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Introdução
Nesta unidade refletiremos sobre os desafios e contextos da missão
hoje. Podemos classificar os desafios em duas categorias: ad intra e
ad extra. Ad intra são os desafios internos da própria igreja e, por ad
extra, os desafios externos que o mundo (país, cidade, sociedade, bairro,
comunidade etc) lança sobre a igreja.
Por mais incrível que possa parecer, o maior desafio para a missão é a
própria igreja. Assim como Israel, como povo eleito de Deus, não entendeu
o projeto de Deus e teve dificuldades para ser um instrumento dele, a ponto
de precisar ser levado ao cativeiro babilônico por um período de 70 anos,
também as igrejas nem sempre entendem o que é a missão de Deus.
Por isso, antes de falarmos dos desafios externos e dos contextos da missão,
olhemos esse desafio interno (ad intra) para discernir o que não é missão.
Por exemplo, o próprio Cristo, em quem todos nós, como cristãos, cremos,
não é entendido sem controvérsias – a dupla natureza, humana e divina,
é um dos exemplos. A Bíblia é muito clara ao falar das ações que ele fez
e ensinou. A Bíblia pode até ser clara, mas nós, que a lemos com nossos
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óculos culturais – cosmovisão – corremos o risco de não entender a
total clareza com a qual ela fala. O que isso significa? Significa que nossa
mente, mesmo sendo iluminada pelo Espirito, não é capaz de dar conta
de modo integrativo de toda a revelação expressa na Palavra, isto é, não
possuímos as chaves que nos conduzem à interpretação absoluta e
única da Palavra de Deus. Assim, ainda que conheçamos a Cristo hoje,
prosseguimos em conhecê-lo todos os dias.
Isso pode ir um pouco contra o que você já aprendeu até hoje, mas não é, e
vou tentar explicar o porquê. Pense comigo: se tudo passa, mas a Palavra
de Deus nunca passará; se ela é viva e eficaz e mais cortante que uma
faca de dois gumes; se ela é lâmpada para nossos pés e luz para nossos
caminhos; se é nosso prazer noite e dia, e tantas outras referências que
sobre ela conhecemos por meio dela mesma, isso implica afirmar que: 1)
a Palavra de Deus é maior que as nossas palavras; 2) nossa capacidade
de expressá–la está condicionada pelo nosso espaço e tempo, o que
implica em dizer que temos nossos próprios condicionamentos culturais;
3) por isso, ela se renova permanentemente à medida que mudamos
Isso é apenas para que você comece a pensar sobre a questão. O que
importa, agora, é refletir sobre esse desafio ad intra: o que é, afinal de
contas, missão? Como definir uma prática que tem quase cinco mil anos
de história – começando em Gênesis – e que está desgastada por tantas
controvérsias, nomenclaturas, termos, e pior, os modismos? Como
podemos dizer o que é e o que não é missão, quando tantos biblistas,
teólogos, missiólogos, pastores, missionários e agências missionárias
fazem afirmações tão diferentes, e às vezes até opostas, sobre a
compreensão da missão?
Ainda Pedro falava estas coisas quando caiu o Espírito Santo sobre
todos os que ouviam a palavra. E os fiéis que eram da circuncisão, que
vieram com Pedro, admiraram–se, porque também sobre os gentios
foi derramado o dom do Espírito Santo; pois os ouviam falando em
línguas e engrandecendo a Deus. Então, perguntou Pedro: Porventura,
pode alguém recusar a água, para que não sejam batizados estes
que, assim como nós, receberam o Espírito Santo? E ordenou que
fossem batizados em nome de Jesus Cristo. Então, lhe pediram que
permanecesse com eles por alguns dias (At 10:44–48).
Saiba mais
Você vai ouvir falar muito desse conceituado
missiólogo chamado David Jacobus Bosch
e, em particular, seu livro chamado Missão
transformadora: mudanças de paradigma na
teologia da missão. Sugerimos fortemente que
você compre, pois lhe será muito útil em sua
vida e ministério.
Nasceu em 13 de dezembro de 1929 e
morreu 15 de abril de 1992 em um trágico acidente automobilístico, uma
perda irreparável. Ele foi membro da Igreja Reformada Holandesa na
África do Sul (NGK). No Dia da Liberdade, 27 de abril de 2013, ele recebeu
postumamente a Ordem do Baobá do Presidente da África do Sul por sua
luta altruísta pela igualdade e dedicação ao desenvolvimento da sociedade,
e viveu os valores do não–racismo diante de sua própria cultura e igreja
que dava suporte ao apartheid, palavra do idioma africânder que significa
Só que existe outro extremo nessa história. Se, por um lado, corremos o
risco de fechar demais o nosso conceito de missão, também corremos o
risco de exagerarmos em sua abertura. Daí, convém lembrar a conhecida
frase do missiólogo Stephen Neil, que diz “quando tudo é missão,
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nada é missão”. Ou seja, quando banalizamos o conceito de missão e
entendemos que qualquer coisa feita pela igreja é cumprimento da obra
missionária, essa falta de intencionalidade e consciência missional leva a
uma tendência muito comum: a missão passa a ser manutenção, ou seja,
a igreja passa a lutar apenas para manter suas conquistas, voltando-se
para si e não para fora – mantenha o ad intra versus o ad extra sempre em
perspectiva. E aqui vive-se uma inversão de foco: monumento (templo)
versus movimento.
Deus, que criou todas as coisas, para que, pela igreja, a multiforme
sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e
potestades nos lugares celestiais, segundo o eterno propósito
que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor, pelo qual temos
ousadia e acesso com confiança, mediante a fé nele (Ef 3:10-12).
2) por causa de
2a5)
2a1) por 2a2) por causa 2a3) por 2a4) portanto,
por este
razão de de esta razão consequentemente
motivo.
Jamais podemos esquecer que Jesus foi enviado “porque Deus amou o
mundo” (Jo 3:16). O mundo é objeto do amor de Deus e a igreja, como um
instrumento de Deus, existe por amor ao mundo.
René Padilla disse:
Exercício de fixação - 02
Qual é o risco em definir missão como “pregar o Evangelho aos
povos não alcançados”?
a) deixar de lado as nações que já foram evangelizadas e não dar
atenção às ações não verbais da igreja.
b) priorizar estudos bíblicos missionais.
c) compreender que o conceito de missão e de missões são diferentes.
Acesse o AVA para fazer os exercícios e ver a reação do professor!
Para prosseguir, creio ser importante mencionar uma diferença que, às vezes,
as pessoas não percebem na igreja: missão é diferente de missões. Estamos
mais ou menos acostumados a falar sobre missões na igreja. Vemos e ouvimos
os testemunhos de missionários, os dados estatísticos sobre a evangelização
mundial, sobre os povos não alcançados, a chamada Janela 10/40, as
campanhas financeiras para missões, os departamentos de missões na igreja
e assim por diante. Isso tudo diz respeito a missões, diante de uma imensa
tarefa inacabada, cuja responsabilidade pesa sobre os ombros da igreja. Nada
disso deve deixar de existir ou de ser incentivado na igreja. Todavia, a missão,
no singular, da igreja, como ainda veremos na unidade seguinte, é maior e
mais ampla. Também tem a ver com o testemunho e serviço do reino em
nossa sociedade, com a edificação da nossa comunidade, com a celebração e
adoração ao nosso Deus, que por sua vez é mais do que momentos íntimos ou
comunitários de contemplação, com o ensino responsável de todo conselho
de Deus expresso nas Escrituras, entre outros.
Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 13
Missões, portanto, é uma parte importantíssima, mas não o todo, da
missão da igreja. É muito esclarecedora a análise de Chris Wright (2014),
na introdução de seu livro A Missão de Deus, sobre alguns termos que
serão recorrentes nesta disciplina.
a. Missão e Missões
Missão não está relacionada apenas com missões, pois é mais do que a
descrição de esforços e atividades missionárias de envio e sustento de
pessoas que vão, para pregar transculturalmente o Evangelho aos pagãos,
aos lugares não alcançados. David Bosch ilustra bem essa ideia quando
observa que o significado de missão, entre a maioria dos cristãos do
ocidente até os anos 1950, foi parafraseado como: “a) propagação da fé;
b) expansão do reinado de Deus; c) conversão dos pagãos; e d) fundação
de novas igrejas”. Assim, segundo ele, “o termo ‘missão’ pressupõe
alguém que envia, uma pessoa ou pessoas enviadas por quem envia, as
pessoas para as quais alguém é enviado e uma incumbência” (Bosch,
2002, p. 17).
Wright, por sua vez, demonstra certa insatisfação com abordagens sobre
a missão que reduzem sua definição por meio da menção à raiz latina da
palavra, mitto, que literalmente significa envio. Com isso, ele não pretende
negligenciar a importância desse sentido, mas chamar a atenção ao
fato de que se definimos missão somente nesses termos, excluímos
necessariamente de nosso inventário de recursos relevantes muitos
outros aspectos do ensinamento bíblico que, direta ou indiretamente,
afetam nossa compreensão da missão de Deus e de nossa participação
nela. Assim, para esse autor, missão tem a ver com a nossa participação
comprometida como povo de Deus, pelo chamado e comando de Deus,
em sua missão (missio Dei) no meio da história do mundo em prol da
redenção de sua criação (Wright, 2006, p. 23). Em suma, missão tem a ver
com a natureza e identidade, sendo a razão da igreja existir; missões tem
a ver com uma das responsabilidades da igreja que é a de levar – pregar,
proclamar – o Evangelho a outras culturas do mundo, assim chamada de
missão transcultural.
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b. Missionário
Esse termo designa a pessoa que se engaja em missões, normalmente
em outra cultura que não a sua. É uma atividade que implica em cruzar
barreiras. Missionários são tipicamente aqueles enviados por suas igrejas
ou agências missionárias. Wright também alerta que esse conceito
carrega consigo a ideia de missão como envio ou missões, como
também evoca a imagem de cristãos, ocidentais e brancos, expatriados
para países distantes. Além disso, evoca o risco de se entender que
missionários são apenas os profissionais. No entanto, o povo de Deus,
cada novo nascido, possui uma vocação comum sendo ele também um
missionário. Wright prefere descrevê-los como parceiros de missão.
Afinal de contas, missionários são mais do que pessoas enviadas para
uma tarefa específica fora de sua cultura; são pessoas que, por serem
cristãs, são chamadas a viver o Evangelho de modo digno do intento
divino de reconciliação do mundo consigo mesmo, inclusive onde estão.
Amplia-se, portanto, a ideia de missionário e de campo missionário, uma
vez que, como observa Brian McLaren (2007, p. 121), “todo cristão é um
missionário e todo lugar é um campo missionário”.
Isso não significa afirmar que não se deve ter missionários sustentados
por igreja e agências missionárias para contextos e situações específicas,
que requer inclusive competências e habilidades específicas. Por
exemplo, pessoas que vão às outras culturas onde não existem bíblias
traduzidas em suas línguas nativas.
c. Missional
Esse é um adjetivo relativamente recente que denota alguma coisa que
está relacionada com ou é caracterizada pela missão. Indica algum
substantivo que carrega qualidades, atributos ou dinâmicas da missão.
Uma igreja missional, por exemplo, é uma igreja que explora em sua razão
de ser, sua natureza, atributos ou qualidades que estão voltados para
a missão de Deus, que entende que foi chamada para uma missão no
mundo, e que Jesus não veio criar uma religião exclusivista apenas para
salvos, mas que ama o mundo e deseja sua completa e total reconciliação,
Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 15
restauração e redenção. Assim, exemplos de uma comunidade missional
podem ser percebidos ou não na visão por ela expressa, como por
exemplo: “ser uma igreja de Deus de modo autêntico e para o mundo”.
Essa frase revela, nas palavras de McLaren, uma equação missional.
d. Missiologia e Missiológico
Muito provavelmente você já deve ter visto como título de palestra ou até
mesmo um curso inteiro chamado de Bases Bíblicas da Missão. Podemos
dizer, que existe alguma inconsistência nessa ideia, pois, a Bíblia toda é a
base da missão. Elencar versículos isolados, como até mesmo os textos
da chamada Grande Comissão e afirmar que estes, e também Atos 1:8,
são as bases bíblicas da missão, é outro risco. Podemos estar fazendo
uma colcha de retalhos da Bíblia e dar prioridade e preferências para
determinados textos em função de outros. Uma das consequências é
que não se sabe o que fazer com os textos poéticos como Provérbios,
Cantares, Salmos, Jó. Qual o lugar, por exemplo, de Cantares na missão
de Deus? Portanto, não devemos falar de bases bíblicas da missão, mas
sim a Bíblia como a base da missão. Afinal, “toda a Escritura é inspirada
por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para
a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e
perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Tm 3:16-17). A Bíblia ,
“toda a Escritura”, é o tratado missional de Deus.
Exercício de aplicação - 03
A partir dos conceitos de missão, missões e missionário acima,
pense na realidade da sua igreja. Qual é a importância de relacionar
os conceitos com sua a realidade, no sentido missional? Cite
exemplos.
Acesse o AVA para fazer os exercícios e ver a reação do professor!
Saiba mais
No ano de 1900,
15% da população Brasileira vivia em cidades.
No ano de 1950, passou para 28%.
No ano de 1975, passou para 41%.
A projeção para o ano 2000 era de 55% da população, e foi 83%.
Esse gráfico demonstra que 16% refere–se à população rural e 84%
a urbana.
Os três estados mais urbanos do Brasil são: Distrito Federal (96,62%), Rio
17 MAI 2011, 17h11.
2 IBGE – Censo 2010 – www.ibge.org.br
20 | Teologia Bíblica da Missão | FTSA
de Janeiro (96,71%) e São Paulo (95,88%). Os três estados mais rurais
são: Maranhão (36,93%), Piauí (34,23%) e Pará (31,51%). A conclusão é
clara: os mais urbanizados estão no eixo sul-sudeste e os mais rurais no
eixo norte-nordeste.
a) Despersonalização
O sentimento de que na cidade as pessoas não passam de um número,
de um dado estatístico.
c) Intimidação
São tantos os problemas e, na maioria das vezes, maiores do que a
nossa capacidade de resolver que ficamos intimidados, acuados, e
quase nada conseguimos fazer. Sentimos que não temos capacidade
de resolver os problemas da violência urbana ou dos desafios que
existem em uma favela, etc.
Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 21
d) Individualização
Muitos dizem e praticam o “cada um por si e Deus por todos”. A
individualização é uma proposta da secularização: a religião sem igreja.
Quantas pessoas dizem: “eu não vou à igreja, mas leio a Bíblia, rezo, oro,
sou muito ligado a Deus”. Pessoas que beiram o sincretismo religioso,
que procuram mostrar que todas as religiões são boas são pessoas que
vivem uma religião individual, ao estilo selfservice.
e) Insensibilidade
O volume dos problemas sociais, o aumento da pobreza urbana que
vai encurralando as pessoas para os morros e periferias da cidade,
a crescente população de mendigos, indigentes, usuários de drogas,
pedintes, crianças nas ruas que vão se tornando parte da geografia e do
cotidiano das pessoas que já não mais sofrem ou têm compaixão. São
tantas mazelas que provocam a perda de sensibilidade e de humanidade.
f) Impotência
A impotência é o sentimento ou a sensação de incapacidade diante da
imensidão dos desafios e problemas. As pessoas passam a se justificar
alegando não conseguirem cuidar de seus pórpios problemas quanto
mais os dos outros.
g) Indiferença
A insensibilidade gera a indiferença. Indiferença é o estado de não se
importar que leva a pessoa à apatia. Neste sentido, a parábola do Bom
Samaritano é muito familiar para nós.
Exercício de aplicação - 04
É bem perceptível a força dessa bênção que o apóstolo Paulo deu à Igreja
em Tessalônica. Em suas palavras, lemos: “Que o próprio Senhor Jesus
Cristo e Deus nosso Pai, que nos amou e nos deu eterna consolação e
boa esperança pela graça, dê ânimo aos seus corações e os fortaleça
para fazerem sempre o bem, tanto em atos como em palavras” (2 Ts
2:16-17).
Exercício de fixação - 05
Conclusão
Surge deste modo uma pergunta básica: para qual contexto a teologia
responde? Obviamente que para todos porque o Evangelho do reino não
faz acepção de pessoas e nem de geografias e contextos. Contudo,
deve ficar claro para nós que o contexto emergente que produz um
volume enorme de desafios são os contextos urbanos. E em particular,
Saiba mais
https://nacoesunidas.org/mundo–tera–22–bilhoes–de–
pessoas–a–mais–ate–2050–indica–onu/
(https://www.lausanne.org/content/what-is-gods-global-urban-mission).
Exercício de aplicação - 06
Exercício de fixação - 07
Exercício de reflexão - 08
A palavra missão, no sentido que aqui será refletido, não está na Bíblia.
Quando a palavra aparece, e poucas vezes, é no sentido de uma tarefa
particular, como por exemplo, a missão dos espias (Js 2:14, 20). Isso
gera algumas dificuldades porque, uma vez que não existe uma definição
explícita, a mesma se torna implícita e passível de interpretações.
E é justamente aqui que muitos problemas surgem. Toda definição e
interpretação implicam e resultam em práticas em função do que se
definiu e interpretou. Se, por exemplo, definimos a missão da igreja
como salvar almas, isso definirá o método, as práticas e os resultados
esperados. O método será pregar verbalmente, cuja ênfase recairá no
- Deus “andava” pelo jardim e “conversava” com o ser humano (Gn 3:8, 9).
Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 49
Essa relação entre Deus e o ser humano, assim descrita, harmoniosa, é
quebrada com a queda do ser humano. Sem entrarmos na profundidade
da discussão teológica desse tema, que não é o nosso objetivo aqui, o
relato fala de uma desobediência direta a uma ordem divina: “não comer
do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal” (Gn 2:17). Esse ato
pode ser interpretado como um desejo humano por autonomia e completa
independência de qualquer coisa que o restrinja. Gerado em seu orgulho
ou soberba egocêntrica, o desejo se traduz como a inclinação para ser
como Deus, ou ser o seu próprio Deus, não tendo ninguém acima de si
que o governe. Como lemos na narrativa, a tentação propunha que os
seres humanos seriam “como Deus”, conhecedores do bem e do mal —
conhecimento total — (Gn 3:5).
Exercício de aplicação - 10
Conte agora em quantas pessoas você ou a sua comunidade
evangelizaram sob uma perspectiva centrífuga ou centrípeta?
Descreva uma dessas experiências e o que você pensa sobre ela
após estudar esses dois conceitos.
Acesse o AVA para fazer os exercícios e ver a reação do professor!
Johannes Blauw (1966, p. 39) indica que foi Bengt Sundkler quem
chamou a atenção para essa convicção de que Jerusalém era o centro
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do mundo e, de certa forma, justificando a limitação do ministério de
Jesus às ovelhas perdidas de Israel (Mt 10:5b-6), evitando uma missão
aos gentios (apud Blauw 1966, p. 146-147). Sundkler comentou: “O
universalismo centrífugo é atualizado por um mensageiro que atravessa
fronteiras e passa suas notícias àqueles que estão longe; centrípeta por
uma força magnética, atraindo povos distantes para o lugar da pessoa
que está no centro” (1965: 14-15).
Jesus disse:
• vós sois o sal da terra (Mt 5:13)
• vós sois a luz do mundo (Mt 5:14)
• vós sois testemunhas destas coisas (Lc 24:48)
• vós são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros (Jo 13:35)
• vós sois os ramos (varas) (Jo 15:5)
• vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando (Jo 15:14)
• vós sois os filhos dos profetas e do pacto que Deus fez com vossos
pais (At 3:25)
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Paulo disse:
• vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual para nós foi feito por Deus
sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção (1 Co 1:30)
• vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus (1 Co 3:9) • vós sois de
Cristo, e Cristo, de Deus.
• vós sois corpo de Cristo, e individualmente seus membros (1 Co 12:27)
• vós sois filhos de Deus mediante a fé́ em Cristo Jesus (Gl 3:26)
• vós sois um em Cristo Jesus (Gl 3:28)
• vós sois guiados pelo Espirito (Gl 5:18)
• vós sois luz no Senhor
• vós sois filhos da luz e filhos do dia (1 Ts 5:5)
João disse:
• Filhinhos, vós sois de Deus (1 Jo 4:4)
E Pedro disse:
• vós sois geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo
de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas
para a sua maravilhosa luz (1 Pe 2:9) (Barro, 2013, p. 73-74).
Introdução
Nesta unidade, ainda pensando na fundamentação bíblico-teológica
da missão, vamos trabalhar alguns textos e temas do Antigo e Novo
Testamentos. Como vimos na unidade anterior, a bíblia é a base da
missão. Ela é essencialmente missiológica em sua intencionalidade
reveladora, por isso, depois de termos feito uma abordagem mais ampla
e genérica, mergulharemos mais a fundo em alguns textos que nos
ajudam a compreender a centralidade da missão na bíblia. Mais que isso,
minha proposta é que aprendamos a ler os textos bíblicos com os olhos
da missão e que esse exercício interpretativo nos ajude a reafirmar o
nosso compromisso com a missão de Deus.
Isso serve de alerta para igreja hoje. Como responsáveis pela missão de
Deus não podemos agir como especiais, melhores, únicos abençoados,
detentores — depósitos — da bênção divina, como se fossemos
merecedores dela. A missão que temos é a de sermos mediadores da
bênção de Deus para todas as famílias, e nesse caso, aqueles que são
considerados pagãos. Somos chamados para um serviço inacabado, o
mesmo chamado de Abraão.
68 | Teologia Bíblica da Missão | FTSA
1.2. A missão na tradição mosaica
Se a principal referência dos patriarcas é Abraão, o maior personagem
do Antigo Testamento é Moisés. É em torno dele que se constrói a maior
parte da tradição religiosa de Israel. Não necessariamente em torno
de sua pessoa e história, mais daquilo que representou para a tradição
da Lei ou da Torá. Um exemplo claro disso é a acusação que os judeus
apresentaram contra o apóstolo Paulo: “Ouvindo-o, deram eles glória
a Deus e lhe disseram: Bem vês, irmão, quantas dezenas de milhares
há entre os judeus que creram, e todos são zelosos da lei; e foram
informados a teu respeito que ensinas todos os judeus entre os gentios
a apostatarem de Moisés, dizendo-lhes que não devem circuncidar os
filhos, nem andar segundo os costumes da lei” (At 21:20-21). Repare na
expressão “apostatarem de Moisés” que significa que a figura de Moisés,
ou o seu nome, absorveu tudo aquilo que se referia às leis presentes
nos textos do Antigo Testamento como também os costumes que foram
construídos em torno delas pelos diversos grupos religiosos — fariseus,
escribas, saduceus, etc.
Olhando pela perspectiva missiológica, Moisés também se configura em
um importante elemento na construção da missão do Antigo Testamento.
Veja como Timóteo Carriker analisa a importância de Moisés:
Moisés se destaca como uma figura tão significante para a ideia de
missão no Velho Testamento, que H. H. Rowley o declara o primeiro
missionário que conhecemos (1945). De fato, a ideia de ser enviado
por Deus para uma tarefa de resgate, tão essencial ao conceito
neotestamentário de missão, só se evidencia mais explicitamente
no chamado de Moisés. Iahweh “envia” (’ehyeh shelâhani, Êxodo
3.12,13,14) Moisés. Todavia, a ideia de que Deus chama um homem
para se seu representante, que assume um papel de administração
(Adão), de julgamento e renovação (Noé), ou de maldição e
bênção (Abraão), já precede o chamamento de Moisés. Cada uma
dessas figuras pressupõe, explicita e avança a missão daquele
que o antecedeu. Por isso, nós não consideramos Moisés como o
primeiro missionário e, sim, como uma explicação significante dos
“missionários” protótipos qu o precederam (1992, p. 60-61).
Texto de apoio
A lei refletia o caráter salvador compassivo de Iahweh, especialmente
através das suas provisões em relação à exploração econômica (o
uso apropriado da terra), à injustiça social (os direitos dos escravos)
e ao bem-estar dos mais fracos (o estrangeiro, o órfão e a viúva) [...] A
lei também evitava a injustiça social. Não era como nas sociedades
politeístas. Os escravos judeus eram protegidos pela lei (Êxodo 21.2-
27; Levítico 25.25-55). Os mestres hebreus devem lembrar que foram
escravos no Egito e que Iahweh os remiu (Deuteronômio 15.15).
De fato, o escravo deve ser tratado como qualquer outro obreiro
(Levítico 25.39-40) e o ano do jubileu oferecia-lhes a oportunidade
de liberdade (Êxodo 21.3; Deuteronômio 15.12-18) juntamente com
o direito de levar consigo parte da produção da terra. Desta forma
havia sempre ampla possibilidade do escravo se integrar econômica
e socialmente na sociedade geral, livre de dívidas e suprido para as
necessidades fundamentais da vida.
70 | Teologia Bíblica da Missão | FTSA
Finalmente, a lei providenciava o bem-estar dos mais fracos e
vulneráveis da sociedade: os ófãos, as viúvas e os estrangeiros. O
não-israelita que estabelecia residência sob a proteção de Israel,
e não o estrangeiro passageiro, possuía certos direitos, privilégios
e responsabilidades (Deuteronômio 14.29; Salmo 146.9; Êxodo
22.29). O israelita não deve oprimí-lo (Êxodo 22.21,23) e, sim, amá-
lo (Deuteronômio 10.19). Uma das razões pela observação do
sábado era para refrescar o peregrino (Êxodo 23.12). As espigas do
vinhedo e do campo deveriam ficar para ele (Levítico 19.10; 23.22;
Deuteronômio 24.19-21). Ele era incluído na provisão feita para as
cidades de refúgio (Números 35.15). Sendo ele indefeso, Deus seria
a sua defesa e julgaria o seu opressor (Jeremias 7.6; 22.3). Tinha
praticamente o mesmo nível que o israelita (Levítico 24.22), era
contado junto com Israel na participação da aliança (Deuteronômio
29.9,11). E na visão de Ezequiel da era messiânica, participava na
herança de Israel (47.22-23).
Basta ler os vários livros dos profetas para perceber o tipo de mensagem
que eles trazem para o povo de Deus. Talvez o tema mais comum,
que tem associação com o princípio da Lei, seja o da justiça, e, por
consequência, do juízo, do tornar-se justo ou justificado. Apenas como
Javé nesse período é descrito pelos profetas como o Deus de toda a criação
e de todas as nações. A expectativa do seu ungido, ou messias, também
ganha esses contornos. A razão para isso foi porque o povo de Israel havia
desenvolvido um sentimento de favoritismo e exclusivismo com relação
às bênçãos de Javé. Mesmo depois do retorno do exílio, os judeus não
aprenderam a lição e continuaram com essa pespectiva reduzida da
missão. Basta vermos o resultado do judaísmo no tempo de Jesus.
https://www.youtube. com/watch?v=P_YQQOJbSYg
Exercício de aplicação - 13
O que motivou e animou a Jesus para servir desta maneira? Jesus foi
movido por uma grande paixão chamada o Reino. O texto de Lucas 4:43
relaciona a proposta da sinagoga de Nazaré com a proclamação do reino
de Deus, e diz de maneira conclusiva que “para isto fui enviado”. Jesus
tinha, pois, muitas tarefas para cumprir, porém só um objetivo a alcançar:
o Reino de Deus e sua justiça (Mt 6:33).
O Pai que o enviou é criador e dono de tudo; por isso o enviou para redimir
tudo. Nisto está pensando o apóstolo Paulo quando ensina que Cristo foi
enviado para que “reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que
estão na terra quanto as que estão no céu” (Cl 1:20), e para que Cristo
seja, finalmente, “tudo e está em todos” (Cl 3:11).
O povo, então, faz um pedido a Jesus: “Faze aqui em tua terra o que
ouvimos que fizeste em Cafarnaum. Continuou ele: Digo-lhes a verdade:
Nenhum profeta é aceito em sua terra” (4:23-24). Porém os adverte que
“o profeta realiza em nome de Deus os prodígios, mas é, portanto, sujeito
às exigências dos homens” (De Tuya, 1977, p. 83).
Tal foi o caso de Elias (1Rs 17:18-24) e de Eliseu (2Rs 5:1-16). Estes
profetas do Antigo Testamento realizaram seus milagres fora das
fronteiras de Israel. Elias, para remediar uma fome devastadora foi à casa
de uma viúva em Sarepta, na região de Sidom. Eliseu curou de lepra a
Naamã, um sírio, ainda que no mesmo tempo houvesse muitos leprosos
em Israel. Esta referência histórica da missão fora das fronteiras de Israel
desatou as reações conhecidas. Além disso, naquele sábado quando leu
o texto do profeta Isaías, Jesus suprimiu a segunda parte de um dos
versículos que diz “o dia da vingança do nosso Deus” (Is 61:2), com sua
óbvia conotação de castigo dos pagãos. Quando Jesus se apresentou
como o libertador de todas as opressões, seus compatriotas o aprovaram,
porém quando o mesmo redentor declarou que sua missão era universal,
arremeteram contra ele. Ao que parece sua universalidade causou tantos
problemas como seu messianismo.
O que enfureceu foi o elogio que Jesus pareceu dedicar aos gentios.
Os judeus estavam tão convencidos de que eram o povo escolhido
de Deus que depreciavam a todos os demais. Alguns inclusive
diziam que “Deus havia criado os gentios para usar-lhes como
lenha no inferno”. E aqui estava este jovem Jesus, a quem todos
conheciam, pregando como se os gentios fossem os favoritos de
Deus. Começava a ameaça-los a ideia de que haviam coisas na
nova mensagem que nem se lhes havia ocorrido falar (1994, p. 69).
Não é possível a missão integral sem essa tensão dinâmica. Hoje, a fúria
da globalização neoliberal tenta roubar identidades particulares tais como
costumes, linguagem, folclore e tradições, com a finalidade de padronizar
os mercados. Por sua parte, os fundamentalismos religiosos, políticos e
ideológicos lutam por reduzir tudo a uma parcela local, com a finalidade
de alimentar os ódios dogmáticos. A igreja, inspirada no modelo de Jesus,
86 | Teologia Bíblica da Missão | FTSA
tem outra alternativa para sua missão: o amor planetário ou universal do
criador em harmonia com o enraizar contextual do Filho. Missão não é
uma tentativa de conquistar os mercados da alma, nem de destruir as
identidades com a desculpa de estabelecer a fé entre os pagãos, nem de
globalizar uma doutrina como se posiciona um produto comercial. Jesus
nos mostra um caminho “mais excelente” (1Co 12:31).
Sem o Espírito, a missão não pode ser integral, nem libertadora. Sem o
Espírito, aquele sábado em Nazaré teria sido tudo igual ao que ditava a
Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 87
tradição litúrgica na sinagoga daquela província. Teria havido profeta, mas
sem profecia. Sem o Espírito nada teria acontecido na Galiléia. Jürgen
Moltmann diz: “O Espírito faz de Jesus o ‘Reino de Deus em pessoa’: Na
força do Espírito Jesus expulsa os demônios e cura os enfermos. Na
força do Espírito ele acolhe os pecadores e leva aos pobres o Reino de
Deus” (1999, p. 68).
Exercício de aplicação - 15
Cite exemplos de como sua igreja ou comunidade pode se
envolver com a missão no sentido da libertação, universalidade e
particularidade.
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1. Igreja missional
É certo que o crescimento numérico faz parte de uma das dimensões da
missão integral da igreja. O problema é quando ele é ou se torna o todo
da missão. Para evitar essa visão estreita, faz-se necessário refletir e
entender o conceito de igreja missional. É difícil acreditar que uma igreja
não viva para realizar a missão de Deus no mundo por desobediência
consciente. O problema reside no fato que, por incrível que possa parecer,
ainda não entenderam o que significa ser uma igreja missional. Isso
revela a falta de entendimento, compreensão e razão da igreja existir. É
um problema conceitual.
Ainda outra definição é dada por Lois Barrett, que adiante exploraremos
em mais detalhes:
A igreja missional é uma igreja que é moldada para participar na
missão de Deus, que se organiza para restaurar o mundo quebrado
e pecaminoso, para resgatá-lo e redimi-lo para Deus [...] Igrejas
missionais percebem a si mesmas não tanto como enviadoras, como
sendo [ela mesma] enviada. Uma congregação missional permite
que a missão de Deus permeie tudo o que ela faz - da adoração ao
testemunho, formando membros para o discipulado. Ela preenche
a lacuna entre o alcance [para fora] e a vida congregacional [para
dentro], já que, em sua vida comunitária, a igreja encarna a missão
de Deus (2004, p. x).
Exercício de Fixação - 16
Qual a diferença entre missão e missões:
Missão e missões são a mesma coisa, as missões servem para
explicar a missão.
a) Missão significa a Missio Dei, ou seja, a missão de Deus
como um todo. E missões são as ações particulares que as
comunidades fazem num determinado tempo e lugar.
b) Missão é ir aos povos não alcançados pregar o Evangelho de
Cristo, como ordenado pela grande comissão.
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Exercício de reflexão - 17
Citei aqui a experiência da pastora Stephanie Lutz Allan que afirmou que
100 | Teologia Bíblica da Missão | FTSA
“queríamos uma igreja maior para acariciar nossos egos”. Como é fácil
desviar os motivos pelos quais a igreja existe. Pensamos que estamos
realizando a missão, mas estamos inflando nosso ego para termos uma
igreja maior, mais vibrante, mais tudo. A grande pergunta que alguém
que se converteu à perspectiva missiológica será sempre a mesma: para
que?. Para que queremos um culto mais vibrante? Para que realizaremos
um acampamento de carnaval? Para que iremos reformar a igreja? Para
que criaremos uma nova programação aos jovens? Para que dizimamos?
E assim por diante. Uma igreja, um pastorado, uma liderança que não
pergunta para que não se converteu à missão de Deus. Pense nisso tudo
e reflita você mesmo. Caso você seja um pastor, para que o é? Caso seja
um líder, para que o é? Se sua igreja não é uma igreja missional, ela existe
para que? É impossível participar da vida de Deus sem que também
participemos da sua missão.
Concluindo, Deus tem uma missão para com o mundo e quer realizá-la
através de você e sua Igreja. Nossa missão é cumprir a missão de Deus
no mundo. Lembre-se: igreja não é aonde você vai; igreja é o que você é:
“vós sois”. Lembre-se mais, você já está em missão, você já foi enviado:
“assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Você é um agente
missional de Deus para a transformação das pessoas e do mundo. Sem
isto, sua igreja jamais será uma igreja missional.
Exercício de fixação - 18
( ) Sim ( ) Não
Amós talvez ainda acreditasse que Israel pudesse ser curado e cumprisse
seu chamado, por isso os chama ao arrependimento. Mas Isaías vê juízo
vindouro sobre Israel por sua infidelidade. Contudo, isso não significa
o fim da missão de Deus. Alguém ainda poderia ser levantado e este
finalmente traria justiça às nações:
Eis o meu servo, a quem sustento, o meu escolhido, em quem tenho
prazer. Porei nele o meu Espírito, e ele trará justiça às nações. Não
Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 103
gritará nem clamará, nem erguerá a voz nas ruas. Não quebrará o
caniço rachado, e não apagará o pavio fumegante. Com fidelidade
fará justiça; não mostrará fraqueza nem se deixará ferir, até que
estabeleça a justiça sobre a terra. Em sua lei as ilhas porão sua
esperança (Is 42:1-4).
Exercício de aplicação - 19
Esse exercício tem como objetivo provocar uma reflexão simples em
função da ocorrência de certas temáticas nas Escrituras. A ideia é
pesquisar quantas vezes a palavra justiça aparece em comparação às
palavras amor, paz, esperança, salvação e fé. Use algum programa ou site
que permita esse tipo de pesquisa. Uma sugestão é o site https://www.
stepbible.org.
Acesse o AVA para fazer o exercício e veja a reação!
O fazendeiro sabia muito bem que eles estavam nessa situação porque
os poderosos da sociedade, os ricos e os influentes, mesmo os mais
instruídos e os religiosos, também eram responsáveis por aquela terrível
situação em que muitas pessoas não tinham trabalho. Nos Evangelhos,
Jesus criticou os líderes religiosos, os líderes políticos e os seus próprios
discípulos. Raramente criticou as massas. Ele sabia muito bem dos seus
defeitos, suas fraquezas. Esses desempregados não eram santos, mas
Jesus também conhecia sua situação, pois conta essa história com riqueza
de detalhes. Ele teve compaixão porque eram como ovelhas sem pastor.
O reino de Deus era para esta terra e não apenas para a vida após a morte.
Por isso Jesus nos ensinou a orar: “Venha o Teu reino, seja feita a sua
vontade, assim na terra, como já no céu”. O público primário de Jesus foi
a classe camponesa e os excluídos das cidades e povoados. A Oração do
Senhor fala incisivamente sobre as situações urgentes daquela camada
da população. Vemos pelo menos dois temas interessantes:
O reino já está aqui, entre nós, mas ainda não alcançou sua plenitude. O
poder do Espírito de Deus para curar, renovar e libertar já está presente,
mas a aniquilação de toda a oposição ao governo de Deus só será uma
realidade cabal no futuro:
Então virá o fim, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, depois
de ter destruído todo domínio, autoridade e poder. Pois é necessário
que ele reine até que todos os seus inimigos sejam postos debaixo
de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte. Porque ele
tudo sujeitou debaixo de seus pés. Ora, quando se diz que tudo lhe
foi sujeito, fica claro que isso não inclui o próprio Deus, que tudo
submeteu a Cristo. Quando, porém, tudo lhe estiver sujeito, então o
próprio Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, a
fim de que Deus seja tudo em todos (1 Co 15:24-28).
Mas se a ordem da criação é a base para a justiça, ela será ainda mais
abrangente. Ela irá incluir a natureza. Além disso, em um mundo cada
vez mais global, a justiça não deve se concentrar apenas em assuntos
internos domésticos. A justiça pública cristã vai além de uma política
de auto interesse nacional, alcançando políticas de justiça internacional.
“Toda a terra é minha”, diz o Senhor. Resumindo, a justiça cristã oferece
uma visão abrangente que reflete a amplitude do governo total de Deus
sobre toda a criação.
É triste ver que alguns cristãos não pensam e nem agem com essa
consciência e base bíblico-teológica. Em nome de um fundamentalismo
bíblico e religioso mal percebem que são promotores e propagadores de
um individualismo segregador e mantenedor dos sistemas injustos deste
mundo que avilta o propósito de Deus para a humanidade.
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Exercício de aplicação - 20
Como você pode aplicar a justiça do reino de Deus nos lugares em
que você está inserido. Pense em duas ações que você poderia
promover sozinho ou com auxílio de colegas, para melhorar a
realidade de uma pessoa ou comunidade que está esquecida pela
sociedade e elas igrejas institucionalizadas.
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Conclusão
Muitos cristãos e igrejas ignoram o entendimento da missão por causa
da ausência de fundamentos bíblicos e teológicos. A responsabilidade
para fornecer estas convicções, por meio de ensino sólido, é da igreja. É,
pois, em ambientes eclesiásticos e de ensino teológico que as pessoas
podem buscar nas Escrituras os fundamentos da missão. Compaixão que
não está enraizada no evangelho, em última análise e, inevitavelmente,
levará as pessoas a negar o próprio evangelho ao cuidarem dos outros
como mera ação humana para esta vida.
WRIGHT, N.T. The kingdom of God and the need for social justice. Extraído
de http://godspace.wordpress.com/2010/03/15/nt-wright-the-kingdom-
of-god-and-the-need-for-social-justice. Acessado em 16 de fevevreiro
2019.