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O Fator Yanomami: Quando Cristo está presente, o amor não é apenas

um discurso.

Uipirangi Franklin da Silva Câmara1

Fui criado num ambiente missionário. Brincava de ser missionário quando


criança. Muitas vezes, sozinho na sala de estar pegava meu aviãozinho de plástico e me
imaginava percorrendo ilhas distribuindo alimentos e bíblias. Disputava concursos na
EBD sobre nome de missionários, ainda com 6 e 7 anos de idade. Meu falecido Pai, foi
presidente da Junta de Missões Nacionais algumas vezes. Fui missionário a vida toda,
inclusive (Mas isso é outra história) fora do país.
Essa introdução toda não é para falar de mim e de quanto amo missões, mas
para encaminhar um grito de me escutem por favor, reflitam sobre o nosso papel,
enquanto batistas, e a tarefa que temos de nos diferenciar nesse país, neste tema
específico, nos afastando da pecha de Evangélicos (Desculpem se dói), e retomando
aquilo que sempre fomos sem “causar” mal a ninguém: Batistas.
Parte do título desse pequeno artigo tomo emprestado do clássico de Don
Richardson, “O Fator Melquisedeque”. A ideia muito forte para mim, das minhas
leituras de Richardson, era que Deus amava tanto o mundo que iria dar um jeito,
apesar de nós, de se mostrar a ele na pessoa de Cristo. Don Richardson demonstrava
isso muito bem ao longo de seus livros (Totem da Paz, Senhores da Terra). Nunca
duvidei disso. Ainda continuo acreditando assim, com pequenas modificações (Que não
vêm ao caso).

A Voz Batista é uma Voz Política ou Profética?

Estamos ainda tentando entender uma série de questões relacionadas ao nosso


comportamento nas duas últimas eleições, aos discursos adotados e às amizades
partidas (De dentro e de fora das famílias), aos amigos perdidos e aos enviados ao
duplo fogo eterno, o de nossa vingança pessoal, e ao do inferno eterno. Apesar de não
muita clareza sobre essas questões, precisamos enfrentar um tema urgente: Qual foi o
nosso entendimento, enquanto batistas, da tragédia que quase dizimou os
1
Pós Doutor em Direitos Humanos, Doutor em Ciências da Religião e Filosofo.
Yanomami do País? Confesso que não encontrei nenhuma declaração oficial sobre o
caso. Um amigo pessoal perguntou a Junta de Missões Nacionais por uma declaração
dela em relação aos Yanomami, a resposta da JMN foi direta: Não nos envolvemos em
política.
Antes de prosseguir, precisamos recordar que sempre fomos convencidos pelos
inúmeros exemplos que temos (Zacharias Campello, Francisco Collares, Beatriz Silva,
Margarida Gonçalves, Guenther e Wanda Krieger, entre outros) que não só
conhecemos a realidade indígena no Brasil, quanto contribuímos de diversas maneiras,
aqui incluindo alimentação, saúde, escolas, para o seu “desenvolvimento”. Não quero
entrar aqui no mérito de outras questões (Sumamente importantes) que já
envolveriam uma discussão antropológica, filosófica, sociológica e teológica (Entre
outras) mais profunda.
Aqui quero, ao retomar a questão posta (Nosso papel em relação a tragédia que
envolveu os Yanomami) que é, antes de qualquer coisa bíblico, teológica e não política,
como preferem alguns. Para isso, evidentemente, deveremos superar e revisar nossas
fontes de pesquisa dos últimos tempos no Brasil “sombrio”, sobretudo as Redes
Sociais, para que possamos dar uma resposta minimamente adequada sobre nossa
posição em relação à essa tragédia (Reconhecida por muitos como genocídio). Já ouvi
coisas que oscilaram em opiniões absurdas infundadas. Eis algumas delas: “eles não
eram brasileiros, sim venezuelanos”, “Muita terra pra pouco índio”, invenção de “mídia
esquerdista”, “Essa tribo nunca existiu, foi uma invenção”, enfim a lista é quase
interminável. Vamos tentar superar essa fase “5ª série”.

A angústia Yanomami

Os dados alarmantes, aliás já antigos (mas de meio século) no Brasil, apontam


para uma realidade triste no país em relação aos povos originários e, agora evidenciado
com ampla documentação. No recorte da presente reflexão, as evidencias apontam
que os Yanomami estão sendo dizimados (Continuam) por fome, desnutrição, malária,
covid, contaminação por mercúrio, falta de remédio, assistência médica, entre outras
coisas. Importante que se diga que isso não está ocorrendo por certa revolta da
natureza, mas, principalmente, por um projeto de poder econômico capitaneado pelo
Mercado Ilegal de exploração do Ouro.
Só para exemplificar, a quantidade de mercúrio adquirido de maneira ilegal no
País é surpreendente. Os índices de contaminação por mercúrio entre os Yanomamis,
em décadas, além de lhes privar o alimento principal (Rios contaminados) têm lhe
causado distúrbios neurológicos profundos e com impactos que vão desde a vida
intrauterina (má formação fetal) à vida adulta.
As questões são tão profundas que crianças e adolescentes, contaminados com
mercúrio acima do limite de segurança máximo, têm apresentado sintomas crescentes
no seu desenvolvimento neurológico: problemas de audição, visão periférica limitada,
atrofia muscular, distúrbios na aprendizagem isso para citar alguns.
E aqui, por razões metodológicas, fujo de discussões sobre as múltiplas relações
criminosas que se principiam com exploração ilegal de Ouro (Tráfico de Armas, Drogas,
Crimes Ambientais, etc.).
A angústia diária é muita mais profunda quando nos voltamos aos atores que
presenciam este estado de coisas durante anos, diga-se de passagem, e lhes
perguntamos, enquanto exercício de nos colocarmos no lugar dos Yanomami: Por que
todo esse silêncio enquanto parte de nossas crianças morrem no corpo e os que
sobrevivem estão destinados a uma morte lenta do que se pode considerar uma vida
Integral? Ora, é evidente que os atores são encontrados em todos os setores da
Sociedade Brasileira, do Poder Público às agências missionárias. Mas, pelo contexto no
qual essa reflexão vai circular, a responsabilização aqui proposta é às agências
missionárias (Com ênfase especial aos Batistas).

O Silêncio do amor, nas Palavras e nas Ações

Ora, é evidente que não é liberal ou humanista (como preferirem) a


compreensão de que o Evangelho deve presumir em sua mensagem, tanto a Liberdade
(A maiúscula é proposital) de auto constituição quanto aos direitos fundamentais
básicos que assegurem condições de pleno desenvolvimento de qualquer povo, neste
sentido, o Evangelho deve ser o primeiro garantidor de que esses direitos sejam não
apenas efetivados, mas denunciados quando assim não o forem.
Não é uma questão do Reino de César, é uma questão do Reino de Deus: “Dai-
lhe vós de comer” diz o Evangelho. Não há discussão quanto ao conteúdo. Se há fome,
doença, morte, e os Batistas estão presentes em tal ambiente ou partilham dessas
informações, ou suprem, ou denunciam. Mas calarem-se é um atentado à mensagem
de Jesus, o Cristo.
Esperamos urgentemente que a Convenção Batista Brasileira, sobretudo suas
autarquias, entre elas a Junta de Missões Nacionais, corrija esse pecado, arrependa-se
e ponha-se na estrada para fazer o que não fez. A memória dos inúmeros missionários
batistas brasileiros assim o exige. As contribuições financeiras de milhares de Igrejas
Batistas no Brasil assim o exige.
Por fim, esteja quem esteja ocupando a cadeira de César, o compromisso
Batista Brasileiro não pode ser de silencio, apatia, conivência e vergonha. Os Yanomami
esperam que o amor se transforme em vida.
A vida Yanomami está se perdendo...

Referências
BONELLI, A. Contaminação doenças e assassinatos: Meio século de garimpo na
floresta amazônica e os danos causados às Tis Mùnduruku, Yanomami, Waiãpi e
Kayapó. Brasília: Publicação Independente, 2022.

IBDFAM. Tragédia humanitária em território Yanomami: quais direitos dessas famílias


foram violados? Disponível em: < https://ibdfam.org.br/ noticias/10453/Trag%
C3%A9dia+humanit%C3%A1ria+em+territ%C3%B3rio+Yanomami
%3A+quais+direitos+dessas+fam%C3%ADlias+foram+violados%3F>. Acesso em
02/02/2023.

MARTINS SABINO, W. F.; DE ALMEIDA, V. “Pela salvação do índio brasileiro”. Faces da


História, v. 7, n. 1, p. 260-284, 27 jun. 2020.

SILVA, P. J. A inserção missionária batista para o Brasil Central a partir de 1925:


apontamentos e análises de fontes e referências. REVER. São Paulo. v. 20, n. 1.
jan/abr 2020.

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