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Universidade Federal de São Paulo

Instituto de Ciência e Tecnologia

Bacharelado em Matemática Computacional

INTRODUÇÃO À TEORIA ANALÍTICA DOS


NÚMEROS

Júlio César Graves

São José dos Campos

19 de fevereiro de 2023
Júlio César Graves

INTRODUÇÃO À TEORIA ANALÍTICA DOS


NÚMEROS

Dissertação apresentada à Universidade Fe-


deral de São Paulo – Instituto de Ciên-
cia e Tecnologia como parte dos requisitos
para a obtenção do título de Bacharel em
Matemática Computacional.
Orientador:
Prof. Dr. Robson Oliveira da Silva

São José dos Campos

19 de fevereiro de 2023
Graves, Júlio César
Introdução à teoria analítica dos números / Júlio César Graves. –
São José dos Campos, 2023.
xiii, 145f.

Dissertação (Bacharel) – Universidade Federal de São Paulo, Instituto


de Ciência e Tecnologia. Programa de Graduação em Matemática Com-
putacional.

Título em inglês: Introduction in analytical number theory.

1. Teoria dos números. 2. Cálculo discreto. 3. Caráteres. 4. Funções


Aritméticas.
Universidade Federal de São Paulo

Instituto de Ciência e Tecnologia

Programa de Graduação em Matemática Computacional

Diretora Acadêmica: Profa. Dra. Regiane Albertini de Carvalho

Coordenadora do Curso: Profa. Dra. Vanessa Gonçalves Paschoa Ferraz

iii
Júlio César Graves

INTRODUÇÃO À TEORIA ANALÍTICA DOS


NÚMEROS

Presidente da banca:

Prof. Dr. Robson Oliveira da Silva

Banca examinadora:

Prof. Dr. Robson Oliveira da Silva

Prof. Dr. Tiago Rodrigues Macedo

Profa. Dra. Vanessa Gonçalves Paschoa Ferraz

iv
Dedico esse trabalho a todos àqueles que perderam entes queridos durante a pandemia em
decorrência da negação da ciência, e luto para que a ciência não seja usada indevidamente
para manipulação da opinião pública.

v
Agradecimentos

Agradeço ao suporte do Prof. Dr. Robson Oliveira da Silva, por suporte semanal no
desenvolvimento do conteúdo apresentado.

Agradeço aos meus pais por terem me apoiado em todas minhas decisões desde a mais tenra
infância.

Agradeço por fim a minha esposa Laís Rangel Tsujimoto pelo apoio incondicional.

vi
Mathematicians have tried in vain to this day to discover some order in the sequence of prime
numbers, and we have reason to believe that it is a mystery into which the human mind will
never penetrate.

Leonhard Euler
viii
Resumo

Esse trabalho trata de noções fundamentais de Teoria Analítica dos Números, cobrindo
tópicos como funções aritmética e algumas propriedades, exemplos de funções aritméticas
relevantes para a teoria dos números, além de funções especiais como zeta de Riemann, gama
e do número harmônico. No trabalho, foram enunciados teoremas e identidades relevantes
para a análise de comportamento assintótico de funções aritméticas como a Identidade de
Abel e Soma de Euler, usando dos conceitos da constante e Euler-Masheroni generalizada
e das notações Big-O. Usando propriedades de grupos, o conceito de Caráter é introduzido
com suas propriedades. Para funções aritméticas periódicas, enunciamos o teorema da
interpolação de Lagrange, as expansões finitas de Fourier, as somas de Ramanujan e as somas
de Gauss. Na sequência, tratamos das séries de Dirichlet, seus semiplanos de convergência,
sua forma exponencial e valor médio. Entao discutimos as funções L de Dirichlet e zeta
de Hurwitz com objetivo de estender analiticamente a função zeta de Riemann, culminando
nos números de Bernoulli. Por fim, introduzimos uma forma não convencional de definir
derivação em funções aritméticas, denominada derivação discreta. Nesse tópico, propomos
métodos para encontrar fórmulas fechadas para somas finitas e convergência para limites
complicados, além de definir somas indefinidas e uma notação diferente para potências. Tal
notação nos permitiu usar propriedades de derivação similares as do cálculo convencional,
mas aplicados a somatórios, parecendo promissor.

Palavras-chave: Teoria Analítica dos números, Cálculo discreto, Caráteres, Funções Aritméticas

ix
Abstract

In this work, the authors present a comprehensive introduction to the fundamental concepts
of number theory. The topics covered include arithmetic functions and their interesting
properties, examples of arithmetic functions relevant to number theory, and special functions
such as Riemann’s zeta, the gamma function, and the harmonic number.
The authors then delve into a set of theorems and identities that allow the analysis of the
asymptotic behavior of arithmetic functions, including Abel’s Identity and Euler’s Sum,
using the concepts of generalized Euler-Masheroni’s constant and Big-O notations. They
also introduce the concept of Characters, including their properties, by taking advantage of
group properties.
For periodic arithmetic functions, the authors present Lagrange’s interpolation theorem,
finite Fourier expansions, and the Ramanujan and Gauss sums. Additionally, they introduce
Dirichlet’s series, covering topics such as the semi-plan of convergence, exponential formu-
lation, and mean value. The authors then introduce Hurwitz’s zeta and Dirichlet L functions,
driving the definition of Bernoulli’s numbers and polynomials, to cover the analytical ex-
tension of Riemann’s zeta.
Finally, the authors present an unconventional way of defining derivation in arithmetic
functions, called discrete derivation. In this topic, they propose methods to find closed
formulas for finite and infinite sums, evaluate complicated limits, and introduce indefinite
sums and a different notation for powers. This notation shows promising properties, creating
a similarity to conventional calculus, but applied to summations.

Keywords: Analytic Number theory, Discrete Calculus, Characters, Arithmetic functions

x
Sumário

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO 2 – INTRODUÇÃO ÀS FUNÇÕES ARITMÉTICAS 4

2.1 Função Aritmética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2.2 Algumas funções aritméticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas . . . . . . . . . 13

2.3.1 Propriedades da função Identidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.3.2 Propriedades da função 𝜆 de Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.3.3 Propriedades da função 𝜇 de Möbius . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

2.3.4 Propriedades da função 𝜑 de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

2.3.5 Propriedades da função Λ de Mangoldt . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

2.3.6 Propriedades da função 𝜓 de Cherbyshev . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2.3.7 Propriedades da função 𝜗 de Cherbyshev . . . . . . . . . . . . . . . . 22

2.3.8 Propriedades da função 𝜋 para contagem de primos . . . . . . . . . . . 24

2.3.9 Propriedades da função ϖ indicadora de primos . . . . . . . . . . . . . 25

2.3.10 Propriedades do número Harmônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

2.3.11 Propriedades da função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

2.3.12 Propriedades da função Zeta de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . 28

CAPÍTULO 3 – COMPORTAMENTO ASSINTÓTICO DO VALOR MÉDIO DE FUN-


ÇÕES ARITMÉTICAS 36
3.1 Fórmula de Euler para somatórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

3.2 Identidade de Abel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

3.3 Constante de Euler-Mascheroni generalizada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

3.4 Notação assintótica Big-O e comportamento assintótico . . . . . . . . . . . . . 42

3.5 Valor médio de uma função aritmética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

3.5.1 Valor médio de 𝜏(𝑛) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

3.5.2 Valor médio de 𝜎(𝑛) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

3.5.3 Valor médio de 𝜎𝑘 (𝑛) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

3.5.4 Valor médio de 𝜑(𝑛) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

CAPÍTULO 4 – CARÁTERES E CARÁTERES DE DIRICHLET 51

4.1 Teorema da Representação de Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

4.2 Caráteres e caráteres em grupos abelianos finitos . . . . . . . . . . . . . . . . 57

4.3 Caráteres de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

CAPÍTULO 5 – FUNÇÕES ARITMÉTICAS PERIÓDICAS 69

5.1 Teorema da interpolação de Lagrange . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

5.2 Expansão finita de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

5.3 Soma de Ramanujan . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

5.4 Soma de Gauss associada aos caráteres de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . 74

5.5 Módulo induzido e caráter primitivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

5.6 Condutor de um caráter . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

CAPÍTULO 6 – CONVERGÊNCIA, SÉRIE DE DIRICHLET E PRODUTO DE EU-


LER 81

6.1 Multiplicação de séries de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

6.2 Produto de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

6.3 Relação entre os semiplanos de convergência e convergência absoluta. . . . . . 89


6.4 Propriedades das Séries de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

6.5 Forma exponencial da série de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

6.6 Valor médio das séries de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

CAPÍTULO 7 – FUNÇÃO 𝑳 DE DIRICHLET E ZETA DE HURWITZ 102

7.1 Representação por integral de contorno da função zeta de Hurwitz . . . . . . . 104

7.2 Continuidade analítica das funções zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e 𝐿 de


Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106

7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e L de Dirichlet . . 108

7.3.1 Equação funcional para zeta de Hurwitz . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

7.3.2 Equação funcional para zeta de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . 112

7.3.3 Equação funcional para zeta de Hurwitz generalizada . . . . . . . . . . 114

7.3.4 Equação funcional para 𝐿 de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114

7.4 Polinômios de Bernoulli e a função zeta de Hurwitz . . . . . . . . . . . . . . . 117

7.5 Polinômios de Bernoulli e a função zeta de Riemann . . . . . . . . . . . . . . 119

7.6 Fórmula para 𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (0) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

CAPÍTULO 8 – CÁLCULO DISCRETO 124

8.1 Derivada Discreta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

8.2 Falling Powers de expoente positivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128

8.3 Falling Powers de expoente negativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

8.4 Somas Indefinidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

8.5 Derivada discreta de produto de funções aritméticas . . . . . . . . . . . . . . . 133

8.6 Cálculo discreto e aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

CAPÍTULO 9 – CONCLUSÃO 144

REFERÊNCIAS 145
Capítulo 1
Introdução

O objetivo principal deste trabalho é introduzir o leitor à Teoria Analítica dos Números. A
proposta é iniciar com o conceito de funções aritméticas.

As funções aritméticas, ou um subconjunto delas, são estudadas desde os primórdios da


literatura matemática. De acordo com [2], o conceito de função fora mencionado pela primeira
vez em uma carta informal escrita por Gottfried Leibniz em 1673. Johann Bernoulli em 1694
em uma carta para Leibniz descreve funções como

"...uma quantidade formada de alguma maneira pela combinação de constantes


com valores indeterminados..."

em tradução livre. Só em 1698, Johann Bernoulli utiliza tal terminologia oficialmente em um


paper sobre isoperímetros. No entanto, a primeira definição formal aparece no livro Introduction
to analysin infinitorum de Leonhard Euler datado de 1784. Neste

"Uma função de uma variável é uma expressão analítica composta por quantidades
variáveis e números ou quantidades constantes."

Indiscutivelmente, Leonhard Euler é o precursor do tópico como literatura. Uma função


aritmética, no que lhe concerne, é uma função cujas variáveis a serem avaliadas pertencem aos
inteiros positivos e sua avaliação resulta em elementos pertencentes ao conjunto dos complexos.
Basicamente uma estrutura muito simples de construir.

Após enunciar o conceito propriamente no Capítulo 2, neste mesmo capítulo trataremos


de algumas funções aritméticas interessantes como, por exemplo: uma função que conta os
números primos menores ou igual ao argumento; uma que conta a quantidade de números
relativamente primos ao argumento; uma função que soma os divisores do argumento; e até uma
1 Introdução 2

função capaz de retornar o 𝑛-ésimo primo; entre outras. Essas funções, ao serem analisadas no
contexto de funções multiplicativas, possuem interconexões interessantes.

Em destaque trataremos de algumas funções aritméticas especiais por serem funções re-
correntes em diversas áreas da matemática e física, mas em particular também são funções
aritméticas. Entre elas a função gama (Γ) que generaliza o operador fatorial; a função zeta de
 
Riemann (𝜁) que generaliza as somas dos recíprocos; o número harmônico generalizado 𝐻 𝑘(𝑚)
como caso particular da função zeta de Riemann quando tratada como série finita; a função zeta
de Hurwitz (𝜁) que é uma versão modificada da zeta de Riemann; entre outras.

As funções aritméticas têm uma importante aplicação nos estudos dos números primos.
Euler mostrou que existe uma importante relação entre a função zeta de Riemann e o conjunto
de números primos. Mas essa relação se tornou bastante especial quando Riemann estendeu
analiticamente a função zeta para o domínio complexo e conjecturou que todos os zeros não
triviais da função estendida estão sobre a linha, denominada crítica, definida por 𝑥 = 1/2. Em
1914, Godfrey Harold Hardy provou que de fato existem infinitos zeros sobre a linha crítica,
mas descobrir se todos estão nessa região é considerado um dos grandes problemas em aberto
da matemática [3].

Enquanto não conseguimos compreender com exatidão o comportamento de séries que


envolvem números primos, resta-nos estudar seus comportamentos assintóticos, assunto que
sucede às funções especiais, retratado no Capítulo 3. Para este tópico a identidade de Euler se
faz essencial. Esta identidade relaciona uma função analítica com a sua versão estendida para os
reais, comparando a soma da função avaliada nos inteiros positivos com sua integral, avaliada
na reta real. O resíduo, denominado por constante de Euler-Mascheroni generalizada, mensura
essa diferença. Este conceito associado à notação Big-O nos auxilia entender o comportamento
médio de funções aritméticas.

Até o momento, a propriedade multiplicativa e completamente multiplicativa das funções


aritméticas foram as principais ferramentas exploradas para as demonstrações dos teoremas
apresentados. No entanto, esse conceito se torna mais interessante ao se relacionar com o
conceito de grupos e classes de resíduos. Ao construir um grupo de funções multiplicativas
munidos de uma multiplicação operando sobre uma classe de resíduos, notamos que existe um
grupo muito restrito de funções possíveis. Essas funções são denominadas caráteres de Dirichlet,
tratadas no Capítulo 4. Curiosamente, a quantidade de caráteres de Dirichlet em uma classe
de resíduo se relaciona com a função aritmética que conta os números relativamente primos à
estrutura modular da classe de resíduos. Note que as funções aritméticas estão intrinsecamente
ligadas à diversas áreas da matemática, o que as tornam extremamente curiosas.
1 Introdução 3

Os caráteres de Dirichlet são funções periódicas, propriedade decorrente da estrutura de


classe de resíduos. No entanto, estas não são as únicas funções periódicas interessantes. Por isso
o Capítulo 5 tratará de funções aritméticas periódicas, enunciando o teorema da interpolação de
Lagrange e da Soma de Gauss que possibilitam elaborar um paralelo às séries de Taylor e Fourier
para as funções aritméticas. Cobriremos tópicos como módulo induzido, caráter primitivo e
caráter condutor.

No Capítulo 6 introduziremos as séries de Dirichlet, o produto de Euler e os semiplanos


de convergência e de convergência absoluta, discutindo regiões cujas séries convergem ou
convergem absolutamente. Neste mesmo capítulo enunciaremos a forma exponencial da série
de Dirichlet e seu valor médio.

O próximo tópico abordado, no Capítulo 7, são as funções 𝐿 de Dirichlet e zeta de Hurwitz,


essenciais para mostrar continuidade analítica da função zeta de Riemann, culminando em suas
relações com os números de Bernoulli.

Por fim, trataremos das derivadas de funções discretas, que podem ser facilmente conectadas
com funções aritméticas. No Capítulo 8 trataremos de tópicos como falling powers, maneiras
semióticas de escrever polinômios tais que a derivação discreta se assemelhe com a derivada
convencional. Com essa técnica definiremos maneiras de encontrar expressões fechadas para
somatórios complicados sem o uso da indução. A conexão das derivadas discretas com as
funções aritméticas se da naturalmente, pois as falling powers podem ser escritas utilizando-se
da função gama. Ainda com esse conceito podemos construir um limite superior para a função
zeta de Riemann, que se utiliza dos números harmônicos generalizados.

Por fim, a estrutura do trabalho se dará por um agrupamento sequencial de definições,


teoremas, provas e exemplos, intercalados com alguma intuição sobre o tópico. As notações
seguidas são, na maioria, do livro [4]. Boa leitura.
Capítulo 2
Introdução às funções aritméticas

Como introduzido anteriormente, neste capítulo trataremos de funções aritméticas. Na


definição de Leonhard Euler em tradução livre,

"Uma função de uma variável é uma expressão analítica composta por quantidades
variáveis e números ou quantidades constantes.".

Uma função aritmética, além de ser função, respeita uma condição adicional: O mapeamento
deve partir dos inteiros positivos. A definição segue.

2.1 Função Aritmética

Definição 2.1 (Função Aritmética). Seja X ⊂ N. Uma função 𝑓 (𝑛) é dita Aritmética se
𝑓 : X→
− C. Também são ditas Aritméticas 𝑓 : X →
− Y para todo Y ⊂ C.

Ou seja, uma função que mapeia inteiros positivos em qualquer subconjunto dos complexos
é dita aritmética. Essa definição inclui uma grande variedade de funções conhecidas do cálculo,
caso seja feita uma restrição do domínio. Por exemplo, 𝑓 : R →
− R tal que 𝑓 (𝑥) = sen(𝑥) se torna
aritmética se restrita aos inteiros positivos, 𝑓 : N →
− R tal que 𝑓 (𝑛) = sen(𝑛). Por convenção
utilizaremos da variável 𝑛 toda vez que se tratar do domínio restrito.

Essa simples definição traz consigo propriedades diretas. Uma delas é o fato que a com-
binação linear de funções aritméticas também é aritmética assim como o produto de funções
aritméticas.

Lema 2.2. Se 𝛼 e 𝛽 são números complexos e 𝑎(𝑛) e 𝑏(𝑛) funções aritméticas, então são
funções aritméticas:
2.1 Função Aritmética 5

1. 𝑐(𝑛) = 𝛼 · 𝑎(𝑛) + 𝛽 · 𝑏(𝑛);

2. 𝑐(𝑛) = 𝛼 · 𝑎(𝑛) · 𝑏(𝑛);

Demonstração. Decorre da definição. □

As funções aritméticas podem ser bastante simples e mesmo assim esconder enigmas
interessantes (como veremos mais a frente com a função gama). Mas antes disso, avaliemos
uma função aritmética extremamente simples que possui uma propriedade peculiar. O exemplo
a seguir trata de uma função geradora de primos que para todo entrada menor do que 41, sua
saída é um número primo.

Exemplo 2.3 (Função geradora de primos de Euler). Há registros históricos e muitos artigos
que propõem funções aritméticas como geradoras de primos. Em [1] existe uma grande lista
destas funções. Um exemplo é a seguinte função aritmética:

𝑓 (𝑛) = 𝑛2 + 𝑛 + 41. (2.1)

Note que para todo 𝑛 < 41, 𝑓 (𝑛) é primo. É evidente que para 𝑛 = 41 não, pois 41|𝑛2 e 41|𝑛,
dividindo assim todos os termos que compoem 𝑓 (𝑛).

Tabela 2.1: Exemplos de primos gerados pela função geradora de primos para 𝑛 < 41.

𝒏 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
𝒇 (𝒏) 43 47 53 61 71 83 97 113 131 151

𝒏 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
𝒇 (𝒏) 173 197 223 251 281 313 347 383 421 461

𝒏 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
𝒇 (𝒏) 503 547 593 641 691 743 797 853 911 971

𝒏 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40
𝒇 (𝒏) 1033 1097 1163 1231 1301 1373 1447 1523 1601 1681

Exemplos mais interessantes de funções aritméticas podem envolver somatórios sobre divi-
sores, sobre números primos, números relativamente primos, ou qualquer outro operador sobre
os inteiros positivos. Na próxima seção veremos algumas funções aritméticas que aparecem
com frequência nas literaturas de teoria dos números.
2.2 Algumas funções aritméticas 6

2.2 Algumas funções aritméticas

Em teoria dos números, divisibilidade, primalidade relativa, e por fim números primos são
assuntos de extrema relevância. Nesse contexto, funções aritmética que operam sobre nestas
restrições são tópicos de estudo recorrente. O objetivo desta seção é introduzir o leitor à algumas
destas funções.

Definição 2.4 (Número de divisores positivos). A primeira função aritmética interessante é


aquela que retorna o número de divisores positivos de um dado inteiro 𝑛, denominada função
tau (𝜏(𝑛)). Por definição,
∑︁
𝜏(𝑛) = 1. (2.2)
𝑑|𝑛

ou seja, para cada divisor de 𝑛, soma-se uma unidade ao percorrer o somatório.

Note que se 𝑛 = 𝑝 1𝑎1 · 𝑝 2𝑎2 · . . . · 𝑝 𝑎𝑘 𝑘 , então

𝜏(𝑛) = (𝑎 1 + 1) · (𝑎 2 + 1) · . . . · (𝑎 𝑘 + 1), (2.3)

pois para cada posição ocupada por cada primo 𝑝𝑖 temos 𝑎𝑖 +1 possibilidades de formar diferentes
divisores, ou ainda:

∑︁ 𝑘
Ö
𝜏(𝑛) = 1 = (𝑎 1 + 1) · (𝑎 2 + 1) · . . . · (𝑎 𝑘 + 1) = (𝑎 𝑘 + 1). (2.4)
𝑑|𝑛 𝑖=1

Definição 2.5 (Soma dos divisores positivos). Outra função aritmética interessante, denominada
𝜎(𝑛), é responsável por retornar a soma de todos os números divisores positivos de um dado
inteiro 𝑛. Por definição,
∑︁
𝜎(𝑛) = 𝑑. (2.5)
𝑑|𝑛

𝑎𝑚
Proposição 2.6. Seja 𝑛 = 𝑝 1𝑎1 · 𝑝 2𝑎2 · . . . · 𝑝 𝑚 . A soma de seus divisores pode ser representada
por:
∑︁
𝑑 = (1 + 𝑝 1 + . . . + 𝑝 1𝑎1 ) · (1 + 𝑝 2 + . . . + 𝑝 2𝑎2 ) · (1 + 𝑝 𝑚 + . . . + 𝑝 𝑚
𝑎𝑚
). (2.6)
𝑑|𝑛

Demonstração. Note que o produto de primos apresentado, ao ser desenvolvido, representará


todos os divisores de 𝑛. Esse argumento é bastante utilizado para transformar somas aritméticas
em produtos de potências de primos. □
2.2 Algumas funções aritméticas 7

O exemplo a seguir dá uma intuição do arrazoado da demonstração anterior. Veja que de


fato o desenvolvimento das multiplicações das somas das potências de primos gera e soma todos
os possíveis divisores.

Exemplo 2.7. Seja 𝑛 = 126. Decomponha-o em fatores primos temos que 21 · 32 · 71 . Então,

𝜎(𝑛) = (1 + 2) · (1 + 3 + 32 ) · (1 + 7) = 1 + 2 + 3 + 6 + 7 + 9 + 14 + 18 + 21 + 42 + 63 = 126. (2.7)

Os números que aparecem no desenvolvimento dos produtos são todos os divisores de 126.
Note ainda que 𝜏(126) = (1 + 1) · (1 + 2) · (1 + 1) = 2 · 3 · 2 = 12, o qual é exatamente a quantidade
de termos da soma, após expandirem-se os produtos.

Note que as soma das potências de primos podem ser simplificadas usando progressão
geométrica e dessa forma podemos transformar uma soma sobre os divisores em um produto
sobre os primos, ou seja,
𝑘=𝑚
𝑝 1𝑎1 − 1 𝑝 2𝑎2 − 1 𝑎𝑚 𝑝𝑎 −1
∑︁ 𝑝𝑚 −1
Ö 𝑘
𝑘
𝑑= · ·...· = . (2.8)
𝑝1 − 1 𝑝2 − 1 𝑝𝑚 − 1 𝑝𝑘 − 1
𝑑|𝑛 𝑘=1

Essa estratégia de transformação se torna bastante interessantes para algumas simplificações, o


que será abordado mais a frente no conceito de funções multiplicativas.

Intuitivamente pode-se conectar as duas funções aritméticas anteriores rescrevendo-se os


somatórios com a seguinte proposta:

Definição 2.8 (Generalização de 𝝈(𝒏) e 𝝉(𝒏)). Defina a função aritmética 𝜎𝑘 (𝑛) como
∑︁
𝜎𝑘 (𝑛) = 𝑑𝑘 (2.9)
𝑑|𝑛

e repare que ela de fato engloba as duas anteriores, pois 𝜎0 (𝑛) = 𝜏(𝑛) e 𝜎1 (𝑛) = 𝜎(𝑛).

Da mesma forma que a função 𝜎, a sua generalização 𝜎𝑘 pode ser escrita em uma fórmula
fechada pela seguinte proposição:
𝑎𝑚
Proposição 2.9. Seja 𝑛 = 𝑝 1𝑎1 · 𝑝 2𝑎2 · . . . · 𝑝 𝑚 . Então

𝑝 1(𝑎1 +1)·𝑘 − 1 𝑝 𝑚(𝑎 𝑚 +1)·𝑘 − 1


𝜎𝑘 (𝑛) = ·...· . (2.10)
𝑝 1𝑘 − 1 𝑝𝑚𝑘 −1

Demonstração. Decorre da Definição 2.8 utilizando-se da mesma estratégia aplicada na Propo-


sição 2.6. □
2.2 Algumas funções aritméticas 8

Uma função aritmética extremamente simples, chamada de unidade, é a função que sempre
retorna 1 independentemente da entrada.

Definição 2.10 (Função unidade). Seja 𝑛 ∈ N. A função unidade 𝑢(𝑛) = 1 para todo 𝑛.

Por outro lado, a função cópia, retorna o mesmo valor de sua entrada, ou ainda

Definição 2.11 (Função cópia). Seja 𝑛 ∈ N. A função cópia 𝑁 (𝑛) = 𝑛 para todo 𝑛.

Todo conjunto de funções possui uma função denominada identidade. Para as funções
aritméticas, a identidade é a função que retorna 1 apenas quando a entrada for 1. Para todos os
outros casos ela retorna 0. Uma maneira diferente para definí-la, sem o uso de condicionais, pode
ser expressa com o uso do operador piso ⌊·⌋ como expresso na definição a seguir (o operador
piso retorna o maior inteiro menor do que o argumento do operador).

Definição 2.12 (Função Identidade). Seja 𝑛 ∈ N. A função Identidade 𝐼 (𝑛) : 𝑛 −→ {0, 1} é


definida por:  
1
𝐼 (𝑛) = . (2.11)
𝑛
Note que se 𝑛 = 1 então 𝑓 (𝑛) = 1, caso contrário, 𝑓 (𝑛) = 0. A função recebe o nome de
Identidade, apesar de não usual, para que se comporte como tal no contexto de grupos com o
produto de Dirichlet (que será introduzido mais a frente).

Uma função aritmética curiosa é a de Liouville. Esta retorna 1 se o argumento for composto
por uma quantidade par de primos (considerando as repetições) e −1 se por uma quantidade
impar. Essa função é importante, pois sua série de Dirichlet se relaciona com a função zeta de
Riemann (que serão apresentados nos próximos capítulos).

Definição 2.13 (Função de Liouville). Dado 𝑛 ∈ N a função de Liouville, 𝜆, é definida como:

𝜆(𝑛) = (−1) 𝛺(𝑛) , (2.12)

na qual 𝛺(𝑛) é a função que conta o número de fatores primos, com multiplicidade, ou seja, se
𝑎𝑚
𝑛 = 𝑝 1𝑎1 · 𝑝 2𝑎2 · . . . · 𝑝 𝑚 , então:
𝑚
∑︁
𝛺(𝑛) = 𝑎𝑖 . (2.13)
𝑖=1

Por outro lado, uma adaptação da função de Liouville gera a função de Möbius, que segue
a mesma lógica, mas apenas se o argumento for livre de primos com multiplicidade 2 (dita livre
de quadrados). Se possui quadrados, a função de Möbius retorna zero. Essa adaptação adiciona
2.2 Algumas funções aritméticas 9

uma propriedade importante para a função, utilizada para inversão de funções aritméticas (o que
será discutido mais a frente).

Definição 2.14 (Função 𝝁 de Möbius). Dado 𝑛 ∈ N a função 𝜇 de Möbius é definida por



se 𝑛 = 1



 1



𝜇(𝑛) = 0 se 𝑛 é divisivel por algum quadrado (2.14)



 (−1) 𝛺(𝑛)

 caso contrário.

Outra função aritmética importante é a função 𝜑 de Euler, 𝜑, que para um dado inteiro
ela retorna a quantidade de inteiros relativamente primos menores do que este. Essa função se
torna relevante nos estudos de caráteres, pois ela indica a quantidade de caráteres para uma dada
classe de resíduos, o que será tratado nos próximos capítulos.

Definição 2.15 (Função 𝝋 de Euler). Dado 𝑛 ∈ N a função 𝜑 de Euler, ou 𝜑 de Euler, é definida


como o número de inteiros positivos menores ou iguais a e relativamente primos a 𝑛.
∑︁
𝜑(𝑛) = 1. (2.15)
1≤𝑘 ≤𝑛
(𝑘,𝑛)=1

Exemplo 2.16. Por exemplo, se 𝑛 = 18, então 𝑛 = 2 · 32 e 𝜏(𝑛) = (1 + 1)(1 + 2) = 6. Assim 6


números dividem 18. São eles {1, 2, 3, 6, 9, 18}. Do restante, os múltiplos dos divisores, os
números {4, 8, 10, 12, 15, 16} não são relativamente primos a 18. Os restantes, {5, 7, 11, 13, 17},
são todos relativamente primos a 18. Como (𝑛, 1) = 1 então a lista completa dos relativamente
primos é dada por {1, 5, 7, 11, 13, 17} e 𝜑(18) = 6.

A próxima função aritmética é a função de Hans von Mangoldt cuja importância é sua
relação com a função logaritmo em somatório dos divisores de seu argumento de entrada.
Ainda se relaciona com as funções de Cherbyshev e nas séries de Dirichlet calcula o logaritmo
da função zeta de Riemann (que serão tópicos abordados nos próximos capítulos).

Definição 2.17 (Função 𝚲 de Mangoldt). Dado 𝑛 ∈ N a Λ de Mangoldt, é definida por


 ln( 𝑝)

 se 𝑛 = 𝑝 𝑘 é potência de um único primo
Λ(𝑛) = (2.16)

0 caso contrário.

Exemplo 2.18. Por exemplo, veja os valores assumidos para alguns inteiros na Tabela 2.2.

Na sequêcia apresentamos as funções de Chebyshev que estão relacionadas com a função de


2.2 Algumas funções aritméticas 10

Tabela 2.2: Exemplos de valores assumidos pela função Λ de Mangoldt para 𝑛 ≤ 10.

𝒏 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
𝚲(𝒏) 0 ln(2) ln(3) ln(2) ln(5) 0 ln(7) ln(2) ln(3) 0

contagem de primos, além de serem usadas na demonstração do teorema dos números primos e
de estar estritamente ligada aos zeros não triviais da função zeta de Riemann.

Definição 2.19 (Função 𝝍 de Cherbyshev). Dado 𝑛 ∈ N a função 𝜓 de Cherbyshev, é definida


por
𝑛
∑︁ ∑︁
𝜓(𝑛) = Λ(𝑘) = Λ(𝑘). (2.17)
𝑘=1 𝑘 ≤𝑛

Definição 2.20 (Função 𝝑 de Cherbyshev). Dado 𝑛 ∈ N a função 𝜗 de Cherbyshev, é definida


por
∑︁
𝜗(𝑛) = ln( 𝑝), (2.18)
𝑝≤𝑛

na qual 𝑝 ≤ 𝑛 define o conjunto dos primos menores do que 𝑛.

A próxima função aritmética é a função de contagem de primos. Esta função tem seu
particular interesse no estudo da taxa de surgimento de novos primos ao progredir nos inteiros.
Alguns limites importantes derivam desta função, assim como uma versão do logaritmo da
função zeta de Riemann.

Definição 2.21 (Função 𝝅 para contagem de primos). Dado 𝑛 ∈ N a função 𝜋 para contagem de
primos, é definida por
∑︁
𝜋(𝑛) = 1, (2.19)
𝑝≤𝑛

na qual 𝑝 ≤ 𝑛 define o conjunto dos primos menores do que 𝑛.

Contar primos é uma operação bastante interessante, mas como criar uma função que detecte
um primo?

Definição 2.22 (Função indicadora de primos). Dado 𝑛 ∈ N a função ϖ indicadora de primos é


definida por   
(𝑛 − 1)! + 1
2
ϖ(𝑛) = cos 𝜋 · . (2.20)
𝑛
Note que essa função indica, ou seja, retorna 1, se um 𝑛 > 1 é primo, no entanto, também retorna
1 se 𝑛 = 1. Para 𝑛 composto a função retorna zero. Os detalhes serão explorados no próximo
capítulo.
2.2 Algumas funções aritméticas 11

As três próximas definições são funções aritméticas muito importantes e trazem consigo as
maiores perguntas do campo de teoria analítica dos números: o Número Harmônico; a função
gama e a função zeta de Riemann. Elas são funções denominadas especiais, pois aparecem de
maneira recorrente na física e matemática.

O número harmônico é apenas o truncamento da série harmônica. O número harmônico


aproxima a função logaritmo neperiano no limite, a menos de uma constante que é a diferença
entre a soma definida e a integral sobre a versão contínua do problema. Os detalhes desta
construção serão definidos mais a frente com a introdução da soma de Euler e constante de
Euler-Mascheroni.

Definição 2.23 (Número harmônico). Dado 𝑛 ∈ N, o truncamento do 𝑘−ésimo termo da série


harmônica, definido por
𝑘
∑︁ 1
𝐻𝑘 = (2.21)
𝑛
𝑛=1
é dito número harmônico.

Sua versão generalizada segue:

Definição 2.24 (Número harmônico generalizado). Dado 𝑛 ∈ N, e 𝑚 ∈ C o 𝑘−ésimo termo da


série
𝑘
∑︁ 1
𝐻 𝑘(𝑚) = (2.22)
𝑛𝑚
𝑛=1
é dito número harmônico generalizado.

Exemplo 2.25. Se 𝑚 = 2 então


𝑘
∑︁ 1
𝐻 𝑘(2) = . (2.23)
𝑛2
𝑛=1
Se 𝑚 = 1, então
𝑘
∑︁ 1
𝐻 𝑘(1) = = 𝐻𝑘 (2.24)
𝑛
𝑛=1
o que equivale ao número harmônico.

A função gama nasce de uma tentativa de construir uma função "comportada" que coincida
com a função fatorial. Essa construção denominada continuação analítica criou uma função
capaz de resolver algumas integrais que tem relações interessantes com a função zeta de Riemann,
com problemas de combinatória, entre outros.
2.2 Algumas funções aritméticas 12

Definição 2.26 (Função gama). Dado 𝑠 ∈ C e para todo 𝑠 tal que ℜ(𝑠) > 0, a função gama (Γ),
é definida por
∫∞
Γ(𝑠) = 𝑥 𝑠−1 𝑒 −𝑥 𝑑𝑥. (2.25)
0

Por fim, a função zeta de Riemann tem relação com um dos problemas mais importantes
em aberto na matemática que trata da distribuição dos números primos (hipótese de Riemann).

Definição 2.27 (Função zeta de Riemann). Dado 𝑛 ∈ N, 𝑠 ∈ C e para todo 𝑠 tal que ℜ(𝑠) > 0 a
função zeta (𝜁) de Riemann, é definida por
 ∞
∑︁

 1


 𝑠
se ℜ(𝑠) > 1
 𝑛=1 𝑛



𝜁 (𝑠) = 𝑘
∑︁ (2.26)
1 𝑘 1−𝑠 ª


− ® se 0 < ℜ(𝑠) < 1.
 ©

 lim
𝑛𝑠 1 − 𝑠
 ­
 𝑘→∞

 « 𝑛=1 ¬

Uma variante dessa função é a chamada zeta de Hurwitz, que será importante para relacionar
caráteres de Dirichlet, series de Dirichlet e a função zeta de Riemann.

Definição 2.28 (Função zeta de Hurwitz). Dado 𝑛 ∈ N, 𝑠 ∈ C e para todo 𝑠 tal que ℜ(𝑠) > 1 a
função zeta (𝜁) de Hurwitz é definida por

∑︁ 1
𝜁 (𝑠, 𝑎) = . (2.27)
(𝑛 + 𝑎) 𝑠
𝑛=0

Na sequência apresentaremos a função zeta de Riemann periódica, que terá um papel


fundamental na construção continuidade analítica de algumas funções aritméticas, assim como
as equações funcionais das funções zeta de Hurwitz e zeta de Riemann.

Definição 2.29 (Função zeta de Riemann periódica). Dado 𝑛 ∈ N, 𝑎 ∈ R e para todo 𝑠 tal que
ℜ(𝑠) > 1 a função zeta (𝜁) de Riemann periódica é definida por

∑︁ 𝑒 2𝜋𝑖𝑛𝑎
F (𝑠, 𝑎) = . (2.28)
𝑛𝑠
𝑛=0

Após a apresentação de algumas funções aritméticas vamos para a seção com propriedades
relevantes advindas de suas definições. Iniciaremos introduzindo o conceito de funções multi-
plicativas.
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 13

2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções arit-


méticas

No contexto de funções aritméticas sobre divisores ou números relativamente primos, pos-


suir característica multiplicativa permite derivar diversas propriedades. Uma função multiplica-
tiva é aquela que ao multiplicar elementos do domínio e operar sobre o resultado é equivalente
à operar sobre os elementos do domínio e multiplicar os resultados. Existe uma consideração
adicional sobre primalidade relativa que está detalhada na definição.

Definição 2.30 (Funções multiplicativas e completamente multiplicativas). Uma função arit-


mética não-nula 𝑓 é dita multiplicativa, se para todo 𝑚 e 𝑛 ∈ N, tais que (𝑚, 𝑛) = 1 a igualdade
𝑓 (𝑛) · 𝑓 (𝑚) = 𝑓 (𝑛 · 𝑚) vale. Se a igualdade se mantiver para todo 𝑚 e 𝑛, ao invés de apenas para
os relativamente primos, a função 𝑓 é dita completamente multiplicativa.

A importância do estudo das funções multiplicativas para as funções aritméticas decorre da


possibilidade de transformar soma de inteiros em produtos de somas de potências de primos,
que será evidenciado nas propriedades da função 𝜇 de Möbius. No entanto, note que essa
propriedade é transitiva para algumas estruturas de soma como, por exemplo, a proposição a
seguir.

Proposição 2.31. Se 𝑓 (𝑛) é multiplicativa, então:


∑︁
𝐹 (𝑛) = 𝑓 (𝑑) (2.29)
𝑑|𝑛

também é multiplicativa. Porém, note que isso não é sempre verdade se 𝑓 (𝑛) for completamente
multiplicativa.

Demonstração. Sejam 𝑛 e 𝑚 ∈ N tais que (𝑚, 𝑛) = 1 e 𝑑𝑛 e 𝑑𝑚 o conjunto de divisores de 𝑛 e 𝑚


respectivamente,
∑︁ ∑︁ ∑︁
𝐹 (𝑛 · 𝑚) = 𝑓 (𝑑) = 𝑓 (𝑑𝑛 · 𝑑𝑚 ) = 𝑓 (𝑑𝑛 ) · 𝑓 (𝑑𝑚 )
𝑑|𝑛·𝑚 𝑑 𝑛 |𝑛 𝑑 𝑛 |𝑛
𝑑 𝑚 |𝑚 𝑑 𝑚 |𝑚 (2.30)
∑︁ ∑︁
= 𝑓 (𝑑𝑛 ) 𝑓 (𝑑𝑚 ) = 𝐹 (𝑛) · 𝐹 (𝑚).
𝑑 𝑛 |𝑛 𝑑 𝑚 |𝑚

A separação do somatório só é possível, pois o conjunto de divisores é disjunto (a menos da


2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 14

unidade). É por esse motivo que essa transitividade não é direta para funções completamente
multiplicativas.

Com o conceito de funções multiplicativas e completamente multiplicativas, elencaremos


algumas propriedades interessantes das funções citadas na seção anterior.

2.3.1 Propriedades da função Identidade

A função identidade é um exemplo de uma função que é de fato completamente multiplica-


tiva.

Proposição 2.32. A função Identidade 𝐼 (𝑛) é completamente multiplicativa.

Demonstração. Sejam 𝑛 e 𝑚 ∈ N. 𝐼 (𝑛) e 𝐼 (𝑚) admitem apenas 2 valores, ou 0 ou 1. Enumerando


os casos:

1. 𝐼 (𝑛) = 𝐼 (𝑚) = 0. Neste caso é evidente que 𝑛 ≠ 1 e 𝑚 ≠ 1 e portanto 𝑚 · 𝑛 > 1. Assim


𝐼 (𝑛 · 𝑚) = 0 = 𝐼 (𝑛) · 𝐼 (𝑚);

2. 𝐼 (𝑛) = 𝐼 (𝑚) = 1. Neste caso é evidente que 𝑛 = 1 e 𝑚 = 1 e portanto 𝑚 · 𝑛 = 1. Assim


𝐼 (𝑛 · 𝑚) = 1 = 𝐼 (𝑛) · 𝐼 (𝑚);

3. 𝐼 (𝑛) ≠ 𝐼 (𝑚). Neste caso, apenas um deles equivale a 1. Suponha, sem perda de generali-
dade, que seja 𝑛. Assim 𝑛 · 𝑚 = 𝑚 e 𝐼 (𝑛 · 𝑚) = 𝐼 (𝑚) = 0 = 𝐼 (𝑛) · 𝐼 (𝑚);

2.3.2 Propriedades da função 𝝀 de Liouville

Assim como a função Identidade, a de Liouville é também é completamente multiplicativa.

Proposição 2.33. A função de Liouville 𝜆 é completamente multiplicativa.

Demonstração. É fácil notar que se 𝑛 e 𝑚 ∈ N então 𝛺(𝑛 · 𝑚) = 𝛺(𝑛) + 𝛺(𝑚) e assim:

𝜆(𝑛 · 𝑚) = (−1) 𝛺(𝑛·𝑚) = (−1) 𝛺(𝑛) · (−1) 𝛺(𝑚) = 𝜆(𝑛) · 𝜆(𝑚). (2.31)


2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 15

2.3.3 Propriedades da função 𝝁 de Möbius

Por outro lado, a função de Möbius é apenas multiplicativa. E essa é uma propriedade
importante que permitirá enunciar o teorema da inversão de Möbius.

Proposição 2.34. A função de 𝜇(𝑛) é multiplicativa.

Demonstração. Note que 𝜇(𝑛) = 𝜆(𝑛) sempre que 𝑛 é livre de quadrados. Ainda, se 𝑛 · 𝑚
também é livre de quadrados, ou seja (𝑚, 𝑛) = 1, 𝜇(𝑛 · 𝑚) = 𝜇(𝑛) · 𝜇(𝑚). Deste modo é fácil
verificar que 𝜇(𝑛) é multiplicativa e não completamente multiplicativa como a função 𝜆(𝑛) de
Liouville. □

A função de Möbius se relaciona com a função identidade conforme o seguinte teorema.

Teorema 2.35. Se 𝑛 ≥ 1 então


∑︁  
1
𝜇(𝑑) = = 𝐼 (𝑛). (2.32)
𝑛
𝑑|𝑛

𝑎𝑚
Demonstração. Seja 𝑛 = 𝑝 1𝑎1 · 𝑝 2𝑎2 · . . . · 𝑝 𝑚 , e sabendo que 𝜇(𝑑) será zero sempre que a multi-
plicidade de qualquer primo for maior ou igual a 2, então para todo 𝑛 > 1:
∑︁
𝜇(𝑑) = 𝜇(1) + 𝜇( 𝑝 1 ) + . . . + 𝜇( 𝑝 𝑚 ) + 𝜇( 𝑝 1 𝑝 2 ) + . . . + 𝜇( 𝑝 𝑚−1 𝑝 𝑚 )
𝑑|𝑛
(2.33)
+ . . . + 𝜇( 𝑝 1 · . . . · 𝑝 𝑚 )
     
𝑚 𝑚 2 𝑚
= 1+ (−1) + (−1) + . . . + (−1) 𝑚 = 0.
1 2 𝑚

O caso remanescente é o caso de 𝑛 = 1 cujo valor é dado por 𝜇(1) = 1, completando a demons-
tração. □

Uma importante propriedade da função de Möbius é a fórmula da inversão, que garante a


equivalência entre duas somas sobre os divisores, na qual uma delas desfaz a outra e por isso o
nome inversão. Veja o teorema a seguir.

Teorema 2.36 (Fórmula da inversão de Möbius). Sejam 𝑓 (𝑛) e 𝑔(𝑛) duas funções aritméticas.
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 16

Se uma das igualdades é satisfeita, então as duas são válidas.


∑︁
𝑓 (𝑛) = 𝑔(𝑑)
𝑑|𝑛
∑︁ 𝑛 (2.34)
𝑔(𝑛) = 𝜇(𝑑) 𝑓 .
𝑑
𝑑|𝑛

Í
Demonstração. Suponha que 𝑓 (𝑛) = 𝑑|𝑛 𝑔(𝑑). Deste modo
∑︁ 𝑛 ∑︁ ∑︁
𝜇(𝑑) 𝑓 = 𝜇(𝑑) 𝑔 (𝑘)
𝑑
𝑑|𝑛 𝑑·𝑞=𝑛 𝑘 |𝑞
∑︁ ∑︁ ∑︁
= 𝜇(𝑑)𝑔 (𝑘) = 𝑔 (𝑘) 𝜇(𝑑)
(2.35)
𝑑·ℎ·𝑘=𝑛 𝑘·𝑚=𝑛 𝑑|𝑚
ℎ·𝑘=𝑞 𝑑·ℎ=𝑚
∑︁
= 𝑔 (𝑘) 𝐼 (𝑚) = 𝑔(𝑛).
𝑘·𝑚=𝑛
Í 𝑛

Suponha que 𝑔(𝑛) = 𝑑|𝑛 𝜇(𝑑) 𝑓 𝑑 . Deste modo
∑︁ ∑︁ ∑︁ ∑︁ ∑︁
𝑔(𝑑) = 𝜇(𝑞) 𝑓 (ℎ) = 𝜇(𝑘) 𝑓 (ℎ)
𝑑|𝑛 𝑑|𝑛 𝑞·ℎ=𝑑 𝑑·𝑞=𝑛 𝑘·ℎ=𝑑
∑︁ ∑︁ ∑︁
= 𝜇(𝑞) 𝑓 (ℎ) = 𝑓 (ℎ) 𝜇(𝑞)
(2.36)
𝑘·ℎ·𝑞=𝑛 ℎ·𝑚=𝑛 𝑞|𝑚
𝑘·ℎ=𝑑
∑︁
= 𝑓 (ℎ)𝐼 (𝑚) = 𝑓 (𝑛).
ℎ·𝑚=𝑛

Outra importante aplicação da função de Möbius é a transformação de soma sobre os


divisores em produto sobre os primos, para funções multiplicativas, nos permitindo explorar
outra maneira de escrever resultados importantes e simplificar expressões.

Teorema 2.37. Se 𝑓 é multiplicativa, então


∑︁ Ö
𝜇(𝑑) 𝑓 (𝑑) = (1 − 𝑓 ( 𝑝)) . (2.37)
𝑑|𝑛 𝑝|𝑛
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 17

Demonstração. Seja
∑︁
𝑔(𝑛) = 𝜇(𝑑) 𝑓 (𝑑). (2.38)
𝑑|𝑛

Note que 𝑔 é multiplicativa, então basta descrever o comportamento de 𝑔 para argumentos


primos. Assim se 𝑝 é primo, para qualquer 𝑎 inteiro temos
∑︁
𝑎
𝑔 (𝑝 ) = 𝜇(𝑑) 𝑓 (𝑑) = 𝜇(1) 𝑓 (1) + 𝜇( 𝑝) 𝑓 ( 𝑝) = 1 − 𝑓 ( 𝑝) (2.39)
𝑑| 𝑝 𝑎

e deste modo: Ö
𝑔(𝑛) = (1 − 𝑓 ( 𝑝)) . (2.40)
𝑝|𝑛

Por exemplo, usando o resultado anterior podemos obter o mesmo resultado do Teorema
2.35 de maneira direta da seguinte maneira:

Teorema 2.38. Se 𝑛 ∈ N, então


∑︁
𝐼 (𝑛) = 𝜇(𝑑). (2.41)
𝑑|𝑛

Demonstração. Se 𝑛 = 1
∑︁
𝜇(𝑑) = 𝜇(1) = 1 = 𝐼 (1). (2.42)
𝑑|1

Se 𝑛 > 1 e usando o Teorema 2.37


∑︁ Ö
𝜇(𝑑)1 = (1 − 1) = 0 = 𝐼 (𝑛). (2.43)
𝑑|𝑛 𝑝|𝑛

2.3.4 Propriedades da função 𝝋 de Euler

A função 𝜑 de Euler também é multiplicativa.

Proposição 2.39. Pela proposição 2.31, a função 𝜑(𝑛) é multiplicativa.

Demonstração. Propriedade obtida diretamente da Proposição 2.31. □

Esta também possui propriedades interessantes como as próximas proposições. As duas


primeiras são propriedades que se aplicam apenas para argumentos primos.
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 18

Proposição 2.40. Se 𝑝 é primo, então:

𝜑( 𝑝) = 𝑝 − 1. (2.44)

Demonstração. Como 𝑝 é primo, então nenhum número que o antecede é seu divisor, sendo
todos relativamente primos, assim:

∑︁ 𝑝−1
∑︁
𝜑( 𝑝) = 1= 1 = 𝑝 − 1. (2.45)
(𝑛,𝑝)=1 𝑛=1
1≤𝑛≤ 𝑝

Proposição 2.41. Se 𝑝 é primo e 𝑎 ∈ N, então:


 
𝑎 𝑎 𝑎−1 𝑎 1
𝜑( 𝑝 ) = 𝑝 − 𝑝 =𝑝 1− . (2.46)
𝑝

Demonstração. Note que 𝑝 divide exatamente 𝑝 𝑎 /𝑝 números entre 1 e 𝑝 𝑎 . Assim basta subtraí-
los do total, restando apenas os relativamente primos. □

A próxima propriedade transforma a soma que define a função 𝜑 em produto, o que se


relaciona com a função de Möbius e com o teorema inversão.

Proposição 2.42. Se 𝑛 ∈ N, então:


Ö 1

𝜑(𝑛) = 𝑛 1− . (2.47)
𝑝
𝑝|𝑛

𝑎𝑚
Demonstração. Note que 𝑛 = 𝑝 1𝑎1 · 𝑝 2𝑎2 · . . . · 𝑝 𝑚 e 𝜑(𝑛) é multiplicativa, assim:
     
𝑎𝑚 
𝜑(𝑛) = 𝜑 𝑝 1𝑎1 · 𝑝 2𝑎2 · . . . · 𝑝 𝑚𝑎𝑚
= 𝜑 𝑝 1𝑎1 · 𝜑 𝑝 2𝑎2 · . . . · 𝜑 𝑝 𝑚
   
𝑎1 1 𝑎𝑚 1
= 𝑝1 1 − · . . . · 𝑝𝑚 1 −
𝑝1 𝑝𝑚 (2.48)
Ö 1
=𝑛 1− .
𝑝
𝑝|𝑛

Os próximos teoremas vão construir essa relação entre as duas funções aritméticas, 𝜑 de
Euler e a de Möbius.
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 19

Teorema 2.43. Se 𝑛 ≥ 1, então


∑︁ ∑︁ 𝑛
𝜑(𝑑) = 𝜑 = 𝑛. (2.49)
𝑑
𝑑|𝑛 𝑑|𝑛

Demonstração. Percorrer os divisores de 𝑛 é equivalente a percorrer 𝑞 · 𝑑 = 𝑛 por 𝑑 ou por 𝑞


assim
∑︁ ∑︁ ∑︁ ∑︁  
𝑛
𝜑(𝑑) = 𝜑 (𝑑) = 𝜑 (𝑞) = 𝜑 . (2.50)
𝑞
𝑑|𝑛 𝑑·𝑞=𝑛 𝑑·𝑞=𝑛 𝑑|𝑛

Defina os conjuntos 𝐴(𝑑)

𝐴(𝑑) = {𝑘 : (𝑘, 𝑛) = 𝑑, 1 ≤ 𝑘 ≤ 𝑛}. (2.51)

Note que 𝐴(1) inclui todos os números relativamente primos a 𝑛. 𝐴(𝑑) inclui todos os números
divisíveis por 𝑑 apenas 1 vez. Note que estes conjuntos são disjuntos. Ainda que 𝐴(𝑛) inclui o
𝑛. Deste modo, todos os números menores e iguais a 𝑛 estão inclusos. Logo
∑︁
𝜑(𝑑) = 𝑛, (2.52)
𝑑|𝑛

o que finaliza a demonstração. □

Teorema 2.44. Se 𝑛 ≥ 1, então


𝑛 
∑︁ 
1
𝜑(𝑛) = . (2.53)
(𝑘, 𝑛)
𝑘=1

Demonstração. Pela definição,


∑︁ 𝑛 
∑︁ 
1
𝜑(𝑛) = 1= . (2.54)
(𝑘, 𝑛)
(𝑘,𝑛)=1 𝑘=1

Note que a função piso retornará 1 apenas se (𝑘, 𝑛) = 1 e 0 para todos os outros casos, assim
os somatórios são equivalentes. □

Por fim, a relação buscada está descrita no próximo teorema. Note que esse resultado pode
ser obtido de forma análoga utilizando-se da Proposição 2.42 e do teorema da inversão.
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 20

Teorema 2.45. Se 𝑛 ≥ 1, então


∑︁ 𝑛
𝜑(𝑛) = 𝜇(𝑑) . (2.55)
𝑑
𝑑|𝑛

Demonstração. Pelos Teoremas 2.44 e 2.35


𝑛 
∑︁ 𝑛 ∑︁
 ∑︁ 𝑛/𝑑
∑︁ ∑︁
1
𝜑(𝑛) = = 𝜇(𝑑) = 𝜇(𝑑)
(𝑘, 𝑛)
𝑘=1 𝑘=1 𝑑|(𝑛,𝑘) 𝑑|𝑛 𝑞=1
(2.56)
∑︁ 𝑛/𝑑
∑︁ ∑︁ 𝑛
= 𝜇(𝑑) 1= 𝜇(𝑑) .
𝑑
𝑑|𝑛 𝑞=1 𝑑|𝑛

2.3.5 Propriedades da função 𝚲 de Mangoldt

A função Λ de Mangoldt tem relação íntima com a função logarítmo neperiano, como sugere
o teorema a seguir.

Teorema 2.46. Para todo inteiro 𝑛 ≥ 1, temos:


∑︁
Λ(𝑑) = 𝑙𝑛(𝑛). (2.57)
𝑑|𝑛

Demonstração. Note que apenas os divisores primos e as potências de primos terão valores
𝑎𝑚
diferentes de nulo. Ainda note que se 𝑛 = 𝑝 1𝑎1 · 𝑝 2𝑎2 · . . . · 𝑝 𝑚 , ln( 𝑝𝑖 ) aparece exatamente 𝑎𝑖 vezes
no somatório percorrendo os divisores. Assim
∑︁ 𝑚
∑︁  
Λ(𝑑) = 𝑎𝑖 · ln( 𝑝𝑖 ) = ln 𝑝 1𝑎1 · . . . · 𝑝 𝑚
𝑎𝑚
= ln(𝑛). (2.58)
𝑑|𝑛 𝑖=1

A função Λ de Mangoldt também se relaciona com a função de Möbius e o teorema da


inversão, desfazendo a soma dos logarítmos neperianos sobre os divisores de 𝑛, como sugere o
próximo teorema.

Teorema 2.47. Para todo inteiro 𝑛 ≥ 1, temos:


∑︁ 𝑛 ∑︁
Λ(𝑛) = 𝜇(𝑑) ln =− 𝜇(𝑑) ln (𝑑) . (2.59)
𝑑
𝑑|𝑛 𝑑|𝑛
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 21

Demonstração. A prova é aplicação direta do Teorema 2.36.


∑︁ 𝑛 ∑︁ ∑︁
Λ(𝑛) = 𝜇(𝑑) ln = 𝜇(𝑑) ln(𝑛) − 𝜇(𝑑) ln(𝑑)
𝑑
𝑑|𝑛 𝑑|𝑛 𝑑|𝑛
∑︁ ∑︁
= ln(𝑛) 𝜇(𝑑) − 𝜇(𝑑) ln(𝑑)
𝑑|𝑛 𝑑|𝑛
∑︁ (2.60)
= ln(𝑛)𝐼 (𝑛) − 𝜇(𝑑) ln(𝑑)
𝑑|𝑛
∑︁
=− 𝜇(𝑑) ln(𝑑).
𝑑|𝑛

2.3.6 Propriedades da função 𝝍 de Cherbyshev

As funções de Cherbyshev são o ponto inicial para uma das demonstrações do teorema dos
números primos, que enuncia uma assíntota para a distribuição de números primos entre os
inteiros positivos que pode ser enunciado por:

𝜋(𝑛)
lim 𝑛 = 1, (2.61)
𝑛→∞
ln(𝑛)

ou seja, a distribuição dos primos se aproxima assintoticamente da razão 𝑛/𝑙𝑛(𝑛).

As duas próximas seções apresentam uma relação de equivalência utilizada na demonstração


do teorema dos números primos, demonstrado em [4].

Teorema 2.48. Dado 𝑛 ∈ N ∑︁ ∑︁


𝜓(𝑛) = ln( 𝑝). (2.62)
𝑘 ≤log2 (𝑛) 𝑝≤𝑛1/𝑘

Demonstração. Relembrando que Λ(𝑛) admite valores apenas para pontências de primos e
usando a definição 2.19
𝑛
∑︁ ∞ ∑︁
∑︁
𝜓(𝑛) = Λ(𝑘) = Λ( 𝑝 𝑚 )
𝑘=1 𝑚=1 𝑝≤𝑛

∑︁ ∑︁ ∞ ∑︁ ∑︁ (2.63)
= ln( 𝑝) = ln( 𝑝).
𝑚=1 𝑝≤𝑛 𝑚=1 𝑝≤𝑛1/𝑚
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 22

Note que a soma em 𝑚 é finita, uma vez que se 𝑛1/𝑚 se torna pequeno e eventualmente menor
do que 2 e o conjunto 𝑝 < 2 é vazio. Assim se 𝑛1/𝑚 ≥ 2 então 𝑚 ≤ log2 (𝑛), logo:
log2 (𝑛)
∑︁ ∑︁
𝜓(𝑛) = ln( 𝑝)
𝑚=1 𝑝≤𝑛1/𝑚
(2.64)
∑︁ ∑︁
= ln( 𝑝).
𝑚≤log2 (𝑛) 𝑝≤𝑛1/𝑚

2.3.7 Propriedades da função 𝝑 de Cherbyshev

Teorema 2.49. Dado 𝑛 ∈ N


𝜗(𝑛) ≤ 𝑛 ln(𝑛). (2.65)

Demonstração. Note que


∑︁ ∑︁ ∑︁
𝜗(𝑛) = ln( 𝑝) ≤ ln(𝑛) ≤ ln(𝑛) 1 ≤ 𝑛 ln(𝑛). (2.66)
𝑝≤𝑛 𝑝≤𝑛 𝑝≤𝑛

Teorema 2.50. Dado 𝑛 ∈ N ∑︁


𝜓(𝑛) = 𝜗(𝑛1/𝑘 ) (2.67)
𝑘 ≤log2 (𝑛)

Demonstração. Aplicação direta do Teorema 2.48. □

Teorema 2.51. Dado 𝑛 ∈ N



𝑛 ln2 (𝑛)
0 ≤ 𝜓(𝑛) − 𝜗(𝑛) ≤ . (2.68)
2 ln(2)

Demonstração. Pelo Teorema 2.50


∑︁ ∑︁
1/𝑘
𝜓(𝑛) = 𝜗(𝑛 ) = 𝜗(𝑛) + 𝜗(𝑛1/𝑘 ), (2.69)
𝑘 ≤log2 (𝑛) 2≤𝑘 ≤log2 (𝑛)
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 23

ou seja, 𝜓(𝑛) − 𝜗(𝑛) ≥ 0. Por outro lado, usando o Teorema 2.49


∑︁ ∑︁
1/𝑘
𝜗(𝑛 )≤ 𝜗(𝑛1/𝑘 )
2≤𝑘 ≤log2 (𝑛) 2≤𝑘 ≤log2 (𝑛)
∑︁
≤ 𝑛1/𝑘 ln(𝑛1/𝑘 )
2≤𝑘 ≤log2 (𝑛)
∑︁
≤ 𝑛1/2 ln(𝑛1/2 )
(2.70)
2≤𝑘 ≤log2 (𝑛)
∑︁
1/2 1/2
≤𝑛 ln(𝑛 ) 1
2≤𝑘 ≤log2 (𝑛)

≤ 𝑛1/2 ln(𝑛1/2 ) log2 (𝑛)


√ 2
𝑛 ln (𝑛)
≤ .
2 ln(2)
Assim: ∑︁ √
1/𝑘 𝑛 ln2 (𝑛)
𝜓(𝑛) = 𝜗(𝑛) + 𝜗(𝑛 ) =⇒ 𝜓(𝑛) − 𝜗(𝑛) ≤ . (2.71)
2 ln(2)
2≤𝑘 ≤log2 (𝑛)

Finalmente chegamos na relação de equivalências do teorema dos números primos descrita


anteriormente.

Teorema 2.52. Dado 𝑛 ∈ N  


𝜓(𝑛) 𝜗(𝑛)
lim − = 0. (2.72)
𝑛→∞ 𝑛 𝑛

Demonstração. Usando o Teorema 2.51


   √ 2   2 
𝜓(𝑛) 𝜗(𝑛) 1 𝑛 ln (𝑛) 1 ln (𝑛)
lim − ≤ lim = lim √
𝑛→∞ 𝑛 𝑛 𝑛→∞ 𝑛 2 ln(2) 2 ln(2) 𝑛→∞ 𝑛
2 ln(𝑛)  
1 © 𝑛 ª 2 ln(𝑛)
≤ lim ­ ®= lim √ (2.73)
2 ln(2) 𝑛→∞ √1 ln(2) 𝑛→∞ 𝑛
« 2 𝑛 ¬
1  
2 © 𝑛 ª 4 1
≤ lim ­ 1 ® = lim √ = 0.
ln(2) 𝑛→∞ √ ln(2) 𝑛→∞ 𝑛
«2 𝑛¬

Segundo [4], o teorema anterior equivale à Equação 2.61.


2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 24

2.3.8 Propriedades da função 𝝅 para contagem de primos

Teorema 2.53. Dado 𝑛 ∈ N e para 𝑛 > 1


𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁
𝜋(𝑛) = −1 + ϖ(𝑖) = ϖ(𝑖). (2.74)
𝑖=1 𝑖=2

Demonstração. Como ϖ(𝑛) indica se 𝑛 é 1 ou primo, contar os primos é o mesmo que operar
a soma sobre a função indicadora para todo inteiro de 2 até 𝑛. □

Em [8] os autores usam essa função para construir uma função que exibe o 𝑛−ésimo primo.
Note que a função  √︂ 
𝑛
𝑛
(2.75)
1 + 𝜋(𝑖)
retorna 1 sempre que 𝑖 for menor do que o 𝑛−ésimo primo. A potência 1/𝑛 é apenas para garantir
que para pequenos valores de 𝑖 a função piso nunca seja maior do que 1.
j√︃ k
3
Tabela 2.3: Exemplos de valores assumidos pela função 3
1+ 𝜋 (𝑖) para 𝑖 ≤ 6 na busca pelo terceiro
primo.

𝒊 1 2 3 4 5 6
√︃  √︃  √︃  √︃  √︃  √︃  √︃ 
3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3
1+𝝅(𝒊) 1 =1 2 =1 3
3 =1 3
3 =1 4 =0 4 =0

Veja na Tabela 2.3 que na busca pelo terceiro primo a função avaliada para 𝑖 < 5 sempre
vale 1. Note que o terceiro primo de fato é o número 5. Assim basta avaliar a função anterior
de 1 até um número suficientemente grande para ultrapassar o 𝑛−ésimo primo e somar todos os
resultados para assim obter o número antecessor do 𝑛−ésimo primo.

Logo o 𝑛−ésimo primo pode ser obtido por:

𝑛 𝑛 1/𝑛 
2
∑︁  √︂  2
∑︁ 
𝑛 © 𝑛 ª 
𝑝𝑛 = 1 + = 1+
𝑛 ­ 
­ Í j  k ®® . (2.76)
1 + 𝜋(𝑖)  𝑖 ( 𝑗−1)!+1
 𝑗=1 cos2 𝜋 ·

𝑖=1 𝑖=1 𝑗 
« ¬ 

A primeira impressão ao se deparar com a equação anterior é que descobrimos uma forma
de exibir todos os primos que quebraria a criptografia atual. Mas note que na prática a função
que exibe o n-ésimo primo é inútil. Primeiro que sua complexidade computacional é absurda.
Temos uma busca em um espaço de 2𝑛 para o qual, cada um de seus termos deve desenvolver um
fatorial. Ademais, o piso envolvendo o cosseno é bastante susceptível à erros de arredondamento
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 25

numérico, sendo praticamente inviável obter exatamente 1. A equação anterior foi motivo de
discussão em um artigo cujo título é "What is an Answer?" [7] no qual os autores discutem a
validade de uma resposta para matemática.

2.3.9 Propriedades da função 𝛡 indicadora de primos

Aqui demonstraremos que a função ϖ como definida, de fato indica se um número é primo.
Iniciemos enunciando o teorema de Wilson.

Teorema 2.54 (Teorema de Wilson). Dado 𝑛 ∈ N a equação a seguir é valida

(𝑛 − 1)! ≡ −1(𝑚𝑜𝑑 𝑛) (2.77)

se, e só se, 𝑛 é primo.

Demonstração. Se 𝑛 é primo, então todo elemento da classe de resíduos 𝑛 possui a sua inversa
como um único representante distinto, a menos de −1 e 1 que são suas próprias inversas. Deste
modo, o produto de todos os elementos de (𝑛 − 1) até 1 resulta em

(𝑛 − 1)! = 1 · 2 · 3 · . . . · (𝑛 − 1)
≡ 1 · (2 · 2−1 ) · (3 · 3−1 ) · . . . · (𝑛 − 1)(𝑚𝑜𝑑 𝑛)
(2.78)
≡ 1 · 1 · 1 · . . . · 1 · −1(𝑚𝑜𝑑 𝑛)
≡ −1(𝑚𝑜𝑑 𝑛).

Por outro lado, suponha que valha (𝑛 − 1)! ≡ −1(𝑚𝑜𝑑 𝑛). Assumamos que 𝑛 seja composto e
chegar em uma contradição. Se 𝑛 é composto, então existe 𝑎|𝑛. Deste modo 𝑎|((𝑛 − 1)! + 1),
pois 𝑛|((𝑛 − 1)! + 1) e 𝑎|(𝑛 − 1)!, uma vez que 𝑎 < 𝑛 e todos os elementos menores do que 𝑛
aparecem na expansão do fatorial. Deste modo 𝑎|1, o que implica que 𝑎 = 1 e 𝑛 não é composto
como assumido na hipótese, levando a uma contradição. □

Sabendo-se que (𝑛 − 1)! ≡ −1(𝑚𝑜𝑑 𝑛) se, e só se, 𝑛 é primo, então a razão


(𝑛 − 1)! + 1
(2.79)
𝑛
é inteira apenas se 𝑛 for primo ou 1. Do mesmo modo,
 
(𝑛 − 1)! + 1
cos 𝜋 (2.80)
𝑛
vale 1 ou −1 se 𝑛 for primo ou 1, e é menor do que 1 em módulo para todos os outros casos.
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 26

Para não existirem casos negativos, consideremos a seguinte variante


 
2 (𝑛 − 1)! + 1
cos 𝜋 (2.81)
𝑛
e deste modo, a função vale 1 apenas se 𝑛 for primo ou 1 e é estritamente menor do que 1 caso
contrário. Adicionando o operador piso, chegamos na função que indica se um número é ou não
primo, resultando em:

  
2 (𝑛 − 1)! + 1
ϖ(𝑛) = cos 𝜋· . (2.82)
𝑛

Tabela 2.4: Exemplos de valores assumidos pela função ϖ(𝑛) para 𝑛 ≤ 10

𝒏 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
𝛡(𝒏) 1 1 1 0 1 0 1 0 0 0

2.3.10 Propriedades do número Harmônico

Exitem inúmeras propriedades que relacionam números harmônicos e números harmônicos


generalizados. Aqui apresentaremos apenas uma delas, que forma uma relação de recorrência
entre para obtenção do 𝑘−ésimo termo.

Teorema 2.55. Seja 𝐻 𝑘(𝑚) o 𝑘−ésimo número harmônico generalizado de grau 𝑚, então:

1
𝐻 𝑘(𝑚) = (𝑚)
+ 𝐻 𝑘−1 . (2.83)
𝑘𝑚

Demonstração. Note que:


𝑘
∑︁ 𝑘−1
∑︁
1 1 1 1
𝐻 𝑘(𝑚) = = + = (𝑚)
+ 𝐻 𝑘−1 . (2.84)
𝑛𝑚 𝑘 𝑚 𝑛𝑚 𝑘 𝑚
𝑛=1 𝑛=1

2.3.11 Propriedades da função Gama

A propriedade da função Gama, decorrente da sua construção, é sua relação com o fatorial.

Teorema 2.56. se 𝑠 ∈ C, então:


Γ(𝑠 + 1) = 𝑠Γ(𝑠). (2.85)
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 27

Demonstração.
∫∞
Γ(𝑠 + 1) = 𝑥 𝑠 𝑒 −𝑥 𝑑𝑥
0
  ∞ ∫∞
−𝑥 𝑠
= + 𝑠𝑥 𝑠−1 𝑒 −𝑥 𝑑𝑥
𝑒𝑥 0
0
(2.86)
  ∫∞
−𝑥 𝑠
= lim +𝑠 𝑥 𝑠−1 𝑒 −𝑥 𝑑𝑥
𝑥→∞ 𝑒𝑥
0
∫∞
=𝑠 𝑥 𝑠−1 𝑒 −𝑥 𝑑𝑥 = 𝑠 · Γ(𝑠).
0

Figura 2.1: Valores de Γ(𝑠) para −4 ≤ 𝑏 ≤ 5. Os pontos são as entradas inteiras para a função.

Observação 2.57. Note que o Teorema anterior evidencia que a função Γ tem o comportamento
idêntico à função fatorial para 𝑠 ∈ N (Figure 2.1). Ou seja:

Γ(𝑠) = (𝑠 − 1) · Γ(𝑠 − 1) = (𝑠 − 1) · (𝑠 − 2)Γ(𝑠 − 2) = (𝑠 − 1) · (𝑠 − 2) · . . . · 3 · 2 · Γ(1). (2.87)


2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 28

Perceba que
∫∞ ∫∞
Γ(1) = 𝑥 0 𝑒 −𝑥 𝑑𝑥 = 𝑒 −𝑥 𝑑𝑥 = −0 + 𝑒 0 = 1. (2.88)
0 0
Ou seja:
Γ(𝑠) = (𝑠 − 1) · (𝑠 − 2) · . . . · 3 · 2 · 1 = (𝑠 − 1)!. (2.89)

2.3.12 Propriedades da função Zeta de Riemann

Um dos motivos para o estudo da função zeta de Riemann é sua relação com os números
primos. Veja que essa relação aparece de maneira natural e intuitiva. Veja o teorema a seguir e
sua demonstração.

Teorema 2.58. Seja 𝑠 > 1


∑︁ 1 Ö  1

· 1 − 𝑠 = 1. (2.90)
𝑛𝑠 𝑝
𝑛∈N 𝑝

Demonstração. Note que


∑︁ 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
= + + + + + + + + +··· . (2.91)
𝑛𝑠 1𝑠 2𝑠 3𝑠 4𝑠 5𝑠 6𝑠 7𝑠 8𝑠 9𝑠
𝑛∈N

Multiplicando a equação anterior pelo inverso da s-ésima potência do primeiro primo, 2,


temos:

1
∑︁ 1 1 1 1 1
= + + + +··· . (2.92)
2𝑠 𝑛𝑠 1𝑠 · 2𝑠 2𝑠 · 2𝑠 3𝑠 · 2𝑠 4𝑠 · 2𝑠
𝑛∈N

Subtraindo ambas equações temos que


  ∑︁
1 1 1 1 1 1 1
1− 𝑠 𝑠
= 𝑠 + 𝑠 + 𝑠 + 𝑠 + 𝑠 +··· . (2.93)
2 𝑛 1 3 5 7 9
𝑛∈N

Note que a série da direita não possui mais nenhum termo divisível pelo primo 2. Repetindo
o processo para o próximo primo, 3, teremos:

1
∑︁ 1 1 1 1 1
= + + + +··· . (2.94)
3𝑠 𝑛𝑠 1𝑠 · 3𝑠 2𝑠 · 3𝑠 3𝑠 · 3𝑠 4𝑠 · 3𝑠
𝑛∈N

Logo subtraindo a série que excluía os múltiplos de 3 daquela que excluía os múltiplos de 2
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 29

temos:
  ∑︁ ∑︁ 1 1 1 1 1
1 1 1
1− 𝑠 − = + + + +···
2 𝑛 𝑠 3𝑠 𝑛 𝑠 1𝑠 5𝑠 7𝑠 11𝑠
𝑛∈N 𝑛∈N
   ∑︁ (2.95)
1 1 1 1 1 1 1
1− 𝑠 1− 𝑠 𝑠
= 𝑠 + 𝑠 + 𝑠 + 𝑠 +··· .
2 3 𝑛 1 5 7 11
𝑛∈N

Agora a série da direita não possui termos divisíveis por 2 ou 3. Por indução, se repetirmos
o processo para todo 𝑝 primo, então a série da direita deverá excluir todo número divisível por
qualquer primo. Logo a série se reduzirá ao elemento 1. Deste modo:
Ö 1
 ∑︁
1
1− 𝑠 · = 1. (2.96)
𝑝 𝑛𝑠
𝑝 𝑛∈N

Figura 2.2: Valores de 𝜁 (𝑠) para 𝑠 = 1.6 + 𝑏 · 𝑖 para −15 ≤ 𝑏 ≤ 15. Os pontos são definidos em intervalos
de 0.5

Euler tentou avaliar a função zeta de Riemann para alguns inteiros. Sua intuição para
𝜋2
demonstrar que 𝜁 (2) = 6 será enunciada aqui. Euler supôs que a função sen(𝑥) pudesse ser
escrita como um polinômio a partir do produto de suas raízes. Sem discutir as tecnicalidades
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 30

desta afirmação e notando que se 𝑛 ∈ N então sen(𝑛𝜋) = 0 para todo 𝑛. Deste modo:
 𝑥   𝑥  𝑥  𝑥 
sen(𝑥) = . . . · 1 − · 1− ·𝑥 · 1+ · 1+ ·...
 2𝜋
   𝜋  𝜋  2𝜋
𝑥 𝑥 𝑥 𝑥
= 𝑥 · 1− · 1+ · 1− · 1+ ·... (2.97)
 𝜋   𝜋   2𝜋 2𝜋
𝑥2 𝑥2 𝑥2
= 𝑥 · 1− 2 · 1− 2 2 · 1− 2 2 ·....
𝜋 2 𝜋 3 𝜋

Note que podemos escrever a função sen 𝑘 (𝑥) como o produtório dos primeiros 𝑘 termos da
seguinte forma:
𝑘 
Ö 
𝑥2
sen 𝑘 (𝑥) = 𝑥 1− 2 2 . (2.98)
𝑛 𝜋
𝑛=1

E avaliando alguns dos termos desta sequência temos:

𝑥3
sen1 (𝑥) = 𝑥 − 2
𝜋 3 
𝑥 𝑥3 𝑥5
sen2 (𝑥) = 𝑥 − 2 + 2 2 + 2 4
𝜋 2 𝜋 2 𝜋
 3 3

𝑥 𝑥 𝑥3
sen3 (𝑥) = 𝑥 − 2 + 2 2 + 2 2 + · · ·
𝜋 2 𝜋 3 𝜋 (2.99)
 3 
𝑥 𝑥3 𝑥3 𝑥3
sen4 (𝑥) = 𝑥 − 2 + 2 2 + 2 2 + 2 2 + · · ·
𝜋 2 𝜋 3 𝜋 4 𝜋
..
.
 
1 1 1 1 𝑥3
sen𝑛 (𝑥) = 𝑥 − + 2 + 2 + · · · + 2 2 + · · · .
1 2 3 𝑛 𝜋

Por outro lado, usando a série de Taylor temos que



∑︁ 𝑥 2𝑘+1
sen(𝑥) = (−1) 𝑘
(2𝑘 + 1)!
𝑛=1 (2.100)
𝑥3 𝑥5 𝑥7
=𝑥− + − +··· .
3! 5! 7!

Comparando-se as duas expressões anteriores no termo de terceira potência, concluímos


2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 31

que
 
1 1 1 1 1
+ + + · · · =
𝜋 2 1 22 32 3!
∑︁∞  
1 𝜋2
= (2.101)
𝑛2 3!
𝑛=1
𝜋2
𝜁 (2) = .
6

Existem outras maneiras para obter o mesmo resultado anterior. Uma interessante, usando
de integração complexa é a seguinte. Seja a integral

∫𝜋/2
ln(2𝑐𝑜𝑠(𝑥))𝑑𝑥. (2.102)
0

Algumas observações são necessárias sobre essa integral. Seja


𝜋
(∫2+ 𝑛1 )
𝑎𝑛 = ln(2𝑐𝑜𝑠(𝑥))𝑑𝑥. (2.103)
0

Vamos agora avaliar 𝑎 𝑛 para alguns valores de 𝑛 > 1. Os valores estão dispostos na tabela
2.5. Deste modo note que
𝜋
(∫2+ 𝑛1 )
lim 𝑎 𝑛 = lim ln(2𝑐𝑜𝑠(𝑥))𝑑𝑥 = 0. (2.104)
𝑛→∞ 𝑛→∞
0

Tabela 2.5: Valores assumidos por 𝑎 𝑛

𝒏 1 2 3 10 102 103 104 105 106


𝒂𝒏 0.5074 0.4618 0.4048 0.2169 0.040 0.0058 0.0007 0.00009 0.00001

Agora que sabemos que a integral é definida e converge para zero, avaliaremos sua versão
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 32

Figura 2.3: Integral de ln(2 cos(𝑥)) para 0 ≤ 𝑥 ≤ 𝜋/2. 𝑎 2 está em azul, enquanto 𝑎 1000 em verde

com a representação complexa de 𝑐𝑜𝑠(𝑥)

∫𝜋/2 ∫𝜋/2  𝑖𝑥 −𝑖𝑥  ∫𝜋/2  


𝑒 +𝑒 𝑖𝑥 −2𝑖𝑥

ln(2𝑐𝑜𝑠(𝑥))𝑑𝑥 = ln 2 𝑑𝑥 = ln 𝑒 1 + 𝑒 𝑑𝑥
2
0 0 0
∫𝜋/2 ∫𝜋/2  
= 𝑖𝑥𝑑𝑥 + ln 1 + 𝑒 −2𝑖𝑥 𝑑𝑥 (2.105)
0 0
∫𝜋/2 
𝜋2 −2𝑖𝑥

= 𝑖 + ln 1 + 𝑒 𝑑𝑥.
8
0

Relembre, da série de Taylor, que

𝑠2 𝑠3 𝑠4
ln(1 + 𝑠) = 𝑠 − + − +··· . (2.106)
2 3 4
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 33

E deste modo
∫𝜋/2  ∫𝜋/2
 𝑒 −2𝑖𝑥2 𝑒 −2𝑖𝑥3 𝑒 −2𝑖𝑥4
ln 1 + 𝑒 −2𝑖𝑥 𝑑𝑥 = 𝑒 −2𝑖𝑥 − + − + · · · 𝑑𝑥
2 3 4
0 0
(2.107)
∫𝜋/2 ∞∑︁ (−1) 𝑛+1 𝑒−2𝑖𝑥𝑛
= 𝑑𝑥.
𝑛
0 𝑛=1

Como a integral de 𝑙𝑛(1 + 𝑒 −2𝑖𝑥 ) no intervalo considerável converge absolutamente, então


pelo Teorema de Fubini [6] podemos trocar a ordem das somas

∫𝜋/2∑︁ ∞ ∫𝜋/2 ∞ ∫𝜋/2
(−1) 𝑛+1 𝑒 −2𝑖𝑥𝑛 (−1) 𝑛+1 𝑒 −2𝑖𝑥𝑛
∑︁ ∑︁ (−1) 𝑛+1
𝑑𝑥 = 𝑑𝑥 = 𝑒 −2𝑖𝑥𝑛 𝑑𝑥
𝑛 𝑛 𝑛
0 𝑛=1 𝑛=1 0 𝑛=1 0

∑︁ (−1) 𝑛+1  𝑒−2𝑖𝑥𝑛  𝜋/2 ∑︁ (−1) 𝑛+1  𝑒−𝑖𝜋𝑛 ∞ 
1
= = − (2.108)
𝑛 −2𝑖𝑛 0 𝑛 −2𝑖𝑛 −2𝑖𝑛
𝑛=1 𝑛=1

∑︁ (−1) 𝑛+1 
𝑒 −𝑖𝜋𝑛 − 1 .

=
−2𝑖𝑛2
𝑛=1

Note que 𝑒 −𝑖𝜋𝑛 = cos(𝑛𝜋) −𝑖sen(𝑛𝜋) e que sen(𝑛𝜋) = 0 para todo 𝑛. Por outro lado, cos(𝑛𝜋)
vale 1 se 2|𝑛 e −1 se 2 ∤ 𝑛. Assim

∑︁ ∑︁ (−1) 𝑛+1 ∑︁ (−1) 𝑛+1
(−1) 𝑛+1  −𝑖𝜋𝑛

𝑒 −1 = [1 − 1] + [−1 − 1]
−2𝑖𝑛2 −2𝑖𝑛2 −2𝑖𝑛2
𝑛=1 2|𝑛 2∤𝑛
∑︁ ∑︁ (2.109)
1 1 1
= = −𝑖 .
𝑖 𝑛2 𝑛2
2∤𝑛 2∤𝑛

Retomando o problema inicial

∫𝜋/2 ∫𝜋/2 
𝜋2 
ln(2𝑐𝑜𝑠(𝑥))𝑑𝑥 = 𝑖 + ln 1 + 𝑒 −2𝑖𝑥 𝑑𝑥
8
0 0
(2.110)
𝜋2
∑︁ 1 𝜋2
∑︁ 1ª
=𝑖 −𝑖 = 𝑖­ −
©
2
®.
8 𝑛 8 𝑛2
2∤𝑛 « 2∤𝑛 ¬
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 34

No entanto, a integral inicial é uma integral real, ou seja:


∑︁ ∑︁
© 𝜋2 1ª 1 𝜋2
­ − ® = 0 =⇒ = . (2.111)
8 𝑛2 𝑛2 8
« 2∤𝑛 ¬ 2∤𝑛

Para chegarmos no somatório do recíproco de todos os 𝑛 ∈ N e não apenas os ímpares temos


o seguinte passo adicional:

∑︁ ∑︁ ∑︁ ∞
∑︁ ∞
∑︁
1 1 1 𝜋2 1 𝜋2 1 1
= + = + = + . (2.112)
𝑛2 𝑛2 𝑛2 8 (2𝑛) 2 8 4 𝑛2
𝑛=1 2∤𝑛 2|𝑛 𝑛=1 𝑛=1

Ou ainda,

∑︁ ∞
∑︁ ∞
∑︁ ∞
∑︁
1 1 1 𝜋2 3 1 𝜋2 1 𝜋2
− = =⇒ = =⇒ = . (2.113)
𝑛2 4 𝑛 2 8 4 𝑛2 8 𝑛2 6
𝑛=1 𝑛=1 𝑛=1 𝑛=1

Teorema 2.59. Seja 𝑛 ∈ N então as três seguintes séries possuem limites definidos e equivalentes
à:

∑︁ ∞
∑︁ ∞
∑︁
1 𝜋2 1 𝜋2 1 𝜋2
𝜁 (2) = = = = . (2.114)
𝑛2 6 𝑛2 8 𝑛2 24
𝑛=1 2∤𝑛 2|𝑛

Demonstração. A prova é aplicação direta da integral anterior. □

Teorema 2.60. Seja 𝑛 ∈ N



∑︁ 𝜇(𝑛) 6
= . (2.115)
𝑛2 𝜋2
𝑛=1

Demonstração. Note que pelos Teoremas 2.58 e 2.59


Ö 1
 Ö 1

6
𝜁 (2) · 1 − 2 = 1 =⇒ 1− 2 = 2 (2.116)
𝑝 𝑝 𝜋
𝑝 𝑝

e pelo Teorema 2.37



∑︁ Ö  ∞
∑︁
𝜇(𝑛) 1 𝜇(𝑛) 6
= 1− 2 =⇒ = . (2.117)
𝑛2 𝑝 𝑛2 𝜋2
𝑛=1 𝑝 𝑛=1

Teorema 2.61. Se 𝑠 ∈ C ∫ ∞
1
Γ(𝑠) · 𝜁 (𝑠) = 𝑥 𝑠−1 𝑑𝑥. (2.118)
0 𝑒𝑥 − 1
2.3 Funções multiplicativas e propriedades de funções aritméticas 35

Demonstração. Pela Definição 2.27 e usando a mudança de variável 𝑡 = 𝑛 · 𝑥


∫ ∞ ∫ ∞ ∫ ∞
𝑠−1 −𝑡 𝑠−1 −𝑛·𝑥
Γ(𝑠) = 𝑡 𝑒 𝑑𝑡 = (𝑛 · 𝑥) 𝑒 𝑛𝑑𝑥 = 𝑛 𝑠
𝑥 𝑠−1 𝑒 −𝑛·𝑥 𝑑𝑥 (2.119)
0 0 0

somando a equação anterior para todo 𝑛


∞ ∞ ∫
∑︁ ∑︁ ∞
Γ(𝑠)
= 𝑥 𝑠−1 𝑒 −𝑛·𝑥 𝑑𝑥
𝑛𝑠 0
𝑛=1 𝑛=1

∑︁ ∫ ∞
Γ(𝑠)𝜁 (𝑠) = 𝑥 𝑠−1 𝑒 −𝑛·𝑥 𝑑𝑥
0
𝑛=1
∞ (2.120)
∫ ∞ ∑︁
𝑠−1 −𝑛·𝑥
Γ(𝑠)𝜁 (𝑠) = 𝑥 𝑒 𝑑𝑥
0
𝑛=1

𝑒 −𝑥

Γ(𝑠)𝜁 (𝑠) = 𝑥 𝑠−1 𝑑𝑥
1 − 𝑒 −𝑥
∫0 ∞
1
Γ(𝑠)𝜁 (𝑠) = 𝑥 𝑠−1 𝑥 𝑑𝑥.
0 𝑒 −1

Exemplo 2.62. Pela aplicação direta do Teorema anterior, a integral


∫ ∞
𝑥
𝑑𝑥 (2.121)
0 𝑒𝑥 − 1

pode ser avaliada por:


∫ ∞
1
𝑥 2−1 𝑑𝑥 = Γ(2) · 𝜁 (2)
0 𝑒𝑥 − 1
∫ ∞ (2.122)
1 𝜋2
𝑥 𝑥 𝑑𝑥 = .
0 𝑒 −1 6

De maneira análoga ao teorema anterior, podemos enunciar

Teorema 2.63. Se 𝑠 ∈ C

𝑥 𝑠−1 𝑒 −𝑎𝑥

Γ(𝑠) · 𝜁 (𝑠, 𝑎) = 𝑑𝑥. (2.123)
0 1 − 𝑒 −𝑥

Demonstração. Análoga à anterior. □


Capítulo 3
Comportamento assintótico do valor médio
de funções aritméticas

Neste capítulo, trataremos do comportamento assintótico do valor médio de funções arit-


méticas. Como muitas das simplificações adotadas advém do uso da Fórmula de Euler para
somatórios e da Identidade de Abel trataremos esse tópico na sequência. Assim, resta-nos
definir valor médio de função aritméticas para estudar seus comportamentos no limite. Para isso
utilizaremos da notação Big-O para trazer uma componente nocional dos erros de aproximação
das estimativas dos comportamentos assintóticos quando avaliamos para inteiros quaisquer.

3.1 Fórmula de Euler para somatórios

A fórmula de Euler para somatórios é uma maneira de descrever o erro entre a integral de
uma função contínua e sua versão discretizada. Essa capacidade é uma ferramenta interessante
para transformar soma em integral e vice-versa.

Teorema 3.1 (Fórmula de Euler para somatórios). Seja 𝑓 uma função com derivada contínua
no intervalo [𝑎, 𝑏], então:

∑︁ ∫𝑏 ∫𝑏 h i𝑏
𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 − (⌊𝑡⌋ − 𝑡) 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡 + (⌊𝑡⌋ − 𝑡) 𝑓 (𝑡) . (3.1)
𝑎
𝑎<𝑛≤𝑏 𝑎 𝑎

Demonstração. Note que para todo intervalo unitário, 𝑛 − 1 ≤ 𝑡 ≤ 𝑛, vale (veja Figura 3.1)
∫𝑛 ∫𝑛

⌊𝑡⌋ 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 = (𝑛 − 1) 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡 = (𝑛 − 1)( 𝑓 (𝑛) − 𝑓 (𝑛 − 1)). (3.2)
𝑛−1 𝑛−1
3.1 Fórmula de Euler para somatórios 37

Figura 3.1: Guia geométrico


∫ 𝑛 para a intuição da demonstração. A área em azul (NPSBQAN) representa
os intervalos da integral 𝑛−1 ⌊𝑡⌋ 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡. A primeira vista não é trivial entender essa integral como
uma área calculada sobre
∫ o eixo das ordenadas, mas observe a equação 3.2. A área verde (MABFOM)
Í
representa a integral 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡. A área laranja (MQBSFOM) representa a soma 𝑓 (𝑛). Os polígonos
LNAML e LPFOL representam as áreas do tipo ⌊𝑥⌋ 𝑓 (𝑥) e 𝑥 𝑓 (𝑥).

Ao realizar a soma para todos os intervalos unitários temos, pela direita


∑︁ ∑︁
𝑛 𝑓 (𝑛) − (𝑛 − 1) 𝑓 (𝑛 − 1) − 𝑓 (𝑛) = ⌊𝑏⌋ 𝑓 (𝑏) − ⌊𝑎⌋ 𝑓 (𝑎) − 𝑓 (𝑛) (3.3)
𝑎<𝑛≤𝑏 𝑎<𝑛≤𝑏

e pela esquerda
∑︁ ∫𝑛 ∫𝑏

⌊𝑡⌋ 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 = ⌊𝑡⌋ 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡. (3.4)
𝑎<𝑛≤𝑏 𝑛−1 𝑎

Deste modo
∫𝑏 ∑︁

⌊𝑡⌋ 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 = ⌊𝑏⌋ 𝑓 (𝑏) − ⌊𝑎⌋ 𝑓 (𝑎) − 𝑓 (𝑛), (3.5)
𝑎 𝑎<𝑛≤𝑏
ou ainda
∑︁ ∫𝑏
𝑓 (𝑛) = − ⌊𝑡⌋ 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡 + ⌊𝑏⌋ 𝑓 (𝑏) − ⌊𝑎⌋ 𝑓 (𝑎). (3.6)
𝑎<𝑛≤𝑏 𝑎
3.2 Identidade de Abel 38

Usando integração por partes, pode-se escrever:

∫𝑏 ∫𝑏
𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 = − 𝑡 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡 + 𝑏 𝑓 (𝑏) − 𝑎 𝑓 (𝑎). (3.7)
𝑎 𝑎

Logo a diferença entre a integral e o somatório de 𝑓 é dado por:

∑︁ ∫𝑏 ∫𝑏 h i𝑏
𝑓 (𝑛) − 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 = (𝑡 − ⌊𝑡⌋) 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡 − (𝑡 − ⌊𝑡⌋) 𝑓 (𝑡) , (3.8)
𝑎
𝑎<𝑛≤𝑏 𝑎 𝑎

que ao rearranjar resulta em

∑︁ ∫𝑏 ∫𝑏 h i𝑏
𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 + (𝑡 − ⌊𝑡⌋) 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡 − (𝑡 − ⌊𝑡⌋) 𝑓 (𝑡) . (3.9)
𝑎
𝑎<𝑛≤𝑏 𝑎 𝑎

Observação 3.2. Caso 𝑎 e 𝑏 sejam inteiros, então:


𝑏
∑︁ ∫𝑏 ∫𝑏
𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 + (𝑡 − ⌊𝑡⌋) 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡 + 𝑓 (𝑎), (3.10)
𝑛=𝑎 𝑎 𝑎

pois podemos incluir 𝑓 (𝑎) nos dois lados da equação e para 𝑡 = 𝑎 ou 𝑡 = 𝑏, 𝑡 − ⌊𝑡⌋ = 0, resultando
na igualdade descrita.

3.2 Identidade de Abel

Como multiplicatividade é uma propriedade transitiva pela soma sobre uma função aritmé-
tica, seria interessante ter uma versão da soma de Euler para funções geradas por somatórios de
funções aritméticas.

Teorema 3.3 (Identidade de Abel). Para qualquer função aritmética 𝑔(𝑛) e com
∑︁
𝐺 (𝑥) = 𝑔(𝑘) (3.11)
𝑘 ≤𝑥

na qual 𝐺 (𝑥) = 0 para todo 𝑥 < 1 e assumindo que 𝑓 possui derivada contínua no intervalo
[𝑎, 𝑏], então
𝑏
∑︁ ∫ 𝑏

𝑔(𝑛) · 𝑓 (𝑛) = 𝐺 (𝑏) · 𝑓 (𝑏) − 𝐺 (𝑎 − 1) · 𝑓 (𝑎) − 𝐺 (𝑡) · 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 (3.12)
𝑎
𝑛=𝑎
3.3 Constante de Euler-Mascheroni generalizada 39

Demonstração. Note que


𝑏
∑︁ 𝑏
∑︁
𝑔(𝑛) · 𝑓 (𝑛) = (𝐺 (𝑛) − 𝐺 (𝑛 − 1)) · 𝑓 (𝑛)
𝑛=𝑎 𝑛=𝑎
𝑏
∑︁ 𝑏
∑︁
= 𝐺 (𝑛) · 𝑓 (𝑛) − 𝐺 (𝑛 − 1) · 𝑓 (𝑛)
𝑛=𝑎 𝑛=𝑎
𝑏
∑︁ 𝑏−1
∑︁
= 𝐺 (𝑛) · 𝑓 (𝑛) − 𝐺 (𝑛) · 𝑓 (𝑛 + 1)
𝑛=𝑎 𝑛=𝑎−1 (3.13)
𝑏−1
∑︁
= 𝐺 (𝑏) · 𝑓 (𝑏) − 𝐺 (𝑎 − 1) · 𝑓 (𝑎) − 𝐺 (𝑛) · ( 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛))
𝑛=𝑎
𝑏−1
∑︁ ∫ 𝑛+1

= 𝐺 (𝑏) · 𝑓 (𝑏) − 𝐺 (𝑎 − 1) · 𝑓 (𝑎) − 𝐺 (𝑛) · 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡
𝑛
𝑛=𝑎
∫ 𝑏

= 𝐺 (𝑏) · 𝑓 (𝑏) − 𝐺 (𝑎 − 1) · 𝑓 (𝑎) − 𝐺 (𝑡) · 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡.
𝑎

Observação 3.4. Outra formulação comum para este teorema está descrita a seguir
∑︁ ∫ 𝑏

𝑔(𝑛) · 𝑓 (𝑛) = 𝐺 (𝑏) · 𝑓 (𝑏) − 𝐺 (𝑎) · 𝑓 (𝑎) − 𝐺 (𝑡) · 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡. (3.14)
𝑎
𝑎<𝑛≤𝑏

Demonstração. A solução advêm de subtrair 𝑔(𝑎) 𝑓 (𝑎) de ambos termos do teorema anterior.

3.3 Constante de Euler-Mascheroni generalizada

A diferença entre a integral da função contínua e sua versão discreta é denominada constante
de Euler-Mascheroni generalizada.

Definição 3.5 (Constante de Euler-Mascheroni generalizada). Sejam 𝑓 uma função Aritmética.


Definimos a constante 𝛾 𝑘 de Euler-Mascheroni generalizada de 𝑓 pela seguinte diferença:
𝑘
∑︁ ∫𝑘
𝛾𝑘 ( 𝑓 ) = 𝑓 (𝑛) − 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡. (3.15)
𝑛=1 1

Note que pelo Teorema 3.1 essa definição denota exatamente a diferença entre o cálculo do
3.3 Constante de Euler-Mascheroni generalizada 40

somatório e a integral operando sobre a função aritmética

∫𝑘
𝛾𝑘 ( 𝑓 ) = (𝑡 − ⌊𝑡⌋) 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡 + 𝑓 (1). (3.16)
1

Ao estudar o comportamento dessa função para 𝑘 evoluindo nos inteiros, no limite temos a
definição a seguir.

Definição 3.6 (Constante de Euler-Mascheroni de uma função aritmética). O limite da Constante


de Euler-Mascheroni generalizada para 𝑘 → ∞, caso exista, é chamado de constante de Euler-
Mascheroni da função 𝑓
𝛾( 𝑓 ) = lim 𝛾 𝑘 ( 𝑓 ). (3.17)
𝑘→∞

Exemplo 3.7. Por exemplo, se


1
𝑓 (𝑛) = , (3.18)
𝑛
então por um lado podemos usar a definição e calcular
𝑘
∑︁ ∫𝑘 𝑘
∑︁
1 1 1
𝛾𝑘 ( 𝑓 ) = − 𝑑𝑡 = − ln(𝑘) (3.19)
𝑛 𝑡 𝑛
𝑛=1 1 𝑛=1

e, por outro lado, usando a fórmula para soma de Euler,

∫𝑘
𝛾𝑘 ( 𝑓 ) = (𝑡 − ⌊𝑡⌋) 𝑓 ′ (𝑡)𝑑𝑡 + 𝑓 (1)
1
∫𝑘
(𝑡 − ⌊𝑡⌋)
=− 𝑑𝑡 + 1
𝑡2
1
𝑘−1 ∫𝑛+1
∑︁ (𝑡 − 𝑛)
= 1− 𝑑𝑡
𝑡2
𝑛=1 𝑛
(3.20)
𝑘−1 ∫𝑛+1
∑︁ 1 𝑛
= 1− − 𝑑𝑡
𝑡 𝑡2
𝑛=1 𝑛
𝑘−1
∑︁ 𝑛
= 1− ln(𝑛 + 1) − ln(𝑛) + −1
𝑛+1
𝑛=1
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁
1 1
= 1 − ln(𝑘) + = − ln(𝑘) + ,
𝑛 𝑛
𝑛=2 𝑛=1

o que nos permite avaliar todos os termos da fórmula de Euler para somatórios.
3.3 Constante de Euler-Mascheroni generalizada 41

 
1
O limite do exemplo, 𝛾 𝑘 𝑛 para 𝑘 → ∞, é denominado constante de Euler-Mascheroni,
que é uma constante recorrente na teoria anaítica dos números, e equivale à:

  𝑘
∑︁ ∫∞
1 1 (𝑡 − ⌊𝑡⌋)
𝛾 = lim 𝛾 𝑘 = lim − ln(𝑘) = 1 − 𝑑𝑡 = 0.5772156649 · · · . (3.21)
𝑘→∞ 𝑛 𝑘→∞ 𝑛 𝑡2
𝑛=1 1

As duas próximas proposições são simples propriedades que derivam da definição das
constantes de Euler-Mascheroni para soma de funções aritméticas.

Proposição 3.8. Seja 𝑓 uma função aritmética, 𝛼 uma constante e 𝛾 𝑘 a função de Euler-
Mascheroni generalizada, então:

𝛾 𝑘 ( 𝑓 (𝑛) + 𝛼) = 𝛾 𝑘 ( 𝑓 (𝑛)) + 𝛼. (3.22)

Demonstração.
𝑘
∑︁ ∫𝑘
𝛾 𝑘 ( 𝑓 (𝑛) + 𝛼) = 𝑓 (𝑛) + 𝛼 − 𝑓 (𝑡) + 𝛼𝑑𝑡
𝑛=1 1
∑︁ 𝑘 ∫𝑘 ∫𝑘
= 𝑓 (𝑛) − 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 + 𝑘𝛼 − 𝛼𝑑𝑡 (3.23)
𝑛=1 1 1

= 𝛾 𝑘 ( 𝑓 (𝑛)) + 𝑘𝛼 − (𝑘 − 1)𝛼
= 𝛾 𝑘 ( 𝑓 (𝑛)) + 𝛼.

Proposição 3.9. Seja 𝑓 e 𝑔 funções aritméticas e 𝛾 𝑘 a função de Euler-Mascheroni generalizada,


então:
𝛾 𝑘 ( 𝑓 (𝑛) + 𝑔(𝑛)) = 𝛾 𝑘 ( 𝑓 (𝑛)) + 𝛾 𝑘 (𝑔(𝑛)). (3.24)

Demonstração.
𝑘
∑︁ ∫𝑘
𝛾 𝑘 ( 𝑓 (𝑛) + 𝑔(𝑛)) = 𝑓 (𝑛) + 𝑔(𝑛) − 𝑓 (𝑡) + 𝑔(𝑡)𝑑𝑡
𝑛=1 1
𝑘
∑︁ ∫𝑘 𝑘
∑︁ ∫𝑘 (3.25)
= 𝑓 (𝑛) − 𝑓 (𝑡)𝑑𝑡 + 𝑔(𝑛) − 𝑔(𝑡)𝑑𝑡
𝑛=1 1 𝑛=1 1

= 𝛾 𝑘 ( 𝑓 (𝑛)) + 𝛾 𝑘 (𝑔(𝑛)).


3.4 Notação assintótica Big-O e comportamento assintótico 42

3.4 Notação assintótica Big-O e comportamento assintótico

Agora que entendemos os comportamentos das integrais e dos somatórios sobre funções
aritméticas, usando da notação assintótica Big-O, podemos descrever o comportamento do valor
médio de funções aritméticas para todo valor do domínio nos inteiros positivos. A ideia por trás
dessa representação é construir uma noção de majorante superior e inferior para comportamento
de funções.

Definição 3.10 (Notação assintótica Big-O). Sejam as funções 𝑓 (𝑥) e 𝑔(𝑥). Dizemos que
𝑓 (𝑥) = 𝑂 (𝑔(𝑥)) se existem 𝑁0 , 𝑚 e 𝑀 tal que para todo 𝑛 > 𝑁0

𝑚 · 𝑔(𝑛) ≤ 𝑓 (𝑛) ≤ 𝑀 · 𝑔(𝑛). (3.26)

Os próximos teoremas são relações de suporte para calcular o valor médio das funções
aritméticas da próxima seção. O Teorema 3.11 encontra uma aproximação para os 𝑘 primeiro
termos da série zeta de Riemann calculada para 𝑠 = 1. Note que o resultado está relacionado
com a função logaritmo neperiano, com a constante de Euler-Mascheroni e com o Big-O do
recíproco do 𝑘−ésimo termo.

Teorema 3.11. Seja 𝑘 ∈ N tal que 𝑘 ≥ 1.


𝑘  
∑︁  
1 1
= 𝑙𝑛(𝑘) + 𝛾 + 𝑂 . (3.27)
𝑛 𝑘
𝑛=1

Demonstração. Usando a Fórmula de Euler para somatórios


𝑘  
∑︁ ∫𝑘   ∫𝑘    
1 1 −1 1
= 𝑑𝑡 + (𝑡 − ⌊𝑡⌋) 2 𝑑𝑡 +
𝑛 𝑡 𝑡 1
𝑛=1 1 1
(3.28)
∫𝑘  
(𝑡 − ⌊𝑡⌋)
= ln(𝑘) − 𝑑𝑡 + 1.
𝑡2
1

Note que

∫𝑘   ∫∞   ∫∞  
(𝑡 − ⌊𝑡⌋) (𝑡 − ⌊𝑡⌋) (𝑡 − ⌊𝑡⌋)
𝑑𝑡 = 𝑑𝑡 − 𝑑𝑡 (3.29)
𝑡2 𝑡2 𝑡2
1 1 𝑘

e ainda que
∫∞   ∫∞    
(𝑡 − ⌊𝑡⌋) 1 1 1
𝑑𝑡 ≤ 𝑑𝑡 = = 𝑂 . (3.30)
𝑡2 𝑡2 𝑘 𝑘
𝑘 𝑘
3.4 Notação assintótica Big-O e comportamento assintótico 43

Deste modo:
𝑘  
∑︁ ∫∞   
1 (𝑡 − ⌊𝑡⌋) 1
= ln(𝑘) + 1 − 2
𝑑𝑡 + 𝑂
𝑛 𝑡 𝑘
𝑛=1 1 (3.31)
 
1
= ln(𝑘) + 𝛾 + 𝑂 .
𝑘

Já o Teorema 3.12 diz respeito a soma dos 𝑘−ésimos primeiros termos da série de Riemann
para toda entrada maior do que 1. Dessa vez ela depende da própria função zeta de Riemann,
novamente do recíproco do 𝑘−ésimo termo com o expoente devido, e de um termo que depende
de 𝑘 e do expoente escolhido, não dependendo mais da função logaritmo ou da constante de
Euler-Mascheroni.

Teorema 3.12. Seja 𝑘 ∈ N tal que 𝑘 ≥ 1, 𝑠 > 0 e 𝑠 ≠ 1


𝑘 
∑︁   
1 𝑘 1−𝑠 1
= + 𝜁 (𝑠) + 𝑂 𝑠 . (3.32)
𝑛𝑠 1−𝑠 𝑘
𝑛=1

Demonstração. Usando a Fórmula de Euler para somatórios


𝑘 
∑︁  ∫𝑘   ∫𝑘  −𝑠 
1 1
= 𝑑𝑡 + (𝑡 − ⌊𝑡⌋) 𝑑𝑡 + 1
𝑛𝑠 𝑡𝑠 𝑡 𝑠+1
𝑛=1 1 1
∫𝑘  
𝑘 1−𝑠 1 (𝑡 − ⌊𝑡⌋)
= − −𝑠 𝑑𝑡 + 1 (3.33)
1−𝑠 1−𝑠 𝑡 𝑠+1
1
∫∞   ∫∞  
𝑘 1−𝑠 𝑠 (𝑡 − ⌊𝑡⌋) (𝑡 − ⌊𝑡⌋)
= − −𝑠 𝑑𝑡 + 𝑠 𝑑𝑡.
1−𝑠 1−𝑠 𝑡 𝑠+1 𝑡 𝑠+1
1 𝑘

Note que se 𝑠 ≠ 1
𝑘 
∑︁ 
1 𝑘 1−𝑠 ª
𝜁 (𝑠) = lim ­ −
©
1−𝑠
®
𝑘→∞ 𝑛𝑠
« 𝑛=1 ¬
∫𝑘  
© 𝑠 (𝑡 − ⌊𝑡⌋)
= lim ­− −𝑠
ª (3.34)
𝑑𝑡 ®
𝑘→∞ 1−𝑠 𝑡 𝑠+1
« 1 ¬
∫∞  
𝑠 (𝑡 − ⌊𝑡⌋)
=− −𝑠 𝑑𝑡
1−𝑠 𝑡 𝑠+1
1
3.4 Notação assintótica Big-O e comportamento assintótico 44

e ainda
∫∞   ∫∞    
(𝑡 − ⌊𝑡⌋) 1 1 1
𝑠 𝑑𝑡 < 𝑠 𝑑𝑡 = = 𝑂 (3.35)
𝑡 𝑠+1 𝑡 𝑠+1 𝑘𝑠 𝑘𝑠
𝑘 𝑘

Assim:
𝑘 
∑︁   
1 𝑘 1−𝑠 1
= + 𝜁 (𝑠) + 𝑂 𝑠 . (3.36)
𝑛𝑠 1−𝑠 𝑘
𝑛=1

Já o Teorema 3.13 trata da cauda da função zeta de Riemann quando iniciada no termo 𝑘 + 1,
ao contrário dos teoremas anteriores que se preocupavam com os primeiros termos da série.
Note que dessa vez a cauda é majorada apenas pelo recíproco 𝑘 ao expoente da zeta de Riemann
subtraído de 1.

Teorema 3.13. Seja 𝑘 ∈ N tal que 𝑘 ≥ 1 e 𝑠 > 1


∞ 
∑︁   
1 1
=𝑂 . (3.37)
𝑛𝑠 𝑘 𝑠−1
𝑛=𝑘+1

Demonstração. Note que


∞ 
∑︁ ∞ 
 ∑︁ 𝑘 
 ∑︁ 
1 1 1
= − . (3.38)
𝑛𝑠 𝑛𝑠 𝑛𝑠
𝑛=𝑘+1 𝑛=1 𝑛=1

Pela Definição 2.27 e pelo Teorema 3.12 temos que


∞ 
∑︁    
1 𝑘 1−𝑠 1
= 𝜁 (𝑠) − + 𝜁 (𝑠) + 𝑂 𝑠
𝑛𝑠 1−𝑠 𝑘
𝑛=𝑘+1
 
𝑘 1−𝑠 1
=− +𝑂 𝑠
1−𝑠 𝑘 (3.39)
   
1 1
= 𝑂 𝑠−1 + 𝑂 𝑠
𝑘 𝑘
 
1
= 𝑂 𝑠−1 .
𝑘

Finalmente, o Teorema 3.14 é construído para tratar as somas não mais dos recíprocos, mas
das potências. Assim, todos os casos necessários para o estudo do valor médio da função sigma
3.5 Valor médio de uma função aritmética 45

generalizada estão postos.

Teorema 3.14. Seja 𝑘 ∈ N tal que 𝑘 ≥ 1 e 𝑚 > 0


𝑘
∑︁ 𝑘 𝑚+1
𝑛𝑚 = + 𝑂 (𝑘 𝑚 ) . (3.40)
𝑚 +1
𝑛=1

Demonstração. Usando a Fórmula de Euler para somatórios


𝑘
∑︁ ∫𝑘 ∫𝑘
𝑛𝑚 = 𝑡 𝑚 𝑑𝑡 + 𝑚 (𝑡 − ⌊𝑡⌋)𝑡 𝑚−1 𝑑𝑡 + 1
𝑛=1 1 1
(3.41)
∫𝑘
𝑘 𝑚+1 1
= − +𝑚 (𝑡 − ⌊𝑡⌋)𝑡 𝑚−1 𝑑𝑡 + 1.
𝑚 +1 𝑚 +1
1

Note que

∫𝑘 ∫𝑘
𝑚−1
1+𝑚 (𝑡 − ⌊𝑡⌋)𝑡 𝑑𝑡 < 1 + 𝑚 (1)𝑡 𝑚−1 𝑑𝑡 = 1 + 𝑘 𝑚 − 1𝑚 = 𝑘 𝑚 = 𝑂 (𝑘 𝑚 ) (3.42)
1 1

e deste modo:
𝑘
∑︁
𝑚 𝑘 𝑚+1 1 𝑚 𝑘 𝑚+1
𝑛 = − +𝑂 (𝑘 ) = + 𝑂 (𝑘 𝑚 ) . (3.43)
𝑚 +1 𝑚 +1 𝑚 +1
𝑛=1

Agora estamos áptos a estudar o valor médio das funções aritméticas 𝜏, 𝜎, 𝜎𝑘 e 𝜑.

3.5 Valor médio de uma função aritmética

Para algumas funções aritméticas, principalmente aquelas que se relacionam com os nú-
meros primos, não existem valores exatos para sua média e predizer seu comportamento seria
desvendar o mistério dos números primos. Deste modo, podemos aproximar suas médias usando
a notação big-O. Primeiro vamos definir valor médio.

Definição 3.15 (Valor médio de uma função aritmética). Sejam 𝑓 uma função aritmética.
Definimos o valor médio de 𝑓 , denotado por 𝑓˜, por:

1
∑︁
𝑓˜(𝑛) = 𝑓 (𝑛). (3.44)
𝑛
𝑘 ≤𝑛
3.5 Valor médio de uma função aritmética 46

Na sequência calcularemos o valor médio das funções 𝜏, 𝜎, 𝜎𝑘 e 𝜑.

3.5.1 Valor médio de 𝝉(𝒏)

Teorema 3.16 (Valor médio de 𝝉(𝒏)). Para todo 𝑛 ≥ 1

˜
𝜏(𝑛) = ln(𝑛) + 𝑂 (1) . (3.45)

Demonstração. Note que


𝑛
∑︁ 𝑛 ∑︁
∑︁ 𝑛/𝑑
𝑛 ∑︁
∑︁
1 1 1
˜
𝜏(𝑛) = 𝜏(𝑘) = 1= 1. (3.46)
𝑛 𝑛 𝑛
𝑘=1 𝑘=1 𝑑|𝑘 𝑑=1 𝑞=1

Usando o Teorema 3.14


𝑛/𝑑
∑︁ 𝑛
1= + 𝑂 (1) . (3.47)
𝑑
𝑞=1

Usando o resultado anterior e o Teorema 3.11 temos


𝑛
∑︁
1 𝑛 
˜
𝜏(𝑘) = + 𝑂 (1)
𝑛 𝑑
𝑑=1
𝑛
∑︁
1© 1ª
= ­𝑛𝑂 (1) + 𝑛 ® (3.48)
𝑛 𝑑
« 𝑑=1 ¬  

1
= 𝑂 (1) + ln(𝑛) + 𝛾 + 𝑂
𝑛
= ln(𝑛) + 𝑂 (1) .

Note que a menos de um erro majorado por 𝑂 (1), a média de 𝜏(𝑛) se comporta como a
função ln(𝑛).

3.5.2 Valor médio de 𝝈(𝒏)

Teorema 3.17 (Valor médio de 𝝈(𝒏)). Para todo 𝑛 ≥ 1


𝜁 (2)
˜
𝜎(𝑛) = 𝑛 + 𝑂 (ln(𝑛)) . (3.49)
2
3.5 Valor médio de uma função aritmética 47

Demonstração. Pela Definição 3.15 e aplicando os Teoremas 3.12 e 3.14


𝑛
∑︁ 𝑛 ∑︁
∑︁ 𝑛/𝑑
𝑛 ∑︁
∑︁
1 1 1
˜
𝜎(𝑛) = 𝜎(𝑘) = 𝑑= 𝑞
𝑛 𝑛 𝑛
𝑘=1 𝑘=1 𝑑|𝑘 𝑑=1 𝑞=1
𝑛
∑︁  1  𝑛  2 𝑛 𝑛
∑︁  1  2 ∑︁
1  𝑛  𝑛
 
1
= +𝑂 = + 𝑂
𝑛 2 𝑑 𝑑 𝑑2 𝑑
𝑑=1 𝑑=1 𝑑=1
   (3.50)
𝑛 1 1
= − + 𝜁 (2) + 𝑂 2 + 𝑂 (ln(𝑛))
2 𝑛 𝑛
  
𝑛 1
= 𝜁 (2) + 𝑂 + 𝑂 (ln(𝑛))
2 𝑛
𝜁 (2)
= 𝑛 + 𝑂 (ln(𝑛)) .
2

Para 𝜎, curiosamente, sua média depende da função 𝜁 (2) com o erro majorado por algo não
maior do que 𝑂 (ln(𝑛)).

3.5.3 Valor médio de 𝝈𝒌 (𝒏)

Teorema 3.18 (Valor médio de 𝝈𝒌 (𝒏)). Para todo 𝑛 ≥ 1






 ln(𝑛) + 𝑂 (1) se 𝑘 = 0
𝜁 (2)


𝑛 + 𝑂 (ln(𝑛))



 se 𝑘 = 1


 2  
 ln(𝑛)
˜ 𝑘 (𝑛) = 𝜁 (2) + 𝑂 se 𝑘 = −1


𝜎 𝑛 (3.51)



 𝜁 (𝑘 + 1) 𝑘 
𝑚𝑎𝑥{0,𝑘−1}


 𝑛 +𝑂 𝑛 se 𝑘 > 0 e 𝑘 ≠ 1
𝑘 +1



  

 max(−1,𝑘)


 𝜁 (𝑘 + 1) + 𝑂 𝑛 se 𝑘 < 0 e 𝑘 ≠ −1.

Demonstração. Para 𝑘 = 0 basta aplicar o Teorema 3.16 e teremos:

˜ 0 (𝑛) = 𝜏(𝑛)
𝜎 ˜ = ln(𝑛) + 𝑂 (1) . (3.52)

Para 𝑘 = 1 basta aplicar o Teorema 3.17 e teremos:


𝜁 (2)
˜ 1 (𝑛) = 𝜎(𝑛)
𝜎 ˜ = 𝑛 + 𝑂 (ln(𝑛)) . (3.53)
2
3.5 Valor médio de uma função aritmética 48

Para 𝑘 > 0 e 𝑘 ≠ 1 teremos:


𝑛
∑︁ 𝑛 ∑︁
∑︁ 𝑛/𝑑
𝑛 ∑︁
∑︁
1 1 1
˜ 𝑘 (𝑛) =
𝜎 𝜎𝑘 (𝑚) = 𝑑𝑘 = 𝑞𝑘
𝑛 𝑛 𝑛
𝑚=1 𝑚=1 𝑑|𝑚 𝑑=1 𝑞=1
𝑛 
∑︁  
1 1 𝑛 𝑘+1 𝑛 𝑘
= + 𝑂
𝑛 𝑘 + 1 𝑑 𝑘+1 𝑑𝑘
𝑑=1
∑︁𝑛   ∑︁𝑛   
1 𝑛 𝑘+1 1 𝑛𝑘 1
= + 𝑂 𝑘
𝑘 +1 𝑛 𝑑 𝑘+1 𝑛 𝑑
𝑑=1 𝑑=1 (3.54)
1 𝑘 𝑛−𝑘
    1−𝑘  
1 𝑘−1 𝑛 1
= 𝑛 + 𝜁 (𝑘 + 1) + 𝑂 𝑘+1 + 𝑛 𝑂 + 𝜁 (𝑘) + 𝑂 𝑘
𝑘 +1 −𝑘 𝑛 1−𝑘 𝑛
 𝑘
    
1 𝑛 1 1 (𝑘−1) 1
= + 𝜁 (𝑘 + 1) + 𝑂 +𝑂 +𝑛 𝜁 (𝑘) + 𝑂
−𝑘 (𝑘 + 1) 𝑘 + 1 𝑛 1−𝑘 𝑛
𝑛 𝑘      
= 𝜁 (𝑘 + 1) + 𝑂 (1) + 𝑂 𝑛−1 + 𝑂 (1) + 𝑂 𝑛 𝑘−1 + 𝑂 𝑛−1
𝑘 +1
𝑛𝑘  
= 𝜁 (𝑘 + 1) + 𝑂 𝑛 𝛽
𝑘 +1
na qual 𝛽 = max(0, 𝑘 − 1).

Para 𝑘 < 0:
𝑛
∑︁ 𝑛 ∑︁
∑︁ 𝑛/𝑑
𝑛 ∑︁
∑︁
1 1 1 1 1
˜ 𝑘 (𝑛) =
𝜎 𝜎𝑘 (𝑚) = |𝑘 |
=
𝑛 𝑛 𝑑 𝑛 𝑑 |𝑘 |
𝑚=1 𝑚=1 𝑑|𝑚 𝑑=1 𝑞=1
𝑛
∑︁ 𝑛/𝑑
∑︁ 𝑛
∑︁
1 1 1 1 h𝑛 i
= 1= + 𝑂 (1)
𝑛 𝑑 |𝑘 | 𝑛 𝑑 |𝑘 | 𝑑
𝑑=1 𝑞=1 𝑑=1 (3.55)
𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁
1 1 1 1 1 © 1 ª
= |𝑘 |+1
+ 𝑂 (1) = + 𝑂­
𝑑 |𝑘 | 𝑑 |𝑘 |+1 𝑛 𝑑 |𝑘 |
®
𝑑 𝑛
𝑑=1 𝑑=1 𝑑=1 « 𝑑=1 ¬
∑︁𝑛 𝑛
∑︁
1 1 © 1 ª
= + 𝑂­ ®,
𝑑 |𝑘 |+1 𝑛 𝑑 |𝑘 |
𝑑=1 « 𝑑=1 ¬
3.5 Valor médio de uma função aritmética 49

se 𝑘 = −1:
𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁
1 1 © 1 ª
˜ −1 (𝑛) =
𝜎 + 𝑂­
𝑑 |−1|+1 𝑛 𝑑 |−1|
®
𝑑=1 « 𝑑=1 ¬
𝑛
∑︁ 1 1 (3.56)
= + 𝑂 (ln(𝑛))
𝑑2 𝑛
𝑑=1
 
ln(𝑛)
= 𝜁 (2) + 𝑂 ,
𝑛

e se 𝑘 ≠ −1:
𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁
1 1 © 1 ª
˜ 𝑘 (𝑛) =
𝜎 + 𝑂
𝑑 |𝑘 |+1 𝑛 𝑑 |𝑘 |
­ ®
𝑑=1
  « 𝑑=1 ¬  
1 1 1
= 𝜁 (𝑘 + 1) + 𝑂 + 𝑂 |𝑘 | + 𝑂 |𝑘 |−2 (3.57)
𝑛 𝑛 𝑛
   
= 𝜁 (𝑘 + 1) + 𝑂 𝑛 𝑘 + 𝑂 𝑛−1
 
= 𝜁 (𝑘 + 1) + 𝑂 𝑛𝛿

na qual 𝛿 = max(−1, 𝑘). □

Apesar de possuir muitos casos, o valor médio para 𝜎𝑘 também depende da função 𝜁, assim
como 𝜎 e no caso que esta colapsa com 𝜏, a média se mantêm.

3.5.4 Valor médio de 𝝋(𝒏)

Teorema 3.19 (Valor médio de 𝝋(𝒏)). Para todo 𝑛 ≥ 1


3
˜
𝜑(𝑛) = 𝑛 + 𝑂 (ln(𝑛)) . (3.58)
𝜋2
3.5 Valor médio de uma função aritmética 50

Demonstração. Pela Definição 3.15 e aplicando o Teorema 2.45 e 3.13


𝑛
∑︁ 𝑛 ∑︁
∑︁ 𝑛 ∑︁
∑︁
1 1 𝑘 1
˜
𝜑(𝑛) = 𝜑(𝑘) = 𝜇(𝑑) = 𝜇(𝑑)𝑞
𝑛 𝑛 𝑑 𝑛
𝑘=1 𝑘=1 𝑑|𝑘 𝑘=1 𝑑·𝑞=𝑘

∑︁ ∑︁ ∑︁ 𝑛
∑︁ 𝑛/𝑑
∑︁
1 1 1
= 𝜇(𝑑)𝑞 = 𝜇(𝑑) 𝑞= 𝜇(𝑑) 𝑞
𝑛 𝑛 𝑛
𝑞·𝑑≤𝑛 𝑑≤𝑛 𝑞≤𝑛/𝑑 𝑑=1 𝑞=1
𝑛  𝑛
1
∑︁ 1 𝑛2  𝑛   ∑︁ 
1 𝑛
 
1
= 𝜇(𝑑) 2
+𝑂 = 𝜇(𝑑) 2
+𝑂
𝑛 2𝑑 𝑑 2𝑑 𝑑 (3.59)
𝑑=1 𝑑=1
𝑛 𝑛
∑︁ 𝜇(𝑑) ∑︁   𝑛
∑︁ 𝜇(𝑑)
𝑛 1 𝑛
= + 𝑂 = + 𝑂 (ln(𝑛))
2 𝑑2 𝑑 2 𝑑2
𝑑=1 𝑑=1 𝑑=1

∑︁  
𝑛 𝜇(𝑑) 1 𝑛 6
= +𝑂 + 𝑂 (ln(𝑛)) = + 𝑂 (ln(𝑛))
2 𝑑2 𝑛 2 𝜋2
𝑑=1
3
= 𝑛 + 𝑂 (ln(𝑛)) .
𝜋2

Observe que a estimativa da média para a função 𝜑 não é apenas curiosamente depende do
número 𝜋, mas também é irracional. É evidente que o valor correto é racional, mas a estimativa
como construída, assim como as de 𝜎 e 𝜎𝑘 , que dependem de 𝜁, também são irracionais.

Agora que entendemos função aritmética, comportamento assintótico, média, e temos al-
gumas propriedades como ferramentas algébricas, podemos navegar mais a fundo na teoria
que suporta o estudo analítico da teoria dos números. Para isso necessitamos de um conceito
denominado caráter, tratado no próximo capítulo.
Capítulo 4
Caráteres e Caráteres de Dirichlet

Neste capítulo introduziremos o conceito de caráter e todos os pré-requisitos para entender


sua definição. Na sequência trataremos algumas propriedades importantes. Assim enunciaremos
grupos e o teorema da representação de grupos, assim como caráteres sobre grupos abelianos
finitos, propriedades de ortogonalidade, classes de resíduos e caráteres de Dirichlet. Comecemos
por grupos.

Definição 4.1 (Grupos). Um grupo 𝐺 é um conjunto não vazio munido de uma operação binária,
denotada por "·", que satisfaz as seguintes propriedades:

(1) para todo 𝑎 e 𝑏 ∈ 𝐺 , 𝑎 · 𝑏 ∈ 𝐺 (fecho)


(2) para todo 𝑎, 𝑏 e 𝑐 ∈ 𝐺, (𝑎 · 𝑏) · 𝑐 = 𝑎 · (𝑏 · 𝑐) (associatividade)
(3) para todo 𝑎 ∈ 𝐺 existe um único 𝑒 ∈ 𝐺 tal que 𝑎 · 𝑒 = 𝑒 · 𝑎 = 𝑎 (elemento neutro)
(4) para todo 𝑎 ∈ 𝐺 existe um único 𝑏 ∈ 𝐺 tal que 𝑎 · 𝑏 = 𝑏 · 𝑎 = 𝑒 (existência de inversa)
* 𝑏 definido no item (4) é denotado 𝑏 = 𝑎 −1
** usualmente simplifica-se a notação 𝑎 · 𝑏 por 𝑎𝑏

Na sequência temos propriedades derivadas da definição, tais como:

Teorema 4.2 (Propriedades de grupos). Este teorema anuncia algumas propriedades de ele-
mentos em grupos. Sejam 𝑎, 𝑏 e 𝑐 elementos de 𝐺, 𝑚 e 𝑛 inteiros e 𝑒 o elemento neutro de 𝐺,
temos:
(1) 𝑎𝑐 = 𝑏𝑐 ou 𝑐𝑎 = 𝑐𝑏 =⇒ 𝑎 = 𝑏 (Lei cancelamento)
(2) 𝑒 = 𝑒 −1 (Inversa do elemento neutro)
 −1
(3) 𝑎 −1 =𝑎 (Inversa da inversa)
(4) (𝑎𝑏) −1 = 𝑏 −1 𝑎 −1 (Inversa do operador binário)

Demonstração. A prova de (1) deriva da aplicação da inversa de 𝑐 e do uso da propriedade


4 Caráteres e Caráteres de Dirichlet 52

associativa,
   
𝑎𝑐 = 𝑏𝑐 =⇒ 𝑎𝑐𝑐−1 = 𝑏𝑐𝑐−1 =⇒ 𝑎 𝑐𝑐−1 = 𝑏 𝑐𝑐−1 =⇒ 𝑎𝑒 = 𝑏𝑒 =⇒ 𝑎 = 𝑏
    (4.1)
−1 −1 −1 −1
𝑐𝑎 = 𝑐𝑏 =⇒ 𝑐 𝑐𝑎 = 𝑐 𝑐𝑏 =⇒ 𝑐 𝑐 𝑎 = 𝑐 𝑐 𝑏 =⇒ 𝑒𝑎 = 𝑒𝑏 =⇒ 𝑎 = 𝑏.

A prova de (2) deriva da definição do elemento neutro,

𝑒 = 𝑒𝑒 =⇒ 𝑒 = 𝑒 −1 . (4.2)

Para prova de (3) basta usar a definição de inversa,


  −1
𝑎 −1 𝑎 = 𝑒 =⇒ 𝑎 = 𝑎 −1 . (4.3)

A prova de (4) decorre da aplicação da inversão,


   
(𝑎𝑏) 𝑏 −1 𝑎 −1 = 𝑎 𝑏𝑏 −1 𝑎 −1 = 𝑎𝑒𝑎 −1 = 𝑎𝑎 −1 = 𝑒. (4.4)

Note que as propriedades (1), (2), (3) e (4) são equivalentes à definição de grupos. Ainda as
propriedades (1) e (4) demonstradas anteriormente decorrem das propriedades (2) e (3), assim
de maneira geral, demonstrar que um conjunto 𝐺 munido de um operador binário admitindo-se
as propriedades (2) e (3) equivale à definição de grupo.

Em seguida, apresentaremos grupos finitos, subgrupos, homomorfismo, isomorfismo, gru-


pos abelianos e potências em elementos de grupos com alguns exemplos. Esse conhecimento é
importante para enunciar o teorema da representação.

Definição 4.3 (Grupos finitos). Um grupo 𝐺 é dito finito, se o conjunto de elementos de 𝐺 é


finito. Denomina-se ordem de 𝐺 tal número de elementos, usualmente denotado por |𝐺 |.

Definição 4.4 (Subgrupos). Um subconjunto não vazio 𝐺 ′ do grupo 𝐺 que admite todas as
propriedades de grupo sobre a mesma operação binária é denominado sub-grupo de 𝐺.

Exemplo 4.5 (Subgrupos triviais). Todo grupo 𝐺 possuí pelo menos 2 subgrupos: o grupo
formado por todos os elementos de 𝐺 e o formado apenas pelo elemento neutro {𝑒}.

Exemplo 4.6 (Subgrupo complexo unitário). Seja o grupo 𝐺 cujos elementos são todos com-
plexos não nulos e munidos da multiplicação usual. O conjunto 𝐺 ′ de elementos de 𝑧 ∈ 𝐺 tais
que |𝑧| = 1 é um subgrupo de 𝐺, denominado subgrupo complexo unitário. Note que se 𝑎 + 𝑏𝑖 e
4 Caráteres e Caráteres de Dirichlet 53

𝑐 + 𝑑𝑖 ∈ 𝐺 ′ então

𝑘 = (𝑎 + 𝑏𝑖) · (𝑐 + 𝑑𝑖) = (𝑎𝑐 − 𝑏𝑑) + (𝑎𝑑 + 𝑐𝑏)𝑖


|𝑘 | = (𝑎𝑐 − 𝑏𝑑) 2 + (𝑎𝑑 + 𝑐𝑏) 2 = 𝑎 2 𝑐2 − 2𝑎𝑏𝑐𝑑 + 𝑏 2 𝑑 2 + 𝑎 2 𝑑 2 + 2𝑎𝑏𝑐𝑑 + 𝑐2 𝑑 2
(4.5)
= 𝑎2 𝑐2 + 𝑏2 𝑑 2 + 𝑎2 𝑑 2 + 𝑐2 𝑑 2
= (𝑎 2 + 𝑏 2 )(𝑐2 + 𝑑 2 ) = 1

deste modo 𝑘 ∈ 𝐺 ′, pois |𝑎 + 𝑏𝑖| 2 = (𝑎 2 + 𝑏 2 ) = 1 = (𝑐2 + 𝑑 2 ) = |𝑐 + 𝑑𝑖| 2 .

Exemplo 4.7 (Subgrupos das 𝒏-ésimas raízes da unidade). Um exemplo de grupo finito são
as raízes da unidade. Seja o grupo 𝐺 formado com os elementos {1, 𝜀, 𝜀 2 , . . . , 𝜀 𝑛−1 } tal que
𝜀 = 𝑒 2𝜋𝑖/𝑛 e munido com a multiplicação usual. Note o elemento neutro de 𝐺 é 1 e que
𝐺 munido com a multiplicação usual é grupo, pois para todo 𝑘 ∈ {0, . . . , 𝑛 − 1} os possíveis
elementos do grupo são da forma

𝑘 𝑘 𝑘
𝑒 2𝜋𝑖 𝑛 · 1 = 1 · 𝑒 2𝜋𝑖 𝑛 = 𝑒 2𝜋𝑖 𝑛 (4.6)

e para todo 𝑘 1 e 𝑘 2 ∈ {0, . . . , 𝑛 − 1}

𝑘1 𝑘2 𝑘1 +𝑘2
𝑒 2𝜋𝑖 𝑛 𝑒 2𝜋𝑖 𝑛 = 𝑒 2𝜋𝑖 𝑛 (4.7)

se 𝑘 1 + 𝑘 2 < 𝑛 então é fácil notar que o produto está em 𝐺. Se 𝑘 1 + 𝑘 2 ≥ 𝑛 então basta notar
𝑘 1 + 𝑘 2 = 𝑞 · 𝑛 + 𝑘 3 com 𝑘 3 < 𝑛 e que 𝑒 2𝜋𝑖𝑞·𝑛 = 1 para todo 𝑞 ∈ Z. Deste modo 𝐺 é grupo. 𝐺
também é um subgrupo finito do subgrupo complexo unitário (Figura 4.1).

Definição 4.8 (Homomorfismo e Isomorfismo). Sejam 𝐺 ′ e 𝐻 ′ subgrupos de 𝐺, 𝑔1 e 𝑔2 ∈ 𝐺 ′.


Um homomorfismo de 𝐺 ′ para 𝐻 ′ é um mapa 𝑓 : 𝐺 ′ → 𝐻 ′ que satisfaz a seguinte propriedade

𝑓 (𝑔1 · 𝑔2 ) = 𝑓 (𝑔1 ) · 𝑓 (𝑔2 ). (4.8)

Se 𝑓 é bijetora, então denominamos 𝑓 isomorfismo. Dizemos que 𝐺 ′ e 𝐻 ′ são isomorfos e


denotamos 𝐺  𝐻.

Definição 4.9 (Grupo abeliano). Um grupo 𝐺 é denominado abeliano se a operação binária é


comutativa.

Exemplo 4.10. Inteiros com adição é um grupo abeliano, no qual 0 é o elemento neutro e a
inversa de 𝑎, 𝑎 −1 = −𝑎. Note que

𝑎 ·0 = 𝑎+0 = 𝑎 = 0+𝑎 = 0·𝑎 (4.9)


4 Caráteres e Caráteres de Dirichlet 54

Figura 4.1: Exemplo do subgrupo das raízes 7-ésima da unidade

e ainda

𝑎 · 𝑎 −1 = 0 =⇒ 𝑎 + 𝑎 −1 = 0 =⇒ 𝑎 −1 = −𝑎. (4.10)

Exemplo 4.11. Os complexos não nulos com a multiplicação usual é um grupo abeliano, no
qual 1 é o elemento neutro e a inversa de 𝑠, 𝑠−1 = 1𝑠 . Note que

𝑠·1 = 1·𝑠 = 𝑠 (4.11)

e ainda

1
𝑠 · 𝑠−1 = 1 =⇒ 𝑠−1 = . (4.12)
𝑠
Definição 4.12 (Potências em elementos de grupos). Se 𝑎 ∈ 𝐺, 𝑎 𝑛 é definido por

(1) 𝑎0 = 𝑒
(2) 𝑎 𝑛 = 𝑎𝑎 𝑛−1 se 𝑛 > 0
𝑎 (−𝑛) = 𝑎 −1 𝑛

(3) se 𝑛 > 0

Teorema 4.13. Se 𝐺 é finito e 𝑎 ∈ 𝐺, então existe um inteiro 𝑘 ≤ |𝐺 | = 𝑛 tal que 𝑎 𝑘 = 𝑒.

Demonstração. Como o grupo é finito, existe uma quantidade finita de possibilidades para 𝑎 𝑥
suponha que para algum 𝑥, {𝑎 𝑦 |𝑦 ≤ 𝑥} é um conjunto com todos os elementos distintos. Pelo
4 Caráteres e Caráteres de Dirichlet 55

argumento da caixa de pombos, existe um 𝑥 tal que 𝑎 𝑥 𝑎 = 𝑎 𝑠 . Deste modo,

𝑎 𝑥 𝑎 = 𝑎 𝑠 =⇒ 𝑎 −𝑠 𝑎 𝑥 𝑎 = 𝑎 −𝑠 𝑎 𝑠 =⇒ 𝑎 −𝑠 𝑎 𝑥 𝑎 = 𝑒 =⇒ 𝑎 𝑥−𝑠 𝑎 = 𝑒 =⇒ 𝑘 = 𝑥 − 𝑠 + 1. (4.13)

Como 𝑥 ≤ 𝑛, 𝑠 ≥ 0 então 𝑘 ≤ 𝑛. □

Antes de enunciarmos o teorema da representação precisamos definir a notação ⟨·⟩ e como


construir novos grupos a partir da introdução de um novo elemento a um subgrupo existente.

Definição 4.14 (Subgrupo ⟨·⟩). Seja 𝐺 um grupo finito e seja ⟨𝑎⟩ o grupo formado pelo mesmo
operador binário de 𝐺, mas com o conjunto de elementos {𝑎, 𝑎 1 , . . . , 𝑎 𝑛 = 𝑒} tal que 𝑎 ∈ 𝐺.
Dizemos que a ordem de 𝑎 no grupo 𝐺 é igual ao menor inteiro 𝑛 tal que 𝑎 𝑛 = 𝑒. Note que ⟨𝑎⟩
é de fato subgrupo de 𝐺 com exatamente 𝑛 elementos.

Teorema 4.15 (Construção de subgrupos). Seja 𝐺 ′ um subgrupo não próprio de 𝐺 abeliano,


ou seja, 𝐺 ′ ⊊ 𝐺. Escolha um elemento 𝑎 ∈ 𝐺 tal que 𝑎 ∉ 𝐺 ′. O grupo construído da seguinte
forma,
𝐺 ′′ = {𝑥 · 𝑦 : 𝑥 ∈ 𝐺 ′ e 𝑦 ∈ ⟨𝑎⟩} (4.14)

também é um subgrupo de 𝐺. Ainda

|𝐺 ′′ | = | ⟨𝑎⟩ ||𝐺 ′ |. (4.15)

O grupo construído dessa maneira será denotado,

𝐺 ′′ = ⟨𝐺 ′, 𝑎⟩ (4.16)

o que indica que ele foi construído a partir de 𝐺 ′, com a adição do elemento 𝑎 ∈ 𝐺.

Demonstração. Basta mostrar que as propriedades de grupo são atendidas. É evidente que 𝐺 ′′
é fechado. Elementos do tipo 𝑥 · 𝑦 com 𝑥 ∈ 𝐺 ′ e 𝑦 ∈ ⟨𝑎⟩ só podem gerar elementos do mesmo
tipo. Sejam dois elementos do tipo 𝑥 1 · 𝑦 1 e 𝑥 2 · 𝑦 2 com 𝑥1 e 𝑥2 ∈ 𝐺 ′ e 𝑦 1 e 𝑦 2 ∈ ⟨𝑎⟩ então

(𝑥 1 · 𝑦 1 ) · (𝑥 2 · 𝑦 2 ) = (𝑥 1 · 𝑥 2 ) · (𝑦 1 · 𝑦 2 ) = 𝑥 · 𝑦 (4.17)

com 𝑥 ∈ 𝐺 ′ e 𝑦 ∈ ⟨𝑎⟩. Pelas propriedades de inversa (𝑥 · 𝑦) −1 = 𝑦 −1 · 𝑥 −1 , portanto, a inversa


existe, pois 𝑦 −1 e 𝑥 −1 estão ambos definidos. O elemento neutro existe e é o mesmo de 𝐺, pois
𝐺 ′ e ⟨𝑎⟩ são subgrupos de 𝐺. A associatividade advêm da propriedade abeliana herdada de 𝐺.
O que completa a demonstração. □

Neste ponto, estamos preparados para o teorema da representação de grupos.


4.1 Teorema da Representação de Grupos 56

4.1 Teorema da Representação de Grupos

O teorema da representação de grupos é uma ferramenta que nos permite avaliar todos os
possíveis subgrupos obtidos a partir de um grupo. Essa maneira se inicia pela construção de
subgrupos, elemento a elemento, usando subgrupos do tipo ⟨·⟩ e a seguinte estratégia.

Teorema 4.16 (Teorema da representação de grupos). Seja 𝐺 = {𝑔1 , . . . , 𝑔𝑛 } um grupo finito de


ordem 𝑛. Então




𝐺 = 𝑔𝑘1 × 𝑔𝑘2 × · · · × 𝑔𝑘 𝑚 (4.18)

na qual 1 ≤ 𝑘 𝑖 ≤ 𝑛 e 𝑘 𝑖 ≠ 𝑘 𝑗 para todo 𝑖 ≠ 𝑗. Ainda






|𝐺 | = 𝑔 𝑘 1 · 𝑔 𝑘 2 · . . . · 𝑔 𝑘 𝑚 = 𝑛. (4.19)

Demonstração. Escolha arbitrariamente um elemento 𝑔 𝑘 1 de 𝐺. Com esse elemento construa


𝑔 𝑘 1 . Note que para todo 𝑔 ∈ 𝐺 e 𝑔′ ∈ 𝑔 𝑘 1 , 𝑔 · 𝑔′ ∈ 𝐺. Logo 𝑔 𝑘 1 ⊂ 𝐺. Inicie com 𝐺 0 = {1}

e crie 𝐺 1 tal que




𝐺 1 = 𝐺 0, 𝑔𝑘1 . (4.20)

Note que 𝐺 0 ⊂ 𝐺 1 ⊂ 𝐺. Selecione arbitrariamente um segundo elemento 𝑔 𝑘 2 que esteja contido


em 𝐺 mas não em 𝐺 1 e repita o processo de construção até que o 𝑚-ésimo seja igual a 𝐺

𝐺 0 = {𝑒}


𝐺 1 = 𝐺 0, 𝑔𝑘1
.. (4.21)
.


𝐺 𝑚 = 𝐺 𝑚−1 , 𝑔 𝑘 𝑚 = 𝐺.

A quantidade de operações requeridas é finita, pois 𝐺 é finito. Assim 𝐺 0 ⊂ 𝐺 1 ⊂ . . . 𝐺 𝑚 ⊆ 𝐺.


Pelo processo construtivo,




𝐺 = 𝑔𝑘1 × 𝑔𝑘2 × · · · × 𝑔𝑘 𝑚 . (4.22)

Note que as ordens podem ser descritas por,

|𝐺 0 | = 1



|𝐺 1 | = |𝐺 0 | · 𝑔 𝑘 1 = 𝑔 𝑘 1




|𝐺 2 | = |𝐺 1 | · 𝑔 𝑘 2 = 𝑔 𝑘 1 · 𝑔 𝑘 2 (4.23)
..
.





|𝐺 | = |𝐺 𝑚 | = |𝐺 𝑚−1 | · 𝑔 𝑘 𝑚 = 𝑔 𝑘 1 · 𝑔 𝑘 2 · . . . · 𝑔 𝑘 𝑚 .


4.2 Caráteres e caráteres em grupos abelianos finitos 57

4.2 Caráteres e caráteres em grupos abelianos finitos

Neste ponto estamos prontos para apresentar o conceito de caráter. Caráter é basicamente
uma função complexa multiplicativa cujo domínio é um grupo de interesse e a imagem são os
complexos. Essa definição tem uma série de implicações, que serão discutidas nessa seção.

Definição 4.17. Seja 𝐺 um grupo finito. Uma função complexa 𝑓 definida em 𝐺, 𝑓 : 𝐺 → C,


é chamada caráter de 𝐺 se 𝑓 é multiplicativa e não nula, ou seja, exite 𝑥 ∈ 𝐺 tal que 𝑓 (𝑥) ≠ 0 e
para todo 𝑎 e 𝑏 ∈ 𝐺 tal que (𝑎, 𝑏) = 1 então 𝑓 (𝑎𝑏) = 𝑓 (𝑎) 𝑓 (𝑏).

Note que para os grupos finitos, a definição de caráter cria uma restrição no comportamento
da função caráter.

Teorema 4.18. Se 𝑓 é um caráter de um grupo finito 𝐺 de ordem 𝑛, |𝐺 | = 𝑛, com a multiplicação


usual e elemento neutro 𝑒, então
(1) 𝑓 (𝑒) = 1
(2) para todo 𝑎 ∈ 𝐺, 𝑓 (𝑎) é a n-ésima raiz da unidade

Demonstração. Para o item (1), tome 𝑐 ∈ 𝐺 tal que 𝑓 (𝑐) ≠ 0. Neste caso, 𝑐 = 𝑐 · 𝑒 e

𝑓 (𝑐) = 𝑓 (𝑐 · 𝑒) = 𝑓 (𝑐) · 𝑓 (𝑒) =⇒ 𝑓 (𝑒) = 1. (4.24)

Para o item (2),

𝑓 (𝑒) = 𝑓 (𝑎 𝑛 ) = 𝑓 (𝑎) · . . . · 𝑓 (𝑎) = 𝑓 (𝑎) 𝑛 =⇒ 𝑓 (𝑎) 𝑛 = 1. (4.25)

Deste modo, a função caráter deve pertencer à classe de funções homomorfas à 𝑈 (1), ou
seja, 𝑓 : 𝐺 → 𝑈 (1) na qual,
𝑈 (𝑛) = {𝑧 ∈ C : |𝑧| = 𝑛} . (4.26)

Note que apenas assumir que o grupo 𝐺 é finito impõe uma restrição importante sobre as
funções caráteres. Neste caso apenas as funções complexas multiplicativas cuja imagem está
contida no círculo unitário são candidatas. Uma função que trivialmente respeita essa condição
é aquela que mapeia todos os elementos do grupo em 1. Esse mapeamento é denominado caráter
principal.

Definição 4.19 (Caráter principal). Seja 𝐺 um grupo. A função 𝑓 (𝑔) = 1 para todo 𝑔 ∈ 𝐺 é
denominada caráter principal de 𝐺.
4.2 Caráteres e caráteres em grupos abelianos finitos 58

Note que 𝑓 (𝑥) = 1 é de fato caráter, pois por um lado se 𝑎 e 𝑏 ∈ 𝐺 e (𝑎, 𝑏) = 1 então
𝑓 (𝑎 · 𝑏) = 𝑓 (𝑎) · 𝑓 (𝑏) = 1 · 1 = 1. Por outro 𝑐 = 𝑎 · 𝑏 está em 𝐺 pela definição de grupo e 𝑓 (𝑐) = 1
pela definição de 𝑓 . O caráter principal usualmente denominado 𝑓1 . Ainda podemos relacionar a
quantidade possível de funções caráteres distintas com a ordem do grupo pelo seguinte teorema.

Teorema 4.20 (Ordem e caráter de grupos abelianos finitos). Um grupo 𝐺 abeliano e finito de
ordem 𝑛 possui exatamente 𝑛 caráteres distintos.

Demonstração. Se 𝑓 é caráter de 𝐺 𝑖 , ele também é para todos os subgrupos de 𝐺 𝑗 para 𝑖 ≤ 𝑗.


Definiremos as funções caráteres a partir dos subgrupos gerados na demonstração do Teorema
4.16, 𝐺 1 ⊂ 𝐺 2 ⊂ . . . 𝐺 𝑚 ⊂ 𝐺, partido do menor deles. É evidente que 𝐺 1 admite apenas o
caráter principal 𝑓1 . Assim 𝑓1 deve ser caráter de 𝐺 2 . Admita que existam outros caráteres
𝑓2 . Assumindo a existência de 𝑓1 , aplicando as propriedades multiplicativas, relembrando que



𝐺 2 = 𝐺 1 , 𝑔 𝑘 1 e sendo 𝑔1 ∈ 𝐺 1 , 𝑔2 ∈ 𝐺 2 e 0 ≤ 𝑐 1 < 𝑔 𝑘 1 teremos:
    𝑐 𝑐
𝑓2 (𝑔2 ) = 𝑓2 𝑔 𝑐𝑘11 · 𝑔1 = 𝑓2 𝑔 𝑐𝑘11 · 𝑓2 (𝑔1 ) = 𝑓2 𝑔 𝑘 1 1 · 𝑓1 (𝑔1 ) = 𝑓2 𝑔 𝑘 1 1 . (4.27)

Pelo teorema anterior, as escolhas possíveis para 𝑓2 são as raízes da unidade e existem


exatamente 𝑔 𝑘 escolhas para o caráter 𝑓2 de 𝐺 2 . Denotemos o número de possíveis escolhas
1

de 𝑓𝑖 por # 𝑓𝑖 . Por indução:

# 𝑓1 = 1



# 𝑓2 = 𝑔 𝑘 1 · # 𝑓1 = 𝑔 𝑘 1




# 𝑓3 = 𝑔 𝑘 2 · # 𝑓2 = 𝑔 𝑘 2 · 𝑔 𝑘 1 (4.28)
..
.




# 𝑓 = 𝑔 𝑘 𝑚 · # 𝑓𝑚 = 𝑔 𝑘 𝑚 · . . . · 𝑔 𝑘 1 = |𝐺 | = 𝑛.

Denotaremos essas possibilidades como 𝑓𝑖, 𝑗 tal que 𝑖 diz respeito ao nível do subgrupo e 𝑗
a escolha desse nível dentre as possíveis. □

Com o entendimento de caráteres, definiremos operações com estas funções. Para tal,
introduziremos o conceito de multiplicação de caráteres.

Definição 4.21 (Multiplicação de caráteres). Sejam 𝑓𝑖 e 𝑓 𝑗 caráteres de um grupo abeliano finito


𝐺. A multiplicação de caráteres é definida por:

𝑓𝑖 · 𝑓 𝑗 (𝑛) = 𝑓𝑖 (𝑛) · 𝑓 𝑗 (𝑛). (4.29)
4.2 Caráteres e caráteres em grupos abelianos finitos 59

Com a multiplicação bem definida para caráteres, podemos questionar o conjunto de todos
os caráteres de um grupo munido do operador binário anterior também forma um grupo.

Teorema 4.22. Sejam 𝐺
b = 𝑓𝑖, 𝑗
𝑐 𝑚 ,𝑚
tal que 𝑚 descreve o nível do subgrupo e 𝑐 𝑚 as possíveis
escolhas de caráter para tal subgrupo, ou seja, o conjunto de todos caráteres de um grupo
abeliano finito 𝐺. 𝐺
b munido com o operador binário da multiplicação de caráteres é um grupo.

Demonstração. Basta mostrar a existência do elemento neutro e da inversa de todos os elementos



do conjunto. Por simplicidade vamos denotar 𝐺 b = 𝑓1 , 𝑓2 , · · · , 𝑓 |𝐺 | . Note que | 𝑓𝑖 (𝑎)| = 1 para
todo 𝑖 e todo 𝑎 ∈ 𝐺. Como 𝑓 é uma função complexa, então

| 𝑓𝑖 (𝑎)| = 1 =⇒ | 𝑓𝑖 (𝑎)| 2 = 1 =⇒ 𝑓𝑖 (𝑎) · 𝑓𝑖 (𝑎) = 1 =⇒ 𝑓𝑖−1 (𝑎) = 𝑓𝑖 (𝑎). (4.30)

na qual 𝑓𝑖 (𝑎) é a conjugada complexa de 𝑓𝑖 calculada em 𝑎. Para garantir que a conjugação faz
parte de 𝐺,
b basta notar que para o elemento neutro de 𝐺, denotado por 1, temos que:
     
𝑓𝑖 (1) = 1 =⇒ 1 = 𝑓𝑖 𝑎 · 𝑎 −1 = 𝑓𝑖 (𝑎) · 𝑓𝑖 𝑎 −1 =⇒ 𝑓𝑖 𝑎 −1 = 𝑓𝑖 (𝑎). (4.31)

Ainda 𝑓1 é o elemento neutro do grupo com os elementos de 𝐺,


b pois

𝑓𝑖 (𝑎) = 1 · 𝑓𝑖 (𝑎) = 𝑓1 (𝑎) · 𝑓𝑖 (𝑎), (4.32)

o que termina a demonstração. □

Uma importante propriedade derivada do teorema anterior é que ambos os grupos, 𝐺 e 𝐺


b
possuem a mesma ordem. Se mostrarmos que existe uma bijeção entre eles podemos mostrar
que eles são equivalentes no sentido de representarem a mesma estrutura algébria. Ou ainda
analisar 𝐺
b seria suficiente para entender 𝐺.

Teorema 4.23. Seja 𝐺 um grupo abeliano finito tal que |𝐺 | > 1 e considere o grupo 𝐺. Então
b
𝐺𝐺 b e portanto |𝐺 | = 𝐺
b .


Demonstração. Pelo Teorema 4.20 fica evidente que |𝐺 | = 𝐺
b
. Para mostrar o homomorfismo
basta criar uma função 𝜙 : 𝐺 → 𝐺
b tal que 𝜙 seja não nula e multiplicativa. Usando o Teorema
4.16




𝐺 = 𝑔𝑘1 × 𝑔𝑘2 × · · · × 𝑔𝑘 𝑚 (4.33)


no qual 𝑔 𝑘 𝑖 = 𝑛𝑖 . Assuma que para quaisquer dois elementos 𝑎 e 𝑏 ∈ 𝐺 temos
    𝑒 𝑒 𝑒 
𝜙 𝑔 𝑘𝑒11 · 𝑔 𝑘𝑒22 · . . . · 𝑔 𝑘𝑒 𝑚𝑚 : 𝑔 𝑘𝑒11 , 𝑔 𝑘𝑒22 , · · · , 𝑔 𝑘𝑒 𝑚𝑚 ↦→ 𝑓1 𝑔 𝑘 1 1 · 𝑓2 𝑔 𝑘 2 2 · . . . · 𝑓𝑚 𝑔 𝑘 𝑚 𝑚 (4.34)
4.2 Caráteres e caráteres em grupos abelianos finitos 60

na qual 0 ≤ 𝑒𝑖 < 𝑛𝑖 . Note que 𝜙 é multiplicativa, pois para 𝑎 e 𝑏 ∈ 𝐺 temos


 
𝑎1 𝑏1 𝑎𝑚 𝑏𝑚
𝜙(𝑎 · 𝑏) = 𝜙 𝑔 𝑘 1 · 𝑔 𝑘 1 · . . . · 𝑔 𝑘 𝑚 · 𝑔 𝑘 𝑚
 
= 𝜙 𝑔 𝑎𝑘 11 +𝑏1 · . . . · 𝑔 𝑘𝑎𝑚𝑚 +𝑏 𝑚
  𝑎 +𝑏  𝑎 +𝑏 
= 𝑓1 𝑔 𝑘 1 1 1 · . . . · 𝑓 𝑚 𝑔 𝑘 𝑚 𝑚 𝑚 (4.35)
  𝑎1  𝑏1  𝑎𝑚  𝑏𝑚 
= 𝑓1 𝑔 𝑘 1 · 𝑓1 𝑔 𝑘 1 · . . . · 𝑓 𝑚 𝑔 𝑘 𝑚 · 𝑓1 𝑔 𝑘 1

= 𝜙(𝑎) · 𝜙(𝑏)

para finalizar a demonstração basta construir uma inversa


     
−1
𝜙 ℎ 𝑒𝑘11 · ℎ 𝑒𝑘22 · . . . · ℎ 𝑒𝑘𝑚𝑚 𝑒1 𝑒2 𝑒𝑚 𝑒1 𝑒2 𝑒𝑚
: ℎ 𝑘 1 · ℎ 𝑘 2 · . . . · ℎ 𝑘 𝑚 ↦→ 𝑔 𝑘 1 , 𝑔 𝑘 2 , · · · , 𝑔 𝑘 𝑚 (4.36)

na qual 0 ≤ 𝑒𝑖 < 𝑛𝑖 e ℎ 𝑘 𝑖 = 𝑓𝑖 (𝑔 𝑘 𝑖 ). Note que sempre é possível decompor os elementos ℎ em


ℎ 𝑒𝑘11 · ℎ 𝑒𝑘22 · . . . · ℎ 𝑒𝑘𝑚𝑚 e 𝑔 em 𝑔 𝑘𝑒11 · 𝑔 𝑘𝑒22 · . . . · 𝑔 𝑘𝑒 𝑚𝑚 na imagem e no domínio de 𝜑 tal que 𝜑(𝑔) = ℎ e
𝜑−1 (ℎ) = 𝑔. Propriedade garantida pelo teorema da representação de grupos. □

Sabendo-se que os caráteres trazem consigo propriedades do grupo original, vale o estudo
de algumas de suas propriedades, por exemplo, ortogonalidade. Estudaremos uma matriz
interessante que relaciona os elementos de 𝐺 com os caráteres definidos de 𝐺.

Definição 4.24 (Caráteres avaliados para todos os elementos do grupo de origem). Sejam
os grupos abelianos de ordem 𝑛, 𝐺 com os elementos {𝑎 1 , · · · , 𝑎 𝑛 } e 𝐺
b com os caráteres
construídos a partir de 𝐺 cujos elementos são { 𝑓1 , · · · , 𝑓𝑛 } munidos de seus operadores binários
correspondentes. Defina a matriz 𝐴 pertencente ao espaço de matrizes 𝑛 × 𝑛 cujos elementos
são calculados pela aplicação de cada um dos caráteres sobre cada um dos elementos de 𝐺, ou

seja, 𝐴(𝐺) = 𝑓𝑖 (𝑎 𝑗 ) 𝑖 𝑗 , ou ainda,

 𝑓1 (𝑎 1 ) 𝑓1 (𝑎 2 ) · · · 𝑓1 (𝑎 𝑛 )   1 ···
   
1 1 
   
 𝑓2 (𝑎 1 ) 𝑓2 (𝑎 2 ) · · · 𝑓2 (𝑎 𝑛 )   𝑓2 (𝑎 1 ) 𝑓2 (𝑎 2 ) · · · 𝑓2 (𝑎 𝑛 ) 
𝐴(𝐺) =  . ..  =  ..

.. .. .. .. ..  . (4.37)
 .. . . .   . . . . 

   
 𝑓𝑛 (𝑎 1 ) 𝑓𝑛 (𝑎 2 ) · · · 𝑓𝑛 (𝑎 𝑛 )   𝑓𝑛 (𝑎 1 ) 𝑓𝑛 (𝑎 2 ) · · · 𝑓𝑛 (𝑎 𝑛 ) 

A primeira constatação interessante é que a soma de qualquer linha dessa matriz deve ser
zero, a menos daquela que contém o caráter principal, no caso a primeira.

Teorema 4.25. A soma 𝑆𝑖 dos elementos da linha 𝑖 da matriz 𝐴(𝐺) é dada por
𝑛 
se 𝑖 = 1
∑︁ 𝑛


𝑆𝑖 = 𝑓𝑖 (𝑎𝑟 ) = (4.38)
𝑟=1

0
 caso contrário.
4.2 Caráteres e caráteres em grupos abelianos finitos 61

Í𝑛
Demonstração. Se 𝑖 = 1, 𝑓1 (𝑎𝑟 ) = 1 para todo 𝑟, então 𝑆1 = 𝑟=1 1 = 𝑛. Se 𝑖 ≠ 1 escolha algum
elemento 𝑔 ∈ 𝐺 tal que 𝑓𝑖 (𝑔) ≠ 1. Note que percorrer o somatório para todos os elementos de 𝐺
é equivalente a percorrer o somatório para os elementos do tipo 𝑔 · 𝑎𝑟 , assim
𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁
𝑆𝑖 = 𝑓𝑖 (𝑔 · 𝑎𝑟 ) = 𝑓𝑖 (𝑔) · 𝑓𝑖 (𝑎𝑟 ) = 𝑓𝑖 (𝑔) 𝑓𝑖 (𝑎𝑟 ). (4.39)
𝑟=1 𝑟=1 𝑟=1

Logo,
𝑛
∑︁
𝑆𝑖 = 𝑓𝑖 (𝑔) 𝑓𝑖 (𝑎𝑟 ) =⇒ 𝑆𝑖 = 𝑓𝑖 (𝑔)𝑆𝑖 =⇒ 𝑆𝑖 (1 − 𝑓𝑖 (𝑔)) = 0 =⇒ 𝑆𝑖 = 0, (4.40)
𝑟=1

pois 𝑓𝑖 (𝑔) ≠ 1 por hipótese. □

Agora definiremos a matriz conjugada transposta de 𝐴(𝐺) e observar como elas se relacio-
nam.

Definição 4.26. Seguindo as mesmas premissas da definição anterior e defina a matriz 𝐴∗


 

pertencente ao espaço de matrizes 𝑛 × 𝑛 cujos elementos são definidos por 𝐴 (𝐺) = 𝑓 𝑗 (𝑎𝑖 ) ,
𝑖𝑗
ou ainda
 𝑓1 (𝑎 1 ) 𝑓2 (𝑎 1 ) · · · 𝑓𝑛 (𝑎 1 ) 
 
 
 𝑓1 (𝑎 2 ) 𝑓2 (𝑎 2 ) · · · 𝑓𝑛 (𝑎 2 ) 
𝐴∗ (𝐺) =  .

.. .. ..  . (4.41)
 .. . . . 

 
 𝑓1 (𝑎 𝑛 ) 𝑓2 (𝑎 𝑛 ) · · · 𝑓𝑛 (𝑎 𝑛 ) 

 𝑇
Note que 𝐴∗ (𝐺) = 𝐴(𝐺) .

Note que as duas matrizes, 𝐴(𝐺) e 𝐴∗ (𝐺), como definidas, são inversas uma da outra, a
menos de uma escala.

Teorema 4.27. Seja 𝐴(𝐺), 𝐴∗ (𝐺) e 𝐼𝑛 a matriz diagonal composta com elementos neutros de
𝐺, então
𝐴𝐴∗ = 𝑛𝐼 = 𝐴∗ 𝐴. (4.42)
4.2 Caráteres e caráteres em grupos abelianos finitos 62

Demonstração.

 𝑓1 (𝑎 1 ) 𝑓1 (𝑎 2 ) · · · 𝑓1 (𝑎 𝑛 )   𝑓1 (𝑎 1 ) 𝑓2 (𝑎 1 ) · · · 𝑓𝑛 (𝑎 1 ) 
   
   
 𝑓2 (𝑎 1 ) 𝑓2 (𝑎 2 ) · · · 𝑓2 (𝑎 𝑛 )   𝑓1 (𝑎 2 ) 𝑓2 (𝑎 2 ) · · · 𝑓𝑛 (𝑎 2 ) 

𝐴𝐴 =  . ..  =  ..

 .. .. ... .. ... .. 
 . .   . . . 
   
 𝑓𝑛 (𝑎 1 ) 𝑓𝑛 (𝑎 2 ) · · · 𝑓𝑛 (𝑎 𝑛 )   𝑓1 (𝑎 𝑛 ) 𝑓2 (𝑎 𝑛 ) · · · 𝑓𝑛 (𝑎 𝑛 ) 

Í𝑛 𝑛
Í 𝑛
Í
 𝑓1 (𝑎𝑖 ) 𝑓1 (𝑎𝑖 ) 𝑓1 (𝑎𝑖 ) 𝑓2 (𝑎𝑖 ) ··· 𝑓1 (𝑎𝑖 ) 𝑓𝑛 (𝑎𝑖 ) 

𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1 
𝑛 𝑛 𝑛
Í Í Í 
 𝑓2 (𝑎𝑖 ) 𝑓1 (𝑎𝑖 ) 𝑓2 (𝑎𝑖 ) 𝑓2 (𝑎𝑖 ) ··· 𝑓2 (𝑎𝑖 ) 𝑓𝑛 (𝑎𝑖 ) 

= 𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1 
.. .. .. .. 
(4.43)

 . . . . 

Í𝑛 𝑛
Í 𝑛
Í 
 𝑓𝑛 (𝑎𝑖 ) 𝑓1 (𝑎𝑖 ) 𝑓𝑛 (𝑎𝑖 ) 𝑓2 (𝑎𝑖 ) ··· 𝑓𝑛 (𝑎𝑖 ) 𝑓𝑛 (𝑎𝑖 ) 

𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1 

Í𝑛   𝑛 
Í  𝑛 
Í 
𝑓1 𝑓1 (𝑎𝑖 ) 𝑓1 𝑓2 (𝑎𝑖 ) ··· 𝑓1 𝑓𝑛 (𝑎𝑖 ) 


𝑖=1 𝑖=1  𝑖=1  
𝑛 𝑛 𝑛
Í   Í  Í  
𝑓2 𝑓1 (𝑎𝑖 ) 𝑓2 𝑓2 (𝑎𝑖 ) ··· 𝑓2 𝑓𝑛 (𝑎𝑖 ) 


= 𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1 .
.. .. ... .. 
  .  . .
 

Í𝑛 𝑛 
Í  𝑛
Í   

 𝑓 𝑓
𝑛 1 (𝑎 𝑖 ) 𝑓 𝑛 2 (𝑎 𝑖 )
𝑓 ··· 𝑓𝑛 𝑓𝑛 (𝑎𝑖 ) 
𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1 
Assim, pelo Teorema 4.25

0 · · · 0 0 · · · 0
   
𝑛 1
   

0 𝑛 · · · 0 0 1 · · · 0
𝐴· 𝐴 = . .. . . ..  = 𝑛 ·  .. .. . . ..  = 𝑛 · 𝐼.
 
(4.44)
 .. . . . . .
 . .
   
0
 0 · · · 𝑛 0
 0 · · · 1

Como 𝐴 é matriz quadrada e usando o mesmo argumento,

𝐴 · 𝐴∗ = 𝑛 · 𝐼 = 𝐴∗ · 𝐴. (4.45)

Note ainda que para todo par 𝑎𝑖 e 𝑎 𝑗 de elementos de 𝐺, somando sobre todos os caráteres o
produto entre cada caráter e seu conjugado calculados respectivamente sobre 𝑎𝑖 e 𝑎 𝑗 , o somatório
admite apenas dois valores, 0 ou 𝑛.
4.3 Caráteres de Dirichlet 63

Teorema 4.28 (Ortogonalidade de caráteres).


𝑛 
se 𝑎𝑖 = 𝑎 𝑗 ,
∑︁ 𝑛


𝑓𝑟 (𝑎𝑖 ) 𝑓𝑟 (𝑎 𝑗 ) = (4.46)
𝑟=1

0
 caso contrário.

Demonstração. Se 𝑖 = 𝑗 então
𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁
𝑓𝑟 (𝑎𝑖 ) 𝑓𝑟 (𝑎 𝑗 ) = 𝑓𝑟 (𝑎𝑖 ) 𝑓𝑟 (𝑎𝑖−1 ) = 𝑓𝑟 (𝑎𝑖 · 𝑎𝑖−1 ) = 𝑓𝑟 (𝑒) = 𝑛. (4.47)
𝑟=1 𝑟=1 𝑟=1 𝑟=1

Se 𝑖 ≠ 𝑗 então
𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁ 𝑛
∑︁
𝑓𝑟 (𝑎𝑖 ) 𝑓𝑟 (𝑎 𝑗 ) = 𝑓𝑟 (𝑎𝑖 ) 𝑓𝑟 (𝑎 −1
𝑗 ) = 𝑓𝑟 (𝑎𝑖 · 𝑎 −1
𝑗 ) = 𝑓𝑟 (𝑎 𝑘 ) = 0 (4.48)
𝑟=1 𝑟=1 𝑟=1 𝑟=1

pois todos os 𝑓𝑟 são simétricos sobre o círculo unitário, portanto, a soma resulta em zero. □

4.3 Caráteres de Dirichlet

Como estamos desenvolvendo toda teoria de caráteres sobre grupos finitos, uma maneira
simples de construir grupos finitos é utilizar classes de resíduos associadas com a multiplicação
usual. Portanto, definiremos clásse de resíduos e como construir grupos finitos com elas.

Definição 4.29 (Classe de resíduo). Para cada inteiro 𝑎, a classe de resíduo [𝑎] 𝑘 é definida como
o conjunto de todos os inteiros congruentes ao inteiro 𝑎 módulo 𝑘, ou seja,

[𝑎] 𝑘 = {𝑥 : 𝑥 ≡ 𝑎 (𝑚𝑜𝑑 𝑘)} (4.49)

ou ainda
[𝑎] 𝑘 = {𝑘 · 𝑧 + 𝑎 : 𝑧 ∈ Z}. (4.50)

Exemplo 4.30. Para o módulo 3

[0] 3 = {· · · , −9, −6, −3, 0, 3, 6, 9, · · · }


[1] 3 = {· · · , −8, −5, −2, 1, 4, 7, 10, · · · } (4.51)
[2] 3 = {· · · , −7, −4, −1, 2, 5, 8, 11, · · · }.

Para duas classes de resíduo [𝑎] 𝑘 e [𝑏] 𝑘 , a multiplicação entre elementos 𝑎 ∈ [𝑎] 𝑘 e 𝑏 ∈ [𝑏] 𝑘
4.3 Caráteres de Dirichlet 64

é tal que para todo 𝑧 1 e 𝑧2 ∈ Z:

𝑎 · 𝑏 = (𝑘 · 𝑧1 + 𝑎)(𝑘 · 𝑧2 + 𝑏)
= 𝑘 2 · 𝑧1 · 𝑧2 + 𝑘 · 𝑧1 · 𝑏 + 𝑘 · 𝑧2 · 𝑎 + 𝑎 · 𝑏
= 𝑘 (𝑘 · 𝑧 1 · 𝑧2 + 𝑧 1 · 𝑏 + 𝑧2 · 𝑎) + 𝑎 · 𝑏 (4.52)
= 𝑘 ·𝑧+𝑎·𝑏
≡ 𝑎 · 𝑏 (𝑚𝑜𝑑 𝑘)

logo para todo 𝑎 ∈ [𝑎] 𝑘 e 𝑏 ∈ [𝑏] 𝑘 , 𝑎 · 𝑏 ∈ [𝑎 · 𝑏] 𝑘 .

Definição 4.31 (Multiplicação de elementos de classe de resíduo). Vamos denotar por

[𝑎] 𝑘 · [𝑏] 𝑘 = {𝑎 · 𝑏 : 𝑎 ∈ [𝑎] 𝑘 , 𝑏 ∈ [𝑏] 𝑘 } (4.53)

o conjunto formado por todos os elementos das duas classes de resíduo multiplicados entre sí
escolhendo-se exatamente um elemento de cada classe.

Exemplo 4.32. Por exemplo

[2] 3 · [1] 3 = {𝑎 · 𝑏 : 𝑎 ∈ [2] 3 , 𝑏 ∈ [1] 3 }


(4.54)
= {· · · , −7, −4, −1, 2, 5, 8, 11, · · · } = [2] 3 .

Note que para a multiplicação de classes de resíduo a classe [1] é o elemento neutro. Para
uma classe de resíduos [𝑎] 𝑘 , se (𝑎, 𝑘) = 1, então, existe um único 𝑏 tal que

𝑎 · 𝑏 ≡ 1 (𝑚𝑜𝑑 𝑘). (4.55)

Com a existência da inversa de todos os elementos e do elemento neutro, as classes de


resíduo seriam, com a multiplicação definida, um grupo abeliano de ordem 𝑛. Isso é verdade
para todo 𝑛 primo. No caso de 𝑛 não primo, a ordem passa a ser 𝜑(𝑘), que é exatamente o
número de classes que são relativamente primas à 𝑘 (garantido pelo teorema da representação).

Agora construiremos uma função caráter que considere elementos relativamente primos
de modo que existam tantos caráteres quanto a ordem dos grupos formados pelas classes de
resíduos e a multiplicação definida. Esses caráteres são denominados caráteres de Dirichlet.

Definição 4.33 (Caráteres de Dirichlet). Seja 𝐺 o grupo formado pelas classes de resíduo
módulo 𝑘 com a múltiplicação definida. Para cada caráter 𝑓𝑖 de 𝐺, defina o caráter de Dirichlet
4.3 Caráteres de Dirichlet 65

módulo 𝑘, 𝜒𝑘,𝑖 , como


 𝑓𝑖 (𝑛) se (𝑛, 𝑘) = 1



𝜒𝑘,𝑖 (𝑛) = (4.56)

0 caso contrário.

Note que dessa maneira transformamos os caráteres, 𝑓𝑖 , em funções completamente mul-


tiplicativas, 𝜒𝑘,𝑖 , ao invés de apenas multiplicativas. Para construirmos um grupo, precisamos
garantir a existência do elemento neutro, denominado caráter principal de Dirichlet, e das inver-
sas. As inversas existem, pois para todo 𝑓𝑖 sua inversa está definida. O elemento neutro segue.

Definição 4.34 (Caráter principal de Dirichlet). O caráter principal de Dirichlet módulo 𝑘 é o


caráter 𝜒𝑘,1 . Pela definição anterior

se (𝑛, 𝑘) = 1

1


𝜒𝑘,1 (𝑛) = (4.57)

0 caso contrário

que pela definição de produtos sobre caráteres, define o elemento neutro, pois

𝜒𝑘,𝑖 (𝑛) · 𝜒𝑘,1 (𝑛) = 𝜒𝑘,𝑖 (𝑛) (4.58)

para todo 𝑖 e 𝑛.

Pela construção sobre as classes de resíduo é evidente que existem 𝜑(𝑘) caráteres de Dirichlet
módulo 𝑘, mais ainda, estas são funções completamente multiplicativas e periódicas.

Teorema 4.35. Existem 𝜑(𝑘) caráteres de Dirichlet módulo 𝑘, as quais são completamente
multiplicativos e periódicos de período 𝑘. Assim para todo 𝑚 e 𝑛

(1) 𝜒𝑘,𝑖 (𝑚 · 𝑛) = 𝜒𝑘,𝑖 (𝑚) · 𝜒𝑘,𝑖 (𝑛) (multiplicativa)


(2) 𝜒𝑘,𝑖 (𝑛 + 𝑘) = 𝜒𝑘,𝑖 (𝑛) (periódica)
Reciprocamente, se (1) e (2) são válidas para alguma função 𝐹, com 𝐹 (𝑛) = 0 para todo 𝑛
em classes de resíduos não relativamente primas à 𝑘, então 𝐹 ∈ { 𝑓𝑖 }𝑖 , ou seja, é um caráter de
Dirichlet.

Demonstração. A propriedade multiplicativa segue de que 𝜒𝑘,𝑖 é definida por meio de 𝑓𝑖 , que
são multiplicativas e completamente multiplicativas se (𝑛, 𝑘) = 1. A periodicidade advêm de
que existe 𝑎 ≡ 𝑏 (𝑚𝑜𝑑 𝑘) tal que 𝑏 ≡ 𝑛𝑘 + 𝑎 (𝑚𝑜𝑑 𝑘) e deste modo 𝜒𝑘,𝑖 (𝑎) = 𝜒𝑘,𝑖 (𝑏). A recíproca
é óbvia pela definição de caráter de Dirichlet. □

Por exemplo, ilustremos os caráteres de Dirichlet para as classes de resíduo módulo 4 e 5.


4.3 Caráteres de Dirichlet 66

Exemplo 4.36 (Caráter de Dirichlet para a classe de resíduos módulo 4). Note que 𝜑(4) = 2,
logo, existem apenas 2 caráteres de Dirichlet módulo 4. O caráter principal é um deles. Note
que 𝜒4,2 (1) = 1, pois 1 é o elemento neutro. Ainda que 𝜒4,2 (2) = 𝜒4,4 (4) = 0, pois não pertencem
à classes de resíduo relativamente primos à 4. Pela propriedade das somas das linhas da matriz
𝐴(𝐺), 𝑆𝑖 , ser zero para todo 𝑖 ≠ 1, descobrimos que 𝜒4,2 (3) = −1. Veja Tabela 4.1a. Note a
periodicidade da função.

Exemplo 4.37 (Caráter de Dirichlet para a classe de reíduos módulo 5). Note que 𝜑(5) = 5−1 = 4,
logo, existem apenas 4 caráteres de Dirichlet módulo 5. As possibilidades são as 4 raízes da
unidade que são: {1, −1, 𝑖, −𝑖}. O caráter principal é um dos caráteres tal que 𝜒𝑘,𝑖 (1) = 1 para todo
𝑖. Pela propriedade da multiplicação e da periodicidade, 𝜒𝑘,𝑖 (2) 𝜒𝑘,𝑖 (3) = 𝜒𝑘,𝑖 (6) = 𝜒𝑘,𝑖 (5 + 1) =
𝜒𝑘,𝑖 (1). Isso indica que eles são recíprocos um do outro. Ainda 𝜒𝑘,𝑖 (2) 𝜒𝑘,𝑖 (2) = 𝜒𝑘,𝑖 (4). Deste
modo conseguimos construir os 4 possíveis caráteres. Veja a Tabela 4.1b.

Tabela 4.1: Cáteres de Dirichlet

(b) módulo 5

(a) módulo 4 𝜑(5) = 4 1 2 3 4 5


𝜑(4) = 2 1 2 3 4 5 6 7 8 𝜒5,1 (𝑛) 1 1 1 1 0
𝜒4,1 (𝑛) 1 0 1 0 1 0 1 0 𝜒5,2 (𝑛) 1 −1 −1 1 0
𝜒4,2 (𝑛) 1 0 −1 0 1 0 −1 0 𝜒5,3 (𝑛) 1 𝑖 −𝑖 −1 0
𝜒5,4 (𝑛) 1 −𝑖 𝑖 −1 0

O teorema a seguir nos ajuda a verificar se as tabelas anteriores estão corretas.

Teorema 4.38. Sejam 𝜒𝑘,1 , · · · , 𝜒𝑘,𝜑(𝑘) os 𝜑(𝑘) caráteres de Dirichlet módulo 𝑘. Sejam 𝑚 e 𝑛
inteiros, com 𝑛 ∈ [𝑁] 𝑘 tal que (𝑁, 𝑘) = 1. Então
𝜑(𝑘)
se 𝑚 ≡ 𝑛 (𝑚𝑜𝑑 𝑘)
∑︁ 
 𝜑(𝑘)


𝜒𝑘,𝑟 (𝑚) 𝜒𝑘,𝑟 (𝑛) = (4.59)
𝑟=1

0
 caso contrário.

Demonstração. Note que


𝜑(𝑘)
∑︁ 𝜑(𝑘)
∑︁ 𝜑(𝑘)
∑︁
   
𝜒𝑘,𝑟 (𝑚) 𝜒𝑘,𝑟 (𝑛) = 𝜒𝑘,𝑟 (𝑚) 𝜒𝑘,𝑟 𝑛−1 = 𝜒𝑘,𝑟 𝑚 · 𝑛−1 , (4.60)
𝑟=1 𝑟=1 𝑟=1

pois existência da inversa é garantida para 𝑛 ∈ [𝑁] 𝑘 tal que (𝑁, 𝑘) = 1.


4.3 Caráteres de Dirichlet 67

Para 𝑚 e 𝑛 pertencentes à mesma classe de resíduo, 𝑚 ≡ 𝑛 (𝑚𝑜𝑑 𝑘), então


𝜑(𝑘)
∑︁ 𝜑(𝑘)
∑︁ 𝜑(𝑘)
∑︁
𝜒𝑘,𝑟 (𝑚 · 𝑛−1 ) = 𝜒𝑘,𝑟 (1) = 1 = 𝜑(𝑘). (4.61)
𝑟=1 𝑟=1 𝑟=1

Caso 𝑚 e 𝑛 não pertencentes à mesma classe de resíduo, 𝑚 . 𝑛 (𝑚𝑜𝑑 𝑘), e denotando


𝑚 · 𝑛−1 = 𝑎 ≠ 1, então:
𝜑(𝑘)
∑︁
𝜒𝑘,𝑟 (𝑎) = 0. (4.62)
𝑟=1

Note que no caso particular de 𝑛 = 𝑚 com 𝑛 ∈ [𝑁] 𝑘 tal que (𝑁, 𝑘) = 1 então:
𝜑(𝑘)
∑︁
𝜒𝑘,𝑟 (𝑛) 𝜒𝑘,𝑟 (𝑛) = 𝜑(𝑘) (4.63)
𝑟=1

e conferindo a coluna do resíduo 3 módulo 5 temos


𝜑(5)
∑︁ 4
∑︁
𝜒5,𝑟 (3) 𝜒5,𝑟 (3) = 𝜒5,𝑟 (3) 𝜒5,𝑟 (3)
𝑟=1 𝑟=1

= 𝜒5,1 (3) 𝜒5,1 (3) + 𝜒5,2 (3) 𝜒5,2 (3) + 𝜒5,3 (3) 𝜒5,3 (3) + 𝜒5,4 (3) 𝜒5,4 (3)
(4.64)
= (1 · 1) + (−1 · −1) + (−𝑖 · −𝑖) + (𝑖 · 𝑖)
= (1 · 1) + (−1 · −1) + (−𝑖 · 𝑖) + (𝑖 · −𝑖)
= 1 + 1 + 1 + 1 = 4 = 𝜑(5)

ou ainda,
𝜑(5)
∑︁ 4
∑︁
𝜒5,𝑟 (3) 𝜒5,𝑟 (3) = 𝜒5,𝑟 (3) 𝜒5,𝑟 (3−1 )
𝑟=1 𝑟=1
4
∑︁
= 𝜒5,𝑟 (3) 𝜒5,𝑟 (2)
(4.65)
𝑟=1

= 𝜒5,1 (3) 𝜒5,1 (2) + 𝜒5,2 (3) 𝜒5,2 (2) + 𝜒5,3 (3) 𝜒5,3 (2) + 𝜒5,4 (3) 𝜒5,4 (2)
= (1 · 1) + (−1 · −1) + (−𝑖 · 𝑖) + (𝑖 · −𝑖)
= 1 + 1 + 1 + 1 = 4 = 𝜑(5).

Com a capacidade de determinar totalmente os valores dos caráteres de Dirichlet para classes
4.3 Caráteres de Dirichlet 68

de resíduos, aprofundaremos em suas propriedades. Como citado anteriormente, essas funções


aritméticas são periódicas, logo introduziremos propriedades interessantes advindas da periodi-
cidade.
Capítulo 5
Funções aritméticas periódicas

Neste capítulo trataremos de uma classe relevante de funções aritméticas, as periódicas, nas
quais se incluem os caráteres de Dirichlet. Iniciando pela definição:

Definição 5.1 (Funções periódicas). Uma função aritmética 𝑓 é dita periódica se existe 𝑘 tal
que
𝑓 (𝑛 + 𝑘) = 𝑓 (𝑛) (5.1)

para todo inteiro 𝑛. Denominamos 𝑘 o período de 𝑓 .

Por exemplo, a função 𝜒𝑘,𝑖 (𝑛) é periódica de período 𝑘, ou seja, 𝜒𝑘,𝑖 (𝑛) = 𝜒𝑘,𝑖 (𝑛 + 𝑘) para
todo 𝑛 ∈ Z. Um exemplo interessante é a função (𝑛, 𝑘) que também é periódica de período 𝑘, ou
𝑚
seja, (𝑛, 𝑘) = (𝑛 + 𝑘, 𝑘). Outro exemplo trivial é função 𝑓 (𝑛) = 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 que é periódica de peíodo
𝑘, pois
𝑚 𝑚 𝑚
𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑛 + 𝑘) = 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 (𝑛+𝑘) = 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 𝑒 2𝜋𝑖𝑚 = 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 . (5.2)

Este último exemplo foi escolhido propositalmente, pois descreve as raízes da unidade, que
são todos os possíveis valores para os caráteres de Dirichlet para a classe de resíduo módulo 𝑘
para 𝑘 primo, nos permitindo escrever o teorema a seguir.
𝑚
Teorema 5.2. Seja 𝑘 ≥ 1 e 𝑓 (𝑛) = 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 então
𝑘 𝑘 
∑︁ ∑︁
2𝜋𝑖 𝑚
0

 se 𝑘 ∤ 𝑛
𝑔(𝑛) = 𝑓 (𝑛) = 𝑒 𝑘𝑛 = (5.3)
𝑚=1 𝑚=1
k

 se 𝑘 |𝑛.

𝑚
Demonstração. Se 𝑘 |𝑛, então 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 = 1 para todo 𝑚 e
𝑘
∑︁
𝑔(𝑛) = 1 = 𝑘. (5.4)
𝑚=1
5.1 Teorema da interpolação de Lagrange 70

𝑚
Agora se 𝑘 ∤ 𝑛, então, 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 representam as raízes da unidade para 𝑚 = 1 até 𝑘. Como as
raízes da unidade são caráter de Dirichlet, então:
𝑘
∑︁ 𝑚
𝑔(𝑛) = 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 = 0. (5.5)
𝑚=1

As funções periódicas não se resumem aos caráteres de Dirichlet. Para qualquer conjunto
de números podemos construir funções aritméticas periódicas. Essa propriedade é garantida
pelo teorema da interpolação de Lagrange.

5.1 Teorema da interpolação de Lagrange

Teorema 5.3 (Teorema da interpolação de Lagrange). Sejam 𝑧1 , · · · , 𝑧 𝑘 números complexos


distintos e 𝑤 1 , · · · , 𝑤 𝑘 números complexos não necessariamente distintos. Então existe, e
é único, um polinômio 𝑃(𝑧) de grau menor ou igual a 𝑘 − 1 tal que 𝑃(𝑧𝑖 ) = 𝑤 𝑖 para todo
𝑖 ∈ {1, 2, · · · , 𝑘 }.

Demonstração. Tal polinômio pode ser construído da seguinte forma. Seja


(𝑧 − 𝑧1 ) · (𝑧 − 𝑧2 ) · . . . · (𝑧 − 𝑧 𝑚 ) · . . . · (𝑧 − 𝑧 𝑘 )
𝐴𝑚 (𝑧) = . (5.6)
(𝑧 − 𝑧 𝑚 )

Claramente 𝐴𝑚 (𝑧) é um polinômio de grau 𝑘 − 1 e que 𝐴𝑚 (𝑧 𝑚 ) ≠ 0 pois {𝑧𝑖 }𝑖 são todos


distintos. Do mesmo modo 𝐴𝑚 (𝑧 𝑗 ) = 0 para todo 𝑗 ≠ 𝑚, pois todos elementos são zeros de 𝐴𝑚
e para 𝑗 ≠ 𝑚 o zero não é cancelado. Deste modo construímos a razão

𝐴𝑚 (𝑧) (𝑧 𝑚 − 𝑧 𝑚 )(𝑧 − 𝑧1 ) · (𝑧 − 𝑧2 ) · . . . · (𝑧 − 𝑧 𝑚 ) · . . . · (𝑧 − 𝑧 𝑘 )
=
𝐴𝑚 (𝑧 𝑚 ) (𝑧 − 𝑧 𝑚 )(𝑧 𝑚 − 𝑧 1 ) · (𝑧 𝑚 − 𝑧2 ) · . . . · (𝑧 𝑚 − 𝑧 𝑚 ) · . . . · (𝑧 𝑚 − 𝑧 𝑘 )
(5.7)
(𝑧 − 𝑧1 ) (𝑧 − 𝑧2 ) (𝑧 − 𝑧 𝑘 )
= · ·...· , 𝑘 ≠𝑚
(𝑧 𝑚 − 𝑧 1 ) (𝑧 𝑚 − 𝑧2 ) (𝑧 𝑚 − 𝑧 𝑘 )
Assim 𝐴𝑚 (𝑧)/𝐴𝑚 (𝑧 𝑚 ) vale 0 para todo 𝑧 𝑗 se 𝑗 ≠ 𝑚 e 1 se 𝑗 = 𝑚. Deste modo a combinação
linear
𝑘
∑︁ 𝐴𝑚 (𝑧)
𝑃(𝑧) = 𝑤𝑚 (5.8)
𝐴𝑚 (𝑧 𝑚 )
𝑚=1
é o polinômio de grau 𝑘 − 1 tal que 𝑃(𝑧𝑖 ) = 𝑤 𝑖 para todo 𝑖 ∈ {1, 2, · · · , 𝑘 }. A unicidade decorre
da existência de 𝑘 − 1 zeros distintos em um polinômio de grau 𝑘 − 1, pois se existisse 𝑄(𝑧) com
os mesmos zeros e com o mesmo grau, ele seria de fato 𝑃(𝑧). □
5.2 Expansão finita de Fourier 71

Agora podemos aplicar esse conceito para mapear, por meio das raízes da unidade, qualquer
conjunto finito em escalas sobre as raízes da unidade.

Teorema 5.4. Dados 𝑘 números complexos 𝑤 1 , · · · , 𝑤 𝑘 , então existem 𝑘 únicos 𝑎 1 , · · · , 𝑎 𝑘 tais


que
𝑘
∑︁ 𝑟
𝑤𝑚 = 𝑎𝑟 · 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑚 (5.9)
𝑟=1
e ainda, os coeficientes 𝑎 𝑛 são definidos por
𝑘
∑︁
1 𝑚
𝑎𝑛 = 𝑤 𝑚 · 𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 . (5.10)
𝑘
𝑚=1

1
Demonstração. Usando o teorema anterior, e adotando 𝑧 𝑚 = 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑚 para todo 𝑚 ∈ {1, · · · , 𝑘 }
teremos:
𝑘
∑︁ 𝑛
𝑤𝑚 = 𝑎 𝑛 · 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑚 . (5.11)
𝑛=1

𝑟
Multiplicando ambos os lados por 𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘 𝑚 e somando para todo 𝑚
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁
−2𝜋𝑖 𝑚 −2𝜋𝑖 𝑚 2𝜋𝑖 𝑛𝑘 𝑚 𝑚
𝑤𝑚 𝑒 𝑘𝑟 = 𝑒 𝑘𝑟 𝑎𝑛 · 𝑒 = 𝑎𝑛 · 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 (𝑛−𝑟) . (5.12)
𝑚=1 𝑚=1 𝑛=1 𝑛=1 𝑚=1

Pela direita e pelo Teorema 5.2, os termos somados são 0 se 𝑘 ∤ (𝑛 − 𝑟) e são 1 apenas se
𝑛 = 𝑟, assim,
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁
−2𝜋𝑖 𝑚 1 𝑚
𝑤𝑚 𝑒 𝑘𝑟 = 𝑘𝑎𝑟 =⇒ 𝑎 𝑛 = 𝑤 𝑚 𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 . (5.13)
𝑘
𝑚=1 𝑚=1

Com isso, conseguimos uma maneira de desfazer a aplicação 𝑃(𝑧 𝑚 ).

5.2 Expansão finita de Fourier

A reconstrução de 𝑎 𝑛 por meio de 𝑤 𝑚 nos assemelha à série de Fourier para funções


periódicas. Note que é exatamente o caso para as funções aritméticas periódicas.

Teorema 5.5 (Expansão finita de Fourier). Dada a função aritmética 𝑓 periódica módulo 𝑘,
5.2 Expansão finita de Fourier 72

então existem uma única função aritmética periódica 𝑔 tal que


𝑘
∑︁ 𝑛
𝑓 (𝑚) = 𝑔(𝑛) · 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑚 (5.14)
𝑛=1

e ainda, 𝑔 é definida por


𝑘
∑︁ 𝑚
𝑔(𝑛) = 𝑓 (𝑚) · 𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 . (5.15)
𝑚=1

Demonstração. Uso direto do teorema anterior construindo 𝑓 (𝑖) = 𝑤 𝑖 e 𝑔(𝑖) = 𝑎𝑖 . A soma que
descreve 𝑓 em função de 𝑔 é denominada expansão finita de Fourier de 𝑓 , na qual 𝑔 são os
coeficientes de Fourier de 𝑓 . □

Usando a periodicidade das funções 𝑓 e 𝑔, o teorema anterior pode ser escrito por
∑︁ ∑︁
2𝜋𝑖 𝑛𝑘 𝑚 𝑚
𝑓 (𝑚) = 𝑔(𝑛) · 𝑒 e 𝑔(𝑛) = 𝑓 (𝑚) · 𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 . (5.16)
𝑛 𝑚𝑜𝑑 𝑘 𝑚 𝑚𝑜𝑑 𝑘

Uma aplicação interessante é observar a expansão finita de Fourier para função denominadas
produto de Dirichlet.

Definição 5.6 (Produto de Dirichlet). Sejam 𝑓 e 𝑔 funções aritméticas. O produto de Dirichlet


é definido por:
∑︁ 𝑛
𝑓 ∗ 𝑔(𝑛) = 𝑓 (𝑑) · 𝑔 (5.17)
𝑑
𝑑|𝑛

e sua generalização 𝑠 𝑘,𝑛 tal que:

Definição 5.7 (Produto de Dirichlet generalizado). Sejam 𝑓 e 𝑔 funções aritméticas. O produto


de Dirichlet generalizado 𝑠 𝑘,𝑛 ( 𝑓 , 𝑔) é definido por:
∑︁  
𝑘
𝑠 𝑘,𝑛 ( 𝑓 , 𝑔) = 𝑓 (𝑑) · 𝑔 (5.18)
𝑑
𝑑|(𝑛,𝑘)

Note que
∑︁ 𝑛 ∑︁ 𝑛
𝑠𝑛,𝑛 ( 𝑓 , 𝑔) = 𝑓 (𝑑) · 𝑔 = 𝑓 (𝑑) · 𝑔 = 𝑓 ∗ 𝑔(𝑛) (5.19)
𝑑 𝑑
𝑑|(𝑛,𝑛) 𝑑|𝑛

Assim podemos escrever a expansão finita de Fourier para qualquer produto de Dirichlet de
forma que:
5.3 Soma de Ramanujan 73

Teorema 5.8 (Expansão finita de Fourier para o produto de Dirichlet generalizado). Sejam 𝑓
e 𝑔 funções aritméticas e 𝑠 𝑘,𝑛 ( 𝑓 , 𝑔) o produto de Dirichlet generalizado entre elas. Então a
expansão finita de Fourier de 𝑠 𝑘,𝑛 ( 𝑓 , 𝑔) é dada por
𝑘
∑︁ 𝑚
𝑠 𝑘,𝑛 ( 𝑓 , 𝑔) = 𝑎 𝑘,𝑚 · 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 (5.20)
𝑚=1

na qual
∑︁  
𝑘 𝑑
𝑎 𝑘,𝑚 = 𝑔(𝑑) 𝑓 (5.21)
𝑑 𝑘
𝑑|(𝑚,𝑘)

Demonstração. Usando a expansão finita de Fourier


𝑘
∑︁
1 𝑛
𝑎 𝑘,𝑚 = 𝑠 𝑘,𝑛 ( 𝑓 , 𝑔) · 𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘 𝑚
𝑘
𝑛=1
𝑘
(5.22)
∑︁ ∑︁  
1 𝑘 𝑛
= 𝑓 (𝑑)𝑔 · 𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘 𝑚
𝑘 𝑑
𝑛=1 𝑑|(𝑛,𝑘)

escrevendo 𝑛 = 𝑐 · 𝑑
∑︁ 𝑘/𝑑
  ∑︁
1 𝑘 𝑐𝑑
𝑎 𝑘,𝑚 = 𝑓 (𝑑)𝑔 𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘 𝑚 . (5.23)
𝑘 𝑑
𝑑|𝑘 𝑐=1

Substituindo 𝑘/𝑑 por 𝑑 e notando que a soma em 𝑐 é zero a menos que 𝑑|𝑚 e nesse caso vale 𝑑,
logo,

∑︁   𝑑
∑︁
1 𝑘 𝑐
𝑎 𝑘,𝑚 = 𝑓 𝑔(𝑑) 𝑒 −2𝜋𝑖 𝑑 𝑚
𝑘 𝑑
𝑑|𝑘 𝑐=1
∑︁   (5.24)
1 𝑘
= 𝑓 𝑔(𝑑)𝑑.
𝑘 𝑑
𝑑|(𝑚,𝑘)

5.3 Soma de Ramanujan

A soma de Ramanujan é um caso particular da expansão finita de Fourier para a função


𝑓 (𝑚) = 𝜒𝑘,1 (𝑚), ou seja, o caráter principal de Dirichlet para a classe de resíduos módulo 𝑘.
5.4 Soma de Gauss associada aos caráteres de Dirichlet 74

Definição 5.9 (Soma de Ramanujan). A soma de Ramanujan é definida por


𝑘
∑︁ ∑︁
2𝜋𝑖 𝑚 𝑚
𝑐 𝑘 (𝑛) = 𝜒𝑘,1 (𝑚) · 𝑒 𝑘𝑛 = 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 . (5.25)
𝑚=1 𝑚 𝑚𝑜𝑑 𝑘
(𝑚,𝑘)=1

Note que se 𝑘 |𝑛 então 𝑐 𝑘 (𝑛) = 𝜑(𝑘), pois será somado 1 toda vez que (𝑚, 𝑘) = 1. Ainda,
se 𝑛 = 1 então 𝑐 𝑘 (1) = 𝜇(𝑘). Veja que o produto de Ramanujan não passa de um produto de
Dirichlet de duas função 𝑘 · 𝜇(𝑘). Se 𝑓 (𝑘) = 𝑘 e 𝑔(𝑘) = 𝜇(𝑘) então:
∑︁   ∑︁ ∑︁  
𝑘 2𝜋𝑖 𝑛𝑘 𝑚 1 𝑘
𝑓 (𝑑)𝑔 = 𝑎 𝑘 (𝑚) · 𝑒 =⇒ 𝑎 𝑘 (𝑚) = 𝑓 𝑔(𝑑)𝑑 (5.26)
𝑑 𝑘 𝑑
𝑑|(𝑛,𝑘) 𝑚 𝑚𝑜𝑑 𝑘 𝑑|(𝑚,𝑘)

ou ainda,

se (𝑚, 𝑘) = 1
∑︁ ∑︁ 
1 𝑘 1


𝑎 𝑘 (𝑚) = 𝜇(𝑑)𝑑 = 𝜇(𝑑) = (5.27)
𝑘 𝑑 
0 se (𝑚, 𝑘) > 1
𝑑|(𝑚,𝑘) 𝑑|(𝑚,𝑘) 
logo,

∑︁   ∑︁ 𝑘
∑︁
𝑘 2𝜋𝑖 𝑚 𝑚
𝑑·𝜇 = 𝑒 𝑘𝑛 = 𝜒𝑘,1 (𝑚)𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 = 𝑐 𝑘 (𝑛). (5.28)
𝑑
𝑑|(𝑚,𝑘) 𝑚 𝑚𝑜𝑑 𝑘 𝑚=1
(𝑚,𝑘)=1

5.4 Soma de Gauss associada aos caráteres de Dirichlet

A soma de Ramanujan utiliza como base o caráter principal de Dirichlet, mas o que
aconteceria se tal soma fosse generalizada para um caráter qualquer. Isso define o próximo
conceito, a soma de Gauss.

Definição 5.10 (Soma de Gauss). Para cada caráter 𝑗 de uma classe de resíduo módulo 𝑘, 𝜒𝑘, 𝑗
a soma de Gauss é então definida por
𝑘
∑︁ 𝑚
𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑚)𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 (5.29)
𝑚=1

Por óbvio se 𝑗 = 1 então a soma de Gauss colapsa na soma de Ramanujan, pois

𝑘
∑︁ 𝑚
𝐺 𝜒𝑘,1 (𝑛) = 𝜒𝑘,1 (𝑚)𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛 = 𝑐 𝑘 (𝑛). (5.30)
𝑚=1
5.4 Soma de Gauss associada aos caráteres de Dirichlet 75

Agora descreveremos algumas propriedades da soma de Gauss.

Definição 5.11 (Separabilidade). A soma de Gauss 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) é dita separável se

𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛)𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1). (5.31)

Agora vejamos a condição necessária e suficiente para separabilidade.

Teorema 5.12. Se 𝜒𝑘, 𝑗 é o caráter 𝑗 de Dirichlet para a classe de resíduo módulo 𝑘 então a
soma de Gauss associada ao caráter

𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛)𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1), (5.32)

é separável para todo 𝑛 tal que (𝑛, 𝑘) = 1.

Demonstração. Toda vez que (𝑛, 𝑘) = 1 o produto 𝑛𝑟 percorre um sistema de resíduos módulo
𝑘. Ainda,

| 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛)| 2 = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 1 =⇒ 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛𝑟). (5.33)

Logo a soma de 𝑚 = 1 até 𝑘, da definição da soma de Gauss, pode ser reescrita por:
𝑘
∑︁ 𝑟
𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟)𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛
𝑟 𝑚𝑜𝑑 𝑘
𝑘
∑︁ 𝑟
= 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛𝑟)𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑛
(5.34)
𝑟 𝑚𝑜𝑑 𝑘
𝑘
∑︁ 𝑚
= 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑚)𝑒 2𝜋𝑖 𝑘
𝑚 𝑚𝑜𝑑 𝑘

= 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛)𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1).

Como a condição de separabilidade exige que (𝑛, 𝑘) = 1, se 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 for tal que para todo 𝑛 tal
que (𝑛, 𝑘) > 1, 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑚) = 0, então 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 é separável para todo 𝑛.

Teorema 5.13. Se 𝜒𝑘, 𝑗 é o caráter 𝑗 da classe de resíduo módulo 𝑘, então a soma de Gauss
𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) é sepáravel para todo 𝑛 se, e somente se, 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 0 sempre que (𝑛, 𝑘) > 1.

Demonstração. A prova é evidente. Usando o teorema anterior e notando que sempre que
(𝑛, 𝑘) > 1, 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 0. □
5.4 Soma de Gauss associada aos caráteres de Dirichlet 76

Teorema 5.14. Se 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) é sepáravel para todo 𝑛 então

|𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1)| 2 = 𝑘. (5.35)

Demonstração. Note que:

|𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1)| 2 = 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1)𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1)


𝑘
∑︁ 𝑚
= 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑚)𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘
𝑚=1
𝑘
∑︁ 𝑚
= 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑚)𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1)𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘
𝑚=1
𝑘
∑︁ 𝑚
= 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑚)𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘
𝑚=1
(5.36)
𝑘 𝑘
∑︁ ∑︁ 𝑚 𝑚
= 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟)𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 𝑟 𝑒 −2𝜋𝑖 𝑘
𝑚=1 𝑟=1
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁ 𝑚
= 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟) 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 (𝑟−1)
𝑟=1 𝑚=1
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁ 𝑚
= 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟) 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 (𝑟−1)
𝑟=1 𝑚=1

Note que as parcelas do somatório:


𝑘
∑︁ 𝑚
𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 (𝑟−1) (5.37)
𝑚=1

valem zero para todo 𝑟 ≠ 1, e exatamente 𝑘 para 𝑟 = 1. Logo temos que somar apenas os termos
para 𝑟 = 1, ou seja,
5.5 Módulo induzido e caráter primitivo 77

𝑘
∑︁ 𝑚
|𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1)| 2 = 𝜒𝑘, 𝑗 (1) 𝑒 2𝜋𝑖 𝑘 (1−1)
𝑚=1
𝑘
∑︁
= 𝜒𝑘, 𝑗 (1) 1 (5.38)
𝑚=1

= 𝜒𝑘, 𝑗 (1)𝑘
= 𝑘.

5.5 Módulo induzido e caráter primitivo

Até aqui estudamos caráteres para classes de resíduos módulo 𝑘, no entanto, conseguimos
inferir propriedades de caráteres para classes de resíduo módulo de qualquer divisor positivo de
𝑘, o que chamaremos de módulo induzido.

Definição 5.15 (Módulo induzido). Seja 𝜒𝑘, 𝑗 um caráter de Dirichlet módulo 𝑘 e 𝑑 um divisor
positivo de 𝑘. Chamaremos 𝑑 de módulo induzido pelo caráter 𝑗 se

𝜒𝑘, 𝑗 (𝑎) = 1 sempre que (𝑎, 𝑘) = 1 e 𝑎 ≡ 1(𝑚𝑜𝑑 𝑑), (5.39)

ou seja, 𝑑 é módulo induzido, se o caráter 𝜒𝑘, 𝑗 se comporta como caráter principal na classe de
resíduo 𝑑 para entradas congruentes à 1 no módulo 𝑑.

Note que 𝑘 sempre é um módulo induzido por 𝜒𝑘, 𝑗 . Caso 𝑘 seja o único módulo induzido
por 𝜒𝑘, 𝑗 , chamaremos 𝜒𝑘, 𝑗 de caráter primitivo.

Definição 5.16 (Caráter primitivo). O caráter de Dirichlet 𝜒𝑘, 𝑗 módulo 𝑘 é dito primitivo, se
𝑘 é o único módulo induzido, ou ainda, se para todo divisor 𝑑|𝑘 tal que 0 < 𝑑 < 𝑘, existe
𝑎 ≡ 1(𝑚𝑜𝑑 𝑑), com (𝑎, 𝑘) = 1 tal que 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑎) ≠ 1.

Uma consequência dessa definição é que 𝜒𝑘,1 nunca é primitivo, para qualquer 𝑘 > 1, pois
1 sempre é um módulo induzido de 𝜒𝑘,1 e 1 ≠ 𝑘. Por outro lado, podemos descrever o seguinte
teorema quando o caráter não for principal.

Teorema 5.17. Todo caráter não principal em uma classe de resíduo de módulo primo, 𝜒 𝑝, 𝑗
com 𝑗 ≠ 1, é caráter primitivo.
5.5 Módulo induzido e caráter primitivo 78

Demonstração. Para a classe de resíduos módulo 𝑝, os únicos candidatos a serem módulos


induzidos são 1 e 𝑘. 𝑘 é sempre módulo induzido, mas 1 não pode ser, pois 𝑗 ≠ 1. □

Agora que entendemos o que é caráter primitivo, descreveremos algumas propriedades.

Teorema 5.18. Seja 𝜒𝑘, 𝑗 um caráter primitivo módulo 𝑘, então

(a) 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 0 para todo 𝑛 com (𝑛, 𝑘) > 1;

(b) 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) é separável para todo 𝑛;

(c) |𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1)| 2 = 𝑘;

Demonstração. (a) é evidente pelo Teorema 4.25; (b) deriva de (a) com o Teorema 5.13; (c)
deriva de (b) com o Teorema 5.14. □

Agora trataremos de algumas outras implicações do módulo induzido que nos ajudam a
construir os caráteres com base em caráteres de classes de resíduo menores. Por exemplo,

Teorema 5.19. Seja 𝜒𝑘, 𝑗 um caráter de Dirichlet módulo 𝑘 e 𝑑 um divisor positivo de 𝑘. Então
𝑑 é módulo induzido pelo caráter 𝜒𝑘, 𝑗 , se a somente se,

𝜒𝑘, 𝑗 (𝑎) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑏) sempre que (𝑎, 𝑘) = 1 = (𝑏, 𝑘) e 𝑎 ≡ 𝑏(𝑚𝑜𝑑 𝑑), (5.40)

Demonstração. Se 𝑑 é módulo induzido, então (𝑎, 𝑘) = 1, ou seja,

𝜒𝑘, 𝑗 (𝑎) = 1 sempre que (𝑎, 𝑘) = 1 e 𝑎 ≡ 1(𝑚𝑜𝑑 𝑑), (5.41)

e basta tomar 𝑏 = 1. Por outro lado, se 𝑎 ≡ 𝑏(𝑚𝑜𝑑 𝑑) e (𝑎, 𝑘) = 1 = (𝑏, 𝑘) então os recíprocos
de 𝑎 e 𝑏 existem e 𝑎𝑎 −1 ≡ 1(𝑚𝑜𝑑 𝑑) então:

𝑎 ≡ 𝑏(𝑚𝑜𝑑 𝑑) =⇒ 𝑎𝑎 −1 ≡ 𝑏𝑎 −1 (𝑚𝑜𝑑 𝑑), (5.42)

ou seja, 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑏𝑎 −1 ) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑎𝑎 −1 ) = 1 e 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑏) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑎 −1 ) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑎) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑎 −1 ) = 1, ou ainda,
𝜒𝑘, 𝑗 (𝑏) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑎). □

Veja a Tabela 5.1 com todos os caráteres da classe de resíduo módulo 9, 6 e 3. Veja que
𝜒9,1 (𝑛) = 𝜒3,1 (𝑛) e 𝜒9,4 (𝑛) = 𝜒3,2 (𝑛). Como 3|9, pela tabela, fica evidente que existem dois
caráteres induzidos. Por outro lado, chamamos 𝜒9,1 (𝑛) extensão de 𝜒3,1 (𝑛) e 𝜒9,4 (𝑛) extensão
de 𝜒3,2 (𝑛).
5.5 Módulo induzido e caráter primitivo 79

Porém, para o módulo 6, mesmo que 3|6, e 3 seja módulo induzido de 6 pois 𝜒6,2 (𝑛) = 𝜒3,2 (𝑛)
para todo (𝑛, 6) = 1 e 𝑛 ≡ 1(𝑚𝑜𝑑 3), 𝜒6,2 (𝑛) não é uma extensão de 𝜒3,2 (𝑛) pois não são iguais
para todo 𝑛. No entanto, note que 𝜒6,2 = 𝜒6,1 · 𝜒3,2 . Essa observação nos permite escrever o
próximo teorema.

Tabela 5.1: Caráteres 𝜒9, 𝑗 e 𝜒6, 𝑗 , e o caráter induzido 𝜒3, 𝑗 .

𝜑(9) = 6 1 2 3 4 5 6 7 8 9
𝜒9,1 (𝑛) 1 1 0 1 1 0 1 1 0
𝜋 2𝜋 𝜋 2𝜋
𝜒9,2 (𝑛) 1 𝑒 3𝑖 0 𝑒 3 𝑖 𝑒− 3 𝑖 0 𝑒− 3 𝑖 −1 0
2𝜋 2𝜋 2𝜋 2𝜋
𝜒9,3 (𝑛) 1 𝑒 3 𝑖 0 𝑒− 3 𝑖 𝑒− 3 𝑖 0 𝑒 3 𝑖 1 0
𝜒9,4 (𝑛) 1 −1 0 1 −1 0 1 −1 0
2𝜋 2𝜋 2𝜋 2𝜋
𝜒9,5 (𝑛) 1 𝑒− 3 𝑖 0 𝑒 3 𝑖 𝑒 3 𝑖 0 𝑒− 3 𝑖 1 0
𝜋 2𝜋 𝜋 2𝜋
𝜒9,6 (𝑛) 1 𝑒− 3 𝑖 0 𝑒− 3 𝑖 𝑒 3𝑖 0 𝑒 3 𝑖 −1 0

𝜑(3) = 2 1 2 3 4 5 6 7 8 9
𝜒3,1 (𝑛) 1 1 0 1 1 0 1 1 0
𝜒3,2 (𝑛) 1 −1 0 1 −1 0 1 −1 0

𝜑(6) = 2 1 2 3 4 5 6 7 8 9
𝜒6,1 (𝑛) 1 0 0 0 1 0 1 0 0
𝜒6,2 (𝑛) 1 0 0 0 −1 0 1 0 0

Teorema 5.20. Seja 𝜒𝑘, 𝑗 um caráter de Dirichlet módulo 𝑘 e 𝑑 um divisor positivo de 𝑘. Então
as duas assertivas são equivalentes:

(𝑎) 𝑑 é módulo induzido de 𝜒𝑘, 𝑗


(𝑏) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 𝜒𝑑,𝑖 (𝑛) 𝜒𝑘,1 (𝑛) existe 𝑖 tal que a igualdade é válida para todo 𝑛
(5.43)

Demonstração. Suponha que (b) seja válida. Logo 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 𝜒𝑑,𝑖 (𝑛) para todo (𝑛, 𝑘) = 1,
pois 𝜒𝑘,1 = 1 para todas essas condições, logo 𝑑 é módulo induzido de 𝜒𝑘, 𝑗 e (b) implica (a).
Suponha que (a) seja válida. Basta exibir um caráter 𝜒𝑑,𝑖 tal que valha (b). Vamos escolhê-lo de
tal maneira que para todo (𝑛, 𝑑) > 1, 𝜒𝑑,𝑖 (𝑛) = 0. Os remanescentes são do tipo (𝑛, 𝑑) = 1. Note
que se (𝑛, 𝑑) = 1 então (𝑛, 𝑘) = 1, assim, eles coincidem, logo 𝜒𝑑,𝑖 (𝑛) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑚) para algum
𝑛 ≡ 𝑚(𝑚𝑜𝑑 𝑑), garantindo a periodicidade. te modo o caráter está definido e (b) vale. □
5.6 Condutor de um caráter 80

Observação 5.21. Quando tivermos interesse em especificar de qual caráter induzido da classe
de resíduos 𝑑 estamos falando, denotaremos 𝜒𝑑,𝑖 . Quando não, denotaremos 𝜓 𝑗 para identificar
o caráter induzido de 𝜒𝑘, 𝑗 .

5.6 Condutor de um caráter

Agora que sabemos o que são caráteres de Dirichlet, caráteres induzidos e caráteres princi-
pais, definiremos o menor moódulo induzido por um caráter por condutor.

Definição 5.22 (Condutor de um caráter). Seja o caráter de Dirichlet módulo 𝑘, 𝜒𝑘, 𝑗 . O menor
módulo induzido 𝑑 de 𝜒𝑘, 𝑗 é dito condutor de 𝜒𝑘, 𝑗 .

Teorema 5.23. Todo caráter de Dirichlet para uma classe de resíduos módulo 𝑘, 𝜒𝑘, 𝑗 pode ser
expresso como o produto
𝜒𝑘, 𝑗 = 𝜒𝑑,𝑖 𝜒𝑘,1 para todo 𝑛, (5.44)

na qual 𝜒𝑑,𝑖 é um caráter primitivo e 𝑑 o módulo condutor de 𝜒𝑘, 𝑗 .

Demonstração. De fato, como o Teorema 5.20 é válido para um módulo induzido qualquer, ele
também o é para o menor deles, definido por condutor. Note que podemos escrever a igualdade
por 𝜒𝑘, 𝑗 = 𝜓 𝑗 𝜒𝑘,1 quando não tivermos interesse específico no caráter da classe induzida. □

Agora que introduzimos caráteres propriamente, estudaremos outros operadores interessan-


tes e suas aplicações introduzindo Series de Dirichlet e produtos de Euler.
Capítulo 6
Convergência, Série de Dirichlet e Produto
de Euler

Séries de Dirichlet é uma das ferramentas mais importantes na teoria analítica dos números,
por isso dedicaremos esse capítulo para explorar suas propriedades.

A série de Dirichlet é uma função geradora. Ou seja, dada uma sequência de números, ela
mapeia tal sequência em uma função. As funções aritméticas geram uma sequência de números
quando avaliada nos inteiros. Esse mapeamento pode, portanto, ser escrito como um operador
sobre as funções aritméticas.

Definição 6.1 (Série de Dirichlet). Seja 𝑓 (𝑛) uma função aritmética. A série

∑︁ 𝑓 (𝑛)
(6.1)
𝑛𝑠
𝑛=1

é definida por série de Dirichlet com coeficientes 𝑓 (𝑛), na qual 𝑠 denota uma variável complexa
que será representada por sua parte real 𝜎 e sua parte complexa 𝑡, ou seja,

𝑠 = 𝜎 + 𝑖𝑡, (6.2)

na qual ambos 𝜎 e 𝑡 são números reais.

Como no denominador da série de Dirichlet aparece o termo 𝑛 𝑠 , vamos observá-lo com mais
cuidado. Note que para todo 𝑛 inteiro positivo o módulo de 𝑛 𝑠 , |𝑛 𝑠 |, só depende da componente
real de 𝑠, 𝜎, pois
 𝑠
𝑛 𝑠 = 𝑒 ln(𝑛) = 𝑒 (𝜎+𝑖𝑡) ln(𝑛) = 𝑒 𝜎 ln(𝑛) 𝑒𝑖𝑡 ln(𝑛) (6.3)
6 Convergência, Série de Dirichlet e Produto de Euler 82

e portanto

|𝑛 𝑠 | = 𝑒 𝜎 ln(𝑛) 𝑒𝑖𝑡 ln(𝑛) = 𝑒 𝜎 ln(𝑛) 𝑒𝑖𝑡 ln(𝑛) = 𝑛𝜎 ,

(6.4)

pois 𝑒𝑖𝑡 ln(𝑛) = 1 para todo 𝑡 e para todo 𝑛.

Ao analisar séries, a primeira propriedade que procuramos é a convergência. Estudaremos


assim a convergência das séries de Dirichlet. Relembrando:

Definição 6.2 (Série convergente). Uma série é dita convergente se a sequência das somas
parciais é uma sequência convergente. No contexto de funções aritméticas, a sequência de
somas parciais, 𝑆𝑛 , da sequência definida pela função aritmética 𝑓 (𝑛),
𝑛
∑︁
𝑆𝑛 = 𝑓 (𝑖) (6.5)
𝑖=1

deve ser uma sequência convergente, ou seja, limite


𝑛
∑︁
𝑆 = lim 𝑓 (𝑖) (6.6)
𝑛→∞
𝑖=1

deve existir, e a sequência das somas parciais deve convergir para 𝑆.

Definição 6.3 (Série absolutamente convergente). Uma série é dita absolutamente convergente se
a sequência das somas parciais do valor absoluto dos seus termos é uma sequência convergente.
No contexto de funções aritméticas, a sequência de somas parciais, 𝑆𝑛 , da sequência definida
pela função aritmética 𝑓 (𝑛),
𝑛
∑︁
𝑆𝑛 = | 𝑓 (𝑖)| (6.7)
𝑖=1
deve ser uma sequência convergente, ou seja, o limite
𝑛
∑︁
𝑆 = lim | 𝑓 (𝑖)| (6.8)
𝑛→∞
𝑖=1

deve existir, e a sequência das somas parciais deve convergir para 𝑆.

Definição 6.4 (Série uniformemente convergente). Uma série é dita uniformemente convergente
se a sequência das somas parciais de seus termos satisfaz: Dado 𝜖 > 0, existe 𝑁0 tal que para
todo 𝑛 > 𝑁0 vale |𝑆𝑛 − 𝑆 𝑁0 | < 𝜖.

No caso particular das séries de Dirichlet, se uma série não converge absolutamente, nem
diverge absolutamente para todo 𝑠, então existe um número real 𝜎𝑎 que define uma assintota
6 Convergência, Série de Dirichlet e Produto de Euler 83

vertical na imagem da série tal que se 𝜎 > 𝜎𝑎 a série converge absolutamente e para 𝜎 < 𝜎𝑎 a
série não converge absolutamente. Essa característica é enunciada pelo seguinte teorema.

Teorema 6.5. Suponha que a série



∑︁
𝑓 (𝑛)

𝑛𝑠 (6.9)
𝑛=1
não seja convergente para todo 𝑠 nem divergente para todo 𝑠. Então existe um número real 𝜎𝑎 ,
denominado abscissa de convergência absoluta, tal que a série converge absolutamente para
todo 𝜎 > 𝜎𝑎 , mas não seja converge absolutamente para todo 𝜎 < 𝜎𝑎 .

Demonstração. Como a série não diverge para todo 𝑠, então existe um valor para 𝑠𝑎 para o qual
ela se torna convergente. Como a convergência é absoluta e o módulo de 𝑠 depende apenas de
sua parte real, 𝜎, então para todo 𝑠 tal que sua parte real é igual à parte real de 𝑠𝑎 , 𝜎𝑎 , a série
também é absolutamente convergente. Note que essa propriedade é obtida em uma assintota
vertical no plano complexo tal que a parte real seja 𝜎𝑎 . Se ela converge absolutamente para todo
𝑠 tal que |𝑠| = |𝑠𝑎 | então para todo 𝑠 tal que |𝑠| > |𝑠𝑎 | ela também converge absolutamente, pois
a divisão é feita por parcelas maiores do que |𝑠𝑎 | impossibilitando que a soma seja maior do
que a soma definida em 𝑠𝑎 , limitando superiormente a sequência das somas parciais para todo
|𝑠| > |𝑠𝑎 |. □

O teorema anterior pode ser generalizado admitindo-se que se a série de Dirichlet convergir
absolutamente para todo 𝑠, então a assíntota é dada por 𝜎𝑎 = −∞ e se a série de Dirichlet não
convergir absolutamente para todo 𝑠, então a assíntota é dada por 𝜎𝑎 = ∞. Mas a demonstração
anterior também vale para o caso de convergência para o caso não absoluta.

Teorema 6.6. Suponha que a série



∑︁
𝑓 (𝑛)

𝑛𝑠 (6.10)
𝑛=1
não seja convergente para todo 𝑠 nem divergente para todo 𝑠. Então existe um número real 𝜎𝑐 ,
denominado abscissa de convergência, tal que a série converge para todo 𝜎 > 𝜎𝑐 , e diverge
𝜎 < 𝜎𝑐 .

Demonstração. A demonstração é similar ao teorema anterior □

Agora para os planos definido pela assintota de convergência absoluta, podemos definir
funções com a série de Dirichlet.
6 Convergência, Série de Dirichlet e Produto de Euler 84

Definição 6.7 (Função definida pela série de Dirichlet). Se a série de Dirichlet de 𝑓 (𝑛) convergir
absolutamente para 𝜎 > 𝜎𝑎 então denotaremos por

∑︁ 𝑓 (𝑛)
𝐹 (𝑠) = (6.11)
𝑛𝑠
𝑛=1

a função definida pela série de Dirichlet sempre que essa for absolutamente convergente.

É fácil mostrar que se duas séries de Dirichlet coincidirem para uma sequência infinita {𝑠 𝑘 }
tal que 𝜎𝑘 → ∞ então a sequência que definem as séries são iguais para todo 𝑛.

Teorema 6.8 (Teorema da Unicidade). Dada duas séries de Dirichlet



∑︁ ∞
∑︁
𝑓 (𝑛) 𝑔(𝑛)
𝐹 (𝑠) = 𝑒 𝐺 (𝑠) = (6.12)
𝑛𝑠 𝑛𝑠
𝑛=1 𝑛=1

ambas absolutamente convergentes para 𝜎 > 𝜎𝑎 . Se 𝐹 (𝑠) = 𝐺 (𝑠) para cada 𝑠 em uma sequência
infinita {𝑠 𝑘 } tal que 𝜎𝑘 → ∞ quando 𝑘 → ∞, então 𝑓 (𝑛) = 𝑔(𝑛) para todo 𝑛.

Demonstração. Construiremos ℎ(𝑛) = 𝑓 (𝑛) − 𝑔(𝑛) e seja 𝐻 (𝑠) = 𝐹 (𝑠) − 𝐺 (𝑠) então 𝐻 (𝑠 𝑘 ) = 0
para todo 𝑘. Admitiremos para algum 𝑛, ℎ(𝑛) ≠ 0. Seja 𝑁 o menor inteiro tal que ℎ(𝑛) ≠ 0 e
escreva 𝐻 (𝑠) por:

∑︁ ℎ(𝑛)
𝐻 (𝑠) =
𝑛𝑠
𝑛=1
∞ (6.13)
ℎ(𝑁)
∑︁ ℎ(𝑛)
= + ,
𝑁𝑠 𝑛𝑠
𝑛=𝑁+1

ou ainda,

∑︁
𝑠 𝑠 ℎ(𝑛)
ℎ(𝑁) = 𝑁 𝐻 (𝑠) − 𝑁 . (6.14)
𝑛𝑠
𝑛=𝑁+1

Para todo 𝑠 𝑘 , 𝐻 (𝑠 𝑘 ) = 0 e, por isso,



∑︁ ℎ(𝑛)
ℎ(𝑁) = 𝑁 𝑠 𝑘 𝐻 (𝑠 𝑘 ) − 𝑁 𝑠 𝑘
𝑛𝑠𝑘
𝑛=𝑁+1
∞ (6.15)
∑︁ ℎ(𝑛)
= −𝑁 𝑠 𝑘 .
𝑛𝑠𝑘
𝑛=𝑁+1
6 Convergência, Série de Dirichlet e Produto de Euler 85

Agora escolha um 𝑘 tal que 𝜎𝑘 > 𝑐 > 𝜎𝑎 . Então




∑︁ ∑︁
𝑠 ℎ(𝑛) |ℎ(𝑛)|
|ℎ(𝑁)| = −𝑁
𝑘
𝑠𝑘
≤ 𝑁 𝜎𝑘
𝑛 𝑛𝜎𝑘
𝑛=𝑁+1 𝑛=𝑁+1

∑︁ |ℎ(𝑛)|
≤ 𝑁 𝜎𝑘
𝑛𝜎𝑘 −𝑐 𝑛𝑐
𝑛=𝑁+1

(6.16)
𝑁 𝜎𝑘
∑︁ |ℎ(𝑛)|

(𝑁 + 1) 𝜎𝑘 −𝑐 𝑛𝑐
𝑛=𝑁+1

∑︁
𝑁 𝜎𝑘 |ℎ(𝑛)|
≤ (𝑁 + 1) 𝑐 .
(𝑁 + 1) 𝜎𝑘 𝑛𝑐
𝑛=𝑁+1

Note que a expressão pode ser dividida em duas componentes, uma que depende de 𝑘 e a
outra independente de 𝑘. Como 𝜎𝑘 → ∞ quando 𝑘 → ∞ então
𝑁 𝜎𝑘
lim = 0. (6.17)
𝑘→∞ (𝑁 + 1) 𝜎𝑘

Logo existe 𝑁 tal que ℎ(𝑁) = 0, o que contradiz a hipótese de que 𝑁 era o menor inteiro tal
que ℎ(𝑁) ≠ 0, nos levando a uma contradição. □

Com mesmo argumento usado pelo teorema anterior podemos mostrar que 𝜎𝑎 delimita um
semi-plano no qual 𝐹 (𝑠) nunca é nulo. Além disso, uma função definida por uma série de
Dirichlet converge para seu primeiro termo, quando 𝜎 → ∞.

Teorema 6.9. Seja 𝐹 (𝑠) uma função definida por uma série de Dirichlet, então

lim 𝐹 (𝜎 + 𝑖𝑡) = 𝑓 (1) (6.18)


𝜎→∞

converge uniformemente para todo 𝑡.

Demonstração. Note que



∑︁ 𝑓 (𝑛)
lim 𝐹 (𝜎 + 𝑖𝑡) =
𝜎→∞ 𝑛𝜎+𝑖𝑡
𝑛=1

∑︁
𝑓 (1) 𝑓 (𝑛)
= 𝜎+𝑖𝑡 + (6.19)
1 𝑛𝜎+𝑖𝑡
𝑛=2

∑︁ 𝑓 (𝑛)
= 𝑓 (1) + .
𝑛𝜎+𝑖𝑡
𝑛=2
6.1 Multiplicação de séries de Dirichlet 86

Para qualquer 𝜎 > 𝑐 > 𝜎𝑎 teremos


∞ ∞
∑︁ ∑︁
𝑓 (𝑛) | 𝑓 (𝑛)|
lim
≤ lim
𝜎→∞ 𝑛 𝜎+𝑖𝑡
𝜎→∞
𝑛𝜎
𝑛=2 𝑛=2

∑︁
1 | 𝑓 (𝑛)|
≤ lim
𝜎→∞ 2𝜎−𝑐 𝑛𝑐
𝑛=2
(6.20)

∑︁ | 𝑓 (𝑛)|
2𝑐
≤ lim 𝜎
𝜎→∞ 2 𝑛𝑐
𝑛=2

≤ 0.

Agora que tratamos da abscissa de convergência absoluta e do limite das séries de Dirichlet
para 𝜎 → ∞, enunciaremos algumas relações entre séries de Dirichlet.

6.1 Multiplicação de séries de Dirichlet

A primeira relação entre as séries é a multiplicação entre duas séries. Essa relação se torna
interessante, pois relaciona o produto das séries de Dirichlet com o produto de Dirichlet das
funções aritméticas geradoras das séries. Veja o teorema a seguir.

Teorema 6.10. Sejam 𝐹 (𝑠) e 𝐺 (𝑠) funções definidas por séries de Dirichlet, tais que as abscissas
de convergência são definidas por 𝜎𝑎 e 𝜎𝑏 respectivamente, então para a região que ambas
sejam absolutamente convergentes em simultâneo, 𝜎𝑐 > max(𝜎𝑎 , 𝜎𝑏 ), então

∑︁ 𝑓 ∗ 𝑔(𝑛)
𝐹 (𝑠)𝐺 (𝑠) = . (6.21)
𝑛𝑠
𝑛=1

Mais ainda, se a série de Dirichlet 𝐻 (𝑠) for equivalente ao produto 𝐹 (𝑠)𝐺 (𝑠) para todo 𝑠 em
uma sequência {𝑠 𝑘 } com 𝜎𝑘 → ∞ para 𝑘 → ∞, então a sequência que gera a série de Dirichlet
é gerada pela função aritmética resultante do produto de Dirichlet das funções 𝑓 (𝑛) e 𝑔(𝑛), ou
seja ℎ(𝑛) = 𝑓 ∗ 𝑔(𝑛).

Demonstração. Basta mostrar a primeira assertiva, pois com a primeira e o Teorema da unicidade
6.2 Produto de Euler 87

deriva-se a segunda. Assim, para todo 𝑠 tal que |𝑠| > 𝜎𝑐



∑︁ ∞
∑︁ ∞ ∑︁
∑︁ ∞
𝑓 (𝑛) 𝑔(𝑚) 𝑓 (𝑛) 𝑔(𝑚)
𝐹 (𝑠)𝐺 (𝑠) = =
𝑛𝑠 𝑚𝑠 𝑛𝑠 𝑚𝑠
𝑛=1 𝑚=1 𝑛=1 𝑚=1
∞ ∞
∑︁ ∑︁ ∑︁ 1 ∑︁ ∞ ∞
𝑓 (𝑛)𝑔(𝑚)
= = 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑚)
𝑘𝑠 𝑘𝑠
𝑘=1 𝑚𝑛=𝑘 𝑘=1 𝑚𝑛=𝑘

∑︁ ∞
∑︁ ∞
∑︁ (6.22)
1 𝑛 1
= 𝑓 (𝑛)𝑔 = 𝑓 ∗ 𝑔(𝑘)
𝑘𝑠 𝑘 𝑘𝑠
𝑘=1 𝑛|𝑘 𝑘=1

∑︁ 𝑓 ∗ 𝑔(𝑛)
= .
𝑛𝑠
𝑛=1

Note que todas as manipulações nas ordens dos somatórios só são possíveis, pois 𝐹 (𝑠) e
𝐺 (𝑠) são ambas absolutamente convergentes. □

No caso particular, se utilizarmos 𝑓 (𝑛) e 𝑔(𝑛) igual à inversa de Dirichlet de 𝑓 (𝑛), 𝑔(𝑛) =
𝑓 −1 (𝑛), então teremos:
∞ ∞ 1
𝑓 ∗ 𝑓 −1 (𝑛)
∑︁ ∑︁
𝑛
𝐹 (𝑠)𝐺 (𝑠) = = =1
𝑛𝑠 𝑛𝑠
𝑛=1 𝑛=1 (6.23)
1
𝐺 (𝑠) = .
𝐹 (𝑠)

Discutiremos outra forma de representar as séries de Dirichlet, usando o produto de Euler.


Para algumas demonstrações, outra representação da série pode ser bastante conveniente.

6.2 Produto de Euler

O produto de Euler já apareceu anteriormente no Teorema 2.58 de forma não generalizada.


Aqui generalizemos o conceito.

Teorema 6.11 (Versão analítica do teorema fundamental da aritmética). Seja 𝑓 (𝑛) uma função
Í
aritmética multiplicativa tal que a série 𝑓 (𝑛) seja absolutamente convergente. Então a soma
dos termos da série pode ser expressa como um produto infinito absolutamente convergente da
seguinte forma:

∑︁ Ö 
𝑓 (𝑛) = 1 + 𝑓 ( 𝑝) + 𝑓 ( 𝑝 2 ) + · · · . (6.24)
𝑛=1 𝑝
6.2 Produto de Euler 88

Ainda, para o caso de 𝑓 (𝑛) ser completamente multiplicativa, o produto pode ser simplifi-
cado por:

∑︁ Ö 1
𝑓 (𝑛) = . (6.25)
1 − 𝑓 ( 𝑝)
𝑛=1 𝑝

Em ambos os casos essa maneira de expressar a série é denominada produto de Euler.

Demonstração. Considere o produto finito


Ö 
𝑃(𝑥) = 1 + 𝑓 ( 𝑝) + 𝑓 ( 𝑝 2 ) + · · · . (6.26)
𝑝≤𝑥

Como o produto é finito, podemos rearranjar os termos de modo que,


∑︁
𝑃(𝑥) = 𝑓 (𝑛) (6.27)
𝑛∈𝐴(𝑥)

na qual 𝐴(𝑥) representa o conjunto de todos os números cujos fatores primos são todos menores
do que 𝑥. Deste modo,

∑︁ ∑︁
𝑓 (𝑛) − 𝑃(𝑥) = 𝑓 (𝑛), (6.28)
𝑛=1 𝑛∈𝐵(𝑥)

tal que 𝐵(𝑥) é o conjunto de todos números nos quais pelo menos um fator primo é maior do
que 𝑥. Assim, ∞
∑︁ ∑︁ ∑︁


𝑓 (𝑛) − 𝑃(𝑥) ≤ | 𝑓 (𝑛)| ≤ | 𝑓 (𝑛)|. (6.29)
𝑛∈𝑥
𝑛=1 𝑛∈𝐵(𝑥)

Mas como a série de Dirichlet de 𝑓 (𝑛) é absolutamente convergente e quando 𝑥 → ∞ a


Í
série da direita vai perdendo termos, ela converge para zero. Logo 𝑃(𝑥) = 𝑓 (𝑛) para 𝑥 → ∞.
Agora basta mostrar que o produto converge absolutamente. Note que:

∑︁

1 + 𝑓 ( 𝑝) + 𝑓 ( 𝑝 2 ) + · · · ≤ 1 + | 𝑓 ( 𝑝)| + | 𝑓 ( 𝑝 2 )| + · · · ≤ | 𝑓 (𝑛)|. (6.30)
𝑛=1

Como 𝑓 (𝑛) é absolutamente convergente, cada parcela do produtório de 𝑃 converge abso-


lutamente. Isso implica na convergência absoluta do produtório. Agora, considerando 𝑓 (𝑛)
completamente multiplicativa temos que 𝑓 ( 𝑝 𝑚 ) = 𝑓 ( 𝑝) 𝑚 , assim
1
1 + 𝑓 ( 𝑝) + 𝑓 ( 𝑝 2 ) + · · · = 1 + 𝑓 ( 𝑝) + 𝑓 ( 𝑝) 2 + · · · = , (6.31)
1 − 𝑓 ( 𝑝)
6.3 Relação entre os semiplanos de convergência e convergência absoluta. 89

o que finaliza a demonstração. □

De maneira direta, podemos aplicar o teorema anterior nas séries de Dirichlet da seguinte
forma.

𝑓 (𝑛)𝑛−𝑠 convergir absolutamente para 𝜎 > 𝜎𝑎 e 𝑓 for multiplicativa, então


Í
Teorema 6.12. Se

∑︁ Ö 
𝑓 (𝑛) 𝑓 ( 𝑝) 𝑓 ( 𝑝 2 )
= 1+ + +··· (6.32)
𝑛𝑠 𝑝 𝑝2
𝑛=1 𝑝

e se 𝑓 for completamente multiplicativa



∑︁ Ö
𝑓 (𝑛) 1
= . (6.33)
𝑛𝑠 1 − 𝑓 ( 𝑝) 𝑝 −𝑠
𝑛=1 𝑝

Demonstração. Basta aplicar o teorema anterior sobre a série de Dirichlet. □

Agora que sabemos escrever as séries de Dirichlet de duas formas, pelo produto de Euler e
pela forma explicita, estudaremos propriedades dos semiplanos de convergência.

6.3 Relação entre os semiplanos de convergência e convergên-


cia absoluta.

No início deste capítulo discutimos a existência de duas assíntotas de convergência, a 𝜎𝑎


de convergência absoluta, e 𝜎𝑐 de convergência. Ambas definem semiplanos de convergência
sobre os quais essas propriedades são garantidas toda vez que a parte real de 𝑠 seja maior do que
os valores das assíntotas. Agora, qual a relação entre as duas assíntotas?

Antes de responder essa pergunta, definiremos o seguinte teorema.

𝑓 (𝑛)𝑛−𝑠0 seja
Í
Teorema 6.13. Seja 𝑠0 = 𝜎0 + 𝑖𝑡0 e que a soma parcial da série de Dirichlet
limitada, ou seja,
∑︁
𝑓 (𝑛)
≤ 𝑀,

𝑠0
(6.34)

𝑛≤𝑥 𝑛
para todo 𝑥 ≥ 1. Então, para cada 𝑠 com 𝜎 > 𝜎0 teremos:

∑︁  
𝑓 (𝑛) 2𝑀 |𝑠 − 𝑠0 |
≤ 1+ . (6.35)

𝑛 𝑠 𝑎 𝜎−𝜎0 𝜎 − 𝜎0
𝑎<𝑛≤𝑏
6.3 Relação entre os semiplanos de convergência e convergência absoluta. 90

Demonstração. Usando a identidade de Abel (Teorema 3.3) e admitindo-se

𝑓 (𝑛) 1 1
∑︁ ∑︁ 𝑓 (𝑘)
𝑔(𝑛) = 𝑠 , ℎ(𝑛) = 𝑠−𝑠 , ℎ′ (𝑡) = (𝑠0 − 𝑠) 𝑠−𝑠 +1 , e 𝐺 (𝑛) = 𝑔(𝑘) = (6.36)
𝑛0 𝑛 0 𝑡 0 𝑘 𝑠0
𝑘 ≤𝑛 𝑘 ≤𝑛

teremos que
𝑏
∑︁ ∫ 𝑏

𝑔(𝑛) · ℎ(𝑛) = 𝐺 (𝑏) · ℎ(𝑏) − 𝐺 (𝑎 − 1) · ℎ(𝑎) − 𝐺 (𝑡) · ℎ (𝑡)𝑑𝑡
𝑎
𝑛=𝑎
𝑏
∑︁ 𝑓 (𝑛) ∫ 𝑏
1 1 1 1
· = 𝐺 (𝑏) · − 𝐺 (𝑎 − 1) · − 𝐺 (𝑡) · (𝑠0 − 𝑠) 𝑑𝑡 (6.37)
𝑛𝑠
0
𝑛 𝑠−𝑠0 𝑏 𝑠−𝑠0 𝑎 𝑠−1−𝑠0 𝑎 𝑡 𝑠−𝑠0 +1
𝑛=𝑎
𝑏
∑︁ ∫ 𝑏
𝑓 (𝑛) 𝐺 (𝑏) 𝐺 (𝑎 − 1) 𝐺 (𝑡)
= 𝑠−𝑠 − − (𝑠0 − 𝑠) 𝑑𝑡.
𝑛𝑠 𝑏 0 (𝑎 − 1) 𝑠−𝑠0 𝑎 𝑡 𝑠−𝑠0 +1
𝑛=𝑎

Como por hipótese |𝐺 (𝑥)| ≤ 𝑀, para todo 𝑥 ≥ 1


𝑏
∑︁ ∫ 𝑏
𝑓 (𝑛) 𝐺 (𝑏) 𝐺 (𝑎 − 1)
≤ + + (𝑠0 − 𝑠) 𝐺 (𝑡)

𝑠 𝑏 𝑠−𝑠0 (𝑎 − 1) 𝑠−𝑠0 𝑑𝑡
𝑠−𝑠0 +1


𝑛=𝑎 𝑛 𝑎 𝑡
∫ 𝑏
𝑀 𝑀
≤ 𝜎−𝜎 + + 𝑀 |(𝑠0 − 𝑠)| 𝑡 −𝜎+𝜎0 −1 𝑑𝑡
𝑏 0 (𝑎 − 1) 𝜎−𝜎0 𝑎

2𝑀 |(𝑠 − 𝑠0 )| 1 1 (6.38)
≤ +𝑀 −
(𝑎 − 1) 𝜎−𝜎0 𝜎 − 𝜎0 𝑏 𝜎−𝜎0 𝑎 𝜎−𝜎0
2𝑀 |(𝑠 − 𝑠0 )| 𝑀
≤ +
(𝑎 − 1) 𝜎−𝜎 0 𝜎 − 𝜎0 (𝑎 − 1) 𝜎−𝜎0
 
2𝑀 |(𝑠 − 𝑠0 )|
≤ 1+ .
(𝑎 − 1) 𝜎−𝜎0 𝜎 − 𝜎0

Agora basta realizar a operação para 𝑎 + 1 ao invés de 𝑎, assim,


∑︁  
𝑓 (𝑛) 2𝑀 |𝑠 − 𝑠0 |
≤ 1+ . (6.39)

𝑛 𝑠 𝑎 𝜎−𝜎0 𝜎 − 𝜎0
𝑎<𝑛≤𝑏

No caso particular de 𝑠0 = 0 podemos reescrever o teorema anterior pelo próximo teorema.


Í
Teorema 6.14. Seja a soma parcial 𝑓 (𝑛) limitada, ou seja,

∑︁


𝑓 (𝑛) ≤ 𝑀 (6.40)
𝑛≤𝑥
6.3 Relação entre os semiplanos de convergência e convergência absoluta. 91

para todo 𝑥 ≥ 1. Então, para cada 𝑠 com 𝜎 > 0, temos:



∑︁  
𝑓 (𝑛) 2𝑀 |𝑠|
≤ 1+ . (6.41)

𝑛 𝑠 𝑎 𝜎 𝜎
𝑎<𝑛≤𝑏

Demonstração. Aplicação direta do Teorema 6.13. □

Ou seja, se a soma parcial de 𝑓 (𝑛) for limitada, então a série de Dirichlet converge. Logo

Teorema 6.15. Seja 𝑓 (𝑛) uma função aritmética. Se



∑︁


𝑓 (𝑛) ≤𝑀
(6.42)
𝑛≤𝑥

para todo 𝑥 ≥ 1, então a série de Dirichlet associada a 𝑓 (𝑛) converge e a convergência é


uniforme.

Demonstração. A convergência advêm da aplicação direta do Teorema 6.13. A uniformidade


fica clara, pois quando 𝑎 → ∞ a expressão pode ser reduzida indefinidamente até atender o
critério de convergência uniforme. □

Agora podemos claramente estudar a relação entre os planos de convergência. Note que as
abscissas não distam mais do que uma unidade.

Teorema 6.16. Para qualquer série de Dirichlet com 𝜎𝑐 finito temos,

0 ≤ 𝜎𝑎 − 𝜎𝑐 ≤ 1. (6.43)

𝑓 (𝑛)
Demonstração. Como a série converge para 𝜎𝑐 , então 𝑛 𝑠𝑐 é limitado superior e inferiormente.
Seja 𝑀 um limitante superior para o módulo e 𝑠 tal que 𝜎 > 𝜎𝑐 + 1. Logo,


𝑓 (𝑛) 1 𝑓 (𝑛) 𝑀
𝑛 𝑠 𝑛 𝑠−𝑠𝑐 𝑛 𝑠𝑐 ≤ 𝑛𝜎−𝜎𝑐 ,
= (6.44)

assim,

∑︁ ∞
∑︁
𝑓 (𝑛) 1
𝑛𝑠 ≤ 𝑀

𝑛𝜎−𝜎𝑐
𝑛=1 𝑛=1
∞ (6.45)
∑︁ 1
≤𝑀
𝑛𝑎
𝑛=1
6.4 Propriedades das Séries de Dirichlet 92

com 𝑎 > 1. Garantindo a convergência absoluta para todo 𝑠 tal que 𝜎 > 𝜎𝑐 + 1, logo 𝜎𝑎 >
𝜎𝑐 + 1. □

Após entender a convergência das séries de Dirichlet, exploraremos mais propriedades nos
próximos capítulos.

6.4 Propriedades das Séries de Dirichlet

As principais propriedades das Séries de Dirichlet são advindas da convergência uniforme


demonstrada no Teorema 6.15. Note que a essa propriedade também é garantida no interior de
um conjunto aberto sobre o plano complexo, desde que esteja totalmente contido no semiplano
de convergência.

A construção dessas propriedades requer o estudo de funções analíticas.

Definição 6.17 (Função analítica). Uma função 𝑓 (𝑧) é dita analítica em uma região 𝐶 do plano
complexo se 𝑓 (𝑧) tem derivada em todos os pontos e para cada 𝑧, 𝑓 (𝑧) possui valor único.

O próximo teorema sobre funções analíticas vai nos permitir estender o conceito de derivação
para as séries de Dirichlet.

Teorema 6.18. Seja { 𝑓𝑛 } uma sequência de funções analíticas sobre um aberto 𝐶 nos complexos
e suponha que { 𝑓𝑛 } converge uniformemente em todo subconjunto compacto de 𝐶 para a função
limite 𝑓 . Então 𝑓 é analítica em 𝐶 e a sequência de derivadas { 𝑓𝑛′ } converge uniformemente
em todo subconjunto compacto de 𝐶 para a 𝑓 ′.

Demonstração. Como 𝑓𝑛 é analítica podemos usar a integral de Cauchy



1 𝑓𝑛 (𝑧)
𝑓𝑛 (𝑎) = 𝑑𝑧 (6.46)
2𝜋𝑖 𝜕𝐷 𝑧 − 𝑎
na qual 𝐷 é um disco compacto qualquer em 𝐶, 𝜕𝐷 sua fronteira orientada positivamente e 𝑎
um ponto interior qualquer. Operando o limite para 𝑛 → ∞

1 𝑓𝑛 (𝑧)
lim 𝑓𝑛 (𝑎) = 𝑓 (𝑎) = lim 𝑑𝑧 (6.47)
𝑛→∞ 𝑛→∞ 2𝜋𝑖 𝜕𝐷 𝑧 − 𝑎

e pela convergência uniforme teremos que



1 𝑓 (𝑧)
𝑓 (𝑎) = 𝑑𝑧 (6.48)
2𝜋𝑖 𝜕𝐷 𝑧−𝑎
6.4 Propriedades das Séries de Dirichlet 93

o que implica que 𝑓 (𝑎) é analítica. Agora podemos fazer o mesmo para as derivadas, resultando
em
𝑓𝑛′ (𝑧)

1
𝑓𝑛′ (𝑎) = 𝑑𝑧 (6.49)
2𝜋𝑖 𝜕𝐷 𝑧−𝑎
e
𝑓𝑛′ (𝑧)

1
lim 𝑓 ′ (𝑎) = lim 𝑑𝑧. (6.50)
𝑛→∞ 𝑛 𝑛→∞ 2𝜋𝑖 𝜕𝐷 𝑧−𝑎

Portanto,
𝑓 ′ (𝑧)

1
lim 𝑓 ′ (𝑎)
= 𝑑𝑧 (6.51)
𝑛→∞ 𝑛 2𝜋𝑖 𝜕𝐷 𝑧 − 𝑎
o que nos permite mostrar que 𝑓𝑛′ (𝑎) converge uniformemente para 𝑓 ′ (𝑎) em todo compacto 𝐷
subconjunto de 𝐶, assim:
𝑓 ′ (𝑧)

′ 1
𝑓 (𝑎) = 𝑑𝑧. (6.52)
2𝜋𝑖 𝜕𝐷 𝑧−𝑎

Agora, sabendo-se que a convergência uniforme vale para as séries de Dirichlet na região
de convergência, podemos estabelecer a seguinte identidade.
Í 𝑓 (𝑛)
Teorema 6.19. A série de Dirichlet 𝐹 (𝑠) = 𝑛𝑠 é analítica no semiplano de convergência e
sua derivada é definida por

∑︁ 𝑓 (𝑛) ln(𝑛)
𝐹 ′ (𝑠) = − (6.53)
𝑛𝑠
𝑛=1

Demonstração. Basta aplicar o teorema 6.18 e derivar a soma termo a termo. Note que a
derivada é em 𝑠, ou seja,

∑︁ ∞
∑︁  ∞
 ∑︁  
𝑑 𝑑 𝑓 (𝑛) 𝑑 𝑓 (𝑛) 𝑑 1
𝐹 (𝑠) = = = 𝑓 (𝑛)
𝑑𝑠 𝑑𝑠 𝑛𝑠 𝑑𝑠 𝑛 𝑠 𝑑𝑠 𝑛 𝑠
𝑛=1 𝑛=1 𝑛=1

∑︁ 𝑓 (𝑛) ln(𝑛)
=− (6.54)
𝑛𝑠
𝑛=1

𝑓 ′ (𝑛)
∑︁
=−
𝑛𝑠
𝑛=1

na qual 𝑓 ′ (𝑛) = ln(𝑛) 𝑓 (𝑛) é a derivada da função aritmética, por definição. □

Note que a derivada 𝑘−ésima é dada por



∑︁
𝑑𝑘 𝑓 (𝑛)(ln(𝑛)) 𝑘
𝐹 (𝑠) = 𝐹 (𝑘) (𝑠) = (−1) 𝑘 (6.55)
𝑑𝑠 𝑘 𝑛𝑠
𝑛=1
6.5 Forma exponencial da série de Dirichlet 94

para 𝜎 > 𝜎𝑐 .

6.5 Forma exponencial da série de Dirichlet

Com a definição de derivada em mãos podemos escrever a série de Dirichlet no formato


exponencial.
Í
Teorema 6.20. Seja 𝐹 (𝑠) = 𝑓 (𝑛)/𝑛 𝑠 absolutamente convergente, ou seja, 𝜎 > 𝜎𝑎 e assuma
que 𝑓 (1) ≠ 0. Se 𝐹 (𝑠) ≠ 0 para 𝜎 > 𝜎0 ≥ 𝜎𝑎 então para 𝜎 > 𝜎0

∑︁ 𝑓 (𝑛)
𝐹 (𝑠) = = 𝑒 𝐺 (𝑠) (6.56)
𝑛𝑠
𝑛=1

e

𝑓 ′ ∗ 𝑓 −1 (𝑛)
∑︁
𝐺 (𝑠) = ln( 𝑓 (1)) + . (6.57)
ln(𝑛)𝑛 𝑠
𝑛=2

Demonstração. Como 𝐹 (𝑠) ≠ 0 é possível escrever 𝐹 (𝑠) = 𝑒 𝐺 (𝑠) . Vamos explicitar 𝐺 (𝑠).
Derivando 𝐹 (𝑠)

′ 𝐺 (𝑠) ′ ′ 𝐹 ′ (𝑠)

𝐹 (𝑠) = 𝑒 𝐺 (𝑠) = 𝐹 (𝑠)𝐺 (𝑠) =⇒ 𝐺 (𝑠) = . (6.58)
𝐹 (𝑠)

Pelo Teorema 6.10 concluímos que


∞ ∞
𝑓 ′ (𝑛) 𝑓 −1 (𝑛)
1
∑︁ ∑︁
𝐺 ′ (𝑠) = 𝐹 ′ (𝑠) =−
𝐹 (𝑠) 𝑛𝑠 𝑛𝑠
𝑛=1 𝑛=1

𝑓 ′ ∗ 𝑓 −1 (𝑛)
∑︁
=− (6.59)
𝑛𝑠
𝑛=1

𝑓 ′ ∗ 𝑓 −1 (𝑛)
∑︁
=−
𝑛𝑠
𝑛=2

pois para 𝑓 ′ (1) = ln(1) ∗ 𝑓 (1) = 0. Integrando-se a expressão anterior, temos



𝑓 ′ ∗ 𝑓 −1 (𝑛)
∑︁
𝐺 (𝑠) = 𝐶 + , (6.60)
ln(𝑛)𝑛 𝑠
𝑛=2

na qual 𝐶 representa uma das possíveis soluções na família de respostas. Lembre que

lim 𝐹 (𝜎 + 𝑖𝑡) = 𝑓 (1) = 𝑒𝐶 =⇒ 𝐶 = ln( 𝑓 (1)). (6.61)


𝜎→∞
6.6 Valor médio das séries de Dirichlet 95

Uma maneira alternativa de escrever o teorema anterior para funções completamente mul-
tiplicativas, 𝑓 (1) = 0, segue:
∑︁ 𝑛 𝑛
′ −1
𝑓 ∗𝑓 (𝑛) = ln(𝑑) 𝑓 (𝑑)𝜇 𝑓
𝑑 𝑑
𝑑|𝑛
∑︁ 𝑛 𝑛
= ln 𝑓 𝜇(𝑑) 𝑓 (𝑑)
𝑑 𝑑
𝑑|𝑛
∑︁ 𝑛 𝑛 (6.62)
= 𝜇(𝑑) ln 𝑓 𝑓 (𝑑)
𝑑 𝑑
𝑑|𝑛
∑︁ 𝑛
= 𝜇(𝑑) ln 𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑛)Λ(𝑛).
𝑑
𝑑|𝑛

Deste modo,

∑︁ 𝑓 (𝑛)Λ(𝑛)
𝐺 (𝑠) = . (6.63)
ln(𝑛)𝑛 𝑠
𝑛=2
Se 𝑓 (𝑛) = 1 teremos,

∑︁ ∞
1 Í∞ Λ(𝑛) ∑︁ Λ(𝑛)
=𝑒 𝑛=2 ln(𝑛)𝑛𝑠 =⇒ ln(𝜁 (𝑠)) = . (6.64)
𝑛𝑠 𝑛=2
ln(𝑛)𝑛 𝑠
𝑛=1

6.6 Valor médio das séries de Dirichlet

Assim com fizemos com as funções aritméticas, enunciaremos o valor médio das séries de
Dirichlet.
Í Í
Teorema 6.21. Sejam duas séries de Dirichlet 𝐹 (𝑠) = 𝑓 (𝑛)/𝑛 𝑠 e 𝐺 (𝑠) = 𝑔(𝑛)/𝑛 𝑠 com
abscissas de convergência absoluta 𝜎𝑎 𝑓 e 𝜎𝑎 𝑔 . Para 𝑎 > 𝜎𝑎 𝑓 e 𝑏 > 𝜎𝑎 𝑔 , temos

∫ ∞
∑︁
𝑇
1 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛)
lim 𝐹 (𝑎 + 𝑖𝑡)𝐺 (𝑏 − 𝑖𝑡)𝑑𝑡 = (6.65)
𝑇→∞ 2𝑇 −𝑇 𝑛𝑎+𝑏
𝑛=1

Demonstração. Primeiro note que o integrando é absolutamente convergente, pois



∑︁ ∞
∑︁ ∞
∑︁ ∞
∑︁
𝑓 (𝑛) 𝑔(𝑛) | 𝑓 (𝑛)| |𝑔(𝑛)|
≤ (6.66)
𝑛𝑎+𝑖𝑡 𝑛 𝑏−𝑖𝑡 𝑛𝑎 𝑛𝑏
𝑛=1 𝑛=1 𝑛=1 𝑛=1
6.6 Valor médio das séries de Dirichlet 96

e 𝑓 (𝑛) e 𝑔(𝑛) são absolutamente convergentes. Agora separaremos o integrando em duas partes,
uma estritamente real e outra complexa da seguinte forma:

∑︁ ∞
∑︁
𝑓 (𝑛) 𝑔(𝑛)
𝐹 (𝑎 + 𝑖𝑡)𝐺 (𝑏 − 𝑖𝑡) =
𝑛𝑎+𝑖𝑡 𝑛 𝑏−𝑖𝑡
𝑛=1 𝑛=1
∞ ∞
∑︁ ∑︁ ∞ ∑︁
∑︁ ∞
𝑓 (𝑛)𝑔(𝑚) 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑚)  𝑚  𝑖𝑡
= = (6.67)
𝑛𝑎+𝑖𝑡 𝑚 𝑏−𝑖𝑡 𝑛𝑎 𝑚 𝑏 𝑛
𝑛=1 𝑚=1 𝑛=1 𝑚=1
∞ ∞ ∑︁
∑︁ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) ∑︁ ∞
𝑓 (𝑛)𝑔(𝑚)  𝑚  𝑖𝑡
= + .
𝑛𝑎+𝑏 𝑛𝑎 𝑚 𝑏 𝑛
𝑛=1 𝑛=1 𝑚=1
𝑚≠𝑛

Integrando a expressão anterior,


∫ ∫ ∞
∑︁ ∞ ∑︁
∑︁ ∞
𝑇 𝑇
1 1 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑚)  𝑚  𝑖𝑡
𝐹 (𝑎 + 𝑖𝑡)𝐺 (𝑏 − 𝑖𝑡)𝑑𝑡 = + 𝑑𝑡
2𝑇 −𝑇 2𝑇 −𝑇 𝑛𝑎+𝑏 𝑛𝑎 𝑚 𝑏 𝑛
𝑛=1 𝑛=1 𝑚=1
𝑚≠𝑛

∑︁ ∫ ∞ ∞
∑︁ ∑︁ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑚)  𝑚  𝑖𝑡
𝑇
𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) 1
= + 𝑑𝑡 (6.68)
𝑛𝑎+𝑏 2𝑇 −𝑇 𝑛𝑎 𝑚 𝑏 𝑛
𝑛=1 𝑛=1 𝑚=1
𝑚≠𝑛

∑︁ ∞ ∑︁
∑︁ ∞ ∫ 𝑇
𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑚) 1  𝑚  𝑖𝑡
= + 𝑑𝑡.
𝑛𝑎+𝑏 𝑛𝑎 𝑚 𝑏 2𝑇 −𝑇 𝑛
𝑛=1 𝑛=1 𝑚=1
𝑚≠𝑛

Observe que 𝑇 aparece apenas em uma das parcelas da expressão. Resolveremos separada-
mente o termo dependente. Dessa forma note que

𝑒𝑖𝑇 ln ( 𝑛 ) 𝑒 −𝑖𝑇 ln ( 𝑛 ) 2sen 𝑇 ln


∫ 𝑇  𝑚  𝑖𝑡 ∫ 𝑇 𝑚 𝑚 𝑚

𝑖𝑡 ln ( 𝑚
𝑛)
𝑛
𝑑𝑡 = 𝑒 𝑑𝑡 =  −  =  (6.69)
−𝑇 𝑛 −𝑇 𝑖 ln 𝑚𝑛 𝑖 ln 𝑚𝑛 ln 𝑚𝑛

e assim, como 𝑚 ≠ 𝑛 e no limite


∫ 𝑇   𝑖𝑡 𝑚

1 𝑚 1 2sen 𝑇 ln 𝑛
lim 𝑑𝑡 = lim  = 0. (6.70)
𝑇→∞ 2𝑇 −𝑇 𝑛 𝑇→∞ 2𝑇 ln 𝑚𝑛

No caso particular podemos reescrever o teorema anterior da seguinte forma.


Í
Corolário 6.22. Seja a série de Dirichlet 𝐹 (𝑠) = 𝑓 (𝑛)/𝑛 𝑠 com abscissa de convergência
6.6 Valor médio das séries de Dirichlet 97

absoluta 𝜎𝑎 . Para 𝜎 > 𝜎𝑎 , temos


∫ ∞
∑︁
𝑇
1 | 𝑓 (𝑛)| 2
lim |𝐹 (𝜎 + 𝑖𝑡)| 2 𝑑𝑡 = . (6.71)
𝑇→∞ 2𝑇 −𝑇 𝑛2𝜎
𝑛=1

Demonstração. Basta usar o teorema anterior com admitindo que 𝐺 é o complexo conjugado
de 𝐹. □

Como exemplos, se 𝜎 > 1 temos alguns exemplos:

Se 𝐹 = 𝐺 = 𝜁 (𝑛)
∫ ∞
∑︁
𝑇
1 1
lim |𝜁 (𝜎 + 𝑖𝑡)| 2 𝑑𝑡 = = 𝜁 (2𝜎) (6.72)
𝑇→∞ 2𝑇 −𝑇 𝑛2𝜎
𝑛=1

Se 𝐹 = 𝐺 = 𝜁 (𝑘) (𝑛)
∫ ∞
∑︁
1 𝑇
ln2𝑘 (𝑛)
lim |𝜁 (𝑘) (𝜎 + 𝑖𝑡)| 2 𝑑𝑡 = = 𝜁 (2𝑘) (2𝜎) (6.73)
𝑇→∞ 2𝑇 −𝑇 𝑛2𝜎
𝑛=1

A integral do valor médio da série de Dirichlet de 𝑓 (𝑛) pode ser usada para recuperar os
termos da série 𝑓 (𝑛) da seguinte forma:
Í
Teorema 6.23. Seja a série de Dirichlet 𝐹 (𝑠) = 𝑓 (𝑛)/𝑛 𝑠 com abscissa de convergência
absoluta 𝜎𝑎 e 𝜎 > 𝜎𝑎 . Então podemos recuperar os termos de 𝑓 (𝑛) resolvendo a seguinte
integral ∫ 𝑇
1
𝑓 (𝑛) = lim 𝐹 (𝑠)𝑛 𝑠 𝑑𝑡. (6.74)
𝑇→∞ 2𝑇 −𝑇

Demonstração. Desenvolvendo a integral anterior,


∫ 𝑇 ∫
1 𝜎+𝑖𝑡 𝑛𝜎 𝑇
𝐹 (𝜎 + 𝑖𝑡)𝑛 𝑑𝑡 = 𝐹 (𝜎 + 𝑖𝑡)𝑛𝑖𝑡 𝑑𝑡
2𝑇 −𝑇 2𝑇 −𝑇
∫ ∑︁ ∞
𝑛𝜎 𝑇 𝑓 (𝑘)  𝑛  𝑖𝑡
= 𝑑𝑡
2𝑇 −𝑇 𝑘𝜎 𝑘
𝑘=1

∑︁
𝑛 𝜎∫ 𝑇
𝑓 (𝑛) 𝑛𝜎
∫ 𝑇
𝑓 (𝑘)  𝑛  𝑖𝑡 (6.75)
= 𝑑𝑡 + 𝑑𝑡
2𝑇 −𝑇 𝑛𝜎 2𝑇 −𝑇 𝑘𝜎 𝑘
𝑘=1
𝑘≠𝑛

∑︁ ∫ 𝑇
𝑛𝜎 𝑓 (𝑘)  𝑛  𝑖𝑡
= 𝑓 (𝑛) + 𝑑𝑡.
2𝑇 𝑘𝜎 −𝑇 𝑘
𝑘=1
𝑘≠𝑛
6.6 Valor médio das séries de Dirichlet 98

A integral que aparece na expressão anterior já foi resolvida na Equação 6.69 e para todo 𝑘
diferente de 𝑛, temos:
∫ ∞
∑︁ ∫
𝑇 𝑇
1 𝜎+𝑖𝑡 𝑛𝜎 𝑓 (𝑘)  𝑛  𝑖𝑡
lim 𝐹 (𝜎 + 𝑖𝑡)𝑛 𝑑𝑡 = 𝑓 (𝑛) + lim 𝑑𝑡 = 𝑓 (𝑛). (6.76)
𝑇→∞ 2𝑇 −𝑇 𝑇→∞ 2𝑇 𝑘𝜎 −𝑇 𝑘
𝑘=1
𝑘≠𝑛

Agora que conseguimos recuperar a série 𝑓 (𝑛) da série de Dirichlet 𝐹 (𝑠) mostraremos
como recuperar a soma parcial de 𝑓 (𝑛) por meio da série de Dirichlet. Para tal enunciaremos o
seguinte teorema.

Teorema 6.24. Seja 𝑐 > 0 e para qualquer 𝑎 positivo real teremos:



1 se 𝑎 > 1,


∫ 

𝑐+𝑖𝑇 
1 𝑑𝑧 

lim 𝑎𝑧 = 12 se 𝑎 = 1, (6.77)
2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 


 0 se 0 < 𝑎 < 1.


Mais ainda, para qualquer 𝑇,


∫ 𝑐+𝑖𝑇
1 𝑧 𝑑𝑧 𝑎𝑐

2𝜋𝑖 𝑎 − 1 ≤
𝜋𝑇 ln(𝑎) , se 𝑎 > 1
𝑐−𝑖𝑇 𝑧
∫ 𝑐+𝑖𝑇
1 𝑧 𝑑𝑧 1 𝑐

2𝜋𝑖 𝑎 − ≤ , se 𝑎 = 1 (6.78)
𝑐−𝑖𝑇 𝑧 2 𝜋𝑇
∫ 𝑐+𝑖𝑇
1 𝑧 𝑑𝑧
≤ 𝑎𝑐

2𝜋𝑖 𝑎 , se 0 < 𝑎 < 1.
𝑐−𝑖𝑇 𝑧 𝜋𝑇 ln(1/𝑎)

Demonstração. Se 0 < 𝑎 < 1, como 𝑐 > 0 então para todo 𝑏 > 𝑐 não há polos no contorno
𝑐 − 𝑖𝑇 → 𝑐 + 𝑖𝑇 → 𝑏 + 𝑖𝑇 → 𝑏 − 𝑖𝑇 → 𝑐 − 𝑖𝑇, logo
∫ 𝑐+𝑖𝑇 ∫ 𝑏+𝑖𝑇 ∫ 𝑏−𝑖𝑇 ∫ 𝑐−𝑖𝑇
+ + + = 0. (6.79)
𝑐−𝑖𝑇 𝑐+𝑖𝑇 𝑏+𝑖𝑇 𝑏−𝑖𝑇
6.6 Valor médio das séries de Dirichlet 99

Assim,
∫ 𝑐+𝑖𝑇
∫ 𝑏−𝑖𝑇 ∫ 𝑏+𝑖𝑇 ∫ 𝑐+𝑖𝑇
𝑧 𝑑𝑧 𝑑𝑧 𝑑𝑧 𝑑𝑧
𝑧 𝑧 𝑧

𝑎 = 𝑎 + 𝑎 + 𝑎

𝑐−𝑖𝑇 𝑧 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 𝑏−𝑖𝑇 𝑧 𝑏+𝑖𝑇 𝑧
∫ 𝑏−𝑖𝑇 ∫ 𝑏+𝑖𝑇 ∫ 𝑐+𝑖𝑇
𝑧 𝑑𝑧 𝑧 𝑑𝑧 𝑧 𝑑𝑧

≤ 𝑎 + 𝑎 + 𝑎
𝑐−𝑖𝑇 𝑧 𝑏−𝑖𝑇 𝑧 𝑏+𝑖𝑇 𝑧
∫ 𝑏 𝑏
∫ 𝑇
∫ 𝑏
𝑧 𝑑𝑧 𝑎 𝑖𝑧 𝑑𝑧 𝑑𝑧
≤ 𝑎 + 𝑎 + 𝑎𝑧 (6.80)
𝑐 𝑇 𝑏 −𝑇 1 + 𝑖𝑧/𝑏
𝑐 𝑇
∫ ∞ 𝑏
∫ 𝑇
2 𝑎
≤ 𝑎 𝑧 𝑑𝑧 + 𝑑𝑧
𝑇 𝑐 𝑏 −𝑇
2 −𝑎 𝑐 2𝑇 𝑎 𝑏
≤ + .
𝑇 ln(𝑎) 𝑏

Fazendo 𝑏 → ∞ temos:

1 𝑐+𝑖𝑇 𝑧 𝑑𝑧 −𝑎 𝑐 𝑎𝑐
𝑎 ≤ = . (6.81)
2𝜋 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 𝜋𝑇 ln(𝑎) 𝜋𝑇 ln(1/𝑎)

Se 𝑎 > 1, como 𝑐 > 0 então para todo 𝑏 > 𝑐 há apenas 1 polo no contorno 𝑐 − 𝑖𝑇 → 𝑐 + 𝑖𝑇 →
−𝑏 +𝑖𝑇 → −𝑏 −𝑖𝑇 → 𝑐 −𝑖𝑇. Esse polo é em 0 com resíduo 1, pois 𝑎 𝑧 = 𝑒 𝑧 ln(𝑎) = 1+ 𝑧 ln(𝑎) +𝑂 (𝑧2 )
em torno de 𝑧 = 0. Logo,
∫ 𝑐+𝑖𝑇 ∫ −𝑏+𝑖𝑇 ∫ −𝑏−𝑖𝑇 ∫ 𝑐−𝑖𝑇
+ + + = 1, (6.82)
𝑐−𝑖𝑇 𝑐+𝑖𝑇 −𝑏+𝑖𝑇 −𝑏−𝑖𝑇

e assim,
−𝑏−𝑖𝑇 −𝑏+𝑖𝑇
∫ 𝑐+𝑖𝑇
∫ ∫ ∫ 𝑐+𝑖𝑇

𝑧 𝑑𝑧 𝑧 𝑑𝑧 𝑧 𝑑𝑧 𝑧 𝑑𝑧

𝑎 − 1 = + 𝑎 𝑎 + 𝑎

𝑐−𝑖𝑇 𝑧 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 −𝑏−𝑖𝑇 𝑧 −𝑏+𝑖𝑇 𝑧
(6.83)
2 𝑎𝑐 2𝑇 𝑎 −𝑏
≤ + .
𝑇 ln(𝑎) 𝑏
usando-se dos mesmos artifícios anteriores. Ao fazer 𝑏 → ∞ temos

1 𝑐+𝑖𝑇 𝑧 𝑑𝑧 𝑎𝑐 𝑎𝑐
𝑎 ≤ = . (6.84)
2𝜋 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 𝜋𝑇 ln(𝑎) 𝜋𝑇 ln(𝑎)

Se 𝑎 = 1,
∫ 𝑐+𝑖𝑇 ∫ 𝑇 ∫ 𝑇 ∫ 𝑇
𝑑𝑧 𝑖 𝑖(𝑐 − 𝑖𝑥) 𝑖𝑐 + 𝑥
= 𝑑𝑥 = 𝑑𝑥 = 𝑑𝑥
−𝑇 𝑐 + 𝑖𝑥 −𝑇 (𝑐 + 𝑖𝑥)(𝑐 − 𝑖𝑥) −𝑇 𝑐 + 𝑥
𝑧 2 2
𝑐−𝑖𝑇
∫ 𝑇 ∫ 𝑇 ∫ 𝑇
1 𝑥 1
= 𝑖𝑐 𝑑𝑥 + 𝑑𝑥 = 2𝑖𝑐 𝑑𝑥 + 0 (6.85)
−𝑇 𝑐 + 𝑥 −𝑇 𝑐 + 𝑥 0 𝑐 +𝑥
2 2 2 2 2 2
 
𝑇
= 2𝑖 arctan ,
𝑐
6.6 Valor médio das séries de Dirichlet 100

então
∫ 𝑐+𝑖𝑇     𝑐
1 𝑑𝑧 2𝑖 𝑇 1 𝑇 1 1
= arctan = arctan = − arctan , (6.86)
2𝜋𝑖 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 2𝜋𝑖 𝑐 𝜋 𝑐 2 𝜋 𝑇

e deste modo:
∫ 𝑐+𝑖𝑇
 𝑐 
1 𝑑𝑧 1 1
− = arctan ≤ 𝑐 . (6.87)
2𝜋𝑖 𝑧 2 𝜋 𝑇 𝜋𝑇
𝑐−𝑖𝑇

Finalmente podemos enunciar a fórmula de Perron, que nos permitirá recuperar a soma
parcial de uma série conhecendo apenas sua série de Dirichlet.
Í∞
Teorema 6.25 (Fórmula de Perron). Seja 𝐹 (𝑠) = 𝑛=1 𝑓 (𝑛)/𝑛 𝑠 absolutamente convergente para
𝜎 > 𝜎𝑎 , 𝑐 > 0 e 𝑥 > 0 reais. Então se 𝜎 > 𝜎𝑎 − 𝑐 temos:
∑︁ 𝑓 (𝑛) ∫ 𝑐+𝑖𝑇  
1 1 ⌊𝑥⌋ 𝑓 (𝑥)
𝑧 𝑑𝑧
= lim 𝐹 (𝑠 + 𝑧)𝑥 − . (6.88)
𝑛𝑠 2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 2 𝑥 𝑥𝑠
𝑛<𝑥

Demonstração. Como 𝐹 (𝑠 + 𝑧) é absolutamente convergente podemos reordenar a seguinte


soma:
∫ ∫ ∞
∑︁
𝑐+𝑖𝑇 𝑐+𝑖𝑇
1 𝑑𝑧 1 𝑓 (𝑛) 𝑑𝑧
lim 𝐹 (𝑠 + 𝑧)𝑥 𝑧 = lim 𝑥𝑧
2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑐−𝑖𝑇 𝑛 𝑠+𝑧 𝑧
𝑛=1
∞ (6.89)
1
∑︁ 𝑓 (𝑛)
∫ 𝑐+𝑖𝑇
𝑥 𝑑𝑧
= lim .
2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑛𝑠 𝑐−𝑖𝑇 𝑛𝑧 𝑧
𝑛=1

Note que a soma pode ser dividida em 3 somas, uma somando os termos menores do que 𝑥,
outra somando os termos maiores do que 𝑥 e uma terceira para quando 𝑛 = 𝑥, então

∑︁ ∫ ∑︁ ∑︁ ∑︁ ∫
𝑐+𝑖𝑇 𝑐+𝑖𝑇
1 𝑓 (𝑛) 𝑥 𝑑𝑧 1 ª 𝑓 (𝑛) 𝑥 𝑑𝑧
= + +
©
lim lim ­ ® 𝑠 . (6.90)
2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑛𝑠 𝑐−𝑖𝑇
𝑧
𝑛 𝑧 2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑛 𝑐−𝑖𝑇 𝑛𝑧 𝑧
𝑛=1 « 𝑛<𝑥 𝑛=𝑥 𝑛>𝑥 ¬
Como 𝑥 admite qualquer valor real, usaremos a função piso para zerar tal termo quando 𝑥 não
for inteiro e os resultados do Teorema 6.24 para resolver as integrais, assim,

∑︁ ∫ ∑︁ 𝑓 (𝑛) ∑︁ 𝑓 (𝑛) ∑︁ 𝑓 (𝑛)
𝑐+𝑖𝑇
1 𝑓 (𝑛) 𝑥 𝑑𝑧 1
lim =1 + +0
2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑛𝑠 𝑐−𝑖𝑇 𝑛𝑧 𝑧 𝑛𝑠 2 𝑛𝑠 𝑛𝑠
𝑛=1 𝑛<𝑥 𝑛=𝑥 𝑛>𝑥
∑︁ 𝑓 (𝑛) 1  ⌊𝑥⌋  (6.91)
𝑓 (𝑥)
= + .
𝑛𝑠 2 𝑥 𝑥𝑠
𝑛<𝑥
6.6 Valor médio das séries de Dirichlet 101

Para o caso particular de 𝑠 = 0 podemos recuperar a soma parcial de 𝑓 (𝑛) ao invés da soma
parcial de sua série de Dirichlet da seguinte forma:
Í∞
Corolário 6.26. Seja 𝐹 (𝑠) = 𝑛=1 𝑓 (𝑛)/𝑛 𝑠 absolutamente convergente para 𝜎 > 𝜎𝑎 , 𝑐 > 0 e
𝑥 > 0 real. Então se 𝜎 > 𝜎𝑎 − 𝑐 e 𝑠 = 0, temos:
∑︁ ∫ 𝑐+𝑖𝑇  
1 1 ⌊𝑥⌋
𝑧 𝑑𝑧
𝑓 (𝑛) = lim 𝐹 (𝑧)𝑥 − 𝑓 (𝑥) (6.92)
2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 2 𝑥
𝑛<𝑥

Mais ainda, e 𝑥 for inteiro e 𝑠 = 0 vale o seguinte corolário.


Í∞
Corolário 6.27. Seja 𝐹 (𝑠) = 𝑛=1 𝑓 (𝑛)/𝑛 𝑠 absolutamente convergente para 𝜎 > 𝜎𝑎 , 𝑐 > 0 e
𝑥 > 0 inteiro. Então se 𝜎 > 𝜎𝑎 − 𝑐 e 𝑠 = 0, temos:
∑︁ 1
∫ 𝑐+𝑖𝑇
𝑑𝑧 1
𝑓 (𝑛) = lim 𝐹 (𝑧)𝑥 𝑧 − 𝑓 (𝑥), (6.93)
2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 2
𝑛<𝑥

ou ainda,
∑︁ 1
∫ 𝑐+𝑖𝑇
𝑑𝑧 1
𝑓 (𝑛) = lim 𝐹 (𝑧)𝑥 𝑧 + 𝑓 (𝑥). (6.94)
2𝜋𝑖 𝑇→∞ 𝑐−𝑖𝑇 𝑧 2
𝑛≤𝑥

O que termina este capítulo mostrando que podemos usar as séries de Dirichlet para calcular
somas parciais ou recuperar termos de 𝑓 (𝑛). Após entender as Séries de Dirichlet e produtos
de Euler, assim como suas regiões de convergência, valores médios e outras propriedades
introduziremos novas funções, as L de Dirichlet.
Capítulo 7
Função 𝑳 de Dirichlet e zeta de Hurwitz

A função 𝐿 de Dirichlet é apenas a série de Dirichlet aplicada aos caráteres de Dirichlet.

Definição 7.1. A função 𝐿 de Dirichlet é definida por



𝑘, 𝑗 (𝑛)
∑︁ 𝜒
𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠) = (7.1)
𝑛𝑠
𝑛=1

para todo 𝑠 tal que 𝜎 > 1.

Note que a função 𝐿 de Dirichlet é definida sobre os caráteres de Dirichlet na classe de


resíduo módulo 𝑘, ou seja, para todo 𝑛 = 𝑞𝑘 + 𝑟 tal que 1 ≤ 𝑟 ≤ 𝑘 e 𝑞 inteiro. Deste modo

𝑘 ∑︁
(𝑞𝑘 + 𝑟)
∑︁ 𝜒 𝑘, 𝑗
𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠) =
(𝑞𝑘 + 𝑟) 𝑠
𝑟=1 𝑞=0

𝑘 ∑︁
𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟)
∑︁
= (7.2)
(𝑞𝑘 + 𝑟) 𝑠
𝑟=1 𝑞=0
𝑘
∑︁ ∞
∑︁
1 1
= 𝑠 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟) 𝑠 .
𝑘 𝑞 + 𝑘𝑟
𝑟=1 𝑞=0

Na expressão anterior observamos a função zeta de Hurwitz (Definição 2.28) levando a


seguinte relação:
𝑘
∑︁
1  𝑟
𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠) = 𝑠 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟)𝜁 𝑠, . (7.3)
𝑘 𝑘
𝑟=1

No Teorema 2.63 vemos uma indicação da relação entre a função gama e a função zeta de
7 Função 𝐿 de Dirichlet e zeta de Hurwitz 103

Hurwitz e aqui com a 𝐿 de Dirichlet. No entanto, naquela ocasião não cobrimos a convergência.
Por esse motivo vamos re-enunciar os Teoremas 2.63 e 2.61.

Teorema 7.2. Para 𝜎 > 1 temos



𝑥 𝑠−1 𝑒 −𝑎𝑥

Γ(𝑠)𝜁 (𝑠, 𝑎) = 𝑑𝑥. (7.4)
0 1 − 𝑒 −𝑥
Em particular para 𝑎 = 1

𝑥 𝑠−1 𝑒 −𝑥

Γ(𝑠)𝜁 (𝑠) = 𝑑𝑥. (7.5)
0 1 − 𝑒 −𝑥

Demonstração. De fato já fizemos a demonstração para 𝑠 real (Teoremas 2.63 e 2.61). Estende-
remos para todos os complexos tais que 𝜎 > 1. Seja 1 + 𝛿 ≤ 𝜎 ≤ 𝑐 no qual 𝑐 > 1 e 𝛿 > 0, assim:
∫ ∞ 𝑠−1 −𝑎𝑥 ∫ ∞ 𝜎−1 −𝑎𝑥
𝑥 𝑒 𝑥 𝑒
𝑑𝑥 ≤ 𝑑𝑥
1 − 𝑒 −𝑥 1 − 𝑒 −𝑥
0 0
∫ 1 𝜎−1 −𝑎𝑥 ∫ ∞ 𝜎−1 −𝑎𝑥 (7.6)
𝑥 𝑒 𝑥 𝑒
≤ 𝑑𝑥 + 𝑑𝑥.
0 1 − 𝑒 −𝑥 1 1 − 𝑒 −𝑥

Se 0 ≤ 𝑥 ≤ 1 temos que 𝑥 𝜎−1 ≤ 𝑥 𝛿 . Para 𝑥 ≤ 0 temos que 𝑒 𝑥 − 1 ≥ 𝑥, então:

𝑥 𝜎−1 𝑒 −𝑎𝑥 𝑥 𝜎−1 𝑒 −𝑎𝑥


∫ 1 ∫ 1 ∫ 1 𝛿 (1−𝑎)𝑥
𝑥 𝑒
𝑑𝑥 = 𝑑𝑥 ≤ 𝑑𝑥
0 1 − 𝑒 −𝑥 −𝑥
0 𝑒 (𝑒 − 1)
𝑥
0 𝑒𝑥 − 1
∫ 1 𝛿 (1−𝑎)𝑥 ∫ 1
𝑥 𝑒
≤ 𝑑𝑥 ≤ 𝑥 𝛿−1 𝑒 (1−𝑎)𝑥 𝑑𝑥 (7.7)
0 𝑥 0
𝑒 (1−𝑎)
∫ 1
≤ 𝑒 (1−𝑎) 𝑥 𝛿−1 𝑑𝑥 ≤ .
0 𝛿

Se 𝑥 ≥ 1 temos que 𝑥 𝜎−1 ≤ 𝑥 𝑐−1 , então:


∫ ∞ 𝜎−1 −𝑎𝑥 ∫ ∞ 𝑐−1 −𝑎𝑥
𝑥 𝑒 𝑥 𝑒
−𝑥
𝑑𝑥 ≤ 𝑑𝑥 = Γ(𝑐)𝜁 (𝑐, 𝑎), (7.8)
1 1−𝑒 1 1 − 𝑒 −𝑥

o que garante a convergência uniforme da expressão 7.4 para a faixa definida pelo intervalo
1 + 𝛿 ≤ 𝜎 ≤ 𝑐. □

Por continuidade analítica a convergência uniforme é valida para o semiplano definido para
𝜎 > 1. Agora, como estender essa função para além desse plano?
7.1 Representação por integral de contorno da função zeta de Hurwitz 104

7.1 Representação por integral de contorno da função zeta


de Hurwitz

Para estender a função para além do plano 𝜎 > 1 temos que usar uma função I (𝑠, 𝑎) que é
uma integral de contorno sobre os complexos. Para definir esse contorno usaremos a variável
auxiliar 𝑧 = 𝑟 · 𝑒 𝜋𝑖 , parametrizando o plano complexo na forma polar.

Teorema 7.3. Seja 0 < 𝑎 ≤ 1 e a função definida pela integral de contorno


∫ 𝑠−1 𝑎𝑧
1 𝑧 𝑒
I (𝑠, 𝑎) = 𝑑𝑧. (7.9)
2𝜋𝑖 𝐶 1 − 𝑒 𝑧
Se 𝜎 > 1 então
𝜁 (𝑠, 𝑎) = Γ(1 − 𝑠)I (𝑠, 𝑎), (7.10)

com 𝐶 definido por 3 regiões 𝐶1 , 𝐶2 e 𝐶3 tal que,

𝐶1 é tal que 𝑧 = 𝑟 · 𝑒 −𝜋𝑖 com −∞ < 𝑟 < 𝑐

𝐶2 é tal que 𝑧 = 𝑐 · 𝑒 𝜃𝑖 com −𝜋 < 𝜃 < 𝜋

𝐶3 é tal que 𝑧 = 𝑟 · 𝑒 𝜋𝑖 com 𝑐 < 𝑟 < ∞

para 𝑐 → 0. Note que 𝐶 percorre o plano complexo em sentido anti-horário contornando o


zero.

Demonstração. Mostraremos que a integral é analítica em todo plano. Note que


∫ 𝑠−1 𝑎𝑧
𝑧 𝑒
2𝜋𝑖I (𝑠, 𝑎) = 𝑑𝑧
𝐶 1−𝑒
𝑧
∫ 𝑠−1 𝑎𝑧 ∫ 𝑠−1 𝑎𝑧 ∫ 𝑠−1 𝑎𝑧
𝑧 𝑒 𝑧 𝑒 𝑧 𝑒
= 𝑑𝑧 + 𝑑𝑧 + 𝑑𝑧
𝐶1 1 − 𝑒 𝐶2 1 − 𝑒 𝐶3 1 − 𝑒
𝑧 𝑧 𝑧
∫ ∞
(𝑟𝑒 −𝜋𝑖 ) 𝑠−1 𝑒 𝑎𝑟 −𝜋𝑖
∫ 𝑐 ∫ 𝜋 𝑠−1 𝑎𝑧 𝜃
𝑧𝜃 𝑒 𝜃𝑖 (𝑟𝑒 𝜋𝑖 ) 𝑠−1 𝑒 𝑎𝑟 𝜋𝑖
= 𝑒 𝑑𝑟 + 𝑖𝑐𝑒 𝑑𝜃 + 𝑒 𝑑𝑟
−∞ 1 − 𝑒𝑟 −𝜋 1 − 𝑒
𝑧𝜃
𝑐 1 − 𝑒𝑟
∫ ∞ 𝑠−1 −𝜋𝑖𝑠 𝑎𝑟 ∫ 𝜋 𝑠−1 𝑎𝑧 𝜃 𝜃𝑖 ∫ ∞ 𝑠−1 𝜋𝑖𝑠 𝑎𝑟 (7.11)
𝑟 𝑒 𝑒 𝑧 𝜃 𝑒 𝑒 𝜃𝑖 𝑟 𝑒 𝑒
=− 𝑑𝑟 + 𝑖𝑐 𝑒 𝑑𝜃 + 𝑑𝑟
𝑐 1 − 𝑒𝑟 −𝜋 1 − 𝑒𝑧 𝜃 𝑐 1 − 𝑒𝑟
∫ ∞ 𝑠−1 𝑎𝑟
(𝑐𝑒 𝜃𝑖 ) (𝑠−1) 𝑒 𝑎𝑧 𝜃 𝑒 𝜃𝑖
∫ 𝜋
𝜋𝑖𝑠 −𝜋𝑖𝑠  𝑟 𝑒
= 𝑒 −𝑒 𝑑𝑟 + 𝑖𝑐 𝑑𝜃
𝑐 1 − 𝑒𝑟 −𝜋 1 − 𝑒𝑧 𝜃
∫ ∞ 𝑠−1 𝑎𝑟 ∫ 𝜋 𝜃𝑖𝑠 𝑎𝑧 𝜃
𝑟 𝑒 𝑠 𝑒 𝑒
= 2𝑖sen(𝜋𝑠) 𝑑𝑟 + 𝑖𝑐 𝑑𝜃,
𝑐 1−𝑒 𝑟
−𝜋 1 − 𝑒
𝑧𝜃

na qual 𝑧 𝜃 = 𝑐𝑒 𝜃𝑖 , ou seja,
∫ ∞ 𝑠−1 𝑎𝑟 ∫ 𝜋
sen(𝜋𝑠) 𝑟 𝑒 𝑐𝑠 𝑒 𝜃𝑖𝑠 𝑒 𝑎𝑧 𝜃
I (𝑠, 𝑎) = 𝑑𝑟 + 𝑑𝜃. (7.12)
𝜋 𝑐 1 − 𝑒𝑟 2𝜋 −𝜋 1 − 𝑒𝑧 𝜃
7.1 Representação por integral de contorno da função zeta de Hurwitz 105

Agora para 𝑐 → 0
 ∫ ∞ 𝑠−1 𝑎𝑟   ∫ 𝜋 
sen(𝜋𝑠) 𝑟 𝑒 𝑐𝑠 𝑒 𝜃𝑖𝑠 𝑒 𝑎𝑧 𝜃
I (𝑠, 𝑎) = lim 𝑑𝑟 + lim 𝑑𝜃 , (7.13)
𝑐→0 𝜋 𝑐 1 − 𝑒𝑟 𝑐→0 2𝜋 −𝜋 1 − 𝑒𝑧 𝜃

por um lado

sen(𝜋𝑠) ∞ 𝑟 𝑠−1 𝑒 𝑎𝑟 sen(𝜋𝑠) ∞ 𝑟 𝑠−1 𝑒 𝑎𝑟


 ∫  ∫
sen(𝜋𝑠)
lim 𝑑𝑟 = 𝑑𝑟 = Γ(𝑠)𝜁 (𝑠, 𝑎), (7.14)
𝑐→0 𝜋 𝑐 1−𝑒 𝑟 𝜋 0 1−𝑒 𝑟 𝜋

por outro,
 ∫ 𝜋  𝑠 ∫ 𝜋 𝜃𝑖𝑠 𝑎𝑧
𝑐𝑠 𝑒 𝜃𝑖𝑠 𝑒 𝑎𝑧 𝜃 𝑐 𝑒 𝑒 𝜃
lim 𝑑𝜃 ≤ lim 𝑑𝜃
𝑐→0 2𝜋 −𝜋 1 − 𝑒𝑧 𝜃 𝑐→0 2𝜋 −𝜋 1 − 𝑒 𝑧 𝜃

𝑐 𝜎 𝜋 𝑒 𝑎𝑧 𝜃
≤ lim 𝑑𝜃
𝑐→0 2𝜋 −𝜋 1 − 𝑒 𝑧 𝜃

𝑐 𝜎 𝜋 𝑒 𝑎𝑐
≤ lim 𝑑𝜃 (7.15)
𝑐→0 2𝜋 −𝜋 1 − 𝑒 𝑐

𝑐 𝜎 𝑒 𝑎𝑐 𝜋
≤ lim 𝑑𝜃
𝑐→0 2𝜋 1 − 𝑒 𝑐 −𝜋
𝑐 𝜎 𝑒 𝑎𝑐
≤ lim+ 𝑐 .
𝑐→0 𝑒 − 1

Por L’Hospital,
 ∫ 𝜋 
𝑐𝑠 𝑒 𝜃𝑖𝑠 𝑒 𝑎𝑧 𝜃 𝜎𝑐 𝜎−1 𝑒 𝑎𝑐 + 𝑎𝑐 𝜎 𝑒 𝑎𝑐
lim 𝑑𝜃 ≤ lim
𝑐→0 2𝜋 −𝜋 1 − 𝑒𝑧 𝜃 𝑐→0+ 𝑒𝑐
≤ lim+ 𝜎𝑐 𝜎−1 𝑒 (𝑎−1)𝑐 + 𝑎𝑐 𝜎 𝑒 (𝑎−1)𝑐
𝑐→0 (7.16)
≤ lim+ 𝑐 𝜎−1 (𝜎 + 𝑎𝑐)𝑒 (𝑎−1)𝑐
𝑐→0

≤ 0,

mostrando a convergência das integrais para todo plano. Deste modo,

sen(𝜋𝑠)
I (𝑠, 𝑎) = Γ(𝑠)𝜁 (𝑠, 𝑎)
𝜋
1
I (𝑠, 𝑎) = Γ(𝑠)𝜁 (𝑠, 𝑎) (7.17)
Γ(𝑠)Γ(1 − 𝑠)
𝜁 (𝑠, 𝑎) = Γ(1 − 𝑠)I (𝑠, 𝑎).

Deste modo, podemos usar essa relação para definir a função zeta de Hurwitz para todo 𝑠,
mas antes introduziremos o conceito de resíduo para uma função complexa.
7.2 Continuidade analítica das funções zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e 𝐿 de Dirichlet 106

7.2 Continuidade analítica das funções zeta de Riemann, zeta


de Hurwitz e 𝑳 de Dirichlet

Nesta seção demonstraremos a continuidade analítica das funções zeta de Hurwitz, zeta de
Riemann, mas para tal introduziremos o conceito de resíduo para funções complexas.

Definição 7.4. Seja 𝑓 (𝑠) uma função complexa. O resíduo de 𝑓 (𝑠) em torno de uma singulari-
dade 𝑠0 , denotado por 𝑅𝑒𝑠 𝑓 (𝑠) é definido por
𝑠=𝑠0

𝑅𝑒𝑠 𝑓 (𝑠) = lim (𝑠 − 𝑠0 ) 𝑓 (𝑠), (7.18)


𝑠=𝑠0 𝑠→𝑠0

ou seja, o limite da função ao se aproximar do ponto singular, quando retiramos a singularidade.


Isso equivale à integral de contorno

1
𝑅𝑒𝑠 𝑓 (𝑠) = 𝑓 (𝑠)𝑑𝑠, (7.19)
𝑠=𝑠0 2𝜋𝑖 𝐶

na qual 𝐶 define um círculo de orientação anti-horária em torno da singularidade 𝑠0 .

Com isso podemos discutir a continuidade analítica da função 𝜁 de Hurwitz.

Teorema 7.5. A função 𝜁 (𝑠, 𝑎), definida no Teorema 7.3, é analítica em todo plano complexo,
exceto em um polo em 𝑠 = 1 cujo resíduo é 1.

Demonstração. No Teorema 7.2 vimos que para todo 𝜎 > 1 a expressão Γ(𝑠)𝜁 (𝑠, 𝑎) é analítica
para todo 𝜎 > 1. Por outro lado, I (𝑠, 𝑎) também é analítica. Logo, os únicos possíveis polos
advêm da função Γ(1 − 𝑠). Para 𝜎 > 1 não há polos. Assim nos resta testar apenas 𝑠 = 1. Para
𝑠=1

𝑅𝑒𝑠 𝜁 (𝑠, 𝑎) = lim (𝑠 − 1)𝜁 (𝑠, 𝑎) = − lim (1 − 𝑠)Γ(1 − 𝑠)I (𝑠, 𝑎)


𝑠=1 𝑠→1 𝑠→1
(7.20)
= − lim Γ(2 − 𝑠)I (𝑠, 𝑎) = −Γ(1)I (1, 𝑎).
𝑠→1

No entanto, por definição,


𝑧 𝑠−1 𝑒 𝑎𝑧
I (𝑠, 𝑎) = 𝑅𝑒𝑠 , (7.21)
𝑧=0 1 − 𝑒𝑧
assim podemos calcular I (1, 𝑎)
𝑒 𝑎𝑧 𝑧𝑒 𝑎𝑧 𝑒 𝑎𝑧 + 𝑎𝑧𝑒 𝑎𝑧
I (1, 𝑎) = 𝑅𝑒𝑠 = lim = lim = −1, (7.22)
𝑧=0 1 − 𝑒 𝑧 𝑧→0 1 − 𝑒 𝑧 𝑧→0 −𝑒 𝑧
e finalmente

𝑅𝑒𝑠 𝜁 (𝑠, 𝑎) = −Γ(1)I (1, 𝑎) = Γ(1) = 1. (7.23)


𝑠=1
7.2 Continuidade analítica das funções zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e 𝐿 de Dirichlet 107

Vamos agora fazer o mesmo para a função 𝜁 de Riemann.

Teorema 7.6. A função 𝜁 (𝑠) é analítica em todo plano complexo, exceto em um polo em 𝑠 = 1
cujo resíduo é 1.

Demonstração. Note que 𝜁 (𝑠) = 𝜁 (𝑠, 1) e use o Teorema 7.5. □

E para as funções 𝐿 de Dirichlet.

Teorema 7.7. A função 𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠), definida na equação 7.3,

𝑘
∑︁
1  𝑟
𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠) = 𝑠 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟)𝜁 𝑠, (7.24)
𝑘 𝑘
𝑟=1

é analítica em todo plano complexo se 𝑗 ≠ 1. Caso contrário, é analítica em todo plano


complexo, exceto em um polo em 𝑠 = 1 cujo resíduo é 𝜑(𝑘)/𝑘.

Demonstração. Por óbvio 𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 possui polo apenas em 𝑠 = 1, pois 𝜁 (𝑠, 𝑎) possuí polo apenas
em 𝑠 = 1, logo calcularemos o seu resíduo.

𝑅𝑒𝑠 𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠) = lim (𝑠 − 1)𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠)


𝑠=1 𝑠→1
𝑘
∑︁
1  𝑟
= lim (𝑠 − 1) 𝑠 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟)𝜁 𝑠,
𝑠→1 𝑘 𝑘
𝑟=1
𝑘
1
∑︁  𝑟 (7.25)
= lim 𝑠 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟) 𝑅𝑒𝑠 𝜁 𝑠,
𝑠→1 𝑘 𝑠=1 𝑘
𝑟=1
∑︁ 𝑘
1
= 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟).
𝑘
𝑟=1

Se 𝑗 = 1, então
𝑘
∑︁
1 𝜑(𝑘)
𝑅𝑒𝑠 𝐿 𝜒𝑘,1 (𝑠) = 𝜒𝑘,1 (𝑟) = . (7.26)
𝑠=1 𝑘 𝑘
𝑟=1

Se 𝑗 ≠ 1, então
𝑘
∑︁
1
𝑅𝑒𝑠 𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠) = 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟) = 0. (7.27)
𝑠=1 𝑘
𝑟=1
7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e L de Dirichlet 108

Agora que verificamos que as funções são analíticas e entendemos seus polos e resíduos,
introduziremos as equações funcionais para zeta de Riemann, de Hurwitz e 𝐿 de Dirichlet.

7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz


e L de Dirichlet

As equações funcionais são relações que devem ser respeitadas para que uma função esteja
bem definida. Por exemplo,
𝐹 (𝑖) = 𝐹 (𝑖 − 1) + 𝐹 (𝑖 − 2) (7.28)

é uma equação funcional, na qual uma das soluções é a função de Fibonacci. Outro exemplo, a
equação funcional para a função gama é dada por:

Γ(𝑠 + 1) = 𝑠Γ(𝑠). (7.29)

Note que as equações funcionais não são necessariamente únicas, por exemplo:
𝜋
Γ(𝑠)Γ(1 − 𝑠) = ; (7.30)
sen(𝜋𝑠)
e
𝑚−1
Ö  
𝑘
Γ 𝑠+ = (2𝜋) (𝑚−1)/2 𝑚 1/2−𝑚𝑠 Γ(𝑚𝑠); (7.31)
𝑚
𝑘=0

Ambas válidas para todo 𝑠 e todo 𝑚 ≥ 1 e também são equações funcionais para a função
gama. Por exemplo, se 𝑚 = 2 teremos:
 
1
Γ (𝑠) Γ 𝑠 + = (2𝜋) 1/2 21/2−2𝑠 Γ(2𝑠). (7.32)
2

Até o momento temos uma função bem definida para zeta de Hurwitz quando 𝜎 > 1 e
sabemos que ela é analítica para todo plano a menos para 𝑠 = 1. Nesta seção construiremos
equações funcionais para zeta de Riemann, Hurwitz e L de Dirichlet. Começaremos pela
zeta de Hurwitz. Mas antes estudaremos uma função que aparece com alguma frequência nas
demonstrações (inclusive já apareceu no capítulo anterior).

Teorema 7.8. Se 0 < 𝑎 ≤ 1, a função


𝑒 𝑎𝑧
𝑔(𝑧) = (7.33)
1 − 𝑒𝑧
7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e L de Dirichlet 109

é limitada em 𝑆(𝑟), que denota a região definida pelo plano complexo, excluindo-se todos os
discos de raio 𝑟, 0 < 𝑟 ≤ 𝜋, centrados em 𝑧 = 2𝑛𝜋𝑖 para 𝑛 ∈ Z.

Demonstração. Seja o retângulo com um furo circular definido por:

𝑄(𝑟) = {𝑧 = 𝑥 + 𝑦𝑖 : |𝑥| ≤ 1, |𝑦| ≤ 𝜋, |𝑧| ≥ 𝑟}. (7.34)

Nessa região 𝑔(𝑧) é limitada, pois 𝑄(𝑟) é compacto. Levando a região para os limites
verticais, ou seja, uma faixa furada, definida por:

{𝑧 = 𝑥 + 𝑦𝑖 : |𝑥| ≤ 1, |𝑧 − 2𝑛𝜋𝑖| ≥ 𝑟, 𝑛 ∈ Z}. (7.35)

A função 𝑔(𝑧) também é limitada, pois |𝑔(𝑧 + 2𝜋𝑖)| = |𝑔(𝑧)|. Agora basta mostrar que 𝑔(𝑧)
é limitada fora dessa região. Para 𝑥 ≥ 1
𝑎𝑧 𝑥
≤ 𝑒 = 1 ≤ 1 = 𝑒 ;
𝑒
|𝑔(𝑧)| = (7.36)
1 − 𝑒 𝑧 𝑒 𝑥 − 1 1 − 𝑒 −𝑥 1 − 𝑒 −1 𝑒 − 1
para 𝑥 ≤ −1 𝑎𝑧 𝑥
≤ 𝑒 ≤ 1 = 𝑒 .
𝑒
|𝑔(𝑧)| = (7.37)
1 − 𝑒 𝑧 1 − 𝑒 𝑥 1 − 𝑒 −1 𝑒 − 1

Assim se |𝑥| ≥ 1
𝑒
|𝑔(𝑧)| ≤ , (7.38)
𝑒−1
completando a demonstração. □

Vamos agora enunciar a equação funcional da função zeta de Hurwitz.

7.3.1 Equação funcional para zeta de Hurwitz

Teorema 7.9 (Equação funcional da função zeta de Hurwitz). Se 0 < 𝑎 ≤ 1 e 𝜎 > 1 temos
Γ(𝑠)  −𝜋𝑖𝑠/2 𝜋𝑖𝑠/2

𝜁 (1 − 𝑠, 𝑎) = 𝑒 F (𝑠, 𝑎) + 𝑒 F (𝑠, −𝑎) (7.39)
(2𝜋) 𝑠
na qual F (𝑠, 𝑎) é a função zeta de Riemann periódica (Definição 2.29). Se 𝑎 ≠ 1 a representação
também é válida para 𝜎 > 0.

Demonstração. Construiremos a função I𝑁 a integral de contorno definida por



1 𝑧 𝑠−1 𝑒 𝑎𝑧
I𝑁 (𝑠, 𝑎) = 𝑑𝑧 (7.40)
2𝜋𝑖 𝐶 (𝑁) 1 − 𝑒 𝑧
7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e L de Dirichlet 110

com 𝐶 (𝑁) definido por 4 regiões 𝐶1 , 𝐶2 , 𝐶3 e 𝐶4 tal que,

𝐶1 (𝑁) é tal que 𝑧 = 𝑟 · 𝑒 −𝜋𝑖 com −(2𝑁 + 1)𝜋 < 𝑟 < 𝑐,

𝐶2 (𝑁) é tal que 𝑧 = 𝑐 · 𝑒 𝜃𝑖 com −𝜋 < 𝜃 < 𝜋,

𝐶3 (𝑁) é tal que 𝑧 = 𝑟 · 𝑒 𝜋𝑖 com 𝑐 < 𝑟 < (2𝑁 + 1)𝜋,

𝐶4 (𝑁) é tal que 𝑧 = (2𝑁 + 1)𝜋 · 𝑒 𝜃𝑖 com −𝜋 < 𝜃 < 𝜋,

com 𝑐 < 𝜋. Note que no limite



1 𝑧 𝑠−1 𝑒 𝑎𝑧
lim I𝑁 (𝑠, 𝑎) = 𝑑𝑧 = I (𝑠, 𝑎). (7.41)
𝑁→∞ 2𝜋𝑖 𝐶 (𝑁) 1 − 𝑒𝑧

A única diferença entre I𝑁 (𝑠, 𝑎) e 𝐼 (𝑠, 𝑎) é o contorno 𝐶4 (𝑁), então basta mostrar que a
integral em 𝐶4 (𝑁) vale zero para 𝑁 → ∞.

Note que |𝑧 𝑠−1 | é limitado, pois


𝑠−1
𝑧 = (2𝑁 + 1) 𝑠−1 𝜋 𝑠−1 𝑒 𝜃𝑖(𝑠−1) ≤ (2𝑁 + 1) 𝜎−1 𝜋 𝜎−1 𝑒 𝜋|𝜎| , (7.42)

logo
∫ ∫
1 𝑧 𝑠−1 𝑒 𝑎𝑧 (2𝑁 + 1) 𝜎−1 𝜋 𝜎−1 𝑒 𝜋|𝜎| 𝑒 𝑎𝑧
lim 𝑑𝑧 ≤ lim 𝑑𝑧
𝑁→∞ 2𝜋𝑖 𝐶4 (𝑁) 1 − 𝑒𝑧 𝑁→∞ 2𝜋𝑖 𝐶4 (𝑁) 1 − 𝑒
𝑧
(7.43)
(2𝑁 + 1) 𝜎−1 𝜋 𝜎−1 𝑒 𝜋|𝜎|
≤ lim 2𝜋𝑖 𝐴
𝑁→∞ 2𝜋𝑖
com 𝐴 limitado, pelo Teorema 7.8. Deste modo

lim I𝑁 (𝑠, 𝑎) ≤ I (𝑠, 𝑎) + lim (2𝑁 + 1) 𝜎−1 𝜋 𝜎−1 𝑒 𝜋|𝜎| 𝐴 (7.44)


𝑁→∞ 𝑁→∞

ou ainda

lim I𝑁 (1 − 𝑠, 𝑎) = I (1 − 𝑠, 𝑎) se 𝜎 > 1. (7.45)


𝑁→∞

Por outro lado, essa mesma integral pode ser resolvida pelo resíduo em todos os polos da
função I𝑁 (1 − 𝑠, 𝑎). No Teorema 7.8 vimos que esses polos estão sobre a abscissa do plano
7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e L de Dirichlet 111

complexo, ou seja,
𝑁
𝑧−𝑠 𝑒 𝑎𝑧
∑︁  
I𝑁 (1 − 𝑠, 𝑎) = − 𝑅𝑒𝑠
𝑧=2𝜋𝑛𝑖 1 − 𝑒 𝑧
𝑛=−𝑁
𝑛≠0
𝑁
𝑧 −𝑠 𝑒 𝑎𝑧
∑︁
=− lim (𝑧 − 2𝜋𝑛𝑖)
𝑧→2𝑛𝜋𝑖 1 − 𝑒𝑧
𝑛=−𝑁
𝑛≠0
𝑁
(7.46)
∑︁ (𝑧 − 2𝜋𝑛𝑖)
=− (2𝑛𝜋𝑖) −𝑠 𝑒 𝑎2𝑛𝜋𝑖 lim
𝑧→2𝑛𝜋𝑖 1 − 𝑒𝑧
𝑛=−𝑁
𝑛≠0
𝑁 𝑁 𝑁
𝑒 −𝑎2𝑛𝜋𝑖
∑︁ 𝑒 𝑎2𝑛𝜋𝑖
∑︁ 𝑒 𝑎2𝑛𝜋𝑖
∑︁
= = + .
(2𝑛𝜋𝑖) 𝑠 (2𝑛𝜋𝑖) 𝑠 (−2𝑛𝜋𝑖) 𝑠
𝑛=−𝑁 𝑛=1 𝑛=1
𝑛≠0

Mas 𝑖 −𝑠 = 𝑒 −𝜋𝑖𝑠/2 e (−𝑖) −𝑠 = 𝑒 𝜋𝑖𝑠/2 ,


𝑁 𝑁
𝑒 −𝑎2𝑛𝜋𝑖
∑︁ 𝑒 𝑎2𝑛𝜋𝑖
∑︁
I𝑁 (1 − 𝑠, 𝑎) = +
(2𝑛𝜋𝑖) 𝑠 (−2𝑛𝜋𝑖) 𝑠
𝑛=1 𝑛=1
𝑁 𝑁
(7.47)
𝑒 −𝜋𝑖𝑠/2 𝑒 −𝑎2𝑛𝜋𝑖
∑︁ 𝑒 𝑎2𝑛𝜋𝑖 𝑒 𝜋𝑖𝑠/2
∑︁
= +
(2𝜋) 𝑠 𝑛𝑠 (2𝜋) 𝑠 𝑛𝑠
𝑛=1 𝑛=1

e no limite
𝑁 𝑁
𝑒 −𝜋𝑖𝑠/2 𝑒 −𝑎2𝑛𝜋𝑖
∑︁ 𝑒 𝑎2𝑛𝜋𝑖 𝑒 𝜋𝑖𝑠/2
∑︁
I (1 − 𝑠, 𝑎) = lim +
𝑁→∞ (2𝜋) 𝑠 𝑛𝑠 (2𝜋) 𝑠 𝑛𝑠
𝑛=1 𝑛=1 (7.48)
𝑒 −𝜋𝑖𝑠/2 𝑒 𝜋𝑖𝑠/2
= F (𝑠, 𝑎) + F (𝑠, −𝑎)
(2𝜋) 𝑠 (2𝜋) 𝑠
com o uso do Teorema 7.3 concluímos

𝜁 (1 − 𝑠, 𝑎) = Γ(𝑠)I (1 − 𝑠, 𝑎)
Γ(𝑠)  −𝜋𝑖𝑠/2  (7.49)
𝜋𝑖𝑠/2
= 𝑒 F (𝑠, 𝑎) + 𝑒 F (𝑠, −𝑎) .
(2𝜋) 𝑠

Agora podemos discutir a equação funcional para zeta de Riemann.


7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e L de Dirichlet 112

7.3.2 Equação funcional para zeta de Riemann

Teorema 7.10. Para todo 𝑠 temos


 𝜋𝑠 
−𝑠
𝜁 (1 − 𝑠) = 2(2𝜋) Γ(𝑠) cos 𝜁 (𝑠) (7.50)
2
ou, de maneira equivalente,
 𝜋𝑠 
𝜁 (𝑠) = 2(2𝜋) 𝑠−1 Γ(1 − 𝑠)sen 𝜁 (1 − 𝑠) (7.51)
2

Demonstração. Basta tomar 𝑎 = 1 no Teorema 7.9. □

Note que com o teorema anterior podemos obter os zeros triviais da função zeta de Riemann.

Teorema 7.11 (Zeros triviais da função zeta de Riemann). A função zeta de Riemann vale zero,
𝜁 (𝑠) = 0, sempre que 𝑠 = −2𝑛 para 𝑛 = 1, 2, 3, · · · . Esses zeros são denominados zeros triviais.

Demonstração.
 
−2𝑛−1 −2𝑛𝜋
𝜁 (−2𝑛) = 2(2𝜋) Γ(1 + 2𝑛)sen 𝜁 (1 + 2𝑛)
2 (7.52)
−2𝑛−1
= 2(2𝜋) Γ(1 + 2𝑛) · 0 · 𝜁 (1 + 2𝑛) = 0

Podemos explorar um pouco mais o Teorema 7.10, com auxílio das identidades das Equações
7.30 e 7.32 e chegar na seguinte equação funcional para zeta de Riemann.

Teorema 7.12 (Equação funcional da função zeta de Riemann). A menos dos polos em 𝑠 = 0 e
𝑠 = 1 a seguinte equação
Φ(𝑠) = Φ(1 − 𝑠) (7.53)

com
𝑠
Φ(𝑠) = 𝜋 −𝑠/2 Γ 𝜁 (𝑠) (7.54)
2
é uma equação funcional para zeta de Riemann.

Demonstração. Pela equação 7.32, substituindo 𝑠 por (1 − 𝑠)/2 teremos


     
1−𝑠 1−𝑠 1 1/2 1/2−2(1−𝑠)/2 1−𝑠
Γ Γ + = (2𝜋) 2 Γ 2
2 2 2 2
   (7.55)
1−𝑠 𝑠 
Γ Γ 1− = (2𝜋) 1/2 2−1/2+𝑠 Γ (1 − 𝑠) ,
2 2
7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e L de Dirichlet 113

e usando a Equação 7.30, concluímos


 
1−𝑠 𝜋 1
Γ  = (2𝜋) 1/2 2−1/2+𝑠 Γ (1 − 𝑠)
2 sen 𝜋𝑠 2
Γ(𝑠/2)
 
1−𝑠 1  𝜋𝑠 
Γ = 𝜋 −1/2 2𝑠 sen Γ (1 − 𝑠) (7.56)
2 Γ(𝑠/2) 2
 
1−𝑠 1 1  𝜋𝑠 
Γ = sen Γ (1 − 𝑠) .
2 Γ(𝑠/2) 𝜋 −1/2 2𝑠 2

Substituindo no Teorema 7.10, teremos:


 𝜋𝑠 
𝜁 (𝑠) = 2(2𝜋) 𝑠−1 sen Γ(1 − 𝑠)𝜁 (1 − 𝑠)
 2 
𝑠−1 1−𝑠 1 1
= 2(2𝜋) Γ −1/2
𝜁 (1 − 𝑠) (7.57)
2 Γ(𝑠/2) 𝜋 2𝑠
 
𝑠−1/2 1−𝑠 1
=𝜋 Γ 𝜁 (1 − 𝑠).
2 Γ(𝑠/2)

A reorganização da expressão anterior resulta em


 
𝑠−1/2 1−𝑠 1
𝜁 (𝑠) = 𝜋 Γ 𝜁 (1 − 𝑠)
2 Γ(𝑠/2)
 
𝑠 𝜋 𝑠/2−1/2 1 − 𝑠
Γ 𝜁 (𝑠) = −𝑠/2 Γ 𝜁 (1 − 𝑠) (7.58)
2 𝜋 2
 
− 2𝑠
𝑠
− 1−𝑠 1−𝑠
𝜋 Γ 𝜁 (𝑠) = 𝜋 2 Γ 𝜁 (1 − 𝑠),
2 2

o que finaliza a demonstração. □

Note que a equação funcional possui polos em 𝑠 = 0 e 𝑠 = 1. Para eleminá-los basta definir
uma nova equação funcional da seguinte maneira:

Teorema 7.13 (Equação funcional da função zeta de Riemann para todo 𝒔). Para todo 𝑠, a
equação
ξ(𝑠) = ξ(1 − 𝑠) (7.59)

com
1
ξ(𝑠) = 𝑠(1 − 𝑠)Φ(𝑠) (7.60)
2
é uma equação funcional para zeta de Riemann.

Demonstração. Basta usar o teorema anterior e retirar os polos. □


7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e L de Dirichlet 114

7.3.3 Equação funcional para zeta de Hurwitz generalizada

A equação funcional para zeta de Riemann é o caso particular da zeta de Hurwitz, enuncia-
remos o caso geral.

Teorema 7.14. Se ℎ e 𝑘 são inteiros, 1 ≤ ℎ ≤ 𝑘, então para todo 𝑠 temos

  𝑘
∑︁  
ℎ 2Γ(𝑠) 𝜋𝑠 2𝜋𝑟 ℎ  𝑟 
𝜁 1 − 𝑠, = cos − 𝜁 𝑠, . (7.61)
𝑘 (2𝜋𝑘) 𝑠 2 𝑘 𝑘
𝑟=1

Demonstração. Escrevendo 𝑛 na classe de resíduo 𝑘 como 𝑛 = 𝑞𝑘 + 𝑟, com 1 ≤ 𝑟 ≤ 𝑘 e 𝑞 =


0, 1, 2, · · · , e escrevendo a função zeta periódica.

 ∞
 ∑︁ ∑︁ ∞
𝑘 ∑︁ 𝑘
∑︁ ∞
∑︁
ℎ 𝑒 2𝜋𝑖𝑛ℎ/𝑘 𝑒 2𝜋𝑖(𝑞𝑘+𝑟)ℎ/𝑘 2𝜋𝑖𝑟 ℎ/𝑘 1
F 𝑠, = = = 𝑒
𝑘 𝑛𝑠 (𝑞𝑘 + 𝑟) 𝑠 (𝑞𝑘 + 𝑟) 𝑠
𝑛=1 𝑟=1 𝑞=0 𝑟=1 𝑞=0
(7.62)
∑︁𝑘 ∞
∑︁ ∑︁ 𝑘
1 1 1  𝑟
= 𝑒 2𝜋𝑖𝑟 ℎ/𝑘 𝑠 = 𝑠 𝑒 2𝜋𝑖𝑟 ℎ/𝑘 𝜁 𝑠, .
𝑘𝑠 (𝑞 + 𝑟/𝑘) 𝑘 𝑘
𝑟=1 𝑞=0 𝑟=1

Substituindo-o na equação funcional de zeta de Hurwitz, temos


 
ℎ Γ(𝑠)  −𝜋𝑖𝑠/2 𝜋𝑖𝑠/2

𝜁 1 − 𝑠, = 𝑒 F (𝑠, ℎ/𝑘) + 𝑒 F (𝑠, −ℎ/𝑘)
𝑘 (2𝜋) 𝑠
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁
Γ(𝑠) © −𝜋𝑖𝑠/2 2𝜋𝑖𝑟 ℎ/𝑘 𝜋𝑖𝑠/2 −2𝜋𝑖𝑟 ℎ/𝑘 ª
 𝑟
= ­𝑒 𝑒 +𝑒 𝑒 ® 𝜁 𝑠,
(2𝜋𝑘) 𝑠 𝑘 (7.63)
« 𝑟=1 𝑟=1 ¬
𝑘
∑︁  
2Γ(𝑠) 𝜋𝑠 2𝜋𝑟 ℎ  𝑟 
= cos − 𝜁 𝑠, .
(2𝜋𝑘) 𝑠 2 𝑘 𝑘
𝑟=1

Note que com ℎ = 𝑘 = 1 chegamos na equação funcional da zeta de Riemann.

Vamos agora explicitar a equação funcional da função 𝐿 de Dirichlet.

7.3.4 Equação funcional para 𝑳 de Dirichlet

Primeiro mostraremos que podemos definir a equação funcional apenas para os caráteres
primitivos, pois todos os não primitivos podem ser obtidos por meio dos primitivos. Esse é o
resultado do seguinte teorema.
7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e L de Dirichlet 115

Teorema 7.15. Seja 𝜒𝑘, 𝑗 um caráter de Dirichlet para a classe de resíduos 𝑘 e seja 𝜓 𝑗 um
caráter induzido qualquer de 𝜒𝑘, 𝑗 , ou seja, 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) = 𝜓 𝑗 (𝑛) 𝜒𝑘,1 (𝑛). Assim
Ö  𝜓 ( 𝑝) 
𝑗
𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠) = 𝐿 𝜓 𝑗 (𝑠) 1− . (7.64)
𝑝𝑠
𝑝|𝑘

Demonstração. Seja 𝜎 > 1 e pelo produto de Euler (Teorema 6.11) teremos:



𝑘, 𝑗 (𝑛)
∑︁ 𝜒
Ö 1
𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠) = = 𝜒𝑘, 𝑗 ( 𝑝)
𝑛𝑠 1−
𝑛=1 𝑝 𝑝𝑠
Ö 1
= 𝜓 𝑗 ( 𝑝) 𝜒𝑘,1 ( 𝑝)
𝑝 1− 𝑝𝑠
Ö Ö (7.65)
1 1
= 𝜓 𝑗 ( 𝑝) 𝜒𝑘,1 ( 𝑝) 𝜓 𝑗 ( 𝑝) 𝜒𝑘,1 ( 𝑝)
𝑝|𝑘
1− 𝑝𝑠 𝑝∤𝑘
1− 𝑝𝑠
Ö 1
Ö 1
Ö 1
= 𝜓 𝑗 ( 𝑝)·0 𝜓 𝑗 ( 𝑝)·1
= 𝜓 𝑗 ( 𝑝)
.
𝑝|𝑘
1− 𝑝𝑠 𝑝∤𝑘
1− 𝑝𝑠 𝑝∤𝑘
1− 𝑝𝑠

Agora reescreveremos o produto anterior para todo 𝑝, considerando que aqueles divisores
de 𝑘 geram produtos sucessivos de 1, sem modificar o resultado anterior, da seguinte forma:
Ö 1
𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠) = 𝜓 𝑗 ( 𝑝)
𝑝∤𝑘
1− 𝑝𝑠
Ö 1
Ö 𝜓 𝑗 ( 𝑝)

= 𝜓 𝑗 ( 𝑝)
· 1 − (7.66)
𝑝𝑠
𝑝 1 − 𝑝𝑠 𝑝|𝑘
Ö  𝜓 ( 𝑝) 
𝑗
= 𝐿 𝜓 𝑗 (𝑠) · 1− .
𝑝𝑠
𝑝|𝑘

Deste modo fica evidente que, a menos de uma quantidade finita de termos multiplicativos,
provar uma equação funcional para um caráter primitivo é suficiente. Assim,

Teorema 7.16. Seja 𝜒𝑘, 𝑗 um caráter primitivo na classe de resíduos 𝑘. Para 𝜎 > 1 teremos:
𝑘
∑︁ 

𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1)𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠) = 𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ)F 𝑠, , (7.67)
𝑘
ℎ=1

na qual 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) é a soma de Gauss associada ao caráter 𝜒𝑘, 𝑗 (Definição 5.10).

Demonstração. Basta multiplicar a função zeta periódica pelo conjugado do caráter e somar
7.3 Equações funcionais para zeta de Riemann, zeta de Hurwitz e L de Dirichlet 116

para todo h,
𝑘
∑︁  𝑘
 ∑︁ ∞
∑︁
ℎ 𝑒 2𝜋𝑖𝑛ℎ/𝑘
𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ)F 𝑠, = 𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ)
𝑘 𝑛𝑠
ℎ=1 ℎ=1 𝑛=1

∑︁ ∑︁ 𝑘 ∞
∑︁ 𝑘
∑︁
𝑒 2𝜋𝑖𝑛ℎ/𝑘 1
= 𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ) = 𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ)𝑒 2𝜋𝑖𝑛ℎ/𝑘 (7.68)
𝑛𝑠 𝑛𝑠
𝑛=1 ℎ=1 𝑛=1 ℎ=1

(𝑛)
∑︁ 𝐺𝜒 𝑘, 𝑗
= .
𝑛𝑠
𝑛=1

Como 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) é separável, pois 𝜒𝑘, 𝑗 é primitivo (Teorema 5.18), teremos:

𝑘 ∞ ∞
𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛) 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑛)
∑︁   ∑︁ ∑︁

𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ)F 𝑠, = =
𝑘 𝑛𝑠 𝑛𝑠
ℎ=1 𝑛=1 𝑛=1

(7.69)
𝑘, 𝑗 (𝑛)
∑︁ 𝜒
= 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1) = 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1)𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠).
𝑛𝑠
𝑛=1

Agora podemos apresentar a equação funcional de 𝐿 de Dirichlet no seguinte teorema.

Teorema 7.17 (Equação funcional das funções 𝑳 de Dirichlet). Seja 𝜒𝑘, 𝑗 um caráter primitivo
na classe de resíduos 𝑘, então para todo 𝑠 teremos:
Γ(𝑠)  −𝜋𝑖𝑠/2 𝜋𝑖𝑠/2

𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (1 − 𝑠) = 𝑒 + 𝜒 𝑘, 𝑗 (−1)𝑒 𝐺 𝜒𝑘, 𝑗 (1)𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑠). (7.70)
𝑘 1−𝑠 (2𝜋) 𝑠

Demonstração. Usando o Teorema 7.9, multiplicando pelo caráter 𝜒𝑘, 𝑗 e somando para todo ℎ
com 𝑎 = ℎ/𝑘, teremos:
𝑘
∑︁  𝑘
 ∑︁     
ℎ Γ(𝑠) −𝜋𝑖𝑠/2 ℎ 𝜋𝑖𝑠/2 ℎ
𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ)𝜁 1 − 𝑠, = 𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ) 𝑒 F 𝑠, + 𝑒 F 𝑠, − . (7.71)
𝑘 (2𝜋) 𝑠 𝑘 𝑘
ℎ=1 ℎ=1

Sabendo-se que F é periódica de período 1 e que os caráteres são funções multiplicativas,


7.4 Polinômios de Bernoulli e a função zeta de Hurwitz 117

teremos
𝑘
∑︁   𝑘
∑︁  
ℎ ℎ
𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ)F 𝑠, − = 𝜒𝑘, 𝑗 (−1) 𝜒𝑘, 𝑗 (−ℎ)F 𝑠, −
𝑘 𝑘
ℎ=1 ℎ=1
𝑘
∑︁  
𝑘−ℎ
= 𝜒𝑘, 𝑗 (−1) 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑘 − ℎ)F 𝑠, (7.72)
𝑘
ℎ=1
𝑘
∑︁  

= 𝜒𝑘, 𝑗 (−1) 𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ)F 𝑠, ,
𝑘
ℎ=1

e assim a fórmula anterior se torna


𝑘
∑︁   𝑘  
ℎ Γ(𝑠)  −𝜋𝑖𝑠/2  ∑︁ ℎ
𝜋𝑖𝑠/2
𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ)𝜁 1 − 𝑠, = 𝑒 + 𝜒𝑘, 𝑗 (−1)𝑒 𝜒𝑘, 𝑗 (ℎ)F 𝑠, . (7.73)
𝑘 (2𝜋) 𝑠 𝑘
ℎ=1 ℎ=1

Usando-se do Teorema 7.16 e dividindo-se ambos os termos por 𝑘 1−𝑠 , finalizamos a de-
monstração. □

Assim finalizamos a discussão de equações funcionais. Vamos agora explorar algumas


propriedades da função zeta de Hurwitz e sua relação com os números de Bernoulli.

7.4 Polinômios de Bernoulli e a função zeta de Hurwitz

Nesta seção avaliaremos a função zeta de Hurwitz para inteiros negativos e definir os
números de Bernoulli. Note que para todo inteiro não negativo 𝑛,

𝜁 (−𝑛, 𝑎) = Γ(1 + 𝑛)I (−𝑛, 𝑎), (7.74)

ainda,
𝑧 −𝑛−1 𝑒 𝑎𝑧
I (−𝑛, 𝑎) = 𝑅𝑒𝑠 . (7.75)
𝑧=0 1 − 𝑒𝑧

Os números e os polinômios de Bernoulli nos ajudam a calcular o resíduo anterior. Vamos


à definição.

Definição 7.18. Para qualquer complexo 𝑠 definimos os polinômios de Bernoulli, 𝐵𝑛 (𝑠), pela
equação

∑︁
𝑧𝑒 𝑠𝑧 𝐵 𝑛 (𝑠) 𝑛
= 𝑧 , (7.76)
𝑒𝑧 − 1 𝑛!
𝑛=0
7.4 Polinômios de Bernoulli e a função zeta de Hurwitz 118

na qual |𝑧| < 2𝜋, ou seja, os coeficientes para a expansão polinomial de 𝑧𝑒 𝑠𝑧 /(𝑒 𝑧 − 1) em torno
do zero. O caso particular de 𝑠 = 0 define os números de Bernoulli,

∑︁
𝑧 𝐵 𝑛 (0) 𝑛
= 𝑧 , (7.77)
𝑒 −1
𝑧 𝑛!
𝑛=0

usualmente denotados 𝐵𝑛 ao invés de 𝐵𝑛 (0).

Teorema 7.19. As funções 𝐵𝑛 (𝑠) são polinômios em 𝑠 dados por:


𝑛  
∑︁ 𝑛
𝐵𝑛 (𝑠) = 𝐵 𝑘 𝑠𝑛−𝑘 . (7.78)
𝑘
𝑘=0

Em particular,
𝑛  
∑︁ 𝑛
𝐵𝑛 = 𝐵𝑘 . (7.79)
𝑘
𝑘=0

Demonstração. Temos que



∑︁ ∞
∑︁ ∞
∑︁
𝐵 𝑛 (𝑠) 𝑛 𝑧 𝐵 𝑛 𝑛ª © 𝑠𝑛
𝑧 = 𝑧 𝑒 𝑠𝑧 = ­ 𝑧𝑛 ® ,
© ª
𝑧 ®­ (7.80)
𝑛! 𝑒 −1 𝑛! 𝑛!
𝑛=0 « 𝑛=0 ¬« 𝑛=0 ¬
e comparando-se os polinômios dos dois lados da equação teremos
𝑛
∑︁
𝐵𝑛 (𝑠) 𝐵 𝑘 𝑠𝑛−𝑘
= . (7.81)
𝑛! 𝑘! (𝑛 − 𝑘)!
𝑘=0

Dessa maneira podemos relacionar os polinômios de Bernoulli com a função zeta de Hurwitz
pelo seguinte teorema.

Teorema 7.20. Para todo inteiro 𝑛 ≥ 0 temos


𝐵𝑛+1 (𝑎)
𝜁 (−𝑛, 𝑎) = − . (7.82)
𝑛+1
7.5 Polinômios de Bernoulli e a função zeta de Riemann 119

Demonstração. Note que,

𝑧 −𝑛−1 𝑒 𝑎𝑧
 
𝜁 (−𝑛, 𝑎) = Γ(1 + 𝑛)I (−𝑛, 𝑎) = Γ(1 + 𝑛) 𝑅𝑒𝑠
𝑧=0 1 − 𝑒𝑧
𝑧−𝑛−1 𝑒 𝑎𝑧
= −Γ(1 + 𝑛) lim 𝑧 𝑧
𝑧→0 𝑒 −1

∑︁ (7.83)
−𝑛−1 𝐵 𝑘 (𝑎) 𝑘
= −Γ(1 + 𝑛) lim 𝑧 𝑧
𝑧→0 𝑘!
𝑘=0
𝐵𝑛+1 (𝑎) 𝐵𝑛+1 (𝑎) 𝐵𝑛+1 (𝑎)
= −Γ(1 + 𝑛) = −𝑛! =− .
(𝑛 + 1)! (𝑛 + 1)! 𝑛+1

Do mesmo modo, podemos relacionar os polinômios de Bernoulli com a função zeta de


Riemann.

7.5 Polinômios de Bernoulli e a função zeta de Riemann

Como vimos, os polinômios de Bernoulli se relacionam diretamente com a função zeta


de Hurwitz, e naturalmente com a zeta de Riemann, o que será explorado aqui. Primeiro
estudaremos os polinômios de Bernoulli.

Teorema 7.21. Os polinômios de Bernoulli satisfazem a seguinte equação de diferenças

𝐵𝑛 (𝑠 + 1) − 𝐵𝑛 (𝑠) = 𝑛𝑠𝑛−1 se 𝑛 ≥ 1 (7.84)

ainda se 𝑛 ≥ 2
𝐵𝑛 (0) = 𝐵𝑛 (1). (7.85)

Demonstração. Seja a identidade,

𝑒 (𝑠+1)𝑧 𝑒 𝑠𝑧
𝑧 − 𝑧 = 𝑧𝑒 𝑠𝑧 , (7.86)
𝑒𝑧 − 1 𝑒𝑧 − 1
então,

∑︁ ∞
∑︁ ∞
∑︁
𝐵 𝑛 (𝑠 + 1) 𝑛 𝐵 𝑛 (𝑠) 𝑛 𝑠𝑛
𝑧 − 𝑧 =𝑧 𝑧𝑛 . (7.87)
𝑛! 𝑛! 𝑛!
𝑛=0 𝑛=0 𝑛=0

Por comparação, teremos que

𝐵𝑛 (𝑠 + 1) − 𝐵𝑛 (𝑠) = 𝑛𝑠𝑛−1 (7.88)


7.5 Polinômios de Bernoulli e a função zeta de Riemann 120

e, se 𝑠 = 0, então 𝐵𝑛 (1) = 𝐵𝑛 (0). □

Veja alguns exemplos de números de Bernoulli na Tabela 7.1.


Tabela 7.1: Números de Bernoulli.

𝐵0 𝐵1 𝐵2 𝐵3 𝐵4 𝐵5 𝐵6 𝐵7 𝐵8 𝐵9 𝐵10 𝐵11
1 − 12 1
6 0 1
− 30 0 1
42 0 1
− 30 0 5
66 0

Do mesmo modo podemos definir os polinômios de Bernoulli por:


𝑛  
∑︁ 𝑛
𝐵𝑛 (𝑠) = 𝐵 𝑘 𝑠𝑛−𝑘
𝑘
𝑘=0

𝐵0 (𝑠) = 𝐵0 = 1
1  
∑︁    
1 1−𝑘 1 1 1 1
𝐵1 (𝑠) = 𝐵𝑘 𝑠 = 𝐵0 𝑠 + 𝐵1 = 𝑠 −
𝑘 0 1 2 (7.89)
𝑘=0
2
∑︁  2       
2−𝑘 2 2 2 1 2 1
𝐵2 (𝑠) = 𝐵𝑘 𝑠 = 𝐵0 𝑠 + 𝐵1 𝑠 + 𝐵2 = 𝑠 2 − 𝑠 +
𝑘 0 1 2 6
𝑘=0
3
∑︁  3         
3−𝑘 3 3 3 2 3 1 3 3 1
𝐵3 (𝑠) = 𝐵𝑘 𝑠 = 𝐵0 𝑠 + 𝐵1 𝑠 + 𝐵2 𝑠 + 𝐵3 = 𝑠 3 − 𝑠 2 + 𝑠
𝑘 0 1 2 3 2 2
𝑘=0

Agora estamos áptos à relacionar os polinômios de Bernoulli com a função zeta de Riemann
com o seguinte teorema:

Teorema 7.22. Para todo inteiro 𝑛 ≥ 0 temos


𝐵𝑛+1 (1)
𝜁 (−𝑛) = − . (7.90)
𝑛+1
Pelos zeros triviais da zeta de Riemann, para todo 𝑛 ≥ 1 temos que 𝜁 (−2𝑛) = 0 e então 𝐵2𝑛+1 = 0.

Demonstração. Basta substituir 𝑎 = 1 na equação de zeta de Hurwitz,

𝐵𝑛+1 (1)
𝜁 (−𝑛, 1) = 𝜁 (−𝑛) = − (7.91)
𝑛+1
e o valor de 𝐵2𝑛+1 = 0 advêm da identidade anterior e dos zeros triviais da zeta de Riemann. □

Teorema 7.23. Para todo inteiro 𝑛 ≥ 0, temos

(2𝜋) 2𝑛 𝐵2𝑛
𝜁 (2𝑛) = (−1) 𝑛+1 . (7.92)
2(2𝑘)!
7.5 Polinômios de Bernoulli e a função zeta de Riemann 121

Demonstração. Seja 𝑠 = 2𝑛 no Teorema 7.10


 𝜋𝑠 
−𝑠
𝜁 (1 − 𝑠) = 2(2𝜋) Γ(𝑠) cos 𝜁 (𝑠)
2 
−2𝑛 𝜋2𝑛
𝜁 (1 − 2𝑛) = 2(2𝜋) Γ(2𝑛) cos 𝜁 (2𝑛)
2
𝐵2𝑛
− = 2(2𝜋) −2𝑛 (2𝑛 − 1)!(−1) 𝑛 𝜁 (2𝑛) (7.93)
2𝑛
𝐵2𝑛
𝜁 (2𝑛) = − −2𝑛
2𝑛2(2𝜋) (2𝑛 − 1)!(−1) 𝑛
(2𝜋) 2𝑛 𝐵2𝑛
𝜁 (2𝑛) = (−1) 𝑛+1
2(2𝑛)!

Pelo teorema anterior notamos que, 𝐵2𝑛 é alternado e os números 𝐵2𝑛+1 = 0. Mais ainda,
|𝐵2𝑛 | → ∞ quando 𝑛 → ∞, pois,

2(2𝑛)!𝜁 (2𝑛)
(−1) 𝑛+1 𝐵2𝑛 =
(2𝜋) 2𝑛

𝑛+1
2(2𝑛)!𝜁 (2𝑛)
(−1) 𝐵2𝑛 =
(2𝜋) 2𝑛

2(2𝑛)!𝜁 (2𝑛) (7.94)
lim |𝐵2𝑛 | = lim
𝑛→∞ 𝑛→∞ (2𝜋) 2𝑛

2(2𝑛)!
lim |𝐵2𝑛 | = lim =∞
𝑛→∞ 𝑛→∞ (2𝜋) 2𝑛

uma vez que lim 𝜁 (2𝑛) = 1.


𝑛→∞

Outra notação útil para os polinômios de Bernoulli é denominada polinômio periódico de


Bernoulli. Para conseguirmos definí-lo precisamos do seguinte teorema.

Teorema 7.24. Se 𝑛 = 1 e 0 < 𝑥 < 1 ou se 𝑛 ≥ 2 e 0 ≤ 𝑥 ≤ 1 temos


𝑛!
∑︁ 𝑒2𝜋𝑖𝑘𝑥
𝐵𝑛 (𝑥) = − (7.95)
(2𝜋𝑖) 𝑛 𝑘𝑛
𝑘∈Z∗

no qual Z∗ é o conjunto dos inteiros excluindo-se o zero. Como casos particulares temos

∑︁
2(2𝑛)! cos(2𝜋𝑖𝑘𝑥)
𝐵2𝑛 (𝑥) = (−1) 𝑛+1 , (7.96)
(2𝜋) 2𝑛 𝑘 2𝑛
𝑘=1

e também

∑︁
2(2𝑛 + 1)! sen(2𝜋𝑖𝑘𝑥)
𝐵2𝑛+1 (𝑥) = (−1) 𝑛+1 . (7.97)
(2𝜋) 2𝑛+1 𝑘 2𝑛+1
𝑘=1
7.6 Fórmula para 𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (0) 122

Demonstração. Basta usar os Teoremas 7.20 e 7.9. □

Por fim, definiremos os polinômios periódicos de Bernoulli por:

Definição 7.25 (Polinômio periódico de Bernoulli). Para todo 0 < 𝑥 ≤ 1 definiremos o polinômio
periódico de Bernoulli, 𝐵¯ 𝑛 (𝑥), por

𝐵¯ 𝑛 (𝑥) = 𝐵𝑛 (𝑥 − ⌊𝑥⌋). (7.98)

7.6 Fórmula para 𝑳 𝝌𝒌, 𝒋 (0)

Por consequência do Teorema 7.20 temos


𝐵𝑛+1 (𝑎) 𝐵1 (𝑎) 1
𝜁 (−𝑛, 𝑎) = − =⇒ 𝜁 (0, 𝑎) = − = −𝐵1 (𝑎) = − 𝑎. (7.99)
𝑛+1 1 2
Como caso particular,
1 1
𝜁 (0) = 𝜁 (0, 1) = −1 = − . (7.100)
2 2

Podemos ainda calcular 𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (0) para todo 𝑗.

Teorema 7.26. Seja 𝜒𝑘, 𝑗 o caráter 𝑗 de Dirichlet para a classe de resíduos modulo 𝑘. Assim:

Se 𝑗 = 1 então 𝐿 𝜒𝑘,1 (0) = 0.


𝑘
∑︁
1
Se 𝑗 ≠ 1 então 𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (0) = − 𝑟 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟).
𝑘
𝑟=1

Demonstração. Pelo Teorema 7.7 e pela Equação 7.99, para 𝑗 ≠ 1 temos que
𝑘
∑︁
1 
𝑟
𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (0) = 0 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟)𝜁 0,
𝑘 𝑘
𝑟=1
∑︁ 𝑘  
1 𝑟
= 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟) −
2 𝑘
𝑟=1
(7.101)
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁
1 1
= 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟) − 𝑟 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟)
2 𝑘
𝑟=1 𝑟=1
∑︁ 𝑘
1
=− 𝑟 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟)
𝑘
𝑟=1
7.6 Fórmula para 𝐿 𝜒𝑘, 𝑗 (0) 123

Í𝑘
pois 𝑟=1 𝜒𝑘, 𝑗 (𝑟) = 0. Para 𝑗 = 1, e pelo Teorema 6.11, podemos transformar 𝐿 𝜒𝑘,1 (0) em
produtos de zeros e uns, que é zerado ao encontrar o primeiro termo em zero. □

Agora que introduzimos as funções 𝐿 de Dirichlet, os números de Bernoulli e as versões


analíticas das funções zeta de Riemann e 𝐿 de Dirichlet, mudaremos de tópico e introduzir o
conceito de cálculo discreto, que pode ser aplicado com todas as definições até o momento.
Capítulo 8
Cálculo Discreto

Derivação sobre funções aritméticas usualmente não são definidas como apresentado neste
capítulo. A definição adotada parte do trabalho de [5]. Com essa definição encontramos maneiras
de encontrar limites de séries complicadas, e métodos para obter fórmulas fechadas para séries
convergentes com uma quantidade finita de termos, desde que elas possam ser expressas em
função das falling powers, que será definida a frente. Aqui faremos a introdução da derivada
discreta e suas propriedades, definir falling powers de expoente positivo e negativos de modo
que as propriedades conhecidas de integração e derivação do cálculo se assemelhem para essa
noção de derivada, além de definir um conceito de soma indefinida e propor uma maneira
de operar sobre ela como se fossem integrais indefinidas. Vamos ainda enunciar o teorema
fundamental do cálculo discreto. Nos exemplos cobriremos algumas séries interessantes, que
majoram constantes da matemática e suas propriedades.

8.1 Derivada Discreta

Definição 8.1 (Derivada Discreta). Seja 𝑓 uma função aritmética. Segundo [5] a derivada
discreta de 𝑓 , denotada por Δ 𝑓 , é definida por:

Δ 𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛). (8.1)

Note que essa é uma particularização da definição de derivadas utilizadas em cálculo,


𝑑 𝑓 (𝑥 + ℎ) − 𝑓 (𝑥)
𝑓 (𝑥) = lim , (8.2)
𝑑𝑥 ℎ→0 ℎ
para a condição de ℎ → 1. As derivadas de ordem superior de 𝑓 , resultados da aplicação
8.1 Derivada Discreta 125

sucessiva da definição anterior denotam-se por

Δ1 𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)
Δ2 𝑓 (𝑛) = Δ1 𝑓 (𝑛 + 1) − Δ1 𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑛 + 2) − 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛 + 1) + 𝑓 (𝑛)
= 𝑓 (𝑛 + 2) − 2 𝑓 (𝑛 + 1) + 𝑓 (𝑛) (8.3)
Δ3 𝑓 (𝑛) = Δ2 𝑓 (𝑛 + 1) − Δ2 𝑓 (𝑛)
= 𝑓 (𝑛 + 3) − 3 𝑓 (𝑛 + 2) + 3 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛),

e por fim,

Δ 𝑘 𝑓 (𝑛) = Δ 𝑘−1 𝑓 (𝑛 + 1) − Δ 𝑘−1 𝑓 (𝑛). (8.4)

Seguem os exemplos:

Exemplo 8.2. Se 𝑓 (𝑛) = 𝑛, então

Δ1 𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)
= (𝑛 + 1) − 𝑛 = 1 (8.5)
Δ2 𝑓 (𝑛) = 1 − 1 = 0,

logo, Δ1 𝑛 = 1 e Δ2 𝑛 = 0.

Exemplo 8.3. Se 𝑓 (𝑛) = 𝑛2 , então

Δ1 𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)
= (𝑛 + 1) 2 − 𝑛2 = 𝑛2 + 2𝑛 + 1 − 𝑛2 = 2𝑛 + 1
Δ2 𝑓 (𝑛) = 2(𝑛 + 1) + 1 − (2𝑛 + 1) (8.6)
= 2𝑛 + 3 − 2𝑛 − 1 = 2
Δ3 𝑓 (𝑛) = 0

logo, Δ1 𝑛2 = 2𝑛 + 1, Δ2 𝑛2 = 2 e Δ3 𝑛2 = 0.
8.1 Derivada Discreta 126

Exemplo 8.4. Se 𝑓 (𝑛) = 𝑛3 , então

Δ1 𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)
= (𝑛 + 1) 3 − 𝑛3 = 𝑛3 + 3𝑛2 + 3𝑛 + 1 − 𝑛3 = 3𝑛2 + 3𝑛 + 1
Δ2 𝑓 (𝑛) = 3(𝑛 + 1) 2 + 3(𝑛 + 1) + 1 − (3𝑛2 + 3𝑛 + 1)
= 6𝑛 + 6 (8.7)
Δ3 𝑓 (𝑛) = 6(𝑛 + 1) + 6 − (6𝑛 + 6)
=6
Δ4 𝑓 (𝑛) = 0

logo Δ1 𝑛3 = 3𝑛2 + 3𝑛 + 1, Δ2 𝑛3 = 6𝑛 + 6, Δ3 𝑛3 = 6 e Δ4 𝑛3 = 0.

Note que o termo de maior grau das funções obtidas por derivadas discretas sucessivas se
comportam exatamente como as derivadas de funções contínuas. Veja que para uma função
exponencial o comportamento é definido pelo seguinte teorema.

Teorema 8.5. Seja 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑛 , então

Δ 𝑓 (𝑛) = Δ𝑎 𝑛 = (𝑎 − 1)𝑎 𝑛 . (8.8)

Demonstração. Pela definição

Δ 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑛+1 − 𝑎 𝑛 = (𝑎 − 1)𝑎 𝑛 . (8.9)

A função 2𝑛 se comporta para as derivadas discretas assim como 𝑒 𝑥 para a derivação


contínua. Note que
Δ2𝑛 = (2 − 1)2𝑛 = 2𝑛 . (8.10)

Agora vamos estudar o efeito da derivação para um polinômio genérico de grau 𝑘 e


𝑚-derivações sucessivas.

Teorema 8.6. Seja 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑘 𝑛 𝑘 + 𝑎 𝑘−1 𝑛 𝑘−1 + . . . + 𝑎 0 um polinômio de grau 𝑘, então

Δ𝑚 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑘 · 𝑘 · (𝑘 − 1) · . . . · (𝑘 − 𝑚 + 1) · 𝑛 𝑘−𝑚 + 𝑏 𝑘−𝑚−1 · 𝑛 𝑘−𝑚−1 + . . . + 𝑏 1 · 𝑛1 + 𝑏 0 . (8.11)


8.1 Derivada Discreta 127

Demonstração. Note que

      𝑘  
  ∑︁
𝑘 𝑘 𝑘 𝑘 𝑘−1 𝑘 1 𝑘 𝑘 𝑖
(𝑛 + 1) = 𝑛 + 𝑛 +...+ 𝑛 + = 𝑛 (8.12)
𝑘 𝑘 −1 1 0 𝑖
𝑖=0

e considere o caso básico


   
Δ1 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑘 (𝑛 + 1) 𝑘 + 𝑎 𝑘−1 (𝑛 + 1) 𝑖 + . . . + 𝑎 0 − 𝑎 𝑘 𝑛 𝑘 + 𝑎 𝑘−1 𝑛 𝑘−1 + . . . + 𝑎 0
𝑘
∑︁ ∑︁𝑗  
𝑗 𝑖ª  𝑘 𝑘−1

= 𝑛 ® − 𝑎 𝑘 𝑛 + 𝑎 𝑘−1 𝑛 + . . . + 𝑎 0
©
­𝑎 𝑗
𝑖
𝑗=0 « 𝑖=0 ¬
∑︁𝑘   𝑘−1
∑︁ ∑︁𝑗  
𝑘 𝑖 𝑗 𝑖ª  
= 𝑎𝑘 𝑛 + 𝑛 ® − 𝑎 𝑘 𝑛 𝑘 + 𝑎 𝑘−1 𝑛 𝑘−1 + . . . + 𝑎 0
©
­𝑎 𝑗
𝑖 𝑖
𝑖=0 𝑗=0 « 𝑖=0 ¬
  𝑘−1
∑︁  𝑘  ∑︁ ∑︁ 𝑘−1 𝑗  
𝑘 𝑘 𝑗 𝑖ª
= 𝑎𝑘 𝑛 + 𝑎𝑘 𝑛𝑖 +
©
­𝑎 𝑗 𝑛®
𝑘 𝑖 𝑖
𝑖=0 𝑗=0 « 𝑖=0 ¬
 
− 𝑎 𝑘 𝑛 𝑘 + 𝑎 𝑘−1 𝑛 𝑘−1 + . . . + 𝑎 0
𝑘−1  
∑︁ 𝑘−1
∑︁ ∑︁𝑗  
𝑘 𝑗 𝑖ª  
= 𝑎 𝑘 𝑛𝑘 + 𝑎 𝑘 𝑛𝑖 + 𝑛 ® − 𝑎 𝑘 𝑛 𝑘 − 𝑎 𝑘−1 𝑛 𝑘−1 + . . . + 𝑎 0
©
­𝑎 𝑗
𝑖 𝑖
𝑖=0 𝑗=0 « 𝑖=0 ¬
𝑘−1   𝑘−1 𝑗  
∑︁ 𝑘 𝑖
∑︁ ∑︁ 𝑗 𝑖ª   (8.13)
𝑘−1
= 𝑎𝑘 𝑛 + − + +
©
𝑎
­ 𝑗 𝑛 ® 𝑎 𝑘−1 𝑛 . . . 𝑎 0
𝑖 𝑖
𝑖=0 𝑗=0 « 𝑖=0 ¬
𝑘−2
∑︁  𝑘  𝑘−1
∑︁  𝑘 − 1 ∑︁ 𝑘−2 ∑︁ 𝑗  
𝑗 𝑖ª
= 𝑎 𝑘 · 𝑘𝑛 𝑘−1 + 𝑛𝑖 + 𝑎 𝑘−1 𝑛𝑖 +
©
­𝑎 𝑗 𝑛®
𝑖 𝑖 𝑖
𝑖=0 𝑖=0 𝑗=0 « 𝑖=0 ¬
 
𝑘−1
− 𝑎 𝑘−1 𝑛 + . . . + 𝑎 0
𝑘−2  
∑︁ 𝑘−2 
∑︁  𝑘−2
∑︁ 𝑗  
∑︁
𝑘 𝑘 −1 𝑗
= 𝑎 𝑘 · 𝑘𝑛 𝑘−1 + 𝑛𝑖 + 𝑎 𝑘−1 𝑛 𝑘−1 + 𝑛𝑖 + 𝑛𝑖 ®
© ª
­𝑎 𝑗
𝑖 𝑖 𝑖
𝑖=0 𝑖=0 𝑗=0 « 𝑖=0 ¬
 
− 𝑎 𝑘−1 𝑛 𝑘−1 − 𝑎 𝑘−2 𝑛 𝑘−2 + . . . + 𝑎 0
𝑘−2
∑︁     𝑗  
∑︁
𝑘 𝑘 − 1 𝑗 𝑖ª
= 𝑎 𝑘 · 𝑘𝑛 𝑘−1 + 𝑛𝑗 + 𝑛𝑗 + 𝑎𝑗
©
­ 𝑛®
𝑗 𝑗 𝑖
𝑗=0 « 𝑖=0 ¬
 
𝑘−2
− 𝑎 𝑘−2 𝑛 + . . . + 𝑎 0

logo,
Δ1 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑘 · 𝑘𝑛 𝑘−1 + 𝑐 𝑘−2 · 𝑛 𝑘−2 + . . . + 𝑐 1 · 𝑛1 + 𝑐 0 (8.14)
8.2 Falling Powers de expoente positivo 128

e por indução,

Δ1 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑘 · 𝑘𝑛 𝑘−1 + 𝑐 𝑘−2 · 𝑛 𝑘−2 + . . . + 𝑐 1 · 𝑛1 + 𝑐 0


Δ2 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑘 · 𝑘 (𝑘 − 1)𝑛 𝑘−2 + 𝑑 𝑘−3 · 𝑛 𝑘−3 + . . . + 𝑑1 · 𝑛1 + 𝑑0
.. (8.15)
.
Δ𝑚 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑘 · 𝑘 (𝑘 − 1) · . . . · (𝑘 − 𝑚 + 1)𝑛 𝑘−𝑚 + 𝑏 𝑘−𝑚−1 · 𝑛 𝑘−𝑚−1 + . . . + 𝑏 1 · 𝑛1 + 𝑏 0 .

Do teorema anterior podemos concluir que:

Δ 𝑘 𝑛 𝑘 = 𝑘!
(8.16)
Δ 𝑘+𝑖 𝑛 𝑘 = 0 para todo 𝑖 > 0.

Note que o processo de derivação é bastante complicado, mesmo para polinômios simples.
Para tentar aproximar esse conceito com a semiótica operacional do cálculo para derivações sobre
funções contínuas, [5] criou o conceito de Falling Powers apresentado no próximo capítulo.

8.2 Falling Powers de expoente positivo

Em seu trabalho [5] o autor define o conceito de falling powers para aproximar as proprie-
dades de derivada discreta com o que fora construído em cálculo.

Definição 8.7 (Falling Powers). Seja o polinômio de grau 𝑚 denotado por 𝑛𝑚 o seguinte
polinômio,
𝑛𝑚 = 𝑛 · (𝑛 − 1) · (𝑛 − 2) · . . . · (𝑛 − 𝑚 + 1). (8.17)

o operador é denominado Falling Powers de expoente positivo 𝑚.

Qualquer polinômio cujos expoentes são todos positivos podem ser escrito utilizando-se da
notação proposta. Isso é bastante fácil de verificar. Veja o exemplo com o processo de obtenção
dessa nova representação polinomial.

Exemplo 8.8. Seja 𝑓 (𝑛) = 𝑛2 + 5𝑛 + 1. Reescrevendo 𝑓 (𝑛) com a notação anterior teremos:

𝑓 (𝑛) = 𝑛2 + 5𝑛 + 1 = 𝑎 2 𝑛2 + 𝑎 1 𝑛1 + 𝑎 0 𝑛0
= 𝑎 2 𝑛(𝑛 − 1) + 𝑎 1 𝑛 + 𝑎 0 = 𝑎 2 𝑛2 + (𝑎 1 − 𝑎 2 )𝑛 + 𝑎 0 (8.18)
= 𝑛2 + 6𝑛1 + 1𝑛0 .
8.3 Falling Powers de expoente negativo 129

Essa notação não fora proposta por acaso. Veja como ela torna o conceito da derivação
bastante intuitivo e a notação semioticamente ativa.

Teorema 8.9. Seja 𝑓 (𝑛) = 𝑛 𝑘 então

Δ 𝑓 (𝑛) = Δ𝑛 𝑘 = 𝑘 · 𝑛 𝑘−1 . (8.19)

Demonstração. Pela definição

Δ𝑛 𝑘 = (𝑛 + 1) 𝑘 − 𝑛 𝑘
= (𝑛 + 1)(𝑛)(𝑛 − 1) · . . . · (𝑛 − 𝑘 + 2) − (𝑛)(𝑛 − 1) · . . . · (𝑛 − 𝑘 + 1)
(8.20)
= ((𝑛 + 1) − (𝑛 − 𝑘 + 1))((𝑛)(𝑛 − 1) · . . . · (𝑛 − 𝑘 + 2))
= 𝑘𝑛 𝑘−1 .

Assim como a derivação contínua, a derivada discreta como proposta também possuí pro-
priedade de linearidade.

Teorema 8.10. Seja 𝑓 e 𝑔 funções aritméticas então

Δ (𝑎 𝑓 (𝑛) + 𝑏𝑔(𝑛)) = 𝑎Δ 𝑓 (𝑛) + 𝑏Δ𝑔(𝑛). (8.21)

Demonstração. Pela definição

Δ (𝑎 𝑓 (𝑛) + 𝑏𝑔(𝑛)) = 𝑎 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑎 𝑓 (𝑛) + 𝑏𝑔(𝑛 + 1) − 𝑏𝑔(𝑛) = 𝑎Δ 𝑓 (𝑛) + 𝑏Δ𝑔(𝑛). (8.22)

Deste modo a derivação discreta é um operador linear. □

Até o momento, tratamos de potências positivas. Mas o mesmo conceito pode ser estendido
para potências negativas introduzindo-se as falling powers de expoente negativo.

8.3 Falling Powers de expoente negativo

Definição 8.11 (Negative Falling Powers). Em seu trabalho [5] o autor define o conceito de
Negative falling powers para tratar o caso de polinômios com expoentes negativos da seguinte
forma
1
𝑛−𝑚 = . (8.23)
(𝑛 + 1) · (𝑛 + 2) · . . . · (𝑛 + 𝑚)
8.4 Somas Indefinidas 130

Tal definição é suficiente para recuperar as propriedades de derivada e integral para funções
contínuas. Veja o teorema a seguir.

Teorema 8.12. Seja 𝑓 (𝑛) = 𝑛−𝑘 então

Δ 𝑓 (𝑛) = Δ𝑛−𝑘 = −𝑘 · 𝑛−𝑘−1 . (8.24)

Demonstração. Pela definição,

Δ𝑛−𝑘 = (𝑛 + 1) −𝑘 − 𝑛−𝑘
1 1
= −
(𝑛 + 2) · . . . · · · (𝑛 + 𝑘 + 1) (𝑛 + 1) · . . . · · · (𝑛 + 𝑚)
(𝑛 + 1) − (𝑛 + 𝑘 + 1)
= (8.25)
(𝑛 + 1) · . . . · · · (𝑛 + 𝑘 + 1)
−𝑘
=
(𝑛 + 1) · . . . · · · (𝑛 + 𝑘 + 1)
= −𝑘𝑛−𝑘−1 .

8.4 Somas Indefinidas

Do mesmo modo que definimos derivadas, definiremos operadores que se comportem como
integrais definidas e indefinidas.

Definição 8.13 (Integral indefinida discreta, soma indefinida, ou anti-derivada discreta). Sejam
𝑓 e 𝑔 funções aritméticas tais que Δ 𝑓 (𝑛) = 𝑔(𝑛). Note que para um dado 𝑔(𝑛) existe uma classe
de funções que respeitam a relação anterior. Denotaremos essa classe de funções por
∑︁
𝑔(𝑥)𝛿𝑥 = 𝑓 (𝑛) + 𝐶 (8.26)

Í
na qual 𝐶 é uma constante arbitrária. Assim 𝑔(𝑥)𝛿𝑥 é dita soma indefinida de 𝑔.

Assim como as integrais definidas, podemos colocar intervalos para o somatório de modo
que a constante arbitrária 𝐶 colapse para a diferença de 𝑓 (𝑛) de modo que.

Definição 8.14 (Integral definida discreta). Sejam 𝑓 e 𝑔 funções aritméticas tais que Δ 𝑓 (𝑛) =
𝑔(𝑛), então
𝑏
∑︁
𝑔(𝑥)𝛿𝑥 = 𝑓 (𝑏) − 𝑓 (𝑎) (8.27)
𝑎
é definida como a integral definida de 𝑔(𝑛).
8.4 Somas Indefinidas 131

A notação adotada para a soma indefinida é semiótica ao aproximar-se da integral para


funções contínuas no cálculo. No entanto, podemos traduzir essa notação por meio do somatório
convencional pelo teorema fundamental do cálculo discreto.

Teorema 8.15 (Teorema fundamental do cálculo discreto). Sejam 𝑓 e 𝑔 funções aritméticas tais
que Δ 𝑓 (𝑛) = 𝑔(𝑛), então
𝑏
∑︁ 𝑏−1
∑︁
𝑔(𝑥)𝛿𝑥 = 𝑔(𝑛) (8.28)
𝑎 𝑛=𝑎
para todo 𝑎 e 𝑏.

Demonstração. Pelas definições,


𝑏−1
∑︁ 𝑏−1
∑︁ 𝑏−1
∑︁
𝑔(𝑛) = Δ 𝑓 (𝑛) = 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)
𝑛=𝑎 𝑛=𝑎 𝑛=𝑎

= 𝑓 (𝑎 + 1) − 𝑓 (𝑎) + 𝑓 (𝑎 + 2) − 𝑓 (𝑎 + 1) + . . . (8.29)

. . . + 𝑓 (𝑏 + 1) − 𝑓 (𝑏) + 𝑓 (𝑏) − 𝑓 (𝑏 − 1)
= 𝑓 (𝑏) − 𝑓 (𝑎).

A demonstração fica completa pela definição 8.14 e pela transitividade da igualdade. □

Veja alguns exemplos nos seguintes teoremas:

Teorema 8.16. Seja 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑛 , então


∑︁ 𝑎𝑛
𝑓 (𝑥)𝛿𝑥 = + 𝐶, (8.30)
𝑎−1

na qual 𝐶 é uma constante arbitraria.

Demonstração. Note que


 
𝑎𝑛 Δ𝑎 𝑛
Δ +𝐶 = + Δ𝐶
𝑎−1 𝑎−1
𝑎𝑛 (8.31)
= (𝑎 − 1) +0
𝑎−1
= 𝑎𝑛 .

Teorema 8.17. Seja 𝑓 (𝑛) = 𝑎 𝑏𝑛 , então


∑︁ 𝑎 𝑏𝑛
𝑓 (𝑥)𝛿𝑥 = +𝐶 (8.32)
𝑎𝑏 − 1
8.4 Somas Indefinidas 132

na qual 𝐶 é uma constante arbitraria.

Demonstração. Note que


 
𝑎 𝑏𝑛 Δ𝑎 𝑏𝑛
Δ 𝑏 +𝐶 = 𝑏 + Δ𝐶
𝑎 −1 𝑎 −1
𝑎 𝑏𝑛 (𝑎 𝑏 − 1) (8.33)
= +0
𝑎𝑏 − 1
= 𝑎 𝑏𝑛 .

Teorema 8.18. Seja 𝑓 (𝑛) = 𝑛 𝑘 , então


∑︁ 𝑛 𝑘+1
𝑓 (𝑥)𝛿𝑥 = +𝐶 (8.34)
𝑘 +1

na qual 𝐶 é uma constante arbitraria.

Demonstração. Note que


 
𝑛 𝑘+1 Δ𝑛 𝑘+1
Δ +𝐶 = + Δ𝐶
𝑘 +1 𝑘 +1
𝑛𝑘 (8.35)
= (𝑘 + 1) +0
𝑘 +1
= 𝑛𝑘 .


𝑛
Teorema 8.19. Seja 𝑓 (𝑛) = 𝑘 um binômio, então
   
𝑛 𝑛
Δ 𝑓 (𝑛) = Δ = . (8.36)
𝑘 𝑘 −1

Demonstração. Note que      


𝑛+1 𝑛 𝑛
= + , (8.37)
𝑘 𝑘 −1 𝑘
e logo,    
 
𝑛+1 𝑛 𝑛
Δ 𝑓 (𝑛) = − = . (8.38)
𝑘 𝑘 𝑘 −1

𝑛
Teorema 8.20. Seja 𝑓 (𝑛) = 𝑘 um binômio, então
∑︁ ∑︁  𝑛  𝑛

𝑓 (𝑛)𝛿𝑛 = 𝛿𝑛 = + 𝐶. (8.39)
𝑘 𝑘 +1
8.5 Derivada discreta de produto de funções aritméticas 133

Demonstração. Direto da demonstração anterior. □

Teorema 8.21. Seja a função Γ e as pontências descritas da forma 𝑥 𝑛 e 𝑥 −𝑛 . Então


Γ(𝑥 + 1)
𝑥𝑛 = , (8.40)
Γ(𝑥 + 1 − 𝑛)
e
Γ(𝑥 + 1)
𝑥 −𝑛 = . (8.41)
Γ(𝑥 + 1 + 𝑛)

Demonstração. Note que

𝑥 𝑛 = 𝑥 · (𝑥 − 1) · . . . · (𝑥 − 𝑛 + 1)
𝑥 · (𝑥 − 1) · . . . · 1
= (8.42)
(𝑥 − 𝑛)(𝑥 − 𝑛 − 1) · . . . · 1
Γ(𝑥 + 1)
= ,
Γ(𝑥 + 1 − 𝑛)
e que
1
𝑥 −𝑛 =
(𝑥 + 1) · (𝑥 + 2) · . . . · (𝑥 + 𝑛)
1·2·...·𝑥
= (8.43)
1 · 2 · . . . · (𝑥 + 𝑛)
Γ(𝑥 + 1)
= .
Γ(𝑥 + 1 + 𝑛)

8.5 Derivada discreta de produto de funções aritméticas

A próxima curiosidade seria construir um paralelo para a regra do produto de derivadas.

Teorema 8.22 (Derivada discreta do produto). Sejam 𝑓 e 𝑔 funções aritméticas, então

Δ ( 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛)) = Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛 + 1) + 𝑓 (𝑛)Δ𝑔(𝑛) = Δ𝑔(𝑛) 𝑓 (𝑛 + 1) + 𝑔(𝑛)Δ 𝑓 (𝑛). (8.44)

Demonstração. Note que

Δ ( 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛)) = 𝑓 (𝑛 + 1)𝑔(𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛)


= 𝑓 (𝑛 + 1)𝑔(𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) + 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛 + 1)
= 𝑓 (𝑛 + 1)𝑔(𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛 + 1) + 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) (8.45)
= ( 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛))𝑔(𝑛 + 1) + 𝑓 (𝑛)(𝑔(𝑛 + 1) − 𝑔(𝑛))
= Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛 + 1) + 𝑓 (𝑛)Δ𝑔(𝑛),
8.5 Derivada discreta de produto de funções aritméticas 134

ou ainda,

Δ ( 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛)) = 𝑓 (𝑛 + 1)𝑔(𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛)


= 𝑓 (𝑛 + 1)𝑔(𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) + 𝑓 (𝑛 + 1)𝑔(𝑛) − 𝑓 (𝑛 + 1)𝑔(𝑛)
= 𝑓 (𝑛 + 1)𝑔(𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛 + 1)𝑔(𝑛) + 𝑓 (𝑛 + 1)𝑔(𝑛) − 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) (8.46)
= (𝑔(𝑛 + 1) − 𝑔(𝑛)) 𝑓 (𝑛 + 1) + 𝑔(𝑛)( 𝑓 (𝑛 + 1) − 𝑓 (𝑛))
= Δ𝑔(𝑛) 𝑓 (𝑛 + 1) + 𝑔(𝑛)Δ 𝑓 (𝑛).

O resultado anterior parametriza a derivada do produto como função do termo posterior


(𝑛 + 1). Para empregar termos que sejam estritamente dependentes de 𝑛 podemos reescrever o
teorema da forma a seguir.

Teorema 8.23 (Derivada discreta do produto parametrizada em 𝒏). Sejam 𝑓 e 𝑔 funções arit-
méticas, então
Δ ( 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛)) = Δ 𝑓 (𝑛)Δ𝑔(𝑛) + Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) + 𝑓 (𝑛)Δ𝑔(𝑛). (8.47)

Demonstração. Note que partindo da demonstração anterior chegamos à

Δ ( 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛)) = Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛 + 1) + 𝑓 (𝑛)Δ𝑔(𝑛)


= Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛 + 1) + 𝑓 (𝑛)Δ𝑔(𝑛) − Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) + Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛)
(8.48)
= Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛 + 1) − Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) + 𝑓 (𝑛)Δ𝑔(𝑛) + Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛)
= Δ 𝑓 (𝑛)Δ𝑔(𝑛) + 𝑓 (𝑛)Δ𝑔(𝑛) + Δ 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛).

Do mesmo modo podemos escrever a versão utilizada para resolver integrais por partes da
seguinte forma:

Teorema 8.24. Sejam 𝑓 e 𝑔 funções aritméticas, então


∑︁ ∑︁
𝑓 (𝑥)Δ𝑔(𝑥)𝛿𝑥 = 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) − Δ 𝑓 (𝑥)(Δ𝑔(𝑥) + 𝑔(𝑥))𝛿𝑥 (8.49)

Demonstração. Basta integrar o resultado do Teorema 8.23 e reordenar os termos. □

Teorema 8.25. Sejam 𝑓 e 𝑔 funções aritméticas, então


∑︁ ∑︁
𝑓 (𝑥)Δ𝑔(𝑥)𝛿𝑥 = 𝑓 (𝑛)𝑔(𝑛) − Δ 𝑓 (𝑥)𝑔(𝑥 + 1)𝛿𝑥. (8.50)
8.6 Cálculo discreto e aplicação 135

Demonstração. Basta integrar o resultado do Teorema 8.22 e reordenar os termos. □

Após finalizar as propriedades, trataremos alguns exemplos.

8.6 Cálculo discreto e aplicação

Uma aplicação interessante dos conceitos anteriores é a simplificação de somatórios.

Exemplo 8.26. Suponha que queremos obter uma fórmula fechada para o seguinte somatório
𝑘
∑︁
𝑛2 . (8.51)
𝑛=1

Note que 𝑛2 = 𝑛2 + 𝑛1 , e logo,


𝑘
∑︁ 𝑘+1
∑︁
2
𝑛 = 𝑥 2 + 𝑥 1 𝛿𝑥
𝑛=1 1
𝑘+1
𝑥3 𝑥 2
= +
3 2 1
(8.52)
(𝑥)(𝑥 − 1)(𝑥 − 2) (𝑥)(𝑥 − 1) 𝑘+1
= +
3 2
1
(𝑘 + 1)(𝑘)(𝑘 − 1) (𝑘 + 1)(𝑘) (1)(1 − 1)(1 − 2) (1)(1 − 1)
= + − −
3 2 3 2
(𝑘 + 1)(𝑘)(2𝑘 + 1)
= .
6
Exemplo 8.27. Suponha que queremos obter uma fórmula fechada para o seguinte somatório
𝑘−1
∑︁
𝑛2𝑛 . (8.53)
𝑛=1
8.6 Cálculo discreto e aplicação 136

Note que 𝑛 = 𝑛1 e tomando 𝑓 (𝑛) = 𝑛 e 𝑔(𝑛) = 2𝑛 , teremos:


𝑘−1
∑︁ 𝑘
∑︁
𝑛
𝑛2 = 𝑓 (𝑥)Δ𝑔(𝑥)𝛿𝑥
𝑛=1 1
𝑘
∑︁
= 𝑓 (𝑥)𝑔(𝑥) − Δ 𝑓 (𝑥)𝑔(𝑥 + 1)𝛿𝑥
1
∑︁ 𝑘 (8.54)
𝑥+1
= 𝑓 (𝑥)𝑔(𝑥) − 2 𝛿𝑥
1
𝑥
𝑘
= (𝑥)2 − 2𝑥+1 1
= (𝑘 − 2)2 − (1 − 2)21
𝑘

= (𝑘 − 2)2 𝑘 + 2.

Exemplo 8.28. Suponha que queremos obter uma fórmula fechada para o seguinte somatório:
𝑘
∑︁ 1
. (8.55)
𝑛2 + 3𝑛 + 2
𝑛=1

Note que 1
𝑛2 +3𝑛+2
= 𝑛−2 , e logo,

𝑘
∑︁ 𝑘+1
∑︁
1
= 𝑥 −2 𝛿𝑥
𝑛2 + 3𝑛 + 2
𝑛=1 1
𝑘+1
𝑥 −1

= (8.56)
−1 1
1 1
=− +
𝑘 +2 1+1
1 1
=− + .
𝑘 +2 2
Exemplo 8.29. Suponha que queremos calcular o seguinte limite
𝑘
∑︁ 1
lim . (8.57)
𝑘→∞ 𝑛2 + 3𝑛 + 2
𝑛=1

Usando o resultado anterior,


𝑘
∑︁ 1 1 1 1
lim = lim − + = . (8.58)
𝑘→∞ 𝑛2 + 3𝑛 + 2 𝑘→∞ 𝑘 +2 2 2
𝑛=1
8.6 Cálculo discreto e aplicação 137

O teorema anterior permite a seguinte transformação considerando o Teorema 8.21:


𝑘
∑︁ 𝑘+1
∑︁
1 Γ(𝑛 + 1)
lim = lim 𝛿𝑥
𝑘→∞ 𝑛2 + 3𝑛 + 2 𝑘→∞ Γ(𝑛 + 3)
𝑛=1 1
𝑘
∑︁ Γ(𝑛 + 1) (8.59)
= lim =
𝑘→∞ Γ(𝑛 + 3)
𝑛=1 
1! 2! 3! 𝑘! 1
= lim + + +···+ = .
𝑘→∞ 3! 4! 5! (𝑘 + 2)! 2

Deste modo, para 𝑧 > 1,


𝑘
∑︁ 𝑘+1
∑︁
𝑛! Γ(𝑥 + 1)
lim = lim 𝛿𝑥
𝑘→∞ (𝑛 + 𝑧)! 𝑘→∞ Γ(𝑥 + 1 + 𝑧)
𝑛=1 1
𝑘+1
∑︁
= lim 𝑥 −𝑧 𝛿𝑥
𝑘→∞
1
𝑘+1
𝑥 −𝑧+1
= lim
𝑘→∞ −𝑧 + 1 1 (8.60)
𝑘+1
1 1
= lim
𝑘→∞ (−𝑧 + 1) (𝑥 + 1)(𝑥 + 2) · . . . · (𝑥 + 𝑧 − 1) 1
−1
=
(−𝑧 + 1)(1 + 1)(1 + 2)(1 + 3) · . . . · 𝑧
𝑧
Ö
−1 1 −1
= = .
(−𝑧 + 1) 𝑖 (−𝑧 + 1)𝑧!
𝑖=1

Teorema 8.30. Seja 𝑧 > 1, então


𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁ 𝑘+1
∑︁
𝑛! Γ(𝑛 + 1) 1
lim = lim = lim 𝑥 −𝑧 𝛿𝑥 = . (8.61)
𝑘→∞ (𝑛 + 𝑧)! 𝑘→∞ Γ(𝑛 + 1 + 𝑧) 𝑘→∞ (𝑧 − 1)𝑧!
𝑛=1 𝑛=1 𝑛=1

Demonstração. Direto do exemplo anterior. □

Exemplo 8.31. Por exemplo:


𝑘
∑︁  
𝑛! 1! 2! 3! 𝑘!
lim = lim + + +···+
𝑘→∞ (𝑛 + 5)! 𝑘→∞ 6! 7! 8! (𝑘 + 5)!
𝑛=1 (8.62)
1 1
= = .
(5 − 1)5! 480
8.6 Cálculo discreto e aplicação 138

Exemplo 8.32. Suponha que queremos obter uma fórmula fechada para o seguinte somatório
𝑘
∑︁ 1
. (8.63)
𝑛 2 − 22
𝑛=3

Note que
3
∑︁
1 1
= (𝑥 − 𝑖) −2 , (8.64)
𝑛 −2
2 2 4
𝑖=0
pois,
3
∑︁  
1 −2 1 1 1 1 1
(𝑥 − 𝑖) = + + +
4 4 (𝑥 + 1)(𝑥 + 2) 𝑥(𝑥 + 1) (𝑥 − 1)𝑥 (𝑥 − 2)(𝑥 − 1)
𝑖=0
 
1 𝑥(𝑥 − 1)(𝑥 − 2) + (𝑥 2 − 22 )2𝑥 + (𝑥 + 1)(𝑥 + 2)𝑥
=
4 𝑥(𝑥 − 1)(𝑥 + 1)(𝑥 − 2)(𝑥 + 2)
 2 
1 (𝑥 − 3𝑥 + 2) + (𝑥 2 − 22 )2 + (𝑥 2 + 3𝑥 + 2)
=
4 (𝑥 2 − 12 )(𝑥 2 − 22 ) (8.65)
 2 
1 2𝑥 + 4 + 2𝑥 2 − 8
=
4 (𝑥 2 − 12 )(𝑥 2 − 22 )
 
1 4(𝑥 2 − 12 )
=
4 (𝑥 2 − 12 )(𝑥 2 − 22 )
1
= 2 2 ,
(𝑥 − 2 )
8.6 Cálculo discreto e aplicação 139

e logo,
𝑘
∑︁ 3
𝑘+1 ∑︁
∑︁
1 1
= (𝑥 − 𝑖) −2 𝛿𝑥
𝑛 2 − 22 4
𝑛=3 3 𝑖=0
𝑘+1
∑︁
1
= 𝑥 −2 + (𝑥 − 1) −2 + (𝑥 − 2) −2 + (𝑥 − 3) −2 𝛿𝑥
4
3
 𝑘+1
1 𝑥 −1 (𝑥 − 1) −1 (𝑥 − 2) −1 (𝑥 − 3) −1

= + + +
4 −1 −1 −1 −1 3
−1  −1 𝑘+1
𝑥 + (𝑥 − 1) −1 + (𝑥 − 2) −1 + (𝑥 − 3) −1 3

=
4
  𝑘+1
−1 1 1 1 1
= + + +
4 (𝑥 + 1) (𝑥) (𝑥 − 1) (𝑥 − 2) 3 (8.66)
3 𝑘+1
∑︁ 
 1 
= −  
 (𝑥 + 𝑖 − 2) 
 𝑖=0 3
3
∑︁ 3
∑︁
1 1 1 1
= −
4 (𝑖 + 1) 4 (𝑘 + 𝑖 − 1)
𝑖=0 𝑖=0
   
1 1 1 1 1 1 1 1 1
= 1+ + + − + + +
4 2 3 4 4 (𝑘 − 1) (𝑘) (𝑘 + 1) (𝑘 + 2)
2
∑︁
25 1
= − .
48 4(𝑘 + 𝑖)
𝑖=−1

Note que
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁
1 1 1 1
+ + > , (8.67)
12 22 𝑛 − 22
2 𝑛2
𝑛=3 𝑛=1
e portanto,
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁
1 1 1 1 1 25 37 1
lim 2 + 2 + = 2+ 2+ = 1+ > lim . (8.68)
𝑘→∞ 1 2 𝑛 −2
2 2 1 2 48 48 𝑘→∞ 𝑛2
𝑛=3 𝑛=1

conseguimos construir um limite superior para a soma dos quadrados dos recíprocos. Note que
a expansão também permite construir um limite inferior, pois,
𝑘
∑︁
1 1 25 37 1 1 1
2
+ 2+ = 1+ > 2 + 2 + lim , (8.69)
1 2 48 48 1 2 𝑘→∞ 𝑛2
𝑛=3
8.6 Cálculo discreto e aplicação 140

e assim,
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁
1 1 1 1 1 1 37
+ < lim < + + lim = 1 + = 1.7708. (8.70)
12 22 𝑘→∞ 𝑛2 12 22 𝑘→∞ 𝑛 2 − 22 48
𝑛=1 𝑛=3

Usando o mesmo procedimento anterior, mas utilizando mais termos na soma inicial,
𝑘
∑︁ 𝑘 ∑︁
∑︁ 𝑧+1
1 1
= (𝑥 − 𝑖) −2 (8.71)
𝑛2 − 𝑧2 2𝑧
𝑛=𝑧+1 𝑛=𝑧+1 𝑛=2−𝑧

podemos escrever:
𝑘
∑︁ 𝑘
∑︁
1 1 1 1 1 1 1 1
+ 2 + . . . + 2 < lim < 2 + 2 + . . . + 2 + lim
2
1 2 𝑧 𝑘→∞ 𝑛 2 1 2 𝑧 𝑘→∞ 𝑛2 − 𝑧 2
𝑛=1 𝑛=𝑧+1
∑︁𝑘  
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
2
+ 2 + . . . + 2 < lim < + +...+ 2 + + +...+
1 2 𝑧 𝑘→∞ 𝑛2 12 22 𝑧 2𝑧 1 2 2𝑧
𝑛=1
𝑧
∑︁ ∑︁𝑘 𝑧
∑︁ 2𝑧
∑︁
1 1 1 1 1 (8.72)
< lim < +
𝑛2 𝑘→∞ 𝑛2 𝑛2 2𝑧 𝑛
𝑛=1 𝑛=1 𝑛=1 𝑛=1
∑︁𝑘
1 1 (1)
𝐻𝑧(2) < lim 2
< 𝐻𝑧(2) + 𝐻2𝑧
𝑘→∞ 𝑛 2𝑧
𝑛=1
1 (1)
𝐻𝑧(2) < 𝜁 (2) < 𝐻𝑧(2) + 𝐻 .
2𝑧 2𝑧
Por outro lado,
1 (1)
0 < 𝜁 (2) − 𝐻𝑧(2) < 𝐻
2𝑧 2𝑧

∑︁ 1 1 (1)
0< < 𝐻
𝑛2 2𝑧 2𝑧 (8.73)
𝑛=𝑧+1
∑︁∞ 2𝑧
∑︁
1 1 1
0< < .
𝑛2 2𝑧 𝑛
𝑛=𝑧+1 𝑛=1

indicando um limitante superior para a cauda da série com uma quantidade finita de termos.

Exemplo 8.33. Qual o melhor valor de 𝐴 para cada 𝑧 tal que


 
(2) 𝐴(𝑧) (1)
𝑔(𝑧) = 𝐻𝑧 + 𝐻 − 𝜁 (2) (8.74)
2𝑧 2𝑧
8.6 Cálculo discreto e aplicação 141

seja mínimo? Como vimos 𝑔(𝑧) ≥ 0, portanto, seu menor valor é zero. Logo
 
(2) 𝐴(𝑧) (1)
𝐻𝑧 + 𝐻 = 𝜁 (2)
2𝑧 2𝑧
(8.75)
𝜁 (2) − 𝐻𝑧(2)
𝐴(𝑧) = 2𝑧 (1)
.
𝐻2𝑧

A pergunta faz sentido, pois como 𝐻𝑧(2) é um limitante inferior e 𝐻𝑧(2) + 𝐻2𝑧
(1)
/2𝑧 um limitante
superior para o valor de 𝜁 (2) então, se 0 < 𝐴(𝑧) < 1, então existe um valor de 𝐴(𝑧) tal que para
cada 𝑧 a aproximação é a melhor possível.

Observação 8.34. Note que as duas aproximações para 𝜁 (2), a inferior e a superior podem ser
combinadas para gerar aproximações diferentes. Seja a candidata que considera metade de cada
aproximação  
1 (2) 1 1 (1) 1 (1)
𝜁 (2) ≈ 𝐻𝑧 + 𝐻𝑧 + 𝐻2𝑧 = 𝐻𝑧(2) + 𝐻2𝑧
(2)
. (8.76)
2 2 2𝑧 4𝑧
Observe na Figura 8.1 o comportamento dessa aproximação para todo 𝑧.

Figura 8.1: Comparação entre as aproximações utilizando-se dos limitantes inferior e superior e a
aproximação gerada pela média.

(2) 1 (1)
A aproximação 𝐻13 + 4·13 𝐻2·13 usando a forma anterior é melhor do que a aproximação
8.6 Cálculo discreto e aplicação 142

(2)
inferior 𝐻12020 (Figura 8.2). Ou seja, a forma racional a seguir

793494602079869 311132122280669
𝜁 (2) ≈ = 1+ (8.77)
482362479799200 482362479799200
é uma boa aproximação para 𝜁 (2).

Figura 8.2: Comparação entre o erro da estimativa em função do número de termos da série.

Suponha agora a família de correções


 
1 (1) 𝑘 (1)
𝜁 (2) ≈ (1 − 𝑘)𝐻𝑧(2) + 𝑘 𝐻𝑧(2) + 𝐻2𝑧 = 𝐻𝑧(2) + 𝐻2𝑧 (8.78)
2𝑧 2𝑧

com 𝑘 ∈ Q. Note que as curvas propostas sempre cruzam o valor de 𝜁 (2) para algum 𝑘 ∈ (0, 1)
uma vez que por um lado ponderamos a combinação por uma série que majora por baixo, e
por outro por uma que majora por cima o valor desejado. Uma propriedade interessante seria
promover a intersecção para poucas iterações. Para verificar essa possibilidade constate na
Figura 8.3 alguns valores de 𝑘.

Fazendo uma busca exaustiva no espaço 𝑘 = 𝑟/𝑞, 𝑟, 𝑞 ∈ {1, · · · , 100} e buscando apenas
soluções com menos do que 10 termos, tais que
𝑟 1 (1)
𝜁 (2) ≈ 𝐻𝑧(2) + 𝐻 . (8.79)
𝑞 2𝑧 2𝑧
Temos as soluções apresentadas na Tabela 8.1.
8.6 Cálculo discreto e aplicação 143

Figura 8.3: Comparação para a família de correções considerando 𝑘 ∈ {0/10, 1/10, · · · , 5/10}.

Tabela 8.1: Melhores aproximações para 𝜁 (2) usando diferentes ganhos de correção para cada quantidade
fixa de termos.

erro razão [k=r/q] aproximação aproximação com 𝑧 dígitos erro

𝑧=1 6.59 · 10−5 43


50
329
200
5
3 0.0217326
𝑧=2 1.65 · 10−5 69
91
2395
1456
51
31 0.000227223
𝑧=3 1.85 · 10−5 57
82
48559
29520
959
583 5.89885 · 10−6
𝑧=4 1.77 · 10−5 43
66
729569
443520
9108
5537 1.29784 · 10−8
𝑧=5 5.87 · 10−6 13
21
54406
33075
69357
42164 1.28341 · 10−10
Capítulo 9
Conclusão

O texto cobriu uma abundância de tópicos essenciais para o estudo da Teoria Analítica dos
números, em particular, funções aritméticas. Desde as definições de funções aritméticas, até
suas extensões analíticas. Cobrindo tópicos como apresentações de funções aritméticas usuais,
especiais e consequências das propriedades multiplicativas; Identidade de Euler e Abel para
comutar entre o domínio contínuo e discreto; grupos e a consequência de criar grupos finitos
multiplicativos; Caráteres de Dirichlet e suas propriedades; Séries de Dirichlet; funções zeta de
Hurwitz e L de Dirichlet; Continuidade analítica e resíduos de integrais complexas; Números e
polinômios de Bernoulli; e diversas outras propriedades conectando essa lista de tópicos. Ainda
tratamos de um tópico um pouco incomum, denominado cálculo discreto, no qual introduzimos
um método para obter fórmulas fechadas para somatórios complicados, além de obter limitantes
superiores e inferiores para os números harmônicos e boas aproximações para a série harmônica
usando somas finitas com poucos termos, tópico que pode gerar diversos desdobramentos para
pesquisa.
Referências

[1] Prime-generating polynomial. https://mathworld.wolfram.com/


Prime-GeneratingPolynomial.html, 1974. Último acesso em: 24/07/2022.

[2] The function concept. https://mathshistory.st-andrews.ac.uk/HistTopics/


Functions/, 2005. Último acesso em: 14/08/2022.

[3] Riemann hypothesis. https://www.britannica.com/science/


Riemann-hypothesis, Aug 11, 2009. Último acesso em: 14/08/2022.

[4] Apostol, T. M. Introduction to analytic number theory. Springer, New York, New York,
2000.

[5] Boole, G. Calculus of finite differences. Chelsea Publishing Company, New York, New
York, 1860.

[6] Lang, S. Real and Functional Analysis. Springer, New York, New York, 1993.

[7] Wilf, H. S. What is an answer? The American Mathematical Monthly (1982).

[8] Willans, C. P. On formulae for the nth prime number. The Mathematical Association
(1964).

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