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Barbarie Como Mito Politico
Barbarie Como Mito Politico
© KATIA MENDONÇA
passando pela fotografia e pelo discurso oral, analisamos o Mito Político da Barbárie
Collor, que sofreu processo de impeachment em 1992 por corrupção. Eleito sob o
temas da alteridade, das sociedades sem história e do bode expiatório como alguns
A Alteridade
"Escravo repugnante, que nunca abrigará um bom sentimento, sendo capaz de todo
mal! Tive pena de ti. Tive o trabalho de ensinar-te a falar. A todo momento, eu te
ensinava uma coisa e outra. Quando tu, feito um selvagem, ignorando tua própria
deram a conhecer. Mas, embora conseguisses aprender, tua vil origem tinha em si
imagem subjaz a famosa clivagem representada nas metáforas dos "Dois Brasis", da
"Belíndia", do "país real" versus "país formal", enfim, nas diversas dicotomias que
Alagoas": "Há três anos, era um político inteiramente desconhecido e, mesmo eleito
sua campanha contra os marajás em Alagoas e uma briga a cada mês com o
governo do presidente José Sarney, isso tudo misturado com arrojo e uma
do personagem: "O Brasil deu a Collor o lugar que lhe cabe na história e faz hoje
seu destino. Que Collor, aquele que confundiu o Brasil com uma Alagoas em
ostracismo" (JB 01.11.92)./ "caçador de marajás revive Brasil velho" (FSP 06.08.92).
Uma das formas através das quais se constitui a alteridade na política está na
presente , por exemplo, nas relações entre líder e massas. A relação carismática
acima dos comuns mortais. É na alteridade que se funda a relação entre o líder e as
seja pela posição de classe, seja pelo discurso estruturado , seja por se apresentar
como "acima dos partidos" e que, em última instância, promove a identificação com
vista simbólico, mas o diferente. Em uma percepção por parte dos dominados do
líder como o Outro e não como o Mesmo. Nessa relação o Outro, por ser diferente e
nenhum momento como igual às massas , talvez por isso mesmo canalizando suas
porém não de modo cômico, buscando o riso, como Jânio, mas com uma histrionice
de outra espécie, marcada pela diferença de classe simbolizada pelos objetos,
corpo, roupas e músculos. Através do voto em sua imagem, metade do país negará
imaginário político. Nesse sentido, Collor surge como uma imagem especular que
entre a imagem que se faz de si e a imagem que se faz destes vários outros". Nesse
jogo de imagens se, num primeiro momento, Collor é "moderno" para a elite, num
virtude de haver "a presença de um referente que não pode estar ausente", como
material, e não sob o aspecto metafórico, "é uma realidade capaz de dar a
condenados que pertencem ao sujeito e por ele são negados, são atribuídos ao
brasileira: mestiço, estatura baixa que, como o "bárbaro", não fala bem , "balbucia".
Como Collor, sua imagem é também uma face especular do mito do " Brasil
moderno" e traduz o fato de que o grupo dominado, como enfatizou Dante Moreira
Leite, "acaba por se ver com os olhos do grupo dominante, a desprezar e a odiar,
sujeito numa ordem que não pode viver sem a "desfiguração do homem" para usar
que provém dele e o que é alheio" dotando ilimitadamente o mundo exterior "de tudo
aquilo que está nele mesmo": "o olhar penetrante e o olhar que ignora, o olhar
hipnótico e o olhar indiferente são da mesma natureza: ambos extinguem o sujeito.
Porque a esse olhar falta a reflexão, os irrefletidos deixam-se eletrizar por eles". A
imagem do Outro contribui para formar a identidade "moderna" que o sujeito (a elite)
imagens que são compartilhadas pelo sujeito não deixa de se resvalar para a
mas das relações que nele se cristalizam. Os espelhos não deformam, aquilo que o
faz são as relações: "a imagem do eu passa sempre pelo outro. O outro é, portanto,
como ilusão necessária para recobrir o real; sendo, portanto, dele constitutivo. O
olhar dos grupos dominantes não vê o espelho, vê a imagem como fora de si e não
a sua imagem. A cegueira alcança tudo porque nada compreende, diria Adorno.
destas Américas. Sobre isso nos fala Leopoldo Zea: "É a incompreensão que
origina o discurso visto como barbárie. Todo discurso é do homem para o homem. O
partir de um suposto centro em relação com uma suposta periferia. Todo homem há
Bacon, "imaturo" para Hegel; com o Norte industrioso e liberal e o sul briguento,
prepotente e inferior para Schlegel, enfim uma região "sem história", repete-se como
pólos, o considerado bárbaro, passará a ser invisível para o civilizado. Octavio Paz
acerca disso profetizaria: "Talvez, num futuro não muito longínquo, os países
jogo em que a recusa em olhar o outro e a invisibilidade deste (os negros norte-
mais uma vez torna-se material da narrativa mítica: "Passei a vida toda sendo
puxado para lá e para cá. Meu problema foi tentar seguir em todas as direções,
menos a minha . Fui chamado de muita coisa, mas no fundo ninguém nunca quis
saber quem eu era. No final, acabei me rebelando, depois de anos tentando adotar
as opiniões alheias. Sou um homem invisível. Pode-se dizer que vim de muito
longe , e que depois voltei, quicando como um bumerangue, para longe do lugar que
um dia sonhei ocupar na sociedade.(...) Não culpo ninguém por esse estado de
coisas, vejam bem. Também não estou fazendo um ato de contrição. O fato é que
também vocês são portadores desta doença. Pelo menos, eu a carrego, enquanto
homem invisível.(...).De repente, você está nu e trêmulo diante de uma mulher que
te olha mas não te vê. É essa a verdadeira doença da alma(...) Mas isto só é
verdade até certo ponto: invisível e sem substância, voz incorpórea, por assim dizer,
que outra coisa me restava fazer? Que outra coisa, além de tentar lhes explicar o
que acontecia comigo, nesse tempo todo em que você não me viam? Eis o que
realmente me assusta. Quem sabe se, nas freqüências mais baixas, eu não falo
poder quanto aos que o seguem na catarse coletiva de identificação com o líder, um
real produto da máscara imposta pela alienação das relações sociais. A narrativa
massas. Estas só existem por oposição simbólica em relação àquele. São estes os
eliminado desta feita através da identificação que dele é feita em relação ao herói,
reconhecimento de que o outro faz parte de si, o que exige, não a sua eliminação,
mas a instauração de uma relação com o seu discurso. Sem o outro simplesmente
que o autor da frase erroneamente mantinha a convicção " de que não havia nada
em si mesmo que fosse de um outro". Mera ilusão recoberta pelo Mito: o mito da
ao qual pertence - por um lado, reforça a ilusão de que, mesmo subjugado pelo
impõe na relação entre massas e líder carismático e, por outro lado, confere aos
desastrosos. O capitalismo não inventou 'o outro', mas por certo fez uso dele e o
civilização, como "estilos de viver e de morrer" dos diferentes povos, que "serão
diferentes e serão os mesmos". Em tal quadro, surdos também, não praticamos o
diálogo, mas um monólogo, : " nunca ouvimos o que o outro diz ou, se ouvimos,
sempre acreditamos que diz outra coisa". Nesse auto-exílio que se impõem os dois
evidência, segundo Leopoldo Zea, uma discriminação onde o homem europeu, "que
encontro entre o Velho e o Novo Mundo que a divisão, que hoje se estende à África,
expressões simbólicas nas relações de poder. Essa visão, como diria Rodó, "de
de muitos sinceros interessados por nosso porvenir e inspira a fruição com que eles
Brasil, não poucos se orientaram por essa "nordomanía". Tivemos assim Sílvio
"das tendências impulsivas das raças inferiores", Monteiro Lobato e suas críticas ao
caipira, Oliveira Viana e seu sonho com uma aristocracia para o país, Artur Ramos e
"civilizado", como modelo arquetípico repete-se hoje (desta feita sob as vestes da
orientará também uma visão do Norte e Nordeste do Brasil como uma região de
bárbaros. Bárbaro é aquele que balbucia, para os gregos o que se expressava mal e
para os romanos o que estava fora da civitas, da lei, da cidade. No mito "a dicotomia
desta feita na dicotomia entre Brasil "moderno" (Sul e Sudeste) contraposto ao Brasil
que selva, corrupção, seca, "ruínas, natureza e algumas figuras apagadas", nas
palavras de Octavio Paz ao falar da América Latina como é vista pelos americanos
barbárie". Destruindo-se uma destruir-se-á a outra como Dorian Gray ao seu retrato.
Realidade iniludível, o Brasil "arcaico", representado na "República de Alagoas", em
moeda com os dois lados dialeticamente cunhados. Collor surge como o speculum
das imagens dessa disjuntiva: ao mesmo tempo que reflete o imaginário reificado,
caribenho Derek Walcott acerca disso diria: "no caso daquilo que chamamos de
Novo Mundo, quando nos estamos sentindo bem, ou de Terceiro Mundo, quando
estamos nos sentindo para baixo, o que geralmente fazemos é uma penitência da
idéia da história como algo perigoso, porque então o que nós fazemos, nesta
lado, "nós não temos uma história" , como se isso fosse uma perda irreparável,
quando não ter história é a melhor coisa possível". Walcott coloca em xeque dois
raízes". Em Omeros o poeta assim revelaria esse sentimento de "falta de raízes" dos
crescentes de verde profundo das baías guardavam aldeias africanas, que, pelos
séculos, tinham coberto de latas seus barracos, levantado uma igreja quadrada de
pedra, até que aos poucos, os barracos rastejavam para baixo dos espigões e se
tornavam cidades. Assim os via a História. Ele estudou o trajeto que ela mostrava:
mais chato - reproduzia viagens fretadas,com sua excursão pela miséria garantida".
A expressão "sem história" tanto pode nos conduzir à utopia de uma sociedade
desprezo votado ao outro. Numa declaração emblemática deste último caso, Henry
Kissinger diria: "o senhor nos fala da América Latina. Isto não é importante. Nada de
importante pode vir do Sul. Não é o Sul que faz a história, o eixo da história vai de
Moscou a Washington passando por Bonn. O Sul não tem importância". Nega-se o
também, das sociedades pós-industriais. Sob esse prisma Jameson afirma que
estamos hoje em " uma sociedade cujo próprio passado putativo é pouco mais do
'referente'", ficando somente "textos em nossas mãos". Haveria, segundo ele, uma
crise de historicidade em que a produção cultural não pode mais representar o
passado, , mas apenas "nossas idéias e estereótipos sobre o passado". Isso nos
simulacros daquela história que continua para sempre fora de nosso alcance". No
noção de simulacro aos produtos culturais. O sentimento de estar sem raízes não é
mais o de ser marginal colocado à parte da história como para Walcott, mas o de ser
qual, conforme Zea, além do descobrimento, nos foi imposto pelo colonizador), a
cultural que encobrindo o Outro ou o considera alheio a si, estranhamento tanto mais
perverso quando nega que sob o mesmo cenário cultural e político, seja ele
realidade que não se esgota neles. "Esta América", diz Zea, "há de salvar-se com o
que há sido formada. Inútil é que se pretenda imitar à outra América querendo
democracia não se reduz à mudança de formas políticas mas, como diria Martí, à
homem é o norte americano, caber ou não nele corresponde a ser, ou não, humano.
Em sua queda é que irá se buscar a leitura do passado no que ele tem de mais
perverso, porém, ainda mais uma vez, negando-o . Dupla manifestação da questão
subordinar-se-á ao "arquétipo" o qual seria retomado mais uma vez em 1995, sob a
capa do presidente "estadista" e " intelectual". Fugir dele significa permanecer sob o
signo do arcaísmo. Collor através de suas imagens como herói ou como vilão, reflete
esse "existir inautêntico" que subjuga o imaginário como inautêntico será também o
imaginário dos países e regiões desenvolvidas que não reconhecem como humano
o que está fora do arquétipo. No Mito da Barbárie as imagens ao mesmo tempo que
expressões do sonho coletivo com a modernidade, são máscaras que reforçam uma
consciência alienada. A "República das Alagoas" irá como espelho do Brasil
subjaz, o fato de que: "O outro não existe: esta é a fé racional, a crença incurável da
razão humana. Identidade = realidade, como se, afinal de contas, tudo tivesse de
subsiste, persiste; é o osso duro de roer onde a razão perde os dentes. Abel Martin,
que o um padece".