Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Campus de Arapiraca
Curso de Matemática Licenciatura
Equicotinuidade e o teorema de
Arzelá-Ascoli
UFAL - Arapiraca
Junho de 2016
Janiely Maria da Silva
Equicontinuidade e o teorema de
Arzelá-Ascoli
UFAL - Arapiraca
Junho de 2016
Dedico aos meus pais, Gilson e Givaneide,
e as minhas irmãs, Janaína e Janeide.
Agradecimentos
Agradeço primeiro a Deus, pela força, coragem e persistência que me deu para eu
conseguisse alcançar este objetivo.
Agradeço aos meus pais, Gilson e Givaneide, por todo apoio, pela educação que me
deram, pelos conselhos e, principalmente, por permitirem que eu tentasse.
Agradeço as minhas irmãs, Janaína e Janeide, por estarem sempre ao meu lado me
incentivando e apoiando minhas escolhas.
Agradeço a minha amiga de infância Suyara, pela sua amizade, pelas palavras de
incentivo e pelos bons conselhos. Agradeço também a sua família, sua mãe Edna, seu pai
César e seus irmãos Suellen e Júnior, por me acolherem em sua casa durante o período
que estudei o 9o ano.
Agradeço ao professor Ornan Filipe, por me aceitar como orientanda, por me incentivar
a fazer mestrado e pelos ensinamentos. Obrigada mestre, aprendi muito com o senhor.
Agradeço aos professores Rinaldo e Fábio Boia por aceitarem participar da banca
examinadora. Em especial, o professor Boia pelas orientações com os trabalhos do PIBID.
Agradeço também a todos os outros professores que tive ao longo desses anos de
estudos. Sem vocês eu não teria conseguido chegar até aqui.
Agradeço ao PIBID a ajuda financeira durante o período do curso e a oportunidade
de desenvolver projetos voltados para a educação.
Agradeço aos colegas das outras turmas. Especialmente os que participaram do PIBID
e do grupo de análise real comigo: Vanessa Murici, Priscila e Jaíme, Linda (Lindinês),
Fernando e Robério. Um agradecimento especial a Linda e ao Fernando, pelo incentivo,
pelas resenhas, por estudarem análise comigo e pela ajuda com o Latex e com o TCC.
Não poderia deixar de agradecer aos amigos da minha turma, da turma de matemática
2011.1. Quero agradecer: a amizade, o companheirismo, as noites de estudos, as viagens,
os passeios, as resenhas e os conselhos. Aprendi muito com cada um de vocês. Obrigada
por tudo, a amizade de vocês é muito importante para mim.
Um agradecimento especial a Ediene e sua família, pela hospitalidade durante o pe-
ríodo dos estágios, seu marido José Marques (neném) que muitas vezes me deu carona
para casa e as suas filhas Thammires e Juliana por me considerarem como uma irmã.
Vocês são minha outra família.
Sou grata a todos!
O meu ou o seu caminho
Não são muito diferentes,
Tem espinho, pedra e buraco
Pra mode atrasar a gente.
Não desanime por nada
Pois até uma topada
Empurra você pra frente!
- Bráulio Bessa
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo apresentar as condições necessárias para a exis-
tência de subsequência convergente em sequências de funções reais. Estas condições são
fornecidas pelo teorema de Arzelá-Ascoli, resultado que se destaca na matemática pela
sua aplicabilidade. Para obter a demonstração do referido teorema, fizemos o estudo de
diversos conceitos matemáticos, tais como: sequências numéricas, conjuntos compactos,
funções contínuas, sequências de funções reais, convergência simples e uniforme e equicon-
tinuidade. Estes conceitos, juntamente com a demonstração do teorema de Arzelá-Ascoli,
estão divididos em três capítulos e, embora alguns deles possam ser generalizados para
espaços métricos, todos foram desenvolvidos no conjunto dos números reais.
vi
Abstract
This study aims to present the necessary conditions for the existence of convergent sub-
sequence in real functions sequences. These conditions are provided by Arzela-Ascoli the-
orem, a result that stands out in mathematics for its applicability. For the proof of that
theorem, we study various mathematical concepts, such as numerical sequences, compact
sets, continuous functions, functions of real sequences, simple and uniform convergence
and Equicontinuity. These concepts, along with the demonstration of Arzela-Ascoli the-
orem, are divided into three chapters and, although some of them can be generalized to
metric spaces, all were developed in the set of real numbers.
vii
Sumário
Introdução 12
1 Noções básicas 13
1.1 Sequências de números reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.2 Topologia da reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.2.1 Conjunto aberto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.2.2 Conjunto fechado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.2.3 Conjunto compacto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.3 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Conclusão 46
Referências Bibliográficas 47
viii
12
Introdução
A análise real é um ramo da matemática que lida com os conceitos introduzidos pelo
cálculo diferencial e integral, tendo surgido justamente da necessidade de prover formula-
ções rigorosas e precisas para certas ideias até então intuitivas do cálculo.
Nesse contexto, muitos teoremas se destacam na análise por possuírem várias apli-
cações importantes, e dentre eles está o teorema de Arzelá-Ascoli, cujo objetivo é in-
vestigar as condições necessárias para que uma sequência de funções reais admita uma
subsequência convergente. O referido teorema tem diversas aplicações na análise real,
análise funcional e áreas afins, como por exemplo na teoria das Equações Diferenciais
Ordinárias.
Quando estudamos o conceito de sequência de números reais, nos deparamos com o teo-
rema de Bolzano-Weierstrass que garante que toda sequência limitada possui subsequência
convergente. Deste modo, ao estudarmos sequências de funções reais nos perguntamos
se acontece a mesma coisa. Ou seja, poderemos fazer uso da limitação de um conjunto
E de funções para garantir que uma sequência (fn ) de termos em E possui subsequência
convergente? Caso não possa, será que existe alguma hipótese que garante tal resultado?
Estes e outros questionamentos, acerca de sequências de funções, serão esclarecidos neste
trabalho.
O texto está dividido em três capítulos. O primeiro trata dos conceitos básicos, neces-
sários para a compreensão do restante do trabalho, no qual são abordadas noções como:
sequências numéricas, topologia da reta e continuidade. A fim de não tornamos o capí-
tulo muito extenso, optamos por não demonstrar a maioria dos resultados. Caso tenha
interesse, o leitor pode prová-los como exercicío. No capítulo 2 apresentamos o conceito
de sequências de funções reais, no qual damos ênfase aos dois tipos de convergências mais
comuns, a convergência simples e a convergência uniforme. E finalmente, no capítulo 3 é
apresentada a noção de equicontinuidade, o teorema de Arzelá-Ascoli e uma aplicação em
um resultado muito importante na teoria das equações diferenciais ordinárias, o teorema
de Peano.
Visando uma melhor compreensão dos resultados presentes neste trabalho, principal-
mente o conceito de equicontinuidade e o teorema de Arzelá-Ascoli, procuramos nos basear
em autores como: Bartle(1967), Figueiredo(2013), Lima(2013) e Rudin(1976).
Vale ressaltar que, embora exista uma versão generalizada do teorema de Arzelá-Ascoli
para espaços métricos, todos os resultados que serão apresentados neste trabalho foram
desenvolvidos no conjunto dos números reais.
1
Noções básicas
Quando existe a > 0 tal que |xn | ≤ a, para todo n ∈ N, diz-se que (xn ) é uma
sequência limitada.
Uma sequência (xn ) é monótona não-decrescente quando xn ≤ xn+1 , para todo n ∈ N
ou não-crescente quando xn ≥ xn+1 , para todo n ∈ N. Quando ocorrer xn < xn+1 ou
xn+1 < xn , para todo n ∈ N, diz-se que (xn ) é crescente ou decrescente, respectivamente.
Observe que toda sequência não-decrescente é limitada inferiormente pelo seu primeiro
termo e toda sequência não-crescente é limitada superiormente pelo seu primeiro termo.
Definição 1.2. Um número real a é limite de uma sequência (xn ), e escreve-se a = lim xn
ou xn → a, quando, para todo número real ε > 0 dado arbitrariamente, pode-se obter
n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ |xn − a| < ε.
1.1. Sequências de números reais 14
Quando existe o limite de uma sequência, diz-se que esta sequência é convergente, caso
contrário é dita divergente.
As sequências convergentes têm algumas propriedades importantes, como veremos nos
teoremas a seguir, apresentados sem demonstração.
Teorema 1.2. Se uma sequência (xn ) converge para o número a, então toda subsequência
de (xn ) converge para a.
Isto é útil quando queremos mostrar que uma sequência diverge, bastando encontrar
duas subsequências dela convergindo para limites diferentes.
Definição 1.3. Diz-se que (xn ) é uma sequência de Cauchy quando, para todo ε > 0
existe n0 ∈ N tal que m, n > n0 ⇒ |xm − xn | < ε.
Outra forma de garantir a convergência de uma sequência é mostrando que ela é uma
sequência de Cauchy. Na verdade, vale um resultado mais forte.
O teorema a seguir apresenta algumas operações que podem ser realizadas com limites
de sequências.
Destacamos aqui um detalhe importante sobre este último teorema: só podemos fazer
uso destas operações quando existem os limites das sequências em questão.
A seguir demonstraremos um dos resultados mais relevantes desta seção, o teorema
de Bolzano-Weierstrass, que é a versão do teorema de Arzelá-Ascoli para sequências de
números reais. Para isto, faremos uso da definição de termo destacado de uma sequência,
a qual diz o seguinte: um termo xd de uma sequência (xn ) é um termo destacado se
xd ≥ xn , para todo n > d, com d, n ∈ N.
Demonstração. Seja (xn ) uma sequência limitada. Observe que toda subsequência
de (xn ) também é limitada. Então, para provarmos o teorema, basta mostrar que (xn )
admite uma subsequência monótona.
Considere D o conjunto dos índices dos termos destacados de (xn ). Então, há duas
possibilidades a considerar: ou D é finito ou D é infinito. Se D for infinito, isto é,
D = {n1 < n2 < ... < nk < ...}, então xn1 ≥ xn2 ≥ ... ≥ xnk ≥ ... é uma subsequência
monótona (não-crescente) de (xn ). Considere agora D finito. Seja k ∈ N tal que k > n,
para todo n ∈ D. Então k ∈ / D, isto é, xk não é um termo destacado. Daí, existe
xn1 ∈ (xn ) tal que xn1 > xk . Por sua vez, xn1 não é destacado, então existe xn2 ∈ (xn ),
com n2 > n1 , tal que xn2 > xn1 . Prosseguindo assim, construiremos uma subsequência
xn1 < xn2 < ... < xnk monótona (crescente) de (xn ). Ou seja, nos dois casos (xn ) possui
subsequência monótona. Logo pelo Teorema 1.4 esta subsequência converge.
Observação 1.1. O Teorema 1.9 não é válido se (yn ) for ilimitada. Por exemplo, se
considerarmos xn = n1 e yn = n temos que lim xn = 0 e (yn ) é ilimitada superiormente,
mas lim(xn · yn ) = 1.
Com o Teorema 1.9 garantimos que a sequência do Exemplo 1.3 converge para 0, pois
lim n1 = 0 e a sequência ((−1)n )n∈N é limitada.
Teorema 1.10.
(i) Se A1 e A2 são abertos então A1 ∩ A2 é aberto;
S
(ii) Se (Aλ )λ∈L é uma família arbitrária de abertos então A = λ∈L Aλ é um conjunto
aberto.
O item (i) deste teorema garante via indução que a interseção de um número finito de
conjuntos abertos é um conjunto aberto. Mas será que ainda vale para uma quantidade
infinita? A reposta é não. Considere, por exemplo, os conjuntos An = ( −1
n n
, 1 ), com n ∈ N.
Cada conjunto An é aberto, mas a interseção deles é o conjunto {0}, o qual não é aberto.
Teorema 1.13. Todo conjunto infinito limitado de números reais possui pelo menos um
ponto de acumulação.
Observe que o Teorema 1.13 é uma versão do teorema de Bolzano-Weierstrass em
termos de ponto de acumulação.
Definição 1.7. Sejam D ⊂ R e X ⊂ R tais que D ⊂ X. Quando X ⊂ D diz-se que D é
denso em X.
Assim, D é denso em X se, e somente se, há pontos de D em todo intervalo (x−ε, x+ε),
com x ∈ X.
Exemplo 1.5. Temos que Q é denso em R, pois R ⊂ Q.
Dizer que um conjunto não é aberto, não significa necessariamente que ele seja fechado.
Existem conjuntos que não são nem abertos e nem fechados, como é o caso dos conjuntos
X = (1, 2] e Y = [5, 9)∪(9, 10). E existem conjuntos que são abertos e fechados ao mesmo
tempo, como é o caso do conjunto R dos números reais e o conjunto vazio ∅, na verdade
estes são os únicos conjuntos que são fechados e abertos ao mesmo tempo.
Em geral o resultado que temos é que se o conjunto é fechado (respectivamente aberto),
então seu complementar é um conjunto aberto (respectivamente fechado).
Teorema 1.15. Um conjunto é fechado se, e somente se, seu complementar é aberto.
No Teorema 1.10 vimos que a interseção de um número finito de conjuntos abertos é um
conjunto aberto. Além disso, a reunião de uma família arbitrária de conjuntos abertos
é um conjunto aberto. Porém, no caso dos conjuntos fechados acontece exatamente o
contrário.
Teorema 1.16.
(i) Se F1 e F2 são conjuntos fechados então F1 ∪ F2 é um conjunto fechado.
Este teorema é muito útil. Faremos uso dele em muitas demonstrações de resultados
posteriores.
Agora, observe o seguinte: A interseção dos conjuntos fechados não vazios
Fn = [n, +∞), é vazia. A mesma coisa acontece com os conjuntos Ln = (0, n1 ), que
formam uma sequência decrescente de conjuntos limitados não vazios. Mas, se os conjun-
tos forem fechados e limitados, como é o caso dos conjuntos Xn = [ −1 , 1 ], temos que a
n n
interseção destes conjuntos nunca é vazia, neste caso a interseção é o conjunto {0}. Isto
acontece porque os conjuntos são compactos, como veremos no próximo teorema.
Teorema 1.18. Seja K1 ⊃ K2 ⊃ ... ⊃ Kn ⊃ ... uma sequência decrescente de conjuntos
compactos não-vazios.
T Então, existe (pelo menos) um número real que pertence a todos
os Kn , ou seja, Kn 6= ∅.
Demonstração. Para cada n ∈ N, definamos uma sequência (xn ) escolhendo um ponto
xn ∈ Kn . Os termos desta sequência pertencem todos ao compacto K1 . Então, pelo
Teorema 1.17, (xn ) possui uma subsequência (xnk )k∈N que converge para um ponto a ∈ K1 .
Dado qualquer n ∈ N, temos que xnk ∈ Kn sempre que nk > n. Como Kn é compacto,
segue-se que a ∈ Kn . Isto prova o teorema.
1.3. Continuidade 19
Em geral isto não é válido, ou seja, se um conjunto possui uma cobertura aberta isto
não significa que ela admite subcobertura finita. Por exemplo, a coleção Cn = ( n1 , 3) é
uma cobertura aberta do conjunto X = (0, 2], mas não admite subcobertura finita, pois
toda reunião finita de intervalos ( n1 , 3) é igual àquele de maior índice. Entretanto, se o
conjunto for compacto, veremos no próximo teorema que, sempre poderemos extrair uma
subcobertura finita de uma cobertura aberta deste conjunto.
Teorema 1.19 (Borel-Lebesgue). Seja K ⊂ R compacto. Então toda cobertura aberta de
K possui uma subcobertura finita.
A recíproca do Teorema 1.19 é válida. Como veremos a seguir.
Teorema 1.20 (Recíproca do Borel-Lebesgue). Se toda cobertura aberta de um conjunto
K ⊂ R possui subcobertura finita, então K é compacto.
Como havíamos mencionado, esta parte do teorema é a definição geral para conjuntos
compactos. Não faremos uso dela neste trabalho, mas é interessante que o leitor tenha
conhecimento caso queira estudar conjuntos compactos em espaços topológicos quaisquer.
1.3 Continuidade
Em análise, a maioria das funções estudadas são funções contínuas. Isto acontece
porque as funções com esta propriedade fornecem resultados positivos. Deste modo, é
imprescindível para nosso objetivo definirmos o conceito de continuidade, pois faremos
uso dele, praticamente, em todo o texto.
Definição 1.11. Uma função f : X → R é contínua (ou simplesmente contínua) no ponto
a ∈ X quando, dado arbitrariamente ε > 0, existe um δ > 0 tal que x ∈ X e |x − a| < δ
implicam |f (x) − f (a)| < ε.
Uma função é contínua, quando é contínua em todos os pontos de X.
Exemplo 1.9. As funções f, g : R → R definidas por f (x) = x e g(x) = a, com a ∈ R,
são exemplos simples de funções contínuas.
Uma outra maneira de definir função contínua é por meio da definição de limite de
funções. Para isto, recordaremos tal definição.
Definição 1.12. Considere a função f : X → R, com X ⊂ R. Diz-se que o número real
L é limite de f (x) quando x tende a a se, dado ε > 0 arbitrário, existe δ > 0 tal que
x ∈ X e 0 < |x − a| < δ implicam |f (x) − L| < ε. Escreve-se limx→a f (x) = L.
1.3. Continuidade 20
Assim, dizer que uma função f é contínua no ponto a, equivale a dizer que
limx→a f (x) = f (a). Porém, é importante observar que na definição de limite o ponto
a não precisa pertencer ao domínio da função, já na definição de continuidade observamos
que para questionarmos se uma dada função é contínua no ponto a, precisamos tomar o
cuidado de verificar se este ponto pertence ao seu domínio.
O teorema a seguir decorre de imediato da Definição 1.12.
(1) f ± g : X → R;
(2) f · g : X → R;
f
(3) : X → R, desde que seja g(a) 6= 0;
g
(4) |f | : X → R.
Na Definição 1.11, nem sempre para dado ε > 0 é possível encontrar δ > 0 que sirva
para todos os pontos de x ∈ X, mesmo f sendo contínua em todos os pontos de X.
Quando isto ocorre dizemos que esta função é uniformemente contínua.
Exemplo 1.12. Seja f : R+ → R, definida por f (x) = x1 . Temos que f é uma função
contínua, mas não é uniformemente. Com efeito, dado 0 < ε < 1, temos que para qualquer
δ > 0, podemos encontrar um n ∈ N, com n > 1δ . Então, pondo x = n1 e y = 2n 1
segue-se
1 1 −1
que |y − x| = | 2n − n | = | 2n | < δ, mas |f (y) − f (x)| = 2n − n = n ≥ 1 > ε.
Teorema 1.22. Sejam f, g : X → R contínuas no ponto a ∈ X, com f (a) < g(a). Existe
δ > 0 tal que f (x) < g(x) para todo x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).
1.3. Continuidade 21
O teorema que demonstraremos a seguir no diz que se uma função definida num
intervalo fechado é contínua, então esta função não pode assumir valores em dois pontos
do seu domínio sem assumir valores em todos os pontos intermediários.
Demonstração. Seja X = {x ∈ [a, b]; f (x) < d}. Como a ∈ X, pois f (a) < d, segue-se
que X é não vazio. Afirmamos que X não possui maior elemento. De fato, seja y ∈ X.
Então f (y) < d. Como y 6= b temos que y < b. Tomemos ε = d − f (y). Como f é
contínua em y, existe δ > 0 tal que para todo x ∈ [y, y + δ) ∩ [a, b] temos, pelo Teorema
1.22, f (x) < d. Daí, todos os pontos do intervalo [y, y +δ) pertecem a X. Considere agora
c = sup X (podemos pois X é limitado). Como c é limite de uma sequência de pontos
xn ∈ X e f é contínua em c temos que f (c) = lim f (xn ) ≤ d. Note que c não pertence a
X, pois X não tem maior elemento, então não vale f (c) < d, ou seja, f (c) = d.
Exemplo 1.13. A função f : [−1, 1] → R dada por f (x) = −1, se x ∈ [−1, 0) e f (x) = 1,
se x ∈ [0, 1] não é contínua, pois não satisfaz o Teorema 1.23.
Estes dois últimos teoremas são úteis quando queremos examinar a descontinuidade
simples ou uniforme de uma função f : X → R. Por exemplo, no caso da continuidade
uniforme, basta encontrar duas sequências (xn ) e (yn ) em X tais que lim(yn − xn ) = 0
mas lim[f (yn ) − f (xn )] seja diferente de zero ou não exista.
Percebamos que com os Teoremas 1.24 e 1.25 podemos chegar de forma mais rápida
ao resultado que obtivemos nos Exemplos 1.11 e 1.12.
Terminaremos esta seção apresentando algumas propriedades importantes sobre fun-
ções contínuas definidas em um conjunto compacto.
O Corolário 1.2 nos diz que toda função contínua definida num conjunto K compacto
é limitada, ou seja, existe c > 0 tal que |f (x)| ≤ c, para todo x ∈ K.
Observemos o quão importante foi a hipótese do conjunto ser compacto. Se ele não o
fosse, estes resultados, em geral, não seriam válidos. Vejamos isto nos próximos exemplos.
Exemplo 1.14. Seja f : (0, 1] → R definida por f (x) = x1 , para todo x ∈ (0, 1]. Note
que f é contínua e está definida em um intervalo limitado, mas f ((0, 1]) = [1, +∞) é um
intervalo ilimitado.
Exemplo 1.15. A função g : [−1, 0] ∪ (1, 2] → [0, 4] definida por f (x) = x2 é bijetiva
√
e contínua, mas sua inversa h : [0, 4] → [−1, 0] ∪ (1, 2], dada por h(y) = − y, se y ∈
√
[0, 1] e h(y) = y, se y ∈ (1, 4], não é contínua no ponto 1, pois limy→1− h(y) = −1 e
limy→1+ h(y) = 1.
Exemplo 1.16. As funções dos Exemplos 1.11 e 1.12 não são uniformemente contínuas
porque os conjuntos nos quais estão definidas não são compactos.
As sequências de funções reais, objeto de estudo deste capítulo, exercem uma função
importante em análise e áreas afins. Alguns problemas importantes na matemática visam
determinar funções que satisfazem a certas condições dadas, por exemplo, problemas que
envolvem sistema de equações diferenciais, principalmente àquelas com valor inicial, isto
é, os chamados PVI. Uma das maneiras de abordar tais problemas consiste em obter
funções que satisfazem as condições apenas aproximadamente. Então a função-limite é
uma solução exata para o problema. Isto nos dá uma primeira ideia, como um exemplo
motivacional, sobre a importância do estudo da noção de limites de sequências de funções.
Antes de apresentarmos tal conceito, faremos de início uma rápida exposição sobre as
noções de derivadas e integral de Darboux.
2.1.1 Derivadas
Definição 2.1. Sejam a ∈ X 0 ∩ X e f : X → R. Diz-se que f é derivável no ponto a
quando existe e é finito o limite limx→a q(x), onde
f (x) − f (a)
q(x) = .
x−a
A função f é derivável, quando é derivável em todos os pontos de X. Representa-se
a derivada de f no ponto a por f 0 (a). Assim, se f é derivável no ponto a temos que
f 0 (a) = limx→a q(x).
Quando f : X → R é derivável, uma nova função f 0 : X ∩ X 0 → R é definida, chamada
a derivada de f . Se f 0 é contínua diz-se que f é uma função de classe C 1 , e representa-se
por f ∈ C 1 .
Como a derivada está definida em termos de limites, podemos caracterizar as derivadas
laterais. Assim, dizemos que f é derivável à direita no ponto a, e representamos por
2.1. Derivadas e a Integral de Darboux 25
f+0 (a), quando existe e é finito o limx→a+ q(x). De maneira análoga se define a derivada à
esquerda. Podemos então concluir que f é derivável no ponto a se existem e são iguais os
limites laterais de q(x) no ponto a.
Com base nestas informações, demonstraremos agora alguns resultados relevantes so-
bre derivadas.
Teorema 2.1. Uma função é contínua nos pontos em que é derivável.
Demonstração. Sejam a ∈ X ∩ X 0 e f : X → R derivável em a. Vamos mostrar que
limx→a f (x) = f (a). De fato, se x = a não há o que mostrar. Suponhamos x 6= a, como
limx→a (x − a) = 0 e limx→a f (x)−f
x−a
(a)
= f 0 (a), segue-se que
f (x) − f (a)
lim f (x) − f (a) = lim (x − a) = 0.
x→a x→a x−a
Portanto, f é contínua no ponto a.
Teorema 2.2. Seja f : X → R derivável à direita no ponto a ∈ X ∩ X+0 . Se f+0 (a) > 0,
então existe δ > 0 tal que x ∈ X ∩ (a, a + δ) ⇒ f (a) < f (x).
Demonstração. Considere h(x) = g(x) − f (x). Então h0 (x) = 0 para todo x ∈ intI.
Dados x, y ∈ I quaisquer, temos que h é contínua em [x, y] e derivável em (x, y). Então,
pelo Teorema 2.4, existe z ∈ (x, y) tal que h0 (z)(y − x) = h(y) − h(x). Como h0 (z) = 0
temos que h(x) = h(y), ou seja, h é constante. Então existe c ∈ R tal que h(x) = c para
todo x ∈ I.
Assim,
n
X n
X
S(f, P ) − s(f, P ) = (Mi − mi )(ti − ti−1 ) = ωi (ti − ti−1 ).
i=1 i=1
Além disso, se m é o ínfimo e M é o supremo de f em [a, b] para toda partição P de [a, b],
segue-se que
m(b − a) ≤ s(f, P ) ≤ S(f, P ) ≤ M (b − a).
Teorema 2.5. Seja f : [a, b] → R. Quando se refina uma partição, a soma inferior não
diminui e a soma superior não aumenta.
Podemos ainda garantir que toda soma inferior de f é menor do que ou igual a qualquer
soma superior, para quaisquer partições P e Q de [a, b]. Para mostrar isto, basta considerar
a partição P ∪ Q de [a, b]. Como P ∪ Q refina P e Q, pelo Teorema 2.5, temos
Dada uma partição P de [a, b], vamos representar os conjuntos das somas inferiores e
superiores de f em relação a P , respectivamente por
Dizemos assim que f é integrável quando a integral inferior e a integral superior forem
iguais. Ou equivalentemente, quando sup A = inf B.
Por convenção adotaremos que
Z a Z b Z a
f (x)dx = 0 e f (x)dx = − f (x)dx.
a a b
O teorema a seguir nos fornece uma condição que garante a integrabilidade de uma função.
Teorema 2.6. Seja f : [a, b] → R limitada. Se, para todo ε > 0Pexistir uma partição
P = {a = t0 < ... < tn = b} de [a, b] tal que S(f, P ) − s(f, P ) = ni=1 ωi (ti − ti−1 ) < ε
então f é integrável.
Demonstração. Sejam A o conjunto das somas inferiores e B o conjunto das somas
superiores de f . Tem-se que s ≤ S para toda s ∈ A e para toda S ∈ B. Vamos mostrar
que sup A = inf B. Note que toda s ∈ A é cota superior de B, então sup A ≤ S. Por sua
vez, sup A é cota inferior de B. Daí sup A ≤ inf B. Se ocorrer sup A < inf B, tomando
ε = inf B − sup A temos que ε > 0 e S − s ≥ ε para quaiquer s ∈ A e S ∈ B. Isto prova
o teorema.
Daí,
x0 +h
F (x0 + h) − F (x0 )
Z
1
− f (x0 ) = [f (t) − f (x0 )]dt.
h h x0
Definição 2.3. Uma sequência de funções reais é uma função que associa a cada número
natural n ∈ N uma função fn , definida em X e tomando valores reais, denotada por
fn : X → R.
Pela semelhança nas definições somos tentados a concluir que os resultados das sequên-
cias de números reais são preservados nas sequências de funções reais. No entanto, veremos
ao longo desta seção que isto, de maneira geral, não é verdade.
A primeira diferença é em relação à noção de limite. Diferentemente das sequências
numéricas que possuem uma única noção de limite, as sequências de funções possuem
diversas noções distintas. Neste trabalho abordaremos as duas principais noções para
limites de funções reais a saber, a convergência simples e a convergência uniforme. Tais
ferramentas são de extrema importância na matemática aplicada e também na matemática
abstrata avançada.
Observemos que quando x ∈ [0, 1) foi fixado a sequência de funções (fn ) se reduziu
a uma sequência numérica. Isto acontece porque estamos analisando a convergência de
(fn ) ponto a ponto.
2.2. Sequências de funções reais 30
sen(nx)
Figura 2.5: Gráficos das funções fn (x) = n
.
Exemplo 2.7. A sequência do Exemplo 2.3 não converge uniformemente para a função
identicamente nula. De fato, dado ε = 1 para todo n0 ∈ N existem n ∈ N e x ∈ R tais
que |gn (x) − g(x)| = | nx | > 1. Ou seja, nenhuma função gn tem seu gráfico totalmente
contido em uma faixa de raio ε em torno da função identicamente nula.
Demonstração. Suponha que (fn ) convirja uniformemente para f . Então, para todo
ε > 0 existe n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < 2ε , para todo x ∈ X. Assim,
m, n > n0 implicam
existe n0 ∈ N tal que m, n > n0 ⇒ |fm (x) − fn (x)| < ε, para todo x ∈ X. Fixemos n e
x nesta desigualdade e façamos m → ∞, então n > n0 ⇒ |f (x) − fn (x)| ≤ ε para todo
x ∈ X. Isto prova que fn → f uniformemente.
Com este teorema podemos dar outra explicação do motivo pelo qual a sequência do
Exemplo 2.2 não converge uniformemente. Isto acontece porque ela não é de Cauchy.
A convergência uniforme fornece resultados importantes sobre a função-limite da
sequência. No teorema a seguir apresentamos uma delas, referente à continuidade.
Demonstração. Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < 3ε
para todo x ∈ X, pois (fn ) converge uniformemente para f . Fixando n > n0 , como fn é
contínua no ponto a, existe δ > 0 tal que x ∈ X e 0 < |x − a| < δ ⇒ |fn (x) − fn (a)| < 3ε .
Além disso, (fn ) converge simplesmente para f , então n > n0 ⇒ |fn (a) − f (a)| < 3ε .
Assim,
Notemos que se uma sequência de funções contínuas converge para uma função f
descontínua esta convergência não pode ser uniforme. É o caso da sequência do Exemplo
2.1. Além disso, mesmo que uma sequência de funções contínuas convirja para uma função
contínua, esta convergência pode ainda não ser uniforme, veja os Exemplos 2.2 e 2.3. De
todo modo, a descontinuidade da função limite é útil para garantirmos que a convergência
de uma sequência de funções contínuas não pode ser uniforme. Entretanto, mostraremos
em seguida um resultado que fornece as hipóteses necessárias para garantir a convergência
uniforme de uma sequência de funções contínuas. Para tal precisamos definir convergência
monotônica.
Demonstração. Dado ε > 0, considere Xn = {x ∈ X; |fn (x) − f (x)| ≥ ε}, para cada
n ∈ N. Como fn e f são contínuas temos que Xn é fechado. De fato, se a ∈ Xn então
existe xn ∈ Xn tal que lim xn = a. Seja g(x) = |fn (x) − f (x)|. Temos que g é uma função
contínua. Daí, lim g(xn ) = g(a). Como xn ∈ Xn segue-se que g(xn ) = |fn (xn ) − f (a)| ≥ ε.
Assim, lim xn = a ⇒ g(a) ≥ ε, ou seja, a ∈ Xn . Além disso, cada Xn é um subcon-
junto de X, logo é limitado. Então, Xn é compacto. A monotonicidade da convergência
2.2. Sequências de funções reais 34
T
implica X1 ⊃, ..., ⊃ Xn ⊃, .... Mas Xn = ∅, pois x ∈ Xn para todo n ∈ N impli-
caria |fn (x) − f (x)| ≥ ε, o que seria um absurdo, já que limn→∞ fn (x) = f (x). As-
sim, algum Xn0 , e consequentemente todo Xn , com n > n0 é vazio. Isto significa que
n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < ε, para todo x ∈ X. Portanto a convergência é uniforme.
Este teorema nos diz que convergência simples implica convergência uniforme desde
que as funções da sequência sejam contínuas, estejam definidas num conjunto compacto,
a convergência simples seja monótônica e a função-limite seja contínua.
No Teorema 2.10 vimos uma propriedade importante em relação a função-limite de
uma sequência de funções contínuas. Além desta, a convergência uniforme nos fornece
outras relevantes em relação às derivadas e integrais, como veremos nos teoremas a seguir.
Teorema 2.12. Seja fn : [a, b] → R uma sequência de funções integráveis. Se
fn : [a, b] → R converge uniformemente para f : [a, b] → R, então f é integrável e
Rb Rb
a
f (x)dx = lim a fn (x)dx.
Demonstração. Dado ε > 0, da convergência uniforme da (fn ), existe n0 ∈ N tal que
ε
n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < 4(b−a) . Fixemos m > n0 . Como fm é integrável, existe
uma partição P de [a, b] tal que, indicando com ωi e ωi0P as oscilações de f e fm em cada
subintervalo [ti−1 , ti ] de P , respectivamente, temos que ωi0 (ti − ti−1 ) < 2ε . Assim,
Rb Rb
Assim, limn→∞ a
fn (x)dx = a
f (x)dx.
R R
Resumidamente, o Teorema 2.12 nos diz que lim fn = lim fn , desde que cada fn
seja integrável e (fn ) convirja uniformemente.
Diferente do Teorema 2.12, para garantirmos que (lim fn )0 = lim fn0 , em vez de su-
pormos que (fn ) converge uniformemente, precisamos da hipótese de que a sequência das
derivadas de fn convirja uniformemente. Vejamos.
Teorema 2.13. Seja (fn ) uma sequência de funções de classe C 1 no intervalo [a, b]. Se
(fn (c))n∈N converge para algum c ∈ [a, b] e as derivadas fn0 convergem uniformemente em
[a, b] para uma função g, então (fn ) converge uniformemente para uma função f , de classe
C 1 , tal que f 0 = g.
Exemplo 2.8. Consideremos a sequência do Exemplo 2.1. Note que |fn (x)| = |xn | ≤ 1
para todo x ∈ [0, 1] e para todo n ∈ N. Logo, (fn ) é limitada. Além disso, vimos que
fn → f simplesmente, onde f : [0, 1] → R é definida por f (x) = 0 se x ∈ [0, 1) e f (1) = 1.
2.2. Sequências de funções reais 36
Exemplo 2.9. Seja E um conjunto cujos termos são as funções da sequência do Exemplo
2.2. Note que cada fn toma valores num conjunto limitado, pois 0 ≤ fn (x) ≤ 41 para todo
x ∈ [0, 1] e todo n ∈ N, mas (fn ) não possui subsequência uniformemente convergente. De
fato, se existisse uma subsequência de (fn ) convergindo uniformemente, tal subsequência
deveria convergir uniformemente para a função identicamente nula, o que é impossível,
pois cada fn assume o valor 14 em algum ponto do intervalo [0, 1].
Equicontinuidade e o teorema de
Arzelá-Ascoli
3.1 Equicontinuidade
Nesta seção vamos apresentar o conceito de equicontinuidade. A partir dele, buscare-
mos resultados para demonstrar o teorema de Arzelá-Ascoli.
Definição 3.1. Diz-se que um conjunto E de funções f : X → R, todas com o mesmo
domínio X ⊂ R, é equicontínuo num ponto x0 ∈ X quando, dado um número ε > 0
arbitrário, existe um δ > 0 tal que x ∈ X e |x − x0 | < δ implicam |f (x) − f (x0 )| < ε para
qualquer f ∈ E.
Assim, dizer que E não é equicontínuo no ponto x0 ∈ X significa dizer que existe
ε > 0 tal que, para todo δ > 0 existem x ∈ X e f ∈ E tais que |x − x0 | < δ mas
|f (x) − f (x0 )| ≥ ε.
Um conjunto E de funções f : X → R é dito equicontínuo quando é equicontínuo em
todos os pontos de X.
Percebamos que se E é um conjunto equicontínuo então todas as funções f ∈ E são
contínuas. Além disso, um fato importante da definição é que o número δ escolhido a
partir do ε é o mesmo para todas as funções f .
Exemplo 3.1. Observemos que se E é formado por uma única função f : X → R, a qual
é contínua em X, então E é um conjunto equicontínuo.
Teorema 3.1. Um conjunto E formado por uma sequência de funções contínuas unifor-
memente convergente é um conjunto equicontínuo.
|fn (x) − fn (x0 )| = |fn (x) − f (x) + f (x) − f (x0 ) + f (x0 ) − fn (x0 )|
≤ |fn (x) − f (x)| + |f (x) − f (x0 )| + |f (x0 ) − fn (x0 )|
ε ε ε
< + + = ε,
3 3 3
para todo n ∈ N. Logo, E é equicontínuo no ponto x0 ∈ X. Como x0 foi tomado arbitra-
riamente segue-se que E é equicontínuo em X.
Com o Teorema 3.1 podemos, de maneira mais simples, exibir exemplos de conjuntos
equicontínuos.
Exemplo 3.4. O conjunto F cujos termos são as funções da sequência do Exemplo 2.4 é
equicontínuo.
Como x foi tomado arbitrariamente, para cada x ∈ [0, 1], f (x) = lim fn (x) = x, ou seja,
fn → f simplesmente. Mostraremos agora que fn → f uniformemente em [0, 1]. De fato,
dado ε > 0 escolha n0 > 1ε . Então
x2 1
|fn (x) − f (x)| = ≤ <ε
n n
Isto significa que o δ escolhido a partir do ε, além de ser o mesmo para toda f ∈ E, é
o mesmo para todos os pontos de X.
Exemplo 3.8. Considere agora o conjunto F , cujos termos são funções contínuas
f : I → R no intervalo I e tais que existe c > 0 tal que |f (x)| ≤ c, para toda f ∈ F e
todo x R∈ I. Deste modo, o conjunto E formado pelas funções g : I → R, definidas por
x
g(x) = a f (t)dt é uniformemente equicontínuo. De fato, pelo Teorema 2.8 temos que g é
uma primitiva de f , ou seja, g 0 (x) = f (x), para todo x ∈ I. Então, |g 0 (x)| = |f (x)| ≤ c,
para toda g ∈ E e todo x ∈ I. Decorre do Exemplo 3.7, que E é uniformemente equicon-
tínuo.
Com este resultado, podemos garantir que os conjuntos dos Exemplos 3.5 e 3.6 são
uniformemente equicontínuos.
3.1. Equicontinuidade 41
Definição 3.3. Diz-se que uma sequência de funções (fn ) é equicontínua no ponto x0 ∈ X
quando o conjunto E = {f1 , f2 , ..., fn , ...} é equicontínuo neste ponto. E é dita equicontí-
nua em X, quando for equicontínua em todos os pontos x0 ∈ X.
Deste modo, as sequências dos Exemplos 3.4, 3.5 e 3.6 são equicontínuas.
Assim como a continuidade simples, a equicontinidade é uma propriedade local. Então,
uma sequência fn : X → R de funções contínuas é equicontínua desde que cada ponto
x0 ∈ X seja centro de um intervalo I tal que (fn ) convirja uniformemente em I ∩ X. Com
esta informação podemos garantir que a sequência do próximo exemplo é equicontínua.
Todos os termos de uma sequência equicontínua são funções contínuas, porém ressal-
tamos que nem toda sequência formada por funções contínuas é equicontínua. É o caso
da sequência do Exemplo 3.3.
Foi visto no capítulo anterior que, em geral, convergência simples não implica conver-
gência uniforme. Para isto é necessário algumas hipóteses adicionais, como foi mostrado
no Teorema 2.11. Existe porém, uma outra situação em que se pode garantir tal implica-
ção. Veremos isto no próximo teorema.
|fm (x) − fn (x)| = |fm (x) − fm (di ) + fm (di ) − fn (di ) + fn (di ) − fn (x)|
≤ |fm (x) − fm (di )| + |fm (di ) − fn (di )| + |fn (di ) − fn (x)|
ε ε ε
< + +
3 3 3
= ε.
Portanto (fn ) é uma sequência de Cauchy e, pelo Teorema 2.9, converge uniformemente
em K.
Observação 3.2. É importante destacarmos (caso não tenha ficado claro para o lei-
tor) que nas duas últimas desigualdades acima, usamos a Desigualdade de Bernoulli e a
Propriedade Arquimediana.
Exemplo 3.13. Consideremos novamente a sequência do Exemplo 2.3. Temos que (gn )
é equicontínua e simplesmente limitada, porém não possui subsequência uniformente con-
vergente. De fato, se (gn ) possuísse subsequência uniformemente convergente, tal sub-
sequência deveria convergir uniformemente para a função identicamente nula, o que é um
absurdo.
pois se assim não fosse existiria, para cada n ∈ N, uma função fn ∈ E tal que |fn (x)| > n.
Donde concluiríamos que nenhuma subsequência de (fn ) seria uniformemente limitada, o
que contradiz a hipótese, em virtude do Exemplo 3.12.
Teorema 3.6 (Peano). Sejam (x0 , y0 ) ∈ R2 , a, b > 0 e K = [x0 −a, x0 +a]×[y0 −b, y0 +b].
Se f : K → R é uma função contínua, então existe c, com 0 < c ≤ a, tal que a equação
diferencial y 0 = f (x, y) tem solução, definida em [x0 − c, x0 + c] e passando pelo ponto
(x0 , y0 ).
Note que se x ∈ Ir , então yn (x) está definida em termos de yn (t), para t ∈ I1 ∪ ... ∪ Ir−1 .
Portanto, yn está bem definida. Além disso, afirmamos que o conjunto E = {yn ; n ∈ N}
é simplesmente limitado e equicontínuo em I0 . De fato, temos que
Z x− nc Z x− nc
|yn (x)| = y0 + f (t, yn (t))dt ≤ |y0 | + f (t, yn (t))dt
x0 x0
Z x− nc Z x− nc
≤ |y0 | + |f (t, yn (t))|dt ≤ |y0 | + M dt
x0 x0
c
≤ |y0 | + x − − x0 M ≤ |y0 | + cM = L > 0,
n
para todo x ∈ [x0 , x0 + c]. Portanto, E é limitado. Além disso, dado ε > 0 considere
δ = Mε . Daí x, z ∈ I0 e |x − z| < δ implicam
3.2. O teorema de Arzelá-Ascoli 45
Z x− nc Z z− nc
|yn (x) − yn (z)| = y0 + f (t, yn (t))dt − y0 − f (t, yn (t))dt
x0 x0
Z x− nc Z x0
= f (t, yn (t))dt + f (t, yn (t))dt
x0 z− nc
Z x− nc
= f (t, yn (t))dt
z− nc
Z x− nc
≤ |f (t, yn (t))|dt
z− nc
Mε
≤ M |x − z| < M δ = =ε
M
para todo n ∈ N, ou seja, E é equicontínuo. Então, pelo teorema de Arzelá-Ascoli, (yn )
possui uma subsequência (ynk )k∈N que converge uniformemente em I0 . Definamos
para todo x ∈ I0 . Vamos mostrar que u é solução de y 0 = f (x, y). Por definição temos
que
Z x− c
nk
ynk = y0 + f (t, ynk (t))dt
x0
Z x Z x− nc
k
= y0 + f (t, ynk (t))dt + f (t, ynk (t))dt
x0 x
Perceba que
Z x Z x Z x Z x
lim f (t, ynk (t))dt = lim f (t, ynk (t))dt = f (t, lim ynk (t)) = f (t, u(t))dt
x0 x0 x0 x0
Como u(x0 ) = y0 e, pelo Teorema 2.8 temos que u0 (x) = f (t, u(t)), segue-se que u é
solução de y 0 = f (x, y).
Observação 3.3. Embora a função f não esteja definida em R, observemos que os re-
sultados que foram utilizados na demonstração do teorema de Peano, não fugiram dos
resultados expostos neste trabalho.
Conclusão
BARTLE, R. G. The elements of real analysis. 2. ed. New York: John-Wiley & Sons,
1967.
LIMA, E. L. Análise real, vol. 1. 12. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2013.
LIMA, E. L. Curso de análise, vol. 1. 14. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2013.
47