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Ainda no âmbito da questão da oralidade, mas agora assumindo uma análise crítica
do discurso Jean-François Loytard quando aborda a “Pragmática do saber
narrativo” (LOYTARD, 1986, p. 42) afirma que a legitimação do saber denotativo,
que na pós-modernidade implica o saber fazer, saber viver, saber escutar, aborda o
saber do costume (ou do senso comum). Segundo Loytard o “saber tradicional”,
que se distingue do saber científico, emerge na Europa do século XVIII e XIX
como uma legitimação do novo saber da burguesia, em oposição ao saber
teológico. O saber popular, da tradição, fundado em genealogias que se perdem nos
tempos, visto como um saber puro, procura legitimar novas relações de poder.
“Estas histórias populares contam o que se pode chamar formações (Bildungen)
positivas ou negativas, ou seja os êxitos ou os fracassos que corroam as tentativas
dos heróis, e estes êxitos e fracassos conferem legitimidade às instituições (função
dos mitos), ou representam modelos positivos ou negativos (heróis felizes ou
infelizes) de integração nas instituições estabelecidas (lendas contos). Estas
narrativas permitem portanto definir, por um lado, os critérios de competência
próprios da sociedade em que são contados, e, por outro lado, avaliar, graças a
esses critérios, as performances que neles se realizam ou podem realizar.”
(LOYTARD, 1986, p. 45).
Mais, Loytard encontra ainda mais três funções neste tipo de discurso narrativo:
Ele é constituído por uma pluralidade de jogos de linguagem, que permite uma
complexidade de enunciados denotativos, e por uma forma de transmissão com
regras fixadas na pragmática. (LOYTARD, 1986, p. 46). Nesta última função o
autor considera que a transmissão da narrativa, na oralidade obedece a lógicas de
enunciação em que o narrador participa no próprio enunciado, sendo que a
legitimação do discurso advém pela participação do “narratário” e do auditório.
(LOYTARD, 1986, p. 47). Para além disso, esta forma de narrativa, como
performance, obedece a um ritmo. O ciclo de exposição e repetição dão origem à
formação de competências por interiorização. A competência nestas comunidades
constrói-se assim, segundo o autor, pele exposição sucessiva às várias narrativas,
sendo que através desse processo ele se vai sucessivamente actualizando. E essa
actualização é uma actualização dupla. Do referente e da memória do participante.
(LOYTARD, 1986, p. 50).
No seu trabalho vai apoiar-se ainda nas propostas de Denise Paulme que através
duma análise específica dos contos africanos opera algumas adaptações
metodológicas. Mantendo a macro tipologia ascendente/descendente, a autora parte
da análise da estrutura narrativa mais simples para o mais complexo. Assim, na
narrativa ascendente à uma situação inicial de carência (1), seguida da
apresentação das provas (2) à qual se segue o processo de ultrapassar as
dificuldades (3). Por vezes, nesta narrativa verifica-se a ocorrência da magia (que
ajuda a solucionar o problema). Dentro desta classificação ascendente, encontram-
se várias variantes. Igualmente no âmbito das narrativas de tipo ascendente
apresentam-se ainda algumas outras categorias, como por exemplo de interdição ou
submissão à tradição (fidelidade), transgressão, punição. Há ainda outro tipo de
combinações, que resultam de aplicações de esquemas desonestos, (truque) que
pode ser aberto (revelado) ou fechado (oculto). Acrescenta ainda, em relação à
morfologia das narrativas de tipo cíclico (que se ajustam aos mitos) em espiral, em
espelho (que se aplicam às narrativas iniciáticas) em ampulheta (que representam
comportamentos diferentes. O critério e a grelha de classificação dependem, nesta
metodologia, dos sentimentos das personagens. Em suma, a proposta de trabalho
de Lourenço do Rosário tem como objectivo principal analisar a narrativa da
oralidade em busca das correspondências entre as narrativas e o universo social
(ROSÁRIO, 1986, p. 112)
Mas vejamos como é que este assunto tem vindo a ser trabalhado em Moçambique.
A narrativa oral, em Moçambique tem tido a atenção de vários projetos editoriais.
Por exemplo a Colecção Cinco Mares, da Editora Paulista Mar Além (CAVACAS,
2001) publica uma recolha de Provérbios Orais Moçambicanos . A intenção da
publicação desse tipo de textos “em estado bruto” tem um objectivo de contribuir
para a sua preservação em face da percepção de ameaça de desaparecimento e um
compromisso com a divulgação “da noção de identidade que anima a história
destas gentes e destas terras” (CAVACAS, 2001, p. 9). Trata-se portanto de uma
antologia de textos sem uma abordagem crítica.
O interesse para o nosso trabalho de mobilizar esta reflexão sobre a literatura oral e
a literatura moçambicana recente centra-se precisamente no fato de através dela
podermos problematizar a tensão entre a tradição e modernidade no âmbito da
afirmação das hegemonias. Esta tensão apresenta-se muito frequentemente como
uma contradição. Entende-se a tradição como uma forma original (pura) e a
modernidade (como uma dissociação construída sobre essa originalidade inicial
por efeitos exteriores com o objectivo de a recentrar num outro tempo, concebido
como mais moderno). Ao conceber a tradição como uma forma seminal sobre a
qual o devir vai exercer um processo de transformação, é muitas vezes visto como
uma corrupção da pureza da harmonia original. O ato criativo, que constrói uma
nova visão da tradição na modernidade é assim proposto como uma nova narrativa
de legitimação da hegemonia.
Não estando completamente de acordo com as palavras da autora, quando nas suas
conclusões que aponta a narrativa curta, do conto, como uma busca duma
especificidade africana feita com base na análise das raízes para construir o futuro ,
e ultrapassando aquilo que nos parece uma falsa oposição (entre o tradicional e o
moderno), na medida em que o conto, como vimos, pode ser também uma releitura
do presente, interessa-nos sobretudo inserir a problemática a utilização do conto
tradicional e moderno na prática museológica.
15Mulemba. Rio de Janeiro: UFRJ, v.14, n.2.e escritor britânico Kobena Mercer
sobre “a emergência de culturas híbridas” no mundo atual. Nas refle-xões de
Mercer, “a emergência de culturas híbridas”, no seio de nações como a Inglaterra,
mostra-se como assunção da força subversiva de processos culturais que
desestabilizam e carnavalizam a língua da nação, “através de inflexões
estratégicas, que fortalecem novos índices de valor e outros movimentos
performati-vos nos códigos semântico, sintático e léxico”. (MERCER, 1994, p.
63). No caso específico da produção literária dos países africanos de língua
portuguesa, vários estudiosos têm utilizado expressões diversas4 para indicarem
características do trabalho literário que remete a usos, pelo escritor ou pela
escritora, de recursos próprios do domínio da oralidade. Ana Mafalda Leite (1998)
discute algumas afirmações de teóricos que, em sua opinião, defenderam uma
visão essencialista da oralida-de, vendo-a como um traço característico da
produção literária africana que estaria “radicada nos “Mestres” africanos, os griôs”,
sendo indicadora de uma “noção de continuidade entre a tradição oral e a
literatura” (LEITE, 1998, p. 14). Tais percepções fundamentam considerações
sobre as literaturas africanas, definidas a partir da “forma como fazem eco, ou
filtram, as tradições orais” (LEITE, 1998, p. 27), tornadas elemento importante da
autodefinição exigida não apenas pelos teóricos europeus, mas também por
teóricos africa-nos que consideram a oralidade como uma das marcas das culturas
africanas. Para muitos, a riqueza das tradições orais define modos de ser e de
perceber o mundo, fazendo, portanto, mais sentido para os povos do continente. É
claro que essa posição faz parte de um critério de valoração de uma produção
textual oral que se mostraria mais afeita aos africanos e, por extensão, às pro-
duções literárias produzidas por escritores africanos. Decorre dessa posição a ideia
de herança oral como traço revelador da especificidade literária africana que se
voltaria, por isso, aos gêneros orais praticados pelas sociedades pré-coloniais no
continente africano. Ana Mafalda Leite (1998) considera que, na verdade, muitos
estudiosos, ao defenderem a força das construções orais nas sociedades africanas,
acabaram por fortalecer a oposição entre oralidade e escrita, ainda quando
defendiam a rasura das fronteiras entre os dois campos. É pertinente ainda
considerar que a defesa à herança calcada na oralidade que seria assumida, de
alguma forma, pelas literaturas africanas faz parte de um processo de afirmação da
identidade dessas lite-raturas, em oposição aos valores defendidos pelas literaturas
ocidentais. O que pode ser entendido como uma proposta de autenticidade literária
– aliás, presente em movimentos como a Negritude e o Negrismo cubano –não
significaria que os escritores africanos em geral e os escritores africanos de língua
portuguesa, em particular, valham-se do contato concreto com as tradições locais e
nem mesmo com as línguas locais de seus países, trazendo para seus textos uma
experiência concreta com os falares orais de seus países. Isso porque, como
acentua Leite (1998, p. 30), grande parte dos escritores africanos passou pelo
sistema de assimilação, outros têm ascendência europeia, logo herdaram outros
costumes, e quase todos são oriundos dos centros urbanos e nem sempre têm
contato constante com os espaços rurais de seus países. Acrescente-se a esses
fatores a fragmentação dos valores tradicionais nos centros urbanos, mesmo que se
entenda que, na época atual, os espaços rurais podem ser atravessados por
ressaibos da modernização que, aos poucos, alcançam os cantos mais distantes dos
centros urbanos. Todos esses fatores permitem considerar que a defesa da presença
de traços profundos da oralidade na produção escrita dos escritores africanos de
língua portuguesa não pode ser vista a partir de uma coerência imaginada, mesmo
com relação a escritores de um mesmo país. É preciso relativizar algumas
afirmações sobre peculiaridades das literaturas africanas que se mostram herdeiras
de uma oralidade concreta, bem como os modos como as categorias de oralidade
foram 4 Os termos oratura, literatura oral, oralitura aparecem em discussões
teóricas, muitas vezes, com sentidos semelhantes. Literatura e oralidade africanas:
mediaçõesp. 12-23, jul/dez 2016. ISSN: 2176-381X
18Em outra estrofe, o poeta inscreve no poema versos de canções cantadas pelas
“beçanganas bonitas /que cantam pelas rebitas” em língua oral:Muari-ngana
Santodim-domualó banda ó calaçaladim-domchaluto mu muzumbodim-dom...
(CRUZ. In: FERREIRA, 1998, 166)É importante ressaltar que várias produções
literárias referentes ao final dos anos 1940 e início dos anos 1950 indicam a
intenção de escritores e intelectuais de trazerem, para as criações literárias, os
costumes de espaços habitados pela população pobre, majoritariamente angolana,
os chamados musseques periféricos da cidade de Luanda em que se conservavam
muitos dos costumes característicos da população africana. No período aludido,
começam a ser conhecidas, em Angola, as produções literárias de Luandino Vieira
que, aos poucos, irão assumir traços nítidos das misturas de linguagem
características do univer-so encenado em seus livros e que se fazem elementos
identificadores de seu estilo, como a apropriação intencional de “marcas advindas
da língua quimbundo”7. Embora a apropriação do discurso popular e de
construções advindas do kimbundo seja entremeada de recriações e inventividades,
a sua intenção era apreender particularidades do kimbundo relacionadas ao uso dos
tempos verbais e das preposições (VIEI-RA, 1980, p. 60). A língua “misturada”,
característica do português que assume construções próprias do kimbundo, está
visível, em sua escrita, a partir do livro Vidas novas, escrito em 1962 e publicado
em 1975, que já exibe grande número de inovações provenientes da fala popular da
capital angolana. Luuanda, escrito em 1963, reforça o processo de misturas de
línguas e de inovações advindas da oralidade que atingirá seu máximo em obras
como Velhas histórias (1974) e João Véncio: os seus amores e em outras mais
recentes8.No romance João Véncio: os seus amores, publicado em 19799, a
apropriação da língua falada, conforme informa o escritor, mostra-se influenciada
pelo contato direto com um falante do português misturado, característico de
determinados espaços da cidade de Luanda10. A fala do protagonista João Véncio
mistura, na forma oral em que ele se expressa, construções morfossintáticas e
lexicais da língua portuguesa e do kimbundo, e de códigos dos discursos do Direito
e da religião cristã e de referências a conhecimentos “mal costurados” que invadem
a sua fala. Nesse romance, o pacto ficcional assume uma intenção interlocutiva de
que fazem parte os volteios característicos utilizados pelo protagonista João
Véncio desde o convite feito ao mudiê11, para assumir o jogo proposto por ele:
“Dou o fio, o camarada companheiro dá a missanga” (VIEIRA, 1987, p. 13). É
interessante observar que o contrato proposto estabelecerá as regras da relação
entre João Véncio e seu interlocutor e os lugares que cada um ocupará na cena
enunciativa. Quem tece os meandros da conversa é João Véncio que se vale dos
recursos de que lança mão para explorar recursos permitidos pela liberdade do
escritor de criar, ainda que esteja atento aos usos da língua popular, conforme
revela o escritor (VIEIRA, 1980, p. 58). A fala do narrador do romance resgata,
intencionalmente, as “mil cores de gente, mil vozes” (VIEIRA, 1980, p. 41) do
musseque que se misturam aos conhecimentos que o 7 Sobre essa questão, ver as
declarações do escritor no livro Luandino – José Luandino Vieira e sua obra
(estudos, testemunhos, entrevistas), organizado por Michel Laban (1980), p. 57-
62.8 Referimo-nos aos romances: O livro dos rios (2006), que pode ser
considerado “um reencontro com a impressionante linguagem que marcou
profundamente o itinerário da ficção de seu país”, conforme observa Rita Chaves,
em comentário publicado na Carta Maior, 21 dez.2006, e O livro dos guerrilheiros
(2009), o segundo volume da prometida trilogia De rios velhos e guerrilheiros.9
Todas as citações do livro, neste artigo, são feitas a partir da 2a. edição da Edições
70, 1987. 10 Sobre o uso da língua kimbundo nesse romance, ver FONSECA
(2014a) e FONSECA (2014b). 11 Conforme o escritor: “uma palavra quimbunda,
quer dizer: patrão, senhor” (VIEIRA, 1980, p. 59).
RESUMO
direta a uma discussão de caráter teórico que mobiliza mais questões do que
Culturas acústicas.
não existente, baseada numa obscura justificativa de que seu suporte de produção
que buscavam corroborar uma visão de que espaços sociais como a África – mas
também a Ásia, a Oceania e outras paragens em que o colonialismo europeu se
desenvolveu – eram passíveis de colonização, uma vez que, sem cultura, esses
A “África oral”
Um dos momentos altos desse embate, e, sem dúvida, um dos mais célebres, é
texto é construído num tom reivindicatório, e surge aos olhos do leitor atual como
que se encontrava depositada naquilo que ele chama de “tradição oral”. Partindo,
cultural africano que não contou com o suporte material visual até o contato com
as
culturas europeias, já durante o colonialismo. A preocupação principal de
HampâtéBâ parece ser a de refletir a respeito das fontes orais do conhecimento a
partir de
desmoronar aos seus olhos inúmeras formas de organização social que suportavam
lhes restariam senão a figura da morte. Aimé Césaire, por exemplo, reflete:
da cultura deste povo, cultura que, por outro lado, ela condiciona.
que, por si só, já definia a tecnologia europeia como uma forma hegemônica, a
daquele que permitiu ao etnólogo malinês produzir a sua análise. Por princípio,
Hampâté-Bâ está atento ao risco iminente em que incorre sua análise, e faz
considerações ligeiras que devem ser observadas como uma questão de método
de seu texto:
Nas tradições africanas – pela menos nas que conheço e que dizem
p. 169).
Ou ainda:
2010, p. 179).
A questão da dificuldade metodológica que cerca a possibilidade de enunciar
grandes definições que sejam verificáveis em todo o continente africano parece ser
uma barreira para a qual o etnólogo estava atento. Nem nos mais longínquos
avanços
é ignorar casos absolutamente relevantes como, por exemplo, as figuras dja, dos
povos Akan (distribuídos entre a Costa do Marfim, o Gana, o Benin, entre outros),
comumente chamados de “pesos de bronze” (mas nem todos são “pesos” e nem
etíopes e eritreias, como o amárico, o tigré, a própria língua ge’ez, entre outras
daqueles países.1
ênfase despropositada num fictício caráter “oral” válido para o continente todo é
Mas não parece ser esse o caminho que segue Amadou Hampâté-Bâ quando
disso, seu empenho naquele texto não é de provar que a África toda desfruta de
uma essência oral comum e que partilha de valores sociais relativos a essa essência
destroçadas pelo colonialismo, isso sim, deve ser estendido a todo um continente,
e mais, pode ser estendido para quaisquer espaços no mundo em que uma cultura
também por uma elite política e econômica que, a propósito de considerar essas
Será porventura esse outro debate suscitado pelo texto de Hampâté-Bâ o que
A “tradição oral”
“tradição” suscita maiores discussões. Com efeito, existe certa tendência latente,
norte do continente com sua porção sul, e contrária também a uma visão que
constata que a África, em suma, nunca esteve isolada na sua solidão obscura,
mas sim, alimentou relações com inúmeros outros espaços (a região sudanesa
a África Austral com a China, a Índia e regiões da Oceania, etc.), essa visada
nos usos mais extremos de um conceito de “tradição africana”, que há muito tem
sido questionado.
transcrevemos aqui:
A dissertação de Obarè Bagodo investe pesado no sentido de, cada vez mais,
por sua vez, historicizar mesmo sua origem a partir do decreto proferido pelo
durou do século XVI até o XIX, de que as outras culturas que encontrava em
Botoyiyè, afirma justamente que o repertório cultural endógeno africano, por não
estar preservado numa forma fixa visual como a escrita, mas sim dependente de
Por isso mesmo, Botoyiyè afirma que a expressão “tradição oral” é um paradoxo
(BOTOYIYÈ, 2012, p. 349). Ainda que não seja possível confiar totalmente na
graves problemas filológicos que cercam textos antigos que nos provem o quanto
e histórico das culturas endógenas transmitidas por vias acústicas, o que depõe
contra a utilização do termo “tradição” como significando algo absolutamente
da ciência, Bagodo busca derrubar os mitos que cercam a oposição entre uma
ciência moderna foram postos em xeque, como a distinção entre sujeito e objeto,
são os desafios do século XXI para os saberes endógenos, Bagodo até apresenta
civil para esses saberes dentro dos modernos Estados africanos. E nesse ponto,
exatamente, reside uma ligeira crítica do texto de Bagodo, que acaba sendo uma
saberes africanos endógenos que não passe por políticas de gestão que promovam
o intercâmbio, a pesquisa, o registro, a tradução, a transcrição e contato entre
2012, p. 60).
o meio de capitalizar o depósito dos saberes orais. Isto deve ser uma
há mais do que uma via, é encontrar para eles um lugar nos canais
p. 349).
de imediato, acerca do quão difícil tem sido mesmo a consolidação dos sistemas
consolidação dessas instituições passa por carências extremas (cf. a esse respeito
democrática e mais etnográfica de atuação? Pelo menos no que tange aos países
flagrante falta de vontade política, valha a pena confiar num percurso teórico que
composta por qualquer coisa a que se chame “oralidade” – pois, como parece
óbvio, os percursos teóricos não são totalmente abstrativos das vulgatas políticas
e dos discursos oficiais que regem a hegemonia do poder. Relegada ao seu eterno
estatuto imóvel, sem história, é possível, inclusive, perceber conflitos entre essa
acarreta muito mais problemas do que parece, e se o seu uso não estiver atento
sua mera substituição, mesmo que o novo seja mais positivo e idealizador que o
repertórios culturais endógenos transmitidos por vias acústicas devem ser vistas,
de 1930 não guarda as mesmas relações com o repertório endógeno acústico que
que marcaram a produção da década de 1950 não devem ser considerados como
linhas mestras e diferenciais de uma literatura que se estenderá por mais décadas
construir uma visada crítica acerca das próprias condições de vida das populações
estruturas do Estado colonial português. Para isso, cumpre realizar uma rápida
falar português, estava desligado de todos os costumes tribais (sic) e que tinha
e social que desvalorizava cada vez mais sua cultura e a considerava como
“nãocivilização”, mesmo quando tomava a consciência da exploração, deveria
estar
dentro dos limites proporcionados pelo sistema que o assimilava, o que justificaria
o período que veria o fim das limitações apresentadas pelos antigos assimilados
Andrade:
A linha de continuidade situa-se no plano dos temas essenciais do
p. 185-186).
cuja presença na cidade consistia numa oferta de mão de obra barata, cada vez
mais solicitada por conta da intensa urbanização que assistiu Moçambique desde
os primeiros decênios do século XX. Esses bolsões suburbanos terão seus nomes
do autor).
Esse novo quadro social gerará um novo contexto discursivo que verá nascer
surgir nesse período uma arte empenhada, que transcendia as pertenças culturais
mais do que isso, reivindicavam o direito a essa pertença. Esse período viu surgir
um esforço crítico que analise em cada peça e cada obra de arte a busca desses
autonomista.
Orlando Mendes, Noémia de Sousa, José Craveirinha que produzirão uma obra que
da aldeia e só tinham acesso àquelas culturas conforme alguns (ou muitos) traços
ser úteis para uma interpretação de sentido identitário, são sobremaneira variadas,
de autor para autor, e de obra para obra, de modo que dependeríamos de várias
bens culturais ocidentais estava livre dos códigos restritivos impostos pela antiga
expandido, porém, podem ser vistas, como é o caso de Noémia de Sousa e sua
dimensão étnica coletiva, em certos poemas em que o eu lírico se autoenuncia
como
todo o mundo, e ainda a questão do trabalho, que em ambos os poetas irmana este
trabalho alienado.
do interior dos textos literários, como os próprios textos são, a um tempo, um dos
motores de produção dessa identidade. José Luís Cabaço esclarece alguns pontos
Resta, pois, saber se o modelo específico dessa literatura que precisava conviver
com a tomada de uma consciência da diferença – para ficar nos termos de Cabaço
– pode ser ampliada para além desse momento. Como vimos, a proposta analítica
por dois elementos distintos, quais sejam, (i) uma tradição oral que se
metamorfoseia
de “tradição oral” e o que é que pode ser considerado como “tradição inventada”
na
desde a primeira antologia da Poesia de combate era seguido fielmente. Pois essa
literário que se afinasse apropriadamente como poesia didática para cumprir com
uma literatura que funcionasse como uma “engenharia de almas”, uma forma de
controle intelectual a partir da arte para que a obra, uma vez rejeitados os valores
dezembro de 1971 e janeiro de 1972, cujos objetivos, mais do que uma avaliação
pelo corpus da Poesia de Combate), era elaborar diretrizes para uma verdadeira
elaboradas, mas, também, alguma teorização acerca do que seria a própria poesia
revelava certa preocupação com a divulgação poética num contexto em que não
Nesse sentido, temáticas como os episódios da guerra nas matas eram vistas
como motes de maior valor revolucionário que temas como poemas de amor,
rechaçados como puro ócio burguês, e alienados. Com efeito, o conceito de poesia
combate I]
modo pelo qual este tipo de prática poética deste período da história literária de
linha de atuação própria, com fortes traços maoístas e stalinistas (MALOA, 2011,
p.
87). Tratava-se de uma tendência de ação cultural que, quando alçada a política de
coerção cultural que privilegiava uma nova forma de identidade em detrimento das
Homem Novo era um perigo demasiadamente grande para ser exaltada como um
valor nacional. Tornava-se, por assim dizer, um tabu, um local interdito para as
formas culturais que se encontravam naquele espaço colonial e que, agora, deveria
ser um país.
Assim, não será possível ainda dizer que aquele tipo de nacionalismo
a partir de dados culturais que eram valorizados, ainda continuasse ativo da mesma
produção.2
e depois.
Mas, ainda assim, precisamos aumentar mais uma vez, ad infinitum¸ o número
dos “carris” desta discussão com a inclusão de toda a produção que se segue
1980, organizado pela Revista Tempo, que não atribui o prêmio a nenhum dos
Ka Khosa. É preciso também fazer referência a nomes como Calane da Silva, Lilia
Momplé, Mia Couto e Albino Magaia, que iniciam suas atividades nesta década
nomes que publicarão a partir da década de 1990, como Paulina Chiziane, Nelson
1980, esses nomes todos começaram a produzir com um nível de reflexão estética
acústicas seja recorrente nas obras desses escritores, sobretudo como forma de
compõem o espaço sob sua gestão. Esse recurso aos dados específicos de culturas
endógenas, no entanto, ao invés de ser visto agora como uma petição de princípio
da crítica, deve ser visto como um recurso que toma lado de diversos outros, a que
os escritores podem ou não lançar mão.
Considerações finais
poderia nunca produzir uma cultura homogênea o suficiente para ser considerada
em bloco. Mas as ciências humanas acerca de África não extraem seus argumentos
a partir do senso comum, a menos que deseje estudá-lo, por sua vez. As ciências
específicas. Nesse sentido, acreditar que a África toda conspira numa espécie
de essência formada por uma “tradição oral” acarreta mais problemas teóricos
que soluções, incorrendo num risco grave de se criar outra generalização, como
esse repertório cultural endógeno atravessa a escrita numa língua cuja origem é, a
da crítica, de constantes estéticas para uma produção tão larga e tão variada,
exemplo).
urbana da década de 1980, a chave de leitura precisa então ser vista com um
todos podem escrever sobre quaisquer temas e de quaisquer formas, sem que
exista uma pretensa forma crítica para validar a africanidade de seu escrito, seja
o que se chama “tradição”, seja o que se chama “oralidade”, seja o que se chama
para o mundo, em pleno século XXI, muito mais diferenças que semelhanças.
Abstract
The use of the term “African oral tradition” makes direct reference to a
the existence of an African tradition and an African orality, and then discuss
Acoustic cultures.
Referências
Mulemba, 2012.
2010.
Minas, 2003.
Curitiba, n. 8, 1997.
Interfaces Vol. 7 n.2 (dezembro 2016) 76ISSN 2179-0027em comum entre duas
obras dos escritores nigerianos Chinua Achebe e Chimamanda Ngozi Adichie, em
O mundo se despedaça e Hibisco roxo, respectivamente, em que os autores
evidenciam aspectos da aculturação sofrida pelo povo africano, fazendo perceber
experiências vivenciadas pelos africanos nas suas práticas culturais e tradições. É
impossível dissociar essas experiências em textos africanos, pois a cultura
persegue o autor de todas as formas, até porque o seu mundo é aquele que o rodeia.
Essas duas leituras nos possibilitam conhecer os efeitos que as nações
colonizadoras deixaram na cultura dos países colonizados, mais especicamente
na Nigéria, permitindo, assim, uma análise de diversos aspectos, como política,
losoa, artes, e principalmente a questão da religiosidade. O livro O mundo se
despedaça, lançado no Reino Unido em 1958 com o título Things Fall Apart foi
traduzido e publicado no Brasil, em 2009, pela editora Companhia das Letras e
Hibisco roxo ou Purple hibiscus, título originalmente lançado em 2003, em língua
inglesa, foi publicado no Brasil em 2011, também pela mesma editora. Pode-se
perguntar que relação existe entre a literatura africana e o ensino juvenil no Brasil?
O interesse por essa temática surgiu, inicialmente, com a leitura de Achebe que
apresenta o choque provocado pelo contato das culturas do povo ibo da Nigéria
com a chegada do homem branco, vindo da Inglaterra para colonizar suas terras,
impondo religião e credo, evidenciando, de forma gritante, a intolerância religiosa.
Em segundo lugar, as leituras das duas obras zeram nos reetir sobre a
importância do conhecimento através da divulgação da história e da cultura
africanas no contexto brasileiro, principalmente em razão da nossa miscigenação,
formada por uma diversidade de etnias do mundo, incluindo a africana. A Lei
10.639/03 versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana,
ressaltando a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira.
Essa questão não só deve ser tarefa dos professores de história, mas também dos
professores de literatura, uma vez que essa cultura é riquíssima em tradições e
realidades bem pouco conhecidas e exploradas pelos brasileiros. Isso é o que
designaríamos por interdisciplinaridade. O texto literário, ao nosso ver, pode ser
um instrumento fundamental na divulgação de aspectos que unem os brasileiros e
os povos africanos, bem como as suas diferenças, que, de certa forma, voltam a
unir-nos como nações, como seres humanos que têm necessidade de
desenvolver a solidariedade uns com os outros. A pesquisa tem por objetivos: (a)
comparar as obras O mundo se despedaça e Hibisco roxo sob o ponto de vista
literário; (b) levantar aspectos importantes da cultura e tradições africanas; (c)
discutir metodologias de ensino e divulgação dessas tradições e culturas em jovens
e adolescentes das escolas da educação básica brasileira. A pesquisa levanta
questões inerentes ao ensino da literatura entre jovens e adolescentes ligando se à
cultura e as tradições. Primeiramente, se aborda questões da oralidade como ponto
de partida para transmissão da cultura. Nessa parte, discute-se as complexidades
dos conceitos de oratura versus literatura. Procurou-se falar da importância do
estudo dos contos africanos em sala de aula como instrumento importante para a
partilha de cultura. Em seguida apresentou-se, de forma separada, as análises dos
dois romances: O mundo se despedaça, de Chinua Achebe e Hibisco Roxo, de
Chimamanda Ngozi Adichie. Mais adiante, identicou-se marcas linguísticas
em contos africanos e debates sobre como ensinar a literatura africana de forma a
reconhecer sua identidade cultural e linguística. O trabalho termina com a
apresentação das considerações nais e referências bibliográcas.1. A
oralidade como o ponto de partida da transmissão da culturaOs povos africanos, na
sua maioria, são de tradição oral, o que signica que a transmissão das culturas,
das tradições e dos modos de ser e de estar em sociedade são transmitidos pela
oralidade. É sabido que a escrita surgiu no Egito há 3000 anos a.C, mas não
inuenciou os povos, nem as línguas do grupo bantu, localizados
geogracamente na região central e sul do continente africano.A importância dos
mais velhos nas tradições africanas, em especial dos povos do grupo bantu, se dá,
principalmente, porque são eles que passam a bagagem de conhecimentos
acumulados ao longo da vida para as novas gerações. Os contos são, sem dúvida, o
ponto de partida para essa troca de conhecimentos culturais. O ensinamento se
baseia em uma história, ou um conto, do qual se extrai a moral, quer dizer, o
conhecimento.