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Universidade Federal de Alagoas

Campus de Arapiraca
Curso de Matemática Licenciatura

Equicotinuidade e o teorema de
Arzelá-Ascoli

Janiely Maria da Silva

UFAL - Arapiraca
Junho de 2016
Janiely Maria da Silva

Equicontinuidade e o teorema de
Arzelá-Ascoli

Trabalho de conclusão de curso apresentado


ao corpo docente do Curso de Matemática
Licenciatura da Universidade Federal de Ala-
goas - UFAL, Campus de Arapiraca, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciada em Matemática.

Orientador: Prof. Me. Ornan Filipe de Araújo Oliveira

UFAL - Arapiraca
Junho de 2016
Dedico aos meus pais, Gilson e Givaneide,
e as minhas irmãs, Janaína e Janeide.
Agradecimentos

Agradeço primeiro a Deus, pela força, coragem e persistência que me deu para eu
conseguisse alcançar este objetivo.
Agradeço aos meus pais, Gilson e Givaneide, por todo apoio, pela educação que me
deram, pelos conselhos e, principalmente, por permitirem que eu tentasse.
Agradeço as minhas irmãs, Janaína e Janeide, por estarem sempre ao meu lado me
incentivando e apoiando minhas escolhas.
Agradeço a minha amiga de infância Suyara, pela sua amizade, pelas palavras de
incentivo e pelos bons conselhos. Agradeço também a sua família, sua mãe Edna, seu pai
César e seus irmãos Suellen e Júnior, por me acolherem em sua casa durante o período
que estudei o 9o ano.
Agradeço ao professor Ornan Filipe, por me aceitar como orientanda, por me incentivar
a fazer mestrado e pelos ensinamentos. Obrigada mestre, aprendi muito com o senhor.
Agradeço aos professores Rinaldo e Fábio Boia por aceitarem participar da banca
examinadora. Em especial, o professor Boia pelas orientações com os trabalhos do PIBID.
Agradeço também a todos os outros professores que tive ao longo desses anos de
estudos. Sem vocês eu não teria conseguido chegar até aqui.
Agradeço ao PIBID a ajuda financeira durante o período do curso e a oportunidade
de desenvolver projetos voltados para a educação.
Agradeço aos colegas das outras turmas. Especialmente os que participaram do PIBID
e do grupo de análise real comigo: Vanessa Murici, Priscila e Jaíme, Linda (Lindinês),
Fernando e Robério. Um agradecimento especial a Linda e ao Fernando, pelo incentivo,
pelas resenhas, por estudarem análise comigo e pela ajuda com o Latex e com o TCC.
Não poderia deixar de agradecer aos amigos da minha turma, da turma de matemática
2011.1. Quero agradecer: a amizade, o companheirismo, as noites de estudos, as viagens,
os passeios, as resenhas e os conselhos. Aprendi muito com cada um de vocês. Obrigada
por tudo, a amizade de vocês é muito importante para mim.
Um agradecimento especial a Ediene e sua família, pela hospitalidade durante o pe-
ríodo dos estágios, seu marido José Marques (neném) que muitas vezes me deu carona
para casa e as suas filhas Thammires e Juliana por me considerarem como uma irmã.
Vocês são minha outra família.
Sou grata a todos!
O meu ou o seu caminho
Não são muito diferentes,
Tem espinho, pedra e buraco
Pra mode atrasar a gente.
Não desanime por nada
Pois até uma topada
Empurra você pra frente!

- Bráulio Bessa
Resumo

O presente trabalho tem por objetivo apresentar as condições necessárias para a exis-
tência de subsequência convergente em sequências de funções reais. Estas condições são
fornecidas pelo teorema de Arzelá-Ascoli, resultado que se destaca na matemática pela
sua aplicabilidade. Para obter a demonstração do referido teorema, fizemos o estudo de
diversos conceitos matemáticos, tais como: sequências numéricas, conjuntos compactos,
funções contínuas, sequências de funções reais, convergência simples e uniforme e equicon-
tinuidade. Estes conceitos, juntamente com a demonstração do teorema de Arzelá-Ascoli,
estão divididos em três capítulos e, embora alguns deles possam ser generalizados para
espaços métricos, todos foram desenvolvidos no conjunto dos números reais.

Palavras-chave: Sequências. Equicontinuidade. Teorema de Arzelá-Ascoli.

vi
Abstract

This study aims to present the necessary conditions for the existence of convergent sub-
sequence in real functions sequences. These conditions are provided by Arzela-Ascoli the-
orem, a result that stands out in mathematics for its applicability. For the proof of that
theorem, we study various mathematical concepts, such as numerical sequences, compact
sets, continuous functions, functions of real sequences, simple and uniform convergence
and Equicontinuity. These concepts, along with the demonstration of Arzela-Ascoli the-
orem, are divided into three chapters and, although some of them can be generalized to
metric spaces, all were developed in the set of real numbers.

Key words: Sequences. Equicontinuity. Arzelà-Ascoli theorem.

vii
Sumário

Introdução 12

1 Noções básicas 13
1.1 Sequências de números reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.2 Topologia da reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.2.1 Conjunto aberto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.2.2 Conjunto fechado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.2.3 Conjunto compacto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.3 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2 Sequências de funções reais 24


2.1 Derivadas e a Integral de Darboux . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.1.1 Derivadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.1.2 Integral de Darboux . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.2 Sequências de funções reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

3 Equicontinuidade e o teorema de Arzelá-Ascoli 37


3.1 Equicontinuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.2 O teorema de Arzelá-Ascoli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

Conclusão 46

Referências Bibliográficas 47

viii
12

Introdução

A análise real é um ramo da matemática que lida com os conceitos introduzidos pelo
cálculo diferencial e integral, tendo surgido justamente da necessidade de prover formula-
ções rigorosas e precisas para certas ideias até então intuitivas do cálculo.
Nesse contexto, muitos teoremas se destacam na análise por possuírem várias apli-
cações importantes, e dentre eles está o teorema de Arzelá-Ascoli, cujo objetivo é in-
vestigar as condições necessárias para que uma sequência de funções reais admita uma
subsequência convergente. O referido teorema tem diversas aplicações na análise real,
análise funcional e áreas afins, como por exemplo na teoria das Equações Diferenciais
Ordinárias.
Quando estudamos o conceito de sequência de números reais, nos deparamos com o teo-
rema de Bolzano-Weierstrass que garante que toda sequência limitada possui subsequência
convergente. Deste modo, ao estudarmos sequências de funções reais nos perguntamos
se acontece a mesma coisa. Ou seja, poderemos fazer uso da limitação de um conjunto
E de funções para garantir que uma sequência (fn ) de termos em E possui subsequência
convergente? Caso não possa, será que existe alguma hipótese que garante tal resultado?
Estes e outros questionamentos, acerca de sequências de funções, serão esclarecidos neste
trabalho.
O texto está dividido em três capítulos. O primeiro trata dos conceitos básicos, neces-
sários para a compreensão do restante do trabalho, no qual são abordadas noções como:
sequências numéricas, topologia da reta e continuidade. A fim de não tornamos o capí-
tulo muito extenso, optamos por não demonstrar a maioria dos resultados. Caso tenha
interesse, o leitor pode prová-los como exercicío. No capítulo 2 apresentamos o conceito
de sequências de funções reais, no qual damos ênfase aos dois tipos de convergências mais
comuns, a convergência simples e a convergência uniforme. E finalmente, no capítulo 3 é
apresentada a noção de equicontinuidade, o teorema de Arzelá-Ascoli e uma aplicação em
um resultado muito importante na teoria das equações diferenciais ordinárias, o teorema
de Peano.
Visando uma melhor compreensão dos resultados presentes neste trabalho, principal-
mente o conceito de equicontinuidade e o teorema de Arzelá-Ascoli, procuramos nos basear
em autores como: Bartle(1967), Figueiredo(2013), Lima(2013) e Rudin(1976).
Vale ressaltar que, embora exista uma versão generalizada do teorema de Arzelá-Ascoli
para espaços métricos, todos os resultados que serão apresentados neste trabalho foram
desenvolvidos no conjunto dos números reais.
1

Noções básicas

Este capítulo é dedicado a resultados preliminares de análise real que servirão de


base para um melhor entendimento do restante do trabalho. Abordaremos noções como:
sequências de números reais, topologia da reta e continuidade. São conteúdos vistos
na graduação, por isso nos limitaremos apenas aos resultados principais e não demons-
traremos todos, para mais detalhes sugerimos (LIMA. Curso de análise, vol.1. 2013),
(LIMA. Análise real vol.1. 2013) ou (FIGUEIREDO, 2013).

1.1 Sequências de números reais


Nesta seção vamos expor o conceito de sequência numérica. Nosso objetivo é apresentar
a ideia de limite sob sua forma mais simples, o limite de uma sequência. Veremos ao longo
do trabalho que muitos resultados importantes são apresentados em termos de limite de
uma sequência.
Definição 1.1. Diz-se sequência de números reais a toda função x : N → R , que associa
a cada número natural n um múmero real xn , chamado o n-ésimo termo da sequência.
É comum representar uma sequência, cujo n-ésimo termo é xn , escrevendo (x1 , ..., xn , ...),
ou (xn )n∈N , ou simplesmente (xn ). Neste trabalho, faremos uso das duas últimas notações.
Exemplo 1.1. São exemplos de sequências: xn = 2n, yn = 2n − 1 e zn = 1. 

Uma subsequência de (xn ) é uma restrição de (xn ) a um subconjunto infinito


N0 = {n1 < n2 < ... < nk < ...} de N. Representa-se por (xnk )nk ∈N0 ou (xnk )k∈N .
Exemplo 1.2. As sequências (xn ) e (yn ) definidas como no Exemplo 1.1, são subsequên-
cias de (n)n∈N . 

Quando existe a > 0 tal que |xn | ≤ a, para todo n ∈ N, diz-se que (xn ) é uma
sequência limitada.
Uma sequência (xn ) é monótona não-decrescente quando xn ≤ xn+1 , para todo n ∈ N
ou não-crescente quando xn ≥ xn+1 , para todo n ∈ N. Quando ocorrer xn < xn+1 ou
xn+1 < xn , para todo n ∈ N, diz-se que (xn ) é crescente ou decrescente, respectivamente.
Observe que toda sequência não-decrescente é limitada inferiormente pelo seu primeiro
termo e toda sequência não-crescente é limitada superiormente pelo seu primeiro termo.
Definição 1.2. Um número real a é limite de uma sequência (xn ), e escreve-se a = lim xn
ou xn → a, quando, para todo número real ε > 0 dado arbitrariamente, pode-se obter
n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ |xn − a| < ε.
1.1. Sequências de números reais 14

Quando existe o limite de uma sequência, diz-se que esta sequência é convergente, caso
contrário é dita divergente.
As sequências convergentes têm algumas propriedades importantes, como veremos nos
teoremas a seguir, apresentados sem demonstração.

Teorema 1.1. O limite de uma sequência, quando existe, é único.

Teorema 1.2. Se uma sequência (xn ) converge para o número a, então toda subsequência
de (xn ) converge para a.

Isto é útil quando queremos mostrar que uma sequência diverge, bastando encontrar
duas subsequências dela convergindo para limites diferentes.

Teorema 1.3. Toda sequência convergente é limitada.

É importante ressaltarmos que a recíproca do Teorema 1.3 não é válida. Podemos


considerar a sequência ((−1)n )n∈N como um exemplo que ilustra tal afirmação. Note que
esta sequência é limitada, mas não converge, pois possui duas subsequências convergindo
para limites distintos. O único resultado que podemos garantir é que se (xn ) é ilimitada,
então diverge. Entretanto, se a sequência for limitada e monótona, então ela converge,
como veremos no teorema a seguir.

Teorema 1.4. Toda sequência monótona e limitada é convergente.

O Teorema 1.4 fornece as condições suficientes para garantir a convergência de uma


sequência numérica. Perceba que se mostrarmos primeiro que a sequência é monótona,
ela será limitada em um dos seus extremos, restando apenas encontrar um limitante para
o outro, e assim garantirmos a convergência.
A recíproca do Teorema 1.4 também não é válida, ou seja, se (xn ) é convergente não
podemos garantir que (xn ) seja monótona. Garantimos apenas sua limitação.
n
Exemplo 1.3. A sequência xn = (−1) n
é convergente, o Teorema 1.9 a seguir garantirá
que esta sequência converge para 0, mas não é monótona. 

Definição 1.3. Diz-se que (xn ) é uma sequência de Cauchy quando, para todo ε > 0
existe n0 ∈ N tal que m, n > n0 ⇒ |xm − xn | < ε.

Outra forma de garantir a convergência de uma sequência é mostrando que ela é uma
sequência de Cauchy. Na verdade, vale um resultado mais forte.

Teorema 1.5. Uma sequência é de Cauchy se, e somente se, é convergente.

O teorema a seguir apresenta algumas operações que podem ser realizadas com limites
de sequências.

Teorema 1.6. Se lim xn = a e lim yn = b então:


(i) lim(xn ± yn ) = a ± b;
(ii) lim(xn · yn ) = a · b;
xn a
(iii) lim = .
yn b
1.2. Topologia da reta 15

Destacamos aqui um detalhe importante sobre este último teorema: só podemos fazer
uso destas operações quando existem os limites das sequências em questão.
A seguir demonstraremos um dos resultados mais relevantes desta seção, o teorema
de Bolzano-Weierstrass, que é a versão do teorema de Arzelá-Ascoli para sequências de
números reais. Para isto, faremos uso da definição de termo destacado de uma sequência,
a qual diz o seguinte: um termo xd de uma sequência (xn ) é um termo destacado se
xd ≥ xn , para todo n > d, com d, n ∈ N.

Teorema 1.7 (Bolzano-Weierstrass). Toda sequência limitada de números reais possui


uma subsequência convergente.

Demonstração. Seja (xn ) uma sequência limitada. Observe que toda subsequência
de (xn ) também é limitada. Então, para provarmos o teorema, basta mostrar que (xn )
admite uma subsequência monótona.
Considere D o conjunto dos índices dos termos destacados de (xn ). Então, há duas
possibilidades a considerar: ou D é finito ou D é infinito. Se D for infinito, isto é,
D = {n1 < n2 < ... < nk < ...}, então xn1 ≥ xn2 ≥ ... ≥ xnk ≥ ... é uma subsequência
monótona (não-crescente) de (xn ). Considere agora D finito. Seja k ∈ N tal que k > n,
para todo n ∈ D. Então k ∈ / D, isto é, xk não é um termo destacado. Daí, existe
xn1 ∈ (xn ) tal que xn1 > xk . Por sua vez, xn1 não é destacado, então existe xn2 ∈ (xn ),
com n2 > n1 , tal que xn2 > xn1 . Prosseguindo assim, construiremos uma subsequência
xn1 < xn2 < ... < xnk monótona (crescente) de (xn ). Ou seja, nos dois casos (xn ) possui
subsequência monótona. Logo pelo Teorema 1.4 esta subsequência converge.

Teorema 1.8 (do Confronto). Se lim xn = lim yn = a e xn ≤ zn ≤ yn para n suficiente-


mente grande, então lim zn = a.

Teorema 1.9. Se lim xn = 0 e (yn ) é uma sequência limitada, então lim(xn · yn ) = 0,


mesmo que (yn ) seja divergente.

Observação 1.1. O Teorema 1.9 não é válido se (yn ) for ilimitada. Por exemplo, se
considerarmos xn = n1 e yn = n temos que lim xn = 0 e (yn ) é ilimitada superiormente,
mas lim(xn · yn ) = 1.

Com o Teorema 1.9 garantimos que a sequência do Exemplo 1.3 converge para 0, pois
lim n1 = 0 e a sequência ((−1)n )n∈N é limitada.

1.2 Topologia da reta


O principal objetivo desta seção é definir conjunto compacto e apresentar alguns re-
sultados importantes sobre o mesmo. Mas, antes disto, precisamos definir algumas noções
topológicas como: conjunto aberto, ponto de acumulação e conjunto fechado.

1.2.1 Conjunto aberto


Definição 1.4. Diz-se que um ponto a é interior ao conjunto X ⊂ R quando existir um
ε > 0 tal que o intervalo (a − ε, a + ε) está totalmente contido em X.

O conjunto formado pelos pontos interiores de X é chamado interior de X e será


denotado por intX. Quando a ∈ intX dizemos que X é uma vizinhança do ponto a.
1.2. Topologia da reta 16

Definição 1.5. Um conjunto A ⊂ R é aberto quando A = intA, ou seja, quanto todo


ponto interior a A pertence a A.
Exemplo 1.4. Todo conjunto X da forma X = (a, b) é um conjunto aberto. 

Teorema 1.10.
(i) Se A1 e A2 são abertos então A1 ∩ A2 é aberto;
S
(ii) Se (Aλ )λ∈L é uma família arbitrária de abertos então A = λ∈L Aλ é um conjunto
aberto.
O item (i) deste teorema garante via indução que a interseção de um número finito de
conjuntos abertos é um conjunto aberto. Mas será que ainda vale para uma quantidade
infinita? A reposta é não. Considere, por exemplo, os conjuntos An = ( −1
n n
, 1 ), com n ∈ N.
Cada conjunto An é aberto, mas a interseção deles é o conjunto {0}, o qual não é aberto.

1.2.2 Conjunto fechado


Definição 1.6. Um ponto a é aderente ao conjunto X ⊂ R quando a é limite de alguma
sequência de pontos em X.
Assim, todo ponto x ∈ X é aderente a X pois, se tomarmos xn = x (sequência
constante) para todo n ∈ N, teremos lim xn = x.
Chama-se f echo do conjunto X ao conjunto de todos os pontos aderentes a X, que
denotaremos por X. Como todo ponto de x ∈ X é aderente a X segue-se que X ⊂ X.
O teorema a seguir nos fornece outra maneira de definir ponto aderente. Vejamos.
Teorema 1.11. Um ponto a é aderente a um conjunto X se, e somente se, toda vizinhança
de a contém algum ponto de X.
Quando toda vizinhança V de a ∈ R contém algum ponto de X diferente do próprio
a, diz-se que a é um ponto de acumulação do conjunto X ⊂ R.
Observação 1.2. Todo ponto de acumulação do conjunto X é ponto aderente a este
conjunto. Mas a recíproca não é válida, como veremos mais adiante.
O conjunto de todos os pontos de acumulação de X será denotado por X 0 . Dizer que a
não é ponto de acumulação de X significa dizer que existe uma vizinhança V = (a−ε, a+ε)
de a tal que V ∩(X −{a}) = ∅, neste caso diremos que a é um ponto isolado de X. Quando
todos os pontos de X forem isolados, diremos que X é um conjunto discreto.
Teorema 1.12. Dados X ⊂ R e a ∈ R, as seguintes afirmações são equivalentes.
(i) a é um ponto de acumulação de X;
(ii) a é limite de uma sequência de pontos xn ∈ X − {a};
(iii) Todo intervalo aberto de centro a contém infinitos pontos de X.
Com este teorema podemos explicar porque nem todo ponto aderente a um con-
junto X é ponto de acumulação deste conjunto. Por exemplo, consideremos o conjunto
X = {1, 3, 8, 9}. Todo ponto de X é aderente a X, mas X não possui nenhum ponto de
acumulação, pois é finito. De modo geral, se X é finito então X 0 = ∅. Além deste, o
conjunto Z dos números inteiros é um exemplo de um conjunto infinito que não possui
ponto de acumulaçao, Z é um conjunto discreto.
1.2. Topologia da reta 17

Teorema 1.13. Todo conjunto infinito limitado de números reais possui pelo menos um
ponto de acumulação.
Observe que o Teorema 1.13 é uma versão do teorema de Bolzano-Weierstrass em
termos de ponto de acumulação.
Definição 1.7. Sejam D ⊂ R e X ⊂ R tais que D ⊂ X. Quando X ⊂ D diz-se que D é
denso em X.
Assim, D é denso em X se, e somente se, há pontos de D em todo intervalo (x−ε, x+ε),
com x ∈ X.
Exemplo 1.5. Temos que Q é denso em R, pois R ⊂ Q. 

Um resultado importante sobre conjunto denso, que será utilizado no capítulo 3, é


apresentado no próximo teorema.
Teorema 1.14. Todo conjunto X de números reais contém um subconjunto D enumerável
e denso em X.
Observação 1.3. Um conjunto X é enumerável quando é finito (ou seja, quando é vazio
ou quando existem n ∈ N e uma bijeção f : In → N, com In = {p ∈ N; p ≤ n}) ou
quando existe uma bijeção f : N → X. Neste último caso, f chama-se uma enumeração
dos elementos de X. Escrevendo f (1) = x1 , f (2) = x2 , ..., f (n) = xn , ..., temos que
X = {x1 , x2 , ..., xn , ...}.
Definição 1.8. Um conjunto X é f echado quando X = X, isto é, quando todo ponto
aderente a X pertence a X.
Exemplo 1.6. Todo conjunto X da forma X = [a, b] é um conjunto fechado. 

Dizer que um conjunto não é aberto, não significa necessariamente que ele seja fechado.
Existem conjuntos que não são nem abertos e nem fechados, como é o caso dos conjuntos
X = (1, 2] e Y = [5, 9)∪(9, 10). E existem conjuntos que são abertos e fechados ao mesmo
tempo, como é o caso do conjunto R dos números reais e o conjunto vazio ∅, na verdade
estes são os únicos conjuntos que são fechados e abertos ao mesmo tempo.
Em geral o resultado que temos é que se o conjunto é fechado (respectivamente aberto),
então seu complementar é um conjunto aberto (respectivamente fechado).
Teorema 1.15. Um conjunto é fechado se, e somente se, seu complementar é aberto.
No Teorema 1.10 vimos que a interseção de um número finito de conjuntos abertos é um
conjunto aberto. Além disso, a reunião de uma família arbitrária de conjuntos abertos
é um conjunto aberto. Porém, no caso dos conjuntos fechados acontece exatamente o
contrário.
Teorema 1.16.
(i) Se F1 e F2 são conjuntos fechados então F1 ∪ F2 é um conjunto fechado.

T (Fλ )λ∈L é uma família qualquer de conjuntos fechados então a interseção


(ii) Se
F = λ∈L Fλ é um conjunto fechado.
O conjunto Q dos números racionais é um exemplo simples que mostra porque não
vale a reunião arbitrária para conjuntosS fechados. Sabemos que Q não é fechado, pois
Q = R, mas podemos escrever Q = x∈Q {x}, onde cada {x} é, evidentemente, um
conjunto fechado.
1.2. Topologia da reta 18

1.2.3 Conjunto compacto


Os conjuntos compactos desempenham um papel importante na análise matemática e
na topologia. No decorrer deste trabalho, veremos que muitos resultados relevantes, em
especial o teorema de Arzelá-Ascoli, são satisfeitos quando o conjunto em questão é um
conjunto compacto.
Definição 1.9. Um conjunto é compacto quando é fechado e limitado.
Convém mencionarmos que esta definição é válida apenas para os subconjuntos do
espaço Rn . De modo geral a definição de conjunto compacto, para espaços topológicos
quaisquer, é dada pela recíproca do teorema de Borel-Lesbegue que veremos mais adiante.
Neste trabalho vamos usar apenas a Definição 1.9, por ser prática e eficiente para os
subconjuntos do Rn , em particular o conjunto R.
Exemplo 1.7. Todo conjunto finito e todo conjunto da forma X = [a, b] são exemplos
de conjuntos compactos. 

Os conjuntos compactos são fundamentais, pois neles sequências possuem subsequên-


cias convergentes, que é uma propriedade importante em muitas aplicações.
Teorema 1.17. Um conjunto K ⊂ R é compacto se, e somente se, toda sequência de
pontos em K possui uma subsequência que converge para um ponto em K.
Demonstração. Sejam K compacto e (xn ) uma sequência de termos em K. Como K é
limitado, (xn ) é limitada. Então, por Bolzano-Weierstrass, (xn ) possui uma subsequência
convergente. Como K é fechado o limite desse subsequência pertence a K. Reciproca-
mente, suponhamos que toda sequência de pontos xn ∈ K possui uma subsequência que
converge para um ponto de K. Vamos mostrar que K é compacto. De fato, K é limitado
pois se não fosse, para cada n ∈ N poderíamos obter xn ∈ X tal que |xn | > n. Assim,
toda subsequência da sequência (xn ), assim obtida, seria ilimitada e portanto divergente.
Temos ainda que K é fechado porque, do contrário, existiria uma sequência de pontos
xn ∈ K tal que x = lim xn e x ∈ / K. Então não existiria nenhuma subsequência de (xn )
convergindo para um ponto de K, pois todas convergem para x, contradição. Portanto
K é compacto.

Este teorema é muito útil. Faremos uso dele em muitas demonstrações de resultados
posteriores.
Agora, observe o seguinte: A interseção dos conjuntos fechados não vazios
Fn = [n, +∞), é vazia. A mesma coisa acontece com os conjuntos Ln = (0, n1 ), que
formam uma sequência decrescente de conjuntos limitados não vazios. Mas, se os conjun-
tos forem fechados e limitados, como é o caso dos conjuntos Xn = [ −1 , 1 ], temos que a
n n
interseção destes conjuntos nunca é vazia, neste caso a interseção é o conjunto {0}. Isto
acontece porque os conjuntos são compactos, como veremos no próximo teorema.
Teorema 1.18. Seja K1 ⊃ K2 ⊃ ... ⊃ Kn ⊃ ... uma sequência decrescente de conjuntos
compactos não-vazios.
T Então, existe (pelo menos) um número real que pertence a todos
os Kn , ou seja, Kn 6= ∅.
Demonstração. Para cada n ∈ N, definamos uma sequência (xn ) escolhendo um ponto
xn ∈ Kn . Os termos desta sequência pertencem todos ao compacto K1 . Então, pelo
Teorema 1.17, (xn ) possui uma subsequência (xnk )k∈N que converge para um ponto a ∈ K1 .
Dado qualquer n ∈ N, temos que xnk ∈ Kn sempre que nk > n. Como Kn é compacto,
segue-se que a ∈ Kn . Isto prova o teorema.
1.3. Continuidade 19

Definição 1.10. Seja X ⊂ R. Uma cobertura de X é uma família C de conjuntos Cλ ,


com λ ∈ L, cuja reunião contém X.

S para cada x ∈ X, deve existir (pelo menos) um λ ∈ L tal que x ∈ Cλ .


Isto significa que
A cobertura X ⊂ λ∈L Cλ é aberta quando os Cλ forem todos abertos e finita quando L é
um conjuntoSfinito. Uma subcobertura é uma subfamília (Cλ )λ∈L0 , L0 ⊂ L, tal que ainda
se tem X ⊂ λ∈L0 Cλ .
Exemplo 1.8. A família Bn = (−1, 3 + n1 ) é uma cobertura aberta do conjunto
A = (−1, 3) e B1 = (−1, 4) é uma subcobertura finita de A. 

Em geral isto não é válido, ou seja, se um conjunto possui uma cobertura aberta isto
não significa que ela admite subcobertura finita. Por exemplo, a coleção Cn = ( n1 , 3) é
uma cobertura aberta do conjunto X = (0, 2], mas não admite subcobertura finita, pois
toda reunião finita de intervalos ( n1 , 3) é igual àquele de maior índice. Entretanto, se o
conjunto for compacto, veremos no próximo teorema que, sempre poderemos extrair uma
subcobertura finita de uma cobertura aberta deste conjunto.
Teorema 1.19 (Borel-Lebesgue). Seja K ⊂ R compacto. Então toda cobertura aberta de
K possui uma subcobertura finita.
A recíproca do Teorema 1.19 é válida. Como veremos a seguir.
Teorema 1.20 (Recíproca do Borel-Lebesgue). Se toda cobertura aberta de um conjunto
K ⊂ R possui subcobertura finita, então K é compacto.
Como havíamos mencionado, esta parte do teorema é a definição geral para conjuntos
compactos. Não faremos uso dela neste trabalho, mas é interessante que o leitor tenha
conhecimento caso queira estudar conjuntos compactos em espaços topológicos quaisquer.

1.3 Continuidade
Em análise, a maioria das funções estudadas são funções contínuas. Isto acontece
porque as funções com esta propriedade fornecem resultados positivos. Deste modo, é
imprescindível para nosso objetivo definirmos o conceito de continuidade, pois faremos
uso dele, praticamente, em todo o texto.
Definição 1.11. Uma função f : X → R é contínua (ou simplesmente contínua) no ponto
a ∈ X quando, dado arbitrariamente ε > 0, existe um δ > 0 tal que x ∈ X e |x − a| < δ
implicam |f (x) − f (a)| < ε.
Uma função é contínua, quando é contínua em todos os pontos de X.
Exemplo 1.9. As funções f, g : R → R definidas por f (x) = x e g(x) = a, com a ∈ R,
são exemplos simples de funções contínuas. 

Exemplo 1.10. Toda função definida em um conjunto discreto é contínua. 

Uma outra maneira de definir função contínua é por meio da definição de limite de
funções. Para isto, recordaremos tal definição.
Definição 1.12. Considere a função f : X → R, com X ⊂ R. Diz-se que o número real
L é limite de f (x) quando x tende a a se, dado ε > 0 arbitrário, existe δ > 0 tal que
x ∈ X e 0 < |x − a| < δ implicam |f (x) − L| < ε. Escreve-se limx→a f (x) = L.
1.3. Continuidade 20

Assim, dizer que uma função f é contínua no ponto a, equivale a dizer que
limx→a f (x) = f (a). Porém, é importante observar que na definição de limite o ponto
a não precisa pertencer ao domínio da função, já na definição de continuidade observamos
que para questionarmos se uma dada função é contínua no ponto a, precisamos tomar o
cuidado de verificar se este ponto pertence ao seu domínio.
O teorema a seguir decorre de imediato da Definição 1.12.

Teorema 1.21. Sejam f, g : X → R contínuas no ponto a ∈ X. Então também são


contínuas neste ponto as funções.

(1) f ± g : X → R;

(2) f · g : X → R;
f
(3) : X → R, desde que seja g(a) 6= 0;
g
(4) |f | : X → R.

Na Definição 1.11, nem sempre para dado ε > 0 é possível encontrar δ > 0 que sirva
para todos os pontos de x ∈ X, mesmo f sendo contínua em todos os pontos de X.
Quando isto ocorre dizemos que esta função é uniformemente contínua.

Definição 1.13. Diz-se que uma função f : X → R é uniformemente contínua no conjunto


X quando, para todo ε > 0 arbitrário, pode-se obter δ > 0 tal que x, y ∈ X e |y − x| < δ
implicam |f (y) − f (x)| < ε.

Toda função uniformemente contínua f : X → R é contínua em X, mas a recíproca é


falsa, como veremos nos exemplos a seguir.

Exemplo 1.11. A função f : R → R, definida por f (x) = x2 , é contínua, mas não é


uniformemente contínua. De fato, dado ε = 1 para todo δ > 0 existem pontos x = 1δ e
2
y = 1δ + 2δ em R, tais que |y − x| = 2δ < δ mas |f (y) − f (x)| = |1 + δ4 | > 1 = ε. 

Exemplo 1.12. Seja f : R+ → R, definida por f (x) = x1 . Temos que f é uma função
contínua, mas não é uniformemente. Com efeito, dado 0 < ε < 1, temos que para qualquer
δ > 0, podemos encontrar um n ∈ N, com n > 1δ . Então, pondo x = n1 e y = 2n 1
segue-se
1 1 −1
que |y − x| = | 2n − n | = | 2n | < δ, mas |f (y) − f (x)| = 2n − n = n ≥ 1 > ε. 

Notemos que há algumas diferenças entre a continuidade simples e a continuidade


uniforme de uma função f : X → R. Por exemplo, na continuidade simples o ponto a
está fixo e x se aproxima dele, a fim de que f (x) se aproxime de f (a). Já na continuidade
uniforme, pode-se fazer f (x) e f (y) tão próximos um do outro quanto se queira, bastando
que x, y ∈ X estejam próximos. Outra diferença é que a continuidade simples é uma noção
local, ou seja, f é contínua no ponto a se, e somente se, f é contínua numa vizinhança de
a, e a continuidade uniforme é uma noção global.
O próximo teorema e seu corolário fornecem propriedades importantes sobre funções
contínuas. Por ser de fácil desenvolvimento, a demonstração é deixada como exercício
para o leitor.

Teorema 1.22. Sejam f, g : X → R contínuas no ponto a ∈ X, com f (a) < g(a). Existe
δ > 0 tal que f (x) < g(x) para todo x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).
1.3. Continuidade 21

Corolário 1.1. Seja f : X → R contínua no ponto a ∈ X, com f (a) 6= 0. Existe δ > 0


tal que, para todo x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ) a função f tem o mesmo sinal de f (a).

O teorema que demonstraremos a seguir no diz que se uma função definida num
intervalo fechado é contínua, então esta função não pode assumir valores em dois pontos
do seu domínio sem assumir valores em todos os pontos intermediários.

Teorema 1.23 (Valor intermediário). Seja f : [a, b] → R uma função contínua. Se


f (a) < d < f (b) então existe c ∈ (a, b) tal que f (c) = d.

Demonstração. Seja X = {x ∈ [a, b]; f (x) < d}. Como a ∈ X, pois f (a) < d, segue-se
que X é não vazio. Afirmamos que X não possui maior elemento. De fato, seja y ∈ X.
Então f (y) < d. Como y 6= b temos que y < b. Tomemos ε = d − f (y). Como f é
contínua em y, existe δ > 0 tal que para todo x ∈ [y, y + δ) ∩ [a, b] temos, pelo Teorema
1.22, f (x) < d. Daí, todos os pontos do intervalo [y, y +δ) pertecem a X. Considere agora
c = sup X (podemos pois X é limitado). Como c é limite de uma sequência de pontos
xn ∈ X e f é contínua em c temos que f (c) = lim f (xn ) ≤ d. Note que c não pertence a
X, pois X não tem maior elemento, então não vale f (c) < d, ou seja, f (c) = d.

Exemplo 1.13. A função f : [−1, 1] → R dada por f (x) = −1, se x ∈ [−1, 0) e f (x) = 1,
se x ∈ [0, 1] não é contínua, pois não satisfaz o Teorema 1.23. 

Os próximos dois teoremas oferecem uma caracterização para a continuidade simples


e uniforme em termos de sequências numéricas.

Teorema 1.24. Uma função f : X → R é contínua no ponto a ∈ X se, e somente se,


para toda sequência de pontos xn ∈ X com lim xn = a, se tenha lim f (xn ) = f (a).

Demonstração. Suponhamos f contínua e que exista uma sequência de pontos


xn ∈ X − {a} com lim xn = a. Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ),
0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − f (a)| < ε. Para este δ existe n0 ∈ N tal que
n > n0 ⇒ |xn − a| < δ. Então n > n0 ⇒ |xn − a| < δ ⇒ |f (xn ) − f (a)| < ε. Portanto,
lim f (xn ) = f (a). Reciprocamente, suponhamos que xn ∈ X −{a} e lim xn = a impliquem
lim f (xn ) = f (a) e mostremos que f é contínua no ponto a. De fato, se f não fosse con-
tínua no ponto a existiria ε > 0 tal que, para todo n ∈ N, poderíamos obter xn ∈ X
tal que |xn − a| < n1 mas |f (xn ) − f (a)| ≥ ε. Assim teríamos lim xn = a sem que fosse
lim f (xn ) = f (a), o que é uma contradição. Isto completa a demonstração.

Teorema 1.25. Uma função f : X → R é uniformemente contínua se, e somente


se, para todo par de sequências (xn ) e (yn ) em X, com lim(yn − xn ) = 0, tenha-se
lim[f (yn ) − f (xn )] = 0.

Demonstração. Suponhamos f uniformemente contínua e que lim(xn − yn ) = 0,


para todo par de sequências (xn ) e (yn ) em X. Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que
x, y ∈ X e |y − x| < δ ⇒ |f (y) − f (x)| < ε. Como lim(xn − yn ) = 0, para este δ, existe
n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ |xn − yn | < δ. Então, n > n0 ⇒ |f (xn ) − f (yn )| < ε. Por-
tanto, lim[f (xn ) − f (yn )] = 0. Reciprocamente, se f não fosse uniformemente contínua,
existiria um número ε > 0 tal que: para todo n ∈ N poderíamos achar xn e yn em X tais
que |yn − xn | < 1/n e |f (yn ) − f (xn )| ≥ ε. Então, teríamos lim(yn − xn ) = 0 sem que
fosse lim[f (yn )−f (xn )] = 0, o que é contradição. Portanto, f é uniformemente contínua.
1.3. Continuidade 22

Estes dois últimos teoremas são úteis quando queremos examinar a descontinuidade
simples ou uniforme de uma função f : X → R. Por exemplo, no caso da continuidade
uniforme, basta encontrar duas sequências (xn ) e (yn ) em X tais que lim(yn − xn ) = 0
mas lim[f (yn ) − f (xn )] seja diferente de zero ou não exista.
Percebamos que com os Teoremas 1.24 e 1.25 podemos chegar de forma mais rápida
ao resultado que obtivemos nos Exemplos 1.11 e 1.12.
Terminaremos esta seção apresentando algumas propriedades importantes sobre fun-
ções contínuas definidas em um conjunto compacto.

Teorema 1.26. Sejam K ⊂ R um conjunto compacto e f : K → R contínua, então f (K)


é um conjunto compacto.

Demonstração. Mostraremos que toda sequência de pontos yn ∈ f (K) possui uma


subsequência que converge para algum ponto y ∈ f (K). Com efeito, para cada n ∈ N,
existe xn ∈ K tal que f (xn ) = yn . Como K é compacto, pelo Teorema 1.17, podemos
obter uma subsequência xnk tal que lim xnk = a, onde a ∈ K. Sendo f contínua, temos
que lim f (xnk ) = f (a). Assim, lim ynk = f (a) = y ∈ f (K). Logo, f (K) é compacto.

Diz-se que a ∈ R é um ponto de máximo local da função f : X → R, quando existe


δ > 0 tal que f (x) ≤ f (a), para todo x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ). Quando valer a desigualdade
estrita, diremos que a é um ponto de máximo local estrito. Além disso, quando ocorre
f (x) ≤ f (a), para todo x ∈ X, diz-se que a é um ponto de máximo absoluto. De maneira
análoga se define mínimo local, mínimo local estrito e mínimo absoluto.
Às vezes estamos interessados em saber se existem pontos de um conjunto X, nos
quais uma função f : X → R atinge seu valor máximo absoluto ou mínimo absoluto. Isto
é importante em muitos problemas da matemática e suas aplicações.
Podem existir funções contínuas que não assumem, em ponto algum do domínio, seu
valor máximo ou mínimo, ou nenhum dos dois, como é o caso da função f : R → R
definida por f (x) = x. Entretanto, se o conjunto onde a função está definida for compacto
a existência desses pontos é garantida pelo corolário a seguir.

Corolário 1.2 (Weierstrass). Seja f : K → R contínua no conjunto compacto K. Exis-


tem x0 , x1 ∈ K tal que f (x0 ) ≤ f (x) ≤ f (x1 ) para todo x ∈ K.

O Corolário 1.2 nos diz que toda função contínua definida num conjunto K compacto
é limitada, ou seja, existe c > 0 tal que |f (x)| ≤ c, para todo x ∈ K.

Teorema 1.27. Se K ⊂ R é um conjunto compacto então toda bijeção contínua


f : K → Y , com Y ⊂ R, tem inversa contínua g : Y → K.

Demonstração. Tomemos b = f (a) em Y e mostremos que g é contínua em b. De fato,


se g não fosse contínua no ponto b, existiriam ε > 0 e uma sequência yn = f (xn ) em Y ,
com lim yn = b e |g(yn ) − g(b)| ≥ ε, isto é, |xn − a| ≥ ε, para todo n ∈ N. Como K
é compacto podemos obter uma subsequência (xnk ) de (xn ) tal que lim xnk = a0 ∈ K.
Assim, se tem | a0 − a |≥ ε. Em particular, a0 6= a. Mas, pela continuidade de f ,
lim ynk = f (a0 ). Como já temos lim ynk = b = f (a), resultaria daí que f (a) = f (a0 ), o que
contraria a injetividade da f . Portanto, g é contínua em b. Como b é qualquer, segue-se
que g é contínua em todo seu domínio.

Teorema 1.28. Seja K ⊂ R compacto. Toda função contínua f : K → R é uniforme-


mente contínua.
1.3. Continuidade 23

Demonstração. De fato, se f não fosse uniformemente contínua, existiriam ε > 0 e duas


sequências (xn ) e (yn ) em X tais que lim(yn − xn ) = 0 e |f (yn ) − f (xn )| ≥ ε, para todo
n ∈ N. Como K é compacto existe uma subsequência (xnk ) de (xn ) tal que lim xnk = a,
com a ∈ X. Como ynk = (ynk − xnk ) + xnk , vale também que lim ynk = a. Sendo f
contínua no ponto a, temos lim ynk = lim f (xnk ) = f (a), ou seja, lim[f (ynk ) − f (xnk )] = 0,
contradizendo que seja |f (yn )−f (xn )| ≥ ε para todo n ∈ N. Portanto, f é uniformemente
contínua.

Observemos o quão importante foi a hipótese do conjunto ser compacto. Se ele não o
fosse, estes resultados, em geral, não seriam válidos. Vejamos isto nos próximos exemplos.

Exemplo 1.14. Seja f : (0, 1] → R definida por f (x) = x1 , para todo x ∈ (0, 1]. Note
que f é contínua e está definida em um intervalo limitado, mas f ((0, 1]) = [1, +∞) é um
intervalo ilimitado. 

Exemplo 1.15. A função g : [−1, 0] ∪ (1, 2] → [0, 4] definida por f (x) = x2 é bijetiva

e contínua, mas sua inversa h : [0, 4] → [−1, 0] ∪ (1, 2], dada por h(y) = − y, se y ∈

[0, 1] e h(y) = y, se y ∈ (1, 4], não é contínua no ponto 1, pois limy→1− h(y) = −1 e
limy→1+ h(y) = 1. 

Figura 1.1: Gráfico da função h.

Fonte: Elaborada pela autora.

Exemplo 1.16. As funções dos Exemplos 1.11 e 1.12 não são uniformemente contínuas
porque os conjuntos nos quais estão definidas não são compactos. 

Estes exemplos confirmam a relevância dos conjuntos compactos.


2

Sequências de funções reais

As sequências de funções reais, objeto de estudo deste capítulo, exercem uma função
importante em análise e áreas afins. Alguns problemas importantes na matemática visam
determinar funções que satisfazem a certas condições dadas, por exemplo, problemas que
envolvem sistema de equações diferenciais, principalmente àquelas com valor inicial, isto
é, os chamados PVI. Uma das maneiras de abordar tais problemas consiste em obter
funções que satisfazem as condições apenas aproximadamente. Então a função-limite é
uma solução exata para o problema. Isto nos dá uma primeira ideia, como um exemplo
motivacional, sobre a importância do estudo da noção de limites de sequências de funções.
Antes de apresentarmos tal conceito, faremos de início uma rápida exposição sobre as
noções de derivadas e integral de Darboux.

2.1 Derivadas e a Integral de Darboux


O intuito desta seção é fazer uma breve apresentação dos conceitos de derivada e
integral de Darboux. Não iremos nos aprofundar nestas teorias, pois isto foge aos ob-
jetivos do trabalho, a nossa intenção é apenas definir os dois conceitos e expor alguns
resultados importantes sobre eles que serão utilizados mais adiante. Caso tenha interesse
em conhecer mais sobres estas teorias, sugerimos (LIMA. Curso de análise, vol.1. 2013),
(BARTLE, 1967) ou (RUDIN, 1976).

2.1.1 Derivadas
Definição 2.1. Sejam a ∈ X 0 ∩ X e f : X → R. Diz-se que f é derivável no ponto a
quando existe e é finito o limite limx→a q(x), onde

f (x) − f (a)
q(x) = .
x−a
A função f é derivável, quando é derivável em todos os pontos de X. Representa-se
a derivada de f no ponto a por f 0 (a). Assim, se f é derivável no ponto a temos que
f 0 (a) = limx→a q(x).
Quando f : X → R é derivável, uma nova função f 0 : X ∩ X 0 → R é definida, chamada
a derivada de f . Se f 0 é contínua diz-se que f é uma função de classe C 1 , e representa-se
por f ∈ C 1 .
Como a derivada está definida em termos de limites, podemos caracterizar as derivadas
laterais. Assim, dizemos que f é derivável à direita no ponto a, e representamos por
2.1. Derivadas e a Integral de Darboux 25

f+0 (a), quando existe e é finito o limx→a+ q(x). De maneira análoga se define a derivada à
esquerda. Podemos então concluir que f é derivável no ponto a se existem e são iguais os
limites laterais de q(x) no ponto a.
Com base nestas informações, demonstraremos agora alguns resultados relevantes so-
bre derivadas.
Teorema 2.1. Uma função é contínua nos pontos em que é derivável.
Demonstração. Sejam a ∈ X ∩ X 0 e f : X → R derivável em a. Vamos mostrar que
limx→a f (x) = f (a). De fato, se x = a não há o que mostrar. Suponhamos x 6= a, como
limx→a (x − a) = 0 e limx→a f (x)−f
x−a
(a)
= f 0 (a), segue-se que

f (x) − f (a)
lim f (x) − f (a) = lim (x − a) = 0.
x→a x→a x−a
Portanto, f é contínua no ponto a.
Teorema 2.2. Seja f : X → R derivável à direita no ponto a ∈ X ∩ X+0 . Se f+0 (a) > 0,
então existe δ > 0 tal que x ∈ X ∩ (a, a + δ) ⇒ f (a) < f (x).

Demonstração. Temos que limx→a+ f (x)−f x−a


(a)
= f+0 (a) > 0. Considere ε = f+0 (a). Então
existe δ > 0 tal que x ∈ X ∩ (a, a + δ) ⇒ f+0 (a) + ε < f (x)−f x−a
(a)
< f+0 (a) + ε, ou seja,
0 < f (x)−f
x−a
(a)
. Daí f (x) − f (a) > 0, como queríamos mostrar.
Corolário 2.1. Seja a ∈ X ∩ X+0 ∩ X−0 . Se f : X → R é derivável no ponto a e possui
nesse ponto um máximo ou mínimo local, então f 0 (a) = 0.
Demonstração. De fato, se fosse f 0 (a) > 0 pelo Teorema 2.2 existiria δ > 0 tal que
x, y ∈ X, a − δ < x < a < y < a + δ ⇒ f (x) < f (a) < f (y). Então não existiria máximo
ou mínimo local no ponto a, contrariando a hipótese. De modo análogo se mostra que
não pode ser f 0 (a) < 0. Portanto f 0 (a) = 0.
Teorema 2.3 (Darboux). Seja f : [a, b] → R derivável. Se f 0 (a) < d < f 0 (b) então existe
c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = d.
Demonstração. Mostraremos inicialmente o caso em que d = 0, ou seja,
f 0 (a) < 0 < f 0 (b). Pelo Teorema 2.2 temos f (a) > f (x), para x próximo de a, e
f (x) < f (b), para x próximo de b. Como f é contínua e [a, b] é compacto o teorema
de Weierstrass garante a existência de um c ∈ (a, b) onde o mínimo é atingido. Pelo
Corolário 2.1 segue-se que f 0 (c) = 0. Para o caso geral basta considerar a função auxiliar
g(x) = f (x) − dx. Então g 0 (c) = 0 ⇔ f 0 (c) = d e g 0 (a) < 0 < g 0 (b) ⇔ f 0 (a) < d < f 0 (b).
Teorema 2.4 (Valor médio de Lagrange). Seja f : [a, b] → R contínua em [a, b] e derivável
em (a, b). Existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c)(b − a) = f (b) − f (a).
Demonstração. Consideremos a função auxiliar g : [a, b] → R, definida por
g(x) = f (x) − dx, onde d = f (b)−f (a)
(b−a)
. Então g(a) = g(b). Note que g é contínua em
[a, b] e derivável em (a, b). Pelo teorema de Weierstrass, g assume valor máximo M e mí-
nimo m em pontos de [a, b]. Se esses pontos forem a e b então M = m e g será constante,
donde g 0 (x) = 0 para todo x ∈ (a, b). Se um desses pontos, digamos c estiver em (a, b)
então, pelo Teorema 2.3, g 0 (c) = 0. Conclusão, existe c ∈ (a, b) tal que g 0 (c) = 0, ou seja,
f 0 (c) = d = f (b)−f
(b−a)
(a)
.
2.1. Derivadas e a Integral de Darboux 26

Corolário 2.2. Sejam f, g : I → R contínuas, deriváveis em intI, com f 0 (x) = g 0 (x)


para todo x ∈ intI então existe c ∈ R tal que g(x) = f (x) + c para todo x ∈ I.

Demonstração. Considere h(x) = g(x) − f (x). Então h0 (x) = 0 para todo x ∈ intI.
Dados x, y ∈ I quaisquer, temos que h é contínua em [x, y] e derivável em (x, y). Então,
pelo Teorema 2.4, existe z ∈ (x, y) tal que h0 (z)(y − x) = h(y) − h(x). Como h0 (z) = 0
temos que h(x) = h(y), ou seja, h é constante. Então existe c ∈ R tal que h(x) = c para
todo x ∈ I.

2.1.2 Integral de Darboux


Uma partição do intervalo [a, b] é um subconjunto finito de pontos

P = {a = t0 < ... < tn = b} ⊂ [a, b].

Considere P, Q partições de [a, b]. Quando P ⊂ Q diz-se que Q refina P , ou que Q é


mais fina que P . Observemos que a maneira mais simples de refinar uma partição P é
acrescentar-lhe um único ponto.
Dada f : [a, b] → R limitada e P uma partição de [a, b], vamos denotar por mi , Mi e
ωi = Mi − mi , respectivamente, o ínfimo, o supremo e a oscilação de f , em cada intervalo
[ti−1 , ti ] de P . Deste modo, definiremos a soma inferior s(f, P ) e a soma superior S(f, P )
de f relativamente a partição P pondo
n
X n
X
s(f, P ) = mi (ti − ti−1 ) e S(f, P ) = Mi (ti − ti−1 ).
i=1 i=1

Assim,
n
X n
X
S(f, P ) − s(f, P ) = (Mi − mi )(ti − ti−1 ) = ωi (ti − ti−1 ).
i=1 i=1

Além disso, se m é o ínfimo e M é o supremo de f em [a, b] para toda partição P de [a, b],
segue-se que
m(b − a) ≤ s(f, P ) ≤ S(f, P ) ≤ M (b − a).

Teorema 2.5. Seja f : [a, b] → R. Quando se refina uma partição, a soma inferior não
diminui e a soma superior não aumenta.

Demonstração. Seja P uma partição de [a, b]. Mostraremos inicialmente o caso em


que Q = P ∪ {r}, onde ti−1 < r < ti . Sejam mi , m0 e m00 os ínfimos de f nos inter-
valos [ti−1 , ti ], [ti−1 , r] e [r, ti ] respectivamente. É evidente mi ≤ m0 e mi ≤ m00 . Como
(ti − ti−1 ) =(ti − r) + (r − ti−1 ), segue-se que

s(f, Q) − s(f, P ) = m00 (ti − r) + m0 (r − ti−1 ) − mi (ti − ti−1 )


= (m00 − m0 )(ti − r) + (m0 − mi )(r − ti−1 ) ≥ 0.

Assim, s(f, P ) ≤ s(f, Q).


Para o caso geral, basta aplicar repetidamente este resultado. Concluímos assim, que
P ⊂ Q implica s(f, P ) ≤ s(f, Q). De maneira análoga se mostra que P ⊂ Q implica
S(f, Q) ≤ S(f, P ).
2.1. Derivadas e a Integral de Darboux 27

Podemos ainda garantir que toda soma inferior de f é menor do que ou igual a qualquer
soma superior, para quaisquer partições P e Q de [a, b]. Para mostrar isto, basta considerar
a partição P ∪ Q de [a, b]. Como P ∪ Q refina P e Q, pelo Teorema 2.5, temos

s(f, P ) ≤ s(f, P ∪ Q) ≤ S(f, P ∪ Q) ≤ S(f, Q).

Dada uma partição P de [a, b], vamos representar os conjuntos das somas inferiores e
superiores de f em relação a P , respectivamente por

A = {s(f, P )} e B = {S(f, P )}.

Podemos então definir a integral de Darboux.


Definição 2.2. Sejam f : [a, b] → R limitada e P uma partição qualquer de [a, b].
Rb Rb
Definiremos a integral inferior a f (x)dx e a integral superior a f (x)dx de f pondo:
Z b Z b
f (x)dx = sup A e f (x)dx = inf B.
a a

Dizemos assim que f é integrável quando a integral inferior e a integral superior forem
iguais. Ou equivalentemente, quando sup A = inf B.
Por convenção adotaremos que
Z a Z b Z a
f (x)dx = 0 e f (x)dx = − f (x)dx.
a a b

O teorema a seguir nos fornece uma condição que garante a integrabilidade de uma função.
Teorema 2.6. Seja f : [a, b] → R limitada. Se, para todo ε > 0Pexistir uma partição
P = {a = t0 < ... < tn = b} de [a, b] tal que S(f, P ) − s(f, P ) = ni=1 ωi (ti − ti−1 ) < ε
então f é integrável.
Demonstração. Sejam A o conjunto das somas inferiores e B o conjunto das somas
superiores de f . Tem-se que s ≤ S para toda s ∈ A e para toda S ∈ B. Vamos mostrar
que sup A = inf B. Note que toda s ∈ A é cota superior de B, então sup A ≤ S. Por sua
vez, sup A é cota inferior de B. Daí sup A ≤ inf B. Se ocorrer sup A < inf B, tomando
ε = inf B − sup A temos que ε > 0 e S − s ≥ ε para quaiquer s ∈ A e S ∈ B. Isto prova
o teorema.

Em seguida apresentaremos, sem demonstração, algumas propriedades operatórias da


integral de Darboux que são de grande utilidade.
Teorema 2.7. Sejam f, g : [a, b] → R integráveis. Então
Rb Rb Rb
(1) A soma f + g é integrável e a [f (x) + g(x)]dx = a f (x)dx + a g(x)dx;
Rb Rb
(2) Se f (x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], então a f (x)dx ≤ a g(x)dx;
Rb Rb
(3) |f (x)| é integrável e a f (x)dx ≤ a |f (x)|dx.

Corolário 2.3. Se f : [a, b] → R é integrável e |f (x)| ≤ k para todo x ∈ [a, b] então


Rb
a
f (x)dx ≤ k(b − a).
2.1. Derivadas e a Integral de Darboux 28

Terminaremos esta seção demonstrando o Teorema Fundamental do Cálculo (TFC).

Teorema 2.8 (TFC). Seja fR : I → R contínua. Dada uma função F : I → R, existe


x
a ∈ I tal que F (x) = F (a) + a f (t)dt, para todo x ∈ I se, e somente se, F é derivável e
F 0 (x) = f (x) para todo x ∈ I.
Rx
Demonstração. Suponhamos que exista a ∈ I tal que F (x) = F (a) + a f (t)dt, para
todo x ∈ I. Assim, se x0 , x0 + h ∈ I temos que
Z x0 +h Z x0 Z x0 +h
F (x0 + h) − F (x0 ) = f (t)dt − f (t)dt = f (t)dt.
a a x0

Além disso, como f (x0 ) é uma constante temos


Z x0 +h
f (x0 )dt = f (x0 )(x0 + h − x0 ) = hf (x0 ).
x0

Daí,
x0 +h
F (x0 + h) − F (x0 )
Z
1
− f (x0 ) = [f (t) − f (x0 )]dt.
h h x0

Dado ε > 0, como f é contínua no ponto x0 , obtemos δ > 0 tal que


t ∈ I ∩ (x0 − δ, x0 + δ) ⇒ |f (t) − f (x0 )| < ε. Então 0 < |h| < δ e x0 + h implicam
x0 +h
F (x0 + h) − F (x0 )
Z
1
− f (x0 ) = [f (t) − f (x0 )]dt
h h x0
Z x0 +h
1
≤ |f (t) − f (x0 )|dt
|h| x0
Z x0 +h
1
< εdt
|h| x0
|h|ε
≤ = ε.
|h|

Isto mostra que


F (x0 + h) − F (x0 )
lim = f (x0 ).
h
Então, F é derivável e F 0 (x0 ) = f (x0 ). Rx
Reciprocamente, se F 0 = f , fixando a ∈ I e definindo g(x) = a f (t)dt, pelo que
acabamos de mostrar, g 0 = f . Como F, g : I → R têm a mesma derivada, pelo Coro-
lário 2.2, tem-se que elas diferem por uma constante. Note que g(a) = 0. Então esta
constante é F (a).
R x Portanto, ainda pelo Corolário 2.2, F (x) = F (a) + g(x), ou seja,
F (x) = F (a) + a f (t)dt para todo x ∈ I. E o teorema está provado.

A função F definida no Teorema 2.8 se chama a primitiva de f .


O Teorema 2.8 nos diz que toda função contínua possui primitiva. Além disso, toda
função de classe C 1 é primitiva de alguma função contínua.
2.2. Sequências de funções reais 29

2.2 Sequências de funções reais


A definição de sequência de funções reais é análoga a de sequência de números reais
que foi vista no capítulo anterior. A diferença é bem clara, em vez de números os termos
são funções.

Definição 2.3. Uma sequência de funções reais é uma função que associa a cada número
natural n ∈ N uma função fn , definida em X e tomando valores reais, denotada por
fn : X → R.

Pela semelhança nas definições somos tentados a concluir que os resultados das sequên-
cias de números reais são preservados nas sequências de funções reais. No entanto, veremos
ao longo desta seção que isto, de maneira geral, não é verdade.
A primeira diferença é em relação à noção de limite. Diferentemente das sequências
numéricas que possuem uma única noção de limite, as sequências de funções possuem
diversas noções distintas. Neste trabalho abordaremos as duas principais noções para
limites de funções reais a saber, a convergência simples e a convergência uniforme. Tais
ferramentas são de extrema importância na matemática aplicada e também na matemática
abstrata avançada.

Definição 2.4. Uma sequência de funções fn : X → R converge simplesmente (ou pon-


tualmente) para uma função f : X → R quando, dados ε > 0 e x ∈ X, existe n0 ∈ N tal
que n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < ε.

Exemplo 2.1. Considere a sequência de funções fn : [0, 1] → R, definidas por fn (x) = xn .


Note que lim 1n = 1 e, além disso, fixando x ∈ [0, 1) temos que lim xn = 0. Portanto (fn )
converge simplesmente para a função f : [0, 1] → R, dada por f (x) = 0 se x ∈ [0, 1) e
f (1) = 1. 

Figura 2.1: Gráficos das funções fn (x) = xn .

Fonte: Elaborada pela autora.

Observemos que quando x ∈ [0, 1) foi fixado a sequência de funções (fn ) se reduziu
a uma sequência numérica. Isto acontece porque estamos analisando a convergência de
(fn ) ponto a ponto.
2.2. Sequências de funções reais 30

Exemplo 2.2. A sequência de funções contínuas fn : [0, 1] → R, definidas por


fn (x) = xn (1 − xn ), converge simplesmente para a função identicamente nula. De fato,
quando x = 1 temos que lim xn (1 − xn ) = 0. Além disso, fixando x ∈ [0, 1), temos
que limn→∞ xn = 0. Como (1 − xn ) é limitada, pois 0 < 1 − xn < 1, segue-se que
lim xn (1 − xn ) = 0 para todo x ∈ [0, 1). Portanto, (fn ) converge simplesmente para a
função identicamente nula. 

Figura 2.2: Gráficos das funções fn (x) = xn (1 − xn ).

Fonte: Elaborada pela autora.

Geometricamente, dizer que fn : X → R converge simplesmente para f : X → R,


significa que se traçarmos uma vertical em cada ponto x ∈ X os gráficos das funções
fn : X → R determinam uma sequência (x, f1 (x)), (x, f2 (x)), ..., (x, fn (x)), ..., cujas coor-
denadas convergem para o ponto (x, f (x)).

Exemplo 2.3. A sequência de funções gn : R → R, definidas por gn (x) = nx , converge


simplesmente para a função g : R → R identicamente nula em R. Com efeito, fixando
x ∈ R temos que lim nx = 0, portanto gn → g simplesmente em R. 

Figura 2.3: Gráficos das funções fn (x) = nx .

Fonte: Elaborada pela autora.


2.2. Sequências de funções reais 31

Percebamos que o n0 na convergência simples depende não somente do ε dado como


também do ponto em que se estuda a convergência da sequência. Quando for possível
encontrarmos um n0 que dependa apenas do ε e sirva para todos os pontos do domínio
das funções, teremos que a sequência de funções converge uniformemente.
Definição 2.5. Uma sequência de funções fn : X → R converge uniformemente para uma
função f : X → R quando, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < ε,
seja qual for x ∈ X.
Isto significa que existe n0 ∈ N tal que n > n0 implica que os gráficos das funções fn
estão totalmente contidos na faixa F (f, ε), onde
F (f, ε) = {(x, y) ∈ R2 ; x ∈ X, f (x) − ε < y < f (x) + ε}.

Figura 2.4: Faixa de raio ε em torno da função f .

Fonte: Elaborada pela autora.

Exemplo 2.4. A sequência gn : R → R de funções contínuas, definidas por


gn (x) = senn(nx) , converge uniformemente para a função g : R → R identicamente
nula. De fato, fixemos x ∈ R. Então lim gn (x) = lim senn(nx) = 0, pois |sen(nx)| ≤ 1
e lim n1 = 0. Como x foi tomado de maneira arbitrária, concluímos, para cada x ∈ R,
que lim gn (x) = 0. Assim, gn → g simplesmente em R. Mostraremos agora que esta
convergência é uniforme. Com efeito, dado ε > 0 tomemos n0 > 1ε . Então, para todo
x ∈ R, n > n0 ⇒ | senn(nx) | < n1 < ε. (Veja figura 2.5). 

Da definição, observamos que toda função uniformemente convergente é simplesmente


convergente. Porém, a recíproca não é válida como veremos nos exemplos a seguir.
Exemplo 2.5. A sequência do Exemplo 2.1 não converge uniformemente para a fun-
ção identicamente nula. De fato, tomemos ε = 12 . Seja qual for n0 ∈ N temos que
limx→1− xn0 = 1. Logo, existe δ > 0 tal que 1 − δ < x < 1 ⇒ xn0 > 12 . Ou seja, dado
ε = 12 , para qualquer n0 ∈ N existem pontos x ∈ [0, 1) tais que |fn0 (x) − f (x)| ≥ ε. 

Exemplo 2.6. A convergência da sequência de funções contínuas do Exemplo 2.2 não é


uniformemente. Com efeito, como para todo n ∈ N, fn0 (x) = nxn−1 (1 − 2xn ),temos que
1 1 1
as funções fn atingem no ponto √
n
2
seu valor máximo que é 4 , ou seja, fn √ n
2
= 14 .
Logo, dado qualquer ε < 14 , nenhuma função fn tem seu gráfico totalmente contido na
faixa de raio ε em torno da função identicamente nula. 
2.2. Sequências de funções reais 32

sen(nx)
Figura 2.5: Gráficos das funções fn (x) = n
.

Fonte: Elaborada pela autora.

Exemplo 2.7. A sequência do Exemplo 2.3 não converge uniformemente para a função
identicamente nula. De fato, dado ε = 1 para todo n0 ∈ N existem n ∈ N e x ∈ R tais
que |gn (x) − g(x)| = | nx | > 1. Ou seja, nenhuma função gn tem seu gráfico totalmente
contido em uma faixa de raio ε em torno da função identicamente nula. 

Assim como em sequências numéricas, a definição de sequência de Cauchy se aplica


para sequências de funções.

Definição 2.6. Diz-se que uma sequência de funções fn : X → R é uma sequência


de Cauchy quando, dado arbitrariamente um número ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
m, n > n0 ⇒ |fm (x) − fn (x)| < ε, para qualquer x ∈ X.

Ou seja, os termos da sequência estão tão próximos um do outro quanto queiramos.


O próximo teorema fornece outro método de garantir a convergência uniforme de uma
sequência de funções.

Teorema 2.9 (Critério de Cauchy). Uma sequência de funções fn : X → R é uniforme-


mente convergente se, e somente se, é uma sequência de Cauchy.

Demonstração. Suponha que (fn ) convirja uniformemente para f . Então, para todo
ε > 0 existe n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < 2ε , para todo x ∈ X. Assim,
m, n > n0 implicam

|fm (x) − fn (x)| = |fm (x) − f (x) + f (x) − fn (x)|


≤ |fm (x) − f (x)| + |fn (x) − f (x)|
ε ε
< +
2 2
= ε,

para todo x ∈ X. Portanto (fn ) é uma sequência de Cauchy.


Reciprocamente, se (fn ) é uma sequência de Cauchy então, para cada x ∈ X, os núme-
ros fn (x), n ∈ N, formam uma sequência de Cauchy. Daí, esta sequência converge para um
número real que chamaremos f (x). Isto define uma função f tal que f (x) = limn→∞ fn (x)
para todo x ∈ X. Mostraremos agora que fn → f uniformemente em X. Dado ε > 0,
2.2. Sequências de funções reais 33

existe n0 ∈ N tal que m, n > n0 ⇒ |fm (x) − fn (x)| < ε, para todo x ∈ X. Fixemos n e
x nesta desigualdade e façamos m → ∞, então n > n0 ⇒ |f (x) − fn (x)| ≤ ε para todo
x ∈ X. Isto prova que fn → f uniformemente.

Com este teorema podemos dar outra explicação do motivo pelo qual a sequência do
Exemplo 2.2 não converge uniformemente. Isto acontece porque ela não é de Cauchy.
A convergência uniforme fornece resultados importantes sobre a função-limite da
sequência. No teorema a seguir apresentamos uma delas, referente à continuidade.

Teorema 2.10. Seja fn : X → R uma sequência de funções contínuas no ponto a ∈ X.


Se (fn ) converge uniformemente para f : X → R, então f é contínua no ponto a.

Demonstração. Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < 3ε
para todo x ∈ X, pois (fn ) converge uniformemente para f . Fixando n > n0 , como fn é
contínua no ponto a, existe δ > 0 tal que x ∈ X e 0 < |x − a| < δ ⇒ |fn (x) − fn (a)| < 3ε .
Além disso, (fn ) converge simplesmente para f , então n > n0 ⇒ |fn (a) − f (a)| < 3ε .
Assim,

|f (x) − f (a)| = |f (x) − fn (x) + fn (x) − fn (a) + fn (a) − f (a)|


≤ |fn (x) − f (x)| + |fn (x) − fn (a)| + |fn (a) − f (a)|
ε ε ε
< + +
3 3 3
= ε.

Portanto, f é contínua no ponto a.

Notemos que se uma sequência de funções contínuas converge para uma função f
descontínua esta convergência não pode ser uniforme. É o caso da sequência do Exemplo
2.1. Além disso, mesmo que uma sequência de funções contínuas convirja para uma função
contínua, esta convergência pode ainda não ser uniforme, veja os Exemplos 2.2 e 2.3. De
todo modo, a descontinuidade da função limite é útil para garantirmos que a convergência
de uma sequência de funções contínuas não pode ser uniforme. Entretanto, mostraremos
em seguida um resultado que fornece as hipóteses necessárias para garantir a convergência
uniforme de uma sequência de funções contínuas. Para tal precisamos definir convergência
monotônica.

Definição 2.7. Diz-se que uma sequência de funções fn : X → R converge monotonica-


mente para uma função f : X → R quando, para cada x ∈ X, (fn )n∈N é uma sequência
monótona e converge para f (x).

Teorema 2.11 (Dini). Sejam X ⊂ R compacto e fn : X → R uma sequência de funções


contínuas. Se (fn ) converge monotonicamente para uma função contínua f : X → R,
então a convergência é uniforme.

Demonstração. Dado ε > 0, considere Xn = {x ∈ X; |fn (x) − f (x)| ≥ ε}, para cada
n ∈ N. Como fn e f são contínuas temos que Xn é fechado. De fato, se a ∈ Xn então
existe xn ∈ Xn tal que lim xn = a. Seja g(x) = |fn (x) − f (x)|. Temos que g é uma função
contínua. Daí, lim g(xn ) = g(a). Como xn ∈ Xn segue-se que g(xn ) = |fn (xn ) − f (a)| ≥ ε.
Assim, lim xn = a ⇒ g(a) ≥ ε, ou seja, a ∈ Xn . Além disso, cada Xn é um subcon-
junto de X, logo é limitado. Então, Xn é compacto. A monotonicidade da convergência
2.2. Sequências de funções reais 34

T
implica X1 ⊃, ..., ⊃ Xn ⊃, .... Mas Xn = ∅, pois x ∈ Xn para todo n ∈ N impli-
caria |fn (x) − f (x)| ≥ ε, o que seria um absurdo, já que limn→∞ fn (x) = f (x). As-
sim, algum Xn0 , e consequentemente todo Xn , com n > n0 é vazio. Isto significa que
n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < ε, para todo x ∈ X. Portanto a convergência é uniforme.

Este teorema nos diz que convergência simples implica convergência uniforme desde
que as funções da sequência sejam contínuas, estejam definidas num conjunto compacto,
a convergência simples seja monótônica e a função-limite seja contínua.
No Teorema 2.10 vimos uma propriedade importante em relação a função-limite de
uma sequência de funções contínuas. Além desta, a convergência uniforme nos fornece
outras relevantes em relação às derivadas e integrais, como veremos nos teoremas a seguir.
Teorema 2.12. Seja fn : [a, b] → R uma sequência de funções integráveis. Se
fn : [a, b] → R converge uniformemente para f : [a, b] → R, então f é integrável e
Rb Rb
a
f (x)dx = lim a fn (x)dx.
Demonstração. Dado ε > 0, da convergência uniforme da (fn ), existe n0 ∈ N tal que
ε
n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < 4(b−a) . Fixemos m > n0 . Como fm é integrável, existe
uma partição P de [a, b] tal que, indicando com ωi e ωi0P as oscilações de f e fm em cada
subintervalo [ti−1 , ti ] de P , respectivamente, temos que ωi0 (ti − ti−1 ) < 2ε . Assim,

|f (x) − f (y)| = |f (x) + fn (x) − fn (x) + fm (y) − fm (y) − f (y)|


≤ |fn (x) − f (x)| + |fm (y) − fn (x)| + |fm (y) − f (y)|
ε ε
< + ωi0 +
4(b − a) 4(b − a)
ε
= ωi0 + .
2(b − a)
ε
Daí, ωi ≤ ωi0 + . Então, a soma de f em relação à P é tal que
2(b − a)
X X ε

0
ωi (ti − ti−1 ) ≤ ωi + (ti − ti−1 )
2(b − a)
X ε

0
= ωi (ti − ti−1 ) + (ti − ti−1 )
2(b − a)
X X ε
= ωi0 (ti − ti−1 ) + (ti − ti−1 )
2(b − a)
ε ε
< + = ε.
2 2
Portanto, f é integrável. Além disso, n > n0 implica
Z b Z b Z b
f (x)dx − fn (x)dx = [f (x) − fn (x)]dx
a a a
Z b
≤ |f (x) − fn (x)|dx
a
Z b
ε
< dx
a 4(b − a)
ε ε
≤ (b − a) = < ε.
4(b − a) 4
2.2. Sequências de funções reais 35

Rb Rb
Assim, limn→∞ a
fn (x)dx = a
f (x)dx.
R R
Resumidamente, o Teorema 2.12 nos diz que lim fn = lim fn , desde que cada fn
seja integrável e (fn ) convirja uniformemente.
Diferente do Teorema 2.12, para garantirmos que (lim fn )0 = lim fn0 , em vez de su-
pormos que (fn ) converge uniformemente, precisamos da hipótese de que a sequência das
derivadas de fn convirja uniformemente. Vejamos.

Teorema 2.13. Seja (fn ) uma sequência de funções de classe C 1 no intervalo [a, b]. Se
(fn (c))n∈N converge para algum c ∈ [a, b] e as derivadas fn0 convergem uniformemente em
[a, b] para uma função g, então (fn ) converge uniformemente para uma função f , de classe
C 1 , tal que f 0 = g.

Demonstração. R Pelo Teorema 2.8, para cada n ∈ N e todo x ∈ [a, b] temos


x
fn (x) =R fn (c) + c fn0 (t)dt, pois fn0 é contínua. Fazendo n → ∞ temos que f (x) =
x
f (c) + c g(t)dt. Além disso, g é contínua e, novamente pelo Teorema 2.8, a função f
é derivável com f 0 (x) = g(x) para todo x ∈ [a, b]. Em particular, f 0 é contínua, isto é,
f ∈ C 1 . Resta mostrar que fn → f uniformemente. Ora, dado ε > 0 arbitrário, como
fn0 → g uniformemente existe n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ |fn0 (t) − g(t)| < 2(b−a) ε
para todo
t ∈ [a, b].
ε
Da convergência simples de (fn ) vem que n > n0 ⇒ |fn (c) − f (c)| < . Assim,
2
Z x Z x
|fn (x) − f (x)| = fn (c) + f 0 (t)dt − f (c) − g(t)dt
c c
Z x Z x
0
≤ |fn (c) − f (c)| + f (t)dt − g(t)dt
c c
Z x
≤ |fn (c) − f (c)| + |f 0 (t) − g(t)|dt
c
ε ε
< + (x − c)
2 2(b − a)
ε ε
≤ + (b − a) = ε,
2 2(b − a)

para todo n > n0 e para todo x ∈ [a, b]. Portanto fn → f uniformemente.

É importante ressaltarmos que estas propriedades satisfeitas pela convergência uni-


forme, de maneira geral, não são válidas se a convergência for a pontual.
A segunda diferença tratada aqui e a mais importante é em relação às condições em
que uma sequência de funções reais admite subsequência uniformemente convergente.
No caso das sequências numéricas vimos, no capítulo anterior, que toda sequência
limitada possui subsequência convergente (o teorema de Bolzano-Weierstrass nos garante
isto). No entanto, veremos que esta hipótese não é suficiente para o caso em que os
termos da sequência são funções, ou seja, não poderemos fazer uso da limitação de um
conjunto E de funções para garantirmos que uma sequência (fn ) de termos em E admite
subsequência uniformemente convergente. Como é mostrado nos exemplos a seguir.

Exemplo 2.8. Consideremos a sequência do Exemplo 2.1. Note que |fn (x)| = |xn | ≤ 1
para todo x ∈ [0, 1] e para todo n ∈ N. Logo, (fn ) é limitada. Além disso, vimos que
fn → f simplesmente, onde f : [0, 1] → R é definida por f (x) = 0 se x ∈ [0, 1) e f (1) = 1.
2.2. Sequências de funções reais 36

Então, se (fn ) possuisse uma subsequência uniformemente convergente, esta subsequência


deveria convergir uniformemente para f , o que é um absurdo pois f é descontínua. 

Exemplo 2.9. Seja E um conjunto cujos termos são as funções da sequência do Exemplo
2.2. Note que cada fn toma valores num conjunto limitado, pois 0 ≤ fn (x) ≤ 41 para todo
x ∈ [0, 1] e todo n ∈ N, mas (fn ) não possui subsequência uniformemente convergente. De
fato, se existisse uma subsequência de (fn ) convergindo uniformemente, tal subsequência
deveria convergir uniformemente para a função identicamente nula, o que é impossível,
pois cada fn assume o valor 14 em algum ponto do intervalo [0, 1]. 

Para garantirmos tal resultado precisamos de uma hipótese adicional, a equicontinui-


dade, que será apresentada no próximo capítulo.
3

Equicontinuidade e o teorema de
Arzelá-Ascoli

O conceito de equicontinuidade é considerado um tema fundamental na teoria das


funções de uma variável real, na qual é aplicado à família de funções contínuas. Ele foi
introduzido em 1883 pelo matemático italiano Giulio Ascoli.
Ascoli nasceu em 20 de janeiro de 1843 em Trieste e faleceu em 12 de julho de 1896
em Milão. Suas contribuições para a teoria das funções de uma variável real, foram muito
significativas, entre elas destaca-se a forma mais fraca, provada em 1884, do teorema,
denominado hoje, de Arzelá-Ascoli. Por sua vez, foi Cezare Arzelá quem provou um
resultado mais forte deste teorema.

Figura 3.1: Giulio Ascoli (1843−1896) e Cesare Arzelá (1847−1912).

Fonte: Domínio Público.1

Arzelá nasceu em 6 de março de 1847, em Santo de Magra, La Spezia, Itália e faleceu


em 15 de março de 1912 em sua terra natal. Em 1895, estabeleceu a condição necessária do
teorema de Arzelá-Ascoli. Ele provou o resultado que garante a existência de subsequência
uniformemente convergente em sequências de funções reais.
1
Imagens ordenadamente disponíveis em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Giulio_
ascoli.jpg e https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cesare_Arzel.jpg. Acesso em: 19 Abr.
2016.
3.1. Equicontinuidade 38

Existem outras duas versões do teorema de Arzelá-Ascoli. Uma delas é apresentada em


termos de compacidade, que foi estabelecida em 1904 pelo matemático Maurice Fréchet
(1878−1973) e vale para todo conjunto de funções contínuas definidas em um espaço
métrico compacto com valores reais, veja por exemplo (LIMA. Espaços métricos, vol.1.
2013). A outra, um pouco mais moderna, é válida para funções contínuas definidas em
um espaço compacto de Hausdorff2 com valores em um espaço métrico arbitrário. Como
nosso intuito é apresentá-lo somente na reta, não nos ateremos a estas generalizações.

3.1 Equicontinuidade
Nesta seção vamos apresentar o conceito de equicontinuidade. A partir dele, buscare-
mos resultados para demonstrar o teorema de Arzelá-Ascoli.
Definição 3.1. Diz-se que um conjunto E de funções f : X → R, todas com o mesmo
domínio X ⊂ R, é equicontínuo num ponto x0 ∈ X quando, dado um número ε > 0
arbitrário, existe um δ > 0 tal que x ∈ X e |x − x0 | < δ implicam |f (x) − f (x0 )| < ε para
qualquer f ∈ E.
Assim, dizer que E não é equicontínuo no ponto x0 ∈ X significa dizer que existe
ε > 0 tal que, para todo δ > 0 existem x ∈ X e f ∈ E tais que |x − x0 | < δ mas
|f (x) − f (x0 )| ≥ ε.
Um conjunto E de funções f : X → R é dito equicontínuo quando é equicontínuo em
todos os pontos de X.
Percebamos que se E é um conjunto equicontínuo então todas as funções f ∈ E são
contínuas. Além disso, um fato importante da definição é que o número δ escolhido a
partir do ε é o mesmo para todas as funções f .
Exemplo 3.1. Observemos que se E é formado por uma única função f : X → R, a qual
é contínua em X, então E é um conjunto equicontínuo. 

Exemplo 3.2. Seja E um conjunto de funções f : X → R definidas num conjunto X


discreto. Afirmamos que E é equicontínuo. De fato, toda função definida num con-
junto discreto é contínua. Seja x0 ∈ X. Dado ε > 0, basta tomar δ > 0 tal que
X ∩ (x0 − δ, x0 + δ) = {x0 }. Então |x − x0 | < δ, com x ∈ X, implica x = x0 , pois x0 é um
ponto isolado. Portanto, |x − x0 | < δ ⇒ |f (x) − f (x0 )| = 0 < ε, para qualquer f ∈ E. 
Embora toda função pertencente a um conjunto equicontínuo seja contínua, é impor-
tante destacarmos que nem todo conjunto formado por funções contínuas é equicontínuo.
Veja o exemplo a seguir.
Exemplo 3.3. O conjunto E = {f1 , ..., fn , ...}, cujo os termos são as funções da sequência
fn : R → R, definidas por fn (x) = nx, não é equicontínuo em ponto algum de R. Seja
x0 ∈ R. Dado ε = 21 , para qualquer δ > 0 podemos obter n ∈ N tal que 1/n < δ e então
o ponto x = x0 + n1 cumpre |x − x0 | = n1 < δ porém |fn (x) − fn (x0 )| = 1 > ε. Portanto
E não é equicontínuo em x0 . Como x0 foi tomado arbitrariamente, segue-se que E não é
equicontínuo em ponto algum de R. 

Entretanto, se as funções contínuas do conjunto E formam uma sequência uniforme-


mente convergente, este conjunto é equicontínuo. O teorema a seguir nos garante isto.
2
É um espaço topólogico no qual dois pontos distintos possuem vizinhanças distintas.
3.1. Equicontinuidade 39

Teorema 3.1. Um conjunto E formado por uma sequência de funções contínuas unifor-
memente convergente é um conjunto equicontínuo.

Demonstração. Com efeito, sejam fn : X → R uma sequência que converge unifor-


memente para a função f : X → R e x0 ∈ X. Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que
n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < 3ε para todo x ∈ X. Além disso, pelo Teorema 2.10, f
é contínua. Como cada fn é contínua existe δ = min{δf , δf1 , ..., δfn0 } tal que x ∈ X e
|x − x0 | < δ implicam |f (x) − f (x0 )| < 3ε e |fi (x) − fi (x0 )| < 3ε , com i = 1, ..., n0 . Da
convergência simples de (fn ) resulta que n > n0 ⇒ |fn (x0 ) − f (x0 )| < 3ε . Então, quando
n > n0 as condições x ∈ X e |x − x0 | < δ implicam

|fn (x) − fn (x0 )| = |fn (x) − f (x) + f (x) − f (x0 ) + f (x0 ) − fn (x0 )|
≤ |fn (x) − f (x)| + |f (x) − f (x0 )| + |f (x0 ) − fn (x0 )|
ε ε ε
< + + = ε,
3 3 3
para todo n ∈ N. Logo, E é equicontínuo no ponto x0 ∈ X. Como x0 foi tomado arbitra-
riamente segue-se que E é equicontínuo em X.

Com o Teorema 3.1 podemos, de maneira mais simples, exibir exemplos de conjuntos
equicontínuos.

Exemplo 3.4. O conjunto F cujos termos são as funções da sequência do Exemplo 2.4 é
equicontínuo. 

Exemplo 3.5. O conjunto E formado pela sequência de funções fn : [0, 1] → R definidas


2
por fn (x) = x +nx
n
é equicontínuo. De fato, vamos mostrar que (fn ) converge uniforme-
mente para a função f : [0, 1] → R dada por f (x) = x. Para isto, mostraremos primeiro
que fn → f simplesmente em [0, 1]. Fixemos x ∈ [0, 1]. Então
 2   2 
x + nx x
lim fn (x) = lim = lim + x = x.
n n

Como x foi tomado arbitrariamente, para cada x ∈ [0, 1], f (x) = lim fn (x) = x, ou seja,
fn → f simplesmente. Mostraremos agora que fn → f uniformemente em [0, 1]. De fato,
dado ε > 0 escolha n0 > 1ε . Então

x2 1
|fn (x) − f (x)| = ≤ <ε
n n

para todo n > n0 e para todo x ∈ [0, 1]. 

Exemplo 3.6. O conjunto E cujos termos são as funções contínuas da sequência


fn : [0, 21 ] → R, definidas por fn (x) = xn , é equicontínuo. De fato, mostraremos que
(fn ) converge uniformemente para a função identicamente nula. Observemos que fixando
x ∈ [0, 12 ] temos que lim fn (x) = lim xn = 0. Como x foi tomado de modo arbitrário,
podemos garantir (fn ) converge simplesmente para a função identicamente nula em [0, 12 ].
Vamos mostrar agora que a convergência é uniforme. De fato, dado ε > 0 podemos tomar
n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ ( 12 )n < ε, pois lim( 12 )n = 0. Então, para todo x ∈ [0, 21 ] temos
n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| = |xn − 0| = xn ≤ ( 12 )n < ε. 
3.1. Equicontinuidade 40

Definição 3.2. Um conjunto E de funções f : X → R é uniformemente equicontínuo


quando, dado ε > 0 arbitrário, existir δ > 0 tal que x, y ∈ X e |x − y| < δ implicam
|f (x) − f (y)| < ε para qualquer f ∈ E.

Isto significa que o δ escolhido a partir do ε, além de ser o mesmo para toda f ∈ E, é
o mesmo para todos os pontos de X.

Exemplo 3.7. Sejam I um intervalo e E um conjunto formado por funções deriváveis em


I. Se existe c > 0 tal que |f 0 (x)| ≤ c, para toda f ∈ E e para todo x ∈ I, então E é um
conjunto uniformemente equicontínuo. De fato, seja x0 ∈ I, dado ε > 0 tomemos δ = εc .
Se x ∈ I é tal que |x − x0 | < δ então pelo Teorema 2.4, existe z ∈ (x0 , x) de modo que
f (x) − f (x0 ) = f 0 (z)(x − x0 ). Daí, |f (x) − f (x0 )| = |f 0 (z)||x − x0 | ≤ c|x − x0 | < cεc = ε,
para toda f ∈ E e todo x ∈ I. 

Exemplo 3.8. Considere agora o conjunto F , cujos termos são funções contínuas
f : I → R no intervalo I e tais que existe c > 0 tal que |f (x)| ≤ c, para toda f ∈ F e
todo x R∈ I. Deste modo, o conjunto E formado pelas funções g : I → R, definidas por
x
g(x) = a f (t)dt é uniformemente equicontínuo. De fato, pelo Teorema 2.8 temos que g é
uma primitiva de f , ou seja, g 0 (x) = f (x), para todo x ∈ I. Então, |g 0 (x)| = |f (x)| ≤ c,
para toda g ∈ E e todo x ∈ I. Decorre do Exemplo 3.7, que E é uniformemente equicon-
tínuo. 

Destacamos que todo conjunto uniformemente equicontínuo é equicontínuo, mas a


recíproca não é válida. Um exemplo simples de um conjunto equicontínuo que não é
uniformemente equicontínuo, é um conjunto formado por uma única função contínua que
não é uniformemente contínua. Podemos então considerar o conjunto E = {f }, onde
f : R → R é definida por f (x) = x2 . Vimos no Exemplo 1.11, que f não é uniformemente
contínua. Logo, E não é uniformemente equicontínuo. Porém, se o domínio das funções
f ∈ E for um conjunto compacto, o teorema seguinte garante a uniformidade de E.

Teorema 3.2. Todo conjunto equicontínuo E de funções f : K → R, definidas no con-


junto compacto K ⊂ R, é uniformemente equicontínuo.

Demonstração. Suponhamos que E não seja uniformemente equicontínuo, então po-


demos obter ε > 0 tal que para todo n ∈ N existem pontos xn , yn ∈ X e uma função
fn ∈ E tais que |xn − yn | < 1/n mas |fn (xn ) − fn (yn )| ≥ ε. Em virtude da compa-
cidade de X, podemos supor que lim xn = x ∈ K e, como |xn − yn | < 1/n, teremos
também que lim yn = x. Como E é equicontínuo no ponto x, existe δ > 0 tal que z ∈ K,
|z − x| < δ ⇒ |f (z) − f (x)| < ε/2. Ora, para todo n suficientemente grande, temos que
|xn − x| < δ e |yn − x| < δ, daí

|fn (xn ) − fn (yn )| = |fn (xn ) − fn (x) + fn (x) − fn (yn )|


≤ |fn (xn ) − fn (x)| + |fn (yn ) − fn (x)|
ε ε
< + = ε,
2 2
o que é uma contradição. Portanto E é uniformemente equicontínuo.

Com este resultado, podemos garantir que os conjuntos dos Exemplos 3.5 e 3.6 são
uniformemente equicontínuos.
3.1. Equicontinuidade 41

Definição 3.3. Diz-se que uma sequência de funções (fn ) é equicontínua no ponto x0 ∈ X
quando o conjunto E = {f1 , f2 , ..., fn , ...} é equicontínuo neste ponto. E é dita equicontí-
nua em X, quando for equicontínua em todos os pontos x0 ∈ X.

Deste modo, as sequências dos Exemplos 3.4, 3.5 e 3.6 são equicontínuas.
Assim como a continuidade simples, a equicontinidade é uma propriedade local. Então,
uma sequência fn : X → R de funções contínuas é equicontínua desde que cada ponto
x0 ∈ X seja centro de um intervalo I tal que (fn ) convirja uniformemente em I ∩ X. Com
esta informação podemos garantir que a sequência do próximo exemplo é equicontínua.

Exemplo 3.9. A sequência de funções do Exemplo 2.3 é equicontínua em R, pois converge


uniformemente para a função g : R → R identicamente nula em cada parte limitada
X ⊂ R. Com efeito, já mostramos que gn → g simplesmente em R. Vamos mostrar agora
que esta convergência é uniforme em X. Existe c > 0 tal que |x| ≤ c para todo x ∈ X.
Então, dado ε > 0 tomemos n0 > εc . Daí n > n0 ⇒ |gn (x) − g(x)| = | nx | < εcc = ε, para
todo x ∈ X. Portanto (gn ) converge uniformente para g em X. 

Todos os termos de uma sequência equicontínua são funções contínuas, porém ressal-
tamos que nem toda sequência formada por funções contínuas é equicontínua. É o caso
da sequência do Exemplo 3.3.
Foi visto no capítulo anterior que, em geral, convergência simples não implica conver-
gência uniforme. Para isto é necessário algumas hipóteses adicionais, como foi mostrado
no Teorema 2.11. Existe porém, uma outra situação em que se pode garantir tal implica-
ção. Veremos isto no próximo teorema.

Teorema 3.3. Seja D ⊂ X um subconjunto denso em X. Se uma sequência equicontínua


de funções fn : X → R converge simplesmente em D, então fn converge uniformente em
cada subconjunto compacto K ⊂ X.

Demonstração. Vamos mostrar que (fn ) é uma sequência de Cauchy em K. Dado


ε > 0, para cada d ∈ D, existe nd ∈ N tal que m, n > nd ⇒ |fm (d) − fn (d)| < 3ε .
Além disso, para todo y ∈ K, existe um intervalo aberto Iy , de centro y, tal que
ε
x, s ∈ X ∩ Iy ⇒ |fn (x) − fS
n (s)| < 3 qualquer que seja n ∈ N, em virtude do Teorema 3.2.
Da cobertura aberta K ⊂ Iy , podemos extrair uma subcobertura finita K ⊂ I1 ∪ ... ∪ Ip ,
pois K é compacto. Por outro lado, sendo D denso em X, em cada um dos intervalos Ii ,
podemos escolher um número di , tal que di ∈ Ii ∩ D. Tomemos n0 = max{nd1 , ..., ndp }.
Então, se m, n > n0 , para todo x ∈ K temos que

|fm (x) − fn (x)| = |fm (x) − fm (di ) + fm (di ) − fn (di ) + fn (di ) − fn (x)|
≤ |fm (x) − fm (di )| + |fm (di ) − fn (di )| + |fn (di ) − fn (x)|
ε ε ε
< + +
3 3 3
= ε.

Portanto (fn ) é uma sequência de Cauchy e, pelo Teorema 2.9, converge uniformemente
em K.

Este resultado será muito útil na prova do teorema de Arzelá-Ascoli, apresentado na


próxima seção.
3.2. O teorema de Arzelá-Ascoli 42

3.2 O teorema de Arzelá-Ascoli


O teorema de Arzelá-Ascoli é a base de muitos resultados importantes na matemá-
tica. Antes de apresentarmos sua demonstração, vamos definir sequência simplesmente e
uniformemente limitada.
Definição 3.4. Diz-se que um conjunto E de funções f : X → R é simplesmente limitado
(ou pontualmente limitado) quando, para cada x ∈ X, existe um número cx > 0 tal que
|f (x)| ≤ cx para toda f ∈ E. Quando existir c > 0 tal que |f (x)| ≤ c para toda f ∈ E e
todo x ∈ X, diremos que o conjunto E é uniformemente limitado.
Deste modo, uma sequência (fn ) é simplesmente limitada quando o conjunto
{f1 , ..., fn , ...} for simplesmente limitado. Similarmente, uma sequência (fn ) é unifor-
memente limitada quando o conjunto {f1 , ..., fn , ...} for uniformemente limitado.
Exemplo 3.10. A sequência do Exemplo 2.3 é simplesmente limitada. De fato, para cada
x ∈ R fixado, basta considerar cx = |x|. Então, segue-se que cx > 0 e |fn (x)| = | nx | ≤ |x|
para todo n ∈ N. 

Exemplo 3.11. A sequência de funções hn : R → R definidas por hn (x) = x + nx é


simplesmente limitada. Com efeito, consideremos, para cada x ∈ R fixado, cx = 2|x|.
Então |hn (x)| = |x + nx | ≤ |x| + | nx | ≤ 2|x| para todo n ∈ N. 

Exemplo 3.12. Seja K compacto. Toda sequência de funções contínuas, definidas em


K, uniformemente convergente é uniformemente limitada. De fato, se fn → f unifor-
memente em K, dado ε = 1 existe n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ |fn (x) − f (x)| < 1 para
todo x ∈ K. Sabemos que |fn (x)| − |f (x)| ≤ ||fn (x)| − |f (x)|| ≤ |fn (x) − f (x)|. Então,
n > n0 ⇒ |fn (x)| < |f (x)| + 1 para todo x ∈ K. Como K é compacto e f é contínua,
segue-se que f é limitada, ou seja, existe c > 0 tal que |f (x)| ≤ c para todo x ∈ K.
Assim, |fn (x)| ≤ c + 1 para todo x ∈ K e todo n > n0 . Além disso, cada fn é li-
mitada, ou seja, existe ci > 0 tal que |fi (x)| ≤ ci , com i = 1, ..., n0 . Então, tomando
M = max{c1 , ..., cn0 , c + 1} temos que |fn (x)| ≤ M , para todo x ∈ K e todo n ∈ N. 

Teorema 3.4 (Arzelá-Ascoli). Seja K compacto. Toda sequência de funções fn : K → R


equicontínua e simplesmente limitada possui uma subsequência uniformemente conver-
gente.
Demonstração. Invocando o Teorema 1.14 do capítulo 1, podemos obter um subcon-
junto D ⊂ K enumerável e denso em K. Vamos mostrar que (fn ) possui uma subsequência
simplesmente convergente em D.
Seja D = {x1 , ..., xn , ...}. A sequência numérica (fn (x1 ))n∈N , sendo limitada, por
Bolzano-Weierstrass, possui subsequência convergente. Então, podemos obter um sub-
conjunto infinito N1 ⊂ N tal que existe o limite a1 = limn∈N1 fn (x1 ). Pelo mesmo
motivo, sendo (fn (x2 ))n∈N1 limitada, podemos achar um subconjunto infinito N2 ⊂ N1
tal que existe o limite a2 = limn∈N2 fn (x2 ). Assim, prosseguindo de modo análogo,
para cada i ∈ N, conseguimos um subconjunto infinito Ni ⊂ N, de tal forma que
N1 ⊃ N2 ⊃ ... ⊃ Ni ⊃ ... e existe o limite ai = limn∈Ni fn (xi ). Definimos então um
subconjunto infinito N0 ⊂ N tomando como i-ésimo elemento de N0 o i-ésimo elemento de
Ni . Daí, para cada i ∈ N, a sequência (fn (xi ))n∈N0 é, a partir do seu i-ésimo elemento,
uma subsequência de (fn (xi ))n∈Ni e, portanto, converge. Isto mostra que a subsequência
(fn )n∈N0 converge simplesmente em D. Como D é denso em K, em virtude do Teorema
3.3, esta convergência é uniforme em K. E o teorema está provado.
3.2. O teorema de Arzelá-Ascoli 43

Observação 3.1. Usamos na demonstração deste teorema o "método da diagonal" de


Cantor. Caso não tenha conhecimento, o leitor pode consultar página 53 de
(LIMA. Curso de análise, vol.1. 2013).

Percebamos que na demonstração, provamos um resultado mais fraco que o Teorema


3.4. Tal resultado diz que toda sequência de funções simplesmente limitada fn : X → R,
definidas num conjunto enumerável, possui uma subsequência simplesmente convergente.
Com o Teorema 3.4 podemos explicar porque as sequências dos Exemplos 2.1 e 2.2
não possuem subsequência uniformemente convergente. Isto acontece porque elas não são
equicontínuas. Para mostrar esta afirmação, é suficiente provar que as sequências não são
equicontínuas em um ponto x0 ∈ [0, 1].
Para o Exemplo 2.1 vamos considerar x0 = 1. Então, tomando ε = 21 , para todo
δ > 0 existe x = 1 − 2δ ∈ [0, 1] tal que |x − x0 | = |1 − 2δ − 1| = | 2δ | < δ, mas
|fn (x) − fn (x0 )| = |(1 − 2δ )n − 1| ≥ |1 − nδ
2
− 1| = nδ
2
> 12 = ε, para algum n ∈ N.

Observação 3.2. É importante destacarmos (caso não tenha ficado claro para o lei-
tor) que nas duas últimas desigualdades acima, usamos a Desigualdade de Bernoulli e a
Propriedade Arquimediana.

Para o Exemplo 2.2 também vamos considerar x0 = 1. Assim, tomando ε = 15 , para


1 1
todo δ > 0, existe n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ | √ n
2
− 1| < δ, pois lim √n
2
= 1. Tome
1 1 1 1
m ∈ N de modo que xm = m 2 ∈ (1 − n 2 , 1 + n 2 ), então |xm − 1| = | m 2 − 1| < δ, mas
√ √ √ √

|fm ( m√1 2 ) − fm (1)| = | 14 − 0| = 14 > 15 = ε, pois m√1 2 é ponto de máximo de fm .


Com isto, garantimos que as sequências fn (x) = xn e fn (x) = xn (1 − xn ), definidas
em [0, 1], não são equicontínuas.
Um fato importante sobre o Teorema 3.4 é que a hipótese de o conjunto, onde as
funções estão definidas, ser compacto é indispensável. Se ele não fosse, não poderíamos
garantir o resultado.

Exemplo 3.13. Consideremos novamente a sequência do Exemplo 2.3. Temos que (gn )
é equicontínua e simplesmente limitada, porém não possui subsequência uniformente con-
vergente. De fato, se (gn ) possuísse subsequência uniformemente convergente, tal sub-
sequência deveria convergir uniformemente para a função identicamente nula, o que é um
absurdo. 

Vale uma espécie de recíproca do teorema de Arzelá-Ascoli, que será apresentada a


seguir. Mas, salientamos que a parte mais útil do resultado é dada no Teorema 3.4.

Teorema 3.5. Se toda sequência de funções contínuas fn : K → R, definidas num


compacto K, possui uma subsequência uniformemente convergente, então o conjunto
E = {fn ; n ∈ N} é equicontínuo e uniformemente limitado em K.

Demonstração. Para demonstrar o teorema, vamos proceder por absurdo. Se E não


fosse equicontínuo em algum ponto x0 ∈ K, existiria um número ε > 0 tal que, para
todo n ∈ N, poderíamos obter uma sequência de pontos xn ∈ X e funções fn ∈ E, com
|xn − x0 | < n1 e |fn (xn ) − fn (x0 )| ≥ ε. Sem perda de generalidade podemos admitir que
fn → f uniformemente em K. Então, pelo Teorema 3.1, a sequência (fn ) é equicontínua.
Daí, existe δ > 0 tal que x ∈ K, |x − x0 | < δ ⇒ |fn (x) − fn (x0 )| < ε para todo n ∈ N.
Em particular, tomando n > 1δ obtemos |xn − x0 | < δ ⇒ |fn (x) − fn (x0 )| < ε, o que
é uma contradição. Então, E é equicontínuo. Além disso, E é uniformemente limitado,
3.2. O teorema de Arzelá-Ascoli 44

pois se assim não fosse existiria, para cada n ∈ N, uma função fn ∈ E tal que |fn (x)| > n.
Donde concluiríamos que nenhuma subsequência de (fn ) seria uniformemente limitada, o
que contradiz a hipótese, em virtude do Exemplo 3.12.

Vamos terminar esta seção mostrando uma aplicação do teorema de Arzelá-Ascoli


em um resultado muito importante da teoria das Equações Diferenciais Ordinárias. Tal
resultado é o teorema de Peano, que estabelece a garantia da existência de soluções de uma
equação diferencial y 0 = f (x, y), assumindo apenas a continuidade de f . Esta solução é
construída como limite uniforme de uma sequência de funções contínuas, e o que garante a
existência desta sequência uniformemente convergente é exatamente o teorema de Arzelá-
Ascoli.
Uma equação diferencial ordinária de ordem n é uma igualdade que contém uma
variável independente x, uma variável dependente y e suas derivadas y 0 , y 00 , y 000 , ..., y (n) .
Uma solução de uma EDO da forma y 0 = f (x, y) é uma função derivável, no qual ela e
sua derivada satisfazem a equação. Sem mais, vamos ao resultado.
É importante destacarmos que o teorema de Peano garante apenas a existência e não
a unicidade de soluções de uma EDO. Para mais detalhes sobre esta teoria, indicamos
(BOYCE, 2010).

Teorema 3.6 (Peano). Sejam (x0 , y0 ) ∈ R2 , a, b > 0 e K = [x0 −a, x0 +a]×[y0 −b, y0 +b].
Se f : K → R é uma função contínua, então existe c, com 0 < c ≤ a, tal que a equação
diferencial y 0 = f (x, y) tem solução, definida em [x0 − c, x0 + c] e passando pelo ponto
(x0 , y0 ).

Demonstração. A solução desta equação é uma função u : [x0 − c, x0 + c] → R tal que


u0 = f (x, u) e u(x0 ) = y0 . É suficiente mostrar o caso [x0 , x0 + c], pois o outro é análogo.
Como f é contínua e K é compacto existe M > 0 tal que |f (x, y)| ≤ M para todo
(x, y) ∈ K. Tome c = min{ Mb , a} e considere I0 = [x0 , x0 + c].
Para cada n ∈ N considere Ir = [x0 + (r−1)c n
, x0 + rc
n
], com r = 2, ..., n. Definamos a
função yn : I0 → R da seguinte maneira
(
y0 , x ∈ I1
yn (x) = R x− c
y0 + x0 f (t, yn (t))dt, x ∈ I2 , ..., In .
n

Note que se x ∈ Ir , então yn (x) está definida em termos de yn (t), para t ∈ I1 ∪ ... ∪ Ir−1 .
Portanto, yn está bem definida. Além disso, afirmamos que o conjunto E = {yn ; n ∈ N}
é simplesmente limitado e equicontínuo em I0 . De fato, temos que

Z x− nc Z x− nc
|yn (x)| = y0 + f (t, yn (t))dt ≤ |y0 | + f (t, yn (t))dt
x0 x0
Z x− nc Z x− nc
≤ |y0 | + |f (t, yn (t))|dt ≤ |y0 | + M dt
x0 x0
 c 
≤ |y0 | + x − − x0 M ≤ |y0 | + cM = L > 0,
n
para todo x ∈ [x0 , x0 + c]. Portanto, E é limitado. Além disso, dado ε > 0 considere
δ = Mε . Daí x, z ∈ I0 e |x − z| < δ implicam
3.2. O teorema de Arzelá-Ascoli 45

Z x− nc Z z− nc
|yn (x) − yn (z)| = y0 + f (t, yn (t))dt − y0 − f (t, yn (t))dt
x0 x0
Z x− nc Z x0
= f (t, yn (t))dt + f (t, yn (t))dt
x0 z− nc
Z x− nc
= f (t, yn (t))dt
z− nc
Z x− nc
≤ |f (t, yn (t))|dt
z− nc

≤ M |x − z| < M δ = =ε
M
para todo n ∈ N, ou seja, E é equicontínuo. Então, pelo teorema de Arzelá-Ascoli, (yn )
possui uma subsequência (ynk )k∈N que converge uniformemente em I0 . Definamos

u(x) = lim ynk (x)

para todo x ∈ I0 . Vamos mostrar que u é solução de y 0 = f (x, y). Por definição temos
que
Z x− c
nk
ynk = y0 + f (t, ynk (t))dt
x0
Z x Z x− nc
k
= y0 + f (t, ynk (t))dt + f (t, ynk (t))dt
x0 x

Perceba que
Z x Z x Z x Z x
lim f (t, ynk (t))dt = lim f (t, ynk (t))dt = f (t, lim ynk (t)) = f (t, u(t))dt
x0 x0 x0 x0

pois f é contínua e (ynk ) converge uniformemente. Além disso, temos que


Z x− nc
k M
0≤ f (t, ynk (t))dt ≤ .
x nk
R x− c
Daí, lim x
nk
f (t, yn (t))dt = 0. Logo,
Z x
u(x) = lim ynk = y0 + f (t, u(t))dt.
x0

Como u(x0 ) = y0 e, pelo Teorema 2.8 temos que u0 (x) = f (t, u(t)), segue-se que u é
solução de y 0 = f (x, y).

Observação 3.3. Embora a função f não esteja definida em R, observemos que os re-
sultados que foram utilizados na demonstração do teorema de Peano, não fugiram dos
resultados expostos neste trabalho.
Conclusão

As sequências de funções reais se destacam na matemática pela sua aplicabilidade.


Saber quando uma sequência de funções admite subsequência uniformemente convergente
é uma questão que ocorre com certa frequência em muitas áreas da análise.
Com isto, apresentamos neste trabalho o teorema de Arzelá-Ascoli que fornece exata-
mente a condição necessária para a existência de subsequência uniformemente convergente
em sequências limitadas de funções reais. Neste caso a condição é a equicontinuidade.
Com a aplicação no teorema de Peano, resultado importante da teoria das equações
diferenciais ordinárias, pudemos ver o quão relevante o teorema de Arzelá-Ascoli é. Vale
ressaltar que ele também é aplicado em outras teorias, como: Cálculo das variações,
Análise funcional e Funções de uma variável complexa. Mostramos uma, pois nossa
intenção foi motivar o leitor a estudar este resultado na sua versão generalizada, ou seja,
em espaços métricos, e verificar suas outras aplicações.
Deste modo, esperamos ter conseguido elaborar um texto claro, capaz de despertar a
curiosidade do leitor para aprofundar seus conhecimentos sobre este tema.
Referências Bibliográficas

BARTLE, R. G. The elements of real analysis. 2. ed. New York: John-Wiley & Sons,
1967.

BOYCE, W. E.; DIPRIMA, R. C. Equações diferenciais elementares e problemas de va-


lores de contorno. 9. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010.

FIGUEIREDO, D. G. Análise I. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2013.

LIMA, E. L. Análise real, vol. 1. 12. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2013.

LIMA, E. L. Curso de análise, vol. 1. 14. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2013.

LIMA, E. L. Espaços métricos. 5. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2013.

RUDIN, W. Principles of Mathematical Analysis. 3. ed. New York: McGraw-Hill, 1976.

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