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Introdução
Uma imagem interessante do ser humano é sugerida pelo próprio Smith, em que ele
aponta nossos amores, nossa visão da boa vida, como determinantes para forma
como vivemos. A suspeita do dr. Smith tem fundamento, qualquer redução do ser
humano a um aspecto apenas, empobrece a vida e não apresenta todo o potencial
da Imago Dei. Os dois autores citados, possuem uma visão mais complexa do ser
humano, não idênticas, mas próximas o suficiente para o propósito desse artigo.
Somos seres pensantes? Sim, mas não só isso. Nossas afeições, sentidos e
imaginação desempenham um papel muito importante em nossa forma de viver.
Com isso em mente, percebemos que a doutrina cristã não deve apelar apenas a
nossa racionalidade, mas a todo o nosso ser. Meu objetivo com esse artigo é
investigar qual o impacto dessa visão reducionista do homem em nossa produção
cultural? Mais especificamente, como devemos pensar a produção de arte com uma
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O Cambridge Dictionary define Storytelling como “the activity of writing, telling, or reading stories” [a
atividade de escrever, contar ou ler histórias]
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SMITH, James K. A. Desejando o Reino: culto, cosmovisão e formação cultural. Tradução: A. G.
Mendes. São Paulo, Vida Nova, 2018.
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VANHOOZER, Kevin J. O Drama da Doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia
cristã. Tradução: Daniel de Oliveira. São Paulo, Vida Nova, 2016.
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visão mais holística do homem? Como apresentar a doutrina cristã de uma forma
que ela seja absorvida pela igreja e pelo mundo de uma forma mais completa e que
leve em consideração o homem como um ser mais complexo?
Cérebros em um palito?
A alternativa que o dr. Smith dá para o conceito de cosmovisão nos ajuda a perceber
outras formas de utilizar as histórias:
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Utilizo narrativas aqui como sinônimo de storytelling – contar histórias, nesse caso as narrativas
poderiam ser filmes, livros, seriados de tv, etc.
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TAYLOR, Charles. Modern Social Imaginaries. Londres: Duke University Press, 2004.
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James W. Sire na edição mais recente de O Universo ao Lado atualiza a definição do conceito com
base no livro Cosmovisão: a história de um conceito de David Naugle. Nele, Sire amplia o conceito, o
que, na minha opinião, abarca muito dos imaginários sociais de Charles Taylor.
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que histórias e narrativas tem um forte apelo a nossa imaginação, esta por sua vez
tem um capacidade de moldar a forma como interpretamos nosso mundo. A
sugestão que se segue é que ao criar histórias, seja na forma de livros, filmes ou
qualquer outro meio apropriado, podemos apresentar as doutrinas cristãs de forma a
alimentar a imaginação das pessoas e, consequentemente, “implantar” conceitos e
doutrinas cristãs em seu imaginário social.
Não estou sugerindo que o storytelling deva substituir a evangelização. O ponto não
é conversão que é papel exclusivo do Espírito Santo em que nós temos uma
participação secundária. Como já vimos o “saber” não é suficiente para nos fazer
viver corretamente, de acordo com as Escrituras. Ninguém deixa de pecar porque
sabe que é pecado, não pecamos por falta de conhecimento das proposições
bíblicas. Se a virtude viesse pelo conhecimento, o mundo seria um lugar melhor,
mas infelizmente a educação que nos “enche” de informações não tem poder de
mudar nosso ser.
A doutrina, então deve servir como roteiro e quanto mais “entranhada” ela estiver em
nós, mais fácil será atuarmos e improvisarmos em nossa atuação do drama de
forma adequada.
O poder da narrativa
Como Smith e Vanhoozer nos mostram, as histórias têm uma força de comunicação
extraordinária pois elas não “falam” apenas ao nosso cérebro, mas a todo nosso ser.
“Narrativas têm uma contribuição cognitiva toda própria; elas explicam o que Paul
Ricouer chama de ‘enredamento’. Narrativas expõem pontos em forma de história
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que nem sempre podem ser parafraseados em declarações propositivas sem que
algo se perca na tradução” (VANHOOZER,2016)
Nós nos relacionamos com filmes, livros, seriados e afins. Nos emocionamos com
histórias. As mensagens impregnadas nelas nos marcam de uma maneira que
declarações propositivas não fazem.
“Bakhtin observa corretamente que certos tipos de situações da vida real pedem
determinados tipos de discurso. Da mesma forma, determinado gênero corporifica
uma expectativa social, uma expectativa a que o leitor/ouvinte responderá da
maneira adequada, seja ouvindo, rindo, chorando, obedecendo, aderindo e assim por
diante.” (VANHOOZER,2016)
E mais:
É interessante notar que os diferentes tipos de narrativas nos gêneros literários nos
fazem experimentar o mundo de uma forma diferente. Mas qual a importância disso
para a comunicação da doutrina? E como isso pode ser utilizado para a divulgação
do evangelho?
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MCGRATH, Alister E. A Gênese da Doutrina: fundamentos da crítica doutrinária. Tradução: A. G.
Mendes. São Paulo, Vida Nova, 2015.
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Assim, parece que uma forma auxiliar de inserir pessoas no seio da comunidade de
fé e torná-las acessíveis as verdades do evangelho, poderia ser através da
disseminação dessas verdades através da produção de histórias que acabariam por
fazer parte do imaginário social da comunidade. Longe de ser uma alternativa ao
evangelismo e a apologética, a prática de produção cultural em forma narrativa teria
um papel secundário como auxiliar na construção de uma estrutura de imaginação
comunitária que fosse mais receptível ao cristianismo.
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Referência ao livro: ROOKMAAKER, Hans. A Arte não Precisa de Justificativa. Viçosa: Ultimato,
2010. Vale a pena citar também: ROOKMAAKER, Hans. Filosofia e Estética. Brasília: Monergismo,
2018 e SCHAEFFER, Francis A. A Arte e a Bíblia. Viçosa: Ultimato, 2010.
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Não estou aqui advogando um ideal platônico de Beleza, mas faço referência a como tudo de belo que há no
mundo tem um referente transcendental em Deus.
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Conclusão
Bibliografia