imagem de seus filhos...
Uma criança vem ao mundo com sua auto imagem inteira. Um dos tremendos
fardos que os pais trabalham, infelizmente reforçado por psicólogos, é de que sejam
responsáveis por seus filhos. Essa é a visão iludida que as crianças amam perpetuar, que
é a razão pela qual, quando crescem, escrevem volumes e volumes sobre o que
aprenderam a respeito disso. No entanto, o fato a esse respeito é que as crianças nascem
com egos completamente desenvolvidos: EU EXISTO, NÃO PEDI PARA NASCER E ISSO É
SUA CULPA – a estratégia do ego fica numa casca de noz: estou aqui, mas não sou
responsável por isso. Em outras palavras, eu sou a vítima inocente, que é a auto
imagem de todo mundo. Os pais, portanto, não fazem essa imagem, mas, no entanto, a
reforçam. De forma similar, nós reforçamos o ego, uns aos outros, assim como temos,
também, o poder de reforçar o Divino Espírito Santo, em nós, e nos outros.
Os pais não criam a imagem de seus filhos, no entanto podem perceber imagens
que eles [as crianças], de fato, criam. Entretanto, como já dissemos, você não é uma
imagem. [afirmado anteriormente no ditado.] Se você se põe ao lado dos que fazem
imagens, você, meramente, está sendo idólatra.
Em outras palavras, nossas imagens de nós mesmos são ídolos, substitutos para
Deus. Nós substituímos nossas imagens, encharcadas de culpa, por aquela que Deus tem
de nós: PURO ESPÍRITO E PERFEITO AMOR, UNA A ELE COMO SEU FILHO. Daí então
32 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
convidamos todos em nossas vidas para se unir a nós no reforço a imagem do ego. No
final do texto lemos que o Ser não tem conceito ou imagem de Si Mesmo,
O que se aprende desse mundo é construído em cima de um auto conceito que é
ajustado à realidade do mundo. ...
... E O Que tu és te falará de Si Mesmo. (T-31.V, N.T. – ler toda a seção)
─ e então substituímos o ser idólatra do ego individual pelo puro Ser de Cristo.
Bill não tem qualquer justificação que seja para perpetuar qualquer imagem de si
mesmo, de forma alguma. Ele não é uma imagem.
Isso é verdade para todos nós. Não somos imagem alguma. Não somos esse
ídolo – ego – que adotamos como substituto do glorioso Ser, em que Deus nos criou.
Mas substituímos a verdade pelo ídolo e daí, convenientemente, esquecemos rápido que
fizemos isso, montando uma vida na qual nascemos como desassistidas, inocentes
coisinhas que nossos pais, agora, enlameiam e denigrem – essa linda imagem de nós
mesmos que Deus criou fica aparentemente despachada para o inferno, por nossos pais,
que crêem – com o resto do mundo – que somos corpos. Não temos qualquer lembrança
de nada disso porque fizemos um roteiro de vida no qual nascemos com um cérebro não
revelado, incapaz de fazer isso, deixando apenas a ilusão de que tudo seja culpa de
nossos pais. O ponto de Jesus para Bill, e para todos nós, é de que amamos essas
experiências em que nossos pais nos percebiam equivocadamente, porque provavam
não sermos responsáveis por nossa fatia desafortunada de vida. Sim, temos um ser
inadequado, mas não o fizemos; enquanto isso, nos gloriamos nesse ser, ilusório e
insano, adorando em seu altar de especialismo.
Repito:
Ele não é uma imagem. O que for verdadeiro nele é todo benigno. É essencial que
ele saiba isso a respeito dele, mas ele não consegue sabê-lo, enquanto persista na
escolha de interpretar a si mesmo como suficientemente vulnerável para ser ferido.
Enquanto crermos que pessoas tenham o poder de nos ferir – passado,
presente, ou antecipado – nunca nos lembraremos de nossa Verdadeira Identidade.
Então, a essência do perdão é perdoar os outros pelo que não fizeram jamais. Pelo
ponto de vista do ego, a beleza do relacionamento PAIS-FILHOS é que há quase um
entendimento universal de que os pais, às vezes, fazem coisas terríveis às crianças. Esse
é o grande mito, e mesmo que possamos intelectualmente crer no que ensina Um Curso
em Milagres, isso não necessariamente altera nossa auto percepção da vítima inocente,
injustamente tratada de nosso mundo parental, e de todas as outras figuras autoritárias,
habitantes de nossas vidas.
Esse é um gênero peculiar de arrogância, cujo componente narcisista é
perfeitamente óbvio.
Lembre-se: Jesus – nessa mensagem – está falando para psicólogos, então ele
usa linguagem psicológica. Narcisismo, baseado no mito grego de Narciso, que se
apaixonou pelo reflexo de seu rosto na água, representa total auto envolvimento,
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 33
12
N.T. – Minha mãe, nem sempre tão em paz mas o tempo todo muito perspicaz, tinha
um nome para isso e nos interpelava: “Você pensa que é centro de sistema planetário?”
34 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
Se cremos que, efetivamente, nossos pais abusaram de nós, creremos que todas
as demais pessoas também fazem isso a nós. É impossível manter uma crença a respeito
de uma pessoa, sem também generalizarmos isso para todos os demais. Podemos
experienciar isso inconscientemente, mas sendo a Filiação una, a percepção de um é a
percepção de todos. Dessa forma, nos consideramos sempre justificados, e escusados,
por usar equivocadamente os outros, caso eles nos usem equivocadamente, de novo –
por pensamento, palavra ou ato.
Em psicologia, é quase axiomático que crianças abusadas cresçam para se
tornar pais abusadores e, então, se nós não superamos os abusos cometidos contra nós
em nossa infância, certamente nós não superaremos isso como pais, ou figuras
parentais, até mesmo dirigentes. Portanto, nosso passado não consegue deixar de ter um
efeito deletério sobre como tratamos filhos, ou pessoas subordinadas a nós. Quer
façamos isso como pais, ou mães, parentes, ou supervisores, não importa. Tendo
tornado real o abuso cometido a nós, não conseguimos deixar de fazer igual, de forma
sutil, ou não tão sutil. Seremos abusadores, da mesma forma que acreditamos termos
sido abusados.
Você pensará que tem de responder aos erros deles, como se eles fossem
verdadeiros.
Em outras palavras, se eu, por tornar real o ataque feito a mim, de fato, creio
que pessoas estejam me atacando, eu acreditarei, sem sombra de dúvida, que tenho de
responder aos ataques – caio, então, no circulo vicioso de ataque-defesa: SE ME SINTO
CULPADO, ATACO VOCÊ E, INEVITAVELMENTE, CREIO QUE VOCÊ IRÁ ME ATACAR, EM
REPRESÁLIA. Eu me esqueço de que ataquei primeiro e, agora, percebo unicamente o
seu ataque, o que explica e justifica minha necessidade de defesa. A Lição 153, “A
minha segurança está em ser sem segurança.” (E-pI.153.h), descreve esse círculo
vicioso, explicando que projetamos raiva, culpa e medo no outro e depois, rapidamente,
esquecemos de nosso ataque a nós mesmos, dessa forma atacando a todos, nos sentindo
justificados por ter feito isso, porque tudo que conseguimos ver são os ataques dos
outros a nós. Bill não se deu conta de que, de fato, ele queria que seus pais preferissem
sua irmã a ele, e que seu pai destruísse seu consultório. Isso é demonstrado por ele estar
sem ciência desses seus sentimentos. Sabemos que esse é o caso, porque, como já foi
destacado, por sempre relatá-la, ele se apegou à essa história – como todos nós fazemos
– justificando suas reações ao que ele percebia como as rejeições de seus pais a ele.
Reagindo auto destrutivamente, você está dando aprovação às percepções
equivocadas deles.
Nós, de fato, em realidade, aprovamos as percepções equivocadas deles,
porque nos cremos ser – de fato – as pessoas terríveis que eles pensam sermos. Primeiro
nos julgamos fracos, vulneráveis e pecadores, o que significa que os outros nos tratarão
dessa maneira, para o que lhes damos autorização para assim nos tratarem. Nós nunca
vemos nossa própria parte no ataque – que é o que cremos a nosso respeito – mas,
unicamente o ataque do outro.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 35
experiências em interesses comuns, por certo colocaremos nossa ênfase no lugar errado.
A razão para ter pessoas para jantar não é mostrar a elas que ótima cozinheira, anfitriã
ou decoradora de interior nós somos, mas simplesmente demonstrar nossa semelhança
recíproca inata. Se estivermos dando uma aula e focalizamos nos detalhes que Jesus
acaba de enumerar, nós nos esquecemos de que nosso propósito é ensinar – por
demonstração – que nós e nossos alunos somos um, que compartilhamos o mesmo
interesse de aprender nossa lição comum de perdão.
Isso é verdadeiro para tudo, sem exceção. Se você é um pai, ou uma mãe, e seu
interesse primordial é ter seu filho comportado e parecendo correto na escola, ou
quando uma visita chega, você se esqueceu de que o propósito de ter um filho é
demonstrar a unicidade de sua família, nada mais que isso. Se você verdadeiramente
demonstra esse propósito, você estará ensinando a seu filho que o propósito de estudar
numa escola não é tirar notas altas, mas dar-se conta de que essa performance numa sala
de aula é, afinal de contas, irrelevante. Isso não quer dizer, por exemplo, que você não
ajudaria seu filho com seu dever de casa, ou encorajaria seu aprendizado, mas que o
conteúdo subjacente é ensinar que não há diferenças entre ele e os outros, e que seu
auto valor não depende de nenhuma avaliação externa, de quem seja, como lemos no
Texto, numa passagem, originalmente parte dessa mesma mensagem a Bill:
O teu valor não é estabelecido pelo ensino ou pelo aprendizado. O teu valor
é estabelecido por Deus. Enquanto contestares isso, tudo que faças será
amedrontador, particularmente qualquer situação que se preste à crença na
superioridade e na inferioridade. Os professores têm de ser pacientes, e
repetir suas lições, até que elas sejam aprendidas. Eu estou disposto a fazer
isso porque não tenho nenhum direito de estabelecer os limites do teu
aprendizado para ti. Mais uma vez – nada do que estudas, pensas, desejas
ou fazes é necessário para estabelecer o teu valor. (T-4.I.7:1-6)
Você consegue ver nessas mensagens iniciais, que Jesus estava dando a Helen
e a Bill, como treinamento prático direto, com os mesmos princípios que ele ensinava
mais genericamente no Curso, aplicados às suas vidas particulares. Ele quer que os
apliquemos também, razão pela qual há um Livro de Exercícios. (Nesse tempo da
mensagem, incidentalmente, o Livro de Exercícios não havia sido ainda anotado.) Suas
lições tomam os princípios abstratos do Texto e os aplica, especificamente, á nossa vida
do dia-a-dia. Jesus destaca que os temas específicos com que estamos envolvidos são
inerentemente irrelevantes, pois é seu propósito ensinar nosso propósito comum, que é
o verdadeiramente importante.
Não é verdade que a diferença entre aluno e professor seja duradoura. Eles se
encontram para que seja abolida a diferença.
O desafio, em qualquer situação, é manter a integridade da forma, enquanto
permanecemos fiéis ao conteúdo. Assim, se somos professores, desempenhamos
adequadamente esse papel – preparando as aulas, atuando dentro da autoridade, etc..
Permanecemos dentro da forma, mesmo entendendo que o conteúdo seja o foco
verdadeiro. Nosso propósito não é demonstrar nosso brilho, ou inadequação, nem fazer
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 37
com que os alunos nos amem, ou nos odeiem. Trata-se, unicamente, de demonstrar que
a diferença entre estudantes e professores é ilusória, e daí aprender a aplicar esse
princípio a todo desempenho e relacionamento. Cada um dos nossos relacionamentos é
um exemplo mais específico dos encontros santos, que são o potencial para todos os
relacionamentos – quer os julguemos tanto significantes, quanto insignificantes.
No início (de uma aula), sendo que estamos ainda no tempo, eles vêm juntos com
base em falta de igualdade na capacidade e experiência.
Isso é verdadeiro tanto para professores como para estudantes, terapeutas e
pacientes, provedores de serviço e clientes, pais e filhos. No início, parece haver uma
desigualdade óbvia.
O alvo do professor é dar a eles mais do que seja temporariamente dele.
Professores dão a grande sabedoria e maturidade que é deles, temporariamente.
Com essa doação, que significa demonstrá-la, estudantes crescerão para reconhecer a
sabedoria e a maturidade neles próprios, o que desfaz a desigualdade.
Esse processo tem todas as condições do milagre a que nos referimos no início (do
Texto, i.e., os princípios dos milagres). O professor (ou trabalhador em milagres) dá
mais aos que têm menos, trazendo-os mais próximo à igualdade com ele, ao mesmo
tempo ganhando para si próprio.
Jesus, no Curso, diz isso a respeito dele mesmo, duas vezes:
Iguais não devem se reverenciar um ao outro, pois a reverência
implica desigualdade. É, portanto, uma reação inadequada a mim.
Um irmão mais velho tem direito ao respeito por sua maior
experiência e à obediência por sua maior sabedoria. Ele também tem
direito ao amor, porque é um irmão, e à devoção, se é devotado. É
somente a minha devoção que me dá direito à tua. Não há nada em
mim que tu não possas atingir. Eu nada tenho que não venha de
Deus. A diferença entre nós, agora, é que eu não tenho nada mais.
Isso me deixa em um estado que em ti é, apenas, potencial. (T-
1.II.3:5-13)
Eu vou ensinar contigo e viver contigo se pensares comigo, mas
minha meta sempre será finalmente absolver-te da necessidade de
um professor. (T-4.I.6:3)
O propósito de qualquer ensino é abolir a necessidade do estudante de ter, sempre, um
professor. Esse princípio consegue ser por semelhança aplicado aos pais, ou a qualquer
relacionamento, onde haja desigualdade na forma.
A confusão aqui é unicamente porque eles não ganham as mesmas coisas, porque
não precisam das mesmas coisas. Se precisassem, seus papeis respectivos, mesmo
temporários, não conduziriam ao proveito mútuo. Liberação do medo consegue ser
38 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
alcançada, tanto pelo professor como pelo aluno, unicamente se eles não
compararem tanto suas necessidades ou suas posições, em relação um ao outro, em
termos de mais alto e mais baixo.
Naturalmente, há diferenças desiguais no nível da forma. Por exemplo,
terapeutas precisam de dinheiro porque esse é o seu sustento; pacientes estão ali porque
eles têm problemas que presumivelmente o terapeuta não tenha. Mas relembre a citação
já feita duas vezes no Curso:
O amor não faz comparações. (T-24.II.1:1; E-pI.195.4:2)
Nós sempre buscamos comparar de acordo com a forma, uma tendência a que Jesus
acaba de se referir:
Liberação do medo consegue ser alcançada tanto pelo professor como pelo aluno,
(terapeuta e paciente, pais e filhos) unicamente se eles não compararem tanto suas
necessidades ou suas posições, em relação um ao outro, em termos de mais alto e
mais baixo (menor ou maior).
Repetindo, há claramente posições mais altas e mais baixas aqui; pessoas com poder, e
sem ele. Entretanto, essas diferenças são todas superficiais. Temos todos a necessidade
de aprender que, além das necessidades externas, somos todos a mesma coisa, pois
compartilhamos a mesma necessidade, propósito e meta; o mesmo problema e a mesma
solução. Essa lição tem de ser aprendida em formas específicas: professores e
estudantes, terapeutas e pacientes, pais e filhos, dirigentes e subordinados. Esses
relacionamentos são úteis a esse respeito porque eles são, claramente, desiguais na
forma. Mesmo assim, os que usam autoridade têm a responsabilidade de demonstrar
que sua autoridade não é verdadeiramente importante, pelo respeito e amor presentes, a
despeito da posição. Esse respeito amoroso é o que ensina, e é aprendido.
Jesus muda o foco, de novo, e volta a PAIS E FILHOS. O contexto é que os
temores de dar aula de Bill estavam, diretamente, relacionados a guardar mágoas de sua
infância. Dessa maneira, se Bill fosse um pai, ele teria o mesmo problema para exercer
autoridade com seus filhos.
Presumivelmente, as crianças têm de aprender dos pais. O que os pais aprendem
com os filhos é, meramente, de ordem diferente.
O “meramente” é importante – a forma pode ser diferente, mas o conteúdo é o
mesmo: nós todos precisamos aprender que somos perdoados, por crermos ser
separados.
Afinal, não há diferença em ordem, mas isso envolve, unicamente, conhecimento.
No ilusório mundo da percepção, diferente do conhecimento do Céu,
definidamente, há uma ordem. Os pais são mais velhos, mais maduros, e detêm o poder
no relacionamento, a não ser que abram mão dele. De fato, os filhos são bem hábeis em
assumir o poder que os pais lhes dão. Mas, no final, somos todos um, pois, aos olhos de
Deus, não há diferenças: Ele conhece somente Seu único Filho. O reflexo dessa
unicidade da mente certa é que nós compartilhamos a mesma mente dividida: o ego,
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 39
mente errada, o Divino Espírito Santo, mente certa, e o Tomador de Decisões, mente
que escolhe entre os dois.
Nem de pais nem de filhos se pode dizer que têm conhecimento, ou seus
relacionamentos não existiriam como se estivessem em níveis diferentes. O mesmo é
verdadeiro em relação a professor e aluno. Os filhos têm um problema de
autoridade unicamente se crêem que sua imagem seja influenciada [mudada,
moldada] pela autoridade.
Conhecimento, em Um Curso em Milagres, é equiparado à realidade e à
unicidade do Céu. Se tivéssemos o conhecimento, não haveria PAIS E FILHOS, não
estaríamos em corpos ou nem ao menos estaríamos aqui. No mundo da percepção,
entretanto, nossas vidas começam como crianças, onde todos nós compartilhamos o
mesmo problema de autoridade, porque cremos ser o produto de nossa criação social.
Rotineiramente cremos que essas dificuldades específicas consigam ser levantadas, para
conhecermos o que se passou e como, quando éramos pequenos. Assim, freqüentemente
ouvimos dizer, ou dizemos isso nós mesmos: “por certo tive problema de aprendizado,
fui humilhado por meus pais quando trouxe para casa com uma nota um ponto abaixo
da máxima, em vez da máxima”; “meus professores do secundário me envergonharam,
então, em conseqüência, não quero aprender”; “a mim faltam os dotes físicos ou
mentais de outras crianças, então não consegui aprender muito bem”; “tenho defeito
como adulto porque fui defeituoso como criança”. Esses são os tipos de “explicações”
com os quais estamos bem familiarizados.
Essa maneira de pensar é montada por um poder maior que o ser que pensamos
ser: o tomador de decisões unido ao ego. O mundo, OS PAIS E OS FILHOS, e todos os
demais relacionamentos, são parte de uma vasta conspiração engendrada pelo ego: UMA
TENTATIVA DE NOS TORNAR SEM MENTE PARA QUE CULPEMOS A TODOS OS DEMAIS POR
NOSSA SITUAÇÃO. Nós, por isso, não deixamos ir nossas crenças em nossa própria
incapacidades, os abusos passados, ou nossos fracassos. Ninguém é perfeito aqui, no
mundo, mas são nossos apegos a problemas passados que revelam o verdadeiro
problema – nossa necessidade de nos sentirmos vítima, e de ficarmos à mercê de forças
que cremos estarem além do nosso controle.
Olha para isso de olhos abertos e nunca mais acreditarás que estás à mercê
de coisas além de ti, de forças que não podes controlar e de pensamentos
que vêm a ti contra a tua vontade. É a tua vontade olhar para isso. (T-
19.IV.D.7:4-5)
O Poema do Antigo Marinheiro, de Coleridge,13 conta a história de um
marinheiro que atirou e matou um albatroz (um pássaro grande) e ficou prostrado por
13
N.T. – Samuel Taylor Coleridge (out, 1772 – jul, 1834) poeta, crítico, e filósofo
inglês que, junto com seu amigo William Wordsworth, foi um dos fundadores do
Movimento Romântico na Inglaterra e um dos Lake Poets. Ele é, provavelmente,
melhor conhecido por seus poemas The Rime of the Ancient Mariner e Kubla Khan,
bem como por seu trabalho principal em prosa, Biographia Literaria.
40 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
uma culpa da qual ele não consegue se livrar. A balada relata quantas vezes ele repete a
história do albatroz, que carrega pendurada no pescoço. Assim é a nossa culpa, mas
que, em dor, clamamos não ser nosso erro: cremos nascer com genes defeituosos e por
isso não conseguimos fazer o que outros fazem; cremos nascer de pais defeituosos e
por isso não conseguimos manter relacionamentos satisfatórios. As formas de matar o
albatroz podem variar, mas seu conteúdo de fazer com que evitemos responsabilidade
pelo nosso desempenho, bom ou mau, permanece o mesmo.
Esse é um ato de vontade de sua parte, porque estão elegendo perceber
equivocadamente a autoridade e dar-lhe poder.
Esse “ato de vontade” é uma referência direta ao tomador de decisões. Nós,
efetivamente, sempre entregamos nosso poder a outro; uma decisão que tomamos, não
como uma criancinha com um cérebro pouco desenvolvido, mas com um ego
plenamente desenvolvido na mente. Nós montamos isso como parte de nosso velho
roteiro que amamos reviver, como fazemos em qualquer existência quando temos
autoridade como pais, ou quaisquer outros papeis.
As pessoas podem ter autoridade sobre nossos corpos, mas não têm, jamais,
sobre nossas mentes.14 É por isso que este é um curso a respeito da mente, nada tendo a
ver com o corpo. A única autoridade sobre nossas mentes somos nós mesmos; não é
Jesus, não é Deus. Nós detemos a autoridade, pois apenas nós, como tomadores de
decisão, retemos o poder de aceitar, ou rejeitar, o Amor de Deus. Nós temos o poder de
crer que rejeitamos esse Amor, quando, efetivamente, o que ocorre é nada. Então, o que
ocorre é que empregamos, equivocadamente, o que cremos seja esse poder da mente e,
como uma defesa contra nossa culpa, nós denegrimos o poder de tomar decisões e o
projetamos, entregando-o a várias autoridades, espúrias e alheias. Dessa forma é que
começamos nossos sonhos individuais – como crianças incapazes, sem nenhum poder,
totalmente abertas e vulneráveis ao abuso impingido a nós, por nossos pais, e pela
sociedade.
Em 1908, Freud escreveu um texto, pouco conhecido, chamado “Romances
Familiares”. Sempre amei o título por soar tão inocente, enquanto seu tema nada tem
disso. Citarei, do parágrafo inicial, ligeiramente mudando o fraseado da tradução
troncha:
14
N.T. – Nossa mente é impenetrável. Mesmo Deus, só tem entrada em nossa mente
autorizado por nós. Ou seja, mesmo habitando permanentemente em nossa mente, e nós
na Dele – a Mente Uma – só ficamos cônscios de Sua Presença quando clamamos por
Ele, invocando-O, sem o que jamais Ele atuará em nossa mente, pelo respeito ao nosso
‘livre arbítrio’, para não retirar de nós o que ele próprio nos deu: o poder de nosso
pensar, livre como o Dele.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 41
ocorra, e isso pode ser presumido que já tenha sido alcançada, até certo ponto,
por todos que já atingiram um estado normal.15
Freud diz aqui que a única maneira de conseguirmos ser normais é pela nossa
própria liberação da autoridade paternal, não por rebelião, mas pelo reconhecimento
tácito de que nossos pais não têm autoridade sobre nós – o que Jesus dizia a Bill – em
termos de deterem poder de nos ditar quem somos nós. Em outras palavras, precisamos
crescer, soltar-nos da autoridade que entregamos a nossos pais de nos perceberem
equivocadamente, e de tornarem realidade essas percepções equivocadas. A implicação
dos comentários de Freud, num sentido a implicação de todo seu trabalho, é de que a
menos que demos uma resolução ao problema da autoridade com nossos pais – o
complexo de Édipo – nunca seremos livres, sempre atuando como adultos no que
remanesça irresolvido da infância.16
O específico da teoria de Jesus, bem como a metodologia, é muito diferente da
de Freud, mas o conteúdo é o mesmo. No sonho de nossa vidas pessoais, o complexo de
Édipo, de Freud, é a fonte do relacionamento de ódio e de amor especial, que Jesus
descreve em Um Curso em Milagres, e que precisamos perdoar. Jesus está instruindo
Bill de que ele não consegue perdoar no presente, enquanto ele se mantiver apegado a
percepções equivocadas em seu passado; no entanto, a maneira de perdoar o passado é
perdoar as percepções equivocadas do presente: havendo apenas só um não perdão, o
processo funciona como vai e vem. Jesus está ajudando Bill a ver o contexto da
percepção equivocada que ele está retendo como adulto; por exemplo, o uso equivocado
que ele faz de seus amigos é um resultado direto de como ele se sentiu usado,
inadequadamente, por seus pais. Entretanto, seus pais não o estavam usando
equivocadamente. Bill os acusou – seu uso inadequado – para justificar sua própria
decisão, pela qual ele não aceita qualquer responsabilidade, o padrão que ele
estabeleceu como criança continua em uso no presente – não mais no passado, mas uma
decisão que ele está tomando agora.
Um professor com um problema de autoridade é, meramente, um aluno que se
recusa a ensinar outros.
Podemos refrasear isso: um pai, ou mãe, com um problema de autoridade é
meramente uma criança que se recusa a exercer sua posição de pai, ou de mãe, em
relação a outros. Professores e pais conseguem demonstrar seu problema de autoridade
não exercendo qualquer autoridade, de forma alguma, um paralelo à recusa de Bill em
dar aula. Alternativamente, conseguem demonstrar um problema de autoridade sendo
autocráticos --- malvados e ditatoriais – com seus estudantes. Em ambos os casos, são
15
“Romances Familiares”, As Obras Coligidas... Vol.IX, 235-41
16
N.T. – Minha própria “liberação” da autoridade materna – meu pai havia partido
quando eu ainda era bebê – encontrou seu gatilho libertador lendo o poema de Kahlil
Gibran, Os Filhos, de seu livro O Profeta. A partir daí, lentamente, consegui assumir-
me, e ainda continuo a completar essa assunção, ajudada por Um Curso em Milagres,
que continuamente agradeço a Jesus ter nos mandado.
42 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
17
Absence from Felicity, p.236. N.T. – “Ausente da Felicidade”, biografia de Helen
Schucman, de K. Wapnick, sem edição em português, até esta data.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 43
Bill sentia-se aprisionado pelo que tinha a ensinar, e lidou com isso, furtando-
se de ensinar, assim esperando, magicamente, conseguir escapar da prisão do
aprendizado, que o ego advertia iria furtar-lhe sua “face de inocência”. Entretanto, a
prisão do ataque permaneceu dentro dele e continuou a determinar tudo que ele fez.
Se ele faz isso, será aprisionado quer ele de fato ensine ou aprenda, ou recuse-se a
se engajar no processo, de toda maneira.
O papel de um professor [ou de um pai ou mãe] adequadamente concebido
é de conduzir-se, e aos outros, para fora do deserto.
Ser um pai, ou uma mãe, significa conduzir-se e a sua criança para fora do
deserto da separação, não dar à criança poder sobre si próprio, e não crer que tenha
poder sobre sua criança. Uma das piores coisas que um pai, ou mãe, consegue fazer é
dar às suas crianças o poder de afetar a si próprios. Isso ocorre quando quer que seja
que fiquem perturbados, ou percam a paciência com suas crianças. Não estamos falando
a respeito de colocar limites, ou exigir disciplina, mas assumir uma atitude punitiva. Se
você olhar com cuidado quando você está bravo, notará um largo ar malicioso em
algum lugar dentro de sua criança, num sorrisinho exultante, que diz: “Urra! Consegui
de novo! Mais uma vez tentei Deus e O venci!” As crianças são mestras nisso. Elas nos
põem em sua caixa de areia e daí ficamos com areia nos olhos, atiramos areia em seus
olhos e nos sujamos. Seus egos adoram isso, pois o que está sendo reencenado é o
seguinte pensamento perverso e insano: “eu trouxe Deus para brincar na mina caixa de
areia”. Basta ver a Bíblia, onde Deus brinca em nossa caixa de areia do pecado, razão
pela qual o mundo tem sido tão atraído pelo Deus e pelo Jesus bíblico, Que estabelecem
como real o mundo da separação, pecado, culpa e medo.
A melhor coisa que conseguimos fazer, como pais, e mães, é absolutamente
não brincar na caixa de areia. Repetindo, isso não quer dizer que não estabeleçamos
limites, sejamos firmes, ou imponhamos disciplina, quando necessário. Mas, a cada vez
em que, fazendo isso, perdemos a nossa paz, a criança vence, o que significa a criança
perde, assim como nós e toda a Filiação. Além disso, a nossos olhos deludidos, Deus
perdeu também. Essa aula, importante e difícil, nos ensina que quando quer que seja
que alguém fique transtornado – criança ou adulto – todos perdem.
Repetindo, o que o ego acha maravilhoso a respeito do Deus bíblico é que Ele
fica bravo. Observe nosso poder quando isso acontece! Na Bíblia, nós temos o poder,
não Deus. Veja o que fazemos Deus fazer, como a terceira lei do caos descreve:
A arrogância em que se baseiam as leis do caos não pode ser mais
evidente do que aqui. Aqui está um princípio que pretende definir o
que o Criador da realidade tem de ser, o que Ele tem de pensar e
como Ele tem de acreditar, e o que Ele, acreditando nisso, tem de
responder. Nem mesmo se considera necessário perguntar-lhe acerca
da verdade do que foi estabelecido para que Ele creia. Seu Filho pode
dizer-Lhe isso e ele não tem senão a escolha de aceitar a sua palavra
ou estar equivocado. Isso conduz diretamente à terceira crença
absurda, que parece fazer com que o caos seja eterno. Pois se Deus
44 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
não pode estar equivocado, Ele tem de aceitar a crença de Seu Filho
acerca do que ele é e odiá-lo por isso. (T-23.II.6)
É por isso que odiamos o verdadeiro Deus e desprezamos o Jesus real: Eles, em
verdade, não se envolvem de forma alguma na caixa de areia – de fato Deus nem ao
menos a vê – razão pela qual não conseguimos perdoá-Los, jamais, como vem
estampado neste trecho que, de outra forma, não faria nenhum sentido:
Perdoa ao teu Pai por não ter sido Sua Vontade que sejas
crucificado. (T-24.III.8:13)
O que precisamos perdoar a Deus é que Ele não brinca em nossa caixa de areia
de pecado, culpa e morte e, por isso, não crucificou ninguém. Jesus diz a mesma coisa
no Curso, quando afirma que precisa que nós o perdoemos:
Eu peço o teu perdão, pois se tu és culpado eu também tenho de ser.
(T-19.IV-B.6:4)
Não são os “ídolos amargos” que fizemos dele que precisam de perdão,
Alguns ídolos amargos foram feitos dele que apenas queria ser um
irmão para o mundo. (ET-5.5:7),
mas o verdadeiramente amoroso Jesus, que reconhece nossas ilusões como ilusões. Ele
sabe que elas são sonhos e que sua realidade está fora deles. Assim, ele não focaliza
sobre o que acontece dentro do sonho: quem jogou a areia primeiro, quem sofre e quem
morre. Ele só está ocupado com o fato de que estamos atuando como crianças, e que ele
quer que aprendamos a nos pôr de pé, ultrapassemos a caixa de areia, e nos tornemos
como ele. Essa é a sua mensagem para Bill, e para cada um de nós.
Isso, então, é a chave para se tornar um pai, ou uma mãe, amoroso, e de mente
reta. Nós não damos poder à criança sobre nós, e nos perdoamos quando fazemos isso.
De forma alguma isso não serve para induzir a culpa, mas para que aprendamos que,
quando nos transtornamos com nossos filhos, temos de nos lembrar que isso nada tem a
ver com eles, nada mais do que o transtorno de Bill tinha alguma coisa a ver com seu
pai destruir seu novo consultório. Como vimos, ele queria que seu pai destruísse seu
consultório. Eu ficar bravo por algo que filho meu fez a mim significa, em verdade, que
eu queria que isso acontecesse, de outra forma eu não teria perdido minha paz. Eu
queria que a responsabilidade por eu não estar em paz recaísse sobre esse filho, esse
neto, essa criança, ou quem quer que seja sobre quem tenho alguma parcela de
responsabilidade de mando. É por isso que ficamos transtornados e impacientes, e
porque nos sentimos responsáveis. Além do mais, as crianças amam fazer com que nos
sintamos responsáveis por quão terríveis elas sãos, dessa forma montando o dueto culpa
e censura – tanto os pais, como a criança, engatinham na caixa de areia, atirando areia
de culpa uns nos olhos dos outros. Todos são peritos nisso.
Reafirmando esse ponto muito importante, uma das maiores ilusões do mundo
é de que os pais sejam os responsáveis pelas crianças, que ignoram que as crianças já
vêm para cá com egos plenamente desenvolvidos. Apenas os corpos são pequenos. É
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 45
arrogante, não amoroso, e sem caridade de nossa parte, crer que temos poder sobre
nossos filhos. Certamente temos poder sobre seus corpos; mas não sobre suas mentes, e
são esses instrumentos de decisão que, por si só, determinam se eles farão, ou não,
sucesso em suas vidas.
Se nos sentimos responsáveis por nossos filhos, estamos fazendo o mesmo que
Jesus, neste Curso, nos adverte contra fazer: estamos depreciando o poder da mente. Se
sentimos que somos responsáveis pelas neuroses, psicoses, problemas, inabilidades de
ser o que você quer que nossos filhos sejam, ou que escolham o marido ou a mulher, ou
a carreira, errada, exatamente estamos lhes dizendo que são fracos e destituídos de
poder, sendo o resultado do que fizemos deles – e fizemos um trabalho enorme. Nossos
filhos, então, não teriam esperança, que repousa unicamente em serem lembrados de
que têm, efetivamente, o poder de escolher.
Nosso encargo como pais, portanto, é de nos lembrar de que somos total-
mente e não sem-mente, e através de nosso exemplo relembramos nossos filhos a
mesma coisa. Quando nos sentimos responsáveis por eles, reforçamos a sem-mente dos
filhos. Entretanto, quando não respondemos às suas acusações, nós os relembramos que
são total-mente. Se eles fracassam como adultos, isso é o resultado da decisão deles.
Não esfregamos seus narizes nesse fato, com isso brincando na caixa de areia da culpa,
mas demonstramos – de uma maneira gentil e bondosa – o que significa ficar de pé na
caixa de areia do ego. Além disso, nós reconhecemos seu terror em ficar lá de pé
conosco, e o plano de seu ego de permanecer na caixa de areia, e de nos arrastar para
baixo, para nos juntarmos ao seu jogo de culpa. Sendo que, repetindo, não somos
responsáveis por nossos filhos, unicamente por nós mesmos, Jesus diz a Bill que seus
pais não o tornaram medroso de ensinar a classe em psicologia anormal; SEU MEDO VEIO
DE SUA PRÓPRIA DECISÃO DE TER MEDO. O ponto essencial desta mensagem é então que
a mente de Bill é toda poderosa, e que ele não precisa mais dar a seus pais, ou seus
estudantes, ou a quem quer que seja, o poder que, por direito, é todo seu.
O valor desse papel dificilmente consegue ser subestimado, se apenas
considerarmos que foi o que, muito contente, dediquei Minha própria vida. Tenho
repetidamente pedido a Meus alunos que Me sigam.
O valor desse papel de LIDERAR A SI MESMO e a outros PARA SAIR DO DESERTO
consegue dificilmente ser subestimado. O deserto é o sistema de pensamento do ego, e
não conseguimos liderar outros para sair do deserto, a menos que nos conduzamos a nós
mesmos, o que não conseguimos fazer, a não ser que tenhamos alguém nos ajudando.
Esse é o papel de Jesus. Ele diz a todos os seus irmãos menores que DEIXEM A CAIXA DE
AREIA E O SIGAM. Mas, como o Novo Testamento e a tradição de 2 mil anos do
cristianismo refletem, o mundo, em vez disso, trouxe-o para seu nível, para sua caixa de
areia do mundo. O cristianismo, por exemplo, levantou todo seu edifício teológico
baseado na doutrina de que Deus mandou seu Filho para o mundo como um corpo. Em
seu Curso, por outro lado, Jesus essencialmente nos diz, alto, claro e bom som:
”VENHA PARA ONDE ESTOU, NA MENTE CURADA.
FIQUE EM PÉ E SAIA DA CAIXA DE AREIA DO PECADO COMIGO.”
46 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
Isso significa que, para serem efetivamente professores, eles têm de interpretar
ensinar como eu faço. Tive todo emprenho em ensinar você inteiramente sem medo.
Se você não ouvir, será incapaz de evitar os verdadeiros erros óbvios de perceber o
ensino como uma ameaça.
Um dos principais objetivos de Jesus é abolir sua necessidade – até dele
próprio – como professor, como mencionei anteriormente. Quando nos pomos de pé, ao
lado dele, já não mais como crianças, não temos mais necessidade dele. De fato, não há
mais ele e nós – mas unicamente UM FILHO. O próprio papel de pais, professores e
qualquer um em posição de autoridade, essa autoridade é para ser abolida, mesmo que
permaneça nesse formato particular, por respeito e consideração. Em outras palavras,
aprendemos a usar a forma para que seja esmaecida para o brilho do conteúdo – A
UNICIDADE DO AMOR QUE NOS UNE A TODOS.
presentes para ti limitados aos poucos que, de fato, vês. Conseguirás ver
outros também, pois a visão não é limitada aos olhos do corpo. Alguns
dispensarão tua presença física. Eles precisarão de ti muito, e talvez muito
mais, no instante em que são mandados a ti. Tu os reconhecerás da forma
que seja mais útil para ambos. Pouco importa como venham. Eles serão
mandados da maneira que seja mais benéfica: um nome, um pensamento,
um retrato, uma idéia, ou talvez apenas uma sensação de alcançar alguém
em algum lugar. A união está nas mãos do Divino Espírito Santo. Não
consegue haver falha na realização, exatamente por isso. (P-3.II.3)
cujo propósito é nos capacitar a abolir a distinção entre terapeuta e paciente, professor e
aluno, pais e filhos – não na forma, mas no conteúdo. Pondo fim a essa distinção
espúria, além disso, a atuação do Divino Espírito Santo abole o medo, uma das pedras
angulares do sistema de pensamento de separação do ego.
Qualquer professor que creia que ensinar seja amedrontador, não consegue
aprender, porque ele se encontra paralisado. Ele também não consegue, realmente,
ensinar.
Nosso primeiro aprendizado, portanto, nos chega através da interação com
nossos pais. Se esse relacionamento reforçou nosso medo preexistente, todo
aprendizado subseqüente carregará com ele medo e separação. Entretanto, precisamos
aprender que, como uma autoridade, conseguimos permanecer nesse papel, mas sem
nos tornarmos autoritários. Usando Jesus como um modelo, alcançamos ver a diferença
entre sermos autoridade e autoritários, em outras palavras, sem nos confundirmos com
Deus.
Bill estava bem correto em sustentar que este curso é um pré-requisito para o seu.
Entretanto, ele estava, realmente, dizendo muito mais que isso. O propósito desse
curso é preparar você para o conhecimento. Tal é o único propósito real de
qualquer curso legítimo. Tudo que é requerido de você, como professor, é seguir-
Me.
Bill, portanto, estava correto em sustentar que Um Curso em Milagres o
ajudaria a ensinar sua turma, com Jesus como seu guia. Se, de fato, Jesus é, dentro da
ilusão, O REFLEXO DA UNICIDADE DE DEUS, o propósito de seguí-lo é tornar-se como ele
– para que então ensinemos a outros que eles, também, são como nós. Nesse contexto,
frequentemente citei o poema de Helen “Uma oração de Jesus” – nossa oração para
Jesus, e nós mesmos, de que nos tornamos como ele, o símbolo do Cristo, Que é o
nosso Ser:
“Tão como Cristo sou, e eu como tu” – somos um. Aprendemos isso escolhendo Jesus
como nosso professor, aprendendo a nos tornar quem ele é. Tornando-nos ele,
ensinamos como ele. Repetindo o ponto importante, o propósito de qualquer situação
que nos envolva como autoridade é o de abolir essa posição em atitude. Mesmo que
sejamos mais sábios, e tenhamos mais informação para passar aos outros, nós, mesmo
assim, necessitamos manter respeito por todas as pessoas como crianças de Deus –
todas que ensinamos, sobre quem exercemos a paternidade, ou guiamos. O desafio,
repetimos, é manter a separação como forma, mas ensinar a unidade como conteúdo. O
conteúdo de respeito significa: não atacar, não julgar, ou condenar, nossos irmãos, nem
colocá-los em pedestais.
Quando quer que seja que alguém decida que consiga funcionar unicamente em
alguns papeis, mas não em outros, ele não estará senão tentando fazer um acordo
quanto o qual não irá funcionar. Se Bill esta sob a crença equivocada de que esteja
lidando com o problema de medo, atuando como um administrador e como um
professor de prisioneiros, mas não como professor de estudantes, ele está
meramente se ludibriando. Ele deve a si mesmo maior respeito.
Jesus se refere à reivindicação – convicção – de Bill de que ele conseguiria
fazer alguma coisas, mas não outras, uma afirmação contida no Curso, na primeira lei
do caos, de que há uma “hierarquia” de ilusões,
A primeira lei caótica é que a verdade é diferente para cada um. Como todos
esses princípios, esse mantém que cada um é separado e tem um conjunto
diferente de pensamentos que o põe à margem dos outros. Esse princípio se
desenvolve a partir da crença em que exista uma hierarquia de ilusões,
algumas são mais valiosas e, portanto, verdadeiras. (T-23.II.2:1-3)
Jesus certamente não está se referindo a que sejamos capazes de fazer
absolutamente todas as coisas. Ele fala, em vez disso, de nosso investimento em sermos
capazes de fazer apenas algumas coisas e não outras. Bill disse que ele tinha a
capacidade de ser um administrador (ele era o chefe do departamento) e professor de
internos em doutoramento (atuação mais de supervisão que propriamente de ensino),
mas ele firmemente sustentava que ele não conseguiria ensinar estudantes
universitários. Assim, com efeito, Jesus diz:
“Isso não trata de que você não consiga fazê-lo, mas de que você
não quer fazê-lo, o que permite a você livrar-se do assassinato,
literalmente. Você aponta um dedo acusador a seus pais, dizendo:
‘Por causa de vocês, eu não consigo ficar de pé em frente de uma
18
N.T. – The Gifts of God, livro de poemas, único assinado por Helen Schucman, sem
publicação em português, até esta data. Tradução livre da tradutora.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 49
Discussão I
Estabelecendo Limites pela Disciplina
P: Tenho um problema com minha filha de sete anos que não limpa seu quarto. É
errado estabelecer limites e dizer a ela que se ela não fizer o que tem de fazer, haverá
conseqüências? Em outras palavras, o que é importante é de onde venho, e enquanto eu
esteja unida a Jesus, atue com amor, e não ouça as fitas gravadas de minha cabeça sobre
minha mãe, isso está bem?
R: Sim, essa é a idéia correta.
P: Posso dizer a ela que ela perderá um dólar de sua mesada, ou algo do
gênero?
R: Faça o que funcione e o que você e seu marido se sintam confortáveis em fazer –
mas faça tudo amorosamente. Essa é a chave. Não estou dizendo para não insistir que
sua criança limpe seu quarto; mas de preferência que essa tarefa não tenha aspecto
punitivo. Pense em crianças na escola que tenham duas professoras de aritmética, uma
bondosa e outra odiosa. Uma as corrige gentilmente, enquanto a outra ensina pondo
nelas medo de Deus, humilhando-as quando respondem errado. Estudos a respeito, por
décadas, têm demonstrado que, a longo prazo, o aprendizado é mais efetivo e eficiente
sob condições positivas, mais do que por prêmio, ou punição negativa. Com a segunda
professora há apenas medo. É verdade que, mesmo num ambiente de ensino negativo,
há aprendizado, mas não é o gênero de aprendizado que desejamos para nossas crianças,
pois aprendem que autoridades não conseguem ser confiadas, e são para serem temidas.
Daí surgem as fantasias, ‘um dia serei a autoridade, e serei capaz de fazer a mesma
coisa que foi feito a mim’.
Repetindo, não se trata do que fazemos com nossas crianças, mas como o
fazemos a elas. Quando nossa paz for minada, porque seus quartos estão sujos e
desarrumados, isso nos sinaliza que algo está errado conosco. Nossa resposta típica é
irmos atrás delas com uma vingança, que a ninguém beneficia. Todo pai, e toda mãe,
conhece a complexidade de criar filhos, donde o título deste livro: Pais e Filhos: Nossa
Sala de Ala Mais Destacada. Isso chega a parecer até mais complexo hoje, do que
quando estávamos em crescimento, porque os controles sociais não estão mais
presentes. Acresce que, o respeito pela autoridade, simplesmente, desapareceu. Mesmo
assim, as lições seguem sendo as mesmas, a despeito de gerações e culturas.
52 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
Amor Rude
P: Eu tenho uma pergunta sobre amor rude. Por exemplo, como alguém sabe – com
certeza – quando está bem pegar no colo uma criança quando ela chora toda noite?
R: Amor rude é o amor formatado, que disciplina e impõe limites. O Amor Real é sem
forma, (fôrma ou molde), e abstrato. Por enquanto, pense a respeito dele como uma
água fluindo num rio. Algumas vezes o leito do rio vai numa direção, outras vezes
numa outra; no curso do rio algumas vezes há pedras e galhos de árvores. Mesmo
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 53
Amor Condicional
P: A mensagem que recebi de meu pai, enquanto eu crescia, foi de que ele não me
amaria, a não ser que eu fosse bem sucedida na escola. Eu me apeguei a isso, e passei
isso para meus três filhos. Em minha mente, eu sinto que uma resposta de um filho é:
“Bem, então eu não vou ter boas notas.” E ela não as tem. Agora me dou conta de que
eu fico mandando a ela mensagens de amor condicional. Tenho uma criança que está a
seis semanas da formatura e que pode vir a não se formar. Daí meu filho do meio pega
isso tudo e vem para casa só com a nota máxima. Então pergunto, que faço a partir daí?
R: Não faz coisa alguma. Fique apenas com o que conseguiu entender disso tudo.
Reconheça a dor que isso causou a você quando criança, mesmo que você, não
necessariamente, haja experienciado isso dessa forma. Compreenda que, usando a
famosa citação bíblica, ‘os pecados dos pais são repetidos até a terceira ou quarta
geração’ – como o que seu pai fez a você, agora você está fazendo o mesmo a seus
filhos. Veja como isso não fez você feliz, e não irá fazer seus filhos felizes. E,
finalmente, entenda que toda sua vida está edificada sobre a idéia, não tanto sobre o
símbolo das notas, mas do amor condicional. Isso ajudará você ver como isso tudo não
é bondoso.
Quanto mais você se permita sentir a dor disso, mais fácil será deixar isso tudo
ir-se de você. Mas não se empenhe para que isso se vá de você; simplesmente, fique
com o que você fez da situação. Entenda suas raízes, mergulhe na questão, e reconheça
que isso é uma lição importante para você, e sua família. Você tem uma oportunidade,
como é declarado no panfleto sobre psicoterapia, de compreender que isso é um
cantochão fúnebre que você tem, repetidamente, entoado para si mesma; um cantochão
fúnebre que é a pedra angular de sua vida do ego, que você carregou com seus filhos.
Ouvi-lo [o cantochão fúnebre] é o primeiro passo na recuperação. Questionar isso
tem de se tornar [tua] escolha. (P-2.VI.1:7-8)
Seus olhos estão, finalmente, se abrindo. Não faça nada mais. Você ouviu o cantochão
fúnebre doloroso, e agora está questionando isso ao se dar conta de que como você não
quer mais viver assim. Você não precisa fazer mais nada. De fato, não faça mais coisa
alguma.
P: Antes de eu sair para vir aqui, eu estava muito empenhada. Sentei minha filha e fiz
com que soubesse que talvez ela pudesse não querer se formar, mas que eu queria que
ela se formasse. É aí que fico confusa. Como mãe, ou pai, ainda tenho de estabelecer
limites e regras. Sempre odiei isso porque nunca sinto que, efetivamente, esteja
conseguindo fazer isso. No caminho vindo para cá, decidi tirar isto e aquilo de minha
filha, mas, à medida que ouço você falar a respeito de como ser pai, ou mãe, não
consigo deixar de pensar na péssima trapalhada que fiz em tudo isso.
R: Mas você vê, a trapalhada que você fez permite a você entender com o que você
verdadeiramente fez trapalhada. Isso é maravilhoso! Visto assim, isso dificilmente seria
considerado uma trapalhada – aí você leva a nota mais alta possível. Mesmo que seu pai
já haja falecido, chame-o e diga-lhe: “Sabe de uma coisa, Pai, acabei de receber um
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 55
10!” Se você não houvesse feito a trapalhada, a situação não teria sido trazida para sua
atenção. Você alcançou o ponto onde agora você consegue dizer, a você mesma, que
isso é o que tem estado fazendo, e como isso é terrível. Essa conclusão motivará você a
deixar isso tudo ir embora, livrando-se disso.
P: Estou pensando agora que foi estupidez minha pôr todas essas coisas no lugar. Eu
sempre fui trapalhona. Sinto-me mal por até agora nunca ter sido mãe, de fato, dessa
criança. Ela agora já está com dezessete anos!
R: Por que você não se desculpa com ela? Diga a ela que você se dá conta de que
cometeu um erro, e que não tem tanta importância que ela não vá assim tão bem na
escola. Sejam quais forem as palavras que use, a mensagem que você quer dar a ela,
agora, é de que você esteve errada:
“É a pior coisa no mundo impor condições ao amor, e eu apenas quero que você saiba
que não importa como você se saia na escola, eu sempre amarei você.”
E dê significado ao dizer-lhe isso, acredite no que você lhe diz. É tudo que tem de fazer.
Entenda que a cura não poderia jamais ocorrer, sem que você tivesse tido uma vida de
trapalhadas. Esse é o sentido positivo de “nascer de novo.” Você “nasce outra vez”, no
sentido de olhar para o valor de uma existência de culpa e dizer, convicta, que você,
decididamente, não quer mais isso. Essa é a experiência viva daquela frase do Curso:
“Isso não precisa ser assim!” E lembre-se de contar a seu pai que você ganhou um 10!
P: Minha situação é diferente. Meu pai disse que estava bem não ter boas notas. Meu
irmão e minha irmã eram academicamente brilhantes, mas escrevi um roteiro para mim
pelo qual eu não conseguia fazer isso, então, mesmo que ele houvesse dito que estava
bem, fiz um trabalho, por conta própria, em mim mesma. Então, não importa como você
faça – como no roteiro do Bill – se queremos falhar, falharemos.
R: De fato, o ego sempre triunfará, enquanto quisermos – enquanto permitirmos – que
ele triunfe, mesmo quando esse desejo seja inconsciente. O problema nunca é a forma,
mas sempre o conteúdo: o desejo de ter o problema, em primeiro lugar.
P: Nós temos todos esses roteiros que garantem que, de um jeito ou de outro, vamos
criar a trapalhada e, depois, cair em culpa. Estamos aprendendo a conviver com outras
pessoas que estão fazendo, exatamente, a mesma coisa. Vivemos num mundo de
confusão. Você comentaria sobre essa idéia de que nada jamais irá funcionar
corretamente no mundo, e que temos, por questão de sobrevivência física, de nos
apaziguar em relação a ela?
R: Não consigo comentar sobre isso nada melhor, nem a mais do que você já disse
agora. Isso é verdade – nada funciona aqui e, portanto, tudo aqui é confuso, confundido
e confundível. A grande mentira da sociedade é que vamos conseguir fazer as coisas
funcionarem: nossas famílias, relacionamentos, corpos, governos e negócios; vamos
fazer o mundo funcionar: acabar com a pobreza, doença, fome e guerra, discriminação,
injustiça e desigualdade. E nisso até fazemos muitas revoluções e guerras. A história já
mostrou, entretanto, que o mundo nunca funcionará.
56 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
19
N.T. – Transcrevemos apenas o parágrafo 1 da seção I, do capítulo 27. O original se
refere à totalidade da seção I, para leitura, sem transcrevê-la. Recomendamos a quem
esteja seriamente estudando o tema, que, então, leia toda a seção I desse capítulo, 11
parágrafos, num exemplar em português de Um Curso em Milagres, pp. 606-609.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 57
Então, o tempo não mais existe. Entretanto, enquanto ainda se está no tempo, há
muito a se fazer. E cada um tem de fazer o que lhe cabe, pois todo o plano depende
da parte de cada um. Cada um tem uma parte especial no tempo, pois escolheu
assim e, escolhendo assim, ele a fez para si mesmo. O seu desejo não foi negado,
mas mudado em sua forma, para que pudesse servir ao seu irmão e a ele próprio e,
assim, vir a ser um meio de salvar em vez de perder. (T-25.VI.5)
A aceitação desse acontecimento feliz remove um peso tremendo de nós. Nós não
somos compelidos a ter filhos, ou famílias, perfeitos, ou corpos funcionando com
impecável perfeição. Conseguimos aprender a perdoar todas as imperfeições – em nós
mesmos e nos outros – e, o que ainda é melhor, conseguimos – mesmo que seja depois
de alguma, ou muita, insistência – aprender a fazer isso com perfeição. Nós alcançamos,
no final, uma atitude na qual aprendemos e dizemos, em nossas mentes, que não
precisamos mudar ninguém, ou coisa alguma, mas, simplesmente, aceitar como tudo é,
porque aprendemos que a forma não importa. Assim, precisamos, apenas, mudar nosso
conteúdo, e não o conteúdo de ninguém mais. Quando chegamos a isso, o conteúdo de
todos os demais já mudou, também, porque a mente do Filho de Deus é só uma. Nós
conseguimos aceitar que outros recusem-se a aceitar nossa mudança, mas ficamos em
paz, porque já cumprimos a nossa parte. Tendo, assim, desfeito o ego, a culpa se vai, e
somente o amor remanesce, expressando-se da maneira mais útil, e amorosa, para todos
os demais. Repetindo, o que as pessoas fazem com esse amor, é ocupação delas, não
nossa, e é um grande alívio estar livre do encargo, pesado, de tentar mudar o mundo,
pois já mudamos nossas mentes a respeito dele. Repetindo, para não nos esquecer:
Portanto, não busques mudar o mundo, mas escolhe mudar a tua mente sobre o
mundo. (T-21.in.1:7)
medida que nos tornamos, cada vez mais, cônscios de como não queremos o amor ou
seu professor.
A Introdução a Um Curso em Milagres declara que
É um curso obrigatório. (T-in. 1:2, omitido o itálico).
Helen disse a Jesus, no início, que ela não achava que Bill quisesse esse Curso, e que,
também, não se sentia tão segura de, ela própria, querê-lo. Dizer a Jesus, “Não quero o
seu curso e eu não quero você”; dizer a Deus, “Não quero Seu Amor”; e dizer isso sem
culpa, é tremendamente curativo. Considerando que originalmente olhamos para nossa
escolha de sermos separados de Deus e sentimos culpa, a correção está em olhar para
nossa decisão de separação, da mesma forma específica de nossas vidas, e não sentir
culpa. Isso não significa indulgenciar, espiritualizar, escusar, ou racionalizar nossa
separação, mas, de fato, significa olhar para ela, e às suas conseqüências – a dor que
isso nos causou e aos outros – e dar-se conta de que, a despeito da escolha de ser
separado nos tornar insanos, isso não faz de nós pecadores ou maus:
Filho de Deus, tu não pecaste, mas tens estado muito equivocado. (T-10.V.6:1)
Repito, ser capaz de ver a superabundância de maneiras pelas quais nós empurramos
para fora esse amor, e daí não nos julgarmos, nem nos sentirmos culpados, por assim
termos feito, chega a ser uma significativa conquista, em termos de aprendizado.
Isso ajudará você, não apenas a ser mais bondoso e mais gentil, com você
mesmo, mas também com todas as pessoas, mesmo que os ataques de seus egos sejam
ferozes e dirigidos, pessoalmente, a você, inclusive. Você será bondoso e gentil, porque
entenderá a fonte do ataque. Todos nós, como pessoas, somos aterrorizados em relação
ao amor. Foi, por isso, que fugimos de casa para o mundo, caindo na cilada do corpo. O
pior pensamento de todos, como já vimos, é aquele que mesmo se nós, de alguma
forma, nos libertássemos, e alcançássemos os gramados do Céu, Deus diria que não
fizemos o suficiente do que éramos capazes – e então as portas do Céu se fechariam a
nós, para sempre. Todas as pessoas andam por aí com o terror, e o desespero, de que
nunca mais retornarão para casa, sem lembrança de que foi sua, unicamente sua, a
escolha de se fazer, e de permanecer, um proscrito.
Nós, portanto, precisamos olhar para as fragmentárias sombras do pensamento
original, como manifestado em nossa interações com nossos pais, filhos, cônjuges,
parentes, amigos, chefes, patrões, empregadores, empregados, superiores, subordinados,
dependentes, vizinhos, conhecidos, lojistas, serviçais, atendentes, figuras públicas, e
todos que encontramos, e com quem falamos, ou que falam conosco, nos procuram,
eventual ou freqüentemente, etc., e então, humildemente, reconhecermos que estamos
repetindo, outra vez, o que sempre fizemos:
estamos vendo o ego, e não Cristo, nessa pessoa; nós não estamos sentindo a dor, a
dificuldade, a limitação, a incapacidade, o medo, a culpa, ou que seja, do outro, mas
olhando, unicamente, às coisas não amorosas que seu ego está fazendo, fez, ou fará,
ainda.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 59
Temos de aprender a ver isso em nós mesmos, e reconhecer que nós – e nossos egos – é
que estamos com medo do amor. Só precisamos olhar para o ego do outro, sem
julgamento, e nada mais fazer. Daí as palavras e os atos certos virão, que é da natureza
da cura. Como está declarado no panfleto Psicoterapia:
É no instante em que o terapeuta se esquece de julgar o paciente é que a cura
ocorre. (P-3.II.6:1)
Assim, nada temos a fazer senão esquecer de julgar nossos filhos, pais, parentes, a nós
mesmos e a todos mais com quem cruzarmos, ou pensarmos. Como já vimos, nada há
no Curso que determine o que se deva dizer ou fazer. Quando Helen perguntou a Jesus
o que ela diria a uma determinada pessoa, ele respondeu dizendo que essa era a
pergunta errada:
Em vez disso peça,
“Ajuda-me a ver esse irmão pelos olhos da verdade e não do julgamento,”
Absence from Felicity, p. 381
K.Wapnick, Ph.D.20
20
N.T. – Livro sem publicação no Brasil, até a data. Tradução livre da citação pela
tradutora.
60 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
Para curar isso, então, pedimos ajuda a Jesus, ou ao Divino Espírito Santo, para
desfazer essas obstruções. O que remanesce é o amor, cujas águas gentis ficarão libertas
para fluir através da mente da Filiação. Se o leito do rio do Filho vai para a esquerda, ou
à direita, nossas palavras se curvam no sentido do leito. Se há obstáculos ao longo do
curso, a água de nosso amor continuará a fluir, envolvendo os bloqueios, enquanto flui.
Não temos de nos ocupar com especificidades, apenas com RETIRAR O EGO DO
CAMINHO. Praticamos isso com os filhos, muito queridos, e com cada relacionamento
específico. Mesmo assim, pais e filhos constituem nossa sala de aula mais importante,
porque esses relacionamentos são muito carregados de culpa.
Durante meu workshop “Forma vs. Conteúdo: Sexo e Dinheiro,” destaquei o
ponto de que, considerando ser sexo e dinheiro tão ligados ao corpo, eles não
conseguem, senão, serem imersos em culpa. É por isso que se tornam uma sala de aula
tão útil – não porque sejam inerentemente diferentes de qualquer outra coisa. O
relacionamento PAIS-FILHOS é, provavelmente, o relacionamento mais densamente
investido em culpa de todos mais, e nisso repousa seu valor e importância para nossa
cura. Nosso compromisso de dever de casa, entretanto, é de nada fazer senão apenas
olhar, sem julgamento, ao que o ego fez do relacionamento. Quando nos damos conta –
em horror – de que nossa dor vem da nossa própria maneira egóica de olhar,
automaticamente, acabamos deixando que ela se vá. O que fica liberado para assumir
seu lugar, então, é a visão que só vê conteúdo. Assim, nossa necessidade não é de ter
nossos filhos formados na escola, ou formados com distinção, mas terem a experiência
do amor, do qual precisam ser lembrados para que SE FORMEM NA SALA DE AULA DE
PERDÃO DE JESUS. No entanto, não conseguiremos lembrá-los do amor, a menos que
primeiro, nós mesmos, nos lembremos dele. O fator crucial é sempre a nossa
necessidade de – antes de tudo – perdoarmos a nós mesmos – OLHAR PARA O EGO E NÃO
JULGÁ-LO, JAMAIS! O poema inicial de Helen, “Ele só pede isso” é uma linda expressão
do que é pedido de nós:
Piercing do Corpo
21
N.T. – The Gifts of God, livro de poemas de Helen Schucman, sem publicação no
Brasil, até a data. Tradução livre não autorizada da citação pela tradutora.
62 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
experiência de ser o pai, ou a mãe, de seu pai, ou sua mãe. Isso acontece quando os pais
começam a tratar seus filhos como parceiros, e relatam a eles seus problemas e
dificuldades. (Isso fica diferente, por certo, se o filho, ou filha, é adulto e já se tornou
um parceiro). De forma análoga, quando minha mulher Gloria estava em terapia, há
muitos anos, seu terapeuta, muito inadequadamente, começou a falar-lhe de seus
próprios sonhos a respeito dela. Num verão eu trabalhava num projeto de pesquisa que
envolvia a entrevista de famílias em suas casas. Numa das casas, o pai chamava seu
filho de seis anos, de “papai.” O que era horripilante não era tanto o seu emprego do
termo, mas que a palavra usada refletia seu comportamento. Tratava-se aí de uma
criança pequena, mas o pai o tratava como um parceiro e, algumas vezes, mesmo até
mais do que isso. Isso é, potencialmente, devastador para os filhos, pois daí eles não
irão experienciar seus pais como capazes de cuidarem de si mesmos, e seu medo, afinal,
chega a significar que não há quem consiga fazer isso.
Num sentido, esse tipo de experiência é bem típico, e ocorre quando há abuso
físico, emocional, ou mesmo sexual, quando a criança é tratada como um objeto
necessário. Assim o pai, ou a mãe, se tornou dependente da criança, tanto para
satisfação sexual, e/ou para satisfação sádica, de abuso de um inferior. À criança, então,
é negado sentir-se uma criança. Esse é um roteiro que todos nós escrevemos, no qual
uma parte essencial está sendo vulnerável, desamparada, e dependente de nossos pais
em nossos primeiros anos. O abuso, num sentido, viola o roteiro, e estabelece um
aprendizado de situações muito difíceis para a criança e, também para o pai, ou a mãe.
A dificuldade é um misto, levando em conta que a criança quase nada consegue fazer
em relação à situação. Se o pai, ou a mãe, abusador reconhece o problema, ou se a
situação se torna extrema, e o tribunal intervém, há, pelo menos, uma chance evidente
de fazer algo com o adulto. Mas a criança pequena não tem um recurso real exceto, de
alguma forma, sobreviver a infância, e esperar que, num ponto adiante na vida, consiga
olhar para a situação, diferentemente.
Sendo que cada um de nós tem um ego, os pais inclusive, seria raro que um
pai, ou uma mãe, em algum nível, alguma vez, não fizesse isso a um filho, ou filha.
Algumas vezes chega a ser publicamente destrutivo, em outras vezes, mais sutil. Isso
conseguiria também tomar uma forma diferente, onde os pais sempre reprimem as
crianças, impedindo-as de ter qualquer senso de responsabilidade. Lembro-me de um
incidente que ocorreu quando eu estava na faculdade, e havia ido para casa, em férias.
Meu pai tinha umas camisas na lavanderia, que custavam, à época, cerca de vinte
centavos a peça, para lavar e passar. Eu ia sair para fazer alguma coisa, e perguntei a
meu pai se ele queria que eu lhe trouxesse algo. Ele mencionou que suas camisas já
estavam prontas, e puxou a carteira para me dar um dólar. Disse-lhe que eu cuidaria
disso, levando em conta que agora eu já tinha vinte anos, o mínimo que eu conseguia
fazer seria pagar um dólar pelas camisas de meu pai. Mas ele não me permitiu fazer
isso. De fato, ele se tornou de alguma forma ofendido até, com a idéia de eu efetuar esse
pagamento.
Isso não chega a ser incomum nas famílias, e o erro é cometido por ambos os
lados: dar às crianças – extemporaneamente – um falso sentido de maturidade e
adultidade, pela demanda de coisas físicas, emocionais ou sexuais deles, ou algo que
totalmente os infantilize, por bloquear sua sensação de crescimento. Em ambos os
64 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
casos, as crianças lidam com essas situações o melhor que conseguem, e esperamos
que, como adultos, consigam ver suas experiências iniciais sempre como oportunidades
de aprender o perdão, praticando-o.
Claramente, crescer num lar sem amor é devastador; mas mantenha em mente
que sentir-se presente neste mundo é, igualmente, devastador. Mesmo os chamados ‘o
melhor dos pais’ fazem coisas terríveis com seus filhos, porque acreditam que coisas
terríveis foram feitas a eles, pois todos nós cremos que, no início, fizemos algo terrível.
Assim, estamos – todos juntos – na mesma embarcação do ego, o que torna um erro
comparar pais, ou famílias, pois isso implica em estabelecer hierarquias em ilusões. A
única família livre do ego é Deus e Seu Filho. Qualquer outra é do ego. Não havendo
hierarquia na ilusão (ou nas famílias), há diferenças, e unicamente no nível ilusório da
forma, expostas à nossa interpretação.
P: Sofri abuso na idade de dois anos, de meu avô. As memórias retornam e em minha
mente, hoje, digo a meu avô para parar de fazer isso, o que não fiz quando tinha dois
anos. Creio que o abuso me deu o ser que tenho, mas hoje me dou conta de que algo
“mais elevado” consegue me dar um ser agora.
A: Trazer memórias dolorosas à superfície no agora ajuda, por dar a você a
oportunidade de aprender a olhar a essas memórias sem medo, dando-se conta de que,
mesmo que os abusos hajam ocorrido quando você era uma menininha, ou um
garotinho, você já não é mais essa criança. O que frequentemente acontece, em lugar
disso, entretanto, é que nos apegamos a essas memórias de abuso, como uma maneira
de explicar – e de por certo justificar – o que, no presente, fazemos em nossas vidas.
Como um adulto, por exemplo, penso que tenho de ser cuidadoso entre homens, ou
mulheres, tendo em vista o que aconteceu a mim, quando eu era criança! O efeito dessa
forma de encarar o tema é que ela mantém o passado vivo, e danosamente atuante, em
mim. Isso, de forma alguma, significa que devemos negar o passado, mas, em vez disso
– e melhor que isso – devemos aprender a negar que, agora, o passado tenha qualquer
efeito em nós. Há uma grande diferença entre as duas atitudes.
Por outro lado, enquanto você reprimir uma memória, considerada ruim por
você, faz você afirmar e manter que o passado continua vivo e presente, quem sabe até
ameaçador, capaz de obscurecer sua paz e que, por isso, é tão horrífico que você, em
absoluto, não quer e vai lidar com ele. Isso em nada e nem a ninguém ajuda. O que
ajuda, entretanto, é – maduramente – reconhecer o que aconteceu, mas, desta vez, para
se indagar o que isso tem a ver com você agora. O erro é dizer que isso, de fato, tenha
algo a ver com você agora. E a razão é demais tentadora de concluir que – isso de fato é
mais uma necessidade compulsiva de pensar dessa forma – seja isso, quando coisas
terríveis acontecem a nós quando crianças, nós construímos um ser como uma defesa
contra o abuso e a vitimação, ou que quer que seja que nos causou dano – uma dinâmica
verdadeiramente até que muito compreensível, segundo o ego. Mas, daí nos
esquecemos que o abuso não mais está presente e, mesmo assim, ainda conservamos o
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 65
ser que edificamos – o ego – que agora nos define. Passamos, então, a afirmar: ESSE É
QUEM SOU, E SOU ASSIM POR CAUSA DO QUE ACONTECEU A MIM, QUANDO EU ERA UMA
CRIANCINHA. Eu sinto necessidade de me apegar ao abuso – passado, presente ou
antecipado – porque isso explica, e justifica, a armadura que eu construí ao meu redor,
que agora me define, e me compõe. Estou afirmando – e, o que é pior, reconhecendo e
confirmando – que não sou uma criança de Deus; sou um filho, ou filha de um pai, um
avô, um parente abusivo, ou mesmo fruto de um gene que me fez inadequado e
defeituoso.
Nós, assim, nos definimos com base no passado, e continuamos a precisar de
passado, porque ele explica, e justifica, sermos da maneira que somos hoje. Isentamo-
nos, assim, da responsabilidade de nos darmos conta de que somos nós mesmos que
assim estamos escolhendo ser dessa maneira inadequada e defeituosa. Pensamos que
temos de ser dessa maneira, pois sem o nosso sistema defensivo, sem o nosso modo
defeituoso de nos relacionar com o mundo, não sabemos quem somos. Enquanto
tivermos – e mantivermos – um passado abusivo, estamos fora do laço. Conseguimos
sempre manter: “Alguém me fez assim.” Bem, esteja certa, NINGUÉM fez você assim.
VOCÊ se fez assim por sua própria conta e risco. E não foi só isso que sua mente fez de
você, quando você tinha dois anos de idade, você se fez assim aos 12, 22, 32, 42 52, 62,
72 e 82 e mais. Repetindo, nós nos penduramos no passado para termos uma desculpa
para não mudar: ‘claro, hoje sou deste jeito, por que....’ Isso não é apenas uma
deslavada mentira, mas também – o que é muito pior – um destrutivo engodo; saiba que
você é do jeito que é hoje, porque sua mente que decide, seu Tomador de Decisões,
escolheu – hoje, aqui, agora, nem que seja por só um instante – que você é dessa
maneira.
P: Parece que algumas situações de severo abuso conseguiriam ser, psicologicamente,
menos dolorosas do que o tipo de abuso manipulativo?
R: Absolutamente. De fato, de todas as coisas, o abuso conhecido é mais fácil de lidar
do que o oculto, porque o do tipo aberto, doloroso como já é, está, pelo menos, ali
mesmo presente. Recapitule nossa conversa inicial da mãe esquizofrênica (ver página
21). Uma destacada característica dessa síndrome é o dilema entre alternativas ruins,
onde o pai, ou a mãe, diz à criança “Eu amo você,” mas suas ações dizem o contrário
disso. E, assim, a criança recebe duas mensagens contraditórias. Isso é, em verdade,
muito pior para a criança, do que um abuso aberto – não que o segundo seja um
piquenique, mas pelo menos é explícito. Quando um dos pais dá a mensagem verbal de
amor e cuidado, mas a experiência da criança é totalmente diferente, a criança se
confunde, em dúvidas e não sabe a resposta apropriada. Isso é extremamente diferente,
para dizer o mínimo.
A chave mestra é reconhecer que, uma vez você se encontre num corpo, você
já está insano. A despeito do que os psicólogos possam lhe dizer, não há hierarquia na
insanidade. Trabalhei em hospitais mentais, e a piada corrente era que a única maneira
de diferenciar os pacientes da equipe que os atendia era que um dos grupos tinha as
chaves. Isso, mesmo risível como humor negro, mesmo não dito com bondade, tem algo
aí de verdade. Todos nós aqui no mundo somos – de fato, sem exceção – insanos. É
66 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
como o Gato de Cheshire contou à Alice22: “Somos todos loucos aqui. Eu sou louco.
Você é louca.” Quando Alice reivindicou sua sanidade, o Gato responde: “Você tem de
ser [louca], ou você não teria vindo para cá.” Isso é o que Jesus nos conta, e repete, o
tempo todo. O princípio de que o amor não faz comparações, é importante. O Curso nos
ensina,
A comparação tem de ser um mecanismo do ego, pois o amor não faz nenhuma.
(T-24.II.1:1)
22
N.T. – Personagem das histórias de Alice, de Lewis Carroll.
23
Para uma discussão ampla disto ver meu artigo “Forgiving the Abuser: Our Only
Hope,” (“Perdoar o Abusador: Nossa única esperança”) transcrita no Apêndice no final
da Parte II deste livro.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 67
Quando nos tornamos de mentalidade certa,24 conseguimos ser mais objetivos e nos
damos conta de que nossas próprias vidas terrenas refletem a mesma dança de
vitimação, na qual todas as pessoas aqui neste mundo participam, sem exceção.
Um dos pontos destacados por Jesus para Bill era que seu problema nada tinha
a ver com a aparente desigualdade em sua família, i.e., seus pais eram mais velhos e
mais poderosos que ele. Em muitos casos, entretanto, as crianças detêm o poder, pois
conseguem ser peritos em jogar um dos pais contra o outro, fazendo de seus pais peões
dentro do jogo de culpa, em sua caixa de areia. Se o relacionamento entre os pais não é
bom, como é muito comum não ser, esse poder do filho, ou filha, se torna aparente, e
cada vez mais forte. Eles, imediatamente, avaliam o problema e o usam para tirar
vantagem, jogando de mamãe contra papai, ou vice-versa, num jogo de insano
manipulação, para conseguirem o que buscam. Não obstante, há aí uma parte de suas
mentes que consideram que elas, as crianças, não sejam os adultos na família. Nossa
próxima seção considera, diretamente, essa situação destrutiva, e suas felizes e viáveis
soluções.
O Arco da Segurança
Estivemos conversando sobre a importância de não tornar os filhos crianças
em adultos antes de seu tempo, no sentido de não envolvê-las como se fossem nossos
amigos, ou parceiros e colocando neles encargos e demandas inadequados. Quero
comentar mesmo além disso, usando, como pano de fundo, um parágrafo da novela de
D.H.Lawrence The Rainbow (O Arco-íris), que também usei como base de meu artigo,
“O Arco do Perdão,” no número de setembro, 2004 do nosso noticiário The Lighthouse
(O Farol).25 Como veremos, ele cabe perfeito em nossa conversa sobre o desempenho
de PAIS E FILHOS. Em minha opinião, O Arco-íris é o melhor livro de D.H.Lawrence.
Ele foi um novelista inglês do início do século XX, e isso foi escrito quando ele estava
no final de seus vinte anos, uma idade incrivelmente jovem para já ter adquirido o nível
de maturidade refletida no livro. Ele tinha um estranho e misterioso senso a respeito de
relacionamentos entre homens e mulheres, e também entre pais e filhos. Como O Arco-
íris é uma das mais belas novelas escritas no século XX, é espantoso que ela tenha sido
banida na Inglaterra como obscena. Infelizmente, Lawrence jamais se recuperou
emocionalmente desse julgamento dos críticos. O livro que se seguiu, Women in Love
(Mulheres em Amor), nem nada mais que ele escreveu depois, alcança o mesmo nível
artístico.
A novela é uma história de três gerações, na Inglaterra. A primeira é o
relacionamento entre Tom e Lídia. Lídia era européia e de um meio social elevado, de
ascendência de classe alta. Casa-se com Tom, fazendeiro. Por causa das significativas
diferenças culturais entre eles, seus anos iniciais de casamento foram difíceis e tensos.
24
N.T. – Atinge uma mentalidade certa quem escolhe, de preferência, usar a mente
certa, real, mesmo que separada, em vez da mente errada, ilusória, guiada pelo ego.
25
Artigo baseado em minha palestra proferida em agosto, 2004, “Nossa aula de
Aprender,” depois ampliado e publicado no meu livro O Arco de Perdão.
68 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
hospital – minha mãe chorava em seu quarto, e eu ouvi minha mãe, sem que ela
percebesse que eu a escutava, falando com um de seus irmãos. Ela usou a
palavra câncer. Eu não sabia o que isso era, mas podia dizer que isso era ruim
pela maneira, e o tom, com que ela falou. A esse ponto, obviamente, os médicos
não sabiam se meu pai tinha câncer ou TB; dos dois, o último, por certo, seria
preferível. Por causa disso carreguei comigo, por onde ia, o pensamento de que
algo estava muito errado – ouvi os sussurros, vi minha mãe chorando, e meu pai
não estava por ali muito – mas eu não sabia o que, exatamente, estava errado. A
despeito das tentativas de minha mãe de guardar o segredo, eu inadvertidamente
acabei por descobri-lo. Eu era um leitor ávido, e como minha mãe gostava dos
mistérios de Perry Mason27, eu os lia depois dela terminá-los. Eu lia um deles
na escola e encontrei a palavra TB. Não sabia o que era, mas me lembrei da
palavra entreouvida aos “sussurros”, e daí perguntei à minha professora o que
ela significava. Vim para casa e confrontei minha mãe com o que havia
aprendido, e ela não teve como senão me contar a verdade. Não me recordo de
minha reação, mas sem dúvida, juntando tudo, a ansiedade e as preocupações de
minha mãe fizeram sentido. Mais uma vez, repito, teria sido melhor para minha
mãe ter se sentado comigo, e explicado que meu pai estava com uma séria
enfermidade, mas estava sendo tratado por médicos, e estaria ausente por algum
tempo, em vez de pretender que nada acontecia. Quando você tenta proteger
alguém, ocultando algo, a mensagem, no fim, atravessa de outras maneiras, com
defeito, controvérsia ou erro, engendrando reações, muitas vezes, pelo truncado
da mensagem, ainda mais atormentadoras.
Repito, a coisa mais amorosa que você consegue fazer por seus filhos é
amar o seu cônjuge. Ou então, se o amor ficou impossível – resolução sua –
pelo menos que essa questão seja colocada abertamente, delicada e suavemente,
para minimizar, ao máximo, ou diluir, a médio e longo prazo, os choques ou
traumas que causem, pois trauma sempre haverá, dependerá do grau de
interpretação do impacto. Você não precisa, necessariamente, compartilhar os
detalhes desagradáveis e dolorosos, ou cruéis e violentos do relacionamento,
por isso não conter nada de útil. Mas ajuda, e muito, pelo menos, reconhecer,
perante a criança, que algo anda errado. A AUTENTICIDADE NÃO TEM
SUBSTITUTO. O que é particularmente comovente, na descrição de Lawrence, é
que Anna muda, quando seus pais mudam, passando a se sentir segura. Falando
27
N.T. – Perry Mason é uma série de televisão. O personagem-título, um advogado de
defesa criado em livros por Erle Stanley Gardner, aparece em mais de 80 histórias e na
maioria delas Mason precisa provar a inocência de um cliente acusado de assassinato.
Apresentada na TV de 1957 to 1966, outra série em 1973-1974, e mais de 25 feitas para
cinema de TV de 1985 a 1993.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 71
tomado de nós, para suprir o que esteja faltando neles. Agora é deles, mas
porque isso era, originalmente, nosso, nós o queremos de volta. É um truísmo
dizer que não conseguimos amar alguém que tenha o que nos falte. E assim os
filhos não amam seus pais, pois são dependentes deles e, por isso, precisam
deles. É por isso que muitos pais dizem a seus filhos pequenos: “Diga à mamãe
que você a ama; vá dar um beijo de boa noite no Papai e diga a ele que você o
ama.” É preciso que os pais saibam: um filho não sabe o significado do amor; o
adulto pensa que o filho sabe, mas quase sempre o confunde com amor especial.
E por isso Jesus nos suplica que o perdoemos, porque, repito, não conseguimos
amar alguém percebido diferente de nós; no entanto – efetivamente – Jesus não
é diferente de nós. No início do Texto, de fato, ele nos garante, que é como nós,
Não há nada em mim que tu não possas atingir. Eu nada tenho em mim
que não venha de Deus. A diferença entre nós agora, é que eu não tenho
nada mais. Isso me deixa em um estado que, em ti, é apenas potencial.
(T-1.II.3:10-13)28.
Nosso irmão maior, por isso, precisa de nosso perdão; de outra forma, não o
amaremos e, se não o amarmos, então ele não consegue nos ajudar.
Como pais amorosos, conseguimos ajudar nossos filhos a crescer para se
tornarem adultos e parceiros. Então eles conseguem amar porque não estarão vindo da
separação e da falta, mas de uma visão de interesses compartilhados, onde as
diferenças, óbvias ao olho, são reconhecidas como superficiais, ocultando a unidade
subjacente do Filho de Deus. Crescendo como filhos e como pais é uma das maneiras
específicas de aprender como desfazer o ego: pedir a Jesus para que nos ajude a olhar
para ele – a súmula e a substância de Um Curso em Milagres. “Olhar” está sempre no
presente, e significa aprender a deixar ir o passado e não projetar expectativas no futuro.
Usemos o conselho de Jesus a Helen:
“Ajuda-me a ver esse irmão pelos olhos da verdade e não do julgamento.”
Discussão II
Quando os Pais Discordam
28
N.T. – A menção é curta, mas o A. indica a leitura de dois parágrafos: T-1.II.3-4.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 73
eu disse “não” ou apenas saí da sala. Sei que não menti dizendo “sim”, porque não creio
nisso. Como lido com isso? Tenho certeza que esse assunto não vai parar por aí.
R: Não seria útil mentir e declarar que se você não crê em Jesus você irá para o inferno,
especialmente se você não crê nisso. Mas também em nada ajuda, abertamente,
contradizer seu marido, porque isso põe sua filha entre os dois – isso, também, não seria
bom para o relacionamento em geral, em casa, e no casamento. Portanto, a coisa mais
amorosa que você pode fazer por sua filha, nessa questão, é dizer, com efeito: “Há
alguma coisas que Mamãe e Papai, entre eles, não concordam. Isso não significa que
Mamãe e Papai não se amem, bem como não significa, de forma alguma, que nós não
amemos você. Isso simplesmente significa que há algumas coisas com as quais, entre
nós, não concordamos.” Também ajudaria dar-lhe outros exemplos, amenos e simples,
como:” Mamãe gosta de cor de rosa e Papai gosta de azul,” ou então,” Mamãe gosta de
sorvete de chocolate e Papai prefere baunilha.” Use outros exemplos, também,
igualmente simples e comuns, e não tão marcantes ou inéditos como a salvação, por
exemplo. Dito assim, isso põe em destaque que duas pessoas conseguem gostar uma da
outra, amar uma à outra, sem, necessariamente, concordarem em algumas coisas. Isso é
muito melhor do que, para você, como mãe, mentir e dizer, “Sim, papai está certo,”
quando sua filha, se não agora, mas muito em breve, se dê conta de que Mamãe não crê
em tudo que Papai acredita. E isso seria tão ruim quanto estar, continuamente,
discordando de seu marido, especialmente diante de sua filha. Uma coisa é discordar de
seu marido no quarto de dormir, a portas fechadas, e bem outra é, abertamente,
discordar dele, no meio da sala.
No final das contas, teologia não faz qualquer diferença. Jesus não se importa
se você crê nele, ou não. Deus não se importa. Então por que teríamos de nos importar?
Isso nunca deveria ser convertido em pomo da discórdia entre as pessoas. Dizendo de
novo, a forma de abordar o assunto seria dizer – e essa é uma lição importante para
qualquer um aprender – que você não precisa concordar. Discordar dos outros não
significa que você os odeie; significa apenas que você tem uma opinião diferente em
referência a algumas coisas. Dessa maneira você consegue ser completamente honesto
consigo mesma, com sua filha, e com seu marido, que já sabe que você discorda dele
nisso. A pior coisa seria fazer a criança crer que ela consiga ficar entre sua mãe e seu
pai. Incidentalmente, esse princípio ajudaria então sua filha, se ela se decide, um belo
dia, a discordar do pastor, sobre o que quer que seja.
O arco de segurança marital permite à criança aprender a valiosa lição que paz
e felicidade não significa, obrigatoriamente, ou um ou outro. O amor consegue existir –
e predominar – mesmo quando haja diferenças intelectuais. Quando a lição é aprendida,
torna-se difícil para ela jogar Mamãe contra Papai. Entretanto, se a criança pressente, ou
experimenta, um conflito entre sua mãe e seu pai – e ter uma diferença de opinião não é
um conflito – ela irá muitos quilômetros nisso quanto possível, tornando todos na
família infortunados, ela própria, inclusive. O casamento então se torna um campo de
batalha, e a menininha um canhão – devastador – que cada lado tentará usar contra o
outro. Mais uma vez, a coisa mais amorosa que você consegue fazer por filhos é fazê-
los sentir a segurança e a tranqüilidade de crescer sob esse arco – o amor entre seus
pais.
74 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
P: Como o Curso nos ajuda a preparar crianças para um mundo que não tem valor?
Além do mais, porque eu gastaria fortunas numa educação superior que ensina a meus
filhos as coisas erradas?
R: Um Curso em Milagres não diz a você como preparar filhos. De fato, ele nem diz a
você o que fazer em qualquer situação: como ser um cônjuge melhor, um pai, ou uma
mãe melhor, ou um melhor o que quer que seja. O que ele, de fato, lhe diz é como ser
uma mente melhor – por meio do perdão a si mesmo. Isso significa, mais uma vez, que
o caminho pelo qual você se torna um pai, ou uma mãe, melhor e verdadeiramente útil
para seus filhos, quando os cria, é sendo, no máximo possível que consiga, livre do ego.
Não há uma maneira certa ou errada de criar crianças, assim como não há resposta certa
ou errada à sua pergunta, a respeito de custear a educação de sua criança. Tudo aqui é
errado desde que o mundo foi feito como um ataque a Deus, e um oposto ao Céu. Isso
não quer dizer que não devemos ensinar nossos filhos – com amor – como cuidar de si
mesmos aqui: pentear-se, vestir-se, ter moral e ética, comportar-se adequadamente no
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 75
convívio social, atender seus estudos escolhidos por eles, serem respeitados,
respeitadores, educados e gentis, firmes e convictos, e tudo mais que os faça conviver
correta e normalmente no mundo. Mas não há maneiras certas ou erradas específicas de
atingir essas metas. Lembre-se que Jesus nos diz que
“o currículo é altamente individualizado” (M-29.2:6)
e isso inclui, e se apóia, em como nós atuamos como seus pais.
Como já mencionei, ensinar o Curso significa demonstrá-lo. Assim, se
queremos ensinar nossos filhos como viver num mundo ilusório, que é cruel, malvado e
injusto, temos de querer, no melhor que consigamos, demonstrar que escolhemos viver
em paz nesse mundo cruel, malvado e injusto. Vivemos nossas vidas – como pais, como
indivíduos e como casais – tanto quanto conseguimos, sem defesas, e libertos do ego. E
então, conforme seja o amor que através de nós guie nossos filhos, nós saberemos,
exatamente, o que fazer e dizer-lhes. Isso nada tem a ver com habilidades parentais,
como tais, para criá-los, mas tem a ver, unicamente, com o perdão da própria mente.
Complicando isso, mesmo assim, acontece que os egos de nossos filhos
resistirão a esse amor, ao mesmo tempo em que a outra parte de suas mentes divididas o
chama, pede-lhe ajuda. Os filhos realmente sabem como nos causar raiva, e apertar
nossos botões. Quanto mais velhos ficam, mais capazes e peritos se tornam nisso. Eles
nos seduzem para nos fazer, jogar com eles, o seu jogo de especialismo, em seu próprio
parque. Eles nos fazem ficar bravos, e quando nos exasperamos, eles sabem que nos
apanharam. “Eu ganhei”, exclamam para si próprios. Sendo que o cerne do
relacionamento especial é fazer os outros atenderem nossas necessidades, nossos filhos
meramente sorriem para nós, brincam conosco, e fazem o que queremos que façam,
pois assim os amaremos. Com efeito, eles nos dizem: “Segure-me, me faça carinho, me
elogie, me dê o que quero, e eu darei a você o amor que você quer.” Eles assim nos têm
presos, como temos estado. Ambos vencemos, e isso significa, realmente, que ambos
perdemos.
Isso foi o mesmo que cremos ter feito com Deus. Como está expresso em todas
as religiões formais, nós dizemos a Deus como ser, como nos amar, e como se zangar
conosco. Sabemos que, se cumprirmos Seus mandamentos (que escrevemos,
incidentalmente), Ele nos amará. E então nós seduzimos Deus, cumprindo os rituais que
dizemos serem “Seus”, fazendo o que cremos ser o que Ele espera de nós, sabendo que
Ele nos premiará, repito, essa é a sedução que os filhos fazem a seus pais. Pensamos
que estamos seduzindo os filhos, manipulando-os, para que sejam bons menininhos, e
boas menininhas. Damos a eles biscoitinhos, ou brinquedos, a mais para que sejam
bonzinhos, o tempo todo. Enfiamos uma chupeta em suas bocas para que se aquietem e
se calem. Sabemos como manipulá-los, mas não nos damos conta de que eles, da
mesma forma, sabem e estão – agora mesmo – nos manipulando. Eles portanto acabam
assumindo o poder que lhes demos, porque nós abdicamos de nosso papel de pais. Eles
detém o poder de nos tornar felizes, ou zangados, alegres ou tristes. Essa abdicação de
poder é a pior coisa que conseguimos fazer a um filho, uma criança, uma pessoa, quer
sejamos pais, professores, terapeutas, ou qualquer outro que trabalhe com crianças, ou
pessoas.
76 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
de fato, é aprendida. Nós usamos nossos desempenhos específicos como aulas, nas
quais aprendemos a lição única de perdão, que conseguimos aplicar a cada
relacionamento e em toda situação, onde estivermos.
Como jovem psicólogo, uma das coisas surpreendentes que aprendi foi que
terapeutas podiam ser maravilhosos em seus consultórios, mas nem sempre,
necessariamente, em outros lugares. Eles conseguiam ser familiares sem amor, ou
colegas e chefes insensíveis, mesmo que brilhantemente astutos, proficientes e úteis
para seus pacientes, em seus consultórios. Eles não aprenderam muito porque não
generalizavam. Se praticarmos amor incondicional em um lugar, mas não o aplicarmos
a todos os lugares, ainda não aprendemos a lição. Jesus fala disso na segunda parte da
Introdução do Livro de Exercícios, e o propósito dessas lições é nos ajudar a
generalizar:
Os exercícios são planejados para ajudar-te a generalizar as lições de modo que
compreendas que cada uma delas é igualmente aplicável a todos e a tudo que vês.
(E-in.4:2, N.T. – leia parágrafos de 4 a 7)
Se não generalizarmos nosso aprendizado, nosso amor se torna mero especialismo.
Focalizar a circunstância de nos tornarmos uma pessoa melhor, por usarmos
uma mentalidade certa, significa nos tornar mais cientes de nossa mente errada, e nos
perdoar, a nós mesmos, por isso, e retornarmos à nossa paz. Aprendemos a perdoar por
todas as pequenas expressões da ínfima idéia insana de separação, não dando a ela o
poder de nos tornar culpados ou tristes, felizes ou pacíficos. Tudo se transforma numa
oportunidade de retornar ao poder do nosso tomador de decisões, na mente. Tornamo-
nos cônscios de nossos egos, e isso não mais nos justifica ficarmos cansados, irritados,
mal humorados, ou desgostosos com nenhuma atuação malcriada, irritante ou insana,
porque isso nada tem a ver com nosso estado mental. O Curso nos esclarece:
Eu nunca estou transtornado pela razão que imagino. (E-pI.5.h)
O equívoco está em escolhermos ser um ego malcriado e, daí, projetamos isso sobre
nossos filhos, que – não precisamos repetir – são muito úteis e proficientes a esse
respeito. E então nos vemos, dedo em riste, acusar nossos filhos, ou quem quer que seja,
por nossa falta de paz. Não precisamos esbravejar com eles, ou conosco, mas é
importante praticar, ao máximo que consigamos, ser sem defesa. Isso, então, assegura
que eles crescerão num lar de bondade, compreensão e amor. Eles aprenderão, por
nosso exemplo, de como viver em paz num mundo duro e mau, que não faz sentido,
onde todos sofrem e morrem. Eles aprenderão que se pode viver em tal mundo e,
mesmo assim, estar em paz. Não precisamos fazer isso na perfeição e, a coisa boa a
respeito de filhos é que, eles nos dão muitas, muitas oportunidades para isso: segunda,
terceira e enésima oportunidade. De fato, em qualquer extensão, conseguimos, tentamos
servir como exemplo de pensamento de mentalidade certa.
Em outras palavras, nossa lição máxima, como pais, é sermos sem defesas – se
possível todo o tempo – diante do ataque, qualquer ataque. No panfleto Psicoterapia,
Jesus diz que esse é o papel do terapeuta
78 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
P: Trabalhei sob a culpa de não ser uma mãe boa o bastante, e aprendi, na maior parte, a
perdoar meus filhos, e a mim mesma. Agora tenho um neto adorável de sete anos, que é
muito ansioso. Ele coça os joelhos até sangrarem, e esgaravata seus dedos. Vendo seu
problema, estou pasma. Sugeri aos pais que fossem todos à uma terapia, como uma
família, que penso ser a coisa mais amorosa, em vez de isolá-lo, e fazer com que sinta
haver algo de errado, só com ele, quando isso, provavelmente, é algo se passando com a
família toda.
R: Esse é um conselho correto. Agora deixe isso seguir. Sua filha pediu, e você deu sua
opinião profissional, como assistente social. O que sua filha irá fazer, daqui para frente,
é com ela. A lição dura a aprender aí é que isso já não é mais de sua alçada. Num certo
sentido, fica mais claro quando somos avô e avó, porque já não temos mais a
responsabilidade que tínhamos, quando pais. Mesmo assim, quando os mesmos temas
surgem, como inevitavelmente surgirão, a você é oferecida uma nova oportunidade de
curá-los – agora como avó – porque é sempre a mesma questão, repetida.
P: Eu sou o avô. Houve um incidente quando nosso neto estava parado na esquina de
uma rua, e ele nos disse que, algumas vezes, se sentia como se corresse atravessando a
rua. Isso era no tráfego, e ele conhece os sinais luminosos, etc. Chega-se a pensar que
ele queira morrer. Isso cria tremenda ansiedade nos que o amam. Isso é muito difícil.
R: De fato, isso é como nos sentimos. Mas você é o avô, não um dos pais. Tudo que
você pode fazer é encorajar os pais a agirem, mas dê a eles a liberdade de fazer o que
escolham fazer a esse respeito.
P: A maior ameaça em minha vida é meu medo de não ser boa o bastante. Isso se
demonstra em ser mãe, na minha profissão, em tudo que faço. Como efeito disso,
alcanço resultados elevados. Tenho certeza de ser boa o bastante, mesmo assim, é algo
com que realmente luto. Creio que sou boa, mas não boa o bastante.
R: Essa é a preocupação da maioria das pessoas no mundo, de uma maneira, ou de
outra. Há sempre algo faltando, uma reafirmação de nossa culpa: “Há alguma coisa
muito errada comigo. Mesmo que eu não seja um fracasso, eu poderia ser melhor.” Eu
sentiria haver algo faltando em mim se, como pai ou mãe, meus filhos não dessem
certo, o que, por certo, representa a maneira que eu quero que eles resultem. Se sou uma
professora, e meus estudantes não têm um desempenho como eu gostaria que tivessem,
esse é o doloroso efeito da causa: eu não sou perfeita, não sou boa o suficiente.
Uma variante desse tema ‘não-ser-boa-o-bastante’ surgiu, recentemente, em
uma oficina de trabalho, quando uma mãe descreveu um aspecto do relacionamento
dela com sua filha adolescente, sempre uma aula difícil, à qual qualquer pai ou mãe
consegue se identificar. Nas vezes em que precisou colocar limites em sua filha, a
mulher lhe dizia que Jesus disse que ela – a filha – deveria se comportar dessa ou
daquela maneira, dessa forma invocando a autoridade de Jesus como substituta da dela.
80 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
Mesmo que essa prática tenha sido moderadamente bem sucedida, a curto prazo,
carregava dentro dela as sementes de fracasso, a longo prazo, porque ela – a mãe –
estava inadvertidamente minando sua própria autoridade, por diminuí-la, em deferência
a Jesus. Ela estava, de fato, dizendo à sua filha que ela era inadequada para ser sua mãe,
pois somente Jesus tinha a sabedoria suficiente para dar conselho, e colocar limites em
sua capacidade – da filha – de agir errado. Ela, assim, estava modelando a inadequação
de uma mãe fracasso, em vez de uma que conseguia apelar para a força de Cristo e
torná-la sua, oferecendo à sua filha a mesma oportunidade pelo exemplo, ajudando-a a
crescer, como ela cresceu.
Da mesma forma, estudantes que repousam em “ouvir” a Voz interior,
freqüentemente terminam por retardar seu crescimento espiritual, fazendo com que
nunca se dêem conta de que há apenas uma Voz, que é a sua própria. De fato, enquanto
nossas vidas forem dominadas pelo sistema de pensamento de culpa, medo e ataque,
temos necessidade de um símbolo que seja percebido como exterior ao ego, e represente
a Voz que ainda tememos invocar como nossa. Além disso, o caminho pelo qual
viajamos deve ser um que, gradualmente, reduza a falha entre nossa voz e nossa Voz,
permitindo-nos crescer para sermos adultos e daí para além.
Colocando isso num contexto muito maior, o aterrador pensamento enterrado
na mente de todos nós é de que mesmo se eu for um menino, ou menina, no final Deus
dirá que isso não é bom o bastante, e eu não vou retornar ao Céu. Não importa o quanto
eu me esforce, ou quão bom eu seja, no final a porta do Céu se fechará – como na
parábola de Franz Kafta “Diante da Lei”, de O Julgamento – e Deus dirá que isso não
foi bom o bastante. Esse é o medo de todo mundo, nascido do mesmo sistema de
pensamento de separação, que deu origem a nós, humanos. É útil reconhecer que é nisso
que acreditamos. A afirmação na abertura da Lição 93
Tu pensas que és o lar do mal, da escuridão e do pecado. (E-pI.93.1:1)
é uma forma extremada de dizer:
“Não importa que eu receba 10 ou zero, porque Deus dirá que isso não é o bastante: vou
continuar sendo a casa corrompida por uma semente ruim.”
É importante sempre reconhecer que estamos neste mundo, precisamente, por causa de
não acreditarmos nisso a respeito de nós mesmos.
Tendo aceito esse “fato”, somos ajudados a entender a dinâmica da projeção.
Se for isso que acreditarmos a nosso próprio respeito, será isso que projetamos. Em
relação à nossa presente discussão, o fracasso de nosso filho, ou estudante, ou mesmo o
meu próprio, isso será, inevitavelmente, visto por mim como um resultado direto da
minha imperfeição. Vejo prova em toda parte ao meu redor de que não sou bom o
bastante; mesmo assim, se é isso o que vejo, tem de ser o que eu quero ver. Em sua
mensagem a Bill, Jesus respondia à memória que Bill tinha de seu pai destruindo seu
novo consultório. Bill, apegando-se à essa memória, expunha sua secreta
disponibilidade (seu querer) de que isso acontecesse. Relembre-se também da poderosa
frase do texto:
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 81
E, em qualquer espécie de sofrimento que possas ter, vês o teu próprio desejo de
matar. (T-31.V.15:10)
Nós queremos que as pessoas nos machuquem, traiam e abandonem, aborreçam,
atormentem e incomodem. Nós queremos que as pessoas falhem, errem. Nós queremos
que as pessoas fracassem. Se não quiséssemos que isso fosse o caso, não faríamos,
como fundamento de nossa vida, a contínua percepção de que a imperfeição esteja toda
à nossa volta, e que isso é erro nosso.
A pergunta importante que cada um de nós precisa fazer é:
“Por que somos nós tão insanos para querer esse abuso, embora inconscientemente?”
A resposta é: se há algo inerentemente errado conosco – que por sua vez significa que a
perfeição do Céu é uma mentira – alguém nos fez dessa maneira. Portanto, ao ver uma
prova de nossa imperfeição – em virtude dos fracassos de nossos filhos, estudantes, ou
mesmo nossos próprios – nós validamos nossa existência terrena eximindo-nos de ser
responsáveis por isso. Daí nosso grande investimento e necessidade de não nos
desapegarmos dele. Consequentemente, para esse pensamento ser curado, temos de,
com toda honestidade, reconhecer que fomos nós – somente nós, por nosso livre arbítrio
– que escolhemos e aceitamos – pedimos – essa percepção.
E assim estimamos e preservamos nossa culpa e queremos coisas más
acontecendo a nós, mesmo que juremos – por tudo que nos é mais sagrado – não querê-
las. Reclamamos a respeito do “conjunto de cartas” que Deus, ou o destino, nos colocou
nas mãos – nossa infortunada parcela de vida – mas, secretamente, é isso que queremos,
pois foi isso que, inconscientemente, pedimos:
E todas as coisas que parecem me acontecer, eu as peço e as recebo conforme pedi.
(T-21.II.2:5)
É por isso que nos mantemos a reencenar o tema, com tanto deleite para o ego.
Enquanto que, conscientemente, cremos ser infelizes, inconscientemente queremos que
nossos filhos se comportem mal, atuem errado e fracassem. Não é espantoso? O ganho
que usufruímos do ego nisso demonstra nosso desejo oculto; senão não diríamos
simplesmente:
“Fiz o melhor que pude como pai, ou mãe, professor ou chefe, mas não consigo fazer as
escolhas de meus filhos, alunos, subordinados, por eles.”
Isso seria o mais próximo da verdade da situação, mas, em vez disso, trazemos de volta
a falha de volta a nós, porque, repetindo, se ela é nossa, isso significa que há algo errado
conosco que, afinal, está sendo atribuída à outra pessoa, deixando-nos, por isso, fora do
laço de culpa do ego.
82 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
29
N.T. – Henry David Thoreau (Concord, 12/07/1817 — Concord, 06/05/1862) foi
um ensaísta, poeta, naturalista e filósofo estado-unidense. Entre suas obras destaca-se
Walden, or life in the woods, 1854, que é a descrição de sua experiência de dois anos
solitário, sobrevivendo apenas do trabalho natural, um livro de descrições exatas e
mesmo assim poéticas.
30
N.T. – Platão de Atenas (428/27–347 a.C.) filósofo grego. Discípulo de Sócrates,
fundador da Academia e mestre de Aristóteles. Acredita-se que seu nome verdadeiro
tenha sido Arístocles; Platão era um apelido que, provavelmente, fazia referência à sua
caracteristica física, o porte atlético ou os ombros largos, ou ainda a sua ampla
capacidade intelectual de tratar de diferentes temas. Πλάτος (plátos) em grego significa
amplitude, dimensão, largura. Sua filosofia é de grande importância e influência. Platão
ocupou-se com vários temas, entre eles ética, política, metafísica e teoria do
conhecimento.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 83
Bondade, o que significa não sermos nosso ser-ego. Para que esse ser-ego continue,
entretanto, temos de continuar também a ser “não bom o bastante.” Com isso o
alimentamos e sustentamos. Repetindo, quer sejam nossas notas 10 ou 0, isso é
irrelevante, quer percamos o Céu por um milímetro ou um quilômetro, continuaremos
fora dele.
Os doentes lamentam a perda de seu amor e inocência – entretanto se
regozijam por essa perda. A cura ocorre quando começamos a compreender que isso é
o nosso próprio canto fúnebre a nós mesmos. Ninguém – pais, genes, vidas passadas –
nos fez dessa maneira. Nossa própria decisão, tomada em nossa própria mente – nos fez
assim. Isso significa que nós mesmos, por nossa própria conta e risco, temos o poder de
escolher ou o canto fúnebre, ou, em vez disso, outra canção qualquer. Repito, temos de
ver o investimento que fizemos em “não ser bom o bastante”, e daí constatar a
validação desse julgamento assestada toda ao nosso redor. As imperfeições de nossos
pais, filhos, alunos, desempenho no trabalho, padrões de vida, o que seja, são comuns
nesse mundo não natural, mas eles não são responsáveis, de forma alguma, por nossas
próprias imperfeições.
A boa notícia é que somente Deus é perfeito. Mirar nas imperfeições do ego
está a causa de nossos transtornos, não as imperfeições em si mesmas. Se esse é o nosso
sonho, os outros não são responsáveis pelo que sentimos. Se, em nosso sonho
dormindo, esta noite, pessoas dizem coisas que nos perturbam, não haveria justificativa
em brigar com elas, pela manhã, ao acordar, pelo que me disseram no sonho, à noite.
Entretanto, fazemos isso o tempo todo. Se ficamos aborrecidos com nossos filhos, é
porque nós, em nossos sonhos, escolhemos ficar aborrecidos. Nós os colocamos em
nossos roteiros para que fossem os responsáveis por nossa infelicidade; assim sendo,
evitamos toda nossa responsabilidade por isso. Ter filhos é, portanto, a forma mais
perfeita e acabada de despistar que, tranquilamente, nos permite dizer, nos justificando,
se fracassaram,31 ‘eles são os que estragaram minha vida.’ Sofremos e dizemos que não
conseguimos esperar que cresçam, e saiam de casa, para que consigamos ter uma vida
novamente, ou alimentamos seu sucesso, vangloriando-nos, por exemplo, dizendo:
“Meu filho, o doutor.”
Daí nossos filhos têm filhos, e o círculo vicioso recomeça. Mas, era para pedirmos, se
pedíssemos ajuda ao Divino Espírito Santo, Ele nos diria que nossos filhos são uma
aula maravilhosa, na qual Ele consegue nos ensinar que isso é o nosso sonho, e que, o
fato de não estarmos em paz, não é por causa de nossos filhos, netos ou ninguém mais.
Nossas amolações são devidas, unicamente, à decisão de nossas mente de excluirmos a
paz do nosso viver. Nessa aula, que transformamos em um campo de batalha – o que
nossos filhos fazem é o sonho deles, e nada tem a ver conosco. Entretanto, nós não
queremos ouvir isso, então, magicamente, pedimos ajuda a Jesus para nos ajudar a
consertar nossos relacionamentos com nossos filhos, pais ou quem seja. Não obstante, a
31
Isso, por certo, não significa que os casais que não têm filhos sejam mais avançados
do que os que são pais.
84 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
única maneira pela qual verdadeiramente conseguimos ajudar é nos relembrar de que é
a nossa canção fúnebre, e que isso não apenas é nosso pesadelo, mas um do tipo
recorrente ao qual nos penduramos e que, amorosamente, protegemos a todo custo.
É por isso que os três primeiros obstáculos à paz se referem à atração à culpa,
dor e morte.
1º obstáculo: o desejo de ficar livre da paz, a atração da culpa.
2º obstáculo: a crença de que o corpo tem valor pelo que oferece, a atração da dor.
3º obstáculo: a atração da morte, o corpo incorruptível. (ler em T-19.IV.A-C, p. 432
e seguintes)
Nosso senso comum, ao contrário, quer esse profano trio, tendo os tornado reais em
nosso sonho. Uma parte essencial da defesa do ego é nos fazer crer que nós não os
estimamos, mas os tememos. Nossa cura começa com o reconhecimento dessa manobra
diversiva pelo que ela é. Assim, Um Curso em Milagres não trata de mudar o sonho, ou
consertar coisas aqui – qualquer coisa específica – mas de mudar o conteúdo do sonho:
a atração ao sistema de pensamento do ego. Precisamos olhar para nosso desejo de
culpa, nossa ânsia por não sermos bons o suficiente, e daí reconhecermos:
“Eu fiz isso tudo e, por tê-lo feito, posso deixá-lo ir.”
É assim que declaramos nossa liberdade.
Na seção II do capítulo 8, “A diferença entre aprisionamento e liberdade,”
Jesus nos conta que nós temos essas idéias atrasadas.
Há uma referência racional para a escolha. Só um Professor sabe qual é a tua
realidade. Se aprender a remover os obstáculos a esse conhecimento é o propósito
do currículo, tens de aprender isso com Ele... (T-8.II, N.T. – leia toda a seção)
A verdadeira liberdade não é a do corpo, ou a partir do corpo, mas da culpa. A culpa é o
agente aprisionador, porém os carcereiros somos nós mesmos. Sendo nós que culpamos,
julgamos, condenamos, aprisionamos, encarceramos e agora carregamos as chaves da
prisão, somos, então, os únicos quconseguimos abrir as grades. É por isso que Jesus nos
diz que
o perdão é a chave da felicidade (E-pI.121),
a chave que precisamos colocar no cadeado da mente e abri-la. O perdão diz que o
problema não está no outro, mas em nós mesmos, pelo que devemos ser agradecidos,
porque agora – sabendo disso – podemos fazer algo a respeito dele. Não conseguimos
controlar a vida de nossos filhos, ou de quem quer que seja nesse caso, mas
conseguimos controlar em nós mesmo como vemos suas vidas. Nossa verdadeira
liberdade repousa em aprender que queremos ser tratados injustamente – por nós
mesmos. Queremos sentir que não somos bons o bastante, e nunca o seremos, se não o
quisermos. Isso é o que conseguimos mudar.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 85
P: Seguindo esse assunto, você poderia comentar sobre como lidar com a culpa oriunda
da geração de um filho deformado, retardado ou de qualquer forma deficiente físico, e
como lidar com o sentimentos de rejeição pelo filho, algumas vezes alcançando as
fronteira do ódio?
R: O ego trabalha sempre da mesma maneira, mesmo que a forma pareça ser diferente.
Sempre atento por qualquer sinal de se sentir culpado – o pão com manteiga do ego – os
egos dos pais se apoderam do filho imperfeito. A resposta imediata, sempre, é acusar-se
culposamente –
• “Afinal, se eu tivesse sido curada...”
• “eu não atrairia tal entidade inferior para ser filho meu. A falha é minha"
– como ditariam os sistemas da Nova Era.
Assim, tão rápido quanto a auto-acusação aparece, a acusação do outro assoma sua
cabeça horrível:
• “Isso pode ser minha falha, mas meus pais é que me fizeram assim”;
• “foi um tratamento injusto de Deus a mim, como Ele fez ao pobre Jó”;
ou ainda
• “isso foi falha da criança deformada”
– uma tentativa óbvia de projetar sua própria culpa e justificar o ódio.
A única saída desse círculo vicioso de culpa e ataque é ver a Verdade através
das maquinações do ego, e escolher outro professor, para nos instruir uma maneira
diferente de ver: a visão que vê todas as cosas como lições que Deus (i.e., o Divino
Espírito Santo) teria para aprendermos
Todas as coisas são lições que Deus quer que eu aprenda. (E-pI.193.h)
– o filho é uma aula, escolhida por todos os membros da família, para capacitar a todos
a aprender o perdão. Os corpos podem ser imperfeitos – de fato eles não conseguem
senão serem imperfeitos, sendo uma paródia do glorioso Ser que Deus criou – mas a
mente consegue, mesmo assim, escolher “uma coisa perfeita para fazer uma escolha
perfeita”, no texto:
Aqui, onde as leis de Deus não prevalecem de forma perfeita, ainda assim ele pode
fazer uma coisa perfeita e uma escolha perfeita. (T-25.VI.5:1)
Assim fica uma situação imperfeita transformada, quando a gratidão e a paz tomam o
lugar da culpa e do ressentimento.
P: Você pode falar sobre o tema de filhos adotivos, e o sentimento de culpa dos pais?
86 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
R: É fácil entender a culpa envolvida na adoção, quando se considera que nós somos
todos filhos adotados, tendo abandonado nosso verdadeiro Pai, e daí, pela projeção,
cremos ter sido abandonados por Ele. Transferindo nossa culpa para a adoção, em lugar
de ter filhos naturais é apenas um salto, um pulo curto, saltar e transpor, pois nossos
egos encontram objetos adequados para projeção: “Por certo sou pecador, veja o que
fiz. Há qualquer coisa inerentemente errada comigo que não consigo ter filhos, então
meu ser imperfeito consegue apenas chegar a filhos imperfeitos [i.e., adotivos ou não
naturais].” A saída para isso, como sempre, é ver através do jogo de culpa do ego, e daí
escolher contra ele. A razão pela qual Jesus repetidamente assegura que a simplicidade
desse curso
Como é simples a salvação! Tudo o que ela diz é que o que nunca foi verdadeiro
não é verdadeiro agora e nunca o será. O impossível não ocorreu e não consegue
ter efeitos. E isso é tudo. Pode ser difícil aprender isso para qualquer pessoa que
queira que isso seja verdadeiro? Só a falta de disponibilidade para aprender
poderia tornar difícil essa lição tão fácil. Qual a dificuldade de se ver que o que é
falso não consegue ser verdadeiro, e o que é verdadeiro não consegue ser falso? Tu
não consegues mais dizer que não percebes diferenças entre o falso e o verdadeiro.
Foi dito a ti exatamente como distinguir um do outro e exatamente o que fazer,
caso fiques confuso. Então por que persistes em não aprender coisas tão simples?
(T-31.I.1; N.T. – ler toda a seção I)
é que cada problema é sempre o mesmo – a decisão pela culpa – como é cada solução –
escolhendo o milagre do perdão.
Deus, na qual todos são um. Acima de tudo, precisamos de sua ajuda para perdoar a nós
mesmos, quando não pedimos ajuda, e escolhemos, em vez disso, deleitar-nos ao
sermos mal tratados.
Tragédias e Morte
P: O filho de minha amiga foi tragicamente morto, quando o pai do menino,
acidentalmente, deu marcha a ré sobre ele, com um trator de gramado. E, recentemente,
houve a história a respeito do urso que atacou um menino de dois anos, machucou a
mãe e, depois, matou a filha de seis anos. Como os pais lidam com essas tragédias? Ou
quando um filho comete suicídio? Como você vê esses relacionamentos pais e filhos
pacificamente?
R: A resposta à sua última pergunta é que você não consegue ver isso pacificamente.
Pelo menos se você for um humano normal. É muito importante que você não tente
espiritualizar suas reações, ou sensações, com isso garantindo que elas nunca consigam
ser olhadas de frente honestamente e, a partir daí, olhar além delas. Negação nunca faz
parte do processo espiritual.
Não precisa dizer que essas são as lições mais espinhosas, mas os estudantes
devem sempre se lembrar de como Um Curso em Milagres começa seu texto:
Não há ordem de dificuldade em milagres. (T-1.I.1:1)
Isso nos ensina que todos os problemas são o mesmo, pois são todos projeções da
decisão da mente errada, derivadas da questão de separação: o sistema de pensamento
de culpa, medo, sofrimento e morte do ego, a insanidade. Assim todos eles são
igualmente desfeitos pelo milagre, que, ao corrigir tudo, muda nosso foco do corpo para
a mente. Uma vez nossa atenção seja dirigida para o verdadeiro problema, ele consegue
ser desfeito ao escolhermos outra vez: vida em vez de morte, amor em vez de zanga,
Jesus em vez de ego.
Vendo pela perspectiva do mundo, entretanto, isso, de fato, parece
insensibilidade falar de tais tragédias como “lições”, como essas palavras do Livro de
Exercício pareceriam ser o pico da insensibilidade. Falando de alguém que olhe com
visão, Jesus afirma:
Ele também ri da dor e da perda, da doença e do sofrimento, da pobreza, da fome
e da morte. (E-pI.187.6:4)
Acima do campo de batalha
Que não permaneças em conflito, pois não há guerra sem ataque... (T-23.IV, N.T
– ler toda a seção)
essas situações são percebidas bem diferentemente: há apenas um problema (a crença na
separação do ego) e uma única solução (a crença na Expiação do Divino Espírito Santo)
Que eu reconheça o problema para que ele possa ser resolvido. (E-pI.79)
Que eu reconheça que os meus problemas foram resolvidos. (E-pI.80)
88 PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
Fim da conversação! Estar com a pessoa A é, portanto, difícil, porque nada é feito
abertamente.
De um modo geral, como mencionei antes, é mais fácil, a longo prazo, estar
com alguém que é abertamente abusivo. Minha mulher Gloria era uma professora de
história, e ela sempre ensinou que você estaria sempre melhor com um Hitler porque, ao
menos, você sabia o que era o sistema de pensamento dele. Ele, literalmente, punha-o
para fora em seu livro publicado, Mein Kampf. Isso é grandemente preferível a políticos
que professam a democracia, amor e cuidado por seus cidadãos, e daí fazem exatamente
o oposto. Com ditadores você sabe o que está tendo – eles o dizem. Não
necessariamente faz você feliz viver sob eles, mas, pelo menos, não deixa você
psicótico.
Retornando à seção “A Escolha da Completeza” a frase é:
O relacionamento especial tem de ser reconhecido pelo que é: um ritual sem
sentido, no qual a força é extraída da morte de Deus e investida em Seu assassino,
como sinal de que a forma triunfou sobre o conteúdo, e o amor perdeu o seu
significado. (T-16.V.12:4)
Há uma maravilhosa frase no evangelho de João,
Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros.
(Jo 13:35)
A mensagem é que se dissermos que, verdadeiramente, amamos Jesus e seguirmos seus
ensinamentos, amaremos a todos. É por isso que a religião formal é uma fraude.
Dizemos a Deus, Jesus, etc., o quanto Os amamos, e daí odiamos em Seu Nome! Se,
verdadeiramente, amamos a Ele, Que é a perfeita Unicidade e, mesmo assim, matamos
os que são parte de Sua Unicidade, estamos realmente dizendo que não nos importamos
com Deus. É por isso que Jesus nos pergunta no Curso:
Se percebesses o relacionamento especial como um triunfo sobre Deus, tu o
quererias? (T-16.V.10:1)
Repito, sabemos que estamos fora dos trilhos quando nos ocupamos com a
forma; mas isso não significa, como dito acima, que nossos filhos não deveriam
obedecer as regras da casa, da sociedade, da cultura. Não repito o suficiente que isso
diz, unicamente, respeito ao pensamento, à crença, não ao comportamento. Quando
insistimos que o filho age de certa maneira, e nós não somos amorosos ou bons a esse
respeito, nós apenas mandamos uma mensagem dupla. O que é verdadeiramente
importante, não é que os filhos limpem e arrumem seus quartos, mas que aprendam algo
a respeito de autovalor, e não vejam, jamais, seus interesses como separados de
ninguém mais. Sendo punitivos com nossos filhos, nossa atitude lhes ensinará que há
interesses separados: os nossos e os deles. Adivinhe quem tem o poder e irá vencer? Se
os filhos não limpam e arrumam seus quartos, não terão a mesada; ficarão sem jantar;
não usarão o carro, etc.. A mensagem clara dada aos filhos, portanto, é de que a
separação rege a casa.
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 91
-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-
PAIS E FILHOS, parte I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 93
P AIS E F ILHOS
O Relacionamento Especial Mais Relevante
Nossa Sala de Aula Mais Destacada
Segunda Parte
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 95
P AIS E F ILHOS
O Relacionamento Especial Mais Relevante
Nossa Sala de Aula Mais Destacada
Segunda Parte
C R I A Ç Ã O E D I R E Ç Ã O D I D Á T I C A S
Todos os direitos de reprodução deste livro estão reservados sob as leis estabelecidas
nas Convenções Internacionais e pan-americanas de Direitos Autorais, protegendo a
integridade e fidelidade ao texto original. Esta tradução livre destina-se exclusivamente
à distribuição interna como cópia de rascunho.
CONTEÚDO 2ª PARTE
1. PAIS E FILHOS ADULTOS
DISCUSSÃO
Interesse dos pais sobre escolhas dos filhos
Não querer abandonar o papel de mãe
Pai encontra filho após 20 anos de separação
O FIM DO SACRIFÍCIO
2. O FILHO ADULTO
O FILHO CRIADO: CURA DO RELACIONAMENTO COM NOSSOS PAIS
DISCUSSÃO
Apego a vitimação infantil
Eu vitimei meus pais:
Como meus filhos poderiam me amar?
Não responsabilizar pais por
problemas, sucessos, ou auto-imagem
Continuando a representar mamã contra papai
Querer amor incondicional da mãe
Profissionais sendo melhores com clientes
do que com família
“Casar-se com sua mãe ou seu pai”
3. CUIDAR DE PAIS IDOSOS
DISCUSSÃO
Relacionar-se à sua mãe como sua filha
Obrigação de cuidar dos pais
Fracasso como uma filha
Mãe dá medicação de câncer a plantas
4. DISCUSSÕES CONCLUSIVAS
Perdão aplicado a todos os relacionamentos
Relacionamento pais-filhos reflete
a separação original de Pai e Filho
5. CONCLUSÃO
APÊNDICE
“Perdão ao abusador: nossa única esperança”
ÍNDICE DE REFERÊNCIAS A UM CURSO EM MILAGRES
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 99
Discussão
Interesse dos pais sobre escolhas dos filhos
P: Você poder falar um pouco sobre o interesse das mães? Sinto-me inquieta, quando
penso que algo não esteja indo bem com o emprego de meu filho. Ele está com 31 anos
agora. Você pode me dizer o que se passa lá?
R: Isso me soa como o tipo de situação onde o que parece ser amoroso é realmente um
ataque malvado, conforme diz o Curso:
Uma das mais difíceis tentações a ser reconhecida é que duvidar de uma cura
devido à permanência da aparência de sintomas é um equívoco na forma de falta
de confiança ... (M-7.4, N.T. N.T. – ler todo o parágrafo)
porque sua preocupação e cuidado expressa seu desejo de assumir a vida de seu filho;
com efeito dizendo que você sabe o que seja melhor para ele – que ele tenha um
emprego melhor, que seu patrão o trate melhor, etc. – sem firmar o poder da mente de
seu filho de escolher suas próprias lições. Você sabe que isso tem ocorrido toda vez que
você se faz interessada a respeito de algo externo (a forma); o casamento de seu filho,
filhos, emprego, finanças, ou saúde. Você não está nada interessada na mente dele;
mesmo assim, o que você, verdadeiramente, quer para seus queridos é ajudá-los a
escolher outra vez neste nível. Isso, então, é a única razão de mente certa estar numa
relação parental, ou qualquer que você escolha outra vez, e por sua decisão de mente
certa você envia a mensagem de que a mesma escolha que você fez, seu querido
consegue fazer também.
Quando você se vir se tornando inquieta a respeito do emprego de seu filho – e
você pode até estar perfeitamente justificada em termos de como o mundo enxerga isso
– você deveria dar-se conta de que o que, provavelmente, está envolvido nisso é alguma
culpa sua, por achar que não cumpriu satisfatoriamente seu papel de mãe, e que, por
isso, seu filho foi adversamente afetado. E então, você acredita, o que quer que esteja
errado seja, afinal, falha sua. O tema mais básico, entretanto, é que você deveria aceitar
que seu filho esteja onde ele está, faça o que escolha, agora que já é crescido. Quando
ele era uma criança, isso era diferente, porque o papel parental adequado era estar
interessado na forma. Quando ele está com trinta e um anos, esse não é mais o caso.
Consequentemente, reivindicar esse papel agora é afirmar que ele não é adulto o
bastante para se cuidar por conta própria. Você se inquieta a respeito dele, em vez de
aceitar as escolhas da vida dele, a que ele tem direito.
Como sua mãe amorosa, você quer tirar da mente sua culpa para que não
interfira em sua permissão a quaisquer escolhas que ele faça. Apenas deixe-o saber que
o que quer que ele faça, você o amará sempre. Ele pode fazer algo que você, e todos
mais creiam ser estúpido: casar com a pessoa errada, aceitar um emprego péssimo, ou
100 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
morar num lugar perto de uma instalação nuclear. Você pode estar completamente certa
de que a decisão dele é errada, mesmo assim, isso é o que ele quer fazer. Como Jesus
diz na seção “A Correção do Erro,” seu ego pode até estar errado, mas seu encargo,
como mãe, é continuar a lhe dizer que ele está correto
Para o ego, é benigno, certo e bom apontar erros e “corrigi-los”... O seu ego está
sempre errado, não importa o que diga ou faça. (T-9.III.2:1,10; N.T. – leia todo o
parágrafo)
Isso não significa dizer algo a ele verbalmente, nem significa que você não lhe faça uma
recomendação, ou dê a ele um conselho, se ele o quiser. Isso simplesmente significa que
quer ele acate seu conselho, ou não, sua mensagem verdadeira como mãe é que ele
continua correto, porque ele nada fez para pôr em risco seu relacionamento amoroso
com você.
Quando você se torna inquieta quanto à forma, isso é feito sempre à expensas
do conteúdo (como conversamos no final da Primeira Parte). Quando quer que seja que
você esteja envolvida com exterioridades (forma), você sabe – com toda certeza – que
sacrificou a essência (conteúdo) do amor. Cito aquela frase incisiva do panfleto de
Psicoterapia:
“Religião formal não tem lugar em psicoterapia, mas também não tem lugar
verdadeiro em religião.” (P-2.II.2:1)
Como um dos pais, parte do caminho que você expressa amor é para se manter fiel ao
seu papel parental. Não estou dizendo para não fazer as coisas normais que os pais
fazem com seus filhos, quando já estão crescidos, mas quando forem crescidos e saíram
de casa, a não ser que eles especificamente peçam a você conselho, sua ocupação é,
somente, permanecer no nível do conteúdo – seu amor por seus filhos e filhas.
O conteúdo disso diz que não importa o que seus filhos façam, ou venham a
fazer, você os ama sempre. Num certo sentido, essa é a mensagem que queremos ouvir
de Deus – que não importa o que creiamos ter feito a Ele, nada afetou Seu Amor por
nós. De fato, essa é a mensagem que queremos ouvir de todos, porque saber que somos
perdoados é a única mensagem importante. Se seus filhos adultos – ou mesmo quando
ainda sejam menores – vão contra algo que você diga, em algum nível se sentirão
culpados, reconhecendo que você, provavelmente, está certa. Isso significa que querem
saber que podem desobedecer você e, mesmo assim, continuar sendo amados por você.
Isso não significa que você tenha de concordar com as escolhas deles, no nível da
forma, mas o que importa é a escolha do amor oposto à culpa, no nível da mente – a
escolha que você quer reforçar.
Quando você se sentir inquieta a respeito da vida de seu filho, tão rápido
quanto consiga, traga a inquietação de volta, e dê-se conta de que, se você está inquieta
a respeito do comportamento, isso se dá à expensas do conteúdo, o que significa que
em, sua mente, você está escolhendo culpa, em vez de amor. Quando você projeta sua
culpa, isso vem da forma. Peça ajuda para cura de sua mente, para que as obstruções, ou
obstáculos, ao amor sejam removidos e, então, o amor fluirá. Nessa altura você já pode
dizer a seu filho:
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 101
“Penso que o que acontece no seu trabalho não é o melhor para você, mas ajudarei você
no que quer que você decida fazer.”
P: Isso vale para quando meu filho adulto se põe em confusão financeira e pede
dinheiro, e não apenas uma vez? Dizer não, não é fácil, especialmente se sua casa está
em jogo. É amoroso deixar seu filho perder sua casa porque ele foi irresponsável com
seu dinheiro?
R: Sim, a resposta é sempre a mesma, e o primeiro princípio dos milagres
Não há ordem de dificuldade em milagres. (T-1.I.1:1)
consegue ser entendida como dizendo que não há ordem de dificuldade na solução de
problemas, como não há hierarquia em problemas – a resposta de Jesus à primeira lei do
caos do ego
Esse princípio se desenvolve a partir da crença em que existe uma hierarquia em
ilusões, algumas são mais valiosas e, portanto, verdadeiras. (T-23.II.2:3).
Dizer não a um pedido de dinheiro não é difícil, se não há conflito interior – entre
escolher Deus, ou o ego. O conflito não é, portanto, com temas exteriores, mas com a
indecisão da mente de escolher apenas amor. Quando somos capazes de nos separar da
forma do problema, mudando-nos para o seu conteúdo subjacente, seremos capazes de
fazer a escolha correta. O comportamento amoroso automaticamente se segue, que
consegue beneficiar a todos envolvidos, a despeito da forma da resposta, ou das
conscientes reações a essa forma.
“fiz o melhor que consegui com meus três filhos, e agora consigo vê-los como
crescidos. Eles não precisam carregar seu passado mais do que eu tenho, e não preciso
temer mudar para um papel não maternal para mim – eu sou mais do que apenas uma
mãe.”
Quando você se apega ao passado, é por medo do que está por vir. Isso é como se você
ficasse tocando o mesmo movimento musical, porque tem medo que o próximo seja
difícil, ou doloroso demais. Você fica repetindo o que sabe, pois mesmo que seja
terrível, pelo menos você sabe executá-lo. Você teme o que está por vir, mesmo
desconhecendo qual seja. A culpa, entretanto, lhe diz que seu futuro será pior que o
passado. Por outro lado, o perdão lhe assegura que isso poderá ser amoroso, pacífico e
feliz, pois estará livre do terrível encargo da culpa. Apegando-se a ser uma mãe, pelas
razões que dissemos, significa que você jamais será livre. Perdoando a si mesma, além
disso, não apenas a liberta, mas ajuda a reforçar a liberdade de seus filhos. E daí você
sorrirá todo o tempo. Assim, você desfaz o passado por deixá-lo ir-se, sem tentar fixá-
lo, compensá-lo, ou sacrificar-se para expiar por seus pecados.
32
Ver também a conversa na p. ___ adiante. (20 no original, conferir)
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 103
hoje, não como se acusa a si mesmo de ser, àquela época. Esteja ciente de que há essas
duas maneiras de fazer isso, e não faça nada mais. A escolha é sempre sua.
O sonho está lhe dizendo que nada do que você faça funciona; mas a pior coisa
que você conseguirá fazer é tentar não ser desse jeito. Isso tornará sua culpa ainda mais
poderosa, mais pesada, mais destrutiva. Em vez disso, tente segurar-se de ambas as
maneiras, em sua mente: o pai fracassado do passado, e a pessoa que você é hoje que,
simplesmente, está encontrando essa pessoa de trinta e um anos, que ele, realmente, não
conhece. Segure ambas as maneiras em sua mente, e daí apareça amanhã. Mantenha isso
simples assim. Qualquer outra coisa que faça, como pedir ao Divino Espírito Santo para
ajudar você soltar sua bagagem, não funcionará. Você não pediria a Ele para soltá-la, se
você já não estivesse aterrado e culpado, o que significa que você nunca deixará o ego
ir-se; e Ele não consegue tirá-lo de você. Só você consegue, por seu livre arbítrio, pô-lo
fora. Repito, simplesmente esteja atento às duas alternativas disponíveis, e diga,
convicto: “Eu consigo escolher diferente. Eu consigo escolher com o Divino Espírito
Santo!” se essa for a sua escolha.
Relembre-se da sentença:
O milagre estabelece que você sonha um sonho, e que seu conteúdo não é
verdadeiro. (T-28.II.7:1)
Outra sentença diz a mesma coisa a respeito do milagre, talvez mais próximo do que
você sente agora:
Ele [o milagre] meramente olha a devastação, e relembra a mente de que o que ela
vê é falso. (E-pII.13.1:3)
Então, olhe a devastada imagem que você fez de você mesmo e diga, convicto:
“Essa é uma maneira de olhar a mim mesmo. Mas há outra maneira também, que
envolve encontrar esse homem de trinta e um anos pela primeira vez, sem coisa alguma
que distorça minha percepção.”
E isso é tudo. Esteja atento a esses dois pensamentos, sem escolher um ou o outro, ou
mudar nada. Isso tornará você muito menos tenso, e você não terá de arruinar hoje, esta
noite, ou amanhã de manhã, agonizando sobre isso. Aceite que você se sente dessa
maneira a respeito de você mesmo, mas também reconheça que há outra maneira que
você consegue proceder amanhã: uma é com o passado arrastando você para baixo; a
outra é mantendo-se no presente, sem peso algum, no agora. (Nota: O encontro foi bem
sucedido para ambos, pai e filho.)
P: Tenho uma filha que está continuamente atrasada, e sinto que isso é dirigido a mim
pessoalmente. Ela e eu íamos às compras, e combinamos nos encontrar às nove horas,
sábado de manhã. Usualmente acordo tarde aos sábados, mas acordei-me cedo para ir
com ela. Ela não chegou senão às dez, e eu estava muito zangada. Creio que ela fez isso,
104 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
deliberadamente, a mim. Ela entrou, e eu lhe disse que não gostava dos atrasos dela, e
que ela, ao menos, deveria ter me chamado. Ela me diz que se eu queria ir às compras
com ela, isso estava bem; mas se eu ia lhe fazer um sermão, então era melhor ela não ir.
Eu lhe disse que eu não iria. Então ela foi e eu fiquei em casa. Eu tive uma zanga muito
justificada. Nunca odiei ninguém tanto quanto senti naquele ponto em particular, e essa
é minha própria filha.
Ao longo da manhã, isso foi se tornando cada vez mais doloroso, e a
justificativa recuou diante da dor. Ouvi-me pensando: “Você está usando o tempo como
uma arma contra ela.” Mas eu não quis telefonar-lhe me desculpando, e ao cair da noite,
eu estava em tremenda dor. Então eu a chamei e lhe disse que eu não deveria ter feito
tanta questão a respeito do tempo. Ela queria-me dizer como fui má por ter feito isso. Eu
apenas lhe disse, “Não, não entremos nisso. Vamos apenas marcar outro dia.” Então
fizemos isso e conseguimos vencer tudo isso.
O impacto real do pensamento de que eu estou usando o tempo como uma
arma é compreender que eu estou usando o tempo como uma arma contra Jesus. Eu não
tenho tempo para Jesus, exceto quando lhe dou tempo. E quando abro esse espaço –
aquela quietude, amor e conexão – eu uso experiências passadas, e coisas futuras, para
preenchê-lo. Você consegue me ajudar a esse respeito?
R: Acho que você já se ajudou. Junto a dar-se conta de que você estava usando o tempo
com uma arma, seria útil compreender que, antes disso acontecer, você estava
esperando por esse combate, e que você, simplesmente ,usou o fato de sua filha chegar
atrasada – que não era uma surpresa, sendo que é isso o que ela faz continuadamente –
como um meio de ocultar o que você realmente está fazendo: você queria atacá-la e
queria culpá-la por estar atacando, isentando você da responsabilidade do ataque –
projetando nela sua culpa por algo que nada tinha com o incidente.
Eu nunca estou transtornado pela razão que imagino. (E-pI.5.h)
Ela colocou a arma em sua mão e entregou a você a munição, mas a forma não importa,
porque, se não fosse isso, você teria encontrado algo mais com o que se conturbar. Seu
desejo – egóico – era se conturbar. O que você quer se dar conta, portanto, é de que
enquanto uma parte de você estava realmente transtornada e zangada, porque ela estava,
de fato, uma hora atrasada, outra parte de você estava muito contente por isso estar
acontecendo. Você se gratificava com a disputa prestes a acontecer! Tanto que zangou-
se. Não saiu com sua filha. A gratificação do ego é a delícia que buscamos, pois é a
alegria dele que satisfazemos em embates dessa natureza.
P: Isso está correto. Realmente me deleitei justificar-me. Isso me tornou inocente. É
assim que você consegue sua inocência num mundo mau. Ela está errada e culpada, e eu
estou inocente e não responsável pelo que sinto.
R: Isso é tudo que você tem de ver no evento. E então, no futuro, tente entrar em
contato com o pensamento certo, antes que o acidente, de fato, ocorra – de que ela
estava sem direito algum, e você estava perfeitamente justificada em sua zanga. Você a
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 105
apanhou, mas tudo era uma mentira, porque seu ego montou a armadilha – não o atraso
de sua filha, mas a sua reação a isso. E você caiu nela!
O fim do sacrifício
que se quer ocultar], uma dinâmica comum à maioria das pessoas. Quando você está
realmente certa a respeito de algo, você não faz estardalhaço a respeito disso, nem você
fica vigorosa, inflexível ou jactanciosa. Sua certeza é suficiente, e você fica quieta.
Quando você estiver insegura é que precisa decidir diferente – “A senhora de fato
protesta demais, penso”. Se você teme ferir alguém, então, esteja em vigília quanto à
agressão subjacente. Se não notado, o ódio permanecerá em sua mente, e infecciona,
somente para ser projetado das maneiras mais não amorosas.
P: Então, se minhas ações ferem um de meus filhos, e eu sinto que tenho de fazer isso
porque é no interesse de minha cura, consigo explicar a eles de maneira amorosa que é
isso que estou fazendo.
R: Você consegue ajudar, e ser amorosa, unicamente se você partir de um ponto de
integridade razoável, em você mesma. Você não tem de ser perfeita. E, algumas vezes,
compartilhando seu processo de cura com outros, isso pode ajudar a você, e a eles.
Repito, isso tudo depende de sua motivação – amor ou medo, compartilhamento ou
separação.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 107
2. O FILHO ADULTO
O Filho Adulto:
Cura do Relacionamento com Nossos Pais
Falemos agora do filho crescido. Nem todos são pais, mas todos nós somos
filhos. Relembremos de nossa conversa anterior, do início do curto documento de
Freud, “Romances de Família” (Primeira Parte, p. 43):
À medida que cresce, a liberação de um indivíduo da autoridade de seus pais é
uma das mais necessárias, sem bem que seja o resultado mais doloroso que
sobrevém, no curso de seu desenvolvimento. É bem essencial que essa liberação
ocorra, e isso pode ser presumido que já tenha sido alcançada, até certo ponto,
por todos que já atingiram um estado normal.33
A liberação de indivíduos da autoridade de seus pais é um doa critérios
importantes – se não o mais importante – do que significa ser um adulto. Pode-se dizer
que a definição operacional da adultícia é quando já não olhamos para nossos pais como
nossos pais – nem conteúdo, nem forma. Isso significa que se continuamos a nos ver
como uma criança de nossos pais, permanecemos criança. É uma coisa se temos cinco,
ou quinze, para nos ver a nós mesmos dessa maneira, mas bem outra quando temos
trinta ou cinqüenta. Ver-nos sob a autoridade de nossos pais é uma exemplo do
relacionamento de amor e ódio especial – o complexo de Édipo de Freud – que é, você
pode se lembrar, quando amamos um dos pais, do sexo oposto e odiamos um deles, o de
mesmo sexo, percebido como o rival. De fato, o relacionamento com seus próprios pais
se torna o paradigma para todos os amores, ou ódios, especiais.
Isso não significa que um dos pais seja sempre o objeto de ódio especial e, o
outro, de amor especial. Muito frequentemente eles permutam os papéis. Mas enquanto
pensarmos precisar algo de nossa mãe, ou de nosso pai – aprovação, apoio, amor,
atenção – estamos reforçando a visão de nós mesmos como crianças e, daí, nunca
cresceremos. Mantemos o relacionamento especial vivo porque ele se refere à
dependência – um substituto de nossa dependência de Deus, donde concluímos que
Deus não atenderá nossas necessidades, mas nossos pais, ou alguém mais, atenderão.
Dizemos, efetivamente, a Deus e a Jesus: “Já que não me dás o amor, a atenção e a
aprovação que preciso, tenho esse substituto. Não és mais necessário.”
O substituto original de Deus é o próprio ego, que nos diz que seu sistema de
pensamento nos protegerá, e preservará, cuidando e defendendo nossa identidade
separada. Esse ser termina como um corpo que, por meio da projeção, se protege a si
mesmo, formando relacionamentos dependentes com os que nos rodeiam, desde o
nascimento, ou até mesmo antes, quando o feto é totalmente dependente de sua mãe
para sobrevivência. Essa dependência é adequada á medida que crescemos, mas
enquanto temos temas de dependência irresolutos com nossos pais, permanecemos
33
“Romances Familiares”, As Obras Coligidas... Vol.IX, 235-41
108 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
crianças, mesmo que sejamos biologicamente adultos. Isso significa que tomamos uma
decisão, como um adulto, de nos ver como crianças. Daí acusamos nossos pais por
nossa dor, reforçando que somos suas crianças, em vez das de Deus. Ver-nos como
crianças de Deus significa aceitar Jesus como nosso irmão mais velho, e permitir-lhe
ajudar-nos a crescer. Porém, o medo de perder nossa identidade do ego nos impede de
fazer essa mudança. Tomamos essa decisão no presente e, repito, projetamos a
responsabilidade por isso, declarando que a razão de sermos tão infelizes, e
fracassarmos na vida, é porque nossos pais fizeram A, B ou C a nós, e continuam a fazê-
lo: por exemplo, nunca recebemos a aprovação de nosso pai, ou o amor de nossa mãe, e
então ainda buscamos isso.
Uma resposta típica, então, é descartar, atirar fora nossos pais, como fizemos
com Deus, e então encontrar uma outra autoridade – professor, patrão, terapeuta,
esposa, figura pública, líder político, herói esportivo, qualquer outro – e dizer que essa
pessoa é que nos fará sentir bem, a respeito de nós mesmos. Por causa disso, muitas
crianças (e adultos também) têm ídolos esportivos como modelo, pelo que compram um
cereal para o café da manhã, porque seu herói lhes diz para comerem isso. Assim eles
apenas substituem a autoridade dessa figura, pela autoridade de seus pais; repito, nada
diferente do que fizemos originalmente com Deus. Não há, por certo, nada pecaminoso
a esse respeito, mas de fato identifica o sistema do ego, e isso nos ajuda em reconhecer
que isso é o que está se passando. Um ‘barômetro’34 em que podemos confiar para
mensurar nosso próprio crescimento é: qual é o relacionamento que mantenho com
meus pais? Esse é, invariavelmente, um dos temas chave na terapia, não porque o que
aconteceu no passado determine o presente, mas porque o relacionamento parental é o
paradigma para o entendimento de todos os demais relacionamentos.
Se algo não está curado com nossos pais, continuaremos a revivê-lo, fazendo
um paralelo de nosso relacionamento não curado com Deus. Cremos estar em desacordo
com Deus e Ele conosco, causando-nos reviver esse conflito muitas e muitas vezes.
Como Jesus explica no Texto, nossa questão de autoridade com pessoas – e todos aqui
tem questões de autoridade – somos apenas as partes divididas do problema de
autoridade original:
Esse é “a raiz de todo o mal” [e o pecado] (T-3.VI.7:3).
Não conseguimos entrar em contato com esse pecado antológico, mas certamente
conseguimos entrar em contato com seus fragmentos sombrios como expressos em
nossos relacionamentos aqui; nosso relacionamento com nossos pais sendo o número
um, em nossa lista de perdão. Incidentalmente, esses relacionamentos não perdoados
conseguem ser curados, mesmo se nossos pais hajam falecido, porque relacionamentos
existem apenas na mente. Nossos pais podem já ter falecido, mas os temas irresolutos
em relação a eles permanecem, por estarem em nossa mente. O problema não é o que
foi feito, ou deixado de fazer, no passado, mas o que escolhemos guardar e carregar
conosco e trazer para o presente. Fazemos isso porque, magicamente, isso nos livrará da
responsabilidade por nossa culpa: outra pessoa nos fez assim como somos hoje!
34
N.T. – Seria um ‘crescimômetro’?
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 109
Discussão
Apego à Vitimação Infantil
P: Não sou psicologicamente elaborado, então você poderia, por favor, explicar como
Bill carregava seus problemas de ego para seus relacionamentos, como com seu pai, e
como ele se relacionava com as outras pessoas ou amigos?
R: A noção de repetição compulsiva de Freud fica relevante aqui – a compulsão de
repetir o mesmo padrão neurótico muitas e muitas vezes. Isso pode se aplicado à
situação de Bill, que é um exemplo do que todos fazem, de uma forma ou de outra.
Como criança, e mesmo como adulto, Bill sofria a dor de se sentir mal amado e
rejeitado, se não abertamente maltratado, como no incidente de seu pai destruindo seu
novo consultório. A questão aí é que isso não é algo que aconteceu a Bill. Ele quis
[pediu] que isso acontecesse, e então foi algo que ele fez a ele mesmo. Bill foi quem
rejeitou o Amor de Deus, como todos nós fizemos. Ele negou esse pensamento, projetou
a responsabilidade por isso, e escreveu um roteiro com pais que o rejeitavam. Isso
resultou em Bill não ser mais o que rejeitasse o amor, por fazer seus pais terem feito
isso. Dessa maneira ele se tornou inocente e desafortunado, mas ele mesmo ficou
inocente. Tudo isso funcionou muito bem para o ego, então ao longo de sua vida Bill
escolheu envolver-se com aqueles que o abandonariam, trairiam, e o rejeitariam.
Quando isso aconteceu, ele se sentia justificado em concluir:
“Você vê, aconteceu de novo. Não posso confiar em ninguém, e por isso tenho de
levantar uma parede, ficar por trás dela e não mais chegar perto das pessoas. Se chego
perto, certamente me rejeitarão, como fizeram comigo meus pais e muitos outros – e
isso não é minha culpa. Vou fazer por garantir que esse dano não me aconteça de novo,
nunca mais chegando muito perto das pessoas.”
Curiosamente, mesmo que as pessoas de fato não nos rejeitem, nós as
perceberíamos dessa maneira. Sendo que tudo ocorre só na mente, quer a rejeição
ocorra na forma, ou não, isso é irrelevante. Iremos sempre interpretá-la assim. Portanto,
não importa o que seja a “realidade”, pois, mesmo que outros sejam bons e amorosos,
nós edificaremos um conto de traição e rejeição e o perceberemos como não amoroso.
Precisamos que sejam assim, porque isso confirma – para nós mesmos – que não somos
responsáveis pelo que está acontecendo conosco.
Repetindo nossa conversa inicial, essa é a base das palavras de Jesus no
panfleto Psicoterapia, a respeito do papel do terapeuta, que é para ser sem defesa,
diante do ataque do paciente:
Um louco defenderá suas próprias ilusões porque nelas ele vê sua própria
salvação. Por isso ele atacará o que tente salvá-lo delas, acreditando que ele
o está atacando. ...
O psicoterapeuta, então, tem uma tremenda responsabilidade. Ele tem de
enfrentar o ataque sem atacar e, por causa disso, sem defesa. ... (P-2.IV.9-10; leia
os dois parágrafos inteiros).
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 113
Qualquer um que haja se envolvido com terapia sabe que o paciente alterna entre amor
especial, e ódio especial – a dinâmica conhecida como transferência. O ódio, muito
freqüentemente, vem rápido, e nada tem a ver com o terapeuta, cujo encargo é encarar o
ataque sem defesa. Assim, de fato, o terapeuta demonstra a seus pacientes que eles não
têm de ser defensivos, pois não há culpa real a ser projetada.
Nós, então, precisamos generalizar esse princípio. Como pais, ensinamos
nossos filhos a não tomar o ataque pessoalmente, por nós mesmos não nos tornarmos
defensivos diante de seus ataques a nós. Defesa é uma atitude, não comportamento. Se
nos tornamos defensivos quando nossos filhos nos atacam, apenas lhes ensinamos que
quando eles são atacados – quer seja por mamãe, papai ou quem quer que seja – façam o
que fazemos: fiquem defensivos. Nós nos ensinamos, uns aos outros, o tempo todo; o
que significa que reforçamos o sistema de pensamento que usamos. Quer sejamos pais,
professores, terapeutas, ou qualquer outro em autoridade, a lição básica, repetida, é:
enfrente o ataque sem defesa..
Ele tem de enfrentar o ataque sem atacar e, por causa disso, sem defesa. (P-
2.IV.10:2).
Isso significa não percebermos a nós mesmos e os outros como diferentes, ou separados,
de nós.
Quando eu ataco, em resposta ao seu ataque a mim, eu tento manter-nos
separados. Mas, se me mantenho sem defesas em minha resposta – o que não significa
que não consiga estabelecer regras e limites firmes – estou dizendo a você que seu
aparente ataque a mim, não tem qualquer efeito. Nesse ponto reflito a resposta de Deus
ao nosso aparente ataque. Dele recebemos uma não resposta, ausente de defesa: Nada
aconteceu! Aqui o contraste com o Deus bíblico é altamente instrutivo, pois no texto
bíblico Ele se torna bem defensivo, protegendo Seu território dizendo a nós: “Eu sou
Deus, e não vos atrevais a falar Comigo dessa maneira! Vede Jó. É um exemplo perfeito
– perdeu absolutamente tudo que ele valorizava – do que se passará convosco
rebelando-vos contra Minha autoridade.”
Somos todos pais à imagem desse Deus bíblico, impaciente e rápido na zanga.
A Carta aos hebreus afirma que
“Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo.” (Hebr 10:31).
Sabemos que isso é verdade, porque o “Deus vivo” é algumas vezes amoroso, alguma
vezes irado, e você nunca sabe o qual vai ser. O mesmo é verdade com os pais. De fato,
como crianças, todos nós experienciamos nossos pais como amorosos e bons alguns
dias, e bem o oposto em outros. Essa é também a experiência de estudantes com
professores, e de pacientes com terapeutas. Todas as pessoas, em nosso mundo, têm dias
bons e outros ruins. Entretanto, nossa meta continua sendo refletir a resposta do
verdadeiro Deus: ir de encontro ao ataque sem ataque; e daí perdoar a nós mesmos,
quando nos tornamos egos, também, e nos vermos de volta à caixa de areia, atirando
areia à nossa volta. Como pais, somos crianças maiores que nossos filhos, e então
parece que ganhamos. Infelizmente, na caixa de areia ninguém ganha, todos perdem e, o
que é o pior, ninguém escapa do sofrimento.
114 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
35
N.T. – O Curso repete sempre, a cada ocasião em que reconhecemos não estarmos em
paz, que sempre conseguimos, infinitas vezes, minuto a minuto, se for necessário,
Escolher outra vez.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 115
que você fez, como criança. E se a causa de seu problema atual não consegue ser
desfeita – um fato irrevogável em sua história pessoa – não há esperança. Essa
desesperança deveria ser uma bandeira vermelha, que alerta você de que isso é o ego
falando. Ele não quer ver que você seja capaz de mudar tudo isso agora mesmo: seu
medo do amor consegue ser desfeito no instante que você escolha deixá-lo ir. A decisão
é só sua: voltar ao Céu ou ficar no inferno!
Eu fiquei para jantar e, por certo, não fugi de casa. Não me parece conseguir fazer
qualquer conexão com isso, porque houve muitas vezes que meu pai me bateu ou gritou
comigo. A palavra que fica vindo a mim é aprovação.
R: Uma coisa que se destaca em sua história é a comparação entre sua mãe e seu pai.
Evidentemente, sua mãe estava aborrecida com você, e você ia fugir dela. seu pai veio,
e sua amorosa resposta a você, sem confrontar você com o caso, ajudou você a mudar
de idéia. Essa lembrança contém nela não apenas que ninguém mais amava você ou
aprovava você dessa maneira, mas que seu pai amava você e sua mão não. Quanto mais
você olhar para isso, vai se tornando cada vez mais e mais desagradável.
P: A maior parte do trabalho que tenho feito tem sido em torno de meu pai, e estou
numa posição muito amorosa e perdoadora em relação a ele. Mas quando se trata de
minha mãe, é cada vez mais e mais duro estar com ela.
R: Essa lembrança explica por que: ela sempre tem sido a malvada. E seu pai, mesmo
que disciplinasse você quando necessário, tinha um sentido real de amor. Você jogava
entre os dois: o pai bom e a mãe má. Essa memória guarda o germe desse tema e,
provavelmente, já é tempo de você perdoá-la, e completar de vez a sinfonia. Mas esteja
atenta a como você carregou essa memória dolorosa com você, desde menininha.
Compreenda que toda vez que, hoje, ela visita você, ou fala com você ao telefone, você
a quer fora de sua vida. Entretanto, você já queria isso aos quatro anos; então reconheça:
nada mudou. Mesmo assim, você pode decidir escolher mudar tudo agora, e se ver
como a irmã mais velha dela, não mais filha dela; e isso consegue libertar a ambas.
R: Seu equívoco é que você quer que sua mãe venha até onde você está, e ela não é
capaz disso; isso é muito alheio a ela. Ela precisa que você vá até onde ela está. O que
ela precisa é que você expresse seu amor por ela, nos termos dela. O meio pelo qual
você alcança isso é não sentir que você tenha qualquer necessidade que tenha de ser
atendida por ela – ela não tem como satisfazê-las. Como tenho estado enfatizando – e
penso que seja particularmente apropriado aqui – tente não vê-la como sua mãe, mas
como sua filha, ou irmã menor. No relacionamento, agora você é o adulto. Deve haver
tremenda culpa nela, particularmente referente a você, porque ela deve ter sentido sua
animosidade todos esses anos. Ela não experiencia isso conscientemente, mas está lá,
latente. Ela não sabe como lidar com você, porque você fica insistindo que você seja a
filha que ela não está amando, ou entendendo. Repito, o fato é que ela não consegue ser,
e os papéis estão, realmente, invertidos – você é o pai, ou mãe, que precisa amá-la
incondicionalmente. Com essa atitude, você saberá, exatamente, como estar com ela,
porque você dirá e fará o que você sabe ser o mais útil. Quando você se puser em sua
mente certa, isso não será difícil, nem sacrificante.
P: Sei que você está certo. Mas isso me parece tão injusto porque eu quero que ela me
ame incondicionalmente.
R: Mas ela não consegue amar você incondicionalmente. O que mais importante nisso,
ela não tem de fazer isso, porque, se você a amar incondicionalmente, você terá todo o
amor que precisa36. Você não precisará mais que ela seja de uma determinada maneira.
O mesmo é verdadeiro em relação à sua filha: você não precisa que ela passe nos
exames, e vá bem na escola. Num sentido, você precisa transmitir a mesma mensagem à
sua mãe – em conteúdo. Ela não tem de ser de uma certa maneira, para que você a ame.
Mesmo assim, enquanto você exigir que ela ame você incondicionalmente, você está
afirmando que não é merecedora de amor. O que você quer comunicar, em vez disso, é
que, por causa de você ser merecedora de amor, você consegue amar
incondicionalmente. Isso é o que ela precisa de você, e você se sentirá muito melhor se
conseguir deixar o passado ir-se. Você se sentirá plenamente perdoada, e isso mudará
todo seu relacionamento com ela.
P: O que significa expressar amor a alguém nos termos dele?
R: É melhor falar no que ele não significa. Você não insiste que sua mãe entenda você,
ou de onde você vem, quando ela for incapaz disso. Ela simplesmente quer saber que
seja perdoada e amada. E isso você faz por simplesmente amá-la. É impossível amar
pessoas se você precisa algo delas. Sem necessidades que interfiram, o amor dentro de
você se expressa da forma mais útil. As palavras e o comportamento fluem – você não
tem de pensar a respeito deles, nem planejar sua expressão.
36
N.T. – Assim é porque o amor já faz parte de você, e ao dá-lo ao outro – que é você
mesmo – prova que o tem, e você o recebe, acrescentando ao que já tem, por estar
dando-o a você mesmo. Aparentemente paradoxal, na lógica humana, mas verdadeiro,
na lógica divina.
118 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
psicologicamente falando, nos casamos com nossos pais, assim como é verdade que
soltando um objeto de nossa mão, ele cairá verticalmente até atingir uma superfície que
o retenha, ou o chão, segundo a lei da gravidade, que todos conseguimos demonstrar.
Poderíamos, com a mesma facilidade, ter feito um mundo no qual o objeto se
suspendesse a si mesmo, e provavelmente há mundos onde isso aconteça. Parte desse
mundo vincula a dinâmica de que casamos com nossos pais. Mas continuamos
precisando perdoar onde estamos no presente, que é porque Jesus continuamente
enfatiza que esse Curso é simples: todos os problemas são o mesmo, e um só, e “já
estão resolvidos.”.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 121
Discussão
R: Sim, isso é difícil. Tão difícil quanto ser um filho, é ainda muito mais difícil ser um
adulto cuidando de sua mãe – que agora se tornou uma criança – especialmente se ela
não vê isso dessa maneira. O que torna isso mais fácil, como já vimos, é não mais se ver
com sua filha, mas como uma irmã mais velha de uma criança que crê que ela ainda seja
sua mãe. Você, entretanto, sabe que ela não é mais sua mãe. Como uma irmã mais velha
e mais sábia, você a toma sob suas asas e a ajuda, sem medo, no que quer que seja que
ela consiga aceitar. Você faz de conta que continua sendo sua filha, por certo, mas você
sabe que agora você está no papel maternal, que será facilitado, desde que esteja claro
para você, em sua mente, que você não precisa mais que ela seja sua mãe. Se você, em
determinado instante, ficar impaciente, zangada e frustrada, se quiser sufocá-la com o
travesseiro, ou não conseguir esperar que ela morra; se você quiser repreendê-la e
corrigi-la, isso seria a bandeira vermelha de alerta de perigo iminente. Qualquer um
desses momentos avisa você para, imediatamente, ir para dentro de você mesma e pedir
ajuda, para se lembrar de que agora você é o adulto e ela a criança. Seu caso se refere à
sua mãe, mas a situação pode ser generalizada para um irmão, irmã, ou qualquer
familiar idoso, morando em sua casa, ou de quem você esteja ou tenha se feito
encarregado.37
37
N.T. – O filme, Conduzindo Miss Daisy, 1989, premiado com vários Oscar, é um
relato muito feliz, amoroso e pungente dessa situação.
122 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
R: O amor não tem sentido de dever; ele simplesmente é. Cuidar de alguém por
obrigação, ou responsabilidade, não é amor, mas especialismo: o triunfo da forma sobre
o conteúdo. O conteúdo é amor. Dever, responsabilidade, ritual são formas: tenho de
fazer isso, sou obrigada a fazer aquilo; bons filhos e filhas fazem isso; boas mães e bons
pais fazem isso; bons irmãos e irmãs fazem isso. Mas o amor não está presente nessas
situações. Nada há em Um Curso em Milagres a respeito do que você tenha de fazer, ou
não fazer, comportamentalmente – unicamente escolher o conteúdo que vai usar em
todas e cada uma de suas atitudes: culpa, ou amor.
Mesmo que você considere cuidar de seus pais como um dever, que é como a
sociedade usualmente vê isso, não necessariamente significa que você não deveria fazer
isso – esteja atenta para o fato de que furtar-se de ajudar pode não ser amoroso também.
O Curso ensina que
“...o que não seja amor é assassinato.” (T-23.IV.1:10).
Você também não está sendo amorosa, mas odiosa, se atua porque é esperado de você
fazer isso, ou porque sua culpa seria astronômica, se não o fizesse, ou ainda porque você
não quer ser excluída do testamento. A resposta amorosa que o Curso ensina é ver-se
como um irmão, ou irmã, mais velho com seus irmãos pequenos, ou mesmo um filho
seu, que precisa de ajuda. Por que você não ajudaria alguém, que você ama, que precisa
de você?
Em 2005 fiz uma oficina de estudo intitulada “Vida: Um Curso Obrigatório,”
no qual expliquei que nossos relacionamentos aqui são “obrigatórios,” porque eles são o
que registramos em nossos roteiros. Eles são os currículos que Jesus usa nas lições de
nossas vidas – a específica lição de perdão, em qualquer situação, ou relacionamento38
que conseguimos generalizar, ao ponto de perdoar a todas as pessoas. Nossos pais,
atuando paternal e maternalmente em relação a nós enquanto crescíamos, e cuidarmos
deles paternal ou maternalmente mais tarde, são partes do curso obrigatório, no qual
aprendemos nossas lições, e despertamos do sonho.
Repito, se você estiver na mentalidade certa, e se vir como o pai, ou a mãe,
cuidando de pessoas que se chamam a si mesmas pais ou mães, irmãos, familiares, ou
que seja, mas que agora são, na realidade, seus filhos, não há problema, pois você
tomará conta deles; não porque você tenha de fazer isso, mas porque isso é o que o
amor faz. Na forma, o amor enlaça todos que entram em sua esfera, como a água flui rio
abaixo, em seu leito, e encontra pedras e galhos, acariciando-os gentilmente, ao passar.
Você, automaticamente, adaptaria sua vida de acordo com isso, sem pensar duas vezes.
O que dificulta e impede essa natural extensão do amor, são as mágoas que você guarde
do passado, as necessidades que você sente não terem sido atendidas. Dessa maneira,
você pode vir a fazer a coisa certa, mas em relação à pessoa errada. Isso não significa
que você deveria se sentir culpado, quando atenta para isso, mas é importante se tornar
cônscio disso, para que consiga mudar sua mente a esse respeito, para conseguir
escolher outra vez.
38
N.T. – Qualquer situação é um relacionamento, pois estamos nos ‘relacionando’ com
fatos, circunstâncias, condições, objetos e encargos, onde há, também, pessoas.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 123
resto do tempo chamava-a por telefone. Realmente não conseguia lidar com o fato de
que ela estivesse num hospital e toda vez que falava com ela ao telefone, ela queria sair.
Falei com o médico dela, mas senti que eu não cumpri meu encargo de filha realmente,
que seria de voar para lá e ficar com ela, ou visitá-la mais freqüentemente, ou, então,
trazê-la para Nova York.
R: As pessoas muitas vezes se agarram a eventos como esse; isso é muito comum. Mas
o evento não é nunca a questão; o tema é que você está usando isso como uma maneira
de provar – para você mesma – que filha desnaturada e terrível você foi. Isso é similar a
respeito do que Jesus falou com Bill – que ele não se desapegava da idéia de que seu pai
destruiu seu novo consultório. A questão era de que o problema de Bill nada tinha a ver
com o comportamento violento de seu pai, mas com o querer de Bill, de que isso
acontecesse, pois isso permitia a ele dizer que isso não foi sua culpa. É a mesma coisa
em seu caso, mesmo de forma seja diferente. Você se apega a isso como testemunho de
que você seja uma pessoa terrível, e não simplesmente porque você não visitou mais sua
mãe ou tirou-a do hospital. Você está usando isso – de que você transformou num
grande problema – como uma maneira de afirmar:
“Sou um fracasso como pessoa. Não mereço ser feliz ou desfrutar de minha velhice,
porque fui uma filha desnaturada.”
Pode-se ver que há aí, algo inerentemente falso, a respeito do que você está fazendo.
Deve haver, provavelmente, muitas lembranças positivas a seu respeito, como
uma filha amorosa e carinhosa, mas você escolhe focalizar, unicamente, nesse aspecto
negativo, porque isso lhe permite dizer que você seja uma pessoa pecadora, e uma filha
insensível, com o que você se sabota. Então, num estágio de sua vida em que você
poderia estar liberta de cuidados, e responsabilidades, você se faria enferma e ansiosa –
e essa lembrança dolorosa será a justificativa para sua infelicidade. O problema,
portanto, não é o que você fez, ou deixou de fazer, há cinco anos. O problema é que,
agora mesmo, você está escolhendo apegar-se a uma lembrança, que prova o que você
quer provar: você é uma pecadora culpada, e merece ser infeliz. Essa, por si só, é a
questão. A única maneira de se libertar, é separar a forma do conteúdo. Talvez você não
tenha sido – realmente – uma filha amorosa o bastante; talvez você deveria ter ido para
a Flórida mais freqüentemente; ou talvez você tenha feito, absolutamente, a coisa mais
amorosa, por razões que você nem tem conhecimento. Mas, o que quer que haja feito,
de uma forma ou de outra, foi o melhor que conseguiu fazer, à época. A situação já
passou, e então o tema remanescente é: “por que insisto e continuo apegada a isso?”
Na seção I do capítulo 28, “A memória presente” lemos:
Esse mundo acabou há muito tempo. Os pensamentos que o fizeram já não estão
mais na mente que os pensou e os amou por um breve período de tempo. (T-
28.I.1:6-7)
Jesus prossegue dizendo que nossa culpa nos ensina que esses pensamentos continuam
lá, então o mundo, para nós, continua lá. Mas o problema não é o mundo – ele já
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 125
acabou. O seu problema não é o que você fez à sua mãe, na Flórida, anos atrás – isso já
acabou. Seu problema é a sua culpa presente, que você está escolhendo ter agora.
Generalizando, quando quer que você seja tentada a se sentir culpada, a
respeito do que quer que seja que você fez, ou deixou de fazer a seus pais, ou seus
filhos, ou quando quer que você seja tentada a se apegar a mágoas contra eles, dê-se
conta de que isso nada tem a ver com a forma da mágoa, ou da culpa em si, mas com a
decisão que está escolhendo tomar agora, no presente, de se agarrar a isso, como meio
de justificar porque você não sente a paz ou o Amor de Deus. Essa decisão é o que você
quer mudar. Ninguém é uma filha, filho nem pai, ou mãe perfeita. Ninguém é perfeito
em coisa alguma. Portanto, não faz sentido focalizar na imperfeição, e tentar provar o
“óbvio”, quando você consegue, tão facilmente, soltá-lo e afirmar o que é
verdadeiramente óbvio:
“Consigo continuar a estar em paz, mesmo que não seja perfeita. Consigo me perdoar
por meus erros, em vez de buscar imperfeições, como um meio de provar que o ego
continua vivo e bem e, consequentemente, por isso mereço meu fado terrível.”
Essa, então, é a atitude de mentalidade certa: usar a forma para alcançar o conteúdo.
Começamos com o problema externo, porque pensamos ser corpos em relacionamento
com outros corpos. Mesmo assim, usamos isso apenas para retornar para o conteúdo da
mente, onde a forma será irrelevante. O conteúdo de culpa da mente está fora do tempo
e, então, apegar-se ao passado, ou medrosamente antecipar o futuro, só serve para tornar
real o corpo e o mundo.
Não conseguimos desfazer o que fizemos, ou refazer o que deixamos de fazer,
como pais, ou filhos, no passado; mas conseguimos desfazer agora a presente decisão
de nos apegar a isso. Aqui reside nosso poder; não na culpa por não ter sido um filho
amoroso o bastante, mas no poder de nossas mentes de nos apegar a, ou nos desapegar
de, nossa culpa. Reter lembranças amargas, nos mantém enraizados no mundo, em vez
de na mente – a perene estratégia do ego! O ego, por isso, abençoa os relacionamentos
pais-filhos porque são – com certeza – sempre problemáticos, cheios de culpa,
ansiedade, tensão e especialismo. Isso muda nosso foco para os corpos no mundo, em
vez de na mente que escolheu o ego. Repito, não conseguimos desfazer o passado, e
nada conseguimos fazer para assegurar um futuro feliz aqui. Podemos, entretanto, fazer
algo a respeito de nossa escolha anterior, de nos apegarmos a essas lembranças: escolher
deixá-las ir agora mesmo. Nisso repousa nossa certeza de cura e verdadeira felicidade.
R: Em termos de sua mãe, sim. Você é responsável simplesmente até onde se estende
seu querer torná-la confortável, à medida que ela, lentamente, morre; mas você não é
responsável por ela tomar, ou deixar de tomar, sua medicação, por fazer, ou deixar de
fazer, o que o médico dela diga a ela para fazer. Sua única responsabilidade é amá-la;
e isso faz com que ela esteja certa, mesmo quando ela faça coisas que não pareçam tão
úteis, como dar pílulas para o câncer a plantas. Na mente dela, isso, provavelmente, é
uma coisa mais bondosa a fazer, em vez de deixá-la ir água abaixo pela descarga do
vaso, que é o que ela preferiria fazer. Ela, de alguma forma, sente que isso é uma boa
coisa – sua maneira estranha de se unir com outra coisa qualquer. Sua responsabilidade
é não julgar, nem atacá-la, ou sentir-se responsável pelo que ela faça, ou decida. Além
do mais, é importante ficar claro que ao falar a respeito de não assumir a
responsabilidade, me refiro apenas ao nível de conteúdo, não de forma. Obviamente, se
você é um pai, ou mãe, de um filho pequeno, você tem a responsabilidade de manter a
criança fisicamente bem cuidada, educada, fazendo as coisas normais, úteis e corretas,
inerentes ao seu desempenho, como tenho continuamente dito.
P: Mas no que isso difere de se assegurar que pais tomem sua medicação quando eles
são idosos?
R: Certamente há uma responsabilidade em ajudar sua mãe tomar sua medicação; mas
há um ponto, além do qual, você não consegue ir. Você não vai abrir sua boca à força, e
forçar uma pílula garganta adentro; você não irá amarrá-la numa cadeira para certificar-
se que ela cumpra o que o médico diz, se for o caso de não se locomover.
P: Bem, ela claramente não que fazer, então isso está bem?
R: Sim, está. É importante que você respeite a decisão de sua mãe de morrer. Sendo que
o diagnostico dela é câncer, ela não atende o que o médico diz para ela fazer, e o câncer
está começando a se espalhar, mesmo lento, ela está, obviamente, tomando essa decisão.
Por que não honrar e respeitar isso, e tornar seus últimos meses tão livres de dor quanto
possível, tanto quanto ela o permita. Isso não quer dizer que você a encoraje a morrer;
ou faça coisas que, obviamente, não sejam amorosas ou boas; mas que, de fato,
significam respeitar seu direito de escolher como ela quer viver o término de sua vida, e
como ela quer pôr fim a ela. Repito, o que você quer é tornar esse período final tão livre
de dor quanto possível, física e emocionalmente, para ela.
Ela, claramente, está tomando a decisão de morrer, e ela quer morrer com sua
filha. O que poderia ser mais lindo? Ela veio para cá, da Flórida, onde estava muito
feliz, mas só – não tinha família lá. Ela veio para cá, para conseguir terminar seus dias
com você, que é o que está acontecendo. Uma vez você tenha clareza a respeito do que
ela esteja fazendo – e eu penso que está bem claro – você, pura e simplesmente, deixe-a
fazê-lo. Você segure sua mão enquanto ela, lentamente, parte deslizando, tanto
figurativa e talvez literalmente. Você não é responsável por mantê-la viva, ou matá-la,
mas você é responsável por aceitar onde ela está, e amá-la, e portanto dê razão a ela. Se
você pedir que ela tome sua medicação, você está lhe dizendo que ela está errada, e
você está certa, e que ela precisa fazer o que você quer que ela faça.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 127
Isso consegue ser generalizado a qualquer um, ou qualquer coisa. Quando você
está relativamente livre do ego e consegue ouvir o que os outros querem, você
respeitará seu direito de ter o que querem, como se fosse seu roteiro, e você não tem o
direito de impor seus desejos a eles. Fique certo, as pessoas dão mensagens misturadas –
elas querem morrer e, ao mesmo tempo, querem viver. Você tem de peneirar o que
verdadeiramente estão querendo, porque essa é a natureza do amor. Levando em conta o
limite de você não entrar em conflito dentro de você, e nenhum investimento de
expectativa no resultado, você ouvirá seus desejos, e o amor em você atuará em
conformidade.
O que torna isso mais entendível, e ajuda evitar interpretações equivocadas do
que estou dizendo, é dar-se conta de que tudo tem a ver com a mente, e nada com o
corpo. Tanto a vida física, como a morte, são coisa nenhuma; culpa e perdão são tudo.
Portanto, você quer ajudar as pessoas a fazer o que quer que ela sintam ser necessário
para seu caminho de Expiação, quer estejam cônscios disso, ou não – o caminho da
Expiação sendo o desfazimento da culpa pelo perdão. Repito, quando você tem clareza
disso, você não consegue não ouvir o que as pessoas, verdadeiramente, desejam, e você,
inevitavelmente, responderá com amor.
Retornando à pergunta, está claro que sua mãe decidiu-se a morrer, e morrer
junto à sua filha. A pacífica aceitação dos desejos da mãe, por sua filha, é o supremo ato
de perdão, e amor. Insistir que sua mãe faça o que a família, o médico, ou a sociedade
dizem que ela deveria fazer, é o pico do desrespeito. Repetindo esse ponto central, o que
torna isso mais fácil é compreender que o que está em jogo nada tem a ver com a vida
física, ou a morte, ou a progressão do câncer, mas apenas com perdão. Esse pensamento
curativo da mente é expresso, tendo uma meta de interesses compartilhados, em vez de
separação. O que está sendo compartilhado é o desejo da mãe de alcançar o fim da vida
dela com sua filha.
Em suma, precisamos generalizar esta situação específica a toda situação, e
qualquer relacionamento. A vida física não é sagrada, nada tendo a ver com esse insano
mundo material. Só a vida da mente é importante, e morte é um pensamento na mente,
como é a vida. Nós assim queremos ajudar as pessoas a fazerem a escolha certa, o que
fica impossível, se depreciarmos o poder de escolha de suas mentes. Ouvimos o que as
pessoas em verdade querem e daí as ajudamos a palmilhar um caminho tão bondosa e
amorosamente quanto possível, independente da forma que suas ações possam tomar.
P: Seguindo essas mesmas linhas, o que fazer se há algo não tão certo com o cérebro de
nossos pais, e eles estão mais como crianças? Minha mãe é bipolar e está sob
medicação. Algumas vezes ela não faz o que seja melhor para ela. Nesse caso, minha
resposta não fica tão clara.
R: Ela não está tão clara, mas a comunicação consegue continuar sendo, e seu foco
deveria permanecer ouvindo sua mãe. Como uma filha que está bem junto a ela, você
consegue ouvir seu pedido de amor. Lembre-se de que A COMUNICAÇÃO É NA MENTE,
NÃO NO CÉREBRO, que é irrelevante ao processo de cura. Se você for capaz de descartar
interesses, ou pensamentos pessoais – qualquer coisa do ego e seu passado – você
128 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
ouvirá, em sua mente, o que sua mãe, realmente, quer. Se ela estiver aterrorizada, você a
ajudará a minimizar o terror, fazendo o que quer que seja que a faça se sentir segura, a
salvo, confortada e amada. Quando seu ego não está no caminho, você saberá a forma
na qual esse amor será expresso. E você fará isso, sem se importar com sua aparência,
pois a resposta mais amorosa nada tem a ver com o cérebro, com a doença ou com o
problema da pessoa. A mensagem da mente é dada, e você a ouve. Enquanto você se
mantenha motivada a ser útil, sem a interferência de necessidades, ou mágoas repetidas
pessoais, você saberá os desejos de sua mãe. Todos comunicam o que querem, e o único
ponto é sermos capazes de ouvi-lo. Não havendo bloqueio em você, você o ouvirá e
atuará de acordo com o pedido de amor da mente.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 129
3. Conclusão de discussão
porque eles não arruinaram nossas vidas, nem a salvaram. Nosso relacionamento com
eles foi uma peça de teatro, e conseguimos escolher fazer baixar a cortina, a qualquer
tempo – não pela morte, mas por dizer um gentil “não” ao ego. Nesse ponto, nos damos
conta, com Shakespeare, que
o mundo é um palco e somos meros atores, representando nossos papéis.
Somos crianças que crescemos, e daí cuidamos de nossos pais. Somos filhos, irmãos,
crianças, cônjuges, amigos e amantes; colegas, amigos e inimigos – todos
relacionamentos especiais. Somos apenas papéis, representados no palco a que
chamamos vida. Quando a cortina baixa, a cena acaba, entretanto, continuamos os
mesmos, pois, em verdade, tudo é uma única peça, com um único ator, representando
um enredo irreal, num lugar que não existe. O perdão – passo a passo – nos ajuda a dar-
nos conta disso e, especificamente, aceitar que já deixamos de ser a criança de nossos
pais.
conflito com autoridades em nossas vidas, começando com nossos pais. Como filhos,
depois crescemos e nos tornamos pais, ou figuras parentais para outros. E, assim, o
relacionamento especial com Deus é representado repetidas e repetidas vezes, e
continuará a ser representado, até que o levemos de volta, e o identifiquemos, como o
único relacionamento especial existente – nossa dependência do ego. Quando ficarmos,
finalmente, cônscios de que é isso que se passa, todos os nossos relacionamentos ficam
curados, pois o único problema foi trazido à sua única Resposta.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 135
5. Conclusão
Concluo esta discussão em duas partes da aula de PAIS-FILHOS com um poema
de Helen, “A Casa de meu Pai”. É uma conclusão adequada à discussão de cura de
relacionamento com nossos pais, pois, pelo que observei na Introdução, esse é o único
meio de cura do relacionamento com nosso Pai. Insistir que somos os filhos de nossos
pais e não Filhos de Deus, é insistir que somos árbitros do que seja certo para nós, e
para o mundo. Mas, por meio do perdão, nós reivindicamos nosso direito de nascença
natural, como Filho de Deus, e retornamos à casa de nosso Pai, e conosco irão todos que
ainda possam temer a quietude, e enlaçam a dor. Possa o lindo poema de Helen nos
lembrar do riso gentil que enxuga todas as lágrimas, cura o alquebramento do Filho de
Deus, e restaura para ele seu lugar de direito com Criança de Seu Pai:
39
N.T. – Livro de poemas The Gifts of God, de Helen Schucman, a escriba de Um
Curso em Milagres, sem publicação em português, até esta data. Tradução livre não
autorizada do poema para o português do Brasil pela tradutora.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 137
APÊNDICE
138 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
Introdução
Há alguns anos atrás fui solicitado por Dra. Lois Einhorn, Professora de Comunicação na
Universidade Estadual de Nova York, Binghamton, para colaborar com seu livro: Perdão e Abuso Infantil:
VOCÊ perdoaria? No formato, o livro é padronizado segundo O Girassol, de Simos Wiesenthal, que
apresenta as experiências do conhecido sobrevivente de campo de concentração e caçador de nazistas, que foi
incapaz de perdoar um jovem soldado alemão. O âmago do livro, entretanto, consiste de respostas de várias
figuras nessa situação. O livro de Lois lida com seu próprio caso de abuso, que de longe excede em crueldade
e malvadeza qualquer outro relato que já li, ouvi ou soube. O livro acaba de ser publicado e estou
reimprimindo minha resposta, que é uma das cinqüenta e três.interessados em adquirir Perdão e Abuso
Infantil: VOCÊ perdoaria? Podem fazê-lo entrando no site de Lois, site na rede: loiseinhorn,com.
Para esse publicação, incluí um Posfácio que apresenta algumas observações adicionais nesse
assunto extremamente importante .
40
Reimpresso de The Lighthouse (O Farol) março, 2006, escrito antes das recentes atrocidades no Oriente
Médio. N.T. – Publicação oficial de Foundation for A Course in Miracles (Fundação para Um Curso em
Milagres)
41
N.T. – Robert Burns (25 jan. 1759 – 21 jul. 1796) (também conhecido como Rabbie Burns, o filho
favorito da Escócia, o Poeta de Ploughman, o Bardo de Ayrshire e na Escócia simplesmente O Bardo) foi
um poeta e um lírico. Ele é amplamente considerado como o poeta nacional da Escócia e é celebrado em todo
o mundo.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 139
agressivo está, seguramente, em mim também – a necessidade, por vezes, de dominar o outro por meio de
força de vontade ou força física mascarada, para conseguir que meus desejos sejam atendidos – não me
importando com a outra pessoa, mas apenas comigo. Repito, essa tendência pode não ser tão extrema, ou tão
violenta, em sua forma de expressão, quanto o abuso sexual, mas ela está presente em todos e cada um de nós,
não obstante. E é a nossa culpa em relação a tal desejo, que encontra seu bode expiatório projetado em
abusadores disponíveis. Seu ostensivo “pecado” lindamente atende essa necessidade de encontrar um objeto
adequado para a projeção, obscurecendo o fato de nossa unidade comum de ambos como filhos da carne e do
espírito. Nas palavras de Harry Stack Sullivan42, o fundador da Escola de Psiquiatria Interpessoal,
Somos muito mais simplesmente humanos do que qualquer outra coisa...
Infelizmente, ser “simplesmente humano” carrega consigo, não apenas a capacidade de preencher nossas mais
altas aspirações de amor, e unidade, mas também as mais baixas, de ódio e separação. O depoimento de
Sullivan continua:
...sejamos felizes e bem sucedidos...miseráveis e mentalmente desordenados, ou que seja.
O desafio para nós é que nossa humanidade comum – para o melhor ou para o pior – não é sempre tão
prontamente aparente.
Quando era adolescente, Ana Freud dava um passeio a pé com seu famoso pai. Ao passarem por
algumas lindas casas vienenses Freud disse à sua filha:
“Você vê essas lindas casas, com suas lindas fachadas? As coisas não são assim necessariamente tão lindas
por trás das fachadas. Assim também é com os seres humanos.”
Pode-se bem acrescentar “todos os seres humanos” à referência de Freud, sendo que o pai da psicanálise,
certamente, teria aprovado o acréscimo, sendo tão cônscio das forças obscuras se agitando dentro da mente de
todos os membros de nossa espécie, sem exceção
Se devemos, plenamente, compreender nossa inerente integridade como a criação espiritual de Deus,
devemos nos dispor a perdoar, no sentido de olhar primeiro para o ódio externo – a projeção do ódio dentro de
nós mesmos – e depois, para além dele, ao amor, que, verdadeiramente, nos une a todos, como um único Ser.
Sem esse passo final, ficamos condenados ao que Freud chamou de compulsão repetitiva, nesse caso,
permanecendo compelidos a uma repetição sem fim do ciclo de culpa e ódio, auto-abominação e abuso, medo
e ataque: a crueldade que tanto caracteriza nossa história, tanto no nível coletivo como pessoal. Todos os
clínicos estão mais do que familiarizados com o padrão clínico de muitas crianças abusadas, crescendo para se
tornarem adultos abusadores. E o ciclo malvado vítima-vitimador, vivenciado por indivíduos, tristemente se
recapitula, a si mesmo, incessante, nas vidas de todos os grupos.
Eu não seria tanto um psicólogo, se não estivesse cônscio das conseqüências destrutivas da negação,
e não estou certamente advogando empurrar para baixo lembranças e pensamentos, emoções de mágoas,
humilhação e fúria, ou tentando desconsiderá-las, dentro do chamado espírito de perdão. De fato, em tantos
instantes, de algumas formas de terapia, torna-se necessário, como meio das pessoas primeiro conseguirem vir
a aceitar a dor do que foi negado, por tanto tempo. Esse é um passo essencial no processo de perdão, se a
pessoa vai, no final, mover-se para além das passadas lembranças dolorosas, que deixam cicatriz, para um
sentido integrado de ser que, por si só, consegue trazer plenitude e felicidade. Repito, não devemos negar o
que foi feito a nós, mas todos temos a capacidade de crescer, para além do auto conceito de vitimação, para
nos darmos conta de nosso verdadeiro potencial, como seres íntegros. Assim demonstramos para nossos
abusadores que a despeito de suas ações, eles, afinal, não estavam nos prejudicando, pois fomos capazes de
usar a experiência, como meio de crescimento pessoal. Muito importante: isso não significa permitir aos
outros, irreprimidos, de abusar de nós, ou de outros; o ponto importante aqui fica sendo a nossa atitude, em
relação ao atacante. Pode-se, certamente, atuar de maneira firme, forte, para prevenir ataque e abuso, sem
concomitantes emoções de ódio ou vingança.
Um Curso em Milagres enfatiza que nossas percepções são inerentemente interpretativas. Em outras
palavras, enquanto nossos órgãos sensoriais trazem de volta imagens com cenas de ódio, abuso e sofrimento,
esses não precisam ser instrumentos com poder de nos desprover de nossa capacidade de crescer, amadurecer
42
N.T. - Herbert "Harry" Stack Sullivan (fev. 21, 1892, Norwich, Nova York – jan. 14, 1949, Paris,
França) foi um psiquiatra norte-americano, de origem irlandesa, cujo trabalho em psicanálise foi baseado em
observação direta e verificada (versus a concepção mais abstrata de uma mente inconsciente, preferida por
Sigmund Freud, e seus discípulos). Junto com Clara Thompson, Karen Horney, Erich Fromm, Erik H.
Erikson, e Frieda Fromm-Reichmann, Sullivan assestou o trabalho básico para entendimento do indivíduo,
baseado na rede de relacionamentos na qual a pessoa está enrodilhada.
140 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
e, finalmente, alcançar a paz interior, não apenas psicológica, mas assim como espiritual. Se a essas formas de
escuridão for dado tal poder, então a responsabilidade, de seus efeitos, não repousa nos próprios eventos em si
mesmos, mas como nós termos tornado, para nós, o evento mais poderoso do que o amor de Deus, nossa
Fonte, nosso guia constante para crescimento, e inspiração, para mudança. Esse reconhecimento se torna a
base do perdão verdadeiro: nada no mundo – mesmo que repreensível, repulsivo, e malvado – tem o poder de
tirar de nós nossa paz interior, e sentido de integridade. De fato, o único poder que consegue realizar isso
repousa dentro de nossas próprias mentes, que, por si só, consegue escolher paz ou guerra, perdão ou ataque,
amor ou ódio. Tal princípio – imutável – apresenta um desafio a todos nós, que tudo excede, mas que é um
desfio que sabemos conseguir enfrentar, como nos exemplos inspiradores das Dez Irmãs Ten Boom43 e o
vienense Victor Frankl,44 durante o holocausto nazista. Dessa forma não precisamos atribuir aos eventos de
nossas vidas individuais – mesmo dentro do caos e do conflito – o poder mental de nos privar de alcançar a
mais alta meta espiritual a que queremos aspirar: saber, verdadeiramente saber, nossa Identidade como
espírito, parte dos viventes, e de nossa amorosa unicidade inquebrantável com Deus, sempre presente em
nossa mente. Exemplos extremos de brutalidade conseguem nos conceder a oportunidade de ultrapassar a
fácil tentação de odiar, chamando em vez disso o Amor interior, sempre presente, para nos ensinar como
perdoar os outros e, assim, concomitantemente, a nós mesmos.
Uma lenda medieval nos provê um lindo exemplo dessa visão de perdão verdadeiro, um ideal que
todos nós deveríamos buscar alcançar um dia: Jesus e seus discípulos se reuniram juntos para reencenar a
Última Ceia. Serviram-se em torno da mesa enquanto um dos lugares permaneceu vacante. Daí entra Judas
Iscariotes. Jesus se dirige a ele e o saúda calorosamente:
“Sê bem vindo, meu irmão. Estávamos à tua espera.”
No mesmo espírito, o filósofo cristão do terceiro século, Origen,45 ensinou, em palavras que não o fizeram
querido pelas autoridades da igreja, que até mesmo o demônio iria, no fim, ser salvo. Em outras palavras, todo
aparente fragmento separado da criação espiritual de Deus iria, e irá, retornar à Casa, como o amor de Deus
consegue unicamente abraçar totalmente. Assim nosso perdão, aqui no mundo, reflete a totalidade, e a
unicidade, que todos nós compartilhamos como espírito.
43
N.T. – Cornelia Johanna Arnolda ten Boom, geralmente conhecida como Corrie ten Boom, (abr. 15,
1892 – abr. 15, 1983), uma sobrevivente do holocausto cristão holandês, durante a II Guerra Mundial (1939-
1945), ajudou muitos judeus a escapar dos nazistas. Ten Boom, co-autora de sua autobiografia, The Hiding
Place, (O esconderijo) mais tarde foi feito um filme de mesmo nome, em dezembro, 1967, foi homenageada
como uma das Righteous Among the Nations (Virtuosos entre as nações) pelo estado de Israel.
44
N.T. – Viktor Emil Frankl (Viena, mar. 26, 1905 — set. 2, 1997) médico e psiquiatra austríaco, estudou
com Freud e Adler, fundou da escola da Logoterapia, que explora o sentido existencial do indivíduo e a
dimensão espiritual da existência. De 1933 a 1936, Frankl é diretor do pavilhão das mulheres suicidas do
hospital psiquiátrico de Viena. Quando os nazistas tomam o poder na Áustria, Frankl, mesmo correndo risco
de vida, sabota as ordens que recebera de proceder à eutanásia de doentes mentais sob seus cuidados.
Deportado da Áustria em 1942, é internado em Auschwitz em 1945. Libertado quando do fim da guerra,
Frankl toma conhecimento de que sua mulher morreu de esgotamento simultaneamente à liberação do campo
de Bergen-Belsen. Esta indelével experiência pessoal será marcante em sua obra terapêutica e em seus
escritos, tendo sido capaz de manter, em tal situação desumanizadora, a capacidade de manter a liberdade do
espírito. Como conferencista, Frankl visitou muitos países ao longo de sua vida, tendo passado pelo Brasil em
1984 (Porto Alegre), 1986 (Rio de Janeiro) e 1987 (Brasília). Frankl recebeu o título de doutor honoris causa
de diversas instituições de ensino do mundo inteiro, inclusive da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
no Brasil. Ao longo de sua vida, os livros de Viktor Frankl foram traduzidos em mais de 30 idiomas, e mesmo
depois continuam sendo traduzidos.
45
N.T. – Origen (grego: Ὠριγένης Ōrigénēs, ou Origen Adamantius, circa. 185–ca. 254) foi um estudioso
cristãos do início da igreja, o primeiro teólogo cristão, e um dos mais distinguidos dos primeiros pais da igreja
cristã. Em Origen a igreja cristã teve seu primeiro teólogo no mais alto sentido do termo. Atingindo o
pináculo da especulação humana, seu ensinamento não era apenas teórico, mas era também imbuído de
intenso poder ético. Quando morreu não deixou nenhum pupilo, seguidor ou discsípulo para substituí-lo, nem
a igreja desse período foi capaz de se tornar sua herdeira, então sua sabedoria foi sepultada. Três séculos
depois seu próprio nome foi retirado dos livros da igreja; entretanto nos monastérios gregos sua influência
permanecer viva; e o pai espiritual do monasticismo grego foi o mesmo Origen, à vista de cujo nome os
monges tremiam.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 141
Em suma, então, o exemplo conturbador de uma forma brutal de vitimação, trazido por Lois
Einhorm, nos permite a todos ainda mais uma oportunidade de projetar nossa interpretação de eventos, dando
a eles o poder de destruir nossa visão de uma humanidade comum.
Entretanto, outra maneira de olhar para a mesma situação, é ver que todos praticantes da violência e
do abuso estão, em verdade, pedindo ajuda, especialmente os sádicos vitimadores, refletem nossa Identidade
comum como espírito. Se Deus é verdadeiro amor, então a integridade desse amor não consegue ter exceções.
Então isso é o que mesmo o mais abominável ato demonstra, se olhado com bondade, o pedido desesperado
de ajuda e amor que está justo abaixo de sua aparente forma perversa. É o mesmo clamor que grita em todos
nós. Aprender a dar a esse clamor uma voz, é só o que dá significado a esse mundo. Deixar essa voz inaudita,
carrega o terrível risco de perpetrar um vida de ódio justificado que continuamente busca punir os outros, em
vez de, misericordiosamente, reconhecer sua própria necessidade de misericórdia, e perdão. Em qualquer
época de crise mundial, testemunhamos as implicações horríficas do que seja não atender a esse chamado.
Nossa única vontade – pessoal e coletiva – consegue repousar em olhar dentro para o ódio que nos junta a
todos na loucura, que é – ao mesmo tempo – a defesa contra o amor que nos une todos à sanidade. Em tal
vontade – que temos de expressar como nosso querer – se encontra o verdadeiro Reino de Deus: um Deus do
amor todo inclusivo, um Deus de perfeita unicidade, um Deus cuja integridade abraça a totalidade, sem
qualquer exceção.
Posfácio
Em “Mozart e Um Curso em Milagres”, o musicólogo H. C. Robbins-Landon, fez uma declaração,
onde se lê:
“Um Curso em Milagres é uma boa desculpa para a existência da humanidade, pois
iremos sempre encontrar e ter, talvez, afinal de contas, ainda uma pequena esperança,
por nossa sobrevivência derradeira.”
Em O Farol, março/2004, fiz uma retificação à declaração transcrita acima.
A esperança – em “Mozart e Um Curso em Milagres” – a despeito do caos do mundo como um
todo, sem mencionar nossos mundos pessoais, uma luz ainda brilha na escuridão de nossas mentes.
O sinal do Natal é uma estrela, uma luz na escuridão. Não a vejas fora de ti, mas brilhando no Céu
interior e aceita-a como o sinal de que o tempo de Cristo veio. (T-15.XI.2:1-2)
Por quaisquer outras razões. pelas quais as pessoas hajam sido atraídas para Um Curso em Milagres,
e pessoas conseguem muito bem ser atraídas pelas razões erradas, há mesmo assim algo que respira por suas
palavras, para as quais todas as pessoas ressoam, quer entendam o Curso plenamente, ou não, ou quer elas
mesmo nada entendam dele. As palavras de Jesus oferecem esperança porque elas vêm de, e apontam para,
uma realidade além deste mundo. Sua mensagem de perdão é mais relevante agora que histórias, como a de
Lois, que continuam a emergir quase que diariamente – histórias que falam de crueldade, e abuso,
inimaginável, perpetradas em indivíduos, sem mencionar os grupos raciais, religiosos e políticos.
Qualquer abuso – individual ou coletivo – é horrífico, não apenas por causa da crueldade inerente ao
ato em si mesmo, mas porque somos relembrados do abuso que todos abrigamos dentro de nossas mentes
separadas, das quais estamos, na maioria, desavisados. Enquanto pessoas em suas mentes certas jamais
acolheriam abuso, de qualquer natureza, uma vez tendo ocorrido ele consegue, mesmo assim, servir a um
propósito santo. Como o Curso se refere ao especialismo, que é sempre abusivo, independente de sua aparente
forma benigna:
Tal é a percepção bondosa do Divino Espírito Santo do especialismo; Seu uso do que fizeste para curar,
em vez de ferir. (T-25.VI.4:1)
A esse respeito, uma lição extrema é sempre útil
Foi pedido a ti que me tomasses como teu modelo de aprendizado, já que um exemplo extremo é
particularmente útil como instrumento de aprendizado. (T-6.in.2:1)
142 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
Sendo quase impossível ignorar, isso pode apontar para o sistema de pensamento do ego, até aqui
desconhecido para nós, pois o ego é mantido virtualmente inacessível, oculto e protegido pelo duplo escudo
do oblívio46
Mas o que tens esquecido pode ser lembrado, se estiveres disposto a reconsiderar a decisão duplamente
pelo esquecimento. (E-pI.136.5:2):
a decisão da mente pela culpa, e sua projeção de culpa no mundo material de corpos separados. Movendo-se
além desses dois escudos, aparentemente impenetráveis, e ganhando acesso à memória de nosso Ser
verdadeiro – enterrada na gruta coberta pelas mortalhas do medo da mente – é uma tarefa inaudita, para dizer
o mínimo:
Pois a realidade da culpa é a ilusão que parece fazer com que ela seja pesada, opaca, impenetrável e um
fundamento real para o sistema de pensamento do ego. (T-18.IX.5:2).
Mesmo assim, sua
“Sua aparência impenetrável é totalmente ilusória” (T-18.IX.6:2),
e há sempre uma maneira de se mover para além dos muros de “granito sólido” e “sólida muralha”.
Entretanto, exige uma mudança radical, na percepção, para mover-se além da forma de seu conteúdo. Essa é a
mudança que a razão – o pensamento de mentalidade certa do Divino Espírito Santo de perdão – traz à cena:
O pecado [ou culpa] é um bloqueio colocado como um pesado portão trancado e sem chave no meio da
estrada para a paz. ... Os olhos do corpo o contemplam como granito sólido, tão espesso que seria
loucura tentar ultrapassá-lo. No entanto a razão vê através disso com facilidade, porque é um erro.
A razão te dirá que a forma do erro não é o que faz dele um equívoco. ... Os olhos do corpo vêm
apenas forma. Não conseguem ver além do que foram feitos fazer ver. ... A sua percepção é de fato
estranha, pois só conseguem ver ilusões, estão impossibilitados de olhar além do bloco de granito do
pecado e param na forma exterior do nada. ... Entretanto, como é possível que a vista que estaca diante
do nada, como se o nada fosse uma sólida muralha, veja verdadeiramente? Ela é retida pela forma,
tendo sido feita para assegurar que nenhuma outra coisa, senão a forma, seja percebida. (T-
22.III.3:2,4-5; 5:1,3-4,6,8-9).
Ao longo de todo Um Curso em Milagres não só somos ensinados que o copo, e seu mundo, são
ilusões, mas que eles servem a um propósito estratégico no sistema de pensamento de separação do ego,
desviando nossa atenção da decisão da mente em relação à culpa, dessa forma impedindo-nos de, alguma vez,
mudar nossas mentes. Quanto mais instigante seja a forma do erro – extrema dor ou prazer, pecado ou
santidade – mais atraente seu papel como defesa. Por outro lado, quando a forma é vista pelos olhos gentis de
amor de Jesus, não detém qualquer poder de ocultar o conteúdo da mente: o único e original erro de escolher
o sistema de pensamento abusivo de separação do ego
(matar ou ser morto, pois a escolha está apenas nisso – M-17.7:11, itálicos do autor)
em vez do sistema de pensamento de Expiação do Divino Espírito Santo
(E erguereis os vossos olhos na fé juntos ou absolutamente não o fareis – T-19.IV.D.12:8, itálicos do
autor).
O fato permanece, entretanto, que dada a natureza do corpo, e de nossas experiências dentro de seu
escudo, não conseguimos ganhar acesso a esse antigo erro, como lemos no Manual:
O tempo, realmente, então, retorna a um instante tão antigo que fica além de toda memória, e mais
adiante até mesmo da possibilidade de relembrar-se. (M-2.4:1)
Mesmo assim conseguimos relembrá-lo, indiretamente, pelo reconhecimento que, continuamente, repetimos
nosso erro único de escolher o ego, em vez de Deus, medo em vez de amor:
A cada dia, e em cada minuto de cada dia, e a cada instante que cada minuto detém, tu apenas revives o
único instante quando o tempo do terror assumiu [ilusoriamente] o lugar do amor. (T-26.V.13:1)
46
N.T. – O “duplo escudo do oblívio” é o que o Curso denomina de ‘véu do esquecimento’ que descerramos
sobre nós e com o qual cobrimos nossa visão santa, ao atirarmos fora o ‘conhecimento,’ passando a entender
tudo pela percepção dos 5 sentidos, a que chamo de ‘os 5 mentirosos’. Felizmente, atirar fora não é perder, e o
Curso nos relembra acima que “o que tens esquecido pode ser lembrado, se estiveres disposto...”.
PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo 143
Sendo que todos estamos incapacitados aprendendo, tendo, consistentemente, aprendido, do
professor errado, é freqüente levar um tempo drástico para deslocar nosso enraizamento no sistema de
pensamento de vitimação e acusação do ego. Enquanto nunca a Vontade do Divino Espírito Santo é escolhida,
o abuso consegue, mesmo assim, ser usado por Ele para um propósito diferente. Em outras palavras, uma vez
a mente que toma decisões haja escolhido seu roteiro, nosso gentil Professor usas isso para nos conduzir além
da dor para a paz de Deus:
O Divino Espírito Santo te leva gentilmente pela mão,e retraça contigo tua jornada insana fora de ti,
conduzindo-te gentilmente de volta à verdade e segurança interior. Ele faz retornar todas tuas insanas
projeções e tuas substituições selvagens que colocaste fora de ti pela verdade. Assim Ele reverte o curso
da insanidade e te restaura à razão. (T-18.I.8:3-5)
A escada que a separação nos conduziu para baixo
Pois mal começaste a permitir que os teus primeiros passos incertos sejam dirigidos para subir a escada
que a separação te fez descer. (T-28.III.1:2)
– “o curso da insanidade” – passa através do sistema de pensamento de mentalidade errada do abuso e termina
no mundo físico do abuso, e então nossa jornada com o Divino Espírito Santo reverte o processo à medida
que Ele nos conduz para subir os degraus da escada: o mundo, a mente errada, a mente certa, para a Mente
Única do Céu que está além da escada, inteiramente. Ele começa Seu ensinamento onde nós nos cremos estar
– no mundo abusivo de dor e sofrimento – e nos ajuda a compreender que nosso mundo perceptivo foi feito
para abrigar um desejo secreto
A percepção parece te ensinar que vês. No entanto, não faz senão testemunhar o que ensinaste. (T-
24.VII.8:8-10):
o desejo de existir como entidade separada com inocência como sua face justificada. Em outras palavras: Nós
existimos, mas alguém mais é responsável por nosso lote infortunado na vida, pelos quais nossos sofrimentos
são as testemunhas de culpa induzida. É essa necessidade de reforçar esse autoconceito de face de inocência
O que se aprende desse mundo é construído em cima de um autoconceito que é ajustado à realidade do
mundo. Ele cabe bem nele. ...
Um autoconceito é feito por ti. Ele não tem absolutamente qualquer semelhança contigo... (T-
31.V.1-2, N.T. – ler os dois parágrafos)
que nos leva a estimar nosso abuso, tão doloroso quanto seja. Esse aspecto do plano do ego nos convoca a
sofrer nas mãos de outros, mas conseguimos ver através dos motivos do ego pela tenacidade com que nos
apegamos às nossas lembranças amargas, idolatrando as cicatrizes do que foi feito a nós. Essa é como uma
passagem no Curso descreve essa insanidade perversa:
...Mas toda dor que sofres vês como prova de que ele [teu irmão abusivo] é culpado de ataque. Assim
queres fazer de ti mesmo o sinal de que ele perde a sua inocência e só precisa olhar para ti para
reconhecer que foi condenado. ...
Sempre que consentires em sofrer dor, ser destituído, ser injustamente tratado ou ter
necessidade de alguma coisa que não tens, apenas acusas o teu irmão de estar atacando o Filho de Deus.
Seguras um retrato da tua crucificação diante de seus olhos de tal modo que ele possa ver que os seus
pecados estão escritos no Céu, com o teu sangue e a tua morte e vão à frente dele, fechando a porta e
condenando-o ao inferno. (T-27.I.2:2-3; 3:1-2)
Assim todos andamos sobre essa terra com nossas lembranças do passado de ofensa e abuso,
apegado a eles, como prova de que somos inocentes, e os outros culpados de nosso sofrimento, ao ponto de
que eles sejam condenados ao inferno, enquanto nós retornamos ao Céu, como Filho inocente de Deus. E
ainda, mesmo esse ganho secundário de demonstrar nosso injusto tratamento se torna demasiado para
suportar:
A tolerância à dor pode ser alta, mas não é sem limites. Finalmente, todos começam a reconhecer,
embora de forma tênue, que tem de existir um caminho melhor. (T-2.III.3:5-6).
Esse caminho melhor é o perdão, que nos convoca a mudar o propósito de nossas vidas para mostrar
a realidade da separação, para refletir a unicidade de nossa criação. Jesus nos ensina que todas as pessoas
envolvidas em nossa vida – os bons e os maus, os abusados e os abusadores – são parte da mesma Filiação, à
qual pertencemos; de fato, à qual todos pertencemos. A forte tentação de excluir nossos abusadores é a
perfeita oportunidade de aprender que nós, apenas, excluímos a nós mesmos.
144 PAIS E FILHOS, partes I e II – K.Wapnick – Trad. M.Thereza de Barros Camargo
De tempos em tempos, cito o primeiro poema de Helen Schucman, “As Dádivas do Natal”. Os
primeiros versos desse poema são diretamente relevantes nesse tema: