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A Bela Morte e o Belo Morto Duas Visoes
A Bela Morte e o Belo Morto Duas Visoes
MORTE EM HOMERO
1. INTRODUÇÃO
temos por intuito analisar nesse artigo essas duas últimas visões acerca da morte dentro
belo de se deparar com a morte, para que assim o herói permaneça na memória coletiva,
Rennó se foca nos feitos realizados durante a guerra, definindo que, para ser
Porém, nosso objetivo não se atém a defender ou refutar uma das teorias, e sim
verificar como ambas estão presentes no contexto homérico e aparecem nos versos do
apresentam na Ilíada.
*
Graduandas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), bolsistas de iniciação científica pelo
CNPq/PIBIC. Graduandas em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cursando o
sexto período. Membros do Laboratório de História Antiga (LHIA) e bolsistas de Iniciação Científica do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/PIBIC). Orientadas pelo
Professor Doutor Fábio de Souza Lessa. E-mails: renata_cardoso@ufrj.br; brunams1990@yahoo.com.br.
2. A BELA MORTE VERNANTIANA
artigo A bela morte e o cadáver ultrajado (1978), além de poder ser encontrada em
termo bela morte não aparece nas epopeias de Homero: é cunhado a posteriori e só
pode ser encontrado no período políade, na oração fúnebre de Péricles, narrada por
de batalha, demonstrando toda virilidade, honra e coragem. Além disso, o morto deveria
ter um funeral completo, assim como ter seus feitos eternizados pelo canto do poeta.
E por que morrer belamente era um feito glorioso? Morrer jovem em batalha é
sociedade agonística, na qual cada homem vive em função do outro, a verdadeira morte
morre jovem, mas sua figura permanece eterna. Isso seria uma resposta dos gregos à
de existência social.
Outro aspecto que caracterizaria a feia morte é morrer ferido pelas costas,
poderiam aferir a feia morte aos que conseguiram matar. Como falamos acima, o que
consiste morrer belamente é manter sua imagem de um homem belo na memória social.
A concepção de belo morto foi mostrada por Rennó na revista Discurso, no seu
artigo intitulado Nota crítica à bela morte vernantiana (1994/1995). Neste, ele se utiliza
das mesmas passagens de Vernant para ir de encontro à ideia de bela morte que esse
autor expôs, mostrando que para o herói, era o feito de matar o mais importante e não o
de morrer.
Canto XII e a de Aquiles no Canto IX. Reproduzamo-nas: “Que, pelo menos, obscuro
não venha a morrer, inativo; hei de fazer algo digno, que chegue ao porvir, exaltado.”
(HOMERO. Ilíada, XXII, vv. 304-305). Aqui, para Rennó, não será a morte que dará a
Heitor seu reconhecimento, sua glória: são os seus feitos em vida (o “fazer algo digno”)
que o farão.
“Por isso tudo nos cumpre ocupar na vanguarda dos Lícios o posto de honra e
estar sempre onde a luta exigir mais esforço para que possa dizer qualquer
Lício de forte armadura: ‘Sem grandes títulos de honra não é que na Lícia
governam os nossos reis, e consomem vitelas vistosas, bebendo vinho de
doce paladar. É bem grande o vigor que demonstram, quando na frente dos
nossos guerreiros o inimigo acometem’.” (HOMERO. Ilíada, XII, vv. 315-
321).
Nessa fala de Sárpedon, percebe-se que o feito heroico não é morrer em batalha,
passagem, “(...) mas a alma humana, uma vez escapada do encerro dos dentes, não mais
se deixa prender, sem podermos, de novo, ganhá-la.” (HOMERO. Ilíada, IX, vv. 408-
409), Aquiles deixa claro que, para ele obter a glória e fazer algo heroico é preciso estar
vivo, sendo a morte, pois, o fim da realização dos seus feitos. De nada adianta ser o
melhor dos aqueus se a psyché, a alma, a vida, não estiver mais no corpo.
Para Rennó, assim como para Nicole Loraux, Homero não mata um herói sem
que isso seja necessário, já que sua morte seria o fim de suas façanhas. Por exemplo,
batalha e vingar seu amigo morto. A morte de Pátroclo dará dinâmica à narrativa e fará
com que Aquiles pague pela sua hýbris (desmedida) cometida contra Agamêmnon no
Canto I.
pretendemos defender que apenas uma delas se apresenta na Ilíada e sim que ambas
podem ser encontradas nos versos de Homero. Nas seguintes passagens, por exemplo,
podemos perceber uma concepção vernantiana da bela morte: “‘Sede homens, amigos,
ânimo forte, mutuamente ciosos da honra no duro embate. A morte poupa mais aos
bravos que aos fujões: nem socorro, nem glória a estes cabe’” (HOMERO. Ilíada., V,
vv. 529-532). Aqui, nessa exortação, fica claro que a bela morte é designada apenas aos
guerreiros bravos; os que fogem não têm direito a ela, uma vez que, ao se retirarem do
campo de batalha, se isentam dela. Também aqui fica a ideia de que a glória heroica só
Na passagem “não é desonra morrer lutando pela pátria; a salvo esposa e filhos
estão, bens e casa intactos, quando os Gregos com suas naus regressarem à terra
nativa’” (HOMERO. Ilíada, XV, v.495-498), fica também a ideia de uma morte bela no
campo de batalha: é honroso morrer lutando pelos seus companheiros. Entretanto, aqui
não se exclui a possibilidade de desfrutar de uma vida longa num retorno à casa, após
assassino. Seu nome nem é mencionado nessa fala de Heitor, denotando essa ideia.
fazer algo grandioso, em vida, para legar à memória das próximas gerações: “Não quero
vil e sem glória morrer. Algo de grande quero aos vindouros legar. ’” (HOMERO.
5. CONCLUSÃO
a respeito da morte, o nosso artigo propôs não defender um ou julgar outro, e sim
As noções de bela morte e de belo morto, inclusive, não são nem mesmo
contemporâneas à Ilíada, fazendo com que os estudos de ambos acabem sendo, de certo
O que importa, para nós, é nos debruçarmos sobre a Ilíada e verificarmos como
unilateral essa questão da bela morte é improfícuo para a compreensão desse tema.
HOMERO. Ilíada. Tradução, Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Ediouro, 2009.
HOMERO. Ilíada – 2 vols. Tradução, Haroldo de Campos. São Paulo: Arx, 2002/2003.
7.0 Bibliografia
ASSUNÇÃO, Teodoro Rennó. Nota crítica à bela morte vernantiana. Clássica, São
MALTA, André. A selvagem perdição: erro e ruína na Ilíada. São Paulo: Odysseus
Editora, 2006.
morte em Atenas (séculos VIII ao V a.C.). 2007. 116c. Monografia. UFRJ, Rio de
Janeiro.
1978, p. 31-62.
__________. Psykhé: Duplo do corpo ou reflexo do divino? In: Entre Mito e Política.
Tradução, Cristina Murachco. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2009.
__________. A morte heróica entre os gregos. In: A Travessia das Fronteiras: Entre
Mito e Política II. Tradução, Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Editora da