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Copyright © 2018 by Valentina K.

Michaels

Adorável Selvagem

Capa: Murilo Guerra


Modelo: Jamie Walke
Foto: Reggie Deanching

Preparação e Revisão: Cristiano Teixeira

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em


parte, sem autorização prévia por escrito da autora, sejam quais forem os
meios empregados.

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança dos fatos aqui


narrados com pessoas, empresas e acontecimentos da vida real, é mera
coincidência. Em alguns casos, uma notável coincidência.
Índice

Prólogo
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Vinte e quatro
Vinte e cinco
Vinte e seis
Vinte e sete
Vinte e oito
Vinte e nove
Trinta
Trinta e um
Trinta e dois
Trinta e três
Trinta e quatro
Trinta e cinco
Trinta e seis
Trinta e sete
Trinta e oito
Trinta e nove
Quarenta
Quarenta e um
Quarenta e dois
Quarenta e três
Quarenta e quatro
Epilogo
Prólogo
Meu corpo estava entrando em estado de choque. E isso era
preocupante. Eu não podia me render, se eu apagasse por completo, seria meu
fim. Tremia e batia o queixo sem estar com frio, na verdade, suava em bicas.
A dor era insuportável e, por isso, me fazia tremer.
Ainda amarrado na cadeira pesada, sentia minha pele arder, devido à
queimadura provocada pela água fervendo, e meus dedos latejarem. Todos
quebrados, esfacelados. Minha mão fora amarrada em uma mesa, e cada um
dos dedos esmagado por uma marreta, sem dó e piedade, não importando o
quanto eu gritasse implorando por clemência.
A mão esquerda fora poupada porque, segundo eles, eu precisava dela
para assinar.
Mesmo assim, eu estava firme na minha decisão. Eles me matariam,
mas eu não daria o que queriam.
— Desamarrem ele. — ouvi uma voz que me pareceu familiar, e
imediatamente os homens encapuzados que estavam há doze horas me
torturando, obedeceram à ordem, me desamarrando da cadeira. Cansado, com
muitas dores e humilhado, caí de cara no chão. Lágrimas de dor deixaram
meus olhos, enquanto eu me debatia, tentando ficar de pé.
— Traga ele para a mesa. Ele vai nos dar o que queremos agora.
O lugar onde eu estava parecia um galpão abandonado. O chão e as
paredes pareciam de concreto revestido de metal. Uma porta estava aberta,
por onde o chefe da gangue acabara de entrar.
Sem forças para lutar, deixei que me arrastassem até a mesa de metal.
Na minha frente, foi colocada uma pequena tela, um tablet ou notebook
talvez. Um dos homens segurou firme minha cabeça para que eu olhasse, e
então uma imagem me destruiu por completo.
Um homem encapuzado segurava uma criança. Assustada, ela chorava
muito. Era meu filho.
— Nãaaooo! — urrei e tentei me levantar, sendo impedido pelos
homens. — Não toque nele. Eu vou acabar com todos vocês! — era a única
coisa que eu conseguira fazer, gritar e me debater, mesmo com meus dedos
em frangalhos, metade do meu corpo queimado pela água fervendo e o queixo
e o nariz dolorido de tanto soco que recebi. Eu vou matar vocês, eu vou matar
cada um!
A tela foi tirada da minha frente, e eu não sabia para onde eles tinham
levado meu menino.
— Leve ele de volta para a cadeira. Recomecem a sessão. — o chefe
ordenou friamente e se virou para sair enquanto, aos gritos, eu era arrastado
novamente para a cadeira de tortura.
UM

TODO MUNDO tem uma ambição. Eu tinha uma, óbvio, e a minha


nem era tão gananciosa. Modesta e simples seriam os adjetivos que eu usaria
para classificá-la. Eu só queria um emprego.
Mas não qualquer emprego.
Estava me formando em marketing e meu sonho girava em torno de
conseguir um estágio na maior e mais badalada multinacional de tecnologia
do momento: a Dazzler. Uma das maiores fábricas de celulares e
computadores dos Estados Unidos. Dazzler, como essa mesma palavra já
dizia: deslumbrar! É o que cada aparelho fazia nas pessoas: as deixa
fascinada.
Eu sei que deveria começar por um escritório pequeno, fazendo
trabalhos pequenos. Carly, minha irmã, possuía uma loja de departamento, eu
poderia continuar trabalhando lá, me aperfeiçoando, fazendo os banners de
propaganda e divulgando sua loja, mas não era suficiente para mim. O
império Dazzler era sedutor, atraía minha alma de alguma forma quase
insana. Eu me tornei meio obcecada por tudo que a Dazzler lançava,
atualizava cada celular, notebook ou tablet que chegava a cada ano no
mercado. E isso deveria ser desconcertante para eu afirmar.
Há pessoas que amam artistas, outros, times de futebol. E a Dazzler
era minha paixão.
Ou tecnologia era minha paixão? Ainda não decidi.
O que sabia era que eu não tinha vida sem internet, TV, músicas…
Isso porque nem mencionei a melhor parte de tudo que envolve a
Dazzler: Joanna e Zack, o casal mais amado do momento, donos do império.
São lindos e apaixonados. A mídia os acompanhava com obstinação, me
deixado sedenta e fã de carteirinha deles. Já completavam quatro anos juntos,
comandando tudo. Eu desmaiaria se um dia pudesse ver a Joanna a alguns
passos de mim. Se fosse o Zack então… era óbito na certa. Aquele bonitão
maravilhoso.
Lógico que o sonho de estagiar na Dazzler não se restringia apenas a
mim. Meus colegas também matariam por um estágio lá, mas eles tinham pé
no chão e só ficavam mesmo sonhando. Nenhum deles teve a ousadia de
colocar um currículo na empresa.
Nem eu mesma nunca tive. Imagine uma ruiva sardenta e baixinha
chegar na porta da fábrica dizendo que queria trabalhar lá dentro?
Okay! Não me olhem assim, como se eu estivesse me desvalorizando.
Qual é pessoal? Isso é ser realista. Eu não tinha um “padrinho” para me
colocar lá dentro e muito menos era uma afortunada conhecida nesse meio e,
o pior: sem experiência em algo grandioso e muito menos havia estudado em
Princeton ou Harvard. Apenas uma quase publicitária, quase formada na
universidade aqui mesmo de São Francisco.
Eu sempre apenas fantasiei esse sucesso. E já tinha me conformado
em ser a profissional de classe média que trabalhava para a classe média,
estava contente em manter meu foco nas lojas do centro da cidade.
Entretanto, como um milagre divino, do nada, eis que surge a notícia
bombástica que a empresa anunciou:

Dazzler abre vagas para estagiários de


marketing, administração e contabilidade. Inscrições
no site até às 18 horas.

Agora, com animação em doses cavalares em meu organismo, dirigia


o Impala azul barulhento da minha irmã. Ela nunca o trocava porque dizia que
era uma relíquia, e sempre adiava a reforma no carro. O escapamento do
motor fazia um barulho estranho, como tiros, e eu odiava andar nele, correndo
o risco de ser perseguida por policiais, achando que estariam lidando com
terroristas. Nada me surpreenderia estando nesse carro.
Apesar do veículo nada convencional, gostaria de parecer enturmada
no meio profissional. Optei por um visual sutil e simples para me vestir.
Depois de revirar meu guarda roupa, escolhi uma saia lápis cinza escuro, uma
camisa de seda branca e um terninho por cima. Meus cabelos ruivos foram
presos em um coque perfeito que Carly fez e, no rosto, nada de maquiagem
pesada, amo minhas sardas e não as escondo por nada.
Na minha mão, uma bolsa preta e discreta e, disfarçando o
pessimismo, achei justo calçar um scarpin salto médio. Cada barulho do salto
combinava com as batidas do meu coração, batendo a mil por hora. Estava
indo para o lugar onde sempre sonhei trabalhar e tinha que parecer uma
profissional, na verdade, agir como uma profissional.
Minha irmã já me dera algumas dicas, como por exemplo: não
demonstrar ansiedade, não puxar saco de ninguém, se portar sempre com
educação e um pouquinho de esnobismo, não demonstrar que eles eram tudo e
eu nada.
O celular começou a tocar, olhei o semáforo no vermelho e uma fila
de carro na frente. Dá tempo. Abri a bolsa e peguei meu smartphone.
— Mãe. O que manda?
— Penny, já chegou ao local da entrevista?
Saí há dez minutos de casa, e minha mãe já devia ter um cronometro
na mão. Ela e a ansiedade eram irmãs de sangue.
— Ainda não, mãe. Estou no trânsito.
— Filha, eu te disse para pegar um taxi. — na voz, um tomr
preocupado.
— Não precisa mãe. Além do mais, Carly ficaria chateada se eu não
aceitasse o trambolho dela. — acariciei o volante dando um sorrisinho para o
painel como se o carro pudesse se magoar.
— Tudo bem. Levou com você a pasta de documentos e o novo cartão
para entregar à sua avó? — perguntou e já lamentou em seguida: — Mamãe
ainda vai me causar um enfarte por não querer se mudar para cá.
— Peguei sim, mãe. — olhei para o envelope no banco do passageiro.
— Passarei lá na volta e entrego-os à vovó. Devo chegar em casa por volta
das cinco da tarde.
— Então é melhor deixar para amanhã. Aquela região é perigosa.
Odeio aquele lugar.
A tal região perigosa que ela se referia era um lugarzinho calmo,
depois da ponte Golden Gate — um dos principais cartões postais do país —
Eu adorava o lugar que minha avó morava. Era tranquilo, com árvores em
volta, um belo lago onde podia se sentar à margem no fim de tarde e apreciar
uma bela visão.
Desde que vovô faleceu, minha mãe tentava trazê-la para morar com a
gente, mas a vovó não queria sair de lá, sentia-se bem lá, e eu a apoiava.
— Um lugar onde a senhora e o titio cresceram. — desdenhei da
preocupação dela. — Preciso ir hoje, amanhã eu não terei tempo.
— Tudo bem. Eu irei com você. Passe aqui para me pegar.
— Ok. — não queria discutir, pois os carros à minha frente
começaram a se movimentar. — Tchau mãe, torça por mim.
— Torcerei, querida.
Desliguei e, antes de guardar o celular, olhei para o logotipo Dazzler
formado por dois “Z”, atrás do aparelho, e sorri. Sabia que minha chance era
mínima, quase como ganhar na loteria. Mas passei a noite fazendo um
impecável histórico das minhas notas e desempenho na faculdade, e ainda dos
trabalhos que fiz em pequenas empresas.
Não tinha o melhor currículo, mas minha força de vontade era com
certeza maior.
Eu nem acreditei quando parei o carro em frente ao suntuoso prédio.
O ar do meu pulmão foi liberado sonoro e ansioso, com um pingo de
perplexidade. Eu me vi pasma, nunca nem cogitei entrar lá e agora eu teria a
entrada liberada.
Um funcionário da empresa se encarregou de estacionar o desgraçado
do Impala, fazendo uma cara que não foi de desagrado. Ele analisou com
atenção o carro. Alisei minha roupa, respirei estilo cachorrinho, como mulher
prestes a dar a luz, e entrei.
As portas de vidro se abriram automaticamente, e me vi em um salão
imenso, com piso brilhante, quase espelhado, e pessoas bem arrumadas indo e
vindo em direções diferentes. À minha frente, vi uma balcão alto de mármore
e metal com duas mulheres bem arrumadas atrás.
Na parede atrás, lia-se o nome Dazzler. Queria tirar uma foto de tão
lindo que era, mas me controlei.
— Olá. — me aproximei. — Sou Penélope Dawson, me inscrevi para
a vaga de estagiários de marketing.
A jovem loira não deixou de passar um olhar rápido pelo meu corpo,
antes de sorrir rasamente e mexer no computador. Após uma rápida
verificada, me entregou um crachá.
— Quinto andar. Seja bem-vinda à Dazzler.
O crachá que indicava “Visitante” foi preso no meu terninho, me
fazendo achar que já fazia parte da equipe.
No quinto andar, me deparei com uma sala muito asseada e clara.
Havia janelões que iam do chão ao teto, mostrando a cidade lá embaixo. Era
esplendido como tudo combinava entre o branco e o metal.
— Olá! — caminhei a outro balcão, agora com um rapaz atrás.
— Olá!
— Vim pelas vagas de estágio.
— Já se inscreveu pelo nosso site? — ele perguntou, não tão julgador
com os olhos como as moças do primeiro piso tinham feito.
— Sim. Penélope Dawson.
Ele digitou e levantou os olhos sorrindo.
— Pode se dirigir à sala à esquerda. Será chamada pelo nome. Boa
sorte!
— Obrigada!
Havia em média cem pessoas em uma sala ampla. Cada uma sentada
em uma cadeira cinza. Apesar de haver bastante gente, a sala estava em
silêncio. Outra funcionária, em uma mesa, ficou em alerta quando entrei pela
porta de vidro. Acenei para ela e escolhi uma cadeira desocupada entre duas
mulheres: uma suando em bicas e a outra comendo salgadinho e mastigando
com cara de dor de barriga.
Ninguém ali estava para brincadeira. O nervosismo era coletivo.
Abri minha bolsa para tirar meus fones de ouvido. Entretanto, pensei
melhor e achei prudente não usá-los, vai que chamam meu nome e não ouço?
— Oi, você! Pode vir aqui? — a mulher sentada à mesa acenou para
mim. Acabou sendo um sufoco levantar e passar pelas minhas companheiras
de fileira. Essas aí não serão aprovadas na entrevista, tenho certeza. O
nervosismo delas era amedrontador.
— Pois não?
— Você está pela vaga de que área? — sua testa, já enrugada pela
idade, se enrugou mais ainda me estudando.
— Marketing.
— Ah, é uma pena. Deve voltar daqui a dois dias.
— Sério? Por quê? — olhei em volta para as centenas de pessoas,
como se alguma fosse me dar uma resposta.
— Sim. O senhor Bradford é quem vai entrevistar os estagiários de
marketing, mas ele vai se atrasar e pediu que eu selecionasse apenas dez
candidatos para hoje.
— Mas não dá para…
Me encaixar… — terminei a frase em pensamento, uma vez que ela
me cortou:
— Infelizmente, não.
— Uma a mais, pelo menos,… senhora… — tentei argumentar, já em
desespero.
— Eu disse: Não! Volte daqui a dois dias. — a mulher adiantou-se em
assumir uma pose de confronto, e eu achei melhor não provocá-la, mesmo
estando revoltada.
— Ah… — dei uma olhada nas pessoas que continuavam com cara
de robô, sem se mexer. Revirei os olhos, sorri para ela e saí morta de ódio e
medo. Medo de ele entrevistar esses dez primeiros, escolher os que mais o
agradou e dispensar a entrevista com os demais.
Além do mais… puta que pariu! O Zack, o próprio Zack Bradford iria
fazer a entrevista? Caralho! Eu simplesmente iria morrer. Não estava
preparada para ver aquele homem em um terno luxuoso, me encarando
seriamente enquanto eu gaguejava pateticamente, tentando juntar duas
sílabas.
Saí na rua e pedi que trouxessem meu carro.
Tentei me dar um ânimo de esperança, mas foi inútil. Tinha certeza
que não iria conseguir a vaga. Estava com vontade de sentar na calçada e
chorar. As coisas da vida real não se pareciam nem um pouco com a ficção.
— Senhorita. — o funcionário me entregou as chaves.
— Obrigada.
Antes de entrar no carro, abri a bolsa para ver meu celular que tocava.
Queria chorar, então nem iria atender a ligação da minha mãe. Ela surtaria e,
na certa, mandaria Carly vir me socorrer.
— De quem é esse carro aqui na porta, Neill?
Ouvi a voz e me virei bruscamente. Cacete! Quase tive um treco.
Zack Bradford, bem ali a poucos passos de distância de mim, em um terno
mais luxuoso do que eu imaginei que ele estaria. Seu rosto másculo — corpo
grande e imponente — iluminava o dia como um espetáculo a céu aberto.
Olha esses cabelos dourados, meu Deus! Eram mais lindos assim ao
vivo do que por fotos ou pela TV.
— É dessa senhorita. — o funcionário que tinha estacionado meu
carro me delatou, e tive vontade de correr e abandonar o trambolho da minha
irmã. — Também fiquei fascinado. — o cara apontou para mim, e eu
semicerrei os olhos.
— Isso é uma relíquia, muito bonito. Cara, ano 67, o carro dos
Winchester.
Meu bom Jesus! Zack falou diretamente comigo e sorrindo. E elogiou
o carro de Carly. A vida real estava quase sendo melhor que a ficção.
— Ah… er… — minha voz já era. Me firmava fracamente presa aos
olhos verdes dele que me fitavam com entusiasmo. — Sim… é.
— Oh, porra! — exclamou olhando dentro do carro e vendo a
bagunça no banco de trás. Acho que eu tinha visto, mais cedo, uma calcinha
da Carly ali. Por que isso tinha que acontecer comigo? Por que um raio não
caía logo na minha cabeça e me tirava do mundo cruel? — Painel e volante
originais! O carro precisa de tratos e… quer vender? — direcionou seu
animado olhar para mim.
— Vender?
— É. Eu quero esse carro na minha coleção. Olha só isso Neill. — ele
deu uma volta ao redor do carro e bateu nas rodas com seu sapato lustroso. —
Olha as rodas. E se pintar de preto… puta que pariu! Será o carro da série
Supernatural. Preciso desse carro.
— Com uma ajeitada ficaria perfeito, patrão. — o manobrista
concordou sem compartilhar do mesmo entusiasmo.
— Diga seu preço. — Zack voltou-se para mim, e eu só esperava o
atestado de óbito, pois morta já estava.
— Bom… não é meu… o carro… senão, eu poderia… quer dizer…
— O que faz aqui? Investidora? — rapidamente, como se para
constatar, passou os olhos na minha roupa, e precariamente eu juntei minhas
pernas curtas que minha baixa estatura me permitia ter. O cara era
acostumado a ver as pernas mais lindas do país, da Joanna Bradford. E agora
me analisava.
— Estágio… de marketing. — tive forças para dizer, sem errar
nenhuma palavra. — Mas fui dispensada, pois já completou os dez candidatos
que o senhor… que você… tinha pedido para só entrevistar hoje.
— Neill, estacione novamente o carro da…
— Penélope Dawson.
Era eu mesma que estava falando? Minha boca estava dormente, e eu
totalmente fora de mim, para ter noção de algo.
— Da senhorita Dawson. Ela tem uma entrevista agora. Venha. —
Zack me chamou, nem esperou e já entrou na empresa. Só me restou correr
atrás dele, como sempre fiz na vida. Corria atrás dele, mas era em pensamento
e por fotos.
DOIS

Dessa vez nem precisei pegar crachá de visitante. Eu estava correndo


como um cachorrinho, seguindo as passadas másculas e pesadas do dono de
tudo isso aqui. Quem precisava de crachá quando tinha ele?
As mulheres da recepção ficaram olhando para mim com as melhores
caras de perplexidade que alguém poderia fazer. Era meu momento de reinar,
e eu aproveitei cada segundo da minha vitória.
Entramos no elevador, e eu estava me derretendo. Nem me mexia,
com medo de sair algum cheiro de suor. Sempre fui cheirosa e cuidadosa,
mas, nesses momentos, o azar podia sorrir para mim. Zack, ao contrário,
exalava o melhor cheiro que um homem poderia ter.
Quando me virei, tive a melhor visão que meus pensamentos não
foram capazes de formular: o elevador era de vidro e deslocava-se de forma
panorâmica, proporcionando à nossa volta uma magnífica visão de todo o
império Dazzler e seus muitos andares. Muito vidro, em toda parte, eu podia
ver pessoas dentro das salas. Era o próprio paraíso.
Quando as portas se abriram, Zack não foi cavalheiro para deixar eu
passar. Saiu antes de mim, e eu o segui rápido, segurando firme na alça da
minha bolsa e praguejando por meus saltos fazerem barulho: toc, toloc, toc.
A sala toda ficou em alerta total quando Zack entrou. O povo
começou a se mexer, se ajeitando na cadeira. E eu atrás, como uma mascote.
— Boa tarde, Meg. — ele cumprimentou a mulher da mesa que tinha
me dispensado.
— Boa tarde, senhor Bradford. — os olhos dela pousaram incrédulos
em mim.
— Começarei a entrevista com a… — jogou seu olhar para mim.
— Penélope. — falei.
— Isso, com a Penélope.
— Senhor, receio informar, e me desculpe se ela foi atrás do senhor…
Já se completaram os dez candidatos.
A tal Meg queria me bater. Isso era explicito em sua expressão.
— Sem problemas, atendo um a mais. — ele abriu a porta de uma
sala, e mostrou o interior com um aceno. — Entre, Penélope.
Eu sentia mil olhos sobre mim. Aquele povo na sala de espera devia
estar aqui desde de manhã. Mas não me fiz de sensibilizada. Entrei rápido.
A sala era imensa. Toda clara, com janelões para ter uma vista
perfeita, como todos os outros ambientes que estive. Era tudo muito limpo e
sem nada fora do lugar, chegava a ser milimetricamente arrumado. Eu me
mantive parada no mesmo lugar, com a visão fixada em uma foto grande em
um belo porta-retratos numa estante. Eram três homens e uma mulher.
A família Bradford. Queria poder chegar perto, para ver melhor.
— Sente-se aqui. — Zack indicou uma poltrona em frente à mesa e se
acomodou em uma cadeira executiva branca.
— Currículo? — estendeu a mão.
E eu abri minha bolsa na velocidade da luz, brigando com o zíper,
desejando poder ser mais rápida sem ser afobada. Entreguei a pasta a ele e
adiantei dizendo: — Estou terminando meu curso, consegui emprego em uma
loja, fiz alguns trabalhos para duas pequenas empresas… estudo aqui
mesmo… na Califórnia.
— Estou vendo. — murmurou lendo meu currículo. Meus dedos
torciam a ponta do meu terninho. Eu esperava receber uma resposta curta e
negativa, mas me mantive esperançosa.
Ele fechou a pasta e se recostou na cadeira, me olhando sério.
— Senhorita Dawson, não tem nada de aproveitável no seu currículo.
— fez um gesto de pouco caso — É fraco e pobre demais para a Dazzler.
Aposto que alguém aí fora pode me oferecer algo melhor.
Merda! Jogou sem pena na minha cara.
— Sim, eu sei. Essa é a oportunidade da minha vi…
— Obviamente. Estar aqui dentro, conversando comigo, não é para
qualquer um. — esnobou — Considere-se privilegiada, mesmo não
conseguindo a vaga.
— Claro.
— Entretanto, independente de eu comprar seu carro ou não…
— O carro não é meu. — o interrompi. Era melhor eu deixar claro.
— Independente do carro. — continuou. — Eu notei que você tem
uma expressão determinada. Para entrar na Dazzler não tem que ter apenas
diploma e nome, tem que saber o que quer, ser firme, acima de tudo, e sendo
estagiária de marketing, tem que conseguir passar a sua mensagem.
— Eu sei o que quero e posso dizer ao senhor…
Levantou a mão para eu me calar e prosseguiu: — Isso aqui para mim
não vale de nada. — empurrou meu currículo de volta para mim. — Está
desconsiderada se for só por isso aí. Mas quero que me convença a te dar uma
chance.
— Convencer?
— É. Você quer uma vaga no marketing. Divulgue você para mim,
me faça comprar a marca. — sua expressão era neutra, como se isso não
importasse nada para ele, quando, para mim, era o sonho da minha vida que
estava em jogo.
Me congelei instantaneamente, e pude sentir meu sangue fugir do
rosto. O cara me dissecava com os olhos esperando minha reação, enquanto
eu apenas tremia, sem saber o que falar. Meu Deus! Era todo meu futuro ali,
dependendo de minhas palavras.
— E então? — uma sobrancelha se ergueu, esperando ação.
— Posso me levantar…? — comecei improvisando.
— Fique à vontade. Tem dois minutos. — ele bateu com o indicador
no luxuoso relógio de pulso — Há mais pessoas para eu atender.
— Ok. — olhei em volta, respirei fundo e puxei o restinho de
coragem que ainda me restava. Nem a pau que eu ia perder a chance de estar
dentro.
— Aquela foto. — apontei para a foto da família dele. — Posso
afirmar que eu e a foto temos algo em comum. — as sobrancelhas de Zack se
juntaram, sem saber onde eu queria chegar. Só esperava não perder o fio da
meada e acabar arrastada por seguranças.
— Ela está ali, à vista. E quem chega já pode vê-la, e sabe logo de
cara o que ela representa para o dono dessa sala. Mesmo que ela não diga
nada, a pessoa que a olha, sabe tudo que está por trás dela: há paixão por trás,
senão ela não estaria ali. A foto não está escondida, ao contrário, está à frente
da porta, recebendo os visitantes, indiretamente, essas pessoas da foto estão
sempre aqui dentro com o dono da sala. — Zack engoliu em seco nitidamente
e olhou de relance para a fotografia. Eu estava com medo de estar indo longe
demais, mas continuei — Posso dizer que a pessoa que ocupa essa sala
conhece perfeitamente a foto, assim como as pessoas da foto conhecem a
pessoa da sala.
— Tem um minuto, Dawson. — a sua voz era cortante.
— E sobre mim? Você olhou para mim e viu determinação. Isso
porque há determinação. Eu não me escondi por ter o pior currículo. Como a
foto não se esconde, pois ela representa mais que uma foto, é a alma dos
Bradford. Eu resolvi bater de frente, uma vez que conheço isso aqui tudo e sei
onde estou pisando. Conheço como posso chegar ao topo por mim mesma e
usar o que sei para mostrar ao mundo minha paixão pela Dazzler, fazer o
mundo se apaixonar comigo. Assim como a foto mostra ao visitante, logo que
ele chega, que ela não é apenas uma foto de família, um mero enfeite, ela é a
própria Dazzler. Eu, Penélope Dawson, estarei por trás de grandes
propagandas, mostrando ao mundo que não é só mais uma obra de mais uma
galera do marketing. Eu darei voz a própria Dazzler.
Com os dedos cruzados, olhar muito sério, ele apenas me encarava.
Voltei a sentar, ainda trêmula, mas confiante. Era tudo ou nada.
— É arriscado você vir e dizer na minha cara o que acha que sabe
sobre minha família.
— Se não fosse para ser arriscado, eu nem tentaria. — desafiei.
Os lábios dele se curvaram levemente para cima.
Zack apertou um botão no telefone sobre a mesa e ordenou:
— Meg, mande o próximo candidato entrar. — olhou para mim e
decretou: —Está na minha lista negra, Dawson. Você foi aprovada para a
próxima fase. Dentro de sete dias deverá “vender” um dos nossos produtos
para uma mesa de diretores.
— Oh… muito obrigada, Zack!… — me levantei rapidamente. — Me
desculpe por qualquer…
— Senhor Bradford. — ele me corrigiu. — Não peça desculpas. Isso
cai um ponto para você. Quero ver a garota que me peitou. E que ainda está
na minha lista negra. — ele não sorriu, me estudou com seus olhos gelados e
inquisidores.
Eu agradeci e saí correndo, quase atropelando a tal Meg que ia
entrando com um rapaz alto e magricelo.
O importante era que eu estava dentro. Meu Deus, eu estava dentro!
Para a fase seguinte, eu já sabia qual celular escolheria para fazer a
propaganda.

* * *

— Eu não sei, Carly. Eu não perguntei qual o nome do perfume dele.


— falava ao telefone com minha irmã, enquanto dirigia na ponte Golden
Gate, rumo à casa da minha avó. Contei a Carly a novidade, e ela estava
vibrando enlouquecida. Quase conseguia imaginá-la com pompons de líder de
torcida. A voz gritante, ela já tinha. Faltava apenas a coreografia.
— Ele parece ser mais velho do que a idade que tem. — relatei. —
Acho que por causa da cara amuada.
— Vinte e sete? — questionou.
— Trinta. — porque eu sabia tudo sobre Zack. — O cara é um gato, é
um deus grego. Perdi a fala diante de tanta beleza.
— Chegue logo em casa e me conte cada detalhe. Nem posso
acreditar que Zack Bradford queria comprar meu carro. — ouvi barulho de
prateleiras, e sabia que ela estava descontando sua ansiedade na loja.
— Vamos falar sobre isso mais tarde. Estou indo na vovó agora. À
noite passo aí.
— Ok. Beijos, Penny. Dê um beijo na vovó por mim.
Eu desliguei e digitei o endereço da vovó no aplicativo de GPS do
meu celular, dividindo a atenção com a pista à minha frente e a tela do
aparelho. Terminei, deixando-o sobre o banco e liguei o som do carro. Tocava
algo da Alicia Keys, e comecei a cantar com a música.
De Alicia para Demi Lovato, que passou para Katy Perry, David
Gueta, Jason Derulo, e eu já começava a ficar impaciente. Aconteceu algo à
frente, um acidente talvez, e a fila de carros não andava. Esse horário era um
saco, por estar próximo à hora do rush e o calor se intensificar.
Peguei o celular e digitei no mapa, procurando por um atalho.
Consegui encontrar um, e toquei para seguir essa nova rota
“Vire à esquerda”. — o aplicativo indicou, me ajudando a sair da fila
interminável de carros.
Com o veículo em movimento, voltei a curtir as músicas e me deliciar
com a vegetação à minha volta. O GPS me mandou entrar numa espécie de
estrada de terra sem nenhuma sinalização, e eu apenas o obedeci. O lugar era
lindo, e podia se ver que era uma área sem muita habitação. Algum parque ou
algo do tipo.
Relaxei, e apenas pisei no acelerador.
E o tempo passou. O carro andava, e nada de chegar a uma saída, um
destino, Achei que sairia em uma via movimentada mais à frente, o que me
levaria ao pequeno vale onde minha avó morava.
Totalmente enganada, eu estava.
De repente, o aplicativo parou de funcionar. Não havia mais sinal, e
eu me congelei, morta de medo. As árvores em volta encobriam a luz do sol,
fazendo parecer que já estava escuro, quando, na verdade, ainda eram quatro
da tarde.
Com o coração descompassado, pisei no acelerador. Afinal, a pequena
estrada sinuosa devia sair em algum lugar. Mas, como um azar gigantesco,
algo atravessou na minha frente, não consegui frear a tempo. O carro rangeu e
rodopiou, pois, estava em alta velocidade.
Meu grito ecoou pelo local quieto, provocando uma revoada de
pássaros espantados, abandonando os galhos das árvores. Em seguida, veio a
batida forte do carro contra um tronco de uma árvore imensa.
Cacete! Graças a Deus não morri! Em compensação, eu tinha acabado
de ferrar com o carro relíquia da Carly e com minha coluna.
Havia muita fumaça saindo do motor. A buzina apitava sem parar, por
causa da minha cabeça caída contra o volante. Eu estava consciente, ainda
bem. O silêncio reinou novamente quando levantei a cabeça, me sentindo
muito tonta e com o corpo dolorido.
Céus! Tinha sangue no meu rosto.
Como se estivesse em câmera lenta, desafivelei o cinto e olhei em
volta à procura do meu celular. Tinha ido parar longe. Peguei-o e saí do carro.
Sem sinal.
Merda! Eu estava no meio do nada, em um lugar que parecia uma
floresta, com o carro batido e sem sinal de celular.
O medo começou a dominar meu corpo, e eu pensei rápido: havia
duas opções: ou corria de volta por onde eu tinha vindo, que por sinal devia
estar longe, ou andava mais um pouco para frente, à procura de ajuda. Parada
onde eu estava, eu não podia ficar.
Olhei o estado do meu rosto no retrovisor do carro e vi que o
ferimento era superficial, na testa. Quase desmaiei quando notei que havia
mesmo sangue. Precisei me segurar para não cair. Limpei com um lenço que
tirei da minha bolsa e me empertiguei: era hora de tomar uma atitude,
Penélope!
O que eu devia lembrar sobre aulas de sobrevivência?
Nada. Afinal, não me lembrava de ter assistido alguma aula dessas, a
não ser no colegial. Mas pelo que sabia assistindo o Discovery, eu precisava
ter um lugar para me abrigar quando caísse a noite e guardar o máximo de
energia, tanto minha quando do celular, além de levar, numa possível
caminhada, só o necessário.
Peguei minha bolsa e decidi ir na direção para frente.
Tinha um palpite que a estrada estava acabando e eu ia chegar em
algum lugar. Se eu voltasse para onde eu estava, podia ser que a noite caísse
antes que eu chegasse de volta à civilização. Decidi não tirar os sapatos. Os
saltos eram médios, eram um pouco desconfortáveis para andar, mas não
queria correr o risco de machucar o pé.
Andando por cerca de meia hora, sem saber em que ponto eu estava,
escutei vozes e me animei. Apressei o passo e corri estrada à frente, em
direção às vozes.
Dois homens pararam e olharam surpresos quando saí em cima deles
depois de virar em uma curva. Vestiam camisetas sujas e suadas, botas
cobrindo a calça, e cada um levava um saco de alguma coisa. Um deles era
velho, barbudo e escondia o cabelo dentro de um gorro. O outro era mais
novo e bem acima do peso.
— Oh! — exclamei sorrindo, com a mão no peito. — Graças a Deus,
encontrei alguém.
Os homens se entreolharam.
— Bati o carro a alguns metros atrás, estava com medo de ficar presa
aqui nesse meio do nada. Podem me levar a algum lugar? Me ajudar a sair
daqui? Conhecem o caminho? — eu implorava com as mãos juntas, como se
estivesse rezando uma prece. Tremores e calafrios tomaram meu corpo.
— O que uma garota como você está fazendo aqui por estas bandas…
e sozinha? — a voz do mais velho era grossa e meio rouca. Supus que o
tremor no meu corpo fosse medo.
— Eu… estava indo à casa da minha avó, peguei um atalho e aqui
estou. — expliquei por alto.
— Tem um posto ali atrás. Venha com a gente.
Eu estava com mais medo de ficar sozinha no meio do nada do que ir
na companhia deles, então nem debati comigo mesma se devia ou não
acompanhá-los.
Isso tudo estava parecendo uma história bem conhecida, onde uma
garotinha com capuz vermelho pegava um atalho para a casa da avó e ficava
em perigo, à mercê do lobo mau.
No caso, aqueles dois poderiam ser dois lobos maus.
— Então sua avó mora por aqui? — o gordo indagou me olhando
torto.
— Er… não por aqui. Eu nem sei onde estou. Peguei um atalho.
— Hum…
Andamos calados, e eu mantive uma certa distância deles. Meus pés
já estavam me matando, eu percebia que estava ficando mais tarde e eu só
pedia a Deus para me ajudar.
— Vai visitar a avó?
— É…
— Ela mora sozinha?
— Sim.
— Hum. — trocaram pela terceira vez um olhar suspeito, como se
estivessem planejando algo de comum acordo, bem aqui na minha frente, em
silêncio.
E agindo juntos, eles deixaram os sacos caírem, pararam de andar e
me encararam ameaçadoramente.
— Aqui estamos.
Olhei ao redor, em alerta. Estávamos ainda no meio do nada.
— O quê?
— Não vamos te levar a lugar algum. Mas vamos nos divertir muito.
Cacete! Onde fui me meter? Eram mesmo lobos maus.
— Fiquem longe de mim. — dei um passo para trás.
Fui uma burra por ter ido com eles.
— Ou o quê? — um deles zombou. — Vai correr?
— Ou gritar? — o outro emendou rindo, exibindo dentes tortos e
amarelados.
Porra! Não queria um episódio sobre mim no Investigação Discovery.
“Encontraram o corpo de uma mulher e estão procurando os autores do
crime”.
— Venha aqui gatinha ruiva, você não vai se arrepender. — o mais
velho tirou um canivete do bolso e caminhou em minha direção.
Eu tinha duas alternativas: ou lutar com eles e acabar perdendo, ou
correr e acabar sendo pega. Melhor morrer tentando.
Minha adrenalina tomou todo meu corpo; meus pensamentos a mil
por hora. Tinha acabado de conseguir entrar na competição da vaga na
Dazzler e não era ainda a minha hora de morrer, não era justo eu morrer logo
agora que minha vida, enfim, iria ficar legal.
Sem eles esperarem, eu pulei para o lado, para fora da estrada e
adentrei a mata, correndo entre as árvores.
Pude ver que estava sendo seguida e não me desanimei, continuei
correndo e gritando enlouquecida, sentindo o mato passar nas minhas pernas
arranhando-as e desviando das árvores e abrindo caminho nos matos mais
altos, com os braços.
Como uma sirene de ambulância, aumentei meu grito assim que vi os
dois chegando próximo de mim. Merda! Eu não estava conseguindo correr
mais que um homem de sessenta anos e um acima do peso. Por que não me
exercitei mais ao invés de ficar diante de um computador?
— Socorroooo! — berrava desvairadamente e então vi à frente algo
como uma clareira. Não parei de gritar e correr. Pude sentir a mão de um
deles quase me tocar. Vi a morte passar rente a meus olhos.
Saí na clareira, vi um monte de lenha cortada empilhada e eu soube
que tinha gente por perto.
Um deles segurou firme no meu terninho, eu virei bruscamente e
taquei a bolsa em sua cara.
— Me larga seu filho da putaaaa! — consegui me soltar e tropeçar
caindo e sentindo uma dor alucinante no tornozelo.
Céus! O azar corria comigo, não era possível.
Não estava acreditando nisso. Era como um filme de terror em que os
personagens caiam durante uma perseguição.
Eles dois sorriram e vieram para cima de mim. À frente pude ver
fumaça sair de uma chaminé. Eu não pude mais correr e então berrei por
socorro o mais alto que consegui. Todavia, meu grito de ajuda foi trocado por
um de susto do tipo: “AAARGHHHHH” quando, por trás de uma árvore, saiu
um ser enorme e cabeludo com um machado na mão. Olhou para mim e para
meus perseguidores, fincou com muita força a lamina do machado num
tronco, passou por mim e voou em cima dos dois homens.
Paralisada, eu assisti a cena do Gigante Golias cabeludo, atacar os
homens com uma destreza assombrosa. Em segundos, os dois estavam caídos
no chão, nocauteados.
TRÊS

— Quem é você? — Golias caminhou até mim.


Sentada no chão, paralisada de medo, eu levantei os olhos para
encará-lo. Era mesmo enorme, mas não transmitia perigo, sua presença, ao
contrário, era reconfortante. E tinha um cabelão comprido, parecendo uma
juba emoldurando seu rosto.
— Penélope. Por favor… eu… só… quero ajuda.
Como se me ignorasse, ele se abaixou e segurou com sua mãozona
enluvada o meu pé. Deu uma olhada e assentiu calado, chegando a um
diagnóstico somente para si.
— Venha. — nem me pediu permissão quando, sem dificuldade, me
levantou do solo em seus braços musculosos.
Eu estava com o rosto perto do ombro dele, sentindo o seu cheiro de
macho selvagem. As mechas de seu cabelo batendo em meu rosto. A princípio
me senti estúpida, segundos depois, uma completa incompetente.
Meu corpo tinha ciência de seu toque forte, e esse foi um dos motivos
que eu me enrijeci como uma estátua.
O senhor gigante do machado usava um jeans rasgado que aderia com
perfeição em suas coxas fortes, botas pretas e uma camiseta sem mangas, por
baixo de um suspensório que servia como um “cinto de utilidades” em que
tinha algumas pequenas ferramentas penduradas, como um punhal!
— Oi… er… tudo bem? — acenei para ele, completamente tensa em
seus braços. — Será que pode me colocar… no chão?
— Não. — resmungou e continuou andando, me levando rumo ao
lugar onde eu tinha visto a fumaça saindo pela chaminé.
Uma única palavra, e deixou claro que tipo de homem era: mandão.
Eu estava trêmula, suando frio e com meu tornozelo latejando. Para
completar, sentia meu sangue a quilômetros de distância do meu rosto: morta
de vergonha e medo de estar sendo carregada nos braços do senhor Golias.
Eu diria até que ele tinha algum parentesco com leões. E o mais
interessante foi que olhei para seu rosto, e ele era bem bonito. Tinha barba
grande, mas bem-feita, e bem cuidada, por sinal. Os cabelos dourados com
mechas amarronzadas sacudiam enquanto andava.
Cacete! Lá estava uma cabana. Cabana de madeira, no meio do nada,
não era bom sinal. Tive mais outro tremor de medo. E se esse grandão
cismasse de me comer? Podem pensar besteira; sim, estou dizendo nos dois
sentidos.
Ele, com certeza, ia ter uma facilidade absurda de me jogar em uma
cama ou um caldeirão.
Mas não foi isso que fez: para meu alivio, em relação ao caldeirão e
decepção, em relação à cama.
Ai, ai. Mas essa Penny era tão engraçada. — interiormente, ride mim
mesma a despeito dos meus dilemas. Me flagrei decepcionada de não ir para
cama com o grandão cheirando a suor e algo adocicado como… coco? Que
coisa estranha era aquela?
Com um chute nada modesto, ele abriu a porta da cabana e, tentando
ser sutil, me colocou em uma poltrona de madeira. Engoli em seco e levantei
os olhos para ele. Seria agora o momento que ele abriria sua braguilha?
Vade retro, Satanás! Se o pênis dele fosse proporcional a seu
tamanho, eu ia distender o maxilar. Devia ser de cair o queixo, literalmente.
— Como se sente?
Ah, eu tinha me esquecido de como a voz dele se parecia com a de
um tenor.
— Er… estou…
— Em estado de choque. — analisou. — Fique aqui, vou buscar um
pouco de água.
Ouviu, Penny pervertida? Nada de boquetes, apenas um copo de
água.
Ele não esperou eu dizer sim ou não, e saiu marchando. De costas,
andando, parecia um guerreiro pronto para lutar. O barulho das pisadas de
suas botas ecoavam no assoalho, e eu olhei para sua enorme bunda coberta
pelo jeans. Puta que pariu duplamente! Se esse homem montasse em uma
mulher, já era.
Lá fui eu novamente com os pensamentos indecentes. Isso porque eu
estava em choque, imagina se não estivesse?
Para desanuviar os pensamentos, olhei em volta. Me vi sentada em
uma pequena sala de estar. Tudo lá parecia ter sido feito à mão. A poltrona em
que me sentava era de madeira esculpida perfeitamente. Havia uma mesinha
no centro e, no chão, um belo tapete feito também manualmente, parecia algo
como pele de algum bicho.
Nenhum aparelho eletrônico, para meu desconforto. Odiava lugares
longe da tecnologia.
Movi a cabeça para o lado e notei uma porta. De onde estava,
consegui distinguir um pedaço de uma cama.
— Aqui está. — me assustei com o copo na minha cara e dei um
pulinho. Olhei para cima e o grandão não sorria. Apenas me encarava, como
se eu fosse a estranha lá.
Apesar de que ele era um estranho bem chamativo, com os braços
suados e seu cabelão espetacular.
Recebi o copo de sua mão e dei um sorrisinho de pura educação. Ele
aparentava estar visivelmente me suportando, sem o menor pingo de
paciência para visitantes.
E se tivesse alguma coisa na água? — dei um gole.
Poderia acabar caindo dura a acordar amarrada numa churrasqueira
ou cama. — outro gole.
Ou em uma cama e em seguida na churrasqueira.
— Vamos ver esse pé. — ele agachou na minha frente.
— Não. Não é necessário… — tentei pará-lo, por causa da minha
falta de confiança em suas mãos grandes, entretanto, foi em vão. Ele arrancou
meu sapatinho e olhou o pé. Respirei e soltei o ar pela boca. Que cena mais
desconfortável.
— Conte até três. — ordenou.
— O quê?
— Contar, numericamente, até três.
— Ah… um… — acabei de falar e ele torceu meu pé, quase me
fazendo me urinar. — aaaaaaaaaihhh caralhoooo! — me arrependi assim que
o palavrão saiu da minha boca e, como feedback, recebi um olhar reprovador.
Rústico, mal-humorado, odeia palavrões, cheira a coco… Já sabia bastante
coisa sobre meu salvador.
Golias levantou-se como se nada tivesse acontecido. Jurei que devia
ter lágrimas nos meus olhos. Massageei o pé dolorido, todavia, não tanto
mais.
— Fique à vontade, irei me refrescar. — soou como: vai embora da
minha casa que eu preciso ficar à vontade.
— Ah… eu gostaria de agradecer… Seu nome é… ?
Ele nem me ouviu, ou me ignorou, e voltou a caminhar para Deus
sabe onde. Soltei o ar pela boca e fechei os olhos momentaneamente. O cara
deixou aqui o seu cheiro de suor de macho e coco. Chegava a ser engraçado,
um Pé Grande desse tamanho cheirando a coco. Deu até desejo de tomar água
de coco.
— Oi,… senhor! — chamei. — Já estou melhor. Procurei minha bolsa
e não a encontrei. Olhei em volta e decidi perguntar a meu anfitrião onde ele a
colocou. Me curvei para frente e estiquei o pescoço para ver se ele estaria
vindo e então eu o vi lá fora da casa.
Foi como se tivesse passado um feitiço nos meus olhos, estava
petrificada. De onde eu estava podia ver nitidamente a cena à minha frente.
O Golias gatão, com juba de leão, desafivelou o suspensório e tirou
sua camisa jogando-a num canto.
Céus! Cadê meu celular nessas horas? Nunca vi um homem mais
gostoso na minha vida. Ele tinha braços poderosos, bíceps lindos que
combinavam perfeitamente com seu peitoral apolíneo. Era como se eu
pudesse tocar: dava para perceber que eram músculos duros e firmes.
Ele arrancou o cinto da cintura — que continha uma faca de caça — e
o jogou de lado. Em seguida, quase perco a sanidade quando ele começou a
juntar seu cabelão invejável em suas mãos e, rapidamente, mais rápido do que
eu conseguiria, fez um coque no alto da cabeça. Decidi que ver um homem
desses amarrar os cabelos num coque era meu mais novo fetiche.
Mordi meus lábios involuntariamente. Se eu tirasse uma foto e
postasse na internet, eu ia ter milhares de likes, com certeza.
Ele se abaixou sobre uma bacia e, com as mãos em concha, jogou
água no rosto. Perdi o folego com a água descendo pelo seu pescoço e
banhando seu tórax. Foi involuntário começar a tossir ridiculamente,
chamando a atenção dele. Ele viu meu momento voyeur, e eu me desequilibrei
e cai para frente do sofá, derrubando o copo e molhando o bonito tapete de
pele.
Ai, senhor! Me socorre! O homem estava vindo.
Me debati de quatro no chão, tentei me levantar, mas meu salto
quebrado me desequilibrou, me derrubando de novo, com força bati o queixo
na madeira da mesinha sentindo uma dor alucinante. E então braços enormes
e molhados me ergueram do chão.
Por que essas coisas só aconteciam comigo?
Ensandecida, morta de medo — afinal pouco tempo antes eu estava
sendo perseguida por dois homens doentios — comecei a me debater
desesperada, o grandão não me segurou direito e lá ia eu novamente de cara
para o chão. Ele me deixou cair tamanho foi meu desespero.
— Caralho, garota! — esbravejou e me pegou nos braços de novo.
Ok. O senhor Manda-Chuva podia falar palavrão.
— Por favor! — gritei de olhos fechados. — Seja rápido, não me
torture muito. — imaginei ele me matando, ou me levando para me violar.
Então tive um pavor maior: — Poupe meu cu! — eu gritei em desespero.
Pois, de verdade, eu sempre senti pavor em pensar nessa coisa de sexo pela
porta dos fundos.
— O quê? — ele parou de andar, e quando abri os olhos o cabeludo
me estudava incrédulo.
— Você… não vai…
— Por Cristo, você é muito louca. — ele fez um breve resmungo
como uma risada e entrou comigo no banheiro. Me colocou sobre uma pia
com bancada de madeira, também feita à mão. Ele seria um marceneiro?
Lenhador, eu tinha quase certeza que era.
— Você está sangrando. Na testa e agora no queixo. Fique aqui, não
se mexa. — ordenou, e, menos rude, completou: — Você tem facilidade de se
machucar.
Só então senti meu queixo doer e quando passei a mão, ela estava coberta
de sangue.
— Merda! — a tontura me abraçou. Não podia ver sangue. Ia cair da
pia, mas, rapidamente, mãos me seguraram.
— Ei. — nem abri os olhos. Pela voz de tenor, sabia que era o Golias
cabeludo. — Você abriu o queixo. — me avisou.
Grande ironia. E eu com medo de deslocar o maxilar chupando um
pau, estava de queixo aberto, pela minha incompetência.
— Vou limpar, não foi fundo. — ele avisou e ouvi mexer em algumas
coisas.
Abri de leve os olhos e um peito gigante musculoso estava na minha
frente. Caralho! Olha esses mamilos. Ofeguei.
Ele molhou um chumaço de algodão. Nada gentil, segurou minha
testa e puxou minha cabeça para trás, deixando meu queixo levantado. Vi o
sovaco dele e fechei os olhos.
Poupe meu cu. — sofri em pensamento com aquela lembrança. Por
que eu fui dizer isso? Estava querendo chorar de vergonha. Poupe meu cu!
Sério?
Por que eu não disse ânus?
Alguém aí está procurando a tour Vergonha Alheia? Podem chegar, é
aqui. Comprem o ingresso com Penélope.
Senti suas mãos um tanto ásperas mexerem em meu rosto, e meu
cirurgião rústico avisou: — Vou colocar um band-aid. Não foi nada grave.
Assenti balançando a cabeça como podia, uma vez que ele a mantinha
imóvel com sua mão de gorila.

— Sou a Penélope. — após ser liberada do banheiro, já na sala,


estendi minha mão para cumprimentá-lo. Tive a certeza de que estava segura,
depois de ganhar um curativo feito por ele.
Quem vai matar ou estuprar uma pessoa não se preocupa em tratá-la.
Certo?
— Seth. — ele apertou minha mão. Apertou literalmente, o cara
mostrou sua força num simples aperto de mão. Olhei seus olhos selvagens
verde musgo e senti um leve arrepio.
Olhar de promessas, e entendam como quiser o tipo de promessas que
me referia. Um olhar cáustico e hipnotizante que fazia qualquer uma inebriar-
se e mergulhar sem medo de ser feliz. Sua sobrancelha se ergueu mostrando
que ele estava desconfiado com minha profunda análise de seus olhos.
Balancei a cabeça e pigarreei.
— Obrigada, Seth. Por me salvar lá atrás e me trazer para sua… —
observei em volta: em um canto, machados e algumas armas — cabana de
caça.
— Eu moro aqui.
— Ah! Que legal. — não era legal coisa nenhuma. Sem Wi-fi? —
Então obrigada por me trazer para sua casa, fazer um curativo…
E não me comer. Na cama ou no caldeirão. — interiormente, ainda
continuava batendo nessa tecla.
— Não por isso. Venha, vou passar um café.
— Passar um café? — indaguei, como se ele tivesse dito: “vou
explicar a origem da humanidade”.
— É. — me olhou com o semblante curioso. — Jogar água quente no
café moído e assim…
— Eu sei o que é café. Eu só…
Não vejo um homem desse tamanho cuidando da casa.
Passei os olhos pelo corpão dele, vi o cós da cueca aparecendo no
quadril e voltei para seus olhos. O homem era um atentado ambulante ao
pudor.
— Deixa pra lá.
Parecia presunção o que vi em seus lábios, antes de se virar, me dando
as costas e mandando eu segui-lo. Mancando, corri atrás dele e consegui tocá-
lo.
— Er…Seth! Espere.
Ele se virou.
— Eu agradeço muito, mas queria ajuda para ir embora. Minha mãe
deve estar preocupada. Eu preciso encontrar alguém para vir resgatar o carro
da minha irmã. Será que pode me mostrar o caminho?
Continuando sério, quase ameaçador, acenou com a cabeça que sim.
Sem muitas palavras.
— Tenho uma caminhonete.
— Sério? — gritei incrédula. — Uma caminhonete?
— Sério. Sabe o que é uma caminhonete, não é?
— Sim, eu sei.
Apenas assentiu e me deixou sozinha na sala.

A caminhonete de Seth Golias era uma Ford, daquelas bem antigas


que tremem mais que terremoto. Na carroceria, ele fez um ajeito de madeira,
não deixei de perceber quando entrei no banco do carona, e isso fortaleceu
mais minha suposição de que ele era um marceneiro.
Eu estava com um pouco de vergonha, ao lado de meu novo amigo
salvador, pois estava pulando mais que pipoca em óleo quente. A estrada era
de terra e, com isso, a caminhonete não me deixava sentar com elegância.
— Você é caçador? — indaguei, querendo saber qual era a verdadeira
profissão dele.
— Lenhador, entre outras coisas. — respondeu com má vontade. Fez
até uma careta.
Qual é o problema desse cara?
— Lenhador? Isso é permitido?
— Sim. Tenho uma autorização. Só corto madeira de replantio, e
vendo para clientes fixos.
— Eu percebi, pelo seu… — passei os olhos pelo corpo dele e acabei
pousando-os em suas coxas grossas, abertas para comportar o volume enorme
entre elas. — Machado…
Caramba! Eu sou muito escrota, só passo vergonha. Ele percebeu
minha olhada nada discreta.
Pateticamente, Seth sorriu pela primeira vez.
Homens. — revirei os olhos.
— Então quer dizer que você mora… aqui. No meio do nada?
— E você? O que veio fazer por aqui, no meio do nada?
Odeio quem me responde com uma pergunta. Não olhei para ele, para
não me desconcentrar. Já disse e repito: o cara era uma bomba de tanta
sensualidade. Gostava do cheiro de macho com coco, soava tão Havaí…
— Eu estava indo à casa de minha avó, resolvi pegar um atalho e deu
nisso. Bati o carro, fui pedir ajuda a estranhos e quase fui molestada. —
relatei.
— Se eu não tivesse aparecido…
— Graças a Deus. Obrigada! — olhei, sorrindo agradecida para ele.
— Não por isso. — continuou, de cara amuada.
Chegamos ao carro batido da minha irmã. Descemos da caminhonete
e, após uma rápida olhada, Seth concluiu que precisava chamar um guincho.
Ele foi outro dos que achou o carro incrível. Será possível que só eu não
conseguia ver essa beleza toda no carro antigo e azul da minha irmã?
O caminho de volta foi tranquilo e eu vi que era muito fácil chegar à
cabana de Seth por um caminho alternativo que ele me mostrou. Ele me
deixou em um posto de gasolina a uns quilômetros dali e, pelo que me
pareceu, já era conhecido no local. O homem de meia idade sorriu, bateu a
mão para ele e disse:
— E aí, Simba? Qual a boa?
Simba?
Fiquei de longe olhando eles conversarem, e sabia que falavam de
mim, pois o homem de meia idade ficava olhando para mim, enquanto Seth
falava e apontava em minha direção.
Seth chamou um guincho e, minutos depois, eu estava a bordo do
carro que puxava o Impala da minha irmã. Com o dono do posto e o motorista
do guincho, se completavam cinco homens, no mesmo dia, que admiravam a
relíquia de minha irmã. Eu nem revirava mais os olhos. Apenas deixava os
caras conversarem sobre como o carro era bonito, original e tudo mais.
Quando o carro avançou, eu dei um tímido até logo ao enorme
homem de cabelos grandes que ficou me encarando com seus belos olhos
verdes de felino.
Simba, o leão, rei da selva.
Então era isso, o cabeludo era o rei daquele lugar. E eu me senti triste
em não vê-lo nunca mais.
QUATRO

— Caralho, Penny! Você bateu meu carro! — Carly gritava


enlouquecida olhando o estrago no carro dela.
— Calma, vou pagar o conserto. — tranquilizei olhando o celular.
Merda. Meu celular tinha milhares de mensagens não vistas nas minhas redes
e aplicativos. Fiquei fora muito tempo.
— Meu Deus! Ele nunca mais será o mesmo. — continuou gritando, e
eu perdendo a paciência — Era original, sua insensível.
— Ei, pera lá. Eu quase morri. Te contei que fui perseguida por dois
tarados e salva por um homem da selva, e você se preocupa com o carro?
— Zack não vai mais se interessar por ele. — choramingou toda
dramática, ignorando meus motivos que, na minha concepção, eram mais
preocupantes.
— E pretendia mesmo vender?
— Claro! O Zack Bradford estaria comprando um carro meu, isso
alavancaria minha loja. Brian vai morrer quando souber do ocorrido.
Que morresse.
Bufei com tédio e entrei na loja dela para buscar um sinal melhor do
Wi-Fi. Quando ela falou o nome do ex-marido-atual-namorado já perdi a
paciência.
Não estava com saco para aguentar a ladainha daquele cara. Carly se
separou dele há uns dois anos, e agora ele estava de volta à cidade e se
reaproximando dela, contra a nossa vontade. A tola parecia não se lembrar o
motivo pelo qual terminou com ele: traição da mais inescrupulosa. Estava
transando com uma funcionária nos fundos da loja.
Toda aquela aura negativa ficou para trás quando vi meu celular.
Vibrei me deparando com um e-mail da Dazzler. Eu estava recebendo e-mail
da Dazzler! Meu Deus, isso não acontecia nem nos meus sonhos.
Não quis ler. A curiosidade me matava, mas me mantive firme e corri
para casa, tinha que ter um lugar apropriado, calmo, sem interrupções para eu
ler, reler e refletir sobre o e-mail, qualquer que fosse a mensagem.
— Tô indo, Carly. — gritei para ela, não dando chance para ela correr
atrás de mim. Consegui, por misericórdia divina, parar um taxi que passava
bem na hora. Minha casa ficava a dois quarteirões da loja dela, mas a
ansiedade não me deixava ir a pé.
— O quê, Penny? Não vai me falar nada sobre a entrevista?
— Depois te ligo, surgiu uma emergência.
Já dentro do taxi, olhei para a ruiva mais velha me fitando de cara feia
na porta de sua bela loja de departamento. Pisquei para ela, acenei e disse:
“Vamos”, para o taxista.

* * *

O e-mail dizia que eu tinha sido aprovada na primeira entrevista e que


eu devia preencher o formulário em anexo e mandar o mais depressa possível
para o e-mail de serviço logo abaixo. Trancada no meu quarto, soltei os
cabelos, tirei a roupa suja, ficando só de calcinha e sutiã, e sentei na minha
escrivaninha para preencher logo. Usei toda minha criatividade para dar as
melhores respostas.
Meu quarto era pequeno, mas muito confortável. Tinha minha cama
— que ainda era de solteiro — minha estante de livros e meu cantinho de
trabalho com mil projetos pregados na parede. Uma escrivaninha cheia de
canetas, pincéis, lápis de cor e tudo mais. Às vezes eu gostava de desenhar à
mão, banners ou logotipos e só depois jogar no computador.
Meus pais ficavam do outro lado da casa, num quarto afastado; sim,
ainda morava com eles. Nunca achei que precisava de uma casa só para mim,
sendo que aqui não pago aluguel.
Terminei de preencher o formulário, li e reli e enviei, suando frio.
Segure essa, Zack gostoso!
Caralho! Eu estava entrando mesmo na Dazzler. Olhei para o logotipo
na parede e sorri satisfeita. Toda noite eu olhava aquele logotipo antes de
dormir, desejando poder ter uma chance. Minha ficha não tinha ainda caído.
Abri minha agenda e com uma felicidade ofuscante, fiz um asterisco
na frente de uma das metas de minha vida:
• Trabalhar na Drazzler. — escrevi na frente: Em andamento. Sorri
lendo a próxima:
• Encontrar um cara legal, gostoso e admirável.
• Comprar um carro
Eu devia estar louca de colocar “um cara legal” antes de “comprar um
carro”. Hoje, preciso mais de um carro do que de um homem.
E só então pude me ver no espelho do outro lado:
Um caco.
Meus cabelos nas alturas, dois curativos no rosto, um na testa e outro
no queixo e manchas de sangue seco em um lado do meu rosto.
Era melhor eu me limpar antes de me apresentar à minha mãe.

— E foi isso que aconteceu, mãe. — terminei de contar sobre a batida


do carro, omitindo minha fuga e o salvamento pelo lenhador gostoso.
— Meu Deus! Mas você está bem, querida? Foi ao pronto socorro? —
de olhos sobressaltados, examinou meu corpo.
Fui. Num banheiro rústico, e fui atendida por um cabeludo enorme
que cuidou de mim.
— Não, mãe. Foi apenas um corte superficial. Já estou bem. O carro
vai para o conserto. Eu vou pagar, já disse a Carly.
— Penélope…! — esse tom dizia que lá vinha sermão — eu sempre
te digo para não pegar atalhos e ainda mais confiar nessas coisas tecnológicas.
Olha o que acabou acontecendo. Meu Deus! Não quero nem pensar no que
mais poderia ter acontecido.
— Estou bem, mãe. Não foi culpa do aplicativo eu ter batido o carro.
Mas foi culpa dele ter me mandado para o meio do nada.
— Sim, mas foi culpa dele ter te mandado para o meio do nada. —
minha mãe pareceu ter lido meus pensamentos.
Saltitei para perto dela no sofá e a abracei. — Agora irei contar tudo
sobre a entrevista.
— Foi aprovada?
— Calma dona Diana! Deixe eu contar do início.
* * *

À noite, deitada na minha cama, depois de ter ouvido berros do meu


pai por eu ter colocado minha vida em risco, virei-me para o lado e tinha Zack
Bradford na minha mente. Lindo, esnobe — porque ele pode — e que sabia
da minha existência. Eu estava na lista negra do Zack, isso era o máximo.
Tolamente, eu não conseguia parar de sorrir. Sabia que ele tinha a mulher
mais invejada e desejada do estado, mesmo assim, sorria encantada. Os olhos
intensos… os lábios perfeitos, a espessa barba castanho claro…
Ele era casado, Penélope. Não cansava de me lembrar desse detalhe.
A vaca sortuda da Joanna tinha aquele homem todas as noites, devia
agradecer eternamente.
Virei-me de lado na cama e então, na minha mente, estava um homem
enorme, forte — não só em músculos, mas em intensidade e potência — de
cabelos grandes e bonitos. Se eu fechasse os olhos, podia sentir o doce cheiro
de coco que exalava dele. Era um contraste muito atrativo. Adocicado do
coco com a bravura masculina. Era quase como se eu pudesse sentir o cheiro
de sua testosterona.
Seth — ou Simba, para os íntimos — era uma perdição. Sua voz
grave, seu jeito bem reservado e bruto, a maneira como fincou aquele
machado no tronco e me salvou. Caralho!
Eu estava mesmo suspirando pelo cara do mato?
Era, sem dúvida, uma louca varrida.
Me virei de volta para o lado que me fazia relembrar de Zack
Bradford. O dono da maior empresa de tecnologia que era minha fonte de
inspiração. Era bem mais conveniente suspirar por um cara casado que
comandava aquele império do que por um brutamonte gatão que morava no
meio do nada e que era chamado de Simba, pelos conhecidos.
Fala sério, Penny. Você pode mais. Você está na Dazzler; o céu é o
limite.

* * *

Cheguei cedo na Requinte, a loja da minha irmã. Ela e Brian abriram


essa loja há mais ou menos dois ou três anos, e está dando lucro. O local já
era da Carly e ela não paga mais aluguel. Antes era apenas uma loja de
roupas, entretanto, agora, tem vários departamentos, como: roupas,
cosméticos, livros, áudio e vídeo, doces, entre outros, quase uma mini
Walmart. Sem falar que fica em um bairro bom e comercial da cidade.
— Bom dia! — cumprimentei contagiando o ambiente com minha
alegria.
— Vai pagar o conserto do carro, Penny. — Brian gritou assim que
me viu. — Não vai se safar.
Eu queria dar um soco nele, não suporto esse cara. Traiu minha irmã,
ficou dois anos por aí e agora voltou botando banca. Merece um corretivo.
Entretanto, me limitei a ser esnobe.
— Que deselegante, Brian, me cobrando assim, logo cedo.
— Que história foi essa do cara ricaço querer o carro? — ele veio me
seguindo, como um carma que sempre foi.
— Pois é. Cresceu os olhos, né? A novidade é que provavelmente
Zack não vai querer mais, o carro está batido.
— Ainda diz com essa cara deslavada. Devia tomar vergonha na cara.
Joguei meus cabelos ruivos de lado e mostrei o dedo do meio para
ele; estava feliz demais para me estressar. — Carly. — gritei entrando mais na
loja, deixando Brian na frente arrumando as vitrines para poder abrir a loja às
oito.
— Estou aqui. — gritou lá do fundo. Era uma pequena cozinha com
escritório e quarto que eles tinham ali. Às vezes os dois dormiam por lá
mesmo. É uma vaca mesmo minha irmã, aceitou o homem definitivamente de
volta à sua vida.
Carly acabara de preparar café e o cheiro era delicioso.
— Viu o Brian? Tá nervoso.
— Seu companheiro late muito. O que tem aí para comer? — passei
os olhos em volta.
— Tortinhas de queijo. Pegue uma xícara para você.
Peguei a xícara, me servi de café e tomei a cadeira em frente de Carly.
— Me conte tudo sobre as reviravoltas de ontem. — me intimou.
— Puta que pariu… — fiz uma pausa, com a xícara nos lábios,
relembrando o dia anterior. — Carly… é coisa de livro, bem surreal
— Sobre Zack?
— Sobre tudo. Eu conversei com Zack assim cara a cara e minha
ficha nem caiu ainda, fui aprovada no teste…
— Eu sabia! — Carly gritou — Te falei para confiar em si própria.
— Não sei se devo comemorar. Ele disse que estou na lista negra
dele, por eu ter falado de uma foto de família que ele tem no escritório, parece
que o cara não gostou. E você sabe todo perrengue que ele tem com aquela
família.
— Mas você também, né? Vai morrer pela boca, Penny. O que disse
sobre a foto dele?
Contei resumidamente a ela tudo que aconteceu na Dazzler e, em
seguida, sussurrei: — Mas quer saber? De verdade, o que me deixou mais
mexida nem foi o Zack.
— Não? — se espantou, com a boca cheia de tortinha de queijo.
— O cara que me salvou na mata. Como eu te contei, fui perseguida
por dois tarados
— Sim, me contou. Mas está tudo bem, não é?
— Sim, está. Eu não tenho palavras para descrevê-lo. — outra pausa
dramática e, dessa vez, acabou arrancando um sorriso dos meus lábios. — Se
chama Seth, mas eu gostei bem mais de Simba. É um humano com pose de rei
leão.
— Coitada da minha irmã. Louca de pedra. Não está falando coisa
com coisa, Penélope.
Saí do transe de meus pensamentos, e não me surpreendi ao ver o
olhar zombeteiro de Carly.
— Tá, vou dizer em poucas palavras: um cara que vive lá no meio do
nada, é lenhador, bem alto, com um corpão de dar água em qualquer boca.
— Uii! Delícia. Malhadão?
— Não de academia, sabe? Mas de serviço braçal. Ele não tem aquele
tanquinho trincado e bem enxuto, é do tipo bem gostoso, parrudo definido,
com um senhor tórax. A vida moldou cada um daqueles músculos potentes,
como o ferreiro forja o ferro.
— Cacete!… Nenhuma foto aí?
— Nada. — soprei desanimada
— Mas é bonito, ou fortão não tão belo como o Sylvester Stallone?
— Para. Ele era gato em Rambo.
— Uma fase, já passou. Mas então, me conte…
— Sobre o selvagem… é lindo. Cara de homão com selo de
qualidade. Tem uma barba muito bem-feita, e um cabelão de dar inveja. É
meio loiro castanho com mechas loiro-trigo, e cheira a macho e coco. —
sonhei acordada relembrando do lenhador.
Eu sei, tinha me corrigido ontem, que era para eu parar de fantasiar
com o cara do mato, que eu mereço mais, entretanto, era mais forte que eu. O
bendito me marcou com seu olhar compenetrado e sua voz de tenor.
— Coco? Como assim, o boy lindo do mato cheira a coco?
— É. Eu não sei explicar, mas ele tem um leve cheiro adocicado de
coco. E ele me salvou e me fez curativos. Ahhh — abracei a xícara junto ao
peito — Que homem…
Minha irmã se serviu de mais café e condenou logo: — Ai, Penny!
Não me venha dar trabalho com homem da selva. Já basta seu último
namorado babaca…
— Olha quem fala de homem babaca. A rainha das trouxas. Relaxa,
sua besta. Não estou querendo namorar o lenhador… É só desejo mesmo.
— Mas então… não rolou nada?
— Nada. — confirmei — Quer saber o que mais me deixou mal?
— O quê? — a expectativa de Carly era como se ela tivesse
acompanhando uma novela.
— Ele me salvou, cuidou de mim, queria passar um café pra mim, me
levou até o posto e ficou lá comigo até o guincho chegar. No final, dei apenas
um tchauzinho sem graça para ele. Cara, sou muito insensível.
— Pois volte e o agradeça adequadamente, será um motivo para você
rever ele.
— Rever? Eu não quero…
— Claro que quer, Penélope Dawson. Sou mulher e sei que quer
muito ir. Qualquer uma ia querer ir novamente e ver o tal rei leão cortando
lenha.
Dei uma risada e empurrei a xícara de café.
— Não sou desse tipo, Carly. Nossa, eu mal consegui arrumar um
namorado todos esses meus anos de vida. Se não fosse por você…
— Como você mesma disse, não é namoro, é desejo. Volte lá, como
quem não quer nada, só para dar uma apreciada novamente no material. Ver
homem gostoso assim de perto, nunca é demais minha irmã, vai por mim.
Cogitando sobre isso, fiquei séria absorvendo a possibilidade de
voltar àquele lugar.
— E o que eu digo quando chegar lá?
— Que foi agradecê-lo — Carly fez uma pausa, pensou um pouco e
deu um gritinho — …Ah! As rosquinhas que você sabe fazer. Frite algumas e
leve para ele. Pronto. Isso vai te dar a chance de voltar para a casa dele e
tomar um gole de café comendo rosquinhas e olhando o macho delicioso na
sua frente. Se eu não fosse comprometida, ia com você.
— Ia pra onde?
Olhei para a porta e vi Brian quase horrorizado encarando minha
irmã.
— Encontro de solteiras com boys dançando pelados. — ela mentiu
descaradamente e se levantou da cadeira. Brian me lançou um olhar
repreendedor, como se eu tivesse levando a mulher dele para o mau caminho.
Bem que eu queria. Para desbancá-lo de vez. Se Deus quiser, ainda
arrumo um homem de verdade para ela.
Me adiantei logo para desmenti-la: — Ei, sua louca, eu não… — nem
terminei de protestar, e ela já estava grudada no Brian.
— Não preciso ver outros homens dançando pelados, Brian. Já tenho
você dançando só para mim.
— Eca! — peguei minha bolsa e me levantei. — Estou indo nessa,
pessoal. Se precisarem, sabem meu número.
— O carro vai hoje para o conserto. — Brian gritou.
— Faça o que eu te disse. — Carly berrou logo em seguida, e eu fiz
um gesto positivo com o polegar, por cima dos ombros, continuando andando.
Ainda ouvi Brian dizer: “Penélope está cada dia mais estranha.
Homens pelados? Nunca pensei.”
E eu fiquei pensando se devia ou não fazer rosquinhas para o
lenhador.
CINCO

Eu fiz dois trabalhos de propaganda para uma loja que me contratou,


depois coloquei em dia as coisas da faculdade que, por sinal, já era meu
último semestre, e logo estaria me formando.
Às onze da manhã, eu já estava morta de preguiça. Todavia, tinha que
me levantar e ir à casa da minha avó, levar alguns documentos que ela estava
precisando. Minha mãe não estava em casa, e como ela não trabalha, supus
que tivesse ido ver uma amiga. Minha mãe se aposentou cedo, contra sua
vontade, tudo por causa de um problema no joelho. Ela odeia ficar dentro de
casa sem nada para fazer.
Saí de casa em segurança, num carro que chamei pelo aplicativo.
Ontem passei por um trauma causado pelo GPS, e não queria que isso
acontecesse novamente. Se bem que hoje em dia, ir para um lugar remoto
com um estranho, é bem mais perigoso. Eu poderia ter pegado novamente o
carro de Carly, se não estivesse na oficina sendo consertado.
Enquanto o cara dirigia — me olhando repetidas vezes pelo retrovisor
— eu dividia minha atenção entre o caminho e meu celular. Estava trocando
mensagens com Tatiana, uma forma de me sentir segura, em contato com
alguém conhecido.
A casa da minha avó ficava muito próxima do parque Muir Woods
que repousava como monumento nacional a alguns quilômetros da ponte
Golden Gate. Quando o carro de aluguel parou ao lado da cerca do caminho
que levava à casa da minha avó, meu coração respondeu aliviado, com batidas
ferozes na garganta. De longe eu podia ver a casa dela, a sensação de missão
cumprida me envolveu.
Paguei o motorista, abri a trava da porteira e andei rápido, de verdade,
quase correndo, até a área rodeada de árvores frondosas, onde ficava a casa de
minha avó. Ela não estava isolada, como minha mãe costumava relatar
dramaticamente. Tinha uns vinte vizinhos próximos, distribuídos em alguns
metros de distância. Eram como uma cooperativa, todos se conheciam e se
ajudavam.
— Vó! — chamei, entoando minha euforia na voz. — Vó Carmem!
— seus cabelos brancos apareceram na janela e, em seguida, ela saiu na porta.
Baixinha e rechonchuda. Mais feliz que eu, aparentemente. Eu, inclusive fui
com o estômago vazio, porque minha avó amava nos empanturrar de delícias
caseiras.
— Penélope! Faz quase mil anos que não aparece.
— Não faça drama, vovó. Tem apenas uma semana. — a abracei
apertado e entrei na casa, para me sentar com ela no seu sofá forrado com
uma manta de retalho que ela mesma confeccionou.
Ela não morava sozinha, tinha uma ajudante que minha mãe contratou
para morar com ela e ajudar minha avó nos serviços domésticos. Além do
mais, não era de todo ruim. Tinha eletricidade vinda de painéis solares, água
encanada vinda de uma cisterna, um pequeno galinheiro e sua própria horta.
Essa era a vida dela desde sempre e tínhamos que respeitar sua vontade.
Enquanto ela terminava de fazer o almoço, contei resumidamente
tudo que tinha me ocorrido no dia anterior, mas achei por bem omitir sobre os
caras que tentaram me violentar. Minha avó era mais sensível que minha mãe,
era desnecessário ela perder o sono se preocupando com bobagens.
Ela fez um delicioso peixe assado inteiro, na folha de bananeira.
Estava divino. Foi a melhor escolha eu ter vindo de estômago vazio, para
poder aproveitar.
Minha tarde com minha avó transcorria fabulosamente agradável,
entretanto nossa paz, ou melhor reformulando, minha paz apenas, parecia ter
acabado quando ouvi um barulho levemente conhecido. Minha avó continuou
numa boa sentada na sua cadeira de balanço na varanda da frente, contando
alguma coisa, indiferente à minha perplexidade ao lado dela, vendo uma lata-
velha bem familiar se aproximando.
Caramba, era o carro de Simba, o lenhador.
Seth desceu do carro, e quando me viu, se deteve também pasmo,
como se estivesse vendo o satanás na sua frente. Me dei conta que eu tinha
me levantado, fiquei de pé olhando-o, buscando urgentemente uma resposta
para a sua presença inesperada na casa da minha avó.
Parado, pensativo, com as mãos na cintura, ele quase nem piscava me
encarando. E creio que na sua mente, a pergunta que girava era parecida a
minha: “o que Penélope desastrada está fazendo na casa dessa senhora?”
— Ah… oi. — fui a primeira a quebrar aquela barreira invisível de
desconforto entre a gente.
— Oi. — olhou para minha avó. — Boa tarde, senhora Jones.
Então ele a conhecia. Como? De onde?
— Simba, fique à vontade. Pode descarregar ali. — acompanhei com
o olhar para onde minha avó apontou. Era um cercadinho para colocar lenha
cortada. Então tudo fazia sentido.
Seth deu uma última olhada para mim. Tive a impressão que seus
lábios inclusive se moveram na tentativa de dizer alguma coisa, mas desistiu e
se virou, indo para a carroceria tirar os tocos de lenhas cortados.
— Ele abastece a região toda com lenha. — minha avó resolveu dizer,
deve ter percebido como eu estava abertamente interessada em cada
movimento de Seth. Olhei para ela e até abanei meus cabelos como se
pudesse sair de um transe. Me sentei de volta na outra cadeira ao seu lado.
— Então… ele vem sempre aqui?
— Sim. Como achou que eu conseguia a lenha para a lareira e o
forno? Além do mais, ele é um faz-tudo. Essas cadeiras que estamos sentadas
ele confeccionou e vendeu para mim.
Olhei para a cadeira de balanço, muito bem-feita, entalhada
minimalista, como os móveis da casa dele.
— Vó, ontem, quando eu bati o carro, bom… — relutei um pouco —
esse foi o cara que me ajudou.
— Ah! — os lábios abertos sorrindo demonstraram que ela gostou de
saber — Então estava em ótimas mãos. Ele é um bom homem.
— Parece estranho. — ponderei.
— E é estranho.
— Mora no meio do nada. — julguei. Para mim, esse era o motivo de
ele ser estranho.
Minha avó me fitou e seus olhos pareceram nostálgicos, como se
voassem no passado. Ela fez um gesto negativo.
— Não estranho por morar no meio do nada. Eu moro no meio do
nada e não sou estranha.
— Verdade. — e isso era mesmo verdade.
— O Seth, Simba, como é conhecido, tem algo muito misterioso em
sua volta. — ela confidenciou, tendo cuidado para que ele não escutasse a
gente — Algo que não compete a mim descobrir. Ele não faz mal às pessoas
em sua volta. Faz mal a ele próprio.
Enquanto ela falava, preguei meus olhos no homem grande, cabeludo,
indo e voltando do carro até o cercadinho, descarregando a lenha. Comecei a
vê-lo com outros olhos. Algo que eu não tinha ainda reparado. Parecia um ser
frágil dentro daquele corpo de quase dois metros.
— Ele tem a alma perdida.
Me virei para minha avó.
— Como é que é?
— Nunca saberemos. — ela deu de ombros — Ninguém se aproxima
muito dele, vive isolado, é de pouca conversa, mas já ouvi rumores de alguém
ter visto ele chorar desesperadamente no meio da mata. E essa cena… dizem
que já foi vista várias vezes.
— Ah, meu Deus! Vó! — cobri a boca com minha mão. Se a intensão
era me deixar sensibilizada ela conseguiu com êxito.
— Como eu disse, não cabe a nenhum de nós questionar. É a vida
dele.
— Sim, claro. Mas…
— Nada de perguntas. Ele já está acabando, vá, entre e pegue água
gelada para o homem.
— Sim, senhora. — eu praticamente voei, aceitando no mesmo
instante a tarefa. Escolhi um copo grande, peguei uma jarra de vidro, joguei
bastante gelo dentro da água e levei para fora. Seth tinha acabado e estava
amarrando o restante da lenha na traseira do carro.
— Oi. — tentei ser descontraída.
— Ah… oi. — ele olhou para a bandeja, pegou o copo e esperou eu
enchê-lo. Bem desconfortável, porque não mantínhamos contato visual e meu
curativo no queixo era um lembrete que mostrava que já nos conhecíamos, de
uma forma também desconcertante.
— Ela é minha avó. — apontei para trás, onde minha avó estava.
— Hum, legal. Ela é uma boa senhora.
— Sim. — esperei ele dar alguns goles, e nem tentei frear minha
língua. Todos, inclusive ele, sabiam como eu falava demais. — Então… você
é mesmo lenhador…
— Eu disse que era.
— Sim, você disse.
Como a água estava bem gelada ele tomou aos poucos. Seus olhos
estavam banhados de curiosidade. Me encarava sem discrição. Ficou bom
tempo fixado na minha boca, me fazendo corar. E eu não fiz diferente.
Mordendo os lábios, olhei para seu bíceps grande e suado. Ele era muito bem
definido e bem gostoso. Um pecado ambulante.
Tão misterioso, nunca sorria e falava pouco…
Entretanto, quando subi mais o olhar analítico, algo em seu pescoço
me chamou atenção. Era um pedaço enrugado, como se tivesse sido
queimado. E o pior é que só agora conseguia ver a marca descer para o ombro
e sumir dentro da camiseta.
— Oh…! — sussurrei e como se eu não tivesse controle, levantei a
mão e toquei. Ele deu um salto para trás, me olhou surpreso e, em seguida,
irritado. Seu maxilar se enrijeceu pela visível contrariedade. Colocou o copo
sobre a bandeja e andou rápido em direção à porta do motorista.
— Seth! — corri atrás. — Desculpe. Por favor, desculpe.
Ele não falava nada, nem me olhava. Entrou, acenou para minha avó e
me brindou com um último olhar de hesitação. Abaixou a cabeça, tomou
folego e quando me dirigiu a atenção novamente, seus olhos pareciam de um
verde sublime, muito bonito, com um brilho estranho, quase como culpa.
— Fique longe de mim, garota. — disse baixinho e ligou o carro
acelerando em seguida.
SEIS

Eu não contei para minha irmã sobre o novo encontro com o lenhador.
Estava muito pensativa, tentando criar minhas próprias teorias, pensar sozinha
sobre o assunto. O mistério que envolvia Seth me deixou quase a noite toda
em claro. Porque eu não conseguia imaginar um homem como ele chorando
dolorosamente, e se fosse para isso acontecer, teria que ter sido por algo
muito, mas muito trágico.
E então, meio dia, após ter almoçado, eu fiquei de pé na cozinha
olhando o forno, mordendo os lábios e pensando. Será que eu seria tão cara de
pau em voltar lá e agradecer ao lenhador?
Agradecer e pedir desculpas por eu ter sido tão inconveniente.
Mas isso não seria cara de pau. Seria boa educação.
Eu geralmente sou bem impulsiva, e minha impulsividade me levou à
Dazzler. Se eu não tivesse tentando, nunca saberia. Entretanto, o caso de Seth
era um tanto diferente para mim; quando tem homens na jogada, eu
simplesmente travo e não sei como proceder. Apesar de que não estava indo
seduzir o cara.
Ok. Achei que levar rosquinhas seria um bom começo.
Carly sempre tinha as melhores ideias, e se ela pensou nisso, era tiro
certeiro. Me apressei em pegar os ingredientes, e mais que rápido comecei a
fazer a massa colocando ali todo meu empenho, carinho e uma pitada de
desejo.
Bem que Zack Bradford poderia aceitar minhas rosquinhas.
Ele é casado, Penélope. — minha mente me repreendeu, e eu aceitei a
repreensão. Coloquei mais força na sova da massa. Eu tinha que parar de ficar
interessada em Zack, nunca fui e nunca seria uma destruidora de lares.
Ok. Não era interesse, era apenas… sei lá, fascinação.
Sim. Zack era apenas uma beleza inalcançável e, em breve, se tudo
desse certo, ele ia ser meu chefe.
Ui! Romances eróticos com chefe e secretária são tudo de bom.
Merda. Estava sendo uma vaca em pensamento.
Terminei, e enquanto as rosquinhas descansavam, eu fui me arrumar.
Vesti jeans, botinhas e uma camiseta com jaqueta por cima. Os cabelos,
amarrei num rabo-de-cavalo e separei um chapéu.
Pedi o carro da minha mãe emprestado e, às duas da tarde, levando
uma cesta com rosquinhas suculentas, saí de casa.
Eu estava mesmo voltando para o meio do nada com o único intento
de rever meu salvador cabeludo. Não era falsidade dizer que eu estava indo
me desculpar. De verdade, fiquei bastante intrigada com a situação.
Entretanto, não podia negar que o desejo existia.
Tomara que ele esteja sem camisa. — dei um sorrisinho sacana.
Assim que eu parei o carro na clareira onde encontrei Seth pela
primeira vez, ouvi, vindo lá de baixo, batidas fortes. Ele estava cortando
madeira, decerto.
Peguei minhas coisas, fechei o carro e fui andando
despreocupadamente, como quem chegou ali por acaso, como a própria
chapeuzinho vermelho, dando uma volta na floresta com sua cesta de
guloseimas. Senti minhas bochechas corarem ao rever na minha mente, pela
décima vez, o que eu ia dizer para ele. Sim, eu tinha ensaiado.
Me detive extasiada com a visão à minha frente.
Ele estava — como eu tinha previsto — sem camisa. Seu jeans
surrado emoldurava as suas belas e fortes pernas, e era sustentado por um
cinto de utilidades, como o do Batman. As botas de borracha davam um
charme rústico e bem excitante ao conjunto.
Meus olhos acompanharam os braços grandes dele erguerem o
machado e aplicar um golpe certeiro em um toco de madeira que se partiu em
dois. Assim que ele se abaixou e pegou os pedaços para jogar em um monte,
ele disse sem se virar: — É perigoso espreitar, calada, um homem armado.
O quê? Caralho. Eu nem fiz barulho. Como ele me…
Seth se virou e me olhou. Sério, sem sorrir, olhos verdes intrigantes,
simplesmente indecifráveis. Estava mais lindo do que no dia anterior.
Mordi os lábios pateticamente; ele se virou completamente para mim,
esperando que eu falasse algo. Estava com as duas mãos apoiadas no cabo do
machado que repousava em pé entre seus pés.
Percorri os olhos; ele era todo grande: pés, mãos, pacote entre as
pernas. Esse cara foi desenhado.
— Ah… eu só vim agradecer… e me desculpar, por ontem. —
gaguejei e fiquei com vontade de gritar comigo mesma. Nitidamente não
estava sendo bem recebida, bastava olhar a cara dele! Devia dar meia volta.
— Não precisava. — sua voz de tenor reverberou entre as árvores.
Sem jeito, olhei para a cesta nas minhas mãos, voltei a levantar os
olhos para Seth e me veio à mente um Tarzan robusto. Bem crosfit.
Como não se derreter por um homem assim? Estava numa pose bem
estilo fantasia sexual: meio suado, sem camisa e com um machado. Na minha
infância não contaram que havia lenhadores assim. Senão, eu iria querer ser a
Chapeuzinho Vermelho e não a Cinderela. Apesar que na história dela era um
caçador que a salvava.
Para completar o visual, nomeado de “molhar-calcinhas-é-minha-
função”, o cabelão estava solto com as madeixas castanho-loiras ao vento.
Jurava que lava com sabão comum e conseguia esse efeito de salão. O meu
precisava de feitiço para ficar comportado.
Como o grandão ainda me analisava, e eu já estava lá mesmo, não ia
dar para trás.
— Tome. Fui para a cozinha e passei algumas horas fazendo. —
estendi a cesta. — São rosquinhas. Tem de coco, amêndoas e chocolate.
Me pegando desprevenida, ele deu alguns passos em minha direção e
ficou a poucos centímetros de distância. Foi necessário que eu levantasse o
queixo para encará-lo. Podia até sentir seu calor e seu cheiro intensificado,
pela proximidade. Seth me fitava com uma carranca e eu quase podia sentir
que ele ia me agredir. Seu peito arfava com a respiração irregular e isso
mostrava que ele estava bem tenso.
— O que eu disse sobre ficar longe de mim, garota?
— Ah… eu… — infelizmente não conseguia articular as palavras, e
nada saía da minha boca, a não ser ridículos monossílabos.
— Esse lugar não é para você! Vaza daqui. — antes de se virar, olhou
atentamente para minha boca entreaberta, e eu poderia apostar que ele engoliu
saliva.
O ar saía pesado do meu peito e eu me sentia muito mal por ter sido
tratada dessa forma. A pior coisa é você se sentir rejeitada, ainda mais quando
tenta fazer um gesto de bondade. Eu não dei nem um passo para ir embora, e
ele parou de andar e ficou de costas. Em seguida, virou-se de volta para mim.
— Porra! — resmungou. — Ok, valeu. — jogou o machado ali em
um canto, perto de umas lenhas, bateu as mãos na calça e recebeu a cesta. —
Não precisava mesmo. Agora pode sumir da minha vida.
— Ok. Eu vou. — gaguejei. — Ah… as rosquinhas são a única coisa
que sei fazer… bem. — me desculpei erguendo os ombros, morta de
vergonha. O que eu vim fazer aqui pelo amor de Deus? — Eu achei que talvez
pudesse te dar um tiquinho de felicidade. Me desculpe. — ele nem se movia
me estudando com sua costumeira cara de brucutu. Dei alguns passos e ouvi
sua respiração pesada.
— Merda! — praguejou. — Ok. Venha, entre. Vou preparar um café
para a gente experimentar sua rosca.
Minha mãe apenas o seguiria, ela não iria ver nada subliminar na fala
dele. Mas eu quase me mijei toda ao escutá-lo dizer que ia experimentar
minha rosca; de susto e vergonha. Eu queria apenas cair dura e ser tragada
pela terra quando ele apenas deu um leve vestígio de sorriso e ergueu a cesta
para mim, mostrando que tipo de rosca ele ia comer.
Por que eu tinha que passar por tanta vergonha? Parecia que o senhor
Tarzan Crosfit não me deu uma cantada. Ele era bem sério.
Ele virou as costas, pegou o machado e começou a andar, usando dois
dedos como gancho para levar a cesta, e com a outra mão segurava o
machado, apoiando-o no ombro. Eu o segui pelo caminho entre a mata até a
clareira onde ficava sua cabana; claro que sem querer dar o braço a torcer,
deslizei os olhos para o seu traseiro grandão.

A cozinha era bem bonitinha. Me acomodei em uma cadeira e


observei com calma. Muito arrumada para um cara daquele tamanho e que
aparentemente morava sozinho. Ele fez mais uma vez seu espetáculo de criar
um rápido coque nos cabelos, me deixando boquiaberta. Ele ficou de costas
para mim. De onde eu estava sentada podia ver claramente a marca de
queimadura que tomava um pedaço do pescoço, descia para o ombro e um
pouco na parte de cima das costas. Algo bem grave tinha acontecido com esse
homem. Observei, quase sem piscar, ele enfiar uns pedaços de madeira em
um fogão a lenha. Nem gás ele tinha. Como vivia uma vida assim?
Depois do fogo aceso, colocou uma chaleira sobre uma das bocas do
fogão e voltou-se para me encarar.
— Veio sozinha?
— Sim.
— Falou com alguém que vinha para cá?
Tive um calafrio. Por quê? Eu não deveria falar? Será que ele estava
sondando para ver se podia me matar sem levantar suspeitas?
— Sim, minha irmã sabe. Por quê? Não deveria? — estava mesmo
demonstrando meu temor e eu sabia que não era nada gentil transparecer
medo do dono da casa.
— Escuta. É perigoso por essas redondezas. Você não precisava vir
me agradecer… — ele olhou relutante para a cesta de rosquinhas me fazendo
seguir seu olhar — ou vir aqui outras vezes.
— Está me falando para eu não aparecer mais?
— Sim. — massageou a testa — Estou alertando. Não quero te ver
mais por aqui.
Meu coração começou a desacelerar e eu me senti confortável por
estarmos tendo um diálogo saudável. Apesar de ele estar visivelmente tenso
com minha presença, decidi continuar falando. Eu não deveria ser tão
inoportuna. Mas… não queria ir embora.
— Não recebe muitas visitas? — perguntei.
— Sim. De algumas pessoas.
Assenti e me calei. Olhei para a chaleira no fogo, para a cesta sobre a
mesa e virei meus olhos para o teto. Nossa, que clima estranho nessa cozinha,
entre nós dois. Seth ainda me encarava. Saco! Ele nem piscava, me
analisando. Notei sua testa enrugar e os lábios se contorcerem de leve. Estava
pensando em algo sobre mim, tinha certeza. Que estranho.
— Gostei do seu cabelo. — feliz por ter algo para falar, eu o fitei.
— Obrigado. — foi apenas o que disse. Essa tática não serviu para
puxar assunto.
Geralmente era infalível entre mulheres. Se elogiam o cabelo, logo
ficamos felizes e dizemos coisas do tipo: “ah, eu fiz uma hidratação com uma
receita caseira”. E aí a outra falaria: “Que legal, me passe essa receita. O meu
está um horror de tão seco.” Pronto. Seria diálogo para horas.
— O que usa… quer dizer, desculpe a ousadia, onde o senhor…
— Apenas “você”, por favor. — me corrigiu.
— Onde você o lava?
— No rio. — apontou com o polegar para a direção sul — Na hora do
banho.
O pensamento dele tomando banho em um rio me deixou
desconsertadamente excitada.
— Sério? O que usa?
— O que… uso o quê?
— No cabelo.
As sobrancelhas grossas dele se levantaram, criando ondulações na
testa, mostrando que não estava acreditando que estávamos falando sobre
cabelo.
— Sabão.
Cala a boca Penny, cala a boca. Espera o café caladinha e vaza. Cala a
boca, cala a boca…
— Ah…! Neutro? — minha boca foi maior que minha intensão.
— De coco.
Arrá! Então era daí que vinha o cheiro de coco que eu senti da
primeira vez. Ele usava sabão de coco nos cabelos. Sabia que tinha um
truque. Será que usava águas termais? Aqui perto teria esse tipo de água?
O estudei atentamente. Meio desconfortável com meus olhos
curiosos, ele se virou, foi até uma prateleira de madeira, pegou duas canecas
de cerâmica caseira, colocou na mesa e foi para a beira do fogão preparar o
café.
Geralmente homens não sofrem com piolhos, mas estando aqui nesse
mato e ainda com um cabelo desse tamanho, precisava de uma pessoa
bondosa para cuidar dele. Dar banho… esfregar um sabonete de coco por
esses braços, descendo pelo peito e ver os mamilos entumecer.
Uia!… calor.
— Se eu te fizer uma pergunta você não vai me bater ou correr atrás
de mim? — minha mente já tinha desistido de mandar eu calar a boca. Estava
na lista negra do Zack Bradford por falar demais. E agora estava aqui
provocando um cabeludo selvagem.
— Depende da pergunta. — ele respondeu sem se virar para mim.
Olha isso! Então dependendo da pergunta ele poderia me bater?
Cruuuzes. Agora deu medo. Não falei nada. Ia perguntar sobre seu estado
civil. Mas era uma pergunta muito íntima.
Seth olhou por cima do ombro esperando a pergunta.
— Diga. — incentivou.
— Ah… pode deixar.
— Fale. — se virou totalmente para mim e cruzou os braços enormes
na frente do tórax. E que tórax. Deve ser bom escalar esse tronco.
— Bobagem. — dei uma risada nervosa.
Ele assentiu, mas continuou me olhando, esperando a pergunta.
Merda. Olhem essa cara, ele não gosta mesmo de mim. Está tão frio comigo,
me sinto mal em estar aqui, impondo minha presença.
— Eu só ia perguntar se você tem alguém… se vai chegar alguém
daqui a pouco e entender esse momento aqui tudo errado… sei lá… a senhora
Jane. — tentei ser engraçada.
— Jane? — franziu o cenho.
— É uma referência a Tarzan.
Enfim Seth sorriu, bem de leve, quase um fantasma de sorriso,
balançou a cabeça e voltou a atenção para o fogão.
— Não tenho uma Jane, Penélope. Não ainda.
Ele lembrou meu nome. E nem precisou eu dizer de novo.
Eu quase disse que me candidataria à vaga de Jane. Claro, se abrisse
vagas. Mas achei aquilo uma cantada bem tosca e que poderia tirar aquele
momento descontraído.
— Como soube que eu estava lá, te olhando lá fora? — lembrei disso
e perguntei, assim na lata.
Seth trouxe um bule de café fresquinho e serviu um pouco na minha
caneca. E após servir-se, sentou-se em minha frente.
— Estou há muito tempo aqui. Como eu disse, é um lugar perigoso.
Aprendi com a natureza, escuto cada mínimo barulho, algo diferente já chama
atenção dos meus sentidos. Sem falar do seu cheiro que eu senti, e por isso
não me preocupei em ficar em alerta. Era um cheiro conhecido.
Hum… Interessante. Então ele se recorda do meu cheiro.
Dei uma bicadinha no café, estava delicioso. Ponderei: — Você é uma
espécie de Matt Murdock?
— Quem?
— O Demolidor, dos quadrinhos… Marvel… Super-heróis.
— Sei. Quase isso. Eu não sou cego como ele. Mas estando sozinho
aqui, desenvolvi sentidos mais aguçados que pessoas normais.
— Legal. Ah! Seu café está muito bom.
E isso era verdade, não era apenas para bajular. Forte e bem quente.
Como o homem que o fez.
— Obrigado.
— Por que mora aqui sozinho,… longe de tudo?
— E por que eu não moraria?
— Hã?
Ele ergueu os ombros e sua boca se abriu devorando quase uma
rosquinha toda. Caralho, olha o tamanho dessa mordida!
— Minha pergunta é: por que soa estranho eu ser recluso?
— Porque geralmente não encontramos homens morando assim
isolados… aqui na Califórnia.
— Gosto daqui, odeio a civilização. Eu amo estar aqui. — ele
apontou para a cesta — Isso está muito bom.
Lá se foi uma rosquinha e ele pegou outra. Novamente, comeu
metade numa bocada.
— Obrigada. Eu não sobreviveria um dia num lugar assim, sem
internet, sem nada.
— Eu já me acostumei. O ser humano é o ser mais adaptável que
existe. Animais, alguns não vivem em locais frios, outros não vivem em
locais secos. Já nós, humanos, nos adaptamos a qualquer ambiente. Além do
mais, tenho um celular via satélite e um rádio para emergência. Recluso, mas
nunca isolado. — pela primeira vez ele deu um sorriso charmoso e emendou:
— O mundo está conectado, gata.
Oi? Gata? Ele me chamou de gata? E sorriu pra mim.
Inacreditavelmente tive um surto de tosse, engasguei com café.
Aquele homem era muito instável, era difícil acompanhar os altos e baixos
dele. Uma hora estava com olhar sério me encarando, outra hora já estava
dando sorrisos de molhar calcinha, e ainda me chamando de gata…
— Está tudo bem? — ele se levantou, preparado para agir. Sem fala,
mostrei o dedo polegar dizendo que sim. Engoli uma boa quantidade de café
para ajudar a me recompor.
Uau! Ele está me fazendo até engasgar.
Eu não prolonguei minha visita e Seth não se esforçou para que eu
ficasse mais. Será que estava dando graças a Deus por eu estar indo embora?
Ele apenas me acompanhou até a porta e ficou lá, parado no batente, com sua
expressão séria, me encarando. Olhei em volta, fitei sua caminhonete, voltei-
me para ele e encarei seu peitão forte.
— Ah… obrigada, pelo café.
— Cortesia. — disse secamente. — Não quero te ver mais aqui. Some
da minha área. — pediu, assim, na lata. Na maior falta de educação. O mais
estranho foi me sentir aflita por não poder mais vir vê-lo. Eu gostei de ouvi-lo
falar e de passar minutos olhando para ele, e isso, sem dúvida, era mais
estranho ainda, porque eu nunca senti isso por qualquer outro cara.
Lembrei de uma coisa que minha avó falou sobre ele e achei essa
tática perfeita para voltar a vê-lo. Sem pensar, falei:
— Quero uma cadeira.
— O quê?
— Quero que faça uma cadeira para eu comprar.
— Fora de cogitação. Dê o fora. — ele se virou para entrar de volta
na sua cabana, e eu não aguentei tamanho desaforo. Voei em sua direção e
segurei seu braço. Foi como uma formiga tentando segurar um rinoceronte.
Ele voltou-se e me atingiu em cheio com um olhar cáustico. Tóxico,
puramente verde felino.
— Não toque em mim. — rosnou bem na minha cara, exibiu seus
dentes, como as presas de um leão enraivecido.
— Por que você me ignora? — gritei, fora de mim, cheia de mágoa.
— Porque você mexe comigo, porra! — ele berrou. Seu grito
provocou uma revoada de pássaros. Em um instante, o silêncio nos abraçou.
Eu me retesei, mas não me afastei. Isso foi como um tiro, bem no meu
estômago. Ele deu um giro, enfiou a mão no cabelão e o jogou para trás. — é
perigoso para você. — Sussurrou, quase inaudível.
— Eu posso aguentar. — usando o restinho de coragem, eu o
enfrentei. Porque agora, depois dessa confissão, estava mais que disposta a
resistir e não me afastar. E foda-se a coerência, teimando, como só eu era
capaz de fazer, toquei em seu braço. Seth fechou os olhos e rangeu os dentes,
tão forte que pude ouvir.
Não recuei. Meus dedos subiram para seu ombro, e quando
encontraram o seu sinal de queimadura, ele respondeu com um movimento
brusco, torcendo minha mão para trás das minhas costas, me deixando presa,
muito próxima a seu corpo grande e delicioso.
— Você só está curiosa com o cara do mato. Vai embora, para seu
bem.
— Eu quero uma cadeira… Faça para mim, venda para mim. —
insisti.
— Em hipótese nenhuma.
— Uma poltrona e eu juro que te deixarei em paz. — ele me soltou e
eu aproveitei esse momento para abrir minha bolsa, pegar uma caneta e
escrever rápido em um pedaço de papel.
— Meu endereço. Quero uma igual à da minha avó. Leve para mim.
— Ele segurou o papel, mas nem olhou, continuou me encarando com
uma seriedade perturbadora. E, para meu desgosto, seus dedos se fecharam
em torno do papel, amassando-o.
— Se cuide, Seth. — me virei e saí quase correndo com o coração
palpitando em desespero.
Fui para casa e, naquela noite, tive sonhos selvagens com um
lenhador me carregado em seus braços. Eu me vi fantasiando com um cara
que aparentemente era cheio de segredos, mas que tinha algo de misterioso
preso em seu interior. Seth me fascinava de uma forma bela, quase como uma
música boa escutada pela primeira vez.
Nessa mesma noite, antes de dormir, tive a leve impressão de que
alguém me espiava lá do outro lado da rua. Corri para a janela e espiei, não
havia ninguém nas sombras das árvores. Todavia, tive a certeza de ter visto
uma sombra humana. Esfregando hidratante nas mãos, eu sorri para meu
reflexo no espelho. Seth teria se deslocado da selva para me ver?
Não importava a verdade, eu fui dormir com essa suposição.
SETE

Dei um chute na porta e entrei em casa.


— Porra! — meu urro vibrou pelas paredes de madeira entregando
minha forte frustração. Com as mãos nos cabelos, andei de um lado ao outro
pela sala. Qual a primeira regra que eu mesmo criei? Não deixar ninguém se
aproximar. Nunca, em nenhuma hipótese. E olha agora em que situação me
encontrava: atraído por uma garota petulante, de lábios e cabelos vermelhos.
Não eram apenas sentimentos masculinos à flor da pele. Nesses
últimos anos que vivi aqui, fui muito bem servido sexualmente por uma
mulher, e já encarei muitas outras, belas e atiradas. Com todas elas eu
conseguia sair ileso, sem nenhuma parte do meu corpo respondendo à
aproximação, sem nenhum sinal de desejo incontrolável.
E trabalhar isso foi um dos meus focos todos esses anos. Eu tinha um
objetivo, e jamais poderei alcançá-lo se deixar meu pau, por exemplo, tomar a
dianteira de minhas razões.
Entretanto, nada podia me explicar o porquê de tudo em mim, não só
meu órgão sexual, querer estar com Penélope e querer tocá-la.
Sua coragem? Ou sua fragilidade? Ela era uma mulher intrigante até
para os mais experientes homens que lidam todos os dias com mulheres.
Porque, acima de tudo, ela se comportava com um ar singular de inocência.
Era o que me deixava em chamas, tê-la em minha posse, sob minha proteção.
Mesmo ela não precisando, até porque era moderna e, visivelmente, bem
independente.
Munido de raiva, peguei o machado apoiado na parede e saí em
passos largos para fora da cabana. Caminhei cego até um tronco e, repetidas
vezes, o golpeei, não deixando de gritar a cada batida, expondo toda minha
raiva pelo meu fracasso.
Meus dedos doíam, não podia forçá-los demais. Entretanto, não
estava nem me importando.
Eu sabia que iria fazer a maldita cadeira para ela, porque queria vê-la
de novo. Eu sabia que se Penélope viesse para perto de mim, ela estaria em
perigo juntamente comigo, e isto poderia até ser prejudicial para minha
missão. Mas ainda assim, meu pau protestava, meus dentes trincavam e meus
nervos pulsavam tensos e com fervor.
À noite lá estava eu, como um fodido perseguidor espiando a janela
acesa da casa dela. Era seu quarto, porque eu a vi passando, conversando no
celular. De moletom, atrás de uma árvore, eu me deixei confundir com as
sombras.
Eu a queria. Como nunca quis outra mulher desde que eu acordei
debilitado e muito ferido, naquela cabana.
OITO

Os dias se passaram a conta gotas. E a cada minuto de cada dia, eu


tinha o desprazer de ter Seth enraizado em minha mente. O desprazer porque
eu não podia realizar os meus desejos e minhas fantasias. Eu sabia que ele não
viria atrás de mim e se eu fosse até ele, não seria bem recebida.
Na faculdade, me flagrava voando longe em pensamento,
relembrando do corpão monumental e do humor instável dele: ora
descontraído, ora intrigado. Todavia, a maior parte do tempo de cara
amarrada, o que o deixava mais gato.
Eu tinha apenas que esquecer completamente aquele Simba-gostoso-
da-porra e viver minha vida feliz de quase funcionária da Dazzler.
Cheguei à conclusão que deveria parar com isso. Não me reconhecia
imaginando coisas que jamais passariam pela minha cabeça em situação
normal, como montar nele, pelados, suados e puxando o cabelão dele
enquanto entrava forte e fundo em mim.
E apesar de ele não querer deixar meus pensamentos, eu foquei no
que deveria fazer, e uma semana depois eu estava no edifício da Dazzler para
a segunda parte do processo em que iria escolher os dois estagiários de
marketing. Recebi por e-mail as regras do processo. As fases eram como
duelos entre vários participantes com eliminações durante o processo,
diminuindo assim o número de candidatos. Estávamos em vinte pessoas e na
fase final restarão cinco brigando por duas vagas.
Na entrada da Dazzler recebi um crachá, e após as instruções dadas
pela moça, fui para o vigésimo andar, onde aconteceria a segunda prova.
Toda feliz, subi o elevador. Me trajava elegantemente com um vestido
de linho sem decotes e com corte reto que modelava meu corpo, me dando um
porte de executiva. Os cabelos amarrados em um rabo-de-cavalo. Vendo
assim, nem parecia que eu estava ainda concorrendo a uma vaga de estágio.
Cheguei ao andar indicado e já fui empurrando uma porta de vidro.
Não havia ninguém na mesa de entrada onde deveria ter uma secretária, mas
escutei vozes vindo de uma sala e resolvi esperar.
Com elegância, alisei meu vestido e me sentei numa cadeira, próxima
à porta entreaberta e, na verdade, não era apenas qualquer voz em uma
qualquer conversa.
Eram as vozes de Zack e Joanna. Pareciam brigar.
Fiquei assustada e minhas pernas congelaram. Zack gritava:
— É muita covardia de sua parte querer que vendamos a empresa só
porque o caixa não vai bem.
Joanna logo rebateu: — Covardia, Zack? É precaução! Phoebe já
aceitou passar a parte dela…
— Minha irmã não faz mais parte do conselho desde que o papai se
afastou e o Ezequiel abandonou tudo para ser a porra de um policial
assalariado. Você não sabe nada da minha família, não sabe o que cada um
quer!
Me levantei rápido assim que ouvi as passadas vindo para fora da
sala. Olhei para os lados em pânico, calculando uma rota de fuga. Até que eu
chegasse à porta, saísse e pegasse o elevador, eu poderia ser flagrada, não
daria tempo. Corri para uma coluna e me escondi ali, com o coração mais
acelerado do que o de um maratonista. Fechei os olhos e fiz uma prece
urgente.
As vozes exaltadas dos dois vinham se aproximando.
— Sei sim, seu cretino. Você, mais que todos, devia compreender.
Olha tudo que nós passamos, será em vão.
— Eu não desfaço de minha parte e fim! Se Phoebe, Ezequiel e você
quiserem vender, eu compro, mas a Dazzler é da minha família e isso não vai
mudar, entendeu ou terei que desenhar?
Então quer dizer que o casal não era tão perfeito como a mídia
pregava? Eu estava embasbacada.
Naquele momento eles pararam na sala em que eu estava escondida.
Me encolhi e comprimi mais ainda as minhas pálpebras, rezando para eles
saírem de lá, e eu poder fugir sem ser vista. Vi as costas de Zack. Ele estava
indo direto para a porta de vidro, para sair da sala, mas parou de andar quando
Joanna correu e berrou:
— Grosso, babaca! Eu não acredito que esteja colocando os seus
caprichos acima de nosso futuro.
Quando ele se virou para berrar com ela, acabou me vendo. Nossos
olhares se cruzaram e, antes de qualquer palavra, ele respirou fundo e fechou
a boca. Joanna, que não me viu, continuava com uma voz chorosa:
— Olhe depois as contas disso tudo aqui e veja seu precioso império
ruir a seus pés. — ela saiu rápido, e eu só podia prever que estava tão fodida
que nem sabia ao certo qual seria meu destino: jogada na rua pelos
seguranças, processo por invasão, tudo me vinha à mente.
— O show acabou, Dawson, saia daí. — Zack rosnou, e eu saí já
pronta para me desculpar.
— Eu sinto muito Zack… quer dizer, senhor Bradford. Eu não quis…
— Sem desculpas, caramba. Já ouviu a porra da novela toda. Venha
aqui. — ele caminhou para a sala em que brigava com Joanna e só me restou
segui-lo.
Receosa, eu entrei no ambiente e me deparei com uma decoração bem
estilo chefão. Acho que essa era outra sala dele, entretanto muito mais bonita,
muito mais imponente. Era a sala da presidência, com certeza. A tonalidade
branca asséptica predominante deixava esse homem ainda mais chamativo.
Zack estava de costas se servindo de alguma bebida que ele pegou em
um carrinho. E eu ocupada analisando tudo. Bem ali, em uma parede tinha
vários quadros grandes com fotos em preto e branco e molduras pretas
brilhantes.
Cada quadro era uma pessoa. Eufórica, fui olhar mais de perto.
Reconheci Zack ainda bem novo. No próximo tinha Phoebe, sua irmã: loira,
linda e elegante. Quando fui olhar o próximo, que tinha Ezequiel seu irmão,
fui interrompida.
— Minha família. — me voltei para ele. Zack me analisava
atentamente, com cara fechada. Ele tinha, por natureza, um semblante
carregado. — Sabe que se abrir o bico eu não serei bonzinho, não é? — me
ameaçou e eu soube, na mesma hora, que se referia ao que eu ouvi.
— Claro. Não irei contar para ninguém. Foi um acidente eu estar
aqui…a moça lá embaixo disse que seria aqui… a apresentação.
— Sim, seria. Mas transferi, de última hora, para outro andar.
Assenti e fiquei ali de pé sem saber o que fazer. Ele deu a volta na
mesa, sentou-se e me indicou a cadeira à frente. Sem jeito, ainda
envergonhada, me sentei.
— O que acha disso tudo? — ainda com um ar esnobe e sério, me
fitava.
— Disso, o quê? — passei um rápido olhar pela mesa bem arrumada
à minha frente.
— Vender a Dazzler.
— Ah… desculpe, senhor Bradford…
— Droga! Você me irrita tanto. — ele massageou a testa. — Por que
eu não desisto logo de você?
Fiquei pasma, provavelmente mais branca do que a parede, e sem
fala.
— Para de ser tão caricata e seja você mesma, cacete. Me dê sua
opinião.
— Acho que você tem pessoas mais preparadas e estudadas no
assunto para te dar esse tipo de opinião. Não estou aqui para isso. — meu tom
não foi grosseiro, foi relutante.
— Boa resposta. Mesmo assim, não foi isso que te perguntei. Diga o
que acha. — ordenou.
Também, já um pouco irritada, soltei o ar pesadamente.
— Eu gosto, de verdade, da Dazzler. Não estou sendo uma
bajuladora. Eu gosto mesmo, tenho um logotipo gigante da marca no meu
quarto, quero sempre os produtos que saem em lançamento. É paixão. Eu não
a venderia. Se fosse minha e ela estivesse nas últimas, eu ficaria com ela até o
último momento.
— Penso do mesmo jeito. Eu fiz coisas não muito boas para conseguir
a direção, tudo não será em vão. Quando você se forma, Dawson?
— Em novembro, desse ano.
— Solteira?
Oi? Por que ele quer saber isso?
— Sim.
Zack ficou calado me estudando. Pensou, pensou, balançou a cabeça e
pareceu refletir sobre algumas coisas. De supetão, desabafou:
— Minha família não aprova muitas das minhas ações, e estou
colecionando inimigos por aí. Você também me odeia e está aqui me aturando
só para conseguir emprego?
— Eu não te odeio, Zachary. Não te conheço para ter um sentimento
tão forte a seu respeito.
— Gostei de ouvir outra pessoa, além dos meus pais, falar meu nome.
— ele deu um gole no uísque e apontou o dedo para mim. — É bom saber.
Odeio bajuladores. — se levantou, e eu me levantei também apertando minha
bolsa/pasta contra o peito. — Pode ir para casa, Penélope Dawson. Você já
passou para a próxima fase.
— O quê? — minha voz saiu mais estridente do que eu pude planejar.
— É. Essa coisa que eu não consigo me livrar de uma vez por todas
de você. Quero te ver aqui na fase dos slogans, e talvez o conselho não te
aprove. Então já estou te aprovando. Some da minha frente.
Assustada e quase tonta, olhei para a porta e de novo para ele que já
parecia ter esquecido da minha presença, olhando algo no celular.
— Mas… Senhor Bradford… eu quero, quer dizer, eu não quero
dessa forma. Eu quero mostrar o que sei fazer e…
— Eu sei que você sabe. Eu sabendo, já é o suficiente. Vá para casa,
volte daqui a uma semana e…
— Não. Assim eu não aceito. Isso é uma competição e…
— Caramba! — ele me cortou e cravou seus olhos gelados em mim
— Para de me interromper e negar minhas ordens. Quer trabalhar aqui?
— Quero. Sim, eu quero.
— Então pronto. Aceite o que estou falando.
— Mas senhor…
— Ok, garota. Faça o que quiser, vá lá, se apresente, mostre seu
trabalho. Mas já passou para a terceira fase.
— Por quê?
— Talvez por sua sinceridade, por sua capacidade de mudar de
educadinha submissa para garota independente e ativa no mesmo minuto, ou
talvez seja esse seu rosto bonito com ar de inocente e sua boca rosada
atrevida. Não dá para saber ainda, quero ver mais de você. Agora saia, pois eu
preciso trabalhar. Amanhã você recebe um e-mail.
Perplexa, perdi a fala. Zack voltou a sentar e ligou o computador.
— Você é meio grosso… — falei sem pensar, e isso o fez sorrir, um
sorriso bem largo e charmoso.
— Não é novidade. Acabaram de falar isso sobre mim. — apontou
para a porta, se referindo a Joanna. — Pode ser que me odeie até o fim de seu
estágio. Até logo, Dawson.
NOVE

Eu precisava de, no máximo, um dia e uma noite para assimilar tudo


que acontecera. Eu apresentei minha parte na hora da reunião na Dazzler e,
coincidentemente, fui aprovada por unanimidade. Provavelmente a galera que
estava avaliando tinha recebido uma ligação do chefe.
Aquilo era bizarro em níveis estratosféricos. Eu não sabia ainda o que
pensar, todavia, meu mais fundo inconsciente ficava só me falando: “O
Bradford marrento te passou uma cantada”.
Zack Bradford tinha o jeito mandão, esnobe e o povo era obrigado a
seguir suas ordens. As cantadas dele, com certeza, eram diferentes do resto
dos homens. E isso era bem perigoso para mim. Se ele se interessasse por
mim, coisa que jamais aconteceria, afinal olha bem pra mim; ele não iria
tentar me seduzir, ele iria me dar ordens: “almoce comigo”, “saia comigo”,
“transe comigo”.
Isso era canalhice pura, afinal, ele era casado.
Não sabia mesmo o que pensar e, por isso, fui para minha casa.
Minha mãe acabara de ligar pedindo que eu fosse até lá porque tinha uma
encomenda para mim.
Com a mente fervilhando, e com o charmoso sorriso de deboche de
Zack me acompanhando, sem um pequeno toque de ideia, paguei o taxi e
parei na porta de minha casa. E então quase tive um treco, quando me deparei
com uma aparição gigantesca recostada em uma caminhonete Ford antiga.
Ah, meu bom Jesus! Ele veio. Meu dia não estava só bom, estava
ótimo! Imagine você querer muito ver uma pessoa, e ela aparece bem na porta
de sua casa? É magnífico! Tentei não parecer muito eufórica. Me aproximei e
sorri modestamente.
— Oi.
— Oi. — Seth respondeu com sua costumeira rudez.
— Você veio. — fui incapaz de segurar um sorriso.
— É. Acabei de montar. — ele falou e eu enrubesci, por que tudo que
esse cara dizia eu tinha que levar para o lado da putaria? Ele desconfiou da
minha mente suja e explicou:
— Sua mãe me deu permissão. Está ali. — apontou para a frente da
minha casa e vi a cadeira de balanço, devidamente instalada na pequena
sacada depois do jardim. Nem liguei para ela, voltei-me para fitá-lo. Estava
tão gato dentro de calça jeans e camisa xadrez. Os cabelos devidamente
presos em um coque arrumado.
— Muito obrigada. É linda.
Ele assentiu e olhou para o chão. As mãos metidas nos bolsos da
calça.
— Er… deixe eu preparar um suco para você.
— Não. Estou indo. Depois podemos acertar… se você quiser. — ele
olhou para a cadeira, fixou seus olhos verdes em minha boca por alguns
poucos segundos e se virou rápido para ir embora. Eu o segurei.
— Seth… Espera! — primeiro ele correu os olhos para minha mão
em seu braço, depois me fuzilou de cenho baixo, já completamente mudado.
— Você é bem irritante. E me assusta querer estar perto de alguém tão
teimosa.
Ótimo. Dois gatos me chamaram de irritante no intervalo de uma
hora.
— O que…
— Eu já disse para não tocar em mim. — passou a mão no rosto e,
como se estivesse arrependido do que disse, apontou o dedo para mim, mas
não falou nada. Caminhou para a porta da caminhonete. — Isso não é nada
legal. — resmungou, como se para si próprio.
Eu achei isso uma tremenda insensibilidade da parte dele. Muito
arrogante e até mesquinho.
— Qual é a sua, cara? — gritei. Bem no meio da rua. Nem me
importei. — Não gosta de mulheres? É só dizer de uma vez por todas. Sou
mente aberta, não irei te recriminar se disser que gosta de ser tocado apenas
por rapazes e…
Ele bateu a porta e voltou bem rápido. Não tive tempo de fugir, o
bicho parecia um puma selvagem. Me segurou e empurrou contra a lateral do
carro, colocando seu corpanzil como muralha para eu não escapar. Não gostou
nem um pouco do que disse, todavia, não fiz questão de retirar minhas
palavras.
— Você é muito atrevida.
— É, eu sou! — enfrentei-o. — E adivinhe, grandão, não é da sua
conta. O que você é? Uma espécie de Christian Grey da Selva que não pode
ser tocado?
— Não será só um toque, Penélope! Pode entender isso de uma vez
por todas? — seu tom baixo e ameaçador atingiu bem no meu estômago e
todo meu corpo se estremeceu. Ainda me segurando, continuou rosnando
pertinho da minha boca: — Porque se me tocar, eu vou querer te tocar
também, e se isso acontecer, não haverá mais volta. Porque eu terei você de
um jeito ou de outro, eu estarei bem fodido, querendo calar essa sua boca
atrevida com os meus lábios e língua. Então não me toque, para eu não ter que
corresponder.
Me soltou e, completamente chocada e estatelada, eu assisti ele fazer
uma careta, quase como dor.
— Está aqui. — bateu o indicador na cabeça. — Na minha mente,
minha dor, minhas lembranças terríveis. Eu sou o próprio perigo. Fique
longe… Não queira se machucar. Eu não tenho nada de bom.
Chegava a ser um clichê atraente.
Virou-se de um jeito brusco, entrou rápido na caminhonete e saiu
cantando os pneus.
Ah, cacete! Eu fiquei muito mais atraída pelo selvagem. Minha mente
ficou imaginando como seria ele entre lençóis, nu, sobre mim, me segurando
da maneira como me segurou e deixando que eu tocasse a portinha do paraíso.
Eu estava babando… em todos os sentidos.

* * *

As surpresas do dia estavam atingindo diretamente meu estômago.


Quando fico ansiosa, meu remédio, nessas horas, é comida.
Tinha um pouco de frango assado do almoço na geladeira, esquentei e
comi com suco de caixinha. Nem me sentei, fiquei ali de pé encarando o
fogão e remoendo as últimas horas. A breve visita do Seth até mesmo tirou as
lembranças de Zack e sua estranha atitude. Era sério aquilo? Me aprovar na
competição sem eu ter feito nada para merecer?
O que ele queria dizer com aquilo da minha boca rosada?
Cantada?
Interesse?
Assédio?
Seth disse a mesma coisa sobre não conseguir se controlar com minha
atitude, vista como petulante e irritante pela classe masculina. Achei isso pura
babaquice.
Minha mãe entrou na cozinha com meu pai, e eu fiz uma cara de
paisagem para mascarar o turbilhão de sentimentos que se instalava dentro de
mim. Meus pais são puramente dramáticos, e qualquer coisa é motivo para
sermão e preocupação, resultando em ambos dopados com calmantes.
— Minha filha, comendo frango tão cedo? — minha mãe me olhou
preocupada — Vou preparar algo para o jantar.
— Estou satisfeita mãe, preciso estudar.
— Deu tudo certo lá na empresa? — droga, eu devia ter comunicado
isso a eles.
— Sim, pai! — dei um sorriso alegre. — Esqueci de falar, passei para
a terceira fase da disputa.
— Isso garota! — ele vibrou e veio me abraçar.
Minha mãe bateu palminhas de felicidade e veio logo em seguida
também me abraçar.
— Vai dar certo, filha, sei que vai. É seu sonho e você tem
persistência.
— Minha pequena lá da Dazzler? Preciso contar vantagem com seu
tio. — meu pai saiu todo festeiro, já indo contar para os parentes. Ainda bem
que dei a eles um motivo para se distraírem e não perceberem na minha
decepção pelo selvagem.
— Estou bem feliz, mãe. Meu esforço está dando certo.
Seu esforço ou sua boca rosada atrevida? — Meu inconsciente fez
questão de lembrar. Eu não queria pensar que só passei por causa do Zack,
mas essa era a realidade.
Minha mãe correu para ir também contar as novidades para parentes,
e eu olhei para a sujeira que eu tinha feito na cozinha.
Bastou abrir a lavadora de pratos e enfiar pratos e talheres. Cozinha
devidamente arrumada.
Fui para o quarto, liguei minha pequena televisão e me joguei na
cama com o celular já em uma ligação para Tatiana, minha colega de
faculdade e uma das minhas confidentes mais íntimas. A outra é Carly, aquela
sacana boca de matraca.
— Vamos sair qualquer dia desses, pois eu preciso desabafar. — eu
falei casualmente. Seth, o cabeludo, pulsando na minha mente. Abri a sacola
com bobes e soltei os cabelos para começar a enrolá-los. Acho que sou a
única garota da minha idade que usa isso. Mas fazer o quê? Tinha medo de
babyliss.
— Você banhada na sorte e precisa desabafar? — Tatiana apontou em
tom de deboche. — Conseguiu emprego na Dazzler, deveria estar
agradecendo dia e noite por essa benção.
— Não estou ainda empregada. Toquei no viva-voz do celular e me
sentei em frente ao espelho. A técnica dos bobes era fácil, e eu podia passar o
dia todo com eles nos cabelos ou usar uma toca térmica, e os cachos estariam
prontos.
— Mas está nos testes. Da nossa turma, foi a única que conseguiu.
— É sobre isso que quero conversar. — e sobre a aparente atração que
o selvagem mostrava por mim.
— Quero saber tudo, principalmente mais detalhes sobre Zack. Me
contou pouco sobre o encontro de vocês.
— Prepare as bebidas. Será uma noite longa. Vou ver se Carly pode ir
também.
— Isso, Carly sempre expõe a verdade que você tenta esconder.
— Ah, cala a boca. Vou estudar. Tchau.
Ela riu e desligou.
Olhando para a tevê, fiquei pensativa. Eu poderia ter expressado mais
minha ira com Seth. Porque não estou satisfeita com o comportamento dele.
Se gostou de uma garota, por que não fazer como todos os outros caras
normais? Ele nem tentou flertar comigo e já se manteve todo espinhento.
Mas, por que me estressar tanto? Não vou voltar a vê-lo mesmo. Que
se dane, fique bem longe na sua selva. Desisti dos bobes. Já era quase noite e
não ia dormir com essas coisas na cabeça. Queria cachos para estar
apresentável na faculdade pela manhã cedo. Vou recorrer ao costumeiro rabo-
de-cavalo.
“A polícia já tem o nome e o rosto do suspeito que é um dos
participantes das constantes corridas ilegais pelas ruas de São Francisco” —
encarei a televisão assim que ouvi a notícia. Semana passada, uma colega
minha quase morreu ao ser atropelada por um desses carros dessas corridas
que tomaram a cidade nas últimas semanas. E a polícia não soube de nada dos
pilotos, não conseguiu pegar ninguém.
A reportagem falava que o nome e o rosto do suspeito ainda estavam
sob sigilo, para não atrapalhar a investigação.
Depois dessa notícia, veio então a cara de Zack Bradford, e o assunto
era sobre a Dazzler. Algo então me deixou intrigada, pois a notícia dizia que a
Dazzler estava enfim abrindo fábricas na América Latina, onde antes não
existia.
Como as contas estavam de pernas bambas, se ele continuava abrindo
novas fábricas? — questionei interiormente.
Não entendo de economia, mas não seria o momento de cortar gastos
e talvez até fechar umas duas fábricas aqui nos Estados Unidos?
Desliguei a tevê e sentei na minha escrivaninha para começar os
trabalhos. Tinha que estudar para as provas finais, Zack e seus problemas
econômicos não podiam tomar minha mente.

* * *

No dia seguinte, à noite, eu e Carly batemos na porta de Tatiana,


levamos mini hot dogs e uma torta de maçã. As bebidas foram por conta de
Tati.
— Ela te contou do cabeludo selvagem? — no meio da conversa,
Carly me delatou. Tatiana me olhou perplexa e quase com um olhar traído.
Como se eu a tivesse traído, escondendo esse fato.
— Vaca! — tacou uma pelúcia em mim — Não me contou nada.
— Por que não é importante. — mergulhei um mini hot dog assado no
molho que Carly fez. Comi tranquilamente.
— Pela descrição, eu consideraria aquele cara muito importante. O
homem é todo gostoso. — Carly bebeu um gole de coca e emendou: — E tem
um cabelão de dar inveja.
— Penny! Como assim macho gostoso não é assunto importante? —
recebi um tapa de alerta, vindo de Tatiana. Revirei os olhos.
— Esse não é, vai por mim. É cheio de frescuras.
— Mesmo assim, quero que me conte tudo. Meu Deus, nem acredito.
Sem muito interesse, narrei a ela, usando detalhes superficiais sobre
como eu conheci Seth e como ele me azucrinava com sua loucura de não se
deixar ser tocado.
— Ah, coitado, Penny. Ele deve ter algum problema pessoal. Pretende
voltar a vê-lo?
— Claro que não, Tati. E, pelo jeito que ele saiu na caminhonete,
creio que ele também não quer mais me ver. Eu queria ter falado algumas
coisas com ele. Nem vou pagar a cadeira.
— Eu ainda torço para um reencontro. Pelo que contou, o grandão
tem coração bom e, por algum motivo, quer te proteger. — Carly reprovou
minha decisão e falou para Tatiana: — Ela se apega fácil demais aos caras.
— Entretanto, acho que a Penny agiu certo. Se ele tem esse problema,
que fique bem longe. — eu sabia que a discursão acerca do lenhador duraria
mais algumas horas, então me acomodei olhando de uma para a outra,
expondo suas opiniões com os motivos por que eu deveria e não deveria
voltar a ver Seth.
DEZ

Olha, aqui vai um conselho: nunca dê ouvidos a uma irmã que não
tem amor próprio e aceita de volta um cara que a traiu no próprio
estabelecimento. Pois é, eu dei ouvidos a Carly novamente.
Na manhã seguinte, estava eu em sua loja contando mais detalhes
sobre minha visita ao lenhador. E ela mais eufórica que uma fã de One
Direction, berrou:
— Você vai voltar lá!
— Hein?
— Penny. Ele te chamou de gata!
Revirei os olhos e beberiquei o café dela. Doce e ralo demais. Me fez
ter saudades do café forte e delicioso de Seth. Alguém deveria falar com
Carly que a palavra “gata” sai com mais frequência das bocas masculinas do
que “pai” e “mãe”.
— Esquece, Carly. Deixarei o homem em paz. — recusei me servir de
mais café e coloquei a xícara de lado.
— Como assim deixar em paz, não gostou dele?
— Sim, gostei. Mas não sou dessas que ficam “stalkeando” a pessoa.
Ele quer paz. Sei quando uma pessoa não quer mais me ver, e tenho vergonha
na cara.
— Um tira teima. Faça a última vez, só para desencargo de
consciência.
E eu fiz.
Merda! Por que eu era tão facilmente influenciável?
Mas talvez não fosse a influência dela, e sim minha vontade de revê-
lo.
Com um sorriso amarelo, cheguei à clareira da cabana de Seth dois
dias depois do seu espetáculo a lá Edward-vampiro em frente à minha casa.
Não deu nem tempo de eu sentir vergonha alheia da minha atitude. De
longe, eu o vi desesperado batendo em um tronco de árvore. Parecia doloroso,
mas não na sua carne, ele urrava com algo que o incomodava por dentro.
Parecia que os boatos que minha avó contou eram pura verdade.
— Meu Deus! — sem pestanejar, corri para perto. — Seth! — ele me
viu, se afastou meio trôpego com as mãos na cabeça e os olhos vermelhos
saltados. Os dentes cerrados como se houvesse uma furadeira pressionada
contra seu crânio. — Seth! — tentei, a todo custo, segurá-lo, mas ele estava
apavorado e sua dor o fez se desequilibrar e cair de joelhos.
— Saaiiia! — urrou em minha direção. — Vá embora!
— Não. Eu não vou! — agarrei seu rosto e ele me fitou, soluçando,
com lágrimas nos olhos. — Fale comigo, o que está acontecendo?
Apenas me encarava estático, ainda sofrendo.
Ouvi um barulho de carro e me virei para ver quem chegava. Uma
mulher desceu de uma caminhonete e veio correndo em nossa direção.
— Seth! — ela gritou. — Afaste-se dele! Saia daqui. — me empurrou
bruscamente. Se abaixou e o abraçou bem apertado. E ele não se importou
com o toque dela, ao contrário, pareceu ficar mais calmo.
— Meu filho, Marg. — ele sussurrou lamentando, com o rosto no
peito dela. — Tive flashes de memória…O que eles fizeram com meu filho?

* * *

Eu devia ter suspeitado.


Que merda. Homens são todos iguais. Todos. Até os que vivem no
meio do mato. Nós mulheres não estamos livres de nenhum desses babacas.
Cheguei em casa, joguei minha bolsa numa poltrona no meu quarto e
caí na cama olhando para o teto, com as pernas penduradas na cama. Estava
exausta, arrependida, irritada…
Eu estava chocada com tudo que presenciei. Nada daquilo fazia
sentido, o surto do lenhador foi algo que jamais saberei explicar. Ele surtou e
a mulher conseguiu acalmá-lo e levá-lo para dentro da cabana. Ela não me
deixou entrar, mas eu não saí da porta, eu tinha que ter notícias.
Ele tinha um filho? Eu ouvi muito bem. Que merda era aquela?
Que droga! Eu fui muito burra mesmo de imaginar que um homem
gostoso daquele não tivesse alguém. Soltei todo o ar do peito e relembrei o
fatídico momento que ele foi desmascarado. Era uma mulher um pouco mais
velha, acho que uns quarenta ou quarenta e cinco anos. Alta, magra, cabelos
negros e com lábios carnudos como a Angelina Jolie.
Ela saiu na porta e cruzou os braços me encarando.
— Quem é você? — quis saber, de um jeito rude. A maneira dela me
olhar me rebaixou e me humilhou.
— Uma cliente… Vim apenas… porque comprei uma cadeira e… —
tentei mentir.
— Ok. Quero que vá embora agora. Ele é meu homem, entendeu? Já
tem dona.
Puta que pariu! Nunca tinha sido tão humilhada. Estava me sentindo
uma puta dando em cima de homem comprometido. Por que eu voltei à
cabana? Por que o safado não me alertou?
— Ah… tudo bem. Desculpe. Ele vai ficar bem?
— Saia daqui, garota. Se eu te ver por essas bandas mais uma vez, vai
ficar ruim para você. — entrou batendo a porta na minha cara.
Eu nunca me senti tão mal, com tantos sentimentos controversos me
espetando por dentro.
Ok, Dona. Faça bom aproveito. Cada uma tem uma sorte na vida, a
dela foi ter encontrado um homem daquele porte.
O que ele esperava mentindo para mim? Eu perguntei a ele se tinha
uma “Jane” no pedaço, justamente para evitar aquele tipo de cena. Meu sexto
sentido estava alarmando.
Eu não sabia de quem eu tinha mais raiva. De mim, que fui me
intrometer lá, ou daquele desavergonhado que mentiu escondendo sua mulher,
ou dela que fez aquela ceninha de adolescente de colégio.
Não irei contar nada para Carly, não irei remoer, não irei nem ligar.
Aquele desgraçado cabeludo e gostoso estava esquecido lá no meio do nada
onde era o lugar dele. Menos um descarado na civilização para enganar
mulheres.
Eu tinha meu futuro para planejar e fazer dar certo, eu tinha a Dazzler
para me concentrar e era isso que ia fazer.
Todavia, parecia que certas pessoas queriam voltar atrás na sua
palavra, quando disseram para eu me afastar. Eu me afastei, eu recolhi meus
caquinhos de dignidade e nem pensei mais no Seth e Deus sabe disso.
Alguns poucos dias mais tarde, minha irmã me ligou dizendo que
tinha uma encomenda para mim na loja, e lá fui eu. Mas a encomenda estava
do lado de fora, gigante e gostosa, recostada em sua caminhonete.
Era o que me faltava. Era o selvagem, em frente à loja da minha irmã.
Nem parecia que tinha sido desmascarado dias atrás.
Seth pareceu levemente desconfortável como se eu tivesse ido
importuná-lo, e eu revirei os olhos enquanto me aproximava. Estava mais
gato que o normal. Cabelos soltos, meio jogados para o lado, usando jeans,
botas e um moletom arregaçado nas mangas.
Eu demorava séculos para ter homens à minha volta e quando, enfim,
tinha, eram dois masculinamente superiores à raça, lindos de morrer e, acima
de tudo, babacas.
— Penélope. — com as mãos nos bolsos do jeans, ele deu um passo à
frente, diminuindo a distância que existia entre a gente, que eu tinha tentado
manter. Parecia que tinha urgência em falar.
O cheiro de madeira e coco me atingiu em cheio, mas eu travei os
pensamentos devassos que sempre vinham junto com esse cheiro.
— Seth. Se perdeu na cidade? — fiz um olhar blasé.
— De jeito nenhum. Conversei com sua irmã…
— Ah, caramba! — lamentei, já prevendo o pior.
— Ela me disse que eu sou muito melhor pessoalmente do que a
descrição detalhada que você fez de mim.
Carly não me fez passar essa vergonha; não posso acreditar que ela
tenha sido tão infantil. Ai que ódio! Levantei os olhos para ele que estava com
um meio sorriso presunçoso nos lábios, do típico homem que se acha o tal,
que sabe que é gostoso e é foco de conversa entre as mulheres.
Olha só pessoal, o Simba Safado, filho de uma vaca, sabe sorrir e ser
mais babaca ainda.
— Como veio parar aqui? — cruzei os braços na frente dos seios e,
com as sobrancelhas baixas, tentei intimidá-lo.
O vento soprou seus cabelos e, naturalmente, ele tirou a mecha do
rosto e a prendeu atrás da orelha.
— Fui ao posto, peguei o telefone do guincho que te trouxe aquela
vez e perguntei a eles onde tinham te deixado. — tinha uma expressão
vitoriosa, assim que terminou de relatar. — Não quis ir em sua casa… Bom…
— Ora, espera uma medalha por ter me encontrado em outro lugar
que não fosse o meu endereço?
— Está sendo má comigo? Por quê?
— Escute, o que veio fazer aqui? Ficar aí de pose em frente à loja,
conversar com minha irmã…
— Esqueceu isso. — ele foi até o carro, enfiou a mão pela janela e
pegou a cesta que levei com roscas que eu acabei esquecendo lá. O que não
passou de um pretexto para ele vir falar comigo.
— Deslocou-se da selva só para me trazer isso?
— Não é uma selva. Além do mais, não me pertence, portanto não
poderia ficar comigo.
Dei uma risada cheia de raiva e puxei a cesta da mão dele.
— Quer dar uma volta e tomar um café? — me convidou assim, na
maior fodida cara de pau. Incrédula, o encarei. — Eu queria falar com você…
— ele tentou me convencer.
E eu estava muito preocupada e curiosa para que ele me contasse
porque estava agindo daquela forma enlouquecida. Mas minha raiva era
superior e abafou minha preocupação de querer saber mais sobre ele. Achei
que era mais raiva da mulher que me destratou do que dele mesmo.
— Você deve estar de brincadeira, não é?
— Não. Por que estaria? — ondulações na testa encheram de charme
seu rosto másculo e sério.
— Ah… como é mesmo o nome dela… ah! Marg! Algo assim.
— Ahh! — ele sorriu. — Está assim espinhosa por causa dela? Não
se preocupe, não é minha mulher.
— Não é? Jura que não é? É o quê? Amiga que chega te acalmando e
ainda me põe para correr… Olha, Seth, quer saber? Não importa. Não precisa
me dar explicações, e nem quero. Eu mal te conheço, não somos nada. Já me
devolveu a cesta, pode ir embora, e fim de história.
Surpreendentemente, voltou a ser o Seth carrancudo. Seu semblante
se tornou taciturno, e eu previ uma reação às minhas palavras.
— Mas eu quero explicar. Não gosto que pensem mal ao meu
respeito.
— Não estou pensando mal a seu respeito. — bufei e desviei o olhar.
— Está sim. Olha como está vermelhinha de raiva. Você é bem
fofinha até com ódio.
Era o que me faltava. Se a intensão dele era me acalmar, piorou as
coisas. Estava mais irritada.
Revirei os olhos e marchei para longe dele, mas Seth me segurou
facilmente com sua pata de leão. A mão era enorme como todo o resto.
Visivelmente ele podia me tocar quando quisesse.
— Entre no carro, vamos conversar. — era um pedido quase gentil,
mas parecia rude por causa da cara nem um pouco amigável.
— Não vou sair com você. — outra vez minha voz estridente, quando
deveria estar normal.
— Ela não é nada minha. — rebateu.
— Não?
— Ela não mora lá. A gente às vezes dorme juntos, ela vai, janta
comigo, transamos e ela vai embora no dia seguinte.
Meu Deus! Eu queria esmurrar esse homem. Tive um surto de ódio.
— Olha, eu não sei a lei do mato onde você mora, mas, aqui na
civilização, isso se chama namoro.
— Ela é casada. Com outro cara. Eu e Margareth temos negócios
apenas e, as vezes, as coisas vão além…
— Oi? — dei um berro. Quer dizer que temos um rei leão destruidor
de lares. — Isso não alivia teu lado. Só me faz querer mais distância. Seu
hipócrita machista!
Me afastei e, antes de entrar na loja, vi ele me fuzilando com um olhar
bem raivoso. Nem liguei, tive vontade de xingá-lo mais, entretanto não sou
desse jeito. Odiava bate boca, ainda mais na rua. Ele bateu na lateral do carro
após entrar, e saiu cantando os pneus.
Vai idiota. Some daqui.
Merda! Por que ele mexe tanto comigo? Fiquei na porta da loja
olhando o carro ir longe, com uma pontada de culpa por tê-lo tratado tão mal.
ONZE

Meu interesse pela vida alheia só crescia, e eu não aguentei e fui


visitar minha avó. Porque, apesar de ter brigado com Seth, eu tinha que
buscar mais informações para explicar a cena que presenciei: Seth totalmente
fraco e desprotegido; um momento muito humilhante para um homem. Um
filho. Ele tinha um filho, ou teve, e algo bem ruim parecia ter acontecido com
ele.
Minha avó ficou calada, pensativa, me ouvindo enquanto eu tentava
dar o máximo de detalhes possíveis. Ela tinha que saber alguma coisa, algum
rumor. Quem, na verdade, era a aquela mulher? A safada amante do lenhador.
Minha avó balançou a cabeça, perplexa com os fatos, mas já me
adiantou, com o olhar, que não sabia de muita coisa.
— Eu não sei quando ele apareceu. Mas, em um determinado dia,
havia o rumor de que um homem estava morando lá. — apontou para o outro
lado do parque, onde ficava a casa de Seth. — E que vendia móveis
entalhados à mão e lenha cortada.
— E a mulher? Já ouviu falar dela? Soube se ele veio para cá com
uma criança? — deduzi que se houvesse um filho, que fosse ainda criança, no
máximo adolescente.
— Alguém já comentou que ele tinha mesmo uma companheira. Pode
ser essa, mas não dá para ter certeza. E sobre uma possível criança… ninguém
jamais soube disso.
— Nossa. Eu fiquei bastante preocupada com ele…
— Tem uma coisa que ele me disse uma vez.
— O quê? — uma luz pareceu acender no fim do túnel, me
embebedei de esperança pelo que minha avó se lembrou.
— Que seu dom de marcenaria foi herdado do pai. Mas que para ele é
mais difícil porque todos os dedos da mão direita foram quebrados e hoje são
tortos e sensíveis.
— Como é?
Aflita, busquei na memória alguma imagem das mãos dele; nunca
percebi coisa alguma. Todavia, lembrei que quase sempre ele estava usando
uma luva grossa. Todos os dedos quebrados? Além da queimadura no corpo e
do surto pelo destino fatídico que o tal filho teve. O que aconteceu com esse
homem?
Saí da casa da minha avó mais confusa do que no início. Ela me deu a
ideia de procurar saber mais detalhes com outros moradores, mas isso seria
um tiro no pé. Um deles poderia contar a Seth que uma ruiva intrometida
estava querendo saber da vida dele. Assustar o lenhador era a última coisa que
eu precisava.
Na minha casa, sentada na minha mesa, eu tentei trabalhar, mas era
inevitável. Procurei na internet, por horas, notícias de crianças desaparecidas
e ou assassinadas. Encontrei muita violência gratuita, mas nenhuma que
poderia ter ligação com Seth, até que me dei por vencida e desisti.

* * *

Dois dias se passaram com desconfortável tranquilidade. Eu sempre


fui uma pessoa muito ativa e não suportava quando a única coisa que tinha
para fazer era assistir televisão ou ouvir músicas. Na faculdade, já estava tudo
encaminhado. Estava quase me formando e preparada para as provas finais. Já
revisei trabalhos e matérias e nem isso havia para me preocupar.
Entretanto, o slogan da Dazzler ainda estava sem conclusão. Na
verdade, não fiz nada. E, felizmente, isto era algo para eu me preocupar.
Felizmente, o prazo era bem grande. Ainda tinha mais uma semana pela
frente.
— Vamos dar uma volta? — minha irmã colocou a cabeça na fresta
da porta e me espiou. Ela estava aqui na casa de nossos pais e eu nem sabia.
— Ah… Estou sem ânimo. — me espreguicei e fechei o notebook.
Estava entediada de ficar em casa. Entretanto, só em pensar em me arrumar
para sair, me causava insatisfação.
— Penny, é sábado. Vai ficar aí metida nesse quarto?
Ela tinha razão. Eu passei o dia todo aqui, praticamente fazendo um
grande “nada”. Só pensando e remoendo meu fatídico fim com o lenhador.
Seth tinha que ter um defeito tão indigesto? Eu sabia que ele era um homem
adulto, no auge de sua virilidade e não ia ficar sem mulher, mas pensar sobre
isso estava acabando com minha sanidade. Era real o meu ciúme por um cara
que não era nada meu.
Um impulso agradável me tomou.
— Ok. Vamos. — talvez sair era o que precisava para ter inspiração
para o slogan da campanha e ainda tirar o machado… digo, o lenhador da
cabeça.

Era sábado, eu e Carly andávamos pela Cole Valley, um bairro muito


legal que ficava praticamente ao lado do parque. Era um lugar adorável e
muito tranquilo, com ruas arborizadas, restaurantes e lojinhas convidativas,
tinha até bondes circulando pelas ruas. Andamos despreocupadamente,
olhando as lojinhas, vendo as pessoas, curtindo a tarde tranquila e meio
nublada.
O dia estava calmo e havia pessoas sentadas nas calçadas dos
restaurantes e lanchonetes. Carly entrou numa lojinha de artigos artesanais
recém-aberta, e eu fui do outro lado da rua ver a vitrine de uma bela
floricultura. Flores sempre me atraíram, e eu refletia o quanto uma orquídea
ficaria bonita na janela do meu quarto.
E foi então que quando eu voltava para entrar na loja que minha irmã
estava, eu quase enfiei o nariz em um peito enorme que atravessou meu
caminho.
Era Seth. Ele me olhou surpreso, mas não tão surpreso quanto eu
estava: estatelada!
Ele tinha acabado de sair da porta lateral de uma loja e estava
levando, em uma só mão, dois caixotes feitos de madeira.
Eu o encarei e não disse nada, apenas tentei desviar para passar por
ele. Mas, com um passo para o lado, ele se interpôs no meu caminho. Me
encarava de cenho baixo, olhos verdes bem carregados. Era como se estivesse
irritado comigo.
Como se o direito fosse dele, de se irritar.
— Então vai me tratar assim? O cara que salvou sua vida?
— Eu já te agradeci por isso.
Ele abanou a cabeleira em um gesto negativo, e eu pude notar que era
quase desgosto. Foi até a traseira de sua caminhonete e jogou os caixotes, em
seguida, tirou as luvas grossas das mãos, mantendo-se de costas para mim.
Ainda achava que tinha o direito de me ignorar.
— Não te agradeci? — perguntei, e ele se virou. Mexeu nos cabelos
fazendo, assim, seus belos bíceps ficarem em evidência. Estava de camiseta
regata.
— Sua má educação em relação a mim, desfaz sua generosidade de
me agradecer.
— Ah, essa é boa. Você que foi um mentiroso.
— Em que menti?
— Eu te perguntei se existia uma mulher que poderia chegar e ver
aquela cena do café como algo a mais. E você disse que não. Como qualquer
babaca traidor que não dá a mínima para sua companheira.
Seth estava horrorizado com minhas palavras, e quando terminei, ele
rugiu como um leão: — Ah! Vá se danar garota. — fez um gesto brusco com
a mão. — Eu te expliquei que ela não é nada minha, a gente só faz sexo de
vez em quando e, por isso, eu disse que não existia uma “Jane”. Por que não
existe. Não menti coisa nenhuma.
Por que diabos homens veem o sexo como algo tão insignificante?
Para mim é nítido que sexo é uma entrega bem íntima entre duas pessoas.
Ainda mais quando o sexo faz parte da rotina, como era o caso dele e daquela
beiçuda que me pegou no flagra lá na cabana.
— Ok. Eu não tenho nada a ver com sua vida. Sou bem agradecida
por ter me salvado, mas não espere nada mais além disso… Sinceramente, eu
me iludi.
Eu tentei me virar para sair, mas fui pega com força. Ele me puxou
contra ele, quase um muro de concreto e, sem pestanejar, abaixou sua boca
sobre a minha me dando um beijo de perder o fôlego. Odiosamente delicioso.
Seu beijo era bem melhor do que eu pude imaginar. Seth tinha uma
destreza espetacular, me segurando de um jeito quase dominador, me
prendendo em seus braços fortes e deixando sua boca enorme, macia e quente
me banhar toda com um prazer vindo por dentro, acertando mil socos
gostosos no meu estômago e atingindo em cheio meu sexo. Caraca! O beijo
do maldito me fez esfregar as pernas.
Eu não sei quanto tempo ficamos nos beijando, só sei que ele
conseguiu rolar sua língua quente para dentro da minha boca, me deixando
fervendo, pois era um beijo erótico.
Quando enfim ele afastou seus lábios dos meus, precisei me segurar
em sua camiseta para não cair.
— Vadio, filho da mãe!
— Cuidado com essa boca, garota. Ela é muito chamativa, e quando
você é petulante, dá um tesão do caralho em mim.
Ele me soltou, enfiou os dedos nos cabelos jogando-os para cima e
desfilou, exibindo sua estatura majestosa, até a caminhonete. Eu fiquei só em
frangalhos ali parada e nem tive reação quando, de dentro do carro, ele
acenou para mim com meu celular e disse em tom sério, quase bruto:
— Peguei seu celular, se quiser muito ele de novo, sabe onde pode
encontrá-lo.
Só depois de uma eternidade, eu olhei e vi minha bolsa aberta. Ele
tinha me distraído com o beijo, roubado meu celular e ainda me chantageado.
Revoltada, esperneei na rua, joguei a bolsa no chão e gritei de punhos
fechados. Carly saiu rápido na porta da loja e olhou para mim sem entender o
que estava acontecendo.
Ele vai se arrepender de ter armado para eu ter que voltar na estúpida
cabana dele. Vai se arrepender.

Era uma guerra.


Seth precisava aprender com que tipo de mulher ele podia brincar. Eu
não era esse tipo de mulher. Comigo, macho simplesmente não brinca.
Sem falar com ninguém sobre o assunto, disse a Carly que tinha
surgido um imprevisto e corri até a delegacia mais próxima e fiz uma
denúncia imediatamente. Eu estava pensando muito bem no que eu estava
fazendo, se ele podia jogar, eu daria o troco bem maior.
Eles acreditaram em mim e disponibilizaram dois policiais para me
acompanhar e assim, recuperar meu celular e, com isso, Seth ainda corria o
risco de ser preso. Pouco me importava, ele iria aprender da pior forma.
Dentro da viatura, eu estava com o coração aos pulos e, conforme
fomos chegando próximo à clareira onde era caminho da cabana, uma
pontinha de mim se arrependia de ter feito todo esse show, com polícia e tudo.
Não teria sido melhor se eu apenas tivesse vindo sozinha e conversado com
ele?
Ele disse que precisava falar comigo… Eu tinha tanto para perguntar
e agora me sentia um pouco mimada e infantil.
Mas ele também foi infantil ao roubar meu celular.
O carro parou, descemos e eu indiquei o caminho onde seguimos até
chegar na cabana. Eu fiquei mais atrás, ao lado de uma policial, e o outro foi à
frente e bateu palmas em frente da cabana.
— Polícia de São Francisco. Por favor, saia sem fazer movimentos
bruscos. — Não tivemos nenhuma resposta e eu sabia que ele estava lá
dentro, pois a caminhonete parada era a prova disso.
O policial bateu palmas novamente e tornou a ordenar que o ocupante
saísse da casa.
E então, para meu espanto e da policial ao meu lado, um ser
gigantesco e quase nu veio andando tranquilamente por uma estradinha atrás
da casa e olhou para a gente. Primeiro ele me recriminou com um olhar
severo. Como um pai ameaça com um castigo a filhinha por ter sido
malcriada, tipo aquelas ameaças de pais, com apenas um olhar: “Lá em casa
você me paga”. Foi impossível manter o controle e impedir meu corpo de
responder com tremor.
Em seguida, quando olhou para os policiais, ele reproduziu o que
devia achar ser um sorriso amigável.
Seth, o Selvagem, estava com o corpão salpicado de gotas de água,
com cabelos molhados e uma toalha amarrada em volta da cintura.
Apesar do efeito que ele causou em mim, fechei logo a cara.
— Tudo bem, policial? — Seth cumprimentou todo carismático, foi
apertar a mão do policial que parecia intimidado. Mesmo assim, apertou a
mão de Seth.
— Viemos por causa de uma denúncia de roubo, senhor…
— Seth Ryder.
— Senhor Ryder.
— Roubo? — ele olhou para mim de sobrancelhas levantadas,
imitando uma expressão de surpresa. Babaca de uma figa.
Não achei que esse homem, tão sério no início, pudesse ser tão cínico.
— Sim, a senhorita Penélope Dawson alega que o senhor roubou o
celular dela.
— Eu roubei? — se mostrou espantado — Como assim? Eu não
roubei nada.
— O senhor a conhece? — o policial olhou de mim para ele e de volta
para mim.
— Sim, ela veio por conta própria duas vezes até minha cabana. Eu
trabalho com artesanatos, madeira e argila. Ela veio fazer uma encomenda…
— O quê? — berrei sobressaltada. Que mentiroso!
Sério, Seth afirmou com a cabeça fazendo o policial olhar incrédulo
para mim. Pronto, então eu estava passando de vítima à doida instável.
— Senhorita, já veio por conta própria à cabana do senhor Ryder?
— Sim eu vim, mas…
— Olha, senhor policial, minha caminhonete, minha casa, está tudo às
suas ordens para procurar o que quiser. — Seth fez a linha bom samaritano —
Aqui nem mesmo tem sinal de celular, para que eu iria querer um celular? Se
fosse roubar para vender, facilmente me pegariam. Eu prefiro fazer minhas
próprias coisas e vender.
Mais incrédulo ainda, o policial me fitou. — É verdade. Por que o
senhor Ryder roubaria seu celular?”
— Para me obrigar a vir até aqui. — gritei. Pronto, papel de doida
feito com sucesso. — Ele está fazendo um jogo comigo, será que ninguém
está vendo isso?
Os policiais me encararam desconfiados, me vendo como uma doida,
e o selvagem bonzinho como sendo alvo de uma falsa denúncia.
O policial disse para Seth não sair do lugar, pediu à policial para
verificar a caminhonete enquanto ele olhava a casa. Eles se afastaram, errando
muito me deixando sozinha com o maldito lenhador.
E para completar toda a cena, sem que eu esperasse, Seth arrancou a
tolha da cintura, exibindo assim seu documento bem considerável. Eu
arregalei os olhos e não consegui desviar a atenção daquele pau repousando
entre suas pernas. Caramba! Era enorme, como eu já tinha previsto. Olha o
tamanho das bolas!
Por que eu não fui forte e olhei apenas para seu rosto? — Ele não
sorriu, manteve-se muito sério me encarando. Quase rude. Mas sabia que
tinha conseguido me afetar.
O maldito lenhador estava mesmo agindo como um selvagem me
provocando, ele soube que eu fiquei pasma, sorriu de lado e foi até uma cerca,
pegou um short dry fit ,desses de academia, e assim, na minha frente, vestiu
sem cueca mesmo, na maior naturalidade. Depois, com a toalha, secou os
cabelos.
Com um cheiro bem mais acentuado de coco e frescor, Seth se
aproximou sorrateiramente de mim e cochichou de um modo mandão com
leve teor de irritação:
— Venha sozinha da próxima vez e receberá seu celular de volta.
DOZE

Como era de se esperar, nada foi encontrado, e ainda ganhei um


sermão do policial que se mostrou indignado por tê-lo feito perder seu
precioso tempo. Chegou ao cúmulo de ele pedir desculpas a Seth. Eu queria
bater nos dois. Mas fiquei quieta, disse que talvez eu tivesse me enganado e
torci para não receber um processo por falsa denúncia.
Seth se mostrou o anjo fortão cabeludo e disse que não faria nada
contra mim. A policial sorriu cativada por aquela bondade toda presa a um
corpo de dois metros de altura, com belos bíceps e um tórax invejável.
Ao sair da delegacia, depois de retirar a queixa, rapidamente peguei
um taxi e o fiz com que me levasse de volta até a cabana do imbecil.
Ele parecia já me esperar. Estava na sacada de sua cabana ridícula
trançando cestas de vime.
Ele fazia mesmo artesanatos? Eu estava pasma.
Seth me viu vindo pelo caminho que descia da clareira até a cabana.
Não se moveu, e assim que eu parei a uns passos de distância, ele me fitou
com seus olhos verdes de leão, brilhantes e raivosos.
— Olha que surpresa. — gracejou. — A raposinha raivosa.
— O quê? Raposa?
— É. Sei lá. Você me lembra uma raposa. — voltou a olhar para a
cesta e, com agilidade espetacular, ia trançando. — É brava, esperta, mas foge
quando vê sinal de perigo. Além, é claro, da cor de seus cabelos. Resumindo,
você me lembra uma raposa.
— E você seria o quê? O rei leão?
Ele jogou a cesta terminada em um monte onde havia outras e se
levantou. Ainda usava apenas o short curto de academia que deixava todo seu
corpo mais em evidência. E eu sabia que os documentos estavam ali soltos
sem cueca. Safado!
— Apesar de achar isso meio patético, é como sou conhecido por
umas pessoas. Simba, ao seu dispor, raposa. Venha, vou fazer um café para a
gente.
— Seth! — dei um passo em sua direção, me lembrando de não tocá-
lo. — Não precisa. Eu sei que não gosta muito de aproximação… Não quero
parecer inconveniente.
— Eu estou convidando. — se virou e foi entrando na cabana.
Vencida, olhei para os lados antes de segui-lo. Além do mais, nem
precisou insistir demais. Eu estava morrendo de curiosidade sobre ele.

* * *

Ele estava à beira do fogão passado café, e eu sentada à mesa,


deixando transparecer meu desconforto. Se aquela mulher dele chegasse aqui
eu iria, com certeza, jogar toda a culpa em Seth, contar tudo o que o amante
safado dela estava aprontando.
A raiva que eu tive inicialmente pela petulância dele já tinha passado.
Estar lá significava ter respostas, e eu queria muito que ele respondesse cada
uma das minhas indagações e acabasse com as dúvidas que me corroíam.
Ele terminou de fazer o café, serviu nas canecas e sentou diante de
mim. Como de costume, tinha uma expressão bem pesada, como se houvesse
uma batalha dentro de sua mente que ele tentava se livrar. Ajeitou o coque no
alto de sua cabeça, esperou eu provar o café e então disparou:
— Terminei tudo com ela. — de cabeça baixa, olhando para o café.
— O quê? — quase cuspi café na mesa.
— Com a Margareth. — seus olhos verdes, com um tom doloroso
cravaram nos meus — Terminei, não vamos mais nos ver. Quer dizer, vamos
nos ver, mas nada de intimidades.
Eu estava olhando para ele com a mão no peito, horrorizada.
— Cara… por que fez isso? Se desentenderam? O marido
descobriu…?
— Não, porque eu decidi não lutar mais contra meus desejos. — ele
relutou e, após alguns segundos, se decidindo, soprou fervorosamente: — Eu
nunca achei que… pudesse me sentir assim…
— Assim? — senti o peso de suas palavras como um golpe.
— Confuso. Estou confuso, mas sei o que quero. É perigoso, eu sei
disso. Eu quero dar uma chance a você. Então conversei com ela e acertamos
tudo.
Demorou segundos para meu cérebro processar o que eu acabara de
ouvir. Assim que entendi, a gargalhada foi inevitável. No mesmo instante, a
expressão dele se fechou diante da minha sonora risada.
— Me dar uma chance? Sério? Como se faz caridade a uma pobre
coitada? O anjo bondoso, rei da selva, decidiu me dar uma chance?
Era raríssimo o Seth sorrir, mas dessa vez, ele esboçou um sorriso por
causa da minha ironia, e eu adorei presenciar isso. Bebeu um gole de café e
deu de ombros.
— Você é mesmo bem petulante, garota. Uma chance para você me
conhecer melhor, Raposinha…
— Não me chame assim. — me levantei e o encarei desejando me
mostrar enfurecida. Mas diziam que nos meus momentos de fúria, eu parecia
apenas um hamster com dor de barriga. — Meu celular, — estendi minha mão
para ele — agora!
— Tá. Ok. Me dá uma chance de te conhecer.
— Eu estou fora do mercado.
Eu o quis no início, e ainda o queria, mas queria fazer charme.
Funciona assim e pronto. Não se questiona os atos de uma mulher.
— Tem namorado?
— Olha só! — voltei a sentar. — Era daí que deveria ter partido sua
conversa. Deveria ter me perguntando se eu estou comprometida e se eu tenho
interesse.
— Não tem interesse em mim? — uma sobrancelha se ergueu
impetuosa.
— Não. — menti brutalmente e bem espontânea.
— Não, mesmo? — chocado, ergueu todo o cenho. — Nem um
pouquinho?
— Não.
— Mas você gostou dos meus cabelos, do meu beijo e do meu pau.
— Quem disse que eu gostei do seu pau? — agora eu estava chocada.
— Seus olhos. Você ficou tão vermelhinha que quase fiquei duro ali
perto dos policiais. Além, é claro, de não ter conseguido olhar para outro
lugar que não fosse minhas partes. — sem sorrir, complementou: — Parecia a
pequena sereia tarada.
Eu estava boba com a ousadia do homem.
— Meu Deus! Prefiro comprar outro celular. — me levantei pela
segunda vez.
— Ok. Me desculpe. — ele se levantou rápido e se pôs na minha
frente. — Eu sempre coloco tudo a perder. Só tentei ser cômico. — pareceu
tomar, junto com o fôlego, uma grande quantidade de coragem. Ficou de
cabeça baixa como se sentisse dor e quando voltou a me olhar, seu semblante
era novamente bem pesado. — Desde o primeiro momento, quando eu
percebi que você não era uma pessoa má, eu quis… bom, eu quis poder ter
um momento a mais para conversarmos, ou qualquer outra coisa. Se você
tiver interesse, claro.
Era a cantada mais sensível que eu já tive o prazer de receber. Eu
pude sentir toda emoção dele nas palavras, junto com a verdade sobre o que
ele sentia por mim. E nem precisava tanto, quando eu podia assistir sua luta
constante para controlar seu desejo.
Claro que eu tinha interesse. De verdade, eu gostei dos cabelos, do
beijo e do pau dele. Era bem perspicaz o sujeito.
Quem era a pervertida aqui?
— E então? — esperançoso, aguardava eu responder.
— Dias atrás, você surtou porque eu toquei em você e agora quer…
— Sim, porque eu queria retribuir o seu toque, mas não queria parecer
um primata e ultrapassar os seus limites. Eu juro que tentei tirar você da
minha mente e dizer a mim mesmo que trazer pessoas inocentes para minha
vida é bem perigoso. Mas, nesse momento, só penso em poder te ver mais
vezes.
Ouvir isso me agradou muito. Apesar de ser do mato, o selvagem
sabia como respeitar uma mulher. Quer dizer, não em todos os momentos, já
que ele me roubou um beijo, meu celular e ainda se despiu na minha frente.
Inevitavelmente, acabei deixando meus lábios esticarem e formar um
belo sorriso. Seth soube que eu tinha aceitado antes mesmo de eu dar a
resposta.
— Eu quero muito te beijar, Penélope. — deu um passo diminuindo
nossa distância. — E isso tem tomado cada segundo dos meus pensamentos
desde que te salvei. — os olhos tenazes como de um predador.
Engoli em seco, vendo esse monumento com o peitão nu bem na
minha frente. Me derreti toda, a começar pela minha intimidade entre as
pernas.
— Então beije. — eu estava quase implorando, não submissamente,
mas corajosamente me entregando de uma vez por todas a esse homem
misterioso e obstinado. Eu queria muito sentir novamente seus lábios colados
aos meus e sua língua grande, quente e saborosa ativar todas minhas emoções.
Satisfeito por ter recebido sinal verde, ele me puxou pela minha
cintura e me fez ir de encontro ao seu corpo. Toquei em seu peito e queria
deixar minha mão ali por horas. Pele quente, músculos firmes e coração
acelerado.
Era como se eu tivesse, enfim, encontrado meu propósito.
No momento em que nossas bocas se tocaram, o prazer nos uniu em
uníssono, libertamos um gemido. Anjos pareciam cantar coros ao nosso redor,
porque estava sendo uma experiência gloriosa.
Ele me apertou em seus braços fortes de uma maneira possessiva e
que transbordava erotismo, podia sentir seu membro enrijecendo escondido
no short fino e pressionado contra mim. E eu retribuí encontrando uma
posição perfeita em que eu também o abraçasse, ambiciosa por mais do seu
gosto e toque. Porque ele era um homem que traduz, personificando a palavra
desejo em qualquer língua falada no mundo.
O beijo foi único. Selvagem e gostoso. Ele tinha uma agilidade
impressionante com os lábios e a língua, me provocando tremores. Com um
único beijo e o abraço apertado possessivo, ele me mostrou tudo que podia
me dar na cama, era um prelúdio tentador, mas que não seria agora. Afastei
minha boca ofegante, Seth não aceitou e buscou mais um beijo, segurando
meu rosto. Deixei-o afundar em meus lábios até ter o controle novamente e
me afastar pela segunda vez.
Ele me olhou suplicando.
— Eu… tenho que ir.
— Ok. — assentiu, mas seus olhos fixos em minha boca dizia que ele
não queria que eu fosse. — Volta para me ver?
— Sim. — sorri muito animada, sem ser correspondia. Ele continuou
muito sério me olhando. — Claro que sim. — então, diante de minha
resposta, ele mudou completamente. Um breve terror brilhou em seus olhos.
— Desculpa… por te meter nisso, por conta do meu descontrole em
não conseguir lutar contra minha atração.
— Me meter em quê? — eu estava louca para saber mais sobre a vida
dele.
— Eu podia simplesmente te mandar embora, Penélope, mas não
consigo. — levantou a mão e tocou gentilmente meu rosto.
Era a mão direita. Senti seu toque e me lembrei do que minha avó
disse. Segurei-a e observei-a. Quase soltei um gemido doloroso ao ver os seus
belos dedos longos contorcidos, comprovando que minha avó estava certa.
Cada um deles foi quebrado de maneira bruta e provavelmente não receberam
tratamento especializado, visto que estavam tortos.
Seth tentou puxar sua mão, e quando eu fitei seus olhos, foi
resignação que encontrei.
— Tudo bem. — sussurrei acalmando-o. Ele era como uma fera ferida
que estava sempre em alerta.
— Eu não vou… poder falar sobre isso. — resmungou em tom de
lamentação.
— Eu sei. Não, por enquanto. — sabia que era um trauma terrível que
ele prendia dentro de si e que não tinha condição de se abrir assim logo de
cara. Se eu quisesse saber mais de todo o mistério que o rodeava, precisava
ganhar sua confiança.
Seth encostou a testa na minha, segurando meu rosto com
intensidade, um toque febril, todavia, suave.
— Desculpe… por não ter muito a te oferecer. Eu sou… tão fodido.
— Você é especial, Seth. De alguma forma…
— Não. — com os nós dos dedos tortos, acariciou minha bochecha —
Não tente me rotular dessa forma, para me fazer sentir bem. Eu sei o que sou,
sei da loucura que carrego comigo e queria tanto você… Mas quero mais
ainda te proteger…
— Você me salvou. Como pode negar isso?
— Você jamais entenderá, Raposinha. — se aproximou para me beijar
novamente, mas se afastou como se eu tivesse lhe dado um choque.
— Seth! — chamei e não fui respondida. Andei depressa atrás dele,
para fora da cabana. Ele foi até uma parte afastada, abriu um pequeno alçapão
no chão e tirou de lá uma caixinha de metal. Onde estava o meu celular.
— Tome. Vá.
Ele sabia que com a aproximação da gente, logo teria necessidade de
me contar. E isso parecia um grande temor para ele. Estava me impedindo de
saber mais sobre tudo que o envolvia e, de certa forma, isso fazia minha raiva
crescer.
— Converse comigo. — implorei baixinho, tentando um contato
visual com ele.
— Obrigado, por… Apenas obrigado. Meu dia foi o melhor. Vou te
levar em casa.
Claro, foi inútil meu pedido. Ele não ia falar nada. Isso foi muito
frustrante, restou a eu apenas respirar profundamente.
Ele se virou e com seu porte imponente andou de volta para a cabana,
para se vestir.
Apesar de tudo, me sentia feliz. Eu podia dizer que tinha algo com
Seth. Estávamos nos entendendo. Para provar que eu estava certa, ele me
convidou a voltar à sua casa assim que desci em frente à minha casa.
— Almoce comigo amanhã. — pediu me pegando de surpresa.
— Ah… claro. — ele tinha me pego de surpresa para eu não poder
negar?
— Ok. — tentou sorrir, mas foi uma careta. — Farei uma carne
assada. — piscou para mim e foi embora.
Meu futuro namorado era tão estranho. E eu estava louca para dar
para ele. Lembrei do seu pau enorme, fiz cara de tímida e entrei correndo em
casa.
TREZE

Anos antes

Creio que ver, pelo pequeno monitor, meu filho em perigo me fez
reagir buscando todo o resto de força dentro de mim. Lutar por ele era mais
que um grande motivo, era o incentivo maior que minha própria vida.
Fora do galpão, eu corria por entre as árvores. Estava em um lugar
desconhecido, parecia uma floresta selvagem, algo que não imaginei existir
na Califórnia. Minhas pernas travavam pela dor dilacerante, meus dedos
sangravam e a dor pelo corpo era insuportável. Eu estava todo moído, fui
impiedosamente torturado, mas meu poder de concentração me dava forças
para avançar. Sempre fui muito focado, não do tipo louco desligado de tudo,
mas daqueles caras que mantêm o olhar fixo no objetivo até então consegui-
lo.
Eles estavam atrás de mim, podia ouvir os gritos e latidos de
cachorros. Eu seria pego e morto, com certeza, e meu filho, certamente,
eliminado. Eu tinha que viver, por ele.
No meio de uma ponte, eu me vi encurralado. Eles conseguiram me
cercar, e sem que eu pudesse pensar no que fazer, um estampido alto cortou o
silêncio entre as árvores e senti a dor lancinante na minha cabeça, no lado
esquerdo.
Eu estava caindo, e parecia que o fim nunca chegava. Eu apenas caía
do alto da ponte, imaginando o que fariam com meu bebê e lamentando que,
como pai, fracassara em protegê-lo.
E então a água me abraçou, e eu não senti mais nada.

* * *
Atualmente

— Cheguei a tempo? — entrei na pequena loja de carnes em São


Francisco. Vinny, o dono, sabia a que me referia, e apontou para o balcão
resfriado, repleto de peças de carnes.
— Em cima da hora, Simba. Acabei de abastecer.
— Ótimo. Preciso da carne mais fresca possível.
Vinny piscou para um atendente, ordenando que atendesse os outros
fregueses, veio até mim.
— Em que pensou? Um filé mignon para um bife alto… Olha como
está bonito. — mostrou a peça de carne com satisfação.
Fitei a peça de carne, mas não me interessou.
— Pensei em alcatra ou maminha. Quero fazer um assado. — pensei
um pouco e confidenciei: — Laçar uma garota pelo estômago.
Não costumava confidenciar intimidades com ninguém, mas o
entusiasmo me fez falar pelos cotovelos. Mais um motivo para eu me
preocupar. A aproximação de Penélope estava minando todas as minhas
defesas. Entretanto, não deixei que essa preocupação tomasse conta de mim e
apenas desconsiderei.
— Arra! Eu sabia! Como me ligou logo cedo, perguntando o horário
de entrega do fornecedor, alguma coisa especial tinha em mente.
— Pegue logo essa carne, que o almoço tem que sair às onze. — disse
apressado.
Assim que peguei a carne, fui a uma pequena mercearia onde sempre
entrego lenhas cortadas bem pequenas, e o velho Colin, o proprietário, acenou
para mim, por trás de seu balcão.
— Preciso de batatas, laranjas, tomate cereja, palmito e queijo
muçarela. — As espigas de milho estavam bonitas, mas preferi colhê-las da
minha pequena horta, assim como as hortaliças.
Comprei mais coisas do que tinha posto na lista. Entrei na
caminhonete e vi que eram quase nove da manhã. Me apressei a chegar logo
em casa e colocar em prática o melhor almoço que poderia preparar.
Ontem, levei Penélope na casa dela. O clima estava bem tenso na
caminhonete. Ela não dizia nada, e, do jeito que é tagarela, seu silêncio me
incomodou. Mas a quem eu poderia culpar, se não a mim mesmo? Eu queria a
garota, mas minha indecisão e instabilidade quanto ao relacionamento a
deixou nervosa. E eu consegui ver isso a tempo. A convidei para almoçar e,
para meu alívio, vi o sorriso brotar novamente em seus lábios. Depois que eu
a salvei, seu sorriso e carisma têm animado meus dias.
Margareth gritou comigo que não estava me reconhecendo, uma vez
que eu sempre fui muito reservado e desconfiado com tudo e todos. Além de
termos um plano traçado que impedia contato muito íntimo com terceiros;
pela primeira vez, eu estava pensando com a cabeça de baixo.
Eu já tinha me sentindo assim uma vez por uma mulher, mas agora
ela estava no passado, onde deveria permanecer. Agora ela já era casada, e eu
só me iludi.
Mas Margareth sabia disso e foi a amiga que eu precisei para me fazer
seguir em frente. Por muito tempo, ela foi a única mulher que eu deixei que se
aproximasse de mim, ou que quis se aproximar de mim. Ela me salvou e me
escondeu nessa casa onde hoje eu moro. Enfermeira de longa data, Marg
soube como cuidar de mim enquanto eu lutava pela vida, inconsciente.
Geralmente não apareciam muitas mulheres por lá. Eu vinha sempre à
cidade, todavia não socializava indo a festas, boates. Às vezes ia no bar do
Dylan, onde só tinha homens.
Acontece que Margareth não podia cobrar nada de mim, pois não
havia nada entre nós. Ela sempre deixou claro que jamais abandonaria o
marido e que transava comigo porque era uma forma de me ajudar nas
necessidades masculinas.
Segundo ela, era preferível eu ter um sexo seguro e fixo com ela do
que sair por aí procurando qualquer uma. E eu não tinha mesmo necessidade
de procurar por outra, Sou bem viril e tenho gosto voraz por sexo, ela me
servia muito bem.
E então apareceu uma desastrada garota ruiva que parecia precisar de
proteção o tempo todo.
Não vou vir com aquele velho clichê de que: “tudo mudou quando eu
vi a bela ruivinha em perigo.” Porque não foi assim.
No início, meus instintos estavam alarmados e ela era apenas uma
ameaça ao meu território. Fiquei bem tenso e desconfiado, com medo de ser
alguma emboscada para me roubar, ou trazer de volta meu passado pavoroso.
Eu desconfiava até das sombras das árvores, afinal estava afastado da cidade.
Mas Penélope tinha expressões muito intensas, e eu pude ler cada um
de seus sentimentos ali, nos olhos, na bochecha, quando corava e no modo
que mordia os lábios, constrangida por estar comigo em uma cabana. Eu
queria aquela garota longe do meu habitat, estava me sentindo ameaçado com
uma estranha vendo tudo sobre mim.
E, para meu descontentamento, um dia depois de eu salvá-la, lá estava
ela de novo, mais linda do que antes. Sim, da segunda vez, pude reparar em
como ela era chamativa. Não o tipo de garota bonita padrão, tem corpo
normal, eu diria que estatura de média para baixa, tinha seios normais.
Entretanto, um pouco tímida, pois se enrubescia facilmente; ela era ruiva e
isso contribuía bastante em perceber quando ela se sentia constrangida.
E perto de mim, Penélope sempre estava enrubescida. Ou
vermelhinha de raiva. Ou pálida de medo, como da primeira vez.
Minha barreira de desconfiança caiu e comecei a enxergá-la com
outros olhos. Pude ver sua silhueta, seus cabelos belos e sua boca… Caralho!
Ela tinha uma boca que me atraiu a níveis consideráveis.
Margareth me advertiu para tomar cuidado e não permitir que a garota
voltasse. Era perigoso, caso acontecesse algo com ela, eu poderia ser
responsabilizado.
Entretanto, fui na contramão das minhas próprias regras, porque ela
fez eu me sentir bem, e eu me flagrei sorrindo algumas vezes, coisa que eu
nem sabia mais como se fazia.
Assim que cheguei em casa, preparei a peça de carne. O tempero, eu
mesmo fiz na hora, pisando em um pilão de madeira ervas, pimenta e sal, em
seguida, descansei-a na salmoura. Uma boa carne assada precisa estar
suculenta.
Enquanto a carne ficou descansando, desci por um pequeno caminho
atrás da cabana e saí em um belo lago rodeado por rochas e que possui até
uma pequena cachoeira.
Eu sempre vinha bem cedo para aproveitar a água da manhã, mas hoje
não deu tempo, uma vez que tive outras coisas para fazer.
Tirei toda a roupa, soltei os cabelos e saltei no lago, mergulhando e
emergindo um pouco mais à frente. Adiantei outro mergulho, rodopiei dentro
da água, sentindo-a fria e reconfortante para relaxar meus músculos. Só
depois do espetáculo solitário de mergulho, quando minha temperatura
corporal já se acostumara com a água, nadei até as pedras e peguei uma barra
do sabão que eu mesmo fazia.
Ali atrás tinha muitos coqueiros e eu aprendi a fazer essência de coco
e colocá-la no sabão que fabricava artesanalmente. Tentava economizar o
máximo que conseguia, afinal ganhava conforme meu esforço, cortando lenha
que vendia para uns poucos clientes, este era meu principal meio de ganhar
uns trocados.
Após o banho, já com uma roupa limpa e os cabelos secando ao
natural, comecei a preparar o almoço. Batatas assadas crocantes, molho de
laranja para acompanhar a carne e salada com folhas e hortaliças que colhi da
minha horta. Além de milho assado como entrada.
Quando ouvi palmas em frente à cabana, meu coração deu um salto
me assustando. Eu não me sentia assim há anos e o pior era que me vi
gostando de sentir esse redemoinho no estômago. Joguei os cabelos de lado,
me olhei rápido no pequeno espelho do banheiro, corri a mão na barba e fui
recebê-la.
Ela sorriu e se afastou um pouco para eu abrir a segunda porta de tela
de proteção. Dessa vez, usava um vestido florido, botas e cabelos soltos por
baixo de um chapéu com fita rosa que ela retirou quando me viu.
— Olá, Seth!
— Olá, Penélope! Entre, por favor.
Ela entrou e animada disse: — O cheiro está delicioso, espero que
seja daqui.
— E é. Venha. — andei na frente, e, tímida, ela me seguiu. Na
cozinha, ficou de pé sem saber o que fazer, e quando a olhei estava
ruborizada. Não deixava de ter esse clima sem graça, afinal era um encontro,
nós dois sabíamos disso. E meu coração não desacelerava de jeito nenhum.
— Sente-se. A carne está no forno — apontei para o forno — Estou
preparando salada e o milho está assando na churrasqueira.
— É um belo cardápio. — ela se sentou. — Não conheço muitos
homens que cozinham.
— Eu aprendi com a necessidade. — voltei para a tábua de madeira
onde estava picando pimentões.
— Por morar aqui sozinho?
— Sim.
— Algum motivo especifico para se isolar?
Eu comentei que ela era tagarela? Mais uma vez me flagrei gostando
de algo que antes repudiava.
— Não. Me conte sobre você. — antecipei, desviando o assunto da
conversa sobre minha vida pessoal. — Me fale sobre você.
— Ah… — ela ficou pensativa, rolando uma mexa de cabelos entre
os dedos, deu de ombros, após escolher o que dizer: — Estarei me formando
em breve, em marketing.
— Legal. — terminei os pimentões e peguei os tomates-cerejas.
— Trabalho em algumas pequenas lojas, mas… não sei, pode ser que
eu venha estagiar na Dazzler.
— Arrgg! — inesperadamente soltei um rugido e ela se levantou
assustada.
— Seth! O que houve?
Levei o dedo à boca e o chupei.
— Me cortei.
— Droga! Deixa eu olhar. — veio depressa até mim e, sem poder
recusar, estendi a mão a ela. Penélope segurou e analisou o corte superficial.
— Quer que eu faça um curativo?
— Não precisa. — puxei minha mão e chupei mais um pouco o dedo.
— Tenho um pouco de sensibilidade nessa mão.
— Onde está o Band-Aid que colocou em mim naquele dia? Posso
pegar.
Pensei um pouco e rejeitei a ideia logo em seguida.
— Não. Dê uma olhada no milho ali na churrasqueira que eu vou
cuidar disso.
Saí rápido, enrolei o dedo com um Band-Aid e me olhei no espelho.
Soltei o ar profundamente e saí correndo para a cozinha.
— Estão ótimos. — Penélope apontou para os milhos — E cheirosos.
Dispus pratos e talheres na mesa. Com um pegador, tirei os milhos da
churrasqueira, coloquei-os numa tigela de madeira que eu confeccionei e
salpiquei queijo ralado em cima.
— Fique à vontade. Essa será nossa entrada. — ofereci, e ela se serviu
de uma espiga no prato que coloquei à sua frente.
— Hum… Parecem deliciosos. Como fez?
— Sem segredos. Cozinhei um pouquinho na água e sal, depois os
coloquei na churrasqueira e pincelei por cima com manteiga com ervas
picadas.
Ela provou e fez um elogio em seguida. Seus olhos brilhavam com a
verdade estampada.
— Nossa, Seth. Está delicioso. Não vai comer?
— Vou só pegar a carne.
Tirei a carne, coloquei em uma travessa, também de madeira, joguei
por cima os molhos e as batatas assadas. A salada já estava pronta, coloquei a
mesa e servi um prato com carne, batatas e salada para ela. Fiz o mesmo para
mim e me sentei à sua frente.
— Parabéns, senhor lenhador. Está fantástico! — recebi seu elogio
com mais satisfação do que quando Margareth elogiava meus dons culinários.
Ela limpou os lábios e me encarou; soube que lá vinha uma pergunta.
— Você, além de lenhador e marceneiro, é ceramista?
— Nas horas vagas.
— Notei que você tem muitos utensílios de cerâmica.
— Eu mesmo faço as coisas que uso. Lá fora tem minha oficina e o
forno onde queimo as peças de argila.
— Sério? — seus olhos saltaram de perplexidade — Eu gostaria de
ver, posso? Ou estou incomodando?
— Claro que pode. Depois do almoço, iremos. Vinho?
— Claro, por favor. — ela tomou um gole e comeu mais um pouco.
— Isso está mesmo muito bom. Essa carne está no ponto certo.
— Sou um bom cozinheiro. — sorri e mandei uma piscadinha para
ela.
Sem eu saber porque, os olhos dela brilhavam, fixados em meu rosto.
— Você devia sorrir mais vezes, senhor Simba.
— É. — abaixei o rosto para meu prato. Ela percebeu meu
desconforto e deu uma reviravolta na conversa.
— Então, como eu estava dizendo, estou tentando emprego na
Dazzler.
— E está indo adiante? Ouvi dizer que o sistema lá é bem exclusivo.
— Sim, é. — ela mastigou e limpou os lábios — Mas eles abriram
vagas para estagiários e um estágio na Dazzler, será tudo que precisarei no
meu currículo.
— Que legal. Espero que dê certo.
— Acho que vai. O chefe de tudo lá foi com minha cara. — Penélope
pareceu relembrar alguma coisa, deu uma risadinha tímida e tomou um gole
de vinho.
— Chefe?
— O Zack Bradford.
Fazendo barulho, a minha faca escapou da minha mão, bateu no copo
de vinho que virou sobre a mesa.
— Seth!
— Merda! — murmurei e o mais rápido que pude, levantei e peguei
um pano para limpar a bagunça.
— Está tudo bem? — ela me olhava preocupada.
— Sim, meu dedo machucado… escorregou.
— Ah, está dolorido?
— Não… foi mal jeito. Mas continue o que você estava dizendo.
Terminei de limpar e peguei outro copo para mim.
— Bom, já ouviu falar dele?
— Acho que já ouvi falar. — fixei os olhos no meu prato.
— Pois é. Ele não é muito amigável, como todos pensam.
Ergui meu rosto para ela.
— Não? Foi desrespeitoso com você?
— Não, de maneira nenhuma. Ele é meio estranho, do tipo durão,
mal-humorado e tem um olhar… intenso… e ficava me encarando por longos
momentos… — Penélope olhou para o nada como se relembrasse de algo. —
E ele disse que me quer lá dentro.
— Ele disse isso?
— Pois é. Estranho, não é? Sei que ninguém acredita em mim, visto
que ele é um Bradford e não tem porque, de alguma forma, me querer lá
dentro, mas essa é a realidade.
— Eu acredito. — declarei prontamente.
— Acredita?
— Sim. Por que você mentiria? Além do mais, é a pessoa mais
expressiva que eu já vi. Seus olhos dizem a verdade.
Ela deu um sorriso e tcharam! Mais uma vez, enrubesceu.
— Vou pegar isso como elogio.
— É um elogio. E quanto a você: — apontei meu garfo para ela. —
Fique com um pé atrás com aquele cara. Conselho de amigo.
— Então, enfim somos amigos?
— Por enquanto. Nossa relação pode evoluir mais tarde, quem sabe?
— É. Quem sabe…

Depois de almoçarmos, andamos para o fundo da casa e logo após


mostrar minha horta e plantações, recebendo elogios sinceros, eu a levei até
meu local de trabalho. Era uma pequena oficina bem arejada e clara, onde eu
fazia trabalhos de marcenaria e peças de cerâmica. Geralmente, meu lugar
sagrado, onde apenas Margareth tinha permissão de ir. Estranhamente, eu
sentia necessidade de fazer Penélope sorrir, agradá-la parecia minha missão
número um.
— Aquilo é o forno? — Penélope apontou para o forno que eu mesmo
construí.
— Sim. Eu crio as peças cerâmica e elas precisam ser cozidas antes
de serem pintadas. Olha ali algumas já prontas.
Ela correu para a mesa que apontei e ficou fascinada com as tigelas
que confeccionei ontem. Estranhamente, meu peito inflou de orgulho. Nunca
precisei da aprovação de ninguém, e agora parecia um moleque de ego
inflado.
— São lindas, Seth. Meu Deus! São tão delicadas… — seus dedos
finos correram pelas bordas de uma tigela — Então você vive disso? — me
encarou entusiasmada.
— Sim. Eu aprendi desde cedo, com meu pai, o ofício da marcenaria.
Modelagem, a Margareth me ensinou. Eu consigo ganhar uns trocados
vendendo as peças na feira de artesanato e a lenha para alguns clientes fixos.
— Você é um artista. Estou admirada. Mas, não é chato ficar aqui
sozinho… no meio dessas árvores?
— Eu já me acostumei. Não gosto do barulho da cidade.
— Somos opostos quanto a isso. Eu já estou aqui morrendo por não
ter internet e não ouvir uma buzina de carro.
Me deleitei com sua risada, mas não consegui retribuir. Me mantive
sério e isso obrigou ela a parar de rir. Teoricamente, deve ter achado que eu
não gostei do que disse. Entretanto, eu só consigo olhá-la compenetrado,
esquecendo até de piscar. Um pouco tímida, ela mordeu os lábios e desviou os
olhos.
— Se, por caso, tivesse alguém na sua vida que morasse no mato,…
iria visitá-lo, mesmo que ele não tivesse internet? — perguntei em um tom
baixo e rouco, que eu gostaria que tivesse saído mais descontraído, e não em
tom ranzinza.
Seu olhar topou no meu e ali ficou. Ela não desviou os olhos e viu
que eu falei seriamente. Tomou uma grande quantidade de ar e sorriu, com as
bochechas avermelhadas. Antes de ela responder, acrescentei:
— Ou o pobre coitado teria que alugar um apartamento na cidade para
receber a raposinha tecnológica dele? — insisti. E ela sorriu.
— Como você mesmo disse, o ser humano se adapta a qualquer
ambiente. Só não force a barra.
— Ok. — ergui as mãos num gesto de rendição. — Vamos para a
varanda, vou armar redes para a gente descansar.
Andamos juntos para dar a volta na casa e sair na parte da frente.
Ajeitei meu pau que nunca esteve tão duro só por estar com uma mulher.
Senti-o querendo escapar da cueca. Os olhos de Penélope foram atraídos
instantaneamente para meu movimento. Ela viu meu pacotão e enrubesceu na
mesma hora. Até mordeu os lábios, fazendo minhas bolas se contorcerem. Eu
tinha que ter, o mais rápido possível, essa ruiva sentando em mim ou então
enlouqueceria de tesão.
Ela riu sozinha, olhando para os pés. Toquei em seu ombro e
Penélope me olhou.
— Rindo de mim?
— Rindo para você. Você tem sorte que eu gosto mesmo dos seus
cabelos.
— E do meu beijo e do meu…
— Cala a boca.
— Ok.
QUATORZE

— Tinha muito tempo com a Margareth?


Seth me olhou, deitado em sua rede e, para meu desalento, afirmou
com um gesto de cabeça. Uma parte de mim já sabia disso, mas torcia para
que ele dissesse que foi um caso rápido. Voltou a olhar o céu. Me deleitei com
a bela visão de seu corpão repousado na rede.
— Não precisava ter acabado seu relacionamento… Eu sou algo
incerto para você investir.
— Você não gostou de me ver com ela… Eu queria te agradar…
— Calma aí. — me sentei em minha rede — Como assim? Você vai
na opinião de uma estranha? Como queria agradar alguém que nem conhece?
— Uma estranha que eu quero ser bem íntimo.
Fiquei calada olhando para ele que nem pareceu abalado nem nada.
Estava de boa em sua rede, com um ramo de alguma coisa entre os lábios e
olhando as nuvens no céu. Não me restou outra opção senão aceitar sua
colocação.
— Como a conheceu?
Seth me olhou e, para meu espanto, voltou com sua costumeira cara
amarrada, mostrando que o assunto não o estava agradando.
— Margareth?
— Sim.
— Eu a salvei do lobo mal. — zombou.
— Deixa de ser bobo. Estou falando sério.
— Eu entregava lenha para o marido dela. Ele tinha um restaurante,
algo assim. — fez pouco caso e até tive um pressentimento que estava
mentindo.
— E aí, simplesmente aconteceu?
— Por que precisa saber essas coisas? — seus olhos me fuzilaram
descontentes. — Deixe tudo isso de lado. Ela é passado.
— Não vai mais vê-la?
— Irei vê-la sim, Penélope, pois temos outros assuntos além de sexo,
todavia, não mais dormirei com ela. — ele se sentou e ficou de cabeça baixa.
— Droga! — resmungou. As mãos cobriram o rosto.
— Seth… desculpe…
— Eu quero você e não consigo lidar seriamente com isso. — quando
seus olhos encontraram os meus, presenciei a dolorosa batalha em seu
interior. — Eu fui fodido sem piedade e, de alguma forma, ter você por
perto… ameniza isso.
Me levantei da minha rede e sentei na dele, bem ao seu lado. Abracei-
o mantendo seu corpão aconchegado ao meu. Seth deixou, por alguns
instantes, eu envolvê-lo, mas se afastou quando toquei no seu ombro
queimado. Foi puro descuido.
De pé, ele se recostou em uma coluna da varanda, de costas para mim.
— Eu gostaria de poder tirar sua dor, Seth…
Ele cuspiu o raminho que estava mastigando, jogou os cabelos de
lado e me brindou com uma expressão viril e sensível ao mesmo tempo. Meu
instinto me fez querer protegê-lo com unhas e dentes. Tive vontade de dar
todas as respostas que ele precisava e acabar com seu tormento.
— Não pode tirá-la, mas sua presença já ameniza. Eu queria poder ser
um cara ideal para você, Raposinha. Mas… sou apenas isso que está vendo.
Fiquei de pé e abracei sua cintura. Ele passou as mãos nos meus
cabelos, percorrendo os fios de uma maneira suave, carinhosa e, por fim,
puxou minha cabeça para seu peito.
— Eu gosto muito do que estou vendo. — afirmei, de olhos fechados,
ouvindo seu coração. — Eu não preciso saber seus problemas todos de uma
só vez. Vamos ser superficiais por enquanto, vamos aprofundar a nossa
relação mais tarde, com o tempo. Afastei meu rosto para encará-lo. — O que
acha de dar uma chance para você e eu?
— É o que mais quero.
Eu ri. Por mim e por ele. Já que quase nunca ele conseguia fazer isto.
— Então, parece que a raposa da cidade encontrou seu rei leão.
— Sabia desde o primeiro momento que você seria minha garota. —
segurando meu rosto, ele abaixou os lábios e gemeu roucamente com o toque
de nossas bocas. Eu apertei seus braços e deixei que ele me levasse à mais
deliciosa viagem ao paraíso, com seu beijo selvagem com tom de urgência.
Meu lenhador sofrido era a coisa mais bela que eu poderia encontrar.

Eu tentei adiar ao máximo minha partida. Mas não queria ainda forçar
fazer sexo com ele. Eu estava subindo pelas paredes. Seth também,
visivelmente, mas acho que um ficou esperando pelo outro. Então não
aconteceu.
Deitar com ele na rede, sendo abraçada e aconchegada de forma
protetora era meu melhor passatempo desde então. Eu nem precisava falar
nada, apenas sentir o calor de Seth e sua calma, por eu ter ficado com ele. Não
precisava sorrir para demostrar tudo que sentia.
Mesmo assim, eu conversei. Contei a ele sobre minha vida, sobre a
faculdade e sobre minha irmã e a loja dela. Seth ouvia tudo com muita
atenção, acariciando meu braço com seus dedos tortos.
Quando disse que precisava partir, ele me abraçou forte e beijou meus
lábios como se pudesse fugir de seus problemas estando em minha boca. Sua
alma doente aparecia nos olhos verdes selvagens.
Eu entrei no carro da minha mãe, e ele se debruçou na janela, tinha
nos lábios outro raminho verde. Ele sempre fazia um movimento de cabeça,
jogando os cabelos com a ajuda da mão e isso me provocava até o mais
profundo do meu ser.
— Quer marcar um dia para bebermos ao redor da fogueira? — me
convidou. Senti o hálito de eucalipto, por causa do ramo que ele mastigava, e
a vontade de beijá-lo me tomou novamente.
— Aqui? No meio do nada?
— É. Não tem muito o que fazer por aqui, a não ser conversar vendo
a lua.
— Fazia isso com a Margareth?
Droga. Eu prometi que não iria mais falar sobre ela, entretanto, isso
foi mais forte que eu. Essa coisa dessa mulher, mesmo casada, ter passado
todo esse tempo transando com o lenhador cabeludo, me tirava do sério.
— Você vai parar já com isso. — ele advertiu em um tom que pude
classificar como ordem — Ou proíbo sua entrada aqui no meu santuário.
Dei uma risada. Apesar da repreensão, o semblante dele estava leve e
seus olhos tinham um brilho sedutor.
— Vai me proibir de vir aqui?
— Sim, terei que tomar medidas drásticas. Portanto ruiva, como eu
não quero parar de te ver, pare já com essa porra de falar da Margareth.
— Ok.
— Posso comprar as bebidas e preparar a lenha?
— A lenha? — droga. Acabei de fazer uma insinuação em duplo
sentido. E, para meu total deleite, ele sorriu de leve, algo rápido, mas que foi
quase um evento astrológico.
— Da fogueira, Penélope. A outra lenha já está preparada. — me senti
enrubescer no mesmo instante. — E então? O que me diz?
— Pode ser. — ergui os ombros.
Seth fez uma cara de desapontamento.
— Apenas um simples “pode ser” como se fosse uma palestra sobre
hemorroidas? Posso garantir que não será tão tedioso assim.
— Meu “pode ser” foi apenas para me portar como uma dama
civilizada e não demostrar que tenho interesse em você e na sua fogueira ou
na sua lenha. — eu era muito ridícula. Fui capaz de jogar um flerte descarado.
E ele o pegou sorrindo.
— Gosta da minha fogueira? — deu uma risada ao fazer a pergunta.
— Para com isso. — liguei o carro. Ele saiu de perto da janela. —
Tchau, Seth.
— Sábado está bom? — ele veio andando, acompanhando o carro.
— Está ótimo. — buzinei para ele e fui embora, vendo pelo retrovisor
ele parado me vendo partir.

* * *

Eu estava ferrada. Me envolvi tanto com Seth que me esqueci


completamente de elaborar um slogan para o novo Smartphone da Dazzler.
Céus! Eu estava caidinha pelo grandão. E quando ele falava aquelas
coisas sobre eu ser a garota dele, podia sentir tudo em mim fervendo como
uma chaleira.
Nem mesmo minha falta de profissionalismo com a Dazzler tinha me
deixado estressada. Eu estava negligenciando meu sonho por causa de um
homem e isso não era legal Eu tinha que me empenhar, fazer o melhor slogan
possível. Minha boca atrevida não iria me segurar muito tempo na frente de
Zack.
Me lembrar dele foi um banho de água fria na minha autoconfiança,
gerada pelos elogios do Seth, meu atual rei leão.
A cara fechada de Zack cortou minha animação e puxou minha orelha
dizendo que eu tinha que deixar de lado todos pensamentos ligados a Seth e
me focar somente no trabalho, ao menos nos próximos dias antes da reunião
na Dazzler para decidir quem passaria para a próxima fase.
A reunião seria na sexta, a fogueira de Seth um dia depois, no sábado.
Seria prudente eu me depilar?
Para a fogueira, claro. Com certeza será o momento propício para eu
conhecer a cama do lenhador.
Vou marcar uma depilação para ontem.
Cheguei em casa tentando não mostrar demais minha excessiva
alegria, porque não gostava de precipitar nada. Minha mãe me olhou torto,
desconfiada e eu corri para o quarto desconversando.
Fechei a porta e me joguei na cama olhando para o teto. O beijo dele
estava impregnado em minha boca, em todo meu ser. Eu queria aquele
homem na mesma intensidade que queria o estágio da Dazzler.
Minha vagina implorava por contato deploravelmente e apenas Seth
tinha a receita para acalmá-la.
Não era o momento de eu encontrar uma distração tão grande como
um lenhador cabeludo do pacotão, mas já que encontrei, não iria rejeitar.
Conseguia conciliar as duas coisas.

* * *

Eu não jantei nessa noite, apesar da insistência de minha mãe. Estava


focada demais em conseguir um slogan bom o suficiente para passar para a
próxima fase, sem precisar da interferência de Zack.
E por mais que eu pesquisasse, assistisse vídeos e tentasse buscar uma
coerência para o slogan, eu não conseguia. Minha mente ainda estava agitada
pelo dia que tive e era incapaz de raciocinar sobre algo que era obrigação, eu
só queria pensar na diversão e isso não me fazia diferente de milhares de
pessoas.
— Tati, amiga, me ajude. — vencida, me joguei na cama com o
celular no ouvido. Era mais fácil eu buscar ajuda do que tentar explodir os
miolos com raciocínios fracos.
— Penny? O que houve? — soou preocupada.
— Preciso elaborar um slogan para algum produto da Dazzler, mas
não consigo pensar em nada.
— Bloqueio… hum… preocupante.
Ela e eu sabíamos que bloqueios criativos geralmente surgiam
acompanhados de algum estresse. Concordei interiormente que precisava
relatar a ela qual era o meu principal problema. Não um problema, mas algo
que me desnorteava.
— Estive com o Seth hoje… — enrolei uma mecha de cabelo no dedo
— e isso me deixou… meio fora do ar.
— Seth? Que Seth? Seth cabeludo, o gostoso e lenhador?
— O próprio.
— Penélope! — berrou me fazendo afastar o telefone do ouvido —
Você está passando dos limites, me escondendo sempre suas novidades. Isso é
inaceitável. Saiu com o babaca cabeludo?
Sim, eu contei para ela sobre o aparecimento da amante dele e que
isto me deixou em mau estado.
— Ele não é babaca, como julguei prematuramente. — me sentei na
cama. Soltei o ar profundamente e massageei minha testa. — Seth terminou
com a safada porque quer ter uma chance comigo. Almoçamos juntos. —
tentei parecer desinteressada, mas minha voz denunciava a minha euforia.
— Já estão se encontrando para almoçar? Meu bom Deus. E aí? O que
rolou?
— Nada tão sério. Eu o quero muito, não consigo parar de pensar nele
e isso está afetando meu desempenho.
— Vaca bandida, me deixe a par de cada passo. Preciso acompanhar
essa sua saga.
Gargalhei ao mesmo tempo que deixei meu corpo cair para trás na
cama.
— Nossa, Tati… estou encantada…! Ele beija tão bem e me abraça de
uma forma tão excitante… Alguma sugestão do que devo fazer para parar de
pensar nisso e trabalhar?
— Sim. Vá descansar, deixe sua mente te levar para onde ela quiser,
isso ajuda a dar inspiração. Amanhã você tenta. Ou,… se preferir, use o
próprio lenhador como inspiração para o slogan. — terminou com uma risada
maliciosa.
— Doida, claro que não. Mas tem razão sobre descansar. Amanhã nos
falamos.
— Certo. Me mande uma mensagem, passarei o dia no escritório.
— Pode deixar.
Desliguei e fitei o celular na minha mão. Poison XL versão 10. Era
um dos últimos modelos lançados. Tinha pouco mais de dois meses que eu o
adquiri por um preço exorbitante para minhas posses, uma vez que era
lançamento e nem era o mais caro. Tinha uma versão Poison gold que era
praticamente item de colecionador.
Meus olhos brilharam por dias seguidos, namorando o celular
dourado o qual não pude comprar.
Sofrer por algo que não tinha, só iria piorar a situação. Já não
conseguia tirar Seth da cabeça…
Levantei da cama e, em cinco minutos, me ajeitei para dormir. Segui
o conselho de Tatiana, nada melhor que uma boa noite de sono para deixar a
mente livre.
De olhos fechados, com o sono já martelando minhas pálpebras, sorri
com a imagem de Seth caminhando ao meu lado. Os cabelos ainda mais
dourados ao sol. Parecia algo sublime tamanha beleza rústica. Belo como os
raios de sol, viril, charmoso… tão potente como o próprio sol.
Abri os olhos instantaneamente.
O quê?
Me sentei na cama na completa escuridão do meu quarto.
Repita isso novamente, Penélope.
Bati a mão na luminária. Ela se acendeu, e eu levantei pulando, me
livrando do cobertor. Não era possível, não era possível…
Abri meu notebook, escolhi uma foto do Poison Gold, joguei no
Photoshop e escrevi embaixo:
“Belo como o mais puro raio de sol, potente como o próprio sol.”
Era isso! Caralho! Era isso! Pulei da cadeira e fiz uma dança
desajeitada comemorando. Era isso, cacete! Tinha algo para esfregar na cara
do Zack. Não era tão esplêndido, mas era a melhor definição.
Agora tinha que arranjar uma modelo, preparar a foto e criar a
propaganda.
Olhei a frase mais uma vez e ri batendo palmas. Ela se referia ao
lenhador cabeludo, mas ninguém na empresa precisava saber disso. Era hora
de fazer o melhor banner que eles já viram. E mesmo que ocultamente,
levasse Seth para dentro da Dazzler.
QUINZE

Quando emergi da água fria e cristalina no rio em que costumava me


banhar, me deparei com Margareth de pé, olhando diretamente em minha
direção. Sua expressão era indecifrável, e, em outra ocasião, eu classificaria
como amedrontadora a maneira como ela me encarava. Mas como a conhecia
bem, não tinha essa apreensão. Há quanto tempo ela estava ali assistindo meu
banho despreocupado?
Ela sabia como odiava ser espionado, por várias razões que ela
também era conhecedora.
Sem me preocupar com minha nudez, saí da água e peguei a toalha
pendurada em um galho.
— Precisamos conversar. — ela disse e, pelo tom de sua voz, eu sabia
que era sobre o término de nosso caso. Estava inconformada e não era
necessário ser um sábio para perceber isso.
Continuei secando meus cabelos e, sem esboçar qualquer reação,
enrolei a toalha na cintura e segui pela estradinha que levava até a cabana. Ela
me seguiu.
No meu quarto, enquanto escolhia uma roupa, Margareth sentou na
cama me assistindo. Antes, isso me parecia normal, mas agora era como se
seus olhos fossem um peso desconfortável sobre meu corpo.
— Transou com ela?
— Não vamos por esse caminho. — puxei o zíper do jeans e saí do
quarto, vestindo a camiseta no caminho.
— Que porra, Seth! — ela veio atrás de mim. — Está colocando tudo
em risco por causa de uma… pirralha. Logo você que sempre foi inteligente e
focado nas nossas metas. Olha que merda você está fazendo.
Me virei bruscamente, e ela não recuou, me enfrentou como sempre
fez.
— Só porque não faremos mais sexo, não significa que deixei tudo
para trás. Eu ainda estou aqui, o jogo continua.
— Como? Como poderemos continuar se você acaba de inserir
uma… enxerida na nossa vida? Temos metas para cumprir, temos segredos
que não podem ser compartilhados, temos muita coisa ainda inacabada.
Ela não deixava de ter razão. Durante anos, fizemos tudo muito bem
pensado. Vivemos um caso praticamente inexistente aos olhos de outras
pessoas que sempre deu certo, porque nenhum de nós dois saiu do
cronograma bem elaborado.
— Disso, eu cuido. — falei baixo, escondendo o olhar.
— Você cuida? Como? Escondendo tudo dela? Sua memória está
voltando justo agora. Vai mesmo esconder tudo dela?
— Sim, eu vou! — gritei. — Não vamos nos casar, que merda!
Estamos apenas nos conhecendo. — eu disse isso escondendo o fato de que
queria algo um pouco mais duradouro com Penélope, porque ela despertou
em mim sentimentos que nunca tive antes: a possessão. Respirei fundo,
reestabelecendo a calma. Enfiei os dedos nos cabelos penteando-os para trás.
— Margareth, a Penélope não vai se impor entre nossa relação, e eu
não quero que você se imponha entre ela e eu. Será que pode fazer isso para
mim?
— Seth… caralho! — segurou firme na minha camiseta e seus olhos
imploravam atenção — Olha tudo que construímos durante todos esses
anos… Está mesmo me jogando no escanteio…
— Não. Você sabia que esse momento um dia chegaria. Não iriamos
ficar juntos, afinal você tem sua família. Eu estou apenas seguindo o curso
natural das coisas, será que no meio de todos esses problemas tem espaço
para eu ser feliz?
Ela soltou minha roupa e seu olhar mudou drasticamente de sofrido
para irônico:
— Ser feliz, comendo uma vagabunda…
— Você não vai mais falar assim dela ou de qualquer outra pessoa,
ouviu? — minha voz alta e grave a fez ficar tensa — Devo muito a você, devo
tudo a você, e quero continuar sendo seu parceiro, mas se não me respeitar,
tudo acaba aqui.
Ela apenas assentiu, pegou a bolsa, me encarou por mais alguns
segundos e saiu batendo a porta o mais forte que conseguiu.
— Porra! — gritei e chutei uma poltrona fazendo-a virar. Com as
mãos nos cabelos, andei pela sala feito um leão enjaulado. Ela não vai mais
me controlar. Em breve, terei o controle de minha vida novamente. Em
breve…
Assim que o plano que tracei com Margareth fosse concluído, só
precisaria buscar respostas e encontrar meu filho e, então, poderia viver
minha vida com tranquilidade, longe daqui. E iria levar Penélope comigo.
Margareth não precisava saber de nada.
DEZESSEIS

Quando o taxi parou em frente ao prédio da Dazzler, meu coração


quase parou junto. Ele vinha palpitando muito rápido durante o caminho, eu
mal conseguia pensar por causa da exagerada quantidade de sangue pulsando
forte dentro da minha cabeça.
Eu me sentia doente de tanta ansiedade. Até tive que usar corretivo
para esconder as olheiras, porque não dormi nada à noite, antecipando toda a
carga de adrenalina que estava prestes a sentir.
Quis fazer tudo certinho, então, nada de carro emprestado.
Paguei o taxi, peguei minhas coisas, alisei meu terninho antes de
entrar. O fato de eu nem precisar anunciar minha presença na recepção,
apenas passar o crachá na roleta digital, me fazia querer dar saltos no ar de
tanta emoção. Eu tinha entrada liberada na Dazzler e agora não era apenas
visitante, lia-se em meu crachá: Estagiário. Eu quase abanei ele em direção às
Barbies recepcionistas. Para mostrar que eu estava no caminho certo para
conseguir o estágio.
Parei em frente ao elevador, e ao meu lado parou uma jovem
aparentemente de minha idade. Também muito nervosa, havia gotículas de
suor em sua testa demostrando isso, além de estar ofegando ansiosa. No seu
crachá lia-se: Assistente de contabilidade.
— Oi. — ela cumprimentou, porque notou minha curiosidade lendo
seu crachá. — É nova aqui?
— Oi. Sim, estágio. — mostrei o crachá com toda satisfação.
— Ah, legal. De quê?
— Marketing.
As portas do elevador se abriram, e entramos com mais umas três
pessoas.
— Natasha. — estendeu a mão para mim, se apresentando.
— Penélope.
— Está naquela competição dos estagiários?
— Sim. Espero passar na etapa de hoje. — dei um tapinha no porta
desenho em formato de canudo.
— Eu venci a minha um ano atrás, agora trabalho diretamente com o
contador da empresa. Entretanto, ele adoeceu, e hoje é meu primeiro dia para
apresentar as contas ao senhor Bradford.
— Sério? — senti minha boca aderir ao formato oval. — Agora
entendo seu nervosismo.
E eu não quis falar que tive um pequeno alívio. Se ele estaria com a
Natasha vendo as contas, então não estaria na sala de apresentação, me
dissecando com seus olhos verdes ácidos.
— Nem me fale. — ela lamentou dando uma olhada nos números dos
andares no painel do elevador — O cara é osso duro.
— Conheço a peça. — curvei para mais perto dela e confidenciei em
um cochicho — Eu desejo não encontrar com ele hoje.
— Será uma sorte para você.
As portas do elevador se abriram no andar que tinha que descer, e a
primeira pessoa que vi foi Zack Bradford. Para meu desalento. Parecia que eu
podia ouvir as gargalhadas de chacota do azar e do destino que regem minha
vida. Zack estava passando e se deteve imediatamente assim que me viu. Eu
até tentei apertar o botão para a porta se fechar e eu descer no próximo andar
e voltar de escada. Mas foi tarde demais.
Sem sorrir, com olhar quase rude, ele me encarou. Não era novidade
que estava um gato dentro de um terno bem ajustado ao corpo que devia valer
mais que meu guarda-roupa inteiro. Dei um até logo para minha nova amiga e
saí do elevador desejando pular de volta nele assim que as portas se fecharam
de novo.
— Preparada para o combate, Dawson? — perguntou e se colocou em
movimento, caminhando ao meu lado.
— Sim, claro.
Por que ele está me acompanhando, meu Deus?
— Não te desejo boa sorte, porque aqui nada é à base da sorte. —
murmurou com desdém.
— Eu sei.
— Honey, estava te procurando… — eu quase tive uma parada
cardíaca nesse instante. Até pude prever meus lábios arroxeados. Era ela, meu
Deus! A dona de todo esse monumento ao meu lado. Joanna paralisou,
percorrendo os olhos de mim para seu marido.
Eu estava chocada, paralisada, pálida, de olhos saltados, fitando-a.
Mesmo assim, não deixei de pensar: “Honey”? Esse não era um apelido justo
para descrever toda a potência que Zachary Bradford representava.
Sem demostrar qualquer emoção, ele apontou para mim com um
gesto de cabeça.
— Competição dos estagiários. — explicou por alto — Volto às dez
para a reunião com a contabilidade.
Então ele vai estar presente nas apresentações dos slogans? E ainda
ter tempo para ferrar com a Natasha? Coitada.
Joanna nem pareceu escutar. Ela continuou me encarando ferozmente,
e eu até dei um passo para o lado, me afastando mais ainda do marido dela.
Não queria esse tipo de picuinha no meu currículo.
Ele notou o olhar da esposa e decidiu aliviar a barra para mim.
— Essa é a senhorita Dawson, uma das competidoras. Vamos. —
ordenou para mim. O olhar de Joanna dizia para eu ficar, mas Zack mandou
eu segui-lo. Então eu devia ficar em um meio termo; tremi só em pensar em
desobedecer a um deles.
— Foi um prazer conhecê-la pessoalmente, Joanna. Me inspiro muito
em você… Te sigo no Instagram e…
Zack parou de andar e me lançou um olhar quase brutal.
— Então… É isso, adorei o papo, mas tenho que ir.
Joanna não disse uma palavra para mim, todavia, seu olhar mostrava
que estava despreocupada em relação a mim, correndo como um poodle atrás
do belo marido. Eu não era nada diante de todo endeusamento que era Joanna
Bradford. Apesar de que o seu ilustre esposo e o meu adorável selvagem não
conseguiam lidar com minha boca atrevida e meus beiços suculentos. Um
ponto para mim, Joaninha.
Além do mais, eu nem tinha interesse algum nele. Minha mente,
ultimamente, girava em torno de apenas um macho, e ele não usava terno.
Ela acenou cinicamente e virou as costas, andando elegantemente,
indo para outra direção.
Percebi, para meu pavor, que fui a última a chegar. Meus concorrentes
já estavam acomodados no grande auditório. E eu, mais uma vez, chegando
acompanhada de Zack, atraindo toda a atenção para mim.
Escolhi um lugar vago nas fileiras da frente e me sentei. Ele se
posicionou na bancada de jurados e, com um estalar de dedos, ordenou que
começasse a apresentação.
— Bom dia a todos. — um dos jurados que sempre está presente, se
levantou e ficou à nossa frente. — Vocês passaram na última etapa e agora
devem apresentar para a gente o melhor slogan para um dos produtos Dazzler.
O primeiro lugar hoje, além de levar uma gratificação de dez mil dólares, doa
por completo seu projeto para uso exclusivo da empresa. Usaremos em
campanhas de qualquer tipo, como já está previsto em contrato. Cada
participante terá o total de cinco minutos para vir à frente e exibir sua ideia.
Começaremos por ordem alfabética.
Ufa! Soltei um suspiro de alívio. Estou na letra P, uma das últimas.
— O senhor Bradford fará a chamada. — ele voltou para a mesa do
júri, e Zack chamou o primeiro nome.
Era bom estar mais para o final. Assim podia ver quais seriam os
erros e acertos dos meus colegas.
Parecia que eu sentia o nervosismo deles, de cada um que foi à frente
se apresentar. E puta que pariu! Eram perfeitos os slogans e banners deles.
Todos estavam muito bem colocados, segundo minha análise, e fraquejei com
essa conclusão. Senti que o meu não estava tão legal assim.
Durante as apresentações, procurei manter a atenção na frente e nunca
olhando para o lado. Fui tentar isso e acabei colidindo com os olhos mordazes
de Zack. Ele olhava diretamente para mim, e não para a apresentação. Percebi
que eu estava sorrindo para o garoto que se apresentava, e mordia o lápis,
descontraída. E Zack me estudava sem piscar.
Que porra…?
Era um olhar misterioso, e eu pude perceber notas de curiosidade,
como se eu fosse um tamanduá e ele nunca tivesse visto um tão de perto.
Estava intrigado, para ser mais exata.
Meu coração quase bateu na boca quando o meu nome foi chamado.
— Penélope Dawson. — ele cravou os olhos em mim. — Tem cinco
minutos.
Um tanto atrapalhada, pulei da cadeira, e o canudo com o banner caiu
do meu colo e saiu rolando lá para a frente. Corri atrás do canudo, mas, para
meu azar, o sapato enganchou na alça da bolsa derrubando-a no chão e, como
estava aberta, uma enxurrada de coisas caíram para fora, fazendo o maior
barulho. Moedas, maquiagens, canetas, agenda.
Eu estava à beira de um surto. Um desmaio seria minha única e
melhor saída. Por que essas merdas tinham que acontecer comigo?
Todos me olhavam com cara de nada. Deixei as coisas para catar
depois e fui à frente da bancada.
A primeira coisa que eu havia ensaiado por horas foi colocar o banner
no suporte. E assim eu fiz. Além de jogar a imagem no telão e enviei-a para
os tablets dos jurados.
Na foto, o modelo de cabelos longos e negros, andava em uma rua
movimentada de São Francisco falando ao celular dourado. Um raio de sol
refletia nele deixando-o mais atraente.
Abaixo, o slogan Bonito como um raio de sol. Potente como o próprio
sol.
Primeira etapa pronta. Estava na hora da pequena explicação.
— Não tem segredo. — comecei tentando esconder minha
catastrófica ansiedade. — A frase expressa tudo que esse celular especifico é:
bonito e potente. Esta peça de publicidade não serve para os outros modelos, e
eu escolhi fazer algo restrito a esse porque, assim como muitos cidadãos desse
país, vejo-o como o sol. Tão bonito e poderoso, mas que só tenho condição de
apreciar de longe. Entretanto, de alguma forma, essa imagem dá uma
sensação de aproximação das pessoas com o aparelho.
Pensei em Seth, no seu sorriso tão raro e na sua beleza física e
interior. Seus cabelos ao vento… Seu cheiro gostoso…
Então, comecei a falar sobre meu lenhador:
— Quando você o vê, vai querê-lo imediatamente, porque ele é
desenhado para atrair. É bonito, pode parecer frágil, mas tem uma força
espantosa. E então uma vez com ele, você vai querer mais e mais, será um
vício… o selvagem…
— O quê?
Acordei do transe e olhei para a expressão intrigada de Zack.
— Oi?
— Será um vício, o selvagem?
— Ah… Um vício quase selvagem. — ri descontraída. — Fim da
apresentação.
Voltei para minha cadeira e me encolhi assistindo o resto das
apresentações. Nem olhei para os lados, porque tinha a impressão que todo
mundo estava com a atenção voltada para mim.
Será que fui bem? Será que consegui ao menos ser a última colocada
entre os dez? A ansiedade me deixou tonta. Segurei minhas mãos para
esconder o tremor e fechei os olhos.
Quando as apresentações acabaram, fomos instruídos a sair do
auditório e aguardar em uma sala de espera. Aproveitei para ir tomar um café
e ligar para minha mãe. Só precisava mesmo conversar. Tinha muita gente
confiando e torcendo por mim, e ouvir isso expressamente da minha mãe, de
algum modo, surtiu um efeito positivo. Voltei mais confiante para a sala de
espera.
Fomos levados mais uma vez para o auditório. Lá, um homem foi
falando nomes e pedindo para essas pessoas chamadas ficassem à frente. Meu
corpo parecia sacudir com as batidas frenéticas do coração. E quando acabou
de chamar, eu não estava entre elas.
Mas sorri aliviada, quando descobri que aqueles estavam eliminados.
Zack agradeceu a presença e o empenho deles e disse que estavam
liberados. Eu pude ver a decepção e a tristeza no rosto de cada um e me
solidarizei com eles.
Poderia ser eu, ter o sonho pisoteado, mas eu estava dentro. Eu
continuava no jogo da Dazzler.
— Parabéns a todos vocês. — Zack se dirigiu a nós, os vencedores —
Estão salvos para a próxima e última batalha. Ainda hoje receberão um e-
mail. No próximo evento, terão que produzir um pequeno vídeo comercial
não sobre um aparelho apenas, mas sobre toda a empresa.
Ele virou-se diretamente para mim e, como de costume, não tinha
nem sinal de sorriso.
— Penélope Dawson. Parabéns, você conseguiu o primeiro lugar
hoje.
O quê? Caralho! Não é possível! Você só pode estar zoando com
minha cara.
— Você vai ficar para trabalhar com nossos profissionais e ajudar a
desenvolver toda a campanha do celular Poison Gold, baseada na sua ideia.
Enquanto me aplaudiam, eu estava boquiaberta encarando Zack.
Peguei-o no flagra, ele deixou transparecer que teve algo a ver com minha
vitória, podia ler em seu semblante. Apesar de que fui bem, considerei que
outros foram melhores. Mais uma vez ele teria intercedido por mim?
— Obrigada. Nossa, estou muito feliz. — recebi os parabéns de meus
colegas, e eles saíram. Só então pude terminar de recolher minhas coisas que
haviam caído. Meus pais iam entrar em pane. Em um bom sentido. Eles iam
querer festejar e contar para todo mundo. Eu mesma já estava em pane.
Meu bom Deus! A vitória era deliciosa, não importando como eu a
consegui. Além do mais, acabei de ganhar dez mil dólares, poderei pagar o
conserto do carro da Carly.
Ao meu lado, alguém se abaixou e me entregou duas canetas. Recebi
e quase caí ao ver Zack. Ele ficou de pé, e quando eu também fiquei, vi que
estávamos sozinhos no auditório.
— Parabéns. — falou ele.
— Eu, por acaso, não ganhei porque você quis, não foi?
Um lampejo de irritação cobriu seus olhos.
— Sim, foi porque eu quis. Todos aqui perdem ou ganham porque eu
quero.
— Estou dizendo… sei lá… se ganhei por outros méritos que não
sejam meu trabalho.
— Eu não seria tão estúpido. Não relaxe demais achando que vai
passar de fase por outros motivos. Esse é o conselho.
— Nunca. — concordei imediatamente.
— Isso é bom. — andamos juntos em direção à porta, mas ele parou
antes de abri-la, me obrigando a parar também. — Vai a algum lugar hoje à
noite?
— O quê? Não… Por quê?
Tirou um cartãozinho do bolso e me entregou.
— O pessoal sempre se junta nesse bar sexta à noite. Dê um pulo por
lá, se puder. Faremos um brinde para você.
— Está me convidando… E sua esposa, estará presente?
Outro lampejo de irritação deixou claro que eu o contrariei com essa
minha pergunta.
— Escolha errada, garota. — apontou um dedo de alerta — Não tente
me enquadrar. Se continuar assim, seu nome volta para minha lista negra.
Então eu tinha saído da lista?
— Desculpe, eu só achei que…
— Não tem que achar. Tem que aceitar ou não.
Ele abriu a porta para me deixar sozinha com cara de tacho, mas eu
reagi imediatamente inventando algo na hora.
— Zack. — ele virou-se.
— Estou namorando… então… não posso ir, ele não está na cidade.
Isso foi surpresa para ele.
— Está namorando? Mas me disse que…
— Sim, eu tinha dito. Mas decidimos essa semana. Então, obrigada
pelo convite, mas não posso ir. Ele não vai… gostar. — e, de verdade, Seth
não iria gostar.
Sem graça, acariciei sem parar a alça da minha bolsa. O movimento
chamou a atenção dele, mas por pouco tempo. Voltou-se novamente para meu
rosto, deixando a perplexidade lhe dominar.
— Você é dessas que deixam um cara te controlar?
— Não. Temos apenas respeito mútuo. Eu acho que não gostaria de
saber que ele foi curtir a noite sem mim.
— Ok. Faça um bom trabalho com a equipe de marketing, Dawson.
— me deu uma última olhada, quase de lamentação e avisou: — Não deixe
esse namoro atrapalhar seu desempenho aqui.
Nem tive tempo de dizer: “Com certeza.” ele saiu rápido e o ar fugiu
com alívio do meu peito instantaneamente.

* * *

Já passava das seis da tarde quando enfim decidimos ir embora. Eu


estava imersa no trabalho, focada junto à equipe profissional de marketing da
Dazzler. Nunca me senti tão importante e deslumbrada.
Não importava o que acontecesse, esse dia ficaria sempre marcado em
mim, como o dia que eu trabalhei para valer, na Dazzler.
Conseguimos fazer o início de toda a propaganda, com vídeo de trinta
segundos para televisão e internet, além de planejar outdoors e banners.
— Até amanhã, pessoal. — acenei para eles me sentindo incrédula de
um jeito bom, em poder dizer: “até amanhã” para o pessoal da Dazzler.
— Ei, Penélope! — já quase entrando no elevador, me detive ao ver
Natasha, a garota da contabilidade que conheci mais cedo, vir correndo.
— Oi. — acenei alegremente. Ela entrou comigo no elevador, e sua
expressão não era diferente de alguém em filme de terror após ver o monstro.
— Tudo bem?
— Ah… sim, na verdade… sim. Quer dizer, você vai hoje na festa da
empresa? — ela se referia à comemoração íntima que Zack me convidou.
Balancei a cabeça negativamente.
— Não irei.
— Ah, é uma pena. Eu irei. Nunca perco. Além do mais, dessa vez,
Zack e Joanna estarão lá.
— É raro isso acontecer?
— Sim. Ah… Meu celular está tocando, segura aqui para mim. — ela
me entregou uma pasta, procurou o celular na bolsa e o levou ao ouvido. Eu
jurava que não tinha ouvido nada, mas podia ser que estava no silencioso.
As portas do elevador se abriram, ela acenou um “tchau” para mim,
ainda falando ao celular, e pegou a pasta da minha mão, saindo correndo, em
velocidade impressionante.
Credo. Que menina estranha.
Antes de sair do elevador, porém, vi algo no chão. Um chaveiro de
unicórnio com uma única chave.
Merda. Saí correndo atrás de Natasha, entretanto, não consegui mais
alcançá-la. E eu me detive no meio do salão por três motivos. Um deles quase
me faz cair dura ali no chão brilhoso.
Minha irmã estava lá nas roletas de entrada acenando para mim
euforicamente. Natasha evaporou, e atrás de mim, uma voz grave rosnou:
— Algum problema, Dawson?
Ai, meu bom Jesus. O homem ainda estava aqui. Minha irmã louca ali
na frente. Ia dar problemas.
Não podia ignorar o chefe, ainda mais alguém tão casca grossa como
Zack. Me virei para ele empunhada de sorrisinho sem graça.
— Não. Só…
— Ei, Penny! — Carly desandou a gritar quase em desespero,
chamando a atenção de todos. Revirei os olhos querendo desaparecer. Isso
não estava acontecendo comigo. Carly iria me dar um baita prejuízo se ficasse
frente a frente com meu chefe por dois segundos. Ela falava demais e ele
odiava isso.
— Quem é?
— Ah… Minha irmã. Já está tudo bem. Até amanhã. — falei e me
virei ereta, pronta para correr e sumir com Carly de lá, todavia, ele se
emparelhou comigo.
Ai, Cristo! Manda esse homem embora.
— Trabalho adiantado? — me perguntou. Olhei para ele e sorri
brevemente.
— Sim.
Chegamos às roletas onde Carly estava. Zack colocou sua digital e
depois de passar não esperou eu pegar meu crachá, digitou uma senha para a
roleta destravar e eu passar em seguida, afinal, não tinha digital registrada.
— Aaaahh! — Carly se manifestou baixinho chamando atenção de
Zack. — Você é Zack Bradford. — ela afirmou com uma lastimável carga de
euforia desnecessária.
— Até um minuto atrás, eu era sim. — ele ironizou e, ao contrário do
que pensei, estava parado dando uma boa checada na minha irmã. Até
esqueceu completamente da minha existência. Ele a estudava pasmo, como se
fosse uma aparição gloriosa. Olhou descaradamente para ela, especificamente
para os seios que eram maiores que os meus, e ela não fazia questão de
escondê-los. Que babaca!
— E você é a…
Ela sorriu se fingindo de tímida antes de dizer:
— Sou Carly Dawson. Irmã da Penny.
— Hum… — deu uma rápida fuzilada em mim, com os olhos e
recomendou: — Não gostamos que tragam familiares à empresa,
principalmente se for estagiário. Perdeu pontos Dawson.
— Como é que é? — não fui eu que gritou indignada, e sim minha
irmã. Não tive tempo de voar em cima dela e tapar sua boca.
Com as mãos nos bolsos e olhar indiferente, Zack se voltou para ela
sem precisar dizer uma palavra para confirmar com o olhar o que tinha dito há
pouco.
— Carly…!
— Você poderia descer do seu trono arrogante, um segundo, e ver que
ninguém aqui é tapete seu, querido.
Coloquei a mão no rosto. Era agora que além de demitida, serei
processada.
— Eu estou no trono porque posso. Parabéns, Penélope, acaba de ir
para terceiro lugar na minha lista negra, logo abaixo de sua irmã. Que essa
visita não se repita, te darei uma última chance. — ele se virou rumo à porta e
exclamou: — E eu achando que não poderia haver alguém mais atrevida que
você.
Caralho! Eu estava muito encrencada. Acertei uma bolsada em Carly
e saí marchando raivosamente rumo à porta.
DEZESSETE

— Por que você tinha que ir lá? — gritei para minha irmã,
completamente fora de mim, ao entrar no trambolho dela. Aquele maldito
carro que tinha mais fama do que eu. E que, por sinal, já estava novo em
folha.
— Porque eu queria vender meu carro para aquele arrogante de
merda. — bateu no volante, compartilhando da minha irritação, todavia, por
motivos diferentes. Eu estava amedrontada e Carly tinha sido peitada.
— Que droga, Carly! Esse homem é o demônio, ele vai querer me
ferrar lá na Dazzler, tenho certeza.
— Ai, mana, desculpe. Não sabia que ele era tão indigesto.
— Ok. — acariciei minha testa, me sentindo esgotada — Só me leve
para casa, preciso pensar na próxima campanha da competição.
Carly parou o carro em frente à casa dos nossos pais e me olhou se
sentindo culpada. Eu gostaria mesmo que ela mantivesse esse sentimento de
culpa por mais algumas horas, para que refletisse sobre seus atos e
amadurecesse mais. O que me preocupava era que Carly sempre foi o tipo de
pessoa que não aprendia com os erros. Brian era um exemplo vivo.
— Não vai entrar? — ainda usei o pouco de educação que me restava
para convidá-la.
— Não. A mamãe vai querer que eu fique. Preciso voltar e ajudar
Brian a fechar a loja.
Queria perguntar, em tom de acusação: “Então ele já voltou a tomar
conta dos expedientes?” Mas me calei e desci do carro, limitando a acenar
rápido para ela.
— Era a Carly? — minha mãe já estava na porta. Com certeza que ela
reconheceu o barulho do carro e espiou pela janela.
— Sim. Só me deu uma carona. — respirei fundo e virei para minha
mãe com um sorriso iluminado Queria mostrar a ela meu lado contente pela
vitória e não o chateado com Carly.
— Ai, meu Deus! — colocou as duas mãos na boca. — Conseguiu?
— Sim.
— Sim?
— Siiiimmm! — berrei e pulei nos braços dela — Eu consegui.
Passei para a penúltima fase da competição.

O jantar de comemoração estava maravilhoso. Não foi nada


instantâneo, o papai já tinha preparado tudo com antecedência, demostrando
sua intensa confiança em mim e me surpreendeu com um banquete para três.
E esse era um dos motivos que tinha sido espetacular. Éramos só nós três,
comemorando minha vitória.
Enquanto meu pai brindava, eu não pude deixar de pensar em Zack.
Ele disse que faria um brinde para mim, se eu fosse no bar.
Zack Bradford levantando um brinde para mim. Não acontecia nem
nas minhas melhores fanfics.
Fiquei pensando o quão solitário era aquele cara. Aparentemente tinha
problemas com a família; corrigindo: aparentemente não, com certeza que ele
tinha. Eu acompanhei por anos cada passo dele, cada merda que saiu na
mídia. Além do mais, ouvi a discussão dele com a Joanna, e os nomes dos
irmãos rolavam pelo meio.
E não era segredo de ninguém que, apesar da história de amor deles
ser linda, foi um mal-estar na família após ele ter se casado repentinamente,
justamente com a Joanna. E falando nela, ela não parecia dessas esposas que
vão à happy hour.
Meu celular interrompeu o jantar e minhas divagações. Era um
número desconhecido, mas que foi imediatamente identificado pela pessoa do
outro lado:
— Penélope? — voz feminina agitada.
— Sim.
— Sou eu, a Natasha.
Como conseguiu meu número? — essa pergunta veio na minha
mente, mas foi lenta demais para sair na boca, e ela já emendou:
— Preciso de sua ajuda.
— Ah… sim… se tiver ao meu alcance… — me afastei da sala de
jantar porque minha mãe já estava de olho cumprido, cheia de curiosidade.
— Você por acaso encontrou um chaveiro no elevador?
— Sim. — relembrei e sorri aliviada. Foi por isso que ela me ligou.
— Sim, encontrei. Está comigo. Posso levar amanhã para a …
— Não. — me interrompeu — amanhã não. Hoje, estou no bar com o
pessoal, traga aqui para mim, por favor.
— O quê?
— É um lugar onde o pessoal vai tomar um drinque e…
— Eu sei, Natasha. Só não estou entendendo porque tem que ser hoje.
— Questão de emergência, preciso dele. Por favor, estarei te
esperando na porta.
— Mas amanhã…
— Amanhã pode ser tarde para mim, Penélope. Pelo amor de Deus,…
traga esse chaveiro para mim.
Bom, para ser tão urgente, deveria ser algo a ver com Zack Bradford e
sua personalidade instável. Algo que se deixasse para o dia seguinte, o
emprego dela corria risco. Eu a compreendia.
Massageei as pálpebras querendo me dar uns socos. Por que eu
precisava ser tão prestativa? Minha irmã já teria dito: “Não posso, sinto
muito”, e desligado. Mas eu não conseguia ser assim. Ela estava implorando,
e eu revirei os olhos, aceitando o fato de que meu coração mole impedia que
eu fosse bruta.
— Ok. Tenho um cartão que o Zack me deu. Chego daqui a pouco.
— Legal.

Morar com os pais só tem uma coisa desagradável: eles sempre vão
querer saber cada passo do filho. Tive que convencê-los, como se convence a
jurados em um julgamento, de que eu estava indo na Tatiana pegar uns
trabalhos de faculdade. Voltaria em uma hora.
Fui rezando no caminho para que tudo desse certo e pudesse estar em
casa em uma hora. Ou meu pai, com certeza, iria ligar na casa da Tatiana.
Não me surpreendi quando o taxi entrou na Ofarrell St., porque eu já
pressentia onde poderia ser o tal ponto de encontro armado por Zack e sua
fina equipe. Sim, era lá, no topo da torre do Hilton Hotel, no bar Cityscape,
um lugar que tinha uma vista total da noite de São Francisco. O Happy Hour
perfeito dos mais afortunados.
Vim certa vez com Carly e me arrependi. A vista era perfeita, como
todos sempre diziam, parecia que estávamos em um aquário no topo do
mundo, mas ela acabou brigando por causa do atendimento lento e de pouco
caso.
— Devo esperá-la? — o taxista perguntou. Algo inédito aqui na
cidade. Mas devia ter visto meu nervosismo e se compadeceu.
— Não. Muito obrigada. — desci e olhei para o hotel à minha frente.
Nem sinal de Natasha.
Suspirando cheia de resignação, peguei meu celular, e Natasha
atendeu prontamente.
— Já estou aqui. Onde está você?
— Ah… Oi, Penélope. Estou aqui no bar, suba aqui, por favor. Estou
te esperando. — nem deu espaço para eu recusar. Desligou imediatamente.
O quê? Berrei em pensamento. Que merda! Além de me pedir um
favor, ainda colocava exigências? Era o que me faltava!
Eu comentei que sou bem prestativa?
Revirei os olhos, engolindo a vontade de virar as costas e ir embora.
Era o que eu deveria fazer, mas já que estava ali…
Subi para o bar, que como eu já tinha mencionado, ficava no topo da
torre. O ambiente familiar me abraçou com seu conforto chique. Era um
ponto ótimo para passar o tempo e estar em boa companhia. Nunca um lugar
para zanzar sozinha procurando alguém, ou ir com uma irmã que briga por
tudo.
As loiras altas da recepção da Dazzler estavam bem ali, jogando
charme para um dos sócios. Mordi os lábios e torci para que ninguém
percebesse minha presença. Se bem que se me vissem, não iriam se importar.
Como competidora para uma vaga de estágio, eu estava no último nível da
hierarquia da Dazzler.
Continuei andando por entre as mesas. Olhei as gigantescas vidraças
voltadas para a cidade, de onde tinha uma vista incrível da noite que chegava
tardiamente por causa do verão e que por sinal estava bem iluminada com
uma lua grande, como uma pintura do lado de fora. Vi Joanna e passei
depressa de cabeça baixa. Ela olhava algo no celular, levantou-se rápido e
caminhou desfilando em direção aos banheiros.
De longe, encontrei Natasha e acenei para ela, contente por minha
missão ter chegado ao fim com sucesso.
Entretanto, ela olhou com aflição diretamente para alguém e seus
olhos saltaram. Acompanhei seu olhar e vi Zack junto com uma turma de
homens de ternos. Ele me viu e nitidamente veio até mim.
Não sei que tipo de superpoder Natasha usou para chegar até mim tão
rápido, antes de Zack.
— Vamos dar o fora. — ela me puxou, e eu nem contestei.
— Ei, Dawson? — ouvi Zack e minha mente tentou frear meus pés,
reconhecendo a voz de comando do meu chefe. Mas Natasha me puxava com
força e acabei dentro do elevador com ela.
— O que está acontecendo, Natasha…?
— Escuta, calma. — ela me pediu calma, mas estava a ponto de
surtar. Olhos saltados, artéria pulsando no pescoço, em sintonia com a
respiração acelerada. — Temos que sair daqui. Descobriram que eu vim para
cá.
— Descobriram? Quem descobriu? Descobriu o quê?
— É muita coisa para contar, Penélope. Não quero te meter nisso.
Trouxe o que te pedi?
— Sim. — abri o zíper da minha bolsa para pegar o chaveiro, mas ela
segurou minha mão.
— Não. É perigoso. Eu quero que faça um favor para mim.
Em um rompante, eu me rebelei.
— Não! Eu já estou fazendo favores demais. E metida em algo que
está me assustando. Se não me contar, eu não irei fazer nada.
Ela nem se importou para meu protesto. Olhava para os números dos
andares e seu semblante tenso se tornava muito mais preocupante.
— Natasha…?
— Eu tinha que trazer ele até aqui… e, por isso, deixei cair perto de
você… Achei que outra pessoa trazendo seria seguro.
— Seguro?
— Não me entregue esse chaveiro. — disse sem desgrudar os olhos
dos números. — Me mande depois pelo Fedex.
— Oi?
— Ou melhor… — virou-se para mim. Expressão de louca — Não
deixe cair nas mãos de Zack. Arrume uma maneira de entregar para o pai
dele.
— O pai dele? — meu grito saiu esganiçado — Que porra…
— Não… o pai, não. — ela pensou um pouco, louca da silva — O
irmão dele. Ezequiel. Ele é policial. Ele é confiável. Encontre Ezequiel.
Ah, cacete! Eu estava muito ferrada!
— Natasha, eu não sairei daqui e muito menos você… — ela nem me
ouviu. Saiu correndo assim que as portas do elevador se abriram. E fui eu ao
seu encalço. Sou uma pessoa muito ativa e não iria ficar de braços cruzados
vendo-a atravessar a rua como uma louca sem rumo algum.
Alcancei-a na calçada, do outro lado da rua. Havia muitas pessoas na
rua, muitos carros, nesse horário que era fim de expediente, ainda mais numa
sexta-feira.
Puxei sua bolsa, e ela me olhou. Estava até suando.
— Ei, olhe para mim e…
Mais uma vez fui interrompida e, dessa vez, não por Natasha. Uma
moto estilo ninja parou bem perto da gente, dois homens montados nela,
ambos vestidos de preto. O que estava de passageiro apontou uma arma e
gritou: assalto! Mas estava apontando apenas para Natasha, como se eu não
estivesse lá.
— Passe a bolsa. — ele berrou. — Agora!
Ela relutou, me fitou, e seus olhos pareciam querer dizer: “Você sabe
o que fazer.” e entregou a bolsa. Antes de eu entregar a minha também, ele
disparou à queima roupa contra Natasha, várias vezes, sem pestanejar. Eu
apenas gritei sem parar, vendo-a cair no chão e o atirador subir na moto e ir
embora.
DEZOITO

Fixei meu olhar na foto em um mural à minha frente. Um homem


mal-encarado, moreno cabeludo com olhos verdes banhados de perigo.
Abaixo pude ler: “Suspeito. Corrida clandestina e homicídio.” Eu me lembrei
de ter visto na tevê sobre essa tal corrida ilegal atormentando as ruas de São
Francisco. Me arrepiei olhando os olhos dele.
— Senhorita Dawson, sei que está abalada, mas precisamos de sua
ajuda. — virei meu rosto e mirei, à minha frente, o delegado da divisão de
homicídios. Ao seu lado, de pé, estava a policial Lindsay que me acompanhou
desde o primeiro momento. Ela me olhava compadecida. Julguei que devia ter
passado mais de trinta minutos que estava sentada, tremendo sem condição de
falar coerentemente.
— Quanto mais cedo tivermos informações sobre os criminosos,
teremos mais chance de pegá-los. — ela disse. Estava na sala com o delegado
porque era filha dele. Ela me confidenciou esse fato, para me deixar mais
confiante com eles.
Assenti e lutei dolorosamente para que minha memória me entregasse
as imagens de pouco mais cedo, quando Natasha foi atacada na minha frente.
Reviver isso me deu ânsia e ao mesmo tempo raiva. Raiva de não poder ter
feito nada, de ter sido uma incapaz. Ela foi socorrida com vida, mas estava em
estado crítico.
— Ela entregou a bolsa. — sussurrei, sem olhar para o delegado.
Percebi ele fazendo um gesto para o escrivão registrar todas minhas palavras.
— Mas,… mesmo assim, depois de ter a bolsa, ele atirou.
— Houve algum gesto…
— Ele mal olhou para mim. E a Natasha não estava representando
perigo. Nenhuma de nós tentou reagir.
— Certo. Há quanto tempo conhecia a senhorita Jones?
— A conheci ontem. Ela deixou cair um chaveiro, e eu o encontrei.
Então, me pediu para levá-lo para ela hoje, disse que era muito importante,…
e eu… o levei para ela. Só isso.
— E do que se trata esse chaveiro?
Relembrei do pavor de Natasha em relação a esse objeto.
Entregar ao irmão de Zack, porque ele era confiável. Talvez a Lindsay
o conhecesse, já que também era policial. Ou devia procurá-lo sozinha?
Não podia deixar outra pessoa pegá-lo, mesmo que fosse o delegado.
Nem queria saber o que era aquele maldito chaveiro, todavia, tinha que
protegê-lo.
— Acho que é do armário dela na Dazzler. Nada mais. Eu o entreguei
para ela.
— Então o criminoso o levou?
Esses homens da lei eram acostumados a ler pequenos gestos dos
suspeitos, eram treinados para desvendar mentiras dos interrogados, por isso,
tentei não mexer o rosto, e nem desviar o olhar quando afirmei:
— Sim. Estava na bolsa dela. — sabia que mentir para a polícia não
era legal, mas, naquelas circunstâncias, a verdade não poderia ser dita. O
maldito chaveiro ainda estava comigo.
Respondi mais algumas perguntas, e ele me liberou. Mas recomendou
que eu ficasse à disposição dos investigadores. Para me deixar mais tranquila,
Lindsay ia passar a noite na minha casa.
Totalmente arrasada, traumatizada com lembranças dolorosas, saí
abraçada com meus pais e vi, de relance, Zack e Joanna chegarem, cercados
de repórteres e homens de terno. Seguranças e advogados, certamente. Ele
virou-se para mim e pela primeira vez vi Zack Bradford assustado.

* * *

— Estou bem, querido, não se preocupe. Não precisamos de reforço,


estou bem. Beijos, te ligo amanhã cedo. — a policial Lindsay terminou a
ligação e veio até a cama onde eu estava deitada.
— Por acaso, veio para cá na tentativa de tirar mais alguma
informação de mim? — questionei, sem olhá-la.
— E você, tem algo a mais que não contou? — ela sentou na cama ao
meu lado. Respondeu com uma pergunta, boa tática. Precisava tomar cuidado
com tudo que ia dizer, policiais captam as coisas nas entrelinhas.
— Não. Só estou… cansada. — caí para trás contra os travesseiros e
encarei o teto. A imagem de Natasha sendo alvejada ao meu lado não saía da
minha mente. Isso mexia com todas minhas estruturas, me sentia frágil e
amedrontada.
— Não precisa ficar com medo. — a policial falou me fazendo olhar
para ela. Foi como se ela soubesse dos meus temores interiores.
Lindsay era uma bela mulher: morena, cabelos pretos presos em um
rabo de cavalo e com porte atlético. Devia ter uns vinte e cinco anos. Exalava
coragem e persistência, servir e proteger estavam no sangue dessa mulher,
qualquer um podia ver.
— Eu a vi cair… e nada pude fazer para impedir… — lamentei,
olhando nos olhos dela.
— Pelo que nos contou, não foi uma simples tentativa de roubo. A
ação dos bandidos teve a característica de uma execução. Não se preocupe,
ninguém virá atrás de você. O alvo deles era a senhorita Jones.
Apenas balancei a cabeça assentindo.
— Bom — ela se levantou — Vou dar uma olhada nos arredores da
casa, verificar todas as trancas e trocar uma palavrinha com seus pais. Me
chame se precisar de algo.
— Obrigada.
Ela caminhou até a porta, parou e se virou.
— Por acaso, viu algo suspeito envolvendo o senhor e a senhora
Bradford?
Relembrei de Zack vindo atrás de mim e Joanna correndo para o
banheiro. As palavras de Natasha ecoavam em minha mente. Ela estava com
medo de alguém, disse algo como: “Eles sabem que estou aqui.” E ainda disse
que era perigoso eu entregar o chaveiro para ela naquele momento. Mas nada
disso diria à policial, porque ainda precisava digerir essa história e esperar
para que Natasha sobrevivesse. Abanei minha cabeça de olhos baixos.
— Não. Eu nem mesmo vi o Zack.
— Certo. Tente dormir um pouco. — ela saiu, e eu deixei todo o ar
escapar dos pulmões com uma alta carga de alívio.
A policial Lindsay dormiu no meu quarto. Antes, minha mãe me deu
um calmante, e só depois das duas da manhã, eu consegui dormir. A todo
momento que fechava as pálpebras, via Natasha de olhos arregalados caindo
em câmera lenta, ensanguentada.
Quando acordei às sete da manhã seguinte, a policial ainda estava em
casa, com minha mãe na cozinha.
Ainda de pijama, fui até a cozinha e me recostei à porta até ela me
ver.
— Penny. — rapidamente me abraçou. — Venha, minha querida,
sente-se, fiz uma deliciosa omelete.
— Obrigada, mãe. — olhei sem entusiasmo para o prato.
— Penélope, estava apenas esperando você acordar. — Lindsay disse
atenciosa, em tom suave. Descansou a caneca de café sobre a mesa e sentou-
se. — Meu pai, o delegado, acha que você precisa ir para algum lugar seguro.
Pelo menos, nesses primeiros dias. Vamos solicitar ao juiz uma ordem de
proteção à testemunha, mas acho que isto pode demorar. Enquanto isto, quero
te esconder o mais rápido possível.
— Houve algo de novo?
A policial e minha mãe trocaram um olhar, chegando a um consenso
de que não deviam me contar. Minha mãe era a aflição em pessoa, não
conseguia esconder o pavor nos olhos.
— Mãe, o que houve? — passei meus olhos de uma para outra e
escolhi a policial como alvo: — Certo, se quer minha cooperação, precisa me
deixar a par dos acontecimentos.
Lindsay assentiu e falou:
— Acho que homens com as descrições que você deu passaram em
frente à sua casa nessa manhã em uma moto igual a que você falou.
— Como é que é? — fiquei de pé instantaneamente. O medo me
abraçou.
— Eu comentei com a policial Watson que você pode ficar com a sua
avó. —minha mãe disse, e eu balancei a cabeça em negação, completamente
transtornada.
— Não vou deixar a senhora e o papai aqui correndo risco. Não posso
fazer isso, meu Deus!
— Penélope. — Lindsay veio até mim, com sua agilidade ensaiada.
— Seus pais não são o foco. Se esses caras que passaram por aqui forem os
mesmos, eles estão atrás apenas de você e é nossa missão protegê-la. Eu
ficarei com seus pais.
Desesperada, querendo correr e gritar até fazer esse problema sumir,
eu tentei buscar minha racionalidade. Sim, meus pais não eram o foco. Se
aqueles caras queriam o chaveiro de Natasha, certamente supuseram que ela
me entregou, o que era verdade. Me convenci que meus pais iam ficar bem.
Na verdade, queria ficar em outro lugar. Certamente Seth me
receberia, mas não queria falar sobre ele para minha mãe ainda.
— Sim, claro. Posso ficar na vovó por alguns dias. — fitei Lindsay.
— Será que você pode me levar?
— Claro. Vamos. Pegue tudo que precisar. Sua mãe não poderá te
visitar pelos próximos dias.

* * *

No caminho, eu me abri com ela, porque ela precisava saber que era
para outro lugar que teríamos que ir.
— Tem um cara. — olhei minhas mãos, enrolando a alça da bolsa.
Lindsay, no banco do motorista, me analisou dividindo atenção comigo e a
estrada. — Ele se chama Seth, estamos nos conhecendo. Quero ficar lá com
ele.
— Ele é confiável?
— Sim. Muito. É um lenhador e mora em uma cabana próxima à
minha avó. É um lugar discreto e distante, além do mais, ele tem armas e sabe
se defender.
— Há quanto tempo conhece esse tal lenhador? Desculpa, mas é
apenas praxe. Estou designada para sua proteção e preciso saber.
Eu não queria soar ridícula e desesperada ao dizer que o conhecia há
apenas um mês. Então, só me restou mentir.
— Bastante tempo. Ele fornece lenha para os moradores aos
arredores, inclusive para minha avó.
— Ah, sim. Tudo bem, então. Me diga por onde devo ir.
Assim que o carro parou na clareira, já pude ver Seth ao longe,
fatiando um tronco em vários pedaços, com a ajuda de uma motosserra.
Mesmo estando com grandes protetores auriculares tipo concha, ele se virou
ao perceber o carro. Como ele já dissera, desenvolveu sentidos mais
aguçados. Desligou a motosserra e veio caminhando, mantendo sua expressão
séria e intrigada.
— Se for aquele, você está de parabéns! — Lindsay piscou para mim
e saiu do carro já se apresentando:
— Policial Watson, Lindsay Watson. — tocou no distintivo preso ao
cinto.
— Seth Ryder. — ele respondeu e desviou os olhos dela quando abri a
porta do carro. Assim que me viu, jogou a motosserra no chão e, assustado,
veio até mim.
— Penélope?
— Ah, Seth! — sem me importar com nada, corri e o abracei. Mesmo
sem entender, ele soube que eu precisava de proteção e apertou seus braços
envolta de mim. Seu cheiro familiar e o calor do seu corpão me diziam que eu
estaria bem.
— A senhorita Dawson precisa de proteção, de um lugar para se
esconder por uns dias e…
— Gostaria de saber se posso me esconder aqui. — levantei os olhos
para encará-lo, interrompendo Lindsay.

Dentro da cabana, eu deixei Lindsay narrar toda a confusão. Seth a


encarava quase sem piscar, mas não de um jeito horrorizado, era como se ele
estivesse revoltado, ou melhor, como se já esperasse toda essa confusão. Ele
sempre foi bem fechado, mas, nesse momento, ultrapassou o habitual e se
tornou rude com um olhar matador.
Ele se levantou e deu alguns passos na pequena sala. Mexeu no
cabelo e voltou-se para olhar nós duas.
— Você vai ficar aqui comigo. — comandou — Preciso de mais
detalhes sobre esses caras.
— Não, senhor Ryder. Deve se abster de qualquer contato com o caso,
para que Penélope fique protegida. — Lindsay ficou de pé e o confrontou,
sem se importar que ele fosse um homem quase o dobro do tamanho dela. —
Você se limitará a proteger e manter a integridade dela, que é nossa principal
testemunha.
Contrariado, ele deu as costas para ela. Eu toquei gentilmente em seu
braço, o que não tem marcas de queimaduras, e o acariciei.
— Vai ficar tudo bem. É só por alguns dias.
— Certo. — ele disse e me prendeu novamente em seus braços.
Beijou o alto de minha cabeça e o escutei suspirar, resignado.
De alguma forma, eu pressentia que Seth não ia deixar isso de lado.
DEZENOVE

Raios de sol passavam pelas copas das árvores e coloriam de dourado


toda a cabana de Seth. Levantei a cabeça, estava em sua grande cama que era
apenas um tablado de madeira de aproximadamente trinta centímetros de
altura para acomodar um grande e confortável colchão em cima. Era uma
super king size fabricada por ele mesmo, um suporte de madeira diretamente
no chão para aguentar o peso daquele homem enorme.
Depois do almoço, eu acabei dormindo, creio que por causa de outro
calmante que ingeri.
Quase deixei um grito de susto escapar ao ver que não estava sozinha
no quarto. Seth estava sentado em uma cadeira me olhando atentamente.
Parecia um guardião nórdico. Me sentei na cama, ajeitei meus cabelos e, um
pouco envergonhada, fitei-o.
— Dormi demais.
Seth se levantou e sentou ao meu lado na cama. Com sua mão direita
acariciou meus cabelos, me estudando com um leve ar de veneração. Como se
eu fosse algo tão raro que o deixasse hipnotizado.
— Que bom que está aqui, Penélope. — sussurrou.
Puxei sua mão que tocava meus cabelos e beijei-a, bem na palma, sem
quebrar nosso contato visual. Seth tomou isso como um incentivo e inclinou-
se sobre mim, tocando sua boca na minha.
Eu nunca senti por um homem algo tão forte e delicioso. Sorri
enquanto nosso beijo se aprofundava, e ele me tomava para junto de si, me
deixando aninhada gostosamente em seus fortes braços.
Quando ele se afastou, sua expressão não era mais séria, ele estava
visivelmente confortável e deixava isso transparecer. Com o polegar,
acariciou meus lábios, mantendo o olhar compenetrado na minha boca.
— Quero te mostrar uma coisa.
— Claro. — falei, baixinho. Eu iria para onde ele me levasse, porque
naquela altura dos fatos, nós dois já sabíamos a quem eu pertencia. E eu me
surpreendi gostando do fato de ser de alguém, e ter alguém para chamar de
meu. Não como uma propriedade, mas como uma estaca de apoio para confiar
e recorrer nos piores momentos. Era um laço de união e ele, de uma forma
bela, invisível, estava ali enraizado quase imperceptível, mas ao simples toque
um do outro, sabíamos que era certo estarmos juntos.
Ele segurou minha mão, me levantei da cama e caminhamos para fora
da cabana. Nesse horário, era tudo muito bonito. Os pássaros cantavam
ruidosamente se preparando para a noite que chegava, as árvores balançavam
suavemente pelo vento alegre do fim de dia, nossos cabelos se agitavam
soltos. Era uma visão esplêndida, de tudo isso junto.
De mãos dadas com Seth, caminhei por uma estradinha no fundo da
cabana. À medida que íamos nos aproximando de nosso destino, já podia
escutar um som reconfortante de água caindo. E não foi uma grande surpresa
quando me deparei com uma cachoeira e um lago entre pedras, com águas
cristalinas, douradas pela luz do sol.
— Que lugar lindo. — exclamei. Caminhei até as pedras mais
próximas e abaixei para tocar a água. — É aqui que toma banho? — levantei
os olhos para ele.
— Sim. Quer experimentar? A água tem uma temperatura perfeita a
essa hora da manhã. — ele não esperou minha resposta e, para me incentivar,
arrancou a camiseta branca e começou a desabotoar o jeans. Engoli em seco,
sem conseguir desviar a atenção. Seth fazia o processo de se despir parecer
um espetáculo. Ele me fitava compenetrado, abaixou a calça e, após ficar só
de cueca boxer, me lançou um olhar pervertido e sério. Ele seduzia sem
sorrisos sarcásticos, era como uma serpente, com seu olhar voraz e cheio de
paixão.
Sem nenhum pudor, desceu a cueca, e eu prendi a respiração.
Olhando nos seus olhos, fui incapaz de mantê-los ali e escorreguei minha
visão para as partes dele. Agora, por estar excitado, esbanjava um tamanho
maior em relação à outra vez que o vi nu.
— Pode fazer o que quiser comigo, Raposinha. — e lá vieram os seus
lábios se curvando calmamente, quase receosos, em um sorriso breve — Você
me aceitou como seu homem e isso tem me deixado muito feliz nos últimos
dias.
Ele se virou me deixando ver o seu traseiro redondo e forte, e deu um
pulo acrobático no lago, fazendo a água espirrar longe.
Ah, meu Deus! O que esse cara fez comigo?
Ele surgiu lá do outro lado dentro do lago como uma aparição e nem
precisou pedir duas vezes, bastou sorrir e dizer:
— Não tenha medo. Pule na água comigo. — era como se o monstro
do lago Ness me seduzisse para me comer em seguida. E meu estômago
revirou alvoraçado por querer que ele me devorasse.
Ele sorriu pouco. Todos devem entender que eu não podia me negar a
um lenhador grandão pelado dentro do rio, me chamando.
Me despi na velocidade da luz, mas não tive o mesmo
desprendimento que ele. Cobri meus seios e meu sexo. Seth estava
paralisado, sério, me olhando caminhar com cuidado até as pedras mais
próximas.
— Venha, ruiva. Eu te pego. De um jeito ou de outro, eu te pego.
Ri e saltei para dentro da água que me envolveu de forma
aconchegante. Reapareci emergindo na superfície e Seth já estava bem perto,
me esperando.
— Oi. — murmurei. Ele me abraçou, e eu passei meus braços ao
redor de seu pescoço.
— Está mais ruborizada que o normal. — fez a observação,
sussurrando bem perto da minha boca.
— Talvez eu esteja um pouco tímida de estar na água com um homem
nu.
— Seu homem nu.
Eu assenti, e ele segurou meu queixo para que eu não desviasse o
olhar. Um toque firme, mas não bruto, era suave.
— Repete o que eu disse, Raposinha.
— Meu homem nu. — eu disse, e uma sombra de entusiasmo banhou
seu olhar. — Para quem não queria ser tocado, eu te ganhei bem rápido. —
Ele vibrou diante da minha constatação, mas continuou sério.
— Pois é. — sussurrou e tomou meus lábios em um beijo gostoso,
com sua boca envolvendo a minha fogosamente, sua língua rolando para
dentro da minha boca, me fazendo gemer. Ele queria muito me beijar, travou
nossos lábios com uma fome urgente, e não era nenhum ignorante nessa arte.
Para um selvagem, ele beijava absolutamente bem.
Quando Seth afastou os lábios, me vi tragada pelo seu olhar intenso.
Eu sempre falei demais, às vezes sem pensar, mas dessa vez meu corpo
implorava por ele, e eu sabia exatamente o que iria dizer:
— Quero você… — sussurrei. — Na sua cama. — ele se assustou
levemente e me fitou sério, procurando indícios que comprovassem meu
pedido. Deve ter visto o desejo em meus olhos, pois um brilho de
contentamento cobriu os seus.
— Quer foder comigo, Penélope? — sua mão engalfinhou nos meus
cabelos. Trouxe meu rosto para bem perto do seu. Senti seu corpo grande
junto ao meu sob a água, e sua ereção roçando em mim, como minhas
fantasias apregoavam.
— Chame do que quiser. — respondi corajosamente.
— Porque será minha, sem volta, depois que eu te preencher.
— E não é isso que você quer? — eu estava vidrada em sua boca
contornada pela barba.
— A questão aqui é o que você quer.
— Ah, Seth… acabe logo com isso. — clamei — Estou babando por
você desde a primeira vez que o vi.
Também envolvido, ele deu um breve vestígio de sorriso, de pura
satisfação. Beijou meus lábios suavemente e segurou minha mão, para que eu
saísse do lago com ele. Eu o segui, e quem nos visse, poderia facilmente
confundir-nos com uma aparição aquática de alguma fantasia romântica. Era
como o tritão gigante saindo das águas com a pequena sereia, para a terra.
Eu achei que ninguém iria nos ver, mas me senti levemente
constrangida em ser erguida do chão e deixar que ele me levasse, pelado e
molhado, para sua cabana que ficava a uns metros da cachoeira.
Era impressionante como ele fazia tudo com calma, sempre com seu
aspecto sério. Uma vez em seu quarto, observei ele pegar duas toalhas, me
entregou uma e começou a secar os cabelos com a outra. Olhos fixos em meu
corpo, como alguém ajeitando o guardanapo enquanto olhava o prato à sua
frente.
O nervosismo me tomou. E ele captou isso. Eu estava me sentindo
desejada, mas muito ansiosa com minha primeira vez com um homem tão
grande e que eu desejava absurdamente.
Com a toalha cobrindo os meus seios, olhei em volta. O cheiro era de
madeira e couro. O quarto tinha móveis de madeira feitos à mão, desde a
enorme cama até as duas cadeiras perto da janela, cada parte lascada e
esculpida com cuidado, banhada de verniz.
Havia em um canto uma mochila surrada com cordas e ganchos de
escalar, material de alpinista. Perto da mochila, uma arma longa, algo como
um rifle.
Atrás, um suporte de madeira brilhava com a coleção de machados. O
cheiro não era mais apenas madeira e couro. O cheiro daquele homem veio
devastador contra mim e, sem explicação, senti-me molhada e faminta, com
uma fome pecaminosa que eu nunca tive, apenas por sentir seu cheiro e ver o
seu armamento pronto para mim.
— Seus olhos… — murmurei compenetrada. — São verdes e…
— Shhh! — ele fez para eu me calar. — Nada de dizer que tenho
olhos grandes, boca grande…
Não conseguia nem sorrir. Meus lábios estavam paralisados.
— E só para deixar claro, eu vou te comer. — prometeu — E não será
com minha boca.
— Uh…! — gemi sem perceber.
— Você quer mesmo isso, Penélope? — indagou com sua voz grave e
seus olhos instigantes fixados em meus seios. Ele queria ter certeza, tudo
partiria de mim.
— S…sim… — balbuciei hipnotizada. — Quero que me dê tudo que
é capaz.
Vi a sombra de seu sorriso nos lábios. Não foi um sorriso, uma
contração apenas.
— Vai por mim. Não aguentaria toda a carga de tudo que sou capaz.
— os dedos ásperos subiram pelo meu queixo e o polegar passou no meu
lábio. Estremeci e arfei. Meu Deus! Estava acontecendo. Ele seria todo meu.
Mordi a ponta do seu dedo e, gemendo, falei:
— Que se dane. Eu só quero…
Ele sorriu, agora por completo e me puxou de leve, sua mão grande
cobrindo meu pescoço. A boca perfeita rodeada por uma barba meio grande e
bem-feita me deixou cativa. A língua quente saiu e ele lambeu devagar meu
lábio que ele esfregava o dedo. Isto foi a coisa mais erótica que já fizeram
comigo. Minha boca enlouqueceu querendo a dele, mas sua técnica me
permitia tê-la apenas superficialmente.
Uma fonte de eletricidade, como um fio de puro poder, tomou todo
meu corpo. O hálito quente dele, a língua úmida molhando meus lábios, bem
superficialmente, me torturando. Pude sentir contra mim o calor do seu corpo
alto e forte. Fechei os olhos, levantei as mãos, toquei nele. Grande erro.
Me segurou bruscamente, me virou com uma precisão assustadora e,
prendendo meus braços atrás das costas, ele me acochou. A respiração no meu
ouvido, a ereção vigorosa passando nas minhas costas.
— Você é uma Raposinha apressada. Eu tenho coisas em mente, você
precisa me deixar praticá-las com calma, senão vou fazer apressado também.
— ele mordeu o lóbulo de minha orelha e meus seios doeram de prazer —
Você quer me ver apressado?
— Não.
— Que bom. — me virou rudemente, tinha uma pegada bem forte.
Ainda não podia abraçá-lo, ele me segurava. — Vamos com cuidado, preciso
te conhecer e te provar antes de te devorar. Depois eu me certifico de deixar
você sem conseguir andar. — O olhar em cima de mim era apreciador, me
dava tesão bom demais vê-lo maquinar, podia perceber em seus olhos todas as
obscenidades que ele queria fazer. -— Você deveria ter ido enquanto tinha
chance, Penélope, você deveria ter fugindo enquanto podia. Quando eu disse
para ir embora…
— Não me arrependo. Caramba, não me arrependo nem um minuto.
Deixa eu montar em você e puxar seus cabelos enquanto me sufoca de prazer.
Nada mais que isso…
E ele riu de novo. Era muito lindo vê-lo sorrir. Meu estômago tinha
mariposas selvagens.
— Mas você ficou porque eu te salvei. — ele passou o nariz pelo meu
rosto, desceu pelo meu pescoço e cheirou-o. Soltou um barulho como um
ronco e, em seguida, senti seus lábios sugar minha pele. — Um lenhador
herói que salvou a garota indefesa e agora precisa da recompensa. —
aumentou a sucção com os lábios, me fazendo escorrer entre as pernas. Céus!
eu nunca tinha estado tão úmida e quente naquele ponto. Além dos lábios e do
cheiro, era muito gostoso ficar presa nos braços dele.
— Diga, você quer me recompensar por ter salvo sua pele?
— Com todo prazer…
— Ótimo. Agora seja boazinha e apenas observe e sinta.
Será mesmo que eu fui salva do lobo mal? Me perguntei em
pensamento enquanto me afogava no beijo mais gostoso e devasso que já
provei.
Sua mão subiu pelas minhas pernas e se aninhou no meio delas, me
obrigando a abri-las um pouco mais para dar passagem aos seus dedos.
Seth olhou para baixo, seus dedos acariciaram meus poucos pelos e
para meu agrado, havia um tom de adoração nos olhos verdes.
— Vermelhinhos. — ele sussurrou. — Como eu previa. — Estava se
referindo aos pelos de minhas partes. Isso fez meu corpo sacudir de excitação.
Eu o queria por completo, e iria tê-lo. Seth imobilizou facilmente meu
rosto, provando calmamente da minha boca. E seus dedos desciam e subiam
lentos e suaves, superficialmente no meu sexo.
— Ah, cacete! — ele soprou. — Que loucura de boceta. —
abocanhou meus lábios e sua língua grande me fez estremecer. Seth queria me
ver completamente à sua mercê, e eu estava.
Sem que eu esperasse, me levantou pela cintura e, com um empurrão,
fui parar na cama. Antes de eu reagir fechando as pernas, ele já estava no
meio delas segurando-as abertas, convidativas, sem nenhum esforço, não só
por ser muito forte, mas porque eu estava à sua disposição.
— Tão lindos. — alisou meus seios. Abaixou sua cabeça para chupá-
los e eu tive sua vasta cabeleira ao meu dispor. E eu os segurei, enquanto
mordia meus lábios e esfregava as pernas em seu dorso largo, provocada pelo
contato de sua boca quente chupando devagar cada um dos meus seios.
Seth, apesar de cabeludo, não era um homem peludo. Tinha o corpo
liso, creio que de nascença, afinal, um homem como ele não iria se importar
em fazer depilação.
Eu já me via em um nível tão alto do prazer que nem percebi ele
descer a boca pelo meu corpo e chocá-la, sem pressa, bem em meu sexo
escaldante. Eu não tinha estrutura para aguentar aquilo calada. A língua do
homem era quente e bem grande e ele a deslizou, sem pestanejar, para dentro
de mim. Reagi com um impulso, levantando meus quadris até que sua mão
pousasse em cima do meu ventre me levando de volta para cama.
— Seth…
— Essa língua grande é para te lamber melhor, Raposinha. —
murmurou parodiando o lobo mau da Chapeuzinho e voltou a me chupar.
Ávido e experiente. Ainda conseguia ser debochado.
Eu senti minhas unhas afundarem nos ombros dele, e, com um
gemido de contentamento, ele me respondeu. E quando eu subi mais um
pouco, tinha os cabelos mais macios e que desejei tanto tocar, bem nas
minhas mãos. Os apertei com força ao mesmo tempo em que Seth demolia
cada pedacinho do meu ser com sua boca. Ele chupou-me fazendo um estalo,
gemeu e introduziu a língua repetidas vezes, provocando a melhor sensação
que eu jamais experimentei.
Era uma deliciosa angústia de querer ser saciada com voracidade e
não em pequenas quantidades, como a língua fazia. E o melhor de tudo era o
orgasmo me envolvendo com seu poder. Rebolava mais que uma dançarina do
ventre.
Ele devia achar que eu era uma espécie de pequena sereia com fogo
na xota, porque, sem querer exagerar: o cara estava me incendiando! E eu
queria mais era ser queimada com seu poder viril e saboroso.
Para que pólvora e fósforo quando se tinha um barbudo chupando
minhas partes íntimas, ensandecido? Quando gozei, achei que arrancaria os
cabelos do Simba. Eu estava louca agarrando tudo que via pela frente, porque
ele continuava chupando minha vagina sensível pelo clímax alcançado,
mesmo após eu me resumir a deliciosos espasmos.
Quando Seth levantou o rosto do meio das minhas pernas e jogou os
cabelos para o lado, limpando a boca com o polegar, eu queria morder ele
todinho, ou melhor, queria ele o mais íntimo dentro de mim, o mais rápido
possível.
— Tudo bem? — perguntou. A demonstração de preocupação
comigo, com um leve sorriso, o deixou mais gato selvagem.
Cristo! O que eu tinha feito para merecer uma maravilha dessa na
minha vida?
— Quando você joga as pessoas nas nuvens assim, costumam cair de
volta? — ele riu e, antes que pudesse dizer algo, puxei-o pelo pulso para que
ele caísse sobre mim, pelado, como nas minhas fantasias hot.
Já caiu me beijando, e eu que não fui nenhuma tola, percorri seu
corpão com minhas mãos.
As suas coxas grossas eram moldadas pelos deuses.
O peitão largo desenhado milimetricamente.
Os bíceps avantajados, minha perdição.
O seu cheiro de macho me envolveu, suas mãos engalfinharam nos
meus cabelos, a sua boca contra a minha e o pênis enorme friccionando contra
meu sexo. Nós estávamos entrelaçados. Era muito erótico se enroscar com um
homem desse porte.
— Quero que monte me mim. — ele pediu. Oh, Glória! Já que você
insiste…
Seth me virou com agilidade e, em segundos, eu estava muito bem
acomodada sobre toda sua imensidão de corpo. Ele me colocou sentada bem
em cima do seu pau, e eu não me fiz de tímida, rebolei devagar, cravando
minhas unhas em seu peito, experimentando, sentindo sua grossura embaixo
de mim.
Eu queria com urgência tudo que ele podia me dar, eu tinha
necessidade de sentir e me embebedar com seu vigor.
Segurando meus cabelos por trás, de um jeito firme, ele prendeu
minha cabeça para que pudesse me beijar; sua outra mão, me puxava contra o
peito.
— Preciso… pegar… camisinha. — balbuciou, não estava diferente
de mim. Podia ver o tesão deixando Seth aflito, completamente entregue,
estava ofegando.
Deixei que ele se levantasse, comprimi os lábios em total
perplexidade vendo-o andar nu pelo quarto, exibindo o pau muito duro.
Ele foi rápido, pegou preservativo em um pequeno armário e voltou
para cama, mas, dessa vez, quis que eu lhe olhasse de camarote, de uma visão
que jamais imaginei ver um homem.
Seth ficou de pé sobre a cama e deu alguns passos até que estivesse
pairando sobre mim. Deitada, eu o vi lá no alto em toda sua glória masculina,
de mãos na cintura me fitando. Se eu me sentasse, poderia facilmente ter seu
magnifico membro nos meus lábios.
E eu não perdi tempo.
Me sentei e beijei a ponta grossa. Ele vibrou e fechou os olhos.
Toquei com suavidade e brinquei com o prepúcio puxando e
empurrando, cobrindo e descobrindo a redonda glande. Era tão duro e grande,
mas muito macio, e, de uma forma inexplicável, tive desejo. Sem esperar,
chupei devagar, experimentando a cabeça apenas, todinha na minha boca.
Seth chiou, e eu continuei os movimentos de puxar e empurrar a pele que o
cobria, mantendo-o parcialmente na minha boca. Eu podia jurar que o sentia
pulsar e se eu demorasse mais com minhas carícias preliminares ele se
dissolveria em minha boca.
Ele desistiu de se controlar.
— Estou guardando esse desejo há muito tempo. Não quero estourar
facilmente. — disse e me empurrou para cair contra os travesseiros. Rasgou o
pacotinho de camisinha, envolveu seu belo mastro por completo e me ajeitou
montada sobre ele.
— Quero que se acostume com meu tamanho. — sussurrou, o pau
encapado escorregando entre minhas pernas. — E fique confortável.
Gostoso e ainda por cima pensando no conforto da mulher na hora do
sexo. Esse homem foi encomendado.
Eu me controlei, me deslizando devagar sobre ele, avançando, sem
pressa, para aproveitar cada centímetro de sua potência. Seth parecia prender
sua respiração, segurava firme minha cintura, me esperando encaixar por
completo em torno dele e, quando enfim eu consegui tal proeza, soltamos o ar
juntos, como um gemido ensaiado.
Estava muito gostoso, cada parte do meu corpo em alerta pelo pau
dele cravado em meu interior. Curvei um pouco para frente e levantei,
deixando-o escorregar centímetros.
— Porra! — Seth rosnou e empurrou minha cintura para me rechear
novamente.
— Ah, Cristo! — eu gemi sentindo uma dor deliciosa. Que delícia de
homem, resmunguei, aumentando os movimentos dos quadris, alcançando um
ritmo profundo e devastador, quando já estava acostumada com toda sua
grossura.
Eu sentia seu corpo em chamas, conforme ia se aprofundando e
arremetendo dentro de mim, estávamos acelerados gemendo juntos. Então ele
se sentou, me abraçou e, sem sair de dentro, ficou de pé no quarto. Empurrou
minhas costas contra a parede, me mantendo agarrada a seu corpo, bem
segura, com um braço apenas. A outra mão enfiada nos meus cabelos, me
beijando com voracidade, ao mesmo tempo que ia e vinha muito fundo dentro
de mim.
Sua grossura e tamanho eram perfeitos para mim, e ele não só sabia
usar suas ferramentas como fazia mágica com elas. Seth me fazia querer mais
e mais a cada arremetida golpeada dentro de mim.
— Meu Deus, que pau delicioso! — exclamei, arranhado suas costas.
Ele me calou com mais beijos vorazes, e quando achei que ia enfim
me liberar em torno dele, me levou para a cama, dessa forma: andando, me
beijando e sem parar um segundo de me golpear forte e firme como eu pedi
que ele fizesse.
Seth estava me dando um pouco de sua potência selvagem e,
literalmente, quase acabando comigo. Rolamos pelados na cama, eu avancei
minhas mãos em seus cabelos, e ele movimentou os grandes quadris, me
dando assim as melhores sensações do mundo com suas coxas grossas e seu
traseiro pesado.
Eu sentia um poder devastador vindo de todas minhas partes, meus
dedos dos pés estavam contraídos, minha mão apertando sua bunda e a outra
puxando seus cabelos, e ele não parava nem para respirar, metendo fundo e
gemendo de rosto levantado, compartilhando comigo da explosão do
momento.
Quando eu gozei, ele golpeou mais algumas vezes e me acompanhou
no momento que eu ainda estava estremecendo.

Eu podia vislumbrar todos os sentimentos que embalavam Seth em


seu silêncio. Ele me apertava contra seu corpo de uma forma protetora e
urgente. Fiquei com medo de ele estar arrependido, fiquei com medo de
termos dado um passo alto cedo demais.
Deitada em seu peito, escutando o coração bombear sem muita pressa,
tive certeza que, apesar de todos os demônios que o cercavam, nós dois
fazíamos bem um para o outro. Seth ia me proteger e eu queria diminuir a dor
secreta que ele sentia. Mesmo sem saber do que se tratava.
— Penny. — pela primeira vez me chamou pelo meu apelido.
— O quê? — levantei o rosto para olhá-lo.
— Fique comigo.
— Eu estou com você, Seth.
— Não. Ainda não está. Fique comigo, apesar de… qualquer coisa.
Eu não respondi. Fiquei o estudando, bem nos olhos. Ele respirou
fundo e tentou desviar o olhar.
— Estou com você. — reafirmei. E ele apenas assentiu, com um leve
sorriso. Se sentou e fez um coque nos cabelos. Estava com o corpo levemente
brilhoso de suor. Rapidamente o abracei e me acomodei sentada em seu colo.
Nos encaramos em silêncio por alguns minutos. Tomei coragem, mordi o seu
lábio inferior e o puxei, mas fiz uma cara de tímida.
— O que foi? — dessa vez ele sorriu por inteiro, me abraçando. Senti
seu pênis se reanimar.
— Nada.
— Quer foder um pouco mais, Raposinha? Basta pedir.
— Já que insiste. — eu falei e nem esperei ele sorrir, beijei seus
lábios. Eu iria descobrir o segredo dele e ajudar a curá-lo, porque eu não iria
perder esse homem de forma nenhuma.
VINTE

Servi vinho em uma taça e entreguei a Penélope, sentada em frente à


fogueira que acendi. Ela olhava para cima, fitando a lua por entre as folhas
das árvores que rodeavam a cabana.
Me sentei ao lado dela, com uma latinha de cerveja.
— Está pensativa. — observei.
— Estou preocupada com meus pais e minha irmã.
— Eles vão ficar bem. — ela me olhou e, com um ar agradecido, me
brindou com um sorriso.
— Obrigada por deixar eu ficar. Eu poderia ir para a casa da minha
avó… mas seriamos duas indefesas.
— Fez certo em vir. Ninguém vai tocar em você, estando aqui
comigo. — ela ergueu o rosto e plantou um beijinho nos meus lábios. Ajeitou
os cabelos atrás da orelha e tinha um brilho curioso nos olhos, e eu soube no
mesmo instante que ia fazer uma pergunta. Me enrijeci. Queria construir algo
com Penélope, mas não podia lhe contar muita coisa e não queria chateá-la
com meu silêncio.
— Seth… Você tem pais? Irmãos… família?
Perdi toda minha memória quando fui baleado e cai da ponte, quando
tentava fugir dos torturadores. E ainda não sei por que me pegaram, tudo que
sei foi Margareth que me contou. Algumas coisas estavam voltando aos
poucos, ainda precisava de mais peças para montar o quebra-cabeça.
Tomei um gole de cerveja, e me veio a imagem do meu pai em sua
marcenaria improvisada na garagem, esculpindo peças belíssimas. Sabia que
era uma lembrança, mas era como se eu estivesse lá com ele. E parecia que
tinha outras pessoas… Estávamos bebendo… curtindo, e as risadas altas
tomaram minha mente. Minha mãe… o rosto era embaçado.
— Tenho. Pai e mãe.
— Ah! — Penélope se animou. Estava feliz por eu ter dado a ela algo
de minha intimidade. — E aí?
Nem se eu quisesse, poderia dizer a ela onde eles estavam. O jeito foi
improvisar.
— Não moram por aqui. Sou tipo um nômade. Sou do Texas.
— Texas? Legal. — ela pegou um garfo e espetou num dos galetos
que coloquei para assar no espeto alto.
— Está bom? — perguntei.
— Sim. No ponto.
Me levantei para tirá-los da brasa, e ela me observava. Lhe entreguei
um prato com galeto e farofa, joguei mais lenha no fogo para ele crescer e
voltei a sentar ao seu lado.
— Você tem mesmo cara de texano. — ela voltou com o assunto —
Seus pais estão lá?
— Sim. — engoli em seco, por estar mentindo para ela.
— Filho único?
Mirei o fogo alto à minha frente. Soltei o ar dos pulmões, a tristeza
me dominou. Era quase doloroso pensar sobre isso, pensar sobre ele…
— Tinha um irmão. Morreu.
— Ó, meu Deus! Seth, eu sinto muito.
— Tudo bem. Já faz bastante tempo.
Pensei que ela iria deixar as perguntas de lado, mas insistiu:
— Então você veio para cá…
— Eu sempre quis conhecer a Califórnia. Vim e acabei ficando. Meus
pais vêm me visitar sempre. — outra mentira. Pelo que sei, sou natural daqui
mesmo, da Califórnia.
— Ah, então tudo bem.
Começamos a comer. Mais uma vez, Penélope elogiou meus dotes
culinários e isso fortaleceu meu contentamento.
— Quer me contar mais detalhes sobre o que aconteceu? Sobre o
ataque à sua amiga… — desde que ela chegou aqui eu estava a ponto de
explodir, preocupado, curioso, querendo mais detalhes, precisando tomar uma
iniciativa. Penélope olhou bem no fundo dos meus olhos, e tentei demostrar
segurança para ela confiar. Ela limpou os lábios e tomou um gole de vinho.
— É muito estranho. Mas tem algo que eu não contei para a polícia.
— O que foi? — meu entusiasmo ficou evidente — Pode me contar?
— Acho que tudo aconteceu por causa de uma chave.
Resumidamente, ela me contou sobre essa chave, e senti meu corpo
congelar por completo, mesmo estando em frente ao fogo. Tentei não
transparecer nervosismo, precisei dar a ela a sensação de que não se tratava de
nada tão importante como, na verdade, era.
— Então… ela disse coisas estranhas?
— Sim. Pediu que não deixasse a chave cair nas mãos do Zack.
— Entendo. Você a trouxe para cá?
Penélope relutou um instante, fixada em meus olhos,
involuntariamente procurando sinal de que podia confiar em mim.
Transpareci isso a ela, e, falando baixinho, confirmou:
— Sim.
— Ótimo. Aqui está seguro. E o que vai fazer agora? — virei a
latinha de cerveja na boca.
— Eu não sei. Ela pediu para procurar o irmão do Zack que é
policial… Ezequiel.
Sem conseguir me controlar, comecei a tossir e quase cuspi a cerveja.
Intrigada, ela me encarou. Fiz um gesto de que estava tudo bem e emendei
com uma pergunta para disfarçar meu evidente mal-estar.
— Mas… vai envolver a polícia?
— Bom, a Natasha disse que ele era confiável. Eu sei muita coisa
sobre a Dazzler, mas não me lembro bem do Ezequiel, e nem deu tempo de
pesquisar sobre ele. Parece que ele ficou pouco sob os holofotes e agora é
policial, aqui em São Francisco mesmo.
— Posso descobrir onde ele mora. Te levar até ele… — me ofereci.
— Faria isso?
— Na verdade, eu farei isso. Vou procurá-lo e, quando encontrá-lo, te
levarei até ele. Só temos que saber se ele é confiável.
Ela se curvou para o lado e plantou um beijinho no meu braço.
— Obrigada.
Em resposta, afaguei seus cabelos. Senti meu semblante se tornar
pesado, imaginando toda aquela história que ela me contou.
Mais tarde, após apagar a fogueira, me virei para Penélope que me
assistia com atenção. Eu tinha tanta sorte em tê-la comigo. Soube disso no
momento em que ela aceitou ser minha garota, sem importar com meus
segredos e minhas dores. Eu tinha pouco a lhe oferecer, nossa troca era um
pouco desnivelada, uma vez que ela tinha toda a paz e alegria para me
contagiar.
Há muito tempo aqui, sozinho no meio do nada, eu apenas praguejava
contra meu destino, minha realidade. Era amargo e tinha sentimentos ruins.
Agora, escutando-a falar, não me sentia mais tão deslocado, era como se ela
me mostrasse um novo caminho.
— Apaguei a fogueira, quer que eu apague seu fogo? — ofereci, me
aproximando dela, percorrendo meus dedos pelo seu seio, por cima do tecido
de sua blusa.
— Não te contaram que com lenha grossa, o fogo fica mais alto? —
ela disse e então eu ri. E ela gostou de me ver rindo, seus olhos brilharam de
admiração.
— Somos dois ridículos. — eu disse. — Venha, te coloco na cama.
Ela abraçou meu braço e acrescentou: — Espero que por baixo de
você.
Pelados, abraçados na cama, ofegantes e com os primeiros sinais de
suor, diminui o ritmo dos quadris e toquei minha testa na dela. Penélope me
abraçava ardentemente, evidenciando todo o tesão que a envolvia, percorria
todo meu corpo com suas delicadas mãos e se mexia excitantemente embaixo
de mim, tornando tudo muito mais delicioso.
Tirei de leve meu pau e o inseri novamente, seu interior aveludado se
apertou em torno de mim e um gostoso arrepio me tomou. Ela apertou minhas
costelas e eu repeti novamente o movimento, rindo em seguida.
— Você é… justamente o que eu queria. — confidenciou. Sua
confissão me atingiu bem um ponto que antes julgava adormecido. Tive
necessidade de escutar mais.
— Sou?
— Um emprego na Dazzler (ofegou) um homem gostoso (ofegou) e
um carro. Só falta o último item para eu completar minha lista. — sussurrou
perto da minha boca.
— Quem precisa de carro quando se tem o rei leão. — soquei até o
fim, penetrando-a profundamente.
— Oh, Deus, que delícia! — gritou — Que sorte eu tenho.
— Digo o mesmo. — beijei-a e voltei a acelerar meus movimentos,
metendo com prazer, dominando a gente com um êxtase indescritível.
Mais tarde, enquanto Penélope dormia, levantei tomando cuidado
para não acordá-la. No armário, peguei meu telefone via satélite que uso
apenas em emergências. Era um aparelho grande, preto com uma antena,
parecido um rádio comunicador. Antes de fazer a chamada, me certifiquei
que Penélope não estava mesmo ouvindo.
Caminhei para a cozinha e, sem acender qualquer luz ou luminária,
recostei no fogão.
Margareth atendeu meu chamado.
— Ainda brava comigo? — perguntei.
— Diga logo o que quer. — soou rude. Eu não tinha muito tempo
para desculpas ou tentativas de pacificar nossa relação, fui direto ao ponto:
— Ela está em posse de um objeto importante e procura por Ezequiel
Bradford. Dê um jeito nisso para mim.
— O que quer que eu faça?
— Vá atrás dele, encontre-o e me avise. Cuidado, sabemos que ele é
um policial.
— Vai se encontrar com ele? — deixou a preocupação evidente na
voz.
— Não decidi ainda.
— Ok. Retorno amanhã nesse mesmo horário. — desligou e eu fiquei
na escuridão, pensando no que iria fazer.
VINTE E UM

O sol entrava diretamente pela janela, afagando minha pele nua


embaixo dos lençóis. Estiquei meus braços e me espreguicei na cama grande.
Seth não estava ao meu lado, e eu já esperava por isso. Devido a seus hábitos
matinais, ele devia acordar muito cedo.
Sorri sozinha com as lembranças da melhor noite em anos. Um corpo
grande e másculo me abraçando, trazendo sensações ainda desconhecidas por
mim.
Na verdade, nunca havia dormido com um homem. Tive dois caras no
meu currículo de namoro e com ambos tinha sexo casual apenas. Eu sempre
morei com meus pais, e era de se entender que uma filha passar a noite fora,
não entrava na compreensão deles.
Me flagrei completamente viciada pelo grandão. Em hipótese alguma
eu iria me julgar por isso. Ele, além de charmoso, com estilo rústico, era
muito carinhoso. Mas não do tipo doce demais, enjoativo. Seth era sempre
sério, quase rude, todavia, se preocupava em me fazer sentir bem, dava prazer
a ele me ver sorrir, e creio que como ele não sorria muito, minhas risadas
bastavam para confortá-lo.
Após a fogueira, ele trancou a porta e entramos para o quarto já nos
despindo com euforia. Era difícil tirar a roupa de um homem daquele
tamanho, mas, em compensação, não havia melhor recompensa.
O sexo pareceu melhor do que o que fizemos mais cedo. Entretanto,
julguei que será gostoso todas as vezes que ainda estarão por vir. Ele deitou
sobre mim, me envolvendo e apertando de uma forma possessiva e intensa.
Seus beijos lentos com gosto de cerveja, combinados com as estocadas fundas
e vagarosas, fizeram com que eu alcançasse o sétimo céu. Estar na cama com
aquele homem cabeludo, podendo segurar seus músculos e cabelos, estava
sendo, para mim, a melhor das experiências.
Agora, me vejo desfrutando de uma vida que nunca esteve em meus
planos. Acordar no quarto de um homem solitário em uma cabana de madeira
no meio da floresta, me dava a sensação de estar em casa.
Esfreguei uma perna contra a outra e a dorzinha deliciosa nos meus
músculos vaginais me deu bom dia, lembrando-me do prazer absurdo de ser
preenchida por ele. Sentei-me na cama, penteei meus cabelos para trás e me
levantei para procurar minhas roupas.
Espiei para fora do quarto e o vi. Seth estava na frente da cabana,
debruçado no parapeito de madeira, usando apenas calça moletom. Seu foco
de visão era a manhã linda pintada pelos raios de sol.
Cheguei por trás e o abracei. Me flagrei exultante por ter essa
intimidade. Ainda respeitava suas marcas no corpo, mas abraçá-lo, se tornou
minha obsessão. Ele virou-se e cobriu meu corpo com seus braços,
encostando meu rosto em seu peito. Fechei os olhos, feliz da vida.
— Já de pé? — beijou o alto da minha cabeça.
— Aham.
— Achei que estaria cansada devido à nossa noite. — seus dedos
passavam suavemente pelos meus cabelos.
— Você foi bem voraz. Um lenhador que deixa as garotas viciadas em
pau. Devia imaginar.
— Bobinha. — ele riu. E não acreditei que, por estar com o rosto
encostado em seu peito, perdi o espetáculo que era ver Seth rindo. Olhei para
seu rosto, e ele beijou docemente a ponta do meu nariz. — Não vicio as
garotas, apenas uma ruiva teimosa que está se transformando em um
cupinzinho: adora pau!
Dei uma gargalhada e voltei ao conforto de seu peito forte.
— Vamos tomar café. Assei um bolo.
Com os braços em volta de meu ombro, ele me levou para dentro da
cabana e me fez sentar em uma cadeira, mesmo eu quase implorando para
deixar ajudá-lo. Seth serviu café para mim e um pedaço de bolo em seguida.
Enrolou os cabelos em um coque e sentou em minha frente.
— O que vai fazer hoje? — esquentei as mãos na caneca de café —
Qual seu cronograma?
— Tenho algumas entregas para fazer, você vem comigo.
— Certo. Hum… — saboreei o bolo — está delicioso, sem surpresa.
— Obrigado. Em seguida, tomaremos um banho juntos na cachoeira,
almoçaremos e serei todo seu o resto do dia.
— Gostei desse cronograma. — pisquei para ele.
Seth carregou o carro com lenhas cortadas, me deu um chapéu de
palha após eu colocar óculos escuros, entrei com ele no carro. Protestei,
dizendo que não precisava me disfarçar para sair com ele em pleno domingo.
Não teve jeito. O homem era mandão e disse que se sentiria mal só em pensar
em não conseguir me proteger.
Em sua caminhonete barulhenta, saímos de sua área na mata e
entramos na rodovia, indo direto para a ponte Golden Gate.
— Amanhã acho que preciso ir na Dazzler. — sussurrei, apenas uma
reflexão que acabou escapando pela boca.
— Nem pensar. — Seth retrucou, sem nem olhar para mim.
— É meu emprego em risco, Seth… É meu sonho em jogo.
— É sua vida em jogo. — corrigiu — Vai justamente para o lugar que
pode ser a causa do atentado contra sua amiga? — ele não estava bravo,
apenas não concordava com minha posição.
— Ela não era minha amiga. Não tínhamos ligação. Não tem a ver
com a Dazzler, tem a ver com… — calei e pensei no que poderia estar
envolvido naquele ataque. — Tráfico, talvez. Falei sem certeza, e Seth estalou
a língua discordando.
— Foi claramente queima de arquivo por algo que ela não queria
deixar cair nas mãos do cuzão lá. — rugiu entre dentes.
— Cuzão?
— O dono.
— Zack? Por que o chamou assim?
— Porque sim, Penélope. Ele é um merdinha rico que já deu em cima
de você. Acha que vou ficar bem com isso?
Então era esse o real problema? Meu lenhador grandão estava com
ciúmes?
— Ok. Nem pense nisso. Zack tem uma mulher linda, invejável, eles
se amam… — mal terminei de falar e Seth descontrolou-se ao volante,
fazendo a caminhonete ziguezaguear bem no meio da ponte. Sorte que não
vinha um carro na outra direção. Ele retomou o controle do carro e me olhou
assustado, ainda sério, meio puto, eu diria.
— Seth! — levei a mão ao peito com medo de que talvez ele estivesse
tendo uma crise.
— Desculpa. Foi uma câimbra… na mão. — ele movimentou os
dedos e eu assenti, preocupada.
— Não quer parar? Ou quer que eu dirija?
— Não. Estou bem. — colocou o carro em movimento novamente —
Desculpe, Raposinha. — seu pedido era sincero, eu podia ver o
arrependimento em seus olhos.
— Tudo bem. — acariciei seu braço. — Tudo bem.
— Certo. Eu vou te levar e te buscar, na porta da empresa, amanhã.
Não quero tentar controlar sua vida. O que me diz?
— OK. — sorri concordando. Feliz da vida por ele ter concordado
comigo. Apenas a opinião dele me importava ultimamente.
O primeiro lugar que fomos foi um pequeno restaurante. Eu fiquei no carro
enquanto Seth fazia as entregas. Em cada entrega de lenha, eu ficava
observando toda a desenvoltura e agilidade dele. Sorri comigo mesma,
satisfeita com o que o destino tinha me preparado. Seth me revigorava de uma
forma que não conseguia explicar. Ele me fazia sentir uma mulher forte e não
apenas uma garotinha como sempre me viam. Além de me fazer sentir amada
com seus gestos e olhares.
Quando, enfim, terminou, fomos direto para a casa dele. Tomar banho
e preparar algo para comer.
Chegamos lá, e não vou negar e nem me sentir envergonhada em
dizer que estava queimando de tesão, toda serelepe querendo um banho de
cachoeira com Seth. Ele parou de mexer na traseira do carro e me olhou
intrigado.
Nem tinha percebido que estava paralisada ali no meio da clareira
observando-o. Tão sensual, tinha tirado a camisa, feito o costumeiro coque
nos cabelos e estava de jeans, botas e luvas. Eu não tinha juízo tão forte para
apenas passar por aquilo tudo e entrar na cabana.
— Está se sentindo bem?
— Ah… sim. Quando vamos tomar banho? — eu não estava
acreditando na minha safadeza escancarada. Abanei o rosto, com certeza
devia estar corada. — De repente fez calor… — ele riu. Tirou uma luva de
cada vez e caminhou até mim. Mordi os lábios olhando as gotas de suor
percorrerem seu pescoço e descer até o peitão musculoso.
Seth enrolou meus cabelos em sua mão e puxou minha cabeça de
modo possessivo, ele sempre me pegava assim para beijar e eu me dissolvia
completamente.
Sua boca encontrou a minha, quente e macia. Apertei seu corpo
suado, adorando nosso contato vibrando em como sua barba roçava em meu
rosto e o tudo que sua língua habilidosa fazia comigo. Eu adorava o hálito
dele, por quase sempre estar mascando um raminho de eucalipto. Coco com
eucalipto com macho gostoso. Ele devia ser como a loteria dos homens, e eu
fui a ganhadora.
— Venha, vou te refrescar. — ele me pegou no colo e gargalhei
fogosamente, balançando as pernas.
Estava tão festeira, sabendo que ia balançar no cipó do Tarzan.
Quando chegamos ao pequeno rio, Seth me levou até a margem e deu
um beijinho nos meus lábios. Eu soube no mesmo instante que ele ia me jogar
lá dentro e me preparei. E ele fez isso. Me jogou na água com roupa e tudo!
Quando emergi, eu estava levemente com raiva.
— Seth! Ficou louco?
— Estou louco. — ele falou mansamente, tirando suas botas devagar.
E minha raiva sumiu porque vê-lo desabotoar o suspensório e tirar a calça
calmamente era muito mais agradável Totalmente nu, ele soltou os cabelos,
jogou a cabeleira para trás em um movimento que eu considerei sensual, e
pulou na água em um mergulho perfeito.
Ele surgiu na superfície perto de mim e já me agarrou.
— Não é justo eu estar pelado e você vestida. — começou a me
despir dentro da água. — Vamos descartar essas roupas.
Em poucos minutos, eu já estava nua, abraçada a ele, beijando-o. Me
sentia realizada por estar ali com ele. Tudo foi deixado para trás, todos os
problemas esquecidos, eu nunca achei que seria feliz com coisas tão simples e
banais.
Seth pegou uma barra de sabão de coco em uma pedra e me ensaboou
com seu olhar sério e compenetrado. Eu ardia de excitação, consciente de que
aquele era o melhor momento para eu realizar minha fantasia de ensaboá-lo.
Como uma troca por ele ter feito o mesmo comigo.
E foi melhor que meus pensamentos.
Estávamos em um lado do rio em que a água chegava até a virilha
dele. Então eu tinha toda a parte de cima dele para me deliciar, passando o
sabão demoradamente sobre o corpo dele, afinal eu tinha que aproveitar cada
segundo daquele espetáculo.
Aquilo era sexy e selvagem. Ele me olhava com sua melhor expressão
de rei leão malvado. Seus olhos verdes felinos estavam pousados em mim, me
enchendo de promessas pecaminosas.
Eu poderia me envergonhar de ter deixado as coisas chegarem a um
ponto sem volta. Seth apenas me levou para uma pedra e transamos ali. Ele
não conseguia chegar até a casa, e eu não fazia questão também de ir para a
cama.
O sol do meio dia ardia em nossa pele, enquanto movimentávamos na
mesma sincronia.
Estava me sentindo um ser do mato, um ser puramente livre, sentada
sobre um macho desse porte, nas pedras ao redor de uma cachoeira. Eu
definia os movimentos subindo e descendo, arrancando os mais crus e
satisfatórios gemidos dele.
Seth ora chupava meus seios, ora me fazia implorar com seu beijo
gostoso. E quando me colocou de pé, apoiada nas pedras, e veio por trás com
seu corpão, não teve chance para mim.
Nossos corpos molhados, ardentes pelo sol e pelo poder do sexo. Seus
braços me prendendo e me segurando enquanto me revestia da mais deliciosa
sensação de preenchimento ritmado. Suas arremetidas deveriam entrar no
Guinness Book como as mais deliciosas. Meus olhos estavam totalmente
revirados de tanto prazer que me dominava pelo homem atrás de mim, me
fazendo viciar mais ainda nele.
Enquanto me penetrava por trás, sua mão escorregou na frente e
massageou sem pressa meu clitóris, e eu fui ao delírio. Gritei afogada em
prazer, o orgasmo chegando até ele retardar minha explosão, me deixando
muito brava. Riu no meu ouvido e nem tive chance de reclamar. Recomeçou
as caricias, golpeando devagar meu interior escaldante e acariciando meu
clitóris inchado. Quando seus movimentos estavam acelerados, duros e
fundos, ele me deixou explodir com o orgasmo. E se satisfez quando minhas
contrações o fizeram se derreter dentro de mim.
Estávamos ofegantes e felizes quando o gozou nos envolveu. Fomos
juntos, abraçados, para dentro da água e ele me levou para o fundo,
mergulhando e me beijando como seres aquáticos de fantasia fazem ao
seduzir suas presas.
Fizemos almoço juntos. Eu não sei cozinhar muito bem, mas servi de
auxiliar para ele. Era meu conto romântico acontecendo, que mulher não
desejaria isto?
Antes eu sonhava com um homem rico e poderoso, como Zack, e
agora nada daquilo para mim tinha mais sentido, senão profissional. Por que a
beleza que Seth me mostrou, dinheiro dificilmente comprava.
VINTE E DOIS

Eu não dormi até que chegasse o exato momento da ligação de


Margareth. Deitado olhando para o teto, com Penélope dormindo me
abraçando, eu revivia tudo que passei no dia de hoje. O melhor domingo
desde muito tempo. Estar com ela me tornava vivo, como nunca me senti
antes. E qualquer coisa que pudesse ameaçar esse meu novo mundo cor-de-
rosa me deixava inquieto.
Consegui afastá-la de mim e me levantei. Vesti uma cueca e fui para a
cozinha, no escuro. Margareth me ligou pontualmente no horário marcado.
— E aí? Encontrou o cara?
— Sim. Ele vai conversar com sua pirralha.
Não quis cair na pilha dela e começar uma discussão. Engoli seu
sarcasmo.
— Certo. Algo mais?
— Senta aí que vou te contar o que descobri do sujeito. Acho que vai
querer saber porque ele deixou o império Dazzler para trás e se tornou
policial.
VINTE E TRÊS

Diferente de ontem, acordei esta manhã, e Seth ainda estava na cama


comigo. Me agarrava ferozmente como se eu pudesse fugir. Eu gostaria de
passar o dia nessa posição, no conforto de seus braços, seu calor gostoso me
aninhando. Mas o dever me chamava. Me desvencilhei de seus braços e sentei
na cama, ainda sonolenta, mas preocupada demais. Estava na cabana de Seth
há dois dias, precisava saber o que estava acontecendo no mundo lá fora. Ter
notícias dos meus pais e ter certeza de que eu ainda concorria na Dazzler.
Seth tinha o sono leve e acordou sobressaltado. Ao me ver ao seu
lado, ficou visivelmente calmo. Tirou a cabeleira do rosto, mostrando os olhos
ainda semifechados, como se estivesse morto de sono por ter ido dormir tarde.
O que não era possível, uma vez que ele foi para a cama comigo, umas dez da
noite.
— Já é tarde?
— Não. — olhei no meu celular para conferir. — Seis e meia. Preciso
ir.
— Vou te levar. — ele nem esperou eu discordar, mas como já tinha
ficado combinado, não contestei. Observei ele se mover pelo quarto. Esticou
os braços se alongando brevemente de costas para mim, dando-me uma visão
privilegiada de seu traseiro sob a cueca.
Quando virou de frente, o pacote demostrava sua ereção. Agiu com
leve tom de safadeza, fazendo uma cara maliciosa, gostando do meu olhar e
saiu do quarto.
Coloquei um vestido verde de alças largas. Verde e vermelho são as
cores das ruivas. Eu amava essas cores, achava uma bela combinação com
meus cabelos e minha pele. O vestido na altura dos joelhos com a saia em
estilo romântico me deixou mais comportada e levemente meiga.
Seth gostou e quase me convenceu a tirar a roupa invadindo com seus
dedos a minha calcinha. Tomei controle no último segundo e disse não a meu
namorado selvagem. Transar com Seth requeria muito tempo, porque ele não
era o tipo de homem que se satisfazia apenas com uma rapidinha. E sempre o
resultado da foda era um caco de mulher que foi atropelada por um leão em
alta velocidade.
Após tomar café da manhã, que Seth adorava fazer, ele me levou na
sua caminhonete e parou em frente à Dazzler. Podia perceber sua relutância
em fazer isso. Se fosse por vontade própria dele, eu jamais colocaria meus pés
lá novamente. Mas Seth não era esse tipo de homem. Ele ia procurar uma
maneira de me proteger, mesmo passando por cima de suas vontades.
— Então… vem me buscar? — Seth não olhava para mim, estava
mais interessado, na verdade, totalmente fixado, na fachada imponente da
empresa. Se mantinha inclusive boquiaberto.
— Seth…
— Ah, inferno. — ele levou as duas mãos à cabeça e fechou com
força as pálpebras como se sentisse dor. — Caralho, agora não.
— Seth! — assustada, sacudi seu ombro. — Fale comigo.
— Desça, Penélope.
— O quê?
— Desça, porra! — uma lágrima saiu de seu olho. — Preciso sair
daqui.
— Eu não vou te deixar nessa situação. Está pálido e gelado. — ele
nem discutiu, continuava com careta de dor. Esticou o braço e abriu a porta do
passageiro.
— Te pego às cinco. — e praticamente me empurrou para fora do
veículo. Eu desci e o vi arrancar a camionete como um louco, quase nem tive
tempo de fechar a porta.
Que loucura! O que tinha acontecido com ele?
Eu podia ter dado meia volta e ido atrás dele. Mas pensei bem, ele
podia ter tido uma de suas crises e sabia como resolvê-la, não ia me querer
por perto. Eu tinha que entrar na Dazzler e mostrar que eu ainda estava no
páreo. Então, já que estava ali de frente, decidi por ver Seth mais tarde.
Entrei na empresa já com o celular no ouvido. Primeiro falei com
meus pais, e eles disseram que estava tudo bem. Lindsay estava indo dormir
com eles esses dias. Minha mãe, enlouquecida, gritava ao telefone para eu sair
imediatamente da Dazzler e ir para um local seguro. Revirei os olhos, a
tranquilizei, desliguei e foi a vez de falar com minha irmã.
Eu tinha que desabafar com alguém. Ao invés de subir para o meu
andar, fui para a sala de espera e lá ouvi Carly atender o telefone sem muito
entusiasmo.
— Carly.
— Oi… — arrastou a voz.
Eu ainda me sentia trêmula pelo surto de Seth. De cabeça baixa,
suspirei pronta para jogar toda a carga em cima dela. Me sentia aflita e
impotente.
— Carly… eu…
— Ele fez de novo, Penny. — ela interrompeu meu início de
desabafo. Estava chorando.
— O quê? Quem fez o quê?
— O Brian.
Ai, bosta! O pânico começou a dar lugar à revolta.
— O que houve, Carly?
— Onde você está? Eu quero falar contigo. — choramingou feito um
bebê mimado.
— Não soube do que aconteceu comigo?
— Não. Estou presa no meu quarto desde o dia que te dei carona da
Dazzler até na casa da mamãe.
Ou seja, na sexta-feira, antes de eu encontrar com Natasha. Como é
que é? Carly não estava a par de nada? Eu quase fui morta e ela…
— Meu Deus, Carly! Onde você esteve?
— O Brian. Eu o flagrei com uma funcionária, de novo. Aquele dia,
assim que te deixei na mamãe.
Merda! Merda! Filho de uma chocadeira.
— Escuta, fica calma. Eu acabei de chegar na Dazzler e vou…
— Estou indo te ver. Preciso te ver.
— Não, depois eu passo aí… Você não pode vir aqui, ouviu o que
Zack falou.
— Ah, que se dane o Zack. Vou sim.
Eu a ouvia mexer em algumas coisas e sabia que ela estava se
vestindo para vir. Enquanto se arrumava, Carly me contou que Brian estava
no pé dela, exigindo perdão ou parte da loja para ele. E, por incrível que
parecesse, ela ainda pensava em dar mais uma chance a ele.
Minha irmã bateu na funcionária, a arrastou pelos cabelos para fora da
loja, mas não fez nada com o imbecil. Segundo ela, nem um tapa no rosto.
Porque ela o amava.
Enquanto eu esperava na bela e requintada sala, com seus sofás
macios e luxuosos, remoía minha raiva brutal em relação a Brian. Eu queria
matá-lo, nem que fosse presa depois. E mataria minha irmã se ela sonhasse
em dar mais uma chance para aquele traidor de merda.
Quase meia hora após a ligação, Carly chegou. Planejei ir a um café
para não ter problemas com Zack. E eu, de tão burra, devia ter marcado o
encontro com ela em outro lugar, mas como estava sem carro, não queria ter
que andar por aí à procura de um ponto para nossa conversa.
E, como se pensamentos ruins atraíssem coisas ruins, ouvi a voz
áspera e grossa e levantei o rosto.
— Dawson…? — era Zack me olhando como se estivesse vendo um
fantasma. Seus olhos saltados passaram pelo meu corpo e ele deu dois passos
na direção de onde eu estava.
— Ah…senhor Bradford. — me levantei.
— O que faz aqui?
— Bom… Eu ainda estou no jogo. Tenho que terminar toda a
produção da propaganda que eu ganhei.
Ele pareceu se lembrar e levantou as sobrancelhas. Mordeu os lábios,
olhou para os lados e ficou mais próximo de mim.
— Onde esteve? — já estava com a voz em um tom mais baixo —
Passei em frente à casa de seus pais… Pedi a secretaria para ligar…
— O quê? Estava me vigiando?
— Não. — negou prontamente — Eu apenas fiquei preocupado. Toda
essa situação mexeu com todos.
— Sim… — acariciei meus cabelos e dei de ombros — Eu passei
esses dois dias com meu namorado.
— Hum… então… sabe que a Natasha faleceu?
— O quê? — berrei ensandecida. — Ai, meu Deus! — coloquei as
duas mãos no peito.
— Sim. Essa madrugada. É muito triste. — com as mãos nos bolsos
da calça, me fitou em silêncio. Só depois de aparentemente refletir sobre a
situação, perguntou:
— Tem noção do que pode ter acontecido?
— Não, Zack. Tudo que sabia, falei para a polícia.
— Sim. Certo.
— Penny! — eu e Zack viramos juntos na direção da voz. Era Carly.
Um trapo. Com olheiras, cabelos mal penteados, cara inchada de choro,
provavelmente. Ela era bem branca, ruiva e sardenta como eu, se chorarmos,
nosso rosto virava um pimentão.
Zack encarou Carly boquiaberto, assistindo-a correr para meus
braços, resmungando coisas desconexas. Bom Cristo! Ela estava levemente
sob o efeito de álcool.
— Problemas conjugais. — sussurrei para ele. — Dê um desconto.
Ele apenas assentiu, ainda curioso com a situação.
— Ei, tudo bem. — ajudei-a a limpar as lágrimas. — Vamos a um
café você me conta tudo lá.
— Que bom que está de volta. — Carly murmurou e quando se virou,
só então pareceu ver Zack.
— Oi. — ela resmungou de má vontade.
— Você parece bem instável. — ele criticou.
— Ah, vá se danar!
Fiquei aflita com a maneira com que ela tratou meu chefe, mas ele
não pareceu afetado. E Carly o fitava de cara amarrada e braços cruzados.
Pelas grandes vidraças da frente, ele viu o carro dela lá fora e apontou com o
queixo.
— Então a joia rara é sua? Tem bom gosto, Dawson mais velha.
— Eu sei. Comprei em um leilão. — a voz de Carly saiu meio grogue,
mas o que disse a seguir soou firme: — E não vou vender para você.
— Não?
— De jeito nenhum, não está à venda para pessoas arrogantes.
— Tudo está à venda. — um sorriso prepotente brilhou no rosto
bonito dele.
— Não meu carro.
Eu assistia tudo de coadjuvante. Zack tirou um cartão do bolso e
entregou a minha irmã, sem dispensar sua expressão de dono do mundo.
— Meu número. Entre em contato comigo quando resolver vender,
cubro qualquer oferta. Posso te marcar no Instagram quando eu fizer a
reforma nele e tirar uma foto.
— Mentira? Sério? — Carly se animou como uma colegial que
ganhou uma curtida de um youtuber famoso. Rolei os olhos e puxei-a.
— Vamos, Carly. — por cima dos ombros, o informei: — Volto daqui
a pouco, Senhor Bradford.
— Às vezes você parece que é a irmã mais velha, Penélope. Va na
minha sala quando voltar. Isso é uma ordem.

* * *

Carly não tinha comido nada, estava meio bêbada, sem dormir,
resumindo: no fundo do poço. Foi um perigo ela ter vindo dirigindo. Então eu
a levei para casa, a ouvi com atenção, a ajudei no banho, lhe fiz um café forte
e só depois que estava dormindo, eu voltei para a empresa, quase às dez da
manhã. Nem contei nada para ela, sobre os últimos acontecimentos de minha
vida. Voltei com a preocupação em relação a Seth pesando no peito.
Fui direto ver Zack que, na minha concepção, já devia ter mofado de
tanto me esperar. Me apresentei à secretaria que informou minha presença.
Quando entrei, fiquei surpresa em ver Joanna com ele. Não esperava
encontrá-la, nós nunca trocamos um “a” mesmo eu tendo tentando no último
encontro. E, dessa vez, ela não parecia nem um pouco a Joanna que eu
costumava conhecer pela mídia e fofocas.
— Ah, deve ser a Penélope Dawson. — em um vestido elegante e
saltos altos, caminhou até mim. Sorria amigável. Totalmente diferente da
última vez que nos vimos.
— Ah… Oi, senhora Bradford. — ela me deu dois beijinhos no
rosto? Isso era mesmo realidade?
— Joanna apenas, querida. — me corrigiu — Sente-se.
Dei uma olhada em Zack emburrado, sentado à mesa com os dedos
cruzados. Não consegui controlar minha desconfiança, estava me sentindo
oprimida em uma sala com os poderosos.
Era a sala da presidência, a que tinha as fotografias da família
Bradford. De relance, passei os olhos e contei seis fotografias emolduradas.
Joanna não fazia parte da nobre galeria. Me sentei em uma poltrona, e ela deu
a volta na mesa, ficando de pé, ao lado de Zack.
— Estávamos preocupados com você. — Joanna disse. Zack apenas
continuava na mesma posição, analisando-me profundamente. Seu semblante
era pesado e parecia bem incomodado com alguma situação que eu não
conseguia saber qual era.
— Ah… Eu passei um tempo com meu namorado…
— Certo. E sobre seu depoimento? Conseguiu dar à polícia alguma
pista dos suspeitos?
Olhei para Zack e, em seguida, de volta para Joanna. Abri a boca, mas
Zack interferiu.
— Querida, não vamos importunar a senhorita Dawson com isso.
— Tem razão. — ela sorriu — Desculpe, sua amiga faleceu, e eu fui
insensível.
— Na verdade, não era minha amiga. — acabei de falar e me
arrependi no mesmo instante. Eu e minha boca tagarela. Ambos se olharam
intrigados, e agora o próprio Zack queria ouvir mais de mim.
— Não? Vimos vocês duas nas câmeras de segurança, e vocês
estavam juntas na festa.
— Ah… Eu… Ela me pediu informação e….
— O que foi fazer na festa, Dawson? — Zack pressionou, e ao colidir
com seus olhos tenazes, eu fraquejei. Sei que eles podiam ver a mentira na
minha cara. Eu não sabia mentir e já devia estar vermelha ou pálida com os
lábios tremendo. Queria correr de lá, o medo me dominou me restou engolir
em seco.
— Bom… Eu precisava… — enrolei várias vezes a alça da bolsa nos
dedos — Na verdade, eu decidi. Briguei com meu namorado e, para provocá-
lo, fui à festa.
Reaja, Penélope! Reaja, bosta!
— E já estão bem novamente? — Zack questionou. Joanna se limitou
a me encarar de cenho baixo, desconfiada. — Afinal passou dois dias com
ele.
— Isso não é um interrogatório, certo?
— Claro que não. — Joanna respondeu — estamos apenas
conversando. Que coisa.
— Certo. — fiquei de pé, e Zack se levantou também, prontamente.
— Volte ao seu trabalho, Dawson. Depois solicitarei que venha trazer
seu progresso com a equipe. Quero saber como está sua estadia aqui.
— Claro… Zack, digo, senhor Bradford.
— Ok. Tchau, querida. — Joanna acenou para mim e caminhou
elegantemente para o carrinho de bebidas.
Dei mais uma olhada em volta da grande sala e saí correndo,
deixando Zack parado, me acompanhando com o olhar.

Podia dizer que tive um bom desempenho durante todo o dia. Estava
me dando muito bem com a equipe, o entrosamento foi instantâneo, o que
ajudou bastante na nossa relação profissional. Eu já me sentia em casa,
trabalhando com eles. A minha ideia inicial foi jogada na mesa e melhorada
pelos mais experientes.
Às cinco da tarde, eu estava feliz com a produção, entretanto,
preocupada. Porque queria sair logo sem ser vista. E, graças aos céus,
consegui chegar até a saída do prédio sem nenhuma interrupção.
Não foi surpresa deparar com a caminhonete de Seth parada do outro
lado da rua. Caminhei rápido até lá, entrei e não consegui segurar o sorriso ao
vê-lo aparentemente bem.
— Oi. — sussurrei.
Seth curvou-se em minha direção e me beijou, encostou sua testa na
minha e ficou segundos assim em silêncio.
— Tudo bem? — perguntei.
— Tudo. — disse com convicção e ligou o carro. Coloquei o cinto e
olhei para fora. Zack estava do outro lado da rua, na porta da empresa, nos
encarando. Seth fechou o vidro e arrancou quase bruscamente. Sabia que ele
não morria de amores por meu chefe, então apenas ignorei esse fato. Devido
ao que aconteceu mais cedo com Seth, eu estava calada durante o caminho.
Ele parecia ressabiado, e deixei para aprofundar no assunto quando
chegássemos na cabana.
Eu pedi a ele para passarmos em minha casa, eu tinha que pegar umas
roupas e falar com meus pais. Quando paramos em frente à casa, ele segurou
meu braço impedindo que eu saísse.
— Penny. — seu semblante me adiantou que eu teria alguma
surpresa.
— Oi.
Seth olhou para os lados fora do carro e se aproximou um pouco mais
de mim.
— Descobri duas coisas.
— Sobre o quê?
— Ezequiel Bradford. Descobri o endereço dele, e ele te espera para
conversar.
Algo me dizia que isso não era o mais importante.
— Que bom, Seth. Obrigada por ter feito isso. E o que mais?
— Aquela chave… que me deu para esconder,… o motivo de toda
essa confusão.
— Sim… o que tem?
— É sobre o chaveiro. — ele enfiou a mão no bolso e pegou o
chaveiro em formato de unicórnio. Sob meu olhar pasmo, puxou a cabeça do
unicórnio, e levei a mão à boca ao ver um pen drive.
— A chave é apenas um disfarce. Creio que o real motivo do segredo
está nesse pen drive. Precisamos saber o que é.
VINTE E QUATRO

Um pen drive. Eu estava surtando de curiosidade, mas ao entrar na


minha casa com Seth, recebi uma enxurrada de perguntas dos meus pais,
principalmente sobre o homem de dois metros, cabeludo e de óculos escuros
que se portava ao meu lado como um segurança.
E não deixava de ser meu segurança. Estava me sentindo a Whitney
Houston com o Kevin Costner naquele filme.
Meu pai não gostou nem um pouco de Seth e nem fez questão de
esconder sua insatisfação Ele não estava nem se importando que meu atual
namorado fosse um homenzarrão, diferente dele que tinha altura mediana.
Peitou Seth corajosamente, perguntando o que ele fazia da vida, onde morava,
de quem era filho e se estava me tratando com dignidade. Sempre mantendo
uma expressão brava.
Seth respondia tudo com muita paciência, me deixando surpresa, já
que ele odiava que fizessem perguntas sobre sua vida. Eu devia chamar meu
pai para extrair os segredos mais profundos de Seth.
Eu e minha mãe apenas assistíamos caladas ao talk show do papai,
espetáculo masculino rolando na sala.
Quando, enfim, ele se deu por satisfeito, eu saí da sala para pegar meu
notebook no quarto e fugir dali antes que Lindsay chegasse. Mais cedo, ela
me ligara para saber como estavam indo as coisas, e eu aproveitei a
oportunidade para dispensar a proteção à testemunha. Ninguém poderia me
ligar ao Seth e ir atrás da gente lá na cabana dele.
No caminho, enquanto dirigia, Seth sorriu brevemente, e eu percebi.
— O que foi?
— Seus pais. São muito legais.
— Não ficou com tédio com as perguntas do papai?
— Ah… De jeito nenhum. Ele ainda foi pacífico. Se fosse com uma
filha minha, a coisa ia ser pior: o sujeito ia ter que responder a todas as
minhas perguntas dentro de uma chave de braço minha.
— Credo. — dei uma risada — Me lembrarei de nunca ter uma filha
com você… — o arrependimento veio assim que fechei a boca. Burra! O cara
tinha um passado bizarro com um filho desaparecido, e eu falando essas
merdas.
— Desculpe…
— Tudo bem.
— Eu não quis dizer que não quero ter algo a mais com você. Foi
apenas…
— Uma piada como resposta da minha opinião. Eu sei.
— Ok. — desisti de forçar esse assunto.
Minhas palavras tiveram o poder de acabar com nosso clima
descontraído. Eu revirei os olhos, prometendo a mim mesma controlar mais a
língua. Quem fala demais dá bom dia cavalo.
Chegamos à cabana, e eu corri para dentro com meu notebook. Seth
me alcançou, sacou o pen drive do seu bolso e me entregou. Ele estava tão
ansioso de curiosidade quanto eu. Ali dentro podia ter a resposta de tudo
sobre a morte de Natasha.
Senti meu coração sacudir descompassado de tanto nervosismo, olhei
para Seth me dando apoio e me fixei na tela do computador.
A pasta do pen drive abriu e, para minha perplexidade, havia várias
pastas nomeadas por meses.
Cliquei na primeira, de janeiro. Eram apenas planilhas, montes de
contas e comparações detalhadas sobre o caixa da Dazzler.
— Mas que porra…
Seth se abaixou para ver e franziu o cenho.
— Disse que a garota era da contabilidade?
— Sim. Era.
Ele pegou o notebook da minha mão e clicou em uma planilha.
Depois olhou outras e abriu novas pastas, analisando tudo com a calma que
ele sempre tinha. Eu tinha mil teorias em mente, mas não conseguia juntá-las
para chegar a uma direção. Seth conseguiu me dar uma resposta após sua
análise.
— Então isso aqui é algo que alguém lá da empresa quer esconder.
Não entendo muito bem, mas parece ser balanços mensais adulterados. E pelo
que posso concluir… Natasha descobriu a fraude e tentou avisar a alguém.
E ele tinha razão. Havia comparações das contas verdadeiras, com
lucros expressivos, e contas falsas, com prejuízos nítidos. Não dava para
saber qual era a verdadeira. Zack não queria vender a empresa, teria ele
forjado contas com lucros para ludibriar o conselho?
Zack queria esconder o caixa da empresa no vermelho ou, de fato,
nunca esteve no vermelho e foi tudo uma conspiração?
— Tenho que levar isto para a polícia.
— Calma. — Seth fechou o notebook e andou pela sala refletindo. —
Tem o cara lá, que além de policial é um Bradford. Ele é o mais apropriado
para confiar.
— Sim, verdade. A Natasha pediu que eu entregasse o pen drive a ele.
Onde você o encontrou? Preciso marcar um encontro com ele.
— O encontro já está marcado. Você vai vê-lo na quarta-feira.
— Ok. — mantive minhas mãos nos cabelos, encarando quase sem
respirar, o notebook.
— Venha aqui. — Seth abriu os braços me convidando para um
abraço, e eu nem pestanejei. Caminhei até ele e respirei fundo quando me
aninhou em seu corpo. — Fique calma. Isso é coisa deles lá, não vai atingir a
gente.
— Sim. Não vai.

* * *

— Amanhã, preciso ir cedo para a faculdade. São as últimas provas.


— falei com Seth, deitados na mesma rede, olhando a noite estrelada. Incrível
como ali o céu parecia ser mais estrelado do que visto pela janela do meu
quarto. De olhos fechados, eu sentia os dedos de Seth fazendo cafuné nos
meus cabelos. Seu cheiro e sua presença me consolavam, dando uma paz
agradável.
— Eu te levo.
— Não precisa, pego carona para a Dazzler com Tatiana, minha
amiga.
— Eu e você almoçamos juntos, em um restaurante bom que conheço,
depois do almoço você vai. Não pode ser assim?
Pensei sobre isso e concordei em seguida.
— Sim, pode ser.
Ficamos em silêncio. Eu poderia ficar assim a noite toda, ouvindo o
coração dele bater calmamente, sentir a brisa da noite da mata arrepiar minha
pele, mas eu era Penélope, e ficar calada não era do meu feitio.
— Seth.
— Oi.
— O que houve com você hoje cedo? Por favor, me conte.
Silêncio absoluto. Entretanto, pude sentir seu nervosismo repentino.
Ele se mexeu na rede e sentou, sem nem tentar esconder sua agitação.
— Vamos dormir, Raposinha.
Essa era a resposta? Qual é! Eu não era mais um casinho, estávamos
namorando, ele podia confiar em mim.
Antes dele se levantar, segurei firme no seu braço.
— Eu sei que eu disse para sermos superficiais, eu não ia perguntar
nada…Juro que estar com você me basta. Mas fiquei tão preocupada.
— Não se preocupe comigo.
— Como não? — meu tom veio com revolta — É natural das pessoas
se preocuparem com quem gosta. Você tem os dedos da mão direita tortos,
tem cicatrizes de queimaduras sérias no ombro e costas, além de ter surtos
repentinos. Eu quero ficar com você, mas…
Seus olhos sobre mim fizeram meu peito encher de esperança, porque
senti que ele poderia desembuchar e me tirar dessa nuvem de incertezas. Seus
lábios se abriram, os olhos brilharam, mas algo o impediu no último instante.
Ele negou balançando os cabelos e ficou de pé.
— Essa é a condição para ficar comigo. Não há nada o que saber.
— Ah, Cacete! Seth…
— Vamos dormir. O dia foi cheio e esse papo está me deixando
irritado. — ele nem me esperou, voltou a ser o lenhador rude lá do início.
Entrou na cabana me deixando sentada na rede.
Eu não fiz questão de ir correndo.
Quando entrei, Seth já estava deitado. Troquei de roupa, deitei ao seu
lado. Demorou minutos para ele mostrar que ainda estava acordado, me
puxou para mais perto, e eu deixei seus braços me envolverem.
— O que você não sabe não te fere, Raposinha. — beijou meus
cabelos, me causando um surto de raiva. Mas não esbocei sentimento algum,
só deixei o sono me tomar.

* * *

— Como foi? Acho que passei. — no corredor da faculdade, andava


ao lado de Tatiana.
— Acho que fui uma negação. Que merda! O que marcou na primeira
questão? — demonstrava apreensão antes de eu responder.
— Letra A. — chegamos aos armários e, nesse instante, meu celular
tocou. Levantei um dedo para Tatiana, pedindo um minuto e atendi.
— Dawson? — merda! Era Zack.
— Oi, Zack.
Os olhos de Tati saltaram e ela mexeu os lábios: “Zack Bradford?” fiz
que sim com a cabeça.
— Onde está?
Por que quer saber?
— Estou na faculdade. Passarei aí após o almoço.
— Quero ver seu projeto, venha aqui nesse instante.
— Agora? — olhei pasma para Tatiana.
— Sim. Agora. — mandão e rude — Tem algo mais importante?
— Eu ia almoçar com meu…
— Ele pode esperar. Estou te esperando.
Bosta!
— O Bradford gatão ligando para você? Isso só pode ser um sonho.
— Tatiana estava eufórica, mas eu nem dei importância. A preocupação me
tomou, e eu digitei o número do telefone trambolho de Seth, torcendo para
que ele atendesse ou que aquela coisa ao menos recebesse chamada.
— Zack quer que eu vá agora na Dazzler mostrar a ele meu projeto.
— contei a Tatiana enquanto esperava Seth atender. — Vou ter que pegar um
taxi.
— Não, senhora. Eu te levo. Você e Seth almoçam depois, além do
mais, é minha chance de conhecer a Dazzler e não vou perder isso.
Seth atendeu e eu fiz um sinal para Tatiana esperar.
— Penélope?
— Oi, Seth. Que bom que atendeu. Então, meu chefe me intimou a ir
agora na empresa e não depois do almoço, como tínhamos combinado.
— O que ele quer?
— Ver meu projeto. Irei com Tatiana. Só estou ligando para te
informar que não vai dar para almoçarmos juntos. Ou que talvez tenhamos
que adiar…
— Penélope, me espera aí que eu te levo lá.
— Não. Pode ficar despreocupado. Não precisa se dar o trabalho meu
gatão. Um beijo, te adoro.
— Vamos?
— Sério? — Tatiana pulou festeira.
— Claro, garota. Ao menos a entrada, você poderá conhecer.
— Ai, obrigada amiga. — abraçou meu braço e saltitou ao meu lado
pelo corredor da faculdade.
O carro de Tati era um Mercedes de segunda mão. Tão barulhento
como o de Carly. Mas, ao menos, ela tinha um carro. Eu disse isso, e ela
revidou certeira contrapondo:
— Você não tem um carro, mas tem um namorado gostoso e protetor.
Quer trocar o carro por ele?
— Nem em sonho. Vaca.
Paramos um pouco antes do prédio da Dazzler e decidimos fazer o
percurso a pé. A rua que estacionamos o carro não era tão movimentada, e o
dia estava nublado, o que fez a gente decidir descer a pé. Na calçada, íamos
de braços dados conversando sobre o melhor assunto possível: homens. Na
verdade, eu contava a ela as loucuras deliciosas de morar alguns dias com um
cara como Seth.
Antes de virarmos a esquina para sairmos na rua da Dazzler, senti um
puxão na minha bolsa que quase me jogou no chão.
Era um homem todo de preto com mascara ninja. O pânico me travou,
estava acontecendo novamente, bem à luz do dia.
Não, Deus, por favor, não!
Ele tentou me agarrar e, nesse instante, vi uma van branca parar perto
e abrir as portas.
Eu iria ser levada.
— Larga ela! — Tatiana enfrentou de bolsadas o homem mascarado.
Eu fui deixada de lado, mas, para nosso terror, ele sacou uma arma e atirou,
sem pestanejar, duas vezes contra ela. Ao mesmo tempo em que ela caía em
câmera lenta, eu gritava, gritava, berrava absurdamente alto, de medo, raiva e
por causa da minha amiga ferida. Ou morta. Ela estava ensanguentada e não
se mexia.
O homem voltou a agarrar minha cintura me arrastando para a van.
Lutei o máximo que consegui. Eles não me queriam morta, queriam, com
certeza, saber onde estava o pen drive. Lágrimas nos meus olhos embaçaram
minha visão, todavia era o suficiente para ver uma caminhonete parar com
brusquidão e, em seguida, eu ir de encontro ao chão quando Seth voou em
cima do cara que tentava me levar.
Eu não fiquei para ver. Corri até Tatiana e a tomei em meus braços.
Estava inerte, sem vida.
— Socorro! Alguém chame a emergência! — Eu berrava
enlouquecida. Outro estampido de tiro me fez virar e ver Seth cambalear e os
caras voltarem para a van, saindo dali em fuga.

* * *

Havia pessoas se aproximando, algumas com celular em punho,


filmando. Ouvi sirenes e me apavorei. Penélope gritava abraçada ao corpo da
amiga, eu tinha que ficar, estava ferido e precisava de ajuda, mas não dava
para ser exposto dessa forma. Um dia eu fui pego e torturado por um motivo
que não fazia a menor ideia.
Eu não podia sair nessas filmagens de celular, eles não podiam saber
que eu estou vivo e me capturar, não antes de eu encontrar meu filho.
Entretanto, apesar de minhas convicções de deixar a cena de crime,
não consegui sair do lugar, entrar na caminhonete e fugir dali. Eu fiquei,
porque Penélope era o que me importava no momento. Eu não seria tão
covarde dessa forma. Os sequestradores de quatro anos atrás poderiam
descobrir que eu sobrevivi, eu encararia as consequências, mas ela não ficaria
sozinha nesse momento.
Soltei os cabelos jogando-os no meu rosto, corri e abracei Penélope,
dando a ela apoio. Mostrando que eu estava ali por ela.
— Venha aqui. — puxei-a para meu peito. — Fique calma. Por favor,
fique calma. — ela apenas chorava.
Eu ainda não diria a ela, mas cem por cento de mim tinha certeza que
ela caíra em uma emboscada que foi armada por Zachary Bradford.
VINTE E CINCO

— Meu Deus! Qual o seu problema em não entender que tinha que se
esconder, Penélope? — não era minha mãe que gritava, nem meu namorado.
Era Lindsay, a policial, que estava tendo um surto no quarto do hospital onde
eu estava com Seth. Eu ia perguntar se ela se importava mais com sua
investigação do que com minha vida, mas seu olhar áspero me fez manter a
boca fechada.
Meu Seth levou um tiro no ombro, fez uma rápida cirurgia para
extração da bala e já estava fora de risco. Graças a Deus. Enquanto ele e
Tatiana estavam sendo operados, eu morria mil vezes na sala de espera, me
culpando por ter acontecido algo com as pessoas que amava.
Lindsay chegou rápido e impediu que eu ligasse para meus pais, para
não causar tumulto. Eu estava bem, era o que importava.
Diante do sermão dela, busquei amparo no meu namorado, mas Seth
estava com cara de poucos amigos, vestindo uma camisola de hospital, de pé
diante da janela, olhando para fora. Na sua expressão pude ler mil emoções,
ele estava remoendo a tragédia e, com certeza, pensando nos detalhes do que
aconteceu.
Respirei fundo e abaixei a cabeça vendo, de relance, as botas de
Lindsay indo e vindo. Ela não usava farda, era uma investigadora. Usava
botas, calça preta de couro, camisa azul e um sobretudo por cima. Pude ver o
distintivo em seu cinto e, do outro lado, a arma. Essa mulher nunca se
desapartava da pistola, até para dormir a colocava ao lado.
— Eu… não posso simplesmente negligenciar meu emprego.
— Mas pode perder a vida? — ela vociferou — Devia ter me dito que
estava indo trabalhar. Tem noção de que estamos investigando aquele pessoal
pela morte de uma funcionária deles? Você é a principal testemunha, não
poderia voltar lá.
Me levantei da cadeira e, de braços cruzados, a encarei.
— Como, não? Nem fodendo irei perder minha chance de ter um
emprego na Dazzler. — uma sobrancelha de Lindsay se levantou em tom de
incredulidade. — Sexta-feira será o dia decisivo, eu não posso…
— Você não vai, Penélope. — ela começou a perder a paciência e seu
olhar bateu com o de Seth como se pedisse cobertura. Boquiaberta, vi que ele
concordava com a policial e virou-se para mim.
— Você não vai voltar naquela merda de empresa. — estava decidido
para ele. Demostrou que nada do que eu fizesse ou falasse poderia fazê-lo
mudar de ideia.
— Seth!
— Uma pessoa está morta, sua amiga em estado gravíssimo, eu ferido
e você quase foi levada. É pela sua vida! Nem que eu tenha que te amarrar na
minha cabana, você não volta até que aquele cara esteja atrás das grades.
Ele ainda cismava que era coisa de Zack. Metade de mim não queria
aceitar aquela ideia. Parecia óbvio demais. Será que se fosse realmente o
Zack, ele vacilaria dessa forma, mandando me pegar quase em frente de sua
empresa?
Eu pensava que se fosse Zack, teria esperado mais alguns dias para a
poeira abaixar ou mandado me pegar na faculdade. Ele sabia que eu estava lá.
Zack era macaco velho, ele entendia todas essas coisas. Quem mandou me
sequestrar era alguém muito amador e que estava desesperado, correndo
contra o tempo.
— Ah, meu Pai! — vencida e desanimada, alisei meus cabelos e me
virei andando pelo quarto. Me sentei novamente, desolada. O trauma estava
me castigando. Quando a realidade começou a tomar espaço do pânico, e eu
me lembrei de Tatiana, as lágrimas começaram a descer dos meus olhos e eu
as limpei de imediato, para não demostrar fraqueza na frente de Seth e de
Lindsay. Eu queria bater em Lindsay que tinha alto poder de persuasão.
Coitado do homem na vida dessa mulher.
A porta se abriu, e uma enfermeira entrou. Ela parou estatelada ao ver
Seth de pé, com o soro ligado ao seu braço.
— Senhor Ryder. Era para o senhor estar inconsciente.
— Por que quer me deixar inconsciente? — a questionou baixando as
sobrancelhas. O braço preso a uma tipoia.
— Não,… quer dizer, devido à anestesia, tecnicamente, era para o
senhor estar sonolento e não de pé.
— Estou legal, traga minhas roupas, quero vazar daqui.
— Não pode ir. — engoliu em seco, mas se manteve firme — Acabou
de ser operado. O senhor deve se deitar.
— Seth. — corri até ele e segurei seu braço. — Vamos ficar só até o
doutor vir e te liberar. Pode ser? — seus olhos verdes desconfiados fitaram os
meus por alguns segundos, decidindo o que faria. — Confie em mim. —
reforcei o pedido, e ele relaxou o corpo. Após soltar o ar do peito com um
arfar, deixou eu conduzi-lo até a cama.
A enfermeira sorriu agradecida para mim, a cor voltou gradativamente
ao seu rosto. Após uma rápida checagem em Seth, nos deixou, e depois de eu
ajeitar o lençol sobre ele, me virei para Lindsay.
— O que terei que fazer agora? — antes de ela responder, adiantei: —
Não quero sair daqui… preciso saber sobre Tatiana.
— Não sei se voltar para a cabana de Seth é o melhor nesse momento.
Ele está impossibilitado…
— O que disse? Está colocando minha capacidade em dúvida? —
Seth se exaltou. Homens são sempre iguais, não podem ser julgados
incapacitados, que já armam espetáculo.
— Você está ferido, Seth. — Lindsay caminhou até a cama. —
Entretanto, pensando bem, é um lugar que ninguém vai procurar. Não te
conhecem, não sabem da ligação entre vocês. — ela ponderou, e isso o
acalmou. Eu mantinha minha função de acariciar, sem parar, o braço dele, em
uma tentativa de manter a fera aplacada. Me olhou concentrada, pouco
importando com os chiliques de Seth: — E você, Penélope? Quer ir com ele,
ou prefere que arrumemos escolta policial para sua casa?
— Ela vai comigo. — Seth interrompeu. Apertei seu braço indicando
para ele se acalmar.
— Bom, eu acho que…
— Está mesmo cogitando se vai me abandonar, Penélope? — Seth
questionou se colocando como vítima, antes mesmo de eu concluir minha
opinião.
Lindsay revirou os olhos sem paciência.
— Claro que não. Eu vou com você. — e essa era minha decisão
desde sempre. Claro que eu queria ficar com ele, cuidando dele, depois de ele
ter me salvado. — Fique tranquilo. Não vou te abandonar. — abaixei e
depositei um beijo em seus lábios. Seth estava fazendo tem feito tudo para
mim, não era o momento de nos separarmos.
Lindsay foi embora com a promessa de que iria na cabana no dia
seguinte me pegar para me levar até Ezequiel. Tivemos que contar para ela
sobre o encontro marcado, só omiti o motivo desse encontro. Ela deixou um
policial na porta do quarto, agora Seth também era testemunha de uma
tentativa de homicídio e sequestro. Estávamos no mesmo barco e eu odiava
pensar que eu o coloquei nessa situação por causa de minha teimosia.
Novamente pensei em Tatiana e as lágrimas derramaram
inevitavelmente. Recebi a notícia que as próximas horas para ela seriam
cruciais. Isso me cortou por dentro.
Seth cedeu à força da anestesia e dormiu relaxado. Eu, sentada em
uma poltrona ao seu lado, acariciava seus dedos tortos e chorava, pensando
que poderia ter sido bem pior, caso ele estivesse morrido. Que Deus nos livre.
Eu enlouqueceria.
Era o meu homem, bonito, bondoso, protetor, simples e intenso,
aquele que passei tempos desejando encontrar e iria continuar procurando
pelos anos adiante se não tivesse entrado naquela mata, naquele dia. Não ia
perdê-lo de forma alguma.

Foi trabalhoso mantê-lo à noite toda no hospital. O médico não o


liberou, mas eu consegui convencê-lo.
Na manhã seguinte, ele já estava de pé para ir embora. Seth era um
homem do mato que escondia mil segredos. Ficar aprisionado em um lugar
onde podiam encontrá-lo o fazia se sentir impotente.
— Eu posso ir buscar uma camisa para você. — tentei convencê-lo. Já
que sua camiseta tinha sido cortada pela equipe médica quando ele chegou ao
hospital ferido.
— Estamos indo para casa. Não precisa. Até mais, doutor. — saiu
dando suas passadas largas, deixando para mim a missão de me despedir do
médico e receber a receita dos analgésicos e anti-inflamatórios.
Com o ombro enfaixado e o braço imobilizado em uma tipoia, Seth
teve que ir de carona em sua própria caminhonete, e eu, na minha baixa
estatura, lutei para domar o trambolho grande e antigo dele. Uma viatura nos
seguiu, para nos escoltar.
O resultado foi satisfatório. Indo devagar, consegui chegar à cabana
sem nenhum contratempo.
Observei o policial ajudá-lo a descer da camionete e o levamos para a
cama. Depois que eu e Seth ficamos sozinhos, arranquei suas botas pesadas,
desabotoei o cinto e, com muita dificuldade, tendo ajuda de uma mão dele,
descartamos a calça jeans.
Após abrir a janela, voltei-me para a cama e sentei ao seu lado. Seth
estava relaxado, só de cueca, cabelos soltos, recostado em uma pilha de
travesseiros.
— Obrigado. — segurou minha mão. Os olhos brilhando com um tipo
único de felicidade. Era uma grande gratidão misturada com seu
contentamento por me ver bem.
— Eu é que tenho que te agradecer. Você salvou minha vida. Nem
quero imaginar se… não tivesse chegado.
Fez um gesto aceitando minhas palavras, com grande amargor e,
depois de segundos pensando, me fitou.
— Desculpa.
— Pelo quê?
— Lá no hospital. Eu estava instável. Estava me sentindo
aprisionado… Te tratei com rudeza…
— Estou te conhecendo aos poucos. — pisquei para ele. — Desculpas
aceitas. Agora tira um cochilo que eu vou preparar algo para a gente comer.
— Você nem sabe cozinhar. — provocou.
— O que eu fizer vai ter que comer, grandão.
— Já estou sentindo falta do hospital. — tripudiou, me fazendo rir.
Abaixei para beijá-lo e Seth tentou me segurar. — Deixa a comida pra lá,
vem esquentar seu leão ferido.
— Não. Está de repouso. Quietinho aí leãozinho. — tirei sua mão de
cima de mime saí do quarto antes de ceder às provocações sedutoras dele.

* * *

Tatiana não corria mais risco de morte. Um tiro acertou o seu lado
direito, perfurando o fígado, e o outro, de raspão, na cabeça. Com isso fiquei
mais despreocupa, mesmo que ela ainda estivesse na UTI.
Eu não ia voltar para a Dazzler tão cedo. Era mesmo muito perigoso,
mas não queria também perder minha chance. Seth emprestou seu telefone, e
eu liguei para Zack. Conversei diretamente com ele e, podia ter sido
encenação, mas ficou bem chocado com tudo que eu contei.
Nem precisou eu pedir, ele mesmo disse que ia adiar a última etapa da
competição, porque eu não poderia ir na sexta-feira. Achei isso bem estranho,
Zack dificilmente era complacente, ainda mais com empregados. Se fosse ele
o culpado, teria me dado todo esse tempo longe da empresa?
Depois que desliguei, fiquei pensando se foi certo ter omitido dele
que o cara que me ajudou foi meu namorado. Se ele assistisse uma das
filmagens amadoras na mídia, ia ver Seth e concluir que aquele era meu
namorado e que, portanto, eu devia estar com ele, como da outra vez que sumi
por dois dias.
Mas eu estava convicta de que mesmo sabendo que o homem do
vídeo era o meu namorado, e se Zack fosse o culpado, ele não conseguiria a
localização de Seth.

Quando Lindsay apareceu para me levar até Ezequiel, Seth estava


muito agitado. Eu tentei fazê-lo ficar deitado, mas ele caminhava pela sala
prestes a explodir. Ficava me pedindo para não fazer muitas perguntas a
Ezequiel, para eu sair de lá se percebesse qualquer coisa suspeita. Ele estava
praticamente surtando, como se quisesse esconder algo e eu tivesse a um
passo de descobrir.
Eu o Lindsay o tranquilizamos e saímos no carro dela.
Segundo o que ela me contou sobre Ezequiel, ele não trabalhava na
mesma divisão que ela, que era a de homicídios. Ele era um investigador que
cuidava exclusivamente de casos de desaparecimentos.
Ele nos recebeu em uma das salas da delegacia onde era locado.
Parecia intrigado, me olhava, acreditei, tentando me reconhecer. Nós nunca
nos vimos, quer dizer, eu já o tinha visto por fotos, apenas.
Ezequiel se parecia muito com os irmãos. Eles eram loiros e de olhos
verdes. Achei que se parecia mais com o Zack. Era o Bradford do meio, antes
de Zachary. A caçula era a socialite Phoebe, casada com um ator de
Hollywood.
Seus cabelos eram um pouco maiores que os de Zack, chegavam ao
pescoço e tinha uma bela barba cheia. Sem falar que era um monumento de
homem, muito bonito.
Olhou diretamente nos meus olhos e questionou:
— Você é a Penélope Dawson que marcou uma hora para falar
comigo?
— Sim.
— Sentem-se, por favor. Me diga o que deseja.
Eu não iria enrolar, então abri a boca e desabafei. Contei a ele todas
as nossas suspeitas e o que aconteceu com Natasha. Lindsay me olhava
boquiaberta, porque só agora ela sabia do pen drive. Achei que ela queria me
bater por ter escondido isso.
Ezequiel se levantou, coçou a barba e, de braços cruzados, deu alguns
passos, pensativo.
— Meu irmão é um homem difícil. Se fosse apontar uma ovelha
negra na família, seria o Zachary. Ele quase nunca se curva ao que os outros
querem. Já passou por cima de desejos dos nossos pais, contrariando-os. Mas,
não sei se ele seria tão filho da puta a ponto de encomendar assassinatos.
Abri a boca para concordar com ele, mas Lindsay foi mais rápida.
— Olha, eu estou muito indignada em não ter ficado a par de toda
essa merda — Lindsay falou. — É incrível como você quer fazer tudo do seu
jeito, Penélope. Entretanto, é arriscado pensar que Zack sujaria anos de sua
luta para conseguir a presidência da empresa.
Ela tinha que me dar um sermão antes. Revirei os olhos.
— Nunca foi o desejo do meu irmão ser presidente da Dazzler. —
Ezequiel explanou. — Mas chegou um momento que ele teve que se levantar
contra todos para salvar a empresa. Nem eu mesmo quis me envolver. — deu
de ombros — Ele seria capaz de qualquer coisa para manter nosso império de
pé. Mas assassinatos? É demais para minha mente.
— Talvez não diretamente. E se Zack não quisesse que o conselho
descobrisse que as contas da empresa não estavam boas e então ordenou a
seus homens que tomassem uma atitude?
— Mas acabou sendo acidental. — Ezequiel completou o raciocínio.
— Isso.
— Acha que o assassinato de Natasha tenha sido acidental? —
Lindsay me perguntou.
— Não. — voltei atrás em minha análise — Tenho certeza que ele
quis fazer aquilo, independente de quem tenha mandado.
— Você precisa confiar em mim e deixar eu ver esse pen drive. —
Ezequiel disse, compenetrado, com um rompante meio rude. Era de família
ter essa cara fechada e esse jeito esnobe?
— Infelizmente, não sei se posso confiar… — olhei para Lindsay. —
Que tipo de policial é você? — Voltei a encará-lo. — Eu me refiro ao policial
cabeça quente que atira primeiro e pergunta depois, ou aquele de mente fria
que analisa todas as hipóteses antes de atacar?
— Você é um pouco atrevida. — apontou meu defeito, como outros
homens já tinham feito. Na verdade, não gostavam de serem questionados. —
Sou um policial que trabalha pela ordem. Já estou investigando algo lá
daquela impressa, saí do conforto e coloquei a mão na massa, pelo bem da
minha família. Você tem que deixar eu ver esse pen drive.
Ele investigava o que na Dazzler, sendo que a sua especialidade era
em desaparecimentos de pessoas?
Lindsay fez sinal afirmando que eu pudesse confiar nele.
Soltei o ar do peito e assenti.
— Eu não o trouxe comigo. Ficou em um local seguro. Podemos
marcar outro horário para conversamos novamente?
— Sim, claro. Não tome providencias sem pensar. — tirou um cartão
do bolso e passou para mim. — Não hesite em me ligar, Dawson. — O tom
dele ao falar “Dawson” era tão parecido com o de Zack…
Aceitei o cartão, me despedi dele e sai com Lindsay.
VINTE E SEIS

Três dias depois

— Bom dia! — cantarolei no instante em que abria a cortina do


quarto. Seth se espreguiçou com um braço só, olhou em volta com a cabeleira
solta sobre o rosto e os olhos meio fechados, tentando me fitar.
— O que está fazendo? — observou eu pegar a bandeja de café e
levar na cama para ele.
— Te trazendo café, para impedir que vá sozinho fazer e se queimar
igual a ontem. Sente-se, meu benzão.
Ele obedeceu, de olho na bandeja. Se recostou na cama e levantou seu
rosto para mim.
— Fez mesmo café para mim, Raposinha?
— Claro. Espero que goste. Deixe-me cuidar desses cabelos. — me
ajoelhei atrás dele e suavemente juntei a farta cabeleira, que me impressionou
por não estar embaraçada. Percorri meus dedos pelos fios penteando-os e
depois de me certificar que estavam alinhados, amarrei em um rabo de cavalo
com um elástico de cabelo dos meus, que era rosa. Olhei o resultado e ri.
Estava horrível.
— O que fez com meus cabelos? — tocou na cabeça para sentir o
novo penteado — Estou parecendo uma garotinha?
— Uma garotinha bem parruda. — me ajeitei sentada na frente dele.
— E aí? Como está o café?
— Muito bom. Você pegou a prática. — assistir Seth comer era meu
melhor passatempo. Na verdade, observá-lo fazer qualquer coisa era, para
mim, uma atração. Seth dificilmente ficava parado, ele sempre estava fazendo
algo, era um homem ativo. Mas, nesses dias de recuperação, ficava quietinho
permitindo que eu cuidasse dele, o tornando mais adorável.
— Está sorrindo para mim. — fez a observação de forma divertida. —
Está querendo uma boa dose de carinho?
Eu sabia o que ele estava insinuando. Como eu disse, é um homem
muito ativo. Desde ontem que implora para transar comigo. Me arrastei para
fora da cama e Seth me olhou curioso.
— Não ainda, bonitão. Está em recuperação.
— Ah, Penélope, não faça isso comigo. Ganhei um tiro no ombro não
no pau. — eu gargalhei de sua defesa e fui ao armário pegar uma roupa para
ele vestir.
— Não quero te machucar, Seth. Sabe muito bem que nunca é só
sexo. É quase o apocalipse na cama.
— Agora babei de vontade. Por favor, apenas suba em mim e faça o
trabalho, não deixe seu homem passar necessidade.
— Seu drama é tocante. — procurei uma camisa de botão, escolhi
uma xadrez. Peguei a calça jeans e quando a puxei, algo caiu no chão. Era um
pequeno pacotinho de pano que estava escondido atrás das calças. Seth
mordia uma rosquinha e nem viu o que aconteceu. Peguei o pacotinho, abri e,
para minha surpresa, havia um relógio masculino aparentemente caríssimo.
Coisa de gente rica. O vidro quebrado e não funcionava mais. Analisei a peça
e o virei de imediato, prevendo que algo tão caro deveria ter o nome do dono.
Atrás tinha apenas duas iniciais: B. B.
Isso deixou tudo ainda mais confuso. No pacotinho de pano havia
mais uma coisa. Levei um susto ao me deparar com uma aliança. Caramba!
Era mesmo uma aliança, grande e grossa, de homem provavelmente.
Tremendo, olhei dentro e a gravação parecia ter sido arranhada de propósito,
as iniciais de um dos conjugues estavam praticamente ilegíveis, mas pude ler
o que sobrara: & B.B Eternamente.
De relance, vi Seth se preparar para se levantar. Guardei tudo de novo
e me virei dizendo que precisava ir à cozinha.
Uma vez lá, me apoiei no fogão e, de olhos fechados, recuperei o
controle da respiração. Quem podia ser esse homem B.B que era casado e
tinha seus pertences em posse de Seth? Seria o marido de Margareth? Será
que Seth roubou uma pessoa? Ou matou alguém?
Me surpreendi com ele me pegando por trás e não consegui evitar de
dar um pulo de susto. Isso o divertiu.
— O que foi? Achou que fosse o lobo mau?
Acabei sorrindo. Me virei de frente para ele para vê-lo melhor. Ele
havia tirado o elástico que eu prendi em seus cabelos. Ficou, como sempre,
muito sexy só de boxer com os cabelos soltos.
Sua cara de safado indicava que não ia me deixar escapar tão fácil.
Me virei de costas para ele novamente, despistando, fingindo que ajeitava
algumas coisas no fogão. Sem eu esperar, ele me agarrou com um braço,
pressionando seu volume nas minhas costas e, para minha surpresa, beijou
meu ombro e mordeu meu pescoço em seguida. Eu estremeci de uma maneira
que só conseguia com Seth.
Mesmo intrigada com o relógio e a aliança que vi, já caíra no jogo
sedutor dele.
Puta que pariu! Seth tinha a destreza perfeita para dominar segundo
suas vontades, eu queria que ele me possuísse da maneira mais selvagem que
pudesse, porque, com ele, meio termo nunca bastava.
Seus dentes afundaram mais na minha carne, e eu gemi levando a
mão para trás, alcançando seus cabelos e puxando-os.
— Seth. Está me mordendo…
— Sou bicho do mato. Vai ter que se acostumar com minhas
mordidas. — virou-me de frente para ele, e meu gemido foi inevitável. Ele
estava muito erótico, olhando de uma forma animalesca. Mordeu os próprios
lábios atiçando-me.
— Tire sua roupa, Raposinha. Preciso muito te comer.
Soprei. Os lábios em formato oval. Eu não queria mais esperar.
Estivemos muito tempo sem nos tocar por causa da recuperação dele. Três
dias era muito tempo para um casal que vivia se agarrando. Essa constatação
me deixava surpresa, porque nunca me considerei fogosa.
Arranquei minha camiseta, desabotoei o short jeans e, quando fui
descer a calcinha, ele segurou em minha mão. O verde de seus olhos parecia
mais escuro, porém com um brilho faminto que me deixou aprisionada.
— Deixe comigo. — usando a mão disponível, puxou minha calcinha
e eu facilitei para que descesse pelas minhas pernas. Em seguida, ele puxou a
cueca deixando-a embolada nas coxas.
Seu pau ereto, bem duro, indicando tudo que estava reservado para
mim.
A artéria do pescoço saltava no ritmo das batidas frenéticas do meu
coração, a intensidade da ansiedade era como se eu nunca tivesse transado
com ele.
Com agilidade, ele usou sua força e me suspendeu com um braço
apenas e, para lhe ajudar, abracei minhas pernas ao redor de sua cintura.
Eu estava em dúvida sobre o anticoncepcional que começara a tomar
três dias atrás. Mas mesmo com dúvida, se já estava ou não fazendo efeito, eu
não quis parar, interromper o beijo delicioso que Seth aplicava.
Ele olhou diretamente nos meus olhos enquanto me beijava e vi sua
fome incontrolável Seu pau mostrava o mesmo, pulsando, duro como lenha de
madeira, embaixo de mim.
— Eu o quero… agora, Seth!
Me ajeitou quase sentada sobre o fogão e golpeou a cabeça do pau
contra minha entrada úmida.
— Ah, minha ruiva… estou obcecado. Eu te adoro tanto… Diga que
pertence apenas a mim… diga, Raposinha. — beijou minha boca com
intensidade, e eu gemi contra sua barba roçando em meu rosto.
— Eu sou apenas sua, Seth. — joguei a cabeça para trás, ansiando
pela penetração mais profunda que ele me negava. . Ele apenas meteu a
cabeça, mexendo de leve. Seth agarrou meus cabelos e trouxe minha boca de
volta para perto da sua.
— Diga o que quer, minha ruiva. Fale para mim.
— Que você me deixe ver estrelas, seu puto gostoso. — agarrei sua
bunda, tentando puxá-lo mais para dentro de mim — Me come logo, Seth!
Quando entrou por inteiro dentro de mim, eu só queria que aquela
sensação deliciosa continuasse, e ela aumentou e foi mais deliciosa a cada
metida que ele investia. Seu pau ia tão fundo em mim que todas minhas forças
pareciam drenadas por ele.
Agarrei o seu corpo e o beijei ferozmente, entregando-me por
completo. Sentir os golpes perfeitos e pesados de Seth, só não era tão bom
quanto eu me sentar sobre ele. Seth agarrou minha cintura e, sem sair de
dentro de mim, sentou em uma cadeira na cozinha e me deixou conduzir a
festa.
Seth chupou meus seios com tanta adoração que eu me emocionei
pelo nosso momento. Era mais que sexo, era paixão.
Era meu lenhador selvagem suando na cozinha quente por causa do
nosso prazer misturado com o sol e o fogão ali perto. Era meu homem
grandão que o destino me presenteou e, chegar a essa constatação de que eu
não estava mais sozinha, me fez sorrir ao beijá-lo, segurando seus cabelos e
me embalando até arrancar dele os roucos sons do clímax.
Afundei meu rosto em seu ombro e estremeci gozando logo depois
dele. Sentindo seus fluídos dentro de mim, e ele se mover lentamente.
— Sente-se melhor? — perguntei acariciando seu peito, ainda
conectada a ele, sentindo seu pau ainda meio duro dentro de mim.
— Muito. Você é meu vicio e minha cura.
— Isso foi fofo. — passei os dedos em seus cabelos percorrendo seu
comprimento.
— Não sou fofo.
— Tem razão. É selvagem. — dei-lhe um beijo de língua e quando o
senti reagir dentro de mim, me ergui deixando-o livre.
— Penny, para onde vai? Traga essa bunda para cá, olha como estou.
Olhei, e ele estava todo melado, duro novamente.
O que eu não faria pelo meu rei leão? Voltei a sentar sobre ele,
sentindo-o me invadir novamente com sua grossura já em prontidão.

* * *

Claro que teria briga entre mim e meu amado por causa da última
etapa da competição na Dazzler. Eu só estava adiando o dia de falar com Seth.
Era tão bom estarmos juntos, dormir e acordar ao seu lado, cozinhar juntos,
tomar banho na cachoeira, ele fazia eu me esquecer de todos os meus
problemas. Ele era meu paraíso na terra, e eu adiei o máximo provocar atrito
entre a gente.
Em dias alternados, eu ia ver meus pais e, nesses dias, eu aproveitava
e adiantava o máximo que conseguia da propaganda que era o derradeiro
desafio da Dazzler. Minha ideia era perfeita e mais uma vez tinha sido
inspirada em Seth.
Eu deixei minha irmã à frente de tudo. Ela foi atrás do ator,
profissionais para as filmagens, cenário onde a cena aconteceria, enfim, tudo
que eu precisava, mas não podia sair pela cidade para providenciar, andando
desprotegida. Não foi nada fácil criar toda uma estratégia de marketing,
estando longe.
Filmamos no parque. Eu tinha dito a Seth que iria ver minha avó. Ele
até quis ir junto, mas eu o convenci a não me acompanhar.
Com o vídeo pronto, eu tinha minhas armas para vencer o duelo na
Dazzler.
Esperei Seth sair do quarto para poder me vestir, e quando ele voltou
do banheiro, após escovar os dentes, eu o interceptei. Ele me olhou intrigado,
me vendo a lá executiva, de saltos e tudo mais.
— Eu preciso…
— Você não vai para a Dazzler. — se virou para sair do quarto, dando
a conversa por encerrada, mas eu o segurei.
— Seth. Eu preciso. É o dia da apresentação. A última etapa da
competição.
Ele se virou, me deixando nervosa com sua expressão.
— Como tem coragem de querer voltar lá depois de tudo…
Eu estava no meu limite. Porque todos apenas apontavam para mim o
quanto eu estava sendo teimosa, mas não viam meu lado. Passei uma semana
escondida, longe de coisas que, para mim, eram cruciais.
— Estou enfiada aqui nesse fim de mundo há uma semana. — gritei
desejando que lágrimas não borrassem minha maquiagem. — É minha vida lá
fora. Estou surtando aqui, sem internet, sem minhas coisas, meu trabalho.
— Ruiva, quando isso aqui acabar você poderá…
— Não. — me afastei para ele não tocar em mim. — Não posso
esperar. É um trem sem volta que está passando, se eu não agarrá-lo agora,
não terei outra chance.
Enfurecido, ele me fitou por alguns instantes, então caminhou em
passos largos para o quarto. Já estava sem tipoia, apenas com um pequeno
curativo no ombro. A rápida melhora de Seth não era surpresa, devido seu
tamanho e sua boa saúde.
Espiei da porta e vi que ele se vestia usando movimentos bruscos.
— Seth…
— Eu vou te levar. Se quer arriscar sua vida, eu não terei essa culpa.
Farei o possível para te proteger.
Ele poderia não entender meu lado. Acho que ninguém entenderia.
Tudo seria em vão se eu apenas cruzasse os braços e esperasse.
Enquanto ele dirigia, eu tive medo de estar levando o homem que
amo para um possível perigo, como na semana passada. Mas me agarrei à
minha esperança, fiz preces, torci para que eu entrasse e saísse ilesa de lá.
Seth me deixou na porta da empresa. Estava um pouco mais calmo
porque, durante a viagem, eu achei melhor ligar para Lindsay e avisá-la. Ela
não pareceu tão abalada quanto meu namorado protetor.
Eu não havia avisado a ninguém que estaria nessa manhã na Dazzler.
Iria pegar todos de surpresa. Não haveria tempo de alguém armar contra mim.
Assim que cheguei ao auditório onde estava sendo realizada a
competição, Zack se levantou da bancada do júri, perplexo ao me ver. Ele não
podia sair da mesa de jurados para vir falar comigo, um dos competidores já
se apresentava. Então sentou de volta sem quebrar contato visual comigo.
Ia dar certo. Eu me apresentaria, esperaria o resultado e fim. Iria
embora com Seth. E se eu não fosse escolhida, sumiria para sempre da vida
dos Bradford.
Quando chamaram meu nome, me levantei lutando para esconder
minha aflição e fiz tudo como ensaiei mentalmente. Coloquei o vídeo para ser
projetado na tela, enviei-o para os dispositivos dos jurados e respirei fundo.
— Bom dia. Sou Penélope Dawson e meu projeto se chama: Dazzler
– conectando o mundo. — Iniciei o vídeo.
De costas, um homem cabeludo andava pela mata. Cortava lenha,
pescava, fazia fogueira. Tudo indicando que era um homem do mato. À noite,
ele entrava em uma cabana, e ouvia-se a voz dele conversando com alguém lá
dentro. Quando a câmera se aproximava, o cabeludo estava ao celular. Então
ele olhava para a câmera e dizia: “Recluso, mas nunca isolado”. Mostrava o
celular para a tela com o logotipo da Dazzler e completava: “O mundo está
conectado”.
A imagem era coberta pelo logotipo e a frase abaixo: Dazzler –
conectando o mundo.
Essa foi uma frase que Seth falou comigo, quando eu fiz rosquinhas
para ele. Sorri vendo o vídeo e, quando ele chegou ao fim, recebi as palmas
dos presentes. Olhei para Zack, e ele me aplaudia sorrindo, demostrando que
gostou do que viu.
Eu sempre tive dúvidas se venceria.
E quando Zack anunciou meu nome como um dos vencedores, não
consegui vibrar, apenas empalidecer e me sentir petrificada. Pensei em toda
essa merda que tinha acontecido: não conseguiria comemorar com minha
amiga, ainda no hospital; Seth desaprovando minhas escolhas, eu sendo
caçada por aí e meus pais sozinhos em casa.
Sem falar que isso significava que minha ligação com os Bradford
continuaria.
Voltei a me sentar e olhei à frente meus colegas aplaudindo e
parabenizando o outro candidato que vencera comigo.
Peguei o celular e liguei para Seth. Ele atendeu de imediato e disse
que já estava vindo me buscar.
— Tudo bem com você? — levantei os olhos, e Zack estava na minha
frente. Seus olhos verdes eram tão familiares. E eu pensei logo em Ezequiel.
— Sim… Se importa se eu ir embora? Isso me pegou de surpresa,
estou precisando…
— Sim, claro. Pode ir, sim.
— Obrigada. — Fiquei de pé.
— Penélope. — me chamou e eu virei para olhá-lo. Zack parecia ter
olheiras, como se estivesse perdendo noites de sono, o olhar não era mais frio
como sempre. Era amedrontado. Eu pensei se ele estava com medo de ser
pego pela polícia.
— Se isso aqui não der certo,… saiba que eu sempre admirei sua
garra e sua paixão pela empresa. É o motivo de ter ganhado. Há anos eu não
via alguém com o mesmo entusiasmo que o meu.
— Se isso não der certo? — intrigada, indaguei.
— A Dazzler. — ele tirou algo do bolso e me entregou. Era um
envelope pequeno. — Se quiser comparecer… depois de tudo que aconteceu
com você, os Bradford querem de alguma forma ter você por perto. Agora
pode ir. Espero que esteja tudo bem com você.
Coloquei o envelope na bolsa sem nem olhar.
— E está. Obrigada, Zack.
Me virei e fui embora andando a passos muito rápidos. Um dia eu
desejei estar aqui, hoje, com minha vitória, eu só conseguia pensar em sair do
prédio o mais rápido possível. Suspirei aliviada ao ver a caminhonete de Seth
me aguardando.
— Vamos. — disse a ele, e quando ele deu partida me senti segura em
confessar: — Eu ganhei. Estou contratada pela Dazzler.
Ele apenas me olhou quase desolado. Como se tivesse perdido algo e
até acho que ele passou a manhã toda torcendo para que eu perdesse.
Essa vitória não teve o sabor que eu esperava no início. Era meu
sonho realizado. Mas, nesse instante, o que mais me deixava feliz era ver meu
homem bem e salvo, ao meu lado.

À noite, Seth parecia mais relaxado e até me convidou para jantar


com ele. Segundo o que me disse, não era um restaurante conceituado, era
apenas um bar rústico onde ele costumava jantar ou beber solitário algumas
vezes.
Fiquei radiante por ele querer comemorar minha vitória. Seth entendia
o quanto ela era importante para mim.
Arrumada, peguei minha bolsa para procurar meu delineador e então
vi o envelope pequeno que Zack havia me dado. Seth não estava no quarto,
abri e me surpreendi com o convite, por ser para um evento tão íntimo.
O cartão era preto com letras prateadas, sem imagem, apenas um
breve texto:
“A família Bradford convida para a missa em homenagem ao quinto
ano da partida prematura de Blake Bradford.”
Nem terminei de ler direito, porque já sabia do que se tratava. Tinha
visto a notícia no jornal. Guardei de volta o cartãozinho quando Seth entrou
no quarto. Era hoje esse evento, mas eu não iria mesmo à missa e ficar no
meio de tanta gente suspeita de querer me matar.
VINTE E SETE

Eu tinha o hábito de sair para beber todos os dez de maio, desde que
fiquei isolado na cabana. Era dez de maio e não poderia ser diferente. A
minha memória estava voltando com força total, e entendi porque eu saia uma
vez por ano nessa mesma data, para tomar um porre e ser acudido pelos caras
do bar.
Além da minha memória estar voltando, também tinha a Penélope que
merecia uma noite feliz por ter conseguido realizar o seu sonho. Eu tinha
necessidade de fazê-la sorrir, mesmo que ela estivesse indo contra minhas
vontades. Ela ganhou o emprego que tanto queria, e eu nem mesmo esbocei
um rápido sorriso de satisfação, o que me fez eu me sentir mal o dia todo, por
tê-la deixado comemorar sozinha, em pensamento, a sua vitória.
— Tudo bem? — segurei na sua mão, no quarto. Estava linda, usando
um vestido preto de renda, modelando seu corpo mignon que eu me viciei em
ter na minha cama. Estava sexy e elegante, uma combinação perfeita para
meu pau latejar de desejo e meu coração sacudir em adoração.
— Estou ótima. — piscou para mim, deixando transparecer a
felicidade por eu tê-la convidado para jantar. — Vamos?
— Não é um lugar requintado. — avisei.
— E eu lá sou garota de lugares requintados? — abraçou meu braço e
saímos do quarto. — Desde que a comida seja muito boa, afinal, estou com o
estômago nas costas, de fome.
— Você só me deixa mais bobo, Raposinha esfomeada.

O bar do Dylan, para onde estávamos indo, ficava nas mediações do


parque. Era o único ponto para diversão noturna do pessoal do vilarejo aos
arredores da casa da avó de Penélope. Eu morava um pouco mais afastado,
praticamente isolado, porque era necessário para me manter em segurança.
Não era apenas um bar. Tinha desde karaokê à sinuca, além de
servirem um delicioso pernil de javali na brasa.
Penélope olhou curiosa para fora da janela quando encostei o carro
em uma das vagas disponíveis em frente ao Angry Monkey (Macaco Bravo).
A fachada era toda de madeira com uma grande varanda na frente,
cheia de mesas para quem quisesse ficar longe do barulho interior e apreciar a
noite. Era tudo iluminado com varais de lâmpadas e pela fogueira um pouco
mais afastada que sempre faziam para quem quisesse se juntar a uma roda de
conversa.
— Eu adorei, Seth. — ela apertou minha mão, seguindo comigo para
a entrada.
— Que bom que gostou. A comida é ainda melhor.
— Olha quem chegou! O Simba! — Dylan, o dono do bar, festejou
quando me viu aparecer na entrada, chamando a atenção das outras pessoas.
— No costumeiro dez de maio. — curvou o pescoço de lado e suas
sobrancelhas se juntaram ao descobrir ao meu lado uma bela ruiva sorridente.
Eu nunca ia acompanhado lá, porque nunca tive uma garota que não fosse
outra além de Margareth. Eles sempre souberam que eu era um lobo solitário.
— Vejo que hoje está em missão de paz, soldado. Nada de cair nas
mesas, bêbado.
— Não sei do que está falando, Dylan. Prepare uma mesa perfeita
para minha garota. Hoje quero tratamento de princesa para ela.
— Com todo prazer. — ele deu a volta em torno balcão, trazendo sua
barriga grade, forrada com um avental branco. — É um prazer, sou Dylan.
Sinta-se em casa, senhorita…
— Dawson, Penélope Dawson.
— Parabéns, rapaz. — bateu no meu ombro e foi nos conduzindo
pessoalmente para uma mesa bem posicionada. Deu um cardápio para a gente
e perguntou: — Bebida?
— Traga um bom vinho para a gente. Mais tarde, uma cerveja para
mim. Hoje quero apenas mimar minha ruiva.
— Homem esperto. Volto logo.
— Você está bem romântico. — ela cutucou meu braço, tinha um
gracioso ar de ironia.
— Me deixa em paz, quero mostrar a todos o quanto eu sou sortudo
em ter você comigo.
Os olhos dela ganharam um brilho espontâneo e seu sorriso me
deixou vidrado.
— Ah, Seth! — puxou a gola da minha camisa e beijou minha boca.
— Eu que sou sortuda, te adoro. Recebi o beijo e as palavras dela com
satisfação. Me sentia em estado elevado.
— Tenho algo para você. Espero que goste. — arranquei do bolso um
saquinho de pano e, antes de abri-lo, fui interrompido por Dylan.
— Nada de gestos românticos antes do vinho. — ele sempre nos
servia com copos, mas desta vez trouxe taças. Após servir vinho nas duas
taças, anotou nossos pedidos e saiu. Claro, eu pedi a ele para colocar um
country romântico.
— Então vem aqui sempre? — Penélope perguntou.
— Sempre que posso.
— Sozinho? — ela agitou levemente o vinho na taça e depois tomou
um gole, tentando mostrar que não se importava muito com o fato de que
hipoteticamente eu tivesse vindo acompanhado. Na verdade, consegui
perceber as emoções de Penélope. Ciúme por parte dela me deixa feliz.
— Sim. Sempre sozinho.
— Certo. — Escondeu o alivio — É um bom lugar. Consigo ver você
por aqui em noites quentes, ali no balcão, bebendo enquanto olha alguma
coisa naquela televisão.
— Sou tão previsível assim?
— Não é do tipo que vem a um bar socializar. Mas, me diga o que
disse que tinha aí para mim? — ela indicou o saquinho com um movimento
de queixo.
— Talvez um dia consiga lhe dar algo melhor, mais caro e que terá
orgulho de mostrar para todos. — despejei o saquinho na mão e o acessório
caiu. Era um anel de madeira. — Eu mesmo o esculpi, fiz o polimento e o
verniz. — me satisfiz com a expressão de surpresa dela, puxei sua mão e
empurrei o anel no dedo. — É tudo que posso te dar, Raposinha, quero que
sempre olhe para ele e lembre-se do quanto fez meus dias felizes.
Ela estava corada, e de seu olho desceu uma lágrima enquanto
analisava o anel. Em um impulso, levantou-se de seu lugar e se jogou nos
meus braços, me apertando forte.
— Obrigada! — segurou meu rosto com as duas mãos. — É mais
lindo e importante do que um anel de diamante.
Beijei seus lábios, ajudei a limpar as lágrimas e, quando ela voltou
para seu lugar, tinha no rosto uma adoração diante do anel, como se fosse
mesmo um anel de diamante.
A comida chegou e, antes de comermos, fiquei de pé, pedindo a
atenção de todos e fiz um brinde.
— Essa mulher, minha mulher, é a mais inteligente. Hoje ela venceu
uma competição na Dazzler, a empresa grã-fina de celulares, e foi
oficialmente contratada para trabalhar lá. Eu tenho um puta orgulho de minha
ruiva. Um brinde a ela.
Ela ficou surpresa e riu encantada em ter todos aqueles marmanjos a
aplaudindo. Até os caras da sinuca pararam para ovacionar.
Não tinha nada a ver com minhas vontades, mas com os sentimentos
dela. Eu não estava nem um pouco feliz em tê-la naquela merda de empresa,
mas era o momento dela, eu sabia respeitar.
Foi a noite da minha rendição. Eu tinha muitos sentimentos confusos
e não queria ainda afirmar nada a ela, mas tinha que deixar claro, em gestos o
quanto Penélope era importante para mim. Enquanto ela narrava, feliz, sobre
a competição, eu pensava que essa coisa de declaração era uma porra bem
perigosa, delicada, para ser mais exato.
Quando as lembranças voltaram, eu me lembrei do quanto amava uma
mulher e me decepcionei ao descobrir que ela não esperou por mim. E eu fui
obrigado a seguir sozinho. Vendo Penélope em minha frente, tão linda com
seus cabelos vermelhos e os lábios rosados naturalmente, eu sabia que nesse
momento aquela mulher do meu passado estava me fazendo lembrar do velho
“eu”. Mesmo sem querer.
Terminamos a noite da forma mais gostosa. Começamos a nos despir
na sala da cabana. Com a calça e cueca arriadas abaixo da bunda, eu a peguei
no colo e apenas subi seu vestido, penetrando-a vorazmente.
Quando sentei na poltrona de madeira, e ela me cavalgou, eu descartei
minha camisa e seu vestido, doente de tesão.
Penélope afundou as mãos nos meus cabelos, puxando, colocando em
seus dedos toda sua paixão. A boca desceu pelo meu queixo, chupou meu
pescoço e mordeu de leve meu peito. Eu estava quase subindo pelas paredes.
Eu enlouquecia pra caralho com sua boca e dedos. Porque sua fome
pela foda era proporcional à minha. Me levantei e fui com ela para o quarto e,
na cama, rolamos pelados sem que eu parasse de come-la tão fundo, em
socadas rápidas, que me fazia ver estrelas. Parecia um punho apertando, meu
pau; e às vezes eu tinha que desacelerar um pouco para não passar dos limites
com ela.
Eu colocava meu tesão em cada batida de quadril. Fazia ela sentir o
que estava acontecendo comigo, como meu corpo reagia a tudo que dizia
respeito a ela. E quando ela levantava o rosto exibindo o pescoço delicado,
sorrindo de satisfação, eu quase perdia o juízo observando essa cena.
Quando gozamos, eu a aninhei em meus braços, restabelecendo a
respiração. Tinha sido devastador, sem surpresa. Eu nunca perdia a cabeça na
cama como acontecia com ela. Penélope era ativa, sabia onde tocar, onde me
beijar e faz as melhores caras quando eu estava dentro dela. Eu me embebia
de excitação e felicidade com sua presença.
— Seth. — sussurrou quietinha, entre meus braços.
— Diga.
— O que fizeram com você? Tem mesmo um filho?
Bufei impaciente, demonstrando como a pergunta acabara com minha
paz. Não dava mais para esconder, tinha que mostrar a ela aos poucos.
— Sim. Eu tenho um filho.
Ela levantou a cabeça e me olhou chocada. Conseguia ver seu rosto
pela luz da lua que entrava pela janela aberta.
— E então? Onde está?
— Olha, Raposinha, não estou tentando esconder nada de você, mas,
a verdade, é que eu mesmo não sei. Perdi minha memória e as coisas estão
voltando aos poucos. Sofri um ataque anos atrás, ainda não lembro porque
me pegaram. E eles levaram meu filho também.
— Ah, meu Deus!
— Quebraram cada um dos meus dedos — levantei minha mão
fazendo assim que nossos olhares fossem para ela. Minha voz se tornou
embargada — um de cada vez, com uma marreta… — engoli a raiva com
saliva e abanei minha cabeça. — Desculpa, esse assunto…
— Eu sei. — voltou a deitar e me abraçar. — Desculpa por te fazer
lembrar. Não precisa dizer mais nada, vamos dormir. Você pode me contar no
seu tempo.
— Obrigado. Você é incrível. — a apertei confortavelmente contra
meu peito, tendo minha ansiedade aplacada. Deixei esses pensamentos para
trás e sucumbi ao sono.
O pesadelo foi certeiro. Havia homens encapuzados cercando a
cabana. Eles conseguiram pegar Penélope e a colocaram de joelhos em minha
frente, e então eu acordei. Estava tudo escuro, ainda era madrugada. Agarrada
a mim, Penélope dormia tranquila. Estiquei o braço, peguei o celular dela e vi
que faltava pouco para as três.
Estava prestes a encontrar uma posição boa para voltar a dormir,
quando um ruído me fez abrir os olhos. Prendi a respiração e apurei a
audição. Conhecia cada um dos sons dessa mata, e podia jurar que passos
humanos, eu conseguia escutar a metros de distância.
Balancei Penélope até ela abrir os olhos e então coloquei minha mão
em sua boca. Sem entender, ela agitou-se assustada, e eu fiz sinal de silêncio.
Assim que ela assentiu, pulei da cama, vesti uma calça e abri o armário.
Eu tinha armas grandes que não eram apropriadas para esse momento.
Precisava da Glock que Margareth trouxera para mim. Depois de carregá-la,
peguei o telefone e o pequeno embrulho contendo meu antigo relógio e a
aliança de ouro, ambos contendo minhas iniciais. Não podia deixar pistas para
trás pistas que me identificassem.
Um pouco trêmulo e praguejando, calcei minha bota e fiz sinal para
que Penélope se vestisse. Ela estava apavorada, ainda sentada na cama, com
as mãos na boca.
Eu queria estar enganado, desejei que fosse tudo paranoia de minha
mente, mas quando espiei pela janela, eu os vi.
Contei cinco homens. Um deles, provavelmente o chefe, fez sinal
para um deles entrar na cabana pela porta da frente e outros dois pela janela
aberta.
Merda!
Peguei a bolsa dela e o celular, voei de volta para a cama, ela
terminava de vestir uma camiseta.
— Temos que sair. — sussurrei e empurrei a bolsa para ela segurar.
Puxei seu braço em desespero, praticamente arrastando-a comigo. Saímos do
quarto e quando despontamos na sala, demos de cara com um deles.
O pânico seria meu pior inimigo. Eu tinha que engolir qualquer
emoção ou sentimento humano e me portar como um animal: por instinto.
— Pra cozinha, Penélope. — falei em baixo tom, para não chamar
atenção dos outros e o golpeie assim que apontou a arma para mim. O homem
era grande e se levantou, um pouco tonto, para levar outro soco e mais outro
golpe até cair contra a poltrona e lá ficar.
Eu estava prestes a correr para cozinha, mas me detive. Era minha
chance de ter certeza. Abaixei sobre ele, puxei a manga da camisa e ao
descobrir o pulso, vi ali a tatuagem que sempre esteve em minha mente.
Eram os mesmos homens que tinham me pegado anos atrás. Eles me
encontraram.
Filhos da puta!
Corri para a cozinha no momento em que os outros já entravam pela
janela do quarto e pela porta da frente.
Escutei: “Vão, vão!”
Eu tinha um plano traçado, o momento que mais temia havia chegado
e não havia porque fraquejar por algo que passei anos ensaiando
milimetricamente. A única coisa que nunca pensei foi que teria alguém
comigo, sob minha proteção.
Saí pelos fundos com Penélope, coloquei uma trava na porta da
cozinha para atrasá-los. Puxando-a pela mão, corremos até minha oficina de
cerâmica e marcenaria.
— Seth! Estou com medo. — ela tremia o corpo. Não deixei que suas
emoções me atingissem. Porque eu sabia que, latente dentro de mim, havia
um medo terrível de que se algo acontecesse com ela, eu não ia poder fazer
nada. Eu tinha que ficar longe desse medo, para poder agir o mais frio
possível.
— Shhh. Vai ficar tudo bem. Você precisa manter a calma, ok?
— Sim.
— Vamos sair com meu veículo de emergência. — entreguei a ela o
único capacete que tinha. — Você deve apenas se abaixar. Segure muito forte
em mim.
— Sim. — ela concordou e me deixou colocar o capacete em sua
cabeça.
Foi questão de segundos. Peguei a moto atrás da oficina, Penélope
subiu, e eu acelerei levantando poeira e indo com toda velocidade dar a volta
na cabana, pegar a trilha e sair na estrada.
Assim que eles viram a moto, eu fui mais rápido: puxei a Glock da
cintura e disparei várias vezes para dar cobertura à nossa fuga. Era muito
difícil, eu tinha que controlar a moto com minha mão direita que não tinha
boa mobilidade e atirar com a esquerda porque meu dedo indicador direito
não dobrava para acionar o gatilho.
A moto pulou na pequena rampa de terra, ouvi os tiros e tive medo
que acertassem Penélope, mas já não estávamos mais ao alcance deles.
Não havia veículos por perto, eles deviam ter parado longe para que
eu não ouvisse o barulho. Então isso deu uma boa margem positiva para a
gente. Estávamos em total velocidade, não era momento para temer, era
apenas agir com os mais crus instintos. Penélope me agarrava com força e
isso me deixava feliz. Ela estava bem.
Sozinhos de moto pela noite na mata, eu sabia exatamente para onde
ir. Eu e Margareth prevemos esse momento que esses caras me encontrariam.
— Onde estamos? — perguntou quando parei a moto um pouco
distante de uma casa grande, em um sítio próximo.
— É a casa de Margareth, venha.
— O quê? Eu não vou para lá.
— Penélope, ela não mora aqui. É uma casa de veraneio.
Pensou um pouco, olhou para os lados e assentiu. Apertou minha mão
e correu comigo para a casa. No batente da porta, peguei a chave e entrei com
ela.
Da janela, olhei lá para fora. Estava tudo tranquilo. Eles não sabiam
de minha ligação com Margareth, não viriam para cá. Esse era um lugar
perfeito para nos escondermos.
Acendi a luz e observei Penny tirar o capacete. Ainda estava trêmula
e com lágrimas nos olhos.
— Está tudo bem. Fique calma. Estamos bem.
— Obrigada. — Penélope murmurou com o rosto sobre meu peito. —
Você me salvou de novo. — Quando levantou seus olhos para mim, meu
coração se cortou com o medo e a culpa flagelando-a. — Será que fui eu que
os trouxe…?
— Não. Não pense isso.
— E se eles me seguiram… E se eu dei pistas?
Eu sabia que não. Eram os mesmos caras que tinham me sequestrado
e torturado anos atrás. Mas não era hora de dizer isso a ela, não entenderia.
— Não foi. Não vai pensar mais isso, certo? — ela concordou com
seus olhinhos chorosos e voltou a encostar o rosto no meu peito.
Levei Penélope para o quarto, a coloquei na cama e disse que iria
ligar para Lindsay e Margareth. Nossa preocupação era com os pais de Penny,
então a polícia teria que ir até lá. Na sala, linguei para a policial avisando e,
em seguida, para Margareth.
Ela disse apenas: “Estou indo.”
Margareth chegou quando já estava quase amanhecendo. Penélope se
rendeu ao sono, abraçada na cama comigo, mas eu fiquei de olhos abertos, em
alerta.
Quando ouvi o barulho da porta abrindo, sai do quarto e vi Margareth
chegar. Ela estava desorientada, aflita, com medo. Pulou em meus braços e eu
deixei que ela recuperasse o fôlego. Quando se afastou, deu um beijo na
minha boca antes que eu pudesse impedi-la.
— Meu Deus! Seth! Que susto você me deu.
Me sentei em um sofá e contei a ela tudo que acontecera.
— Eles te encontraram. — seu comentário só fez redobrar meu medo.
Era como se eu tivesse esperanças de que não fossem os mesmos homens —
Precisamos bolar outros planos.
— Sim. — concordei ainda sentado olhando o chão. Ela andava pela
sala me incomodando com sua ansiedade.
— Onde ela está?
Sabia que se referia à Penélope.
— Acabou de dormir. Estava com muito medo, mas eu a tranquilizei.
Fez sinal para eu segui-la e saímos de dentro da casa indo para a
varanda.
— Tem que deixá-la. — foi dura e taxativa.
— O quê? Você está louca!
— Seth, caralho! — agarrou meu braço — Você quer ver essa menina
morta?
— Não. — falando alto, me virei para sair,
— Torturada e morta?
— Não. Para de falar besteira.
— Então, termine tudo com ela. Pelo bem dela. — a encarei por
segundos. Havia firmeza em sua expressão e isso me assustou. Ela falava
sério.
— Me larga. Esquece. Ouviu? — caminhei para a porta.
— O que faria se fosse ela lá amarrada na cadeira, tendo todos os
dedos quebrados? — parei de andar e fiquei estático. Margareth conseguiu me
dar uma visão terrível que eu jamais gostaria de ter na mente. Penélope
amarrada, indefesa, sendo ferida para que eles conseguissem o que queriam
de mim.
— Sim. — ela continuou. — Imagine ela sozinha, estuprada, ferida.
— Para! — berrei e segurei seu queixo — Não fale essas merdas.
— É isso que vai acontecer, porra! São os mesmos caras, eles sabem
de vocês, sabem que estão juntos. Ela não é como você, ela não é habilidosa e
vai dar um vacilo a qualquer momento. Então eles a pegarão para te atrair até
eles. Fazer o mesmo que fizeram com seu filho.
— Não… — soltei-a e me afastei com as mãos nos cabelos. As
imagens terríveis que sempre me assombraram voltaram com força total,
como agulhas no meu cérebro. — Não, não…!
— Seth. Ela vai te perdoar depois…
— Não… — girava como um louco, com as mãos nos cabelos e
Margareth continuava com sua ideia absurda.
— Ela vai entender. Mas agora não é o momento de brincar de
casinha. Precisa acabar tudo, ser convincente para ela não voltar, até que tudo
se resolva e você se explique.
— Porra! — estourei quase sem voz — Como quer que eu a deixe
sozinha? Em perigo? Ela é tão frágil e depositou em mim sua confiança.
— A policial machona pode protegê-la, o Ezequiel pode protegê-la.
Está na hora de você se encontrar com Ezequiel. Você ficará aqui até
descobrirmos quem são esses caras.
— Ah, cacete! — eu estava mesmo convencido a aceitar. Meu
coração batia acelerado como se gritasse para eu não virar as costas para
minha Raposinha. — Ela é minha garota, como posso deixá-la?
— Está muito perto, Seth. — Margareth segurou em meu braço —
Muito perto de desvendarmos tudo. Não brinque com a sorte. Você atraiu
perigo para essa garota, você deixou que eles a vissem. É a sua obrigação se
afastar para protegê-la.
Voltei para dentro da casa.
— Seth.
— Apenas me deixe pensar.
— Tem até amanhã. Não podemos perder mais tempo, precisamos de
novos planos. Assenti e fui para o quarto. Deitei de volta na cama e abracei
Penélope fazendo-a acordar. Assim que me viu, sorriu de leve, sonolenta, e
ronronou: “Oi Grandão…” e fechou os olhos novamente.
Ela se sentia protegida comigo. E eu me sentia um bosta.
VINTE E OITO

— É estranho ficar aqui presa na casa da Margareth. — de pé, diante


da janela, eu olhava para o vasto jardim em frente da casa. Virei-me para
Seth. Emburrado, ele esculpia um pedaço de madeira. — O que ela disse
sobre estarmos aqui?
— Nada.
— Nada? Como nada? — caminhei até o sofá e me sentei ao seu lado.
Ele adquiriu uma forma estranha de segurar as coisas por causa de seus dedos
que não dobravam direito, principalmente o indicador. Olhei para o pedaço de
madeira que ele esculpia com o canivete.
— Seth, está tudo bem? — acariciei seu braço. Sabia que ele estava
muito nervoso por nossa noite horrível. Ele puxou o braço e se levantou.
— Vou até a cabana ver se eles não destruíram tudo. E pegar o pen
drive que está enterrado.
Fiquei de pé também.
— Ai, meu Deus. Será que não é perigoso?
— Eu sei cuidar de mim, Penélope. — seu tom era meio bruto, como
quando nos conhecemos. Respirei fundo e deixei ele ser o macho troglodita.
Decidi não me envolver.
Voltei para o quarto e olhei a minha bolsa que ele conseguiu pegar no
último instante. Por sorte, eu tinha ali meus documentos, não queria aqueles
bandidos indo atrás de minha família. Isso, se já não soubessem tudo sobre
mim.
Não conseguia tirar da cabeça que aqueles caras foram os mesmos
que mataram Natasha e tentaram me sequestrar. Mas como conseguiram
chegar até a cabana? Mesmo que possivelmente tivessem visto as filmagens
do dia do quase sequestro, eles não poderiam saber quem era aquele cabeludo
me salvando.
Apenas Lindsay, eu e Margareth sabíamos a localização da cabana. E,
claro, o pessoal dos arredores que são amigos de Seth.
Ouvi a porta bater com um estrondo e me senti mais ainda
aprisionada. Esse não era meu namorado romântico da noite passada. Desde
que acordei, Seth mal olhava nos meus olhos.
Doía pensar que talvez ele estivesse me culpando por terem
encontrado seu esconderijo. Ele não falaria nunca, apenas agiria rudemente
demostrando em ações o quanto estava revoltado. Deitei na cama olhando o
teto e recordando de todo o terror pelo qual passamos. Podia sentir as balas
passarem raspando no capacete. Pensei no que seria da gente se eles
conseguissem nos capturar.
Uma carência urgente me tomou. Queria estar com meus pais, queria
poder abraçar alguém, poder conversar e dividir meus pavores. Por ser caçula,
sempre fui mimada, porém sem ser fútil. Eu sempre tinha alguém a quem
recorrer.
Limpei as lágrimas, lembrando de Tati se recuperando no hospital e
de Carly que também não estava em um bom momento.
A solidão me abraçou no quarto silencioso e eu recorri às lembranças
para não surtar.
Seth voltou mais tarde com almoço para a gente e com o pen drive.
— Toma, guarda. — me entregou o objeto. Ele sempre foi o guardião
dessa coisa, mas agora, delegou a função a mim.
Almoçamos calados porque eu decidi dar espaço a ele. Até que
aliviasse o peso da revolta. Entendia que seu mundo desabou, sua rotina, seu
trabalho. Era natural que ele se portasse dessa forma.
Mas não mudou.
Três dias se passaram e nós dois nos tornamos apenas companheiros
de casa. O tom sedutor dele me fazia falta. Suas piadinhas petulantes me
deixaram órfã, e seus sorrisos que, enfim, ele tinha aprendido a liberá-los,
simplesmente desapareceram. Nunca tinha visto meu Simba tão preocupado e
revoltado ao mesmo tempo. E me cortava o coração não poder ajudá-lo.
Eu podia assisti-lo pensar, e seu maxilar endurecia mostrando que
seus próprios pensamentos o deixavam mal.
Ele estava me evitando, abraçávamos para dormir e só. Sem sexo.
Tinha seus segredos indo telefonar lá na frente, no jardim. Em silêncio, eu
fazia várias e várias preces para que nosso paraíso não acabasse por causa de
um ataque.
Pela tarde, ele veio até mim e engoliu seco ao dizer:
— Arrumei um lugar.
Pulei do sofá vendo uma luz no fim do túnel. Enfim, sairíamos da
casa de Margareth e, um novo lugar, era sinônimo de vida nova.
— É na cidade? — radiante, exclamei.
— Sim. Arrume suas coisas.
E eu arrumei com toda velocidade. Queria deixar esse lugar que não
estava fazendo bem para nenhum de nós dois. Queria mostrar a ele que
continuávamos de pé, mesmo diante das tragédias, e iríamos ficar bem,
mesmo ele estando longe de sua preciosa cabana.
Saímos da casa antes do anoitecer. Meu coração pulsava de felicidade
e eu arrisquei um toque na coxa dele, ao meu lado no carro.
Seth olhou para minha mão e para meu rosto em seguida. Vi lampejos
de seu desejo, de sua paixão por mim. Mais tarde, eu tiraria todos os
problemas da mente dele, deixaria ele relaxado na cama.
Chegamos à cidade e Seth parou em um condomínio. Ali tinha muita
segurança: muros altos, guarita na frente. Meu Deus! Eu estava na cidade com
meu homem em um lugar que não nos pegariam.
Ao seu lado, caminhei saltitante até a casa. Fachada simples, com um
pequeno jardim na frente, uma vaga para carro e porta branca. Eu via nela o
meu lar, até que tudo se resolvesse.
— É alugada. — ele disse e abriu a porta. — Entre.
Eu entrei. Não era um palácio, mas era tão bonitinha, minimalista do
jeito que ele amava. Seth abria as janelas, e eu estudava o ambiente. Já estava
arrumada, toda decorada com móveis e tudo mais. Virei-me para ele e pulei
em seus braços.
— Seth! Que lindo! — segurei seu rosto em minhas mãos e ele
pareceu querer chorar. Capitei dor em seus olhos. — Estou tão feliz de
estarmos bem. Tenho certeza que logo vão pegar esses cretinos e nós
poderemos voltar à nossa vida.
— Sim. — ele me afastou dos seus braços e deu um passo para trás.
Jogou os cabelos para trás e evitou me olhar. O vento que veio da janela batia
em seus cabelos grandes, deixando-o com a aparência de um ser místico.
— Seth…! — fui até ele. — Sei que não é sua cabana, mas… vamos
ficar bem. O importante é que estamos…
— Não. Penélope. Eu… sinto muito. — mordeu o lábio inferior.
Fiquei intrigada, bem confusa, encarando-o tentando decifrá-lo. Além
da dor, pude notar raiva. A raiva o dominava.
— Sente muito…?
— Não dá mais. — disse para mim e senti um baque tão grande que
me sentei no sofá.
— Não dá mais o quê…? Seth…
— Eu e você. Acabou. — continuava sem me olhar, o lado de fora da
janela parecia mais interessante.
Eu perdi o ar por alguns segundos, meus pés gelaram e a sala rodou
diante dos meus olhos. Me controlei e, em busca de algum sinal de piada,
busquei seus olhos verdes.
— Seth… Olhe para mim. — ele me fitou. — O que houve? Acha
que foi por minha causa que eles encontraram…
— Não. Não foi por sua causa. Não pense nisso.
— Então o que está acontecendo? — berrei, enfim.
— Infelizmente não é o que eu quero. Estar com você.
— O quê?
— Eu me enganei. — Sua voz era baixa, mas tinha o poder de um
tornado dentro de mim — Eu me deixei levar pela novidade e não posso mais
levar isso adiante. Você vai ficar nessa casa…
Pulei do sofá, me colocando de pé, de frente para ele. Segurei com
força sua camisa.
— Eu não vou ficar em porcaria de casa. O que está falando pra mim?
Olha para mim e me diga! O que está fazendo, Seth?
— Eu cansei apenas e estou indo embora.
— Como é que é? — sem pensar, parti para o ataque, acertando socos
em seu peito. — Não foi mentira, eu podia sentir o que havia entre a gente,
cara… — agarrei seu rosto — Eu posso ir com você Seth, eu deixo a Dazzler
para ficar com você! Eu te prometo que faço isso, só não me deixe, nesse
momento.
Seu semblante pesou, e o brilho doloroso em seu olhar se inflamou.
— Penélope. — segurou meus braços. — Será melhor para nós dois.
Você precisa ficar protegida aqui, nessa casa, nesse condômino.
— Não! Não! Está fazendo isso para me proteger? Eu não quero.
Seth… por favor…
— Não é para te proteger, garota.
Ouvi a voz e me virei violentamente. Era Margareth que acabara de
sair de um cômodo. Seth ficou calado, olhando para a parede, e eu dei um
passo em direção a ela.
— O que está fazendo aqui?
— Estou grávida. Eu e Seth decidimos assumir a criança e ir embora
da Califórnia. Você precisa procurar sua turma.
Eu desmoronei. Minhas pernas ficaram bambas e precisei me segurar.
Ele estava indo embora, construir sua família longe daqui. A fantasia idiota
que eu criei em minha mente, vendo esse cabeludo brincando com nossos
filhos. Agora seria a vida real de outra mulher. O ar faltou e eu busquei a
porta diante de mim. Sai correndo ouvindo-o me perseguir.
Seth me alcançou, me virando com brutalidade.
— Não pode sair daqui. — berrou — Não é seguro para você.
— Eu não vou ficar na porra dessa casa! Eu tenho pai e mãe. Se for
para morrer, morrerei com quem me quer bem. Seu filho da puta. — puxei
meu braço e ele pediu:
— Me perdoe, Raposinha.
Corri o máximo que minhas pernas colaboraram, mesmo sabendo que
ele não estava vindo atrás. Ficou parado no mesmo lugar me vendo correr.
A dor de perder ele era tão grande que eu não conseguia enxergar
nada em minha frente. Tive medo de ter um apagão.
Enganada e usada, era como eu me sentia. Deixada sozinha no
momento que mais precisava de um apoio. Deixei tudo que era importante na
minha vida, negligenciei minha irmã que precisava de mim e minha amiga no
hospital, e escolhi ficar com ele e nada disso tinha sido verdadeiro.
Burra!
Trouxa!
VINTE E NOVE

Faltou pouco para eu alcançar Penélope e mandar Margareth e seu


plano se foder. Eu estava destruído, da mesma forma que fiquei quando
recordei da minha tortura e das pessoas do meu passado.
Agora eu estava pior, sem minha cabana e sem minha garota. Como
em um mar à deriva. Ela trouxe de volta minha alegria e vontade de lutar, e eu
preferia ter recebido uma surra, a fazê-la sofrer. Mas eu a fiz chorar.
Voltei para a casa e impus a Margareth:
— Uma semana. Você me pediu uma semana. Não importa o que
faça, irei atrás dela quando terminar esse prazo.
— Claro. — ela sorriu um tanto nervosa — Tudo estará resolvido em
uma semana.
Franzi meu cenho e dei um passo em sua direção. Apenas uma
expressão minha tinha o poder de pressioná-la. Margareth estava aflita.
— O que vai acontecer de tão importante nesse período de uma
semana? Já tem alguma pista de quem são os caras?
— Deixe comigo, querido. — tentou me tocar, mas eu não permiti. —
Confie em mim, Seth. Eu te mantive seguro todo esse tempo, deve cofiar
somente em mim.
Ainda desconfiado, mantive meu olhar por segundos, analisando-a,
até me dar por vencido.
— Vou ligar para o Ezequiel e marcar um encontro. Chegou o
momento de ele me ver.
— Seth! Tem certeza? Vamos esperar essa semana que eu pedi… Por
favor. Ele ainda não pode ver você.
— Você não está mais em posição de pedir, Margareth. — me virei
para sair da casa e sumir dali o mais rápido possível. Queria me plantar em
frente à casa de Penélope para protegê-la, mas não era o que faria.
— Seth. — me virei de novo com o novo chamado. — Nem vai me
perguntar se a gravidez é verdade?
— Sei que não é. Nunca transamos sem proteção. Não tente armar
para cima de mim, Margareth, somos parceiros apenas.
— Ok. Não estou mesmo. Foi só para convencer a fedelha.
Dei as costas para ela, odiando ouvi-la chamar Penélope assim, e sai
rumo à minha caminhonete.
TRINTA

Cada coração partido torna mais difícil de manter a fé


Million Reasons – Lady Gaga

Dei alguns passos indecisos e espiei atrás de uma árvore. Lá estava a


cabana. Tão bem-feita, de pura madeira de lei, repousando solitária no meio
das árvores altas. Senti cheiro de café e uma música suave convidativa vindo
lá de dentro. Saí do meu esconderijo e andei devagar até a porta.
Assim que a empurrei, observei que não havia móveis na pequena
sala, mas Seth estava de pé, no meio da sala, parado como se esperasse uma
visita. Me esperando. Com seu jeans surrado, botas pesadas pretas, camiseta
branca e suspensório. O vento parecia entrar por todos os cantos da cabana,
movimentando seu cabelão, deixando-o com um jeito majestoso.
Ele era tão majestoso…
Estendeu a mão para mim e deu um de seus raros sorrisos. E então eu
acordei me sentando na cama.
Tirei os cabelos do rosto, odiando voltar para a realidade. A tênue
claridade na janela me dizia que o dia amanhecia. Saí da cama porque me
sentia enjoada, não conseguiria voltar a dormir.
Estava na casa da minha irmã. Mais tarde teria que ir ver meus pais e
dizer que estava tudo bem comigo. Carly sabia do que aconteceu e me deu
apoio. Ela, mais que ninguém, sabia como era ter o coração despedaçado por
quem a gente amava.
Após sair do banheiro, arrastando os chinelos, fui à cozinha. Enchi a
chaleira e me sentei para esperar a água ferver. Gostaria de ter continuado
dormindo, as lembranças, enquanto eu estava acordada, me causavam pavor.
No mesmo instante que eu desejava ter o Seth comigo, me abraçando
durante a noite, eu voltava atrás e me repreendia. Ele me deixou, escolheu
ficar com outra mulher, não merecia qualquer tipo de emoção da minha parte.
— Não dormiu? — levantei os olhos e encontrei Carly parada à porta.
— Estou meio enjoada… Resolvi fazer o café.
— Ai, minha irmã. — veio até mim e me segurou em seus braços. —
As ruivas de coração partido. Devíamos criar uma dupla de country
romântico.
Eu ri, de olhos fechados, recebendo o cafuné dela.
— Vamos competir com a Shania Twain.
— Ou a nova versão da Lady Gaga.
Ainda me abraçando, ela começou a sussurrar Million Reasons, a
música country romântica da Lady Gaga.

“Você está me dando um milhão de razões para eu te deixar


Está me dando um milhão de razões para desistir do show
Você está me dando um milhão de razões…”

Carly se afastou de mim e puxou a minha mão forçando-me a me


levantar. Rindo com ela, fiquei de pé. Ela vestindo um robe velho descolorido
por cima da camisola, e eu de conjunto moletom.
— Cante, Penny! — incentivou — Vamos, coloque para fora.
— Ah! Ok. — juntas, continuamos a música, abraçadas na pequena
cozinha de sua casa.

“Eu me ajoelho para orar


Eu tento fazer o pior se tornar um pouco melhor
Senhor, me mostre o caminho…”

Eu tinha lágrimas nos olhos, mas ria de uma forma nervosa e não de
felicidade. Continuando cantando em sincronia um tanto desafinada, Carly
puxou minha mão me girando na cozinha e me amparou nos seus braços.
“Eu tenho cem milhões de razões para ir embora
Mas querido, eu só preciso de uma boa razão para ficar…”

Parei de cantar e afundei meu rosto no ombro dela, soluçando. Deixei


o pranto me tomar. Eu ainda não tinha chorado copiosamente desde que me
separara de Seth, acho que a raiva impedia. Carly sabia que chorar era o
melhor remédio para eu desabafar; ela me acalentou pacientemente.
— Por que ele fez isso comigo, Carly? Eu o amo. — solucei.
— Shhh. Ele não te merece, pequena. Você vai entender isso mais
tarde. Vamos seguir em frente, sem esses babacas.

* * *

Eu precisava mesmo ter chorado e colocado para fora minhas mágoas.


Era hora de seguir em frente, de desintoxicar Seth da minha alma. Eu não
estava mais ligando para nada, me arrumei e fui para a Dazzler. Tinha
chegado o momento de eu dar a atenção merecida à coisa mais importante
para meu futuro.
Eu nunca devia ter negligenciado meu sonho por causa de um
homem. Um pé na bunda foi o pagamento que ganhei por ter sido tão trouxa.
De um jeito estranho, eu estava feliz em ver Zack novamente, e
quando ele me viu sair do elevador até esboçou um rápido sorriso. Veio até
mim.
— Dawson.
— Oi, Senhor Bradford. — a sensação era de estar voltando à estaca
zero.
— Estou muito contente que esteja aqui. — com as mãos nos bolsos,
olhou para os lados — Até cheguei a pensar que você…
— Ia desistir? Não. Abri meus olhos a tempo. — A separação tinha
me feito enxergar que eu deveria dar mais valor aos meus sonhos.
— É? — ele caminhou ao meu lado, interessado no que eu disse —
Houve algo de diferente?
— Decidi dar mais importância a mim e aos meus sonhos.
— Chegou a uma ótima decisão, Dawson. — ele sorriu abertamente,
como se tivesse entendido que eu estava disponível no mercado novamente.
— Bom, seja bem-vinda de volta, mãos à obra. É a nova contratada da
Dazzler.
— Que felicidade! — dei um pulinho. Só por fora, por dentro eu
estava toda moída, sem um pingo de felicidade.
Acenei para ele e caminhei para a ala do marketing. Olhei para trás e
vi que Zack ainda estava parado lá com as mãos nos bolsos me olhando.

Trabalhar com o que gosto sempre me salvou dos problemas e


tristezas. Eu conseguia afundar vertiginosamente no trabalho e me tornar
plena com isso. Foi a melhor escolha ter voltado para a Dazzler, lá eu tinha
tudo que precisava para me curar de um coração partido.
Almocei na cantina da empresa com o pessoal, liguei para meu pai e
para Carly e, às quatro da tarde, peguei todo o processo da nossa campanha e
fui ao andar da presidência apresentá-lo a Zack. Da última vez que ele
solicitou, não consegui chegar até a empresa, e terminou com Tatiana baleada.
A porta estava aberta e a secretária não estava. Olhei no relógio e,
pelo horário, concluí que devia estar lanchando ou ter sido dispensada para
sair mais cedo. Espiei para dentro e vi apenas Joanna.
Estava de costas para a porta falando ao celular. Pude ouvir apenas:
“Não me ameace! Quem você pensa que é para falar assim comigo?”
Ela se virou e eu corri tentando não fazer barulho. Estava quase na
porta de vidro quando ouvi:
— Penélope?
Ai, bosta!
Me virei sorrindo, sem graça, para Joanna.
— Oi, senhora Bradford. Vim apenas apresentar a prévia da
campanha para seu marido.
— Ah, sim. Zack não está. Teve que resolver uns problemas urgentes.
— Ok. Tudo bem, volto em outra hora.
Ela caminhou, em cima de seus saltos altíssimos, até mim. Balançava
o corpo sensualmente como se desfilasse. Seus cabelos loiros platinados
pareciam uma cortina de seda. Uma maquiagem perfeita deixava a pele do
rosto com uma perfeita aparência macia.
— Nossa família ficou sabendo de você. — comentou. O dedo
batendo de leve na tela do celular enquanto o olhar, quase frio, eu diria,
pairava sobre meu rosto.
— Ficou, é? — demostrei incredulidade obrigando a explicar:
— Você é a campeã de nosso torneio de estagiários. E nem participou
da festa da vitória para receber a medalha de Adriel, pai de Zack.
— Ah, sim. Deve saber sobre as circunstâncias que me impediram de
participar.
— Achamos até que apareceria na missa em homenagem à morte do
Blake. Pedi a Zack para te convidar…
— Pois é. — dei de ombros, bastante desconfortável — Não deu.
— Mas, quer saber? — Joanna deu um impulso divertido. — Vou
marcar um encontro na mansão dos Bradford para você ir e poder apresentar
seu trabalho. Os pais de Zack irão adorar…
— Não, Joanna. Eu prefiro ficar por aqui…
— É uma ordem, garota. — o tom divertido sumiu.
— Ok.
— Essa ideia me surgiu agora. — os lábios vermelhos se expandiram
em um falso sorriso — Amanhã. Às três da tarde. Phoebe vai adorar conhecer
você.
— Claro.
— Então, não ouse dar um bolo nesse encontro. É a família Bradford,
não jogue fora a consideração que eles criaram por você.
— Sim, claro. Obrigada pelo convite.
Acenou exibindo dedos longos, unhas perfeitas e vários anéis
preciosos. Voltou para a sala e bateu a porta.
Só então soprei todo o ar dos meus pulmões. Eu estava perdida. E se
fosse outra emboscada? Meu Deus! O que eu faria?
Nem passei de volta na ala de marketing. Eu estava com as imagens
de Natasha e Tatiana sendo alvejadas, queria sumir desse lugar o mais rápido
possível.
— Oi, Penélope!
— Então você passou? — eram as Barbies da recepção. Nunca tinham
me dado um olá, agora estavam querendo papo. Não queria ser esnobe, mas
pude dar a elas apenas um aceno.
Saí na porta do prédio e tive ódio de não ter ligado para Carly lá de
dentro. Para eu chegar lá e ela já estar me esperando. Xinguei a mim mesma
de vários nomes feios que eu conhecia. Era mais viável pegar um taxi.
Desci a escadaria principal da Dazzler, morta de medo, observando
todos os lugares tentando observar algo suspeito. Bati os olhos em um carro
muito conhecido à minha frente.
Ele não tinha noção de ridículo. Era Seth, bem lá dentro da
caminhonete me espiando. Revirei os olhos, o ignorei e fui para a rua tentar
parar um taxi. Ele desceu do carro e veio atravessando a rua.
Bosta de taxi que não parava quando eu mais precisava.
Voltei a andar na calçada, mas foi inútil, ele me segurou.
— Entre no carro, eu te levo.
— Vai levar é um chute no saco se não me largar agora. Quer que eu
comece a gritar?
— Não fale assim comigo, Rapo…
— Não ouse me chamar dessa droga, ouviu? Seu…
— Ei! Vocês dois. — essa não! Mais alguém chegando. Parecia uma
peça ensaiada com os personagens chegando tudo no mesmo instante. Só
faltava Zack.
Era Ezequiel. Mal olhou para Seth, como se já o conhecesse. Sua
atenção estava toda em mim.
— Vamos, Penélope. Eu te levo. — não queria ir com ele, mas entre
ficar com esse traidor do caralho, eu preferia ir com o Bradford
aparentemente do bem.
Quando entrei no seu carro, eu vi o momento exato que Seth
agradeceu a ele com um sinal, parecia até que tinham um trato, e correu para a
caminhonete, e Ezequiel respondeu ao sinal. Uma grande tramoia de machos.
— Você o conhece? — perguntei.
— Sim. Conversamos hoje mais cedo, e ele reafirmou o que eu e você
conversamos naquele dia. Ele quer te proteger, senhorita Dawson.
— Que se dane o que esse patife quer. Me deixe na minha casa.
— Certo. Eu gostaria de dar uma olhada no pen drive. Posso? — Me
olhou de relance.
Pensei sobre isso. Agora eu tinha que decidir sozinha. Ezequiel
parecia honesto, e se Seth foi atrás dele para que me protegesse, era sinal que
o babaca cabeludo confiava nele. Todavia, tive uma ideia. Uma mão lavava a
outra…
Estava olhando a rua, pela janela. Então me virei para ele. O homem
era um loirão de dar água na boca. Olhei seus braços fortes, mas balancei a
cabeça para voltar à realidade em seguida.
— Eu posso deixar você ver essa merda de pen drive, mas quero algo
em troca.
— Diga.
— Joanna, sua cunhada, me intimou a comparecer amanhã na mansão
Bradford.
— Foi? — demonstrou curiosidade. As sobrancelhas levantadas —
Fazer o quê?
— Ela está inventando moda, e eu estou bem desconfiada. Sabe da
emboscada que sofri, e se não for Zack e sim Joanna?
— Pode ser. É uma hipótese. Só posso ter certeza se eu analisar o que
tem dentro do pen drive.
— Certo. Irei te mostrar. Eu poderia simplesmente não comparecer.
Mas penso que devo fingir que não tenho medo. Quero que você me leve até a
casa de seus pais, para esse encontro. É policial e filho deles, pode me
proteger.
— Você é esperta. Obrigado por confiar em mim.
— Não estou confiando. Estou jogando no escuro, escolhendo a
opção menos pior.
Ele riu e fixou o olhar na direção.

Cheguei na casa de Carly e caí no sofá. Lá da cozinha, ela me espiou


e veio secando as mãos em um guardanapo.
— Não está na loja? — a encarei incrédula.
— Gerente existe para isso. E aí? Como foi seu dia lá? Tenho uma
novidade. — vibrou mal conseguindo aguentar para contar.
— Foi bem. Na verdade, era tudo que eu precisava: Trabalho. —
pensei um pouco e, encarando a tevê desligada, desembuchei: — Encontrei o
Seth quando estava saindo.
— Sério? E aí? — sentou ao meu lado.
— O besta queria me trazer em casa. Vê se pode.
— Babaca. Deu um chute nele?
— Quase. Carly, sabe… a Joanna…? — ela assentiu e eu completei:
— Me convidou, na verdade, me intimou para ir amanhã na casa dela. Estou
morta de medo.
— Fazer o que lá?
— Inventou que eu preciso apresentar a propaganda para os pais de
Zack. Meu Deus! Isso está tão confuso. Arrumei alguém para ir comigo, o
que me deixa mais tranquila.
Carly ficou levemente pálida.
— E aí? O que houve? O que queria me contar.
— Zack me ligou. — mordeu o lábio inferior e desviou o olhar meio
culpado.
— Te ligou? Como assim? — me ajeitei no sofá, ficando de frente
para ela — Para quê?
— Primeiro, quis saber se você estava aqui comigo e, segundo, me
convidou para levar o carro a um mecânico famoso para avaliar quanto de
verdade o carro vale.
— Você aceitou?
— Claro, né, Penélope! Mesmo que eu não vá vender, quero dar uma
volta com aquele CEO gostoso do caralho.
Eu não a julgava. No início eu também aceitaria. Mas, caramba! Zack
era casado. Ele era um safado.
— Ué… Que estranho. — refleti. — Que horas ele vai passar?
— Ligou há pouco confirmando. Disse que às três da tarde.
Abaixei a cabeça na mão. Puta que pariu elevada ao quadrado. Seria
coincidência ou o casal Bradford estaria tramando? Eu estarei com Joanna às
três da tarde, e Carly com o marido dela em outro lugar na mesma hora. Se
fosse um quebra-cabeça, eu ainda não o tinha desvendado. O que eles
estariam tramando?
TRINTA E UM

Por que ele tinha vindo atrás de mim?


Por que aquele desgraçado tentou me ferir mais uma vez, impondo
sua presença, visto que não queria mais nada comigo?
Carly assistia televisão na sala, e eu lamentava no quarto, remoendo o
encontro mais cedo com Seth, em frente à Dazzler. Completamente doente de
amor. Eu demorei a aceitar que esse tipo de dor fosse bem pior que dor física.
Quando você se machuca, tem remédios e cuidados para aplacar o ferimento.
Quando alguém arranca seu coração e pisoteia, não há remédio para acalentar
o sofrimento.
Eu não tinha me dado conta que amava Seth até o dia em que ele me
deixou. Foi a mesma coisa que esbanjar luz e, de repente, cair na escuridão.
Eu chorei, remoí e xinguei e só tinha se passado dois dias. Era muito pouco
tempo para superar. Eu gostaria de poder tirar esse sentimento ruim de dentro
do meu peito, mas não podia. Era meu mais novo parceiro para me torturar
nas horas solitárias.
Sem jantar, me tranquei cedo no quarto. Carly não se importou, ela
não estava muito legal também. Deu uma chance para o escroto do Brian, e
ele a fez de trouxa novamente.
E eu colocava a mão no fogo pelo meu Seth… até ele me deixar.
O seu Seth? Vire o disco, Penny.
Eu o mantive em uma conta muito alta. Era o selvagem gostosão que
respeitava as mulheres, me fazia sentir especial e amada, protetor e
cozinheiro. Por longos dias agradeci em silêncio a cada manhã acordada ao
lado dele. E agora… tudo tinha acabado.
Meus olhos pesaram cheios de lágrimas e sono, e eu sucumbi.
Mais uma vez acordei muito cedo, me flagrando tensa como se não
tivesse dormido. Observei o creme dental na escova por longo tempo. Eu era
a porra de um zumbi.
Arrastando os chinelos, caminhei sem ânimo para a cozinha.
— Oi. — me virei para ver Carly na porta. Voltei a atenção para a
água do café borbulhando. — Dormiu bem? Ontem você nem jantou. —
carinhosamente, me abraçou por trás para, em seguida, recostar na bancada,
ao meu lado.
Não respondi. Porque enquanto olhava a água ferver, minha mente
tinha decidido criar teorias sobre toda essa droga acontecendo comigo.
— Penélope. — Carly chamou minha atenção. A olhei sem esconder
minha infelicidade. — Ok. Eu não vou dizer para você superar, porque eu sei
como é difícil superar. Mas tente não se afundar demais.
— Estou tentando. — voltei a atenção para a água. Na verdade, eu
não estava tentando. Porque pensar em Seth fazia parte de mime, de certa
forma, era agradável reviver tudo que tivemos.
Tomamos o café, dessa vez sem cantar. Não era meu dia, e Carly
percebeu isso.
Me arrumei e fui para a empresa. Era uma maneira eficaz de esquecer
um pouco. Antes de sair, falei categoricamente para Carly:
— Não vá com Zack, caso ele passe aqui. — e ela concordou. Dentro
do taxi, no entanto, eu revirei os olhos morrendo de saber que Carly iria até o
fim do mundo se o Zack passasse lá para pegá-la.
Eu só torcia para que ele esquecesse desse convite descabido. Eu
tinha que conversar com Ezequiel para ele me ajudar a entender o que estava
acontecendo, o que o casal maligno estava planejando.
Cheguei à Dazzler e a primeira coisa que me falaram foi:
— A senhora Bradford quer vê-la na sala dela. — uma das Barbies da
recepção pareceu sentir prazer em me dar o aviso, como se eu tivesse me
lascado, e ela soubesse disso.
Guardei minhas coisas na sala onde estávamos preparando a
propaganda, dei um olá para todos e corri para a vice-presidência. Era uma
sala no mesmo andar que Zack ocupava. Ereta e sem demostrar medo, entrei
após a secretária anunciar minha presença.
O recinto era tão perfeito e elegante como a sala da presidência. Mas
lá pude ver um toque feminino.
Joanna estava de pé, segurando uma xícara de porcelana. A descansou
no pires com delicadeza impressionante e depositou o conjunto na mesa.
Andou em seus saltos altíssimos até mim.
— Bom dia, Penélope. — em um som rasgado, disse meu nome.
— Bom dia, senhora Bradford.
— É bom que não esteja mais metida com a polícia e que venha
trabalhar regularmente.
— Sim.
— Fiquei sabendo que acabou o namoro… — tocou em uma mexa
dos meus cabelos e a puxou com o indicador e o polegar, suavemente.
— O quê?
Como ela soube de algo que aconteceu antes de ontem, e só minha
irmã sabia?
Como se soubesse o que pensei, ela ciciou.
— Notícias correm. — riu roboticamente — Por acaso, ouvi as
meninas comentarem que te viu brigar com seu namorado aqui em frente.
— Ah.
Então era isso.
— Mas sua vida pessoal não vem ao caso. O que quero é apenas
confirmar sua presença hoje à tarde na mansão Bradford. Lembrando que
ainda não assinamos nada com você, está em período de observação, talvez eu
possa deduzir que não é o que buscávamos…
Claro que eu não ia abrir o bico e dizer que tinha uma escolta.
— Eu irei. Não precisa ameaçar. Já me preparei.
Ouvindo isso, correu os olhos pelo meu corpo desaprovando minha
roupa. O vestido simples de linho e a sandália gasta, não eram o bastante para
um chá na mansão Bradford. Eu não estava nem lingando.
— Bom, então é isso. Zack não estará. Ele terá uma reunião muito
importante no mesmo horário. Creio que ficará à vontade lá.
Mas ele convidou minha irmã para sair. Que coisa maluca!
— Claro. Posso ir, agora?
Diante de minha relutância, sorriu cinicamente.
— Eu a incomodo, Penélope?
— Não senhora… Só tenho que adiantar tudo para a tarde…
— Ok. Pode sair.
Corri para fora não dando a oportunidade de ela me chamar
novamente.

O resto do dia foi tranquilo e produtivo. Como eu disse: trabalhar me


ajudava a manter o foco e esquecer os problemas. Seth e tudo que dizia
respeito a ele tinha ficado lá fora.
Eu podia parecer ingrata aos olhos de muita gente. Estava onde
desejei, e viva. Durante minha vida, meus pais nos ensinaram a ter gratidão
por pequenas coisas. E eu fui grata a cada pequena vitória alcançada.
O que estava sentindo não era chorar de barriga cheia. A gente sabe
que ama, quando o sucesso não faz sentido sem estar ao lado do fulano que
ousou invadir o nosso coração. A gente sabe que ama quando tem vontade de
largar tudo por mais uma chance com o fulano e, mesmo sendo tão babaca,
ainda nos preocupamos com ele. Desejo-lhe tudo de bom que não alcançamos
juntos.
Enquanto eu andava rumo à saída do prédio, parte de mim desejava
que Seth estivesse lá fora me esperando.
Outra parte queria que ele sumisse para sempre, e não me perturbasse
mais.
Não havia caminhonete antiga por perto. Será que ele já tinha ido
embora da Califórnia com a Margareth?
Meu peito pesou imaginando isso.
No entanto, quem encontrei na porta da frente foi Ezequiel, já me
esperando para fazer companhia no estranho convite de Joanna. E, nesse
instante, antes de ele se aproximar, dois homens saíram de um carro preto e
vieram muito rápido em minha direção. O grito ficou entalado na minha
garganta, mas eles se detiveram quando Ezequiel acenou para mim:
— Penélope. — ele me saudou, e eu corri em sua direção. Os dois
homens de touca e óculos escuros deram meia volta e entraram no carro,
saindo em toda velocidade.
— Oi, Ezequiel. — meu coração sacudia no pescoço.
— Vamos? — ele não pareceu perceber que eu quase fui sequestrada.
Eu não iria contar isso para ele, no entanto.
— Claro.
Meu Deus, era tudo uma emboscada! Olhei no relógio e eram
exatamente dez para as três. Joanna estava na mansão me esperando, e Zack
na loja de Carly, levando-a para avaliar o carro. Tudo não passaria de um álibi
para ambos? Planejaram me sequestrar e esperavam sair impunes. Quem
desconfiaria da senhora Bradford que estava em sua casa justamente me
esperando? E Zack que estaria justamente com minha irmã?
Eu suava em bicas com essa possibilidade. O sequestro fracassou, e se
Carly estivesse em perigo?
— Trouxe o pen drive? — Ezequiel me olhou interessado. Observei o
carro sair de frente da empresa. Merda! E se eu fosse para a loja casa de Carly
e caísse em outra emboscada?
— Trouxe uma cópia para você. — claro que fiz uma cópia. Não iria
perder essa carta na manga. Mesmo sem saber o real valor dela. Minha voz
estava trêmula e senti zero gota de sangue no meu rosto.
— Ótimo. Enquanto você conversa com meus pais, subirei ao meu
antigo quarto para analisar melhor o conteúdo. Tirou os olhos da direção e me
deu um sorriso reconfortante. — Ei, você está pálida. Não precisa ter medo.
São só meus pais.
— Certo.
Durante o caminho ele me contou sobre a vida dos pais. Coisa que eu
já sabia mais ou menos, por ter acompanhado tudo pela mídia. Devido a
problemas de saúde da mãe, o pai deles decidiu deixar a empresa, colocando-
a na mão dos filhos. Atualmente, eles moravam na mansão com Zack e
Joanna.
O lugar era lindo. Era maravilhosamente perfeito. Parecia um paraíso
no alto da colina. A mansão dos Bradford expressava tudo que o nome
transmitia para a sociedade: poder e beleza.
Não me senti mal em colocar a cabeça para fora da janela enquanto
passávamos pela entrada, rumo à bela fonte bem em frente da fachada. Contei
três seguranças desde que entramos. Dois no portão e um passeando pelo
jardim.
Com um tom amarelo, a casa parecia ter saído de um conto de fadas.
Desci do carro só depois que Ezequiel desceu e ele fez sinal para eu
segui-lo e, antes de chegarmos à porta, ela se abriu para revelar uma senhora
alta, magra, de cabelos Chanel brancos, sorrindo receptiva.
— Quil, meu menino. Enfim tirou um tempo para vir nos ver. — a
atenção dela era toda em Ezequiel, como se eu nem estivesse por perto. — Vi
seu carro pelo monitor de segurança.
— Oi, mãe. — estava muito ocupado esses dias. Ele a abraçou e só
quando os dois se afastaram, um minuto depois, foi que ela olhou para mim.
— Olha só! O que temos aqui?
— Ah, essa é a Penélope Dawson.
Eu estava muito abalada em ver a matriarca Bradford assim de perto e
nervosa porque ela me estudava atentamente. Olhando cada cantinho do meu
rosto e corpo.
— Penélope Dawson. — repetiu meu nome com doçura — Não a
conheço, querida… — veio com um abraço e eu o recebi. — Sou a Edith.
— É um prazer conhece-la conhecê-la. — Falei dentro do abraço.
— Mas então,… por Deus, entrem! Vocês dois… — apontou o dedo
de mim para Ezequiel insinuando um possível relacionamento.
— Ah, não, mãe. Ela não é minha namorada.
— O quê? Não?
— Não. — reforcei. — Eu trabalho na Dazzler.
— Ah, que pena. Eu me entusiasmei achando que conheceria mais
uma nora.
Entramos, seguindo-a. Ezequiel estendeu a mão para mim, e eu sabia
que ele pedia o pen drive. Abri a bolsa, peguei a cópia e a entreguei a ele.
— Mãe, estou indo rápido no meu quarto.
— Sim, querido.
— Então,… a Joanna não disse que eu viria?
Edith se virou, ainda sorrindo. Seu cenho franziu dando a entender
que ela não sabia do que eu estava falando. Antes de responder, Joanna brotou
das monumentais escadas de mármore com corrimões dourados.
— Ah, Penélope! Estávamos ansiosos te esperando.
Ela não disse a Edith Bradford que eu estava vindo. Será que contava
com que os capangas tivessem me sequestrando? Eu podia apenas supor.
— Oi, Joanna.
— Ah, querida. Sente-se aqui. — com seu jeito carismático, típico de
avó, Edith me fez sentar no sofá. Ela se acomodou na outra ponta do sofá, e
Joanna, de braços cruzados, me encarava de pé.
— Obrigada.
— Ela ganhou a competição de estagiários. — Joanna informou. —
Veio mostrar parte do seu trabalho para a senhora e o senhor Adriel. Foi ideia
da própria Penélope.
O quê? Mas que bosta… Eu nem queria vir…
— Oh! — Edith exclamou. — Parabéns! Você é uma garota de sorte.
— Obrigada.
— Joanna. Chame o Adriel. Ele vai adorar saber mais coisas sobre a
empresa.
Quando Joanna saiu, Edith me encarou.
— Então conhece meu filho… Ele está solteiro. Tem certeza que
vocês não…?
Eu já sabia ao que ela se referia e tratei de desfazer as suas
esperanças.
— Não, senhora. O Ezequiel é um amigo.
— Ah! É um apena. Ele já está velho, na minha opinião. — riu
modestamente. — Passou da época de encontrar o par do seu chinelo. Mas é
um bom rapaz, está seguindo seu sonho.
— Hoje em dia, as pessoas se casam mais tarde.
— Verdade. Me casei aos dezoito anos com o Adriel, e ele tinha vinte
e oito. Meu velho era apenas um pobre marceneiro. Mas era trabalhador, e
meu pai fez gosto com a união.
A palavra marceneiro me levou imediatamente para o cachorro do
meu ex-namorado. Droga, colocar Seth nessa classificação de Ex era horrível.
Joanna entrou com o senhor Bradford. Ele vinha devagar, apoiando-se
em uma bengala. Não por ser muito velho, creio que por causa de algum
problema na perna. Adriel era alto como os filhos. Tinha cabelos cheios e
brancos e olhos verdes familiares. Creio que lembravam muito os de Zack.
Fiquei de pé e o cumprimentei me apresentando.
Depois que todos se sentaram, desejando não gaguejar muito, contei
um pouco da propaganda que eu apresentei e ganhei a competição. Joanna
apenas me encarava. Para os sogros dela, eu estava sendo uma bem-vinda
distração. Eles estavam gostando de ter algo novo para quebrar a rotina de
suas vidas.
Quando o chá foi servido, Joanna parecia muito impaciente. E, no
momento em que Phoebe chegou demostrando interesse na minha visita,
minha chefa pareceu que ia explodir. Olhava a todo instante para o relógio,
suspirava alto e até a flagrei revirando os olhos em alguns momentos.
Os sogros dela e a cunhada, simplesmente me assistiam como se eu
fosse a Ellen Degeneres. Até davam gargalhadas, com minha maneira afobada
de falar.
Eu sempre julguei a Phoebe como a socialite nariz empinado e
arrogante, só porque tinha se casado com um bonitão de Hollywood. Por isso,
passava minha vida adorando o casal Zack e Joanna . Agora eu a via
completamente de modo diferente.

Apesar da boa recepção dos Bradford, eu me levantei para ir embora.


Phoebe subiu para chamar Ezequiel. Caminhei para o hall de entrada quando
ele desceu as escadas e fiquei observando-o abraçar o pai e prometer que
voltaria mais tarde, para uma visita mais longa.
Ele veio caminhando na minha direção e, de repente, a porta se abriu,
e uma mulher de uniforme entrou com uma criança. Era um menino. Na faixa
dos seis anos.
— Tio Quil. — ele gritou, vendo apenas Ezequiel em sua frente e
correu para abraçá-lo. Ao lado de Edith, observei com um sorriso ele rodopiar
o menino, mas quase tive um treco ali mesmo, assim que Joanna disse:
— Seth, querido, vá com a Lola se trocar e tomar um banho. Está
encardido. — o menino virou-se para me olhar e eu contive um grito. Seus
olhos verdes, a cor dos cabelos, a boca…
Eles perceberam meus olhos arregalados, o espanto escancarado. Não
entenderam porque eu olhava assim para uma criança.
Ele não se importou comigo e correu fazendo a mulher de uniforme
acompanhá-lo. Engoli em seco e encarei Joanna. Eu sabia de toda a história
sobre esse menino, mas nem passava pela minha cabeça lembrar o nome dele.
Na época, a mídia noticiava cada passo dessa família.
Era filho de Joanna com o falecido primogênito Bradford. Depois que
Blake morreu, ela se casou com o Zack e juntos criaram o menino. Os pais
não apoiaram o casamento, no início, e nem a tomada do controle da empresa
por Zack. Segundo o que soube, todos queriam vender a empresa. Menos
Zack.
— Eu preciso ir. — me sentia tonta.
— Espera… — Joanna disse, mas eu já corria porta a fora, rumo ao
carro de Ezequiel.
Meu Deus! Se passaram tantos anos que… Nem tinha me dado conta
que o filho de Joanna se chamava Seth. E agora, vendo o menino cara a
cara… Ele tinha muita semelhança com outro Seth que eu conhecia.
Que merda estava acontecendo?
Os olhos tão familiares de Zack…
A perda de memória de Seth e seus segredos…
O filho desaparecido dele…
Ah, cacete!
Não falei nada para Ezequiel. Ele me chamaria de louca. Pedi para
que me levasse de volta para a empresa. Meu coração esmurrava meu peito.
Minhas mãos suavam e havia lágrimas tentando escapar. A única coisa que
perguntei a Ezequiel foi:
— Como seu irmão morreu?
Ele me olhou intrigado e, após dar de ombros, disse o que eu já sabia
pelos jornais:
— Acidente. Cinco anos atrás.
— Tem certeza? Você viu o corpo?
— Por quê?
— Você o viu? — berrei, perdendo a compostura.
— Não, Penélope. — falou alto. — Ninguém viu. Deve se lembrar,
saiu em toda a mídia que o caixão foi lacrado.
Ah, caralho! Caralho! Tudo menos essa merda.
Quando Ezequiel parou em frente à Dazzler, eu só sabia correr. Tinha
um destino fixo para ir. Eu tinha que ver como meus próprios olhos.
“Meu velho era um pobre marceneiro.” — essa era a fala de Edith
rebatendo em minha mente.
“Aprendi a arte da marcenaria com meu pai.” — essa era a fala de
Seth. Meu Seth.
Cheguei à sala da presidência e, sem que a secretária pudesse me
conter, entrei.
Ofegando, suando e tremendo, olhei as fotos na parede. Zack, Phoebe,
Ezequiel… Blake.
Minhas pernas ficaram bambas.
— Não! — coloquei as mãos na boca. Muito elegante, cabelos baixos
penteados de lado e sem barba. Era Seth, ali naquela foto. O primogênito que
os Bradford juravam estar morto!
TRINTA E DOIS

Eu explodi.
Joanna pedia por isso há anos, desde que enfiou na cabeça que
deveríamos vender a empresa e mudar para Los Angeles. Me senti um merda
por ter falado aquilo com ela, até pensei em voltar lá e pedir desculpas.
Todavia, decidi que o melhor era nos dar um tempo. Esfriar os ânimos antes
de uma nova conversa. Depois da nossa briga na empresa, eu fui dormir no
antigo quarto do Ezequiel, para evitar discursão próximo ao quarto dos meus
pais.
O motivo de tudo?
Ontem, na empresa, eu estava de boa, era um dia normal. Enquanto
ouvia o diretor administrativo relatar alguns pequenos problemas, soube por
ele o que minha esposa tinha armado.
Saí da minha sala, levando comigo a fúria e a desconfiança.
Encontrei-a sentada em uma poltrona, cabisbaixa, falando ao celular. E ela
dizia:
— Sim, eu posso armar alguma coisa para tirá-la do mapa. Foi uma
jogada de mestre afastá-la do namoradinho enxerido. — Joanna me viu, nem
se despediu da pessoa e desligou.
— Amor?
— O que está aprontando, Joanna?
— Como assim, Zack? Não é nada… Estava conversando sobre uma
série de TV.
— Não estou falando disso. — berrei, sentindo o descontrole
percorrer minhas veias. Ela captou minha ira e se retesou. — Acabo de saber
que marcou uma reunião amanhã com avaliadores, para uma possível venda
da empresa.
Ela pareceu aliviada e perturbada ao mesmo tempo. Sobre o trecho do
telefonema que eu ouvi, achei que ela podia estar armando para alguém, uma
funcionária ou uma socialite, mas isso não me importava no momento.
— Zack,… são pessoas confiáveis. Se aceitar a venda eventualmente,
a Dazzler estará em boas mãos. Seremos sortudos em conseguir vender em
um momento em que a empresa passa por essa crise.
— Eu. Não. Vou. Vender. — pontuei cada palavra, carregada de raiva.
— Como pode ser tão difícil para entender isso? Se formos à falência, ficarei
até o último segundo na Dazzler.
— Como pode pensar isso? — elevou o tom de voz usando um ar de
choro. O drama estava começando e, por azar dela, precisaria de muito mais
para me convencer. — Eu te mostrei as contas. Estamos no vermelho.
— Não estou convencido daquelas contas. Decidi pedir uma análise
mais profunda.
— Como não? Foram feitas por seus funcionários. Seu homem de
confiança.
— Eu quero que você cancele essa reunião. — me virei rumando para
a porta.
— Não cancelarei.
— Ok. — em um giro rápido, a fitei — Amanhã às quatro, estarei em
outro lugar. Eu sou o presidente da empresa e sem minha presença, esses tais
empresários não darão credibilidade a você. Era mesmo um ponto para mim.
Eu não estava feliz em sair vitorioso dessa discursão, embora preferisse que
ela nem mesmo tivesse existido.
— Nesse momento, estou odiando você. — limpou uma lágrima — É
meu marido, deveríamos nos apoiar.
Neguei com um gesto veemente.
— É mais do que eu, Joanna. Sabe disso. É o sonho do meu pai… e
do meu irmão. A Dazzler jamais será vendida enquanto um Bradford existir.
— Andei para a porta, mas antes de colocar o pé fora da sala, fui atacado.
— Como pode ser tão egoísta? — me virei para segurar os golpes de
Joanna. — Como pode pensar só em você? E o nosso filho?
— O seu filho! Ele é meu sobrinho, apenas. — berrei e foi aí que me
arrependi.
Merda!
— O que disse? — havia um banho de lágrimas em seus olhos. Minha
fala a pegou mesmo de surpresa e eu me senti um filho da puta por ter
renegado o pequeno Seth.
— Ah, porra. Eu não quis…
— Você falou. Acabou de renegar nosso menino. Você escolheu criá-
lo, sabe como seu irmão ficaria se ouvisse…
— Ah, não venha colocar ele novamente em nossas brigas. Deixe-o
descansar em paz, você sempre usa o Blake para tentar me fazer sentir
culpado. Às vezes acho que se ele estivesse aqui, você nunca teria chegado à
vice-presidente da empresa.
Foi então que, no calor do momento, cheguei à minha sala disposto a
ter um lugar para ir no mesmo instante em que os avaliadores estivessem
aqui, a mando de Joanna. De pé, vendo a cidade lá embaixo pela janela, me
lembrei de Penélope e de sua irmã e, consequentemente, de seu maravilhoso
Impala. Peguei meu celular e liguei para o número da loja da irmã de
Penélope. Era um motivo para eu boicotar a reunião que Joanna tinha
preparado para me surpreender. Levar o carro à oficina do meu primo era a
desculpa perfeita.

* * *

Agora, parado em frente à loja de Carly, me decidia se descia ou


voltava para a empresa e acabava de vez com a farra de Joanna.
Ao pensar nisso, a decisão foi tomada na hora.
Não queria mais uma rachadura em nossa relação. Eu fiz uma
promessa sob o túmulo do meu irmão que iria honrar tudo o que ele deixou.
Protegeria sua família e a empresa, que eram a vida dele. Por isso,
colidi com meus pais quando aceitei as indiretas de Joanna para nos casarmos.
Por isso me tornei a ovelha negra da família, quando todos acharam por bem
vender a empresa logo após a morte de Blake. Eu não deixaria que ele levasse
para o túmulo o seu sonho.
Era tudo do meu enteado e sobrinho. Quando chegasse à idade adulta,
o pequeno Seth herdaria tudo que o pai lutou para erguer, e sei que Blake
ficaria feliz em ver meu empenho para que isso acontecesse. Eu era apenas o
guardião da criança.
Saí do carro e atravessei a rua.
A porta do estabelecimento se abriu automaticamente, me dando
passagem.
Era uma loja grande, tipo departamento. Dessas que vendem um
pouquinho de tudo.
Retirei os óculos escuros, pendurei-o na gola da camisa e caminhei
até o caixa.
Sem surpresa para mim, vi o momento que a jovem deixou seu queixo
cair, tamanho seu susto ao se deparar comigo. Acho que não era costume
deles receberem celebridades.
— Oi.
— O…oi.
— A senhorita Dawson se encontra?
— A Carly?
— Isso.
— Sim. Um momento. — ela acenou para um rapaz com o uniforme
da loja e pediu a ele para chamar Carly. Tudo isso sem piscar ou desviar os
olhos de mim. E enquanto aguardava, dei um giro olhando em volta. Peguei
um boné em um mostruário e experimentei.
— Não é de marca, mas na sua cabeça vão achar que é um Dior. —
me virei, e Carly, em sua formosura ruiva, me encarava relutante, fechada,
indicando que não queria aproximação. Pelo menos não da minha parte.
— Senhorita Dawson.
— Eu não vou sair com você.
Sim, eu já a tinha convidado ontem, por telefone, mas nesse
momento, decidi contra atacar.
— Deveria esperar ser convidada antes de recusar. — ergui uma
sobrancelha em um gesto petulante, contra minha vontade, foi automático. Eu
tinha que me lembrar de ser humilde no ambiente dela.
— Veio ao meu estabelecimento me dar tiradas? Aqui não é a
Dazzler, não senhor.
Eu ri. Era incrível como ela e Penélope pareciam ser seres de outro
mundo. Coravam fácil, não conseguiam controlar o ímpeto: Carly deu uma
boa olhada em mim e tinha um jeito atrevido e intrigante que me fez querer
manter os olhos parados nela. Seus olhos eram verdes claros e brilhantes.
Seus lábios eram bem desenhados e nem precisavam de batom para ficarem
rosados.
Eu era casado, minha visita à loja era exclusivamente para tratar da
compra do carro e não ficar deslumbrado com mulher dos outros. A
propósito…
— Tem namorado?
Merda! Foi o que escapuliu da minha boca. Carly arregalou os olhos e
corou.
— E por que quer saber?
— É porque quero te levar no melhor gênio dos carros que esse país
já teve. E só quero saber se não tem um namorado que vai achar isso ruim…
Apenas negócios.
Ela me fitou pensativa, nitidamente controlando a batalha na mente
para escolher se continuava se fazendo de durona ou se ia comigo. Braços
cruzados. Não precisava ser um expert em leitura corporal para saber que era
um gesto de proteção, quando o indivíduo se sentia perturbado com a
presença de outra pessoa.
— Eu não quero vendê-lo.
— Certo. Só quero levar seu carro para ele dar uma olhada… Puta
merda, seu carro é lindo.
— Obrigada. — ainda mantinha a cara fechada. — Mas, não.
Massageei minhas pálpebras.
— Eu não sei por que ainda me meto com vocês. Você me irrita mais
que sua irmã.
— Só porque eu não faço suas vontades? Bem-vindo ao mundo real
fora de sua bolha.
Olhei para os lados aproveitando para esvaziar os pulmões e enchê-
los novamente em uma quantidade relaxante de ar.
— Será que pode apenas me fazer esse favor? Eu não quero ter que
rever minha lista negra. Não precisa ser uma chatona do caralho, basta me
deixar agir.
— Isso soou como uma ameaça. — ela se mantinha impassível. — Eu
posso mandar você sair da minha loja.
— E eu posso demitir sua irmã e falar que foi sua culpa.
Carly se calou, me observando raivosa.
— Saia da minha loja. — falou em voz alta me surpreendendo. Não
achei que ela iria… — Anda! — Me empurrou, mas não me movi.
— Ok. Desculpa. Às vezes eu sou meio tempestivo.
— Você não pode chegar ao meu estabelecimento me ameaçando.
— Desculpe, novamente. Senhorita Dawson, pode fazer a gentileza de
deixar eu dirigir seu carro?
Vencida, ela revirou os olhos e tirou o avental da loja que estava
usando.
— Adam, cuide de tudo para mim. Vou dar uma saída.
— Sim, senhora.
— Diga à minha irmã que eu não a obedeci, ela vai saber para onde
fui. — Carly se voltou para mim, e antes de eu guardar o boné, empurrou de
volta para minhas mãos.
— Leva, ficou gato com ele. Diga à sua esposa que é da Balenciaga.
— Ela sabe que eu odeio a Balenciaga.
— Sensato. Toma. — jogou para mim as chaves do carro e eu
marchei feliz em direção ao Impala azul.
Antes que eu pudesse entrar no carro, meu celular tocou. Quinta vez.
Era Joanna. Carly, já dentro do carro, colocava o cinto. Atendi a ligação para
ela me deixar em paz.
— Oi.
— Onde você está? Estou saindo de casa, indo para a reunião.
— Não irei. Estou indo ver o Axel, mostrar a ele um carro. Tchau. —
desliguei a ligação. Antes de entrar no carro, entretanto, fui até o meu e joguei
o celular lá dentro e voltei para o Impala.
Após ajeitar o banco para a minha altura e colocar o cinto, dei a
partida, ouvindo, com satisfação, o ronco do motor. Esse barulho potente
vibrou em meus ouvidos. Era um deleite masculino.
— Ah, vamos lá, belezinha. — sussurrei.
— Certo. Olhe nos retrovisores, antes de sair.
— É sério que vai ser meu copiloto? — coloquei o carro em
movimento, olhando-a de soslaio.
— Sim, acostume-se.
* * *

Axel Ryder era meu primo. Ele era um dos melhores mecânicos do
estado, se não do país. E qual o motivo de ele ter toda essa fama? Porque ele
só mexia em máquinas poderosas, carros importados, antiguidades,
esportivos, capazes de fazer o eventual dono desembolsar meio milhão para
possuí-lo. Ele tinha sua loja de preciosidades e uma cadeia de oficinas com
sua assinatura nas máquinas que ele reformava.
Todo mundo procurava o Axel, todo mundo de bom gosto queria ter
um carro estilizado com a assinatura dele. Ele que supervisionava minha
coleção. Ia adorar ver o Impala da Carly.
— Então quer dizer que sua irmã está no fundo do poço? — durante o
percurso ela me relatava as novidades, uma delas era que Penélope não estava
nada bem com o fim do namoro. — Eu notei mesmo algo de diferente.
— Pois é. O safado a iludiu e… foi isso.
— É um imbecil. Ele não sabe a sorte que teve. — Carly semicerrou
os olhos para mim assim que disse isso. Me senti no dever de explicar: — Sua
irmã é uma pessoa boa, carismática e tem muita força de vontade. Além de
que sempre opta pela verdade. As Dawson coram fácil demais, e isso as
impede de mentir.
— Não me coloque nessa conta. Eu minto, e muito. Depende de
minhas necessidades.
— Mas concorda comigo que ele chutou uma sorte grande, não foi?
— Sim, concordo. O brucutu era um lenhador selvagem que ela
encontrou no fim do mundo. Não servia para ela.
— Um lenhador? Que piada. Penélope precisa de algo melhor.
— Com certeza.
— Olha, chegamos. — apontei para a gigantesca oficina com portas
de metal e paredes grafitadas. Acima, o nome dizia a quem pertencia: Axel
Ryder Motors.
— Já ouvi falar desse cara. — ela saiu do carro e andou ao meu lado
— Era o sonho do Brian trazer o carro aqui.
— Brian?
— Meu ex.
Isso deveria me causar qualquer tipo de contentamento? Não mesmo,
mas causou. Um lapso de desejo percorreu meu corpo. Carly me instigava
febrilmente. Eu devia estar mesmo muito fora de mim, para pensar umas
merdas dessa. Joanna era mais que minha esposa, ela era a viúva do meu
irmão. Traí-la era algo impensável. Seria como trair a memória de Blake.
Coloquei de lado minhas divagações inoportunas e foquei no que
fomos fazer.
Estranhamente, as portas da oficina estavam fechadas. Toquei no
interfone da lateral que dava para o apartamento dele, no andar superior.
— Fala. — a voz áspera atendeu.
— E aí, mano? É o Zack. — acenei para a câmera de segurança.
— O que quer aqui?
— Como assim? Falar sobre pinturas e bordados. Lógico que é sobre
carros. O que mais venho fazer aqui?
— Quem é essa aí contigo? — a voz perguntou e Carly acenou
sorridente para a câmera.
— Amante. Libera aí, porra.
O portão destravou, e eu recebi um sopapo no braço.
— Que história é essa de amante?
— Não enche. Se eu dissesse amiga ele poderia encrencar. O cara está
desconfiado de alguma coisa. Venha, suba.
Axel me esperava de cenho franzido à porta de seu apartamento. Me
deixou passar sem tirar os olhos de Carly. Uma vez dentro de sua casa, que
mais parecia um esconderijo dos irmãos metralhas, fitei meu primo.
Ele era moreno, não loiro como eu e meus irmãos. Era um homem de
quase dois metros de altura, cabelos compridos até os ombros, barba cheia e
músculos bem esculpidos deixados à vista. Andou calmamente, pegou uma
camiseta e vestiu. Carly não parava de encarar o sujeito.
Do outro lado da sala, havia algo como uma academia improvisada.
Umas barras de ferro, esteira e saco de areia. Muita caixa de pizza e garrafas
de cerveja vazias.
— Está entocado? Por que você não abriu a oficina?
— Cara, não estou em um bom dia. Os tiras estão na minha cola.
Acham que eu viajei.
— Puta que pariu. O que aprontou?
Ele olhou para Carly e balançou a cabeça negando. Não confiava
nela.
— Certo, o que veio fazer aqui?
— Ela tem um carro. Eu gostaria de comprá-lo.
— Mas não quero vender. — Carly me interrompeu.
— O caso é que eu gostaria que desse uma olhada. É um Impala
original e sofreu uma batida, foi consertado, mas não do jeito certo.
— Fiquei curioso. Trouxe ele?
— Sim.
— Vou abrir a garagem e você o coloca para dentro. Sente-se aí moça.
— falou para Carly — Desde que não seja policial, é bem-vinda. — se
afastou para buscar o controle da garagem e resmungou: — Odeio aquela
raça.
Axel analisou o carro se mostrando empolgado. Disse tudo que podia
fazer nele e concordou comigo que preto seria a cor mais indicada para a
pintura. Ele quase implorou para Carly deixá-lo trabalhar no veículo, e ela
acabou cedendo, mesmo que não fosse vendê-lo para mim.
Depois eu a convenceria. Um bom dinheiro, e o carro seria meu.
Terminamos e nos despedimos de Axel. Ele avaliou o carro em um
valor que fez Carly empalidecer de olhos saltados. Seria meu, era uma
questão de tempo.
Voltamos para o carro, acenei para Axel e dirigi me afastando.
— Eu gostei dele. Além de gostoso é um bom profissional. É
solteiro?
Fitei-a incrédulo com o que eu escutei.
— Deve estar louca.
— Louca eu seria se não babasse naquele monumento que você
chama de primo.
— Deixa de conversa fiada. Vou te levar logo para casa, sua
companhia encheu por hoje.
— A reciproca é verdadeira.
Não gostei nem um pouco de ouvi-la elogiando meu primo. Ele era
um mulherengo safado, bastava acenar que ele atacava. Me perguntei se foi
uma ideia boa levar Carly até ele. Mesmo ela não sendo nada minha.
Eu estava em uma velocidade razoável, mas, por alguma razão, atrás
da gente, uma viatura da polícia fez sinal para encostarmos.
— Ah, essa não. Será que viram a gente saindo da casa do seu primo
criminoso?
— Ele não é criminoso.
— Fala isso para os tiras.
Parei o carro no acostamento e observei dois policiais descerem. Um
chegou na minha janela e nem pediu documento, apenas disse:
— Desce.
Desafivelei o cinto, Carly também, e descemos do carro.
— Olha, eu não bebi e posso afirmar que… — antes de terminar de
falar, o policial torceu meu braço para as costas, empurrou minha cara contra
o carro, pronto para me algemar.
— E ela? — o outro perguntou, segurando Carly.
— Ei! O que está acontecendo? Me larga! — ela se debatia. — Eu
nem fiz nada! Isso é abuso de autoridade. Me largue!
Para meu terror, o policial sacou uma seringa pequena e enfiou a
agulha no pescoço de Carly, fazendo-a cambalear, cair no chão e perder os
sentidos logo em seguida.
O próximo foi eu. Nem tive como reagir. Dei um solavanco
impedindo que me algemasse, mas ele foi bem rápido. Senti a dor fina no
pescoço e as vistas ficaram turvas, mas não desmaiei. Eles me levaram aos
tropeços para a viatura e a última coisa que vi foi o porta-malas aberto.
Eu duvidava que fossem realmente policiais.
TRINTA E TRÊS

De dentro da sala da presidência, podia ouvir a secretária falando com


alguém ao telefone, e podia apostar que estava informando à Joanna sobre
minha invasão. Eu não devia continuar lá dentro. Não depois de descobrir
essa bomba.
— Ei, senhorita Dawson. Você precisa esperar, a Senhora Bradford
está chegando e…
— Ah, cala a boca! — nem me virei para falar. Corri para o elevador.
Meu corpo tremia, e dava para sentir as batidas frenéticas do meu coração.
Nada disso fazia sentido, mas se eu parasse para pensar, veria que, na
verdade, as peças estavam se encaixando.
Eu tinha visto o relógio e a aliança no armário de Seth, mas nem me
toquei. As iniciais B.B… As pistas estavam escancaradas.
Seth,… o cara que odiava tudo dessa empresa. Ele tinha um motivo
para odiar. Era o passado dele, e ele sabia de mais coisas do que quis me falar.
Ele sabia quem tentou matá-lo e sabia o motivo.
Ao mesmo tempo que eu tinha raiva dele, existia o medo. Porque
agora eu tinha consciência de que ele não era mais um simples lenhador. Era
um homem de valor altíssimo, e muita gente pagaria rios de dinheiro para
descobrir a localização do ex-defunto.
Saí do elevador e fui surpreendida por mãos fortes me agarrando. O
grito entalou na garganta até ver que era Ezequiel.
— O que está acontecendo, Penélope?
Fitei a cara dele. Agora, após descobrir tudo, via como eles se
pareciam. Os olhos eram os mesmos. Se passaram tantos anos que eu
simplesmente tinha esquecido a fisionomia do Blake. O visual de Seth não se
parecia nada com o CEO que morrera, supostamente. Qualquer um que o
visse não o reconheceria de imediato, a não ser que fosse da família.
— Me largue. — consegui me soltar e andei apressadamente para as
roletas da saída do prédio. Procurei meu crachá na bolsa e, antes de passar na
catraca, Ezequiel chegou ao meu lado. Antes de abrir a boca, eu lembrei de
um fato:
Eles se viram, Seth e Ezequiel se encontraram. Horrorizada, o encarei.
— Você sabia.
— O quê?
Aproximei para bem pertinho dele:
— Sobre o Seth,… o Blake, seu irmão,… você o encontrou.
Supresso, quase assustado, eu diria, ele olhou para os lados, coçou a
barba se mostrando impaciente.
— Eu descobri tudo! — berrei. O semblante dele endureceu no
mesmo instante. Seu maxilar ficou rígido. Tomou o crachá da minha mão,
liberou nossa passagem e me levou para fora, segurando em meu braço.
Praticamente me arrastou até seu carro.
Só me restou entrar.
— Você está louca? Gritando desse jeito bem ali naquele covil? Ali
ninguém é confiável. — ele tinha razão e, por isso, não contestei. Ezequiel
bagunçou os cabelos e negou veementemente em um gesto rude. Estava
irritado. — Como? Como descobriu?
— Eu vi a foto na sala da presidência. Se passaram cinco anos, tinha
esquecido do rosto do seu irmão. — controlei o pânico e me foquei na
realidade — Nunca o relacionei ao meu ex-namorado lenhador. Até hoje,
quando vi o filho dele, liguei todos os pontos.
O silêncio pesou por alguns minutos. Eu dei a Ezequiel esse tempo
porque eu precisava de um tempo, calada, digerindo aquela descoberta.
— Eu descobri ontem. — enfim falou, um tom baixo combinou com
o clima tenso — Ele veio falar comigo… Demorei um pouco para reconhecê-
lo, está mais forte… cabeludo… quase tive a porra de um enfarte. Era meu
irmão, ali na minha cara. — Ezequiel pareceu encabulado, olhou para mim e
emendou: — Eu saí da Dazzler para ser um investigador, porque descobri
indícios de que talvez ele não estivesse naquele maldito caixão. Eu podia
pedir a exumação, mas meus pais não concordariam…
Assenti, e o silêncio reinou novamente dentro do carro. Minha
respiração voltava ao normal.
— Ele sabe? — minha voz tremulou. — Seth sabe que, na verdade,
ele é Blake Bradford?
— Sim. Ele sabe. Parece que descobriu recentemente. Mas sabe de
um jeito distorcido. Alguém contou o que quis para ele. Só veio até mim
porque queria te proteger e precisava de alguém para fazer isso. Mas ele me
odeia.
— Te odeia?
— Ele odeia qualquer Bradford, inclusive nossos pais. Isso o manteve
distante, sem que ele quisesse uma aproximação.
— Ah, meu Deus! Preciso vê-lo. Seus pais,… a irmã de vocês,… eles
nunca seriam capazes de fazer nada contra o Blake. E tem o menino, ele
precisa saber onde o menino está. Ou ele já sabe?
— Não. Eu preciso ganhar a confiança dele. Você vai ficar quietinha
em sua casa. Zack e Joanna não podem sonhar que Blake está por aí vivo e
cortando lenha para sobreviver.
— Mas o que você pretende? Vai mantê-lo escondido? — minha
perplexidade o fez suspirar.
— Não. É só até buscarmos respostas. Com as informações do pen
drive saberei quem está mentindo e quem pode se beneficiar com a
manipulação das contas. Vou te levar em casa.
Antes de sairmos, vimos o carro de Joanna parar em frente da
empresa. Quase correndo, saiu do carro e entrou na Dazzler sem se dar conta
que a vigiávamos.
Ezequiel me levou para a casa da minha irmã, batendo na mesma
tecla de que eu deveria ficar lá. Eu aceitei sua imposição, dei um até logo e
entrei em casa.
Carly ainda não tinha chegado. Joguei a bolsa em um sofá, tirei os
sapatos e, com o celular no ouvido, esperei atenderem.
— Loja Requinte, boa tarde.
— Oi, é a Penélope. Pode chamar minha irmã?
— A senhorita Dawson saiu.
— Saiu? — e eu já podia adivinhar para onde.
— Ela disse para te avisar que infelizmente te desobedeceu, e que
então saberia para onde ela foi.
Ah, que droga! Carly não conseguiu se controlar e foi dar um passeio
com aquele enxerido manipulador. Agradeci e tentei o celular dela. Nada.
Estava desligado.
Merda! Eu precisava de alguém para compartilhar as informações ou,
então, surtaria. Tinha que desabafar. Andei pela sala, voltei a sentar, levantei,
tomei um banho, andei mais um pouco pela casa e desisti de me controlar.
Peguei meu celular e liguei para aquele telefone trambolho que Seth possuía.
Foi tão impulsivo que só me dei conta da tolice que fazia quando ele
atendeu.
— Penélope?
— Oi… ah… — era muito difícil chamá-lo de Seth agora que eu
sabia que esse era o nome de seu filho. — Desculpe… já foi embora da
Califórnia?
— Não.
— Ah…Está na cabana?
— Não, Penélope, estou naquela casa… o que aconteceu? Está com
algum problema? — sua preocupação evidente me encheu de raiva. A vontade
de bater nele voltou com força.
Eu ia dizer que já sabia de tudo, mas isso não era algo para se discutir
por telefone.
— Eu só… precisava ouvir sua voz. — menti, mas não deixava de ser
verdade. Ouvi-lo trouxe emoções distintas borbulhando dentro de mim, como
a raiva por exemplo.
— Não pode me ligar. — ele sussurrou.
— Eu sei. Desculpa.
— Está tudo bem?
— Sim. Tchau. — desliguei e caí no sofá desejando ganhar uma surra
para deixar de ser tola. Eu estava ligando para um homem comprometido que
visivelmente não queria falar comigo. Que merda!
Seth tinha enfiado uma faca no meu peito e agora a girou com mais
força. Por que será que a dor de sofrimento do amor é mais dolorosa que a dor
física?
As horas se passaram, e a noite chegou. E nada de Carly aparecer.
Liguei mais duas vezes para a loja, e me informaram que ela ainda não tinha
retornado e que o carro do homem que saiu com ela continuava parado em
frente à loja.
Só mais tarde, às nove da noite foi que meu coração quase saiu pela
boca, quando uma notícia urgente interrompeu a programação na TV.
Era uma informação vinda de um site de fofocas sobre celebridades.
“Zachary Bradford desapareceu nessa tarde em São Francisco. A
família trata o assunto como um sequestro e espera contato dos criminosos.”
Eu desabei. Me senti culpada. Era minha obrigação tomar alguma
providência e ir atrás da pessoa que eu mais confiava. Em um taxi, eu tentava
criar um plano em minha mente. Se algo acontecesse com minha irmã, eu não
me perdoaria. Limpei as lágrimas para não chamar atenção do motorista.
Carly se meteu com esse tipo de gente porque eu a levei até eles.
Nesse momento, Brian não mais parecia ser a pior opção para ela. Se ainda
estivessem juntos, com certeza, ela não teria saído com Zack.
O taxista me levou para a casa de veraneio de Margareth, onde eu e
Seth passamos três dias. Não havia a quem recorrer. Ezequiel não atendeu
minha ligação e mandou uma mensagem dizendo para eu não sair de casa que
ele estava cuidando de tudo com a polícia. Mas eu não ia ficar de braços
cruzados.
Era minha irmã. Eles tinham dinheiro para pagar o resgate de Zack,
mas Carly seria descartada como peso morto.
Paguei o taxi quando ele parou em frente à casa. Sem esperar, corri
para a entrada e nem bati. Entrei de supetão.
Não foi Seth quem encontrei na sala, Margareth quase derrubou uma
tigela no chão quando me viu entrar.
— O que está fazendo aqui?
— Onde está o Seth? — perguntei sem querer gritar.
— Não é da sua conta. Ponha-se para fora daqui.
Já que eu estava lá…
— Foi você, não foi? — apontei sem medo para a cara dela — Foi
você que o manteve escondido todo esse tempo.
— O que está falando, garota?
— Eu sei de tudo, Margareth. — berrei loucamente, não medindo as
consequências de minhas palavras — Acabei de descobrir que Seth e Blake
Bradford são a mesma pessoa.
Era certa minha decisão de confrontá-la? Não tinha certeza. Mas com
o sangue quente, eu não estava raciocinando direito.
Margareth engoliu em seco e, em um instante, seu rosto pegou fogo
de raiva. Podia ler “Culpada! Bem em sua expressão.
— Diga! —gritei— O que você contou para ele? O filho dele está
vivo!
— Você não entende, garota. — tentou se afastar me dando as costas,
mas a segurei.
— Sim, eu não entendo. Por que escondeu a verdade?
Foi visível ela se controlando. Respirou e me olhou zangada.
— Você mexeu em um vespeiro. — foi um aviso com cara de ameaça.
— Está escondendo a informação sobre o filho dele. Como pôde ser
tão cruel? Se diz gostar tanto do Seth, por que mentiu? — eu insistia diante da
relutância dela, não estava com um pingo de medo de pressioná-la.
Creio que toquei em algo dentro dela. Margareth viu que não
adiantava mais negar.
— Ele não se lembrava de nada quando o encontrei. No primeiro ano,
ele era um Zé ninguém. Ele tinha apenas o nome “Seth” pulsando em sua
mente, e decidi chamá-lo assim. Quando eu o resgatei nas margens do rio, o
reconheci. Vi nos noticiários sobre a morte do Blake. Foi a Joanna, ela armou
tudo para parecer um acidente. E fez o próprio irmão reconhecer os pertences
dele no necrotério.
Com as mãos no peito, me sentei para escutá-la. Margareth andou
para o outro lado, recostou-se em uma parede e continuou a história, fitando
suas unhas. Eu não podia acreditar cegamente nela, mas era o que eu tinha no
momento.
— Como sabe que foi ela?
— Porque o Zack estava arrasado no velório. Eu vi pela tevê. E
alguém teria que ter inventado a história do acidente, já que eu sabia que
Blake estava vivo e escondido, ainda inconsciente. Eu tive certeza de que foi
ela.
Fiquei de pé. Minhas pernas estavam bambas. Joanna! Então agora
tudo fazia sentido. Era ela quem estava atrás do pen drive, foi ela quem
mandou matar Natasha e mandou me sequestrar. Seria possível ela ser a
mandante do sequestro de Zack? Por quê? Com que interesse?
Margareth interrompeu meus pensamentos com mais detalhes da
história.
— Então tudo era muito perfeito. Blake perdera a memória, era meu
bichinho de estimação e eu o protegia em nosso mundo selvagem perfeito.
Mas então ele começou a se lembrar das coisas. Foi no segundo ano. Ele se
lembrou da tortura que passou e do filho. Mas ainda assim não sabia da sua
ligação com a família Bradford.
— E você escolheu não dizer?
— Eu não podia. Alguém tinha tentando matá-lo, eu não podia levá-lo
de volta, no estando tão debilitado em que ele se encontrava.
Sua explicação soou convincente, ela tentava convencer a si própria
de que fizera a escolha certa para proteger Seth.
— E quando ele se lembrou de tudo? Pelo menos foi pesquisar sobre
Joanna? Estava fácil saber quem era o filho dele e que o menino estava bem.
— Sim. Ele lembrou da Joanna. Eu o levei para a porta da Dazzler e
contei a minha versão. Disse que o Zack era seu irmão, que tentou matá-lo e
que tomou a esposa dele. Contei que Zack tomou a presidência da empresa
assim que foi possível. Blake ficou arrasado. Ele estava esperançoso, porque
veio na sua mente o amor que sentia pela Joanna. E ao ver ela sair da empresa
de mãos dadas com o próprio irmão,… foi demais para ele.
— Ah, meu Deus! — limpei uma lágrima. Sofri imaginando tudo que
o coitado havia passado ao ver sua vida ruir diante de si. — E o menino? Ele
nunca foi procurá-lo?
— Depois eu mesma fiz uma matéria de jornal falsa, imprimi e levei
para ele ler. Dizia que o filho de Joanna e Blake estava desaparecido. Só fiz
isso para tentar manter ele afastado. E funcionou. Ele não procurou mais esse
pessoal e sofreu sozinho lá na cabana. Chorava de cólera, a cada nova
lembrança que lembrava de sua vida passada. Ele via todos como um bando
de traiçoeiros, até os próprios pais, porque eu o fiz acreditar nisso. . Tínhamos
planos de nos vingar de todos e ir embora daqui. Eu não o queria perto
daquele povo novamente,… e Seth superou tudo,… até você aparecer.
Fiquei de pé. Apesar de nossa diferença de estatura e idade, eu queria
socar a cara dela.
— Você é perversa. — acusei, cheia de ira — Moldou ele ao seu
próprio gosto. Escondeu dele todas as coisas que eram importantes para ele,
vendo-o sofrer. Sua vagabunda!
— Você vai sair daqui. — gritou — Não pode contar ainda para ele.
Seth pode ter um surto. Por favor. — ela implorou, vindo em minha direção.
— Me pede por favor? Deveria se envergonhar.
— Sua enxerida do caralho. Vou te ensinar uma lição agora. — veio
para cima de mim, mas não esperava que eu estivesse com tanta sede para
acabar com a raça dela. Não era legal bater em uma grávida, mas eu joguei
minha bolsa no chão e parti para o ataque.
Ela era bem mais alta, ganhei uma bofetada na cara e me desequilibrei
caindo contra o sofá. Margareth veio com tudo, mas passei a minha perna
entre as dela derrubando-a. Eu teria mais vantagem com ela caída. Não perdi
tempo e voei para cima de seu corpo.
Eu estava com o sangue fervendo de ódio dela. Há tempos queria dar
uma boa surra nessa vagabunda, mesmo que eu levasse uns bons tapas
também.
— Ele era meu, até você aparecer. Olha o que tive que fazer, me aliar
à piranha da Joanna…
— O quê?
Rolamos no chão, atracadas. Eu não soltava o cabelo dela por nada.
Até que alguém me arrancou de cima dela, e nos separando.
— Vocês estão loucas? — era Seth. — Que porra é essa?
Era muito louco vê-lo agora, sabendo de tudo. Era o Blake na minha
frente, o CEO bonitão que morreu e comoveu o país anos atrás. Todavia,
agora bem mais forte e com belos cabelos grandes. Como eu estava vidrada
encarando-o, ele veio me interrogar.
— O que está fazendo aqui, Penélope?
— Ela veio me insultar, Seth. Está doida!
Eu não iria guardar nada do que foi revelado e assim ajudar a
Margareth. Não mesmo.
— Essa vagabunda mentiu para você. — apontei aos gritos. Ela tinha
um risco de sangue no rosto, por causa da unhada que dei nela, estava
ofegante e amedrontada. — Ela te viu sofrer, chorar e se culpar todos os dias
lá naquela cabana e não fez nada para aliviar seu sofrimento.
— Mentira, Seth. Ela veio a mando do Zachary. Não confie nela.
— Cala essa boca. — berrei. Corri de volta na direção dela, mas Seth
me segurou. — Você está fazendo ele odiar a própria família,… sua cretina.
Diante dessa minha revelação, ele me soltou e pasmo, me encarou
sem piscar.
— É, eu sei de tudo. Sei que você é um Bradford.
— Você contou para ela? — partiu irritado para cima da Margareth.
— Não. Eu descobri sozinha. Você vive em um mundo falso, Seth. Eu
sinto muito pelo que passou… Eu sinto mesmo… — foi um peso ter que dizer
isso para a ele, mas falei: — A Joanna e a Margareth… estavam unidas nessa
trama toda.
— Como é?
— Ah, meu amor. — ela se aproximou, chorando de um jeito teatral
— Eu queria te proteger. Mas essa fedelha apareceu. Quando eu a vi te
expondo na televisão, naquele vídeo em que você a salvou… Eu tive que
entrar pelo meio. Eu juro que só queria tirar o foco de cima de você.
— O que você fez, Margareth? — Seth estava cada vez mais
transtornado, porém, apático.
— Seth… Por favor, me entenda… — Tentou tocá-lo, mas ele se
afastou. — Eu sou sua protetora… Farei de tudo…
— Ah, caralho… — ele rosnou. Vi o momento em que os olhos dele
se encheram de água. Ele soube, sem precisar ela dizer mais nada. Ele podia
ver tudo estampado no rosto de Margareth, porque ela estava querendo
confessar — Você contou a eles a localização da cabana? Foi você?
— Seth…
— Você contou? — o tom aumentou em um rugido.
— Eu disse para os caras entrarem lá e pegar o que eles queriam, sem
machucar ninguém. Joanna me prometeu, ela só queria o pen drive.
Toquei no braço dele prevendo um surto, mas antes de qualquer
atitude, nos viramos ao mesmo tempo para a porta. Um barulho chamou nossa
atenção.
Seth espiou da janela.
— Eles nos acharam.
— Deve ter seguido ela. — Margareth me acusou e correu para um
armário. Pegou algumas coisas, dentre elas uma arma. — Venham por aqui.
Eu não dei um passo. Observei ela abrir um alçapão do outro lado da
sala.
— Confia em mim? — ele me perguntou estendendo sua mão.
Nele eu confiava de olhos fechados. Assenti, toquei em sua mão e
corri com ele para a porta no chão que Margareth abrira.
Era um túnel bem estreito, uma passagem subterrânea. Não era
preciso eu me abaixar, tinha altura suficiente para uma pessoa ficar de pé, mas
era estreito de modo que a gente tinha de caminhar um atrás do outro.
Ao chegarmos ao fim desse túnel, Margareth digitou uma senha em
uma porta de metal, e ela se abriu. Era como um “quarto do pânico”.
— Entrem. Vocês vão sair do outro lado da casa, ao lado da garagem.
— eu e Seth entramos no pequeno e apertado cômodo. Tinha umas prateleiras
com mantimentos e uma escada para sair em um outro alçapão. — Há uma
moto fora da garagem, usem ela e vão atrás de um cara chamado Axel Ryder.
Ele é primo dos Bradford e é o único que não tem qualquer ligação com essa
história toda, é onde os homens da Joanna nunca os procurarão.
— Venha, Margareth. — Seth chamou.
Ela apenas moveu a cabeça negativamente.
— Margareth, deixa de idiotice. Venha.
— Eu não vou para a cadeia.
Ela tocou no painel para a porta se fechar, mas Seth, com sua força
bruta, agindo com loucura, se enfiou no meio impedindo a porta de fechar.
Escutamos barulho vindo pelo estreito corredor de fuga por onde
percorremos. Já estavam prestes a nos alcançar.
— Seth, temos que sair daqui. — gritei em desespero, ele ainda
mantinha a porta aberta, e Margareth foi se afastando lentamente de costa.
— Marg! Caralho entre aqui agora. — gritava aterrorizado.
— Adeus, Blake. Seja feliz com essa garota. Seu filho está vivo, ela
sabe toda a verdade e vai levá-lo até ele. — falando isso, ela pegou a pistola e
correu de volta para o corredor de fuga, ao encontro de quem nos perseguia.
Seth deixou a porta se fechar e cambaleou pelo minúsculo cômodo. O
agarrei em pânico. Acariciei seus braços.
— Seth, reaja. Precisamos sair daqui.
Uma lágrima solitária deixou seu olho. Ele me olhava, mas era como
se sua alma estivesse em outro lugar. Estava em choque.
— Seth! Eu sei que é difícil, mas precisamos ir. Sei onde o menino
está. O seu filho. — segurei seu rosto com as duas mãos, obrigando-o a me
encarar. — Precisa me ajudar, minha irmã foi sequestrada junto com o Zack,
me ajude, temos que sair daqui.
Isso o fez despertar do horror que vivia interiormente.
— Droga!
— Eu estou com medo, Seth. E creio que as próximas horas serão
decisivas para Zack e a Dazzler.
Ele anuiu, limpou a lágrima com o punho e correu comigo em direção
à escada de saída. Antes de sair, peguei meu celular na bolsa e fiz uma rápida
pesquisa. Quem era Axel Ryder?
Puta que pariu. Eu já tinha visto aquele rosto na delegacia. Mas era
para lá que iríamos. Procurei uma rota no mapa e ativei o GPS. Ainda não era
o momento de chamar Lindsay e envolver a polícia nessa história.
Uma vez do lado de fora, pegamos a moto e fugimos por uma estrada
atrás da casa.
Eu o abraçava fortemente quando saímos na via expressa, suas
emoções dos últimos minutos o deixavam tenso, e eu podia perceber isso. .
Sentindo a sensação de liberdade, deixei as lágrimas molharem meu
rosto. Só conseguia fazer prece e mais prece pela minha irmã, onde quer que
ela estivesse.
TRINTA E QUATRO

Tudo girou à minha volta quando abri os olhos.


Senti cheiro de mofo, e meu estômago revirou. Creio que não foi por
causa do desconforto olfativo e sim pelo tranquilizante que me injetaram.
Sem muita pressa, me sentei permanecendo de olhos fechados,
lutando para que só a respiração ritmada pudesse me tirar do terrível mal-
estar. Apesar de tudo, agradeci ao perceber que minhas mãos estavam livres.
Não sei quanto tempo permaneci de olhos fechados com a cabeça
apoiada na parede. O alerta veio quando um barulho chamou minha atenção.
No mesmo colchão encardido em que eu estava, Carly acabava de
acordar se debatendo. Temi que agitação fizesse barulho e chamasse a atenção
de quem havia nos trazido para cá.
Instantaneamente, tapei sua boca com a minha mão e fiz sinal para
que ficasse em silêncio. Carly arregalou os olhos, eu podia ver que ela se
perguntava onde estava e o que estava acontecendo.
— Nos pegaram. — sussurrei. — Sequestro. — ela assentiu,
visivelmente amedrontada, e, calmamente, retirei minha mão de sua boca.
Carly se pôs de quatro de uma forma cambaleante e só então se
sentou ao meu lado, recostando-se na parede.
— Puta que pariu! — praguejou. — Foderam minha cabeça. — eu
podia sentir a mesma coisa que ela. Suava em bicas, mas o enjoo tinha
passado.
— Vão nos matar? — ela questionou aquilo que eu já temia.
— Provavelmente, não. Querem um resgate.
— Meu bom Deus! Estou muito ferrada.
Virei meu pescoço de lado para encará-la, e Carly fez o mesmo me
fitando. Ela também tinha o rosto coberto por gotas de suor.
— Relaxa.
— Vá se danar. Você fala isso porque tem condições de pagar resgate
e sair de um sequestro.
Não rebati a crítica dela. Calei a boca e esperei. Havia muito silêncio
em volta, o que era, ao mesmo tempo, preocupante e relaxante.
Estando aqui preso, à mercê da própria sorte ou da boa vontade de
familiares, a situação me fez lembrar de um momento que eu e minha família
passamos. O desaparecimento de Blake e, em seguida, sua morte nos abalou
de uma forma devastadora.
Era um dia normal para minha família. Blake saíra cedo para
trabalhar, como costume. Ele morava em sua própria casa com a Joanna e o
pequeno Seth. Quando, um pouco mais tarde, eu e Ezequiel chegamos juntos
à empresa, — morávamos com nossos pais — eu o vi lá na sala de reuniões.
Acenei para Blake e fui para meu escritório.
O alarme disparou logo depois do almoço, quando Joanna veio
procurá-lo. Desse momento em diante, ninguém sabia para onde Blake tinha
ido.
O pavor nos dominava, passamos aquela madrugada em claro, na
expectativa, esperando uma ligação de sequestradores que nunca veio.
Então, dois dias depois, tivemos a notícia que o carro dele fora
encontrado. Um acidente grave, quase tudo foi destruído pelo fogo. Sorte que
algumas pessoas que passavam pelo local do acidente conseguiram amenizar
as chamas até a chegada dos bombeiros.
Foi tudo muito estranho. Não encontramos as tais pessoas que viram
o carro em chamas, não vimos a cena do acidente, e logo retiraram o carro de
lá.
Eu e Ezequiel fomos ao necrotério. Incrivelmente, Joanna havia
chegado antes da gente e estava fazendo um escândalo. O corpo jazia
irreconhecível, mas eu reconheci o anel de família e parte das roupas
queimadas que o legista trouxe para eu conferir. Não me lembrava com que
roupa meu irmão estava naquele dia, mas aquele terno e camisa queimados,
eu podia afirmar que eram do Blake. Incrivelmente, as iniciais na lapela
estavam intactas.
Ezequiel sentiu falta da aliança, mas Joanna disse que ela e Blake
estavam trocando de aliança e não estavam usando naqueles dias.
Isso tudo não convenceu meu irmão Ezequiel, e ele abandonou a
empresa, me deixando sozinho, porque queria investigar aquela morte que
quase acabou com nossa família.
— Depois que meu irmão sumiu e reapareceu morto em um acidente,
… eu vivia louco com medo que algo mais acontecesse com minha família.
— Carly olhava para mim ao ouvir meu desabafo. — Me casei com Joanna
para protegê-la e a meu sobrinho, e fui morar com meus pais, para protegê-los
também.
— Foi uma atitude louvável a sua.
— Muitos me rotularam como frio e ovelha negra da família, porque
adquiri uma postura austera e prepotente. Eu precisava colocar medo nas
pessoas, mostrar que não podiam brincar comigo.
— É. Você tem essa fama. De ser gente ruim.
A morte do meu irmão despedaçou o lado bom de mim. Não podia ser
bom com um mundo tão hostil.
— Talvez eu seja. — ponderei.
Mas ela discordou a seguir:
— Hoje eu vi um Zack que ninguém tinha visto. Não acho você tão
ruim. Nada que uns bons arranhões e dentadas não resolvam.
— O quê? — minha testa enrugou.
— Nada. — torceu uma mecha de cabelo, ignorando.
— Arranhões e dentadas? — insisti.
— Nunca recebeu esse tipo de tratamento da sua esposa? Sei lá…
levantar da cama arranhado e mordido…
— Está fazendo insinuações sexuais enquanto estamos no cativeiro?
— Daqui a pouco, eu poderei estar morta. Ao menos eu flertei com
Zack Bradford antes de minha partida.
Não queria, mas acabei rindo da inconveniência dela. Ia rebater
quando escutei vozes. Fiz um gesto para Carly ficar no colchão e me levantei
para ouvir atrás da porta. Nem adiantou, em segundos, ela estava ao meu lado.
Colamos o ouvido na porta e podemos perceber que eles discutiam
entre si.
“A chefa vai te trucidar.”
“O que ela mandou dizer?”
“Para você arrumar essa bagunça que fez. Descarte a mulher, não era
para ter trazido ela.”
“Precisa me ajudar, caralho.”
“Prepare as seringas, caso eles já tenham acordado.”
— Puta que pariu. Vão me matar. — Carly correu pelo quartinho
escuro. As mãos passeando nos cabelos.
— Xiu! — a segurei ordenando que se calasse.
— Pobre sempre se fode. — dramatizou.
— Calada! Preciso pensar.
— Ah, caralho! Maldita hora que fui sair com esse azarado. Vai pagar
meu funeral, ouviu?
— Calada, porra! Deite-se ali. Temos que fingir que estamos
inconscientes. Rápido.
— O que vai fazer?
— Improvisar. Não temos tempo. — puxei-a para o colchão, Carly
deitou de um jeito estranho como se tivesse sido jogada, ao menos isso ela
sabia interpretar. Eu me posicionei ao seu lado, também fingindo estar
desacordado.
— Não vai se safar dessa, se eu sair daqui, Bradford.
— Cala a boca, antes que eu diga a eles que você está fingindo
dormir.
A porta se abriu, e parei de respirar para ter toda minha audição
apurada. Parecia passos de uma pessoa apenas. Chegou perto do colchão e
não houve mais som.

Então ele gritou:


— Ainda estão inconscientes. Preciso de ajuda para pegá-la. — isso
mostrava que tinha apenas um dentro do quarto. — A safada tem um bundão.
— ele disse mais baixo, para si mesmo. — É uma pena executar uma mulher
gostosa assim.
Eu não tinha tempo. Além do mais, o modo dele de se referir a Carly
me irritou profundamente, sem que eu pudesse controlar meus instintos.
Contei até três e abri os olhos. O cara estava agachado analisando
Carly. Com o dedo puxava sua blusa para tentar ver os seios.
Você já era, seu imbecil.
Me ergui e soquei seu rosto, pegando-o desprevenido e
desequilibrando-o. O sujeito levou a mão na cintura à procura da arma, mas
eu pulei sobre ele e desferi mais um soco, sem lhe dar tempo para qualquer
defesa. Sua mão se fechou na minha garganta me empurrando, mas eu não
estava sozinho: agilmente, Carly afundou a agulha da seringa no pescoço
dele, impedindo-o de gritar por ajuda.
— Você foi rápida. — sussurrei assistindo o cara se debater até perder
as forças e a consciência.
— O desgraçado passou a mão na minha bunda. Me dá essa arma
aqui. — levou a mão na cintura dele, mas eu a interrompi.
— De jeito nenhum. A arma fica comigo. Está muito bravinha. —
verifiquei o cartucho da arma e fiz sinal para ela me seguir.
— Você ouviu o que ele falou da minha bunda?
— Não mentiu. — cochichei andando para a porta aberta.
— O que disse, Bradford?
— Xiu. Calada. Venha, fica atrás de mim.
Carly ficou atrás de mim, segurando na minha camisa e espiando o
que acontecia à frente, me colocando como seu escudo.
Ouvi passos, fiz sinal para ela correr para trás da porta e me recostei
na parede. Assim que mais um dos bandidos entrou no quarto, agi antes de ele
sacar a arma, ao ver seu colega desacordado no chão.
— Tire a arma. Entregue para ela. — fiz ele sentir o cano na sua nuca.
Inicialmente, ele manteve-se paralisado, depois, com lentidão pegou a arma e
a estendeu para Carly, mas antes de entregá-la, deu uma coronhada acertando
o queixo dela, inflando-me de pânico e adrenalina. O dedo dele estava no
gatilho pronto para atirar nela, se não fosse por minha destreza em atingir sua
nuca. Ele caiu de joelhos, abracei seu pescoço com uma chave de braço, na
tentativa de desacordá-lo, e só fraquejei quando senti a dor fina no meu
abdômen.
Carly estava com sangue no lábio, e eu ferido, por uma pequena faca
que ele tinha tirado da cintura e me atingido. Havia sangue e vestígios de
minha visão embaçando.
Apesar de tonto, não o soltei até que ele perdesse as forças e caísse
para frente, e eu desabei para o lado.
— Ei, Bradford. Agora não é o momento. — ela se agachou diante de
mim — Seja forte, por favor. Fique de pé, precisamos sair daqui.
Eu pressionava o ferimento, começara a sangrar e minhas forças se
acabavam.
— Vá. Chame uma ajuda. Eu só irei atrasar tudo.
— Jamais. Levante-se daí. — desesperada, Carly tentava me puxar
para me colocar de pé. — Porra, cara, não faça isso.
— Eles não vão fazer nada comigo. Só querem meu dinheiro. Vá, sua
teimosa do caralho! Some daqui.
Carly saiu e quando eu achei que ela tinha decidido tomar uma
decisão sensata, voltou correndo. Passou por mim, pegou o lençol velho do
colchão e se abaixou.
— A viatura falsa está do lado de fora.
— Você está perdendo tempo. Saia daqui! — esbravejei.
— Ah, cala essa boca. Seu imbecil. Eu quero que esteja bem vivo
para poder ver eu acabando com sua raça.
Ela dobrou o lençol no sentido horizontal transformando-o em uma
faixa gigante.
— Tira a camisa. — ordenou ofegante e nem esperou eu tentar fazer
isso. Arrancou minha camisa e verificou o ferimento. Parecia grave, mas ela
não se abalou. Embolou minha camisa, pressionando-a contra o ferimento e
envolveu meu abdômen com o lençol em várias voltas, bem apertado.
Diante do esforço dela, compreendi que eu não podia me entregar
facilmente. De verdade, não sabia o que seria de mim quando esses caras
voltassem à consciência. Fiquei de pé, passei o braço no ombro dela e saímos
do quarto.
— Você é bem grande e pesado, hein. — ela disse quando me ajeitou
no banco do carona. — E isso não é uma crítica de forma nenhuma. — deu a
volta ao carro, sentou-se no banco do motorista e ligou o veículo.
— Segure-se, Bradford. — e arrancou.
Meu ferimento latejava, e minha mão continha o sangramento
pressionando-o. Eu precisava ligar para alguém, pedir ajuda, chamar a
emergência.
— Tem algum celular por aí?
— Não. Merda! — só então ela pareceu se lembrar. Bateu no volante.
— Como vamos chamar ajuda? Eu nem procurei por meu celular, ou tentei
pegar o dos bandidos.
— Certo. Vamos sair na via expressa, descobrir onde estamos e
procurar o posto mais perto.
Ela fez o que eu disse e olhou rápido na minha direção.
— Está tudo bem aí?
— Sim. Pisa o pé.
Carly não era uma exímia motorista, era inclusive um pouco
desastrada. Eu fechava os olhos quando ela passava bem próximo aos outros
carros, durante as ultrapassagens. Todavia, eu não reclamava. Tínhamos que
chegar a algum lugar, depressa.
E não demorou para encontrarmos um posto. Aparentemente
estávamos a uns bons quilômetros de distância de São Francisco, era o que
diziam as placas. Ela parou o carro e desceu correndo.
Eu fiquei ofegante e suando frio, desejando ter mais uma chance e
poder sobreviver. Eu tinha muito a fazer ainda, tinha o Seth e Joanna que
precisavam de mim. Não podia ir embora agora.
Força, Zachary.
Carly voltou correndo e me entregou uma garrafinha de água gelada.
— Precisa se hidratar. O telefone daqui funciona de vez em quando.
O cara da lojinha vai me deixar tentar a sorte.
— Ah meu Deus. — tomei dois goles de água e fechei os olhos.
— Zack… — quando ela chamou meu nome, eu sabia que tinha algo
errado.
— O quê?
Carly deu a volta, entrou no veículo e o levou para bem perto da porta
da lojinha de conveniência.
— Precisa ver uma coisa. Venha, te ajudo a descer. — eu não entendia
o que ela queria, mas confiei nela. Carly era a única pessoa no momento que
eu podia confiar. Com dificuldade, saí do carro entrando com ela na lojinha.
— Veja. — apontou para a televisão. Era o noticiário, e no rodapé
vermelho dizia:
“Urgente! Dazzler será vendida para salvar Zachary Bradford.”
— Como é que é? — pressionando o ferimento, fixei meu olhar na
televisão, estava incrédulo com o que via. Joanna aparecera na tela e, chorosa,
confirmou:
“Ele deixou um documento assinado me dando poder total na
empresa, é um documento de segurança, caso algo acontecesse com ele, como
aconteceu com nosso amado Blake. Os sequestradores pediram meio bilhão e
a Dazzler está com as contas em vermelho.” — na tela da tevê, mostrou as
tais contas em vermelho que ela tanto afirmava. — “Meu marido está em
perigo, e é a única maneira de ter ele de volta. Os compradores estão vindo,
espero que tenhamos tempo para salvar meu grande amor.”
Carly nem assistia comigo, estava ao telefone praguejando e tentando
a sorte fazê-lo funcionar,
Em uma cadeira velha e torta, deixei meu corpo cair. Exausto e
perdido em pensamentos.
Eu não deixei documento nenhum assinado. Mas que porra essa
mulher estava fazendo? A empresa da minha família, que tanto lutamos para
manter… Qual era o interesse urgente de Joanna para vender a Dazzler?
— Consegui! — Carly gritou, e eu olhei para ela. Só então notei que
meus olhos brilhavam encharcados, embaçando a visão. Eu não queria
acreditar que estava sendo traído, eu queria acreditar que era a saída que
minha esposa estava arrumando para me salvar.
— Penny! Sou eu. — Carly gritou ao telefone. — Precisamos de
ajuda. — o dono do posto deu as coordenadas, e Carly passou para a irmã,
explicando que nós estávamos em uma viatura de polícia roubada e que não
podíamos esperar por socorro, pois eu precisava ser levado ao hospital com
urgência, mas Penélope podia adiantar alguma coisa, de modo que a
ambulância nos encontrasse no caminho.
Eu apenas assistia, sem forças e desolado. Um pedaço de merda. Sem
falar na vergonha pública de ter lágrimas nos meus olhos. Não passava de um
bundão ferido sem poder fazer nada para proteger o que eu jurei a meu irmão
proteger.
Carly olhou para mim e creio que se sentiu compadecida. Um pouco
mais baixo falou para Penélope.
— A Dazzler será vendida daqui a pouco. Zack está comigo, estamos
bem… Não precisam mais pagar o resgate. Faça alguma coisa, Penny. Beijos,
torça pela gente.
— Venha, Bradford. Você vai ficar legal.
Com a ajuda do dono do posto, entrei na viatura novamente, e Carly
pisou fundo no acelerador.
Não havia nada o que Penélope pudesse fazer. Eu ainda decidia entre
ir direto para a Dazzler para tentar salvá-la ou para o hospital, salvar a minha
vida.
TRINTA E CINCO

Anos antes

— Ei, bonitão. Acorde. — acordei assustado com tapas no rosto,


achando que saíra do pesadelo e estava na minha cama, no meu quarto com
minha esposa. Mas o que encontrei à minha frente me fez balançar os braços
novamente em uma tentativa inútil de fugir. Estava acontecendo, era real. Eu
havia apanhado tanto que acabara desmaiando. Me preparava para reviver
todo o horror novamente.
Soluçando, batendo o queixo, mas mantendo os dentes trincados,
olhei para meus dedos. Foi real. Aconteceu. Cada marretada enquanto eu
implorava.
Chorei baixinho sem conseguir me controlar, desejando não me
mostrar tão fraco. Eu não ia sair dali tão fácil. No canto do recinto havia pás,
um saco de cal e uma lona preta. Eu seria morto assim que eles conseguissem
o que queriam.
Uma assinatura. Eu só tinha que passar todas as minhas ações da
Dazzler para outra pessoa, que ainda não haviam me informado para quem.
Como se eu estivesse passando uma procuração. E ainda assinar uma
declaração como prova de que eu estava cansado de tudo, que tinha
encontrado um novo amor e que a única e eficaz solução para o meu dilema
era abandonar meu filho,… minha família, minha vida.
— Por favor… — implorei, sem saber o que mais eles poderiam fazer
comigo, depois da água fervente no ombro, da surra enquanto estava
amarrado e dos dedos esmagados,… tudo era possível, e a morte me pareceu
um gesto de misericórdia.
— Para de ser florzinha, cara. Choramingando por causa de uns
tapinhas. Que homem cagão você é. — ironizou. O homem que falava parecia
ser o líder do grupo, e eu o conhecia muito bem. Era Robert, um grande
parceiro empresarial. Assim como os outros dois, tinha uma tatuagem no
pulso que indicava alguma irmandade.
— Por quê…? — questionei em espasmos convulsivos. Eu queria
entender porque um dos meus parceiros de negócios estava fazendo isso
comigo.
Puxou uma cadeira e sentou na minha frente.
— Olhe para mim. — segurou meu queixo me fazendo encará-lo. —
Só me ajude, e então posso te ajudar. Prometo.
Eu tinha ele na minha frente e a raiva era tão intensa que até fazia as
dores do corpo aliviarem. A raiva era a força que eu precisava.
— Nem que se passem mil anos. Eu vou te encontrar! — prometi, e
ele riu.
— Só se for em outra vida. E não estou aberto a encontros, chorão. —
levantou-se e acenou para um dos outros. — Refresquem a mente dele.
Foi então que me mostraram meu filho pelo monitor, e se eu
permitisse que me torturassem novamente, amarrado àquela cadeira pesada de
madeira, eu estaria morto, enrolado naquele saco, desaparecido para sempre.
Após ver as imagens de meu filho na tela, eu fui levado novamente
para a cadeira. Foi um pequeno descuido deles terem me desamarrado. Eu
fingi que caí de quatro sobre o solo e escavei com minha mão uma grande
quantidade de terra.
— Pegue ele. — Robert gritou. E nesse instante, respirei
pausadamente, contei até três, e ao sentir as mãos dele sobre meu braço, me
virei enchendo seus olhos de terra, passei minhas pernas na sua e rapidamente
busquei sua arma. Atirei em um dos homens, mas Robert que estava por perto
chutou a arma que eu segurava antes que eu pudesse atingi-lo.
Todos estavam em pânico, eu tinha milésimos de chance. Um passo
em falso e eu estaria com uma bala na cabeça. Olhei a porta de saída, aberta.
Ele olhou junto comigo, e ficamos por dois segundos nos encarando,
ofegantes.
E então eu avancei. Antes dele sacar a arma. Eu queria festejar, vibrar
por estar em cima dele acertando repetidas vezes seu nariz com meu punho.
Só não esperava que o cara que tinha os olhos cheios de terra se levantasse,
percebi isso quando Robert apertou meu ombro queimado e olhou para trás de
mim. Foi o tempo de eu rolar para o lado saindo de cima dele e correr, o
máximo que eu consegui, rumo à porta de saída.
Não foi fácil. Lutar contra três homens estando ferido, com uma mão
machucada. Mas como eu afirmara antes, a raiva era minha força. O ódio me
cegava e tirava qualquer dor de meu corpo.
Estava livre. Corria por entre árvores, sem entender onde, de verdade,
tinham me levado. Eu só corria. Mas me alcançaram e cercaram e, com um
tiro, caí de uma ponte alta e senti a água me abraçar.
E quando abri os olhos novamente, encontrei o rosto de uma mulher
me encarando e nada mais fazia sentido.
Não havia nada em minha mente para que eu pudesse me agarrar, para
dar-me uma resposta. Nada além de um nome: Seth. Seth, Seth… Pulsando
como batidas de um coração.
Margareth não me levou ao hospital. Ela cuidou de mim e, aos
poucos, me deu uma nova vida. Algo a que eu pudesse acreditar e me
orgulhar.
Até as lembranças começarem a me assombrar.

Atualmente

— Puta que pariu! Puta que pariu! Puta que pariu!


Cabisbaixo, eu entrevia as pernas de Axel caminhando de um lado
para o outro em sua sala que mais parecia o atelier de algum artista
desorganizado. Era como um galpão amplo, com cozinha, sala e quarto no
mesmo ambiente. De onde estávamos no sofá, podia ver a cama de casal
gigante, bagunçada, e uma academia improvisada.
Meu primo parecia um hipster bombado com pinta de fora-da-lei.
Ele praguejava indo e vindo há mais de dois minutos, digerindo a
minha presença como uma realidade. Foi quase como a reação de Ezequiel. A
diferença foi que meu irmão chorou.
Eu sentia Penélope ao meu lado, mas ela parecia estar distante
demais, e eu nutria um desejo absurdo de ter sua mão me tocando, para me
manter calmo.
— Como isso pode ser verdade, cacete? — Axel disse. Não foi uma
pergunta retórica. Ele estava apenas refletindo. Eu o achei familiar quando o
vi. Não me lembrava totalmente desse cara, mas minha mente me deu
vestígios de familiaridade com ele.
— Escute, se não pudermos ficar, podemos…
Ele se jogou em uma poltrona de frente para mim.
— Blake Bradford. Caralho! Fui ao seu enterro, cara.!
— É. — dei de ombros, tentando esconder que ouvir isso me atingia
profundamente. — Fui ao cemitério visitar minha lápide.
— Isso é muito bizarro. — tirou os olhos de mim e só então pareceu
ver Penélope. — Você é a cara da ruiva louca que passou aqui com Zack.
— Minha irmã. — Penélope exclamou. — Ela passou por aqui?
— Sim. Fiquei sabendo que o Zack foi sequestrado. Mas que caralho
está acontecendo com essa família?
Troquei um olhar cumplice com Penélope, dando a ela todo meu
apoio. Nós tínhamos uma situação delicada para resolver entre a gente, eu iria
reatar nosso romance não importava o que custasse, todavia, nesse momento
tínhamos que enfrentar essa catástrofe pré-anunciada, o sequestro do meu
irmão Zachary.
Ela sofria por sua irmã, e eu não sabia ainda o que sentia sobre o meu
irmão que também se encontrava na mesma situação.
Minha mente estava girando como um parafuso tentando se encaixar.
Não fazia sentido Zachary, meu irmão, estar desaparecido, isso não
combinava com tudo que eu pensava sobre ele.
O que eu me lembrava?
Pouca coisa. Minha mente estava se recuperando, primordialmente,
lembranças da nossa juventude, mas não sei o que aconteceu pouco antes de
me sequestrarem, cinco anos atrás. E tudo que sei sobre ele, foi Margareth que
me contou.
Um homem frio, que deu um golpe no próprio irmão para ficar com a
empresa da família, minha esposa e a casa dos nossos pais. Um homem que
estava disposto a fazer qualquer coisa caso eu reaparecesse para reivindicar o
império que ele me roubou.
O ódio foi meu companheiro implacável durante esses anos, quando
eu ansiava por recuperar minha memória para só, então, retornar. De certa
forma, acabei me acomodando.
— Tem alguma ideia do que pode estar acontecendo? — Penélope
perguntou a Axel, e isso me fez deixar de lado minha confusão mental.
— Caramba! — desarrumou os cabelos e eu olhei suas tatuagens —
Não sei. O Zack parecia tranquilo. Ele só veio me mostrar um carro… — ele
parou de conversar pregando os olhos em mim. — Cacete. Ainda não consigo
acreditar. Seus velhos vão pirar quando te verem.
Eu assenti. Meus pais…
Margareth havia dito que eles eram mesquinhos, gananciosos e me
odiavam por eu ter tirado meu pai da presidência da empresa. Era uma merda
não ter essas lembranças e, agora, quero me punir por ter sido um trouxa por
ter deixado que ela me manipulasse.
— Preciso ver o Ezequiel. — falei com Penélope.
— Ei. Para aí, meu brother. — Axel se empertigou. — O Quil agora é
um tira. Não vai trazer esse pessoal para cá, não.
— Senhor Ryder, precisamos de ajuda policial. — Penélope
contestou.
— Ok. Mas não na minha casa.
Fiquei de pé na frente dele. Tão alto quanto eu. Minha mente me
trouxe lembranças de quando éramos jovens e brincávamos em minha casa.
Ele foi uma pessoa presente em nossas vidas. Axel não demostrou nem um
pingo de temor de mim. Ao contrário, me encarou sustentando minha pose
ameaçadora.
— Você vai ligar, sim, para ele e…
Antes de eu terminar de falar, Penélope correu para pegar sua bolsa,
pescando o celular lá de dentro.
— Número desconhecido. — ela disse e atendeu. Colocou uma mão
no ouvido, indicando que não estava ouvindo direito. — O quê? Carly? Meu
Deus! Carly…! — Nossos olhos se cruzaram e pude ver um alívio quase
doloroso na expressão dela. Sim, estou ouvindo. Diga.
Axel e eu esperamos, ávidos e impacientes, Penélope terminar a
ligação. Anotou algumas coordenadas e, quando desligou, foi direto na
televisão. Sem pedir permissão do dono da casa, ligou o aparelho.
Eu não ousei perguntar o que estava acontecendo, apenas me
posicionei ao lado dela, em frente à tela gigantesca de Axel, vendo o que meu
instinto já tinha adiantado.
Mesmo sendo noite, havia repórteres em frente à Dazzler e o
noticiário dizia que, para salvar Zack, a empresa estava sendo vendida
naquele exato momento. O valor do resgate era altíssimo!
— Puta que pariu! Que resgate caro! — Axel exclamou.
— É um golpe. — Penélope alertou. — Carly e Zack estão bem, eles
fugiram.
— Então devemos avisar ao pessoal que não precisa mais vender a
empresa. — eu disse.
— Ah… Sinto dizer que é mais complicado que isso. — Penélope
retrucou, olhando para o chão, sem piscar, pensando.
— Como assim…?
— O pen drive, Seth… Digo, Blake. Aquelas contas fraudadas. E se
o Zack sempre esteve certo e a empresa nunca passou pela ameaça de
falência? E se… tudo não passou de uma armação? A Margareth me contou
sobre a Joanna… É tudo um plano.
— Um plano?
Ela não explicou. Pensou mais um pouco e, agitada, me encarou.
— Vocês dois, prestem atenção, escute o que vamos ter que fazer.
TRINTA E SEIS

Era a Joanna. Esse tempo todo. E pensar que fui fã daquela


vagabunda.
Margareth havia me contado, entretanto, algo dentro de mim ainda
relutava em aceitar o que ela disse. Rapidamente, minha mente elaborou uma
teoria. Joanna, por algum motivo desconhecido, planejou a morte de Blake,
seu primeiro marido, e isso explicava as feridas no corpo dele. Ele fora
torturado, como havia me contado. Entretanto, ele conseguiu sobreviver sem
que Joanna soubesse disso. Mas a suposta morte de Blake sem deixar
qualquer documento passando a ela a empresa ou o poder principal, era
totalmente nula. E ainda havia outros herdeiros no caminho dela.
Então ela convenceu Phoebe a lhe vender sua parte na empresa e
Ezequiel saiu por conta própria. Ela tinha apenas um Bradford em seu
caminho, o mais destemido e teimoso, a cópia fiel de Blake, no quesito
personalidade.
Porque não seduzir o caçula Bradford e convencê-lo a se desfazer da
empresa? Mas não foi o que aconteceu, Zack era irredutível. Então, Joanna
planejou a farsa das contas da empresa no vermelho. Mesmo assim, não o
convenceu. E agora, com o tempo se esgotando, com o aparecimento do pen
drive, ela tinha que agir. Por que então não sequestrar o atual marido e se
fingir de vítima?
Um rombo nos cofres da empresa, um resgate altíssimo; com pesar,
deveria vender seu bem mais precioso, a Dazzler.
O que ela ganharia com essa venda que estava sendo arquitetada há
anos?
A resposta, somente a própria Joanna poderia nos contar.
Enquanto Axel ligava para a emergência dando as coordenadas de
Zack e Carly, Seth se mostrava taciturno, porque a única forma de impedir
essa venda repentina seria ele mesmo reaparecendo, como o dono majoritário
das ações.
Ele não queria, relutava em ter que retornar para a família, sem ter
ainda todas as respostas.
Me sentei ao lado dele. Eu fui uma insensível, Margareth poderia
estar morta agora com o filho dele no ventre, e eu apenas o fiz seguir em
frente para nos tirar de daquele lugar.
— Ei, Seth. — ele me olhou. — Eu sei que você está passando pelo
pior momento de sua vida. Me perdoe por ter feito você deixá-la. A
Margareth.
— Foi uma escolha dela. — escondeu de mim seu olhar, voltando a
fitar seus dedos tortos. Imaginei que ele tentava se recordar de algo do seu
passado, encarando suas feridas.
— Não diga isso. — acariciei seu braço — Ela fez aquilo para te
salvar, estava grávida… e… meu Deus. Eu morro por dentro só em pensar
que algo possa ter acontecido…
— Ela não estava grávida, Penélope.
— Como é? — surpresa, me afastei. Ele me deu total atenção, e eu
soube que o que ouviria a seguir, não ia me agradar. Seus olhos verdes
obtiveram um tom de rendição, como se não aguentasse mais esconder algo.
— Aquilo tudo não passou de um teatro para me afastar de você. —
com essa revelação, fiquei de pé encarando-o incrédula.
— O que está falando, Seth?
— Achamos melhor que se você estivesse longe de mim, não correria
perigo. Eu só queria te proteger, Raposinha.
— Me proteger? Eu dispenso esse tipo de proteção. — gritei,
chamando a atenção de Axel. — Como pôde pensar uma porcaria dessa e…
— Não fique brava comigo…
— Eu não estou brava, estou muito puta.! Isso foi ideia dela, não foi?
Pode falar a verdade. — nem esperei ele concordar. Eu estava louca com essa
revelação, e um cantinho do meu coração saltando de felicidade, por ele não
ter me trocado por outra. — Ela te obrigou a me deixar? Sério, isso? Você tem
noção do tanto que eu sofri por sua causa, me culpando, achando que eu
tinha… Que merda!
Ele ficou de pé e tentou me tocar. Reconheci o sentimento de posse e
medo banhar seus olhos verdes.
— Não toque em mim!
— Nós vamos conversar depois, com mais calma. Você vai entender.
— Ah, cara! Apenas me deixe. — caminhei para o outro lado da sala,
com as mãos alinhando os cabelos. Eu chorei, passei mal, fiquei depressiva.
Não acredito que ele escolheu me ferir dessa forma. Babaca.
— A ambulância está indo ao encontro do Zack. — Axel disse, e eu
me virei. — E o Ezequiel está vindo para cá. Se eu for preso, a culpa vai ser
sua, ouviu, ruiva metida a espertinha?
— Olha como fala com ela. — Seth se colocou na frente, me
deixando mais puta ainda.
— Eu sei me cuidar. — joguei a indireta para ele e mirei Axel. —
Certo. Obrigada por sua ajuda.
Era noite. As transações da Dazzler estavam acontecendo de portas
fechadas. Não era horário de expediente da empresa, por isso, a presença de
Ezequiel era indispensável. Ele não poderia fazer nada legalmente, uma vez
que Zack tinha uma procuração para gerir as ações dele. Mas ele era um
Bradford e policial, não tinha como impedir a sua entrada na empresa.
Ezequiel ia abrir nossa passagem pela porta da frente. E eu levaria
Seth, ou melhor, Blake Bradford de volta para o posto que sempre lhe
pertenceu. E depois…
Eu viraria de uma vez por todas as costas para a Dazzler e os
Bradford.
TRINTA E SETE

Eu não relutei em aceitar o plano de Penélope. Ou eu enfrentava essa


guerra de peito aberto, ou virava as costas e deixava o mal vencer, deixando
as pessoas que quase me mataram vencer. Não foi mesmo difícil eu convencer
a mim mesmo. O senso de justiça e vingança que eu carreguei todos esses
anos me ajudou a tomar uma decisão.
Olhei para Penélope, sentada ao meu lado do banco de trás do carro,
ao mesmo tempo em que ela se virou para me fitar. Estava de cara amarrada, e
eu entendia muito bem como foi para ela passar tudo isso sozinha, achando
que eu estivesse indo embora com outra mulher. Eu não queria ter machucado
ela. Porque eu, mais que ninguém, sabia como era ruim a sensação de perda e
de ter que seguir em frente, forçadamente.
— Eu vou consertar tudo. — prometi a ela, mas isso só a fez se
enfurecer mais. Virou-se para olhar a rua lá fora, antes de resmungar:
— Talvez eu não queira que tente consertar coisa alguma.
Não insisti. Suspirei e também olhei a rua lá fora passando rápido. No
banco da frente, Axel dirigia e, ao seu lado, Ezequiel falava com alguém pelo
celular, possivelmente chamando reforços.
Chegara o momento da verdade. O momento que eu passei tanto
tempo desejando e temendo. Eu queria que Zachary pagasse pelo que fez, ver
todos eles afundarem no lamaçal de ganância que se enfiaram, mas agora algo
no meu peito bombeava diferente daquele sentimento de ódio. Zack não era
culpado de nada, e saber disso me dava aflição, porque eu quase fiz mal a um
inocente. Eu estive perto, várias vezes, de acabar com a vida dele, sem esperar
recuperar minha memória.
Eu jamais me perdoaria se tivesse feito aquilo.
O carro parou em frente à empresa, repleta de jornalistas. Descemos,
e Axel foi na frente, abrindo caminho com seu gigantesco corpo. Parecia um
ser sobrenatural da noite, com a cabeleira solta nos ombros, olhar truculento,
e um sobretudo negro por cima da roupa. Meu primo era mais estranho do que
eu havia imaginado.
— Ei, vocês não podem entrar. — um segurança interveio no nosso
caminho. E nossa chave mestra teve então utilidade. Ezequiel mostrou o
distintivo.
— Polícia de São Francisco. Ezequiel Bradford. Acho que não preciso
falar mais nada.
— Senhor, desculpe… Mas tenho ordens da senhora…
— Não ouviu o cara, amigo? — Axel enfrentou o segurança. — O
sujeito é dono dessa merda aqui, além de ser um tira. Vai discutir?
— Não, senhor. — aflito, olhou para Ezequiel. — Me desculpe,
senhor Bradford. Mas só o senhor pode entrar.
— Todos entram comigo.
— Um momento. — o segurança nos fez esperar, pegou o rádio
comunicador e chamou alguém. Após avisar o nome de Ezequiel, pareceu
aliviado com o que ouviu da pessoa que falava com ele.
— Sua entrada está liberada. A senhora Joanna quer vê-lo.
— Ótimo.
Eles deram passos em direção à porta, mas eu estava paralisado, de
rosto levantado, encarando a poderosa fachada. Era linda. E minha cabeça deu
um zumbido.
— Seth! — ouvi a voz de Penélope, e à minha volta tudo girava. —
Seth, precisamos ir. Precisamos de você. — eles me arrastaram para dentro e
lá foi pior ainda.
Me detive olhando o hall de entrada. O horror poderia ser visto nos
meus olhos.
Uma cena disparou em minha cabeça.
Era eu vindo dos elevadores, sem cabelos grandes e sem barba,
andando elegantemente dentro de um terno escuro. E então me virei quando
me chamaram:
“Amor.” — era Joanna, vindo correndo atrás de mim.
“Oi, querida, estou saindo para uma reunião com investidores…”
“Tudo bem. Vai no seu carro?”
“Sim.”
“Sozinho?”
“Sim. Está querendo ir?”
“Não. Onde é mesmo a reunião?”
“No escritório da Robert’s. Já foi lá comigo.”
“Certo. Te esperamos para o jantar. Te amo.” Beijou meus lábios e
ficou parada, próximo às roletas, me vendo ir embora. Quando estava na
porta, dei uma última olhada para o amor da minha vida, tão bela e graciosa.
Acenei e parti.
— Ah, cacete! — gritei com as mãos na cabeça. E nem me dei conta
que estava agachado. Quando voltei a mim, vi o pânico nos olhos de
Penélope.
— Seth! Lembrou-se de algo?
— Sim… eu… — olhei em volta e tudo me era bem familiar. Ainda
tinha muito a ser relembrando, mas estar de volta à empresa foi o gatilho que
precisava para obter respostas.
— Levanta daí cabelão, temos que nos adiantar. — Axel me ajudou a
ficar de pé. — Está tudo bem?
— Só um pouco tonto. — e a cabeça latejando de dor.
Eles me levaram para o elevador. Eu parecia a porra de um bêbado
tropeçando nos próprios pés. Olhei para Ezequiel, ele sorriu para mim. Já
tinha superado a bomba de me ver vivo. Isso, para ele, era como um sonho
realizado, e eu sabia que ter a família junta e feliz novamente, era o que meu
irmão mais desejava.
— Obrigado por ter vindo. — ele disse, e eu apenas assenti.
Chegamos ao andar da sala de reuniões. Penélope me informou e eu
tive flashes de lembranças com esse mesmo ambiente. A porta de vidro se
abrindo e, do outro lado, a sala de reuniões. Aquela em que conduzi esse
império por longo período. Fraquejei e me sentei em uma cadeira na
antessala.
— Seth… — Penélope acariciou meu ombro.
— Eu não tenho certeza do que fazer. E se eu falhar…? E se não for o
que a Dazzler precisa? Por tanto tempo eu odiei esse lugar…
— Você tem seus irmãos… sua família, amigos… seu filho. Retomar
à sua antiga vida é o mais correto a fazer.
Olhamos juntos para Ezequiel entrar na sala de reuniões.
Abaixei a cabeça e desejei estar na proteção de minha cabana. Meus
tímpanos pareciam tambores tocados pelo coração apressado.
— E se eu não quiser ficar? E se cortar lenha for meu destino?
— Será sua escolha. Mas agora, precisa salvar a propriedade da sua
família.
Assenti e fiquei de pé. Apertei forte a mão de Penélope, ficando feliz
em vê-la usar o anel de madeira que eu dei.
Através da porta aberta pude ouvir uma voz feminina:
— Ezequiel, você veio, mas nada pode ser feito. A venda está em
andamento.
— Vim impedir essa loucura, Joanna. Zack está a salvo.
— O quê? Como? Onde?
Antes de Ezequiel responder, Penélope apareceu na porta, mas Joanna
ainda não podia me ver.
— Penélope? O que faz aqui? Como entrou?
— Ela está comigo. — Ezequiel falou
— Não acreditem em nada do que essa garota disser. Joanna elevou o
tom de voz, talvez para mais outras pessoas que estavam na sala pudessem
ouvi-la. — Há tempos ela vem me chantageando com arquivos falsos sobre as
contas da empresa.
Meu coração saltava muito rápido, meus nervos sacolejavam e a
adrenalina nunca esteve tão alta. Eu respirava de forma irregular.
— Apesar de eu ter provas sobre as contas fraudadas, Joanna, não são
essas provas que vão impedir você dar um golpe na família. Nem mesmo o
Ezequiel.
— Seguranças! — ela berrou. — Tirem essa mulher daqui!
Os seguranças se aproximaram para entrar na sala, mas Axel se
interpôs no caminho.
— Parados aí, rapazes. — eles não pararam, e foi necessário usar a
força. De Axel contra eles. Meu primo tinha uma agilidade impressionante.
Com apenas um chute, usando sua bota preta de couro, jogou um dos caras do
outro lado. O outro avançou sobre ele, mas foi rapidamente desarmado e com
uma cotovelada na nuca, Axel o colocou para dormir.
Mais seguranças vieram correndo para contê-lo fui naquela direção
para ajudá-lo, mas ele me interceptou.
— Vai lá, Blake. É a sua deixa.
Voltei para a porta da sala e pude ouvir que Penélope continuava as
acusações.
— Você matou Natasha, porque ela descobriu suas tramoias. Você
mandou me sequestrar quando se deu conta que ela tinha me entregado o pen
drive. contendo as contas fraudadas da empresa. Você vai pagar por tudo que
fez, principalmente ao Blake.
— O quê? O que está falando, sua pirralha, cretina? Como ousa tocar
no nome do meu querido e falecido marido?
E então eu entrei na sala. Inicialmente tudo girou e eu precisei me
apoiar em Ezequiel. Eu estava cara a cara com ela. A mulher que assombrou
minhas lembranças por anos. Que eu tive que superar, uma das primeiras
pessoas que me recordei após ser salvo por Margareth.
Ela me reconheceu, demorou segundos me olhando, mas soube quem
eu era.
Joanna ficou paralisada com um grito preso na garganta. O pessoal
que estava sentado à mesa pareceu não ter se dado conta do que acontecia.
— Oi, querida esposa. Ou devo dizer, querida cunhada? — falei
friamente, encarando-a, dissecando-a com toda a raiva que eu guardei. —
Esqueceu de convidar o dono da empresa para a festinha.
Entre as pessoas sentadas à mesa de reunião, uma mulher loira,
elegante, levantou-se e, com lágrimas nos olhos, soluçou:
— Blake?
Era minha irmã.
— Sim, sou eu. — foi eu dizer isso e as pessoas começaram a se
levantar, aflitas eu diria. — Eu voltei para tomar conta do que é meu por
direito.
Pálida, recostada à parede, com a mão no peito, Joanna me fitava
incrédula, amedrontada. Caminhei até ela, sorri ironicamente e sussurrei:
— Bu! — e então ela revirou os olhos e desmaiou nos meus braços.
— Saiam todos! Para fora, agora. — ouvi as vozes dos seguranças,
indicando que tinham conseguido vencer Axel. As pessoas não queriam
mesmo ficar ali. Os compradores, os investidores e membros do conselho.
Abaixado com Joanna nos braços, olhei tentando encontrar Penélope.
— Chamem uma ambulância. — Ezequiel gritou e veio até mim, se
abaixando para examinar Joanna.
De longe, pude ver Penny. Sendo afastada pelos seguranças, seus
olhos brilhavam e então ela levantou a mão acenando… se despedindo. A
missão dela estava cumprida.
Olhei para a pele pálida de Joanna e continuei imóvel, no mesmo
lugar, com ela nos meus braços.

* * *

Axel foi preso. Ezequiel me informou que ele era procurado. Foi
levado para a divisão de homicídios onde Lindsay era locada. Eu senti tanto
ao saber disso. Ele se arriscou até o último momento para dar cobertura a
mim. Não sabia qual crime ele tinha cometido, e duvidava que ele pudesse ter
matado alguém. Mas se fosse culpado, que pagasse pelos seus erros.
Coube a Ezequiel dar uma rápida nota à imprensa dizendo que Zack
estava fora de perigo e que, no dia seguinte, a família Bradford daria mais
explicações. Eu não sabia onde Penélope estava, tive medo de que algo
pudesse ter lhe acontecido, mas em resposta a uma mensagem que Ezequiel
lhe mandou, ela confirmou que já estava na casa dos pais, a salva.
Eu queria ir vê-la, mas tinha muita coisa para resolver. Ainda havia
muitas respostas que eu precisava. Então fui para o hospital onde Zachary
fora levado. Era o momento de colocá-lo a par de tudo que havia acontecido.

* * *

Minha irmã só chorava e aceitou não ligar ainda para nossos pais
contando sobre mim. Era tão estanho dizer “minha irmã” e “nossos pais”.
Por longos meses e anos eu vivi sozinho. Sofrendo, isolado sem ter
alguém que me entendesse. Odiando minha família, que eu entendia ser a
culpada por eu ter ido parar na mata.
Margareth agiu como a madrasta da Rapunzel. Me manteve naquele
lugar trancado, com suas manipulações psicológicas. Ela me queria apenas
para ela, e isso foi tão nojento que eu não cansava de me punir interiormente
por ter sido tão otário.
Meu filho, vivo… e ela me vendo padecer, dizendo que
provavelmente Zack o tinha matado.
Limpei uma lágrima escondendo de Ezequiel meus sentimentos.
Que caralho! Eu sempre fui tão forte, destemido… e, agora,…
entregando facilmente os pontos.
Paramos em frente ao hospital. Coloquei o capuz da jaqueta e entrei
com meus dois irmãos. Na recepção havia policiais e um deles nos levou até a
sala de espera. Zack estava passando por uma cirurgia. E provavelmente iria
para a UTI depois.
Eu nunca pensei que estaria sentado em uma sala de espera torcendo
para a melhora de Zachary Bradford. Aquele que assombrou meus pesadelos
enquanto eu vivia na cabana.
— Vou vê-la. — fiquei de pé, informando minha decisão a Ezequiel.
— A Joanna?
— Sim. Preciso de respostas.
— Blake… — Phoebe choramingou, limpando as lágrimas. — Ela
não pode ter feito isso. Joanna… é minha amiga. Ela te amava, sofreu tanto
quando você…
— Você entenderá tudo mais tarde. — eu disse insatisfeito em ver
tudo que acontece com pessoas, como minha irmã e eu, vítimas de
manipulações criminosas. Após conseguir informação, me levaram ao quarto
onde Joanna estava internada.
Agradeci ao enfermeiro com um gesto e fiquei de pé em frente à porta
me decidindo. Pensando… Levando tempo para elaborar na minha mente o
tipo de diálogo que trocaria com Joanna. Levei a mão na maçaneta, mas antes,
ouvi vozes dentro do quarto.
— Você foi um incompetente. — ela gritava. Todas as missões que te
confiei, você falhou.
Abri a porta de supetão e ela gritava com alguém que parecia ser um
dos seguranças da Dazzler.
— Ah… — assustou-se ao me ver e soluçou. — Querido. — agora
ela chorava. — Vai, saia daqui. — falou com o segurança que, calado,
obedeceu caminhando para a porta. — Meu Deus, é tão real! Eu sonhei tanto
com esse momento, eu pedi tanto a Deus, Blake. Você não tem ideia de como
eu desejei ter minha família de volta, mas o Zachary foi um covarde e me…
Ah, meu Deus… ele me ameaçou…
Eu nem prestava atenção para ela chorando na cama. Olhava
incrédulo e pasmo para o segurança que já estava de saída na porta.
Minhas confusas lembranças não mentiam.
Era ele. O cara que me torturou, aquele que eu jurei encontrar um dia.
TRINTA E OITO

Ainda pasmo, buscando em minha mente confirmação para a minha


desconfiança, olhei para Joanna quando ela limpou as lágrimas, e então ela
disse: — Você não está muito bem de cabelão e barba. — transpareceu
cordialidade — Vai ter que cortar. E andou malhando hein… que saudade,
meu amor.
— Quem é o sujeito? — perguntei apontando para a porta. Eu queria
ter certeza que não estava enganado. O nome dele vinha vagamente em
minha mente, mas ela me daria a resposta.
— É apenas um segurança, querido. Você… não deve se lembrar, não
tem importância.
— Lembro. Lembro muito bem das fuças dele. — os olhos dela
saltaram com minha afirmação.
— Blake, venha aqui, por favor. — gritou. Me virei saindo apressado,
deixando-a gritando “Blake” sem parar. Com certeza concluíra que eu já
havia reconhecido o filho da puta.
Corri pelo corredor procurando-o. Passei por Ezequiel e disse apenas:
— Me siga, o desgraçado que me torturou está aqui. — meu irmão,
que era um homem da lei, sacou a arma da cintura, deixando nervosas as
pessoas em volta e me acompanhou ao encalço do tal segurança. Fomos pelas
escadas, assim que o vi entrar no elevador.
— Quem é? — Ezequiel me perguntou.
— O cara que estava com a Joanna, achei que era o segurança dela.
— O Robert?
— Me lembro pouco dele, mas parece que sim. — mais cedo, eu tinha
me lembrado de algo quando cheguei na Dazzler. No dia que me
sequestraram, eu estava indo para uma reunião em um escritório chamado
Robert’s.
Atrás de mim, descendo os degraus de dois em dois, Ezequiel
informou:
— O Robert tinha uma empresa que era sócia da Dazzler. Depois que
você se foi, ele se tornou acionista da Dazzler, trabalhando na diretoria com
Zack e Joanna. Não é o segurança dela.
Nada disso fazia sentido. Quem era esse cara na minha vida passada?
Não conseguia me lembrar de quase nada, apenas da cara dele quando me
torturava. Eles nem procuraram esconder o rosto porque, com certeza, me
matariam em seguida. E isso só era mais uma prova de que minha ex-esposa
estava afundada até o pescoço nessa merda.
Alcancei o térreo e o vi deixar o hospital pela porta da frente, andando
apressado como se pressentisse o que iria acontecer. Afinal, ele já devia saber
que eu estava de volta para lhe cobrar o que fez comigo.
E eu ia cobrar com juros, cada centavo.
Minha agilidade foi necessária para acompanhá-lo já no
estacionamento. Ezequiel estava bem atrás de mim. Eu tinha um único foco à
minha frente, a raiva transbordava me ajudando e podia sentir meu sangue
pulsar com a adrenalina elevada.
Praticamente saltei sobre as costas dele. Como um leão atacando a
presa, sem lhe dar chance de alguma defesa.
Só faltou o rugido, porque eu era mesmo a porra de um leão pronto
para me vingar.
Foi muito rápido, o salto nos derrubou. Ele ficou de cara no concreto,
e minha mão, atrás na sua nuca, empurrando, sem dó, seu rosto no chão.
Ele se debateu, eu o virei para que me visse.
— Eu disse que te encontraria, seu filho de uma puta.
A boca abriu para dizer algo, junto com os olhos arregalados. Mas
meu punho já estava amassando com socos, sem pena, sua cara, repetidas
vezes. Fiz isso o máximo que eu consegui; o quanto eu sonhei fazer isso todo
esse tempo.
— Você me torturou (soco), ameaçou meu filho (soco), matou uma
inocente (soco), tentou sequestrar minha namorada (soco), invadiu minha
cabana (soco), e ainda sequestrou meu irmão… — uma mão agarrou a minha
para me impedir de dar o próximo soco. Era Ezequiel.
— Ficou louco, porra? — gritou comigo. Quer pegar cinquenta anos
de cadeia por homicídio?
Ofegante, rolei para o outro lado sentindo minha mão formigar
dolorida. Mesmo sendo noite, eu podia ver o sangue de Robert brilhar
escorrendo entre meus dedos. A fúria ainda não estava aplacada.
Ezequiel vigiava o sujeito, que tossia sem parar.
— Você está preso. Tem muita explicação a dar à justiça.
— Foi ela. — ele sussurrou e, para meu deleite, cuspiu um dente. —
Porcaria. — lamentou. Olhou para mim e sacudiu o rosto. — Eu devia ter te
matado quando tive chance.
Fiquei de pé, pairando ameaçador sobre ele. Os policiais estavam
vindo correndo em nossa direção.
— Moverei céus e terras, mas vou acabar com sua vida. — prometi, e
ele riu. O rosto todo ensanguentado.
— Sua esposa já acabou com minha vida. Foi ela, foi ela a mandante
de tudo e ainda me obrigou a filmar o momento em que você era torturado,
porque queria assistir o seu sofrimento. Joanna te viu padecer no vídeo e
transou comigo na sua cama, bebendo um de seus vinhos mais caros de sua
adega, para comemorar sua morte. Está satisfeito?
— Sim. Não imagina o quanto. — sem que Ezequiel pudesse impedir,
dei um chute contra as costelas dele, o melhor e mais forte que eu consegui. E
me afastei.

* * *

Ezequiel me levou para o apartamento dele juntamente com Phoebe e


saiu mais tarde, para assistir o interrogatório de Robert. Era um lugar bonito,
não tão luxuoso como eu esperava, mas era grande demais para um homem
solteiro. A sala principal era gigantesca e clara. E tudo era muito arrumado de
uma forma aconchegante.
Joanna também seria levada à delegacia assim que recebesse alta.
Quando soube das acusações, teve outro desmaio.
Não passava de uma farsa.
Eu não senti nada com as revelações cruéis que Robert fez rindo da
minha cara. Talvez porque eu não era mais o antigo Blake Bradford, e Joana
não representava nada nessa minha nova vida. A única coisa que desejava
dela, era que pagasse pelo que me fez. As feridas em meu corpo eram algo
que carregarei para sempre.
Cansado pelo dia agitado e todas as revelações da noite, me sentei no
sofá, enquanto Ezequiel explicava que tinha roupas dele no armário que eu
poderia usar e que eu podia ficar em seu quarto. Só depois que ele preparasse
nossos pais, eu poderia ir vê-los.
— E minha casa? Eu tinha uma casa antes de… — olhei para Phoebe
que estava paralisada, de pé, me fitando sem piscar. Incrível e inacreditável,
era como ela me via.
— Sim. — ela se adiantou em responder. — Você tem. Joanna queria
vender, mas… o papai não deixou. Está trancada desde que… bom… é isso.
— Certo. Eu só preciso agora de um banho e dormir um pouco.
Preciso falar com a Penny amanhã.
— Vamos ajeitar tudo. — Ezequiel falou. — Poderá ver o Zack
depois. Se quiser.
— Quero. Preciso vê-lo. Eu tenho uma dívida moral para com ele. Me
sinto culpado por tê-lo odiando todo esse tempo. Eu desejei a morte dele, sem
saber que… meu irmão era inocente.
Phoebe se apressou em sentar ao meu lado.
— O Zack brigou com a família toda, porque queríamos vender a
empresa. O pai achava, e a Joanna também, que ninguém seria capaz de geri-
la tão bem como você fazia. Zack pode ser rabugento, mas não é o vilão.
Apenas assenti. Era doloroso imaginar que ele quase passou o mesmo
que eu.
— E… o meu filho? — tremi ao perguntar. Isso estava preso na
minha garganta desde que Penélope achou que era uma boa ideia que eu
impedisse a venda da empresa. Eu só pensava onde estava o menino que
embalava meus sonhos e me fazia enlouquecer todas as vezes que a memória
o trazia chorando, sendo segurado por um homem mascarado.
— Está com nossos pais. — Ezequiel disse. — Precisamos prepará-lo
antes, para o encontro.
— E ele…sabe sobre mim? Que eu sou o pai dele? — meus
batimentos aceleraram. Não sei o que faria se ouvisse que ele nunca ouviu
falar de mim.
— Sim. — Phoebe confirmou com um sorriso transbordando — O
Seth é um garoto inteligente. Já está fazendo sete anos e sabe que o pai
verdadeiro morreu em um acidente e o Zack é o tio.
O som do meu suspiro de alívio não era para ser tão alto. Mas dane-
se, minhas emoções ultimamente não eram segredo para ninguém.
O que eu guardei para mim em cinco anos, estava expressando
abertamente em um dia.
Depois que Ezequiel e Phoebe se foram, tomei uma ducha e fiquei
parado olhando o armário do meu irmão. Ezequiel era do tipo simplista sem
perder o bom gosto. Olhei suas camisetas, jeans e camisas. Tinha algo em
comum comigo: não gostava de peças coloridas, optava sempre por cores
neutras.
Peguei uma camiseta e uma calça moletom.
Decidi não me apossar da cama dele, fui para sala e lá pude olhar com
calma as coisas em volta. Me deparei com uma foto em que apareciam os
quatro irmãos. Me sentei no sofá com o porta-retratos nas mãos, fitando meus
olhos na fotografia em que eu aparecia, sem acreditar que era mesmo eu.
Cabelos curtos, sem barba e sorridente.
Ezequiel e Zachary estavam ao meu lado, seguidos de Phoebe.
Eu tinha uma família e me flagrava gostando muito desse fato. Eu
tinha uma família completa e que não era vilã como eu supus durante anos.

Ezequiel chegou quase às duas da manhã. Eu estava em sua varanda


observando a noite, vagando pelos meus pensamentos, sentindo uma leve
saudade da minha pacata vida na cabana. Eu já estaria dormindo naquela
hora, porque teria que acordar bem cedo para fazer as entregas do dia.
Meus músculos reclamavam da falta da força diária usada com o
machado. E tomar banho em chuveiro não era nada legal, quando se acostuma
a mergulhar no lago, sentindo a água refrescar o corpo dolorido.
— Perdeu o sono? — ele questionou. Fiquei de pé na porta da
varanda, observando-o depositar a arma, distintivo, carteira e chaves na
mesinha de centro.
Em seguida, arrancou um colete e se acomodou no sofá para tirar as
botas.
— Como foi? O desgraçado abriu o bico? — eu estava ansioso por
respostas.
— E como abriu! Toma cerveja?
— Sim.
Ele se levantou, foi à cozinha e voltou com duas cervejas. Me
entregou uma e se sentou novamente.
— Joanna tinha um plano antigo, Blake. Você ferrou com a vida do
pai dela.
— Como assim?
— Pelo menos é o que ela acredita. Segundo Robert, o pai dela tinha
uma fábrica de produção de baterias para celulares e notebooks, mas após um
desentendimento, você encerrou a parceria com eles, indo buscar outros
fornecedores. E então eles faliram, e o pai se suicidou.
Olhei para a cerveja, mas não a tomei. Não lembrava de nada disso.
Era irritante não ter essas respostas na mente. Será que eu fui um filho da puta
com um inocente?
— Mas não se sinta culpado. — Ezequiel pareceu ter acesso a meus
pensamentos. — Eu me lembro muito bem desse caso. Fomos obrigados a
romper o contrato com a empresa dele, pois estava envolvida em falcatruas.
— Então, Joanna achou que seria legal se casar comigo para vingar o
pai?
— Ela e Robert eram namorados antes de ela se casar com você. E os
dois ficaram juntos todos esses anos, e não é só isso. Ela queria a Dazzler toda
para eles. Isso explica essa loucura dela em querer vender a empresa, desde
que casou com você. A venda seria por quase uma bagatela, e ela era a
verdadeira compradora.
— Porra. — só então tomei um gole de cerveja. Parecia roteiro de
cinema.
— Sim. Ele falou também de Margareth. A mulher que você
mencionou.
— Sim, e aí? Ela estava também envolvida?
— Até certo ponto. Ela entrou em contato com Joanna quando
descobriu que Penélope estava em posse do pen drive. Ela só queria acabar
com sua garota. E não contou para Joanna que, na verdade, o cara que estava
com Penélope era justamente Blake Bradford.
Ouvir isso foi difícil. Ser traído pela mulher que eu tinha tanta
consideração e podia garantir que amei, de um jeito diferente, eu amei
Margareth. Porque ela salvou minha vida e representava minha única família.
Agora não sentia nada mais além que nojo e pena dela.
— Ela não está morta. — Ezequiel revelou com cuidado, me pegando
desprevenido. Senti minhas sobrancelhas elevarem em descrença.
— Como é que é?
— Os caras que invadiram a casa onde você se escondia tinham a
única missão de pegar o pen drive e executar Penélope. Esse foi o trato com
Joanna.
— Caralho! — rosnei e fiquei de pé. Pensar na minha Raposinha em
perigo na mão daqueles merdas… Minha fúria voltou a inflamar. Quero
acabar com a vida de cada um deles.
— E onde essa vagabunda está agora?
— Margareth? Escondia em Miami. Robert assinou um acordo de
redução de pena. Ele falou tudo, por mais de duas horas. Tivemos sorte em
pegar o dedo-duro antes da chefe dele.
Olhei para a expressão de vitória de Ezequiel, mas, para mim, só
acabaria quando todos estivessem pagando pelo que fizeram.

* * *

Às oito da manhã, saímos de casa para visitar Zack no hospital.


Coincidentemente, o mesmo em que Joanna estava. Mais uma vez, adiei o
encontro com Penélope e nem ousei ligar para ela. Não era algo que queria
resolver em uma ligação.
O destino parecia orquestrar tudo à nossa volta. Chegamos bem no
momento em que Joanna estava sendo levada. Não estava algemada, mas
gritava:
— Não toquem em mim, eu sei me locomover. — havia uns quatro
policiais em volta dela. Estava de saltos, carregava uma bolsa e óculos
escuros no rosto.
— Ei. — Ezequiel correu na frente quando eu fiquei paralisado vendo
a cena. — O que está acontecendo? Para onde estão levando-a? — perguntou
aos policiais.
— Ela tentou fugir essa madrugada. — um policial respondeu , e um
homem de terno adiantou-se na direção de Ezequiel.
— Sou advogado da senhora Bradford. Está acontecendo uma grande
injustiça aqui. Tudo será esclarecido.
Joanna ofegava e bufava feito um animal preso. Seus olhos estavam
em chamas. Então ela me viu e ficou ereta.
— Blake… — tirou os óculos escuros.
Dei alguns passos em sua direção.
— Não fui eu, meu amor. Juro. É… uma armação, acredite em mim.
Você não se lembra, mas éramos felizes.
— Por que pensa que eu não me lembro?
— Eu sei que perdeu a memória e…
Eu não queria saber como ela soube disso. Era só mais uma prova
contra ela.
— Felizmente, para mim, Joanna, não preciso te arrancar de minha
vida. Você mesma já fez isso ao se casar com meu irmão, anulando assim
nosso casamento. — aproximei meu rosto do dela e emendei: — E quer saber
da grande novidade? A próxima senhora Bradford que estará ao meu lado será
a Penélope Dawson, que você insistiu em tentar sequestrar.
Isso sim, eu tive muito prazer em informar. Me deliciei com a
expressão que ela fez.
— O quê? — ela gritou, e no seu rosto apareceu o pavor e revolta pela
notícia. — Aquela fedelha intrometida? Como pode ser tão cego? Ela te
manipulou.
— Não. Ela me amou quando eu não tinha nada para oferecer.
Acabou, Joanna. Não foi um prazer te rever.
Como resposta, cuspiu na minha cara, mas foi contida imediatamente
pelos policiais.
— Sabe o que foi melhor, Blake? — riu sarcasticamente — Poder
gastar seu dinheiro, ter a melhores joias, trair você com outro cara e, no final,
ver sua expressão patética enquanto era torturado. Cada vez que olhar para
sua mão, vai se lembrar de mim. Minha marca, para sempre.
— Se isso te faz feliz, vai ter muito tempo atrás das grades para ser
feliz. — dei um passo para o lado, indicando aos policiais que poderiam levá-
la.
— Você devia ter morrido! — berrava, mostrando quem ela era de
verdade. — Eu vou acabar com sua raça, você vai pagar! Isso não acabou
para os Bradford. Não acabou!
Me sentei e, de cabeça baixa, soprava controlando meus nervos. Não
iria deixar que aquilo me afetasse. Não tinha porque me afetar. Eu não era
mais o velho Blake e nada da vida passada dele me pertencia mais.
— Está tudo bem? — senti uma mão em meu ombro e olhei Ezequiel.
— Eu vou ficar bem.
— Ainda quer ver o Zack? Ele já sabe de tudo e está pronto para te
ver.
Mirei os olhos de Ezequiel. Eu nem sabia se conseguia ou se queria
continuar na vida deles. Mas seu olhar pedia que eu aceitasse o seu pedido, e
eu não poderia ser menos que grato por tudo que fez por mim.
— Sim, vamos.
Zack ainda estava na UTI, se recuperando da cirurgia. Nossa entrada
foi liberada, e assim que passei pela pequena porta da área de contenção, Zack
nos viu e tentou erguer o pescoço. Fiquei estático no mesmo lugar trocando
olhares com ele. Zack estava horrorizado me fitando, sem piscar, incrédulo. E
seus olhos se encheram de lágrimas.
Eu me aproximei devagar, prendendo a respiração, abalado por estar
cara a cara com o homem que eu odiei por tanto tempo.
Então, colocou o braço sobre os olhos e chorou. Era um choro
masculino, contido, como se pudesse se envergonhar de estar em uma
situação tão vulnerável.
Eu não sabia o que fazer, fiquei apenas parado, também emocionado.
Porque olhar para ele, me vinha flashes de memória antigos em minha mente.
Era como se isso resgatasse minhas antigas lembranças, me trazendo
recordações da vida que tive; meu cérebro me contava minha própria história.
— Eu… achei que era mentira. — Zack soluçou. Tirou o braço dos
olhos e sua mão tremula levantou em minha direção. Eu a segurei de
imediato.
— Eu quis tanto te ver uma última vez para… dizer… que seria fiel a
você… Me perdoe por não ter conseguido.
— Você conseguiu. — eu o consolei. — Você protegeu nossa família.
Estamos todos orgulhosos de você, Zachary.
— Ah, que merda! — ele riu, ainda chorando. — Você sempre me
chamou de Zachary. Você parece a porra de um selvagem. — sua mão
apertava tanto a minha, em uma nítida impressão de que ele tinha medo de me
deixar ir embora. — Pode… me dar um abraço, Blake?
Sorri para ele e me abaixei para abraçá-lo, sustentando seu peso
enquanto chorava mais ainda no meu ombro.
TRINTA E NOVE

Eu não cansava de olhar meu celular. Como se ele fosse me dar uma
resposta sobre Seth. Que agora atende pelo nome de Blake. Que confusão,
meu Deus!
Meu sonho havia ficado para trás. Eu decidi abandonar a Dazzler
depois dos últimos acontecimentos. Não sei se ia querer ficar trabalhando lá,
encontrando meu Simba pelos elevadores, e até ele fingindo que não me
conhecia.
A imagem dele socorrendo Joanna enquanto eu era retirada da sala
não saía da minha cabeça. Me atormentou essa noite.
Ele não era mais meu Simba. Pressentia que da próxima vez que o
visse, estaria de cabelos curtos, sem barba, fazendo cosplay de CEO
bilionário.
E isso não deveria me fazer sofrer. Entretanto, não conseguia ter
controle de minhas emoções. As raízes que ele fincou no meu coração
estavam bem fortes, difíceis de libertar.
Acordei cedo e fui para a universidade. Consegui resolver meu
problema de faltas e farei alguns testes e aulas extras para tentar me formar
com minha turma. Na volta para casa, pedi ao taxista para me deixar na loja
da minha irmã. Na casa dos meus pais o clima estava insuportável, ambos
estavam paranoicos, obsessivos por me protegerem. Meu pai chegava a bater
na porta do meu quarto de madrugada, para saber se estava tudo bem comigo.
Entrei na loja, indo direto para as instalações do fundo, procurar por
Carly. Desde o sequestro, ela estava meio traumatizada e mal ficava na parte
da frente da loja.
Subi pela pequena escada em formato de caracol e a flagrei com uma
estranha aparência, perplexa, de pé diante da televisão, no quarto improvisado
onde às vezes ela e Brian dormiam.
— Carly. — chamei sua atenção.
— Penny. Venha ver isso.
Corri para perto vendo uma imagem que jamais esperaria ver.
— Joanna foi presa. — ela antecipou o que eu já estava assistindo.
Nas imagens, Joanna era levada quase à força enquanto esbravejava feito uma
louca: “Eu sou Joanna Bradford, vou acabar com vocês, seus policiais de
merda!”.
— Confirmaram mesmo que foi ela? — questionei, sem acreditar nas
imagens.
— A reportagem disse que possivelmente ela orquestrou o sequestro
de Zack.
— Que vagabunda!
— Eu que o diga. Essa vaca ligou para os sequestradores e mandou
que me matassem, acredita?
Me sentei na cama completamente chocada. Eu já sabia que ela estava
envolvida com toda essa baixaria, mas não achei que a pegariam tão rápido.
Duvidei que fossem encontrar provas com essa agilidade. Mesmo com algum
depoimento incriminador do Seth.
Eu gostaria de saber o que estava acontecendo, mas não ia aparecer
por lá dando uma de intrometida.
Carly se jogou na cama atrás de mim e, de uma forma maldosa, riu:
eu distingui aquilo como o hino de vitória.
— Acho que vou fazer uma visitinha ao Zack… O novo divorciado
do mercado.
— Eles não se divorciaram ainda. — eu disse.
— Mas vão. Acha que o cara vai ficar casado com a mulher que
planejou o sequestro dele?
Olhei-a dando pouco crédito à sua repentina euforia.
— Ele é meio emburrado — Carly analisou — Mas posso mostrar
como se come gostoso…
Acertei uma almofada bem no rosto dela.
— Meu Deus! Você é patética, Carly.
— Por quê? Só você que pode fisgar um Bradford bonitão? Sofri
demais com o Brian… Acho que mereço um pouco de diversão.
— Eu peguei o Blake quando ele não era Blake. Era um Zé Ninguém
lenhador. Aposto que se fosse um CEO nunca teria reparado em mim.
— Sei não, hein? Lembra quando o Zack ficava de olho cumprido
para cima de você? É gene de família, Penny. Eles devem ter alguma atração
inata por ruivas.
— Escuta aqui, Carly. — me virei apontando um dedo para ela —
Você não vai perturbar meu chefe recém-operado.
— Ué… Não foi você que disse que ia deixar a Dazzler? — ela foi
cínica nesse momento — Ele pode passar de seu chefe para seu cunhado, o
que acha?
Revirei os olhos. Esse assunto me deixou com os nervos à flor da pele
e me flagrei sendo egoísta. Só porque eu não tinha o Bradford mais velho,
estava estragando as chances de minha irmã pegar o caçula. Desde quando me
tornei amarga?
Carly percebeu minha abrupta mudança de humor e veio até mim. Ela
já sabia do que se tratava. Me abraçou por trás, descansando o queixo no meu
ombro.
— Ah, irmãzinha. Não fica assim. Ele vai te ligar. O Seth não iria
simplesmente seguir a vida…
Me levantei e, abraçando a mim mesma, deixei explicito o sofrimento
do meu coração partido.
— Talvez ele não precise mais de mim. Está em outra vida agora, tem
um filho para criar… Ele não vai querer levar outra mulher estranha para a
vida do menino. Ainda mais uma que mal se formou…
— Xô!, pensamentos depreciativos! — Carly me tomou em seus
braços. — Se arrume que a gente vai dar uma volta. O perigo acabou. Vamos
ao shopping, fazer compras, levar uma lembrancinha para a Tati que já deixou
o hospital. Vamos fazer um dia feliz. Vou até deixar a visita do meu adorável
CEO para depois.
— Ele vai deixar de ser CEO… — cogitei.
Ela me empurrou pelos ombros para fora do quarto.
— Ok. Adorável caçula ranzinza… E que tem um pacote enorme.
— Meu Deus! Você é péssima. — acabei rindo ao declarar isso.
Carly tinha razão. Sair um pouco me ajudou a aliviar a tensão.
Éramos duas irmãs andando pelas lojas, experimentando roupas, vendo os
preços absurdos e decidindo se valia a pena ou não.
— Você abusa dos decotes. — acusei ajudando-a com um vestido no
provador.
— Aquele safado disse que eu tenho uma bunda grande. — ela espiou
o bumbum pelo espelho.
— Quem disse isso? O Zack?
— Na verdade, o vagabundo do sequestrador disse e Zack concordou.
— ajeitou os seios no decote.
— Homens. — revirei os olhos — Tira esse vestido, Carly. Ficou
parecendo a Nick Minaj.
— My anaconda don’t. My anaconda don’t. — balançou a bunda no
espelho.
Eu dei uma gargalhada e saí do provador, deixando-a cantando a
música da Minaj.
— Sortuda será você que vestirá apenas roupas de grife que o macho
milionário vai comprar. — cutucou meu braço enquanto saíamos da loja.
— Nem venha, não tenho macho rico.
— Ser sonsa nunca combinou com você, Penny. Vamos comer alguma
coisa.
Enquanto comíamos, deixei claro para ela que era sério a questão de
ir visitar Zack. Ele estava ainda recuperando-se no hospital. Mais tarde,
poderíamos, nós duas, agradecê-lo por tudo que fez. E Carly aceitou.
Saímos dali e fomos direto para a casa de Tatiana. Os pais dela
ficaram meio apreensivos quando me viram, mas depois que eu expliquei que
não havia mais perigo, se acalmaram. Me acalmando também, afinal eu
morria de medo de que algum deles me culpasse.
Quando o fim de dia chegou, Carly me deixou na casa dos nossos pais
e fugiu de lá com a desculpa de que tinha algumas coisas que teria que
resolver na loja, para que a mamãe não a impedisse de partir.
Era mais uma noite sozinha, depois do jantar, olhando o celular.
Ludicamente achando que ele entraria em contato.
Uma ligação apenas…
Mas não houve nada, até eu dormir.
Na manhã seguinte, recebi uma mensagem do pessoal da Dazzler.
Tínhamos que concluir a prévia para ser apresentada na diretoria. E mesmo
que eu fosse sair de lá, teria que dar um aviso prévio, pois tinha um contrato
firmado.
Fui com o coração na mão, achando que iria dar de cara com Seth.
Mas não foi o que aconteceu. Passei a manhã toda lá, inclusive fui à diretoria
exibir a propaganda, e nem sinal dele ou de qualquer Bradford.
Tive que aguentar os cochichos a manhã toda, enquanto passava pelos
corredores da empresa. Todos ali pareciam saber de alguma coisa, mesmo que
ainda nada na mídia tivesse sido divulgado oficialmente.
Quando eu estava na roleta passando para ir embora, me virei bem na
hora em que as meninas da recepção cochichavam.
— O que foi, hein? — andei até elas — Estou suja por acaso?
— Desculpa, Dawson. — Loira Linda número um disse — Estamos
apenas dizendo o que todos estão falando por aí.
— Sobre o quê?
Loira Linda Dois respondeu:
— Que você matou o dragão da empresa, vulgo Joanna, e ainda
trouxe o Manda-Chuva Bradford de volta. Você é a mais nova heroína da
Dazzler.
— Sério? — senti meu semblante relaxar.
Elas riram sem vestígio de ironia. Estavam pela primeira vez sorrindo
para mim, como se orgulhassem de mim, como se enfim me acolhesse como
parte da empresa.
— Só esperamos que você seja legal, diferente da defunta Joanna.
— Como assim?
— É a conversa do cafezinho. Você é a garota do Blake, a nova
senhora Bradford. Parabéns, o proletariado te aclama.
Eu ri, abanei os cabelos e me virei me afastando delas. Ouvir isso era
muito bom, mesmo sabendo que elas estavam erradas. Eu não era garota de
ninguém.
Fui direto para casa, porque me sentia enjoada. Passei a manhã toda
com um café e uma torrada.
— Mãe. — chamei assim que entrei. — Tem almoço pronto? —
joguei a bolsa no sofá e comecei a desabotoar o casaco. — Estou com o
estômago nas costas.
Parei de retirar a peça quando um cheiro familiar chamou minha
atenção. Aspirei em volta e parecia que tinham borrifado no ar uma fragrância
de… coco…?
— Oi, Raposinha.
— Puta que pariu! — dei um grito e me virei dando de cara com
Blake bem no corredor. Com a mão no peito, me refazendo do susto, percorri
meus olhos pelo corpo dele. Estava irreconhecível. Vestia um terno
aparentemente muito caro, na cor azul e que aderia à sua forma com uma
perfeição impressionante. Nos pés sapatos lustrosos.
Para meu alívio ainda existia a barba, uma pouco mais bem-feita e
aparada, e os cabelos amarrados bem arrumados no alto da cabeça.
— Seth… Digo… Blake? O que faz aqui? Onde estão meus pais?
— Eu os levei para passar um tempinho com a sua avó. Estamos
sozinhos. — caminhou até mim. — E então? Gostou? — abriu os braços se
exibindo.
— Vai andar assim agora? Será meu novo chefe?
— Eu quero estar com minha família, Raposinha. Perdi muito tempo
sozinho, isolado… O Zack disse que vai me mostrar a Dazzler, quando estiver
bom.
— Já falou com ele? Como foi? — tive interesse em saber disso.
— Foi muito bem. Eu estou surpreso por estar gostando tanto de ter
irmãos. Falta meu filho e os coroas.
— Ainda não viu seus pais?
— Não. Estou indo lá hoje, no jantar. Vim te buscar para ir comigo
e…
— Me buscar? — o interrompi — Por quê? O que eu tenho a ver com
isso?
— Como assim? Você é minha mulher. É minha namorada.
— Set… Blake… — eu tinha que acostumar com os nomes. — Não
é assim que funciona. Você chega aqui, invade minha casa e já vai dizendo
que eu vou jantar com seus pais? Nem perguntou se é o que eu quero. Além
do mais, eu estava brava com você, não se lembra?
Ele empalideceu e engoliu em seco antevendo uma resposta ruim, um
término definitivo da minha parte.
— Você… não me quer mais?
Lógico que eu queria. Estava passando as piores noites da minha vida
sem ele.
— Eu só acho que você devia… Nós nem conversamos a respeito de
tudo. — gesticulei nervosamente.
— Podemos conversar quando já estivermos de bem. Vou te contar
tudo. Só não me deixe. — pediu ainda se mostrando temeroso — Tudo que eu
ganhei recentemente não significaria nada se você me deixasse.
Duas lágrimas seguidas deixaram meus olhos. Eu era muito fácil.
Louca por esse homem.
— Eu achei que nem… tínhamos mais nada. — de olho virado,
enrolei o cabelo no dedo.
— Como não? Eu sou seu Rei Leão cheirando a coco. Como pode
duvidar disso?
Ri e chorei ao mesmo tempo, desejando não estar fazendo careta.
— Eu duvidei, droga. E sofri igual a uma condenada.
Veio até mim, acariciou meu rosto e falou:
— Me perdoe por isso…
— Só isso? — me fiz de durona. — Pelo que passei achei que um
pedido de desculpas seria pouco.
— Vou fazer da forma correta, para que não haja mais dúvidas. — ele
então se pôs de joelhos, se apoiando em uma perna dobrada e segurou minha
mão. Seus olhos verdes brilharam me fitando — Penélope Dawson, aceita ser
minha namorada, minha raposinha, e me deixar amá-la e lhe fazer feliz da
forma mais intensa que um homem possa conseguir? — eu chorei feito uma
criança, e ele continuou dando um de seus raros sorrisos — Porque quando eu
não tinha nada além de vazio, você olhou para mim e me fez querer lutar por
algo novamente. Quando minha fé era pouca e minhas feridas eram minhas
únicas companhias, sua presença trouxe riqueza à minha humilde cabana. Por
isso, não tem como eu te deixar, Raposinha. Nunca. Eu te amo. Sendo Seth o
lenhador ou Blake o empresário, eu te amo.
— É claro que eu aceito.! — pulei nos braços dele derrubando nós
dois no tapete. — Porque eu te amei cedo demais, Blake. — o apertei nos
meus braços o mais forte que consegui e sussurrei: — Graças a Deus não
cortou os cabelos.
Nos beijamos ali mesmo, rolando no tapete da sala da minha mãe. Eu
queria despentear os cabelos dele imediatamente e fazer amor mais louco e
árduo possível, sentindo seu corpo grande tremer junto ao meu mais uma vez.
QUARENTA

Com urgência arranquei o terno de Blake e gemi docemente quando


suas mãos entraram por baixo do meu vestido. Eu estava bem em cima dele,
sentindo seu poder viril despertar, pronto para me preencher da forma mais
voraz que ele poderia desferir.
Sem contenções, sem relutância, eu queria tudo, no mais agradável e
rápido ritmo. Queria ter de volta o peso dele sobre mim, seus cabelos em
minhas mãos e seu pau no meu interior, me aplicando a maior e melhor dose
de adrenalina e êxtase.
Querer é diferente de precisar, e eu precisava mesmo que ele me
comesse no sentido mais erótico possível, porque eu sabia que mesmo durante
a maior safadeza, ele estaria me amando, se doando por completo, esta
sempre fora nossa troca de carinho e paixão.
Eu o levei para o meu quarto, por precaução, deixando atrás da gente
um rastro de peças de roupas.
— Raposi…
— Não fale, caralho! — avancei sobre ele. — Me beije apenas, senão
vou morrer.
— Estou sem preservativo. — empurrou meu queixo.
Parei de agarrá-lo como uma ninfomaníaca descontrolada e o encarei.
Meus olhos deslizaram para baixo, passando pelo peito ofegante e chegando à
cueca esticada pela ereção.
— Eu pago para ver. — puxei a cueca dele. — Se vier raposinha ou
leãozinho, a gente cria, mas esse pau vai estar dentro de mim agora.
— Porra! Essa boceta deve estar com queimaduras de terceiro grau de
tanto fogo. — ele riu, me pegou nos braços e andou até minha cama
balançando as pernas para terminar de tirar a cueca no caminho para o quarto.
Blake estava sobre mim, com nossos corpos grudados, seu pau
latejando contra minha entrada úmida. Arranhei suas costas e mordi sem
pressa o ombro, lambi sua pele sentindo me satisfazendo com o odor de sabão
de coco que ele fizera questão de usar. Eu o queria a níveis enlouquecedores.
O beijo veio com calma, um contraste diante da minha euforia inicial.
Calmamente saboreava devagar minha boca, segurando meu queixo e
controlando minha inquietude. Quando esboçou um sorriso safado, eu soube
que ele iria me fazer gemer mais um pouco antes de me dar a cura para meu
fogo.
Deslizou a boca quente para além do meu pescoço, gerando um
estremecimento gostoso em mim. Meus seios doíam e cada um deles
implorava por uma atenção especial. Blake mostrou que se sentia saudoso em
sentir o gosto de minha pele e eu deveria esperar ele se satisfazer me dando
tanto prazer no processo. Devagar, chupando e rolando a língua ao redor do
mamilo e tornando a chupá-lo em seguida. Repetia este movimento de um
seio para o outro alternadamente.
— Ahh! Caramba! Me coma logo, de uma vez! — implorei, agarrada
a seus ombros.
— Você fica mais linda assim: apressadinha. — disse. Se ergueu,
ficando quase sentado sobre mim e desprendeu os cabelos, sacudindo a
cabeça em seguida, para libertá-los, lindos e macios, pelas costas e ombros.
Caramba! Que delícia de homem, eu ia gozar só com aquela visão.
Uma visão gloriosa que me fascinou desde o primeiro momento.
— Está na hora de segurar na juba do leão. — ele falou e voltou para
cima de mim.
Lentamente, passou a cabeça grande do pênis contra minha entrada,
espalhando minha umidade, lambuzando-a para me penetrar e me deixar mais
louca, piscando e atraindo-o para dentro de mim de uma só uma vez.
Meu corpo vibrou e eu segurei em seus cabelos. Seu corpo era quente
e duro, muito forte e exalava o melhor cheiro que um homem poderia ter. Um
cheiro limpo e masculino.
— Olhe para mim, Penny. — pediu seduzindo meu olhar. Eu vi
promessas quentes e apaixonantes em seus olhos e podia apostar que ele via
as mesmas coisas nos meus.
— Venha, de uma vez. — sussurrei, e ele se abaixou para travar seus
lábios nos meus e, durante o beijo, entrou todo me obrigando a apertar minhas
mãos nos seus cabelos e no seu bíceps. Foi devagar, mas sem interrupção, até
me deixar sem espaço, apertada e sedenta. Meu interior o envolvendo,
precisando de movimento, sentindo-o tão duro, tocando-me profundamente.
— Caramba! — choraminguei. — Você é tão gostoso… nem acredito
que é meu, todo meu.
Ele riu e concordou.
— Sim, todo seu.
Ergueu o quadril e o bateu de volta contra mim, trazendo estrelas para
meus olhos. Caralho! Era de longe a coisa mais deliciosa que já experimentei.
Eu via a constelação, devido à força de sua possessão.
— Ah, que saudade eu estava, minha ruiva. — ele gemeu e voltou aos
movimentos de quadris. — Deus!, eu quero morar nessa boceta! — exclamou
de felicidade, atirando-se fortemente contra mim, criando uma combustão
deliciosa dentro de mim.
Agarrada ao corpo dele, eu gemia alto, sem nem ligar que alguém
pudesse nos escutar. Minhas mãos passeavam apalpando todos os músculos
dele, enquanto sua boca percorria partes do meu corpo, beijando e chupando.
Seth se virou na cama, sentou-se sem sair de dentro de mim.
Estávamos muito colados um no outro, minha respiração forte fazia meus
seios tocarem em seu peito musculoso.
Com as pernas em volta da sua cintura, rebolei sob o olhar de
adoração dele.
Era o momento de saborearmos o sexo de forma lenta e apaixonante.
Era a posição melhor para nos olharmos profundamente e captar as emoções
do outro.
— Eu te amo, Raposinha.
— Eu mais ainda. — subi e desci gostosamente, saboreando cada vez
que o pau me preenchia.
Ele me beijava vorazmente segurando meus cabelos, deixando seu
grande corpo e belos cabelos à minha total disposição. Eu não sabia a qual
deles me dedicar.
Não queríamos nos largar, não queríamos nenhum espaço entre a
gente, era como se estivéssemos fundidos em um só.
Como se seguisse um roteiro, eu o empurrei para deitar na cama, e
meu cabeludo ficou a coisa mais deliciosa desse planeta, com as mãos atrás
da cabeça, sorrindo safadamente, me olhando enquanto me contorcia sobre
ele. Devagar, eu rebolava, subia e descia. Era como uma dança sensual ligada
na eletricidade.
Não era apenas aparência. Eu me sentia mesmo forte, mulher
poderosa e, acima de tudo, amada.
Ele segurou nos meus seios e aplicou dentro de mim cada tantinho de
sua força, me fazendo gemer alto com a sua grossura e dureza, em harmonia
com meu interior úmido e escaldante. Dei a nós dois uma explosão
indescritível, tremendo em seus braços e sentindo o sabor ofegante de seus
lábios quando ele também se esvaiu em gozo dentro de mim.
Me agarrei ao corpo dele, ofegando e sorrindo, a pulsação voltando ao
normal. O bem-estar de ter meu amado de volta me enchia de contentamento.
— Seu quarto é bem a sua cara mesmo. — ele observou em volta.
— Acho um ar adolescente. Mas sempre tenho preguiça de reformar.
— Você é mesmo fã da Dazzler. — apontou para o logotipo na
parede.
— Muito. Passei parte da vida devotada a ela, a par de cada pequena
coisa que acontecia.
— Lembra-se de mim… Do meu “eu” antes?
Me apoiei no cotovelo para olhá-lo.
— Lógico. Quando eu comecei a olhar para a empresa, você era o
CEO. Todos o admiravam e me lembro que quando o falso acidente
aconteceu, foi um choque para todos. Me lembro que eu torcia muito pela a
felicidade da pobre viúva, e quando Joanna se casou com Zack, fui a primeira
a ser fã do casal.
— Você era uma louca.
— Demais. — dei uma risada sem tirar os olhos da expressão
pensativa dele.
— E nem pareci familiar para você quando me viu na mata?
— Isso é impressionante. Não passou pela minha cabeça e nem te
reconheci. Mas sabemos que a mente humana elabora imagens conforme as
informações. Minha informação de cinco anos antes era de que Blake estava
morto, mesmo que eu achasse você parecido, para mim seria apenas o
cabeludo parecido.
— E quando teve certeza?
— Quando eu vi a foto na sala da presidência.
Calado, ele levantou a mão, acariciou meu seio com as costas do dedo
e ajeitou meu cabelo.
— Esse tempo todo estava fodendo com o dono da empresa que tanto
ama e nem se deu conta… — comentou me fazendo suspender o ombro com
pouco caso.
Me sentei na cama e ajeitei os cabelos.
— E devo dizer que o dono da Dazzler fode muito melhor na
realidade que nas minhas fantasias de cinco anos atrás. — pisquei para ele de
forma provocante.
— Ah, agora que você não escapa mesmo. — puxou para cima de seu
corpo.
— Cara… Me largue. Preciso de um banho.
— Repete agora bem aqui na minha cara, o que você disse. Porque eu
gostei demais de ouvir aquilo. E aí você vai ver o que é bicho do mato de
verdade.
Ele estava me segurando, com os dois braços enlaçando meu corpo,
me mantendo presa. Bem perto da sua boca, confessei:
— O Blake do passado não me comia metade que o Blake selvagem
do presente me come, tenho certeza disso. Sou tão sortuda.
Isso ele gostou mais ainda de ouvir. Sorriu satisfeito.
— Minha Raposinha safada. — em sua mão enorme, enrolou meus
cabelos e me puxou para beijá-lo, enquanto crescia volumoso e duro embaixo
de mim. Eu já estava pronta para tê-lo novamente me amando.

* * *

Eu não queria ir com Blake para a casa dos pais dele. Era um jantar
muito íntimo, seria a primeira vez que os pais e o filho iriam revê-lo. Mas ele
me convenceu. Queria alguém de sua nova vida de lenhador bem ali ao lado
dele, para que ele pudesse ter uma segurança em encarar todas aquelas
pessoas emocionadas, mas que ele ainda não se lembrava muito bem delas.
Eu era a pessoa mais próxima do que ele vivera como lenhador.
Então, por ele, para lhe dar força e segurança, eu fui.
Escolhi um vestido composto e até calcei saltos. Era um jantar na
mansão Bradford, e eu iria como a namorada do primogênito. Era uma grande
responsabilidade.
Eu o ajudei com o terno e os cabelos. Ele era deslumbrante dentro do
terno. Na verdade, vestindo qualquer coisa.
O analisei por alguns segundos, sem que percebesse minha adoração
com o olhar. Eu tinha mesmo muita sorte. Quando escrevi na minha lista que
queria um homem, não sabia que o destino tinha escolhido um dos melhores
exemplares para mim.
Quando terminou de se olhar no espelho do meu quarto, sorriu na
minha direção.
— Estamos prontos? — estendeu a mão para mim.
— Estamos prontos. — segurei sua mão e apertei.

Ezequiel tinha emprestado o carro. Vendo-o dirigindo um carro que


não fosse sua velha caminhonete, comecei a me perguntar se ele se afastaria
de sua personalidade que me encantou desde o início. Seth, agora Blake, tinha
tão pouco, mas possuía tudo para ser feliz. Viver na cabana, cortar lenhas,
tomar banho de cachoeira eram sua rotina e ele gostava disso.
Olhei para seu semblante e o vi lutando para se adequar ao mundo de
seu antigo “eu”. E o mais impressionante é que ele queria tomar a vida de
Blake de volta para recuperar sua memória como era antes.
Ele estava em conflito consigo mesmo. Queria deixar tudo para trás,
vestir o velho jeans e ir cortar lenha, mas também queria experimentar as
novidades. Eu vi emoção em seus olhos quando disse que Zack irá ajudá-lo na
empresa.
E agora, era o ponto alto de seu retorno: reencontrar o filho que antes
jurava estar desaparecido.
Chegamos à mansão e os portões foram liberados. Ezequiel já sabia
que estávamos chegando.
Acho que Blake e eu compartilhávamos da mesma tensão
claustrofóbica. Como se o carro fosse encolhendo ao nosso redor. Ele engoliu
em seco quando parou o carro em frente à exuberante fachada e me olhou.
— Vai dar tudo certo. — eu disse acariciando sua mão.
— Eu sei. Esperei por esse momento todos esses anos, desde que me
lembrei do meu filho.
— Você tem a vida toda dele pela frente para fazer parte, e eu estarei
contigo.
— Obrigado. — se curvou e beijou de leve meus lábios. — Você é
meu pilar de equilíbrio.
— E você é o meu. — pisquei para ele e saí do carro incentivando-o a
fazer o mesmo.
Segurou minha mão, e caminhamos juntos para a porta. Ezequiel veio
nos receber. O nervosismo me deixava quase sem ar. Me vi ofegando
descontroladamente, como se estivesse submersa. Blake devia se sentir como
eu, ou pior. Mas tinha uma postura bem controlada que não evidenciava tal
desconforto.
— Penélope. — Ezequiel cumprimentou.
— Oi, Ezequiel.
— Entrem, por favor. Blake, eles já o esperam na sala. — entramos
juntos, mas eu soltei da mão dele e fiquei paralisada observando a cena. Dona
Edith sentou-se de volta no sofá e gritou chorando copiosamente, sendo
consolada pelo marido que também chorava, pálido, vendo o filho que tinham
como morto, caminhando até eles.
Mas não era um choro de dor, era um belo pranto de alegria. Era uma
mãe reencontrando o filho que achou que jamais veria novamente. No mesmo
lugar, sem me mexer, eu assisti sorrindo Blake abraçá-los em meio ao
continuo choro alto de Edith.
— Eu quis tanto te abraçar mais uma vez, meu filho. — ela
balbuciava agarrada ao corpo de Blake. — Eu desejei todos os dias poder ter
uma chance de te dizer adeus. Nosso filho está de volta Adriel, Deus nos
devolveu nosso menino.
O senhor Adriel apenas murmurava coisas quase indecifráveis, tendo
o rosto banhado por lágrimas silenciosas.
Blake sentou-se no meio deles no sofá, limpando suas lágrimas com o
punho. A velha mãe não soltava por nada seu braço esquerdo, como se
sentisse medo de perdê-lo mais uma vez.
Aos poucos, eles se acalmaram e só então Blake falou com a voz
embargada.
— Eu não lembro muito bem de vocês… Eles me tiraram a
memória…
— O seu irmão nos contou. Demos tanto para a Joanna, e ela nos
feriu dessa forma.
— Esqueça aquela mulher. — ele disse. — Não faz mais parte de
nossas vidas. De qualquer forma, mesmo tendo poucas lembranças
restauradas, estou muito feliz de estar com vocês.
— Meu filho,… eu sofri um milhão de vezes toda vez que pensava
que morreria sem ter visto todos os meus filhos juntos. — Adriel disse
também abraçado a Blake. — Agora estou pronto para minha partida. Meu
desejo se cumpriu.
— Ninguém vai partir tão cedo, pai. — Blake disse emocionado por
dizer “pai”. — Minha vida está recomeçando e, por falar nisso. — fez um
sinal para eu me aproximar. — Quero que conheçam minha amada. Essa
mulher salvou minha vida quando eu estava aprisionado.
Eu caminhei até eles, e Edith se espantou, só então notando minha
presença.
— Oh, Penélope.
— Oi, senhora e senhor Bradford.
— Meu Deus! — ela exclamou, de olhos saltados e sorriso
emocionado. — Então de qualquer forma será minha nora?
— Sim, minha mãe. Essa é a futura mãe de seus outros netos. — eu
estava com um sorriso enorme e lágrimas nos olhos. Ele me fitou e indagou o
mais fofo que conseguiu: — Me dará essa honra, Penny?
Minha honra, minha boca, minha boceta, já era tudo seu, meu
querido.
— Sim. — falei toda tímida, em contraste com meus pensamentos. —
Claro que sim.

* * *

Blake contou aos pais toda sua trajetória desde que caiu da ponte.
Evitou falar das torturas em grande profundidade, mas mostrou a mão com os
dedos tortos. A tristeza dos pais durou pouco, até quando ele contou que se
lembrou da arte de marcenaria do pai e que foi com isso que sobreviveu todos
esses anos, cortando lenha e esculpindo na madeira.
Eu vi os olhos de Adriel brilharem de contentamento. Foi uma das
primeiras coisas que Blake lembrou, logo depois do nome do filho que não
saia de sua mente.
E por falar nele, Ezequiel desceu as escadas com o menino, e Blake
ficou de pé no mesmo instante. Olhos parados, fixados no garoto. Ambos
compenetrados se descobrindo, eram estranhos e ao mesmo tempo tão
familiares um ao outro.
Eu cheguei a duvidar se o pequeno Seth seria mesmo um Bradford,
devido ao currículo nada confiável da mãe. Mas os olhos dele não negavam e
foi por causa de sua grande semelhança com Blake que o gatilho acionou em
minha mente e eu liguei os pontos.
— Você é o meu pai? — o menino perguntou, visivelmente intrigado
com a figura masculina gigantesca à sua frente. Blake se abaixou apoiando-se
em um joelho.
— Eu sou seu pai. — havia lágrimas banhando seu rosto e adentrando
na barba. — Quero te dar um abraço.
O pequeno Seth não disse sim ou não. Ele mesmo se jogou para o pai,
tomando a iniciativa, ligando-os num abraço apertado. Toquei nas costas de
Blake carinhosamente, enquanto ele chorava baixo agarrado ao menino.
— Eu queria tanto me lembrar totalmente de você… Eu perdi parte de
sua vida. — mantinha o rostinho surpreso do filho dentro de suas mãos.
Olhou para mim e regozijou — Olha isso Penny. Meu filho está aqui, está são
e salvo.
— E vocês não se separarão mais, meu amor. — eu o consolei.
Quando se afastaram, Blake sentou-se na mesinha de centro bem
perto de Seth, sem querer desviar a atenção do filho.
— A mamãe disse que você estava enterrado no cemitério. Nós
levamos flores para você. — antes de Blake responder, ele completou curioso:
— Você saiu do buraco igual os zumbis que o tio Zack assiste na televisão?
Blake e todos nós rimos.
— Não. A mamãe se enganou. Eu estava perdido na floresta, e só
agora consegui achar o caminho.
— Igual o Tarzan?
— Sim. — Blake concordou. — Igual o Tarzan.
— O seu cabelo é muito grande. A mamãe odeia que o meu cabelo
cresça.
— Ah, olha só. — Blake gesticulou de um modo divertido. — A
mamãe ligou para mim dizendo que vai passar um tempo viajando e para que
eu cuidasse de você durante a ausência dela.
Eu sabia que ainda não era hora de Seth saber a verdade. Mais tarde
ele descobriria.
— Então eu vou poder ter um cabelo grande igual ao seu? — sua
alegria era tocante.
— Com toda a certeza. — Blake concordou, de modo confiante.
— Vai me levar na sua selva?
— Claro.
— Vovó. — correu até Dona Edith. — O meu pai voltou e vai me
mostrar onde é a selva.
— Que bom, meu querido. O papai não vai mais embora. Nunca
mais.
QUARENTA E UM

Depois do jantar, eu queria ir embora, para deixar que pai e filho


tivessem uma noite só deles. Ambos precisavam dessa aproximação. Todavia,
Blake não aceitou. Ele me convenceu a ficar, porque Seth estava empolgado
demais, falando pelos cotovelos e seria uma pena termos que ir embora.
Eu fiquei no quarto de hóspede sozinha, pensando sobre tudo isso que
acontecera, enquanto Blake estava no quarto do filho, dando-lhe total atenção
até ele dormir. Minha vida também mudaria de agora em diante. Ele viria
morar aqui? Ou teríamos nossa própria casa? Ou ele cansaria de tudo e
voltaria para a cabana? Eram muitas opções que me deixavam confusa,
todavia, exultante para essa mudança que seria ao lado do homem que amava.
Era belo e cativante ver a ligação dos dois. Mesmo que o pequeno
Seth só tivesse, até então, conhecido o pai apenas por fotos. Joanna foi uma
cadela, mas ao menos ela fez o filho saber da existência de Blake todo esse
tempo.
No mesmo instante voltei atrás ao considerar a caridade dela. Talvez
não tivesse sido bondade e sim planejamento. Ela não poderia esconder Blake
do menino, uma vez que eles moravam com os avós. E, por outro lado, ele
cresceria sabendo que era o único herdeiro de Blake Bradford. Joanna era tão
previsível…
A porta se abriu, e Blake entrou. Nem um pouco cansado, ao
contrário, transbordava felicidade.
— Ele dormiu? — perguntei.
— Sim. Dormiu. — começou a desabotoar a camisa — É um bom
menino. Meu irmão o criou muito bem.
— Sim. Porque se dependesse da Joanna…
— Não gosto nem de pesar.
Ele se sentou na cama e tirou as botas. Ao seu lado, de pé, eu o
assistia.
— O que está achando disso tudo? Dessa casa…
— Está querendo saber se eu virei morar aqui?
— Basicamente. — sentei ao seu lado.
— Não. Isso já está definido. Ezequiel disse que eu posso ir para
minha casa antiga ou comprar um apartamento. Eu ainda não decidi. — virou
o pescoço de lado para me fitar. — Tudo ainda é muito estranho para mim.
Ele só pediu para eu não voltar para a cabana até que todos os processos
sejam encaminhados.
— O que você decidir, eu te apoiarei.
— E irá comigo?
— E eu vou ficar sem meu cabeludo selvagem? Nem em sonho.
— Por que não senta no meu colo e me prove com ações?
Rindo, descartei meus saltos e montei em seu colo, buscando uma
posição confortável. Eu era tão safada, caidinha por ele, que nem precisou
pedir duas vezes. Mas como eu poderia negar? Montar nesse homem era uma
das melhores coisas da vida.
— O que planeja com isso, senhor Simba? — penteei seus cabelos
com meus dedos.
— Estou pensando em te comer em modo silencioso. — acariciou,
sem pressa, as minhas costas.
— O que seus pais vão pensar ao ouvir a nossa libertinagem? Nosso
sexo parece briga de foice. — contestei divertidamente.
— Vão pensar que eu já estou providenciando o outro netinho deles.
— Eu dei uma risada, e ele pegou isso como aprovação de minha parte. Ficou
de pé, me segurando agarrada ao seu corpo, com uma mão na minha bunda e
a outra nas costas. Me beijando, me levou para a cama.
Eu ia transar com um Bradford na mansão Bradford. Isso não estava
nem nos meus melhores sonhos.

* * *
Os dias se passaram, e com eles minhas preocupações. As coisas
estavam enfim se encaixando.
Minha propaganda da Dazzler estava pronta e prestes a ser divulgada.
Blake foi o primeiro a me apoiar a continuar na Dazzler. Ele disse:
“É o seu sonho, Raposinha. Como posso te impedir de fazer algo que
vai te deixar feliz?” — e ele não aceitou minha recusa. A empresa era
praticamente dele, e sua imposição era que minha contratação fosse definitiva
e não apenas um estágio. Ele ainda não estava lá na sua cadeira de presidente,
e nem sei se iria, mas um relacionamento era justamente isso: apoiar as
escolhas um do outro. Eu iria apoiá-lo qual fosse sua decisão, porque eu sabia
que ele faria a escolha certa pensando na sua felicidade e na minha.
Depois das provas criminais contra Joanna enfim aparecerem, ela foi
acusada e sua prisão mantida. Ela não conseguiu liberdade provisória
enquanto aguardava o julgamento e, para aumentar sua culpa, a safada da
Margareth foi presa em Miami.
Havia provas robustas contra as duas, e eu desejei que ambas
permanecessem por muito tempo atrás das grades.
E por falar em “atrás das grades”, o primo dos Bradford estava dando
o que falar: ele tinha sido preso na noite da quase venda da Dazzler. Li depois
no jornal que ele fez uma policial de refém, fugiu da delegacia e agora se
encontrava foragido. Eu sempre o achei estanho demais. Todavia, ainda
duvidava que ele tivesse matado alguém.
Zack saiu do hospital, e eu me flagrei desolada em perceber sua
tristeza, mesmo sorrindo e dizendo que estava contente em voltar para casa.
Não era para menos. A mulher que ele havia devotado todos esses
anos, não passava de uma golpista que tentou matá-lo. Era demais para
qualquer um.
Ele ainda precisava de muita recuperação, mas já dizia estar pronto
para outra. Era algo que eu jamais pensei em ver: o ranzinza caçula Bradford
tão contente ao lado do lenhador que salvou a minha vida floresta.
— Eu ainda não acredito que ela é sua garota. — Zack disse a Blake,
espantado quando me viu na casa de seus pais. — Com todo respeito, mas sua
mulher torrou meus neurônios. Eu a via como petulante, entretanto não a quis
demitir logo de cara.
Senti minhas bochechas corarem enquanto os irmãos riam.
— Ela se recusou a cooperar comigo, — foi a vez de Ezequiel
declarar — porque não confiava em nenhum Bradford. Isso me fez ficar
furioso, eu sou um policial. Mesmo assim, tive que fazer o que ela queria.
Blake riu e se curvou beijando minha bochecha.
— Não culpo vocês. — ele segurou minha mão e, sorrindo, mirando
meus olhos falou: — Eu tentei afastar ela de minha vida no início, mas temos
aqui a rainha da teimosia. A Raposinha queria desvendar o lenhador mal-
encarado. Nós vencemos, enfim.
— Não tenho culpa se eu não nasci para agradar homens. — criei
coragem e rebati, apenas Phoebe me aplaudiu.
— Mas, me diga, Penélope. — Phoebe começou. — você não tem
uma irmã? Olha esse marmanjo aí precisando de freio. — apontou para
Ezequiel. O Quil odeia relacionamentos sérios, é o seu pavor.
O irmão policial desconsiderou com um gesto de desprezo. Eu, como
sou bem perspicaz, consegui notar nas entrelinhas a repentina cara fechada de
Zack, conforme eu ia dizendo:
— Sim, tenho uma irmã, mais velha do que eu e se chama Carly. É a
mulher que estava com Zack, no sequestro…
— Sério? — ela se interessou mais ainda. — Nós todos tivemos
vontade de conhecer a mulher que estava com Zack. Era a sua irmã?
— Sim. Ela já está bem. — peguei o celular, escolhi uma foto em que
estava Carly e eu, e mostrei a Phoebe.
— Oh! Ela é linda. — foi ela acabar de dizer isso e Ezequiel pulou
para cima querendo também olhar.
— Uau! — assoviou. — Aquela história de sua irmã colocar freio em
mim ainda está de pé?
Todos riram, e ele emendou: — Penny, quebra um galho aí. Apresenta
ela para darmos uma volta na viatura. — mais uma vez as risadas explodiram.
Quando os as risadas acalmaram Zack ficou de pé se apoiando no sofá.
— Pessoal, preciso me deitar um pouco.
— Tudo bem, eu te levo. — Blake se ofereceu e acompanhou-o
apoiando-o em seu braço. Apenas ele não riu, fuzilou Ezequiel com os olhos e
se retirou.
Conhecia muito bem os olhares sugestivos de Zack. Seria possível
que a atração que Carly sentia por ele era reciproca?

Eu devia ter contado para Carly. Tanto da cantada do Ezequiel como


do desconforto de Zack. Mas minha irmã era muito assanhada e iria querer
inventar de ir visitá-lo, e eu estava retardando o máximo essa visita. Pedi a ela
para esperar o homem se recuperar por completo, ou ao menos se divorciar
definitivamente.
Dois gatões de olho na Carly? Poxa, quem era ela? A Elena de Diários
do Vampiro? Eu não estava pronta para lidar com minha irmã sendo cortejada
por dois irmãos. Era hora de eu tentar preparar terreno apenas para um. Estava
pensando como arquitetaria um encontro entre ela e Zack.

As onze, Blake me ligou dizendo que queria almoçar comigo.


Eu morria de vontade de sair para ficar com ele, mas não podia deixar
meu emprego de lado só para almoçar com o namorado. Ele pareceu
compreender, mas minutos depois me ligou novamente e disse:
— Já liguei para Dean, o diretor de marketing. Ele te liberou.
— Você o quê?
— Eu não sou Blake Bradford? Para alguma coisa isso tem que servir,
nem que for para libertar minha mulher das garras empresariais. Venha, ruiva
estou te esperando na porta.
Rindo, revirei os olhos, dei até logo para todos e fui embora. Ele
estava mesmo me esperando em sua velha caminhonete e aquilo foi muito
nostálgico e maravilhoso de ver. Corri atravessando a rua.
— O que está fazendo? Porque está nessa caminhonete?
— Entre. Hoje eu sou o Simba lenhador. Temos o dia todo pela frente.
— dei um gritinho patético e o beijei.
— Ah, meu Deus! É hoje que eu me mato de tanto foder na cachoeira.
— Xiu. Nada de safadezas, temos uma pequena companhia. — só
então olhando para o lado vi o pequeno Seth me fitando.
Caralho! Eu era o pior tipo de exemplo para uma criança. Meio sem
graça, com medo de pensar no que ele poderia ter escutado, dei a volta e
sentei ao seu lado.
— Oi, Seth.
— Oi, Penny. Hoje eu vou tomar banho de cachoeira. — me contou a
novidade e eu sorri amarelado.
Lá se vai minha foda aquática.
— Que ótimo.
Tinha que pensar em outra maneira de encurralar o pai dele.
Meu bom Cristo, eu estava tão devassa esses dias que nem me
reconhecia. Era olhar para Blake que eu pegava fogo, e ele precisava ser
rápido para apagar meu incêndio.

Nós fizemos um piquenique à beira da cachoeira. Ele trouxera uma


cesta enorme que disse ter trazido da casa da mãe. E pelas guloseimas de boa
qualidade, suspeitei que a própria Edith as tinha feito.
Seth estava nem perto de se cansar de nadar com o pai, enquanto eu
assistia o espetáculo dos dois se divertindo na água, só parou mesmo para
comer.
Acho que era isso que ele sempre sonhava quando morava aqui na
cabana. Ter o filho aqui com ele, a seus cuidados, aprendendo com ele o que
ele sabia sobre esse lugar. E por ter essa impressão, eu pensei que daria de
cara com um Blake sofrendo nostálgico, mas não era assim que ele se sentia.
Seus olhos mostravam sua alma dando piruetas de felicidade.
As feridas na carne e o trauma do passado não eram mais problemas,
e o motivo de toda sua felicidade foi revelada, quando Seth se afastou para
brincar e Blake confidenciou:
— O que acha de fazermos desse lugar nosso ponto de encontro? Só a
gente, nós três, sempre que pudermos. Quero reformar a cabana, construir
algo maior… um quarto para o Seth e outros filhos que vierem. — ele deitou
na toalha xadrez, com as mãos atrás da cabeça e de óculos escuros. Os
cabelos espalhados pela toalha. Eu, a seu lado, maravilhada com sua beleza.
— Como assim? Vai se apossar de terras alheias?
Ele fez uma pose galante, jogou uma uva na boca e falou:
— São minhas. — sorriu ao revelar a novidade.
— O quê? Suas?
Se apoiou no cotovelo para me olhar.
— Eu prometi não gastar o dinheiro da minha família, ou o dinheiro
que é meu por direito. Mas Ezequiel encontrou o marido de Margareth e, no
depoimento, ele confessou que essa propriedade era deles. Então eu fui atrás
do cara e a comprei.
Levou exatos cinco segundos para eu absorver a informação e pular
nos braços dele. Rolamos abraçados na toalha de piquenique.
— Oh… meu amor! Que coisa maravilhosa.
— Minha vida toda está aqui, pelo menos a parte que mais me
lembro. Aqui eu vivi os melhores dias quando você apareceu, foi aqui que nos
encontramos… — ele virou-se para Seth brincando entre as pedras. E é o
lugar perfeito para eu criar meu filho. O valor gasto foi meu melhor
investimento.
— Meu Deus! Eu estou sem fala… Foi, sim, a melhor escolha, mas…
— Fique tranquila. — me interrompeu — Sei que é uma raposa da
cidade. Teremos esse lugar apenas para fins de semana, férias, dias tranquilos.
Eu quero dar à minha família o conforto que merecem. Ezequiel está à frente
da reforma de minha casa que eu morei com Joanna.
— Você não a viu ainda?
— Não. Eu não quis. Se eu nunca me lembrar dos momentos que vivi
com ela, será uma benção para mim. Então ele vai reformar de uma maneira
que eu não possa me lembrar.
— Mas se acontecer… com o tempo…
— Tudo bem, saberei lidar com isso. O que não quero agora é forçar
minha memória com um passado sem importância.
— Já te disseram que você é o homem mais espetacular que existe?
— Fiquei sabendo por alto. — seu sorriso galanteador iluminou o
semblante — Principalmente quando estou sem roupa. — cochichou essa
parte.
— Não me provoque. Há uma criança no ambiente. — empurrei seu
corpo de volta para a toalha e fui para cima dele agarrando-o, beijando-o sem
querer parecer muito fogosa. Seth ainda brincava indiferente aos adultos se
devorando junto à cesta de piquenique.

Terminamos nosso dia e fomos embora quando a noite chegou. Era


perigoso continuar ali, ainda mais com uma criança em nossa companhia.
Mais uma vez dormi na mansão dos pais de Blake, porque Seth se recusava a
deixar o pai ir embora. E eu o entendia. Ele estava afastado da mãe, Zack
estava se recuperando e Ezequiel não morava lá. O menino necessitava de
atenção. Eu achava o máximo assistir os dois juntos, a interação de pai e filho,
como se nunca tivessem se separado.
Blake foi apresentado à mídia e foi espetacular. Repercutiu no mundo
todo e seu rosto foi estampado em capas de revistas. Havia milhares de
ligações para ele, implorando por entrevistas. Não tinha como ele se isolar
novamente. Era definitivamente um Bradford e tinha todos os holofotes
voltados para ele.
O belo CEO que sobreviveu cortando lenha. Em um dia todos
queriam conhecer as peças que ele tinha feito nesses anos de isolamento.
E mesmo que Zack implorasse para ensiná-lo a tomar a dianteira da
Dazzler novamente, Blake ainda pendia para o seu lado rústico. Pensava em
criar uma pequena fábrica de madeira específica para a construção de móveis
e casas e também lenhas cortadas e embaladas.
A maneira que ele explicava seus planos contaminava de euforia
qualquer um que escutava.
Eu contei as várias vezes que acordei no meio da noite, e ele estava
acordado pensando e bolando planos sobre isso. Certa noite me sentei ao lado
dele e o abracei observando-o escrever seus projetos.
Era belo ver o empenho dele em fazer o que queria. Como eu me
empenhei até entrar na Dazzler.
— Tem todo meu apoio. — eu sussurrei.
— O Zack vai investir… Será que pode dar certo? Será que consigo
tomar conta de um negócio grande?
— Você é o melhor lenhador dessas redondezas. Além de que há um
empresário nato aí dentro de você. Tem todo meu apoio.
Ele deixou a papelada de lado e me puxou para seu colo. Abracei seu
pescoço e subi minhas mãos para adentrar os cabelos.
— Eu posso conciliar minhas duas vidas. Isso está me matando de
euforia. Sabe que não conseguirei voltar a ficar preso em um terno, fazer
reuniões…
— Eu sei. Você renasceu quando a Margareth te salvou. É uma nova
vida e deve mesmo focar nela.
— Eu não canso de agradecer ao destino por me dar essa chance. —
me beijou docemente.

* * *

Tatiana veio em minha casa. Pela primeira vez depois de tanto tempo.
Eu estava de saída para ir na Carly, e ela foi comigo. Ainda um pouco
tímida e cheia de tensão. Mas sabíamos que todos os criminosos estavam
presos e isso aliviou um pouco o clima.
Ela me contou superficialmente sobre sua recuperação, mas quis saber
tudo que se desenrolou depois daquele dia que ela foi atacada.
Chegamos na casa de Carly para ajudá-la a se arrumar e escolher
uma roupa. Enfim, tinha chegado o dia que ela tanto esperava: visitar Zack.
Eu estava lhe dando total apoio, porque eu queria, acima de tudo, a
felicidade de minha irmã. Mas também tinha medo de que ela pudesse ser
apenas uma diversão para o ricaço mimado.
Zack era mimado, ranzinza e playboy. Isso era muito perigoso. Caras
como ele não saiam com garotas como nós. Mas não disse isso para ela. Era
bom ver minha irmã radiante e, por isso, comentários foram todos positivos.
Ela queria surpreender Zack, e nós iriamos ajudá-la.
QUARENTA E DOIS

Eu sabia que minha irmã relutava muito com minha tentativa de


aproximação a Zack. Eu mesma relutava porque sabia que tipo de homem ele
era. Mas a vida é uma só e chegara a hora de eu tentar uma única jogada. Eu
não quis ir vê-lo enquanto estava se recuperando da cirurgia. Seria estranho e
a visita se resumiria a uma visita comum entre amigos. Eu queria jogar
charme para cima dele, seduzir, flertar.
Eu sempre fui direta nos relacionamentos. Não importava que
dissessem que era errado, que eram os homens que deveriam cortejar. Se eu
quisesse um cara, eu ia atrás dele.
Comprei um vestido comportado. Bem simples, no estilo romântico,
com cintura marcada e saia levemente rodada. De saltos baixos, maquiagem
leve feita por Tatiana e cabelos soltos, eu nem acreditei no que vi diante do
espelho.
Sempre vestindo um avental da loja e cabelos em um rabo de cavalo,
eu tinha me esquecido que eu possuía belas maçãs no rosto, cintura delineada,
apesar dos quadris largos.
Eu me senti poderosa, e quando Blake e Penny vieram me pegar para
me levar até Zack, Blake mesmo assoviou.
— A coisa ficou feia para o lado do Zack. — ele disse.
— Ele que me aguarde. — entrei no carro com eles. Bem resolvida
por fora e um trapo por dentro, morrendo de nervosismo. Meu rosto rosado
não era da maquiagem e sim do meu fácil enrubescimento.
Mas tudo não passou de um grande fiasco.
Blake me apresentou aos pais dele, que ficaram encantados em me
conhecer. Eu era a mulher que estava com Zack durante o sequestro e que o
salvou. Eu não queria esse rótulo, eu teria feito isto para qualquer um.
Mas então Edith Bradford disse com pesar:
— Eu sinto muito, Zack viajou hoje.
— Viajou? — Blake indagou mostrando que não sabia disso.
— Ele foi de repente. Ele estava deprimido esses dias e recebeu um
convite de uma amiga de infância. Foi passar uma temporada nos Hamptons.
Caralho! Uma amiga de infância? Hamptons? Esse era um dos lugares
mais luxuosos de Nova Iorque, e eu devia esperar que Zack viajasse para
lugares como esse. Onde eu jamais pisaria meus pés. Edith não tinha ideia de
quando ele voltaria.
Sob o olhar compassivo de Penny, eu me arrependi de não ter vindo
antes e contado para ele como eu estava atraída por ele. Mas não fiz nada
disso e era tarde demais.
Ah, que inferno, aquele maldito ditado era pura verdade: “não deixe
para fazer amanhã o que pode fazer hoje”.
QUARENTA E TRÊS

Olhei para a construção à minha frente, notando um pequeno mal-


estar no meu peito em ver a velha cabana dando espaço para uma ampla casa
de veraneio desenhada por mim e Penny.
Eu tinha uma história na cabana que eu mesmo construí aos poucos,
modelando-a. Mas agora, tinha chegado o momento de seguir em frente. Uma
nova história se escrevia. Entretanto, continuaria a ter tudo em volta da
cabana, principalmente a cachoeira.
Estava tudo perfeitamente delimitado, era a minha propriedade em
construção.
O Zack reabriu minha antiga conta bancária e me entregou um cartão
de crédito platinium. Mesmo eu relutando em aceitá-los. Segundo ele, esse
dinheiro era meu por direito, eu havia deixado apólices de alto valor e uma
grande quantia em aplicações financeiras.
Uma vez no banco, me vi feliz em saber que o antigo Blake mantinha
um cofre. Sozinho em uma sala cromada, sentei e abri aquele cofre.
Não havia muitos objetos sentimentais, eram, em sua maioria, papéis
importantes, documentos pessoais. Surpreso, encontrei o dossiê sobre o caso
do pai de Joanna. Isso sim era algo muito bom, era a prova concreta do
motivo que a fez tramar contra a Dazzler. Como uma espécie de ironia do
destino, também encontrei, admirado, o convite do meu casamento com
Joanna. Isto devia significar muito para o antigo Blake. Mas não para mim.
Fiz questão de rasgar em pedaços.
Cheguei ao hotel onde estava hospedado e pedi à Penélope para que
me encontrasse lá. Eu tomei um banho, liguei para a casa dos meus pais e
falei com Seth. Por fim, pedi um vinho para receber Penny.
— Como foi seu dia? — entreguei-lhe a taça de vinho.
Ela me olhou desconfiada, passou os olhos pelo meu corpo coberto
apenas com uma toalha e deu de ombros. Jogou a bolsa em uma poltrona e se
sentou.
— Foi cansativo, mas estou legal. As coisas sem Zack são estranhas.
Ele colocava ordem na zona.
— Ele estará de volta semana que vem, para assinar os papéis do
divórcio. Falei com ele hoje.
— Que bom. Já faz quase um mês desde que viajou.
— Ele precisava desse tempo. O que acha disso? — me curvei sobre
ela apoiando cada mão em um braço da poltrona, deixando-a encurralada.
— Disso o quê?
— Viajar, curtir umas férias… escolher um lugar aleatório e sumir da
vista de todos. — tive certeza que escolhi a melhor expressão sedutora para
convencê-la, já que eu julgava ser bem difícil persuadi-la a deixar a Dazzler
por uns dias.
Penélope franziu o cenho intrigada, e mordeu o lábio rosado.
— Está com alguma ideia?
— A cabana está em construção, a minha casa em reforma. O que
acha de escolhermos um lugar e desaparecer por uns tempos?
— Assim, do nada?
— É. Onde tem vontade de ir?
— Sei lá, Las Vegas… Mas desde quando você gosta de usufruir do
poder do capitalismo?
— Desde que o capitalismo me ofereça condições. Se quiser,
podemos partir essa madrugada, como Zack fez. De repente, ninguém precisa
ficar sabendo, só eu e você.
Penny estava convencida e bastou corar belamente as bochechas para
eu saber que ela já imaginava como seria uma viagem romântica.
— Bom, você é o atual dono da empresa em que trabalho e está
disposto a me levar a algum lugar paradisíaco com tudo pago. Por que eu
recusaria?
— Sabia que aceitaria. — me ergui e, calmamente, mantendo os olhos
dela aprisionados aos meus, mordi o lábio tentando parecer sensual, e
comecei a desenrolar a toalha do meu corpo.
— Opa! — Penélope festejou. — O convite está ficando cada vez
melhor. Agora com direito a strip-tease.
Eu costumava ser bem fechado e bem reservado. Esta personalidade
foi a proteção que criei quando vivia isolado na cabana. Agora, Penélope
despertou a minha vontade de viver, amar e ser feliz. Por ela e com ela queria
realizar todos os meus sonhos e nossos desejos. Eu me via sendo um homem
corajoso e sedutor diante dela.
Quando fiquei totalmente nu em sua frente, ela suspirou.
— Ah, caramba. Por onde eu começo? São tantas opções… — Penny
disse.
— O que acha de começar por aqui? Segurei meu pau já em riste,
tomei a taça de vinho da mão dela e o mergulhei no líquido. Isso a
surpreendeu, seus olhos se encheram de surpresa.
— Você acabou de enfiar seu pau na minha taça?
— É o que parece. Quer provar vinho no pau?
— Você sabe como costumo pender para o lado da safadeza, e ainda
me faz essa oferta… — gargalhou e calmamente passou a língua em volta
sugando uma gota de vinho que descia pela glande.
— Ah, droga. — gemi e fechei os olhos de rosto levantado. Ela
rodeou minhas pernas com as mãos, segurando minhas coxas e o colocou todo
na boca.
Como eu poderia ficar longe dessa mulher um segundo? Eu a queria a
todo momento do meu dia, em qualquer ocasião. Saudades da época em que
andava de pau mole. Atualmente, ele estava sempre em posição de ataque,
implorando para tê-la.
Foi mais um sexo delicioso, primeiro na cama e, em seguida, no
chuveiro. Eu mal podia esperar para viajar com ela, ter novamente em um
mundo particular onde nós pudéssemos desfrutar incansavelmente um do
outro.

* * *

Quando se tem dinheiro, os problemas quase não existem.


Chegamos à noite em Las Vegas, depois de um voo de duas horas.
Disseram que eu costumava adorar o estado de Nevada, mas foi para mim
como se eu estivesse indo lá pela primeira vez. Eu me sentia um adolescente
em sua primeira excursão escolar.
As luzes da cidade hipnotizavam Penny, e eu podia ver em seus olhos
a mesma admiração que eu sentia. Parecia uma obra de arte muito bem
elaborada. Cada letreiro, cada prédio, cassino e casa de shows pintavam a
noite da cidade com luxo e cores neons.
Logo eu que nunca quis sair da mata, flagrei-me querendo conhecer
cada um daqueles lugares.
O Bellagio, onde escolhemos ficar, era uma das mais belas
construções elaboradas pelo homem. Sob a noite, com suas luzes acesas e a
bela e grandiosa fonte frontal dando um show aquático, davam um ar
dourado, como se fosse todo de ouro.
Ali era um lugar propício para a abordagem a celebridades e, para
meu desconforto, um homem com uma câmera em punho veio rápido até a
gente quando entramos no hotel de mãos dadas.
— Ei, espere. Você não é o Blake Bradford, aquele que ressuscitou?
— revirei os olhos e fingi que não era comigo. Todavia, ele chamou a atenção
de colegas que, por sua vez, chamou a atenção de outras pessoas.
Em instantes, havia seguranças nos protegendo, e não éramos mais
um casal anônimo em Las Vegas. O povo buscava uma visão melhor para ver
o famoso ressuscitado.
— Eu estou me sentindo o máximo ao lado de uma celebridade. —
Penny sussurrou enquanto subíamos no elevador.
— Eu estou achando um saco. Espero que não tirem minha paciência.
— observei ao redor. Até o elevador tinham um belíssimo toque de luxo. Era
enorme, mas entraram nele eu, Penny e o carregador de malas.
— Meu Deus! — Penélope colocou a mão na boca, analisando o
apartamento que eles chamavam de suíte presidencial. Eu mesmo estava
embasbacado. — Blake, tem certeza que poderá pagar por isso? — Ela se
preocupou me fazendo rir.
— Raposinha, eu creio que poderia comprar esse lugar se ele
estivesse à venda.
— Por Cristo! Nós estamos acabando com a grana dos Bradford.
Rindo novamente, fui até ela e a tomei em meus braços.
— Já que estamos aqui, vamos usufruir de tudo que esse luxo possa
oferecer. Para mim, nada disso tem grande importância, estar com você me
deixa mais feliz aqui ou na minha pobre cabana.
— Além de bilionário, gostoso, celebridade, ainda é fofo. Na outra
vida, eu devo ter assado os pães da Santa Ceia, agora estou sendo
recompensada.
Dei um beijo nos lábios dela, me afastei e, lentamente, sem perder o
contato visual, comecei a me despir.
— Você merece o céu, minha garota. Vou te encher de carinho agora,
para mostrar todo meu amor. — abaixei a calça revelando minha cueca com a
palavra “carinho” e uma seta apontando para baixo.
Ela gargalhou e veio me abraçar.
— Você não era tão cínico quando era lenhador.
— Não gosta?
— Eu amo um gigante debochado. É hoje que nem levanto da cama.
E por falar nisso, está na hora de conhecê-la.
Corremos para encontrar a cama e nem tivemos tempo de olhar ao
redor. Estávamos compenetrados um no outro, como sempre, bastando nos
tocar para a chama arder.
Depois do sexo de boas vindas em Las Vegas, nos aconchegamos
dentro da opulenta banheira. Penélope acomodada entre minhas pernas e seus
seios em minhas mãos.
— O que acha de tomar um porre hoje à noite e amanhecermos de
ressaca e casados amanhã?
— Está me pedindo em casamento, senhorita Dawson?
— Bem perspicaz o senhor. — ela segurou a minha mão que foi
impiedosamente machucada e entrelaçou nossos dedos. — É tão bom ver que
nada disso o aflige mais, essas marcas serão apenas história. Sua mente e
coração estão livres, Blake. Você me encheu de carinho nos dois sentidos, me
deu alegria e posso sentir como é retribuir o amor a uma pessoa. Consegue
também ver o futuro brilhante que nos espera? — ergueu o pescoço
levemente curvado para trás, para visualizar meu rosto.
— Eu consigo. Desde que me obrigou a construir uma cadeira.
— Que até hoje não foi paga. — ela contrapôs rindo.
— Boba. Está pagando em deliciosas prestações na nossa cama.
Penny se virou acomodando-se de frente, sentada em meu colo. Me
abraçou e dramatizou:
— Socorro, me ajudem! O rei leão me prendeu em sua caverna do
sexo…
— Para sempre. — confirmei, segurando os cabelos dela na parte de
trás e trazendo sua boca para junto da minha.
— Ah, que delícia, meu Deus! Para sempre! — me beijou, agarrando-
se a meu corpo molhado.

À noite nos arrumamos para dar uma volta e conhecer melhor o que a
tão falada noite de Las Vegas poderia oferecer.
Terminando de ajeitar meu terno esportivo, comprado por Phoebe, me
virei quando, horrorizada, Penny me chamou. Os olhos pregados ao celular.
— Cara, esse pessoal é muito escroto. Olha os memes que estão
fazendo da gente.
Caminhei até ela.
Em uma imagem tinha Penélope e eu andando de mãos dadas pelo
centro de São Francisco, uma diferença gigantesca de estatura. Os dizeres:
“Como é o casal.”
Abaixo outra imagem de um hamster pequenino tentando comer uma
banana enorme. E os dizeres: “Como eu imagino”.
— Esse meme é velho, até eu que sou da mata sei disso. Não se
importe com isso. — Falei sem esconder a risada.
— Você está rindo, olha isso! — estendeu o celular para mim. Uma
montagem fajuta recortou minha cara colocando no King Kong e a cara de
Penélope rindo colada na da personagem da Naomi watts, “A paixão do
macaco gigante”.
Eu ri e tomei o celular dela.
— Chega de ver essas porcarias. É brincadeira deles.
— Eles ficam comentando em minhas fotos perguntando como eu te
ressuscitei. Se foi com a boca ou com desfibrilador.
— Nisso eles estão certo. Foi com a boca.
— Ah, cala a boca. — ela se soltou de mim e pegou a bolsa saindo do
quarto sem me esperar.
Eu já devia ter andando inúmeras vezes de limusine, já devia ter ido a
inúmeras festas luxuosas e esbanjado em noites de sexo e bebedeira. Eu vi
fotos na casa de Ezequiel que comprovavam minha vida libertina antes de
casar, todavia, agora eu era diferente de tudo aquilo. Eu estava
experimentando o mundo, ou revivendo tudo da forma mais gloriosa e
apaixonante. Eu tinha comigo a mulher da minha vida e a felicidade do
mundo todo.
Quanto de satisfação cabia no coração de um homem? Eu jamais seria
capaz de mensurar, mas sabia que chegaria perto do que estou vivendo.
Passamos um pouco em cada lugar. Tinha muito a conhecer e não
conseguiríamos em uma única noite.
Fomos a um cassino, compramos fichas e apostamos na mesa de
roleta. Modelos contratadas pela casa me viram se aproximando e vieram ao
nosso encontro, mas Penélope praticamente rosnou para elas e segurou meu
braço.
Com pose de Bond Girl, em seu vestido preto justo com fenda na
perna e penteado alto, ela beijava meus dados antes de eu jogar. Por sorte,
ganhamos uma vez e perdemos duas. Mas foi o suficiente para sairmos do
cassino, de volta para a limusine.
Nos clubes privados era quase impossível de entrar, mas após passar
por bares comuns, eu consegui em um clube depois de duas tentativas. Eu era
a celebridade do momento, minha entrada foi permitida.
Entramos como se fossemos da realeza, mãos dadas, postura ereta e
nariz empinado. Era quase uma da manhã, e o álcool circulava a mil por hora
no sangue.
Uma vez lá dentro, pedimos que o barman nos indicasse boas bebidas.
Ele indicou algo chamado escada do paraíso.
— Quer dar um tapa na pantera? — perguntou o barman
— O quê? — Penny indagou me olhando.
— Conhecer o paraíso de perto. Vocês nunca mais serão os mesmos.
O barman explicou que tinha um ingrediente secreto. Um tipo de
cogumelo cultivado na Ásia. Penny e eu nos olhamos e já tínhamos tomado a
decisão: estávamos em Las Vegas para experimentar Las Vegas.
Veio em um copinho pequeno de cristal. Era caríssimo e o barman
não oferecia a bebida para qualquer um. Brindamos, viramos na boca e o
ardor inicial deu lugar à dormência na língua.
Mas o troço me levou para um mundo paralelo, eu me sentia no
espaço sideral, via estrelas bem na minha frente, o equivalente a dez gozadas.
— Uhuu! — gritei sentindo minha testa suar. E nada mais fez sentido.
Era eu mesmo dançando ali na pista com os cabelos soltos, rodando
meu terno e com a camisa desabotoada mostrando o peito?
Evidente que sim.
Penélope, tendo tremeliques, de olhos saltados sem piscar, me
encarando, gritava acima da música:
— Puta que pariu! Olha o tamanho desse homem. Cinco metros! —
tentou me agarrar sem parar de dançar, mas seu salto alto escorregou, e ela
caiu.
Eu estava possuído, só conseguia dançar como um robô jogando os
cabelos para o lado, creio que o pessoal podia jurar que eu imitava a Shakira.
Ainda vendo estrelas e sem conseguir ter qualquer percepção da realidade.
Meu coração era uma orquestra inteira.
Andando de quatro, Penélope sentou na pista se sacudindo como se
dançasse sentada, chorando de rir. A bichinha estava no mundo da lua.
Eu a levantei e dançamos em posição de tango, quando a música que
tocava era eletrônica. Mas quem se importava? Ali parecia que todos agiam
estranhamente.
— Santo Deus! Seu cabelo é lindo, cara! — ela berrou sem parar de
rir. — Eu estou vendo dois de você!
— É melhor que o seu. — gritei rindo também, balançando os
cabelos. Eu acho que nunca estive tão chapado e fora de mim. Só conseguia
dançar, era como se meu corpo sentisse necessidade de movimentar, movendo
Penélope de um lado para o outro com a mesma facilidade que moveria uma
pena.
— Cala a bocaaa! — ela berrou agarrando minha camisa, rodando
exageradamente comigo na pista.
— Eu vou comer seu cu. — retruquei de rosto levantado.

* * *

Acordei com uma puta dor de cabeça. Mal conseguia abrir os olhos.
Uma bigorna parecia estar na minha testa. Me virei na cama e não senti
Penélope ao meu lado. Meu Deus! Me sentei assustado.
O que houve? Eu tinha apagado completamente, não lembrava
porcaria nenhuma, apenas o momento que demos um vexame na pista de
dança.
Ao redor do meu pescoço, tinha um colar havaiano de flores e tinha
muito cheiro de bebida. Como se eu tivesse tomando um banho de vodca.
Além disso, estava nu.
— Penny. — chamei fracamente. Senti uma dorzinha na minha coxa e
olhei. Tinha uma marca de mordida bem ali. Tinha sido com força. Agradeci
que não fora no pau, ou ele estaria amputado e com hemorragia. — Penélope?
Fiquei de pé ainda tonto tentando recordar como viemos parar no quarto.
Estava tudo uma bagunça. Tinha camisinhas usadas no chão, taças
derrubadas, um champanhe inteiro vazio. No relógio passava das duas da
tarde.
Trôpego, fui até o banheiro e bati na porta.
— Penny. Está aí?
— Me deixe! — berrou, chorosa. Me preocupei no mesmo instante.
Será que eu a machuquei? Será que eu fiquei com outra pessoa e ela viu? No
meu momento de insanidade, tudo poderia ter acontecido.
— Meu amor, o que houve? Fale comigo! — implorei, sacudindo a
maçaneta.
— Eu estou toda fodida e vomitada aqui. Não estou bem. — berrou
furiosa. Ela passou mal e estava me culpando? Eu também não estava nada
bem.
— Penny. Abre, deixa eu ver você.
— Eu não devia ter bebido, estou muito enjoada e vomitando pra
cacete. Além de estar com uma puta dor de cuuu. — gritou a última palavra
me fazendo retesar.
O quê?
— Raposinha… fale comigo…
— Raposinha é o cacete. Parece que meu intestino vai sair… pela
bunda.
Tudo estava mais confuso. Franzi o cenho olhando a porta.
— Abra deixa eu ver.
— Ver? Eu estou literalmente fodida, porque você estava insano e
achou que era uma boa ideia comer meu cu.
— Eu fiz isso? Tem certeza?
— Eu disse: amor, eu vou morrer e você disse que iria tirar meu
trauma.
— Ah, cacete. Desculpe eu…
— Eu sempre estive certa quanto a esse tipo de safadeza. — começou
a lamentar quase chorando — Ai, meu Deus. Estou arrombada, vou ter que ir
na emergência.
Me vesti e liguei para o serviço de quarto pedindo uma chave reserva
do banheiro. Eles me explicaram que a porta tinha um sensor por fora que
abria com o cartão chave.
Procurei o cartão e o encontrei jogado na entrada do apartamento.
Voltei para o banheiro e abri a porta no mesmo instante em que
Penélope se inclinava para o vaso sanitário vomitando. Estava nua, enrolada
em um lençol.
Corri para acudi-la. Segurei em seus cabelos enquanto ela vomitava.
Quando terminou, a coloquei de pé para se limpar na pia e a tirei do banheiro
em meus braços. Ela não recusou minha ajuda.
Liguei para o serviço de quarto relatando que ela não estava bem, e
eles prometeram mandar uma ambulância.
Penélope estava pálida, de olhos fechados e suando na testa. Me deitei
ao seu lado, apreensivo até a ajuda chegar. Eu nunca tinha sentido tanto medo.
Estava com medo de que algo grave acontecesse com ela, devido àquela
porcaria que tomamos na noite passada.
A médica veio com um enfermeiro e começou a examiná-la. A seguir,
disse que teria que levá-la ao hospital.
— O que ela tem, doutora?
— Ela está com queda de glicose e os vômitos fizeram a pressão
abaixar. Precisamos de exames mais apurados. Temos que levá-la.
Eu a acompanhei na ambulância. Ela já estava sendo medicada e
tomando soro glicosado na veia. Aos poucos sua cor ia voltando ao normal.
Já no quarto do hospital, à espera dos resultados, eu encarava
Penélope dormindo ternamente. Fiquei mais tranquilo em vê-la bem, não
deixando, no entanto, de me culpar por ela ter passado mal.
— Senhor Bradford. — a médica entrou, e eu fiquei de pé.
— Sim.
— O que vocês fizeram na noite passada? — seu olhar era
incriminador. Parecia furiosa prestes a dar um chilique.
— Bom… nos divertimos. — fiz um gesto tentando desprezar nossa
noite. Eu não ia contar em detalhes tudo que tinha acontecido, porque tinha
sido vergonhoso. — Bebidas… é Las Vegas.
— Pois essa sua diversão quase custou a vida de um inocente.
— Sim, eu não devia ter trazido ela…
— Não falo dela. A senhorita Dawson está grávida.
Puta que pariu. Quase saltei para trás. Meu peito sacudiu de uma
forma indescritível.
— Como é?
— Bom, devo dar um desconto, evidentemente não sabiam disso.
— Grávida? Penny grávida? Ah meu Deus! Vou ser pai.
— Escute, senhor Bradford. O feto chegou com sinais fraquíssimos
aqui. Algo não fez bem para ele na noite passada e não estou falando só de
bebidas, que já é um veneno para uma gestação. Foi de uma tremenda
irresponsabilidade.
— Ah, Cristo. Mas está tudo bem agora? Não sabíamos…
— Sua mulher deve ficar aqui em observação, o feto tem que ser
monitorado. Havia substâncias toxicas no sangue dela.
Caralho! O chá alucinógeno que tomamos. Eu morri em meio
segundo, só em pensar que quase provocamos um aborto.
Fui para o lado da cama dela e toquei em sua barriga.
Eu vou ser pai, novamente. Minha oportunidade de ser um pai
presente. Estou recebendo muito quando nada fiz para merecer tantas
bênçãos.
Mais tarde quando Penélope acordou, eu já tinha contado todos os
quadradinhos da poltrona, andando em todo o quarto e pensando em mil
coisas. Todas elas me fazendo sorrir grandiosamente.
— Oi. — sussurrou para mim. — Eu apaguei. — ela riu. Foi olhar
para ela falando que as minhas lágrimas desceram. Minha emoção era
palpável.
— Amor… o que houve? — assustada, se recostou nos travesseiros
para me observar.
Eu queria gritar ao mundo sobre o presente que ganhamos, ou vamos
ganhar, mas o que eu disse foi:
— Estou amando outra pessoa.
— O quê?
— Além de você…
— Blake…! De que está falando? — ela se aterrorizou.
Eu não ia judiar mais ainda dela. Coloquei a mão em seu ventre e
falei: — Eu nem o conheço ainda, mas já o amo.
Ela olhou minha mão e levantou os olhos saltados pra mim. Percebeu
no mesmo instante.
— Ah, caramba! Um leãozinho
— Ou uma raposinha.
Ela não estava desesperada, nem exultante. Estava chocada, pega
desprevenida.
Deitei com ela na cama e a puxei para meus braços. Penélope me
agarrou tremendo.
— Estou com medo, Blake. — sussurrou.
— Vamos ficar bem, prometo. — distribuí vários beijos em sua testa e
olhos.
— Você o quer, não é?
— Que pergunta doida. É claro que quero. Eu quero tanto que chega a
doer.
— Que ótimo. — soluçou com o rosto no meu peito e eu beijei seus
cabelos varias vezes.
QUARENTA E QUATRO

Quando chamaram meu nome para entregar o diploma, senti uma


pontada de felicidade me tomar. Tatiana estava ao meu lado e ganhara da
Dazzler um estágio como o meu. Entraríamos na vida profissional com um
belo currículo e, claro, eu acreditava que continuaria trabalhando em
definitivo na empresa.
Ouvi meus pais, Carly e Blake me ovacionarem enquanto eu subia no
palco para receber meu diploma. Parei, acenei para eles e mandei um beijo
carinhoso para Blake e tudo que ele representava para mim.
Na mesa dos professores, saudei todos e encontrei o rosto sorridente
de Zack que aceitou ser um dos padrinhos de minha turma. Meus colegas mal
acreditaram quando eu consegui que alguém tão ilustre apadrinhasse nossa
formatura.
— Parabéns, Dawson. — ele disse me fazendo recordar de como era
tenso encará-lo quando eu estava começando no desafio dos estagiários.
— Obrigada, Zachary.
— Isso soou meio estranho. — ele riu se referindo a nossa
formalidade com os nomes, uma vez que já tínhamos uma pequena intimidade
pelos dias de convivência.
Sorrindo, encarando o rosto exultante de Blake lá na plateia, tirei uma
foto com Zack. Se eu pudesse voltar no tempo agora, lá para o inicio do ano, e
contasse a mim mesma que hoje eu estaria me formando com Zack Bradford
sendo meu padrinho de formatura, além de cunhado, certamente, eu iria dizer
que a minha versão do futuro estava louca. Sem falar que agora, no fim de
ano, eu carregava um legítimo Bradford no ventre.
Tivemos um jantar na minha casa, Carly se arrumou caprichosamente.
Brian estava no pé dela, tentando uma reaproximação, mas minha irmã só
tinha pensamentos para Zack. Todavia, ele não foi ao jantar. Mandou uma
desculpa de última hora, e, enquanto todos riam festejando, eu observava o
rosto pensativo da minha irmã.

* * *

No Natal, eu planejei comemorar reunindo as duas famílias: a minha e


a de Blake. Era o primeiro Natal que ele comemorava com todas essas
pessoas desde que despareceu anos atrás. Tristemente, dias antes, enquanto
bebíamos gemada na varanda da antiga casa dele que tinha sido reformada,
ele me contou como eram as noites de Natal na cabana.
— Solitárias. Nem mesmo o bar do Dylan abria nessa noite , porque
todos os seus frequentadores estavam comemorando o Natal com suas
famílias. — meu coração se partiu escutando isso. Ele soprou e tentou afastar
aquelas lembranças. — Margareth tinha família, também, e, por isso, não
vinha até a cabana ficar comigo. Eu, então, cortava lenha até tarde da noite,
propositalmente, e, em seguida, bebia sentado em volta da fogueira, me
perguntando onde estaria meu filho e porque meus próprios pais e irmãos me
jogaram naquele lugar. Era, para mim, a noite mais triste do ano.
— O que importa é o agora, meu querido. — acariciei seu braço e
segurei a respiração ao flagrá-lo limpar uma lágrima e olhar o céu. —
Blake…
— Às vezes,… enquanto estou sem sono, olho para você, Raposinha,
e penso no que teria sido da minha vida se não tivesse aparecido lá aquele dia.
Eu penso… e se ela tivesse me obedecido e não ido mais me ver? Eu estaria
lá até hoje, preso, sozinho, odiando… odiando minha família. Minha velha
mãe é tão gentil, frágil e dócil, e eu a odiei e desejei sua morte…
— Não tinha como você saber. Mas agora está nas suas mãos criar um
caminho de felicidade. Era para eu estar lá naquela tarde, o carro tinha que
bater, você tinha que estar cortando lenha por perto e ouvir meu grito de
socorro. Era nosso destino.
— Sim, era. Eu jamais vou cansar de agradecer. Você me libertou, e
olha tudo que trouxe de volta para minha vida… — ele acariciou meu ventre
e quase inaudível completou: — Olha que presente maravilhoso você me
deu…
Segurei a mão dele depois de enxugar minhas lágrimas. Eu sorria com
a mesma satisfação que Blake emanava de seu coração. Nossos dedos se
entrelaçaram e olhamos ao mesmo tempo nossas mãos. Eram os dedos tortos.
Ele sorriu com um olhar triste, mas agora aquela era a marca de sua
sobrevivência, de sua luta e da sua vitória no fim.
Ele me puxou para seus braços, me dando o costumeiro e gostoso
abraço aconchegante, era grande como se me mantivesse protegida. E hoje,
deliciosamente fofo dentro do suéter. Eu o abracei de volta e sentindo seu
cheiro familiar prometi a nós dois:
— Nunca mais estará sozinho, meu amor.

Na mesma noite, depois que tomei um banho, achei que ele estava
dando boa noite ao pequeno Seth. Mas quando desci as escadas para procurá-
los ouvi um barulho.
A árvore de Natal estava montada, apenas nós três passamos a tarde
nos divertindo e montando. A minha primeira árvore em minha própria
família. Eu não cabia de felicidade vendo pai e filho felizes fazendo
atividades que Blake jamais pensou em fazer estando na mata.
— Blake? — chamei e acendi a luz da sala para dar de cara com um
gigantesco Papai Noel sentado na poltrona.
Gritei de susto, com as mãos no peito. Blake riu:
— Ho! Ho! Ho!
— Seu cretino. — alcancei uma almofada e taquei nele. O que está
fazendo?
— Gostou? — se levantou e exibiu a roupa vermelha. Rindo, revirei
os olhos e continuei no mesmo lugar.
— Diga que gostou, Raposinha, comprei especificamente para você.
Seth não acredita mais em Papai Noel. Ele está com uma listinha arrecadando
seus presentes com os tios e avós.
Devia ser maravilhoso ser a única criança de uma família rica.
— Então supôs que teria mais sorte em me fazer acreditar em Papai
Noel?
— E você não acredita? Olha aqui um bem na sua frente. — girou
mais uma vez se exibindo. Ele andou até mim, e deixei que me tomasse em
seus braços. Blake beijou meu nariz, meu queixo, fez um caminho com os
lábios pelo meu pescoço até eu suspirar de olhos fechados. Em seguida,
mordeu minha orelha e cochichou:
— O saco do Papai Noel está cheio… — dei uma gargalhada e
coloquei a mão na boca dele.
— Esse Papai Noel é censurado para menores.
— Não imagina o presentão que tem aqui para a menina que foi
comportada o ano todo.
— Você já foi mais sério.
— A vida nunca me animou tanto. — riu, tirou a touca vermelha,
ajeitou na minha cabeça e me pegou nos braços.
Segurei em seu pescoço não conseguindo esconder meu sorriso.
— O que vai fazer?
— Te fazer confessar aos gritos que acredita em Papai Noel. Tem que
acreditar, Raposinha, para todo ano ganhar presente. Beijei-lhe repetidas
vezes, enquanto íamos rumo à outra sala, ele iria me deitar no sofá e eu despir
o Papai Noel.
Na noite de Natal, minha família estava inicialmente sem graça por
estar na mansão dos Bradford, inclusive minha avó. Eu não queria deixá-los
sozinhos e queria passar com Blake. Mas rapidamente meus pais se
enturmaram. Apesar de muito ricos, os Bradford eram pessoas carismáticas e
gentis.
Os irmãos de Blake eram perfeitos juntos. Apenas Phoebe não estava
presente, pois viajara com o marido.
Como se observasse uma famosa pintura, eu assistia todos em volta
da farta mesa. Carly e Zack se provocavam. Ezequiel contava sobre alguns
casos que andou investigando, capturando a atenção de meu pai e de Adriel.
Vovó tinha feito amizade com dona Edith logo de cara, era incrível como as
duas estavam se entendendo. Blake escutava atento algo que Seth lhe contava,
e eu os contemplava.
Minha irmã recebeu uma ligação e disse que ia no jardim
rapidamente, mas demorou para voltar. Sem pedir licença para sair da mesa,
Zack escorregou para fora da cadeira e despistou, saindo atrás dela. Eu torcia
para que minha irmã encontrasse a felicidade dela ao lado de Zack, todavia,
ele voltou para a mesa de jantar pouco depois, parecia emburrado. E Carly,
minutos depois, voltou tremendo e com olhos vermelhos.
Puxei-a de lado, para uma sala privativa.
— Meu Deus, Carly. O que houve?
— O Brian.
— Ele apareceu aqui?
— É… ele me mandou mensagem, me ameaçou, queria falar comigo
lá fora e eu fui. Daí ficamos discutindo… ele quer que eu venda a loja para
dar a parte dele… mas eu não posso…
— Ah, Meu Deus.
— E então ele me agarrou e me beijou à força. E eu vi um vulto pelo
lado de dentro do portão, acho que o Zack viu a cena e pensou coisas… Acho
que vou embora, quero ir para casa.
Ela tremia, e eu segurei suas mãos.
— Vou pedir ao Ezequiel para te levar.
— Não. Não o incomode. Eu vou sozinha.
— De jeito nenhum. Você não vai sozinha para casa, com esse louco
por aí fora.
— Não acabe com o jantar deles. Eu fico até o pai e a mãe irem
embora. Eu finjo que nada aconteceu. Ezequiel é um policial, vai querer
averiguar a situação. Por favor, Penny.
Pensei mais um pouco. Ela estava disposta a fazer um sacrifício para
que não estragar a nossa noite. Vi o arrependimento de ter vindo para cá
banhar o rosto de Carly de lágrimas.
— Tudo bem. Lave o rosto depois voltaremos para a mesa.
Eu a esperei lavar o rosto e voltamos rindo de volta para a sala.
Terminado o brinde, jantamos. Zack não pareceu se importar mais e decidiu
curtir o resto da noite. Ele queria beber com os irmãos e não iria deixar que
nada estragasse a sua noite.
E nada estragou. Apesar que Carly escondesse uma magoa
gigantesca, ela sorria o tempo todo até a hora de ir para casa com nossos pais.
Como eu me mudei para ir morar com Blake, ela estava dormindo com eles.

— Está feliz? —perguntei a Blake, depois sozinha com ele no quarto.


— Muito. Agora, só esperar o réveillon. O que acha de passar na
Times Square?
— Onde você quiser. Desde que seja ao seu lado. — o abracei e dei
um gritinho de sustou quando me pegou no colo e me jogou na cama.
* * *

Eu fui ao julgamento de Joanna.


Decidi no último instante, contra a vontade de Blake que tinha se
tornado extremamente protetor nas últimas semanas. Tinha medo de tudo e
queria me proteger até dos mosquitos. Às vezes eu tinha que brigar com ele
para que se tranquilizasse. Eu estava bem, a gravidez estava em perfeito
estado, eu não queria um homem enfartado antes dos quarenta.
Ela foi acusada de vários crimes, mas nenhum homicídio. Estava se
livrando da morte de Natasha porque o capanga dela não confessou esse
crime.
Tortura, tentativa de homicídio, sequestro, formação de quadrilha,
entre outros. Eu torcia ela para que pegasse prisão perpétua.
Ela entrou com um vestido preto muito justo, cabelos bem penteados
e usando óculos escuro. Ficou o julgamento todo se olhando no espelho,
passando batom e rímel, fingindo posar para câmeras.
Os advogados conseguiram provar que ela tinha desequilíbrio mental,
isso foi uma surpresa para todos.
E quando a pena foi proferida, passar o resto da vida em um hospital
psiquiátrico penitenciário, podendo ter liberdade depois da avaliação de uma
junta médica, ela deu uma gargalhada, olhou para Blake e eu e gritou em alto
e bom som:
— Eu amo vocês meus amores, meu marido e minha funcionária. —
olhou para Zack ao nosso lado e torceu o nariz. — Você é apenas meu
cunhado mal-encarado. Me levem daqui, para minha suíte. — berrou e foi
levada pelas policiais.
Ou ela tinha mesmo endoidado, ou estava fingindo, para não ir para a
penitenciária comum.
Isso deixou Zack puto da vida, e ele jurou que iria recorrer da
sentença. Joanna era maligna e ela fora das grades, era um perigo para todos
nós.
Eu não me apeguei a isso.
Já estava com uma gestação de cinco meses, nossa casa estava pronta
e tudo que me interessava era o nosso futuro.
Blake ainda mantinha ações na empresa, todavia, tinha iniciado o
negócio dele com o apoio da família. Zack voltara para a Dazzler como CEO,
cuidando dos interesses dos demais irmãos.
E claro, eu estava lá, contratada definitivamente, sendo a funcionaria
mais popular. Se antes eu não era nem cumprimentada, agora eu era
respeitada e todos queriam conversar comigo. Nada disso me fazia ficar
arrogante, ao contrário, minhas bochechas coravam com tanta atenção.

A nova casa de veraneio estava linda. Bem no lugar onde era a antiga
cabana.
Blake tinha uma nova caminhonete e ainda fazia peças de cerâmica e
madeira nas horas vagas. Além de entregar lenhas para minha avó. A sua
única e restante cliente.
Desci a curvinha chegando à costumeira clareira onde a casa de
madeira se erguia vistosa.
— Porra! — Blake gritou e veio correndo ao meu encontro. Eu estava
trazendo o pequeno isopor com carnes para assar.
— O quê? — fiquei paralisada.
— Você está louca, Raposinha. Está pegando peso. — tomou a caixa
das minhas mãos.
— Não está pesado.
— Deite-se ali na rede, quietinha. Eu descarrego o carro.
— Você está fazendo eu me sentir inútil. — reclamei indo na frente
dele.
—Você tem mil utilidades: foder minha cabeça, alegrar meus dias,
contar piadas sem graças, comer minha parte da sobremesa…
— Está me chamando de comilona?
— Estou te chamando de raposa gorducha gulosa. — abraçou meu
ombro e me levou para a espaçosa varanda. — Deite aí, daqui a pouco venho
te trazer um suco.
Ele entrou, e eu me deitei, olhando para o paraíso selvagem à minha
frente. Nem acreditava que esse lugar fosse nosso. Onde tudo começou, onde
estávamos sendo felizes. Lá longe, Seth passou correndo, brincando com
Ralf, o cachorro que ganhou de dona Edith. Era o paraíso da nossa pequena
família, a liberdade era deliciosa.
Depois do almoço, enquanto Seth dormia na rede com o cachorro
aconchegado a ele, eu fui no fundo ver Blake trabalhar na oficina. Ele
queimava peças de cerâmica que tinha acabado de modelar. Não precisava
fazer nada disso, atualmente ele tinha dinheiro o suficiente para criar com
folga duas gerações. Mas ele queria, porque gostava muito do que fazia. Era o
seu passatempo
Olhei a mesa de modelagem, toquei em um pouco de argila fresca e
me virei para ele. Apenas de jeans, tinha um avental amarrado na frente do
corpo.
— Como essa coisa funciona?
— Assim. — ele veio até mim, ligou a máquina e o prato redondo da
mesa que começou a rodar rapidamente. — Agora você amassa a argila e vai
dando forma com as mãos. Sempre molhando a argila com essa água aqui do
lado. A argila precisa estar maleável para se poder modelar as peças.
Conforme ele dizia, eu ia tentando. Não saía nada de promissor. A
peça em minhas mãos se erguia e se quebrava em seguida.
Percebi Blake se posicionando atrás de mim, rodeou meu corpo com
os braços e tocou na argila comigo, guiando minha mão.
— Ah, não. — gargalhei. — É sério que vamos refazer a cena do
filme Ghost?
— Ei, eu me lembro desse filme. — ele exclamou.
— Sério? — virei o rosto para olhá-lo.
— Sim,… meu Deus! Me lembro mesmo. — ria, coberto de
felicidade. — Lembro de mim e meus irmãos assistindo juntos… É uma nova
lembrança, Penny! — comemorou.
Me virei para ficar de frente para ele.
— Que notícia maravilhosa, amor. Você vai conseguir ter toda a sua
memória de volta, como o médico disse.
Sim, Blake fez vários exames, e o médico afirmou que isso poderia
ser rápido ou levar anos.
— Algumas eu queria esquecer para sempre, mas estou feliz em ter
lembrado de algo feliz. — tocou em meu rosto, e eu me afastei.
— Você está com as mãos sujas.
— E daí? — temos a cachoeira para nos lavar. — passou a mão
novamente em meu rosto, me sujando de argila, e eu revidei também, o
sujando. Em seguida, me pegou no colo e andou em direção ao caminho que
levava à cachoeira.
— Que tal uma foda aquática?
— E vou adorar. — exclamei. — vamos afundar aquelas pedras.
Antes que Seth acorde.
Blake gargalhou e beijou meus lábios.
— Pronta para ser recheada de carinho, Raposinha?
— Mal posso esperar…
EPÍLOGO

Acabei de etiquetar novos produtos que tinham chegado e fiquei de pé


estralando minhas costas que doíam horrores.
Eu estava tão feliz com a felicidade de minha irmã que nos últimos
dias a única coisa que eu conseguia pensar era no enxoval do bebê. Ela e eu
planejávamos cada mínimo detalhe. Eu quis bordar cada pequena toalhinha do
bebê que será uma menina.
Penny era independente, e mesmo o pai do bebê sendo bilionário, ela
queria algo familiar e único. Por isso, eu confeccionava as toalhinhas, e minha
mãe alguns sapatinhos. O resto, o dinheiro dos Bradford comprava.
Pensando em tomar um banho, vestir algo confortável e terminar as
últimas toalhas, deixei a loja aos cuidados do gerente e me arrumei para sair.
À porta, olhei estatelada para o visitante, que eu não via há meses.
Nem mesmo no julgamento, o desgraçado quis se aproximar, e ele me viu lá.
Mas como na noite de natal ele me viu com Brian, creio que quis me dar um
gelo.
Zachary estava curtindo sua solteirice, não sabia o que ele tinha
vindo fazer aqui na loja. Usava o boné que eu dei e retirou os óculos escuros
assim que me viu. O velho e safado sorriso estampado no rosto.
— Oi, é aqui que estão vendendo um Impala 67?
A fúria me tomou. Se ele achava que iria aparecer aqui depois de
tanto tempo com esse sorriso ridículo, e eu iria me desmanchar, estava
completamente enganado.
— Não, senhor. Está mal informado.
— Ah… — passou os olhos maliciosos pelo meu corpo, e eu corei. —
Posso dar uma olhada melhor no produto? Me parece de boa qualidade.
Que imbecil!
— Não. — cruzei os braços e ficamos em silêncio nos encarando. —
Então, depois de me ignorar em diversas ocasiões, aparece por aqui querendo
meu carro? — perguntei, porque eu não conseguia manter a boca fechada.
— Você estava se agarrando com um sujeito na minha casa, mas isso
não é um assunto que quero falar.
— Eu não te devo satisfação. E você também farreou por aí.
— Muito, mas acho que não é do seu interesse.
— Ótimo. Não é mesmo. Agora, fora. — tentei empurrá-lo para fora
da loja.
— Olha, garota, você é bem petulante. Se um dia eu colocar as mãos
em você, vou assegurar que termine bem dolorida.
Foi uma ameaça no âmbito sexual bem explicita. Pelo menos eu
entendi assim.
— Se eu terminar dolorida, foi porque meu oponente terminou des-
pe-da-ça-do. Falei a palavra pausadamente bem perto da boca dele. Pisquei e
apontei para a porta da frente. — Até mais, Bradford.
— Se cuide, Dawson… Há lobos maus pela cidade.
Isso tinha sido uma ameaça ou promessa?
Credo…! Que delícia.

***

Continua em:

ADORÁVELMENTE ATRAIDOS
UM SPIN OFF DE ADORAVEL SELVAGEM

Carly queria encontrar a porta da felicidade. Mas com Brian, seu ex-
namorado, tendo a chave, ela sentia que seria um pouco difícil. Era incrível
como ele ainda conseguia desestruturá-la contra a vontade dela.
Por outro lado, tinha o arrogante e prepotente empresário Zachary. E
esse era um caminho ainda pior. Zack era demais para ela e já dava para saber
que não combinavam, seus raros encontros sempre acabam em bate-boca.
Todavia, o destino queria de alguma forma provar Carly. Brian ainda
tinha uma parte da sociedade na loja, sendo, assim, impossível tirá-lo
totalmente de sua vida, e Zack era simplesmente o cunhado de Penny, irmã
mais nova de Carly.
Penny, por outro lado, estava às voltas com o planejamento de seu
casamento e, por ironia do destino, Carly e Zack seriam os seus padrinhos.

Um sexy e conturbado spin-off de “Adorável selvagem”. Uma


protagonista que tem uma grande missão de fechar as portas do passado, antes
de abrir as de um novo futuro.
CONTATO
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