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A rtigo

Desenvolvimento rural sustentável:


uma perspectiva agroecológica
Simón Fernández, Xavier** enorme capacidade de produção, não foi ca-
Dominguez Garcia, Dolores*** paz de resolver o problema de alimentação
existente; uns sistemas de manejo dos recur-
Palavras-Chave: desenvolvimento rural sos com grandes e difusos impactos ambien-
sustentável - desenvolvimento rural - agroe- tais, cuja tendência à homogeneização vai
cossistema contra princípios fundamentais da ecologia e
cujo objetivo pode ser resumido dizendo-se que
1 Introdução produz recursos renováveis (alimentos) me-
Os problemas econômicos, sociais e ecoló- diante a utilização exponencial de recursos
gicos causados pelo modelo convencional de não-renováveis (combustíveis fósseis), degra-
desenvolvimento rural são objetivamente cer- dando, assim, a fertilidade da terra e colocan-
tos: uma agricultura escassamente competi- do em perigo a reprodução dos sistemas agrí-
tiva, que necessita de rígidas intervenções colas, em particular, e a reprodução dos sis-
públicas para garantir preços adequados aos temas humanos, em geral 1.
consumidores e rendas lucrativas aos produ- Neste contexto, é totalmente razoável re-
tores; uma agricultura que, apesar de sua fletir sobre os modelos de desenvolvimento
rural que sejam sustentáveis, economica-
mente viáveis e socialmente aceitáveis. É
* Título do original em espanhol: "El desarrollo rural necessário reafirmar, entretanto, que para o
sustentable: una perspectiva agroecológica". Tradução ao estabelecimento de agroecossistemas susten-
português: Francisco Roberto Caporal.
táveis, não é possível separar os componen-
E-mail: caporal@emater.tche.br
tes do problema agrário, o socioeconômico e o
** Professor de Economia na Universidade de Vigo,
ecológico, que evidenciam complicações so-
Espanha. E-mail: xsimon@uvigo.es
*** Aluna da Universidade de Vigo, Espanha. ciais e políticas e nem sempre técnicas, até
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Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.2, abr./jun.2001
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porque não são estas últimas as que estabe- restrições biológicas ao sistema de cultivo; os
lecem limites e obstáculos na transição de fatores socioeconômicos (transporte, capital,
um modelo agrícola de altos insumos, prove- mercados, etc.) afetam o ambiente externo e,
nientes de recursos naturais não-renováveis, portanto, a tomada de decisões dos agricul-
como o atual, a outro sistema de produção que tores3.
se fundamenta na utilização de recursos na- Assim, a sustentabilidade de um agroecos-
turais localmente disponíveis. Por outro lado, sistema tem dois componentes essenciais:
é inconcebível defender mudanças ecológicas pode ser observada ambiental e socialmente 4.
no setor agrícola sem defender mudanças si- A sustentabilidade ambiental se refere aos
milares em outras áreas da sociedade que efeitos que os agroecossistemas causam so-
estão inter-relacionadas. Em geral, podemos bre a base dos recursos (sua contribuição aos
dizer que uma condição essencial para uma problemas de contaminação, aquecimento glo-
agricultura sustentável e, por extensão, de bal, erosão, desmatamento, sobrexploração
uma sociedade sustentável, é um ser huma- dos recursos renováveis e não-renováveis, etc)
no evoluído, cuja atitude em relação à natu- tanto na escala global como local. Em nível
reza seja de coexistência com a mesma e não local, a sustentabilidade dos agroecossistemas
de exploração da natureza 2. tem a ver com sua capacidade para aumen-
tar, esgotar ou degradar a base dos recursos
naturais localmente disponíveis. Então, a sus-
Podemos dizer que uma condição tentabilidade ambiental no nível local é posi-
tiva quando o manejo realizado no agroecos-
essencial para uma agricultura sistema aproveita a produtividade dos recur-
sos naturais renováveis (aqueles que funcio-
sustentável é um ser humano
nam mediante o inesgotável fluxo solar). Ao
evoluído, cuja atitude em relação contrário, pode não ser positiva, quando as prá-
ticas produtivas consistem na manutenção da
à natureza seja de produtividade do agroecossistema mediante
coexistência e não de exploração a troca econômica (importação e exportação
de insumos e produtos), aquecendo a terra,
que é vista unicamente como o suporte ma-
2 Definindo o desenvolvimento terial (físico) das espécies. Neste caso, o con-
rural sustentável trole de pragas, a fertilização e outras práti-
A agricultura é uma atividade que depen- cas necessárias são realizados mediante ca-
de, necessariamente, dos recursos naturais pital produzido pelo homem, degradando-se a
e dos processos ecológicos e, na mesma me- base local de recursos naturais5.
dida, dos desenvolvimentos técnicos huma- Numa escala global, a sustentabilidade
nos e do trabalho. Na tomada de decisões na ambiental dos agroecossistemas está relaci-
agricultura, influem tanto condicionantes onada com os efeitos, positivos ou negativos,
internos às explorações como as políticas im- sobre a biosfera. Isto é, os efeitos que os agro-
postas no âmbito local, nacional ou interna- ecossistemas têm sobre as condições de so-
cional. Ademais, o desenho de tecnologias brevivência de outros agroecossistemas, ao
sustentáveis deve nascer de estudos integra- longo do tempo. Existem problemas ambien-
dos pelas circunstâncias naturais e socioe- tais globais, como o efeito estufa e a mudan-
conômicas que influenciam os sistemas de ça climática, que são gerados na atualidade,
18 cultivo: as circunstâncias naturais impõem mas que somente vão ser sofridos por outras

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gerações. Assim, um agroecossistema sus- processos produtivos não procede de elemen-
tentável, desde uma perspectiva global, será tos ou recursos isolados (solo, animais, plan-
aquele que tenha impacto nulo sobre agroe- tas, minerais etc), senão que de unidades-to-
cossistemas futuros. talidades relacionadas destes elementos 7 .
Em ambas escalas, global e local, a susten- Cada ecossistema tem uma determinada es-
tabilidade ambiental dos agroecossistemas se trutura e modelo de funcionamento e possui
refere ao impacto externo que uns têm sobre um limite, teoricamente observável, para a
os outros. A sustentabilidade social, ao con- sua apropriação. Além deste limite se coloca
trário, se refere à capacidade interna dos em perigo a existência do próprio ecossiste-
agroecossistemas para resistir às pressões ou ma, substrato sobre o qual ocorre a produção8.
perturbações externas a que são submetidos. Em conseqüência, a sustentabilidade am-
Em função desta capacidade, os agroecossis- biental local exige que reconheçamos as uni-
temas cumprirão ou não os objetivos social- dades naturais que vamos manejar (os ecos-
mente desejados e que terão a ver com a sa- sistemas que são objeto de apropriação) e
tisfação, direta ou indireta, das necessida- adaptemos a produção às leis ecológicas que
des humanas. informam e mantêm as capacidades dos e-
cossistemas. Quer dizer, é necessário dese-
3 A sustentabilidade ambiental nhar sistemas de produção que funcionem em
A partir da definição anterior, se deduz que harmonia, e não em conflito, com as leis eco-
a base de recursos disponíveis (determinante lógicas.
de "com que se produz?") e o uso dado a estes Numa linguagem mais própria dos econo-
recursos, assim como a tecnologia utilizada mistas, podemos dizer que se os recursos re-
(que define o "como se produz?"), são questões nováveis podem reproduzir-se continuamen-
substantivas para entender e definir a sus- te, em função da intervenção humana e das
tentabilidade rural a partir da perspectiva condições ambientais e tecnológicas, os re-
ambiental 6. cursos não-renováveis, na medida em que são
Por isto, na seqüência, dedicamos nossa consumidos, se convertem em desperdícios de
atenção a estas questões. Primeiro, para sa- alta entropia, sem valor econômico9.
ber "com que se produz" é necessário conhe- Assim sendo, um aproveitamento susten-
cer quais são os recursos que utilizados no tável da base de recursos conduz, primeiro, à
processo produtivo rural, qual a sua natureza análise das condições ecológicas dos ecossis-
e quais as leis e normas que regem sua dis- temas e, em segundo lugar, à análise das con-
tribuição. Segundo, para a definição do desen- dições tecnológicas, econômicas e culturais
volvimento rural sustentável, precisamos sa- dos sistemas sociais que permitam um apro-
ber "como se produz", isto é, quais são as tec- veitamento e transformação da base de re-
nologias e conhecimentos que se aplicam, cursos orientados a maximizar o potencial
qual é a forma de adquiri-los e que incidên- produtivo dos ecossistemas e minimizar o
cia tem umas e outras tecnologias sobre a esgotamento dos recursos não-renováveis. Por
base de recursos localmente disponíveis. último, deve conduzir à análise da descarga e
acumulação de produtos, subprodutos e resí-
3.1 A base de recursos duos dos processos de produção rural.
Consideramos que o processo de produção Deste modo, temos que concluir que a sus-
rural é "a membrana a partir da qual as soci- tentabilidade ambiental de um agroecossis-
edades se apropriam para si de uma parte do tema está associada positivamente com o uso
fluxo energético" e que o apoio natural aos feito dos recursos renováveis. Efetivamente, 19
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se mantivermos as estruturas produtivas que rativa ou agricultura de baixos insumos ex-
tenham um "apoio vital" em recursos reno- ternos 12. No artigo de Buttel et al. (1987), se
váveis, cuja capacidade de auto-renovação afirma que os sistemas de produção defendi-
seja garantida, terão uma característica fun- dos por eles melhoram a produtividade medi-
damental do modelo de sustentabilidade de- ante a redução do uso de insumos e não me-
fendido: seus rendimentos econômicos serão diante o crescimento da produção, enquanto
duráveis ao longo do tempo. que no artigo de Francis et al. (1987) são de-
Por outro lado, é uma ilusão da profissão fendidos sistemas de produção que maximi-
(dos economistas) gestionar os recursos na- zam o uso dos recursos encontrados na pro-
turais não-renováveis mediante a introdução priedade, em vez dos caros recursos importa-
de uma "taxa de desconto" nos modelos mate- dos.
máticos e esquecer-se do dano causado pe-
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los desperdícios gerados no consumo de de- 3.2 A tecnologia no


terminado recurso. Seu destino seria a con- desenvolvimento rural sustentável
servação, quando não tenhamos conhecimen- Uma questão inicial, que se deriva do que
to científico sobre um substituto renovável que foi dito antes, se refere ao ativo papel que o
garanta sua função social, presente e poten- conhecimento tradicional deve ter no dese-
cial, ou o consumo, quando não se incorra em nho de estratégias de produção que preten-
irreversibilidades. dam conservar a base de recursos existente.
Finalmente, já que a existência local de A visão sistêmica, na qual se inscreve nossa
recursos e a capacidade de controle que so- perspectiva, exige uma combinação de meios
bre os mesmos exerce a comunidade, deter- e conhecimentos tradicionais e modernos
minam a capacidade dos agroecossistemas sem que, a priori, exista superioridade por
para manter sua produtividade ao longo do parte de alguma das formas de conhecimento
tempo, na análise das condições que facili- existentes.
tam ou impedem a sustentabilidade resulta Os recursos localmente disponíveis, as per-
de interesse classificar os recursos em in- cepções dos agricultores, as disponibilidades
ternos e externos 11. Os primeiros, diferente- monetárias e os objetivos estabelecidos é que
mente dos inputs externos, não necessitam determinarão o "padrão tecnológico adequa-
de intermediários nem de desembolso mone- do". A falta de sustentabilidade ambiental em
tário para sua utiliza- um agroecossistema
ção. São os processos pode ter origem na
ecológicos que possi- A falta de sustentabilidade destruição dos recur-
bilitam obter energia sos renováveis, mas
e água, espécies de ambiental em um agroecossistema pode, também, ser
conseqüência da uti-
plantas, animais e pode proceder da destruição dos
materiais localmente lização de tecnologias
disponíveis, o trabalho recursos renováveis, mas pode ser inadequadas ou da
familiar e o conheci- inexistência de tec-
conseqüência da utilização de nologias adequadas.
mento tradicional lo-
cal etc. Estes critérios tecnologias inadequadas ou da Uma questão re-
foram utilizados por corrente, quando en-
uma corrente de pen-
inexistência de tecnologias frentamos problemas
adequadas de tecnologias inapro-
20
samento que definiu
a agricultura regene- priadas, se refere à

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A rtigo Um sistema agrícola sustentável
está dotado de abundantes
perda de benefícios potenciais associados a mecanismos internos para
processos ecológicos, isto é, com recursos in-
ternos aos agroecossistemas. Por exemplo, a
recuperar a trajetória do
substituição de animais de tração por equi- desenvolvimento anterior à
pamentos mecânicos impede que os animais,
mediante o aproveitamento da biomassa, ga- atuação de um fator de
rantam a disponibilidade de adubos orgânicos, distorção qualquer
cuja utilização coopera com a conservação da
base de recursos e, portanto, ajuda a susten-
tabilidade ambiental no agroecossistema.
Em todo caso, as soluções tecnológicas não tado de abundantes mecanismos internos
podem ser universais. É necessário estudar para recuperar a trajetória do desenvolvimen-
os condicionantes e os recursos locais para to anterior à atuação de um fator de distorção
determinar a melhor opção tecnológica. qualquer. Contrariamente, um sistema agrí-
cola, que se caracteriza por não dispor destes
4 A sustentabilidade social mecanismos niveladores, ficará sujeito às
O conceito de sustentabilidade que se de- distorções existentes e funcionará em um ní-
fende neste artigo se inscreve dentro da Aná- vel de produção menor ao existente antes da
lise de Agroecossistemas, um novo enfoque distorção.
do desenvolvimento agrícola que considera É possível mediar a sustentabilidade assim
que os agroecossistemas têm como primeiro definida? A resposta é afirmativa. Conway
objetivo o incremento de seu valor social, en- (1993) aponta cinco indicadores da sustenta-
tendido como a qualidade de bens e serviços bilidade que para serem úteis necessitam de
produzidos, o nível em que se satisfazem as séries históricas de produtividade 16. Quando
necessidades humanas e sua distribuição não se dispõe de séries históricas, é possível
entre a população humana13. analisar a sustentabilidade social dos agroe-
A sustentabilidade social pode ser definida cossistemas mediante análises qualitativas17.
como a capacidade que tem um agroecossis- Neste caso, para a definição do desenvolvi-
tema para manter a produtividade, seja em mento rural sustentável utilizamos cinco pro-
uma atividade agrícola, em uma propriedade priedades dos agroecossistemas: a produtivi-
ou em uma nação, quando é submetido a uma dade, a estabilidade, a sustentabilidade am-
pressão ou a uma perturbação14. A diferença biental, a eqüidade e a autonomia. Estas pro-
entre ambas as formas de distorção é o seu priedades podem ser utilizadas de uma forma
grau de predição15. Uma pressão é definida normativa, quer dizer, como indicadores do
como uma regular e contínua distorção, pre- funcionamento do agroecossistema, (para ava-
visível e relativamente pequena (por exem- liar seu potencial), simulando diferentes for-
plo: a redução da força de trabalho disponível; mas de distribuir recursos ou de introdução
deficiências no solo; crescimento das dívidas de novas tecnologias e, finalmente, para
etc). Por outro lado, uma perturbação é defi- enunciar a maior ou menor sustentabilidade
nida como uma distorção irregular, pouco fre- social de um agroecossistema, para conhe-
qüente, relativamente longa e imprevisível cer o grau em que o agroecossistema garante
(por exemplo: inundações, secas, epidemias os objetivos humanos 18.
repentinas, incêndios, colapso no mercado Portanto, a produtividade, a estabilidade, a
etc). sustentabilidade, a eqüidade e a autonomia
Um sistema agrícola sustentável está do- têm dupla dimensão: são, ao mesmo tempo, 21
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meios e fins. Têm um componente normativo, manece constante frente a flutuações, nor-
são um objetivo desejável, e um componente mais e de pequena escala, destas variáveis21.
descritivo, pois podem ser empiricamente Ainda que Conway indique que a medida mais
observáveis e medíveis. Assim, para finalizar conveniente da estabilidade é o recíproco do
nossa argumentação, trataremos de definir coeficiente de variação da produtividade, um
com precisão cada uma destas propriedades. agroecossistema pode ser relativamente es-
Entendemos a produtividade como sendo a tável com respeito a algumas medidas da pro-
quantidade de produto por unidade de insumo, dutividade e pouco estável com respeito a ou-
incluindo aqueles produtos que tenham, di- tras medidas22.
reta ou indiretamente, utilidade humana. A distinção entre estabilidade e sustenta-
Para medir a produção e os insumos é possí- bilidade tem que ver com as forças atuantes.
vel utilizar unidades distintas (unidades No primeiro caso, são relativamente peque-
energéticas, em relação com sua massa ou nas, de pouca importância e ordinárias (vari-
em função de seu valor monetário), mas, em ação normal dos preços, variações climáticas
geral, consideramos que o conceito de produ- normais etc) e são distorções cujo impacto é
tividade que melhor transmite o comporta- pequeno, pois os agroecossistemas desenvol-
mento dos agroecossistemas é aquele que veram defesas adequadas. Entretanto, no caso
considera tanto a produção como os insumos da sustentabilidade, são forças raras, pouco
unidades físicas19. comuns, menos esperadas, para cuja supera-
A realização de balanços energéticos ou o ção o agroecossistema não desenvolveu defe-
cálculo do custo ecológico20 complementa a sa alguma23.
informação necessária para a tomada de deci- Finalmente, podemos dizer que a estabili-
sões que, normalmente, tende a levar em conta dade de um agroecossistema pode ser alcan-
apenas as variáveis monetárias. Para o dese- çada mediante a eleição das tecnologias me-
nho de estratégias de desenvolvimento social- lhor adaptadas às necessidades e recursos dos
mente sustentável se requer a superação do agricultores (estabilidade de gestão), mediante
mundo auto-suficiente dos valores de troca. a adaptação das estratégias produtivas à cor-
Por outro lado, a persistência da produtivi- retas previsões de evolução do mercado (es-
dade dos agroecossistemas está em função de tabilidade econômica), ou ainda, tomando em
suas características intrínsecas, da nature- consideração as estruturas organizativas e o
za e da intensidade da pressão ou da pertur- contexto sociocultural existente (estabilida-
bação a que é submetido e dos insumos dis- de cultural)24.
poníveis para fazer frente a esta distorção. A eqüidade é a propriedade dos agroecos-
Quer dizer, existe uma relação direta entre a sistemas que indica quanto equânime é a dis-
artificialização dos ecossistemas e o grau de tribuição da produção entre os beneficiários
controle ambiental necessário para manter o humanos. De uma forma mais ampla, a eqüi-
nível de produtividade. dade implica uma menor desigualdade na dis-
É preciso definir corretamente a produti- tribuição de ativos, capacidades e oportuni-
vidade dos agroecossistemas pois as três pro- dades: especialmente, supõe o aumento dos
priedades seguintes derivam dela. A estabili- ativos, capacidades e oportunidades dos mais
dade, em primeiro lugar, pode ser definida desfavorecidos 25. Definida desta outra forma,
como a constância da produção, dado um con- podemos entender a eqüidade como aquela si-
junto de condições econômicas, ambientais tuação em que se põe fim à discriminação das
e de gestão. Assim, se entende estabilidade mulheres, das minorias e dos mais despos-
22 como sendo o grau no qual a produtividade per- suídos, situação na qual desaparece a pobre-

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za rural e urbana. ar na produção30.
Os problemas da multidimensionalidade, Portanto, as propriedades que acabamos de
apontados anteriormente, também estão pre- comentar têm suficiente capacidade para ex-
sentes nesta característica. Ao falar de eqüi- plicar o funcionamento de um agroecossiste-
dade, nos referimos não unicamente à distri- ma . Quer dizer, entretanto, que ainda que
buição do produto, senão que, também, à dis- cumprindo-se todos os requisitos de um de-
tribuição dos custos. Quer dizer, a eqüidade senvolvimento rural sustentável (alcançar
se refere à distribuição dos benefícios líqui- altos níveis de produtividade, com produções
dos26 e será alcançada quando um sistema estáveis e eqüitativamente distribuídas, me-
produtivo faça frente a crescimentos razoá- diante sistemas de produção autônomos que,
veis da demanda por alimentos sem que se ademais, tenham capacidade para manter os
aumente o custo social da produção. níveis de produtividade ao serem submeti-
Ademais, a eqüidade pode ser analisada em dos a forças distorcionadoras), a experiência
relação à distribuição dos produtos agrícolas, demonstra que podem existir conflitos entre
ou ainda, em relação ao acesso aos insumos. este grupo de propriedades. Nos referimos,
Por outro lado, desde uma perspectiva tempo- por exemplo, a melhorias na produtividade
ral, a eqüidade também apresenta uma dupla que afetam negativamente a sustentabilida-
dimensão. A eqüidade intrageracional está re- de dos agroecossistemas ou a obtenção de um
lacionada com a disponibilidade de um sus- grau de autonomia maior as custas da esta-
tento mais seguro para a sociedade, especi- bilidade. A
almente para os segmentos mais pobres.
A eqüidade intergeracional pode ser defi-
nida como a satisfação das necessidades
presentes sem comprometer a capacida-
de das futuras gerações de garantirem
suas próprias necessidades27. Existem au-
tores que afirmam que a conservação am-
biental por si mesma não é suficiente para
manter as gerações futuras e que a eqüi-
dade intergeracional exige que os custos
da produção (econômicos, sociais e ambi-
entais) não aumentem 28.
A autonomia, finalmente, tem a ver
com o grau de integração ou controle dos
agroecossistemas refletido no movimento
de materiais, energia e informações en-
tre as partes que o compõem e entre o
agroecossistema e o ambiente externo29.
A auto-suficiência de um sistema de pro-
dução se relaciona com a capacidade in-
terna para disponibilizar os fluxos neces-
sários para a produção. Quer dizer, a auto-
nomia de um agroecossistema descende-
rá na medida em que se incrementa a ne-
cessidade de ir ao mercado para continu- 23
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Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.2, abr./jun.2001
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Notas
1
Em Papendick (1986) se reconhece que que se produz?", "o que e quanto se produz?"
um dos principais problemas ambientais é a e "para quem se produz?", são os desafios a
erosão do solo causada pela agricultura, vencer para compreender o funcionamento
sendo definida esta atividade como "a dos agroecossistemas e avaliar seu
principal ameaça para a base dos recursos funcionamento a partir da perspectiva
aquáticos e terrestres da nação" (p. 3). Sobre agroecológica. A este objetivo Victor Toledo
este assunto também podem ser consultados e outros dedicam o livro "Ecologia y Auto-
Crasson e Ekey Ostrov (1990), onde suficiência alimentaria". Ver: Toledo et al.
encontramos interessantes referências aos (1985).
7
problemas de saúde associados ao uso de Não nos apropriamos de recursos
pesticidas nas atividades agrícolas. Para uma naturais, mas sim de ecossistemas. Um
análise dos problemas ambientais que ecossistema é um conjunto no qual os
acompanham a Política Agrária Comum (da organismos e processos ecológicos
União Européia) veja-se: Robinson (1991, p. (energético, biogeoquímico etc) estão em um
95-107). equilíbrio estável, no sentido de que são
2
Ver: Altieri (1987, p. 198-99). entidades capazes de se automanter e
3
Ver: Altieri (1987, p. 52-3). autoregular, independentemente dos homens
4
Ver: Chambers et al. (1992, p. 12-14). e das sociedades, mediante leis e princípios
5
N.T.: Ademais de degradar a base local naturais. Ver: Toledo (1981, p. 120-121).
8
de recursos naturais, está influenciando na Ver: Toledo et al. (1985, p.15-16).
9
degradação de recursos naturais não Esta argumentação está de acordo com
renováveis extraídos de outros lugares. a posição que é defendida pela Economia
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As perguntas "como se produz?", "com Ecológica. A racionalidade econômico-
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Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.2, abr./jun.2001
A rtigo
Notas
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ecológica aponta na direção de um processo Ver: Marten (1988, p.299).
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social meguentrópico, tendente a reverter o Ver: Conway (1993, p.53).
24
crescente esgotamento de recursos e a Ver: Altieri (1987, p.42-44).
25
degradação da energia disponível, por meio Ver: Chambers (1992, p.5).
26
da conservação das estruturas materiais Ver: Conway e Barbier (1990, p.43).
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(ecológicas e culturais) capazes de gerar um Esta é a definição dada pela Comissão
desenvolvimento biológico e sócio-histórico Brundtland, conforme CCCAD (1987).
sustentável. Ver: Leff (1986). Observe-se que o desenvolvimento
10
Sobre o assunto das taxas de desconto sustentável proposto por aquela Comissão
(próprios da Economia Ambiental, baseada talvez não seja tão sustentável como sugerem.
na economia neoclássica) sempre cabe a Vejam-se as críticas de Martinez Alier (1994,
pergunta "Porque este valor e não outro, para p.87-109).
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medir as preferências dos possíveis Ver: Crosson (1986, p.142-144). Este
beneficiários ou prejudicados?". autor define os sistemas sustentáveis de
11
Ver: Francis e King (1988). produção de alimentos como aqueles que
12
Ver: Buttel et al. (1987) e Francis et al. garantem indefinidamente a crescente
(1987). demanda por alimentos e fibras, sem incorrer
13
Ver: Conway (1993, p.49-50). em custos ambientais e econômicos
14
Ver: Conway (1986). crescentes (eqüidade intergeracional) e como
15
Ver: Chambers et al. (1992, p.14-15). aqueles em que se produz uma distribuição
16
Ver: Conway (1993). Segundo este autor, da renda considerada como eqüitativa pelos
os indicadores a serem medidos seriam: a participantes menos avantajados (eqüidade
inércia, a elasticidade, a amplitude, a histerese intrageneracional). Ver, também: Crosson e
e a maleabilidade (p.55). Ekey Ostrov (1990, p.37).
17 29
Em nossa Tese de doutoramento, a parte Ver: Marten (1988, p.301). Conway não
empírica é uma tentativa pioneira de aplicação incorpora esta propriedade para definir o
da Análise de Agroecossistemas, para a valor social um agroecossistema.
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Península Ibérica, utilizando uma A distribuição entre recursos internos e
aproximação qualitativa. Ver: Simón externos, realizada anteriormente, é válida
Fernández, 1995. para entender o significado desta
18
Ver: Conway (1986, p.25) e Chambers propriedade. Por outro lado, Lester Brown,
et al. (1992, p.607). ao tratar de definir o que ele chama de
19
Isto não implica excluir as unidades "Sociedade perdurável", afirma que a
monetárias como indicadores do com- autodependência local é um pré-requisito
portamento dos agroecossistemas. Pelo indispensável: as sociedades devem
contrário, pensamos que são um componente fundamentar seu desenvolvimento nos
fundamental de um agroecossistema recursos localmente disponíveis. Ver: Brown
sustentável, pois unicamente garantindo uma (1987, p.278-280).
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renda adequada aos produtores, poderemos Na figura aparecem representadas estas
defender sua replicabilidade. propriedades. Sua apresentação exige a
20
Ver: Punti (1982) e Punti (1988). existência de séries históricas de
21
Ver: Conway (1986, p.23). produtividade, nem sempre disponíveis.

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