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Tema 1

Síntese
Objetivos de aprendizagem:
Neste tema vamos aprender que:
1) A literatura não são apenas livros e autores/as, mas um conjunto de práticas materiais e
simbólicas em que estão envolvidos vários elementos interrelacionados e interdependentes
conformando uma rede (sistema, campo).
A Literatura (ou um sistema literário concreto, como o galego, por exemplo) é uma Instituição
social na qual participam pessoas que se agrupam, que se organizam, e vão construindo com as
suas práticas e discursos um espaço de relações (sujeito também a relações de poder) no qual
são elaboradas e socializadas ideias de vário tipo (sobre a comunidade, sobre a arte, sobre a vida
...) que contribuem para a socialização de um determinado “sentido comum”.
2) Literatura é um conceito dinâmico. Da Idade Média até hoje a “literatura” nem significou o
mesmo nem foi utilizada para o mesmo (nem para/por os mesmos grupos sociais). Falaremos
nisto nos temas 2 e 3 mas, em síntese, desde a Idade Média assistimos na Europa à passagem da
literatura ao serviço da nobreza para a literatura ao serviço da nação (e também doutras classes,
ou da raça, ou do género, ...)
3) A construção da ideia atual de literatura (nacional) caminha de mãos dadas com o ensino da
literatura (nacional). No processo de institucionalização da ideia do que é e para que serve a
literatura (de naturalização dela, da sua integração no tal “sentido comum”) o acesso ao ensino
contribui para a socialização de ideias e de materiais (estilísticos, temáticos, linguísticos,
ideológicos, ...) e também para a sua seleção (por exemplo para fixar uma determinada tradição:
aquilo que é preciso lembrar, aquilo que serve como modelo, aquilo com que os grupos que
disputam a hegemonia nesse sistema literário pretendem identificar a comunidade, ...). Nestes
processos haverá (des)encontros entre os vários agentes envolvidos, até que algum deles consiga
impor (legitimamente) todo ou parte do seu programa de ação.
4) Entendemos por literatura galega aquelas práticas e discursos (e a rede de elementos
interrelacionados que as sustentam) consideradas literárias veiculadas em língua galega. O
consenso em volta desta norma (a língua galega como baliza para pertencer, ou não, à rede
identificada como “literatura galega”) é resultado do trabalho intelectual, cultural e sócio-
político de vários grupos de pessoas que conseguirom naturalizar esse ponto do seu programa de
ação. A literatura funciona também, desde o século XVIII como metonímia [a parte polo todo]
da nação (língua galega = literatura galega = comunidade [nacional] galega, por exemplo). Este
não é um processo único do caso galego, muito polo contrário, é o habitual na Europa na
Modernidade (também acontece no caso das outras literaturas ibéricas, claro).
5) Para conseguir entender estes processos será bom atendermos às relações de vário tipo que se
produzem em volta da literatura, tanto internas (entre os vários agentes [indivíduos, grupos,
instituições] que atuam num mesmo sistema) como externas (tanto com outros sistemas
literários [no caso galego, os ibéricos em geral e o português e o espanhol em particular] como
com outros campos sociais, quer onde circulam bens culturais quer onde se joga o poder,
político ou económico).
Aproximarmo-nos de tudo isto é a proposta para este curso e, para isso, será de utilidade utilizarmos
ferramentas que nos ajudem a entender todos estes fenómenos. A teoria sistémica articulada por
Itamar Even-Zohar (sobre o esquema da comunicação de Jacobson) para o entendimento da
literatura como uma rede de elementos interdependentes e interrelacionados pode servir para isso.
Ela explica-nos como os agentes responsáveis pola produção (“produtor/a”) operam ativamente
sobre os materiais, as normas e os modelos que têm ao dispor (“repertório”) e produzem elementos
repetitivos ou novos (“produto”) que circularam e serão trocados e valorizados no espaço social
concreto (“mercado”) para serem descodificados polas pessoas que conhecem e operam
passivamente no mesmo repertório (“consumidor/a”); o funcionamento desta rede está regulada por
organismos normativos específicos (“instituição”).
Exemplos:
Produtor/a: pessoas escritoras mas não apenas, também tradutoras, editoras,
conferencistas, ... Toda a gente produz alguma cousa...
Consumidor/a: pessoas leitoras, ouvintes, teleespetadoras, ... As consumidoras agrupam-se
no “público” e às vezes confundem-se com o mercado. Toda a gente consome alguma
cousa...
Repertório: uma língua, uma ideia (a do amor, a da arte, a da nação, a de deus, ... a utilidade
de escovar os dentes, ...) uma forma poética (um soneto, por exemplo), as regras para
construir esse soneto ou para escovar os dentes, um género literário, ...
Produto: um livro, um conto, uma ideia, um discurso, ... Qualquer elemento do repertório
produzido novamente (sobre algo que já existe) ou repetidamente...
Mercado: por exemplo a corte na Idade Média (que funciona também como instituição e, em
muitos casos, agrupa produtores e consumidores), ...
Instituição: uma academia, uma editora, um partido político, …
Tentaremos focar os conteúdos da matéria neste quadrimestre reparando também, primeiro, no
funcionamento do campo cultural, nomeadamente do literário, em relação com o poder político,
económico e ideológico com que se relaciona; depois, nas relações internas e a estrutura desse
campo cultural (aqui o literário) e, por último, levaremos em conta, também, a trajetória particular
de algumas pessoas porque nos podem ajudar a entender o funcionamento do sistema em cada
período em foco, ou porque elas e os seus produtos são consideradas valiosas (em última instância,
para entendermos também os processos de atribuição de valor de que forom objeto, de
canonização).

Bibliografia referida na apresentação:


Abreu, Márcia (2003): História da literatura: o discurso fundador. Campinas, São Paulo: Mercado de
Letras, Associação de leituras do Brasil: Fapesp, 2003.
Bourdieu, Pierre (1989), “El campo literario. Prerrequisitos críticos y principios de método”. Criterios. La
Habana. 25-28 (enero 89-diciembre 90).
Carballo Calero, Ricardo: Historia da literatura galega contemporánea. Vigo, Galaxia, 1963 (2ªed. 1975)
Casanova, Pascale (2005): “La literatura como mundo”, New Left Review 31, pp. 66-83
https://newleftreview.es/issues/31/articles/pascale-casanova-la-literatura-como-mundo.pdf
Even-Zohar, Itamar (2017): Polisistemas de cultura.
https://www.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/polisistemas_de_cultura2007.pdf
Mignolo, Walter (1998): “Los cánones y (más allá de) las fronteras culturales (o ¿De quién es el canon del
que hablamos?)”, in Sullà, Enric: El Canon literario. Madrid, Arco Libros, 237-270.
SOUZA, Roberto Acízelo de. “A instituição dos Estudos Literários no Brasil”. In O império da eloquência.
Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 1999. p. 17-37.

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