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O preferido

Era só eu, mamãe e papai até eles virem com uma conversinha de que fui promovido a
irmão mais velho. Não gostava nem um pouco da ideia de dividir a atenção dos meus pais
com mais alguém, mas não havia nada que eu pudesse fazer. O tempo foi passando e a
barriga da mamãe crescia cada vez mais, eu não teria que dividir meus pais com um outro
alguém, teria que dividir com outros dois alguém. Minha mãe não gostava delas, ela nunca
disse isso, mas para mim era nítido que ela não estava feliz em gerar duas menininhas,
papai pelo contrário estava muito feliz e não desgrudava da minha mãe por um minuto,
acho que foi por isso que ela não demonstrou sua infelicidade, ela é completamente
apaixonada pelo meu pai e sabe que o sonho dele sempre foi ter uma filha.
Elen e Anna nasceram no dia 15 de março, eram menininhas lindas e saudáveis e estavam
no colo do papai, ele estava deitado na cama do hospital ao lado de minha mãe e olhava
para as meninas como se elas fossem a coisa mais preciosa que ele já havia visto, quando
mamãe olhava pra ele interagindo com as bebês surgia algo em seu olhar, um sentimento
que não consegui identificar, um sentimento de que maneira alguma era bom.
O tempo passou e as meninas estavam cada vez maiores, eu percebi uma coisa, mamãe
tinha uma preferida. Numa noite estávamos só eu, mamãe e as meninas em casa, elas
estavam chorando muito e mamãe já estava estressada com a situação, mas ela sabia que
as meninas estavam com fome, então fez uma mamadeira, pegou Anna no colo e saiu do
quarto, deixando Elen ali, deitada no berço, chorando sem fôlego e com fome; mamãe
tentou ignorar o seu choro, mas ficava cada vez mais estridente, então, ela se levantou do
sofá, colocou Anna no carrinho e foi até o quarto onde Elen estava, e foi aí que a tentou
sufocar com uma fralda, ela ficava repetindo “você quer roubar meu marido” “você quer tirar
meu marido de mim”, então eu entendi qual era o sentimento que surgia em seu olhar
quando via meu pai com as meninas. Ciúmes.
Papai começou a ficar mais tempo em casa para poder ajudar com as meninas, isso foi bom
porque assim impedia minha mãe de surtar e tentar algo contra Elen de novo, mas ele não
estaria sempre por perto.
Quando as meninas já tinha 4 anos, papai saiu de casa para ir ao mercado, o dia estava
lindo e ensolarado e eu brincava com minhas irmãs na beira do lago que tinha no fundo de
nossa casa, do nada mamãe apareceu e falou para que entrássemos na canoazinha para
darmos um passeio divertido no lago. Quando estávamos em uma distância considerável da
Costa minha mãe sussurrou no meu ouvido, dizendo para mim tampar o nariz e depois
disso ela começou a balançar a canoa sem parar, até que a canoa virou. Senti ela me
puxando do fundo do lago, estava nadando até a costa com Anna em um braço e eu em
outro, mas e Elen ? O que aconteceu com ela?
Mamãe deixou eu e Anna na grama e voltou para dentro do lago chamando por Elen, em
determinado ponto ela mergulhou, procurando por Elen, mas o local onde a canoa havia
virado era mais para trás Será que mamãe esqueceu?. Assim como um passe de mágica
eu vejo alguém pular na água, meu pai nada de pressa até minha mãe e começa a
mergulhar para encontrar Elen, imediatamente mamãe faz o mesmo, e vai nadando em
direção do local onde a canoa realmente tinha quebrado, e como um milagre ela surge com
Elen nos braços. Graças a mamãe tudo ficou bem.
Era aniversário do meu pai, acordei com o seu choro, quando fui até seu quarto me deparei
com uma cena horrível, mamãe estava pendura em uma corda, meu pai estava sentado no
chão com uma carta escrita por ela, que dizia que aquela era seu presente de aniversário,
uma vida sem ela, já que ele não a amava mais e só amava seus lindos filhos. Talvez tenha
sido melhor assim, ela era doente.
Quando abro meu olhos todos a volta começar a chamar a enfermeira, meu pai está ao lado
da cama de hospital, me chamando desesperadamente, desvio o olhar para o lado, e lá
está minha mãe, me olhando com o mesmo olhar doentio que olhava para meu pai com as
meninas, só que lá estão as meninas, sentada em uma poltrona no quarto, felizes por eu ter
acordado. Eu estava em coma. Eu era a Elen da realidade, as meninas eram as preferidas.
Eu não era o preferido da mamãe.

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