Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO: Este artigo traz estudos preliminares de uma pesquisa em andamento que se
propõe analisar as contribuições da jogabilidade para a poética da construção das
personagens em jogos digitais. Tem-se como hipótese que a jogabilidade, elemento
estritamente ligado à interatividade dos videogames, é um aspecto fundamental para
que o jogador tenha acesso aos aspectos biopsicossociais das personagens, e
consequentemente desenvolva empatia e afetos sobre elas e o jogo em geral.
Pretende-se tomar como base a jogabilidade e o desenvolvimento narrativo das
personagens Ellie e Abby no jogo “The Last of Us Part II”, lançado em 2020 pela
Naughty Dog para PlayStation 4. O game se passa num futuro pós-apocalíptico arrasado
por uma pandemia como plano de fundo, na qual se desenrola a jornada de Ellie e Abby,
que antagonizam a história de diversos modos ao longo da ficção. Através da trama, o
jogador é imerso em um contexto onde o exercício da empatia e de “escolhas difíceis”
se faz constantemente presente.
Introdução
Desde seus primórdios, boa parte dos jogos digitais, buscaram apresentar
histórias. Juul (2019) aponta que nas primeiras gerações3 dos videogames4, devido aos
1
Mestrando em Comunicação, Mídia e Formatos Narrativos (PPGCOM/UFRB); Graduado em
Comunicação com Habilitação em Produção em Comunicação e Cultura (FACOM/UFBA),
gustavodeoliveirabrandao@gmail.com.
2
Professor do Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
(UFRB),. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura
Contemporâneas-UFBA (PósCom/UFBA) e do Programa de Mestrado em Comunicação, Mídia e
Formatos Narrativos (PPGCOM/UFRB), cardosofilho.jorge@gmail.com.
3
Na indústria e comunidade gamer, assim como para outros produtos da tecnologia da informação como
Computadores e Celulares, a delimitação de geração é utilizada para demarcar períodos. Com games, as
gerações geralmente são marcadas pelo lançamento de consoles que trazem consigo novas tecnologias e
formas de se jogar (NEWMAN, SIMONS, 2019). Desde de 2020, os videogames se encontram na 8ª
Geração com o lançamento do PlayStation 5 e dos Xbox Séries (S/X).
4
Quando fala-se de videogame enquanto hardware onde se joga, eles também são conhecidos também
como console e plataforma.
limites técnicos e gráficos da mídia da época, o acesso e compreensão das narrativas nos
jogos demandava da capacidade imaginativa do jogador, para que, através de dentro
(imagem e sons dispostos em tela) e fora (título, capa e dos manuais que vinham juntos
com os cartuchos) do game5, obtivesse uma compreensão do enredo.
Ao longo das gerações, diferentes modos de desenvolvimento das narrativas dos
jogos digitais foram delineadas, em sua maioria, sob influência de outras mídias
narrativas e audiovisuais, principalmente a literatura e o cinema, utilizando-se artifícios
como textos, imagens, sons, cutscenes6, dentre outras formas. Foi a partir da quinta
geração de videogames, com a transição dos jogos bidimensionais para os
tridimensionais, que a mídia começou a utilizar a emulação de uma câmera, que
possibilitou um maior uso de elementos da linguagem cinematográfica, a exemplo da
movimentação e expressividade de câmera, para a condução do game e
consequentemente da narrativa (BRANDÃO, 2012).
Na atualidade, o aprimoramento tecnológico aliado ao crescimento da indústria
de jogos digitais, não apenas no sentido econômico, mas também referente à
democratização dos meios de produção e conhecimento sobre a mídia, permitiram a
emergência de inúmeras possibilidades narrativas nos videogames. Dentre elas,
destaca-se os jogos cinematográficos, que não se tratam necessariamente de um gênero
de jogo digital em específico, mas de uma modalidade na qual a narrativa é um fator
preponderante e/ou central.
No caso desses jogos, há uma forte presença de cutscenes que ocupam um
tempo considerável do jogo, sendo geralmente projetadas durante “momentos-chave” da
trama. Através dessas cutscenes, os games cinematográficos, utilizam-se de aspectos da
linguagem audiovisual como planos, montagem, iluminação, fotografia e atuações
(realizadas através da captura de movimento e dublagem) para o desenvolvimento da
história, aproximando-se da linguagem audiovisual, sobretudo da estrutura do cinema
clássico hollywoodiano (BORDWELL,2005), e também da literatura, do teatro, e outras
artes narrativas balizadas pelos os preceitos discutidos na Poética de Aristóteles (2011).
5
Em relação aos jogos digitais, será utilizado suas traduções para o inglês, games e videogames como
sinônimos.
6
Cutscene, também conhecida por cinemáticas, é uma sequência de cenas dentro de um jogo, no qual o
jogador não tem controle sobre a sequência.
O entendimento sobre a poética Poética que baliza este artigo é sustentado pelas
acepções de Valéry (2011), onde o autor a compreende como os afetos que determinadas
obras causam sobre a recepção sobre. Essa dimensão na contemporaneidade, é influente
no trabalho de autores como Yuri Lotman, Roman Jakobson, Umberto Eco, Roland
Barthes, Susan Sontag, Janet Murray, Wilson Gomes, Arlindo Machado, dentre outros.
Eles irão se ater à recepção do público perante às artes, dentre elas o cinema, histórias
em quadrinhos, o romance moderno, as fotografias, as telenovelas, os seriados e as
mídias digitais. Sobre esta última, os autores que a discutem, se atém às especificidades
das suas características imersivas e de interação, que segundo Murray (2003), dão uma
tonalidade diferenciada aos seus alcances poéticos. Nos videogames os processos
imersivos são agenciados através da jogabilidade, também conhecido por gameplay.
Dito isso, considera-se duas hipóteses iniciais em relação às contribuições da
jogabilidade no processo de construção da poética das personagens. A primeira é que
ela pode operar como um elemento simbólico, auxiliando o jogador a compreender as
nuances dos personagens, fazendo com que o jogador, consequentemente, interaja com
os eventos que constituem as subjetividades das personagens. Com isso, acredita-se que
ao entender os motivos em torno do cansaço, tristeza, alegria, medo, raiva, o jogador
possa desenvolver uma relação empática sobre eles e afetiva em relação ao jogo. Não
obstante, a segunda hipótese é que a jogabilidade seja auxiliar para a construção de
personagens em qualquer tipo de jogo digital, operando e contribuindo de diferentes
formas, de acordo com a natureza ou gênero que determinado game pertence.
7
Jogos de terror focados em sobrevivência.
8
Fonte: GOMES, Bruno. ‘The Last of Us Part II’ já superou 7 milhões de unidades vendidas, aponta site.
OVÍCIO, 15 de dez. de 2020. Disponível em:
https://ovicio.com.br/the-last-of-us-part-ii-ja-superou-7-milhoes-de-unidades-vendidas-aponta-site/.
Acesso em: 13 de set. de 2021.
9
Fonte: MONTEIRO, Rafael. The Last of Us 2, jogo mais premiado da história, alcança novo marco.
TECHTUDO, 18 de mai. de 2021. Disponível em:
https://www.techtudo.com.br/noticias/2021/05/the-last-of-us-2-jogo-mais-premiado-da-historia-alcanca-n
ovo-marco.ghtml. Acesso em 13 de set. de 2021.
humanidade foi assolada por uma pandemia, causada pela mutação do fungo
cordyceps10. Na história, o fungo infecta e atua diretamente no cérebro das pessoas,
deixando-as extremamente violentas e com perda de consciência até que se tornam uma
espécie de “zumbi fungo”, que atravessam vários estágios da contaminação.
A narrativa principal do jogo se situa vinte anos após o início dessa pandemia,
onde acompanha-se Joel, um homem que perdeu sua filha no início da crise sanitária, e
desde então vive como mercenário trabalhando junto de sua parceira Tess. Em
determinado momento, Tess recruta Joel para um trabalho que consiste em proteger e
escoltar uma menina de treze anos, a mesma idade da filha falecida de Joel, chamada
Ellie, para um hospital controlado pelos Vaga-Lumes, uma espécie de grupo paramilitar
revolucionário, que tenta revitalizar a humanidade aos moldes próximos do que era
antes.
No meio do caminho Tess acaba sendo infectada e conta a Joel que Ellie pode
ser a cura para a doença causada pelo fungo, uma vez que ela foi infectada pelo vírus e
continuou assintomática. A trama, então, se segue à peregrinação de Joel e Ellie, se
defendendo dos infectados e também dos humanos hostis que encontram,
desenvolvendo, assim, uma relação afetiva em sua jornada até chegarem ao hospital dos
Vaga-Lumes em Salt Lake City. Quando chegam ao local, Joel descobre que para o
desenvolvimento de um antídoto da infecção causada pelo fungo, Ellie precisa ser
sacrificada. Ao saber disso, ele resolve tirá-la do hospital, atacando e matando os
membros do Vaga-Lumes, inclusive a líder do grupo, Marlene. Após isso, o jogo
termina com Joel fugindo com Ellie, sem que esta fique a par dos acontecimentos.11
A sequência, The Last of Us Part II, se passa cinco anos após o primeiro jogo e
acompanha os desdobramentos dos eventos citados na vida de Joel e Ellie, que
passaram a viver em um acampamento de sobreviventes comandado por Maria, que é
companheira de Tommy, irmão de Joel. Lá, Joel e Ellie levam uma vida relativamente
10
Os cordyceps são uma espécie de fungo que infecta seres vivos, como insetos e plantas. (Fonte:
BARANUIK, Chris. Os zumbis da natureza que superam as histórias de ficção científica. BBC NEWS
BRASIL, 17 de jun. 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/vert-earth-40206590. Acesso
em 13 de set. de 2021.
11
A expansão The Last of Us Left Behind por sua vez é focada na personagem Ellie, mostrando sua vida
um pouco antes de ser infectada pelo vírus e também de conhecer Joel. A trama aborda questões da
subjetividade de Ellie como a relação com sua primeira namorada, Riley Abel, que foi infectada junto a
Ellie, porém não sobrevive.
tranquila, guardada as devidas proporções do mundo em que vivem, até que são
surpreendidos com uma emboscada, onde Joel é imobilizado pelo grupo paramilitar
conhecido por Frente de Libertação de Washington (WLF, ou Wolves) e, em seguida, é
assassinado na frente de Ellie por uma de suas integrantes, uma mulher chamada Abby.
O WLF perseguiu e encontrou Joel com o intuito de matá-lo. Ellie, então, sai do abrigo
em busca de vingança acompanhada por Dina, sua namorada, para a base do WLF em
Seattle, em busca de Abby e dos demais paramilitares.
Em um dos pontos de virada do jogo, a personagem Abby passa a ser
controlada, ocasião na qual se descobre que a mesma assassinou Joel como uma
vingança em nome do seu pai, morto pelo mercenário nos eventos que marcam o final
do primeiro jogo. O pai de Abby era o chefe da equipe responsável pelos estudos do
tratamento da infecção, da qual Ellie poderia ser a cura. Ao controlar Abby, passa-se
acompanhar a sua trajetória, marcada pelos eventos que antecedem e sucedem o
assassinato de seu pai, a vingança contra Joel e também a caçada de Ellie à sua procura.
Assim como o primeiro título, The Last of Us Part II, conta uma narrativa
cinematográfica extremamente rebuscada, tanto no que tange a tecnologia por trás do
seu desenvolvimento gráfico como também em relação ao rigor narrativo, que traz à
tona complexa trama composta por várias nuances. Um dos aspectos interessantes da
construção da narrativa do game diz respeito ao fato dele seguir uma narrativa
não-linear na medida em que as jornadas de Ellie e Abby se alternam em diferentes
períodos. O mote principal da trama está focado nas vinganças e suas consequências,
um tema bastante recorrente nas narrativas desde os primórdios como Campbell (1989)
discute, podendo ser notada desde Édipo-Rei de Sófocles a Bacurau de Juliano
Dornelles e Kleber Mendonça Filho. Em The Last of Us Part II, o jogador tem acesso
aos dois pontos de vistas distintos que envolvem a vingança.
Para entender melhor algumas proposições que se pretende-se chegar com a
pesquisa, elucida-se alguns conceitos basilares para a proposta. Segundo Perty (2016),
os estudos dos jogos digitais, conhecido por game studies, é uma área epistêmica
interdisciplinar. A interação entre diversas disciplinas proporciona aos estudos sobre
jogos digitais um leque diverso de campos do conhecimento, que o analisa, o investiga
e o aprimora com base nas especificidades e metodologias de cada disciplina,na qual os
jogos digitais são estudados. Com isso, no fim da década de 90 e início da década de
2000, foi traçado um debate em relação à natureza do game studies, conhecido como o
debate dos “ludologistas versus narratologistas”.
De acordo com Gomes (2008), nesse debate se encontravam, de um lado, um
grupo de pesquisadores que se autodeclararam “ludologistas”, formado por nomes como
Jesper Juul, Espen Aarseth e Gonzalo Frasca, e, do outro lado, os pesquisadores Janet
Murray, Brenda Laurel, Henry Jenkins e outros, chamados de “narratologistas”, por
estudarem os jogos digitais, investigando principalmente suas especificidades e
potenciais narrativos.
Os ludologistas defendem um:
estudo dos videogames como disciplina autônoma, a “ludologia”, livre de
qualquer “colonização” por disciplinas já estabelecidas, cujos objetos são
formas reconhecidamente “elevadas” de arte e cultura, como a literatura, o
teatro ou (...) o cinema. Para os ludologistas, toda a questão narrativa
revolvendo o universo dos videogames é, além de franco absurdo, uma
impostura de acadêmicos advindos dessas áreas, em busca de legitimação
para o game e, portanto, para suas próprias pesquisas – como se apenas a
promessa de que os videogames irão gerar novas formas narrativas pudesse
fazer deles um formato digno de nota, justificando seu estudo perante
empedernidos departamentos de cinema e literatura. (GOMES, 2008,p. 30)
Gomes (2008) refuta a posição dos ludologistas e defende que os jogos digitais
devem ser pensados não como um objeto que tem em si apenas a natureza lúdica ou
narrativa, e sim os dois ao mesmo tempo, ou seja, é necessário entendê-lo por essas
duas óticas, para que seja possível tecer investigações sobre os jogos digitais enquanto
objeto. Parte-se, então, do posicionamento defendido pela autora, considerando
discuti-los tanto sobre os teóricos que debruçam sobre as noções do lúdico como
também teóricos da narrativa, fazendo-se às devidas aproximações.
Por este caminho, considera-se importante se debruçar sobre as noções de jogo
para além dos digitais e, nesse sentido, evocar o pensamento desenvolvido por
Huizinga (2000) é fundamental . Para o autor, o jogo é:
uma atividade livre, conscientemente tomada como "não-séria" e exterior à
vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira
intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse
material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de
limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas
regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se
de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por
meio de disfarces ou outros meios semelhantes. (HUIZINGA, 2000,p. 17)
Ele ainda acrescenta a essa noção a ideia de círculo mágico, que diz respeito ao
processo imersivo que os jogadores experienciam quando estão jogando uma partida em
um determinado jogo e tem que “viver” as regras e configurações daquele círculo a
partida. Apesar das discussões do autor serem em muitos aspectos superadas,
principalmente em relação ao jogo como uma uma atividade banal e fora da vida real,
Huizinga (2000) traz pistas cruciais para o desenvolvimento dos game studies.
Influenciado pelo entendimento desse teórico e de outros autores de diversos
campos de estudo, Juul (2019) propõe uma noção sobre jogos, a qual ele define como
jogos clássicos. Para Juul os jogos são:
Um sistema baseado em regras com um resultado quantificável e variável, no
qual a diferentes resultados são designados diferentes valores, o jogador
exerce esforço para influenciar o resultado, o jogador se sente
emocionalmente conectado ao resultado e as consequências das atividades
são negociáveis. (JUUL, 2019. p. 45)
Segundo o autor, essa noção trata-se de noção clássica pois pode ser designada
para vários tipos de jogos de diferentes modalidades e épocas distintas, contudo, o autor
ressalta que no fim do século XX e início do século XXI, alguns jogos, principalmente
os digitais, vêm deixando mais nebulosa os limites abarcados por essa noção clássica, o
que pode ser percebido nos jogos cinematográficos.
Assim, Juul (2019) apresenta uma noção para se pensar sobretudo os jogos
contemporâneos com os digitais, definindo que eles são atividades baseadas em regras
reais que são postas em práticas através da jogabilidade dentro de um mundo ficcional.
Portanto, as regras do jogo são os limites que o jogador pode ou não interagir com o
ambiente para alcançar um determinado objetivo, que vai desde ganhar uma partida de
futebol até se vingar da morte do pai de consideração como no caso de The Last of Us
Part II. Sendo assim, a jogabilidade se refere às formas e possibilidades que o jogador
tem de controlar e/ou interagir com o ambiente, neste caso mover para frente e para trás,
usar armas, se esconder dos inimigos etc.
Os mundos ficcionais são figurados nas narrativas da ficção. Podem ser
pensados tanto sob a luz da noção de círculo mágico apresentada por Huizinga, como
pela contribuição de Eco (1994), que nomeia os mundos por bosques da ficção e aponta
que neles
temos de assinar um acordo ficcional com o autor e estar dispostos a aceitar,
por exemplo, que o lobo fala; mas, quando o lobo come a Chapeuzinho
Vermelho, pensamos que ela morreu (e essa convicção é vital para o
extraordinário prazer que o leitor experimenta com a sua ressurreição).
Imaginamos o lobo peludo e com orelhas pontudas, mais ou menos como os
lobos que encontramos nos bosques de verdade, e achamos muito natural que
Chapeuzinho Vermelho se comporte como uma menina e sua mãe como uma
adulta preocupada e responsável. (ECO,1994, p.87)
Em relação aos jogos digitais, o passeio pelo bosque é guiado pelo próprio
jogador que, diante das regras, acessa o mundo ficcional através da jogabilidade. E,
nesse mundo, é importante se ater sobre um dos aspectos fundamentais dos jogos
digitais, a interatividade. Para pensar a interatividade, utilizará as noções apresentadas
por Machado (2002) e Murray (2003) que discutem esses conceitos em relação às
narrativas digitais em geral.
Murray (2003) destaca que os conceitos de imersão e interatividade não são
pertencentes apenas às mídias digitais, pois estão presentes na literatura, no cinema e
entre outros conteúdos, sejam artísticos ou não. Apesar disso, de acordo com a autora, é
nos meios digitais que o processo de imersão ganha uma concretude através do controle
que o jogador tem sobre o avatar no game. Essa relação é compreendida como processo
de agência, que se refere à "capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver
os resultados de nossas decisões e escolhas” (MURRAY, 2003, p.127). Não obstante, a
agência não está somente associada aos jogos digitais, mas a qualquer aparelho digital
que disponha de uma interface, a exemplo de celulares, softwares e caixas eletrônicos.
Acerca do agenciamento sob o viés dos jogos digitais, Machado (2002) aponta
que
No vídeo game, a intervenção do interator é uma exigência do sistema e sem
ela não há acontecimento possível, enquanto nas narrativas, digamos assim,
“passivas”, o espectador ou leitor deve deixar os eventos seguirem seu rumo
predeterminado e toda ação que se requer deles está restrita apenas ao plano
psicológico ou mental (interpretação, identificação com as personagens etc.)
(MACHADO, 2020.p.2)
Figura 1 - Personagens de The Last of Us Part II: Ellie (a esquerda) e Abby (a direita).
A jogabilidade da forma como é construída em consonância com a narrativa
proposta nos faz ter empatia com as duas personagens, trabalha com as vulnerabilidades
das duas através dos limites de suas jogabilidades. Sendo a vulnerabilidade de Ellie
mais focada em seus aspectos físicos e na situação em que se encontra com sua
namorada Dina, enquanto a de Abby, há uma predominância de vulnerabilidade sobre
questões psicológicas, uma vez que a personagem se usa da força física como escape
para seus sentimentos.
Acredita-se que a jogabilidade é um elemento simbólico e indissociável de
outros elementos narrativos de um game, uma vez que ela apresenta uma possibilidade
de fruição e contato elementos da história que conformam a narrativa. Ressalta-se que
as conclusões aqui são introdutórias. As análises apresentadas são esboços hipotéticos
daquilo se propõe como aspectos poéticos da jogabilidade. Há aspectos do jogo e
também conceitos ainda que serão abordados e outros melhor elucidados. Acredita-se
que as hipóteses levantadas, apresentam pistas sugestivas que servem não apenas para
torcer um olhar sobre The Last of Us Part II, como também para outros games.
REFERÊNCIAS
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2000.
JUUL, Jesper. Half-real: entre regras reais e mundos ficcionais. São Paulo: Blucher
Editorial, 2019.
PETRY, Luís Carlos. O conceito ontológico de jogo. In: ALVES, Lynn; COUTINHO,
Jesus. Jogos digitais e aprendizagem: Fundamentos para uma prática baseada em
evidências. Campinas: Papirus, 2016, p. 17-42.
VALÉRY, Paul. Primeira aula do Curso de Poética. In: Variedades. São Paulo:
Iluminuras, 2011.
VILLAÇA, Pablo. The Last of Us (Game). Portal Cinema em Cena, 4 de mai. de 2015.
Disponível em: https://cinemaemcena.com.br/critica/filme/8534/the-last-of-us-game.
Acesso em 10 de ago. de 2021.