Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Valentina K. Michael - Adorável Selvagem
Valentina K. Michael - Adorável Selvagem
Michaels
Adorável Selvagem
Prólogo
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Vinte e quatro
Vinte e cinco
Vinte e seis
Vinte e sete
Vinte e oito
Vinte e nove
Trinta
Trinta e um
Trinta e dois
Trinta e três
Trinta e quatro
Trinta e cinco
Trinta e seis
Trinta e sete
Trinta e oito
Trinta e nove
Quarenta
Quarenta e um
Quarenta e dois
Quarenta e três
Quarenta e quatro
Epilogo
Prólogo
Meu corpo estava entrando em estado de choque. E isso era
preocupante. Eu não podia me render, se eu apagasse por completo, seria meu
fim. Tremia e batia o queixo sem estar com frio, na verdade, suava em bicas.
A dor era insuportável e, por isso, me fazia tremer.
Ainda amarrado na cadeira pesada, sentia minha pele arder, devido à
queimadura provocada pela água fervendo, e meus dedos latejarem. Todos
quebrados, esfacelados. Minha mão fora amarrada em uma mesa, e cada um
dos dedos esmagado por uma marreta, sem dó e piedade, não importando o
quanto eu gritasse implorando por clemência.
A mão esquerda fora poupada porque, segundo eles, eu precisava dela
para assinar.
Mesmo assim, eu estava firme na minha decisão. Eles me matariam,
mas eu não daria o que queriam.
— Desamarrem ele. — ouvi uma voz que me pareceu familiar, e
imediatamente os homens encapuzados que estavam há doze horas me
torturando, obedeceram à ordem, me desamarrando da cadeira. Cansado, com
muitas dores e humilhado, caí de cara no chão. Lágrimas de dor deixaram
meus olhos, enquanto eu me debatia, tentando ficar de pé.
— Traga ele para a mesa. Ele vai nos dar o que queremos agora.
O lugar onde eu estava parecia um galpão abandonado. O chão e as
paredes pareciam de concreto revestido de metal. Uma porta estava aberta,
por onde o chefe da gangue acabara de entrar.
Sem forças para lutar, deixei que me arrastassem até a mesa de metal.
Na minha frente, foi colocada uma pequena tela, um tablet ou notebook
talvez. Um dos homens segurou firme minha cabeça para que eu olhasse, e
então uma imagem me destruiu por completo.
Um homem encapuzado segurava uma criança. Assustada, ela chorava
muito. Era meu filho.
— Nãaaooo! — urrei e tentei me levantar, sendo impedido pelos
homens. — Não toque nele. Eu vou acabar com todos vocês! — era a única
coisa que eu conseguira fazer, gritar e me debater, mesmo com meus dedos
em frangalhos, metade do meu corpo queimado pela água fervendo e o queixo
e o nariz dolorido de tanto soco que recebi. Eu vou matar vocês, eu vou matar
cada um!
A tela foi tirada da minha frente, e eu não sabia para onde eles tinham
levado meu menino.
— Leve ele de volta para a cadeira. Recomecem a sessão. — o chefe
ordenou friamente e se virou para sair enquanto, aos gritos, eu era arrastado
novamente para a cadeira de tortura.
UM
* * *
* * *
* * *
Eu não contei para minha irmã sobre o novo encontro com o lenhador.
Estava muito pensativa, tentando criar minhas próprias teorias, pensar sozinha
sobre o assunto. O mistério que envolvia Seth me deixou quase a noite toda
em claro. Porque eu não conseguia imaginar um homem como ele chorando
dolorosamente, e se fosse para isso acontecer, teria que ter sido por algo
muito, mas muito trágico.
E então, meio dia, após ter almoçado, eu fiquei de pé na cozinha
olhando o forno, mordendo os lábios e pensando. Será que eu seria tão cara de
pau em voltar lá e agradecer ao lenhador?
Agradecer e pedir desculpas por eu ter sido tão inconveniente.
Mas isso não seria cara de pau. Seria boa educação.
Eu geralmente sou bem impulsiva, e minha impulsividade me levou à
Dazzler. Se eu não tivesse tentando, nunca saberia. Entretanto, o caso de Seth
era um tanto diferente para mim; quando tem homens na jogada, eu
simplesmente travo e não sei como proceder. Apesar de que não estava indo
seduzir o cara.
Ok. Achei que levar rosquinhas seria um bom começo.
Carly sempre tinha as melhores ideias, e se ela pensou nisso, era tiro
certeiro. Me apressei em pegar os ingredientes, e mais que rápido comecei a
fazer a massa colocando ali todo meu empenho, carinho e uma pitada de
desejo.
Bem que Zack Bradford poderia aceitar minhas rosquinhas.
Ele é casado, Penélope. — minha mente me repreendeu, e eu aceitei a
repreensão. Coloquei mais força na sova da massa. Eu tinha que parar de ficar
interessada em Zack, nunca fui e nunca seria uma destruidora de lares.
Ok. Não era interesse, era apenas… sei lá, fascinação.
Sim. Zack era apenas uma beleza inalcançável e, em breve, se tudo
desse certo, ele ia ser meu chefe.
Ui! Romances eróticos com chefe e secretária são tudo de bom.
Merda. Estava sendo uma vaca em pensamento.
Terminei, e enquanto as rosquinhas descansavam, eu fui me arrumar.
Vesti jeans, botinhas e uma camiseta com jaqueta por cima. Os cabelos,
amarrei num rabo-de-cavalo e separei um chapéu.
Pedi o carro da minha mãe emprestado e, às duas da tarde, levando
uma cesta com rosquinhas suculentas, saí de casa.
Eu estava mesmo voltando para o meio do nada com o único intento
de rever meu salvador cabeludo. Não era falsidade dizer que eu estava indo
me desculpar. De verdade, fiquei bastante intrigada com a situação.
Entretanto, não podia negar que o desejo existia.
Tomara que ele esteja sem camisa. — dei um sorrisinho sacana.
Assim que eu parei o carro na clareira onde encontrei Seth pela
primeira vez, ouvi, vindo lá de baixo, batidas fortes. Ele estava cortando
madeira, decerto.
Peguei minhas coisas, fechei o carro e fui andando
despreocupadamente, como quem chegou ali por acaso, como a própria
chapeuzinho vermelho, dando uma volta na floresta com sua cesta de
guloseimas. Senti minhas bochechas corarem ao rever na minha mente, pela
décima vez, o que eu ia dizer para ele. Sim, eu tinha ensaiado.
Me detive extasiada com a visão à minha frente.
Ele estava — como eu tinha previsto — sem camisa. Seu jeans
surrado emoldurava as suas belas e fortes pernas, e era sustentado por um
cinto de utilidades, como o do Batman. As botas de borracha davam um
charme rústico e bem excitante ao conjunto.
Meus olhos acompanharam os braços grandes dele erguerem o
machado e aplicar um golpe certeiro em um toco de madeira que se partiu em
dois. Assim que ele se abaixou e pegou os pedaços para jogar em um monte,
ele disse sem se virar: — É perigoso espreitar, calada, um homem armado.
O quê? Caralho. Eu nem fiz barulho. Como ele me…
Seth se virou e me olhou. Sério, sem sorrir, olhos verdes intrigantes,
simplesmente indecifráveis. Estava mais lindo do que no dia anterior.
Mordi os lábios pateticamente; ele se virou completamente para mim,
esperando que eu falasse algo. Estava com as duas mãos apoiadas no cabo do
machado que repousava em pé entre seus pés.
Percorri os olhos; ele era todo grande: pés, mãos, pacote entre as
pernas. Esse cara foi desenhado.
— Ah… eu só vim agradecer… e me desculpar, por ontem. —
gaguejei e fiquei com vontade de gritar comigo mesma. Nitidamente não
estava sendo bem recebida, bastava olhar a cara dele! Devia dar meia volta.
— Não precisava. — sua voz de tenor reverberou entre as árvores.
Sem jeito, olhei para a cesta nas minhas mãos, voltei a levantar os
olhos para Seth e me veio à mente um Tarzan robusto. Bem crosfit.
Como não se derreter por um homem assim? Estava numa pose bem
estilo fantasia sexual: meio suado, sem camisa e com um machado. Na minha
infância não contaram que havia lenhadores assim. Senão, eu iria querer ser a
Chapeuzinho Vermelho e não a Cinderela. Apesar que na história dela era um
caçador que a salvava.
Para completar o visual, nomeado de “molhar-calcinhas-é-minha-
função”, o cabelão estava solto com as madeixas castanho-loiras ao vento.
Jurava que lava com sabão comum e conseguia esse efeito de salão. O meu
precisava de feitiço para ficar comportado.
Como o grandão ainda me analisava, e eu já estava lá mesmo, não ia
dar para trás.
— Tome. Fui para a cozinha e passei algumas horas fazendo. —
estendi a cesta. — São rosquinhas. Tem de coco, amêndoas e chocolate.
Me pegando desprevenida, ele deu alguns passos em minha direção e
ficou a poucos centímetros de distância. Foi necessário que eu levantasse o
queixo para encará-lo. Podia até sentir seu calor e seu cheiro intensificado,
pela proximidade. Seth me fitava com uma carranca e eu quase podia sentir
que ele ia me agredir. Seu peito arfava com a respiração irregular e isso
mostrava que ele estava bem tenso.
— O que eu disse sobre ficar longe de mim, garota?
— Ah… eu… — infelizmente não conseguia articular as palavras, e
nada saía da minha boca, a não ser ridículos monossílabos.
— Esse lugar não é para você! Vaza daqui. — antes de se virar, olhou
atentamente para minha boca entreaberta, e eu poderia apostar que ele engoliu
saliva.
O ar saía pesado do meu peito e eu me sentia muito mal por ter sido
tratada dessa forma. A pior coisa é você se sentir rejeitada, ainda mais quando
tenta fazer um gesto de bondade. Eu não dei nem um passo para ir embora, e
ele parou de andar e ficou de costas. Em seguida, virou-se de volta para mim.
— Porra! — resmungou. — Ok, valeu. — jogou o machado ali em
um canto, perto de umas lenhas, bateu as mãos na calça e recebeu a cesta. —
Não precisava mesmo. Agora pode sumir da minha vida.
— Ok. Eu vou. — gaguejei. — Ah… as rosquinhas são a única coisa
que sei fazer… bem. — me desculpei erguendo os ombros, morta de
vergonha. O que eu vim fazer aqui pelo amor de Deus? — Eu achei que talvez
pudesse te dar um tiquinho de felicidade. Me desculpe. — ele nem se movia
me estudando com sua costumeira cara de brucutu. Dei alguns passos e ouvi
sua respiração pesada.
— Merda! — praguejou. — Ok. Venha, entre. Vou preparar um café
para a gente experimentar sua rosca.
Minha mãe apenas o seguiria, ela não iria ver nada subliminar na fala
dele. Mas eu quase me mijei toda ao escutá-lo dizer que ia experimentar
minha rosca; de susto e vergonha. Eu queria apenas cair dura e ser tragada
pela terra quando ele apenas deu um leve vestígio de sorriso e ergueu a cesta
para mim, mostrando que tipo de rosca ele ia comer.
Por que eu tinha que passar por tanta vergonha? Parecia que o senhor
Tarzan Crosfit não me deu uma cantada. Ele era bem sério.
Ele virou as costas, pegou o machado e começou a andar, usando dois
dedos como gancho para levar a cesta, e com a outra mão segurava o
machado, apoiando-o no ombro. Eu o segui pelo caminho entre a mata até a
clareira onde ficava sua cabana; claro que sem querer dar o braço a torcer,
deslizei os olhos para o seu traseiro grandão.
* * *
* * *
Olha, aqui vai um conselho: nunca dê ouvidos a uma irmã que não
tem amor próprio e aceita de volta um cara que a traiu no próprio
estabelecimento. Pois é, eu dei ouvidos a Carly novamente.
Na manhã seguinte, estava eu em sua loja contando mais detalhes
sobre minha visita ao lenhador. E ela mais eufórica que uma fã de One
Direction, berrou:
— Você vai voltar lá!
— Hein?
— Penny. Ele te chamou de gata!
Revirei os olhos e beberiquei o café dela. Doce e ralo demais. Me fez
ter saudades do café forte e delicioso de Seth. Alguém deveria falar com
Carly que a palavra “gata” sai com mais frequência das bocas masculinas do
que “pai” e “mãe”.
— Esquece, Carly. Deixarei o homem em paz. — recusei me servir de
mais café e coloquei a xícara de lado.
— Como assim deixar em paz, não gostou dele?
— Sim, gostei. Mas não sou dessas que ficam “stalkeando” a pessoa.
Ele quer paz. Sei quando uma pessoa não quer mais me ver, e tenho vergonha
na cara.
— Um tira teima. Faça a última vez, só para desencargo de
consciência.
E eu fiz.
Merda! Por que eu era tão facilmente influenciável?
Mas talvez não fosse a influência dela, e sim minha vontade de revê-
lo.
Com um sorriso amarelo, cheguei à clareira da cabana de Seth dois
dias depois do seu espetáculo a lá Edward-vampiro em frente à minha casa.
Não deu nem tempo de eu sentir vergonha alheia da minha atitude. De
longe, eu o vi desesperado batendo em um tronco de árvore. Parecia doloroso,
mas não na sua carne, ele urrava com algo que o incomodava por dentro.
Parecia que os boatos que minha avó contou eram pura verdade.
— Meu Deus! — sem pestanejar, corri para perto. — Seth! — ele me
viu, se afastou meio trôpego com as mãos na cabeça e os olhos vermelhos
saltados. Os dentes cerrados como se houvesse uma furadeira pressionada
contra seu crânio. — Seth! — tentei, a todo custo, segurá-lo, mas ele estava
apavorado e sua dor o fez se desequilibrar e cair de joelhos.
— Saaiiia! — urrou em minha direção. — Vá embora!
— Não. Eu não vou! — agarrei seu rosto e ele me fitou, soluçando,
com lágrimas nos olhos. — Fale comigo, o que está acontecendo?
Apenas me encarava estático, ainda sofrendo.
Ouvi um barulho de carro e me virei para ver quem chegava. Uma
mulher desceu de uma caminhonete e veio correndo em nossa direção.
— Seth! — ela gritou. — Afaste-se dele! Saia daqui. — me empurrou
bruscamente. Se abaixou e o abraçou bem apertado. E ele não se importou
com o toque dela, ao contrário, pareceu ficar mais calmo.
— Meu filho, Marg. — ele sussurrou lamentando, com o rosto no
peito dela. — Tive flashes de memória…O que eles fizeram com meu filho?
* * *
* * *
* * *
Anos antes
Creio que ver, pelo pequeno monitor, meu filho em perigo me fez
reagir buscando todo o resto de força dentro de mim. Lutar por ele era mais
que um grande motivo, era o incentivo maior que minha própria vida.
Fora do galpão, eu corria por entre as árvores. Estava em um lugar
desconhecido, parecia uma floresta selvagem, algo que não imaginei existir
na Califórnia. Minhas pernas travavam pela dor dilacerante, meus dedos
sangravam e a dor pelo corpo era insuportável. Eu estava todo moído, fui
impiedosamente torturado, mas meu poder de concentração me dava forças
para avançar. Sempre fui muito focado, não do tipo louco desligado de tudo,
mas daqueles caras que mantêm o olhar fixo no objetivo até então consegui-
lo.
Eles estavam atrás de mim, podia ouvir os gritos e latidos de
cachorros. Eu seria pego e morto, com certeza, e meu filho, certamente,
eliminado. Eu tinha que viver, por ele.
No meio de uma ponte, eu me vi encurralado. Eles conseguiram me
cercar, e sem que eu pudesse pensar no que fazer, um estampido alto cortou o
silêncio entre as árvores e senti a dor lancinante na minha cabeça, no lado
esquerdo.
Eu estava caindo, e parecia que o fim nunca chegava. Eu apenas caía
do alto da ponte, imaginando o que fariam com meu bebê e lamentando que,
como pai, fracassara em protegê-lo.
E então a água me abraçou, e eu não senti mais nada.
* * *
Atualmente
Eu tentei adiar ao máximo minha partida. Mas não queria ainda forçar
fazer sexo com ele. Eu estava subindo pelas paredes. Seth também,
visivelmente, mas acho que um ficou esperando pelo outro. Então não
aconteceu.
Deitar com ele na rede, sendo abraçada e aconchegada de forma
protetora era meu melhor passatempo desde então. Eu nem precisava falar
nada, apenas sentir o calor de Seth e sua calma, por eu ter ficado com ele. Não
precisava sorrir para demostrar tudo que sentia.
Mesmo assim, eu conversei. Contei a ele sobre minha vida, sobre a
faculdade e sobre minha irmã e a loja dela. Seth ouvia tudo com muita
atenção, acariciando meu braço com seus dedos tortos.
Quando disse que precisava partir, ele me abraçou forte e beijou meus
lábios como se pudesse fugir de seus problemas estando em minha boca. Sua
alma doente aparecia nos olhos verdes selvagens.
Eu entrei no carro da minha mãe, e ele se debruçou na janela, tinha
nos lábios outro raminho verde. Ele sempre fazia um movimento de cabeça,
jogando os cabelos com a ajuda da mão e isso me provocava até o mais
profundo do meu ser.
— Quer marcar um dia para bebermos ao redor da fogueira? — me
convidou. Senti o hálito de eucalipto, por causa do ramo que ele mastigava, e
a vontade de beijá-lo me tomou novamente.
— Aqui? No meio do nada?
— É. Não tem muito o que fazer por aqui, a não ser conversar vendo
a lua.
— Fazia isso com a Margareth?
Droga. Eu prometi que não iria mais falar sobre ela, entretanto, isso
foi mais forte que eu. Essa coisa dessa mulher, mesmo casada, ter passado
todo esse tempo transando com o lenhador cabeludo, me tirava do sério.
— Você vai parar já com isso. — ele advertiu em um tom que pude
classificar como ordem — Ou proíbo sua entrada aqui no meu santuário.
Dei uma risada. Apesar da repreensão, o semblante dele estava leve e
seus olhos tinham um brilho sedutor.
— Vai me proibir de vir aqui?
— Sim, terei que tomar medidas drásticas. Portanto ruiva, como eu
não quero parar de te ver, pare já com essa porra de falar da Margareth.
— Ok.
— Posso comprar as bebidas e preparar a lenha?
— A lenha? — droga. Acabei de fazer uma insinuação em duplo
sentido. E, para meu total deleite, ele sorriu de leve, algo rápido, mas que foi
quase um evento astrológico.
— Da fogueira, Penélope. A outra lenha já está preparada. — me senti
enrubescer no mesmo instante. — E então? O que me diz?
— Pode ser. — ergui os ombros.
Seth fez uma cara de desapontamento.
— Apenas um simples “pode ser” como se fosse uma palestra sobre
hemorroidas? Posso garantir que não será tão tedioso assim.
— Meu “pode ser” foi apenas para me portar como uma dama
civilizada e não demostrar que tenho interesse em você e na sua fogueira ou
na sua lenha. — eu era muito ridícula. Fui capaz de jogar um flerte descarado.
E ele o pegou sorrindo.
— Gosta da minha fogueira? — deu uma risada ao fazer a pergunta.
— Para com isso. — liguei o carro. Ele saiu de perto da janela. —
Tchau, Seth.
— Sábado está bom? — ele veio andando, acompanhando o carro.
— Está ótimo. — buzinei para ele e fui embora, vendo pelo retrovisor
ele parado me vendo partir.
* * *
* * *
* * *
— Por que você tinha que ir lá? — gritei para minha irmã,
completamente fora de mim, ao entrar no trambolho dela. Aquele maldito
carro que tinha mais fama do que eu. E que, por sinal, já estava novo em
folha.
— Porque eu queria vender meu carro para aquele arrogante de
merda. — bateu no volante, compartilhando da minha irritação, todavia, por
motivos diferentes. Eu estava amedrontada e Carly tinha sido peitada.
— Que droga, Carly! Esse homem é o demônio, ele vai querer me
ferrar lá na Dazzler, tenho certeza.
— Ai, mana, desculpe. Não sabia que ele era tão indigesto.
— Ok. — acariciei minha testa, me sentindo esgotada — Só me leve
para casa, preciso pensar na próxima campanha da competição.
Carly parou o carro em frente à casa dos nossos pais e me olhou se
sentindo culpada. Eu gostaria mesmo que ela mantivesse esse sentimento de
culpa por mais algumas horas, para que refletisse sobre seus atos e
amadurecesse mais. O que me preocupava era que Carly sempre foi o tipo de
pessoa que não aprendia com os erros. Brian era um exemplo vivo.
— Não vai entrar? — ainda usei o pouco de educação que me restava
para convidá-la.
— Não. A mamãe vai querer que eu fique. Preciso voltar e ajudar
Brian a fechar a loja.
Queria perguntar, em tom de acusação: “Então ele já voltou a tomar
conta dos expedientes?” Mas me calei e desci do carro, limitando a acenar
rápido para ela.
— Era a Carly? — minha mãe já estava na porta. Com certeza que ela
reconheceu o barulho do carro e espiou pela janela.
— Sim. Só me deu uma carona. — respirei fundo e virei para minha
mãe com um sorriso iluminado Queria mostrar a ela meu lado contente pela
vitória e não o chateado com Carly.
— Ai, meu Deus! — colocou as duas mãos na boca. — Conseguiu?
— Sim.
— Sim?
— Siiiimmm! — berrei e pulei nos braços dela — Eu consegui.
Passei para a penúltima fase da competição.
Morar com os pais só tem uma coisa desagradável: eles sempre vão
querer saber cada passo do filho. Tive que convencê-los, como se convence a
jurados em um julgamento, de que eu estava indo na Tatiana pegar uns
trabalhos de faculdade. Voltaria em uma hora.
Fui rezando no caminho para que tudo desse certo e pudesse estar em
casa em uma hora. Ou meu pai, com certeza, iria ligar na casa da Tatiana.
Não me surpreendi quando o taxi entrou na Ofarrell St., porque eu já
pressentia onde poderia ser o tal ponto de encontro armado por Zack e sua
fina equipe. Sim, era lá, no topo da torre do Hilton Hotel, no bar Cityscape,
um lugar que tinha uma vista total da noite de São Francisco. O Happy Hour
perfeito dos mais afortunados.
Vim certa vez com Carly e me arrependi. A vista era perfeita, como
todos sempre diziam, parecia que estávamos em um aquário no topo do
mundo, mas ela acabou brigando por causa do atendimento lento e de pouco
caso.
— Devo esperá-la? — o taxista perguntou. Algo inédito aqui na
cidade. Mas devia ter visto meu nervosismo e se compadeceu.
— Não. Muito obrigada. — desci e olhei para o hotel à minha frente.
Nem sinal de Natasha.
Suspirando cheia de resignação, peguei meu celular, e Natasha
atendeu prontamente.
— Já estou aqui. Onde está você?
— Ah… Oi, Penélope. Estou aqui no bar, suba aqui, por favor. Estou
te esperando. — nem deu espaço para eu recusar. Desligou imediatamente.
O quê? Berrei em pensamento. Que merda! Além de me pedir um
favor, ainda colocava exigências? Era o que me faltava!
Eu comentei que sou bem prestativa?
Revirei os olhos, engolindo a vontade de virar as costas e ir embora.
Era o que eu deveria fazer, mas já que estava ali…
Subi para o bar, que como eu já tinha mencionado, ficava no topo da
torre. O ambiente familiar me abraçou com seu conforto chique. Era um
ponto ótimo para passar o tempo e estar em boa companhia. Nunca um lugar
para zanzar sozinha procurando alguém, ou ir com uma irmã que briga por
tudo.
As loiras altas da recepção da Dazzler estavam bem ali, jogando
charme para um dos sócios. Mordi os lábios e torci para que ninguém
percebesse minha presença. Se bem que se me vissem, não iriam se importar.
Como competidora para uma vaga de estágio, eu estava no último nível da
hierarquia da Dazzler.
Continuei andando por entre as mesas. Olhei as gigantescas vidraças
voltadas para a cidade, de onde tinha uma vista incrível da noite que chegava
tardiamente por causa do verão e que por sinal estava bem iluminada com
uma lua grande, como uma pintura do lado de fora. Vi Joanna e passei
depressa de cabeça baixa. Ela olhava algo no celular, levantou-se rápido e
caminhou desfilando em direção aos banheiros.
De longe, encontrei Natasha e acenei para ela, contente por minha
missão ter chegado ao fim com sucesso.
Entretanto, ela olhou com aflição diretamente para alguém e seus
olhos saltaram. Acompanhei seu olhar e vi Zack junto com uma turma de
homens de ternos. Ele me viu e nitidamente veio até mim.
Não sei que tipo de superpoder Natasha usou para chegar até mim tão
rápido, antes de Zack.
— Vamos dar o fora. — ela me puxou, e eu nem contestei.
— Ei, Dawson? — ouvi Zack e minha mente tentou frear meus pés,
reconhecendo a voz de comando do meu chefe. Mas Natasha me puxava com
força e acabei dentro do elevador com ela.
— O que está acontecendo, Natasha…?
— Escuta, calma. — ela me pediu calma, mas estava a ponto de
surtar. Olhos saltados, artéria pulsando no pescoço, em sintonia com a
respiração acelerada. — Temos que sair daqui. Descobriram que eu vim para
cá.
— Descobriram? Quem descobriu? Descobriu o quê?
— É muita coisa para contar, Penélope. Não quero te meter nisso.
Trouxe o que te pedi?
— Sim. — abri o zíper da minha bolsa para pegar o chaveiro, mas ela
segurou minha mão.
— Não. É perigoso. Eu quero que faça um favor para mim.
Em um rompante, eu me rebelei.
— Não! Eu já estou fazendo favores demais. E metida em algo que
está me assustando. Se não me contar, eu não irei fazer nada.
Ela nem se importou para meu protesto. Olhava para os números dos
andares e seu semblante tenso se tornava muito mais preocupante.
— Natasha…?
— Eu tinha que trazer ele até aqui… e, por isso, deixei cair perto de
você… Achei que outra pessoa trazendo seria seguro.
— Seguro?
— Não me entregue esse chaveiro. — disse sem desgrudar os olhos
dos números. — Me mande depois pelo Fedex.
— Oi?
— Ou melhor… — virou-se para mim. Expressão de louca — Não
deixe cair nas mãos de Zack. Arrume uma maneira de entregar para o pai
dele.
— O pai dele? — meu grito saiu esganiçado — Que porra…
— Não… o pai, não. — ela pensou um pouco, louca da silva — O
irmão dele. Ezequiel. Ele é policial. Ele é confiável. Encontre Ezequiel.
Ah, cacete! Eu estava muito ferrada!
— Natasha, eu não sairei daqui e muito menos você… — ela nem me
ouviu. Saiu correndo assim que as portas do elevador se abriram. E fui eu ao
seu encalço. Sou uma pessoa muito ativa e não iria ficar de braços cruzados
vendo-a atravessar a rua como uma louca sem rumo algum.
Alcancei-a na calçada, do outro lado da rua. Havia muitas pessoas na
rua, muitos carros, nesse horário que era fim de expediente, ainda mais numa
sexta-feira.
Puxei sua bolsa, e ela me olhou. Estava até suando.
— Ei, olhe para mim e…
Mais uma vez fui interrompida e, dessa vez, não por Natasha. Uma
moto estilo ninja parou bem perto da gente, dois homens montados nela,
ambos vestidos de preto. O que estava de passageiro apontou uma arma e
gritou: assalto! Mas estava apontando apenas para Natasha, como se eu não
estivesse lá.
— Passe a bolsa. — ele berrou. — Agora!
Ela relutou, me fitou, e seus olhos pareciam querer dizer: “Você sabe
o que fazer.” e entregou a bolsa. Antes de eu entregar a minha também, ele
disparou à queima roupa contra Natasha, várias vezes, sem pestanejar. Eu
apenas gritei sem parar, vendo-a cair no chão e o atirador subir na moto e ir
embora.
DEZOITO
* * *
* * *
No caminho, eu me abri com ela, porque ela precisava saber que era
para outro lugar que teríamos que ir.
— Tem um cara. — olhei minhas mãos, enrolando a alça da bolsa.
Lindsay, no banco do motorista, me analisou dividindo atenção comigo e a
estrada. — Ele se chama Seth, estamos nos conhecendo. Quero ficar lá com
ele.
— Ele é confiável?
— Sim. Muito. É um lenhador e mora em uma cabana próxima à
minha avó. É um lugar discreto e distante, além do mais, ele tem armas e sabe
se defender.
— Há quanto tempo conhece esse tal lenhador? Desculpa, mas é
apenas praxe. Estou designada para sua proteção e preciso saber.
Eu não queria soar ridícula e desesperada ao dizer que o conhecia há
apenas um mês. Então, só me restou mentir.
— Bastante tempo. Ele fornece lenha para os moradores aos
arredores, inclusive para minha avó.
— Ah, sim. Tudo bem, então. Me diga por onde devo ir.
Assim que o carro parou na clareira, já pude ver Seth ao longe,
fatiando um tronco em vários pedaços, com a ajuda de uma motosserra.
Mesmo estando com grandes protetores auriculares tipo concha, ele se virou
ao perceber o carro. Como ele já dissera, desenvolveu sentidos mais
aguçados. Desligou a motosserra e veio caminhando, mantendo sua expressão
séria e intrigada.
— Se for aquele, você está de parabéns! — Lindsay piscou para mim
e saiu do carro já se apresentando:
— Policial Watson, Lindsay Watson. — tocou no distintivo preso ao
cinto.
— Seth Ryder. — ele respondeu e desviou os olhos dela quando abri a
porta do carro. Assim que me viu, jogou a motosserra no chão e, assustado,
veio até mim.
— Penélope?
— Ah, Seth! — sem me importar com nada, corri e o abracei. Mesmo
sem entender, ele soube que eu precisava de proteção e apertou seus braços
envolta de mim. Seu cheiro familiar e o calor do seu corpão me diziam que eu
estaria bem.
— A senhorita Dawson precisa de proteção, de um lugar para se
esconder por uns dias e…
— Gostaria de saber se posso me esconder aqui. — levantei os olhos
para encará-lo, interrompendo Lindsay.
* * *
Carly não tinha comido nada, estava meio bêbada, sem dormir,
resumindo: no fundo do poço. Foi um perigo ela ter vindo dirigindo. Então eu
a levei para casa, a ouvi com atenção, a ajudei no banho, lhe fiz um café forte
e só depois que estava dormindo, eu voltei para a empresa, quase às dez da
manhã. Nem contei nada para ela, sobre os últimos acontecimentos de minha
vida. Voltei com a preocupação em relação a Seth pesando no peito.
Fui direto ver Zack que, na minha concepção, já devia ter mofado de
tanto me esperar. Me apresentei à secretaria que informou minha presença.
Quando entrei, fiquei surpresa em ver Joanna com ele. Não esperava
encontrá-la, nós nunca trocamos um “a” mesmo eu tendo tentando no último
encontro. E, dessa vez, ela não parecia nem um pouco a Joanna que eu
costumava conhecer pela mídia e fofocas.
— Ah, deve ser a Penélope Dawson. — em um vestido elegante e
saltos altos, caminhou até mim. Sorria amigável. Totalmente diferente da
última vez que nos vimos.
— Ah… Oi, senhora Bradford. — ela me deu dois beijinhos no
rosto? Isso era mesmo realidade?
— Joanna apenas, querida. — me corrigiu — Sente-se.
Dei uma olhada em Zack emburrado, sentado à mesa com os dedos
cruzados. Não consegui controlar minha desconfiança, estava me sentindo
oprimida em uma sala com os poderosos.
Era a sala da presidência, a que tinha as fotografias da família
Bradford. De relance, passei os olhos e contei seis fotografias emolduradas.
Joanna não fazia parte da nobre galeria. Me sentei em uma poltrona, e ela deu
a volta na mesa, ficando de pé, ao lado de Zack.
— Estávamos preocupados com você. — Joanna disse. Zack apenas
continuava na mesma posição, analisando-me profundamente. Seu semblante
era pesado e parecia bem incomodado com alguma situação que eu não
conseguia saber qual era.
— Ah… Eu passei um tempo com meu namorado…
— Certo. E sobre seu depoimento? Conseguiu dar à polícia alguma
pista dos suspeitos?
Olhei para Zack e, em seguida, de volta para Joanna. Abri a boca, mas
Zack interferiu.
— Querida, não vamos importunar a senhorita Dawson com isso.
— Tem razão. — ela sorriu — Desculpe, sua amiga faleceu, e eu fui
insensível.
— Na verdade, não era minha amiga. — acabei de falar e me
arrependi no mesmo instante. Eu e minha boca tagarela. Ambos se olharam
intrigados, e agora o próprio Zack queria ouvir mais de mim.
— Não? Vimos vocês duas nas câmeras de segurança, e vocês
estavam juntas na festa.
— Ah… Eu… Ela me pediu informação e….
— O que foi fazer na festa, Dawson? — Zack pressionou, e ao colidir
com seus olhos tenazes, eu fraquejei. Sei que eles podiam ver a mentira na
minha cara. Eu não sabia mentir e já devia estar vermelha ou pálida com os
lábios tremendo. Queria correr de lá, o medo me dominou me restou engolir
em seco.
— Bom… Eu precisava… — enrolei várias vezes a alça da bolsa nos
dedos — Na verdade, eu decidi. Briguei com meu namorado e, para provocá-
lo, fui à festa.
Reaja, Penélope! Reaja, bosta!
— E já estão bem novamente? — Zack questionou. Joanna se limitou
a me encarar de cenho baixo, desconfiada. — Afinal passou dois dias com
ele.
— Isso não é um interrogatório, certo?
— Claro que não. — Joanna respondeu — estamos apenas
conversando. Que coisa.
— Certo. — fiquei de pé, e Zack se levantou também, prontamente.
— Volte ao seu trabalho, Dawson. Depois solicitarei que venha trazer
seu progresso com a equipe. Quero saber como está sua estadia aqui.
— Claro… Zack, digo, senhor Bradford.
— Ok. Tchau, querida. — Joanna acenou para mim e caminhou
elegantemente para o carrinho de bebidas.
Dei mais uma olhada em volta da grande sala e saí correndo,
deixando Zack parado, me acompanhando com o olhar.
Podia dizer que tive um bom desempenho durante todo o dia. Estava
me dando muito bem com a equipe, o entrosamento foi instantâneo, o que
ajudou bastante na nossa relação profissional. Eu já me sentia em casa,
trabalhando com eles. A minha ideia inicial foi jogada na mesa e melhorada
pelos mais experientes.
Às cinco da tarde, eu estava feliz com a produção, entretanto,
preocupada. Porque queria sair logo sem ser vista. E, graças aos céus,
consegui chegar até a saída do prédio sem nenhuma interrupção.
Não foi surpresa deparar com a caminhonete de Seth parada do outro
lado da rua. Caminhei rápido até lá, entrei e não consegui segurar o sorriso ao
vê-lo aparentemente bem.
— Oi. — sussurrei.
Seth curvou-se em minha direção e me beijou, encostou sua testa na
minha e ficou segundos assim em silêncio.
— Tudo bem? — perguntei.
— Tudo. — disse com convicção e ligou o carro. Coloquei o cinto e
olhei para fora. Zack estava do outro lado da rua, na porta da empresa, nos
encarando. Seth fechou o vidro e arrancou quase bruscamente. Sabia que ele
não morria de amores por meu chefe, então apenas ignorei esse fato. Devido
ao que aconteceu mais cedo com Seth, eu estava calada durante o caminho.
Ele parecia ressabiado, e deixei para aprofundar no assunto quando
chegássemos na cabana.
Eu pedi a ele para passarmos em minha casa, eu tinha que pegar umas
roupas e falar com meus pais. Quando paramos em frente à casa, ele segurou
meu braço impedindo que eu saísse.
— Penny. — seu semblante me adiantou que eu teria alguma
surpresa.
— Oi.
Seth olhou para os lados fora do carro e se aproximou um pouco mais
de mim.
— Descobri duas coisas.
— Sobre o quê?
— Ezequiel Bradford. Descobri o endereço dele, e ele te espera para
conversar.
Algo me dizia que isso não era o mais importante.
— Que bom, Seth. Obrigada por ter feito isso. E o que mais?
— Aquela chave… que me deu para esconder,… o motivo de toda
essa confusão.
— Sim… o que tem?
— É sobre o chaveiro. — ele enfiou a mão no bolso e pegou o
chaveiro em formato de unicórnio. Sob meu olhar pasmo, puxou a cabeça do
unicórnio, e levei a mão à boca ao ver um pen drive.
— A chave é apenas um disfarce. Creio que o real motivo do segredo
está nesse pen drive. Precisamos saber o que é.
VINTE E QUATRO
* * *
* * *
* * *
— Meu Deus! Qual o seu problema em não entender que tinha que se
esconder, Penélope? — não era minha mãe que gritava, nem meu namorado.
Era Lindsay, a policial, que estava tendo um surto no quarto do hospital onde
eu estava com Seth. Eu ia perguntar se ela se importava mais com sua
investigação do que com minha vida, mas seu olhar áspero me fez manter a
boca fechada.
Meu Seth levou um tiro no ombro, fez uma rápida cirurgia para
extração da bala e já estava fora de risco. Graças a Deus. Enquanto ele e
Tatiana estavam sendo operados, eu morria mil vezes na sala de espera, me
culpando por ter acontecido algo com as pessoas que amava.
Lindsay chegou rápido e impediu que eu ligasse para meus pais, para
não causar tumulto. Eu estava bem, era o que importava.
Diante do sermão dela, busquei amparo no meu namorado, mas Seth
estava com cara de poucos amigos, vestindo uma camisola de hospital, de pé
diante da janela, olhando para fora. Na sua expressão pude ler mil emoções,
ele estava remoendo a tragédia e, com certeza, pensando nos detalhes do que
aconteceu.
Respirei fundo e abaixei a cabeça vendo, de relance, as botas de
Lindsay indo e vindo. Ela não usava farda, era uma investigadora. Usava
botas, calça preta de couro, camisa azul e um sobretudo por cima. Pude ver o
distintivo em seu cinto e, do outro lado, a arma. Essa mulher nunca se
desapartava da pistola, até para dormir a colocava ao lado.
— Eu… não posso simplesmente negligenciar meu emprego.
— Mas pode perder a vida? — ela vociferou — Devia ter me dito que
estava indo trabalhar. Tem noção de que estamos investigando aquele pessoal
pela morte de uma funcionária deles? Você é a principal testemunha, não
poderia voltar lá.
Me levantei da cadeira e, de braços cruzados, a encarei.
— Como, não? Nem fodendo irei perder minha chance de ter um
emprego na Dazzler. — uma sobrancelha de Lindsay se levantou em tom de
incredulidade. — Sexta-feira será o dia decisivo, eu não posso…
— Você não vai, Penélope. — ela começou a perder a paciência e seu
olhar bateu com o de Seth como se pedisse cobertura. Boquiaberta, vi que ele
concordava com a policial e virou-se para mim.
— Você não vai voltar naquela merda de empresa. — estava decidido
para ele. Demostrou que nada do que eu fizesse ou falasse poderia fazê-lo
mudar de ideia.
— Seth!
— Uma pessoa está morta, sua amiga em estado gravíssimo, eu ferido
e você quase foi levada. É pela sua vida! Nem que eu tenha que te amarrar na
minha cabana, você não volta até que aquele cara esteja atrás das grades.
Ele ainda cismava que era coisa de Zack. Metade de mim não queria
aceitar aquela ideia. Parecia óbvio demais. Será que se fosse realmente o
Zack, ele vacilaria dessa forma, mandando me pegar quase em frente de sua
empresa?
Eu pensava que se fosse Zack, teria esperado mais alguns dias para a
poeira abaixar ou mandado me pegar na faculdade. Ele sabia que eu estava lá.
Zack era macaco velho, ele entendia todas essas coisas. Quem mandou me
sequestrar era alguém muito amador e que estava desesperado, correndo
contra o tempo.
— Ah, meu Pai! — vencida e desanimada, alisei meus cabelos e me
virei andando pelo quarto. Me sentei novamente, desolada. O trauma estava
me castigando. Quando a realidade começou a tomar espaço do pânico, e eu
me lembrei de Tatiana, as lágrimas começaram a descer dos meus olhos e eu
as limpei de imediato, para não demostrar fraqueza na frente de Seth e de
Lindsay. Eu queria bater em Lindsay que tinha alto poder de persuasão.
Coitado do homem na vida dessa mulher.
A porta se abriu, e uma enfermeira entrou. Ela parou estatelada ao ver
Seth de pé, com o soro ligado ao seu braço.
— Senhor Ryder. Era para o senhor estar inconsciente.
— Por que quer me deixar inconsciente? — a questionou baixando as
sobrancelhas. O braço preso a uma tipoia.
— Não,… quer dizer, devido à anestesia, tecnicamente, era para o
senhor estar sonolento e não de pé.
— Estou legal, traga minhas roupas, quero vazar daqui.
— Não pode ir. — engoliu em seco, mas se manteve firme — Acabou
de ser operado. O senhor deve se deitar.
— Seth. — corri até ele e segurei seu braço. — Vamos ficar só até o
doutor vir e te liberar. Pode ser? — seus olhos verdes desconfiados fitaram os
meus por alguns segundos, decidindo o que faria. — Confie em mim. —
reforcei o pedido, e ele relaxou o corpo. Após soltar o ar do peito com um
arfar, deixou eu conduzi-lo até a cama.
A enfermeira sorriu agradecida para mim, a cor voltou gradativamente
ao seu rosto. Após uma rápida checagem em Seth, nos deixou, e depois de eu
ajeitar o lençol sobre ele, me virei para Lindsay.
— O que terei que fazer agora? — antes de ela responder, adiantei: —
Não quero sair daqui… preciso saber sobre Tatiana.
— Não sei se voltar para a cabana de Seth é o melhor nesse momento.
Ele está impossibilitado…
— O que disse? Está colocando minha capacidade em dúvida? —
Seth se exaltou. Homens são sempre iguais, não podem ser julgados
incapacitados, que já armam espetáculo.
— Você está ferido, Seth. — Lindsay caminhou até a cama. —
Entretanto, pensando bem, é um lugar que ninguém vai procurar. Não te
conhecem, não sabem da ligação entre vocês. — ela ponderou, e isso o
acalmou. Eu mantinha minha função de acariciar, sem parar, o braço dele, em
uma tentativa de manter a fera aplacada. Me olhou concentrada, pouco
importando com os chiliques de Seth: — E você, Penélope? Quer ir com ele,
ou prefere que arrumemos escolta policial para sua casa?
— Ela vai comigo. — Seth interrompeu. Apertei seu braço indicando
para ele se acalmar.
— Bom, eu acho que…
— Está mesmo cogitando se vai me abandonar, Penélope? — Seth
questionou se colocando como vítima, antes mesmo de eu concluir minha
opinião.
Lindsay revirou os olhos sem paciência.
— Claro que não. Eu vou com você. — e essa era minha decisão
desde sempre. Claro que eu queria ficar com ele, cuidando dele, depois de ele
ter me salvado. — Fique tranquilo. Não vou te abandonar. — abaixei e
depositei um beijo em seus lábios. Seth estava fazendo tem feito tudo para
mim, não era o momento de nos separarmos.
Lindsay foi embora com a promessa de que iria na cabana no dia
seguinte me pegar para me levar até Ezequiel. Tivemos que contar para ela
sobre o encontro marcado, só omiti o motivo desse encontro. Ela deixou um
policial na porta do quarto, agora Seth também era testemunha de uma
tentativa de homicídio e sequestro. Estávamos no mesmo barco e eu odiava
pensar que eu o coloquei nessa situação por causa de minha teimosia.
Novamente pensei em Tatiana e as lágrimas derramaram
inevitavelmente. Recebi a notícia que as próximas horas para ela seriam
cruciais. Isso me cortou por dentro.
Seth cedeu à força da anestesia e dormiu relaxado. Eu, sentada em
uma poltrona ao seu lado, acariciava seus dedos tortos e chorava, pensando
que poderia ter sido bem pior, caso ele estivesse morrido. Que Deus nos livre.
Eu enlouqueceria.
Era o meu homem, bonito, bondoso, protetor, simples e intenso,
aquele que passei tempos desejando encontrar e iria continuar procurando
pelos anos adiante se não tivesse entrado naquela mata, naquele dia. Não ia
perdê-lo de forma alguma.
* * *
Tatiana não corria mais risco de morte. Um tiro acertou o seu lado
direito, perfurando o fígado, e o outro, de raspão, na cabeça. Com isso fiquei
mais despreocupa, mesmo que ela ainda estivesse na UTI.
Eu não ia voltar para a Dazzler tão cedo. Era mesmo muito perigoso,
mas não queria também perder minha chance. Seth emprestou seu telefone, e
eu liguei para Zack. Conversei diretamente com ele e, podia ter sido
encenação, mas ficou bem chocado com tudo que eu contei.
Nem precisou eu pedir, ele mesmo disse que ia adiar a última etapa da
competição, porque eu não poderia ir na sexta-feira. Achei isso bem estranho,
Zack dificilmente era complacente, ainda mais com empregados. Se fosse ele
o culpado, teria me dado todo esse tempo longe da empresa?
Depois que desliguei, fiquei pensando se foi certo ter omitido dele
que o cara que me ajudou foi meu namorado. Se ele assistisse uma das
filmagens amadoras na mídia, ia ver Seth e concluir que aquele era meu
namorado e que, portanto, eu devia estar com ele, como da outra vez que sumi
por dois dias.
Mas eu estava convicta de que mesmo sabendo que o homem do
vídeo era o meu namorado, e se Zack fosse o culpado, ele não conseguiria a
localização de Seth.
* * *
Claro que teria briga entre mim e meu amado por causa da última
etapa da competição na Dazzler. Eu só estava adiando o dia de falar com Seth.
Era tão bom estarmos juntos, dormir e acordar ao seu lado, cozinhar juntos,
tomar banho na cachoeira, ele fazia eu me esquecer de todos os meus
problemas. Ele era meu paraíso na terra, e eu adiei o máximo provocar atrito
entre a gente.
Em dias alternados, eu ia ver meus pais e, nesses dias, eu aproveitava
e adiantava o máximo que conseguia da propaganda que era o derradeiro
desafio da Dazzler. Minha ideia era perfeita e mais uma vez tinha sido
inspirada em Seth.
Eu deixei minha irmã à frente de tudo. Ela foi atrás do ator,
profissionais para as filmagens, cenário onde a cena aconteceria, enfim, tudo
que eu precisava, mas não podia sair pela cidade para providenciar, andando
desprotegida. Não foi nada fácil criar toda uma estratégia de marketing,
estando longe.
Filmamos no parque. Eu tinha dito a Seth que iria ver minha avó. Ele
até quis ir junto, mas eu o convenci a não me acompanhar.
Com o vídeo pronto, eu tinha minhas armas para vencer o duelo na
Dazzler.
Esperei Seth sair do quarto para poder me vestir, e quando ele voltou
do banheiro, após escovar os dentes, eu o interceptei. Ele me olhou intrigado,
me vendo a lá executiva, de saltos e tudo mais.
— Eu preciso…
— Você não vai para a Dazzler. — se virou para sair do quarto, dando
a conversa por encerrada, mas eu o segurei.
— Seth. Eu preciso. É o dia da apresentação. A última etapa da
competição.
Ele se virou, me deixando nervosa com sua expressão.
— Como tem coragem de querer voltar lá depois de tudo…
Eu estava no meu limite. Porque todos apenas apontavam para mim o
quanto eu estava sendo teimosa, mas não viam meu lado. Passei uma semana
escondida, longe de coisas que, para mim, eram cruciais.
— Estou enfiada aqui nesse fim de mundo há uma semana. — gritei
desejando que lágrimas não borrassem minha maquiagem. — É minha vida lá
fora. Estou surtando aqui, sem internet, sem minhas coisas, meu trabalho.
— Ruiva, quando isso aqui acabar você poderá…
— Não. — me afastei para ele não tocar em mim. — Não posso
esperar. É um trem sem volta que está passando, se eu não agarrá-lo agora,
não terei outra chance.
Enfurecido, ele me fitou por alguns instantes, então caminhou em
passos largos para o quarto. Já estava sem tipoia, apenas com um pequeno
curativo no ombro. A rápida melhora de Seth não era surpresa, devido seu
tamanho e sua boa saúde.
Espiei da porta e vi que ele se vestia usando movimentos bruscos.
— Seth…
— Eu vou te levar. Se quer arriscar sua vida, eu não terei essa culpa.
Farei o possível para te proteger.
Ele poderia não entender meu lado. Acho que ninguém entenderia.
Tudo seria em vão se eu apenas cruzasse os braços e esperasse.
Enquanto ele dirigia, eu tive medo de estar levando o homem que
amo para um possível perigo, como na semana passada. Mas me agarrei à
minha esperança, fiz preces, torci para que eu entrasse e saísse ilesa de lá.
Seth me deixou na porta da empresa. Estava um pouco mais calmo
porque, durante a viagem, eu achei melhor ligar para Lindsay e avisá-la. Ela
não pareceu tão abalada quanto meu namorado protetor.
Eu não havia avisado a ninguém que estaria nessa manhã na Dazzler.
Iria pegar todos de surpresa. Não haveria tempo de alguém armar contra mim.
Assim que cheguei ao auditório onde estava sendo realizada a
competição, Zack se levantou da bancada do júri, perplexo ao me ver. Ele não
podia sair da mesa de jurados para vir falar comigo, um dos competidores já
se apresentava. Então sentou de volta sem quebrar contato visual comigo.
Ia dar certo. Eu me apresentaria, esperaria o resultado e fim. Iria
embora com Seth. E se eu não fosse escolhida, sumiria para sempre da vida
dos Bradford.
Quando chamaram meu nome, me levantei lutando para esconder
minha aflição e fiz tudo como ensaiei mentalmente. Coloquei o vídeo para ser
projetado na tela, enviei-o para os dispositivos dos jurados e respirei fundo.
— Bom dia. Sou Penélope Dawson e meu projeto se chama: Dazzler
– conectando o mundo. — Iniciei o vídeo.
De costas, um homem cabeludo andava pela mata. Cortava lenha,
pescava, fazia fogueira. Tudo indicando que era um homem do mato. À noite,
ele entrava em uma cabana, e ouvia-se a voz dele conversando com alguém lá
dentro. Quando a câmera se aproximava, o cabeludo estava ao celular. Então
ele olhava para a câmera e dizia: “Recluso, mas nunca isolado”. Mostrava o
celular para a tela com o logotipo da Dazzler e completava: “O mundo está
conectado”.
A imagem era coberta pelo logotipo e a frase abaixo: Dazzler –
conectando o mundo.
Essa foi uma frase que Seth falou comigo, quando eu fiz rosquinhas
para ele. Sorri vendo o vídeo e, quando ele chegou ao fim, recebi as palmas
dos presentes. Olhei para Zack, e ele me aplaudia sorrindo, demostrando que
gostou do que viu.
Eu sempre tive dúvidas se venceria.
E quando Zack anunciou meu nome como um dos vencedores, não
consegui vibrar, apenas empalidecer e me sentir petrificada. Pensei em toda
essa merda que tinha acontecido: não conseguiria comemorar com minha
amiga, ainda no hospital; Seth desaprovando minhas escolhas, eu sendo
caçada por aí e meus pais sozinhos em casa.
Sem falar que isso significava que minha ligação com os Bradford
continuaria.
Voltei a me sentar e olhei à frente meus colegas aplaudindo e
parabenizando o outro candidato que vencera comigo.
Peguei o celular e liguei para Seth. Ele atendeu de imediato e disse
que já estava vindo me buscar.
— Tudo bem com você? — levantei os olhos, e Zack estava na minha
frente. Seus olhos verdes eram tão familiares. E eu pensei logo em Ezequiel.
— Sim… Se importa se eu ir embora? Isso me pegou de surpresa,
estou precisando…
— Sim, claro. Pode ir, sim.
— Obrigada. — Fiquei de pé.
— Penélope. — me chamou e eu virei para olhá-lo. Zack parecia ter
olheiras, como se estivesse perdendo noites de sono, o olhar não era mais frio
como sempre. Era amedrontado. Eu pensei se ele estava com medo de ser
pego pela polícia.
— Se isso aqui não der certo,… saiba que eu sempre admirei sua
garra e sua paixão pela empresa. É o motivo de ter ganhado. Há anos eu não
via alguém com o mesmo entusiasmo que o meu.
— Se isso não der certo? — intrigada, indaguei.
— A Dazzler. — ele tirou algo do bolso e me entregou. Era um
envelope pequeno. — Se quiser comparecer… depois de tudo que aconteceu
com você, os Bradford querem de alguma forma ter você por perto. Agora
pode ir. Espero que esteja tudo bem com você.
Coloquei o envelope na bolsa sem nem olhar.
— E está. Obrigada, Zack.
Me virei e fui embora andando a passos muito rápidos. Um dia eu
desejei estar aqui, hoje, com minha vitória, eu só conseguia pensar em sair do
prédio o mais rápido possível. Suspirei aliviada ao ver a caminhonete de Seth
me aguardando.
— Vamos. — disse a ele, e quando ele deu partida me senti segura em
confessar: — Eu ganhei. Estou contratada pela Dazzler.
Ele apenas me olhou quase desolado. Como se tivesse perdido algo e
até acho que ele passou a manhã toda torcendo para que eu perdesse.
Essa vitória não teve o sabor que eu esperava no início. Era meu
sonho realizado. Mas, nesse instante, o que mais me deixava feliz era ver meu
homem bem e salvo, ao meu lado.
Eu tinha o hábito de sair para beber todos os dez de maio, desde que
fiquei isolado na cabana. Era dez de maio e não poderia ser diferente. A
minha memória estava voltando com força total, e entendi porque eu saia uma
vez por ano nessa mesma data, para tomar um porre e ser acudido pelos caras
do bar.
Além da minha memória estar voltando, também tinha a Penélope que
merecia uma noite feliz por ter conseguido realizar o seu sonho. Eu tinha
necessidade de fazê-la sorrir, mesmo que ela estivesse indo contra minhas
vontades. Ela ganhou o emprego que tanto queria, e eu nem mesmo esbocei
um rápido sorriso de satisfação, o que me fez eu me sentir mal o dia todo, por
tê-la deixado comemorar sozinha, em pensamento, a sua vitória.
— Tudo bem? — segurei na sua mão, no quarto. Estava linda, usando
um vestido preto de renda, modelando seu corpo mignon que eu me viciei em
ter na minha cama. Estava sexy e elegante, uma combinação perfeita para
meu pau latejar de desejo e meu coração sacudir em adoração.
— Estou ótima. — piscou para mim, deixando transparecer a
felicidade por eu tê-la convidado para jantar. — Vamos?
— Não é um lugar requintado. — avisei.
— E eu lá sou garota de lugares requintados? — abraçou meu braço e
saímos do quarto. — Desde que a comida seja muito boa, afinal, estou com o
estômago nas costas, de fome.
— Você só me deixa mais bobo, Raposinha esfomeada.
Eu tinha lágrimas nos olhos, mas ria de uma forma nervosa e não de
felicidade. Continuando cantando em sincronia um tanto desafinada, Carly
puxou minha mão me girando na cozinha e me amparou nos seus braços.
“Eu tenho cem milhões de razões para ir embora
Mas querido, eu só preciso de uma boa razão para ficar…”
* * *
Eu explodi.
Joanna pedia por isso há anos, desde que enfiou na cabeça que
deveríamos vender a empresa e mudar para Los Angeles. Me senti um merda
por ter falado aquilo com ela, até pensei em voltar lá e pedir desculpas.
Todavia, decidi que o melhor era nos dar um tempo. Esfriar os ânimos antes
de uma nova conversa. Depois da nossa briga na empresa, eu fui dormir no
antigo quarto do Ezequiel, para evitar discursão próximo ao quarto dos meus
pais.
O motivo de tudo?
Ontem, na empresa, eu estava de boa, era um dia normal. Enquanto
ouvia o diretor administrativo relatar alguns pequenos problemas, soube por
ele o que minha esposa tinha armado.
Saí da minha sala, levando comigo a fúria e a desconfiança.
Encontrei-a sentada em uma poltrona, cabisbaixa, falando ao celular. E ela
dizia:
— Sim, eu posso armar alguma coisa para tirá-la do mapa. Foi uma
jogada de mestre afastá-la do namoradinho enxerido. — Joanna me viu, nem
se despediu da pessoa e desligou.
— Amor?
— O que está aprontando, Joanna?
— Como assim, Zack? Não é nada… Estava conversando sobre uma
série de TV.
— Não estou falando disso. — berrei, sentindo o descontrole
percorrer minhas veias. Ela captou minha ira e se retesou. — Acabo de saber
que marcou uma reunião amanhã com avaliadores, para uma possível venda
da empresa.
Ela pareceu aliviada e perturbada ao mesmo tempo. Sobre o trecho do
telefonema que eu ouvi, achei que ela podia estar armando para alguém, uma
funcionária ou uma socialite, mas isso não me importava no momento.
— Zack,… são pessoas confiáveis. Se aceitar a venda eventualmente,
a Dazzler estará em boas mãos. Seremos sortudos em conseguir vender em
um momento em que a empresa passa por essa crise.
— Eu. Não. Vou. Vender. — pontuei cada palavra, carregada de raiva.
— Como pode ser tão difícil para entender isso? Se formos à falência, ficarei
até o último segundo na Dazzler.
— Como pode pensar isso? — elevou o tom de voz usando um ar de
choro. O drama estava começando e, por azar dela, precisaria de muito mais
para me convencer. — Eu te mostrei as contas. Estamos no vermelho.
— Não estou convencido daquelas contas. Decidi pedir uma análise
mais profunda.
— Como não? Foram feitas por seus funcionários. Seu homem de
confiança.
— Eu quero que você cancele essa reunião. — me virei rumando para
a porta.
— Não cancelarei.
— Ok. — em um giro rápido, a fitei — Amanhã às quatro, estarei em
outro lugar. Eu sou o presidente da empresa e sem minha presença, esses tais
empresários não darão credibilidade a você. Era mesmo um ponto para mim.
Eu não estava feliz em sair vitorioso dessa discursão, embora preferisse que
ela nem mesmo tivesse existido.
— Nesse momento, estou odiando você. — limpou uma lágrima — É
meu marido, deveríamos nos apoiar.
Neguei com um gesto veemente.
— É mais do que eu, Joanna. Sabe disso. É o sonho do meu pai… e
do meu irmão. A Dazzler jamais será vendida enquanto um Bradford existir.
— Andei para a porta, mas antes de colocar o pé fora da sala, fui atacado.
— Como pode ser tão egoísta? — me virei para segurar os golpes de
Joanna. — Como pode pensar só em você? E o nosso filho?
— O seu filho! Ele é meu sobrinho, apenas. — berrei e foi aí que me
arrependi.
Merda!
— O que disse? — havia um banho de lágrimas em seus olhos. Minha
fala a pegou mesmo de surpresa e eu me senti um filho da puta por ter
renegado o pequeno Seth.
— Ah, porra. Eu não quis…
— Você falou. Acabou de renegar nosso menino. Você escolheu criá-
lo, sabe como seu irmão ficaria se ouvisse…
— Ah, não venha colocar ele novamente em nossas brigas. Deixe-o
descansar em paz, você sempre usa o Blake para tentar me fazer sentir
culpado. Às vezes acho que se ele estivesse aqui, você nunca teria chegado à
vice-presidente da empresa.
Foi então que, no calor do momento, cheguei à minha sala disposto a
ter um lugar para ir no mesmo instante em que os avaliadores estivessem
aqui, a mando de Joanna. De pé, vendo a cidade lá embaixo pela janela, me
lembrei de Penélope e de sua irmã e, consequentemente, de seu maravilhoso
Impala. Peguei meu celular e liguei para o número da loja da irmã de
Penélope. Era um motivo para eu boicotar a reunião que Joanna tinha
preparado para me surpreender. Levar o carro à oficina do meu primo era a
desculpa perfeita.
* * *
Axel Ryder era meu primo. Ele era um dos melhores mecânicos do
estado, se não do país. E qual o motivo de ele ter toda essa fama? Porque ele
só mexia em máquinas poderosas, carros importados, antiguidades,
esportivos, capazes de fazer o eventual dono desembolsar meio milhão para
possuí-lo. Ele tinha sua loja de preciosidades e uma cadeia de oficinas com
sua assinatura nas máquinas que ele reformava.
Todo mundo procurava o Axel, todo mundo de bom gosto queria ter
um carro estilizado com a assinatura dele. Ele que supervisionava minha
coleção. Ia adorar ver o Impala da Carly.
— Então quer dizer que sua irmã está no fundo do poço? — durante o
percurso ela me relatava as novidades, uma delas era que Penélope não estava
nada bem com o fim do namoro. — Eu notei mesmo algo de diferente.
— Pois é. O safado a iludiu e… foi isso.
— É um imbecil. Ele não sabe a sorte que teve. — Carly semicerrou
os olhos para mim assim que disse isso. Me senti no dever de explicar: — Sua
irmã é uma pessoa boa, carismática e tem muita força de vontade. Além de
que sempre opta pela verdade. As Dawson coram fácil demais, e isso as
impede de mentir.
— Não me coloque nessa conta. Eu minto, e muito. Depende de
minhas necessidades.
— Mas concorda comigo que ele chutou uma sorte grande, não foi?
— Sim, concordo. O brucutu era um lenhador selvagem que ela
encontrou no fim do mundo. Não servia para ela.
— Um lenhador? Que piada. Penélope precisa de algo melhor.
— Com certeza.
— Olha, chegamos. — apontei para a gigantesca oficina com portas
de metal e paredes grafitadas. Acima, o nome dizia a quem pertencia: Axel
Ryder Motors.
— Já ouvi falar desse cara. — ela saiu do carro e andou ao meu lado
— Era o sonho do Brian trazer o carro aqui.
— Brian?
— Meu ex.
Isso deveria me causar qualquer tipo de contentamento? Não mesmo,
mas causou. Um lapso de desejo percorreu meu corpo. Carly me instigava
febrilmente. Eu devia estar mesmo muito fora de mim, para pensar umas
merdas dessa. Joanna era mais que minha esposa, ela era a viúva do meu
irmão. Traí-la era algo impensável. Seria como trair a memória de Blake.
Coloquei de lado minhas divagações inoportunas e foquei no que
fomos fazer.
Estranhamente, as portas da oficina estavam fechadas. Toquei no
interfone da lateral que dava para o apartamento dele, no andar superior.
— Fala. — a voz áspera atendeu.
— E aí, mano? É o Zack. — acenei para a câmera de segurança.
— O que quer aqui?
— Como assim? Falar sobre pinturas e bordados. Lógico que é sobre
carros. O que mais venho fazer aqui?
— Quem é essa aí contigo? — a voz perguntou e Carly acenou
sorridente para a câmera.
— Amante. Libera aí, porra.
O portão destravou, e eu recebi um sopapo no braço.
— Que história é essa de amante?
— Não enche. Se eu dissesse amiga ele poderia encrencar. O cara está
desconfiado de alguma coisa. Venha, suba.
Axel me esperava de cenho franzido à porta de seu apartamento. Me
deixou passar sem tirar os olhos de Carly. Uma vez dentro de sua casa, que
mais parecia um esconderijo dos irmãos metralhas, fitei meu primo.
Ele era moreno, não loiro como eu e meus irmãos. Era um homem de
quase dois metros de altura, cabelos compridos até os ombros, barba cheia e
músculos bem esculpidos deixados à vista. Andou calmamente, pegou uma
camiseta e vestiu. Carly não parava de encarar o sujeito.
Do outro lado da sala, havia algo como uma academia improvisada.
Umas barras de ferro, esteira e saco de areia. Muita caixa de pizza e garrafas
de cerveja vazias.
— Está entocado? Por que você não abriu a oficina?
— Cara, não estou em um bom dia. Os tiras estão na minha cola.
Acham que eu viajei.
— Puta que pariu. O que aprontou?
Ele olhou para Carly e balançou a cabeça negando. Não confiava
nela.
— Certo, o que veio fazer aqui?
— Ela tem um carro. Eu gostaria de comprá-lo.
— Mas não quero vender. — Carly me interrompeu.
— O caso é que eu gostaria que desse uma olhada. É um Impala
original e sofreu uma batida, foi consertado, mas não do jeito certo.
— Fiquei curioso. Trouxe ele?
— Sim.
— Vou abrir a garagem e você o coloca para dentro. Sente-se aí moça.
— falou para Carly — Desde que não seja policial, é bem-vinda. — se
afastou para buscar o controle da garagem e resmungou: — Odeio aquela
raça.
Axel analisou o carro se mostrando empolgado. Disse tudo que podia
fazer nele e concordou comigo que preto seria a cor mais indicada para a
pintura. Ele quase implorou para Carly deixá-lo trabalhar no veículo, e ela
acabou cedendo, mesmo que não fosse vendê-lo para mim.
Depois eu a convenceria. Um bom dinheiro, e o carro seria meu.
Terminamos e nos despedimos de Axel. Ele avaliou o carro em um
valor que fez Carly empalidecer de olhos saltados. Seria meu, era uma
questão de tempo.
Voltamos para o carro, acenei para Axel e dirigi me afastando.
— Eu gostei dele. Além de gostoso é um bom profissional. É
solteiro?
Fitei-a incrédulo com o que eu escutei.
— Deve estar louca.
— Louca eu seria se não babasse naquele monumento que você
chama de primo.
— Deixa de conversa fiada. Vou te levar logo para casa, sua
companhia encheu por hoje.
— A reciproca é verdadeira.
Não gostei nem um pouco de ouvi-la elogiando meu primo. Ele era
um mulherengo safado, bastava acenar que ele atacava. Me perguntei se foi
uma ideia boa levar Carly até ele. Mesmo ela não sendo nada minha.
Eu estava em uma velocidade razoável, mas, por alguma razão, atrás
da gente, uma viatura da polícia fez sinal para encostarmos.
— Ah, essa não. Será que viram a gente saindo da casa do seu primo
criminoso?
— Ele não é criminoso.
— Fala isso para os tiras.
Parei o carro no acostamento e observei dois policiais descerem. Um
chegou na minha janela e nem pediu documento, apenas disse:
— Desce.
Desafivelei o cinto, Carly também, e descemos do carro.
— Olha, eu não bebi e posso afirmar que… — antes de terminar de
falar, o policial torceu meu braço para as costas, empurrou minha cara contra
o carro, pronto para me algemar.
— E ela? — o outro perguntou, segurando Carly.
— Ei! O que está acontecendo? Me larga! — ela se debatia. — Eu
nem fiz nada! Isso é abuso de autoridade. Me largue!
Para meu terror, o policial sacou uma seringa pequena e enfiou a
agulha no pescoço de Carly, fazendo-a cambalear, cair no chão e perder os
sentidos logo em seguida.
O próximo foi eu. Nem tive como reagir. Dei um solavanco
impedindo que me algemasse, mas ele foi bem rápido. Senti a dor fina no
pescoço e as vistas ficaram turvas, mas não desmaiei. Eles me levaram aos
tropeços para a viatura e a última coisa que vi foi o porta-malas aberto.
Eu duvidava que fossem realmente policiais.
TRINTA E TRÊS
Anos antes
Atualmente
* * *
Axel foi preso. Ezequiel me informou que ele era procurado. Foi
levado para a divisão de homicídios onde Lindsay era locada. Eu senti tanto
ao saber disso. Ele se arriscou até o último momento para dar cobertura a
mim. Não sabia qual crime ele tinha cometido, e duvidava que ele pudesse ter
matado alguém. Mas se fosse culpado, que pagasse pelos seus erros.
Coube a Ezequiel dar uma rápida nota à imprensa dizendo que Zack
estava fora de perigo e que, no dia seguinte, a família Bradford daria mais
explicações. Eu não sabia onde Penélope estava, tive medo de que algo
pudesse ter lhe acontecido, mas em resposta a uma mensagem que Ezequiel
lhe mandou, ela confirmou que já estava na casa dos pais, a salva.
Eu queria ir vê-la, mas tinha muita coisa para resolver. Ainda havia
muitas respostas que eu precisava. Então fui para o hospital onde Zachary
fora levado. Era o momento de colocá-lo a par de tudo que havia acontecido.
* * *
Minha irmã só chorava e aceitou não ligar ainda para nossos pais
contando sobre mim. Era tão estanho dizer “minha irmã” e “nossos pais”.
Por longos meses e anos eu vivi sozinho. Sofrendo, isolado sem ter
alguém que me entendesse. Odiando minha família, que eu entendia ser a
culpada por eu ter ido parar na mata.
Margareth agiu como a madrasta da Rapunzel. Me manteve naquele
lugar trancado, com suas manipulações psicológicas. Ela me queria apenas
para ela, e isso foi tão nojento que eu não cansava de me punir interiormente
por ter sido tão otário.
Meu filho, vivo… e ela me vendo padecer, dizendo que
provavelmente Zack o tinha matado.
Limpei uma lágrima escondendo de Ezequiel meus sentimentos.
Que caralho! Eu sempre fui tão forte, destemido… e, agora,…
entregando facilmente os pontos.
Paramos em frente ao hospital. Coloquei o capuz da jaqueta e entrei
com meus dois irmãos. Na recepção havia policiais e um deles nos levou até a
sala de espera. Zack estava passando por uma cirurgia. E provavelmente iria
para a UTI depois.
Eu nunca pensei que estaria sentado em uma sala de espera torcendo
para a melhora de Zachary Bradford. Aquele que assombrou meus pesadelos
enquanto eu vivia na cabana.
— Vou vê-la. — fiquei de pé, informando minha decisão a Ezequiel.
— A Joanna?
— Sim. Preciso de respostas.
— Blake… — Phoebe choramingou, limpando as lágrimas. — Ela
não pode ter feito isso. Joanna… é minha amiga. Ela te amava, sofreu tanto
quando você…
— Você entenderá tudo mais tarde. — eu disse insatisfeito em ver
tudo que acontece com pessoas, como minha irmã e eu, vítimas de
manipulações criminosas. Após conseguir informação, me levaram ao quarto
onde Joanna estava internada.
Agradeci ao enfermeiro com um gesto e fiquei de pé em frente à porta
me decidindo. Pensando… Levando tempo para elaborar na minha mente o
tipo de diálogo que trocaria com Joanna. Levei a mão na maçaneta, mas antes,
ouvi vozes dentro do quarto.
— Você foi um incompetente. — ela gritava. Todas as missões que te
confiei, você falhou.
Abri a porta de supetão e ela gritava com alguém que parecia ser um
dos seguranças da Dazzler.
— Ah… — assustou-se ao me ver e soluçou. — Querido. — agora
ela chorava. — Vai, saia daqui. — falou com o segurança que, calado,
obedeceu caminhando para a porta. — Meu Deus, é tão real! Eu sonhei tanto
com esse momento, eu pedi tanto a Deus, Blake. Você não tem ideia de como
eu desejei ter minha família de volta, mas o Zachary foi um covarde e me…
Ah, meu Deus… ele me ameaçou…
Eu nem prestava atenção para ela chorando na cama. Olhava
incrédulo e pasmo para o segurança que já estava de saída na porta.
Minhas confusas lembranças não mentiam.
Era ele. O cara que me torturou, aquele que eu jurei encontrar um dia.
TRINTA E OITO
* * *
* * *
Eu não cansava de olhar meu celular. Como se ele fosse me dar uma
resposta sobre Seth. Que agora atende pelo nome de Blake. Que confusão,
meu Deus!
Meu sonho havia ficado para trás. Eu decidi abandonar a Dazzler
depois dos últimos acontecimentos. Não sei se ia querer ficar trabalhando lá,
encontrando meu Simba pelos elevadores, e até ele fingindo que não me
conhecia.
A imagem dele socorrendo Joanna enquanto eu era retirada da sala
não saía da minha cabeça. Me atormentou essa noite.
Ele não era mais meu Simba. Pressentia que da próxima vez que o
visse, estaria de cabelos curtos, sem barba, fazendo cosplay de CEO
bilionário.
E isso não deveria me fazer sofrer. Entretanto, não conseguia ter
controle de minhas emoções. As raízes que ele fincou no meu coração
estavam bem fortes, difíceis de libertar.
Acordei cedo e fui para a universidade. Consegui resolver meu
problema de faltas e farei alguns testes e aulas extras para tentar me formar
com minha turma. Na volta para casa, pedi ao taxista para me deixar na loja
da minha irmã. Na casa dos meus pais o clima estava insuportável, ambos
estavam paranoicos, obsessivos por me protegerem. Meu pai chegava a bater
na porta do meu quarto de madrugada, para saber se estava tudo bem comigo.
Entrei na loja, indo direto para as instalações do fundo, procurar por
Carly. Desde o sequestro, ela estava meio traumatizada e mal ficava na parte
da frente da loja.
Subi pela pequena escada em formato de caracol e a flagrei com uma
estranha aparência, perplexa, de pé diante da televisão, no quarto improvisado
onde às vezes ela e Brian dormiam.
— Carly. — chamei sua atenção.
— Penny. Venha ver isso.
Corri para perto vendo uma imagem que jamais esperaria ver.
— Joanna foi presa. — ela antecipou o que eu já estava assistindo.
Nas imagens, Joanna era levada quase à força enquanto esbravejava feito uma
louca: “Eu sou Joanna Bradford, vou acabar com vocês, seus policiais de
merda!”.
— Confirmaram mesmo que foi ela? — questionei, sem acreditar nas
imagens.
— A reportagem disse que possivelmente ela orquestrou o sequestro
de Zack.
— Que vagabunda!
— Eu que o diga. Essa vaca ligou para os sequestradores e mandou
que me matassem, acredita?
Me sentei na cama completamente chocada. Eu já sabia que ela estava
envolvida com toda essa baixaria, mas não achei que a pegariam tão rápido.
Duvidei que fossem encontrar provas com essa agilidade. Mesmo com algum
depoimento incriminador do Seth.
Eu gostaria de saber o que estava acontecendo, mas não ia aparecer
por lá dando uma de intrometida.
Carly se jogou na cama atrás de mim e, de uma forma maldosa, riu:
eu distingui aquilo como o hino de vitória.
— Acho que vou fazer uma visitinha ao Zack… O novo divorciado
do mercado.
— Eles não se divorciaram ainda. — eu disse.
— Mas vão. Acha que o cara vai ficar casado com a mulher que
planejou o sequestro dele?
Olhei-a dando pouco crédito à sua repentina euforia.
— Ele é meio emburrado — Carly analisou — Mas posso mostrar
como se come gostoso…
Acertei uma almofada bem no rosto dela.
— Meu Deus! Você é patética, Carly.
— Por quê? Só você que pode fisgar um Bradford bonitão? Sofri
demais com o Brian… Acho que mereço um pouco de diversão.
— Eu peguei o Blake quando ele não era Blake. Era um Zé Ninguém
lenhador. Aposto que se fosse um CEO nunca teria reparado em mim.
— Sei não, hein? Lembra quando o Zack ficava de olho cumprido
para cima de você? É gene de família, Penny. Eles devem ter alguma atração
inata por ruivas.
— Escuta aqui, Carly. — me virei apontando um dedo para ela —
Você não vai perturbar meu chefe recém-operado.
— Ué… Não foi você que disse que ia deixar a Dazzler? — ela foi
cínica nesse momento — Ele pode passar de seu chefe para seu cunhado, o
que acha?
Revirei os olhos. Esse assunto me deixou com os nervos à flor da pele
e me flagrei sendo egoísta. Só porque eu não tinha o Bradford mais velho,
estava estragando as chances de minha irmã pegar o caçula. Desde quando me
tornei amarga?
Carly percebeu minha abrupta mudança de humor e veio até mim. Ela
já sabia do que se tratava. Me abraçou por trás, descansando o queixo no meu
ombro.
— Ah, irmãzinha. Não fica assim. Ele vai te ligar. O Seth não iria
simplesmente seguir a vida…
Me levantei e, abraçando a mim mesma, deixei explicito o sofrimento
do meu coração partido.
— Talvez ele não precise mais de mim. Está em outra vida agora, tem
um filho para criar… Ele não vai querer levar outra mulher estranha para a
vida do menino. Ainda mais uma que mal se formou…
— Xô!, pensamentos depreciativos! — Carly me tomou em seus
braços. — Se arrume que a gente vai dar uma volta. O perigo acabou. Vamos
ao shopping, fazer compras, levar uma lembrancinha para a Tati que já deixou
o hospital. Vamos fazer um dia feliz. Vou até deixar a visita do meu adorável
CEO para depois.
— Ele vai deixar de ser CEO… — cogitei.
Ela me empurrou pelos ombros para fora do quarto.
— Ok. Adorável caçula ranzinza… E que tem um pacote enorme.
— Meu Deus! Você é péssima. — acabei rindo ao declarar isso.
Carly tinha razão. Sair um pouco me ajudou a aliviar a tensão.
Éramos duas irmãs andando pelas lojas, experimentando roupas, vendo os
preços absurdos e decidindo se valia a pena ou não.
— Você abusa dos decotes. — acusei ajudando-a com um vestido no
provador.
— Aquele safado disse que eu tenho uma bunda grande. — ela espiou
o bumbum pelo espelho.
— Quem disse isso? O Zack?
— Na verdade, o vagabundo do sequestrador disse e Zack concordou.
— ajeitou os seios no decote.
— Homens. — revirei os olhos — Tira esse vestido, Carly. Ficou
parecendo a Nick Minaj.
— My anaconda don’t. My anaconda don’t. — balançou a bunda no
espelho.
Eu dei uma gargalhada e saí do provador, deixando-a cantando a
música da Minaj.
— Sortuda será você que vestirá apenas roupas de grife que o macho
milionário vai comprar. — cutucou meu braço enquanto saíamos da loja.
— Nem venha, não tenho macho rico.
— Ser sonsa nunca combinou com você, Penny. Vamos comer alguma
coisa.
Enquanto comíamos, deixei claro para ela que era sério a questão de
ir visitar Zack. Ele estava ainda recuperando-se no hospital. Mais tarde,
poderíamos, nós duas, agradecê-lo por tudo que fez. E Carly aceitou.
Saímos dali e fomos direto para a casa de Tatiana. Os pais dela
ficaram meio apreensivos quando me viram, mas depois que eu expliquei que
não havia mais perigo, se acalmaram. Me acalmando também, afinal eu
morria de medo de que algum deles me culpasse.
Quando o fim de dia chegou, Carly me deixou na casa dos nossos pais
e fugiu de lá com a desculpa de que tinha algumas coisas que teria que
resolver na loja, para que a mamãe não a impedisse de partir.
Era mais uma noite sozinha, depois do jantar, olhando o celular.
Ludicamente achando que ele entraria em contato.
Uma ligação apenas…
Mas não houve nada, até eu dormir.
Na manhã seguinte, recebi uma mensagem do pessoal da Dazzler.
Tínhamos que concluir a prévia para ser apresentada na diretoria. E mesmo
que eu fosse sair de lá, teria que dar um aviso prévio, pois tinha um contrato
firmado.
Fui com o coração na mão, achando que iria dar de cara com Seth.
Mas não foi o que aconteceu. Passei a manhã toda lá, inclusive fui à diretoria
exibir a propaganda, e nem sinal dele ou de qualquer Bradford.
Tive que aguentar os cochichos a manhã toda, enquanto passava pelos
corredores da empresa. Todos ali pareciam saber de alguma coisa, mesmo que
ainda nada na mídia tivesse sido divulgado oficialmente.
Quando eu estava na roleta passando para ir embora, me virei bem na
hora em que as meninas da recepção cochichavam.
— O que foi, hein? — andei até elas — Estou suja por acaso?
— Desculpa, Dawson. — Loira Linda número um disse — Estamos
apenas dizendo o que todos estão falando por aí.
— Sobre o quê?
Loira Linda Dois respondeu:
— Que você matou o dragão da empresa, vulgo Joanna, e ainda
trouxe o Manda-Chuva Bradford de volta. Você é a mais nova heroína da
Dazzler.
— Sério? — senti meu semblante relaxar.
Elas riram sem vestígio de ironia. Estavam pela primeira vez sorrindo
para mim, como se orgulhassem de mim, como se enfim me acolhesse como
parte da empresa.
— Só esperamos que você seja legal, diferente da defunta Joanna.
— Como assim?
— É a conversa do cafezinho. Você é a garota do Blake, a nova
senhora Bradford. Parabéns, o proletariado te aclama.
Eu ri, abanei os cabelos e me virei me afastando delas. Ouvir isso era
muito bom, mesmo sabendo que elas estavam erradas. Eu não era garota de
ninguém.
Fui direto para casa, porque me sentia enjoada. Passei a manhã toda
com um café e uma torrada.
— Mãe. — chamei assim que entrei. — Tem almoço pronto? —
joguei a bolsa no sofá e comecei a desabotoar o casaco. — Estou com o
estômago nas costas.
Parei de retirar a peça quando um cheiro familiar chamou minha
atenção. Aspirei em volta e parecia que tinham borrifado no ar uma fragrância
de… coco…?
— Oi, Raposinha.
— Puta que pariu! — dei um grito e me virei dando de cara com
Blake bem no corredor. Com a mão no peito, me refazendo do susto, percorri
meus olhos pelo corpo dele. Estava irreconhecível. Vestia um terno
aparentemente muito caro, na cor azul e que aderia à sua forma com uma
perfeição impressionante. Nos pés sapatos lustrosos.
Para meu alívio ainda existia a barba, uma pouco mais bem-feita e
aparada, e os cabelos amarrados bem arrumados no alto da cabeça.
— Seth… Digo… Blake? O que faz aqui? Onde estão meus pais?
— Eu os levei para passar um tempinho com a sua avó. Estamos
sozinhos. — caminhou até mim. — E então? Gostou? — abriu os braços se
exibindo.
— Vai andar assim agora? Será meu novo chefe?
— Eu quero estar com minha família, Raposinha. Perdi muito tempo
sozinho, isolado… O Zack disse que vai me mostrar a Dazzler, quando estiver
bom.
— Já falou com ele? Como foi? — tive interesse em saber disso.
— Foi muito bem. Eu estou surpreso por estar gostando tanto de ter
irmãos. Falta meu filho e os coroas.
— Ainda não viu seus pais?
— Não. Estou indo lá hoje, no jantar. Vim te buscar para ir comigo
e…
— Me buscar? — o interrompi — Por quê? O que eu tenho a ver com
isso?
— Como assim? Você é minha mulher. É minha namorada.
— Set… Blake… — eu tinha que acostumar com os nomes. — Não
é assim que funciona. Você chega aqui, invade minha casa e já vai dizendo
que eu vou jantar com seus pais? Nem perguntou se é o que eu quero. Além
do mais, eu estava brava com você, não se lembra?
Ele empalideceu e engoliu em seco antevendo uma resposta ruim, um
término definitivo da minha parte.
— Você… não me quer mais?
Lógico que eu queria. Estava passando as piores noites da minha vida
sem ele.
— Eu só acho que você devia… Nós nem conversamos a respeito de
tudo. — gesticulei nervosamente.
— Podemos conversar quando já estivermos de bem. Vou te contar
tudo. Só não me deixe. — pediu ainda se mostrando temeroso — Tudo que eu
ganhei recentemente não significaria nada se você me deixasse.
Duas lágrimas seguidas deixaram meus olhos. Eu era muito fácil.
Louca por esse homem.
— Eu achei que nem… tínhamos mais nada. — de olho virado,
enrolei o cabelo no dedo.
— Como não? Eu sou seu Rei Leão cheirando a coco. Como pode
duvidar disso?
Ri e chorei ao mesmo tempo, desejando não estar fazendo careta.
— Eu duvidei, droga. E sofri igual a uma condenada.
Veio até mim, acariciou meu rosto e falou:
— Me perdoe por isso…
— Só isso? — me fiz de durona. — Pelo que passei achei que um
pedido de desculpas seria pouco.
— Vou fazer da forma correta, para que não haja mais dúvidas. — ele
então se pôs de joelhos, se apoiando em uma perna dobrada e segurou minha
mão. Seus olhos verdes brilharam me fitando — Penélope Dawson, aceita ser
minha namorada, minha raposinha, e me deixar amá-la e lhe fazer feliz da
forma mais intensa que um homem possa conseguir? — eu chorei feito uma
criança, e ele continuou dando um de seus raros sorrisos — Porque quando eu
não tinha nada além de vazio, você olhou para mim e me fez querer lutar por
algo novamente. Quando minha fé era pouca e minhas feridas eram minhas
únicas companhias, sua presença trouxe riqueza à minha humilde cabana. Por
isso, não tem como eu te deixar, Raposinha. Nunca. Eu te amo. Sendo Seth o
lenhador ou Blake o empresário, eu te amo.
— É claro que eu aceito.! — pulei nos braços dele derrubando nós
dois no tapete. — Porque eu te amei cedo demais, Blake. — o apertei nos
meus braços o mais forte que consegui e sussurrei: — Graças a Deus não
cortou os cabelos.
Nos beijamos ali mesmo, rolando no tapete da sala da minha mãe. Eu
queria despentear os cabelos dele imediatamente e fazer amor mais louco e
árduo possível, sentindo seu corpo grande tremer junto ao meu mais uma vez.
QUARENTA
* * *
Eu não queria ir com Blake para a casa dos pais dele. Era um jantar
muito íntimo, seria a primeira vez que os pais e o filho iriam revê-lo. Mas ele
me convenceu. Queria alguém de sua nova vida de lenhador bem ali ao lado
dele, para que ele pudesse ter uma segurança em encarar todas aquelas
pessoas emocionadas, mas que ele ainda não se lembrava muito bem delas.
Eu era a pessoa mais próxima do que ele vivera como lenhador.
Então, por ele, para lhe dar força e segurança, eu fui.
Escolhi um vestido composto e até calcei saltos. Era um jantar na
mansão Bradford, e eu iria como a namorada do primogênito. Era uma grande
responsabilidade.
Eu o ajudei com o terno e os cabelos. Ele era deslumbrante dentro do
terno. Na verdade, vestindo qualquer coisa.
O analisei por alguns segundos, sem que percebesse minha adoração
com o olhar. Eu tinha mesmo muita sorte. Quando escrevi na minha lista que
queria um homem, não sabia que o destino tinha escolhido um dos melhores
exemplares para mim.
Quando terminou de se olhar no espelho do meu quarto, sorriu na
minha direção.
— Estamos prontos? — estendeu a mão para mim.
— Estamos prontos. — segurei sua mão e apertei.
* * *
Blake contou aos pais toda sua trajetória desde que caiu da ponte.
Evitou falar das torturas em grande profundidade, mas mostrou a mão com os
dedos tortos. A tristeza dos pais durou pouco, até quando ele contou que se
lembrou da arte de marcenaria do pai e que foi com isso que sobreviveu todos
esses anos, cortando lenha e esculpindo na madeira.
Eu vi os olhos de Adriel brilharem de contentamento. Foi uma das
primeiras coisas que Blake lembrou, logo depois do nome do filho que não
saia de sua mente.
E por falar nele, Ezequiel desceu as escadas com o menino, e Blake
ficou de pé no mesmo instante. Olhos parados, fixados no garoto. Ambos
compenetrados se descobrindo, eram estranhos e ao mesmo tempo tão
familiares um ao outro.
Eu cheguei a duvidar se o pequeno Seth seria mesmo um Bradford,
devido ao currículo nada confiável da mãe. Mas os olhos dele não negavam e
foi por causa de sua grande semelhança com Blake que o gatilho acionou em
minha mente e eu liguei os pontos.
— Você é o meu pai? — o menino perguntou, visivelmente intrigado
com a figura masculina gigantesca à sua frente. Blake se abaixou apoiando-se
em um joelho.
— Eu sou seu pai. — havia lágrimas banhando seu rosto e adentrando
na barba. — Quero te dar um abraço.
O pequeno Seth não disse sim ou não. Ele mesmo se jogou para o pai,
tomando a iniciativa, ligando-os num abraço apertado. Toquei nas costas de
Blake carinhosamente, enquanto ele chorava baixo agarrado ao menino.
— Eu queria tanto me lembrar totalmente de você… Eu perdi parte de
sua vida. — mantinha o rostinho surpreso do filho dentro de suas mãos.
Olhou para mim e regozijou — Olha isso Penny. Meu filho está aqui, está são
e salvo.
— E vocês não se separarão mais, meu amor. — eu o consolei.
Quando se afastaram, Blake sentou-se na mesinha de centro bem
perto de Seth, sem querer desviar a atenção do filho.
— A mamãe disse que você estava enterrado no cemitério. Nós
levamos flores para você. — antes de Blake responder, ele completou curioso:
— Você saiu do buraco igual os zumbis que o tio Zack assiste na televisão?
Blake e todos nós rimos.
— Não. A mamãe se enganou. Eu estava perdido na floresta, e só
agora consegui achar o caminho.
— Igual o Tarzan?
— Sim. — Blake concordou. — Igual o Tarzan.
— O seu cabelo é muito grande. A mamãe odeia que o meu cabelo
cresça.
— Ah, olha só. — Blake gesticulou de um modo divertido. — A
mamãe ligou para mim dizendo que vai passar um tempo viajando e para que
eu cuidasse de você durante a ausência dela.
Eu sabia que ainda não era hora de Seth saber a verdade. Mais tarde
ele descobriria.
— Então eu vou poder ter um cabelo grande igual ao seu? — sua
alegria era tocante.
— Com toda a certeza. — Blake concordou, de modo confiante.
— Vai me levar na sua selva?
— Claro.
— Vovó. — correu até Dona Edith. — O meu pai voltou e vai me
mostrar onde é a selva.
— Que bom, meu querido. O papai não vai mais embora. Nunca
mais.
QUARENTA E UM
* * *
Os dias se passaram, e com eles minhas preocupações. As coisas
estavam enfim se encaixando.
Minha propaganda da Dazzler estava pronta e prestes a ser divulgada.
Blake foi o primeiro a me apoiar a continuar na Dazzler. Ele disse:
“É o seu sonho, Raposinha. Como posso te impedir de fazer algo que
vai te deixar feliz?” — e ele não aceitou minha recusa. A empresa era
praticamente dele, e sua imposição era que minha contratação fosse definitiva
e não apenas um estágio. Ele ainda não estava lá na sua cadeira de presidente,
e nem sei se iria, mas um relacionamento era justamente isso: apoiar as
escolhas um do outro. Eu iria apoiá-lo qual fosse sua decisão, porque eu sabia
que ele faria a escolha certa pensando na sua felicidade e na minha.
Depois das provas criminais contra Joanna enfim aparecerem, ela foi
acusada e sua prisão mantida. Ela não conseguiu liberdade provisória
enquanto aguardava o julgamento e, para aumentar sua culpa, a safada da
Margareth foi presa em Miami.
Havia provas robustas contra as duas, e eu desejei que ambas
permanecessem por muito tempo atrás das grades.
E por falar em “atrás das grades”, o primo dos Bradford estava dando
o que falar: ele tinha sido preso na noite da quase venda da Dazzler. Li depois
no jornal que ele fez uma policial de refém, fugiu da delegacia e agora se
encontrava foragido. Eu sempre o achei estanho demais. Todavia, ainda
duvidava que ele tivesse matado alguém.
Zack saiu do hospital, e eu me flagrei desolada em perceber sua
tristeza, mesmo sorrindo e dizendo que estava contente em voltar para casa.
Não era para menos. A mulher que ele havia devotado todos esses
anos, não passava de uma golpista que tentou matá-lo. Era demais para
qualquer um.
Ele ainda precisava de muita recuperação, mas já dizia estar pronto
para outra. Era algo que eu jamais pensei em ver: o ranzinza caçula Bradford
tão contente ao lado do lenhador que salvou a minha vida floresta.
— Eu ainda não acredito que ela é sua garota. — Zack disse a Blake,
espantado quando me viu na casa de seus pais. — Com todo respeito, mas sua
mulher torrou meus neurônios. Eu a via como petulante, entretanto não a quis
demitir logo de cara.
Senti minhas bochechas corarem enquanto os irmãos riam.
— Ela se recusou a cooperar comigo, — foi a vez de Ezequiel
declarar — porque não confiava em nenhum Bradford. Isso me fez ficar
furioso, eu sou um policial. Mesmo assim, tive que fazer o que ela queria.
Blake riu e se curvou beijando minha bochecha.
— Não culpo vocês. — ele segurou minha mão e, sorrindo, mirando
meus olhos falou: — Eu tentei afastar ela de minha vida no início, mas temos
aqui a rainha da teimosia. A Raposinha queria desvendar o lenhador mal-
encarado. Nós vencemos, enfim.
— Não tenho culpa se eu não nasci para agradar homens. — criei
coragem e rebati, apenas Phoebe me aplaudiu.
— Mas, me diga, Penélope. — Phoebe começou. — você não tem
uma irmã? Olha esse marmanjo aí precisando de freio. — apontou para
Ezequiel. O Quil odeia relacionamentos sérios, é o seu pavor.
O irmão policial desconsiderou com um gesto de desprezo. Eu, como
sou bem perspicaz, consegui notar nas entrelinhas a repentina cara fechada de
Zack, conforme eu ia dizendo:
— Sim, tenho uma irmã, mais velha do que eu e se chama Carly. É a
mulher que estava com Zack, no sequestro…
— Sério? — ela se interessou mais ainda. — Nós todos tivemos
vontade de conhecer a mulher que estava com Zack. Era a sua irmã?
— Sim. Ela já está bem. — peguei o celular, escolhi uma foto em que
estava Carly e eu, e mostrei a Phoebe.
— Oh! Ela é linda. — foi ela acabar de dizer isso e Ezequiel pulou
para cima querendo também olhar.
— Uau! — assoviou. — Aquela história de sua irmã colocar freio em
mim ainda está de pé?
Todos riram, e ele emendou: — Penny, quebra um galho aí. Apresenta
ela para darmos uma volta na viatura. — mais uma vez as risadas explodiram.
Quando os as risadas acalmaram Zack ficou de pé se apoiando no sofá.
— Pessoal, preciso me deitar um pouco.
— Tudo bem, eu te levo. — Blake se ofereceu e acompanhou-o
apoiando-o em seu braço. Apenas ele não riu, fuzilou Ezequiel com os olhos e
se retirou.
Conhecia muito bem os olhares sugestivos de Zack. Seria possível
que a atração que Carly sentia por ele era reciproca?
* * *
Tatiana veio em minha casa. Pela primeira vez depois de tanto tempo.
Eu estava de saída para ir na Carly, e ela foi comigo. Ainda um pouco
tímida e cheia de tensão. Mas sabíamos que todos os criminosos estavam
presos e isso aliviou um pouco o clima.
Ela me contou superficialmente sobre sua recuperação, mas quis saber
tudo que se desenrolou depois daquele dia que ela foi atacada.
Chegamos na casa de Carly para ajudá-la a se arrumar e escolher
uma roupa. Enfim, tinha chegado o dia que ela tanto esperava: visitar Zack.
Eu estava lhe dando total apoio, porque eu queria, acima de tudo, a
felicidade de minha irmã. Mas também tinha medo de que ela pudesse ser
apenas uma diversão para o ricaço mimado.
Zack era mimado, ranzinza e playboy. Isso era muito perigoso. Caras
como ele não saiam com garotas como nós. Mas não disse isso para ela. Era
bom ver minha irmã radiante e, por isso, comentários foram todos positivos.
Ela queria surpreender Zack, e nós iriamos ajudá-la.
QUARENTA E DOIS
* * *
À noite nos arrumamos para dar uma volta e conhecer melhor o que a
tão falada noite de Las Vegas poderia oferecer.
Terminando de ajeitar meu terno esportivo, comprado por Phoebe, me
virei quando, horrorizada, Penny me chamou. Os olhos pregados ao celular.
— Cara, esse pessoal é muito escroto. Olha os memes que estão
fazendo da gente.
Caminhei até ela.
Em uma imagem tinha Penélope e eu andando de mãos dadas pelo
centro de São Francisco, uma diferença gigantesca de estatura. Os dizeres:
“Como é o casal.”
Abaixo outra imagem de um hamster pequenino tentando comer uma
banana enorme. E os dizeres: “Como eu imagino”.
— Esse meme é velho, até eu que sou da mata sei disso. Não se
importe com isso. — Falei sem esconder a risada.
— Você está rindo, olha isso! — estendeu o celular para mim. Uma
montagem fajuta recortou minha cara colocando no King Kong e a cara de
Penélope rindo colada na da personagem da Naomi watts, “A paixão do
macaco gigante”.
Eu ri e tomei o celular dela.
— Chega de ver essas porcarias. É brincadeira deles.
— Eles ficam comentando em minhas fotos perguntando como eu te
ressuscitei. Se foi com a boca ou com desfibrilador.
— Nisso eles estão certo. Foi com a boca.
— Ah, cala a boca. — ela se soltou de mim e pegou a bolsa saindo do
quarto sem me esperar.
Eu já devia ter andando inúmeras vezes de limusine, já devia ter ido a
inúmeras festas luxuosas e esbanjado em noites de sexo e bebedeira. Eu vi
fotos na casa de Ezequiel que comprovavam minha vida libertina antes de
casar, todavia, agora eu era diferente de tudo aquilo. Eu estava
experimentando o mundo, ou revivendo tudo da forma mais gloriosa e
apaixonante. Eu tinha comigo a mulher da minha vida e a felicidade do
mundo todo.
Quanto de satisfação cabia no coração de um homem? Eu jamais seria
capaz de mensurar, mas sabia que chegaria perto do que estou vivendo.
Passamos um pouco em cada lugar. Tinha muito a conhecer e não
conseguiríamos em uma única noite.
Fomos a um cassino, compramos fichas e apostamos na mesa de
roleta. Modelos contratadas pela casa me viram se aproximando e vieram ao
nosso encontro, mas Penélope praticamente rosnou para elas e segurou meu
braço.
Com pose de Bond Girl, em seu vestido preto justo com fenda na
perna e penteado alto, ela beijava meus dados antes de eu jogar. Por sorte,
ganhamos uma vez e perdemos duas. Mas foi o suficiente para sairmos do
cassino, de volta para a limusine.
Nos clubes privados era quase impossível de entrar, mas após passar
por bares comuns, eu consegui em um clube depois de duas tentativas. Eu era
a celebridade do momento, minha entrada foi permitida.
Entramos como se fossemos da realeza, mãos dadas, postura ereta e
nariz empinado. Era quase uma da manhã, e o álcool circulava a mil por hora
no sangue.
Uma vez lá dentro, pedimos que o barman nos indicasse boas bebidas.
Ele indicou algo chamado escada do paraíso.
— Quer dar um tapa na pantera? — perguntou o barman
— O quê? — Penny indagou me olhando.
— Conhecer o paraíso de perto. Vocês nunca mais serão os mesmos.
O barman explicou que tinha um ingrediente secreto. Um tipo de
cogumelo cultivado na Ásia. Penny e eu nos olhamos e já tínhamos tomado a
decisão: estávamos em Las Vegas para experimentar Las Vegas.
Veio em um copinho pequeno de cristal. Era caríssimo e o barman
não oferecia a bebida para qualquer um. Brindamos, viramos na boca e o
ardor inicial deu lugar à dormência na língua.
Mas o troço me levou para um mundo paralelo, eu me sentia no
espaço sideral, via estrelas bem na minha frente, o equivalente a dez gozadas.
— Uhuu! — gritei sentindo minha testa suar. E nada mais fez sentido.
Era eu mesmo dançando ali na pista com os cabelos soltos, rodando
meu terno e com a camisa desabotoada mostrando o peito?
Evidente que sim.
Penélope, tendo tremeliques, de olhos saltados sem piscar, me
encarando, gritava acima da música:
— Puta que pariu! Olha o tamanho desse homem. Cinco metros! —
tentou me agarrar sem parar de dançar, mas seu salto alto escorregou, e ela
caiu.
Eu estava possuído, só conseguia dançar como um robô jogando os
cabelos para o lado, creio que o pessoal podia jurar que eu imitava a Shakira.
Ainda vendo estrelas e sem conseguir ter qualquer percepção da realidade.
Meu coração era uma orquestra inteira.
Andando de quatro, Penélope sentou na pista se sacudindo como se
dançasse sentada, chorando de rir. A bichinha estava no mundo da lua.
Eu a levantei e dançamos em posição de tango, quando a música que
tocava era eletrônica. Mas quem se importava? Ali parecia que todos agiam
estranhamente.
— Santo Deus! Seu cabelo é lindo, cara! — ela berrou sem parar de
rir. — Eu estou vendo dois de você!
— É melhor que o seu. — gritei rindo também, balançando os
cabelos. Eu acho que nunca estive tão chapado e fora de mim. Só conseguia
dançar, era como se meu corpo sentisse necessidade de movimentar, movendo
Penélope de um lado para o outro com a mesma facilidade que moveria uma
pena.
— Cala a bocaaa! — ela berrou agarrando minha camisa, rodando
exageradamente comigo na pista.
— Eu vou comer seu cu. — retruquei de rosto levantado.
* * *
Acordei com uma puta dor de cabeça. Mal conseguia abrir os olhos.
Uma bigorna parecia estar na minha testa. Me virei na cama e não senti
Penélope ao meu lado. Meu Deus! Me sentei assustado.
O que houve? Eu tinha apagado completamente, não lembrava
porcaria nenhuma, apenas o momento que demos um vexame na pista de
dança.
Ao redor do meu pescoço, tinha um colar havaiano de flores e tinha
muito cheiro de bebida. Como se eu tivesse tomando um banho de vodca.
Além disso, estava nu.
— Penny. — chamei fracamente. Senti uma dorzinha na minha coxa e
olhei. Tinha uma marca de mordida bem ali. Tinha sido com força. Agradeci
que não fora no pau, ou ele estaria amputado e com hemorragia. — Penélope?
Fiquei de pé ainda tonto tentando recordar como viemos parar no quarto.
Estava tudo uma bagunça. Tinha camisinhas usadas no chão, taças
derrubadas, um champanhe inteiro vazio. No relógio passava das duas da
tarde.
Trôpego, fui até o banheiro e bati na porta.
— Penny. Está aí?
— Me deixe! — berrou, chorosa. Me preocupei no mesmo instante.
Será que eu a machuquei? Será que eu fiquei com outra pessoa e ela viu? No
meu momento de insanidade, tudo poderia ter acontecido.
— Meu amor, o que houve? Fale comigo! — implorei, sacudindo a
maçaneta.
— Eu estou toda fodida e vomitada aqui. Não estou bem. — berrou
furiosa. Ela passou mal e estava me culpando? Eu também não estava nada
bem.
— Penny. Abre, deixa eu ver você.
— Eu não devia ter bebido, estou muito enjoada e vomitando pra
cacete. Além de estar com uma puta dor de cuuu. — gritou a última palavra
me fazendo retesar.
O quê?
— Raposinha… fale comigo…
— Raposinha é o cacete. Parece que meu intestino vai sair… pela
bunda.
Tudo estava mais confuso. Franzi o cenho olhando a porta.
— Abra deixa eu ver.
— Ver? Eu estou literalmente fodida, porque você estava insano e
achou que era uma boa ideia comer meu cu.
— Eu fiz isso? Tem certeza?
— Eu disse: amor, eu vou morrer e você disse que iria tirar meu
trauma.
— Ah, cacete. Desculpe eu…
— Eu sempre estive certa quanto a esse tipo de safadeza. — começou
a lamentar quase chorando — Ai, meu Deus. Estou arrombada, vou ter que ir
na emergência.
Me vesti e liguei para o serviço de quarto pedindo uma chave reserva
do banheiro. Eles me explicaram que a porta tinha um sensor por fora que
abria com o cartão chave.
Procurei o cartão e o encontrei jogado na entrada do apartamento.
Voltei para o banheiro e abri a porta no mesmo instante em que
Penélope se inclinava para o vaso sanitário vomitando. Estava nua, enrolada
em um lençol.
Corri para acudi-la. Segurei em seus cabelos enquanto ela vomitava.
Quando terminou, a coloquei de pé para se limpar na pia e a tirei do banheiro
em meus braços. Ela não recusou minha ajuda.
Liguei para o serviço de quarto relatando que ela não estava bem, e
eles prometeram mandar uma ambulância.
Penélope estava pálida, de olhos fechados e suando na testa. Me deitei
ao seu lado, apreensivo até a ajuda chegar. Eu nunca tinha sentido tanto medo.
Estava com medo de que algo grave acontecesse com ela, devido àquela
porcaria que tomamos na noite passada.
A médica veio com um enfermeiro e começou a examiná-la. A seguir,
disse que teria que levá-la ao hospital.
— O que ela tem, doutora?
— Ela está com queda de glicose e os vômitos fizeram a pressão
abaixar. Precisamos de exames mais apurados. Temos que levá-la.
Eu a acompanhei na ambulância. Ela já estava sendo medicada e
tomando soro glicosado na veia. Aos poucos sua cor ia voltando ao normal.
Já no quarto do hospital, à espera dos resultados, eu encarava
Penélope dormindo ternamente. Fiquei mais tranquilo em vê-la bem, não
deixando, no entanto, de me culpar por ela ter passado mal.
— Senhor Bradford. — a médica entrou, e eu fiquei de pé.
— Sim.
— O que vocês fizeram na noite passada? — seu olhar era
incriminador. Parecia furiosa prestes a dar um chilique.
— Bom… nos divertimos. — fiz um gesto tentando desprezar nossa
noite. Eu não ia contar em detalhes tudo que tinha acontecido, porque tinha
sido vergonhoso. — Bebidas… é Las Vegas.
— Pois essa sua diversão quase custou a vida de um inocente.
— Sim, eu não devia ter trazido ela…
— Não falo dela. A senhorita Dawson está grávida.
Puta que pariu. Quase saltei para trás. Meu peito sacudiu de uma
forma indescritível.
— Como é?
— Bom, devo dar um desconto, evidentemente não sabiam disso.
— Grávida? Penny grávida? Ah meu Deus! Vou ser pai.
— Escute, senhor Bradford. O feto chegou com sinais fraquíssimos
aqui. Algo não fez bem para ele na noite passada e não estou falando só de
bebidas, que já é um veneno para uma gestação. Foi de uma tremenda
irresponsabilidade.
— Ah, Cristo. Mas está tudo bem agora? Não sabíamos…
— Sua mulher deve ficar aqui em observação, o feto tem que ser
monitorado. Havia substâncias toxicas no sangue dela.
Caralho! O chá alucinógeno que tomamos. Eu morri em meio
segundo, só em pensar que quase provocamos um aborto.
Fui para o lado da cama dela e toquei em sua barriga.
Eu vou ser pai, novamente. Minha oportunidade de ser um pai
presente. Estou recebendo muito quando nada fiz para merecer tantas
bênçãos.
Mais tarde quando Penélope acordou, eu já tinha contado todos os
quadradinhos da poltrona, andando em todo o quarto e pensando em mil
coisas. Todas elas me fazendo sorrir grandiosamente.
— Oi. — sussurrou para mim. — Eu apaguei. — ela riu. Foi olhar
para ela falando que as minhas lágrimas desceram. Minha emoção era
palpável.
— Amor… o que houve? — assustada, se recostou nos travesseiros
para me observar.
Eu queria gritar ao mundo sobre o presente que ganhamos, ou vamos
ganhar, mas o que eu disse foi:
— Estou amando outra pessoa.
— O quê?
— Além de você…
— Blake…! De que está falando? — ela se aterrorizou.
Eu não ia judiar mais ainda dela. Coloquei a mão em seu ventre e
falei: — Eu nem o conheço ainda, mas já o amo.
Ela olhou minha mão e levantou os olhos saltados pra mim. Percebeu
no mesmo instante.
— Ah, caramba! Um leãozinho
— Ou uma raposinha.
Ela não estava desesperada, nem exultante. Estava chocada, pega
desprevenida.
Deitei com ela na cama e a puxei para meus braços. Penélope me
agarrou tremendo.
— Estou com medo, Blake. — sussurrou.
— Vamos ficar bem, prometo. — distribuí vários beijos em sua testa e
olhos.
— Você o quer, não é?
— Que pergunta doida. É claro que quero. Eu quero tanto que chega a
doer.
— Que ótimo. — soluçou com o rosto no meu peito e eu beijei seus
cabelos varias vezes.
QUARENTA E QUATRO
* * *
Na mesma noite, depois que tomei um banho, achei que ele estava
dando boa noite ao pequeno Seth. Mas quando desci as escadas para procurá-
los ouvi um barulho.
A árvore de Natal estava montada, apenas nós três passamos a tarde
nos divertindo e montando. A minha primeira árvore em minha própria
família. Eu não cabia de felicidade vendo pai e filho felizes fazendo
atividades que Blake jamais pensou em fazer estando na mata.
— Blake? — chamei e acendi a luz da sala para dar de cara com um
gigantesco Papai Noel sentado na poltrona.
Gritei de susto, com as mãos no peito. Blake riu:
— Ho! Ho! Ho!
— Seu cretino. — alcancei uma almofada e taquei nele. O que está
fazendo?
— Gostou? — se levantou e exibiu a roupa vermelha. Rindo, revirei
os olhos e continuei no mesmo lugar.
— Diga que gostou, Raposinha, comprei especificamente para você.
Seth não acredita mais em Papai Noel. Ele está com uma listinha arrecadando
seus presentes com os tios e avós.
Devia ser maravilhoso ser a única criança de uma família rica.
— Então supôs que teria mais sorte em me fazer acreditar em Papai
Noel?
— E você não acredita? Olha aqui um bem na sua frente. — girou
mais uma vez se exibindo. Ele andou até mim, e deixei que me tomasse em
seus braços. Blake beijou meu nariz, meu queixo, fez um caminho com os
lábios pelo meu pescoço até eu suspirar de olhos fechados. Em seguida,
mordeu minha orelha e cochichou:
— O saco do Papai Noel está cheio… — dei uma gargalhada e
coloquei a mão na boca dele.
— Esse Papai Noel é censurado para menores.
— Não imagina o presentão que tem aqui para a menina que foi
comportada o ano todo.
— Você já foi mais sério.
— A vida nunca me animou tanto. — riu, tirou a touca vermelha,
ajeitou na minha cabeça e me pegou nos braços.
Segurei em seu pescoço não conseguindo esconder meu sorriso.
— O que vai fazer?
— Te fazer confessar aos gritos que acredita em Papai Noel. Tem que
acreditar, Raposinha, para todo ano ganhar presente. Beijei-lhe repetidas
vezes, enquanto íamos rumo à outra sala, ele iria me deitar no sofá e eu despir
o Papai Noel.
Na noite de Natal, minha família estava inicialmente sem graça por
estar na mansão dos Bradford, inclusive minha avó. Eu não queria deixá-los
sozinhos e queria passar com Blake. Mas rapidamente meus pais se
enturmaram. Apesar de muito ricos, os Bradford eram pessoas carismáticas e
gentis.
Os irmãos de Blake eram perfeitos juntos. Apenas Phoebe não estava
presente, pois viajara com o marido.
Como se observasse uma famosa pintura, eu assistia todos em volta
da farta mesa. Carly e Zack se provocavam. Ezequiel contava sobre alguns
casos que andou investigando, capturando a atenção de meu pai e de Adriel.
Vovó tinha feito amizade com dona Edith logo de cara, era incrível como as
duas estavam se entendendo. Blake escutava atento algo que Seth lhe contava,
e eu os contemplava.
Minha irmã recebeu uma ligação e disse que ia no jardim
rapidamente, mas demorou para voltar. Sem pedir licença para sair da mesa,
Zack escorregou para fora da cadeira e despistou, saindo atrás dela. Eu torcia
para que minha irmã encontrasse a felicidade dela ao lado de Zack, todavia,
ele voltou para a mesa de jantar pouco depois, parecia emburrado. E Carly,
minutos depois, voltou tremendo e com olhos vermelhos.
Puxei-a de lado, para uma sala privativa.
— Meu Deus, Carly. O que houve?
— O Brian.
— Ele apareceu aqui?
— É… ele me mandou mensagem, me ameaçou, queria falar comigo
lá fora e eu fui. Daí ficamos discutindo… ele quer que eu venda a loja para
dar a parte dele… mas eu não posso…
— Ah, Meu Deus.
— E então ele me agarrou e me beijou à força. E eu vi um vulto pelo
lado de dentro do portão, acho que o Zack viu a cena e pensou coisas… Acho
que vou embora, quero ir para casa.
Ela tremia, e eu segurei suas mãos.
— Vou pedir ao Ezequiel para te levar.
— Não. Não o incomode. Eu vou sozinha.
— De jeito nenhum. Você não vai sozinha para casa, com esse louco
por aí fora.
— Não acabe com o jantar deles. Eu fico até o pai e a mãe irem
embora. Eu finjo que nada aconteceu. Ezequiel é um policial, vai querer
averiguar a situação. Por favor, Penny.
Pensei mais um pouco. Ela estava disposta a fazer um sacrifício para
que não estragar a nossa noite. Vi o arrependimento de ter vindo para cá
banhar o rosto de Carly de lágrimas.
— Tudo bem. Lave o rosto depois voltaremos para a mesa.
Eu a esperei lavar o rosto e voltamos rindo de volta para a sala.
Terminado o brinde, jantamos. Zack não pareceu se importar mais e decidiu
curtir o resto da noite. Ele queria beber com os irmãos e não iria deixar que
nada estragasse a sua noite.
E nada estragou. Apesar que Carly escondesse uma magoa
gigantesca, ela sorria o tempo todo até a hora de ir para casa com nossos pais.
Como eu me mudei para ir morar com Blake, ela estava dormindo com eles.
A nova casa de veraneio estava linda. Bem no lugar onde era a antiga
cabana.
Blake tinha uma nova caminhonete e ainda fazia peças de cerâmica e
madeira nas horas vagas. Além de entregar lenhas para minha avó. A sua
única e restante cliente.
Desci a curvinha chegando à costumeira clareira onde a casa de
madeira se erguia vistosa.
— Porra! — Blake gritou e veio correndo ao meu encontro. Eu estava
trazendo o pequeno isopor com carnes para assar.
— O quê? — fiquei paralisada.
— Você está louca, Raposinha. Está pegando peso. — tomou a caixa
das minhas mãos.
— Não está pesado.
— Deite-se ali na rede, quietinha. Eu descarrego o carro.
— Você está fazendo eu me sentir inútil. — reclamei indo na frente
dele.
—Você tem mil utilidades: foder minha cabeça, alegrar meus dias,
contar piadas sem graças, comer minha parte da sobremesa…
— Está me chamando de comilona?
— Estou te chamando de raposa gorducha gulosa. — abraçou meu
ombro e me levou para a espaçosa varanda. — Deite aí, daqui a pouco venho
te trazer um suco.
Ele entrou, e eu me deitei, olhando para o paraíso selvagem à minha
frente. Nem acreditava que esse lugar fosse nosso. Onde tudo começou, onde
estávamos sendo felizes. Lá longe, Seth passou correndo, brincando com
Ralf, o cachorro que ganhou de dona Edith. Era o paraíso da nossa pequena
família, a liberdade era deliciosa.
Depois do almoço, enquanto Seth dormia na rede com o cachorro
aconchegado a ele, eu fui no fundo ver Blake trabalhar na oficina. Ele
queimava peças de cerâmica que tinha acabado de modelar. Não precisava
fazer nada disso, atualmente ele tinha dinheiro o suficiente para criar com
folga duas gerações. Mas ele queria, porque gostava muito do que fazia. Era o
seu passatempo
Olhei a mesa de modelagem, toquei em um pouco de argila fresca e
me virei para ele. Apenas de jeans, tinha um avental amarrado na frente do
corpo.
— Como essa coisa funciona?
— Assim. — ele veio até mim, ligou a máquina e o prato redondo da
mesa que começou a rodar rapidamente. — Agora você amassa a argila e vai
dando forma com as mãos. Sempre molhando a argila com essa água aqui do
lado. A argila precisa estar maleável para se poder modelar as peças.
Conforme ele dizia, eu ia tentando. Não saía nada de promissor. A
peça em minhas mãos se erguia e se quebrava em seguida.
Percebi Blake se posicionando atrás de mim, rodeou meu corpo com
os braços e tocou na argila comigo, guiando minha mão.
— Ah, não. — gargalhei. — É sério que vamos refazer a cena do
filme Ghost?
— Ei, eu me lembro desse filme. — ele exclamou.
— Sério? — virei o rosto para olhá-lo.
— Sim,… meu Deus! Me lembro mesmo. — ria, coberto de
felicidade. — Lembro de mim e meus irmãos assistindo juntos… É uma nova
lembrança, Penny! — comemorou.
Me virei para ficar de frente para ele.
— Que notícia maravilhosa, amor. Você vai conseguir ter toda a sua
memória de volta, como o médico disse.
Sim, Blake fez vários exames, e o médico afirmou que isso poderia
ser rápido ou levar anos.
— Algumas eu queria esquecer para sempre, mas estou feliz em ter
lembrado de algo feliz. — tocou em meu rosto, e eu me afastei.
— Você está com as mãos sujas.
— E daí? — temos a cachoeira para nos lavar. — passou a mão
novamente em meu rosto, me sujando de argila, e eu revidei também, o
sujando. Em seguida, me pegou no colo e andou em direção ao caminho que
levava à cachoeira.
— Que tal uma foda aquática?
— E vou adorar. — exclamei. — vamos afundar aquelas pedras.
Antes que Seth acorde.
Blake gargalhou e beijou meus lábios.
— Pronta para ser recheada de carinho, Raposinha?
— Mal posso esperar…
EPÍLOGO
***
Continua em:
ADORÁVELMENTE ATRAIDOS
UM SPIN OFF DE ADORAVEL SELVAGEM
Carly queria encontrar a porta da felicidade. Mas com Brian, seu ex-
namorado, tendo a chave, ela sentia que seria um pouco difícil. Era incrível
como ele ainda conseguia desestruturá-la contra a vontade dela.
Por outro lado, tinha o arrogante e prepotente empresário Zachary. E
esse era um caminho ainda pior. Zack era demais para ela e já dava para saber
que não combinavam, seus raros encontros sempre acabam em bate-boca.
Todavia, o destino queria de alguma forma provar Carly. Brian ainda
tinha uma parte da sociedade na loja, sendo, assim, impossível tirá-lo
totalmente de sua vida, e Zack era simplesmente o cunhado de Penny, irmã
mais nova de Carly.
Penny, por outro lado, estava às voltas com o planejamento de seu
casamento e, por ironia do destino, Carly e Zack seriam os seus padrinhos.