Você está na página 1de 176

CONFRONTAÇÕES

PRESSUPOSICIONAIS

Vincent Cheung

editora monergismo
Brasília, DF
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
Editora Monergismo
Caixa Postal 2416
Brasília, DF, Brasil - CEP 70.842-970
Telefone: (61) 8116-7481
www.editoramonergismo.com.br

1a edição, 2011
Tradução da versão revisada de 2010 (original publicado em
2003)

1000 exemplares

Tradução: Marcelo Herberts


Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto
Capa: Isaac Barcellos

Proibida a reprodução por quaisquer meios,


salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


versão Nova Versão Internacional (NVI),
© 2001, publicada pela Editora Vida,
salvo indicação em contrário.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Cheung, Vincent

Confrontações Pressuposicionais / Vincent Cheung,


tradução Marcelo Herberts – Brasília, DF: Editora
Monergismo, 2011.

180p.; 21 cm.

Título original: Presuppositional Confrontations


ISBN 978-85-62478-53-6

1. Apologética 2. Teologia 3. Filosofia 4. Bíblia

CDD 230

ABREVIAÇÕES

Versões da Bíblia
CEV Contemporary English Version
ESV English Standard Version
GNT Good News Translation
NASB New American Standard Bible
NIV New International Version
NJB New Jerusalem Bible
NRSV New Revised Standard Version
NLT New Living Translation
SUMÁRIO
PREFÁCIO À EDIÇÃO
BRASILEIRA..................................................................................................... 7
A PRECONDIÇÃO DO SIGNIFICADO 10
A SUPRESSÃO DA VERDADE 13
A SUPERSTIÇÃO DA CIÊNCIA 15
A VINDICAÇÃO DE CRISTO 17

2. CONFRONTAÇÃO 20

ATOS 17.16-34 20
v. 16-17 21
v. 18, 21 27
v. 19-20 38
v. 22-23 39
v. 24-25 48
v. 26a 51
v. 26b 53
v. 27 54
v. 27b-29 61
v. 30a 67
v. 30b 71
v. 31 73
v. 32-34 83

3. CONQUISTA 86

FUNDAMENTO 86
CONVICÇÃO 87
DOMINAÇÃO 89
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

Em outra de suas obras, Cheung afirma que “apologética


implica presença de pecado. Se não existisse pecado em
nós, sempre reconheceríamos a voz de Deus, crendo em
tudo o que ele nos diz. Não existiriam objeções das quais
precisaríamos nos defender, nem crenças falsas para atacar.
Sem rebelião e incredulidade não há necessidade de
apologética, embora ainda exista teologia. Quando
empregamos a abordagem bíblica ou pressuposicional na
apologética, fazemos uso do que afirmamos em nossa
teologia para interagir com nossos oponentes de um modo
que a revelação funcione agora como arma defensiva e
ofensiva”. 1

A defesa da fé cristã é um compromisso que todo discípulo


genuíno de Cristo deve assumir. São várias as
recomendações bíblicas nesse sentido. Por exemplo,
devemos batalhar pela fé (Jd 3), estar sempre preparados
para fazer uma apologia de nossa crença perante as
pessoas (1 Pe 3.15) e combater o bom combate da fé (1 Tm
6.12). Não se trata de uma batalha física, com perseguição
de pessoas. Antes, é um conflito no domínio espiritual e
intelectual, ideológico, “pois, embora vivamos como
homens, não lutamos segundo os padrões humanos. As
armas com as quais lutamos não são humanas; pelo
contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas.
Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta
contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo
pensamento, para torná-lo obediente a Cristo” (2 Co 10.3-5,
grifos meus).
No que diz respeito ao debate no mundo das ideias, John
MacArthur faz um bom resumo do cenário atual: “Parece
que o zelo pelas doutrinas essenciais do Cristianismo bíblico
tornou-se praticamente tão inaceitável entre evangélicos e
pós-evangélicos como sempre foi no mundo de um modo
geral. As novas regras exigem um diálogo
permanentemente amigável, benesse ideológica,
transparência imparcial e paz ecumênica. Em particular,
quando a discussão se volta para a doutrina, o típico
evangélico de hoje invariavelmente age como se um dócil
diálogo fosse moralmente preferível a qualquer tipo de
conflito. Afinal, nunca devemos ser tão veementes com
relação ao que cremos a ponto de expressar algum desdém
sério por ideias alternativas”. 2 O referido autor faz em
seguida um contraste com a postura que os apóstolos e o
próprio Jesus Cristo assumiam quando aspectos importantes
da fé cristã estavam em jogo.

Os ditames da visão politicamente correta há muito


adentraram o arraial evangélico. Em vista disso, ao propor
instruções apologéticas nesta obra e fazer inclusive uso de
algumas metáforas, Cheung pode soar radical e talvez até
ríspido para algumas pessoas. Mas fazendo justiça às
intenções do autor, devemos interpretar a postura incisiva
como sendo expressão da seriedade e reverência pelo
ensino da palavra de Deus, sem qualquer transigência com
visões antibíblicas.

A primeira parte da obra começa com o autor apresentando


em linguagem didática o método pressuposicional de defesa
da fé. Isso é de grande relevância, pois ao fazer uma análise
da abordagem majoritariamente adotada por pessoas
engajadas na apologética cristã, percebemos que
lamentavelmente poucos são os que procuram delinear sua
abordagem com rigor e coerência lógica; poucos são os que
extraem das Escrituras a informação que defendem e
também o método apologético para apresentar essa
informação.

Cabe aqui um pequeno parêntese. No cenário atual a


maioria dos cristãos pressupõe (mais por consenso que por
justificação racional) a ciência como ponto de partida
confiável e adequado, mesmo neutro, para conhecermos a
natureza criada e, por implicação, o Criador dela. Esses
cristãos assumem uma “teologia natural” à parte da
teologia bíblica. Com respeito a essa dicotomia
epistemológica (uma bipartição da teoria do conhecimento,
ou de como podemos conhecer a realidade), é oportuno
fazer uma breve retrospectiva do seu desenvolvimento
histórico. Parafraseando um autor, a defesa da fé partindo
da teologia natural (como as célebres ‘cinco vias’ de Tomás
de Aquino), embora se diferenciando dos sistemas
propostos por Platão e Aristóteles, refletiu diversas das
características desses dois sistemas ― a mais importante
delas sendo o pressuposto da autonomia do pensamento
teórico. Na teologia natural romanista, o raciocínio é
considerado um ponto de contato religiosamente neutro
entre cristãos e incrédulos, e o argumento apologético,
supõe-se, tem sempre lugar nesse terreno comum. 3
Contudo, não existe neutralidade filosófica no pensamento
humano (Mt 12.30; Rm 8.7; Tg 4.4; ver também Mt 13.37-39
etc.). 4 Todo pensamento depende, em último caso, ou de
uma rejeição ou de uma submissão ao conteúdo bíblico (isto
é, obediência ao Senhor Jesus ― o Logos, ou Palavra, Razão
de Deus 5).

Toda interpretação da realidade depende de pressupostos


teóricos, os quais assumem princípios primeiros, ou
proposições filosóficas acerca das questões últimas da
realidade como um todo. Assim, a teologia natural não é um
ponto de partida possível ou logicamente coerente para o
conhecimento da realidade, pois nosso entendimento
depende de conceitos que a própria natureza é incapaz de
fornecer.

Alguns autores cristãos que se dizem seguidores da


abordagem pressuposicional assumem que, a despeito de
suas limitações, o empirismo (a teoria de conhecimento
segundo a qual as sensações, por si só, fornecem algum
conhecimento da realidade física à mente) funcionaria
debaixo da realidade teísta cristã, pois ela é ordenada em
vez de caótica. Afinal, a Bíblia revela um Deus que é
imanente à criação ― um Deus que atua em todas as
relações de causa e efeito, mantendo e sustentando a
criação (Cl 1.17; Is 46.10-11; 48.17; Jr 14.22; 23.24; 1 Tm
6.13; Hb 1.3; Mt 10.29 etc.). 6 No entanto, o que é
inerentemente defeituoso não pode deixar de sê-lo só
porque assumimos uma cosmovisão internamente
consistente. O empirismo depende das sensações, que são
falíveis. 7 Além disso, a rigor, o empirismo rejeita a priori a
participação divina em nossa aquisição de conhecimento ―
sendo, portanto, uma teoria mecanicista quando muito
comportada em uma realidade deísta, jamais teísta cristã.

É importante se considerar que muitas pessoas têm


dificuldades em reconhecer as limitações do empirismo
porque não conseguem vislumbrar uma alternativa viável e
bíblica para o processo de aquisição de conhecimento.
Contudo, devemos enfatizar que, sendo as Escrituras o
ponto de partida filosófico para a nossa cosmovisão cristã,
elas e somente elas é que devem balizar a construção de
uma teoria de conhecimento. Não podemos tomar a nós
mesmos como ponto de partida epistemológico, pois não
somos autônomos de Deus. Antes, dependemos de Deus em
todas as coisas, o que nos leva à conclusão lógica de que
precisamos de Deus para obter conhecimento também.
Nossa teoria de conhecimento deve ser uma implicação
necessária e uma aplicação consistente da providência
divina.

Coerente com esse raciocínio, alguns autores cristãos do


passado e do presente delinearam o que pode ser chamado
de ocasionalismo, a atuação soberana de Deus fornecendo
conhecimento na ocasião das ações humanas. Nas palavras
de Cheung, “a providência de Deus inclui controle completo
de tudo acerca de tudo, e isso significa que ele deve ser o
único poder que controla toda e qualquer comunicação e
aquisição de conhecimento. Usando o cérebro como
exemplo, se existe alguma relação entre cérebro e
pensamento, isso significa que na ocasião em que Deus
causa um pensamento na mente ele também causa
atividade no cérebro; e na ocasião em que ele causa
atividade no cérebro ele também causa um pensamento na
mente. O cérebro não tem conexão necessária e
consistente com o pensamento ― o pensamento pode
ocorrer à parte dele. Na morte, Deus separa a mente da
pessoa do seu corpo, e assim também do seu cérebro. Deus
continua causando pensamentos na mente da pessoa, mas
nas ocasiões em que faz isso ele não mais causa qualquer
atividade correspondente no cérebro que costumava estar
associado à mente dessa pessoa”. 8 Ainda, “somente o
logos divino pode transmitir informação à mente do homem,
em adição ao conhecimento inato que ele já possui. No
entanto, embora seja impossível obter qualquer
conhecimento por meios empíricos, a observação da
natureza pode lembrar o homem daquilo que ele já sabe
sobre Deus. Logo, a observação do universo não acrescenta
informação à mente humana, mas antes, fornece a ocasião
para que uma de duas coisas, ou ambas, ocorram. Primeiro,
a observação estimula a mente a recordar o que Deus já
dispôs dentro dela. Segundo, a observação estimula a
mente a intuir o que o logos imediatamente lhe transmite
na ocasião da observação, geralmente coisas relacionadas
ao que a pessoa está observando. Em ambos os casos,
nenhuma informação procede do ato da observação em si”.
9

Na segunda parte da obra, Cheung faz uma análise


minuciosa de Atos 17. Através do estudo exegético, Cheung
apresenta a fundamentação bíblica da abordagem
delineada na primeira parte do livro — algo que poucos
apologistas cristãos têm conseguido fazer coerentemente
com suas respectivas abordagens. O estudo é rico em
insights, apresentando o pano de fundo histórico e filosófico
do discurso paulino no Areópago, e confrontando alguns
posicionamentos correntes no meio evangélico. Acreditamos
que o leitor será muito beneficiado pela leitura deste
capítulo.

Por fim, na terceira e última parte, Cheung enfatiza a


supremacia da revelação bíblica sobre a sabedoria humana,
e que não existe ponto de concordância, ou meio-termo,
entre as duas respectivas cosmovisões. O cristão deve ter
uma atitude ousada e convicta na defesa de sua fé, não
caindo na armadilha de renunciar a algum ensino bíblico só
para parecer humilde e politicamente correto aos olhos dos
incrédulos. Como diz aqui o autor, “Ao argumentar sobre
religião, por que os cristãos deveriam fingir ser não cristãos
para defender a partir disso a verdade do cristianismo se os
ateus, agnósticos, muçulmanos e budistas jamais fingem
ser cristãos para defender a partir disso suas próprias
crenças? [...] A postura básica do cristão na apologética e
no evangelismo, portanto, é de extrema oposição a todo
pensamento não cristão”.
Que Deus conceda a nós uma convicção crescente na
Palavra e um apreço cada vez maior pelo seu ensino; que,
pela sua graça, possamos ter discernimento ao delinear a
nossa apologética e evangelismo, tendo cuidado para não
sermos escravizados a filosofias vãs e enganosas, que se
fundamentam nas tradições humanas e nos princípios
elementares deste mundo, e não em Cristo (Cl 2.8).

Marcelo Herberts
1. DESAFIO
A PRECONDIÇÃO DO SIGNIFICADO

Imagine que estamos assistindo a um jogo de tênis na


televisão, ainda que para o nosso propósito possa ser
qualquer tipo de jogo ― basquete, futebol ou mesmo
xadrez. Suponha que eu conheço as regras do tênis, mas
você não. E suponha ainda que deixamos a televisão no
mudo, de forma que não recebemos nenhuma comunicação
verbal do comentarista. Finalmente, suponha que não há
nenhuma comunicação visual, de forma que nem mesmo o
placar é mostrado. Agora, minha pergunta é se o jogo será
de fato inteligível a você.

Prestando bastante atenção, ainda devo ser capaz de


acompanhar o jogo mesmo sem qualquer comunicação
verbal, pois já conheço as suas regras. Da mesma forma, os
próprios jogadores devem ser capazes de seguir o jogo sem
a ajuda constante do locutor ou do placar. Por outro lado,
apesar de assistir ao mesmo jogo, você será incapaz de
compreender o que está vendo, pois não conhece as regras.

Isso significa que, quando está assistindo a um jogo, o que


você observa não fornece a sua própria inteligibilidade e
10
interpretação. Antes, para um jogo ser inteligível e você
ter a interpretação correta do que está acontecendo, você
deve trazer uma quantidade considerável de conhecimento
para o ato de assistir ao jogo, e esse conhecimento não vem
do ato em si de assistir. Se eu tivesse explicado as regras
antes do jogo, ou se o fizer enquanto lhe assistimos, o que
você está assistindo se tornará inteligível, e você será capaz
de interpretar corretamente o que está vendo.

Você pode argumentar que é possível derivar algumas


regras por observação. Mas isso não é tão simples como
pensa a maioria das pessoas. Por exemplo, suponha que
você observa, após cada “xeque-mate”, os dois jogadores
abandonarem o tabuleiro. O que pode inferir a partir disso?
Não pode inferir que um deles venceu, a menos que
conheça as regras. Talvez “xeque-mate” signifique um
empate. Talvez signifique que os jogadores estão
aborrecidos e decidiram abandonar o xadrez. Pode significar
que é hora do almoço. Você deve saber que se trata de um
jogo, que se pode vencer ou perdê-lo e como alguém vence
ou perde no jogo. Mesmo se inferir que um deles ganhou,
onde você obteve as categorias de “vencer” e “perder” em
seu pensamento? Você não pode obtê-las observando o jogo
em si. Você deve trazer essas ideias para o ato da
observação.

E sobre as ideias de tempo e causação? Elas são


necessárias para dar sentido a um jogo, mas você não pode
derivá-las do ato de assistir ao jogo. Você precisa trazer
essas ideias para o ato da observação. Também são
pressupostos alguns princípios éticos. Você precisa assumir
que os jogadores não costumam trapacear e que não
podem escapar impunes da trapaça ou, do contrário, o jogo
não teria regularidade suficiente para você derivar regras
dele. No entanto, se uma pessoa trapaceia e escapa
impune, como você pode saber que ela está trapaceando ou
que, na verdade, seu ato não passa de uma exceção
permitida pelas regras?

Tomando tempo para enumerar, é possível fazermos


dezenas ou mais provavelmente centenas ou mesmo
milhares de pressuposições explícitas que são necessárias
para o jogo ser inteligível à sua observação, quando, ao
mesmo tempo, essas pressuposições não podem vir do ato
da observação. Para tornar as coisas mais difíceis, existem
milhares de elementos arbitrários a cada jogo que não são
essenciais para as regras, apesar de serem objetos de
observação. Por exemplo, se um jogo de xadrez é jogado
por dois homens em trajes formais, o que você pode inferir
a partir disso? Infere que se trata de uma regra essencial do
xadrez? E, neste caso, as mulheres também devem usar
ternos de homens ou elas são autorizadas a usar vestidos?
Claro, as pessoas usam roupas normais quando estão
jogando xadrez em outros contextos. Mas como você sabe
que elas não estão violando as regras e estão impunes? Ou
você assume sem garantia que, se essas pessoas
estivessem de fato cometendo infração, as regras seriam
sempre aplicadas contra elas?

Sem um conhecimento que vem à parte da observação, a


observação não pode fazer sentido ou comunicar qualquer
informação. A inteligibilidade e interpretação da observação
pressupõem conhecimento sobre os objetos da observação,
e esse conhecimento não pode vir do próprio ato da
observação. Ou seja, a inteligibilidade e interpretação de
uma experiência são tornadas possíveis por um
conhecimento que vem à parte da experiência. Esse
conhecimento pode ser algo inato ou algo que é recebido
por instrução verbal.

Se a mente está totalmente vazia, não possuindo sequer


categorias como tempo, espaço e causação, a
inteligibilidade e a interpretação são impossíveis. De fato,
se a sua mente é um vazio, sem qualquer conhecimento
que veio à parte da observação, seu mundo será para você
como um turbilhão de sensações sem nenhuma forma de
organizar ou interpretar essas sensações. No entanto, se é
necessário um conhecimento prévio não observacional da
realidade para interpretar corretamente a observação da
realidade, isso significa que a ordem e o significado que
você observa são impostos sobre o que você observa, e
jamais derivados do que você vê. Esta é outra maneira de
dizer que o significado do que você observa é governado
por suas pressuposições.

Voltando à nossa ilustração inicial, o que acontece se você


pressupõe as regras do basquete ou do xadrez quando
assiste ao jogo de tênis? Mesmo que, aparentemente, você
seja capaz de dar sentido às coisas que observa, porque são
pressupostas as regras erradas, a sua interpretação será
falsa. Portanto, não basta reconhecer que pressuposições
não observacionais precedem a inteligibilidade e a
interpretação; precisamos perceber que nem todas as
pressuposições são iguais e que elas podem ser verdadeiras
ou falsas.

Estabelecemos várias possibilidades sobre o que acontece


quando assistimos a um jogo de tênis:

1. A mente está totalmente vazia, em cujo caso nada é


inteligível, e a interpretação é impossível.
2. A mente contém apenas categorias básicas, sem
nenhum conhecimento das regras do jogo, e assim
reconhece conceitos como tempo, causação, ética e
vitória. A interpretação ainda é impossível.
3. A mente aplica pressuposições falsas ao jogo,
podendo assim aplicar as regras do basquete ao tênis. A
interpretação ou é impossível ou produz resultados
falsos quando realizada.
4. A mente contém as pressuposições corretas sobre o
universo em geral e sobre o tênis em particular. A
interpretação correta é possível.

O resultado é que duas pessoas podem observar a mesma


coisa e chegar a interpretações opostas. Todavia, isso não
precisa resultar em relativismo, já que uma das pessoas
pode estar certa e outra pode estar errada. Isso depende de
qual delas tem as pressuposições corretas sobre o universo
em geral e sobre o objeto observado em particular.

Aqui estão dois exemplos bíblicos que ilustram o que estou


dizendo. O primeiro mostra que, em primeiro lugar, a
observação não é confiável; o segundo, que nossas
pressuposições determinam a interpretação do que
observamos, de modo que pressuposições erradas levarão a
uma interpretação falsa.

O primeiro exemplo vem de João 12.28-29. Ao Jesus


exclamar “Pai, glorifica o teu nome!”, as Escrituras dizem:
“Então veio uma voz dos céus: ‘Eu já o glorifiquei e o
glorificarei novamente’. A multidão que ali estava e a ouviu
disse que tinha trovejado; outros disseram que um anjo lhe
tinha falado”. O testemunho infalível das Escrituras diz que
a voz pronunciou uma sentença completa: “Eu já o
glorifiquei e o glorificarei novamente”. Entretanto, alguns
dos que estavam presentes e observaram o mesmo evento
“disse[ram] que tinha trovejado”. Portanto, a observação
não é confiável e a verdade nunca pode ser descoberta por
observação.

O segundo exemplo vem de Mateus 12.22-28 e diz respeito


à autoridade de Cristo para expulsar demônios: “Depois
disso, levaram-lhe um endemoninhado que era cego e
mudo, e Jesus o curou, de modo que ele pôde falar e ver.
Todo o povo ficou atônito e disse: ‘Não será este o Filho de
Davi?’ Mas quando os fariseus ouviram isso, disseram: ‘É
somente por Belzebu, o príncipe dos demônios, que ele
expulsa demônios’” (v. 22-24). Com base em sua
observação do evento, o público geral está pronto a
considerar pelo menos a possibilidade de que Jesus seja o
Cristo, mas os fariseus que observaram o mesmo evento
dizem que ele expulsa demônios pelo poder de Satanás.
Todavia, isso não leva a um beco sem saída nem reduz a
verdade a julgamentos relativos e subjetivos. A resposta de
Cristo indica que nem todas as interpretações são corretas:

Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e


toda cidade ou casa dividida contra si mesma não
subsistirá. Se Satanás expulsa Satanás, está dividido
contra si mesmo. Como, então, subsistirá seu reino? E
se eu expulso demônios por Belzebu, por quem os
expulsam os filhos de vocês? Por isso, eles mesmos
serão juízes sobre vocês. Mas se é pelo Espírito de Deus
que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino
de Deus (v. 25-28).

Ele primeiro reduz a afirmação deles ao absurdo, fornece


então a interpretação correta do evento e conclui com uma
implicação sobre o evangelho.

Se os fariseus verdadeiramente cressem nas Escrituras,


deveriam chegar à mesma interpretação sobre Cristo, como
o que ele afirmou de si mesmo. Mas embora alegassem crer
nas Escrituras, eles na realidade suprimiram a verdade
sobre Cristo. Embora tivessem nas Escrituras acesso às
pressuposições corretas, ou ao conhecimento pelo qual
poderiam interpretar corretamente a realidade, devido à sua
maldade eles se recusaram a aceitar essas pressuposições
e suas implicações, e assim rejeitaram a verdade por
suprimir e distorcê-la.
A SUPRESSÃO DA VERDADE

Paulo diz que é isso o que a humanidade tem feito com o


seu conhecimento sobre Deus. Ele afirma que algum
conhecimento sobre Deus é inato, de modo que cada
pessoa nasce com algum conhecimento sobre Deus; mas
porque é pecador, o homem se recusa a reconhecer e
adorar a esse Deus verdadeiro, e então suprime e distorce
esse conhecimento inato:

Pois a ira de Deus é revelada dos céus contra toda


impiedade e injustiça dos homens, que suprimem a
verdade em injustiça, pois aquilo que é conhecido sobre
Deus é evidente dentro deles; pois Deus o tornou
evidente a eles. Pois desde a criação do mundo seus
atributos invisíveis, seu eterno poder e natureza divina
têm sido claramente vistos, sendo compreendidos por
meio do que foi feito, de forma que eles são
indesculpáveis. Pois muito embora conhecessem a
Deus, eles não o honraram como Deus ou lhe rendem
graças; mas se tornaram fúteis em suas especulações e
seu coração insensato foi obscurecido (Romanos 1.18-
21, NASB).

As pessoas muitas vezes reclamam que a evidência sobre


Deus e o cristianismo é insuficiente, mas a Bíblia diz que
elas já sabem sobre esse Deus verdadeiro; apenas estão
suprimindo esse conhecimento porque se recusam a
reconhecer ou adorar a Deus. O conhecimento sobre Deus é
“evidente dentro deles” porque Deus “o tornou evidente a
eles”. O problema não é uma falta de evidência, mas um
conjunto artificialmente manufaturado de pressuposições
que suprimem o conhecimento das pessoas sobre Deus.
Alguns pensam que essa passagem fornece justificativa
para argumentos empíricos que levam a um conhecimento
de Deus. No entanto, demonstramos por nossas ilustrações
e por exemplos bíblicos que a observação não pode fornecer
nenhum significado ou informação inteligível. Portanto, a
passagem não pode significar que uma observação da
criação pode fornecer conhecimento sobre Deus; antes,
certas ideias sobre Deus já estão presentes na mente à
parte de qualquer experiência ou observação.

A ilustração sobre assistir a tênis também mostrou que é


insuficiente ter apenas as categorias básicas necessárias à
inteligibilidade; nossas ideias inatas devem trazer conteúdo
substancial. No entanto, se as pressuposições ou ideias
inatas já trazem conteúdo substancial sobre Deus, o
conhecimento sobre Deus não vem de fato da experiência
ou observação, mas já está na mente antes e à parte da
experiência ou observação. Se você conhece as regras do
tênis, assistir ao tênis não dará informação adicional sobre
essas regras, mas pode apenas estimulá-lo a recordar e
aplicar as regras enquanto você observa o jogo. Da mesma
forma, a experiência ou observação na melhor das
hipóteses pode apenas estimulá-lo a recordar e aplicar o
conhecimento inato que você tem sobre Deus.

Não poucos comentaristas parecem concordar em certa


medida com essa visão. Aqui citarei apenas Charles Hodge:
“Não é de uma mera revelação exterior que o apóstolo está
falando, mas daquela evidência do ser e das perfeições de
Deus que todo homem tem na constituição de sua própria
natureza e em virtude da qual ele é competente para
apreender, em suas obras, a manifestação de Deus”. 11 De
modo correspondente, a NLT traduz, ou melhor, parafraseia,
assim: “Pois a verdade sobre Deus é conhecida por eles
instintivamente. Deus pôs esse conhecimento em seus
corações”.

Uma passagem subsequente confirma que Deus pôs algum


conhecimento sobre si mesmo na mente do homem,
diretamente, à parte da experiência ou observação:

Pois quando os gentios que não têm a Lei fazem


instintivamente as coisas da Lei, estes, não tendo a Lei,
são lei para si mesmos, em que mostram a obra da Lei
gravada em seus corações, sua consciência trazendo
testemunho e seus pensamentos ora acusando-os ora
defendendo-os, no dia em que, como declara o meu
evangelho, Deus haverá de julgar os segredos dos
homens mediante Cristo Jesus (Romanos 2.14-16,
NASB).

Não interprete isso mal, como se significasse que alguns


gentios são inocentes ― o ponto de Paulo é que ninguém é
inocente. Antes, o versículo 12 diz “Todo aquele que pecar
sem a Lei, sem a Lei também perecerá, e todo aquele que
pecar sob a Lei, pela Lei será julgado”.

Paulo está desenvolvendo o argumento que tanto aqueles


que têm a palavra de Deus (mas não creem no que ela diz
sobre Cristo) como aqueles que não têm a palavra de Deus
são culpados de pecado e sujeitos à condenação. Assim, ele
não está dizendo que alguns ou todos os homens são salvos
porque já conhecem Deus nem está dizendo que o
conhecimento inato sobre Deus traz conteúdo suficiente
para a salvação, se uma pessoa apenas reconhecer o que já
sabe. Em vez disso, o ponto é que os homens são
indesculpáveis ao negar o Deus verdadeiro porque
suprimem a verdade sobre Deus. Portanto, a passagem não
justifica as religiões do mundo, mas tem o propósito de
condenar todas as cosmovisões não cristãs, especialmente
as religiões não cristãs.

Nosso interesse neste ponto está no conhecimento inato


sobre Deus na mente do homem à parte da experiência ou
observação. A NASB traz “instintivamente” no versículo 14,
o que é bom, e a NJB usa o termo “senso inato”. Mas a
expressão “lei para si mesmos” pode enganar. Ela não
significa que, por não terem as Escrituras, os gentios
determinam o certo e o errado por si mesmos; antes, ela
significa o que já está implícito em “senso inato”, e assim J.
B. Phillips traduz como “eles têm uma lei em si mesmos”.
Isto confirma a nossa argumentação de que existem ideias
inatas na mente do homem, e que o seu conteúdo não
consiste apenas de categorias de pensamento, mas de
conhecimento real sobre Deus, tornando aqueles que
negam Deus indesculpáveis.

12
As pessoas deveriam de fato “ver” Deus na natureza, mas
estou tentando explicar por que elas não veem, ou por que
elas afirmam não ver. Paulo está dizendo que, para rejeitar
o cristianismo e afirmar uma religião, filosofia ou
cosmovisão não cristã, você deve suprimir e distorcer o
conhecimento que já está em sua mente. Só o cristianismo
corresponde ao que você já sabe em sua mente, de modo
que você terá de suprimir e distorcer o que já sabe, de fato
enganar a si mesmo, para aceitar algo diferente da
cosmovisão ou religião cristã.
A SUPERSTIÇÃO DA CIÊNCIA

Alguns cristãos tentam defender a fé com argumentos


científicos, como aqueles baseados na física, biologia e
arqueologia. Junto com os incrédulos, assumem a
confiabilidade da ciência e tentam “fazer ciência” melhor
que os incrédulos. Se o que estou dizendo é correto ― isto
é, se o que Paulo está dizendo é correto ―, é claro que
somos capazes de fazer ciência melhor que os incrédulos,
pois os cristãos possuem pressuposições que correspondem
à realidade, que nos dizem a verdade sobre Deus e sua
criação.

Dito isso, o próprio método científico impede o


conhecimento da verdade, de forma que, mesmo com as
pressuposições corretas, a ciência é totalmente incapaz de
descobrir ou descrever a natureza da realidade. Como
escreve Ronald W. Clark, “Uma contemplação dos princípios
primeiros progressivamente ocupou a atenção de Einstein”;
e, neste contexto, cita as palavras de Einstein: “Não
sabemos, de fato, nada sobre isso. Todo o nosso
conhecimento não passa de conhecimento de alunos… a
real natureza das coisas, isto jamais saberemos, jamais”. 13
Claro, ele poderia falar apenas pela ciência, não pela
revelação.

Karl Popper, que produziu uma série de trabalhos sobre


filosofia da ciência, escreve o seguinte:

Embora na ciência façamos o nosso melhor para


encontrar a verdade, estamos cônscios do fato que
jamais podemos estar certos de que a alcançamos… Na
ciência não existe “conhecimento” no sentido em que
Platão e Aristóteles entendiam a palavra, no sentido que
implica finalidade; na ciência jamais temos razão
suficiente para a crença de que obtivemos a verdade…
Einstein declarou que sua teoria era falsa ― disse que
ela seria uma aproximação melhor da verdade do que a
de Newton, mas deu razões por que não a consideraria
uma teoria verdadeira, mesmo que todas as predições
se confirmassem. 14

Os cientistas conduzem múltiplos experimentos para testar


uma hipótese. Se a observação é confiável, por que
precisam de mais de um experimento? Se a observação é
menos que confiável, quantos experimentos são
suficientes? Quem decide? Ignorando esse problema por
ora, W. Gary Crampton explica a dificuldade em se formular
uma lei científica pelo método da experimentação:

No laboratório, o cientista procura determinar o ponto


de ebulição da água. Como a água dificilmente entra em
ebulição na mesma temperatura, o cientista realiza uma
série de testes e anota as pequenas diferenças de
resultado. Ele então precisa calcular a média. Mas que
medida de tendência central ele usa: média, moda ou
mediana? Ele precisa escolher; e qualquer que seja a
medida por ele selecionada, tratar-se-á de sua escolha;
ela não é ditada pelos dados. Então também, a medida
de tendência que ele escolhe é apenas isto, uma
medida de tendência, não o dado real produzido pelo
experimento. Assim que os resultados do teste forem
medidos, o cientista calculará a variável de erro em
suas leituras. Provavelmente irá plotar os pontos de
dados ou áreas em um gráfico. E então traçará uma
curva pelos pontos de dados ou áreas resultantes no
gráfico. Mas quantas curvas, cada qual descrevendo
uma equação diferente, são possíveis? Um número
infinito de curvas. Mas o cientista traça somente uma. 15

A probabilidade de traçar a curva certa é uma no infinito, o


que equivale a zero. Portanto, há uma probabilidade zero de
alguma lei científica ser verdadeira. Isso significa que é
impossível a ciência alguma vez descrever com precisão
algo sobre a realidade. Assim, escreve Popper, “pode
mesmo ser demonstrado que todas as teorias, incluindo as
melhores, têm a mesma probabilidade, a saber, zero”. 16

Se uma pessoa tem dificuldade em entender o que é dito


sobre experimentos científicos, talvez o problema da
“afirmação do consequente” seja de compreensão mais
fácil. Considere a seguinte forma de argumento:

1. Se X, então Y
2. Y
3. Portanto, X

Essa forma de raciocínio, chamada “afirmação do


consequente”, é sempre uma falácia formal na lógica; isto
é, a estrutura do argumento é inválida. Só porque Y é
verdade não significa que X é verdade, já que um número
infinito de coisas pode substituir X de modo a ainda termos
Y. Correlação não é o mesmo que causação ― mas pode a
ciência mesmo encontrar correlação? Assim, se a hipótese é
“Se X, então Y”, o fato de aparecer Y não faz nada para
confirmar a hipótese.

Os cientistas tentam, claro, contornar esse problema com


experimentos “controlados”, mas se deparam mais uma vez
com um número infinito de coisas que podem afetar cada
experimento. Como eles sabem quais variáveis devem ser
controladas? Por outros experimentos que afirmam o
consequente ou pela observação, que demonstramos não
ser confiável? 17

Bertrand Russell era um célebre matemático, lógico e


filósofo e escreveu muito contra a religião cristã. Assim, não
tentava endossar o cristianismo quando escreveu:

Todos os argumentos indutivos se reduzem, em último


caso, à seguinte forma: “Se isto é verdadeiro, aquilo é
verdadeiro: ora, aquilo é verdadeiro, portanto isto é
verdadeiro”. Claro, esse argumento é formalmente
falacioso. Suponha que eu dissesse: “Se pão é uma
pedra e pedras são alimentos, este pão me alimentará;
ora, este pão me alimenta; portanto ele é uma pedra e
pedras são alimentos”. Se eu promovesse um
argumento como esse, seria certamente tachado de
tolo; contudo, ele não seria fundamentalmente diferente
do argumento no qual todas as leis científicas estão
baseadas. 18

No entanto, muitos que falam dessa forma se recusam a


tirar a conclusão lógica que toda a ciência é irracional e sem
justificação.

A maioria das pessoas se sente compelida a respeitar a


ciência por causa do sucesso prático que ela parece
alcançar; no entanto, vimos que a afirmação do
consequente pode produzir resultados, mas não verdades.
Lembre-se do que Popper disse sobre Einstein: “[ele] não a
consideraria uma teoria verdadeira mesmo que todas as
predições se confirmassem”. O estudante típico de
faculdade discordaria, mas o estudante típico de faculdade
não é Einstein. Assim, embora a ciência alcance às vezes
fins práticos, ela não tem autoridade para fazer
pronunciamentos sobre a natureza da realidade. Se o
cientista não sabe o seu lugar, um crente informado não
deveria hesitar em pô-lo de volta em seu lugar. A teologia é
a disciplina intelectual reinante, não a ciência.
A VINDICAÇÃO DE CRISTO

Esse ceticismo quanto à sensação e essa visão baixa da


ciência podem parecer exagerados, mas quem discorda
deve explicar como o conhecimento pode vir da sensação e
como o método científico pode encontrar a verdade. Se
você confia na ciência, mas não pode fornecer uma
justificativa racional para ela, como pode chamar os cristãos
de irracionais e ingênuos? Você pode tentar avançar seu
ceticismo seletivo e arbitrário contra o cristianismo com
base na ciência, mas se eu posso aplicar com sucesso um
ceticismo mais amplo e intenso para refutar a ciência e
todas as religiões não cristãs e defender a revelação bíblica,
é melhor você não se atrever mais a chamar os cristãos de
irracionais e ingênuos.

Apenas porque foi feito à imagem de Deus e tem um


conhecimento inato sobre ele, que você pode mesmo falar
de racionalidade, já que sem Cristo ― a Razão de Deus
(João 1.1) 19 ― não há sequer fundamento para a lógica. Por
outro lado, a partir da perspectiva cristã, a racionalidade
caracteriza a própria estrutura da mente de Deus, e as leis
da lógica descrevem o modo como Deus pensa. Como ele
nos fez à sua imagem, também somos capazes de usar a
lógica, e como o mesmo Deus que nos criou também criou o
universo, a lógica corresponde à realidade. Se você rejeita
as pressuposições cristãs, sobre que base usa a lógica e
sobre que base diz que a lógica corresponde à realidade?
Você tenta usar a razão, mas nega a própria Razão. Você
afirma pensar logicamente, mas nega a própria pessoa que,
na similitude de sua própria mente racional, estruturou a
sua mente racional. Assim, ao exaltar a razão sem exaltar
Deus, você se contradiz e se incrimina, e mostra que
suprime a verdade sobre Deus.
Por causa da natureza do seu método, a ciência é
incompetente e não confiável, não importa o fundamento
sobre o qual você a desenvolve. Mesmo assim, se estamos
corretos sobre a realidade das ideias inatas e a supressão
da verdade pelos incrédulos, os cristãos ainda podem fazer
ciência melhor que os não cristãos, já que explicitamente
afirmamos as pressuposições corretas, incluindo aquelas
ensinadas nas Escrituras, mas que não fazem parte das
ideias inatas presentes no nascimento. Mas, ao mesmo
tempo, se estamos corretos sobre as ideias inatas e
pressuposições, a ciência é na verdade uma questão trivial
quando se trata de conflitos entre cosmovisões oponentes.

Nossas pressuposições determinam a nossa interpretação


do que observamos, de modo que podemos observar as
mesmas coisas e chegar a conclusões diferentes. As
pressuposições não cristãs não podem sequer apoiar
conclusões não cristãs nem podem apoiar o cristianismo,
pois elas de fato não podem apoiar nada. 20 Assim, em vez
de envolver os não cristãos em questões superficiais, a todo
instante partilhando de suas suposições ou permitindo que
elas fiquem indefinidas e sem uma fundamentação,
devemos atacá-los no nível pressuposicional. 21

Não subestime esta percepção, que a menos que o não


cristão possa fornecer um fundamento para o conhecimento
sem usar pressuposições cristãs, todos os seus argumentos
22
não passam de barulho. Como escreve Paulo em Romanos
1.22, “Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos”. Ou mais
claramente, “Eles pensam que são espertos, mas são
estúpidos”. Isso vale para todo não cristão. Ele tenta negar
seu conhecimento inato de que o cristianismo, e somente o
cristianismo, é verdadeiro. Mas o próprio ato de negação
requer pressuposições cristãs. O não cristão escolhe um
ponto de partida não cristão para sua filosofia e tenta
convencer-se de que ele é adequado, mas ele sabe mais.

Esse conhecimento o persegue, e assim ele suprime sua


consciência e passa a perseguir os cristãos, já que são
manifestações externas do que, em seu coração, ele sabe
ser verdade. Mas, mesmo que destrua todos os cristãos no
mundo, ele ainda saberá em seu coração que Deus é o
criador e juiz. Ele não pode escapar desse conhecimento.
Nem o suicídio o salvará de sua miséria, pois apenas
consumará sua destruição, e ele sabe disso também
(Romanos 1.32).

Se você é cristão, Deus escolheu e mudou você, e o


convocou para enviar esse desafio pressuposicional ao
mundo. Paulo nos ordena a manter firmemente o padrão da
“palavra da vida” nesta “geração corrompida e depravada”
(Filipenses 2.15-16). De fato, os não cristãos estão
“corrompid[os]” em seus pensamentos e sua conduta ― são
perversos ―, suprimem e distorcem a verdade sobre a
realidade e a moralidade. Não obstante, Deus terá
misericórdia de seus eleitos, e os converterá e endireitará
seus caminhos tortuosos. Mas os réprobos resistirão e serão
reduzidos a pó (Lucas 20.17-18).
2. CONFRONTAÇÃO
ATOS 17.16-34

Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou


profundamente indignado ao ver que a cidade estava
cheia de ídolos. Por isso, discutia na sinagoga com
judeus e com gregos tementes a Deus, bem como na
praça principal, todos os dias, com aqueles que por
ali se encontravam. Alguns filósofos epicureus e
estóicos começaram a discutir com ele. Alguns
perguntavam: “O que está tentando dizer esse
tagarela?” Outros diziam: “Parece que ele está
anunciando deuses estrangeiros”, pois Paulo estava
pregando as boas novas a respeito de Jesus e da
ressurreição. Então o levaram a uma reunião do
Areópago, onde lhe perguntaram: “Podemos saber
que novo ensino é esse que você está anunciando?
Você está nos apresentando algumas ideias
estranhas, e queremos saber o que elas significam”.
Todos os atenienses e estrangeiros que ali viviam não
se preocupavam com outra coisa senão falar ou ouvir
as últimas novidades.

Então Paulo levantou-se na reunião do Areópago e


disse: “Atenienses! Vejo que em todos os aspectos
vocês são muito religiosos, pois, andando pela
cidade, observei cuidadosamente seus objetos de
culto e encontrei até um altar com esta inscrição: AO
DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que vocês adoram,
apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio”.

“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o


Senhor dos céus e da terra, e não habita em
santuários feitos por mãos humanas. Ele não é
servido por mãos de homens, como se necessitasse
de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o
fôlego e as demais coisas. De um só fez ele todos os
povos, para que povoassem toda a terra, tendo
determinado os tempos anteriormente estabelecidos
e os lugares exatos em que deveriam habitar. Deus
fez isso para que os homens o buscassem e talvez,
tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja
longe de cada um de nós. ‘Pois nele vivemos, nos
movemos e existimos’, como disseram alguns dos
poetas de vocês: ‘Também somos descendência
dele’”.

“Assim, visto que somos descendência de Deus, não


devemos pensar que a Divindade é semelhante a uma
escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e
imaginação do homem. No passado Deus não levou
em conta essa ignorância, mas agora ordena que
todos, em todo lugar, se arrependam. Pois
estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo
com justiça, por meio do homem que designou. E deu
provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os
mortos”. Quando ouviram sobre a ressurreição dos
mortos, alguns deles zombaram, e outros disseram:
“A esse respeito nós o ouviremos outra vez”. Com
isso, Paulo retirou-se do meio deles. Alguns homens
juntaram-se a ele e creram. Entre eles estava
Dionísio, membro do Areópago, e também uma
mulher chamada Dâmaris, e outros com eles.
v. 16-17

De acordo com um registro, mais de um terço dos vinte


discursos cristãos em Atos se qualificam como defesas, e
dos dez discursos de Paulo, metade é desse tipo. 1 Este
capítulo estuda o discurso de Paulo no Areópago, onde o
apóstolo fala aos filósofos e habitantes de Atenas sobre a fé
cristã (Atos 17.16-34). Vamos considerar alguns pontos
importantes sobre esse discurso, como visto a partir de seu
contexto histórico, e de que maneira o exemplo apostólico
deve informar e ditar uma abordagem contemporânea para
a apologética.

Judeus de Tessalônica haviam causado muitos problemas a


Paulo, e os crentes de lá tiveram de mandá-lo embora para
Beréia (17.5,10). Os bereanos foram mais receptivos à
mensagem do evangelho (v. 11-12), 2 mas judeus de
Tessalônica seguiram Paulo até Beréia e incitaram as
multidões contra ele (v. 13), de modo que os crentes de
Beréia tiveram de mandá-lo embora novamente, ao passo
que Silas e Timóteo permaneceram um pouco mais de
tempo (v. 14). Desta vez Paulo foi a Atenas, e os que
estavam com ele retornaram a Tessalônica com instruções
para que Silas e Timóteo se juntassem a ele tão logo fosse
possível (v. 15).

Atenas era uma cidade entregue à idolatria. Não poucos


escritores se admiravam com o seu grande número de
estátuas religiosas. Pausânias escreveu que Atenas tinha
mais imagens do que todo o resto da Grécia junta. E
Petrônio comentou que em Atenas era mais fácil achar um
deus que um homem. Ao caminhar por Atenas, Paulo deve
ter visto estátuas e altares a vários deuses, incluindo Ares,
Baco, Eumênides, Netuno e, claro, a deusa mãe da cidade,
Atena ― de quem a cidade emprestou o nome. Em uma rua
de lá havia pilares com um busto de Hermes à frente de
cada casa. Plínio testemunhou que havia mais de trinta mil
estátuas públicas em Atenas e um número ainda maior de
estátuas particulares nas residências.

Paulo estava rodeado de expressões de adoração pagã; as


ruas eram alinhadas com ídolos. Embora Atenas fosse
admirada por sua rica cultura artística, de sorte que “era
também o repositório de alguns dos mais belos tesouros da
arte e da arquitetura”, 3 o apóstolo não mostrou qualquer
respeito pelas qualidades estéticas das construções e
esculturas. Não ficou positivamente impressionado com a
cultura e os ofícios das pessoas; ao contrário, ficou
“profundamente indignado” (v. 16) com a sua idolatria
desenfreada, enquanto aguardava a chegada de seus
companheiros.

Alguns turistas de hoje que se dizem cristãos não hesitam


em visitar templos pagãos, e até a se curvar perante suas
estátuas. Alegam que isso não é adorar deuses pagãos, mas
apenas mostrar respeito pelas crenças de outras culturas.
Também alegam que admiram os templos e as esculturas,
mas como obras de arte e artefatos históricos, não como
representações de deuses pagãos. Esses cristãos professos,
no entanto, são mentirosos. Em primeiro lugar, o cristão não
tem o direito de respeitar ou admirar crenças e culturas não
cristãs. Paulo ficou completamente enojado dessas coisas.
Será que esses chamados cristãos acreditam que o próprio
Deus aprova essas “obras de arte”, a preservação e
exposição dessas coisas?

Ainda que algumas estátuas não tenham implicações


religiosas para o homem moderno, elas continuam sendo
vestígios de idolatria e traços de rebelião pecaminosa
contra o Deus verdadeiro. Portanto não devemos admirá-las
como obras de arte, mas condená-las como obras do diabo.
Certamente o apóstolo estava muito mais acostumado a ver
expressões de adoração pagã do que nós, mas não era
insensível a isso como muitos de nós hoje; antes,
continuava a vê-las como expressões de rebelião
pecaminosa e, consequentemente, reagiu com repugnância
e angústia. Até onde não estamos angustiados e indignados
com as crenças não cristãs, provavelmente não temos um
amor correspondente pelo Deus verdadeiro.

O paganismo moderno é igualmente flagrante e


pecaminoso, e muitos que se dizem cristãos, que reagiriam
de forma vigorosa contra a adoração convencional de
ídolos, não obstante toleram e mesmo respeitam a conduta
e o pensamento não cristão contemporâneo. Ficam
horrorizados com relatos de assassinato em série e abuso
sexual infantil, mas relativamente indiferentes quando se
trata de religiões e filosofias não cristãs. Ficam aflitos por
atos de racismo e fraudes, e alguns até choram por mortes
causadas por doenças e acidentes que passam nos
noticiários, mas não mostram nenhuma reação parecida
quando alguém se apresenta como mórmon, quando
alguém anuncia que vai casar com um muçulmano ou
quando alguém usa o nome de Deus com irreverência. Sua
moralidade é centrada no homem em vez de Deus; mas a
moralidade bíblica é centrada em Deus, com o culto correto
a Deus sendo o fundamento e pré-requisito para o
tratamento correto do homem. Claro, muitas pessoas não
ligam nem para Deus nem para o homem.

Como você reage em relação às religiões e filosofias não


cristãs? Responde como deveria, com completa repulsa e
irrestrita condenação, ou está tão moldado por influências
antibíblicas que mostra admiração e respeito por elas?
Sendo o último caso, sobre que base você se considera
cristão? Você está mais horrorizado com assassinatos e
estupros, ou não considera ainda pior usar o nome de Cristo
como expressão de xingamento? Talvez você use para si
mesmo o nome divino como expressão de xingamento,
lamentavelmente. Claro, talvez nunca fosse cometer atos
externos como assassinato e adultério, ou pelo menos é o
que você acha; mas você não nutre nenhum antagonismo
especial contra uma pessoa que censura o cristianismo, ou
contra quem abusa do nome de Cristo, ou afirma doutrinas
heréticas. 4 Sua preocupação principal não é a honra de
Deus, mas o bem-estar do homem. Se isto descreve você,
seu compromisso fundamental não é bíblico, mas
humanista.

A reação bíblica às religiões e filosofias, pensamentos e


condutas, crenças e culturas não cristãs não deve ser
indiferença ou admiração, mas extrema indignação. Não
estou me opondo meramente a crenças e culturas não
ocidentais, mas a culturas antibíblicas ou não cristãs que
podem existir e existem na sociedade ocidental. Às vezes as
pessoas são negligentes em reconhecer essa distinção. Os
cristãos deveriam reagir vigorosamente contra crenças e
práticas antibíblicas em qualquer contexto onde elas fossem
encontradas. Indiferença e admiração por religiões,
filosofias, crenças e culturas antibíblicas constitui traição
contra o reino de Deus.

Há diferentes formas de uma pessoa expressar sua


indignação contra as crenças antibíblicas, mas nem todas
são legítimas. Por exemplo, é possível silenciar a oposição
pela violência, mas é neste contexto que Jesus diz: “Pois
todos os que empunham a espada, pela espada morrerão”
5
(Mateus 26.52). Algumas pessoas interpretam mal essas
palavras a fim de endossar o pacifismo ou proibir qualquer
uso de força física. No entanto, Romanos 13.4 diz que o
agente público “não porta a espada sem motivo. É servo de
Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal”. Isso
mostra que alguns usos de força física são legítimos.
Aparentemente, o que Jesus diz é um provérbio que
reafirma Gênesis 9.6, o qual diz “Quem derramar sangue do
homem, pelo homem seu sangue será derramado; porque à
imagem de Deus foi o homem criado”. A declaração de
maneira alguma condena o uso militar ou outros usos de
força física onde são sancionados pelas Escrituras.

Embora o cristianismo proíba o uso de violência na


promoção de suas ideias, é irracional rejeitar uma religião
simplesmente porque ela defende o uso de violência, seja
ou não com a finalidade de promover a religião. Uma pessoa
que diz que uma religião é errada porque promove a
violência pressupõe um padrão de ética pelo qual julga essa
religião, e é a verdade deste padrão pressuposto que
devemos discutir em primeiro lugar. Se o uso de violência é
aceitável, isso dependerá de sua base ser ou não correta.
Se uma determinada religião é verdadeira, e ela permite ou
ordena o uso de violência para uma dada finalidade, seu
endosso à violência é aceitável.

Por exemplo, não devemos argumentar que o islamismo é


falso porque permite ou ordena o uso de violência na
promoção de suas ideias; antes, devemos argumentar que é
errado promover uma religião pelo uso de violência porque
o islamismo está errado e outro padrão, que proíbe violência
para esse fim, está certo. Assim, a questão de a violência
ser aceitável (para a promoção de uma religião ou outro
propósito) deve ser resolvida no nível pressuposicional.

Alguém pode tomar como princípio primeiro que todos os


usos de violência, ou alguns usos específicos, são errados e
então avaliar cosmovisões e religiões diferentes por esse
padrão. Contudo, qual é a justificativa para esse padrão? O
princípio pode ser arbitrário, autoautenticável ou deve, em
última análise, estar baseado em um princípio que é
autoautenticável. Se for arbitrário, é irracional e não pode
ser imposto sobre todas as pessoas. Se for
autoautenticável, a pessoa deve mostrar que ele é
autoautenticável. Mesmo que seja autoautenticável, ele é
muito restrito para responder questões necessárias nas
áreas do conhecimento, da realidade e outras. Na verdade,
não pode sequer fornecer orientação a várias questões
dentro de sua própria categoria de ética. Se a pessoa alega
que ele está baseado em algo que é autoautenticável,
voltamos ao meu ponto, que é preciso antes discutir esse
princípio último em vez de discutir o princípio subsidiário de
saber se a violência é aceitável em variados contextos.

Da mesma forma, muitas pessoas censuram o cristianismo


por se tratar de uma religião exclusiva; isto é, elas
acreditam que se uma religião reivindica ser a única
verdade, ela deve estar errada ou deve ser inaceitável. Mas
qual é a justificativa para essa suposição, e por qual padrão
último elas fazem esse julgamento? Em contrapartida,
podemos afirmar que se o cristianismo é verdadeiro e
reivindica ser a única verdade, sua reivindicação de ser a
única verdade também deve ser verdadeira. Precisamos
primeiro decidir se o cristianismo é verdadeiro, antes de
julgar sua reivindicação de ser a verdade exclusiva. A
premissa que o cristianismo é a verdade exclusiva é
inerente ao seu princípio primeiro.

Uma pessoa pode tomar como seu princípio primeiro ― ou,


havendo mais de um, um dos axiomas pelos quais ela
deduz teoremas subsidiários ― que não existe verdade
exclusiva, e então usá-lo para avaliar todas as religiões. Mas
esse princípio é autorrefutável, pois afirma ser
exclusivamente verdade que não existe verdade exclusiva.
“Não existe verdade exclusiva” é uma proposição que se
opõe a todas as reivindicações exclusivas, mas é em si
mesma uma reivindicação exclusiva sobre a natureza da
verdade, de forma que exclui a proposição “Existe verdade
exclusiva”. Assim, a rejeição da verdade exclusiva não pode
ser autoautenticável, pois é autorrefutável. Ela não pode
estar legitimamente baseada em algo que é
autoautenticável, pois um processo de dedução meramente
extrai implicações necessárias de uma premissa, de modo
que é impossível derivar uma conclusão autorrefutável de
uma premissa autoautenticável. Precisamos concluir que a
rejeição da verdade exclusiva é arbitrária e irracional. Ela
não pode funcionar como o princípio primeiro de uma
cosmovisão consistente nem pode ser usada para se fazer
qualquer julgamento racional sobre uma religião.

No que se refere a defender e promover a religião cristã,


Paulo escreve: “Pois, embora vivamos no mundo, não
lutamos segundo os padrões mundanos. As armas com as
quais lutamos não são as armas do mundo. Ao contrário,
elas têm poder divino para destruir fortalezas” (2 Coríntios
10.3-4, NIV). Nosso relacionamento com este mundo deve
ser realmente caracterizado como de uma guerra, mas
como ela é de natureza espiritual, não se trata de uma
competição de força física ou militar. Antes, Deus nos deu
armas apropriadas para a natureza deste conflito, com
“poder divino para destruir fortalezas”. O que são essas
“fortalezas” que devemos “destruir” com nossas armas
divinas? O versículo 5 diz que devemos “destruir
argumentos” (NIV) e, em vez de subjugar fisicamente
nossos inimigos, “levamos cativo todo pensamento, para
torná-lo obediente a Cristo”.

Em conformidade com isso, Paulo reagiu às crenças não


cristãs em geral, e à idolatria desenfreada de Atenas em
particular, envolvendo seus aderentes na argumentação
racional: “Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com
gregos tementes a Deus, bem como na praça principal,
todos os dias, com aqueles que por ali se encontravam”
(Atos 17.17).

I. Howard Marshall alega que a palavra traduzida como


“discutia” significa “pregar”, em vez de “argumentar” ou
6
“debater”. Ele cita Atos 20.7 e 20.9, onde a mesma
palavra é traduzida como “falou” (“pregou”, na KJV) e
7
“discursou sem parar” (NIV) (“estava em longa pregação”,
na KJV). Não está claro se Marshall pretende eliminar a ideia
que Paulo utilizou argumentação na promoção do evangelho
ou se apenas pretende eliminar a ideia de interação entre
Paulo e seu público, implícita nas palavras “discutia”,
“argumentar” ou “debater”.

Sendo o primeiro caso, isto é, se Marshall pretende dizer


que Paulo não utilizou argumentação na promoção do
evangelho, ou evitou uma postura intelectualmente
combativa, ele está enganado. A palavra em questão pode
denotar explicitamente o sentido de argumentação. Por
exemplo, Atos 17.2 diz: “Segundo o seu costume, Paulo foi à
sinagoga e por três sábados discutiu com eles com base nas
Escrituras”. Isto significa que Paulo lhes pregou ou
argumentou com eles? Foi uma apresentação ou foi um
debate? Qualquer que seja o caso, pregação escriturística
envolve argumentos rigorosos. O versículo seguinte diz que,
quando “discutiu com eles com base nas Escrituras”, Paulo
foi “explicando e provando que o Cristo deveria sofrer e
ressuscitar dentre os mortos”. Portanto, tenha interagido ou
não com eles, Paulo esteve tanto apresentando como
argumentando a favor do evangelho. Então, em Atos 18.4,
Lucas escreve que Paulo “discutia na sinagoga, tentando
persuadir judeus e gregos” (NIV). A tentativa de persuadir
sugere argumentação. Paulo “falou ousadamente” a favor
do evangelho em Éfeso, o que significa que estava
“discutindo com e persuadindo” (Atos 19.8, NASB) pessoas
sobre o reino de Deus.

Contudo, há indício de que Marshall tem em vista o último


caso, pois contrasta a ação de Paulo com a abordagem de
Sócrates: “A descrição é reminiscente da atividade de
Sócrates, que argumentava com qualquer um que quisesse
ouvi-lo, embora para Lucas, ‘argumentar’ significa ‘pregar’
8
ao invés de ‘debater’”. Aparentemente o que ele está
dizendo é que traduzir a palavra como “argumentar” ou
“debater” sugere falsamente que Paulo assume às vezes
um formato interativo na apresentação do evangelho ao seu
público. Sendo isso o que Marshall quer dizer, ele ainda está
enganado, pois, tanto em Atos 17 como em outras
passagens, Paulo parece às vezes envolver seus oponentes
de forma dialógica, argumentando e debatendo com eles.

Thayer mostra que, embora a palavra em questão possa


significar “ponderar”, “argumentar”, “discursar” ou
“discutir”, quando é empregada em Atos 17.17, ela é usada
9 10
“com a ideia proeminente de disputa”. Além do mais, A.
T. Robertson escreve que, se a palavra é usada ou não para
denotar o ato de ponderar, conversar, discursar ou ensinar
pelo método dialético, ela sempre carrega “a ideia de
estímulo intelectual”. 11

Portanto, qualquer que seja o significado exato de Marshall,


ele está errado ao escrever que “para Lucas, ‘argumentar’
12
signifi[ca] ‘pregar’ ao invés de ‘debater’”. Isto é, se
Marshall quer dizer que “para Lucas, ‘argumentar’ signifi[ca]
‘apresentar um argumento’ ao invés de ‘envolver em
argumento’”, ele ainda está enganado, mas pode ao menos
escapar da acusação de anti-intelectualismo. Entretanto, se
pretende dizer que “para Lucas, ‘argumentar’ signifi[ca]
‘afirmar sem argumento’ ao invés de ‘envolver em
argumento’”, ele não só está errado como, sendo o erro por
demais evidente, podemos também suspeitar que ele tem
um viés anti-intelectual. Mas parece que ele não tem em
vista o último significado. Outra possibilidade é que o
próprio Marshall não sabe o que está tentando dizer.

De qualquer modo, o ponto é que Paulo reagiu às crenças


não cristãs por via de argumentação racional, seja na forma
de apresentação (“pregação”) ou interação (“debate”). A
palavra não significa pregar ao invés de debater. Ela pode
significar pregar (um monólogo), debater (um diálogo) ou
ambos, e nós discernimos o significado pretendido a partir
do contexto. Mas, como há uma palavra específica para
pregação que Lucas usa livremente em todo o livro de Atos,
parece que a palavra que estamos aqui examinando
significa, na maioria dos casos, um diálogo ou intercâmbio
argumentativo ao invés de pregação no sentido de
monólogo.

A palavra sempre significa uso de argumentação racional.


Por exemplo, embora os dois versículos possam estar
descrevendo uma apresentação ou discussão entre crentes
amigos, mesmo Atos 20.7 e 20.9 não dão qualquer indício
de que a situação está excluindo o uso de argumentos.
Como podemos ver a partir de seus sermões e cartas,
mesmo em suas apresentações aos crentes, os apóstolos
chegaram às suas conclusões por meio de deduções
racionais da revelação escriturística e da revelação especial.
A conclusão é que a palavra pode significar ou apresentação
ou debate, e a ênfase é determinada pelo contexto da
passagem; e mesmo quando o que está em vista é uma
mera apresentação, a argumentação racional é um
elemento necessário no que é transmitido. Nosso versículo,
Atos 17.17, parece descrever ou incluir um debate.
Não podemos saber ao certo se o erro exegético de Marshall
resulta de um viés anti-intelectual, mas esta é uma
possibilidade. Pelo menos como definido e praticado por
muitas pessoas, “pregação” soa piedoso e inofensivo, mas
“argumentar” e “debater” soa intelectual e ofensivo. Muitos
cristãos se deixam doutrinar pelo mundo, acerca de como
os crentes devem se comportar em um mundo não cristão,
e assumem que não devemos argumentar com ninguém.
Mas Cristo e os apóstolos, seguidas vezes, argumentavam
com as pessoas em defesa da verdade bíblica, e deixaram
instruções para fazermos o mesmo.

Talvez algumas pessoas imaginem que todo argumento


deve implicar em pessoas de partidos contrários gritando
ruidosamente umas contra as outras, mas não precisa ser
esse o caso. Vencer um argumento deve depender, em
grande parte, da superioridade do que afirmamos ao invés
de uma personalidade dominadora, de forma que podemos
ser gentis e educados ao longo de todo o processo; contudo,
as instruções e exemplos escriturísticos determinam que às
vezes os padrões habituais de etiqueta social sejam postos
de lado. Em todo caso, como as estratégias bíblicas para
evangelismo dos incrédulos e edificação dos crentes são
intelectuais, uma atitude anti-intelectual é contrária ao
espírito das Escrituras e faz da pessoa um obreiro cristão
infiel e ineficiente. Agora, se uma pessoa discorda de tudo
isso, deve me dar um argumento.
v. 18, 21

Ainda que, na ocasião da visita de Paulo, Atenas já tivesse


perdido sua antiga eminência política, ela continuava a ser
o centro intelectual do mundo antigo. Quatro grandes
escolas de filosofia floresceram ali: a Academia de Platão
(287 a.C.), o Liceu de Aristóteles (335 a.C.), o Jardim de
Epicuro (306 a.C.) e o Pórtico de Zenão (300 a.C.). Embora
possamos assumir que eram apresentados vários pontos de
vista filosóficos, Lucas menciona explicitamente os
“filósofos epicureus e estóicos” (v. 18) que discutiram com
Paulo. Tomarei algum tempo para resumir as filosofias
epicurista e estóica, pois elas são mencionadas em Atos 17.
Infelizmente não podemos dedicar espaço para explicar
também as filosofias de Platão e Aristóteles, bem como
outras tradições filosóficas, como o ceticismo.

Epicuro (340-270 a.C.) havia adotado a teoria atômica de


Demócrito (460-360 a.C.), que vivera antes. A teoria afirma
que a realidade consiste de entidades materiais indivisíveis
chamadas átomos, movendo-se no espaço vazio e infinito.
Embora os átomos em si não tenham propriedades
inerentes, eles se combinam de formas variadas para
constituir objetos com diferentes propriedades.

Uma motivação central para a filosofia de Epicuro era livrar


o homem de seu medo da morte e dos deuses. Embora
formalmente os epicureus afirmassem as divindades gregas
tradicionais, estas eram vistas como parte do universo
materialista e atômico, irrelevantes para os assuntos
humanos. Como os deuses não se interessavam nos
assuntos humanos, a crença na providência divina era
considerada supersticiosa e os rituais religiosos, inúteis.
Podemos chamá-los de deístas; os estóicos consideravam-
nos ateus e, no sentido prático, eles de fato eram.
Demócrito ensinara que os átomos se movem em todas as
direções pelo espaço vazio, e é fácil imaginar como
poderiam colidir e se ligar uns aos outros para formar
diferentes combinações. Por outro lado, Epicuro introduziu a
propriedade de peso aos átomos e afirmou que eles estão
em constante queda no espaço vazio. Mas isso criou o
problema de como, alguma vez, os átomos poderiam colidir
entre si. Epicuro respondeu que, na queda, alguns átomos
eventualmente poderiam desviar de seu caminho reto para
baixo e colidir com os demais. Ele considerava essa teoria
bem sucedida porque preservava o indeterminismo
metafísico e, portanto, a liberdade humana, algo que
desejava em sua filosofia.

Como tudo consiste de átomos, até mesmo a mente


consiste de átomos e não há nenhuma alma que possa
transcender a realidade física. Os átomos que formam uma
pessoa são dispersos por ocasião da morte, e isso fez
Epicuro se comprometer a uma negação da imortalidade, de
forma que escreveu o seguinte em sua Carta a Meneceu:
“Enquanto existimos, a morte não está presente; e quando
a morte está presente, já não existimos”. Como não há
imortalidade, também não pode haver uma ressurreição ou
julgamento; logo, é irracional o homem temer a morte. Mas,
ainda que os próprios deuses sejam feitos de átomos, eles
não estão sujeitos à dissolução, pois “vivem em regiões
13
menos turbulentas”.

Como não há vida após a morte, o desejo do homem deve


estar apenas nas coisas desta vida. Para os epicureus o
prazer é o bem maior; logo, podemos classificar sua teoria
ética como uma forma de hedonismo. O próprio Epicuro, no
entanto, se opôs ao hedonismo sensual e grosseiro de
Aristipo de Cirene (435-356 a.C.), que liderara um
movimento chamado cirenaísmo e defendera a busca de
prazeres corporais, vivendo pelo mote “Comamos, bebamos
e sejamos felizes, pois amanhã morreremos”.

Embora concordasse que o prazer é o bem maior do


homem, Epicuro fez distinções entre os vários tipos de
prazer. Experiências prazerosas podem ser de diferentes
intensidades e durações. Embora os prazeres corporais
possam ter maior intensidade, eles frequentemente trazem
consigo uma medida de dor. Por exemplo, o prazer que
alguém obtém da ingestão excessiva de comida é anulado
pelos efeitos negativos que podem sobrevir a curto e longo
prazo. O mesmo poderia ser dito do prazer que se obteria
da promiscuidade sexual.

Assim, Epicuro promovia os prazeres menos intensos, porém


seguros e longevos, da mente ― como ter uma conversa
com um amigo ou admirar a grande arte e literatura. O
objetivo geral era viver uma vida tranquila. No entanto,
como a mente não se distingue do corpo, estaríamos
meramente nos referindo a diferentes tipos de sensações,
não a prazeres mentais como distintos dos prazeres físicos.
De qualquer modo, estudiosos sugerem que, na época em
que Paulo visitou Atenas, os seguidores de Epicuro
adotavam o hedonismo sensual e grosseiro que o fundador
dessa filosofia fizera grande esforço para evitar.

Ao contrário de Demócrito, Epicuro afirmava a


confiabilidade das sensações. Segundo ele, os corpos dos
objetos sendo observados emitem filmes de átomos que se
conformam de maneira exata às formas dos objetos e fazem
contato com os átomos da alma do observador. Como os
filmes de átomos provenientes dos objetos observados
correspondem exatamente aos objetos, as sensações jamais
podem transmitir informação falsa, embora Epicuro
reconhecesse que uma pessoa poderia fazer julgamentos
falsos com base nessas sensações.

Para resumir a filosofia dos epicureus, na epistemologia


eram empiristas; na metafísica eram deístas, atomistas e
indeterministas; na ética eram hedonistas, e negavam a
imortalidade, a ressurreição e o julgamento.

Como o epicurismo não é o nosso tópico principal, não


fornecerei uma refutação detalhada desta filosofia, mas
podemos citar alguns pontos. Na epistemologia, há
inúmeros argumentos e exemplos contra o empirismo; na
metafísica, a teoria atômica e o indeterminismo são
completamente arbitrários, além de insustentáveis por sua
epistemologia; na ética, sua teoria não pode ser formulada
com base em sua epistemologia, e não há nenhuma razão
autoritativa para pensar que o prazer é o bem maior. E, se
os epicureus não conseguiram demonstrar sua visão de
metafísica, sua rejeição da imortalidade, da ressurreição e
do julgamento também era arbitrária e infundada.

Outros argumentos contra o epicurismo são mais


complicados e, portanto, devem ser ignorados por ora. Para
o nosso propósito, é relevante notar que, como acontece
com outras cosmovisões não cristãs, o epicurismo está
fundado, em última análise, na mera especulação humana.
Também é relevante notar que muitos pontos no epicurismo
são, em princípio, notavelmente similares a algumas das
crenças amplamente defendidas por secularistas e
cientistas contemporâneos, que continuam incapazes de
justificá-las.

A tradição filosófica de Zenão (340-265 a.C.) era chamada


estoicismo, já que ele a havia ensinado no Pórtico, ou Stoa.
A leitura de um livro sobre Sócrates despertou a paixão de
Zenão pela filosofia, o que o fez se deslocar para Atenas. Na
sua primeira vinda, esteve sob a tutela do cínico Crates.
Pela ênfase de Zenão na autossuficiência, sua própria
filosofia acabaria sendo evidência da influência recebida do
cinismo. Sucessores próximos de Zenão incluíam Cleantes e
Crísipo. Panécio de Rodes (180-110 a.C.) e Possidônio (130-
50 a.C.; instrutor de Cícero) contribuíram para o
estabelecimento do estoicismo em Roma, e Sêneca (4 a.C. –
d.C. 65), Epíteto (50-130) e o imperador Marco Aurélio (121-
180) deram expressão ao estoicismo romano. É algo
irrealista resumir adequadamente a filosofia estóica em
alguns parágrafos, mas precisamos fazer essa tentativa,
sem com isso pretender ser exaustivos.

Provavelmente inspirados por Heráclito (cerca de 530-470


a.C.), os estóicos ensinavam que no princípio não havia
nada a não ser fogo eterno, de onde emergiram os
elementos que compõem o universo. Eventualmente o
mundo seria consumido em uma conflagração universal e
retornaria ao fogo, e o ciclo da história se repetiria vezes
sem fim. Ao que parece, a visão estóica da história impede
a imortalidade individual, mesmo que aparentemente
existam pontos de vista ligeiramente diferentes sobre essa
questão: “Eles negavam a imortalidade universal e perpétua
da alma; alguns, ao supor que esta era engolida na
divindade; outros, que ela só sobrevivia até a conflagração
final; outros, que a imortalidade era restrita aos sábios e
14
bons”.

O fogo divino que permeia todo o mundo é um fogo racional


e o logos, ou Razão, que determina o curso do universo.
Algumas pessoas têm a ideia errada que, pelo fato de o
estoicismo afirmar que todos os eventos são determinados
pelo destino, o estoicismo, portanto, negaria existir um
propósito na história. No entanto, como seu logos é um fogo
inteligente, o estoicismo poderia, de fato, afirmar uma visão
teleológica do universo. Mas então as pessoas confundem
esse ponto de vista com o ensino bíblico sobre a soberania
divina. Isto é desnecessário. Os estóicos eram panteístas,
de modo que seu logos não é transcendente, mas imanente.
De fato, “a razão do homem [é] vista como sendo uma só
parte com o fogo perpétuo que permeia a ordem do
15
mundo”, levando Epíteto a afirmar que há uma “centelha
divina” dentro de cada homem. O universo, os homens e
inclusive os animais são todos partes de Deus; logo, os
estóicos eram panteístas. Deus é o universo e o universo é
Deus. Isto é contrário à posição bíblica. 16

Como o homem está sujeito às forças imanentes do mundo,


ele deve viver em harmonia com a natureza. Como a Razão
permeia e governa o mundo, viver em harmonia com a
natureza é viver em conformidade com a racionalidade, e a
racionalidade é superior às emoções. Tudo o que é alheio à
razão deve ser visto com indiferença, seja o prazer, o
sofrimento ou até a morte. Epíteto escreveu que, embora o
homem não possa controlar os eventos, pode controlar sua
atitude com relação aos eventos:

Como nossos corpos não estão sob o nosso controle, o


prazer não é algo bom e a dor não é algo mau. Há uma
história famosa sobre Epíteto, o escravo. Enquanto seu
mestre torturava suas pernas, ele disse, com grande
compostura: “Você certamente quebrará minha perna”.
Quando o osso quebrou, ele seguiu no mesmo tom de
voz: “Eu não disse que você a quebraria?”. A boa vida,
portanto, não consiste de externalidades, mas trata-se
de um estado interior, uma força de vontade e
autocontrole. 17

“O estoicismo deu origem a uma postura séria, uma


resignação no sofrimento, um rígido individualismo e uma
autossuficiência social”. 18 Devemos mostrar autocontrole,
autossuficiência e indiferença emocional nas situações da
vida. Mas, caso a vida se torne muito difícil, o estoicismo
autorizará o suicídio.

Críticos tentam, às vezes, minar a singularidade do


cristianismo apontando suas aparentes similaridades com o
estoicismo. Por exemplo, as duas cosmovisões enfatizariam
a “indiferença” pelas emoções e um controle sobre elas. A
resposta típica de algumas pessoas é que, na verdade, o
cristianismo não compartilharia dessa ênfase, nem mesmo
superficialmente, e assim, elas frequentemente negam que
o cristianismo ensina indiferença e controle emocional.
Contudo, esse tipo de ataque e resposta é equivocado e
revela uma ignorância tanto de estoicismo como
cristianismo.

Um exemplo desse equívoco tem a ver com Filipenses 4.12,


onde Paulo escreve: “Sei o que é passar necessidade e sei o
que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em
toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com
fome, tendo muito, ou passando necessidade”. Na
superfície os estóicos poderiam, de fato, ter concordado
com essa declaração, e a palavra “contente” é realmente a
palavra estóica para indiferença. As Escrituras não
autorizam o emocionalismo que é encorajado por muitos
crentes contemporâneos cujas opiniões sobre este assunto
são formadas mais pela psicologia moderna que pela
teologia bíblica ― de sorte que defendem a livre expressão
das emoções sem considerar o ensinamento bíblico sobre
autocontrole e transformação interior.

No entanto, o versículo 13 faz toda a diferença: “Tudo posso


naquele que me fortalece”. O cristianismo ensina de fato
autossuficiência espiritual, emocional e social sem rejeitar a
legitimidade da comunidade; contudo, essa autossuficiência
é apenas relativa a outros seres humanos, não a Deus, de
modo que temos sempre necessidade de Deus. O versículo
indica que o poder interior do cristão está ligado a uma
afirmação consciente do cristianismo e uma dependência de
Deus. Este Deus não é um fogo racional imanente panteísta
que é parte do universo, mas uma mente racional
transcendente que é distinta do universo e criadora deste
universo. Deus não está no universo; Deus fez o universo.
Ele é imanente no sentido de que escolhe exercer seu poder
nos assuntos humanos e naturais, mas não faz parte dessa
criação nem está ligado a ela. E, ao contrário da filosofia
estóica, não importa quão difícil nossa vida possa ser, não
19
há justificativa para cometer suicídio.

Essa diferença não é superficial, mas fundamental e


essencial, uma vez que está baseada em uma visão de
metafísica que contradiz a visão estóica de metafísica. O
cristianismo ensina um Deus que é tanto transcendente
como imanente ― metafisicamente distante, mas que se
torna próximo por aquilo que faz ―, que faz distinções entre
os indivíduos, que regenera alguns e não outros, que toma
decisões e realiza comunicações e que fortalece seu povo
para que este possa vencer o mundo. Os recursos interiores
do cristão vêm de Deus, que é distinto do próprio cristão, ao
passo que os estóicos buscavam alcançar autossuficiência
absoluta, não a autossuficiência relativa do cristão. Nós
vencemos o mundo e cumprimos nosso propósito não por
nossa própria força humana, mas pelo poder de Deus, que
tão poderosamente atua em nós (Colossenses 1.29). Assim,
embora possa haver similaridades superficiais entre
estoicismo e cristianismo, essas similaridades têm por trás
de si, na verdade, diferenças fundamentais e irreconciliáveis
entre as duas cosmovisões.
Além do exposto acima sobre sua metafísica e ética, os
estóicos desenvolveram teorias detalhadas sobre
epistemologia. Eles sustentavam uma forma de empirismo,
mas não a aceitação ingênua que os epicureus faziam da
sensação. Em todo caso, tanto o epicurismo como o
estoicismo não conseguiram fornecer uma epistemologia
construtiva que tornava o conhecimento possível, já que o
ceticismo não é uma opção, pois é autocontraditório.

A despeito das aparentes similaridades que podem


confundir o desinformado, o estoicismo e o cristianismo são
opostos entre si em todas as questões últimas. Novamente,
na epistemologia os estóicos eram empiristas, na metafísica
eram panteístas, na ética mantinham uma visão de razão e
virtude muito diferente do cristianismo, e negavam a
imortalidade, a ressurreição e o julgamento.

Assim como no caso dos epicureus, sua filosofia é arbitrária,


inconsistente e fundada na mera especulação humana.
Certo escritor entende que os estóicos teriam sua
contraparte nos panteístas contemporâneos e seguidores da
filosofia da Nova Era. 20 Embora aparentemente este possa
ser o caso, sendo verdade em certo sentido, essa afirmação
não deve ser levada longe demais. Muitas vezes o
panteísmo dos dias atuais e a filosofia da Nova Era não
desenvolvem teorias de lógica e ética, a partir das quais
poderíamos fazer comparações com o estoicismo. Não
obstante, existem filósofos hoje que afirmam ter herdado a
21
tradição estóica.

Voltando a nossa atenção a Atos 17, é importante ter em


mente que o público de Paulo não consistia apenas de
filósofos epicureus e estóicos, mesmo que estes dois grupos
sejam citados nominalmente (v. 18); a multidão incluía
outras pessoas também, provavelmente de várias
convicções filosóficas. O versículo 17 diz que Paulo falava
sobre o evangelho “na praça principal, todos os dias, com
aqueles que por ali se encontravam”, e o versículo 21
mostra que o público incluía “os atenienses e estrangeiros”.

Devido à formação intelectual de Atenas, não seria


surpreendente encontrar no público representantes do
platonismo, aristotelismo, ceticismo e outras perspectivas.
Podemos assumir que havia diferenças de opinião mesmo
entre epicureus e estóicos. Muitas vezes aderentes das
várias escolas de pensamento faziam grandes modificações
nas filosofias de seus fundadores e, portanto, Frederic Howe
tem razão ao dizer que havia um “espectro bastante amplo
de perspectivas à disposição”. 22

Como o público consistia de pessoas representando


diferentes tradições filosóficas, nem todos os pontos no
discurso de Paulo se aplicavam igualmente a cada ouvinte.
Por exemplo, embora Paulo aludisse à idolatria desenfreada
dos atenienses e a um altar ao deus desconhecido a fim de
produzir um ponto de partida para o seu discurso, os
filósofos epicureus queriam remover o que perceberam ser
uma devoção supersticiosa aos deuses. Assim, Lucrécio
rejeitou o apelo ateniense aos “deuses desconhecidos”. No
entanto, a escolha de Paulo desse ponto de partida para o
seu discurso é apropriada. Como escreve Howe, “Sem
dúvida, o grupo predominante de ouvintes incluía
transeuntes e aqueles que gostavam de ouvir a troca de
23
ideias que frequentemente ali se dava”.

Portanto, devemos ter em mente que Paulo está se dirigindo


a um grupo diversificado de pessoas com filosofias e
perspectivas diversificadas. Resulta disso que não devemos
esperar que cada detalhe de seu discurso se aplique com
igual força a cada pessoa no público. Contudo, um ponto
relevante deste estudo, e com ele vem um insight
importante para a apologética, é que, tendo concluído seu
discurso, Paulo teria ofendido e contestado todos os não
cristãos presentes ― não em questões superficiais, mas no
nível mais fundamental e em todo assunto filosófico central.

O versículo 18 diz que os filósofos começaram a discutir


com Paulo. Contrariando a implicação dessa passagem,
alguns estudiosos têm afirmado que o episódio do Areópago
ilustra o apelo de Paulo a um “terreno comum” filosófico
que sua fé cristã compartilhava com os filósofos. John
Sanders escreve:

Curiosamente, Paulo não se refere ao Antigo Testamento


em seu discurso. Cita apenas poetas pagãos e usa as
ideias e o vocabulário da filosofia grega em sua
tentativa de chegar a essas pessoas. Não obstante,
todos os pontos de Paulo podem ser encontrados no
Antigo Testamento, pois existem afinidades entre a
revelação geral e a especial. 24

Esse comentário revela uma compreensão deplorável de


filosofia grega e teologia cristã. Mostra uma habilidade de
raciocínio incrivelmente baixa e um mal-entendido da
intenção de Lucas nessa passagem.

Ainda que Paulo cite poetas gregos em seu discurso (v. 28),
isso não significa que ele está concordando com o que
dizem. Mesmo agora estou citando Sanders, mas o faço
para mostrar seu erro e fazer dele um exemplo de erudição
inferior. Da mesma forma, Paulo cita os poetas não para
expressar sua concordância com eles, mas para outra
finalidade. Direi mais sobre isso assim que discutirmos o
versículo 28. Usar o “vocabulário da filosofia grega” não
implica concordância com a filosofia grega, da mesma
forma que posso usar o vocabulário da ciência evolutiva
para ilustrar como a teologia cristã se opõe à evolução. Ou
posso aludir às categorias de pensamento que interessam
ao psicólogo secular, apenas para preenchê-las de conteúdo
cristão e ilustrar assim a oposição bíblica às teorias não
cristãs.

Sobre usar as “ideias… da filosofia grega”, Paulo emprega


as categorias de pensamento para abordar as questões
últimas que interessam aos filósofos, mas as preenche de
conteúdo cristão em oposição às filosofias não cristãs deles.
A própria Bíblia discute essas questões últimas, de modo
que, quando Paulo usa termos filosóficos e os preenche de
conteúdo bíblico, está fazendo o oposto do que alega
Sanders. Quem disse que essas ideias se originaram com os
filósofos gregos, em primeiro lugar? E quem disse que essas
categorias de pensamento pertencem a eles, os incrédulos?
A erudição não cristã sequestra e distorce ideias e
categorias que se originaram de Deus e lhe pertencem,
dadas a nós através de nosso conhecimento inato e pela
revelação bíblica. O fato de que não cristãos compartilham
algumas dessas ideias e categorias explica sua
culpabilidade ― que eles distorcem e suprimem o
verdadeiro conhecimento de Deus, de modo que são todos
indesculpáveis e se colocam sob a condenação divina.

Sanders escreve: “Paulo não se refere ao Antigo Testamento


em seu discurso… No entanto, todos os pontos de Paulo
podem ser encontrados no Antigo Testamento”. O
pensamento de Sanders parece ser que, em vez de citar o
Antigo Testamento, Paulo cita os poetas gregos (que
refletem a filosofia grega), mas seus pontos seriam
encontrados no Antigo Testamento e, portanto, a filosofia
grega concordaria com o Antigo Testamento ao menos em
alguns pontos essenciais. No entanto, esse tipo de
raciocínio é uma petição de princípio. Antes, deveríamos
dizer que, como todos os pontos de Paulo são encontrados
no Antigo Testamento, ele, portanto, está falando a partir do
Antigo Testamento mesmo sem mencioná-lo diretamente,
mostrando que confronta a especulação humana com a
revelação bíblica. Todos os pontos de Paulo são encontrados
no Antigo Testamento porque todos os seus pontos são
tirados do Antigo Testamento.

Quanto aos poetas gregos, Paulo os cita para mostrar que


eles não poderiam suprimir o conhecimento inato do Deus
verdadeiro, muito embora tivessem distorcido esse
conhecimento a ponto de que só serviria para condenar.
Além disso, esse conhecimento inescapável de Deus
contradiz suas filosofias explícitas em cada questão
principal e mostra, portanto, que a conversão deles exigiria
seu completo arrependimento, de modo que deveriam se
voltar de seu pensamento e sua especulação fútil. Outra
possibilidade é que as citações não estariam realmente de
acordo com o Antigo Testamento, mas Paulo apenas as
estaria citando para evidenciar como a filosofia grega se
contradiz. Assim que chegarmos ao versículo 28, veremos a
razão para ele ter citado os poetas gregos.

Esse entendimento geral do discurso de Paulo está de


acordo com o que ele escreve em Romanos 1.18-32;
portanto, temos base bíblica para tal interpretação. Por
outro lado, sobre que base Sanders afirma sua
interpretação? Na falta de uma justificativa bíblica, parece
que a sua base consiste em nada mais que um desejo de
fazer o pensamento cristão e não cristão parecerem menos
discordantes. Mas, de acordo com as Escrituras, este é um
desejo vil e pecaminoso. Alguns estudiosos são tão
tendenciosos que chegam ao ponto de afirmar que Atos 17
contradiz Romanos 1! Isso é motivo suficiente para
excomunhão. Para aqueles que afirmam a infalibilidade
bíblica, o fato de que esses estudiosos acreditam que Atos
17 pode contradizer Romanos 1, ou qualquer outra parte da
Bíblia, é em si uma refutação de sua posição. As duas
passagens só parecerão se contradizer se eles forçarem
Atos 17 a dizer o que não diz.

A interpretação correta reconhece que Atos 17 ilustra


Romanos 1. Obviamente é verdade que, nas palavras de
Sanders, “existem afinidades entre a revelação geral e a
especial”, mas Sanders tira disto uma conclusão diferente
da do apóstolo Paulo. Sanders pensa que, porque “existem
afinidades entre a revelação geral e a especial”, o
pensamento cristão e o não cristão estão em concordância
substancial. Contudo, é uma posição oposta da que Paulo
assume em Romanos 1, onde o apóstolo afirma que, como
Deus se manifestou a todos através da revelação geral (v.
19), aqueles que suprimem a verdade inescapável sobre
Deus o fazem em injustiça (v. 18) e são indesculpáveis (v.
20). Isto é, as filosofias pagãs não concordam com a
revelação geral, e esta é uma base para a sua condenação.

Deus acusa os não cristãos de “ignorância” culpável porque


discordam da revelação especial, quando deveriam
concordar com a revelação especial se pensassem de
acordo com o que Deus já lhes mostrou na revelação geral.
Em outras palavras, Deus forneceu informação suficiente de
si mesmo através do conhecimento inato do homem e do
mundo criado, de modo que os não cristãos deveriam
concordar com a revelação especial (as Escrituras); mas, de
fato, eles não concordam com a revelação especial e,
portanto, nenhum deles pode escapar da condenação.
Sanders afirma uma posição que subverte a intenção de
Romanos 1 e Atos 17. Se estivesse certo sobre Atos 17, ele
faria de Romanos 1 um absurdo. Mas podemos afirmar que
Romanos 1 nos ajuda a compreender Atos 17.
Qual interpretação Lucas favorece? Ao longo da passagem
percebemos uma ênfase nas divergências entre Paulo e os
atenienses, em vez de uma mera concordância incompleta
entre eles. Em nenhum lugar, Lucas e Paulo fornecem
indicação de que os filósofos estavam “no caminho certo”. 25
Antes, Lucas apresenta os filósofos mostrando como
“discutiam” com Paulo, enfatizando como entendiam mal e
insultavam o apóstolo. Frederic Howe observa bem que o
discurso de Paulo enfatizava a ignorância dos atenienses,
não o que Paulo pensava que eles faziam corretamente. 26

Outras divergências entre Paulo e os filósofos se tornarão


evidentes à medida que continuarmos este estudo, mas o
que vai acima é suficiente para desacreditar a interpretação
segundo a qual o discurso do Areópago mostraria existir um
“terreno comum” substancial entre os pensamentos cristão
e não cristão. Os sermões e as cartas dos apóstolos em
geral, e esta passagem em particular, não apoiam essa
perspectiva do “terreno comum”. Os próprios filósofos
discutiram com Paulo, e Paulo, por sua vez, enfatizou a
ignorância deles. Os intérpretes é que desejam descobrir e
enfatizar esse terreno comum inexistente com os incrédulos
e, ao negligenciar o entendimento correto, impuseram tal
visão sobre esta e outras passagens bíblicas. 27

Incompreensão e descrédito caracterizaram a reação dos


filósofos à apresentação inicial do evangelho por Paulo.
Embora tenham feito provavelmente outros comentários,
Lucas registrou especificamente dois. Uma das declarações
sugere que eles entenderam mal os elementos-chave na
apresentação do apóstolo, e a outra é entendida como um
insulto à sua competência intelectual (v. 18).

Alguns dos filósofos comentaram que Paulo parecia estar


“anunciando deuses estrangeiros”, isto é, mais de um deus.
Lucas explica: “Disseram isso porque Paulo estava pregando
as boas novas a respeito de Jesus e da ressurreição” (NIV).
Eles possivelmente entenderam “Jesus” como o poder
personificado da Cura, pois o nome significa algo parecido
com isso no grego, e “ressurreição” (anastasis) como a
deusa da Restauração. Os gregos tinham levantado altares
para princípios abstratos como Moderação e Piedade, e era
possível que tivessem entendido mal o apóstolo. Como
“Jesus” está no masculino e “ressurreição” está no feminino,
eles também podem ter interpretado Paulo de forma errada
como se estivesse apresentando um novo casal divino.

Isso demonstra como as pressuposições dos não cristãos


distorcem a maneira como interpretam informações sobre o
Deus verdadeiro quando estas lhes são apresentadas. A
Bíblia mostra que as pressuposições não cristãs são
adotadas em rebelião contra Deus; essas pressuposições,
por sua vez, reforçam a negação de Deus pelos não
cristãos, distorcendo e suprimindo as informações sobre ele
apresentadas através da revelação geral e especial.

As pressuposições não cristãs dos atenienses e a


consequente incompreensão da mensagem do evangelho
levaram os ouvintes a um atraso temporário em confrontar
a verdade sobre Deus, mesmo esta lhes sendo apresentada
de forma clara. O mesmo problema existe ao pregar a não
cristãos hoje. Seu conhecimento [background] intelectual
incrédulo condiciona suas mentes a distorcer e rejeitar a
mensagem cristã, de forma que, mesmo em sociedades
onde a informação bíblica parece difundida, permanecem
equívocos comuns sobre o que as Escrituras ensinam e o
cristianismo afirma.

Não devemos permitir aos não cristãos que escapem com


um entendimento errado da fé cristã e se considerem então
justificados a rejeitar o cristianismo porque encontraram
uma falha na apresentação falsa. Assim, devemos nos
esforçar para apresentar a fé com precisão e continuar a
corrigir equívocos sobre o que a Bíblia ensina e o que
acreditamos. Equívocos podem se formar rapidamente, mas
são muitas vezes difíceis de mudar. Podemos estar certos
de que Paulo apresentou o evangelho de forma clara e
precisa, mas a reação dos filósofos revelou sua
incapacidade em captar os pontos básicos na sua
mensagem. Quanto mais nós, então, devemos partilhar do
desejo do apóstolo: “Orem para que eu possa manifestá-lo
abertamente, como me cumpre fazê-lo” (Colossenses 4.4).

Ao passo que alguns filósofos não compreenderam a


mensagem de Paulo, outros o insultaram dizendo “O que
está tentando dizer esse tagarela?”. A palavra “tagarela”
vem de spermologos no grego. Como sperma significa
semente e legō significa o verbo colher, a palavra significa
literalmente “colhedor [picador] de semente” ou “pardal de
sarjeta”. Ela era usada para descrever vadios que pegavam
restos de comida nos mercados, tornando-se assim uma
gíria ateniense para aqueles “que haviam adquirido meras
28
migalhas de aprendizado”. É neste último sentido que os
filósofos usaram a palavra ao se referir a Paulo ― um insulto
que transmite “supremo ridículo”. 29 Há um paralelo de
Shakespeare:

Este tal, que não é de todo rombo,


pica o humor, como pica a ervilha o pombo,
e quando a Deus apraz, espalha graças.
Negocia com o espírito, nas praças,
por miúdo, a domicílio e no mercado. 30

Não era a instrução de Paulo que estava de fato em


questão, mas o conteúdo de sua mensagem. Ao passo que,
nessa ocasião, os filósofos desmereceram a instrução de
Paulo por conta do que dissera, em outra ocasião Festo
culpou a grande instrução de Paulo para dar conta
[justificar] do que ele dissera! Festo disse: “As muitas letras
o estão levando à loucura!” (Atos 26.24). Então, qual é o
caso? Paulo tinha de fato uma vasta educação, mas os
incrédulos sempre haverão de encontrar coisas para criticar,
quaisquer que sejam as nossas credenciais. A raiz de sua
hostilidade é a rebelião pecaminosa contra Deus.

Eles chamam o apóstolo de coletor de migalhas de


aprendizado, mas Lucas observa: “Todos os atenienses e
estrangeiros que ali viviam não se preocupavam com outra
coisa senão falar ou ouvir as últimas novidades” (At 17.21).
As crenças de Paulo vêm de Deus, que se revela por meio
dos profetas e apóstolos. Com base na revelação, Paulo fala
de uma posição de conhecimento, e não está buscando
ouvir algo novo. Por outro lado, com todas as suas
especulações, os filósofos não poderiam se estabelecer
sobre a verdade, e eles é que acabaram sendo os coletores
de migalhas de aprendizado. Como os incrédulos de hoje, os
atenienses eram “mentes abertas” porque eram ignorantes
da verdade; mas, claro, muitos se tornariam rapidamente
mentes fechadas tão logo fossem confrontados com a
verdade exclusiva do cristianismo.

A. T. Robertson escreve: “[Paulo] era o verdadeiro filósofo


mestre, e esses epicureus e estóicos eram charlatães. Paulo
tinha a única filosofia verdadeira do universo e da vida, com
Jesus Cristo como núcleo central (Cl 1.12-20), o maior de
todos os filósofos, como Ramsay com justiça o chama”. 31
Fico contente por Robertson incluir essa observação, já que
muitos cristãos de hoje não teriam sequer considerado
Paulo um intelectual, para não dizer “filósofo mestre”. Mas
Paulo era um tipo diferente de filósofo, pois sua filosofia não
se baseava na especulação humana, mas na revelação
divina ― de modo que Cristo era o centro ou fundamento de
sua filosofia. Trata-se de uma excelente perspectiva sobre
Paulo, embora seja incomum e muitos cristãos de hoje lhe
sejam resistentes. Cristãos anti-intelectuais insistiriam que
Paulo não era filósofo nem estava interessado em debates
filosóficos. Eles fariam de Paulo um místico em vez de
intelectual.

Cristãos de hoje são enredados por desafios intelectuais


lançados por incrédulos. Apesar de não sermos divinamente
inspirados como os profetas e apóstolos, seremos de fato os
filósofos mestres deste mundo se buscarmos depender
totalmente da revelação das Escrituras. Como temos a
revelação como o fundamento de nossa filosofia, os
incrédulos não estarão de fato competindo com a nossa
sabedoria, mas com a sabedoria do próprio Deus. Assim, se
apenas aprendermos a aplicar a revelação divina com
habilidade ao responder aos desafios deles, não haverá uma
disputa real, pois destruiremos todos os argumentos
incrédulos e enredaremos os opositores.

Não cristãos gostam da ideia de que são inteligentes, e


acham conforto e segurança na ideia de que os cristãos são
irracionais. O apologista bíblico despedaça a ilusão deles e
lhes mostra sua verdadeira condição ― que eles são
estúpidos e pecaminosos, os charlatães intelectuais deste
mundo. Sua única esperança está em Cristo, e como sua
crença de possuir autonomia também é uma ilusão, eles
sequer têm a capacidade de produzir fé em Cristo para se
salvar; antes, a fé é um dom de Deus e a salvação depende
apenas da misericórdia soberana de Deus.
v. 19-20

Paulo é então levado ao Areópago, onde é convidado a


desenvolver suas crenças: “Então o levaram a uma reunião
do Areópago, onde lhe perguntaram: ‘Podemos saber que
novo ensino é esse que você está anunciando? Você está
nos apresentando algumas ideias estranhas, e queremos
saber o que elas significam’”.

O Areópago, ou Colina de Marte, recebeu seu nome a partir


do relato mitológico do julgamento de Marte pelo
assassinato do filho de Netuno. O Tribunal do Areópago (ou
“Areópago”) era um conselho composto por, provavelmente,
cerca de trinta atenienses aristocratas, e exercia jurisdição
sobre questões de religião e educação. Na época de Paulo, o
Areópago reunia-se provavelmente na própria colina apenas
para ouvir os casos de homicídios. As reuniões ordinárias
eram realizadas no Pórtico Real (stoa basileios), localizado
na extremidade noroeste da Ágora, o mercado de Atenas.

Sócrates (470-399 a.C.) fora acusado e condenado por esse


conselho várias centenas de anos antes. Embora, na época
da dominação romana, a autoridade do conselho fosse
bastante reduzida, ele ainda era a principal instituição
judiciária, e tinha poder para censurar ou silenciar novos
oradores ou conceder-lhes liberdade para ensinar. Cícero,
certa vez, havia persuadido o Areópago a convidar um
filósofo para palestrar em Atenas. Assim, o conselho exercia
certo controle sobre a circulação de ideias dentro da cidade
e tinha autoridade para conceder ou retirar licenças de
ensino.

Um tema importante que Lucas persegue no Livro de Atos é


que Paulo foi trazido muitas vezes perante um tribunal, mas
sem jamais resultar num veredito de culpado contra ele.
Aqui, Paulo é novamente trazido perante um tribunal para
ser submetido a interrogatório, e é provável que Lucas
pretendesse que o episódio do Areópago fosse outro
exemplo de Paulo aparecendo perante um tribunal sem isto
resultar num veredito de culpado. Embora para Lucas a
palavra traduzida como “o levaram” (v. 19) seja, no mais
das vezes, entendida no sentido de agarrar e prender
alguém (16.19; 18.17; 21.30), ela nem sempre é usada
assim (9.27; 23.19).

O contexto parece mostrar que em Atenas, Paulo não esteve


na condição de preso, mas tinha sido convidado a
comparecer perante o Areópago para este lhe dar uma
oportunidade de expor sua filosofia, ou determinar se lhe
seria permitido propagar suas ideias na cidade: “‘Podemos
saber que novo ensino é esse que você está anunciando?
Você está nos apresentando algumas ideias estranhas, e
queremos saber o que elas significam’. Todos os atenienses
e estrangeiros que ali viviam não se preocupavam com
outra coisa senão falar ou ouvir as últimas novidades” (At
17.19-21). Provavelmente foram trazidas acusações formais
contra Paulo, mas no fim das contas o conselho não tomou
qualquer ação legal contra ele (v. 33).
v. 22-23

Paulo não começa seu discurso estabelecendo o que muitos


consideram “terreno comum” com os incrédulos; ao
contrário, começa enfatizando a ignorância deles. Diz:
“Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são
muito religiosos, pois, andando pela cidade, observei
cuidadosamente seus objetos de culto e encontrei até um
altar com esta inscrição: AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o
que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes
anuncio” (At 17.22-23). É importante compreender a
intenção de Paulo aqui, pois isso afetará o modo como
interpretaremos o resto do discurso. Todavia, o resto dos
versículos nesse discurso trazem seus próprios significados
necessários, de maneira que o entendimento falso e mais
comum desses dois versículos se mostrará incompatível
com alguns pontos cruciais nos versículos subsequentes.

A palavra traduzida como “religiosos” pode ser expressa ou


em bom sentido, como em “piedosos”, ou em mau sentido,
como em “supersticiosos”. Certo comentário diz: “Alguns
sugerem que a declaração de Paulo era pejorativa em vez
de elogiosa, mas tratava-se, provavelmente, do último
32
caso”. Em seguida, continua: “Ele escolheu um ponto de
partida, um lugar onde pudessem concordar, em vez de
partir das diferenças entre eles”. Se isso é dado como uma
razão para acreditarmos que a palavra “religiosos” é aqui
usada em sentido positivo, trata-se de uma petição de
princípio, pois se a palavra era usada em sentido negativo,
Paulo começou seu discurso enfatizando, na verdade, as
diferenças entre eles.

O mesmo comentário então se contradiz ao dizer: “O termo


traduzido como ‘muito religiosos’ é, contudo, uma
combinação das palavras gregas deido (temer ou
reverenciar) e daimon (espíritos malignos), que podem
conter uma sutil reprovação das realidades espirituais
subjacentes à religião deles”. Mas se se trata de uma
reprovação (sutil ou não) dirigida às próprias “realidades
espirituais subjacentes à religião deles”, Paulo não está
escolhendo “um lugar onde pudessem concordar” como
ponto de partida. Assim, Paulo está começando a partir de
uma concordância com eles (se é que concorda com eles
em alguma coisa) ou a partir de uma reprovação à sua
religião? Qual dos dois casos?

O comentário se contradiz quando afirma que Paulo começa


seu discurso a partir de uma concordância com seus
ouvintes e depois afirma que Paulo começa com uma
reprovação das próprias realidades da religião deles. O
autor comete um erro factual neste último ponto, pois,
embora daimon seja a palavra da qual derivamos o
português “demônios”, ela não significa necessariamente os
espíritos malignos que são frequentemente referidos nos
evangelhos. Antes, Robertson está certo ao dizer que
deisidaimon pode ser “uma palavra neutra”, com daimon
33
significando a ideia de “divindade”.

Mas então Robertson comete seu próprio erro, e diz: “Parece


improvável que Paulo fosse dar uma bofetada no rosto
34
desse público logo no início”. Isso novamente incorre em
petição de princípio. Se a palavra era usada em sentido
negativo, isto é evidência de que Paulo de fato iria “dar uma
bofetada no rosto desse público logo no início”. Por que
Paulo não poderia começar com um insulto ou enfatizando
as diferenças? Marvin Vincent escreve: “Seria improvável
que Paulo começasse seu discurso com uma acusação que
35
teria despertado a raiva de seu público”. Improvável de
acordo com quem? Essas pessoas estão dizendo que essa
declaração não deve ser um insulto porque Paulo não
poderia ter começado com um insulto. Mas por que não?

Se essa declaração era um insulto, sabemos que de fato


Paulo poderia ter começado com um insulto. Mas os
comentários descartam essa possibilidade sem derivar sua
interpretação dessa declaração bíblica ou de outros
versículos. É muito frustrante e decepcionante ler em
comentários uma afirmação arbitrária como essa sem
ninguém explicar por que Paulo não poderia ter começado
com um insulto. A menos que forneçam uma razão para
essa afirmação, esses estudiosos estão impondo sobre o
versículo sua visão arbitrária do que Paulo teria feito ou não.

Assim também, I. Howard Marshall afirma: “Paulo começa


elogiando os atenienses por serem muito religiosos… O
mais provável é que Paulo o fez no bom sentido, no intuito
de estabelecer um caminho que cativaria a atenção do
público ao discurso”. 36 Tolice! Esse autor pretende dizer que
Paulo teria perdido a atenção de seu público se tivesse
começado com um insulto? De fato, se o apóstolo
começasse com um insulto direto, ou uma clara repreensão,
o público provavelmente teria prestado muito mais atenção
às suas palavras do que se começasse com louvor. Em todo
caso, não temos o direito de apenas assumir. Em seguida,
Marshall mina seu próprio argumento com a seguinte
admissão: “No entanto, Lucas também usa o substantivo
correspondente em 25.19, no que é talvez um sentido
ligeiramente depreciativo, e provavelmente queria que seus
leitores percebessem a ironia da situação (cf. versículo 16).
Por toda a sua religiosidade, os atenienses na verdade eram
profundamente supersticiosos e desprovidos de
conhecimento do Deus verdadeiro”.
Logo, a declaração de Paulo ainda é um elogio? Quando
Marshall alega que Paulo está “elogiando os atenienses”, dá
uma razão não bíblica, baseada na suposição do próprio
Marshall sobre a melhor estratégia retórica para a situação.
Mas quando alega que, na verdade, a declaração de Paulo
pode estar dizendo que os atenienses são “profundamente
supersticiosos e desprovidos de conhecimento”, usa um
argumento bíblico. Marshall suprime evidência bíblica que
conhece para dar lugar ao seu próprio preconceito sobre o
que Paulo deveria ter feito nessa situação.

David J. Williams, por outro lado, pode estar mais perto da


verdade que os comentaristas acima: “Talvez Paulo
deliberadamente tenha escolhido a palavra com um leve
toque de ambiguidade para não ofender seus ouvintes e, ao
mesmo tempo, expressar satisfatoriamente o que pensava
da religião deles. Eles logo saberiam qual de fato era a
opinião de Paulo”. 37 Afirmar sem um bom motivo que Paulo
tentava não ofender seus ouvintes seria novamente uma
petição de princípio, pois se Paulo pretendia que a palavra
expressasse insulto, também pretendia ofender seus
ouvintes. No entanto, Williams é sábio em acrescentar
“talvez” no início de seu comentário. Mesmo que Paulo
pretendesse manter a ambiguidade própria da palavra,
sendo ao menos honesto e competente em usar as palavras
certas para expressar seus pensamentos, podemos estar
certos de que a palavra em questão é no mínimo eficaz em
“expressar satisfatoriamente o que Paulo pensava da
religião deles”.

Como Paulo logo contradiria as religiões e filosofias dos seus


ouvintes em cada ponto principal, ou, nas palavras de
Williams, “Eles logo saberiam qual de fato era a opinião de
Paulo”, isso sugere que Paulo usou a palavra em sentido
negativo, de fato expressando sua opinião ― mesmo
sabendo que a palavra seria suficientemente ambígua e
seus ouvintes não poderiam ter certeza se era tencionada
como insulto ou repreensão. Conrad Gempf concorda:
“Paulo usou de frases muito cautelosas e ambíguas e,
pensando bem, até mesmo sua introdução foi um ataque
38
velado”. É possível que Paulo esteja dizendo que seus
ouvintes estão muito envolvidos em questões religiosas sem
com isso afirmar se isso é algo bom ou ruim. Claro, se é algo
bom ou ruim, depende de suas crenças religiosas serem
verdadeiras ou falsas, e vamos ver que para Paulo elas
eram falsas. Em todo caso, uma exposição do versículo 23
esclarecerá que Paulo não pretendia que “muito religiosos”
fosse um elogio, ainda que não quisesse dizer algo tão
claramente negativo como “muito supersticiosos”.

Para ilustrar o que acabara de dizer, Paulo continuou: “pois,


andando pela cidade, observei cuidadosamente seus
objetos de culto e encontrei até um altar com esta inscrição:
AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que vocês adoram, apesar
de não conhecerem, eu lhes anuncio” (v. 23). Paulo
imediatamente contrasta a ignorância deles com o seu
conhecimento. Em termos filosóficos, começa seu discurso
afirmando uma epistemologia superior. Como, a exemplo de
outros discursos na Bíblia, o que está registrado em Atos 17
é provavelmente uma versão condensada do que Paulo
proferiu em Atenas, podemos ver o que ele escreveu em
outro lugar para obtermos assim um entendimento do seu
discurso ao Areópago.

Como mencionado antes, havia muitas estátuas e altares


em Atenas, mas Paulo acharia um altar especialmente
adequado como ponto de partida para o seu discurso. Isto é,
havia um altar dedicado a “um deus desconhecido”. A NJB
traduz assim a declaração de Paulo: “Bem, o Deus que
estou proclamando é de fato quem vocês já adoram sem o
saber”. Mas é um erro grave entender e traduzir assim o
que ele disse.

Os atenienses erigiram altares a “deuses desconhecidos”


para garantir que nenhuma divindade ficasse de fora na sua
adoração. Eles não tinham qualquer ideia definida sobre
quem ou o que eram essas divindades nem qualquer
informação definida sobre elas. Ora, se uma pessoa
dissesse “Sou um adorador de Zeus, mas por precaução,
havendo outros deuses, também os reconhecerei”, o Deus
verdadeiro do cristianismo não aceitaria isso como
adoração. Tampouco é possível, então, que Paulo
reconhecesse que os atenienses adoravam o Deus do
cristianismo, precisando apenas saber mais sobre ele.

Em vez disso, o ponto é que, de fato, eles não conheciam o


Deus verdadeiro. Talvez tenham percebido que havia um ser
divino além e distinto daquilo que adoravam, e construíram
altares a esses “deuses desconhecidos” só por medida de
segurança. Mas não se pode concluir disso que eles já
estavam adorando o Deus do cristianismo. Na verdade o
ponto é que não estavam adorando o Deus do cristianismo.
Seus altares a “deuses desconhecidos” eram apenas uma
admissão de ignorância, e a declaração de Paulo tinha a
intenção de explorar essa admissão sem reconhecer algo de
positivo na forma de adoração deles.

Esse entendimento está de acordo com o que Paulo diz em


Romanos 1, onde ensina que, embora os adoradores pagãos
já possuíssem conhecimento inato do Deus verdadeiro,
suprimiam e distorciam a verdade acerca dele em sua
filosofia, resultando em toda espécie de idolatria e prática
pecaminosa. Um altar a um “deus desconhecido” é apenas
outro exemplo disso. O pecado cegou os olhos espirituais de
cada pessoa humana, e assim, a menos que Deus se revele
pela revelação especial, o homem não pode conhecê-lo
corretamente.

Obtemos uma confirmação adicional a partir de 1 Coríntios


1.21 (NIV), que diz: “Visto que, na sabedoria de Deus, o
mundo por sua sabedoria não o conheceu, agradou a Deus,
por meio da loucura do que era pregado, salvar aqueles que
creem”. Paulo diz: “o mundo por sua sabedoria não o
conheceu”. O Deus verdadeiro é tal como as Escrituras
revelam, mas, pela epistemologia não cristã, os não cristãos
não conseguem obter conhecimento explícito sobre esse
Deus verdadeiro.

Gordon Fee coloca assim: “Como será desenvolvido por


Paulo em Rm 1.18-31, deixadas por si mesmas, meras
criaturas não podem encontrar o Deus vivo. O melhor que
podem fazer é criar deuses na similitude das coisas criadas,
ou, como tantas vezes acontece, na sua própria similitude
39
distorcida”. Como 1 Coríntios 1 e Romanos 1 começam
enfatizando o fracasso da filosofia não cristã em chegar à
verdade sobre Deus, a interpretação mais natural do início
do discurso ao Areópago é que ali Paulo está enfatizando
também a impotência intelectual da filosofia não cristã.
Dizer que Paulo reconhecia que os atenienses já adoravam
o Deus verdadeiro sem, contudo, conhecê-lo seria fazer o
apóstolo contradizer sua própria posição em 1 Coríntios 1 e
Romanos 1.

Podemos, portanto, concordar com os seguintes


comentários sobre o início do discurso do Areópago:

Claro que não havia nenhuma conexão entre esse deus


e o Deus que ele anunciaria. Paulo em nenhum
momento estava sugerindo que eles eram adoradores
inconscientes do Deus verdadeiro, mas buscava antes
uma maneira de levantar com eles a questão básica da
teologia: Quem é Deus? (David J. Williams) 40

Nessas circunstâncias, uma referência implícita do


apóstolo a um desses altares seria equivalente a dizer
aos atenienses: “Vocês estão corretos em admitir um
ser divino além do que é reconhecido pelos ritos
ordinários de vossa adoração; tal ser existe. Estão
corretos em admitir que este Ser lhes é desconhecido;
apenas não possuem concepções da sua natureza e
perfeições”. (Marvin R. Vincent) 41

No entender de alguns leitores, Paulo estava dizendo


que esses pagãos agiam bem ― que, em sua
ignorância, estavam o tempo todo adorando o Deus
certo sem o saber. Essa, no entanto, está longe de ser a
intenção… Em segundo lugar, a tradução é enganosa. A
ênfase da sentença não está na identidade do “deus
desconhecido”, mas na ignorância da adoração. Na
cidade dos “amantes da sabedoria”, Paulo se
concentrou na ignorância confessa deles sobre a
identidade de Deus. (Conrad Gempf) 42

Aqui, o princípio vital é que o ponto de contato na


declaração de esclarecimento de Paulo não era um
conhecimento comum do Deus verdadeiro das
Escrituras que esses ouvintes foram encorajados a
descobrir, como se dissesse que estavam o tempo todo
realmente adorando o Deus verdadeiro. Longe disso! O
verdadeiro princípio de Paulo é que a ignorância
confessa deles deveria ser satisfeita com a informação
correta! É enfatizada a ignorância deles, não a sua
43
adoração. (Frederic R. Howe)
Em outras palavras, praticamente a única coisa que Paulo
admitia dos atenienses era sua ignorância. Um altar a um
“deus desconhecido” não é evidência de que já estavam
adorando o Deus verdadeiro sem o saber, mas uma
admissão de ignorância. Paulo aceita essa admissão de
ignorância como verdadeira e reivindica ser capaz de
fornecer as informações sobre Deus que lhes faltam.

Mas se a filosofia não cristã não conseguia chegar a Deus,


sobre qual fundamento epistemológico Paulo tão
confiantemente lhes anuncia esse Deus? Em outras
palavras, se o homem não pode conhecer Deus por sua
própria sabedoria, como Paulo obteve seu conhecimento
sobre Deus? Podemos voltar a 1 Coríntios 1.21 (NIV) para a
resposta: “Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo por
sua sabedoria não o conheceu, agradou a Deus, por meio da
loucura do que era pregado, salvar aqueles que creem”.

Embora a KJV traga “da loucura da pregação”, 44 a palavra


kērygma refere-se ao conteúdo da pregação, não ao ato da
pregação. É através do conteúdo da pregação apostólica, o
conteúdo da fé cristã, que Deus salva “aqueles que creem”
(NIV). Como a fé é um dom de Deus (Efésios 2.8), podemos
dizer que Deus salva aqueles que escolheu produzindo fé
neles através do conteúdo da fé cristã, transmitido de forma
falada ou escrita. O que foi pregado é chamado “loucura”,
pois assim é visto pela perspectiva da “sabedoria”
mundana: “Pois a mensagem da cruz é loucura para os que
estão perecendo” (1 Coríntios 1.18). Mas é por aquilo que o
mundo considera “loucura” que os homens são salvos, ao
passo que aquilo que o mundo considera “sabedoria”
mantém os homens em cegueira espiritual, resultando em
sua condenação.
Num contraste com as religiões e filosofias não cristãs, o
fundamento da cosmovisão cristã não é a sabedoria ou
especulação humanas, mas a revelação divina, entregue a
nós por meio dos profetas, do próprio Senhor e dos
apóstolos: “Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de
várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos
profetas, mas nestes últimos dias falou-nos por meio do
Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e por
meio de quem fez o universo… Esta salvação,
primeiramente anunciada pelo Senhor, foi-nos confirmada
pelos que a ouviram” (Hebreus 1.1-2; 2.3). Paulo testifica
que o que ele prega não veio por sabedoria, tradição ou
especulação humana, mas por revelação divina: “Irmãos,
quero que saibam que o evangelho por mim anunciado não
é de origem humana. Não o recebi de pessoa alguma nem
me foi ele ensinado; ao contrário, eu o recebi de Jesus Cristo
por revelação” (Gálatas 1.11-12).

Paulo declara que, embora seus ouvintes sejam ignorantes,


vai “proclamar a eles” a verdade. Paulo não age no mesmo
nível intelectual de seus oponentes; não tenta construir um
sistema melhor que o deles permanecendo sobre o mesmo
fundamento da especulação humana. Antes, a partir de uma
posição de conhecimento final e autoridade máxima,
declara a verdade aos seus ouvintes, e é capaz de fazê-lo
porque está sobre o fundamento intelectual da revelação
divina. Ele fala e age como alguém que, pela graça de Deus,
percebe claramente a realidade, não como alguém que
tateia em escuridão epistemológica.

Comentando nossa passagem, F. F. Bruce escreve: “[Paulo]


não argumenta a partir da classe de “princípios primeiros”
que formavam a base das várias escolas da filosofia grega;
sua exposição e a defesa da sua mensagem são fundadas
na revelação bíblica de Deus”. 45 Todo sistema de
pensamento deve começar com certos princípios primeiros,
sobre os quais o resto do sistema está baseado. Se o
princípio primeiro do sistema é autocontraditório, muito
limitado ou inadequado, o sistema falha no ponto de partida
e o resto desmorona. Paulo fora convertido pela graça
soberana de Deus e por isso adotava a revelação bíblica
como o fundamento ou princípio primeiro do seu sistema de
pensamento. Comparado com os princípios primeiros dos
filósofos não cristãos, o de Paulo não é apenas uma
variação do mesmo tipo de princípio primeiro, mas é um
tipo completamente diferente.

O homem pecador constrói seu sistema de pensamento


sobre um fundamento antropocêntrico com base na
suposição de que pode obter conhecimento da verdade por
sua própria capacidade. Mas Paulo rejeita as suposições
anticristãs da autonomia e suficiência humanas; ensina que
o homem é limitado pela finitude mental e depravação
moral. O não cristão está cativo por sua inteligência inferior
e disposição má. Para conhecer a verdade ― qualquer
verdade ― o homem deve depender de Deus. A
epistemologia cristã é superior porque, em vez de
tentarmos descobrir a verdade por nossa própria
capacidade, quando não temos tal capacidade, ela aceita a
revelação bíblica como a única forma de se estabelecer e
obter algum conhecimento. A filosofia não cristã está
fundada na especulação humana ― na conjectura e fantasia
grosseira ―, mas a filosofia cristã está fundada na revelação
divina. Na filosofia não cristã o homem busca encontrar a
verdade por seu próprio poder, mas na filosofia cristã o
Deus onisciente comunica-nos a verdade, tornando-a
manifesta por sua onipotência.

Seguindo o apóstolo Paulo, quando confrontamos hoje


sistemas de crença não cristãos, não precisamos começar
aceitando os princípios primeiros ou suposições básicas
desses sistemas, já que são as próprias premissas contra as
quais estamos argumentando. Antes, ao demonstrar o
fracasso das religiões e filosofias não cristãs e proclamar a
revelação autoautenticável das Escrituras, confiantemente
declaramos a verdade sobre Deus aos incrédulos. Eles
tentarão nos forçar a aceitar suas pressuposições e tentarão
nos intimidar com argumentos vazios e insultos sarcásticos,
mas se podemos mostrar que suas pressuposições tornam o
conhecimento impossível e levam a conclusões absurdas,
por que devemos aceitá-las? Por suas pressuposições eles
não podem conhecer nada, mas pela revelação divina
podemos conhecer a verdade sobre Deus, sobre sua criação
e seus mandamentos e receber o conhecimento que conduz
à salvação pela fé em Jesus Cristo.

Ao assumir essa abordagem na apologética e evangelismo


evitamos o erro de contrapor nossa mera sabedoria humana
à mera sabedoria humana dos não cristãos; em vez disso,
contrapomos a sabedoria de Deus à sabedoria do homem.
Não cristãos podem pensar que o evangelho é loucura, mas
até a “loucura” de Deus é maior que a sabedoria do homem
(1 Coríntios 1.25) e não há nenhuma competição real entre
elas. A revelação divina será sempre superior à especulação
humana em cada ponto e cada questão. Nós, que
professamos a fé cristã, devemos confiantemente depender
do conteúdo das Escrituras; elas são capazes de derrubar
todas as religiões e filosofias não cristãs, expondo-as como
tentativas pecaminosas de conhecer a verdade sem uma
submissão a Deus. Logo, anunciamos que a cosmovisão
cristã tem um monopólio absoluto sobre a verdade e que
todas as religiões e filosofias não cristãs são falsas. Como
está escrito, “Quem se gloriar, glorie-se no Senhor” (1
Coríntios 1.31).

Paulo não “dialoga” com os atenienses para ver o que todos


podem aprender uns dos outros. Paulo não tem qualquer
respeito pelas religiões e filosofias deles. Em vez disso,
declara: “O que vocês não conhecem, vou agora lhes
anunciar”, e o faz no versículo 24. Embora o que segue à
declaração seja mais provavelmente uma versão
condensada do seu discurso, ela contém o suficiente para
nos informar do conteúdo e alcance do que Paulo declara, e
podemos assim derivar uma abordagem bíblica na
apologética e no evangelismo.

Paulo primeiro ressalta a ignorância dos não cristãos e, em


contraste, afirma falar de uma posição de conhecimento e
autoridade. Após, então, passa a falar sobre a natureza de
Deus e a natureza da criação ― isto é, expõe a visão bíblica
da metafísica, ou teoria da realidade. Começa dizendo: “O
Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor dos
céus e da terra, e não habita em santuários feitos por mãos
humanas” (v. 24).

Contrariamente à filosofia dos atenienses, o mundo ― não


apenas o planeta Terra, mas o kosmos, o universo inteiro ―
e tudo que nele há não existiu desde sempre; antes, esse
Deus que Paulo prega criou o universo e tudo que nele há.
Contra os epicureus Paulo declara que o universo não foi
formado pela colisão e combinação aleatória de átomos já
existentes. Contra os estóicos, declara que Deus e o
universo não são idênticos, mas que Deus é distinto do
universo; e não simplesmente anima o universo, mas criou
o universo.

Contrariamente à religião dos atenienses, não há um deus


para isto e um deus para aquilo. Não há um deus para a
guerra, um deus diferente para o amor, um deus diferente
para a sabedoria e um deus diferente para a colheita. Antes,
esse Deus que Paulo prega é o Senhor dos Exércitos e o
Senhor que provê. É amor e sabedoria, não existindo assim
sabedoria e amor verdadeiros à parte dele. É “o Senhor dos
céus e da terra”, o kurio, o possuidor de tudo que existe, o
governador de cada esfera da existência física e da
contemplação intelectual. Tal é o Deus que os atenienses
não conheciam, e como esse Deus verdadeiro é a única
divindade, o simples fato de que adoravam outros “deuses”
necessariamente implica que não estavam adorando esse
Deus verdadeiro.

Deus é transcendente, o que significa que é distinto do


universo, embora também seja imanente, pois criou o
universo e agora o sustenta e causa todos os eventos nele.
Por outro lado, os deuses mitológicos dos atenienses faziam
parte do universo. Paulo afirma, porém, que o Deus
verdadeiro “não habita em santuários feitos por mãos
humanas” (v. 24) e que “ele não é servido por mãos de
homens, como se necessitasse de algo” (v. 25). Paulo lida
com a natureza de Deus com ênfase específica porque
remete às religiões gregas populares de forma específica. O
resto da Bíblia nos dá informação suficiente para sabermos
que a nossa visão de Deus diverge de todas as religiões e
filosofias não cristãs, e devemos adaptar os nossos
comentários a essas religiões e filosofias, quando nos
dirigimos a elas, para evidenciar as divergências.
Claramente, contradizemos os ateus e hindus em suas
visões de Deus; contudo até cristãos professos negam que
diferimos radicalmente dos mórmons e muçulmanos. Tais
pessoas são ignorantes tanto da teologia cristã, a qual
condena todas as demais religiões, como das religiões não
cristãs, que contradizem a revelação bíblica em cada ponto
principal.

Os mórmons sequer são monoteístas, pois afirmam que


Elohim é deus apenas deste mundo, que há muitos deuses
para muitos mundos diferentes e que a “salvação” de um
homem é sua obtenção de natureza divina para governar
um mundo em particular. Eles fazem de Elohim e Jeová
entidades diferentes, de modo que Jesus é Jeová e foi criado
pela união sexual de Elohim e Maria. Os cristãos podem rir
da reivindicação mórmon que o Jardim do Éden se localizava
no que é hoje a cidade de Independence, no Estado de
Missouri, mas quando os mórmons fazem de Satanás o
irmão de Jesus, cristãos e não cristãos deveriam ter bom
senso suficiente para notar as diferenças entre o
cristianismo e o mormonismo. Mas claro, pessoas idiotas
mesmo assim insistem que os dois estão essencialmente
em concordância. Naturalmente alguns mórmons dirão que
essa é uma distorção de suas crenças, mas é provável que
eles mesmos não saibam o que o mormonismo de fato
ensina. 46 Em todo caso, como a fé cristã foi “de uma vez
por todas confiada aos santos” (Judas 1.3), ela não está
sujeita a revisões ou acréscimos; portanto, Joseph Smith era
um falso profeta. Será que o mórmon concorda com essa
avaliação? Se não concorda, o cristianismo não está em
concordância com o mormonismo.

Quanto ao islamismo, Alá certamente não é igual ao Deus


descrito pela Bíblia. Quem diz que Alá é apenas outro nome
para o Deus cristão deve mostrar também que Alá é uma
trindade, pois é isso que afirmam os cristãos, que Deus é
um em termos de divindade e três em termos de
personalidade; que o Pai, o Filho e o Espírito participam
todos plenamente nos atributos divinos. Nenhum
muçulmano verdadeiro concordaria com isso. Em adição,
Robert Morey argumenta que Alá, na verdade, era um deus
47
pagão da Lua.

Como os muçulmanos consideram o Hadith tão inspirado e


autoritativo quanto o Corão, devem, portanto, venerar seus
ensinamentos sobre a obsessão psicológica de Maomé por
urina e fezes. No vol. 1, cap. 57, nº 215 e vol. 2, nº 443,
Maomé diz que as pessoas que se sujam com urina serão
torturadas pelo fogo do inferno, mas ocorre uma
contradição no vol. 1, nº 234, quando ele ordena as pessoas
a beber leite e urina de camelo como remédio. Os
muçulmanos devem aceitar e defender as afirmações de
que Adão tinha mais de vinte e sete metros de altura (vol. 4,
nº 543), que “Satanás fica na região superior do nariz a
noite toda” (vol. 4, nº 516), que Satanás urina nos ouvidos
dos que adormecem durante a oração (vol. 2, nº 245), que
Alá se recusa a ouvir os que soltam gases durante a oração
(vol. 1, nº 628; vol. 9, nº 86) e rejeitará suas orações se
você tem mau hálito (vol. 1, nº 812, 813, 814, 815; vol. 7,
nº 362, 363), entre outros ensinos estranhos e vulgares. 48

É verdade que alguns muçulmanos professos,


provavelmente envergonhados com o Hadith, optam por
rejeitar seu status de divinamente inspirado. Mas quando a
discussão é se o cristianismo concorda com o islamismo, o
Corão sozinho já fornece informação suficiente para
estabelecer diferenças radicais entre as visões dessas
religiões em todas as principais doutrinas, como a natureza
de Deus, o status de Jesus Cristo e o caminho da salvação.
Já mencionei a Trindade como um exemplo ― os cristãos
insistem nela, mas os muçulmanos a rejeitam. Ninguém
pode dizer que as duas religiões adoram o mesmo Deus.

Como este estudo não é sobre o islamismo especificamente,


não vamos documentar aqui seus muitos problemas; no
entanto, como já levantamos o assunto, mencionaremos um
erro no Corão sobre a Trindade. Maomé (Sura 5:73-75, 116)
pensava que os cristãos adoram três deuses: o Pai, a Mãe
(Maria) e o Filho (Jesus). O Corão se equivoca ao dizer que
os cristãos creem que Jesus é o “Filho” de Deus no sentido
de ser o produto da relação sexual entre o “Pai” Deus e
Maria. A Bíblia afirma que Maria era virgem quando deu à
luz Cristo. Se Maomé era profeta de Deus, esperaríamos que
ele pelo menos entendesse as doutrinas básicas do
49
cristianismo quando fosse comentá-las.

Apesar de alguns muçulmanos professos se sentirem


envergonhados também com o Corão, rejeitando tanto o
Corão como o Hadith como divinamente inspirados, eles não
deveriam ser chamados muçulmanos verdadeiros, assim
como cristãos professos que rejeitam a Bíblia não são
cristãos verdadeiros. Quando aderentes professos de uma
religião rejeitam sua autoridade oficial, eles não são
aderentes verdadeiros dessa religião; devemos lidar com
eles individualmente e inquirir sobre suas crenças pessoais.
Nossa abordagem de apologética e evangelismo com eles
será a mesma; logo, a menos que já sejam cristãos
verdadeiros e explicitamente bíblicos em suas cosmovisões,
suas crenças a respeito de todas as principais questões
deverão contradizer a revelação bíblica, e o conflito será
resolvido em último caso no nível pressuposicional.

Toda tentativa de subtrair o cristianismo de sua condição


única, supostamente expondo (mas na verdade impondo)
suas similaridades com outras cosmovisões, filosofias e
religiões, tem sido refutada. 50 Mas o espírito de Babel
subsiste, e muitos não cristãos (incluindo falsos cristãos)
continuam a forçar uma união entre cosmovisões
incompatíveis. Bem no fundo de suas mentes eles sabem
que o cristianismo é a única verdade, mas pensam que se
puderem neutralizar a cosmovisão bíblica, não terão de
obedecer ao único Deus verdadeiro ou confrontar sua
revelação. Como escreve o apóstolo João, “Este é o
julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram
as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más.
Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz,
temendo que as suas obras sejam manifestas” (João 3.19-
20). Para essas pessoas, alcançar unidade em detrimento
da racionalidade ou mesmo sanidade parece um preço
baixo, mas no fim lhes custará muito mais, pois elas ainda
são pecadoras e serão condenadas a sofrer eternamente
um tormento extremo no inferno.
v. 24-25

Como Deus é o criador e governador de tudo que existe, ele


também é distinto do universo e maior que ele. Segue-se
que ele “não habita em santuários feitos por mãos
humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se
necessitasse de algo” (17.24-25). Positivamente falando, os
versículos 24 e 25 expõem a visão cristã de Deus e seu
relacionamento com o universo. Negativamente falando, o
que Paulo diz aqui subverte todo o fundamento religioso e
intelectual dos atenienses e seu próprio estilo de vida. Paulo
diz que eles estão vivendo uma grande mentira, que toda a
sua cultura e todas as suas crenças mais profundas são
falsas. 51

Paulo estabeleceu a situação de tal forma que, para manter


o seu modo de vida com integridade intelectual, os
atenienses precisariam destruir o cristianismo na
argumentação ou do contrário ter seus compromissos
últimos destruídos pelo cristianismo. Aqueles que não
conseguem resistir à verdade do cristianismo, e desejam
manter seus compromissos não cristãos, escolhem a via do
autoengano, dizendo a si mesmos que têm o direito de
manter as suas crenças não cristãs, sem refutar essa
cosmovisão bíblica que desafia e contradiz todos os
aspectos de seu pensamento e sua conduta. Isso se traduz
numa maior condenação dessas pessoas.

Seguindo o apóstolo, nossa abordagem de apologética e


evangelismo não deve tentar encontrar formas de
concordar com o pensamento antibíblico. Devemos expor
claramente a fé para que todos que a ouvem entendam que
a cosmovisão bíblica diverge de todas as cosmovisões não
bíblicas em todas as questões. Os não cristãos não podem
nos evitar ou transigir conosco, mas precisam nos destruir
ou serão destruídos. O apologista deve, então, dar o passo
adicional de demonstrar a impossibilidade das cosmovisões
não bíblicas, deixando os não cristãos sem um fundamento
intelectual para sustentar a sua resistência à fé cristã. Ao
contrário da abordagem tomada por alguns cristãos, o
evangelismo bíblico não meramente adiciona Jesus ao topo
dos sistemas de crença não cristãos, mas destrói por
completo seus sistemas de crença e os substitui pela
cosmovisão bíblica. Qualquer coisa menos que isso não é
digna de ser chamada apologética ou evangelismo bíblico.

Precisamos recuperar a ofensividade do evangelho ao invés


de nos conformar com uma mensagem “ao gosto do
freguês” tão diluída que os não cristãos podem aceitá-la
sem uma conversão genuína e completa. Os não eleitos
devem ser ofendidos pelo evangelho e dizer: “Dura é essa
palavra. Quem pode suportá-la?” (João 6.60). Mas quando
são confrontados com a clara verdade, os eleitos, os que
Deus escolheu para a salvação, dirão: “Senhor, para quem
iremos? Tu tens as palavras de vida eterna. Nós cremos e
sabemos que és o Santo de Deus” (v. 68-69). A mensagem
do evangelho, quando devidamente pregada, deve atrair os
eleitos e repelir os réprobos (João 10.27). A palavra de Deus
separa as ovelhas dos bodes e o trigo do joio (Hebreus
4.12). Mesmo então, em sua sabedoria, Deus ordenou que
alguns aparentemente se regozijarão com a sua palavra,
apenas para cair mais tarde (Lucas 8.13), Assim,
desenvolvamos nossa salvação com temor e tremor
(Filipenses 2.12); testemos nossa fé para remover
suposições falsas sobre nossa situação perante Deus (2
Pedro 1.10).

Se, a exemplo de Sanders, admitimos que os não cristãos


estão intelectualmente “no caminho certo”, distorcemos
tanto a posição cristã como a não cristã. Porque estão no
caminho errado, é que as Escrituras ordenam que eles se
arrependam, o que significa que devem mudar suas
mentes. Por exemplo, não devemos dizer que os incrédulos
são razoavelmente bons cientistas e que se apenas agirem
um pouco melhor, aprovarão a fé cristã; antes, devemos
dizer que eles são cientistas extremamente pobres e
rejeitam a verdade desde o início. Não devemos dizer que
os incrédulos são totalmente éticos, e que apenas não são
bons o suficiente; antes, devemos dizer que eles são
completamente corruptos e sequer começaram a ser éticos.
São intelectualmente inferiores e moralmente depravados.
O cristianismo não chama as pessoas a simplesmente
melhorar suas vidas com base em seus fundamentos atuais,
mas chama a uma conversão genuína e completa.

Ademais, conversão não significa mudar apenas alguns


aspectos da vida, mas resulta em uma transformação
abrangente. Se a sua “conversão” não produz essa
mudança, ou o início da mudança que claramente conduzirá
a um crescimento contínuo na direção certa, você não foi
convertido. A vida de Deus não está em você, e você
permanece na morte e em trevas.

Quando Paulo diz que Deus não habita em santuários feitos


por mãos humanas e não é servido por mãos de homens (v.
24-25), na verdade declara sua rejeição a todas as religiões
populares em Atenas. Ele não declara nenhum ponto de
concordância com os incrédulos, mas suas negações ―
como Deus não é, como Deus não é servido, que é errado
pensar de Deus de certa maneira e errado servi-lo de certa
maneira. Só isso já basta para mostrar que o ensino
apostólico nega que há muitos caminhos para Deus, pois
aqui é declarado que Deus não é como algumas das
concepções de divindade das pessoas e não é servido da
maneira como algumas pessoas fazem a sua adoração.
Evidentemente, Paulo está falando a um público específico
e, portanto, adapta seus comentários para se dirigir às
crenças e práticas dos seus ouvintes. Como o resto da Bíblia
fornece informação suficiente para descartarmos todos os
demais caminhos para Deus à exceção do cristianismo,
aqueles que se dizem cristãos devem ou rejeitar essa
reivindicação bíblica, em cujo caso não são mais cristãos, ou
devem aceitá-la e, por sua vez, deixar de se perturbar com
a exclusividade da fé cristã. Devemos admitir
corajosamente: “Sim, o cristianismo ensina que todas as
religiões não cristãs são falsas e que todos os seguidores de
todas as religiões não cristãs sofrerão tormento extremo e
infindável no inferno. Se você discorda, esta é a razão de
estarmos debatendo”.

Algum tempo atrás deparei com uma resenha de um livro


cristão. A resenha fora escrita por uma mulher
presumivelmente cristã. Apesar de ter gostado do livro em
geral, ela contestou as críticas do livro ao mormonismo e
escreveu que só Deus tem o direito de julgar se uma religião
é verdadeira ou falsa. Como ela insinuava ser cristã, essa
objeção não fazia sentido. É verdade que só Deus tem o
direito de julgar se uma religião é verdadeira ou falsa, mas
isso não deve nos impedir de falar contra as religiões não
cristãs, pois Deus tornou seus pensamentos conhecidos a
nós através da sua revelação verbal.

Quando ela disse que só Deus tem o direito de julgar as


religiões, usando isso como objeção às críticas ao
mormonismo, sugeria que Deus não fizera um julgamento
do mormonismo em particular ou mesmo das religiões não
cristãs em geral. Ou, se já o fizera, não tornou isso
conhecido a ela. Mas Deus já pronunciou seu julgamento
através das Escrituras, e todas as proposições religiosas e
não religiosas que contradizem o que foi revelado nas
Escrituras devem ser consideradas falsas pelo cristão.
Assim, ou essa revisora tinha um conhecimento tão pobre
das Escrituras que isso a desqualificava para criticar um
livro cristão ou tinha rejeitado a inspiração divina das
Escrituras, em cujo caso não tinha qualquer justificativa
para declarar-se cristã ― era apenas uma não cristã
afirmando sua discordância da Bíblia. Só Deus tem o direito
de julgar as várias religiões ― claro que isso é verdade ―,
mas Deus já fez isso, e através da Bíblia nos tornou claro
seu julgamento. Podemos concordar com Deus e ser salvos
ou discordar e perecer.

Paulo continua no versículo 25: “… ele mesmo dá a todos a


vida, o fôlego e as demais coisas”. Deus não precisa de nós,
mas nós precisamos dele. Como diz Davi, “Tudo vem de ti, e
nós apenas te demos o que vem das tuas mãos” (1 Crônicas
29.14). Como a palavra “vida” (zōē) era popularmente
associada a Zeus, o supremo deus grego, e como a tríade “a
vida, o fôlego e as demais coisas” reflete uma terminologia
de uso comum pelos seus ouvintes, é possível que Paulo
estivesse mais uma vez deliberadamente contradizendo a
religião deles. Com efeito, está dizendo que o Deus cristão,
que não habita em santuários e não é servido por mãos de
homens, é o autor e sustentador da vida, não Zeus. Sua
declaração contradiz a religião e filosofia dos atenienses,
que atribuíam a vida à outra fonte.
v. 26a

Prosseguindo com esse tema, que o único e verdadeiro


Deus é quem dá vida ao homem e a todas as coisas vivas,
Paulo desenvolve a visão bíblica e afirma no versículo 26:
“De um só homem fez ele todos os povos, para que
povoassem toda a terra” (NIV). Os atenienses acreditavam
que eram indígenas, tendo surgido a partir da terra, sendo
assim diferentes e superiores a todos os outros povos, a
quem consideravam bárbaros. A declaração de Paulo não
apenas contradiz as explicações religiosas e filosóficas dos
atenienses, como também ataca a crença que era a fonte
do orgulho étnico deles.

Como a língua grega não esclarece quem ou o que era o


“um”, várias sugestões têm sido dadas, mas “de um só
homem” parece ser mais adequado ao contexto. A ideia
principal da frase é que Deus criou a humanidade de um
ponto de partida, que o cristianismo afirma ser Adão, o
primeiro homem. As diferentes raças e povos se originaram
de um só homem, não de muitos. Como todas as raças e
povos se originaram de um só homem, não há justificação
para a crença de que alguma raça ou povo é inerentemente
superior ou mais privilegiado que outro, pelo menos não no
sentido que muitas pessoas têm acreditado serem
superiores ou privilegiadas. Mesmo que haja algumas
diferenças entre as raças e povos, todos os seres humanos
são feitos à imagem de Deus.

A ciência e a filosofia não cristã não têm nenhuma base


para afirmar a unidade e igualdade de todas as raças. À
parte da revelação bíblica sobre a origem do homem, por
qual princípio autoritativo pode-se afirmar que o genocídio e
o canibalismo são imorais? Por que é errado uma raça
destruir outra, ou pessoas de uma raça massacrar pessoas
de outra por comida? A ciência não pode demonstrar que
todos nós viemos de um só homem. 52 Se essas questões
parecem contestar algo óbvio, os não cristãos devem ter
uma resposta pronta para elas. No entanto, à parte da
autoridade bíblica, nenhum princípio pode fornecer um
fundamento adequado para basear julgamentos morais
sobre essas questões. Por qual autoridade moral absoluta e
universal você impõe sua moralidade sobre mim, proibindo-
me de cometer genocídio e canibalismo? É moralmente
“errado” eu agir assim só porque você não quer que eu faça
isso? A menos que os princípios morais tenham a revelação
bíblica como o seu fundamento, serão todos aniquilados
quando forem desafiados.

Como apresentei meu argumento contra a evolução em


outro lugar, não o repetirei aqui. 53 Mas menciono a
evolução para ilustrar um ponto anterior. Assim como em
todos os demais tópicos sobre o tema da origem humana,
não devemos dizer que os não cristãos fazem boa ciência,
que são eruditos brilhantes e honestos, e que se apenas
forem um pouco mais cuidadosos, acreditarão em criação
divina. Não, eles não são brilhantes; não são honestos; e
não fazem boa ciência. Para chegar a um conhecimento da
verdade, não basta simplesmente que os não cristãos façam
ciência melhor; eles devem mudar seus princípios primeiros
ou axiomas fundamentais, não apenas suas crenças
secundárias. Isso requer uma obra soberana de Deus em
seus corações; e se ela não ocorrer, eles permanecerão em
escuridão espiritual e intelectual.

Não cristãos podem dizer a você que são intelectualmente


neutros. Não acredite neles, pois não existe tal coisa como
neutralidade intelectual. Ou você é por Cristo ou é contra
Cristo. Se uma pessoa diz que examina os argumentos a
favor do cristianismo para determinar se é digno de crença,
ela é contra o cristianismo ao examinar os argumentos e
não será a favor até que Deus mude seu coração. Os
incrédulos são preconceituosos com Deus. Assumem
pressuposições que excluem a verdade como revelada pelas
Escrituras. No entanto, afirmam que seguirão os fatos aonde
quer que os levem, e então desafiam você a provar que os
fatos levam às conclusões que você espera — mas usando
as pressuposições e os métodos deles. Os cristãos não
devem cair nessa armadilha.

Embora os nossos princípios primeiros sejam diferentes, não


é inútil argumentar com os não cristãos. Como nosso caso
negativo, podemos desafiar suas pressuposições; como
nosso caso positivo, podemos lhes apresentar o princípio
autoautenticável da revelação bíblica. A menos que possam
fornecer um princípio primeiro adequado para justificar suas
reivindicações subsidiárias, eles sequer têm o direito de nos
apresentar suas reivindicações subsidiárias para
consideração, como no caso da evolução.
v. 26b

Deus não é apenas o criador e sustentador da humanidade,


mas também o governador: “Ele determinou os tempos
anteriormente estabelecidos e os lugares exatos em que
eles deveriam habitar” (v. 26, NIV). Há duas interpretações
possíveis para “Ele determinou os tempos anteriormente
estabelecidos”. Uma entende que Deus controla e mantém
as estações e ciclos naturais da vida, que são cruciais à
sobrevivência e ao desenvolvimento humano, como em Atos
14.17. A outra entende que Deus determina o curso e os
períodos da história humana, como a ascensão e queda das
nações. As Escrituras apoiam ambas, mas a questão é qual
delas Atos 17.26 pretende comunicar.

Qualquer dessas interpretações está em contradição com a


religião e filosofia gregas. Além de anunciar um Deus
totalmente diferente das divindades irrelevantes dos
epicureus, Paulo está “estabelecendo sua própria crença na
providência divina, em contraste com o fatalismo dos seus
ouvintes estóicos”. 54 Mas ele está fazendo mais do que isso,
pois apresenta uma visão de providência divina a que
nenhum não cristão consentiria. Só os cristãos afirmam que
Deus ― este, e nenhum outro Deus ―, tendo criado o
universo, agora sustenta a vida e determina a história.
Paulo afirma uma visão bíblica de providência divina como
uma explicação para a história humana como um todo —
uma visão que mais ninguém aceita.

Deus determina os territórios exatos das nações; seu


controle é exaustivo e preciso. Alguns cristãos professos
podem tolerar a menção da providência divina até onde se
fale simplesmente do controle de Deus sobre grupos de
pessoas, e esta é certamente a ênfase principal do
versículo. Porém algumas das mesmas pessoas que se
dizem cristãs levantam tremenda resistência ao se apontar
que a Bíblia fala de um controle igual de Deus sobre as
pessoas.

Como defendi a soberania divina sobre os indivíduos


humanos em outro lugar, 55 não repetirei os argumentos
aqui; contudo, devo pelo menos enfatizar que se uma
pessoa afirma a onisciência divina — o que todo cristão
deveria fazer —, reconhecer a soberania de Deus sobre
grupos de pessoas também obriga ela a reconhecer a
soberania de Deus sobre indivíduos. Isso porque um ser
onisciente não pensa em certo grupo sem também
conhecer todos os objetos individuais que compõem o
grupo.

Para ilustrar, quando uso a palavra “árvores” sem definir um


limite, como em “essas árvores”, estou usando a palavra
como um universal, como em “todas as árvores”. Mas eu
não conheço todas as árvores, não fiz nenhuma delas, não
determinei nenhuma das suas propriedades e nem sequer
conheço exaustivamente alguma árvore em particular.
Assim, posso saber o que estou dizendo? Não com base no
empirismo. Por outro lado, quando Deus usa a palavra
“árvores”, ele diz a palavra como quem fez e conhece todas
as árvores. Seu conhecimento de todas as árvores em
particular corresponde ao seu uso do universal “árvores”.
Quando digo “árvores”, o conteúdo real do meu
conhecimento não inclui todas as árvores, embora, com a
palavra, eu tenha a intenção de me referir a todas as
árvores. Quando Deus diz que todas as árvores são de
determinada maneira, ele tem em mente cada árvore, que
cada árvore é de determinada maneira, não apenas árvores
no sentido abstrato sem o conteúdo real de todas as
árvores. Porque Deus é onisciente, “árvores” deve significar
para ele a soma de todas as árvores individuais e não
árvores no sentido abstrato.

Se você tem dois filhos, chamados Tom e Maria, toda vez


que diz “meus filhos” você está na verdade se referindo a
Tom e a Maria em particular. Você não tem intenção de dizer
“meus filhos” sem o conteúdo real de “Tom e Maria”. As
palavras “meus filhos” representam para você “Tom e
Maria”. Suponha que você é onisciente, mas ainda não tem
filhos. Neste caso, “meus filhos” ainda significa “Tom e
Maria”, pois você sabe com certeza que terá esses filhos no
futuro. Logo, um ser onisciente jamais usa a designação de
um grupo sem consciência de todos os membros desse
grupo. A expressão universal representa sempre a soma de
todos os indivíduos pertencentes ao grupo. Um ser sem
onisciência usa a expressão universal sem conhecimento de
todos os indivíduos nesse grupo, mas um ser que possui
onisciência usa a expressão universal com consciência de
todos os indivíduos nesse grupo. Essa é uma implicação
necessária da onisciência.

Consequentemente quando Deus pensa em uma nação,


também está pensando em todos os indivíduos que fazem
parte desta nação em qualquer tempo, pois uma nação é a
soma de todos os indivíduos a quem Deus escolheu para
serem pertencentes a ela, e Deus tem conhecimento
exaustivo de cada indivíduo. De fato, Deus cria cada
indivíduo para ser incluído na nação que ele, Deus,
escolheu. Não é como se Deus decidisse impor uma
determinada política a certo grupo, como humanos do sexo
masculino, e então permitisse que cada ser humano se
candidatasse a se tornar membro de tal grupo. Em vez
disso, Deus cria todos os seres humanos e os agrupa como
lhe agrada.
Assim, não faz sentido dizer que Deus exerce soberania
absoluta sobre um grupo, como uma nação ou os eleitos,
sem também afirmar a implicação necessária disso, que ele
exerce soberania absoluta sobre cada indivíduo dentro de
tal grupo. Não faz sentido dizer que Deus elege um grupo
para salvação sem determinar quais indivíduos estarão
nesse grupo, ou que Deus controla uma nação sem
controlar os indivíduos dentro dessa nação. Os indivíduos
não fazem a si mesmos. O ponto é que mesmo quando a
Bíblia está apenas falando da soberania de Deus sobre os
grupos, está implícita a soberania dele sobre os indivíduos.
Dito isso, a Bíblia também traz muitas passagens que
afirmam a soberania absoluta de Deus sobre os indivíduos,
não apenas sobre grupos ou nações. 56
v. 27

O versículo 27 segue da providência divina às suas


implicações na religião; é, portanto, crucial para a
apresentação de Paulo. Mas como o versículo é muitas
vezes mal entendido, devemos estudá-lo com cuidado:
“Deus fez isso para que os homens o buscassem e talvez,
tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe
de cada um de nós”. A palavra “isso” refere-se ao que Paulo
afirmou no versículo anterior; assim, ele quer dizer aqui:
“Deus [determin(ou) os tempos anteriormente estabelecidos
e os lugares exatos em que deveriam habitar] para que os
homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem
encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós”.

Há duas interpretações principais desse versículo. Uma diz


que Deus tenciona que os homens o encontrem à parte da
revelação especial e torna isso possível por suas obras de
providência. Outra diz que Deus torna impossível que os
homens o encontrem à parte da revelação especial, mas por
suas obras de providência torna obrigatório agirem assim.
Em outras palavras, a primeira tem o versículo 27 dizendo
que a providência divina suscita os homens a buscar Deus e
que ele tenciona ser achado à parte da revelação especial;
mas a segunda entende o versículo 27 dizendo que a
providência divina torna a busca de Deus uma obrigação
moral, ainda que ninguém possa de fato encontrá-lo sem a
revelação especial. A primeira interpretação se mostra
imediatamente inconsistente com os versículos anteriores;
vamos oferecer, então, várias razões para rejeitar a primeira
visão e aceitar a segunda.

Henry Alford escreve que a expressão traduzida como


“talvez” (NVI) ou “se talvez” (NASB) “indica uma
contingência que, aparentemente, não é muito provável de
acontecer”. 57 Por outro lado, Rendall propõe que ela não
deveria ser traduzida como “talvez”, mas como “de fato”,
de modo que o versículo diria “se de fato pudessem ir atrás
dele”. 58 O autor assume isso para transmitir uma intenção
real da parte de Deus em ter pessoas buscando por ele e
encontrando-o à parte da revelação especial. No entanto,
quando o próprio Rendall admite que a disposição optativa
de “tatear” e “encontrar” aponta para “o fato que essa
intenção ainda não tinha sido realizada”, 59 sua exposição
subitamente equivale a dizer que o que Deus tenciona que
aconteça pode deixar de acontecer. Neste caso a força
plena de todos os argumentos bíblicos para a soberania de
Deus se volta agora contra ele; logo, sua interpretação é
impossível. Mesmo que o versículo registrasse “se de fato
pudessem ir atrás dele”, isso não necessariamente
transmite uma intenção real para a realização de algo, mas
a imposição de uma obrigação moral.

Não precisamos resolver isso com argumentos das minúcias


gramaticais. Em vez disso, podemos olhar para outra
passagem nos escritos de Paulo para determinar o
significado do versículo em questão. Previamente citamos 1
Coríntios 1.21, que diz: “Visto que, na sabedoria de Deus, o
mundo por sua sabedoria não o conheceu, agradou a Deus,
por meio da loucura do que era pregado, salvar aqueles que
creem” (NIV). Preste atenção às palavras “na sabedoria de
Deus” e “agradou a Deus”. Parafraseando, Paulo diz: “Deus,
em sua própria sabedoria, determinou que o homem jamais
virá a conhecê-lo pela sabedoria do próprio homem ― isto
é, pela ciência e filosofia humanas ―, mas agradou a Deus
que os eleitos hão de conhecê-lo pelo conteúdo de sua
revelação verbal”. Assim, a GNT registra: “Porque Deus em
sua sabedoria tornou impossível às pessoas conhecê-lo por
meio de sua própria sabedoria”.
O que isso diz sobre a intenção de Deus em Atos 17.27?
Deus tencionava que as pessoas o encontrassem por sua
própria sabedoria, embora 1 Coríntios 1.21 diga que ele
tornou isso impossível? Não, Deus jamais tencionou que
homens pecadores o buscassem e encontrassem por conta
própria. Dizer que Deus tencionou que os homens o
encontrassem por conta própria, além de contradizer 1
Coríntios 1.21, equivale a sugerir que Deus tencionou que
os homens fizessem algo, enquanto ele não sabia o
resultado e não sabia o que esperar, e posteriormente ficou
desapontado porque os homens não o buscaram e não o
encontraram. Em outras palavras, como a Bíblia diz que os
homens deixaram de buscar e encontrar Deus, dizer que
Deus tencionava que os homens o buscassem e
encontrassem é dizer que a intenção de Deus foi frustrada.
Isso contradiz a onisciência e soberania de Deus. Se algo
não aconteceu, Deus não tencionava que fosse acontecer.
No entanto, as obras da providência de Deus impunham aos
homens a obrigação moral de buscar e encontrá-lo.
Romanos 1 nos mostra que, em vez de fazerem aquilo a que
eram moralmente obrigados, os homens suprimiram o
conhecimento inato que tinham de Deus e adoraram ídolos.

Com isso em mente, leiamos o versículo novamente, agora


prestando atenção à porção final: “Deus fez isso para que os
homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem
encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós”.
Como Deus mostra seu poder e sua bondade na
providência, os homens devem buscá-lo; no entanto os
homens deixaram de buscar e encontrá-lo, muito embora
ele não esteja longe e, portanto, todos os que não
conhecem Deus estão sujeitos à condenação. Este é o
sentido do versículo. Mais uma vez, é uma declaração que
se opõe à religião e filosofia do seu público. Ela não conforta
ou elogia essas pessoas de forma alguma, nem indica que já
estão “no caminho certo”. Em vez disso, elas já estão na
direção oposta da que Deus ordena, e é por isso que
precisam se arrepender, não apenas melhorar.

A declaração “não esteja longe de cada um de nós” é muito


relevante para a filosofia contemporânea da religião. Ela
também fornece uma ilustração conveniente para a
abordagem bíblica de apologética e evangelismo, que, por
sua vez, expõe o método equivocado dos cristãos de hoje.
Os incrédulos em círculos acadêmicos e não acadêmicos
manifestam a objeção de que as evidências para Deus e o
cristianismo não são claras ou convincentes. Afirmam que,
se existe mesmo um Deus, se ele realmente quer que as
pessoas creiam nele e as punirá por não crerem, ele não
deveria fornecer evidências mais claras e melhores do que
aquilo que temos testemunhado até então? A existência de
Deus e a verdade do cristianismo não deveriam ser menos
ambíguas?

Isso é chamado de problema da “ocultação divina”. A


abordagem típica assumida por teólogos e filósofos cristãos
é primeiro admitir que Deus se oculta de nós e, tendo
concordado com isso, fornecer argumentos para mostrar por
que Deus estaria justificado em se ocultar, mesmo
querendo que as pessoas creiam nele. Muitos que tentam
responder ao problema da ocultação divina jamais desafiam
a suposição de que Deus está oculto.

No entanto essa é uma abordagem antibíblica, pois a


própria Bíblia nega que Deus está oculto. Ao contrário, diz
que “ele não está longe de cada um de nós” (Atos 17.27,
NIV) e que “o que de Deus se pode conhecer é manifesto
entre eles, porque Deus lhes manifestou” (Romanos 1.19).
Os cristãos que tentam responder à “ocultação divina”
primeiro concordando que Deus está oculto adotaram
suposições e princípios não cristãos sem justificativa. Por
que lutar para defender Deus de fazer algo, quando a Bíblia
diz que ele fez o oposto? Por que ser tão afoito em defender
a suposta ocultação de Deus, quando a Bíblia diz que ele se
tornou manifesto e evidente a todos? Por que admitir que
Deus é difícil de ser encontrado, quando a Bíblia diz que ele
não está longe de cada um de nós? Muitos que se dizem
cristãos são muito rápidos em pensar como não cristãos e,
ao agirem assim, mesmo quando pensam que estão
defendendo a fé bíblica, estão na verdade negando ela
desde o início. Se até cristãos pensam que Deus está oculto,
quando a Bíblia afirma o oposto, como os não cristãos serão
alguma vez confrontados com uma abordagem bíblica para
apologética e evangelismo?

De acordo com qual padrão de epistemologia ou qual


definição de evidência Deus está oculto? Os não cristãos
devem justificar sua epistemologia e seu conceito de
evidência antes de dizer que Deus está oculto ou que a
evidência para o cristianismo não é clara. Suponha que uma
pessoa afirme que vai crer em Deus se conseguir vê-lo
como uma grande bola de luz. Como o Deus que afirmamos
é, no entanto, invisível, ele não é uma bola de luz. Assim, se
Deus manifesta uma bola de luz na frente do homem, Deus
não está revelando sua própria pessoa, mas apenas
produzindo algo para esse homem ver. É verdade que o não
cristão pode exigir uma manifestação mais complexa, mas
isso é irrelevante, pois o ponto é que se o não cristão
mantém uma epistemologia falsa, qualquer evidência que o
satisfaça não será evidência que revela a verdade.

Se, no entanto, o homem aceita isso como evidência, ele


deu um salto irracional da bola de luz para a existência de
Deus. Essa “evidência” o obriga a concluir que o Deus
cristão existe? Problemas similares ocorrem com milagres
ou aparições. O problema é que o empirismo não pode
justificar nenhuma crença, independentemente do que se
admita como evidência. E como nenhuma implicação
necessária decorre da observação, quem confia numa
epistemologia empírica pode sempre evitar a conclusão de
que não gosta. Mas neste caso é a pessoa que deve ser
culpada, não a evidência.

Claro, existem outras epistemologias não cristãs além do


empirismo, e usamos o empirismo apenas como exemplo
proeminente. Mas se somente a epistemologia cristã é
verdadeira, as epistemologias não cristãs descartam a
verdade desde o início, e quando exigem evidência que
possa satisfazê-las, elas não podem chegar à conclusão
correta, mesmo se fornecidas da evidência que desejam,
pois têm teorias erradas sobre o significado do
conhecimento e o método pelo qual obtê-lo. E como essas
epistemologias se opõem aos princípios primeiros cristãos, a
evidência que elas exigem contradirá a natureza de nossas
reivindicações. Por exemplo, Deus é invisível, mas os não
cristãos podem exigir evidência visível, de modo que
qualquer evidência que os satisfaça não revelará a
verdadeira natureza de Deus.

Há de fato evidências visíveis para o cristianismo, e mesmo


que, para fins de argumentação, assumamos princípios
primeiros não cristãos, poderemos mostrar que o
cristianismo continua sendo o mais racional. Mas o efeito
deste tipo de abordagem é sempre limitado pela
epistemologia falsa do incrédulo, e não devemos nos
satisfazer com isso se pretendemos honrar a Deus em nossa
apologética e evangelismo. Em outras palavras, não
devemos nos satisfazer em apenas mostrar que o
cristianismo é mais provável ou mais racional que as outras
cosmovisões; antes, devemos argumentar em favor do que
a Bíblia realmente afirma ― isto é, que o cristianismo é a
única cosmovisão possível e verdadeira. As outras
cosmovisões não são apenas menos prováveis; elas são
tolas e impossíveis.
As pressuposições cristãs fornecem uma estrutura
intelectual que torna a existência e natureza de Deus
perfeitamente claras ― tão claras a ponto de Deus ser
inescapável. As pressuposições não cristãs impedem essa
clareza a respeito de Deus, e na verdade impedem clareza
sobre qualquer coisa. Mas por que devemos responder aos
não cristãos com base em suas pressuposições, a menos
que possam justificar essas pressuposições e defendê-las
contra nossos ataques? Claro, eles podem exigir justificativa
para as nossas pressuposições, e é por isso que precisamos
aprender a argumentar em favor delas. A lição é que
devemos nos recusar a ser intimidados a usar
pressuposições não cristãs, quando as pressuposições são
as próprias coisas sobre as quais devemos argumentar. Mas
uma vez que levamos o debate para o nível
pressuposicional, já o vencemos.

A solução para a ocultação divina é simples. Primeiro


negamos que Deus está oculto, pois a Bíblia afirma que
Deus não está longe e que Deus se tornou evidente.
Segundo, resta-nos explicar por que tantas pessoas deixam
de reconhecer Deus. Para achar a resposta, vamos começar
com Atos 17.27 e então voltar novamente a Romanos 1.

As palavras “estendendo-lhe a mão” na NIV são traduzidas


como “tateando por ele” na NASB. A expressão se opõe à
imagem de não cristãos perspicazes tentando descobrir a
verdade sobre Deus através de procedimentos sólidos; em
vez disso, pinta o retrato de pessoas estúpidas e confusas
tateando no escuro, tentando desesperadamente fazer
contato com a realidade, mas nunca chegando ao
conhecimento da verdade. A mesma linguagem havia sido
usada por Homero, ao se referir ao ciclope, e por Platão, ao
se referir a suposições vagas da verdade. É essa a opinião
de Paulo sobre o pensamento não cristão de sua época.
Qual a opinião que você tem da ciência e filosofia não
cristãs de hoje? Você admira a mente pagã? Mas nós temos
a mente de Cristo.

A apresentação de Paulo em Atos 17 é consistente com sua


explicação do pensamento pagão em Romanos 1:

A ira de Deus é revelada dos céus contra toda


impiedade e maldade de homens que suprimem a
verdade pela sua maldade, pois o que pode ser
conhecido sobre Deus é manifesto entre eles, porque
Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os
atributos invisíveis de Deus ― seu eterno poder e sua
natureza divina ― têm sido claramente vistos, sendo
compreendidos por meio das coisas criadas, de forma
que tais homens são indesculpáveis. Porque embora
conhecessem Deus, eles não o glorificaram como Deus
nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos
tornaram-se fúteis e o coração insensato deles
obscureceu-se. Embora dissessem ser sábios, eles se
tornaram loucos. (v. 18-22, NIV)

Assim como Atos 17 diz que Deus não está longe de cada
um de nós, Romanos 1 diz que o que pode ser conhecido
sobre Deus é manifesto, porque Deus manifestou. Mas a
questão da ocultação divina surge porque nem todo mundo
reconhece Deus. O que está implicado de forma óbvia em
Atos 17 é explicitamente declarado aqui em Romanos 1, a
saber, a razão por que os não cristãos não fazem uma
afirmação consciente de Deus não é que a “evidência” não
é clara, mas que eles “suprimem a verdade”, e suprimem-
na por causa de sua “maldade”. Consistente com a ideia de
que os não cristãos estão tateando no escuro, Romanos 1
diz que “os seus pensamentos tornaram-se fúteis”, que “o
coração insensato deles obscureceu-se” e que “eles se
tornaram loucos”.

Assim, enquanto a primeira parte da resposta bíblica à


ocultação divina é negar a ocultação divina, a segunda
parte é expor o verdadeiro problema, qual seja, os não
cristãos são loucos pecadores. O verdadeiro problema não é
a ocultação divina, mas a cegueira humana. Não é que Deus
está oculto; os não cristãos é que são desonestos e
estúpidos. Deus é tão claro que os não cristãos já sabem
acerca dele; de fato, nascem com um conhecimento sobre
ele. Mas porque são pecadores, os não cristãos suprimem
seu conhecimento de Deus e empurram a percepção dele a
um nível abaixo em sua consciência imediata. Recusam-se a
adorá-lo, embora saibam algo acerca dele.

Os não cristãos enganam a si próprios quando pensam que


não conhecem Deus e defendem que a evidência sobre ele
não é clara. Mas como deveriam ter um conhecimento
melhor em vez de pensar dessa maneira, e como apenas
pensam dessa maneira por causa de sua rebelião
pecaminosa, Deus determina que eles também devem
sofrer tormento infindável no inferno por causa dessa
maldade obstinada. Ateus e outros não cristãos ― como
muçulmanos, católicos, mórmons e budistas ― não diferem
entre si nesse aspecto, em que todos são culpados de se
recusar a adorar o Deus verdadeiro, embora ele se faça
evidente a eles. Pedro ensina que os não cristãos
“deliberadamente se esquecem” do poder e juízo de Deus
60
(2 Pedro 3.5-7). A apologética bíblica representa a nossa
recusa em deixá-los escapar impunes.

Assim como você não aceitaria o diagnóstico de uma pessoa


insana sobre a sua condição mental, você não deveria
aceitar a opinião de um louco sobre a sua religião. É claro
que o não cristão se recusa a admitir que é estúpido, mas
você não deve aceitar sua opinião. Ele é intelectualmente
cego e intelectualmente incompetente para julgar qualquer
coisa. Ele insistirá que a Bíblia está errada acerca dele; mas
como a revelação bíblica é nosso princípio primeiro,
tomamos a negação dele como mais um sinal de sua
cegueira e autoengano. Mais uma vez, é evidente que esse
conflito só pode ser resolvido no nível pressuposicional.

Como resolvemos uma confrontação intelectual no nível


pressuposicional? Eu já discuti isso anteriormente, e
61
também em mais detalhes em outro lugar. Neste
momento, enfatizarei apenas um ponto: qualquer
declaração que uma pessoa faz implica pressuposições
sobre epistemologia, metafísica, lógica, linguística, e às
vezes coisas como ética e história.

Quando levanto uma objeção contra alguma cosmovisão


não cristã, falo a partir de uma estrutura intelectual
formada por pressuposições bíblicas, de modo que a
inteligibilidade de minha objeção depende da coerência
desses princípios. Se um oponente me desafia, preciso
demonstrar a coerência e autoautenticidade dos meus
princípios primeiros. Caso consiga formular uma resposta
satisfatória com base na teologia cristã, terei defendido a
cosmovisão com sucesso. Em outras palavras, a cosmovisão
cristã terá se defendido com sucesso pela pura verdade e
coerência de seu conteúdo.

Mas também tenho o direito de desafiar a verdade e


coerência das pressuposições não cristãs. Qualquer que seja
a afirmação do meu oponente, e qualquer que seja a
objeção levantada por ele contra o cristianismo ― o que
quer que ele diga ―, tenho o direito de exigir que ele revele
e defenda o fundamento intelectual a partir do qual ele
torna a sua declaração inteligível e plausível. Se sua
declaração é uma objeção ao cristianismo, tenho o direito
de exigir que ele revele e defenda as pressuposições que
tornam essa objeção inteligível e plausível, antes de
começar a respondê-la. Se sua objeção não é inteligível, não
há o que responder. Se suas pressuposições não podem
tornar a objeção plausível, não há nenhuma razão para
responder.

Se a objeção é que “a ressurreição de Cristo é impossível”,


tenho o direito de exigir: “a partir de qual fundamento ou
estrutura intelectual você está fazendo essa declaração?
Sua declaração é mesmo inteligível e plausível com base
nesse fundamento ou estrutura? Baseado em que princípio
você decide o que é possível e o que é impossível? E qual é
a sua justificativa para acreditar nesse princípio? Qual é a
sua visão sobre este universo, no qual a ressurreição de
Cristo é impossível? E qual é a sua justificativa para
acreditar nessa visão do universo?”.

O oponente não pode dizer “Apenas responda a pergunta!”.


Isso porque a minha posição é que a estrutura bíblica é a
única estrutura intelectual verdadeira a partir da qual se
pode ver a realidade; e a partir desta estrutura a
ressurreição de Cristo é tanto uma possibilidade como um
fato histórico. Mas meu oponente não acredita que a
estrutura bíblica é verdadeira. Como a ressurreição não
apresenta qualquer problema dentro da minha estrutura
intelectual, meu oponente deve estar fazendo sua objeção
de dentro de outra estrutura intelectual, e preciso conhecer
as características desta estrutura antes de poder responder
e antes de ser obrigado a lhe responder. E se a estrutura
intelectual do oponente não faz sentido e ele não pode
defendê-la, ele não pode fazer sua objeção em primeiro
lugar.
Se Deus se revelou através da Bíblia, é uma petição de
princípio dizer que não podemos acreditar na Bíblia porque
Deus não se revelou. Se a Bíblia é o que afirma ser, a
revelação verbal é a melhor forma de manifestação divina,
e se a Bíblia é o que afirma ser, não temos o direito de
exigir qualquer outra coisa. Portanto, qualquer objeção ao
cristianismo com base na ocultação divina pressupõe uma
rejeição das Escrituras; e como as Escrituras são nossa
autoridade máxima e nosso princípio primeiro, o conflito vai
para o nível pressuposicional. É óbvio, então, que nada pode
ser resolvido sem confrontações pressuposicionais, pois é
impossível argumentar sobre alguma coisa sem pressupor
um fundamento ou estrutura intelectual que, por sua vez,
determinará a direção e o conteúdo dos nossos argumentos.

Agora, como creio que a estrutura bíblica é a única


verdadeira e que todas as estruturas não bíblicas são falsas,
não posso sinceramente assumir a estrutura do não cristão
para demonstrar uma afirmação cristã. Entretanto, posso
muitas vezes reduzir a estrutura do não cristão ao absurdo,
mostrando que as suas pressuposições levam logicamente a
conclusões ridículas, conclusões que até ele se recusaria a
aceitar. Ou posso demonstrar que a visão cristã é mais
racional, mesmo assumindo, para fins de argumentação, as
pressuposições do não cristão. Mas a menos que o não
cristão demonstre que as pressuposições bíblicas são falsas,
ele não pode me obrigar a assumir suas pressuposições em
minha tarefa de provar as afirmações cristãs, pois esse é
precisamente o ponto em disputa ― o argumento é sobre
quem tem os princípios básicos corretos. E se na verdade
ele tenta refutar as pressuposições bíblicas, voltamos à
questão de qual é o fundamento intelectual onde ele
permanece ao fazer seus argumentos e suas objeções.

Algumas pessoas negam ter pressuposições, mas isso


apenas significa que não estão conscientes delas. A maioria
das pessoas jamais examinou alguma vez as suposições e
princípios básicos de seus próprios pensamentos. Mas
qualquer declaração de um oponente pode nos fornecer a
ocasião para perguntar sobre suas pressuposições e atacá-
las. Por exemplo, uma pessoa que afirma que milagres são
impossíveis deve ter um princípio ou padrão intelectual pelo
qual decide o que é possível e o que é impossível. Qual é
esse princípio? Desafiamos a pessoa a revelar e defendê-lo.
Se não pode fazê-lo, fica evidente que ela não sabe o que
está perguntando, e sua objeção se torna impotente e sem
sentido. E se ela precisa emprestar pressuposições bíblicas
para a sua declaração ser inteligível? E se ela precisa
assumir princípios que só podem ser encontrados na ou
justificados pela revelação bíblica? Todos os não cristãos
fazem isso sem admitir. Mas neste caso, isso ainda é uma
objeção ou é um endosso indireto à fé cristã? Claro, a
confusão deles é consistente com o que a Bíblia ensina
sobre a condição intelectual do não cristão.
v. 27b-29

Na NVI, os versículos 27-29 registram o seguinte:

Deus fez isso para que os homens o buscassem e


talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não
esteja longe de cada um de nós. “Pois nele vivemos, nos
movemos e existimos”, como disseram alguns dos
poetas de vocês: “Também somos descendência dele”.
Assim, visto que somos descendência de Deus, não
devemos pensar que a Divindade é semelhante a uma
escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e
imaginação do homem.

Mas vou parafrasear e dividir a passagem assim:

Deus não está longe de cada um de nós, pois é por ele


― sua vontade e seu poder ― que vivemos e nos
movemos e existimos. (v. 27b-28a)

Alguns dos poetas de vocês disseram: “Também somos


descendência dele”. Mas se somos “descendência”
dele, é autocontraditório vocês representarem Deus
com esculturas de ouro, prata ou pedra feitas pelo
homem. (v. 28b-29)

Essa paráfrase e arranjo se baseiam no entendimento de


que, em relação ao tópico, a frase “pois nele vivemos, nos
movemos e existimos” (v. 28a) está ligada a “[ele] não
esteja longe de cada um de nós” (v. 27b), e a frase “visto
que somos descendência de Deus…” (v. 29) está ligada a
“disseram alguns dos poetas de vocês…” (v. 28b).
Esse entendimento e, portanto, esse arranjo, não é único.
Por exemplo, a GNT diz: “Todavia, Deus não está realmente
longe de qualquer um de nós; como alguém já disse, ‘Nele
vivemos, nos movemos e existimos’. (v. 27b-28a) É como
alguns dos vossos poetas disseram: ‘Também somos seus
filhos’. Uma vez que somos filhos de Deus… (v. 28b-29)”. E
a CEV diz: “…embora não esteja longe de qualquer um de
nós: ‘Vivemos nele. Andamos nele. Estamos nele’. (v. 27b-
28) Alguns dos poetas de vocês disseram: ‘Porque nós
somos seus filhos’. Uma vez que somos filhos de Deus… ( v.
28b-29)” 62

Clemente de Alexandria (150-215) atribuiu a citação, que


Paulo fizera de um escritor cretense, à segunda linha de um
quarteto de Epimênides de Creta (Tito 1.12). A quarta linha
diz: “Pois em ti vivemos, nos movemos e existimos”.
Contudo não está claro se Paulo está citando o poema no
versículo 28, pois o palavreado não reflete a métrica ou
estilo poético que se poderia esperar, e Paulo não introduz a
expressão em forma de uma citação, como faz na outra
declaração “Também somos descendência dele”. Assim, a
NASB não inclui aspas em torno da primeira expressão, e
traz: “…embora ele não esteja longe de cada um de nós,
pois nele vivemos, nos movemos e existimos…”.

Assim, essa primeira expressão no versículo 28 ilustra a


última porção do versículo 27, portanto a razão de minha
paráfrase “Deus não está longe de cada um de nós, pois é
nele ― sua vontade e seu poder ― que vivemos e nos
movemos e existimos”. Deus não está distante de nós no
sentido de que estamos constantemente dependendo dele
para nossa vida, nossas atividades e nossa própria
existência. Relacionando ao ponto desenvolvido
previamente, é algo indesculpável, portanto, não cristãos
negarem a realidade e a supremacia de Deus. Eles tateiam
no escuro como se fosse difícil achar Deus, mas o próprio
ato de tatear no escuro depende do sustento divino.

Argumentar sobre a existência de Deus é como argumentar


sobre a existência do ar ― você precisa respirar o ar
enquanto argumenta sobre ele; e se ele não existisse você
não estaria vivo para, em primeiro lugar, poder argumentar
sobre ele. Isto coincide com o que dissemos sobre debater
com os não cristãos; que Deus é a precondição
epistemológica e metafísica de todos os argumentos, e
assim, a menos que o não cristão possa fornecer e defender
as pressuposições não bíblicas com que torna suas
declarações inteligíveis, o próprio fato de argumentar contra
o cristianismo pressupõe a veracidade do cristianismo. O
conhecimento inescapável de Deus dentro do não cristão é
inconsistente com a sua negação explícita de Deus.

Aqueles que tentam mostrar que Paulo está buscando um


terreno comum com os não cristãos dizem que o apóstolo
cita a literatura pagã para apoiar suas afirmações bíblicas
no versículo 28. Mas se tivermos em mente tudo o que
demonstramos ao discutir os versículos 16-27, a
interpretação do versículo 28 pela perspectiva do “terreno
comum” deverá ser descartada desde o início. Faremos, no
entanto, algumas observações adicionais sobre o versículo e
suas aparentes referências à literatura pagã.

Suponhamos para fins de argumentação que a primeira


parte do versículo 28 seja pelo menos uma alusão ao
quarteto de Epimênides, se é que não uma citação direta. O
que a expressão significa em seu contexto original? “Pois
em ti vivemos, nos movemos e existimos” é uma declaração
sobre Zeus feita de dentro de uma estrutura intelectual
politeísta ou panteísta, e de fato sem qualquer contato com
o cristianismo. As palavras podem soar de maneira parecida
com o que um cristão diria, mas o significado é totalmente
diferente. Se ambos os lados afirmassem suas crenças de
maneira precisa, todas as semelhanças superficiais
desapareceriam.

Se estivesse usando aqui a linha de Epimênides ― sem


modificação ou qualificação ―, como Paulo poderia dizer
que os não cristãos são cegos e ignorantes (v. 23, 27, 30),
se aquilo mostraria que eles têm conhecimento verdadeiro?
Em Romanos 1, Paulo diz que os incrédulos suprimem a
verdade sobre Deus, e em 1 Coríntios 1, que Deus ordenou
isso para que os homens não conhecessem Deus por meio
da sabedoria humana. Mas se os não cristãos fossem
mesmo capazes de reconhecer que vivemos e nos movemos
e existimos em Deus no sentido cristão, eles não seriam tão
cegos e ignorantes, não pareceria que estão suprimindo a
verdade sobre Deus e não pareceria que a sabedoria
humana não pode alcançar o conhecimento do Deus
verdadeiro.

No entanto, como Paulo considera os não cristãos cegos e


ignorantes, como acredita que eles suprimem a verdade
sobre Deus e como assevera que a sabedoria humana não
pode alcançar conhecimento do Deus verdadeiro, isso
significa que ele não deve estar usando a linha de
Epimênides sem modificação ou qualificação. Antes, se
Paulo está realmente usando a expressão (v. 28a) para
ilustrar a afirmação bíblica que “[Deus] não está longe de
cada um de nós” (v. 27b, NIV), então parece que ele, na
verdade, está usando as mesmas palavras num sentido
explicitamente cristão, tendo esvaziado a expressão de todo
o seu sentido original.

Dito isso, não está claro se, em primeiro lugar, Paulo está
citando Epimênides. Como escreve Lenski, “A declaração de
Paulo não é métrica na forma, e ele também não indica que
está fazendo uma citação. Tudo o que se pode dizer é que
Paulo pode ter lido Epimênides e usado a sua declaração
numa formulação própria”. 63 Em outras palavras, embora a
declaração possa soar semelhante, Paulo provavelmente
não está usando ela como uma citação de Epimênides, e
ambos têm em vista significados muito diferentes.

A outra expressão no versículo 28, “Também somos


descendência dele”, como o próprio Paulo indica, é uma
citação da literatura pagã, e assim é que devemos tratá-la.
Mas só porque Paulo cita algo, não significa que ele
concorda com a declaração ou com o seu autor. Depende de
como ele usa a citação. Previamente apontei que embora eu
estivesse citando Sanders, não usei a citação como suporte,
mas como exemplo a refutar. Da mesma forma, vamos ver
que o emprego paulino da declaração “Também somos
descendência dele” não empresta nenhum suporte à
perspectiva “terreno comum” da religião ou apologética,
mas antes, revela-se como sendo outro assalto às crenças
pagãs.

A citação vem de Arato (315-240 a.C.), numa linha de sua


obra Phainomēna. Entre outras coisas, ele era médico,
astrônomo, matemático e poeta. Por diversos anos, viveu
em Atenas e foi estudante de Zenão. Enquanto esteve em
Atenas escreveu Phainomēna, que por vários séculos se
tornaria popular no mundo de fala grega. Paulo usa o plural
em “como disseram alguns dos poetas de vocês” porque o
mesmo pensamento surgiu em pelo menos outro autor, de
forma diferente, a saber, no “Hino a Zeus” do filósofo
ateniense estoico Cleantes (300-220 a.C.). Num contexto
relevante, Crisóstomo mencionou outro poeta, Timagenes.
Contudo, assumimos que Paulo está citando Arato porque a
declaração é citada tal como foi escrita por Arato.
Como um aparte ― um importante aparte ―, embora um
conhecimento de Homero e de Platão dificilmente tornaria
uma pessoa especialmente bem-educada naqueles dias (ou
mesmo hoje), o conhecimento que Paulo tinha dos
escritores relativamente inferiores, sua estreita relação
acadêmica com Gamaliel (Atos 22.3) e as refinadas
exposições contidas em seus escritos certamente garantem
a avaliação que “Paulo era um erudito”. 64 Paulo era um
intelectual extraordinário, e se desejamos imitar outros
aspectos da vida e do pensamento do apóstolo, como a sua
integridade e zelo, busquemos também imitar esse aspecto
de sua vida, mesmo que signifique irmos contra as
tendências anti-intelectuais da igreja e do mundo. Possa
Deus conceder à igreja muitos crentes que são “cultos,
inteligentes”, tendo “sabedoria e inteligência para
conhecerem todos os aspectos da cultura e da ciência” e
que “domin[am] os vários campos do conhecimento”
(Daniel 1.4, 17). Um exército de crentes com essas
qualidades quebrará a maldição de domínio não cristão no
mundo acadêmico.

Voltando à citação, recordemos o ensinamento bíblico


acerca da expressão “filhos de Deus”. As Escrituras negam
que todos os seres humanos são filhos de Deus; ao
contrário, ensinam que todos os não cristãos são filhos do
diabo, ou da ira e das trevas (João 8.44; Efésios 2.3; 5.8). O
apóstolo João nos diz inclusive como distinguir um filho de
Deus de um filho do diabo (1 João 3.10). Assim, no sentido
espiritual, nem todos são filhos de Deus; no entanto, todos
os seres humanos são criaturas de Deus, pois foram todos
feitos por ele. Logo, todos os seres humanos ― cristãos e
não cristãos ― são criaturas de Deus, mas apenas os
cristãos são filhos de Deus. É incrível como até alguns
cristãos professos possam dizer que “Somos todos filhos de
Deus” e incluir os não cristãos nessa declaração. Não, se
você é não cristão, é um filho do diabo.

Não há nenhuma maneira de Paulo concordar com a


declaração de Arato. Se Arato está se referindo à criação ou
relacionamento, está falando de Zeus, e Zeus não é nada
parecido com o Deus da Bíblia. É muita tolice admitir que
Arato esteja falando de Zeus e então afirmar que o uso
paulino da citação implica concordância com o cristianismo.
Não podemos simplesmente aplicar ao Deus cristão uma
declaração que é destinada a Zeus, pois o “dele” em
“Também somos descendência dele” tem um significado
definido, a declaração significando “Também somos
descendência [de Zeus]”. Podemos aplicar isso ao Deus
cristão? Claro que não, mas trata-se do que Arato quer dizer
com “Também somos descendência dele”; de modo que em
sua mente, “Também somos descendência dele” equivale a
“Também somos descendência [de Zeus]”.

Quando aparece dentro de dado contexto, uma palavra


como “dele” tem sempre um referente definido, e não
podemos tratá-la como se não tivesse significado ou como
se fosse uma palavra completamente flexível. Não nos cabe
tomar “dele” da declaração de outra pessoa e substituir por
qualquer referente que desejamos. Fazer isso seria
transformá-la numa declaração completamente diferente.
Se por “Também somos descendência dele” Arato quer dizer
“Também somos descendência de Zeus”, quando dizemos
“Também somos descendência dele”, mas queremos dizer
“Também somos descendência de Jeová (do Deus cristão)”,
estamos dizendo algo completamente diferente, pois
“Também somos descendência de Zeus” é obviamente
diferente de “Também somos descendência de Jeová”. Paulo
afirmaria que todos os seres humanos são descendência do
Deus cristão no sentido de serem todos suas criaturas, mas
neste caso Arato não iria concordar. Entender isso deveria
ser fácil, não fosse a avidez de tantos em mostrar que Paulo
cita autoridades pagãs com aprovação, quando na verdade
ele as cita tendo em mente um propósito diferente.

Para compreender a intenção de Paulo, precisamos ver


como ele usa a citação de Arato. Então, passemos ao
versículo 29: “Assim, visto que somos descendência de
Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante a
uma escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e
imaginação do homem”. Se somos descendência de Deus
(Zeus ou algum outro deus), como Deus poderia ser algo
inferior a nós, ou mesmo representado por algo inferior a
nós? Se Deus é algo inferior a nós, ou representado por algo
inferior a nós, como poderíamos ser descendência dele, ou
como o próprio Deus poderia ser algo superior a nós? Qual é
o caso? Não se pode afirmar ambas as coisas.

Paulo cita uma ideia que muitos deles afirmam para poder
contradizer outra ideia que muitos deles também afirmam.
Logo, a melhor explicação para a citação é que Paulo não
está usando Arato para apoiar a visão cristã da natureza de
Deus, mas usando Arato para refutar a visão ateniense da
natureza de Deus. Assim, Paulo derrota a religião popular
grega sobre esse ponto por um argumentum ad hominem,
que neste contexto quer dizer “um argumento que prova
uma conclusão a partir dos princípios ou práticas do próprio
oponente, frequentemente mostrando que são contrários ao
65
argumento dele”.

A paráfrase solta de Eugene Peterson dos versículos 28 e 29


é útil, pois deixa evidente o argumento ad hominem: “Um
de seus poetas disse bem: ‘Somos aqueles criados por
Deus’. Bem, se somos aqueles criados por Deus, não faz
muito sentido pensar que poderíamos contratar um escultor
para esculpir na pedra um deus para nós, não é mesmo?”
(Peterson, The Message). Recorde que o primeiro caso de
“criados por Deus” nesta paráfrase quer dizer “criados por
Zeus” e não tem, portanto, nenhuma concordância com o
cristianismo. No entanto, o segundo caso pode se referir a
um conceito geral de divindade, pois é disso que Paulo está
falando ― a natureza de Deus. Seria menos enganoso se a
paráfrase dissesse:

Um de vossos poetas disse: “Somos aqueles criados por


Zeus”. Mas se somos aqueles criados por “Deus”, é
autocontraditório pensar que o ser divino, a natureza
divina, consiste ou é representado por uma imagem de
ouro, prata ou pedra.

Isto é, “Embora reivindiquem ser criaturas de ‘Deus’, vocês


ao mesmo tempo pensam que o ser divino pode ser
representado por uma imagem feita de ouro ou pedra, e
assim se contradizem, e sua religião se autodestrói”.

A argumentação bíblica expõe as contradições internas das


religiões e filosofias não cristãs. Em primeiro lugar, o
intelecto humano é finito, e é impossível a sabedoria
humana construir sozinha uma cosmovisão verdadeira,
abrangente e coerente. A pecaminosidade humana afeta de
forma severa a mente e traz opressão à finitude intelectual
do homem, de modo que é impossível ao homem o
conhecimento da verdade sobre Deus e sua criação à parte
da revelação especial, as palavras da Bíblia. As religiões e
filosofias não cristãs, no entanto, são tentativas de entender
a natureza da realidade e suas implicações sem a revelação
divina do único Deus verdadeiro. Logo, todas as religiões e
filosofias não cristãs estão fadadas ao fracasso.

O conhecimento de Deus é inescapável porque é inato na


mente e evidente na criação, e por isso as religiões e
filosofias não cristãs invariavelmente furtam pressuposições
cristãs, que fazem perfeito sentido dentro da estrutura
bíblica, mas geram contradições quando forçadas dentro de
sistemas não bíblicos. Os não cristãos dependem desses
princípios bíblicos para ancorar algumas de suas crenças
mais caras, e por isso torcem e deturpam esses princípios
para ajustá-los dentro de seus sistemas. Mas esses
princípios bíblicos continuam sendo incompatíveis com as
ideias não bíblicas, e assim restará sempre alguma
contradição nas cosmovisões não cristãs.
v. 30a

Então, o versículo 30 diz: “No passado Deus não levou em


conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em
todo lugar, se arrependam”. Este versículo traz implicações
importantes para a história e filosofia da religião, para o
status intelectual dos sistemas não cristãos, para a base da
ética e para o domínio moral exclusivo e universal do
cristianismo. Não podemos discutir essas coisas em
detalhes e, de fato, antes de começar a falar sobre
quaisquer delas, precisamos explicar a primeira parte do
versículo para evitarmos alguns mal-entendidos grosseiros.

Comentaristas não hesitam em apontar que é enganoso


traduzir como “fechou os olhos para” (KJV) o que é
traduzido como “não levou em conta” na NVI, pois “fechou
os olhos para” pode implicar aprovação ou pelo menos
indiferença. Embora “não levou em conta” seja uma
tradução melhor, ela ainda está sujeita a erros de
interpretação, e parece que bem poucos comentaristas
conseguem afirmar com precisão em que sentido Deus
“fechou os olhos para” a ignorância dos gentios. Contudo,
não precisamos ser agnósticos sobre o significado do
versículo, pois há passagens relevantes e paralelas nos
escritos e sermões de Paulo que esclarecem o que ele quer
dizer no versículo 30. Estas passagens incluem Romanos
1.21-32 e Atos 14.15-17.

Em primeiro lugar, devemos ler Romanos 1.21-32 para


estabelecer várias coisas que nos ajudarão a compreender o
significado de Atos 14.15-17 e Atos 17.30:

…porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram


como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus
pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato
deles obscureceu-se. Dizendo-se sábios, tornaram-se
loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens
feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem
como de pássaros, quadrúpedes e répteis.

Por isso Deus os entregou à impureza sexual, segundo


os desejos pecaminosos do seu coração, para a
degradação do seu corpo entre si. Trocaram a verdade
de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e
seres criados, em lugar do Criador, que é bendito para
sempre. Amém.

Por causa disso Deus os entregou a paixões


vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações
sexuais naturais por outras, contrárias à natureza. Da
mesma forma, os homens também abandonaram as
relações naturais com as mulheres e se inflamaram de
paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos
indecentes, homens com homens, e receberam em si
mesmos o castigo merecido pela sua perversão.

Além do mais, visto que desprezaram o conhecimento


de Deus, ele os entregou a uma disposição mental
reprovável, para praticarem o que não deviam.
Tornaram-se cheios de toda sorte de injustiça, maldade,
ganância e depravação. Estão cheios de inveja,
homicídio, rivalidades, engano e malícia. São
bisbilhoteiros, caluniadores, inimigos de Deus,
insolentes, arrogantes e presunçosos; inventam
maneiras de praticar o mal; desobedecem a seus pais;
são insensatos, desleais, sem amor pela família,
implacáveis. Embora conheçam o justo decreto de Deus,
de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a
morte, não somente continuam a praticá-las, mas
também aprovam aqueles que as praticam.
Já mencionamos a relevância de Romanos 1 e Atos 17 ― as
duas passagens lidam com as crenças pagãs, e em ambas
Paulo é consistente na sua teologia e abordagem para essas
crenças pagãs. Aqui em Romanos 1, Paulo diz que como as
pessoas deixaram de reconhecer o Deus verdadeiro, e
adoraram, em vez disso, falsos deuses, Deus “os entregou”
a toda sorte de crenças destrutivas, atitudes profanas e
práticas vis. Ficamos assim sabendo que quando Paulo diz
que “No passado Deus não levou em conta essa ignorância”
(Atos 17.30), Paulo não poderia estar dizendo que Deus
aprovava ou era indiferente com as religiões pagãs. Ao
contrário, parece que em certo sentido Deus estava
julgando e punindo os não cristãos o tempo todo.

Deus estende sua graça sobre uma nação quando a chama


ao arrependimento por meio da proclamação verbal e
julgamentos temporais. Embora a história bíblica registre
várias ocasiões em que Deus lidou energicamente com a
nação de Israel, de modo geral ele não lidou com as nações
gentílicas nos mesmos termos explícitos. Não faça confusão
acerca disso ― Deus lidou com as nações pagãs em sua
idolatria e suas práticas pecaminosas; até mesmo converteu
alguns gentios e exigiu que abandonassem seus ídolos e
fizessem uma profissão de fé. Mas Deus jamais lidou com
eles da mesma forma que lidou com Israel, enviando
profetas e fazendo milagres, muitos castigos e vários exílios
para conter seus corações maus e trazê-los de volta à
religião correta.

A título de exemplo, seguem algumas passagens de


Jeremias que ilustram a política de Deus para Israel:

“Desde a época em que os seus antepassados saíram


do Egito até o dia de hoje, eu lhes enviei os meus
servos, os profetas, dia após dia…” (7.25)

“Porque eles não deram atenção às minhas palavras”,


declara o SENHOR, “palavras que lhes enviei pelos
meus servos, os profetas. E vocês também não deram
atenção!”, diz o SENHOR… (29.19)

“Voltaram as costas para mim e não o rosto; embora eu


os tenha ensinado vez após vez, não quiseram ouvir-me
nem aceitaram a correção…” (32.33)

“Enviei a vocês, repetidas vezes, todos os meus servos,


os profetas. Eles lhes diziam que cada um de vocês
deveria converter-se da sua má conduta, corrigir as
suas ações e deixar de seguir outros deuses para
prestar-lhes culto. Assim, vocês habitariam na terra que
dei a vocês e a seus antepassados. Mas vocês não me
deram atenção nem me obedeceram” (35.15)

O próprio Jesus focava os judeus quando esteve na Terra e


disse aos discípulos para fazerem o mesmo: “Ele respondeu:
‘Eu fui enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel’”
(Mateus 15.24); “Jesus enviou os doze com as seguintes
instruções: ‘Não se dirijam aos gentios nem entrem em
cidade alguma dos samaritanos. Antes, dirijam-se às
ovelhas perdidas de Israel’” (Mateus 10.5-6).

Deus tinha decidido lidar com o mundo assim até a


ascensão de Cristo e o derramamento do Espírito Santo.
Antes de ascender ao céu, Cristo deixou instruções no
sentido de que o cristianismo deveria ser uma fé global, e
por isso seus discípulos deveriam se esforçar em
evangelismo e missões mundiais: “Mas receberão poder
quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas
testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e
até os confins da terra” (Atos 1.8, também Mateus 28.18-
20).

Com isso em mente, dificilmente precisaremos de Atos


14.15-17 para entender Atos 17.30, mas a passagem ainda
assim é útil, pois veremos que ela corresponde à explicação
acima:

Homens, por que vocês estão fazendo isso? Nós


também somos humanos como vocês. Estamos
trazendo boas novas para vocês, dizendo-lhes que se
afastem dessas coisas vãs e se voltem para o Deus vivo,
que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há. No
passado ele permitiu que todas as nações seguissem os
seus próprios caminhos. Contudo, Deus não ficou sem
testemunho: mostrou sua bondade, dando-lhes chuva
do céu e colheitas no tempo certo, concedendo-lhes
sustento com fartura e um coração cheio de alegria.

Na comparação com o modo como havia lidado com os


judeus, Deus em certo sentido “permitiu que todas as
nações seguissem os seus próprios caminhos” até o
Pentecostes. Mas o versículo seguinte diz que “Deus não
ficou sem testemunho”; assim, não é que Deus ignorasse os
gentios; apenas que até aquele momento Deus teve uma
política diferente para eles. Essa diferença de política
envolve a relativa escassez de revelação verbal entre os
gentios e menos atos espetaculares de providência divina
entre eles. Reiterando, Deus “não ficou sem testemunho”, e
de fato, através de seus profetas, deu aos gentios alguma
revelação verbal sobre si mesmo e lhes mostrou alguns atos
de providência especial ― embora tenha testificado sobre si
mesmo principalmente através da providência geral, de
modo que até mesmo a alegria, talvez a alegria da colheita,
era um testemunho do Deus cristão.
Como mostra Romanos 1 e outras passagens, embora a
sabedoria humana não possa chegar a um conhecimento de
Deus e da salvação a partir da revelação geral, a
providência geral, em si mesma, é suficiente para tornar os
homens culpados por sua ignorância sobre Deus e sua
rebelião contra ele. Portanto, ninguém deve entender que
Deus “não levou em conta” a rebelião pecaminosa dos
gentios como se nenhum gentio fosse para o inferno até
chegar o Pentecostes!

As Escrituras são claras em que todos os não cristãos são


condenados ao inferno. Até os judeus sob o Antigo Pacto
devem professar Cristo explicitamente para serem salvos,
não obstante lhes faltar muitos dos detalhes que cercam a
vida e o ministério de Cristo. Jesus não introduziu o
“evangelho” como se ninguém soubesse acerca dele antes
do seu ministério. Gálatas 3.8 diz que o próprio Deus
“anunciou primeiro as boas novas a Abraão”, dizendo-lhe
abertamente que “Deus justificaria os gentios pela fé”.
Moisés disse ao seu povo: “O SENHOR, o seu Deus,
levantará do meio de seus próprios irmãos um profeta como
eu; ouçam-no” (Deuteronômio 18.15). Hebreus 11.26 diz
que Moisés sofreu desgraça “por amor de Cristo”, não por
uma personalidade ou princípio indefinido. Muito antes de
Moisés, e imediatamente após Adão e Eva terem pecado,
Deus anunciou que a salvação viria por meio de Cristo:
“Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua
descendência e o descendente dela; este lhe ferirá a
cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar” (Gênesis 3.15).
Reconhecemos que o evangelho não seria plenamente
revelado até o tempo de Cristo e dos apóstolos, mas
permanece que o povo de Deus tinha um conhecimento
considerável dele o tempo todo.

De fato, no início 1 Pedro 1.10-11 sugere que a principal


área de ignorância limitava-se e dizia respeito ao “tempo e
[às] circunstâncias” daquilo que os profetas predisseram. O
versículo 11 diz que ao menos eles sabiam sobre “os
sofrimentos de Cristo e as glórias que se seguiriam”. E o
versículo 12 diz que até mesmo a ignorância inicial sobre “o
tempo e as circunstâncias” foi removida quando os profetas
indagaram acerca disso (v. 10). Logo, eles certamente
tinham conhecimento mais do que suficiente para serem
salvos por meio de Cristo, e por esta perspectiva não há
nenhuma razão para não os chamarmos de “cristãos”.
Como a fé em Cristo foi sempre a única forma de salvação,
e como até mesmo os crentes do Antigo Testamento foram
salvos pela fé em Cristo somente, podemos dizer sem
reservas que, em toda a história, somente os “cristãos”
foram salvos, e que todas as pessoas não cristãs falecidas
estão agora no inferno. Com mais força e clareza, as
Escrituras agora declaram que somente os cristãos serão
salvos e que todos os não cristãos sofrerão tormento
infindável no inferno. À parte de uma profissão de fé
explícita em Cristo, não há esperança para ninguém; ele é a
única saída de uma tortura extrema e infindável na vida
após a morte.

Isso nos leva à segunda parte de Atos 17.30. O versículo


diz: “No passado Deus não levou em conta essa ignorância,
mas agora ordena que todos, em todo lugar, se
arrependam”. No passado, os atos salvíficos de Deus eram
dirigidos principalmente aos judeus, 66 e nesse sentido, “não
lev[aram] em conta” a ignorância dos gentios, mas agora
Deus ordena que todos, em todo lugar, se arrependam, o
que significa que a autoridade e bênção do evangelho
transcendem todas as fronteiras étnicas, culturais e
geográficas. Positivamente, significa que Deus está
colocando seus eleitos entre todos os tipos de grupos de
pessoas e que o poder salvífico do evangelho está se
estendendo a toda a terra. Negativamente, como a
revelação verbal de Deus está agora se estendendo a toda a
terra, a ira de Deus é multiplicada e derramada sobre todos
os tipos de pessoas que desprezam o evangelho.
v. 30b

Paulo começa o seu discurso ressaltando a ignorância dos


atenienses e o próprio conhecimento e autoridade dele (v.
23); de imediato, ao final do discurso, enfatiza mais uma
vez a ignorância deles e, de uma posição de conhecimento
e autoridade, anuncia a ordem de Deus para que todos se
arrependam e creiam em Cristo (v. 30). Como mencionado,
para muitos comentaristas Paulo estaria elogiando os
atenienses pelo conhecimento que já tinham alcançado se
apenas permitissem ele fornecer o pouco que ainda lhes
faltava. Mas quando Paulo resume o seu discurso dizendo
que suas religiões e filosofias são exemplos de ignorância
(v. 30), fica ainda mais evidente que a intenção do discurso
(v. 22-29) é contrastar a ignorância deles com o
conhecimento dele, a futilidade da filosofia pagã com a
excelência da filosofia bíblica. Paulo não diz admirar a
competência filosófica dos atenienses, apenas desejando
que avancem um pouco mais e afirmem a cosmovisão
bíblica. Em vez disso, Paulo diz que os atenienses são
pessoas ignorantes, não sabem do que estão falando, que
ele é o único com a resposta e que eles devem agora se
afastar dos seus ídolos e, no lugar, adorar o Deus dele.

Repare a urgência, autoridade e universalidade da


declaração de Paulo ― “mas agora ordena que todos, em
todo lugar, se arrependam” ― agora… ordena… todos…
todo lugar… arrependam! Ninguém está excluído dessa
obrigação moral; ninguém é aceitável à parte do
arrependimento e da fé em Cristo. Não cristãos querem
fazer você pensar que isso é muito mesquinho, arrogante e
insensível. Como você se atreve a dizer que só você está
certo e todo mundo errado? Mas quando dizem isso, eles
estão afirmando uma visão exclusiva tanto como nós. Estão
dizendo que todos que não pensam como eles estão
errados, assim como nós dizemos que todos que não
pensam como nós estão errados. A diferença é que
reconhecemos isso, mas eles agem igual e nos mentem
sobre isso. Toda proposição necessariamente exclui as
proposições que lhe são contraditórias; logo, quem diz
alguma coisa está em certo sentido afirmando uma
proposição exclusiva. A questão é qual das reivindicações
exclusivas é correta, e não se devemos fazer reivindicações
exclusivas.

Dizer que estamos errados, ou sermos chamados de


arrogantes porque afirmamos que somente a cosmovisão
bíblica é verdadeira, é argumentação circular, pois se o que
estamos dizendo é realmente verdade, não estamos errados
nem somos arrogantes. Mas precisamos ser tão
confrontadores quando discutimos essas coisas? Não
podemos dar aos não cristãos um lugar onde ficar?
Precisamos envergonhá-los e contradizê-los em cada ponto?
Essas perguntas, mais uma vez, são argumentações
circulares. Se a cosmovisão bíblica é exclusivamente
verdadeira e se o que estamos usando é a abordagem
bíblica, nossa abordagem está correta. Os não cristãos
devem parar de se esconder atrás de questões superficiais,
como sentimentos de mágoa e convenções sociais, e
responder as questões últimas. Pela perspectiva bíblica, o
cristão não está confrontando o não cristão com base em
suas próprias credenciais humanas, mas com base na
revelação divina. Ele é o meio pelo qual Deus diz ao não
cristão: “Prepare-se como simples homem; vou fazer-lhe
perguntas, e você me responderá” (Jó 38.3).

Se você é não cristão, todas as suas crenças estão erradas


― todas. Você está errado, e eu estou certo. Mas só estou
certo porque acredito no que as Escrituras me ensinam, e só
estarei certo enquanto afirmar o que as Escrituras ensinam.
As palavras das Escrituras são as próprias palavras de Deus;
e como falo a você com base nas Escrituras, estou,
portanto, falando a você pela autoridade de Deus. Esse
Deus é o único Deus ― não há outro Deus. O cristianismo é
sua única revelação ― não há outra revelação. E agora esse
único Deus, que se revelou apenas através da fé cristã,
ordena que você se arrependa e creia no evangelho. Porque
deu esta ordem, Deus impôs sobre você a obrigação moral
de se arrepender e crer. Porque ele impôs sobre você a
obrigação moral de se arrepender e crer, se não fizer isso
você se tornará culpado de rebeldia explícita contra essa
ordem, em adição aos muitos outros pecados pelos quais
você é culpado perante Deus.

Crer em Cristo leva à salvação; não crer em Cristo leva à


destruição. Como, porém, sua crença nem mesmo cabe a
você, visto que a fé é um dom de Deus, cabe a Deus
conceder-lhe ou não esse dom. Mas não há outro caminho
― o ateísmo condenará você para sempre, o agnosticismo é
uma farsa condenável e o islamismo e o budismo não
podem salvá-lo. Somente Deus pode salvá-lo, concedendo-
lhe fé no evangelho cristão, e você está totalmente à mercê
de Deus. Se você realmente compreender o seu estado
miserável e sinceramente clamar a Deus por misericórdia e
salvação através de Cristo, saberá que Deus já o escolheu e
regenerou; do contrário, sua vida presente será uma
existência sem o menor sentido e sua vida no porvir será
um sofrimento infindável no inferno.

Por outro lado, se você é cristão, você está certo e os não


cristãos estão errados ― todos eles. O quadro acima resume
o evangelho que você deve pregar. Muitos crentes
alegadamente afirmam a exclusividade do cristianismo, mas
quando o cristianismo é afirmado em termos assim tão
explícitos, são relutantes em se identificar com ele. Mas se
você se considera cristão, está dizendo que acredita na
mensagem do evangelho acima, e é essa mensagem que
você deve professar e pregar aos crentes e descrentes.
Talvez você tenha sido doutrinado com ideias não cristãs de
como a sociedade civilizada deve funcionar, que nós
devemos “tolerar” as crenças das outras pessoas, que não
devemos alegar que estamos certos e dizer que todos que
discordam estão errados, e que não devemos argumentar
contra as crenças alheias. Mas os não cristãos divulgam
esses princípios para neutralizar a influência do cristianismo
e evitar uma confrontação com a verdade da Bíblia. Não se
deixe enganar por eles.

Se você se considera cristão, deve pregar um evangelho


explicitamente exclusivo ― um evangelho que ofende os
não eleitos. Mas se até você é ofendido por ele, qual é o
evangelho que você professa? E qual é o evangelho que
você prega? Jesus diz: “Aquele que não está comigo, está
contra mim; e aquele que comigo não ajunta, espalha”
(Mateus 12.30). Não existe posição neutra ― ou você é
amigo de Cristo ou é inimigo de Cristo. Se você se considera
amigo de Cristo, ele o comissionou a “levar-lhe cativo todo
pensamento” e “torná-lo obediente a Cristo” (2 Coríntios
10.5, NIV). Isso significa que você não deve deixar o não
cristão escapar impune com qualquer coisa que ele tenha
contra Cristo; é uma declaração de guerra contra cada
detalhe do pensamento não cristão. Você é por Cristo ou
contra Cristo? Se você é por Cristo, é contra o mundo e tem
o dever de tomar todo pensamento não cristão e surrá-lo
até a morte sangrenta na frente de todos.

Um ponto sobre ética nos dará uma introdução adequada ao


versículo seguinte. O versículo 30 diz: “… mas agora ordena
que todos, em todo lugar, se arrependam”. A ética cristã se
baseia em ordens divinas, de modo que algo é moralmente
bom porque Deus ordena e algo é moralmente mau porque
Deus proíbe. Por exemplo, Adão e Eva comerem da árvore
proibida era um mal moral não porque o ato de comer a
fruta de uma árvore, ou mesmo comer dessa árvore, fosse
algo inerentemente mau; era um mal moral porque Deus
verbalmente os proibiu de comerem dessa árvore em
particular.

A obrigação moral está baseada na ordem divina e é gerada


por ela. Logo, quando Paulo diz que Deus ordena que todos,
em todo lugar, se arrependam, significa que Deus impôs
uma obrigação moral sobre todos os seres humanos, para
que se arrependam. Isso é mais do que uma sugestão ou
convite; deixar de obedecer constitui pecado. Como a
ordem é universal, a obrigação moral também é universal. A
capacidade de cumprir essa obrigação moral, contudo, não
é necessariamente universal.

A suposição de que a obrigação moral implica capacidade


moral é falsa. Obrigação moral implica apenas a emissão
prévia de uma ordem divina e o compromisso divino de
fazer cumprir essa ordem por recompensa e punição. Se
aquele sobre quem recai a obrigação moral tem capacidade
de cumprir ou não essa obrigação moral, é outra questão.
De fato, a Bíblia ensina que ninguém pode ser justificado
pela obediência à lei, pois ninguém tem a capacidade de
obedecer à lei; não obstante, a obrigação moral está aí, e a
menos que Deus escolha salvar, todos estão debaixo de
condenação por causa da lei. A capacidade de se
arrepender e crer vem como resultado da graça soberana
de Deus em regenerar o pecador, dando-lhe a capacidade
moral que antes ele não tinha.
v. 31

Prosseguindo para o versículo 31, Paulo diz que Deus


realmente fará cumprir suas ordens morais a todos os seres
humanos: “Pois estabeleceu um dia em que há de julgar o
mundo com justiça, por meio do homem que designou”.
Claro, a ordem de Deus para que se arrependam assume a
prévia desobediência dos homens às demais ordens morais
de Deus; assim, eles já estão debaixo da condenação, e o
único modo de escaparem da ira de Deus é obedecerem a
essa ordem de se arrepender. Os que não se arrependem
enfrentarão o julgamento divino e a condenação eterna.

Paulo anuncia o julgamento divino aos não cristãos com


base na ressurreição de Cristo: “Pois estabeleceu um dia em
que há de julgar o mundo com justiça, por meio do homem
que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o
dentre os mortos” (v. 31). A palavra “disso” refere-se ao
julgamento e “ele” (oculto), a Deus. Parafraseando, “Deus
estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo por Jesus
Cristo. E Deus deu provas de que há de julgar o mundo, e
que há de fazê-lo por Jesus Cristo, ressuscitando-o dentre os
mortos”. A ressurreição de Cristo é uma prova de que Deus
há de julgar o mundo, e há de fazê-lo por Jesus Cristo.

Contudo, os atenienses negavam que a ressurreição fosse


algo possível; eles sequer acreditavam em imortalidade, e
certamente não acreditavam na imortalidade pessoal
segundo a cosmovisão bíblica. A mitologia grega conta que,
quando Atena fundou o Areópago, Apolo declarou: “Quando
um homem morre e a terra bebe de uma só vez seu sangue,
não há ressurreição”. Ora, para tornarem-se cristãos, esses
atenienses teriam de afirmar a ressurreição de Cristo, o que
significa que teriam de se afastar de sua religião e rejeitar a
declaração de Apolo. Conversão e, por sua vez, salvação,
implica mais que uma aceitação das proposições cristãs;
implica também uma rejeição das proposições não cristãs.

Você consegue ver que o conflito de Paulo com os


atenienses não era sobre alguma divergência superficial?
Consegue ver que se Paulo estava correto, os atenienses
jamais estiveram “no caminho certo”? Como, em suas
crenças, as religiões e filosofias não cristãs contemporâneas
não estão nem um pouco mais próximas do cristianismo que
as crenças dos atenienses estavam das crenças de Paulo, as
divergências entre a cosmovisão cristã e todas as
cosmovisões não cristãs são pelo menos igualmente
grandes hoje.

Os atenienses e filósofos negam a doutrina do julgamento


divino. Como Paulo aborda isso? A abordagem do “terreno
comum” argumentaria com os não cristãos sobre algo em
que discordam com base em algo em que concordam. Mas
Paulo rejeita essa abordagem. Em vez disso ele argumenta
sobre algo em que discordam (o julgamento) com base em
algo em que também discordam (a ressurreição)! Como em
todas as etapas anteriores em seu discurso, Paulo segue
enfatizando a ignorância deles, anunciando-lhes a sua
própria filosofia de uma posição de conhecimento e
autoridade. Paulo jamais admite que os atenienses estão
corretos sobre alguma coisa, ou que estão “no caminho
certo”, como diz Sanders.

Agora, há de falto alguns não cristãos que acreditam, com


base em argumentos empíricos, que Jesus levantou dos
mortos; eles não podem negar a confiabilidade histórica do
testemunho bíblico mesmo sobre bases empíricas. Contudo,
isso não os faz cristãos, pois eles negam a interpretação ou
importância que os mesmos documentos bíblicos atribuem
à ressurreição de Cristo. Isso é mais um exemplo da
fraqueza inerente das provas empíricas. Os cristãos,
portanto, jamais devem falar como se sua autoridade última
fosse suas próprias sensações, quando na verdade sua
autoridade última é a Escritura, a revelação divina. A partir
dessa revelação temos conhecimento tanto da ressurreição
de Cristo como do significado dela. As pessoas que
discordam devem refutar a afirmação sobre este nível
pressuposicional.

Contudo, permanece que a maioria dos não cristãos não


acredita que Deus levantou Jesus dos mortos porque a
ressurreição dos mortos é, para eles, uma impossibilidade.
Mas como diz Paulo, “Por que os senhores acham impossível
que Deus ressuscite os mortos?” (Atos 26.8). A ressurreição
não apresenta nenhum problema dentro da estrutura
bíblica. Logo, se você rejeita a ressurreição de Cristo, deve
estar falando de dentro de outra estrutura intelectual. Mas
se você não está falando de dentro da estrutura bíblica, por
qual autoridade ou princípio declara que a ressurreição é
uma impossibilidade?

De acordo com quem, a ressurreição é impossível? De


acordo com você? Então você é o padrão último para o que
é possível e o que é impossível? Se não é isso o que você
alega, por que eu deveria aceitar o que você diz, se o meu
padrão último, a Bíblia, diz que você é estúpido e insano?
Você pode refutar a Bíblia? E, a menos que você possa
justificar o que diz com base em sua própria autoridade, por
que eu deveria aceitá-lo como a autoridade última?

A ressurreição é impossível de acordo com a ciência? Ainda


que a ciência seja confiável, como ela pode mostrar que a
ressurreição é impossível? Você poderia talvez dizer que a
ciência ao menos mostra que a ressurreição é improvável,
mas improvável em relação a quê? Improvável de acordo
com Deus? Se Deus decide levantar alguém dos mortos, a
pessoa de fato levantará dos mortos; seria impossível ela
não levantar dos mortos. Mas por que a ciência seria o
padrão, em primeiro lugar? Ainda que às vezes a ciência
possa produzir ou predizer certos resultados, tomar o
sucesso prático de uma teoria para argumentar pela visão
de realidade assumida pela teoria é cometer a falácia de
afirmação do consequente.

Se você mede a verdade a partir de algum outro padrão,


deve fornecer uma justificativa para esse padrão. E se você
não pode destruir o meu direito de sustentar a estrutura
bíblica, como pode desafiar minha crença na ressurreição?
Essa mesma estrutura intelectual que você não consegue
destruir me informa da historicidade e importância da
ressurreição de Cristo. Se você não pode destruir a minha
estrutura, não pode destruir minha crença na ressurreição.
Muitas pessoas dizem rejeitar a Bíblia porque ela conteria
mitos e fábulas, e frequentemente apontam aos milagres
nela registrados. Mas isso pressupõe, sem base em
qualquer argumento, que a Bíblia é falsa. Se a Bíblia é
verdadeira, os milagres não são mitos e fábulas (2 Pedro
1.16). A menos que possa destruir o meu princípio primeiro,
é um argumento circular você rejeitar o meu princípio
primeiro quando nega, usando o seu próprio princípio
primeiro, as minhas alegações subsidiárias.

Os cristãos devem ficar atentos e ser cautelosos para não


se deixar enredar por suposições não cristãs populares, mas
irracionais, tornando sua defesa da fé uma tarefa
desnecessariamente penosa e complicada. Por exemplo, a
ideia de que os métodos empíricos e científicos são formas
confiáveis de obter conhecimento sobre a realidade é uma
suposição tola, mas teimosa, entre cristãos e não cristãos.
Qualquer que seja sua própria opinião sobre o empirismo e
a ciência, o cristão não deve permitir que essas coisas se
tornem a sua autoridade última, uma vez que por definição
a autoridade última do cristão é a revelação bíblica. Mas,
realmente, devemos negar que o empirismo e a ciência
podem obter algum conhecimento da realidade, de forma
que nem mesmo podem se tornar métodos secundários em
nossa cosmovisão.

Qualquer cristão que admita algum grau de confiança no


empirismo e na ciência para o conhecimento da realidade
fará isso por razões erradas. Para ilustrar, o filósofo cristão
Ronald Nash escreve:

[…] muito do conteúdo da Bíblia depende da


experiência e do testemunho humano. Se os sentidos
forem completamente não-confiáveis, então não
poderemos confiar nos relatos de testemunhas que
dizem, por exemplo, que ouviram Jesus ensinar, ou que
o viram morrer, ou que o viram ressurrecto três dias
depois da sua crucificação. Se não houver nenhum
testemunho sensorial da ressurreição de Jesus, então a
verdade da fé cristã fica exposta a sério desafio. 67

Tolice. Ele diz: “muito do conteúdo da Bíblia depende da


experiência e do testemunho humano”. Isso é mentira. Nem
uma só proposição na Bíblia depende da experiência e do
testemunho humano. Antes, todo o conteúdo da Bíblia
depende da inspiração divina, o que inclui às vezes um
registro e uma interpretação divinamente inspirada do autor
sobre a experiência e o testemunho humano. Temos aqui
uma visão segundo a qual os autores bíblicos precisam
depender da experiência e do testemunho humano quando
escrevem, pelo menos para obter algo do conteúdo; a outra
visão diz que eles dependem apenas da inspiração divina,
inclusive quando escrevem sobre a experiência e o
testemunho humano. Há uma grande diferença entre as
duas. Os não cristãos creem na primeira, mas os cristãos,
na segunda.
Ele continua: “Se os sentidos forem completamente não-
confiáveis, então não poderemos confiar nos relatos de
testemunhas que dizem, por exemplo, que ouviram Jesus
ensinar, ou que o viram morrer, ou que o viram ressurrecto
três dias depois da sua crucificação”. Isso também é falso.

A menos que os sentidos sejam completamente confiáveis,


não há nenhuma maneira de saber pela sensação até que
ponto nossos sentidos são confiáveis. Mas se os sentidos de
forma alguma são confiáveis, não podemos nem mesmo
saber pela sensação que eles de forma alguma são
confiáveis, pois do contrário isso significaria que podemos
de fato verificar pela sensação que toda sensação é falsa ―
e estaríamos obtendo assim algo correto pela sensação, o
que contradiria a noção que os nossos sentidos de forma
alguma são confiáveis. Alguém poderia dizer que, pelo
menos às vezes, os sentidos não são confiáveis; mas então,
novamente, não haveria nenhuma maneira de julgar pela
sensação até que ponto os sentidos são confiáveis, ou se
são confiáveis num caso particular.

A verdade é que não podemos saber pela sensação qual


sensação está correta e qual está incorreta, ou o grau de
confiabilidade da sensação. Portanto, qualquer grau de
dependência do empirismo em um dado assunto resulta em
completo agnosticismo sobre esse assunto. Isto é diferente
de um mero envolvimento da sensação, como no
testemunho infalível das Escrituras sobre as observações
empíricas de algumas pessoas. A dependência das
Escrituras é da inspiração, com dependência zero da
sensação. Se Deus assim o quisesse, qualquer passagem
bíblica escrita sobre a observação empírica de uma pessoa
poderia, de fato, ter sido escrita sem nenhum envolvimento
da observação empírica.
Por exemplo, o primeiro capítulo de Gênesis foi escrito sem
qualquer dependência ou envolvimento da observação
empírica pelo autor de Gênesis, mas não é menos
verdadeiro. O mesmo poderia ter acontecido com todas as
passagens bíblicas sobre a ressurreição de Cristo, se Deus
assim tivesse desejado. Portanto, nem uma só passagem
bíblica realmente depende da experiência e do testemunho
humano, embora o conteúdo de algumas passagens bíblicas
de fato envolva experiência e testemunho humano, sem
depender deles.

Se os sentidos são menos que infalíveis, precisamos de uma


autoridade ou padrão infalível não sensorial para julgar
todos os casos de sensação para obtermos alguma
informação confiável a partir delas. Mas quando aceitamos
um caso de sensação como sendo preciso por causa do
testemunho dessa autoridade ou padrão infalível não
sensorial, estamos na verdade aceitando o testemunho
dessa autoridade ou padrão não sensorial, não o
testemunho da sensação. A Bíblia inclui testemunhos
infalíveis sobre o que algumas pessoas perceberam pelos
sentidos, e aceitamos que nesses casos as pessoas
sentiram o que pensaram ter sentido porque aceitamos o
testemunho da Bíblia sobre as sensações delas, não porque
aceitamos o testemunho das sensações delas. Essas
pessoas poderiam estar erradas em todos os outros casos.
Nash omite completamente essa distinção óbvia e
necessária.

Finalmente, ele diz: “Se não houver nenhum testemunho


sensorial da ressurreição de Jesus, então a verdade da fé
cristã fica exposta a sério desafio”. Mas por que “a verdade
da fé cristã” precisa depender do “testemunho sensorial”?
De onde vem essa alegação e como ela é justificada? É
claro que existem testemunhos sensoriais da ressurreição
de Jesus, mas não temos contato direto com eles. Mesmo se
tivéssemos, isso não ajudaria muito, pois não somos
apóstolos e, portanto, nossa opinião sobre esses
testemunhos não seria infalível. No entanto, temos contato
direto com os testemunhos apostólicos infalíveis sobre
esses testemunhos sensoriais e os testemunhos infalíveis
dos apóstolos sobre o que eles próprios viram.

Para nos certificarmos de que entendemos o ponto de Nash,


combinamos a segunda e a terceira parte de seu parágrafo:
“Se os sentidos forem completamente não-confiáveis, então
não poderemos confiar nos relatos de testemunhas que
dizem, por exemplo, que… o viram ressurrecto três dias
depois da sua crucificação. Se não houver nenhum
testemunho sensorial da ressurreição de Jesus, então a
verdade da fé cristã fica exposta a sério desafio”. Mais uma
vez, isso mostra que ele omite algumas distinções
elementares.

Dizer que os sentidos não são confiáveis não significa dizer


que eles estão sempre errados. Apenas significa que a
sensação não fornece nenhuma base para determinar se
um caso particular de sensação está correto ― como, por
exemplo, se uma pessoa de fato vê o que ela pensa que vê.
Assim, embora os sentidos não sejam confiáveis, as visões
do Cristo ressurrecto podem ser verdadeiras. O problema
não é que nunca vemos o que pensamos que vemos, mas
como saber que vemos o que pensamos que vemos em um
dado caso. O testemunho bíblico é que, naqueles casos
onde as testemunhas pensaram ter visto o Cristo
ressurrecto, elas estavam corretas ― elas de fato viram o
Cristo ressurrecto.

Isso não faz nada para apoiar a confiabilidade da sensação,


mas apenas a confiabilidade daqueles vários casos de
sensação com base na infalibilidade da inspiração bíblica. A
crença de que as testemunhas realmente viram o que
pensaram que viram repousa totalmente no testemunho
bíblico sobre as suas sensações, não sobre as sensações em
si.

Como ilustração, vejamos algumas passagens, começando


com uma sobre uma batalha entre Israel e Moabe:

[Eliseu] disse: “Assim diz o SENHOR: Façam este vale


cheio de cisternas. Pois assim diz o SENHOR: Vocês não
verão vento nem chuva, contudo este vale se encherá
de água, e vocês, seus rebanhos e seus outros animais
beberão. Isso é ainda pouco aos olhos do SENHOR; ele
também entregará Moabe nas mãos de vocês. Vocês
destruirão toda cidade fortificada e toda cidade
importante. Derrubarão toda árvore frutífera, taparão
todas as fontes e arruinarão todas as terras de cultivo
com pedras”.

Na manhã seguinte, na hora de oferecer o sacrifício, aí


estava ― água veio descendo da direção de Edom! E a
terra foi alagada com água.

Ora, todos os moabitas ouviram que os reis tinham


vindo para lutar contra eles; assim, todos os homens
que poderiam empunhar armas, jovens e velhos, foram
convocados e posicionaram-se na fronteira. Quando se
levantaram logo cedo na manhã seguinte, o sol refletia
na água. Para os moabitas que estavam defronte dela, a
água parecia vermelha ― como sangue. “É sangue!”,
gritaram. “Os reis lutaram entre si e se mataram. Agora,
ao saque, Moabe!”

Mas quando os moabitas chegaram ao acampamento de


Israel, os israelitas os atacaram e os puseram em fuga.
E os israelitas invadiram o território e arrasaram os
moabitas. (2 Reis 3.16-24, NIV)
O que os moabitas viram ― sangue ou água? Os moabitas
pensaram ter visto sangue, mas seus sentidos os
enganaram. Sabemos que eles viram água que parecia
sangue porque é isso o que diz o testemunho infalível das
Escrituras. Assim, essa passagem indica que os sentidos
não são confiáveis e mostra que dependemos da inspiração
divina para nos informarmos sobre casos particulares de
sensações.

Outra passagem é Mateus 14.25-27, onde Jesus andou


sobre a água: “Alta madrugada Jesus dirigiu-se a eles,
andando sobre o mar. Quando o viram andando sobre o
mar, ficaram aterrorizados e disseram: ‘É um fantasma!’. E
gritaram de medo. Mas Jesus imediatamente lhes disse:
‘Coragem! Sou eu. Não tenham medo!’”. Os apóstolos
pensaram ter visto um fantasma, quando na verdade
estavam obsevando Jesus. Portanto, até as percepções
sensoriais dos apóstolos estavam às vezes erradas. Mas, em
si mesma, a passagem de Mateus 14 não está sujeita à
falibilidade das percepções sensoriais, pois não está
baseada nas percepções sensoriais; antes, é um
testemunho infalível sobre como as percepções sensoriais
dos apóstolos enganaram eles neste caso em particular.

João 12.28-29 diz: “‘Pai, glorifica o teu nome!’ Então veio


uma voz dos céus: ‘Eu já o glorifiquei e o glorificarei
novamente’. A multidão que ali estava e a ouviu, disse que
tinha trovejado; outros disseram que um anjo lhe tinha
falado”. Então, eles ouviram um trovão ou uma voz? Não
podemos dizer com base na sensação ― até mesmo as
pessoas que estavam presentes não chegaram a um
consenso. Contudo, o testemunho infalível das Escrituras
nos dá a interpretação; portanto, se você acredita que essa
voz foi mais que um trovão, sua crença não tem de fato
nenhuma base no testemunho da sensação ― sua única
base é a autoridade das Escrituras, que é o princípio
primeiro e a autoridade última do cristão.

Aqui está outro exemplo: “Os onze discípulos foram para a


Galiléia, para o monte que Jesus lhes indicara. Quando o
viram, o adoraram; mas alguns duvidaram” (Mateus 28.16-
17). Mas alguns duvidaram?! Eles estavam bem ali
observando o Cristo ressurrecto ― como podiam duvidar?
Mas eles duvidaram, e isso não é surpresa debaixo de uma
epistemologia bíblica que rejeita a confiabilidade da
sensação. O empirismo não pode justificar nenhuma crença
e não pode resistir ao escrutínio. Logo, “se não ouvem a
Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer,
ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (Lucas
16.31).

Por esta razão, muito embora Jesus estivesse bem à frente


deles, em vez de usar evidência empírica para convencer os
discípulos de sua ressurreição, ele preferiu que cressem
com base nas Escrituras infalíveis:

Enquanto conversavam e discutiam essas coisas entre


si, o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar
com eles; mas eles foram impedidos de reconhecê-lo…
Ele lhes disse: “Como vocês são tolos e como demoram
a crer em tudo o que os profetas falaram! Não devia o
Cristo sofrer estas coisas e então entrar na sua glória?”.
E, começando com Moisés e todos os Profetas, explicou-
lhes o que constava a respeito dele em todas as
Escrituras. (Lucas 24.15-16, 25-27, NIV)

O versículo 16 diz: “Eles foram impedidos de reconhecê-lo”.


A pessoa que depende de suas sensações estaria realmente
em desvantagem aqui, não é mesmo? De fato, o versículo
24 parece implicar a dependência dos profetas de suas
sensações: “Então alguns dos nossos companheiros foram
ao sepulcro e encontraram tudo como as mulheres tinham
dito, mas não viram ele” (NIV). Se esses discípulos foram
impedidos de reconhecer Cristo, poderíamos saber o que
eles viram ou não viram sem um testemunho infalível
dando-nos a verdade? Cristo responde: “Como vocês são
tolos e como demoram a crer em tudo o que os profetas
falaram!” (v. 25, NIV). Podemos ser tolos e crer em nossa
sensação ou podemos ser sábios e crer na revelação bíblica.

Em outro lugar, Jesus diz: “Porque me viu, você creu? Felizes


os que não viram e creram” (João 20.29). Este versículo é
usado às vezes para contrapor o ensino que as sensações
não são confiáveis, que elas não podem oferecer nenhum
conhecimento. Mas esse uso é uma distorção estranha da
intenção do versículo. O versículo não diz nada sobre a
confiabilidade das sensações. O contraste imediato não é
nem mesmo entre a sensação e a revelação, mas entre a
presença e a ausência de uma base de sensação. Jesus diz
que uma crença nele sem base na sensação é uma crença
abençoada. Ele nem mesmo diz mais abençoada porque, de
fato, nenhuma benção é atribuída a uma crença que tem
base na sensação. Não se quer com isso dizer que uma
crença que tenha alguma base na sensação é falsa; mas,
pelo menos neste versículo, nenhuma bênção é vinculada a
ela. Como as pessoas vão acreditar se não tiverem as
experiências sensoriais relevantes? Jesus fala sobre
“aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem
deles” (João 17.20); isto é, pessoas virão à fé em Cristo por
causa do que os apóstolos falam e escrevem.

1 João 1.1-3 é uma passagem favorita para os empiristas,


mas ela prova o que eles querem?
O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que
vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as
nossas mãos apalparam ― isto proclamamos a respeito
da Palavra da vida. A vida se manifestou; nós a vimos e
dela testemunhamos, e proclamamos a vocês a vida
eterna, que estava com o Pai e nos foi manifestada. Nós
lhes proclamamos o que vimos e ouvimos para que
vocês também tenham comunhão conosco. Nossa
comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo.

Certamente a passagem contém várias referências às


sensações, mas não dá nenhuma garantia de que todas as
nossas sensações, algumas de nossas sensações ou
qualquer uma de nossas sensações são confiáveis. Pelo
contrário, é um testemunho divinamente inspirado sobre a
experiência que João e os outros tiveram com Jesus Cristo. A
partir desta passagem, não podemos dizer que todas as
sensações de João eram confiáveis. Na verdade nem mesmo
podemos dizer que todas as sensações de João sobre Cristo
eram confiáveis, já que ele poderia ter sido um daqueles
que pensaram ter visto um fantasma andando sobre a água,
quando na verdade tratava-se de Jesus. Assim, a passagem
não dá nenhum suporte à confiabilidade da sensação ou
alguma teoria empírica de epistemologia.

O que a passagem diz é que os apóstolos tiveram contato


físico com Jesus, que ele tinha um corpo humano real e era
a encarnação de Deus. Isso é tudo o que podemos deduzir
sobre sensação a partir desta passagem. A maior parte da
passagem é totalmente independente da sensação. Por
exemplo, João chama Jesus de “o que era desde o princípio”,
“Palavra da vida”, “a vida”, “a vida eterna” e “Filho [de
Deus]”. Mas é impossível saber ou inferir, a partir de uma
sensação temporal do aparecimento físico de Cristo, que ele
era “o que era desde o princípio”. Seu corpo era um corpo
humano real, de modo que por vê-lo ou tocá-lo ninguém
poderia ter sabido que ele era Deus.

Quando Pedro disse a Jesus “Tu és o Cristo, o Filho do Deus


vivo” (Mateus 16.16), Jesus respondeu: “Feliz é você, Simão,
filho de Jonas! Porque isto não lhe foi revelado por carne ou
sangue, mas por meu Pai que está nos céus” (v. 17). Pedro
não veio a saber que Jesus era o Cristo e Filho de Deus pela
visão ou toque, mas pela iluminação divina concedida à sua
mente pela graça soberana de Deus. Em 1 João 1.1-3, o
apóstolo está dizendo aos leitores o que ele viu e tocou; ele
jamais diz que descobriu a natureza e identidade do que viu
e tocou por ver e tocar. Ele ficou sabendo da natureza e
identidade do que viu e tocou da mesma maneira que Pedro
― pela iluminação divina, totalmente à parte da sensação. E
é assim que uma pessoa hoje pode vir a conhecer e
concordar com a verdade a respeito de Cristo. Que
diferença! A passagem dá suporte zero ao empirismo e, em
vez disso, revela a impotência da sensação.

Há muitos outros exemplos, mas vamos encerrar com


aquele onde Paulo escreve sobre a ressurreição de Cristo.

Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi:


que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as
Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia,
segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos
Doze. Depois disso apareceu a mais de quinhentos
irmãos de uma só vez, a maioria dos quais ainda vive,
embora alguns já tenham adormecido. Depois apareceu
a Tiago e, então, a todos os apóstolos; depois destes
apareceu também a mim, como a um que nasceu fora
de tempo. (1 Coríntios 15.3-8)

Como Nash, muitos cristãos defendem que devemos


conceder um lugar essencial à sensação em nossa
epistemologia porque a Bíblia concede esse lugar à
sensação, e até depende da sensação em algumas
passagens. Entre outros exemplos, eles usam passagens
como 1 Coríntios 15.3-8.

Os versículos 5-8 contêm a parte relevante para o


empirismo. Novamente, recebemos a passagem não como
uma sensação ou observação, mas como revelação bíblica.
Ela pode conter informação sobre as sensações e
observações, mas a autoridade do testemunho reside na
inspiração divina das Escrituras, não no conteúdo empírico
ao qual ela se refere. De fato, Paulo começa por enfatizar
que o que Cristo fez se deu “segundo as Escrituras” (v. 3-4).

Se Deus endossa Abraão, a autoridade do seu endosso não


vem de Abraão. Ao contrário, Abraão recebe credibilidade
por causa do endosso de Deus. Se o endosso é específico a
um aspecto ou evento na vida de Abraão, o endosso não
pode ser aplicado a toda a vida de Abraão. Da mesma
forma, quando a Bíblia testifica sobre algo, sua autoridade
não repousa sobre aquilo que ela testifica, mas sobre a
inspiração divina. Isto é, a Bíblia é verdadeira não porque foi
confirmada por sensação ou observação, mas porque foi
produzida por inspiração divina.

Claro que existem evidências “empíricas” para a


ressurreição de Cristo ― os discípulos viram Cristo muitas
vezes depois de sua ressurreição. Mas não é por causa
dessas ocorrências que sabemos que a Bíblia é verdadeira;
antes, sabemos sobre elas por causa da Bíblia, e por causa
da Bíblia é que também sabemos que aquelas pessoas de
fato viram o que pensaram que viram. Sabemos que Cristo
ressuscitou porque a Bíblia assim o diz, e sabemos que os
discípulos viram o Cristo ressurrecto também porque a
Bíblia assim o diz. No entanto, é impossível avançar então
além do que a Bíblia diz e derivar dela uma teoria empírica
de epistemologia.

Se você acredita na ressurreição de Cristo por causa das


percepções sensoriais de outras pessoas, ou mesmo de
suas próprias percepções sensoriais, você não tem
nenhuma defesa contra todas as supostas visões e
aparições, mesmo aquelas que contradizem as que você
defende. Mas visões e aparições contraditórias entre si não
podem ser todas verdadeiras; assim, basear crenças
religiosas em percepções sensoriais, sejam elas suas ou de
outras pessoas, pode apenas resultar em confusão,
incerteza e ceticismo. No entanto, se a nossa autoridade
última são as Escrituras, podemos declarar com base nessa
autoridade que aqueles que têm visões e experiências
antibíblicas estão delirando.

Os cristãos creem na ressurreição de Cristo por causa do


testemunho infalível dos apóstolos, e às vezes os apóstolos
registraram o que eles ou outras pessoas viram, julgando
esses casos particulares como sendo precisos por inspiração
divina. É isso o que a Bíblia mostra sobre as percepções
sensoriais ― às vezes elas são precisas, às vezes elas não
são precisas; e sabemos quando elas são precisas com base
na inspiração divina dos profetas e apóstolos. É obviamente
impossível tomar isso e inferir que as Escrituras concedem
algum grau de confiabilidade às sensações.

É o testemunho infalível das Escrituras que dá confirmação


a casos particulares de observações empíricas, e assim,
aqueles que dizem que devemos dar um lugar às sensações
em nossa epistemologia porque a Bíblia, às vezes, depende
das sensações inverteram a ordem de autoridade.
Sensações não confiáveis não podem provar ou refutar as
afirmações bíblicas; por outro lado, as afirmações bíblicas
podem provar ou refutar casos particulares de sensações.
Mas, visto que ninguém hoje pode afirmar possuir
inspiração ou infalibilidade divina, nenhum caso de
sensação ou observação hoje pode ser certificado pela
autoridade divina.

É obvio, então, que tudo acerca do cristianismo repousa na


revelação bíblica. As Escrituras são a nossa autoridade
última, e nada mais importa em contraste. Você poderia
fazer então a mais importante das perguntas: “Você faz com
que tudo seja apoiado na verdade da Bíblia, mas a Bíblia é
de fato verdadeira?”. Assim que você faz essa pergunta, o
foco do debate se desloca da historicidade da ressurreição
de Cristo para o princípio primeiro cristão da inspiração e
infalibilidade bíblica. Se a Bíblia é de fato inspirada e
infalível, tudo o que ela diz é verdade, incluindo tudo o que
ela diz sobre a ressurreição de Cristo e sua importância.
Prosseguindo por tempo suficiente, todo e qualquer debate
será finalmente resolvido no nível pressuposicional. E assim
que o debate chega ao nível pressuposicional, o nível dos
princípios primeiros, já o vencemos. 68
v. 32-34

Há algum debate sobre se Paulo é interrompido neste ponto.


Entre os argumentos apresentados, alguns são fracos; por
exemplo, algumas das pessoas que dizem que Paulo foi
interrompido acreditam nisso porque estão insatisfeitas com
a forma como o discurso termina, e não porque há alguma
evidência forte de que essa interrupção ocorreu. Em todo
caso, Paulo apresentou um resumo razoavelmente
abrangente da fé cristã, dadas as circunstâncias e
restrições. Há várias respostas por parte do público:

Quando ouviram sobre a ressurreição dos mortos,


alguns deles zombaram, e outros disseram: “A esse
respeito nós o ouviremos outra vez”. Com isso, Paulo
retirou-se do meio deles. Alguns homens juntaram-se a
ele e creram. Entre eles estava Dionísio, membro do
Areópago, e também uma mulher chamada Dâmaris, e
outros com eles. (v. 32-34)

Em outras palavras, alguns escarnecem, alguns aguardam e


alguns creem. Ou, podemos dizer que a mensagem do
evangelho produz em seus ouvintes provocação,
procrastinação e profissão.

Como a Bíblia explica essas diferentes reações? Aqueles que


são antropocêntricos em seu pensamento apelam ao livre-
arbítrio humano para explicar as diferentes reações das
pessoas ao evangelho, mas não podem defender essa
doutrina por argumentos bíblicos ou não bíblicos. Por outro
lado, o Livro de Atos nos dá a explicação correta, que as
pessoas respondem de forma diferente porque Deus
escolheu salvar alguns e não outros:
No sábado saímos da cidade e fomos para a beira do
rio, onde esperávamos encontrar um lugar de oração.
Sentamo-nos e começamos a conversar com as
mulheres que haviam se reunido ali. Uma das que
ouviam era uma mulher temente a Deus chamada Lídia,
vendedora de tecido de púrpura, da cidade de Tiatira. O
Senhor abriu seu coração para atender à mensagem de
Paulo. (Atos 16.13-14)

No sábado seguinte, quase toda a cidade se reuniu para


ouvir a palavra do Senhor. Quando os judeus viram a
multidão, ficaram cheios de inveja e, blasfemando,
contradiziam o que Paulo estava dizendo. Então Paulo e
Barnabé lhes responderam corajosamente: Era
necessário anunciar primeiro a vocês a palavra de Deus;
uma vez que a rejeitam e não se julgam dignos da vida
eterna, agora nos voltamos para os gentios. Pois assim
o Senhor nos ordenou: “‘Eu fiz de você luz para os
gentios, para que você leve a salvação até aos confins
da terra’”. Ouvindo isso, os gentios alegraram-se e
bendisseram a palavra do Senhor; e creram todos os
que haviam sido designados para a vida eterna. (Atos
13.44-48)

Lídia creu no evangelho porque “o Senhor abriu seu


coração”, e aqueles gentios que creram no evangelho
agiram assim porque foram “designados para a vida
eterna”. Como todos aqueles que foram designados
também creram (13.48), e nem todos creram, segue-se que
nem todos foram designados à vida eterna.

Da mesma forma, em Atos 17, todos aqueles que foram


designados à vida eterna creram, e os demais responderam
exatamente como deveriam na condição de réprobos:
Pois a mensagem da cruz é loucura para os que estão
perecendo, mas para nós, que estamos sendo salvos, é
o poder de Deus… Os judeus pedem sinais miraculosos,
e os gregos procuram sabedoria; nós, porém, pregamos
a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os
judeus e loucura para os gentios, mas para os que
foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o
poder de Deus e a sabedoria de Deus. (1 Coríntios 1.18,
22-24)

Por causa de sua própria estupidez e maldade, os réprobos


consideram a mensagem do evangelho loucura, mas
podemos derrotá-los na argumentação:

Pois está escrito: “Destruirei a sabedoria dos sábios e


rejeitarei a inteligência dos inteligentes”. Onde está o
sábio? Onde está o erudito? Onde está o questionador
desta era? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria
deste mundo? Visto que, na sabedoria de Deus, o
mundo não o conheceu por meio da sabedoria humana,
agradou a Deus salvar aqueles que creem por meio da
loucura da pregação. (1 Coríntios 1.19-21)

Devido a sua tendência anti-intelectual e antifilosófica,


alguns comentaristas se opõem à abordagem de Paulo em
Atos 17 e citam os versículos 32-34 como evidência do que
afirmam, isto é, que Paulo não conseguiu produzir um efeito
decisivamente positivo. Eles dizem que Paulo abandona
essa abordagem depois de Atenas, e que, chegando a
Corinto, assume uma abordagem diferente, pregando o
evangelho “simples” de Cristo em vez de argumentar com
os não cristãos. Eles citam 1 Coríntios 2.1-5 como evidência:
Eu mesmo, irmãos, quando estive entre vocês, não fui
com discurso eloquente, nem com muita sabedoria para
lhes proclamar o mistério de Deus. Pois decidi nada
saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este,
crucificado. E foi com fraqueza, temor e com muito
tremor que estive entre vocês. Minha mensagem e
minha pregação não consistiram de palavras
persuasivas de sabedoria, mas consistiram de
demonstração do poder do Espírito, para que a fé que
vocês têm não se baseasse na sabedoria humana, mas
no poder de Deus.

Mas é isto o que Paulo fez em Atenas! Ele não baseou sua
pregação no discurso humano eloquente ou na sabedoria
humana, mas dependeu do conteúdo da revelação bíblica, o
que é apenas outra forma de dizer: “Pois decidi nada saber
entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado”. Em
outro lugar, mostrei que 1 Coríntios 2.1-5 revela que Paulo
69
evitou o uso de sofismas filosóficos, argumentos vazios
que são baseados em especulação humana, e
definitivamente usou argumentos que são derivados da
própria sabedoria de Deus e, portanto, da “demonstração”
― prova axiomática ― do Espírito.

Além do mais, o próprio Livro de Atos afirma que depois que


“Paulo saiu de Atenas e foi para Corinto” (18.1), “todos os
sábados ele discutia na sinagoga, tentando persuadir judeus
e gregos” (v. 4, NIV) assim como fez em Tessalônica e
Atenas (17.1-3, 16-17). Não há nenhuma evidência de que
Paulo mudou sua abordagem após deixar Atenas, mas há
evidência de que continuou a argumentar contra os não
cristãos. Os comentaristas afirmam o contrário devido ao
seu preconceito anti-intelectual. Deveríamos aceitar o fato
que Paulo era um intelectual, que ele usou uma abordagem
argumentativa e que se dirigiu às principais questões
filosóficas em sua pregação.

Paulo usou a abordagem correta para a apologética e


evangelismo em seu discurso no Areópago, e o Espírito
Santo pretende que ela seja um exemplo para nós. Os
cristãos precisam abandonar seu preconceito contra a
argumentação filosófica e sua tendência a medir o sucesso
evangelístico pelo número total de convertidos. Deus diz
que sua palavra não vai falhar; ela fará exatamente o que
ele pretende. A falácia está em pensar que Deus sempre
almeja conversão: “porque para Deus somos o aroma de
Cristo entre os que estão sendo salvos e os que estão
perecendo. Para estes somos cheiro de morte; para aqueles,
fragrância de vida” (2 Coríntios 2.15-16). A verdadeira
pregação do evangelho não converte todas as pessoas,
mas, ao contrário, desperta os eleitos à fé e confirma os não
eleitos à condenação. Portanto, o “sucesso” na apologética
e evangelismo deve ser medido por termos apresentado ou
não a mensagem cristã com fidelidade, e defendido ou não
essa mensagem convincentemente, não pelos seus
resultados práticos.

Dito isso, Paulo obtém alguns resultados positivos: “Alguns


homens juntaram-se a ele e creram. Entre eles estava
Dionísio, membro do Areópago, e também uma mulher
chamada Dâmaris, e outros com eles.” (17.34). Um dos
convertidos, Dionísio, era “membro do Areópago” ― o
eminente conselho a que Paulo foi conduzido para explicar
sua filosofia. Outra pessoa convertida era uma mulher
chamada Dâmaris. O próprio fato de que seu nome é
mencionado sugere que era uma mulher de alguma
influência. E então, havia “outros com eles” que também
creram.
3. CONQUISTA
FUNDAMENTO

O discurso de Paulo aos atenienses em Atos 17 é uma peça


maravilhosa de pregação filosófica. Embora o homem
moderno tenda a ter uma aversão a tudo o que é racional e
intelectual, o apóstolo Paulo não partilha dessa atitude.

Como versículo bíblico acerca deste assunto, Colossenses


2.8 é tão claro como qualquer outro: “Tenham cuidado para
que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que
se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios
elementares deste mundo, e não em Cristo”. Paulo nos
adverte das filosofias “vãs e enganosas”, mas algumas
pessoas erram ao interpretar isso como uma declaração
contra a própria filosofia. Contudo, ele também nos adverte
das doutrinas falsas, mas só as pessoas mais estúpidas
tomariam isso como uma declaração contra toda e qualquer
doutrina, isto é, até mesmo as doutrinas bíblicas. O
versículo está dizendo que deveríamos rejeitar filosofias
centradas no homem e, no lugar disso, adotar uma filosofia
centrada em Cristo. Paulo dá a entender que aprova uma
filosofia que depende de Cristo como seu fundamento e diz
para rejeitarmos qualquer filosofia que esteja construída
sobre algum outro princípio; portanto, a Bíblia aprova
somente uma filosofia explicitamente cristã. Teísmo não é o
suficiente.

Ao passo que as religiões e filosofias não cristãs são


construídas sobre nada mais que especulação humana, o
fundamento da filosofia cristã é a revelação divina. Não se
trata de uma forma de fideísmo, mas de racionalismo ou
fundacionalismo ― ou, para ser exato, de racionalismo
bíblico ou fundacionalismo bíblico. Como todo sistema de
filosofia tem seu princípio primeiro ou ponto de partida,
ninguém pode proibir o cristão de pressupor a revelação
bíblica como seu princípio primeiro. Este é o ponto de
partida de nossa filosofia.

Claro, aderentes de religiões e filosofias não cristãs atacam


a nossa fé. Não temos medo deles. Pelo contrário, embora
Deus já nos tenha comissionado a invadir o mundo com as
suas armas divinas ― e temos assim licença divina para
pregar ―, os ataques implacáveis dos não cristãos contra a
fé cristã concedem-nos até mesmo a licença social para
responder com um ataque abrangente e final contra todas
as suas crenças não bíblicas.

Paulo nos diz que “a mensagem da cruz é loucura para os


que estão perecendo” (1 Coríntios 1.18). Mas isso não
significa que eles estão certos; não significa que o
evangelho é de fato louco. O versículo 25 diz: “Porque a
loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria humana, e a
fraqueza de Deus é mais forte que a força do homem”. Os
não cristãos não estão competindo com a nossa sabedoria,
mas com a sabedoria de Deus, e até mesmo a “loucura” de
Deus é mais sábia que qualquer coisa que os incrédulos
possam evocar.

Não triunfamos sobre as religiões e filosofias não cristãs


com sofismas humanos ou apresentações eloquentes, mas
com a superioridade absoluta do conteúdo da nossa
filosofia, da cosmovisão bíblica. Paulo explica:

Pois está escrito: “Destruirei a sabedoria dos sábios e


rejeitarei a inteligência dos inteligentes”. Onde está o
sábio? Onde está o erudito? Onde está o questionador
desta era? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria
deste mundo? Visto que, na sabedoria de Deus, o
mundo não o conheceu por meio da sabedoria humana,
agradou a Deus salvar aqueles que creem por meio da
loucura da pregação. (v. 19-21)
A revelação de Deus reduziu a sabedoria deste mundo à
completa loucura. Nossa tarefa não é fazer as proposições
bíblicas parecerem verdadeiras a partir de perspectivas não
cristãs, mas refutar as próprias perspectivas não cristãs. Em
vez de sugerir que os incrédulos estão só um pouco errados,
declaramos que estão completamente errados, e errados do
início ao fim. É por isso que eles devem mudar suas próprias
perspectivas ou estruturas, não apenas ver as coisas um
pouco mais claramente pelas mesmas perspectivas ou
estruturas fatalmente defeituosas.

Isto significa que nem todas as abordagens para a


apologética e evangelismo são corretas. Precisamos
descartar todas as posições e métodos que, na tentativa ou
pretensão de defender o cristianismo, resultam num
comprometimento das reivindicações bíblicas. Jamais
devemos depender dos “princípios elementares deste
mundo” para defender a fé de Jesus Cristo.
CONVICÇÃO

Na última página de seu livro Humble Apologetics


[Apologética Humilde], John G. Stackhouse, Jr. escreve:
“Nós, cristãos, cremos que Deus nos concedeu o privilégio
de ouvir e receber as boas novas, receber a adoção dentro
de sua família e ingressar na Igreja. Cremos que temos
conhecimento de certas coisas que outras pessoas não
sabem, e é bom que elas ouçam essas coisas. Acima de
tudo, cremos que encontramos Jesus Cristo”.

Isso é bom, mas então ele acrescenta: “Quanto a tudo o que


nós sabemos, poderíamos estar errados em alguma coisa ou
mesmo em tudo. E admitimos honestamente essa
possibilidade. Assim, o que quer que façamos ou digamos,
seja feito com humildade”. 1 Isso é antibíblico e ultrajante.
Ele acabou de afirmar o que representa algumas das
alegações centrais da mensagem bíblica, e as afirma como
sendo verdadeiras; logo, quando diz que “poderíamos estar
errados em alguma coisa ou mesmo em tudo”, ele está
necessariamente sugerindo que as próprias Escrituras
poderiam estar erradas em alguma coisa ou mesmo em
tudo. No entanto, como a própria Bíblia não admite que
“poderia estar errada em alguma coisa ou mesmo em tudo”,
quando Stackhouse diz que ele “poderia estar errado em
alguma coisa ou mesmo em tudo”, não está mais
defendendo a Bíblia.

Claro, sua ênfase é que ele mesmo poderia estar errado


sobre a Bíblia ser a revelação de Deus, mas ainda
permanece o ponto que, se é isso o que ele quer dizer, não
está mais defendendo a Bíblia. Ele está dizendo que poderia
estar errado quando diz que a Bíblia está certa, o que
corresponde a dizer que a Bíblia poderia estar errada. Como
ele diz que poderia estar errado quando afirma que a Bíblia
é verdadeira, de modo que a Bíblia poderia, de fato, ser
falsa, ele não está mais fazendo apologética bíblica.

A Bíblia diz que, quando afirmamos o que ela ensina,


podemos saber com certeza que o que acreditamos é
verdade:

Portanto, como eu mesmo investiguei tudo


cuidadosamente, desde o começo, pareceu-me bom
também escrever-te um relato ordenado, ó
excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das
coisas que te foram ensinadas. (Lucas 1.3-4, NIV)

Eu revelei teu nome àqueles que me deste do mundo.


Eles eram teus; tu os deste a mim, e eles têm
obedecido à tua palavra. Agora eles sabem que tudo o
que me deste vem de ti. Pois eu lhes transmiti as
palavras que me deste e eles as aceitaram. Eles sabiam
com certeza que vim de ti e creram que me enviaste.
(João 17.6-8, NIV)

Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a certeza


das coisas que não vemos… E sem fé é impossível
agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa
crer que ele existe e que recompensa aqueles que o
buscam. (Hebreus 11.1, 6, NIV)

Se a própria Bíblia afirma que é a revelação de Deus e,


portanto, absolutamente verdadeira, por qual padrão de
humildade Stackhouse chama “humilde” a sua abordagem
apologética duvidosa? Como a Bíblia é o padrão último de
ética, ela também define humildade; assim, quando
Stackhouse sugere que a própria Bíblia poderia estar errada,
não está sendo humilde, mas arrogante ― tão arrogante
que diz que poderia estar errado se afirmasse o que é
revelado por Deus. De acordo com o padrão bíblico, não é
humilde você dizer que poderia estar errado quando afirma
o que é afirmado pela Bíblia; em vez disso, você é arrogante
se diz que a Bíblia poderia estar errada.

Quando Stackhouse assume a identidade de cristão e diz


que sua religião poderia estar errada, isso equivale a dizer
que o cristianismo poderia estar errado; portanto, ao invés
de fazer apologética ― humilde ou não ― ele está na
verdade atacando o cristianismo. Se a Bíblia é a palavra de
Deus, dizer que poderíamos estar errados sobre ela ser a
palavra de Deus não é humildade, mas blasfêmia. Se
Stackhouse reconhece que ele mesmo não tem certeza,
talvez ainda possamos aceitá-lo como um irmão mais fraco,
mas quando diz que jamais deveríamos reivindicar certeza,
ele faz de si mesmo um inimigo de Cristo.

Em vez de dizer que devemos “reconhecer essa


possibilidade” de que poderíamos estar errados, devemos
insistir sobre a impossibilidade de estarmos errados quando
afirmamos o que a Bíblia ensina. Quando afirmamos o que a
Bíblia afirma, é impossível estarmos errados. Se Stackhouse
é tão “humilde”, também deve confessar que poderia estar
errado quando diz que poderia estar errado sobre o
cristianismo, pois, como ele pode ter tanta certeza de existir
“essa possibilidade” de os cristãos estarem errados quando
afirmam a Bíblia? Ele é falível quando afirma a Bíblia, mas
infalível quanto a “essa possibilidade”?

A posição de Stackhouse é antibíblica e irracional. Devemos


rejeitar uma humildade fingida, uma espiritualidade infiel e
uma pseudoerudição asinina como essa, em troca de uma
abordagem apologética que é bíblica, uma abordagem que
diz: “Estamos certos e temos certeza de que estamos
certos. Você está errado, e temos certeza de que você está
errado”. Se essa posição bíblica traz censura do mundo, que
assim seja; deixemos os não cristãos tentarem nos derrotar
na argumentação. Por outro lado, se vocês que se dizem
cristãos estão embriagados com “tolerância” a tal ponto
que preferem adotar a postura antibíblica de Stackhouse,
por que não vão até o fim e param de se chamar de
cristãos?
DOMINAÇÃO

O ponto é que a abordagem que você apresenta para


defender a Bíblia deve ser consistente com a própria Bíblia.
Se você contradiz afirmações bíblicas em sua própria
abordagem para defender afirmações bíblicas, realmente
não está mais defendendo afirmações bíblicas. Ao
argumentar sobre religião, por que os cristãos deveriam
fingir ser não cristãos para defender a partir disso a verdade
do cristianismo se os ateus, agnósticos, muçulmanos e
budistas jamais fingem ser cristãos para defender a partir
disso suas próprias crenças?

A postura básica do cristão na apologética e no


evangelismo, portanto, é de extrema oposição a todo
pensamento não cristão. Isso nem sempre quer dizer que
devemos ser hostis em nossos maneirismos; antes,
podemos ser muito educados, ou agir como recomenda a
sabedoria. No entanto, jamais devemos ceder um
centímetro sequer de terreno intelectual ― nem um
centímetro. Esta é a atitude bíblica.

Quanto ao conteúdo da pregação, o exemplo de Paulo em


Atos 17 é muito informativo. Em termos filosóficos, ele
aborda os tópicos da epistemologia, metafísica, religião,
biologia, história e ética. Em termos teológicos, aborda os
tópicos da revelação, teologia propriamente dita, criação,
providência, antropologia, ética, cristologia, soteriologia e
escatologia. Dependendo do vocabulário que usamos para
descrever, o discurso de Paulo se assemelha a um esquema
básico para filosofia sistemática ou teologia sistemática. 2

Como “a abordagem de Paulo era acentuar a antítese entre


ele e os filósofos”, 3 e como o conteúdo de seu discurso é
bastante abrangente, segue-se que uma abordagem bíblica
de apologética deve demonstrar nossa oposição abrangente
às crenças não cristãs, e nossa apresentação construtiva
deve ser igualmente completa, cobrindo todos os principais
tópicos. Uma implicação é que as pessoas que não possuem
uma compreensão básica de teologia sistemática não
podem fazer apologética ou evangelismo de maneira
bíblica.

Jesus diz a seus discípulos: “Portanto, vão e façam


discípulos de todas as nações… ensinando-os a obedecer a
tudo o que eu lhes ordenei” (Mateus 28.19-20). Ensinar-lhes
tudo? A maioria dos cristãos hoje dificilmente sabe alguma
coisa sobre doutrinas bíblicas e como todas se encaixam.
Mas esse conhecimento bíblico abrangente é o pré-requisito
de um ministério de pregação abrangente, que é o que
Jesus pede. Como evangelismo e apologética bíblica exigem
compreensão abrangente de pelo menos o básico de
teologia, aqueles que não possuem esse conhecimento não
podem afirmar que estão fazendo evangelismo e
apologética bíblica.

Como é evidente em Atos 17, muitas vezes há limitações


impostas sobre nós pelo tempo e outros fatores. Mas
quando as circunstâncias permitem, devemos oferecer uma
apresentação sistemática e abrangente da cosmovisão
bíblica e uma refutação sistemática e abrangente das
cosmovisões não bíblicas apresentadas pelos ouvintes.
Nosso objetivo deve ser nada menos que uma defesa
completa das afirmações cristãs e uma aniquilação
minuciosa das crenças não cristãs. Isto pode ser feito ao
longo de dias ou até meses. E, em algumas situações, ao
longo de muitos anos, como deveria ser o caso na educação
de nossos filhos. Às vezes podemos ter apenas meia hora,
mas, qualquer que seja o caso, deveríamos procurar cobrir
os pontos principais, pregar “todo o conselho de Deus”
(Atos 20.27, ACF). Ao fazer isso, devemos deixar claro que
somos leais apenas ao fundamento e à herança bíblica, não
ao fundamento e à herança pagã.

Judas diz: “Amados, embora estivesse muito ansioso por


lhes escrever acerca da salvação que compartilhamos, senti
que era necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem
pela fé de uma vez por todas confiada aos santos” (v. 3).
Apologética é tão importante que, embora o apóstolo
quisesse escrever sobre soteriologia, ele decidiu, em vez
disso, falar sobre a defesa da fé. É hora de os cristãos
verdadeiramente obedecerem a Grande Comissão e
compelirem os não cristãos a enfrentar o desafio
pressuposicional do evangelismo e da apologética bíblica. É
hora de você enfrentar os não cristãos que estão ao seu
redor, não a partir de um fundamento intelectual não
bíblico, mas a partir do fundamento da revelação bíblica, de
modo que, partindo de uma posição de autoridade e
conhecimento, você poderá declarar-lhes o que eles não
sabem. Se estivermos comprometidos com uma aplicação
fiel da abordagem bíblica de apologética e evangelismo,
venceremos sempre ao debater com incrédulos, e a
erudição cristã ditará o destino de todos os sistemas não
cristãos, pelos quais os réprobos tentam justificar sua
incredulidade e desobediência.

A maioria dos cristãos não é suficientemente agressiva,


mesmo sabendo alguma coisa sobre evangelismo e
apologética bíblica. Todos nós podemos tirar uma lição com
a troca de ideias entre Eliseu e Jeoás:

Ora, Eliseu estava sofrendo da doença da qual morreria.


Então Jeoás, rei de Israel, foi visitá-lo e, curvado sobre
ele, chorou gritando: “Meu pai! Meu pai! Tu és como os
carros e os cavaleiros de Israel!” E Eliseu lhe disse:
“Traga um arco e algumas flechas”, e ele assim fez.
“Pegue o arco em suas mãos”, disse ao rei de Israel.
Quando pegou, Eliseu pôs suas mãos sobre as mãos do
rei e lhe disse: “Abra a janela que dá para o leste e
atire”. O rei o fez, e Eliseu declarou: “Esta é a flecha da
vitória do SENHOR, a flecha da vitória sobre a Síria!
Você destruirá totalmente os arameus, em Afeque”. Em
seguida Eliseu mandou o rei pegar as flechas e golpear
o chão. Ele golpeou o chão três vezes e parou. O
homem de Deus ficou irado com ele e disse: “Você
deveria ter golpeado o chão cinco ou seis vezes; assim
iria derrotar a Síria e a destruiria completamente. Mas
agora você a vencerá somente três vezes” (2 Reis
13.14-19).

Deus nos tem dado armas divinas com as quais podemos


destruir todas as filosofias e religiões não cristãs (2 Coríntios
10.3-5). São armas espirituais, intelectuais, expressas em
nossa pregação e nossos argumentos. Mas o que de fato
estamos fazendo com elas? Assim como Eliseu ficou com
raiva de Jeoás por ele não ser agressivo e radical o
bastante, esse homem de Deus ficaria muito irritado com a
maioria de nós hoje. Ele não teria paciência com a nossa
tolerância e decoro.

No entanto, Deus é fiel a si mesmo e ao seu povo, e tem


preservado alguns de nós que não dobraram o joelho para o
relativismo, pluralismo e outras perspectivas não bíblicas.
Nós que conhecemos nosso Deus faremos grandes coisas
em seu nome. Atacaremos incessantemente as religiões e
filosofias não cristãs com argumentação bíblica e oração
persistente. Golpearemos essas religiões e filosofias sem
parar. Quando elas correrem, vamos persegui-las; quando
se esconderem, vamos expô-las; e quando caírem, vamos
atropelá-las. Não cometeremos o erro de Jeoás, que golpeou
o chão três vezes e parou ― jamais iremos parar. Quando
finalmente aprendermos a lutar com a espada do Espírito,
que é a palavra de Deus, veremos que o pensamento não
cristão não tem defesa contra os nossos ataques. Seremos
um exército invencível e as portas do inferno não
prevalecerão contra nós.
1 Vincent Cheung, Cativo à Razão; Editora Monergismo, 2009, p. 10.
2 John MacArthur, A outra face: descubra o lado questionador, crítico, impetuoso
e revolucionário de Jesus Cristo; Editora Thomas Nelson, 2010, p. 25. Grifos
meus.
3 David Robertson, As Cartas para Dawkins – Desafiando mitos ateístas, Prefácio
à edição brasileira; Editora Monergismo, 2009, p. 17-18.
4 A tentativa de ser neutro quanto às visões de mundo (cosmovisões) é
chamada de “falácia da pretensão de neutralidade”.
5 Um estudo mais detalhado sobre a doutrina do Logos encontra-se em
Questões Últimas, Editora Monergismo, 2009, p. 60-68, do mesmo autor.
6 Por exemplo, ao abordar as precondições de inteligibilidade, um autor se
reporta à confiabilidade das sensações dizendo: “Supomos que os nossos olhos,
ouvidos e outros sentidos relatam confiavelmente os detalhes sobre o universo
onde vivemos. Sem essa suposição a ciência seria impossível. Não poderíamos
extrair conclusões confiáveis de nenhum experimento se as nossas observações
do experimento não fossem confiáveis. Se as nossas experiências sensoriais são
meras ilusões, a ciência é impossível”. Mas trata-se de um argumento circular;
ele não prova que as experiências sensoriais são confiáveis. Além disso, só
porque as sensações não são confiáveis, não significa que necessariamente
todas as suas ocorrências são ilusórias. A chave do problema é que não temos
um critério objetivo não empírico para saber qual instância de sensação é
ilusória ou não. Se o argumento fosse apresentado aos ateus, eles deveriam
mostrar como é possível, numa realidade sem Deus como a fonte da
informação, a ciência empírica trazer benefícios reais às pessoas, mesmo ela
sendo irracional. Por outro lado, os cristãos podem justificar isso apelando à
doutrina bíblica da providência: como Deus é soberano, ele pode usar até
mesmo ferramentas falhas como a ciência para fins sábios e, de fato, úteis.
Finalmente, como será desenvolvido neste livro, a ciência experimental é um
apelo sistemático à falácia de afirmação do consequente, operando na base da
tentativa e erro; portanto, jamais pode ser uma autoridade para afirmações
objetivas e categóricas sobre a realidade. Ela tem um fim estritamente prático,
usada soberanamente por Deus. Para mais sobre isso, veja Vincent Cheung,
Cativo à Razão, Editora Monergismo, 2009.
7 O autor desenvolverá estes pontos mais adiante no livro.
8 Vincent Cheung, Cativo à Razão; Editora Monergismo, 2009, pg. 18. Grifos
meus.
9 Ibid., p. 35-36.
10 Claro, a própria observação deveria chegar a esse ponto na discussão. Ou
seja, estamos assumindo que, quando você pensa estar vendo uma bola de
tênis, está de fato vendo uma bola de tênis. Essa suposição infundada e
irracional jamais pode ser demonstrada. Mas vamos permiti-la por ora para que
a nossa discussão sobre inteligibilidade e interpretação possa continuar.
11 Charles Hodge, Romans; The Banner of Truth Trust, 1997 (original: 1835); p.
36.
12 Para ser mais preciso, elas deveriam se lembrar de Deus quando observam a
natureza.
13 Ronald W. Clark, Einstein: The Life and Times; Avon Books, 1971; p. 504.
14 Popper Selections, editado por David Miller; Princeton University Press, 1985;
p. 90, 91, 121.
15 W. Gary Crampton, “The Biblical View of Science”, Janeiro de 1997, The
Trinity Review. [“A Visão Bíblica da Ciência”, disponível no portal
Monergismo.com ― N. do T.] Veja também Gordon H. Clark, The Philosophy of
Science and Belief in God (Trinity Foundation, 1996).
16 Karl Popper, Conjectures and Refutations; Harper and Row, 1968; p. 192.
17 Veja Vincent Cheung, “A Gang of Pandas”. [“Um Grupo de Pandas”, tradução
disponível no portal Monergismo.com ― N. do T.]
18 Bertrand Russell, The Problems of Philosophy; Oxford University Press, 1998.
19 O logos, ou Palavra, em João 1.1 pode ser traduzido como “Sabedoria”,
“Razão” ou mesmo “Lógica”. Veja Vincent Cheung, Questões Últimas; Editora
Monergismo, 2009.
20 No contexto de um debate, argumentos científicos podem ser usados como
argumentos ad hominem. Em outras palavras, a sua função não é defender a
verdade, já que a ciência não pode descobrir nada, mas mostrar que mesmo
que as suposições e os métodos da ciência fossem permitidos, os incrédulos
ainda assim estariam errados. Contudo, permanece o fato que os cristãos
deveriam ter padrões intelectuais mais elevados do que os não cristãos, não
estabelecendo sua confiança em algo tão irracional como a ciência.
21 Frequentemente se diz que nós devemos “olhar para os fatos
objetivamente”. Se isso significa que não devemos ter pressuposições, já
mostramos que tal coisa é impossível, e que inclusive torna os “fatos”
ininteligíveis. Mas se ser “objetivo” significa que deveríamos olhar para o mundo
como ele realmente é, este é o próprio ponto em discussão, e argumentamos
que somente ao começar com pressuposições cristãs é que se pode olhar para o
mundo como ele realmente é. Os “fatos” não vêm com as suas próprias
interpretações, e qualquer interpretação requer pressuposições. Porém, nem
todas as pressuposições são iguais, e voltamos, assim, ao ponto que os
argumentos devem ser resolvidos no nível pressuposicional.
22 “Os problemas da história, política e ética, assim se argumenta, exigem
certas pressuposições teístas para a sua solução… Aparentemente, o melhor
procedimento geral para quem pretende recomendar o teísmo cristão é mostrar
que as outras formas de teísmo são combinações inconsistentes. Se algumas de
suas proposições fossem levadas às conclusões lógicas, isso resultaria em
naturalismo e, eventualmente, ceticismo; ao passo que, se justiça fosse feita a
possíveis interpretações de suas outras afirmações, o cristianismo é que deveria
ser assumido” (Gordon H. Clark, The Christian View of Men and Things; Trinity
Foundation, 1998; p. 155).
1 C. Richard Wells e A. Boyd Luter, Inspired Preaching; Broadman & Holman
Publishers, 2002; p. 117.
2 Veja Vincent Cheung, “Os Nobres Bereanos”, em Religião Pura.
3 David J. Williams, New International Biblical Commentary: Acts; Hendrickson
Publishers, 1990; p. 302.
4 Uma igreja não tem justificativa para excomungar um assassino ou
estuprador, e ao mesmo tempo não excomungar quem rejeita a infalibilidade
das Escrituras. Se a revelação bíblica infalível é a própria base sobre a qual
excomungamos o assassino ou o estuprador, como então podemos excomungar
quem violou um princípio escriturístico de moralidade, mas tolerar quem rejeita
a própria autoridade pela qual fazemos cumprir esse princípio escriturístico? A
coerência teológica é destruída a menos que a igreja considere a rejeição da
infalibilidade bíblica algo pior que o assassinato e o estupro e formule sua
política nesses termos.
5 O contexto central da passagem pode sugerir que Cristo está se opondo ao
uso de violência na defesa da inocência pessoal quando se é falsamente
acusado pelas autoridades, e não na defesa específica da religião.
6 I. Howard Marshall, Tyndale New Testament Commentaries: Acts; William B.
Eerdmans Publishing Company, 2000 (original: 1980); p. 283.
7 A NVI traz “longo discurso”. [N. de T.]
8 Ibid., p. 283.
9 Joseph H. Thayer, Thayer's Greek-English Lexicon of the New Testament;
Hendrickson Publishers, 2002 (original: 1896); p. 139. [O verbo em inglês to
dispute é usado na NIV de 1984, mas a NIV de 2010 usa to debate; N. do T.]
10 A NVI verte para “discutir”. [N. do T.]
11 A. T. Robertson, Word Pictures in the New Testament, Vol. 3; Broadman Press,
1930; p. 267.
12 Marshall, Acts; p. 283.
13 Anthony Kenny, A Brief History of Western Philosophy; Blackwell Publishers,
2001; p. 85.
14 Marvin R. Vincent, Vincent's Word Studies in the New Testament, Vol. 1;
Hendrickson Publishers; p. 539.
15 Greg L. Bahnsen, Always Ready; Covenant Media Foundation, 2000; p. 242.
16 Os cristãos não devem se perturbar que por vezes os escritores bíblicos
usem termos empregados por filosofias não cristãs. Nesses casos eles nunca
têm a intenção de aceitar a visão pagã das coisas, mas sim usar os mesmos
termos para tornar visível um contraste com as posições não cristãs. Exemplos
desses contrastes incluem o uso de João do logos em João 1 e o ensino de Paulo
sobre autossuficiência em Filipenses 4.
17 Gordon H. Clark, Ancient Philosophy; The Trinity Foundation, 1997; p. 308.
18 Bahnsen, Always Ready; p. 243.
19 Veja Vincent Cheung, Comentário sobre Filipenses, Piedade com
Contentamento e “O Segredo do Contentamento”, em Reflexões sobre 1
Timóteo, todos pela Editora Monergismo.
20 Life Application Bible Commentary: Acts; Tyndale House Publishers, Inc.,
1999; p. 300.
21 Lawrence C. Becker, A New Stoicism; Princeton University Press, 1999.
22 Frederic R. Howe, Challenge and Response; Zondervan Publishing House,
1982; p. 41.
23 Ibid., p. 41.
24 John Sanders, editor; What About Those Who Have Never Heard?; InterVarsity
Press, 1995; p. 41.
25 Ibid., p. 41.
26 Howe, Challenge and Response; p. 42.
27 O verdadeiro terreno comum que o cristão tem com o não cristão é que
ambos foram feitos à imagem de Deus. Contudo, o não cristão suprime e nega
esse terreno comum em sua filosofia explícita. Portanto, em termos de nossas
filosofias explícitas, não há nenhum terreno comum entre cristãos e não
cristãos. Mas o conhecimento de Deus é inescapável e emerge de forma
distorcida em vários pontos da filosofia do não cristão. Assim, o cristão
argumenta que o não cristão já sabe acerca do Deus verdadeiro, mas o nega, o
que significa que o não cristão é indesculpável e está sujeito à condenação.
28 Marshall, Acts; p. 284.
29 Robertson, Word Pictures, Vol. 3; p. 281.
30 Trabalhos de Amor Perdidos (Love's Labour's Lost), Col. Ridendo Castigat
Mores. VirtualBooks; p. 51.
31 Robertson, Word Pictures, Vol. 3; p. 282.
32 Life Application Bible Commentary: Acts; p. 301.
33 Robertson, Word Pictures, Vol. 3; p. 284.
34 Ibid., p. 285.
35 Vincent, Word Studies, Vol. 1; p. 543.
36 Marshall, Acts; p. 285.
37 Williams, Acts; p. 304.
38 New Bible Commentary: 21st Century Edition; InterVarsity Press, 2000; p.
1093.
39 Gordon D. Fee, The New International Commentary on the New Testament:
The First Epistle to the Corinthians; William B. Eerdmans Publishing, 1987; p. 72.
40 Acts; p. 305. Contudo, se estamos certos, Paulo está mais do que apenas
levantando a questão sobre Deus; está também declarando a reconhecida
ignorância deles sobre Deus.
41 Word Studies, Vol. 1; p. 543.
42 New Bible Commentary; p. 1093.
43 Challenge and Response; p. 42.
44 É também o caso da NVI. [N. do T.]
45 F. F. Bruce, The Defense of the Gospel in the New Testament; William B.
Eerdmans Publishing, 1959; p. 18.
46 Um seguidor de uma religião não cristã pode desconhecer os ensinamentos
oficiais de sua própria religião. Quando você lhe mostra as coisas ridículas que
sua religião ensina, ele pode dizer que você a está distorcendo não porque ele
realmente sabe o que sua própria religião ensina, mas porque até para ele as
doutrinas oficiais de sua religião são ridículas, e por isso assume que sua
religião não pode estar ensinando o que dizem que ela ensina. Quando isso
acontece você deve citar a autoridade oficial dessa religião, ou desafiar as
crenças pessoais dele. Evidentemente, à maioria dos cristãos professos também
falta um conhecimento do cristianismo, e é por isso que a educação teológica
deveria ser a nossa maior prioridade.
47 Robert Morey, The Islamic Invasion; Christian Scholars Press, 1992; p. 211-
218.
48 Ibid., p. 177-208.
49 Uma explicação para os mal-entendidos de Maomé sobre a fé cristã é que ele
consultou fontes extrabíblicas heréticas pela perspectiva cristã e erradamente
pensou que representavam a fé cristã. Mas isso significa que ele não era
infalível, e era um falso profeta. O Corão traz muitos erros sobre história secular,
religião e história judaica, religião e história cristã, bem como muitas
autocontradições.
50 Veja James W. Sire, O Universo ao Lado, Editora Hagnos, 2009; Ronald H.
Nash, The Gospel and The Greeks; Fritz Ridenour, So What's the Difference?
51 Alguns comentaristas seguem insistindo que os filósofos concordariam com
algumas das declarações de Paulo, mas vimos que isso é impossível. Nos
versículos 24 e 25, Paulo está falando de um tipo completamente diferente de
Deus. Como, então, poderiam ambas as partes concordar com o que vem após?
52 A ciência não pode provar nada. Mas, para fins de argumentação, mesmo
que a ciência pudesse demonstrar que todos nós viemos de um só homem,
ainda não haveria qualquer justificação contra o genocídio e canibalismo, a
menos que houvesse uma interpretação divina da implicação moral desses fatos
fornecida a nós por revelação verbal.
53 Veja Vincent Cheung, Teologia Sistemática. Resumidamente, como biologia
pressupõe cosmologia, e tanto biologia como cosmologia pressupõem
epistemologia, a menos que o evolucionista possa tornar explícita sua
epistemologia e metafísica e mostrar que elas são justificadas e consistentes,
nem mesmo precisamos ouvir sobre a sua teoria em biologia.
54 Williams, Acts; p. 307.
55 Veja Vincent Cheung, Teologia Sistemática, Questões Últimas, Comentário
sobre Efésios, O Autor do Pecado e Blasfêmia e Mistério.
56 Veja Vincent Cheung, Teologia Sistemática.
57 W. Robertson Nicoll, ed., The Expositor's Greek Testament, Vol. 2;
Hendrickson Publishers, 2002; p. 375. Veja Henry Alford, The Greek New
Testament; Lee and Shepherd Publishers, 1872; 2:198.
58 Ibid. Veja Salmos 14.2-3 e Romanos 3.10-12.
59 Ibid.
60 A NASB diz “escapa de sua atenção” e obscurece o sentido de ignorância
deliberada. Marvin Vincent sustenta que a expressão significa literalmente “isso
lhes escapa de sua própria vontade” (Word Studies, Vol. 1; p. 704). Parece que
muitas traduções modernas são capazes de apreender isso, de modo que a
NRSV diz “eles deliberadamente ignoram esse fato”, a ESV, “eles
deliberadamente omitem esse fato” e a GNT, “eles propositadamente ignoram
esse fato”. Veja também Barclay, Lattimore, Phillips e Wuest.
61 Vincent Cheung, Questões Últimas; Editora Monergismo, 2009.
62 Por um momento, colocaremos em dúvida se devemos deixar “Pois nele
vivemos, nos movemos e existimos” entre aspas.
63 R. C. H. Lenski, Commentary on the New Testament: Acts; Hendrickson
Publishers, 2001 (original: 1934); p. 732.
64 Kenneth S. Wuest, Treasures from the New Testament; William B. Eerdmans
Publishing Company, 1941; p. 54.
65 Também “um apelo às predisposições ou admissões conhecidas pela pessoa
à qual nos dirigimos”. Veja Lenski, Acts; p. 741.
66 Resulta disso que se relativamente poucos gentios foram convertidos no
passado, Deus tinha colocado então relativamente poucos indivíduos eleitos nas
nações e culturas gentílicas até o tempo de Cristo.
67 Ronald H. Nash, Questões Últimas da Vida - Uma Introdução à Filosofia;
Editora Cultura Cristã. 2008; p. 164.
68 Veja Vincent Cheung, Questões Últimas; Editora Monergismo, 2009.
69 Vincent Cheung, “Soteriologia Cristã”, em Questões Últimas.
1 John G. Stackhouse, Jr., Humble Apologetics: Defending the Faith Today;
Oxford University Press, 2002; p. 232.
2 Alguns dos pontos não são desenvolvidos em detalhe, mas isso é de se
esperar, dadas as circunstâncias e restrições enfrentadas por Paulo.
3 Bahnsen, Always Ready; p. 272. Tal como seu mestre Cornelius Van Til, o
próprio Bahnsen não pratica a abordagem que atribui a Paulo. Ele afirma que as
pressuposições bíblicas “explicam” (no sentido de aprovação) vários princípios
não cristãos, incluindo a uniformidade da natureza, a confiabilidade da
sensação, da indução e do método científico. Ele prossegue e diz que
deveríamos “forçar a antítese”, mas sua filosofia representa uma síntese com
princípios não cristãos em vez de uma antítese a eles. Como esses princípios
não cristãos são inerentemente irracionais, Bahnsen introduziu falsidades e
contradições em uma abordagem ou sistema supostamente cristão. Isto faz dele
um inimigo de Cristo, em nada melhor que Stackhouse. Apesar de sua filosofia
ser uma desgraça e um completo fracasso, em vez de tripudiar sobre seu
legado, devemos ficar advertidos por seu exemplo de modo a não repetirmos
seu erro.

Você também pode gostar