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Sumário

Como conheci a Umbanda...........................................................................1


A PRIMEIRA GIRA...........................................................................................7

Como conheci a Umbanda


Assim como muitas pessoas, nasci em uma família católica não
praticante, dificilmente frequentava missas, rezava no natal, aprendi o
básico sobe o catolicismo, também como muitas pessoas fui batizado e
crismado na igreja católica, já que, se não o fizesse não iria poder casar.

Respeitando sempre todas as religiões fui crescendo, sempre com fé


em um Deus maior, rezava toda a noite um pai nosso, uma ave maria, um
santo anjo, pedia e agradecia, a fé já estava em mim.

Muito curioso e pouco engessado, fui conhecendo outras religiões,


mas continuava a não me encaixar, entretanto a minha ignorância sobre
as religiões de matrizes africanas me causava um medo indescritível, só de
pensar em incorporação e espíritos minha espinha gelava.

Engraçado que por muitos anos escutei pontos em forma de


músicas sem saber, vi filmes sem entender, vi guias achando que eram
apenas adereços, a Umbanda sempre esteva ali, tão presente e ao mesmo
tempo imperceptível, como ainda o é aos olhos menos treinados.

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A umbanda se mostrou para mim de uma forma inusitada, gosto de
pensar que nada é por acaso e tudo acontece quando realmente deve
acontecer, então aquele ponto riscado deveria ter se descolado da mesa
do meu sócio no exato momento em que eu cheguei para trabalhar.

Era um dia normal e eu cheguei para trabalhar assim como fazia


todos os dias, como eu chegava antes, era responsável por fazer o café,
ajeitei a cafeteira, abri as cortinas, janelas, lembro que fazia um dia
bonito, sol, calor, o céu estava azul e limpo, algo raro em Curitiba.

Nosso escritório ficava no primeiro andar e possuía uma sacada,


devido ao clima abri as portas e me virei, café pronto, me servi e fui até
minha mesa, quando me sento, uma corrente de ar adentra a sala, se é
que era uma corrente de ar, subitamente arranca um pedaço de papel que
estava colado em baixo da mesa do meu sócio.

A mesa do meu sócio, ficava na mesma direção da minha, era quase


de frente, separada por uma área de circulação e a mesa de reuniões.
Quando juntei o papel e fui deixar em cima da sua mesa, acabei por
perceber que algo estava escrito e fui ver se não era algum documento
importante que havia sabe-se lá porque tentado suicídio se jogando das
gavetas dele, mas me deparei com algo inédito até então para mim e que
me espantou.

Naquela folha tinha um desenho estranho, uma figura feita em


vermelho e preto, eram vários tridentes, algumas cruzes, meu primeiro
pensamento foi, o meu sócio fez pacto com o capeta.

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Não consegui trabalhar até meu sócio chegar, pesquisei de tudo na
internet para tentar descobrir o que era aquele desenho, em 60 minutos
me transformei em um demonólogo, como eu era fã do seriado
supernatural, fiz todas as conexões imaginárias e que um ignorante no
tema poderia ter feito e concluí, ele tinha vendido a alma.

Após a equivocada conclusão, ele pouco demorou a chegar.


Chegou, me cumprimentou, pegou seu café, sentou e me olhou, como eu
sou uma pessoa muito comunicativa é fácil perceber quando algo não está
me agradando, sou muito transparente, então não demorou para ele me
perguntar o que havia acontecido.

Sem saber como falar, preferi uma abordagem direta e falei;

- Cara o que é isso que estava nas suas coisas, você é satanista? Eu
morro de medo dessas coisas e eu acredito em Deus, não dá para você
colocar essas coisas no escritório. Ele abriu um sorriso meio envergonhado
e respondeu:

- Eu queria ter falado sobre isso com você, não tem nada a ver com
Diabo ou qualquer coisa ruim, isso é um ponto de proteção e
prosperidade de Exú, como sei que você tem muito medo, achei melhor
não contar que sou umbandista.

Depois dessa informação minha cabeça não parou, primeira


pesquisa que fiz foi, o que é Exú? a segunda foi como funciona a umbanda
e a macumba?

Percebendo que minha ignorância e meu preconceito haviam criado


uma lente ao qual a tal da Macumba era um grande mistério, comecei a

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estudar e isso foi um óculos que me ajudou a enxergar a beleza desta
religião.

Hoje o que mais me chama atenção é o preconceito que trazemos


de berço, ano após ano a umbanda ganha seguidores, mas o estigma de
ser algo que é feito para o mau, que cultua algo ruim, que atrasa a vida de
uns para beneficiar outros, sempre reforçados por bilhetes colados em
postes onde pseudos pais e mães de santo prometem trazer o amor de
volta em 5 dias, teima em escurecer as vistas do real intuito e significado
pregado nos terreiros, amor e caridade.

Após o susto e posterior curiosidade eu sentia em meu coração


(intuição é uma das maiores dádivas dos seres humanos) que eu deveria
conhecer mais a fundo o que aquela religião trazia e os porquês que
teimavam em povoar meus pensamentos.

Já de óculos, mas ajeitando o grau para poder ver por trás do véu
que encobre a umbanda, meu sócio me explicou o que sabia e me
convidou para ir até uma gira, como os negócios não deslanchavam, achei
que seria uma ótima ideia ver de perto tudo que estava pesquisando.

A semana que antecedeu minha ida foi uma mistura de


sentimentos, aquele medo já não existia, o que pulsava em minhas veias
era a ansiedade para chegar o dia e o receio do que eu poderia ver ali.

Li sobre incenso, incorporação, entidades, falanges, mas era tudo


tão abstrato, para um leigo (até mesmo para um “entendido”) é muito

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difícil compreender sobre os orixás, ainda mais quando está encalacrado
uma visão monoteísta.

O dia chegou, acordei bem cedo, não conseguia mais dormir, a


ansiedade para ver aquele ritual era enorme, meu sócio não foi comigo,
mas me indicou o endereço e o nome da mãe de santo, era chegado a
hora de confrontar meus pensamentos, minhas inseguranças e conhecer
um novo mundo.

Lembro-me como se fosse ontem, quando entrei no carro e dirigi


até o endereço indicado, no local, uma casa simples, em nada parecia com
o que eu imaginava, apenas uma casa. Fui recebido pela mãe de santo,
uma senhora já mais velha, que doara os fundos para a construção de um
pequeno terreiro e foi nesse chão que pela primeira vez eu vi, senti e
puder entender o que a umbanda representaria na minha vida e o quanto
a religião seria importante para o meu crescimento espiritual.

Cheguei cedo, apenas os médiuns estavam presentes, conversei um


pouco, peguei uma senha para consulta, me apresentei e de cara já disse
que sempre senti medo, aproveitei ser o primeiro a chegar para escolher
um lugar, nem muito na frente nem muito ao fundo, porque dessa
escolha? Simples. Nem tão perto para que algo pudesse me tocar, nem
tão longe para que eu não pudesse ver.

Aos poucos as pessoas foram chegando, muitos já conheciam o


terreiro, senti um clima muito amistoso, mesmo que, alguns aparentavam
estarem de fato precisando de ajuda, cheguei a sentir a tristeza e angústia
dessas pessoas.

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Essa sensação de sentir a dor do outro não me causava estranheza,
desde pequeno já lidava com isso, mas para mim, era apenas um felling
que eu possuía.

Próximo do horário de início, todas as cadeiras da assistência


estavam ocupadas, para quem não conhece, os centros são formados por
duas correntes, a primeira, onde os médiuns trabalham, a curimba toca
seu atabaque e canta, os cambones auxiliam as entidades e a segunda
corrente, onde eu estava, composto pelas pessoas que não faziam parte
da gira e iam ao terreiro para se consultar, buscar ajuda, agradecer, tomar
vibrações ou apenas acompanhar o ritual.

Anteriormente ao início achei maravilhosa a forma como todos


demonstravam carinho e respeito pela mãe de santo, todos a
cumprimentavam, beijavam sua mão e após o beijo colocavam a mão dela
em sua testa.

A gira nem havia começado e eu já tinha dúvidas, porque todos


faziam aquilo?

Guardei essa dúvida para um momento oportuno, enquanto eu


filosofava em minha mente sobre os porquês, escutei um chocalho, era a
mãe de santo tocando o adeja.

A mãe balançou algumas vezes e as pessoas que estavam de branco


se arrumaram em formato circular, mais uma dúvida, para o curioso que
vos escreve, mas não havia tempo para mais questionamento, já que a
todos os pulmões ela chamou a defumo.

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A PRIMEIRA GIRA
Não sabia o que iria acontecer, muito menos como me portar, fiquei
atento a tudo e todos, os atabaques começaram e o ponto de defumação
começou.

As pessoas cantavam a plenos pulmões e batiam palmas, criando


uma atmosfera de energia que dava quase para pegar. Mesmo sendo um
terreiro pequeno e com poucos médiuns, o cântico me arrepiou:

- Defuma com as ervas da Jurema, defuma com arruda e guiné,


cantou a mãe de santo, e todos acompanharam, foi quando notei um
médium com uma panelinha (turibolo) que soltava uma espécie de
fumaça, indo de médium por médium, cada um puxava um pouco daquela
fumaça e davam uma volta, mas o susto veio após passar pela último
médium, achei que acabaria ali, mas ele passou pela cordinha que
separava as duas correntes e veio em direção a assistência (2ª. segunda
corrente).

Sorte que não fiquei nas primeiras fileiras, foi o que pensei,
observando atentamente a tudo que acontecia, o médium se aproximou
da primeira pessoa da assistência, a mesma de pronto se levantou e eu
mais que depressa já fiquei em pé também, evidenciando que eu não
tinha conhecimento do que estava acontecendo.

Uma fumaça muito cheirosa saía daquela panelinha, um cheiro


gostoso de arruda criava um ambiente muito gostoso, pessoa por pessoa

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era evolvido pela fumaça e assim com os médiuns giravam sobre o seu
próprio eixo.

O ritual seguia e eu ficava cada vez mais arrepiado, o atabaque


ditava o ritmo dos pontos, alguns mais lentos, outros mais rápidos,
sempre acompanhado pelas palmas da corrente, uma linda oração foi
feita, o medo foi diminuindo e quando a mãe de santo rezou um pai nosso
e uma ave maria, para mim foi a última barreira que se quebrava, o medo
de cultuarem algo ruim.

A confirmação de tudo o que eu estava sentindo de bom, foi um


alívio, como já dito, o preconceito é algo que vem impregnado em nós e
mesmo para quem decide conhecer, aquele medo de ver um bode ser
morte, um outro tomar sangue de galinha na sua frente existe.

Enquanto os pontos continuavam a ser cantados eu sentia uma


sensação diferente, uma espécie de arrepio que vinha das costas até a
coluna crescia de uma forma que nunca havia sentido, enquanto eu
assimilava toda essa sensação, olhei novamente para o tablado e vi uma
senhora de mais de 70 anos incorporar um índio, confesso que no começo
não sabia se estava assustado ou espantando.

Olhei para ela e vi um índio, jovem, forte travestido de uma senhora


frágil e já idosa, seus movimentos lentos traziam muita força, o que
parecia extremamente contraditório, pegou seu cocar, em nossa direção
saudou a assistência, fez um movimento que paria em muito o de uma
flecha sendo lançada, seu nome era Jaraguá, segundo os médiuns
entoavam.

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Fez um movimento no centro do tablado, se abaixou, pareceu
escrever algo, sem que pudéssemos ver, ali ele firmou seu ponto, algumas
das coisas que fui entender só depois.

Após a incorporação do guia chefe da casa, os médiuns começaram


a incorporar, alguns giravam e incorporavam, outros caiam de joelhos, era
fácil notar que não existia uma uniformidade ou padrão na hora da
incorporação.

Eu estava vidrado em tudo aquilo que acontecia, não é exagero falar


que aos poucos eu me sentia dentro de uma tribo indígena, como era
bonito aquela ritual, como era impressionante a mudança de semblante
dos médiuns quando incorporados, os sons, movimentos, a fala, a energia
que regia aquele momento era do povo das matas.

Em um capítulo específico falarei sobre as consultas, a assistência,


como foi a minha conversa e o que senti frente a frente com o caboclo
Jaraguá, mas para manter a didática, seguirei falando das outras linhas
que ali trabalharam e quais as sensações e impressões me acometeram
nesse primeiro contato com a umbanda.

Sentados em bancos os caboclos davam consulta, bebiam, fumavam


(nem todos) e um por dos consulentes era atendido, após o último
atendimento, o chefe Jaraguá olhou para a curimba e sem precisar dizer
nada, os batuqueiros começaram a cantar;

Caboclo pega a sua flecha,

pega o seu bodoque que o galo já cantou.

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Caboclo pega a sua flecha,

pega o seu bodoque que o galo já cantou

O galo já cantou lá na aruanda,

Oxalá te chama para sua banda.

O galo já cantou lá na aruanda,

Oxalá te chama para sua banda.

Novamente aquela expectativa, o que será que vai acontecer agora?


Meus olhos curiosos seguiam os médiuns, eu queria ver cada detalhe do
processo de desincorporação, sem conhecimento algum e envolto por um
medo eu vi médium após médium desincorporar, assim que o espírito
subia, os médiuns ficavam de joelhos em frente ao conga (uma espécie de
altar), batiam cabeça e bebiam um pouco da água e assim eu conheci a
gira de Oxóssi.

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