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Em tempos mais saudáveis espiritualmente, a teologia pactual era mais

prontamente apreciada e menos mal compreendida do que é hoje. De um


lado temos a rejeição total do aliancismo por parte de alguns batistas e, por
outro lado, a superextensão herética dele por parte de alguns presbiterianos,
diante disso devemos obter tanta ajuda quanto pudermos a partir de nossa
herança protestante. Este livro reúne insights maravilhosos de dois fiéis
líderes da igreja de uma geração anterior e traz análises úteis de mestres
competentes da atualidade. O resultado é um recurso valioso para
estudantes, acadêmicos e pastores.
Thomas K. Ascol, Ph.D.
Grace Baptist Church, Cape Coral, FL
Editor, Founders Journal
É estranho que A Discourse of the Covenants, de Nehemiah Coxe, não tenha
sido reimpresso desde que apareceu pela primeira vez no século XVII, visto
que alguns de nossos antepassados batistas calvinistas — homens como
John Sutcliff de Olney — parecem tê-lo apreciado profundamente. Seja como
for, essa nova edição é extremamente bem-vinda, pois demonstra claramente
que os batistas calvinistas do século XVII, como Coxe — e seus
descendentes modernos neste século — fazem parte da corrente da teologia
reformada que adveio do trabalho de reforma de homens como Ulrico
Zuínglio, João Calvino, Heinrich Bullinger e Teodoro Beza. Mais vezes do que
consigo enumerar — e pessoalmente acho isso muito frustrante — ouvi a
teologia reformada ser definida de tal maneira que exclui aqueles que
defendem o batismo de crentes. Esta obra valiosa ajudará a esclarecer essa
questão.
Michael A.G. Haykin, Th.D.
Diretor, Toronto Baptist Seminary,
Toronto, Ontario, Canadá
A obra de Nehemiah Coxe sobre a doutrina das alianças é um importante
escrito por um eminente teólogo batista particular do século XVII. Sua
republicação está muito atrasada. Como um bônus, o leitor tem o próprio
Coxe resgatado da obscuridade através de uma introdução bem pesquisada
pelo Dr. James M. Renihan. E visto que Coxe referiu os seus leitores à análise
de John Owen sobre a natureza e as diferenças entre a Antiga e a Nova
Aliança, a exposição de Owen sobre Hebreus 8:6-13 está incluída. Tanto o
texto de Coxe quanto de Owen foram editados de maneira leve e sensível, e
foram acrescentadas notas explicativas. O ensaio de Richard C. Barcellos
posiciona o ensino de Owen sobre o pacto firmemente dentro do consenso
reformado mais amplo. O livro como um todo tem aplicação prática moderna.
Isso mostra que os batistas reformados têm uma doutrina sobre o pacto
consistente e bem fundamentada do ponto de vista argumentativo. Também
mostra que os pais batistas particulares do século XVII, embora enfatizassem
a novidade da Nova Aliança, argumentavam que o Decálogo permanece
como uma regra de vida para o crente. Esta obra é um recurso importante
para os batistas reformados do século XXI.
Robert W. Oliver, Ph.D.
Pastor,
Old Baptist Church Bradford on Avon, Reino Unido
Professor de História da Igreja/Teologia Histórica,
London Theological Seminary
Conferencista de Não-Conformidade na História da Igreja,
The John Owen Centre, Londres Professor convidado,
Westminster Theological Seminary, Londres
Na maior parte do material que foi reimpresso ao longo do último meio século,
a teologia pactual foi apresentada como se implicasse necessariamente na
doutrina e na prática do batismo infantil. Nós poderíamos preencher muito
espaço aqui simplesmente listando os livros que assumiram essa posição.
Muitos de nós, no entanto, não foram convencidos dessa estipulação por
acreditar que se trata de uma consequência desnecessária de raciocínio
teológico. Acreditamos que é muito possível, e até mesmo necessário,
formular uma teologia pactual baseada em exegese que defenda a
centralidade e a continuidade do plano divino da redenção através dos
tempos sem cair na dedução de que o batismo infantil deve fazer parte dessa
doutrina.
Infelizmente, tem havido poucas obras disponíveis que lidam com essas
questões em um profundo nível exegético e teológico. Os livros escritos de
uma perspectiva pedobatista frequentemente rejeitam o ponto de vista do
credobatista (isto é, o batismo de crentes) e aqueles que defendem o batismo
de crentes frequentemente falham em se esforçar o suficiente para apresentar
um sistema pactual plenamente desenvolvido. O resultado é que os
pedobatistas raramente ou nunca consideraram a possibilidade de uma
posição pactual credobatista e muitos batistas são simplesmente ignorantes
quanto a centralidade da teologia pactual e de sua utilidade na defesa de suas
próprias crenças. Este livro é uma tentativa de começar a corrigir essa
deficiência.
James M. Renihan, Ph.D.
Escondido Reformed Baptist Church, Escondido, CA Deão, Institute of
Reformed Baptist Studies Westminster Theological Seminary in California,
Escondido, CA
Título Original Covenant Theology From Adam to Christ
Contendo
A Discourse of the Covenants that God made with men before the
Law.
Wherein, the Covenant of Circumcision is more largely handled, and
the invalidity of the plea for paedobaptism taken from thence
discovered.
Por Nehemiah Coxe
e
An Exposition of Hebrews 8:6-13.
Wherein, the nature and differences between the Old and New
Covenants is discovered.
Por John Owen
Editado por Ronald D. Miller, James M. Renihan e Francisco Orozco
Copyright © 2005 Reformed Baptist Academic Press.
Todos os direitos reservados. Esse copyright não se aplica aos
materiais de Coxe e Owen.

Publicado por Reformed Baptist Academic Press


349 Sunrise Terrace Palmdale, CA 93551.

Copyright © 2020 Editora O Estandarte de Cristo Francisco Morato,


SP, Brasil ■
1ª edição em português: 2020.

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora O


Estandarte de Cristo. Proibida a reprodução por quaisquer meios,
salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Salvo indicação em contrário e leves modificações, as citações


bíblicas usadas nesta tradução são da versão Almeida Corrigida Fiel
| ACF • Copyright © 1994, 1995, 2007, 2011 Sociedade Bíblica
Trinitariana do Brasil.

Tradução: Rafael Abreu, Renan Abreu, Camila Rebeca Teixeira e


William Teixeira Revisão: William Teixeira, Joerley Cruz e Leonardo
Honda Bastos Capa: William Teixeira Diagramação: William Teixeira

Visite: oestandartedecristo.com
Teologia Pactual
De Adão a Cristo
Contendo
Um Tratado sobre os Pactos que Deus fez com os homens antes da Lei.
Onde, o Pacto da Circuncisão é amplamente examinado e é demonstrada a
invalidade do argumento para o pedobatismo que é extraído desse pacto.
Por Nehemiah Coxe
&
Uma Exposição de Hebreus 8:6-13
Na qual a natureza e diferenças entre a Antiga e a Nova Alianças são
demonstradas.
Por John Owen
Editado por Ronald D. Miller, James M. Renihan e Francisco Orozco

1ª Edição

Francisco Morato, SP
O Estandarte de Cristo
2020
Sumário
Introdução
Por que Essa Reimpressão é Importante?
James M. Renihan

PARTE I
Nehemiah Coxe: Um Teólogo Excelente e Judicioso
James M. Renihan

Introdução do Editor
O Prefácio ao Leitor

Capítulo 1
Relacionamentos Pactuais com Deus
Uma Introdução Geral
O Pacto de Deus Proposto aos Homens e a Resposta Deles
A Ideia Geral de um Pacto e as Inferências Disso
Deus Sempre Lidou com os Homens por Meio de Aliança
As Transações Pactuais de Deus Sempre São Feitas com Um
Representante
Instruções Gerais para Entender Corretamente as Transações
Pactuais

Capítulo 2
As Transações de Deus para com Adão
A Importância desse Estudo
O Estado do Homem Antes da Queda
A Promessa de uma Recompensa Comprovada
A Recompensa e a Punição da Lei
Adão: Uma Pessoa Pública
A Transação de Deus com Adão: Uma Aliança
A Natureza Geral do Pacto com Adão
O Pecado de Nossos Primeiros Pais
O Estado e Condição do Homem Caído
A Misericórdia de Deus para com o Homem Caído
A Promessa de Redenção em um Pacto
O Estado e Condição da Posteridade de Adão

Capítulo 3
A Aliança de Deus com Noé
Um Novo Relacionamento é Estabelecido
A Palavra Revelada de Deus é a Regra de Fé do Homem
Enoque
A Propagação Geral da Igreja
A Arca como um Tipo
Deus Estabelece seu Pacto com Noé
O Pacto Noético Desenvolvido
Bençãos e Maldições para os Filhos de Noé
A Torre de Babel e a Confusão das Línguas
Os Males Advindos da Confusão das Línguas

Capítulo 4
O Pacto da Graça Revelado a Abraão
Deus Honra a Abraão de Forma Especial Através de seu
Pacto
A História de Abraão e sua Aparente Incapacidade
A Dupla Consideração de Abraão no Pacto
O Pacto da Graça Revelado a Abraão
O Tempo Determinado desses Pactos e a suas Inferências
Todas as Bênçãos Espirituais estão Incluídas nesse Pacto
Esse Pacto é Confirmado em Cristo
Abraão: Raiz das Bênçãos da Aliança e Pai dos Crentes
O Caminho de Salvação pela Fé em Cristo nesse Pacto
A Promessa Dada antes da Circuncisão

Capítulo 5
A Aliança da Circuncisão (I)
As Promessas Feitas a Abraão para sua Descendência
Natural
Abraão é Chamado para Fora de Ur dos Caldeus
A Jornada de Abraão e a Renovação das Promessas
Como a Promessa de Canaã Beneficiou Abraão
A Promessa Renovada e Expandida
A Descendência de Abraão
A Aliança da Circuncisão
A Promessa da Nova Aliança Repetida
A Distinção das Tribos em Israel
O Significado de Eterno em Relação a esse Pacto
A Igreja-Estado do Israel Segundo a Carne

Capítulo 6
A Aliança da Circuncisão (II)
Duas Proposições Estabelecidas
A Primeira Proposição Provada
Sua Confirmação Posterior
Seu Apoio a partir da História Sagrada
A Igreja-Estado de Israel foi Edificada sobre essa Aliança
Circuncisão: a Porta para a Comunhão em Israel
Como Levi pagou Dízimos estando ainda em Abraão
Israel foi Libertado do Egito em Virtude dessa Aliança
A Segunda Proposição Provada
O Exemplo de Esaú
Uma Objeção Respondida
Circuncisão: Um Selo da Aliança
Algumas Inferências a partir do Discurso Precedente

Capítulo 7
A Aliança da Circuncisão (III)
O Verdadeiro Significado da Grande Promessa
Várias Premissas para que Cheguemos ao Entendimento Correto
Israel Considerado de Duas Formas sob a Economia Mosaica
O Israel de Deus em Israel
A Promessa Plenamente Explicada
A Explicação Confirmada
A História de seu Cumprimento para com Israel
As Bênçãos de Israel Segundo a Carne
A Aliança da Circuncisão não é o Pacto da Graça
Outros Homens Santos que não Viveram Debaixo da Obrigação
da Circuncisão
O Conceito de Membresia Infantil na Igreja Considerado
Cinco Propostas Consideradas

Capítulo 8
A Referência Mútua das Promessas Feitas a Abraão
O Propósito Geral deste Capítulo
A Mistura das Promessas
A Relação Mútua das Promessas
A Grandeza da Provação de Abraão
A Aliança de Peculiaridade como um Tipo
Colossenses 2:11 Explicado
A Família de Abraão como um Tipo da Futura Igreja
Inferências Feitas a Partir desse Tipo
A Chave para Muitas Promessas no Antigo Testamento
Romanos 4:11 Explicado
A Circuncisão foi um Selo para a Fé de Abraão
A Conclusão desse Tratado

PARTE 2
Uma Breve Biografia de John Owen
Extraída do Memorial dos Não-Conformistas, por Samuel
Palmer
Introdução do Editor
Capítulo 1
Exposição do Versículo 6
A Diferença entre as Duas Alianças
Uma Afirmação da Excelência do Ministério de Cristo
A Introdução da Afirmação
Primeira Observação Prática
O que é Atribuído a Cristo na Afirmação
Segunda Observação Prática
Terceira Observação Prática
Quarta Observação Prática
Como Cristo Veio a esse Ministério
Quinta Observação Prática
A Qualidade desse Ministério
A Preeminência desse Ministério
Sexta Observação Prática
A Prova da Afirmação
O Ofício de Mediador
Sétima Observação Prática
Uma Descrição Adicional de seu Ofício Mediatório
De que Aliança Cristo era o Mediador?
Dificuldades do Contexto Respondidas
A Prova da Natureza dessa Aliança Quanto à sua Excelência
Toda Aliança é Estabelecida sobre Promessas
A Nova Aliança é Estabelecida com Promessas Melhores
Oitava Observação Prática
Nona Observação Prática
Um Discurso Acerca de Algumas Coisas em Geral
Uma Disputa em Relação às Duas Alianças
Quatro Pontos Consoantes Acerca das Duas Administrações
Cinco Diferenças entre as Duas Administrações
Os Argumentos Luteranos
Cinco Pontos sobre essa Questão
Três Coisas Relacionadas à Primeira Aliança que Provam que Ela
Não foi uma Administração do Pacto da Graça
Primeira, Ela não foi Feita para a Vida e Salvação da Igreja
Segunda, Ela Não Anulou a Promessa Feita a Abraão
Terceira, Ela Continha Outros Benefícios para a Igreja
Duas Perguntas sobre a Aliança do Sinai
A Substância de Toda a Verdade
Seis Razões para a Introdução da Primeira Aliança
A Diferença entre as Duas Alianças
A Opinião da Igreja de Roma
A Doutrina da Escritura sobre a Diferença entre as Alianças
Exposta em 17 Particularidades
Uma Resposta aos Socinianos
Décima Observação Prática
Décima Primeira Observação Prática

Capítulo 2
Exposição do versículo 7
A Necessidade de Uma Nova e Melhor Aliança
Uma Afirmação Positiva
A Prova desta Afirmação
Primeira Observação Prática
Segunda Observação Prática

Capítulo 3
Exposição do Versículo 8
A Nova Aliança
A Introdução do Testemunho
Sua Conexão
Seu Fundamento
Seu Verdadeiro Significado
Primeira Observação Prática
Segunda Observação Prática
Terceira Observação Prática
O Próprio Testemunho
O Autor da Promessa
Quarta Observação Prática
A Nota da Introdução
Quinta Observação Prática
Sexta Observação Prática
O Tempo da Realização
Sétima Observação Prática
A Coisa Prometida
Três Coisas que Coincidem na Nova Aliança
Por que Chamar de uma Aliança?
Oitava Observação Prática
As Coisas Contidas na Nova Aliança
O Autor dessa Aliança
Nona Observação Prática
As Pessoas com Quem essa Aliança é Feita
Décima Observação Prática
Décima Primeira Observação Prática
O Modo de Fazer a Nova Aliança
Seu Caráter Distintivo

Capítulo 4
Exposição do Versículo 9
A Novidade da Nova Aliança
As Razões para uma Aliança Diferente
A Primeira Aliança
Primeira Observação Prática
Segunda Observação Prática
Terceira Observação Prática
Quarta Observação Prática
Quem Eram Esses “Pais”?
A Quebra da Antiga Aliança
Quinta Observação Prática
Sexta Observação Prática
A Anulação da Antiga Aliança
A Verdade Dessas Coisas
A Promessa de Outra Aliança
Sétima Observação Prática
Oitava Observação Prática
Nona Observação Prática
Décima Observação Prática

Capítulo 5
Exposição dos Versículos 10-12
As Promessas da Nova Aliança

Exposição do versículo 10
Introdução da Declaração da Nova Aliança
O Assunto: A Criação de uma Aliança
Primeira Observação Prática
Segunda Observação Prática
Terceira Observação Prática
Quarta Observação Prática
O Autor dessa Aliança
Quinta Observação Prática
Com Quem a Nova Aliança é Feita
O Tempo de Fazer a Aliança
O Tempo Exato da Realização dessa Promessa
A Natureza das Promessas da Nova Aliança
A Natureza Geral dessas Promessas
Refutação da Interpretação Sociniana e Demonstração da
Verdadeira Interpretação em Seis Aspectos
Duas Objeções Respondidas
As Propriedades Abençoadas e os Efeitos da Nova Aliança
Primeira Bênção Geral – Restauração da Imagem de Deus em
Nós
O que é Atingido
Sexta Observação Prática
Em seus Entendimentos
O Modo de Produzir o Efeito
O que é Comunicado: Minhas Leis
A Natureza da Graça na Primeira Promessa
Sétima Observação Prática
Em seus Corações
Oitava Observação Prática
Nona Observação Prática
Décima Observação Prática
“E eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo.”
A Natureza dessa Relação
O Fundamento
O Mediador deve Ser Cristo
Décima Primeira Observação Prática
As Ações Mútuas
A Relação de Deus para com o Homem
Décima Segunda Observação Prática
Décima Terceira Observação Prática
Décima Quarta Observação Prática
Décima Quinta Observação Prática
A Relação do Homem com Deus
Décima Sexta Observação Prática
Décima Sétima Observação Prática
Exposição do Versículo 11
A Parte Negativa da Promessa
A Parte Positiva da Promessa
Refutação de uma Má Interpretação desse Texto
A Interpretação Correta do Texto
Em que Consistia a Remoção do Ensino?
O que Não Seria Mais Ensinado?
Várias Observações sobre Expressões Particulares
Décima Oitava Observação Prática
Décima Nona Observação Prática
Vigésima Observação Prática
Vigésima Primeira Observação Prática
Vigésima Segunda Observação Prática
A Parte Positiva da Promessa (continuação)
Para Quem Ela é Feita
Vigésima Terceira Observação Prática
Vigésima Quarta Observação Prática
Qual é o seu Assunto?
Vigésima Quinta Observação Prática
Vigésima Sexta Observação Prática
Vigésima Sétima Observação Prática

Exposição do Versículo 12
Vigésima Oitava Observação Prática
A Promessa Considerada
Para Quem é Ela Feita
Objeção e Resposta
Vigésima Nona Observação Prática
O que é Prometido
O que se Entende por Pecados
Trigésima Observação Prática
Trigésima Primeira Observação Prática
Trigésima Segunda Observação Prática
Trigésima Terceira Observação Prática
O que se Entende pelo Perdão dos Pecados

Capítulo 6
Exposição do versículo 13
A Necessidade e Certeza da Abolição da Primeira Aliança
A Palavra Especial ou Testemunho Bíblico
Uma Máxima Geral da Verdade
Introdução

Por que Essa Reimpressão é Importante?

James M. Renihan

A partir de 1950 para cá o leitor cristão tem sido privilegiado com a


reimpressão de uma série de obras. A maioria desses livros tem
sido uma bênção incalculável para a igreja de Jesus Cristo, ao
ajudar os crentes a entender as grandes doutrinas históricas da fé.
Pela providência e bênção de Deus, o reavivamento do interesse
pela fé reformada deve ser, em grande parte, creditado à ampla
disponibilidade dessas obras-primas teológicas. À medida que a
verdade tem sido disseminada, vidas têm sido transformadas e
igrejas têm sido estabelecidas para a glória de Deus segundo as
Escrituras.
Outras obras valiosas da literatura teológica ainda precisam
ser redescobertas a partir do tesouro depositado do passado.
Mesmo que meio século de reimpressões tenha passado, as
gráficas continuam a emitir documentos vitais extraídos do valioso
tesouro de escritos da Reforma e da pós-Reforma, e esse tesouro
ainda está cheio de livros dignos de nossa atenção. Alguns
merecem a tradução para o inglês (e a maioria deles, para o
português) com o fim de aumentar a sua disponibilidade, enquanto
outros simplesmente esperam os recursos necessários para serem
disponibilizados ao público cristão. É um grande prazer dar um
passo adiante nesse processo através da publicação do presente
livro.
Como homens confessionalmente comprometidos com a fé
reformada, os editores modernos desta obra acreditam que ela
preenche uma lacuna muito importante no que diz respeito à
explicação desse sistema de teologia. Nós cremos que a estrutura
da Escritura é adequadamente definida pelo que foi designado
como teologia pactual — entender esse fato é compreender a
arquitetura central de toda a Bíblia. Seu autor divino se revelou aos
homens por meio de pactos, e nos chama a ver que esse é o meio
mais fundamental de compreender o panorama completo
apresentado em suas páginas sagradas.
Na maior parte do material que foi reimpresso ao longo do
último meio século, a teologia pactual foi apresentada como se
implicasse necessariamente na doutrina e na prática do batismo
infantil. Nós poderíamos preencher muito espaço aqui
simplesmente listando os livros que defenderam essa posição.
Muitos de nós, no entanto, não foram convencidos dessa
imposição, pois acreditamos que ela é consequência desnecessária
do raciocínio teológico. Acreditamos que é muito possível, e até
mesmo necessário, formular uma teologia pactual baseada em uma
exegese que defenda a centralidade e a continuidade do plano
divino da redenção através dos tempos sem com isso cairmos na
dedução de que o batismo infantil deve fazer parte dessa doutrina.
Infelizmente, temos poucas obras disponíveis que lidam com
essas questões em um profundo nível exegético e teológico. Os
livros escritos a partir de uma perspectiva pedobatista
frequentemente rejeitam o ponto de vista do credobatista (isto é, o
batismo de crentes), e aqueles que defendem o batismo de crentes
frequentemente falham em se esforçar o suficiente para apresentar
um sistema pactual plenamente desenvolvido. O resultado é que os
pedobatistas raramente, ou nunca, consideraram a possibilidade de
uma posição pactual credobatista, e muitos batistas são
simplesmente ignorantes da centralidade dos pactos de Deus e de
sua utilidade para a defesa de suas próprias crenças.
Este livro é uma tentativa de começar a corrigir essa
deficiência. No século XVII, as defesas pactuais do batismo de
crentes eram a regra e não a exceção, e essa obra de Nehemiah
Coxe, agora reimpressa, se destaca como um excelente exemplo
disso. Coxe viveu em um tempo em que os melhores exegetas e
teólogos, batistas e pedobatistas, explicavam e defendiam a
teologia pactual, e Coxe se uniu a eles para apresentar as suas
posições acerca dos pactos históricos. Reconhecendo os pactos
como a estrutura da revelação e da história da redenção, ele
progressivamente oferece uma exposição de cada um dos acordos
pactuais que Deus fez com os homens antes da lei. Ao fazer isso,
ele é capaz de demonstrar que os batistas compartilham com seus
outros amigos reformados um compromisso com essa revelação
histórica e progressiva da graça de Deus aos homens. Isso é de
vital importância, e tem sido fonte de surpresa e bênção para os
pedobatistas que descobriram esse ponto. Eles percebem que os
batistas reformados confessionais não são dispensacionalistas
enrustidos, mas confessam uma teologia pactual bem desenvolvida.
Nós optamos por incluir os comentários de John Owen em
Hebreus 8:6-13 junto com a obra de Coxe, por várias razões
importantes. Sabemos, é claro, que Owen foi um pedobatista por
toda a vida e que ele defende brevemente essa visão em outros de
seus escritos. Não pretendemos, de forma alguma, sugerir que
Owen teria endossado as objeções de Coxe (ou nossas) à posição
pedobatista. No entanto, pareceu ser bom incorporar seus pontos
de vista a essa obra. O leitor verá que Coxe, no prefácio de seu
tratado, indica que estava preparando materiais para escrever um
volume que dava continuidade à sua obra sobre dos pactos de
Deus na qual falaria sobre o pacto mosaico e a Nova Aliança, mas
isso foi “felizmente evitado” pela publicação do comentário de Owen
sobre o capítulo 8 de Hebreus. Para o batista Neemias Coxe, o
trabalho de John Owen sobre essa porção de Hebreus claramente
articulou as coisas que o próprio Coxe teria dito (e ele reconheceu
que Owen também as disse melhor). Isso não implica que Coxe
endossou cada jota e til do trabalho de Owen, mas simplesmente
indica o grande acordo que havia entre os dois. Owen, por sua vez,
exegeticamente demonstra que a Nova Aliança é profundamente
diferente da Antiga — ela é caracteristicamente nova. Para Coxe
(deve ser lembrado que ele é o candidato mais provável a ter
servido como editor da Segunda Confissão de Fé Batista de
Londres 1677/1689 [CFB1689]) e para os batistas reformados
confessionais que concordam com a sua teologia, a ênfase de
Owen na novidade da Nova Aliança é um progresso útil nessa
discussão.
Em nossos dias, há alguns que sugerem que a noção de que
a ênfase de Owen na novidade da Nova Aliança é equivalente à
perspectiva desenvolvida por alguns batistas que aderem à
chamada Teologia da Nova Aliança. Nada poderia estar mais longe
da verdade, e espera-se que a combinação dessas obras corrija
essa situação. Owen foi um dos principais arquitetos da teologia
pactual articulada na Declaração de Fé de Savoy de 1658, e a
relação de Coxe com a CFB1689, um documento amplamente
baseado em Savoy, é evidente. Em ambos os casos, esses
homens, comprometidos com as doutrinas apresentadas nessas
Confissões, não viram nenhuma contradição entre suas
formulações da teologia pactual e toda a gama de doutrinas
expressa em suas Confissões. Isso é especialmente evidente em
suas visões a favor da validade permanente da lei moral, resumida
nos Dez Mandamentos. Para ambos, a natureza progressiva dos
pactos históricos e a novidade da Nova Aliança não constituíram
uma barreira ao reconhecimento de uma continuidade permanente.
Existe unidade pactual, mesmo quando há diversidade pactual.
Como essa questão é tão vital, incluímos como apêndice um
ensaio escrito por Richard Barcellos intitulado “John Owen e Nova
Aliança: Owen sobre a Antiga e a Nova Alianças e as Funções do
Decálogo na História Redentiva na Perspectiva Histórica e
Contemporânea”. Nesse ensaio, o pastor Barcellos demonstra
completamente que não há base real ou ilusória para afirmar que a
visão de Owen sobre os pactos era algo além de ortodoxa, que
estava em harmonia com os documentos confessionais e que não
tem nenhuma semelhança essencial com as visões emergentes da
assim chamada Teologia da Nova Aliança. A nossa esperança é
que esse ensaio não apenas coloque o prego no caixão (por assim
dizer), mas enterre esse erro a sete palmos de profundidade. É
tentador citar o nome e a reputação de Owen em apoio à sua
posição — mas nesse caso, o esforço mostrou-se um fracasso. A
justaposição de Coxe, Owen e do apêndice de Barcellos torna esse
fato claro como um cristal.
Esperamos que este livro sirva para vários propósitos. Por um
lado, desejamos fortalecer as mãos dos pastores das igrejas
batistas reformadas confessionais, fornecendo-lhes esse excelente
material que defende a sua teologia. Por outro lado, esperamos que
essa obra contribua para o processo pelo qual nossos amigos
pedobatistas reconhecem que somos muito sérios sobre a teologia
pactual. Nós estamos realmente convencidos de que isso é aquilo
em que a Bíblia se estrutura. Além disso, esperamos que alguns
daqueles que foram tentados a se desviar dos caminhos
confessionais para seguir após novidades possam leiam e retornem
a um compromisso com esse sistema maravilhoso, extraído das
páginas da Sagrada Escritura. Que o Senhor abençoe esse esforço
para a sua glória e para o bem da igreja. Amém.
James M. Renihan,
Escondido, Califórnia, fevereiro de 2004.
PARTE I

Nehemiah Coxe:
Um Teólogo Excelente e Judicioso

James M. Renihan

Na providência de Deus, muitos dos seus santos viveram e


morreram sem reconhecimento ou aclamação histórica. O livro de
Hebreus, no capítulo 11, resume a vida dos crentes de todas as eras
que perseveraram de modo fiel, não buscando a fama terrena, mas
a recompensa prometida, compartilhada com o povo de Deus
através de todas as épocas. Somente o último dia revelará a
plenitude do agir de Deus entre os seus eleitos. Nós somos gratos
pelo registro histórico que nos foi dado, fornecendo testemunhos
nobres daqueles que demonstraram que a vida de fé é a essência
da piedade. Muitos são famosos, mas a maioria é desconhecida. Tal
é o caso de Nehemiah Coxe. Embora seja possivelmente o principal
editor da mais célebre Confissão Batista de todos os tempos, o seu
nome não é conhecido pela maioria dos seus herdeiros teológicos.
Mesmo as edições da CFB1689 publicadas, ao listar os nomes dos
subscritores, não fazem menção a ele. É um prazer dedicar alguma
atenção à obra de Deus através desse devotado servo de Jesus
Cristo.
A história de sua vida deve começar com seu pai, Benjamin
Coxe. Provavelmente o filho de um clérigo[1] da Igreja da Inglaterra,
Benjamin se matriculou na Christ Church, Oxford, em abril de 1609,
quando tinha 14 anos de idade. Ele recebeu o título de bacharel em
artes em Broadgates Hall, Oxford em junho de 1613, e seu
mestrado em artes, em junho de 1617.[2] Foi nomeado reitor do
vilarejo ocidental Sampford Paverel, mas nesse momento de sua
carreira as suas convicções doutrinárias não são claras. W.T.
Whitley observa que o alto presbiteriano Thomas Edwards
“censurou” Coxe “por ter sido zeloso em relação às inovações de
Laud”.[3] Seja qual for a verdade dessa alegação, em 1642, Coxe
defendia uma posição não muito distante da dos batistas em seu
panfleto A Thesis or Position Concerning The Administering and
Receiving Of The Lord’s Supper Cleared and Confirmed. A tese de
seu argumento é: “Aquele que administra a ceia do Senhor a
alguém que é um fornicador, cobiçoso, idólatra, perjurador, bêbado
ou roubador, comete um pecado muito grave e odioso. Os filhos de
Deus não devem praticar esse pecado sério e odioso, mas reprová-
lo”.[4] Claramente, Coxe estava se movendo em direção a uma visão
batista sobre os sacramentos. Isso está a um pequeno passo em
direção a proteção da santidade da mesa do Senhor ao admitir
somente os crentes ao batismo. Whitley afirma bem: “Uma vez que
um homem se esforça para limitar a comunhão aos verdadeiros
crentes, é provável que ele seja desafiado sobre a crisma[5] e o
batismo infantil”.[6] Esse parece ter sido o caso, pois em 1643
Benjamin estava em Coventry, e foi desafiado por Richard Baxter
para debater sobre o tema do batismo infantil.[7] Sua presença lá
resultou em sua prisão por um período de tempo indeterminado,
mas aparentemente breve, de acordo com Baxter porque “ele se
recusou a prometer deixar a cidade e não voltar mais”.[8] Em 1645,
ele foi convidado a participar de um debate com Edmund Calamy,
entre outros, sobre o mesmo tema em Londres, mas foi impedido
pelo prefeito.[9]
A associação com os batistas de Londres é de grande
importância, pois demonstra a crescente proeminência de Benjamin
Coxe. Quando Daniel Featley atacou sete pontos da teologia da
Confissão de Londres de 1644, as igrejas que publicaram a
Confissão a revisaram para considerar as objeções de Featley. A
nova edição foi publicada em 1646, assinada por Benjamin Coxe
como representante de uma das igrejas de Londres. Além disso, ele
publicou, provavelmente por conta própria, um Apêndice à
Confissão, procurando explicar melhor algumas das posições
sustentadas pelos subscritores. Coxe cria que os homens sensatos
leriam e entenderiam que os batistas eram altamente ortodoxos em
seus pontos de vista, e talvez, como resultado, receberiam alguma
tolerância. Suas expectativas otimistas não foram cumpridas.
Murray Tolmie conta bem a história: Em 29 de janeiro de 1646,
Samuel Richardson e Benjamin Coxe ficaram do lado de fora da
Câmara dos Comuns para entregar cópias da segunda edição da
Confissão das sete igrejas aos membros quando eles entravam na
Câmara. A Confissão foi revisada com muito cuidado... Foi tomado
cuidado para que o panfleto fosse devidamente autorizado por John
Downham. A Câmara dos Comuns se mostrou antipática; enviou o
sargento de armas para apreender os panfletos e trazer Richardson
e Coxe para a prisão da Câmara, e ordenou à Companhia de
Livreiros que suprimisse a Confissão.[10]
A tolerância ainda estava longe. Em 1646, Coxe imprimiu uma
pequena obra, escrita durante o seu tempo de prisão em Coventry,
intitulada Some Mistaken Scriptures Sincerely Explained,[11] um
esforço para desfazer os efeitos nocivos do arminianismo que se
espalhava por todo o país. Ele tratou do mesmo assunto em uma
“Carta ao Leitor”, publicada no mesmo ano, como prefácio de God’s
Ordinance, The Saints Priviledge de John Spilsbury.[12] Coxe
ampliou algumas porções da segunda parte desse tratado que
lidavam com assuntos relacionados à doutrina calvinista da
redenção particular.
Dois anos depois, Coxe aparentemente estava em Bedford.
B.R. White afirma que “os presbiterianos de Londres insistiram em
setembro [de 1648] que uma carta fosse enviada às autoridades em
Bedford relatando opiniões ‘heterodoxas’ de Coxe; presumivelmente
a sua oposição ao batismo infantil”.[13] Até 1653, ele parece ter
mantido uma postura discreta, mas ele aparece naquele ano como
representante da igreja de Kensworth, Bedfordshire, em uma
reunião da Associação Abingdon.[14] Nos próximos sete anos, seu
nome aparece com regularidade e proeminência nas atas da
Associação. A essa altura, Benjamin teria cerca de 65 anos de
idade. Crosby relata que no Ato de Uniformidade, em 1662, Coxe
estava para se conformar com a Igreja da Inglaterra, mas logo se
arrependeu e voltou para o rebanho batista,[15] porém ele não
fornece evidências que corroborem sua afirmação. Como ele havia
recentemente escrito um argumento contundente contra a
adequação de ministros batistas receberem pagamento do governo,
[16] alguém teria bons motivos para pensar que essa história sobre

sua suposta conformidade é altamente improvável. Embora o ano


da sua morte não seja conhecido, ocorreu provavelmente por volta
de 1664.
Dois assuntos importantes devem ser mencionados antes de
prosseguirmos. O primeiro tem relação com a defesa de Benjamim
Coxe dos princípios da membresia fechada. Nas décadas seguintes
ao surgimento das igrejas batistas particulares, várias posições
sobre a relação entre o batismo e a membresia da igreja podem ser
observadas. Para alguns, o batismo de crentes era uma condição
sine qua non para a entrada de uma pessoa na membresia da
igreja; outros promoveram o batismo de crentes e resistiram ao
pedobatismo, mas permitiam a adesão de indivíduos que estavam
hesitantes quanto à necessidade do que consideravam ser um
rebatismo (por pensarem que o seu batismo enquanto bebês era
suficiente). Uma terceira posição argumentava que o batismo era
um assunto pessoal e, portanto, era irrelevante para a membresia
na igreja. Coxe, os batistas de Londres que publicaram a Confissão
de Londres em 1644/46 e as igrejas da Associação Abingdon, todos
mantinham firmemente a primeira posição. A segunda é
representada por igrejas como a de Broadmead, Bristol e indivíduos
como Henry Jessey.[17] A última opinião era a convicção e prática de
John Bunyan e da igreja de Bedford, onde ele ministrou. Benjamin
Coxe defendeu eloquentemente a necessidade do batismo de
crentes para a membresia, e essa defesa parece ter sido um legado
dado ao seu filho. Isso assumirá importância no estágio inicial do
ministério de Nehemiah.
A segunda questão que merece ser observada é a estreita
relação mantida pela igreja Petty France, em Londres, com as
igrejas da Associação Abingdon em geral, e com a igreja de
Kensworth em particular. Em 1656, as igrejas de Abingdon estavam
tendo dificuldades com questões relativas à escolha e instalação
(ordenação) de oficiais na igreja. Eles decidiram buscar ajuda e
enviaram uma carta à igreja Petty France pedindo conselho. A
congregação de Londres respondeu em uma longa epístola,
explicando a sua própria prática.[18] Evidentemente, essa grande
assembleia foi tida em alta estima pelas igrejas associadas. Talvez a
razão para isso seja encontrada na relação entre Benjamin Coxe,
Edward Harrison, Petty France e Kensworth. Quando Coxe assinou
a edição de 1646 da Confissão de Londres, ele o fez como
representante da igreja que viria a ser conhecida através de seu
local de encontro na Petty France. Edward Harrison, que se uniu a
essa igreja em 1651, e foi seu pastor em 1657, veio a Londres de
Kensworth, tendo servido como pastor da igreja paroquial de lá. Ele
abandonou o pedobatismo em 1645 e pode ter sido (depois da
Guerra Civil) o fundador da igreja de Kensworth.[19] Ao longo da
história dessas igrejas, parece ter havido comunicação regular.[20] O
significado dessa relação será observado abaixo.
Nas palavras de W.T. Whitley, “no lugar dos pais, levantaram-
se os filhos”.[21] Nehemiah Coxe foi filho de Benjamin Coxe. Não
sabemos quase nada sobre o seu nascimento e infância, exceto
presumimos que se passaram em Bedfordshire com o pai. Sua
primeira aparição conhecida no registro histórico é em 14 de maio
de 1669, quando se uniu à igreja de Bedford, de membresia aberta,
que ficou famosa devido a John Bunyan.[22] Embora ainda
relativamente jovem (como veremos abaixo), ele deve ter crescido
na estima da congregação, já que o seu nome é assinado,
juntamente com três outros homens, em uma carta escrita em 21 de
março de 1671 pela igreja de Bedford para um dos seus membros
desviados. William Whitbread havia se unido à assembleia, mas
parou de comparecer e de participar das atividades da igreja. Para
piorar a situação, ele foi visto frequentando os cultos públicos na
Igreja da Inglaterra. Para os congregados de Bedford, isso era uma
séria violação de princípios, como a seguinte carta indica: Irmão
Whitbread Nós, seus irmãos da congregação de Cristo, à qual você
ainda está vinculado, tendo o repreendido anteriormente por nossas
cartas, por diversas más condutas e isso por longo tempo,
esperávamos que Deus pudesse tê-lo abençoado com
arrependimento não fingido. Mas considerando que você tem
acrescentado mais iniquidade às suas transgressões anteriores nas
quais persiste por tanto tempo e as pratica diante dos cananeus que
habitam na terra, ao participar desse culto supersticioso e idólatra,
que pela força e crueldade tem se mantido em oposição à
verdadeira adoração e aos verdadeiros adoradores de Deus, com
quem por muito tempo você se alegrou, não podemos deixar de
sentir que o seu arrependimento anterior foi falso. Você tem
continuado nisso com uma impiedade que não pode ser suportada
por nós, a menos que também nos façamos culpados de suas
transgressões. E nós lhe dizemos, além disso, que nossa
sinceridade quanto a esse assunto é evidente para todas as igrejas,
e que se você não der resposta, nós usaremos aquele poder que
nos foi dado por Cristo para sua edificação, ainda que seja
necessário nos afastar de você como uma pessoa com a qual não
devemos nos acompanhar, na esperança de que você fique
envergonhado e seja salvo no dia do Senhor.
Esta carta foi escrita com o consentimento da congregação,
que também ordenou que ela fosse enviada a você pela mão
desses irmãos cujos nomes estão aqui subscritos como
testemunhas.[23]
Essa carta deixa transparecer o profundo desagrado que os
santos sofredores de Bedford tinham em relação aos seus
perseguidores. Ter comunhão com os tais era absolutamente
inaceitável. Na mesma reunião, Coxe foi nomeado, juntamente com
outro homem, para anunciar o ato da expulsão da igreja de mais um
membro, Richard Deane. A participação desse jovem em ambos os
casos no dá alguma evidência da estima em que ele foi tido pela
igreja. Essas duas questões eram da maior importância para a
disciplina da assembleia local.
Em junho do mesmo ano, Nehemiah assinou, dessa vez junto
com John Bunyan, uma nova carta escrita pela igreja. Ela foi dirigida
à irmã Tilney, uma mulher da congregação que se mudou para
Londres e desejava se unir a uma igreja pastoreada por seu genro,
o Sr. Blakey.[24] É uma carta fascinante, a qual expressa profunda
afeição por essa mulher que era muito amada pela igreja, mas
também demonstrava uma certa hesitação em enviá-la para os
cuidados daquela igreja, porque era desconhecida para eles. Eles
sugerem que ela considere várias opções, entre elas a obtenção de
uma “carta de recomendação” de “Irm. Owen, Irm. Coakain, Irm.
Palmer ou Irm. Griffith, confirmando a fé e os princípios da pessoa e
do povo que você mencionou”.[25] A referência é ao famoso Dr. John
Owen.[26] Em 12 de julho, a igreja se reuniu novamente, e Coxe
relatou à congregação que William Whitbread havia “confessado sua
culpa pela má conduta da qual o acusaram”[27] e havia um indício
esperançoso de “progresso do arrependimento nele”. Na mesma
reunião, os registros declaram que os “mesmos irmãos” (ou seja,
Coxe e seu companheiro) relataram os resultados de duas outras
visitas disciplinares para as quais foram designados. Segundo todos
os relatos, a igreja de Bedford estava disposta a confiar assuntos
sérios a esse jovem. A assinatura de seu nome continuou
aparecendo em correspondências oficiais da igreja.
Em dezembro de 1671, a posição de Nehemiah Coxe na igreja
deu mais um passo à frente. No dia 21 desse mês, John Bunyan foi
formalmente chamado para o “ofício pastoral ou presbitério” na
igreja. As atas indicam que “ao mesmo tempo e da mesma maneira,
a igreja solenemente aprovou os dons e chamou para a obra do
ministério” sete homens, entre os quais Nehemiah, “para o
progresso da obra de Deus e continuidade dessa obra nas reuniões
geralmente realizadas por essa congregação, cuja ocasião e
oportunidade devem ser ministradas por eles”. Esse não foi um
chamado completo e livre para o exercício dos dons, pois as atas
imediatamente declaram que a igreja determinou ainda que, se
algum novo lugar se oferecesse, ou outro povo que ainda não temos
pleno conhecimento ou comunhão, desejamos que qualquer um
desses irmãos vá e seja útil para eles, através da palavra e doutrina,
para que então aquele irmão que assim desejar, apresente
primeiramente o assunto à congregação, a qual, após a devida
consideração determinará o caso, e conforme determinarem, o
irmão deve agir e fazer.[28]
As distinções nessas palavras precisam ser observadas. Esses
homens foram chamados para ser “ministros” ou “irmãos com dons”,
mas não presbíteros. Eles agiam em subordinação à vontade e à
disposição da igreja como um todo. As regras estritas que
circunscrevem a sua atividade demonstram a sobriedade com a qual
a igreja tratou a questão. O ministério público de qualquer tipo era
um chamado elevado e santo, e não podia ser tratado com
leviandade.
A responsabilidade desse reconhecimento trouxe consigo não
apenas oportunidades para o ministério público e para a liderança,
mas também para a reflexão teológica. Em 25 de junho de 1672, a
igreja “ordenou que uma breve confissão de fé fosse redigida pelos
presbíteros e irmãos com dons da congregação”. Infelizmente, não
há registro da obra finalizada. Em 29 de julho, os registros afirmam
que “o assunto até então proposto sobre a elaboração de uma breve
confissão de fé etc., foi adiado, em razão da ausência do Ir.
Bunyan”.[29] Parece não haver mais nenhuma menção a tal
confissão nos registros da igreja. Sabe-se, no entanto, que em 1672
Bunyan publicou, A Confession of My Faith, and a reason of My
Practice.[30] Podemos imaginar se há uma conexão entre essas
coisas.
No final da primavera de 1673, uma das congregações filhas
da igreja de Bedford fez um pedido importante: “Foi desejado pela
igreja em Hitchin que essa congregação lhes enviasse o nosso
irmão Nehemiah Coxe para que exercesse o ofício de presbítero ou
pastor para eles, o que a congregação decidiu levar em
consideração”.[31] Vários aspectos notáveis são observados nesse
momento. Entre as igrejas independentes e batistas, era crido que a
membresia deveria preceder um chamado ao ofício pastoral. As
igrejas geralmente não se aproximavam de um homem diretamente
e pediam a ele que aceitasse um chamado para servir em seu meio,
embora certamente isso fosse feito informalmente. O único
procedimento adequado era se dirigir à igreja na qual o homem
desejado era membro e pedir que o enviassem com o propósito de
assumir o novo ministério. Por essa razão, a igreja de Hitchin se
dirigiu ao povo de Bedford pedindo permissão para proceder.[32] Isso
implica que Coxe havia exercido alguma forma de ministério entre o
povo de Hitchin, muito provavelmente ao desempenhar entre eles o
trabalho de um irmão com dons como mencionado acima.
Curiosamente, a congregação de Bedford não aceitou
imediatamente o pedido, mas apenas o considerou. Os registros
não indicam se a solicitação foi alguma vez concedida, é quase
certeza que não foi.
Menos de um ano depois, em maio de 1674, Coxe,
aparentemente ainda membro da igreja de Bedford, enfrentou
censura por certas “condutas indevidas” que não foram definidas. A
observação no livro de registro é a seguinte: Nosso irmão Nehemiah
Coxe publicamente reconheceu ter cometido várias condutas
indevidas e declarou seu arrependimento por elas; e por que ele
cometeu falhas nessas coisas, foi desejado por alguns dos irmãos
que um relato de sua submissão fosse apresentado a nós por
escrito, o que foi feito como segue: Considerando que várias
palavras e práticas foram proferidas e cometidas por mim, as quais
poderiam ser justamente censuradas por ter uma tendência a
causar cismas e divisões na congregação, declaro-me sinceramente
entristecido e arrependido por elas. Ne. Coxe.[33]
Pode-se perguntar o que seriam essas condutas indevidas.
Thomas Armitage supõe que desde que “se relacionavam com
algum ponto de fé ou prática sobre o qual havia diferenças de
opinião no corpo, e como ele era um batista convicto, elas, muito
provavelmente, se referiram a algumas diferenças que haviam entre
os batistas”. T.E. Dowley sugere uma solução semelhante: Talvez as
“palavras e práticas” de Coxe estivessem relacionadas à questão da
membresia aberta ou fechada, tão debatida naquela época.[34]
Benjamin Coxe defendia claramente uma posição de membresia
fechada em seus escritos publicados, enquanto a igreja de Bedford,
e especialmente Bunyan, resistia a tal ideia com grande vigor.[35]
Será que Nehemiah defendeu opiniões que o povo de Bedford
considerou como tendo “uma tendência a causar cismas e divisões
na congregação”? O fato de que ele cometeu “falhas nessas coisas”
anteriormente mencionadas é uma indicação de que essa era a
natureza do problema? Parece que essa solução é muito provável.
A aparição de Nehemiah na igreja de membresia fechada Petty
France, logo depois disso, poderia ajudar a explicar a situação.
Walter Wilson registra um episódio interessante desse período
da vida de Coxe: Em uma página, no início de seu [de Coxe]
Discourse of the Covenants, na posse do sr. Sutcliff, o seguinte
episódio é registrado em um manuscrito. “O autor morava em
Cranfield, onde seguia trabalhando como um fabricante de calçados
de couro e, durante sua residência ali, foi preso por pregar o
Evangelho. Quando chegou ao julgamento em Bedford, ele primeiro
fez sua defesa em grego e depois em hebraico, pelo que o juiz que
solicitou a acusação contra Nehemiah Coxe, um sapateiro,
expressou a sua surpresa e declarou que ninguém poderia
respondê-lo. E sobre o argumento do Sr. Coxe de que era justo que
ele pudesse se defender na língua em que desejasse, ele foi
despedido”. O Sr. Sutcliff diz que ouviu várias vezes a anedota
acima repetida em conversas, na cidade e no bairro de Bedford, e
particularmente com esse acréscimo, que o juiz teria dito aos
conselheiros: “Bem, o sapateiro deu um nó em todos vocês,
senhores”.[36]
A partir dessa anotação, parece que Coxe, embora muito
inteligente, se sustentava como um fabricante de sapatos de couro
ou sapateiro.
Quinze meses após o incidente da censura, em 21 de
setembro de 1675, a seguinte nota foi registrada no livro das atas da
igreja Petty France (Londres): “Ir. Collins & Ir. Coxe foram
solenemente ordenados pastores ou presbíteros nesta igreja”.[37] É
provavelmente seguro assumir, baseado nos processos normais
envolvidos no chamamento de pastores para igrejas, que estes dois
homens foram examinados pela igreja e passaram por algum tipo de
período experimental. De qualquer forma, eles se tornaram co-
pastores naquele dia. É dito que William Collins teve um treinamento
universitário completo, seguido por uma jornada pelo continente
europeu. Ele permaneceu como pastor da igreja até sua morte em
30 de outubro de 1702. Em um sermão pregado por John Piggott,
quinze dias após a morte de Collins, menciona-se a animadora
“oferta que ele teve de se unir à Igreja Nacional, a qual ele
judiciosamente recusou, porque foi a consciência, não o capricho,
que fez dele um dissidente”.[38] Juntamente com Coxe, Collins deve
ter tido um lugar de liderança importante em sua base em Londres,
na igreja Petty France. A dupla Coxe pai e Coxe filho tinha, portanto,
completado um ciclo. A igreja da qual o pai fizera parte na década
de 1640, e que manteve uma forte ligação com Bedfordshire nas
décadas de 1650 e 1660, tornou-se a casa do filho na década de
1670.
Coxe tornou-se um médico qualificado,[39] hábil em latim,
grego e hebraico, e um teólogo de grande discernimento. Quando o
evangelista de West Country, Thomas Collier,[40] começou a se
desviar da ortodoxia calvinista das Igrejas de Londres, os
presbíteros de Londres pediram a Coxe para se comunicar com ele
na tentativa de recuperá-lo e/ou refutar a sua doutrina. Collier era
um homem eminente e importante. Ele foi enviado na década de
1640 pela igreja de William Kiffin, de Devonshire Square, em
Londres, e foi o líder mais influente entre os batistas particulares no
oeste. Seu trabalho foi tão eficaz que despertou a atenção de
Thomas Edwards, que escreveu em sua obra Gangraena (1646)
que Collier foi “o primeiro que semeou as descendências do
anabatismo” no oeste.[41] Por quarenta anos ele trabalhou
incansavelmente para plantar e construir igrejas. Na década de
1650, havia evidências de seu desvio teológico e, em meados da
década de 1670, ele renunciou abertamente ao calvinismo das
igrejas de Londres. Tais ações não poderiam ser toleradas ou
ignoradas.
Nehemiah participou do seu processo de
restauração/refutação teológica de duas maneiras. Em 1676, ele
acompanhou uma delegação que viajou para o oeste para
confrontar Collier. The Broadmead Records descreve a situação: 5
presbíteros e irmãos... estavam vindo de Londres para visitar uma
igreja vizinha em seu país, a cerca de 15 milhas de proximidade de
Bradford ou Trowbridge, para resolverem alguma desordem
instalada ali; devido ao ser pastor, T.C., ter passado a sustentar
alguma doutrina infundada ou novas ideias contrárias aquilo que era
geralmente aceito entre homens sãos e ortodoxos. Os nomes dos
irmãos de Londres são Ir. Kiffin, Ir. Deane, Ir. Fitten, Ir. Coxe e Ir.
Moreton.[42]
A visita dessa delegação foi mal-sucedida, e Collier persistiu
em suas visões doutrinárias pervertidas.
Como resultado do fracasso da visita em cumprir seus
objetivos, Coxe foi convocado para expor e responder por escrito
aos pontos de vista de Collier. Ele fez isso em sua obra Vindiciae
Veritatis, or a Confutation of the Heresies and Gross Errours
Asserted by Thomas Collier. Em uma breve carta no início da obra,
os líderes de Londres mais antigos e mais conhecidos abordam a
questão da “inferioridade em anos” de Coxe, afirmando que ele não
escreveu o livro por se sentir pessoalmente capaz, mas porque foi
solicitado a fazê-lo, porque “nós o julgamos adequado e hábil para
esse serviço” e porque as responsabilidades dele na ocasião lhe
proporcionavam a oportunidade para responder aos erros de Collier.
Dizem dessa obra: “Esperamos e podemos verdadeiramente dizer,
sem respeito particular à sua pessoa, que ele se comportou com
aquela modéstia do Espírito, unida com aquela plenitude e clareza
de resposta e força de argumentação, que nós confortavelmente
concebemos (pelas bênçãos de Deus) que esse pode ser um bom e
absoluto antídoto contra o veneno”.[43] Mesmo sendo relativamente
jovem, esses líderes experientes viam nele habilidades e
capacidades incomuns, tanto que estavam dispostos a confiar a
Nehemiah essa grande responsabilidade. O resultado é uma
poderosa expressão da doutrina reformada, declarando bem o caso
contra Collier e expondo as doutrinas da ortodoxia calvinista
defendidas pela maioria das igrejas e ministros.
A proeminência de Collier forçou os líderes batistas
particulares a tomarem medidas firmes para evitar a disseminação
de seus pontos de vista e, por consequência, a possibilidade de
outra disputa teológica. Eles podem muito bem ter temido que seus
oponentes usassem contra eles a mesma caneta que usaram para
registrar os erros de Collier. Alguns sugeriram que pode haver uma
relação entre essa situação e o surgimento da Segunda Confissão
Batista de Londres em 1677.[44] Essa proposta é muito convincente.
De qualquer forma, a mais importante Confissão na história batista
apareceu naquele ano. A primeira referência de que se tem notícia a
esse documento é encontrada no livro de atas manuscritas da igreja
Petty France. Em 26 de agosto de 1677, esta nota foi inserida:
“Ficou acordado que uma confissão de fé, com o apêndice tendo
sido lido e considerado pelos irmãos, deveria ser publicada”.[45]
Joseph Ivimey, o historiador batista inglês do início do século XIX
considerou isso como indício que a confissão tenha se originado na
igreja Petty France.[46] Muito provavelmente essa é uma suposição
exata. Isso, é claro, significaria que Nehemiah Coxe e William
Collins são os candidatos mais prováveis a terem servido como
editores do documento. Na ausência de qualquer outra teoria, e
baseado nas evidências circunstanciais a que temos acesso, essa é
uma forte possibilidade.[47] Como Coxe já estava na vanguarda da
articulação teológica, tendo sido escolhido como porta-voz das
igrejas de Londres em sua controvérsia com Collier, ele seria uma
escolha natural para essa tarefa; e ele foi designado para um
trabalho semelhante enquanto ministro da igreja de Bedford.
A igreja Petty France era grande e proeminente em Londres.
Como uma das sete igrejas originais, tinha uma estatura histórica, e
isso aumentava à medida que o número de membros da igreja
crescia. Os registros da congregação indicam uma assembleia em
florescimento: de 1675 a 1688/89, parece ter havido mais de 530
pessoas como membros. A igreja estava envolvida em todas as
atividades normais associadas à vida eclesiástica, acrescentando
membros, realizando casamentos, batismos (o registro de 24 de
dezembro de 1676 afirma que duas mulheres foram admitidas ao
batismo, mas “a administração da ordenança foi adiada por algum
tempo; pois devido à intensidade da geada atual, não
conseguiremos nesse momento ir às águas”)[48] e disciplina
eclesiástica. Nehemiah Coxe aparece proeminentemente nos
registros, não apenas quanto aos assuntos internos, mas também
como um representante frequentemente escolhido da congregação
para representá-la em seu envolvimento com as associações de
igrejas em Londres e Hertfordshire. O vigor dessa igreja é
surpreendente, especialmente quando lembramos que a vida em
Londres, bem como em Bedford, não era fácil. As intensas
perseguições foram tão exacerbadas contra a igreja Petty France
que às vezes os membros não conseguiam se reunir em seu local
de encontro.[49] No entanto, eles continuavam a obra para a qual
haviam sido chamados.
Coxe e Collins voltaram a sua atenção para muitas questões
que se passavam fora de sua própria igreja. Em 1675, os dois
assinaram, junto com outros onze homens, uma carta a Andrew
Gifford,[50] da Igreja Pithay, em Bristol, argumentando que era dever
de todos os homens orar. Aparentemente, Gifford tinha entrado em
contato com alguns hiper-calvinistas que argumentavam que desde
que homens não convertidos não podiam realizar quaisquer boas
ações que acompanhassem a salvação, eles não tinham obrigação
de orar e adorar a Deus. Ele pediu aos pastores de Londres que
ponderassem sobre o assunto, e essa carta foi o resultado.[51] Em
1680, juntamente com William Kiffin, Hanserd Knollys,[52] John
Harris[53] e Daniel Dyke,[54] Coxe assinou uma introdução à narrativa
de John Russel sobre as lutas da nova igreja batista em Boston,
Nova Inglaterra. Eles afirmam que os batistas de Boston
“declararam seu acordo perfeito conosco nas questões de fé e
adoração, como estabelecido em nossa Confissão recente”, e
argumentam que é extremamente estranho que os cristãos que
possuem as mesmas doutrinas essenciais, diferindo apenas quanto
aos sujeitos do batismo, sejam perseguidos por aqueles que estão
tão próximo deles.[55] Eles eram igualmente ativos no auxílio a
outras igrejas. Além do caso de Collier, Coxe e Daniel Dyke (co-
pastor com William Kiffin em Devonshire Square, Londres)
ordenaram Andrew Gifford à sua posição pastoral em Bristol em
1677.[56]
Em 1681, durante um período de perseguição, Coxe publicou
A Sermon Preached at the Ordination of an Elder and Deacons in a
Baptized Congregation in London.[57] Esse sermão contém um
resumo útil das funções e responsabilidades dos presbíteros e
diáconos. O culto é a primeira ordenação pública conhecida em uma
congregação dissidente após a Restauração. Também em 1681,
Coxe publicou o livro que agora republicamos, A Discourse of the
Covenants that God made with Men before the Law. O
contemporâneo de Coxe, C.M. du Veil em seu Comentário sobre
Atos dos Apóstolos, de 1685, teceu altos elogios ao autor e ao livro,
chamando-o de “aquele grande teólogo, eminente em todas as
áreas da erudição”, e afirmando que “por meio de muitos
argumentos sólidos e ponderados demonstrou em seu excelente
tratado acerca dos pactos que Deus fez com os homens antes da
lei” que “pelo batismo e circuncisão, dois pactos completamente
diferentes deveriam ser selados; dos quais um era com aqueles que
pela lei da natureza nasceram da descendência de Abraão; o outro
com aqueles que, pelo dom da fé, como Abraão, nasceram de novo
espiritualmente”.[58] As palavras de Du Veil são ecoadas por John
Piggott, que chamou Coxe de um “um teólogo excelente e
judicioso”.[59]
O último escrito conhecido que foi publicado por Coxe foi A
Believers Triumph over Death, exemplified in a relation of the last
hours of Dr. Andrew Rivet. Essa parece ter sido uma tradução do
latim de um original francês, descrevendo a vida desse francês que
fugiu para a Holanda em busca de liberdade religiosa.[60] A tradição
de que ele tenha sido foi um médico é forte. Em uma nota não
assinada no Baptist Quarterly, nos é dito “Por Sloane MS 656,
aprendemos que ele era hon. F.R.C.P., e que ‘Institutiones Medica’
foi dedicado a ele por G. Needham”.[61] O British Museum General
Catalogue of Printed Books lista um livro publicado em 1684 por
Nehemiah Coxe sob o título Disputatio medica inauguralis de
arthride.[62] Não há registro conhecido de treinamento médico, nem
por que ele foi feito um membro honorário do Royal College of
Physicians. Pode-se apenas supor que certo nível de habilidade
estava presente em sua prática, e uma boa reputação deve ter se
desenvolvido a partir disso.
E quanto a sua vida doméstica? Há pouquíssima informação.
A mesma nota mencionada no parágrafo anterior diz que ele “se
casou com Margaret, segunda filha de Edmund e Margaret
Portman”.[63] Em 26 de janeiro de 1688/89, Margaret Coxe foi aceita
como membro da igreja Petty France, mas não há certeza que essa
era a esposa de Nehemiah. Vários anos antes (1679), uma “Irmã
Coxe” foi admoestada por falta de comparecimento e por “seguir os
Quaquers”.[64] Não há evidências de que ela tenha parentesco com
Nehemiah. Sabemos que ele teve um filho, pois logo após a sua
morte, as atas de Petty France afirmam: “Houve uma reunião dos
irmãos na casa de Ir. Lock, onde foi acordado que algumas
providências deveriam ser tomadas por escrito para sustento do
filho do Ir. Coxe; e a congregação deve se mobilizar para isso”.[65]
Nehemiah Coxe morreu em 5 de maio de 1689 e foi enterrado
no túmulo de seus sogros em Bunhill Fields, Londres. Considerando
que a sua morte precedeu a Assembleia Geral em quatro meses,
seu nome não foi registrado entre aqueles que participaram da
reunião, ou que subscreveram a Confissão de Fé. É estranhamente
irônico que alguém que parece ter sido tão intimamente associado à
sua origem tenha sido esquecido nessas circunstâncias. Que a
publicação da presente obra restaure às nossas memórias o nome e
a obra de uma nobre testemunha das verdades da Escritura.
Finis[66]
Um
Discurso Acerca dos Pactos Que Deus fez
com o homem
antes da Lei.

Onde,
A Aliança da Circuncisão é amplamente examinada, e
é demonstrada a invalidade do argumento em favor do
pedobatismo feita a partir dela.

By NEHEMIAH COXE.

“Examinai as Escrituras” João 5:39

Impresso por J. D. para ser vendido por Nathaniel


Ponder
em Peacock no Poultry; e por Benjamin Alsop no
Angel e BiBle no Poultry, 1681.[67]
Introdução do Editor
Faz-se necessária uma palavra sobre o método usado pelo editor. A
obra de Coxe não poderia simplesmente ser reimpressa – o seu
vocabulário e estilo do século XVII são muito estranhos ao leitor
contemporâneo para que essa abordagem seja edificante. Além
disso, Coxe faz referência a muitos detalhes que não são mais
óbvios para nós, embora sejam facilmente compreendidos por
leitores eruditos. Portanto, esta edição não é uma reprodução exata
do seu texto; antes, notas explicativas foram acrescentadas e a obra
foi editorialmente revisada conforme as seguintes diretrizes
gramaticais e estilísticas.
1. Ortografia e uso das palavras: Houve uma modernização;
por exemplo, “knowledg” para “knowledge” [conhecimento]; “&” para
“e”, “Fœderal” para “Federal” [federal], e “hath” para “have” [verbo
ter]. Palavras arcaicas incidentais foram modernizadas de acordo
com as definições do Dicionário de Inglês Oxford. Termos teológicos
técnicos como “restipulation” [reestipulação] são mantidos e é
acrescentada uma explicação em uma nota de rodapé.
2. Letras maiúsculas: Removidas de substantivos não próprios.
Era uma convenção de impressão padrão no século XVII deixar em
maiúsculo a primeira letra dos substantivos e de algumas outras
palavras importantes em um texto.
3. Itálico: Removidos textos em itálico, exceto quando trata-se
de uma citação latina ou grega ou em conformidade com o estilo
moderno.
4. Pontuação: Foram removidas as vírgulas em excesso, e
sentenças separadas por dois pontos e ponto e vírgula foram
substituídas por pontos.
5. Notas de rodapé: As notas de rodapé originais de Coxe
estão todas incluídas. As notas de rodapé do editor foram colocadas
entre colchetes ([…]). Erros óbvios de digitação e impressão são
corrigidos e anotados no rodapé.
6. Divisões de palavras e parágrafos: Sentenças e parágrafos
longos foram separados. Por vezes, palavras em uma sentença são
reorganizadas com o fim de obter maior clareza.
7. Títulos e cabeçalhos: Coxe prefaciava cada capítulo com um
esboço. Eles foram resumidos e usados como títulos de seções. A
numeração original das seções e os subpontos foram mantidos
como um auxílio à clareza.
Uma transcrição exata do texto original está disponível e pode
ser solicitada ao editor.
Gostaria de agradecer ao Dr. James M. Renihan e ao Sr. David
Goodwin pelo seu apoio incansável. J. Mark Sugars, Ph.D., tem meu
profundo agradecimento por traduzir e referenciar a maioria das
citações em latim.
Ronald D. Miller
Heritage Baptist Church
3585 Thruston Dermont Road
Owensboro, KY 42303
O Prefácio ao Leitor
A utilidade de toda a verdade divina revelada nas Sagradas
Escrituras e a grande importância do que concerne particularmente
àquelas transações federais[68] que são objeto do seguinte tratado
são minha justificativa para escrever esse tratado que busca
conhecer a mente de Deus a esse respeito.
Quanto à parte do tratado que é mais controversa, a qual se
refere à aliança da circuncisão, eu tenho me envolvido mais com ela
por ocasião dos tratados[69] do Sr. Whiston sobre o batismo,
especialmente seu último intitulado Infant Baptism Plainly Proved.
Ao observar que o ponto principal da controvérsia sobre os
indivíduos legítimos do batismo está ligado a Gênesis 17, concluí
que a única maneira de esclarecer esse grande ponto deve ser fazer
um exame diligente daquele relato que a Escritura nos dá sobre a
natureza e dos objetivos da aliança registrada ali. Recusei-me a
lidar com essas coisas de uma maneira polêmica e, portanto, não
me comprometi a responder especificamente a tudo o que foi
afirmado em oposição às minhas posições. Todavia, espero que o
leitor sincero observe atentamente o que tem sido dito contra
aqueles princípios aos quais sigo, e absorva-me da acusação de
que reafirmo, rudemente, coisas que já foram respondidas ou
refutadas, sem considerá-las, ou nem mesmo empenhar-me em
expor o fundamento daqueles erros os quais suponho que os outros
cometem.
Eu me volto para às Sagradas Escrituras para o julgamento do
que está escrito e sinceramente desejo que nada passe por
verdade, senão o que tiver o testemunho delas. Se, às vezes, ando
em um caminho inexplorado, não é devido a qualquer gosto por
novidade, mas pela busca daquela luz que as Sagradas Escrituras
me proporcionam. Talvez algumas pessoas ao verem que essas
coisas, aparentemente novas, são em sua maior parte deduzidas de
um registro claro dos fatos, possam refletir novamente e consentir
que elas são verdade, e não apenas opiniões advindas de
especulações complexas.
A noção (que muitas vezes é alegada neste discurso) de que a
Antiga e a Nova Alianças diferem em substância e não apenas no
modo de sua administração, certamente requer uma abordagem
maior e mais particular para livrá-la daqueles preconceitos e
dificuldades que foram lançados sobre ela por muitas pessoas
dignas, mas que pensam de maneira diferente. Assim, planejei dar
um relato adicional sobre esse assunto no tratado sobre o pacto
feito com Israel no deserto e sobre o estado da igreja sob a lei. Mas
quando eu terminei este tratado e providenciei alguns materiais para
o que também escreveria a seguir, percebi que meu trabalho que
deveria tratar desse tema foi felizmente evitado pela publicação do
terceiro volume do comentário do Dr. Owen sobre a epístola aos
Hebreus.[70] Ali, o assunto é discutido longamente e as objeções
que parecem militar contra ele são totalmente respondidas,
especialmente na exposição capítulo 8. Eu agora encaminho o meu
leitor para essa obra onde poderá aprender satisfatoriamente sobre
a diferença substancial entre a Antiga e Nova Alianças, tal obra
atende completamente as expectativas que se poderia ter acerca de
uma pessoa tão eminente e erudita.
A publicação desse pequeno tratado foi postergada por muito
tempo, em parte, por causa das dificuldades que as incansáveis
conspirações papistas[71] causaram em suas tentativas audazes de
nos oprimir com as piores misérias. Mas o atraso foi, também em
parte, devido à minha própria aversão a qualquer coisa que pareça
incentivar alguma controvérsia com aqueles que amam o Senhor
Jesus[72] e sinceramente defendem a causa protestante, embora
difiram de mim, em princípio e prática, em algum ponto controverso.
Não há nada que minha alma anseie mais na terra do que ver uma
união completa e sincera de todos que temem a Deus e estão
unidos como corpo ao Cabeça, Jesus Cristo, por mais diferentes
que sejam em suas posições sobre algumas coisas de menor
importância. Além do mais, uma sensação de insuficiência para
realizar meu empreendimento, para benefício da verdade, teve sua
parcela de culpa no atraso. No entanto, depois de ter considerado
todas as circunstâncias, fiquei satisfeito de que nenhum homem é
provocado por mim em qualquer reflexão inapropriada nem é dada
qualquer ocasião para disputas não caridosas e anticristãs. Minha
esperança — de que a presente obra possa informar alguns e
fornecer a outros uma ocasião para terem pensamentos mais exatos
acerca de uma investigação sistemática das verdades afirmadas —
me convenceu a lançar essa minha moedinha ao tesouro público.
Acrescentarei apenas mais uma coisa: que, no geral, meu
objetivo foi falar a verdade em amor e extrair argumentos a partir
das Escrituras, não acrescentando a isso quaisquer opiniões
preconcebidas por mim. Onde a evidência da verdade aparecer, que
ela não seja recusada porque é oferecida em uma roupagem
simples e apresentada sob a desvantagem de um estilo rude e não
polido. Mas, em vez disso, considere a razão do que é dito e, com
os nobres bereanos, examine as Escrituras para ver se essas coisas
são assim ou não. E que o Senhor lhe conceda entendimento em
todas as coisas.
N.C.
Capítulo 1

Relacionamentos Pactuais Com Deus


Uma Introdução Geral
§. 1. Um dos principais objetivos da religião é assegurar ao homem
a paz no presente e a felicidade eterna. Desde a queda do homem
toda religião verdadeira deve ser ensinada pela revelação divina que
Deus deu à sua igreja muitas vezes e de diversas maneiras.[73] Ele
fez com que essa luz, ou seja, a revelação, progredisse
gradualmente até que o mistério completo de sua graça fosse
perfeitamente revelado em e por Jesus Cristo, em quem estão
escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento de
Deus. Deus, que conhecia todas as suas obras desde o princípio
(Atos 15:18), dispôs e ordenou a revelação de sua vontade aos
homens em todas as eras, suas transações com eles e todas as
obras de sua santa providência para com eles, com referência à
plenitude do tempo[74] e ao convergir todas as coisas em Jesus
Cristo. Portanto, devemos voltar nossos olhos para Cristo em toda
nossa busca pela vontade de Deus nas Escrituras Sagradas.
Portanto, o melhor intérprete do Antigo Testamento é o Espírito
Santo falando conosco através do Novo. Ali temos a mais clara luz
do conhecimento da glória de Deus brilhando sobre nós a partir da
face de Jesus Cristo, ao revelar aqueles conselhos de amor e graça
que estavam ocultos em tempos e gerações passadas.
Todavia, o fato de o Novo Testamento possuir uma luz maior
de maneira alguma diminui a utilidade do Antigo; ao contrário,
obriga-nos ainda mais a estudá-lo humilde e diligentemente. Isso,
porque (como também por muitas razões além dessa) o mistério do
Evangelho não pode ser compreendido completamente por nós sem
um bom entendimento do funcionamento da lei e também do estado
das coisas antes da lei. A interrelação e interdependência do Antigo
e do Novo Testamentos é tal que nenhum dos dois pode ser
entendido à parte ou sem o outro, tampouco todo o sistema da
verdade tal como ela é em Jesus pode ser apreendido senão em
ambo.
Então, deve-se reconhecer a grande importância de estar
familiarizado com as transações de Deus com os homens e suas
dispensações para com eles, as quais estão registradas na história
sagrada das primeiras eras do mundo e da igreja de Deus nelas.
Empenhar-me-ei nesse tratado em explicar as tais transações e
dispensações até a época que precede o recebimento da lei por
Moisés, mas não tratarei do que se seguiu a isso. A fim de evitar a
repetição tediosa do que já foi extensivamente discutido e
completamente esclarecido por outros, limitar-me-ei a fazer breves
observações acerca dos relatos dessas coisas conforme nos foram
deixados nas Sagradas Escrituras. Insistirei principalmente naquelas
passagens que considero não terem sido suficientemente
explicadas por outros, ou que, pelo menos, não foram manejadas
com o método e segundo a ordem que parecem melhor se adequar
à natureza das coisas ali tratadas, as quais são mais adequadas
para comunicar, com maior clareza, às nossas mentes as ideias ali
contidas.
O Pacto de Deus Proposto aos Homens e a Resposta
Deles

§. 2. Neste tratado, veremos que as transações de Deus para


com os homens são de natureza federal, então primeiro será
necessário dizer algo sobre os relacionamentos pactuais com Deus
de forma geral.
As palavras originais que se referem a fazer ou entrar em um
pacto, bem como seus usos e aplicações diversas, já foram
completamente explicados por muitos.[75] Portanto, para o objetivo
que aqui se pretende, será suficiente relembrar que um pacto deve
ser considerada simplesmente como aquilo que é proposta por Deus
ou aquilo em que o homem entra por restipulação.[76]
1. Independentemente do que seja transacionado de um modo
federal entre Deus e os homens, o pacto é de iniciativa de Deus.
Como Cristo disse a seus discípulos em certa ocasião: “Não me
escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós” (João 15:16).
Então podemos dizer que o homem nunca entrou em um pacto com
Deus, mas que foi Deus quem entrou em um pacto com o homem.
Os termos de um relacionamento pactual entre Deus e suas
criaturas são estabelecidos unicamente por Sua majestade
soberana, e é por causa de sua infinita bondade e sabedoria que
Ele propõe, escolhe e ordena tal aliança. Assim, o pacto que Ele fez
com os homens é frequentemente chamado na Escritura de aliança
do Senhor, como aparece em Salmo 25:14, Isaías 56:4, 6 e em
outras passagens.
2. Não obstante, um relacionamento pactual com Deus e o
interesse[77] nele não resultam imediatamente da proposta de um
pacto e dos termos de um relacionamento pactual com o homem.
Mas é através da restipulação na que homem entra, de fato, em um
pacto com Deus e se torna parte interessada nesse pacto. É por
consentimento mútuo das partes pactuadas que o relacionamento
pactual é estabelecido e completado. E isso é chamado de uma
garantia de que o Senhor passa a ser o Deus deles, mediante o
consentimento dos termos de um pacto proposto a eles
(Deuteronômio 26:16-18); uma assinatura com a mão ao Senhor
(Isaías 44:5); e se apossar de sua aliança (Isaías 56:4, 6). A ideia
formal de uma aliança estabelecida ou feita inclui comprometimento
mútuo.
3. Outrossim, não pode haver um pacto de benefício mútuo
entre Deus e os homens como pode haver entre um homem e outro.
Pois o ser e o bem-estar de todas as criaturas necessariamente
dependem da generosidade de seu Criador. Não há nada que eles
tenham que não tenha sido recebido dele e, portanto, o melhor
deles nada pode oferecer senão o que é devido a Deus pela lei de
sua criação. Ninguém pode ser proveitoso para a Deus,[78] embora
ser justo é proveitoso tanto para si mesmo quanto para o próximo.
Consequentemente, ninguém pode fazer Deus estar em alguma
obrigação para com ele e nem fazer dele seu devedor, exceto se Ele
mesmo condescender e se obrigar a isso por meio de uma aliança
ou promessa.
A Ideia Geral de um Pacto e as Inferências Disso

§. 3. A ideia geral de qualquer pacto de Deus com os homens,


considerada da parte de Deus e como proposta por Ele, pode ser
concebida como “uma declaração de sua vontade soberana no que
diz respeito aos benefícios que Ele concederá aos homens, a
comunhão que os homens terão com Ele, e a forma e os meios
pelos quais os homens usufruirão dele”.[79]
Para entender melhor o que pretendo com essa definição
geral, proporei brevemente algumas particularidades que estão
subentendidas nela ou que são as consequências necessárias dela.
1. Essa definição implica em um ato livre e soberano da
vontade divina exercido em amor e bondade condescendentes. Não
é por nenhuma necessidade da natureza que Deus entra em aliança
com os homens, mas por Sua própria boa vontade. Tal privilégio e
intimidade com Deus, como aquele que está incluído em um
benefício pactual, não pode resultar imediatamente do
relacionamento que eles têm com Deus como criaturas racionais,
mesmo se fossem justos ou perfeitos. O direito do homem à
promessa é dado gratuitamente por Deus através da promessa da
aliança.
2. A ideia de uma aliança acrescenta certeza para essa
promessa, uma vez que implica um vínculo especial de favor e
amizade que pertence à relação e ao interesse pactual. Pois uma
aliança é o alicerce de um relacionamento entre as partes
envolvidas nela. O tipo e o benefício desse relacionamento são
determinados pela própria aliança e sua natureza, promessas e fins.
3. O propósito imediato e direto de Deus ao entrar em um
pacto com o homem em algum momento (no que diz respeito ao
próprio homem) é a progressão e o aperfeiçoamento de seu estado.
Deus nunca fez um pacto com o homem no qual Sua bondade para
com ele não tenha se manifestado abundantemente. Sim, tal é Sua
infinita generosidade que Ele nunca propôs um fim menor para suas
transações pactuais com o homem do que trazê-los para um bendito
estado de alegria eterna nele próprio. Assim, quando um pacto
(devido à fraqueza do homem em seu estado caído) foi considerado
fraco ou inútil para esse grande fim, por ser insuficiente para efetuá-
lo, Deus encontra falha nele, aboli-o e introduz outro no qual é feito
uma provisão completa para a salvação perfeita daqueles que são
participantes dele (Hebreus 8:7-8).
4. O amor benevolente e condescendente demonstrado por
Deus ao entrar em um pacto com o homem fortalece aquele vínculo
de amor e obediência a Deus sob o qual o homem se encontra pela
lei de sua criação, ao acrescentar-lhe um novo dever. Então, o
pecado do homem ao quebrar o pacto com Deus é ainda maior, e é
acompanhado de maior agravo do que a transgressão deliberada de
uma lei, se nenhum relacionamento pactual como esse tivesse sido
acrescentado a ela.
5. Assim, a revelação do conselho da vontade de Deus em um
pacto proposto ao homem está longe de eliminar a restipulação por
parte do homem, ao contrário, essa revelação atribui um dever
necessário de sua parte. Esse não é o caso das transações pactuais
entre partes iguais, nas quais uma parte tem a liberdade de recusar
o pacto oferecido pela outra parte. Mas a compreensão de nossa
infinita distância, como criaturas, em relação a Deus, da
dependência que necessariamente temos recebido dele e do dever
que temos para com Ele por causa da inalterável de nossa criação
(bem como do nosso próprio benefício e proveito), nos obriga a
aceitar com gratidão e santo temor tanto os benefícios que Ele nos
oferece como os termos sob os quais eles são oferecidos nesse
pacto. Devemos cumprir diligentemente o que Ele nos ordena para
alcançarmos os fins propostos no pacto.
6. Além disso, essa restipulação (e, por conseguinte, o modo e
a maneira de se obter as bênçãos pactuais, bem como o direito pelo
qual nós as reivindicamos) necessariamente varia de acordo com as
diferentes naturezas e termos desses pactos que em algum
momento Deus faz com os homens. Se o pacto é de obras, a
restipulação se dá ao fazer as coisas requeridas nele, ao cumprir
suas condições por prestar uma obediência perfeita à sua lei. Assim,
a recompensa é devida de acordo com os termos de tal pacto
(Porém não devemos entender isso como um débito absoluto de
Deus para com os homens, mas como um débito por causa da
aliança, pois Deus obrigou-se a tal por meio dela). Mas se for um
pacto de graça livre e soberana, a restipulação requerida é o
recebimento humilde das promessas sobre as quais o pacto é
estabelecido ou crer nelas sinceramente. Portanto, a recompensa
ou a benção pactual é dada imediata e eminentemente por graça.
7. Portanto, quer a glória e o bem de qualquer pacto que Deus
faz com os homens sejam considerados em absoluto ou em
comparação com outro pacto, eles devem ser mensurados
principalmente por suas promessas e condições. Se uma aliança é
estabelecida em melhores promessas (i.e., prometendo um bem
mais excelente ou de forma mais excelente) que outra, então por
causa disso ela é chamada de — e por essa razão deve ser
estimada por nós como — uma aliança melhor do que a outra
(Hebreus 8:6).
Deus Sempre Lidou com os Homens por Meio de Aliança

§. 4. Além do mais, é oportuno observar que o Deus santo e


sábio sempre se relacionou com os filhos dos homens por meio de
aliança. A revelação da sua bondade infinita sempre acompanhou a
revelação de sua glória infinita ao tratar com o homem. Assim, Ele
não agiu para com os filhos dos homens exigindo o máximo direito
de sua soberania e domínio sobre eles. Se Ele houvesse feito isso,
jamais teria havido nenhuma recompensa de bênçãos futuras
designadas para serem e obtidas por meio da obediência deles,
como há por meio da aliança. Nem eles seriam trazidos a qualquer
relacionamento mais íntimo com Deus do que aquele que resultou
de sua criação. Mas o Deus grandioso não se manteve distante do
homem, ao contrário, foi condescendente em entrar em um acordo
com eles. Deus requereu obediência deles em algumas coisas além
dos ditames imediatos da lei da natureza por meio de instituições
positivas[80] e, assim, se agradou em também obrigar a si mesmo a
fazer coisas que estavam além de seu dever Criador ao fazer a
promessa de uma recompensa benevolente.
Então, devido a isso, segue-se que toda a adoração e
obediência que Deus requer e aceita dos filhos dos homens se dá
em termos pactuais. Acrescente-se a isso o fato de que a habilidade
ou capacidade moral dos homens para agradá-lo também lhes foi
dada, ou operada neles, de acordo com os fins do relacionamento
pactual. Portanto, essa habilidade deve ser o acréscimo inseparável,
não da proposta do pacto para eles considerada em si mesma, mas
naquela participação no pacto no qual eles foram admitidos. Disso
decorrem várias consequências.
1. Uma vez que os homens tenham caído sob a culpa de ter
quebrado o pacto por causa de sua própria falha, então eles tornam-
se completamente incapazes de prestar qualquer obediência
aceitável a Deus de acordo com os termos daquele pacto que
quebraram. A participação deles naquele relacionamento pactual foi
perdida. Eles permanecem sob a sanção penal do pacto, contudo
são completamente privados do poder para responder aos fins
daquele pacto e perdem completamente seu direito à recompensa
desse pacto.
2. Se eles não têm mais força para alcançar a condição e o fim
da aliança, na qual uma vez foram participantes e possuíram e
princípios adequados a ela, então, enquanto permanecem em seu
estado caído, eles possuem ainda menos força para cumprir os
termos de outra aliança mais excelente e misteriosa e totalmente
sobrenatural quanto à sua doutrina e termos.
3. Portanto, a força espiritual e a capacidade para agradar a
Deus não podem ser restauradas a eles de maneira alguma, exceto
pela participação em uma nova aliança, acompanhada de uma nova
criação.
As Transações Pactuais de Deus Sempre São Feitas
com Um Representante

§. 5. Isso também é digno de nota: quando Deus fez pactos,


nas quais a humanidade em geral ou algum número seleto de
homens em particular estavam envolvidos, agradou ao Senhor
primeiro lidar ou transacionar com algumas pessoas públicas,
cabeças ou representantes de todos os outros que estariam
envolvidos neles. Assim o foi no pacto da criação que Deus fez com
Adão em seu estado de retidão e com toda a humanidade nele. E o
mesmo deve ser observado acerca do pacto noético como também
acerca dos pactos feitos com Abraão, que é considerado tanto o pai
dos crentes como da nação de Israel. Em consequência de um
relacionamento espiritual com Abraão, os crentes reivindica as
bênçãos do pacto de graça que foi feito com ele. E em
consequência do relacionamento natural com Abraão, sua
descendência segundo a carne reivindicava seus direitos e
privilégios daquela aliança peculiar que primeiro foi feita com ele,
como cabeça daquele povo separado. Mas, ainda mais
eminentemente, é o Pacto da Graça estabelecido em Cristo como
cabeça. Todas as suas promessas foram primeiramente dadas a
ele, e nele são o sim e o amém. É pela união com Ele que os
crentes obtêm a participação em uma Nova Aliança e dele recebem
uma nova vida, graça e força para responder aos fins da Nova
Aliança.
Instruções Gerais para Entender Corretamente as
Transações Pactuais

§. 6. Pelo que foi dito, fica claro que todas as transações


federais de Deus com o homem fluem unicamente de seu
beneplácito e do conselho de sua vontade. Assim, sobre esse
fundamento, devemos concluir que nosso conhecimento e
entendimento dessas transações devem depender por completo da
revelação divina. Ninguém pode pretende ter algum conhecimento
no que diz respeito às coisas ocultas de Deus, exceto se a Ele
mesmo Se agradar em revelá-las em sua Palavra. Essa luz deve
guiar todas as nossas buscas por conhecimento as examinarmos as
Escritura. Nossos sentimentos quanto às coisas dessa natureza
devem ser governados estritamente por essa regra, sabendo que a
natureza delas é tal que transcende os princípios comuns da razão
ou luz da natureza. Isso de fato é assim, uma vez que elas se
originam dos atos livres da vontade e sabedoria divinas, que são
insondáveis até que sejam reveladas pelo próprio Deus. Desse
modo é necessário levarmos cativos todos os nossos pensamentos
acerca delas à obediência da fé, sabendo que a razão quando não é
guiada pela luz da Escritura (apesar do excelente uso que tem em
seu devido lugar) pode apenas gerar erros complexos e fazer com
que os homens se percam nos labirintos de sua própria imaginação
e teorias incertas. O simples auxílio que isso nos traz (nesse caso,
de confiarmos além do que convém em nosso conhecimento) nada
pode alcançar senão nos fazer cum ratione errare,[81] errar ao fazer
uso da razão, e nos afastar da verdade fazendo-nos vaguear em
caminhos que parecem mais planos, mas não menos perigosos.
Nessas coisas está a fonte da maior parte dos erros e
corrupções da doutrina e da prática em assuntos da religião. Os
homens descobrem e concordam facilmente com os mandamentos
verdadeiros da lei da natureza, mas nas coisas pertencentes aos
pactos de Deus, como possuem sentimentos diferentes! Sim, muitos
homens notáveis, instruídos e bons estão divididos em suas
opiniões acerca de algumas coisas muito importantes para a fé e
edificação da igreja, apesar de não serem absolutamente
necessárias para a existência dela. Um erro admitido acerca da
natureza das transações pactuais ou federais de Deus com o
homem complica grandemente toda sistematização da teologia e
enreda nossa interpretação de inúmeros textos da Escritura. Por
causa disso, disputas e contendas têm se perpetuado na igreja para
o grande pesar e perda de todos, para ofender os fracos e para
escandalizar ainda mais o mundo perdido e cego. Tudo isso tem
ocorrido, frequentemente, por causa da falta de atenção e
humildade devida à revelação da verdade que Deus nos deu nas
Sagradas Escrituras, por causa da falta de empenho em entender a
vontade de Deus a partir dela sem julgamentos preconcebidos,[82] e
por não evitar-se cuidadosamente inserir coisas indevidas ou
confundir coisas naturais com aquelas que são puramente de
natureza pactual ou federal.
O pacto de Deus é seu segredo e somente Ele pode nos fazer
conhecê-lo. E ainda assim, nossa fé, prática, consolo e santidade
dependem de obtermos um bom conhecimento acerca dele; então
não precisamos de mais nenhum outro motivo para examinar com
diligência e humildade as Escrituras com a intenção de instruirmos
corretamente o nossos julgamento acerca dele. Nem precisamos de
mais nenhuma outra advertência sobre o perigo de atribuirmos uma
importância excessiva à nossa própria sabedoria e habilidades.
Devemos fazer todas as inquirições com sérias orações a Deus
pedindo seu Espírito Santo de luz e de verdade que é o único que
pode nos guiar em todas essas verdades e trazer ao claro
conhecimento da vontade de Deus quanto a elas.
Capítulo 2

As Transações de Deus para com Adão

A Importância desse Estudo


§. 1. No último capítulo introduzi algumas coisas de natureza mais
geral, julguei necessário apresentá-las a fim de tratar das
particularidades que se seguem. Agora meu trabalho será
considerar o primeiro estado do homem, cuja explicação deve ser
extraída a partir da consideração do estado de Adão, em quem a
humanidade estava resumida. Estamos interessados nas
transações que Deus fez com ele no relacionamento que ele teve
com Deus bem como seus eventos e consequências. O
entendimento correto dessas coisas não apenas é necessário como
também é o fundamento de todo o conhecimento útil de nós
mesmos e de Deus em todas as revelações de sua vontade e
conselho aos filhos dos homens que foram gerados em eras
posteriores, seja antes ou na época da lei de Moisés, ou no tempo
do Evangelho. Aparentemente a ignorância desse assunto é a razão
da cegueira e dos erros miseráveis dos filósofos pagãos mais sábios
em mil outras coisas de suma importância. Se alguém não entende
as transações pactuais de Deus para com Adão de maneira correta,
certamente ficará desnorteado em todas as suas buscas posteriores
da verdade que procura conhecer. Portanto, é necessário que nós
observemos com toda a diligência o que o Espírito Santo nos deixou
registrado para nossa instrução nesse assunto. Esse capítulo se
resume nesses três pontos: 1. A condição de Adão antes haver
pecado.
2. O pecado e seus efeitos imediatos.
3. Como Deus tratou com Adão em seu estado caído.
Cada ponto será discutido resumidamente.
O Estado do Homem Antes da Queda

§. 2. Quanto à condição do homem antes de sua queda,


podemos observar estas coisas: Primeira: Deus o fez uma criatura
racional e o dotou com retidão original, a qual era uma perfeição
necessária para torná-lo capaz de atender ao fim de sua criação.
Quanto a isso, é dito ele foi criado à imagem de Deus (Gênesis
1:26-27) e feito reto (Eclesiastes 7:29). Essa retidão de natureza
consistia na harmonia perfeita de sua alma com a lei de Deus, sob a
qual ele foi feito e submetido.
1. Essa era uma lei eterna e uma regra invariável de justiça
pela qual todas as coisas que concordam com a santidade e retidão
da natureza divina eram requeridas, e tudo que lhe era contrário era
proibido. Essa lei era interna e subjetiva a Adão, sendo comunicada
a ele pela sua natureza racional,[83] e escrita em seu coração, de
maneira que ele não precisasse de nenhuma revelação externa para
aperfeiçoar seu conhecimento dela. E, portanto, na história de sua
criação não há nenhum outro relato disso senão o que foi dito (e
repetido duas vezes) que ele foi feito imagem de Deus. O apóstolo
nos ensina que essa imagem de Deus consiste na retidão e na
verdadeira santidade (Efésios 4:24). O resumo dessa lei foi
posteriormente dado em dez palavras no Monte Sinai e ainda mais
brevemente por Cristo, que as reduziu a dois grandes mandamentos
acerca do nosso dever tanto para com Deus como para com nosso
próximo (Mateus 22:37-40).[84] E isso, como lei e regra de justiça, é
imutável e invariável em sua natureza, bem como o é a natureza e
vontade do próprio Deus cuja santidade nela está estampada e por
ela é representada.
2. Agradou à soberana Majestade Celestial acrescentar a essa
lei eterna um preceito cerimonial no qual Ele ordenou que o homem
não comesse do fruto de uma árvore no meio do Jardim do Éden.
Essa árvore é chamada de árvore do conhecimento do bem e do
mal (Gênesis 2:16-17; 3:3). O comer desse fruto não era algo mau
em si mesmo, mas assim se fez por causa da proibição divina.
Então era necessário que a vontade de Deus no que diz respeito a
isso fosse revelada e declarada explicitamente ao homem. Doutra
maneira, pela luz da natureza ele não teria sido mais instruído a se
abster do fruto dessa árvore do que de qualquer outra no Jardim; de
fato, ele não estaria sob nenhuma obrigação de dever quanto a isso.
Mas uma vez que o mandamento lhe foi dado, essa lei cerimonial
teve seus fundamentos lançados na lei da natureza. Pois é um
ditame infalível “que e algo muito justo e razoável que o homem
obedeça a Deus, e que a vontade da criatura esteja sempre sujeita
à vontade do Criador”.[85] Por isso o coração de um homem reto não
pode fazer outra coisa senão se aproximar e submeter-se à vontade
de Deus por quaisquer que sejam os meios feitos conhecidos por
Ele. Não pode haver transgressão de um preceito cerimonial sem a
violação daquela lei eterna que está escrita em seu coração.
Segunda: essa lei estava guardada por uma penalidade na
ameaça de morte por sua transgressão (Gênesis 2:17). Essa
cominação[86] foi expressa em termos que denotavam a maior
miséria que poderia suceder a uma criatura racional e a mais alta
certeza de que recairia sobre ele caso a transgredisse: “No dia em
que dela comeres,” diz o Senhor, “certamente morrerás”. Essa
penalidade pertencia não apenas ao preceito cerimonial ao qual ela
estava expressamente anexada, mas também à lei da natureza; o
demérito por transgredir essa lei é conhecido pelo homem através
da mesma luz pela qual a lei em si é conhecida. Isso foi feito bom
mesmo durante no estado decaído da humanidade, que ainda retém
em si mesma não apenas algumas noções remanescentes da
diferença entre o bem e o mal, e alguma ideia de seu dever de
abraçar um e afastar-se de outro, como também a consciência da
punição devida à transgressão desses ditames de sua razão. Essas
ideias são inatas aos homens e, portanto, podem ser observadas
tanto naqueles que não têm como nos que têm a luz da lei escrita
para guiá-los (Romanos 1:32; 2:15). Se essas coisas são assim com
relação aos homens caídos no que concerne à lei em si, então sua
penalidade também foi perfeita e distintamente conhecida a Adão
em seu estado de retidão original. Sua consciência era pura e sua
mente iluminada com uma clara luz, perfeitamente livre daquelas
nuvens negras de cobiças sensuais com as quais a razão e o
julgamento de sua descendência caída estão agora entenebrecidos
e pervertidos.
Terceiro: Adão estava não apenas sob a maldição da morte em
caso de desobediência, mas também teve a promessa de uma
recompensa eterna submetida à condição de sua obediência
perfeita a essas leis. Se ele tivesse cumprido essa condição, a
recompensa lhe seria dada em virtude desse pacto, através do qual
Deus Se agradou em condescender para encorajar a obediência do
homem e a para manifestar Sua própria generosidade e bondade.
A Promessa de uma Recompensa Comprovada

§. 3. Tal promessa de recompensa foi dada a Adão, e de fato


implicava em uma ameaça de morte em caso de desobediência.
Isso pode ser concluído a partir: 1. Do estado e da capacidade em
que Deus o colocou: Esse estado consistia em um teste sob a lei de
obras e de um exercício de obediência, a qual se pode conceber à
parte do propósito de alguma recompensa. Esse teste foi proposto a
Adão e ele poderia ter sido aprovado.
2. Da inclinação natural dos homens: Esperava-se uma
recompensa de bem-aventuranças futuras por sua obediência à lei
de Deus e por uma permanecer diante dele segundo os termos de
um Pacto de Obras. Isso provém necessariamente do
relacionamento do homem com Deus em tal pacto (o qual incluía a
promessa de tal recompensa) e do conhecimento dos termos desse
pacto, acompanhado com a lei de sua criação.
3. Do uso sacramental daquela árvore no meio do Jardim do
Éden: Ela era chamada de árvore da vida porque foi instituída por
Deus como um sinal e garantia de vida eterna que Adão teria obtido
por sua própria obediência pessoal à lei de Deus caso tivesse
permanecido nela. Que essa árvore foi designada por Deus para tal
uso e fim podemos deduzir a partir do seguinte: a. A alusão que
Cristo faz a ela no Novo Testamento em Apocalipse 2:7: Ali Ele
promete uma recompensa eterna àquele que vencer: “dar-lhe-ei a
comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus”.
Isso é assim em razão de Deus haver designada essa árvore para
ser uma garantia de vida eterna para Adão nos termos e condições
de um Pacto de Obras, e pela analogia da recompensa que Cristo
dá a seus fiéis nos termos de outro pacto. Essa analogia consiste na
natureza geral da recompensa eterna prometida, embora não haja
uma identidade ou concordância perfeita quanto ao grau ou tipo
particular dessa recompensa. Não pretendo determinar exatamente
o modo ou grau daquela bem-aventurança que foi colocada diante
de Adão em virtude daquele pacto feito com ele, se ele consistia em
uma confirmação de seu presente estado (que era muito feliz) ou
em uma elevação para um estado ainda melhor quando o período
de obediência chegasse fosse concluído. Entretanto, parece
razoável concluir que em alguns aspectos essa bem-aventurança
era inferior àquela glória para a qual somos chamados por Jesus
Cristo. Mas ambas têm em comum a ideia de uma alegria eterna;
portanto, a glória futura é descrita por aqueles termos que dizem
respeito à garantia da antiga bem-aventurança no Éden.
b. O meio pelo qual Deus lida com Adão, no que diz respeito a
essa árvore, depois de Adão ter pecado contra ele, e a razão
atribuída a isso pelo próprio Deus: Podemos ler um relato de como
isso aconteceu em Gênesis 3, do versículo 22 até o fim do capítulo,
ali está escrito: “para que não estenda a sua mão, e tome também
da árvore da vida, e coma e viva eternamente”. Não devemos supor
que Adão pudesse de fato ter obtido vida eterna ao comer do fruto
daquela árvore depois de ter pecado contra Deus. Mas devemos
entender que discurso é irônico. Considero que as palavras
anteriores, “eis que o homem é como um de nós”,[87] são uma
repreensão santa à tolice humana em aspirar tal estado ao quebrar
a lei de Deus dando crédito à sugestão do Diabo (Gênesis 3:5).
Também considero que essas palavras evidenciam um outro perigo
ao qual o homem caído ainda estava sujeito: Ele cogitava a ideia de
que ainda seria capaz de recuperar a alegria perdida dessa
maneira, ou através de alguma obra que fizesse (pois a vaidade do
homem está sempre pronta para florescer sob qualquer pretexto).
Essas palavras nos ensinam quais eram os usos e objetivos para os
quais a árvore foi primeiramente designada, bem como que Adão
não era ignorante acerca disso. Ainda assim, agora, através da
proibição do acesso à árvore da vida por meio da espada inflamada
dos querubins que andavam ao redor para guardar o caminho, ele
tomaria conhecimento da total impossibilidade de se obter vida por
meio de um pacto quebrado.
c. Também não devemos esquecer isso: Como lei de Moisés
de alguma maneira incluía o pacto da criação e servia como
memorial dele (por causa do qual toda a humanidade recebeu sua
maldição), ela continha não somente a penalidade de uma maldição
terrivelmente anunciada contra a desobediência, como também a
promessa de recompensa de vida para os que obedecessem. Assim
como a lei de Moisés era igual à lei da criação no que diz respeito
aos seus preceitos morais, assim também a recompensa proposta
não era uma nova recompensa, mas a mesma que, em virtude
daquele pacto, era devida a Adão no caso de sua obediência
perfeita.
A Recompensa e a Punição da Lei

§. 4. Pelo que já foi fito, está claro que Adão foi colocado no
caminho reto, mas não foi trazido, de fato, ao descanso eterno no
estado em que fora criado. Ele era capaz de e foi feito para um
maior grau de felicidade do que aquele que alcançou
imediatamente. Essa felicidade em maior grau seria a recompensa,
em virtude do pacto, devida à obediência na qual ele deveria andar
com Deus. Acerca dessa recompensa posta diante dele, devemos
as seguintes coisas: 1. Embora a lei da criação houvesse recebido
tanto a promessa de recompensa como uma ameaça de punição, o
motivo de ambas não é o mesmo. Pois a recompensa decorre
meramente da liberalidade e bondade soberana. Portanto, ela
poderia ter sido maior, ou menor, ou nem mesmo ter sido proposta,
se isso agradasse a Deus, sem prejuízo algum. Mas o castigo
prenunciado é um débito à justiça e resulta imediatamente da
natureza do pecado contra Deus. O castigo é devido por causa da
transgressão da lei divina como tal e, portanto, permanece devido
por cada transgressão dela, e é como uma dívida até mesmo para
aqueles que perderam completamente a esperança de recompensa
por já haverem quebrado o pacto uma vez. A punição pela ofensa
não pode ser maior nem menor do que a merecida sem que haja
uma diminuição da glória da justiça divina, pela regra estrita com a
qual o castigo sempre é medido. De maneira que a morte ameaçada
pela maldição é, em um sentido próprio e estrito, o salário do
pecado (Romanos 6:23).
2. Na história dessa transação, como registrado pelo Espírito
Santo para nosso ensino, temos uma referência mais específica e
explícita da ameaça da maldição do que da recompensa prometida.
Assim, nos é transmitida uma ideia mais distinta da maldição do que
da promessa, embora tenhamos motivo para pensar que ambas
eram conhecidas por Adão com igual clareza. Isso pode ser porque
é mais importante que estejamos completamente humilhados sob a
ideia da miséria presente da humanidade em seu estado caído, do
que curiosos sobre em que consistia especificamente ou o grau
daquela bem-aventurança que uma vez foi proposta, mas que nunca
mais poderá ser obtida por nós através da participação naquele
pacto que primeiramente nos deu direito à recompensa.
Adão: Uma Pessoa Pública

§. 5. O pacto de Deus com Adão não deve ser considerado


como se dissesse respeito somente a esse indivíduo. Pelo contrário,
Deus o tratou como raiz e representante de toda a humanidade que
nasceria dele de acordo com o curso ordinário da natureza,[88] e
seria contada como que estando nele, sua raiz natural e federal.
Desse modo, se Adão permanecesse no pacto toda a humanidade
permaneceria, mas, em sua queda,[89] todos pecaram e caíram nele.
“Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram
feitos pecadores” (Romanos 5:19). E em relação a isso é dito que
ele é o tipo (e Cristo é o antítipo) ou figura daquele que estava por
vir. Pois, como o pecado de Adão foi imputado a todos quantos
estavam em Adão, assim também a obediência de Cristo é
imputada a todos que estão em Cristo; o dom gratuito recai sobre
esses para a justificação para a vida em virtude de sua união e
comunhão com Jesus.
A Transação de Deus com Adão: Uma Aliança

§. 6. Está claro, então, que Deus tratou com Adão não apenas
em termos de uma lei, mas também de uma aliança. Essa transação
tinha uma natureza federal embora não seja explicitamente
chamada de aliança na Escritura. E visto que essa transação tinha a
natureza explícita de uma aliança, não há motivo para minúcias
quanto aos termos, uma vez que a coisa em si é suficientemente
revelada a nós. Não há menção explícita de que um Pacto de Graça
antes do tempo de Abraão, no entanto ele está revelado na
Escritura de modo certo e claro, a saber, que todos aqueles que
eram salvos antes de Abraão foram participantes de tal pacto e
eram salvos somente por sua graça. A evidência da relação pactual
de Adão com Deus pode ser brevemente resumida como se segue:
1. É possível que Deus o tenha estabelecido não apenas sob a lei
necessária de sua criação, mas também que a ela tenha
acrescentado uma lei cerimonial. Deve-se observar que tal lei foi um
complemento da transação pactual em todas as relações
posteriores com os homens.
2. Mas isso certamente se conclui da promessa de
recompensa e da certeza que foi dada a Adão, o que ele nunca
poderia ter obtido exceto pela condescendência de Deus ao lidar
com ele em termos de uma aliança.[90]
3. Foi justamente devido a esse pacto que a posteridade de
Adão estaria envolvida, como de esteve, quer em sua obediência
quer em sua queda. Caso se negue que a posteridade de Adão
pudesse receber a recompensa se ele tivesse permanecido
obediente, também é necessário negar que eles receberiam punição
em caso de desobediência. Pois, se somente ele estivesse debaixo
da lei de Deus, seu pecado teria permanecido apenas sobre si
mesmo e não poderia ter sido imputado justamente a toda a
humanidade mais do que o pecado de alguma pessoa específica
poderia ser imputado a outro homem que de fato não é culpado de
tal pecado, ou os pecados dos pais imputados aos seus filhos.
Nisso repousa o mistério da primeira transação de Deus para
com o homem e do relacionamento entre ambos, fundamentado
sobre ela. Essa transação não resultou imediatamente a parti da lei
de sua criação, mas do estabelecimento de uma aliança segundo o
livre, soberano e sábio conselho da vontade de Deus. Portanto,
embora a lei da criação seja facilmente entendida pelos homens (e
haja pouca controvérsia acerca dela entre aqueles que não são
degenerados quanto a todos os princípios da razão e da
humanidade), contudo quanto à aliança da criação,[91] a participação
da posteridade de Adão nela e a culpa pelo pecado original que
recaiu sobre eles por causa dela, nem todos o reconhecem e nem o
podem, exceto pela luz da revelação de Deus. Nem o coração do
homem pode se humilhar a fim de reconhecer apropriadamente
essas coisas e obter uma convicção clara e profunda acerca delas,
senão pela obra do Espírito Santo. Enquanto os homens julgarem o
conselho de Deus segundo suas próprias razões limitadas e
entenebrecidas, e se recusarem a submeterem seu entendimento à
revelação da vontade soberana de Deus e à sabedoria dele, eles
necessariamente cairão em erros graves e encherão o mundo de
controvérsias infrutíferas por meio de seus entendimentos
obscurecidos e com palavras vazias de conhecimento.
A Natureza Geral do Pacto com Adão

§. 7. Quanto aos termos e condições da aliança que Deus fez


com Adão, e com toda a humanidade nele, tal aliança era um pacto
de obras. Quanto ao privilégio e relacionamento imediato, era um
pacto de amizade. Quanto à recompensa prometida, era uma
aliança de rica generosidade e bondade. Mas a aliança com Adão
não incluía, ou não sugeria, sequer o mínimo de perdão e
misericórdia. Enquanto sua lei fosse perfeitamente observada o
homem seria elevado ao grau dos anjos bem-aventurados. Mas
quebrar aquela lei o levaria inevitavelmente para debaixo da
maldição que o rebaixou ao nível dos demônios apóstatas, e o
deixou em um estado de miséria parecido com o deles.
Sob essa aliança o homem foi deixado à liberdade de sua
própria vontade.[92] O homem tinha o poder e a escolha de obedecer
e ser feliz para sempre; ou pecar e se expor à miséria eterna. Ele
não estava tão firmado na graça de maneira que não pudesse pecar
e morrer, mas foi dotado com poder e retidão de natureza de modo
que ele poderia ter rejeitado pecar e morrer. Embora o homem não
tivesse a non posse pecacre[93] e, portanto, a non posse mori,[94]
ainda assim tinha a posse non peccare[95] e, portanto, a posse non
mori.[96] Ele era uma criatura perfeita,[97] embora mutável, e detinha
toda a vantagem possível de persuasão moral para se manter
constante em sua obediência. Ele tinha uma certeza clara da maior
de suas obrigações que era cumprir os termos da aliança e ser grato
ao seu Criador e Deus. Em seus deveres, ele tinha alegria presente
e esperança; e na proclamação da maldição que era o castigo dado
pela lei, ele tinha uma advertência justa da miséria que o pecado lhe
traria. Apesar disso, ao sobrevir o tempo da tentação essas coisas
não prevaleceram contra ela, antes sua mutabilidade se tornou a
origem do pecado original, pelo qual ele, e toda a raça humana nele,
foram arruinados e feitos miseráveis.
O Pecado de Nossos Primeiros Pais

§. 8. A próxima coisa a ser investigada é o pecado de nossos


primeiros pais, e o seu estado e condição resultantes dele.
Primeiramente, sua transgressão foi, de fato, consumada pelo
comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, da qual
o Senhor ordenou que eles não comessem (Gênesis 3:6). Quanto a
isso, observe que: 1. Foi pela quebra da lei cerimonial que a
humanidade se perdeu. Essa foi a porta pela qual o pecado e todas
as misérias consequentes invadiram e arruinaram o mundo inferior.
2. Desde a queda do homem, pela transgressão desse
preceito cerimonial, a violação da aliança com Deus se tornou muito
mais notável, pois esse preceito não pertencia imediata e
necessariamente à lei de sua criação, mas foi acrescentado a ela
como um termo especial e condição de seu relacionamento pactual.
[98]
3. A violação dessa lei cerimonial pelo homem pressupõe e
infere necessariamente uma violação da lei eterna de sua criação. O
transgredir a lei foi uma apostasia total contra Deus e nela toda
perversão imaginável foi incluída, até “a concupiscência da carne, a
concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 João 2:16). Todas
as maldades que hoje existem ou que serão perpetradas no mundo
são o fruto genuíno daquela transgressão, e seus agravantes são
incontáveis.
O Estado e Condição do Homem Caído

§. 9. Em seguida, serão considerados o estado e a condição


do homem caído. Esse estado é muitíssimo miserável e terrível.
Pois tendo quebrado a aliança com Deus e transgredido a santa lei
de Deus perversa e intencionalmente: 1. O homem violou e perdeu
completamente todo a sua participação pactual em Deus. Ele não
poderia mais reivindicar o direito, ou esperar a recompensa
prometida sob a condição de sua obediência perfeita à lei daquela
aliança que Deus fez com ele. Ao invés disso, o homem caiu
imediatamente sob a culpa, sendo obrigado pela sentença de sua
própria consciência à punição sob a ira do Todo-Poderoso. E,
portanto, temeu até mesmo se aproximar de Deus (Gênesis 3:8-10).
2. Por causa do pecado, o homem não só perdeu seu direito
ao que lhe havia sido prometido, mas também seu relacionamento
com Deus. Além do mais, ele foi considerado incapaz de obter
alegria verdadeira, uma vez que havia apostatado de uma aliança
de amizade para um estado de inimizade contra Deus, e alienação
dele; essa é a implicação necessária da maldade. O homem caiu
sob o domínio do pecado e aquela imagem de Deus, com a qual
fora criado, de certa forma, foi totalmente desfigurada. Ele pecou e
foi destituído da glória de Deus (Romanos 3:23). E agora, ao invés
daquela justiça original com a qual fora inicialmente embelezado,
nada mais havia que pudesse ser encontrado nele senão imundícias
abomináveis e deformidades horríveis. Sua mente foi coberta e até
mesmo possuída de trevas infernais. Uma aversão a Deus reinou
em seu coração e suas afeições não estavam mais sujeitas a uma
razão honesta, mas se tornou vil e rebelde. É evidente que nesse
estado ele está totalmente incapaz de ter comunhão com Deus e de
se alegrar no único em Quem a verdadeira alegria das criaturas
racionais consiste.
3. A maldição da lei em seu rigor extremo passou
imediatamente a ser devida a ele. Nada menos que a execução
plena dela deveria ser esperada: a morte, e até mesmo a pior de
todas as mortes, a morte eterna, que é “uma punição infinita da
alma e do corpo sob a vingança irada de um Deus ofendido”.[99]
E que essa era a intenção principal da ameaça pode ser
claramente demonstrado por vários motivos, mas por enquanto me
contentarei com a menção de apenas dois.
1. Essa punição será infligida em muitos da posteridade ímpia
de Adão, os quais são culpados de transgredir contra a luz e a lei da
natureza. Assim também para aqueles pagãos ímpios, acerca de
quem Paulo fala,[100] os quais nunca tiveram a lei escrita, nem a
conheceram por meio de sua reiterada promulgação,[101] (pelo que
podemos concluir ser muito mais improvável que estivessem
familiarizados com a Nova Aliança e seus termos) mas ainda assim,
estavam sujeitos à punição pela transgressão, pois a lei não deixou
de existir e eles se fizeram culpados. O castigo deve ser o fruto da
maldição, que é a pena daquela lei sob a qual eles estavam, e que
foi transgredida por eles, a qual era a lei da criação, a mesma lei
sob a qual Adão fora criado. E se a lei é a mesma, a mesma
penalidade foi incorrida por sua transgressão. E se eles estão
sujeitos à morte eterna pelas transgressões dessa lei, então não há
dúvida, com base nisso, de que Adão também estava.
2. Se o demérito e o justo salário do pecado estavam contidos
na ameaça (como sem dúvida estavam) a punição com que o
homem foi ameaçado não podia ser outra coisa senão eterna. Pois
se esse não fosse o merecimento de todo pecado, não o seria para
nenhum pecado. A razão pela qual a punição de qualquer pecado é
eterna é que a penalidade infligida ao pecador deve ser adequada à
ofensa. A punição é infinita em sua eternidade, pois o pecado é uma
ofensa infinita, e isso só pode ser no que diz respeito a seu objeto.
Não há nada que possa ser um agravo infinito do pecado senão o
fato de que ele é cometido contra um Deus cuja grandeza, glória e
bondade são infinitas. Essa é uma característica de todo pecado
cometido contra Deus. Embora as circunstâncias possam aumentar
a provocação e, elevar o grau da dor daquele que peca, ainda
assim, toda ofensa contra Deus é infinita. Portanto o castigo devido
a Adão pelo pecado contra Deus não poderia ser outro, ou, não
poderia ser nada menos do que a morte eterna, e, de fato, essa era
a sanção da lei dada a ele.
3. Toda a criação desse mundo visível se tornou sujeita à
destruição juntamente com o homem caído, sendo essa a herança
merecida por sua traição contra a majestade suprema. Pelo pecado
do homem, a moldura da terra e dos céus, feitos para seu servi-lo e
alegrá-lo, foram perdidas, e seus fundamentos foram tão abalados
que teriam se precipitado em extrema ruína não tivesse Cristo se
interposto e sustentado seus pilares (compare Salmos 75:3 com
Hebreus 1:3). Se a maldição tivesse sido executada imediatamente
em seu rigor, seguida dessas desolações, haveria um inferno
preparado e pronto para o homem. Suponha, por um instante, que
todas as luzes do céu sejam apagadas, e que toda ordem, simetria
e beleza da criação sejam destruídas, e tudo se reduza a uma
confusa caótica e trevas horríveis sobre o homem, e que a ira
flamejante de Deus se acenda sobre ele, em seguida ele é lançado
no desespero eterno e atormentado por um verme que nunca morre.
Imagine isso, e dificilmente você será capaz de conceber um estado
mais pavoroso e sombrio que poderia ter vindo sobre o homem.
4. Nessa condição o homem estava completamente
desamparado e sem força, estava completamente incapaz de
permanecer perante Deus nos termos de um Pacto de Obras, e
incapaz de trazer a si mesmo a outros termos pactuais melhores. O
homem não foi capaz de se mover um passo sequer em direção à
reconciliação com Deus, ou de resgatar a si mesmo dessas
misérias. A porta do arrependimento não estava aberta para ele pela
aliança da criação, ou se estava, agora não havia nele poder e nem
vontade entrar por ela. Ele estava completamente incapacitado de
obedecer a Deus de modo aceitável em quaisquer termos até que
fosse feito uma nova criatura. Portanto, era impossível que essa
aliança quebrada fosse renovada com ele ou com qualquer um de
sua posteridade para os mesmos fins e da mesma maneira como
primeiramente fora feita com o homem em seu estado de retidão.
Nem nunca poderia ser firmada qualquer outra aliança com Deus na
qual o homem caído, por si mesmo, fosse o aliançado primeiro e
imediato, como Adão o fora em seu estado de integridade.
A Misericórdia de Deus para com o Homem Caído

§. 10. O estado do homem caído se tornou uma miséria


indizível. Vejamos agora como a misericórdia infinita de Deus foi
revelada a ele quando estava perdido nesse caminho e
deploravelmente arruinado por seu próprio pecado. Para entender
melhor o que vem a seguir, estabelecerei duas premissas
necessárias e que devem ser mantidas à vista.
1. Deus, que é infinitamente gracioso e sábio, e que desde a
eternidade anteviu a queda do homem, também teve desde a
eternidade um propósito gracioso em si mesmo, segundo o
conselho de sua própria vontade, para redimir e salvar um
remanescente da humanidade perdida de seu estado de colapso e
queda,[102] e por Sua graça toda poderosa, através dos méritos de
Cristo, resgatá-los da miséria para a herança de um reino de glória
muito maior do que aquele estabelecido perante Adão em sua
integridade. Seus conselhos eternos, que estavam ocultos em si
mesmo, foram transacionados por meio de uma aliança entre o Pai
e o Filho, essa foi uma aliança de redenção,[103] revelada nas
Escrituras da verdade.[104] A essa aliança pertencem todas as
promessas do Pai ao Mediador, e os arranjos restipulatórios do
Redentor acerca da salvação de pecadores, e a maneira e método
de como isso seria feito. Quanto a esses conselhos, é dito que o
Filho é o deleite do Pai, e que o próprio Filho também se deleita no
mundo habitável desde quando foi formado seu pó[105] (Provérbios
8:22-31). Nesse contexto, o mútuo consentimento do Pai e do Filho
nessa admirável invenção de graça e sabedoria, não foi
estabelecido de modo obscuro.
2. Na continuação dessa aliança da redenção, o governo do
mundo foi, de fato, colocado nas mãos do Filho de Deus, o Fiador e
o Mediador designado, que se interpôs a fim de prevenir a completa
ruína. Por meio dele todas as futuras transações foram feitas para o
bem dos eleitos, e todas as revelações da graça e da misericórdia
foram feitas aos filhos do homem nele e por Ele. Todas as coisas no
Céu e na Terra foram trazidas a uma ordem subserviente aos fins da
nova criação e da redenção do homem perdido para serem
cumpridas na plenitude do tempo pelo Filho de Deus encarnado. O
homem caído não mais poderia se relacionar com Deus, nem Deus
com ele, de modo bondoso, exceto por meio de um mediador.[106]
A Promessa de Redenção em um Pacto

§. 11. Foi por causa desse plano de amor e misericórdia que o


Senhor Deus deixou de executar o rigor da lei sobre o homem
caído, quando veio até ele no jardim do Éden na viração do dia, e ali
o encontrou cheio de pavor e vergonha, por causa da consciência
de sua própria culpa. Ao invés disso, Deus fez um trato com ele no
qual revelou a graça. Assim, uma porta de esperança se abriu ao
lançar de um novo fundamento para sua aceitação perante Deus e
para que pudesse andar de modo agradável perante Ele.
1. Pois na sentença pronunciada contra a serpente (que era
destinada principalmente o Diabo, visto que o animal era apenas o
instrumento que ele usou ao tentar o homem, e que provavelmente
foi obrigado a permanecer na posse da serpente até que recebesse
essa sentença – Gênesis 3:15) foi concebida uma bendita promessa
de redenção e salvação para o homem. Tal promessa seria
cumprida pelo Filho de Deus, nascido de uma mulher, e assim, a
posteridade dessa mulher receberia a salvação prometida pela fé e
esperança nele. Nessa promessa implícita foi lançado o primeiro
fundamento da igreja após a queda do homem, a qual seria
edificada a partir das ruinas do reino do Diabo e através da
destruição de suas obras por Jesus Cristo (1 João 3:8).
2. Nessa maldição, lançada sobre a serpente, há não apenas
uma promessa implícita do surgimento de um Salvador a partir da
Descendência da mulher, e de sua vinda ao mundo para esmagar a
cabeça da serpente, (ou seja, a vitória completa sobre Satanás e a
ruína total de seu reino) mas também havia a promessa da
propagação e preservação da igreja no mundo, para aqueles que
seriam os herdeiros da salvação. Esses herdeiros da salvação
travariam continuamente uma guerra espiritual com Satanás e seu
reino, a qual acabaria em conquista e vitória perfeitas. Satanás
feriria o calcanhar da Descendência prometida, o Salvador, mas o
Deus de paz o esmagaria debaixo de seus pés e faria com que os
herdeiros fossem mais do que vencedores por meio daquele que os
amou. A Descendência da mulher deve ser entendida de modo
coletivo, como Cristo e seus membros (bem como a descendência
da serpente inclui todos os homens perversos) embora seja uma
referência principalmente à pessoa de Cristo, que sozinho obteve a
vitória sobre o poder infernal e destruiu as obras do Diabo. Embora
essa guerra tenha sido travada e vencida por Cristo somente,
contudo não foi apenas para Ele mesmo que Ele venceu, mas para
seu corpo, a igreja, da qual todo verdadeiro crente é um membro e
que certamente obterá vitória pela fé em seu nome. Contra essa
igreja as portas do inferno nunca prevalecerão, mas a igreja, antes
ele existirá no mundo enquanto ele existir. Esse foi o caso desde a
primeira promessa, embora a igreja tenha sido caluniada e
perseguida pelo Diabo e por homens perversos, como se pode ver
no exemplo de Caim e Abel (compare Gênesis 4 com 1 João 3:12).
Essa é a razão pela qual Eva deu a seu outro filho o nome de Sete
(Gênesis 4:25).
3. Em seguida, houve uma limitação e modificação da
maldição na sentença pronunciada a Adão e Eva (Gênesis 3:16-19).
Embora eles e sua descendência estivessem necessariamente
sujeitos a muitos males e misérias enquanto vivessem, e à
dissolução física pela morte temporal,[107] ainda assim eles não
foram lançados imediatamente sob uma sentença de morte eterna,
que era a punição que eles mereciam. E no que diz respeito a essa
sentença, observamos: 4. Que a promessa de esmagar a cabeça da
serpente, revelada aos nossos primeiros pais, não lhes deu a
salvação de todas as misérias, mas somente uma isenção da morte
eterna. Apesar dessa promessa e de tudo o que Cristo fez para sua
completa realização, é a vontade de Deus que todos os homens,
tanto os crentes como os demais, sejam acometidos nesse mundo
com misérias e permaneçam sujeitos à morte temporal ou à
dissolução do corpo em pó.[108]
5. A corruptibilidade do homem, todas as misérias a que ele
está sujeito enquanto viver e a morte temporal são os frutos do
pecado e da maldição devida ao pecado, uma vez que são males ou
punições naturais. Mas não são os únicos frutos ou resultados da
maldição, nem o salário completo do pecado. Uma vez que são
males, fluem da maldição, mas sendo apenas temporais, esses
males são limitados e, portanto, a maldição foi modificada pela
misericórdia ou pela bondade compassiva de Deus. A postulação
(ou colocação) da morte temporal prova claramente que o pecado
está no mundo. Mas a limitação dos males também prova que há
misericórdia reservada para alguns, e que aqueles que não obtêm
misericórdia serão futuramente levados a um acerto de contas, pois
o fruto de suas ações não lhes foi completamente pago nesse
mundo.
6. E assim, nenhum desses males é incapaz de mudança
quanto à sua natureza penal, incluindo a mudança do estado do
homem sobre quem eles sobrevieram. Pois embora caiam sobre os
cristãos como que muitas gotas de ira que antecedem uma
tempestade mortal que está por vir sobre os ímpios, contudo todos
os males são santificados para eles e se transformam em
verdadeiras bênçãos. Mas a execução final da maldição sobre os
que não foram eleitos não pode mudar, pois a punição eterna nunca
pode ser transformada em bênção para ninguém.[109]
Uma vez que Deus não apenas prometeu um redentor para
Adão antes de ter pronunciado essa sentença, mas também lhe deu
fé na promessa, há motivo para supor que a maldição veio
imediatamente sobre ele como castigo paternal e não como fruto da
ira divina.
Por outro lado, também é verdade que a bondade e paciência
de Deus, por causa da perversidade do homem, transformaram-se
em juízo para os ímpios e impenitentes que abusam do dia de sua
paciência para entesourar ira para si mesmos, para o dia da ira e da
revelação do justo juízo de Deus (Romanos 2:5). Tanto as
misericórdias temporais como os males temporais são
completamente subservientes aos desígnios da glória de Deus no
estado futuro e eterno do homem. E podemos concluir que não teria
havido tal coisa como morte temporal se não tivesse havido um dia
da paciência.[110] É mais do que provável que ao mesmo tempo, ou
imediatamente depois, Deus instituiu aqueles sacrifícios de sangue
que desde então foram oferecidos a ele, e aceitos por Ele quando
oferecidos em fé. Isso foi para instrução posterior do homem com o
fim de prover-lhe uma noção geral acerca do caminho de sua
redenção pela Descendência prometida e para ser um auxílio e
confirmação de sua fé na promessa. Até mesmo as vestimentas de
pele as quais o Senhor fez e com as quais vestiu a Adão e Eva, que
então estavam confundidos pela vergonha de sua própria nudez,
pareciam ter sido designadas por Deus não apenas para o uso
natural, mas também para o espiritual. Elas foram para sua
instrução no que diz respeito àquela justiça imputada, na qual eles
agora devem permanecer perante Deus, e sem a qual eles não
poderiam encontrar aceitação perante Ele. Além disso, se essas
vestimentas foram feitas da pele daqueles animais com os quais
Adão foi instruído a oferecer em sacrifício a Deus (como alguns
conjecturam que foram), dificilmente podemos imaginar que a
intenção tivesse sido menos que isso. Pois não há dúvida de que
alguma coisa útil e proposital foi revelada a Adão através da
instituição dos sacrifícios.
Também se deve notar que apesar de o Pacto da Graça ter
sido, dessa maneira, revelado a Adão, ainda assim não houve uma
transação pactual formal e explícita com ele. Menos ainda o Pacto
da Graça foi estabelecido com ele como pessoa pública ou
representante de qualquer raça. Mas à medida que ele obteve
participação unicamente para si mesmo, pela sua própria fé na
graça de Deus revelada desse modo, assim também aconteceu com
aqueles dentre a sua posteridade que foram salvos. Portanto, a
corrupção do Adão caído e a culpa de sua queda se derivaram dele
para toda sua descendência, porque eles estavam nele como uma
pessoa pública e como a sua cabeça federal quando caiu. No
entanto, eles não podem herdar dele nenhuma participação em seu
estado renovado ou gracioso, ou na santidade desse estado, uma
vez que, quanto a isso, Deus lida apenas com ele, como uma
pessoa particular. E o bem da promessa que agora fora não
pertencia mais a ele do que pertencia à sua posteridade, ou a
qualquer outra pessoa em particular.
O Estado e Condição da Posteridade de Adão

§. 12. O estado e condição em que o mundo da posteridade de


Adão agora se encontra, é como se segue: 1. Todos os homens
nascem no pecado original, com a imagem caída do primeiro Adão,
e assim estão sob uma aliança quebrada, sendo por natureza filhos
da ira, impuros e fracos.
2. Ainda assim, eles estão necessariamente sob a obrigação
de obediência à lei, adoração e culto ao seu Criador, embora não
tenham participação pactual nele. Pois é impossível, e é uma
contradição, que criaturas racionais sejam trazidas ao mundo e não
estejam sujeitas à lei de seu Criador, pois, caso contrário, a morte
eterna não seria devida eles por terem quebrado a lei. A lei da
criação é obrigatória mesmo quando a aliança da criação está
quebrada. Embora a transgressão do homem tenha lhe privado de
todos os benefícios do Pacto de Obras, contudo não pode dissolver
sua obrigação.
3. O mundo está sob um indulto geral, e a execução plena da
maldição merecida está adiada até o dia do julgamento. Até aquele
tempo os filhos dos homens estão sob a dispensação da bondade e
são poupados pela misericórdia. Então, eles possuem uma
capacidade ou possibilidade remota de obter salvação por Cristo
aonde quer que agrade a Deus enviar o Evangelho, cuja pregação é
feita eficaz para a salvação de todos os eleitos, que desse modo
são reunidos no reino de Cristo.
O Senhor Cristo comprometeu-se no final do seu reino como
Mediador — quando todas as suas ovelhas tiverem sido trazidas
para o seu rebanho (por amor das quais o dia de sua paciência é
prolongado para o mundo) — a elevar toda a humanidade
novamente a um estado incorruptível, preparado para a duração
eterna para o qual o homem foi feito em sua primeira criação. Então
ele glorificará consigo mesmo todos aqueles por quem satisfez a
justiça de Deus, nasceu sob a lei e cumpriu a justiça eterna; os
quais também foram chamados por Sua graça para uma
participação, através da fé, nesses benefícios. Os demais, Ele
entregará à completa execução da maldição, por meio de uma
sentença justa, em seu rigor extremo, que até então estava
suspendido para os fins mencionados anteriormente.
Capítulo 3

A Aliança de Deus com Noé

Um Novo Relacionamento é Estabelecido


§. 1. Desde o primeiro raiar da bendita luz da graça de Deus aos
pobres pecadores, revelada na promessa em Gênesis 3:15 ainda
que de modo tenro, os redimidos do Senhor foram trazidos à uma
nova relação com Deus, em e por meio de Cristo, a Descendência
prometida, através da fé. A obediência e o culto dos redimidos foram
estabelecidos e aceitos por Deus em um novo fundamento de
misericórdia e perdão por intermédio do Redentor (Salmos 130:4).
Eles não mais se encontravam sob os termos de uma obediência
perfeita e pessoal, ou do cumprimento da lei, mas sob a fé ou
crença em uma promessa graciosa que mudou completamente a
condição da aceitação deles perante Deus. Pois, pela aliança da
criação, a obra de obediência era necessária para manter a relação
e assegurar a aceitação da pessoa perante Deus. Porém, pelo
Pacto de Graça e de Redenção, o relacionamento e aceitação
prévia da pessoa em Cristo, por meio da fé, é o motivo pelo qual a
obediência sincera, embora imperfeita, também é aceita. Assim nos
é dito em Hebreus 11:4, que Deus aprovou Abel e suas ofertas;
primeiro Deus aceitou sua pessoa e depois aceitou as obras dessa
pessoa. Tal ordem e modo de salvação, em sua natureza geral,
sempre foram e sempre serão os mesmos, são invariáveis em todas
as eras e sob todas as diferentes dispensações de Deus para com
sua igreja.
A Palavra Revelada de Deus é a Regra de Fé do Homem

§. 2. Uma vez que homens santos viveram pela fé, conclui-se


que eles possuíam o objeto da fé, ou seja, a revelação da vontade
de Deus por Sua Palavra. Embora a Palavra não tivesse sido escrita
até o tempo de Moisés, contudo a igreja nunca esteve sem os
oráculos de Deus. Naqueles dias tais oráculos se fizeram conhecer
por aqueles modos e meios escolhidos pela infinita sabedoria e
bondade de Deus. Vemos isso na primeira promessa e na instituição
dos sacrifícios, os quais não poderiam ser oferecidos em fé, como o
fez Abel, e isso não poderia ser assim a menos que o próprio Deus
o tivesse ordenado. Também vemos que Deus deu algumas
instruções específicas quanto aos animais que deveriam ser
oferecidos em sacrifício e quais não deveriam, pois no tempo de
Noé a distinção entre animais puros e impuros é mencionada como
algo bem conhecido (veja Gênesis 7:2-3, 8:20). A isso, devemos
acrescentar que pelo menos alguns dos nomes dos descendentes
de Sete receberam um espírito de profecia,[111] que Enoque era um
profeta[112] e que Noé era um pregador da justiça. Tudo isso implica
em uma revelação da mente de Deus e de sua vontade para a igreja
daquele tempo, revelação essa que era distinta da luz da natureza e
que transcende todos os seus ditames; embora seja certo que essa
luz não brilhou sobre eles com a mesma clareza com que brilhou em
épocas posteriores.
Enoque

§. 3. Além disso, há uma dispensação extraordinária da


providência de Deus para com Enoque, que andou com Deus pela
fé e, então, foi trasladado para uma herança celestial sem ter sido
exposto ao fim comum da humanidade, a dissolução pela morte
temporal. Esse não foi apenas um favor singular para com ele, mas
também uma revelação eminente aos demais crentes daquela era
de que o direito de adoção e de uma herança na luz lhes foi
restaurada pela fé na Descendência prometida. Isso serviu, em
grande medida, para encorajar a fé e a esperança deles na
expectativa de um estado glorioso para a alma e para o corpo, a ser
desfrutado em uma imortalidade bendita e na vida eterna. Eles
receberam essa garantia no gozo presente de um membro daquele
corpo ao qual todos estavam unidos (compare Gênesis 5:24 com
Hebreus 11:5).
O momento em que isso foi feito lança ainda mais luz no
sentido espiritual das coisas. Enoque era o sétimo filho de Adão e
esse número septenário é famoso na Escritura por seu significado
espiritual de um descanso perfeito, ou sabbath, ao qual Cristo traria
a sua igreja. Assim Mateus conta a genealogia de Cristo por
gerações septenárias. Outra vez, o traslado de Enoque aconteceu
logo depois da morte de Adão, o primeiro cuja morte natural é
mencionada na escritura. Enoque na sétima geração foi trasladado
para que não visse a morte. Como os crentes viram o fruto da
maldição exemplificado na morte de Adão, assim também eles viram
no traslado de Enoque a vida dada pela promessa. Enoque foi
aquele que andou com Deus antes de ter sido trasladado ou, como
o apóstolo diz, aquele que alcançou o testemunho “de que agradara
a Deus”.[113] De fato, a expressão hebraica usada em Gênesis 5:22
não significa apenas que sua pessoa era dotada de integridade e
santidade eminentes, mas essa expressão também é usada com
frequência para denotar o agrado Deus com a administração de um
ofício perante Ele (como observado nessa passagem pelo erudito
Ainsworth[114]). Quanto a isso, Enoque era uma figura especial de
Cristo, e sua translação prefigurou Cristo entrando no céu como
nosso Mediador.
Por trezentos anos a igreja desfrutou do ministério de Enoque,
e sete patriarcas foram deixados vivos como testemunhas de sua
translação, de modo que todos os filhos de Deus fossem instruídos
para seu proveito e conforto. Enoque profetizou a destruição dos
homens perversos e resumiu sua profecia no nome que deu a seu
filho Matusalém. Esse nome pode ser interpretado como: “eles
morrem por um dardo” ou “eles morrem e em seguida são
traspassados por um dardo” (i.e., pelo dardo da vingança divina ao
punir os ímpios) ou ainda “quando morrer então ela será enviada [a
vingança divina]”. Isso aconteceu quase mil anos antes do dilúvio,
mas se cumpriu exatamente naquela ocasião, pois Matusalém
morreu cerca de apenas um mês antes da vinda daquela enchente.
Essa profecia foi registrada de maneira mais completa por Judas, no
versículo 15 (que pode ser entendido como uma paráfrase divina
desse nome profético, como quando Daniel interpretou os escritos
na parede) e aplicado de modo análogo aos pecadores de seu
tempo. Esse primeiro julgamento foi um tipo dos julgamentos futuros
sobre os homens ímpios, especialmente da destruição do estado
judeu pelo fogo da ira de Deus pelo fato de terem rejeitado a Cristo.
Tudo isso foi um præludium[115] do julgamento geral do mundo;
semelhantemente, a ameaça desse primeiro julgamento dos ímpios
que viveram naquela época também foi o prenúncio do julgamento
contra todos os pecadores ímpios de tempos futuros.
A Propagação Geral da Igreja

§. 4. Naquela era da igreja [a fé e, portanto, o culto aceitável]


se propagou de modo geral na linhagem de sangue da
Descendência prometida. Todavia, não encontramos nenhum muro
de separação estabelecido entre uma família e outra; qualquer um
que assim o desejasse, poderia se associar e unir com os
verdadeiros adoradores de Deus.[116] Também é possível que alguns
da linhagem e raça de Caim, que foi amaldiçoado, de fato fizeram
isso. Por outro lado, é mais do que provável que outros dos filhos de
Adão, além de Caim, se revoltaram contra toda a verdadeira religião
e santidade, e se uniram para desprezar a Deus e se rebelarem
abertamente contra Ele. Entretanto, a natureza e a necessidade do
culto religioso, e a obediência que era devida a Deus no culto,
obrigaram os seus servos a se manterem distintos e separados do
resto do mundo. Enquanto eles fizeram isso, uma apostasia geral da
humanidade foi prevenida. Mas houve um declínio e as coisas foram
de mal a pior (Gênesis 6:5, 12, 13). A violência e a corrupção da
raça humana abundavam e até mesmo os filhos de Deus foram
levados pelo engodo dos prazeres sensuais. Aqueles que eram
chamados filhos de que Deus e que anteriormente haviam mantido
uma comunhão pura e distinta para a adoração solene de Deus, ao
invocarem seu nome (Gênesis 4:26), agora perderam o senso da
religião, desfizeram os limites de sua separação justa e associaram-
se com as filhas dos homens (Gênesis 6:24). Essas mulheres eram
da posteridade de Caim, ou estavam confederadas aos
descendentes dele, por cuja beleza eles foram atraídos ao
considerarem que a satisfação de sua concupiscência era um
motivo justo para o casamento. Ao serem enredados dessa
maneira, eles também foram atraídos para uma parceria com elas
em suas abominações, e aconteceu de tal maneira que ao chegar o
tempo do dilúvio, a adoração pura a Deus tinha sido mantida apenas
na família de Noé, que encontrou graça aos olhos de Deus (Gênesis
6:1-11). Ele foi preservado na arca de modo que através dele e de
seus filhos a terra desolada pudesse ser povoada novamente,
depois que o fundamento dos ímpios tivesse sido destruído pelo
dilúvio (Jó 22:16).
A Arca como um Tipo

§. 5. Nas relações entre Deus e Noé há algumas coisas que


demandam nossa atenção diligente. Elas conduzem a uma maior
clareza da revelação divina da graça e da redenção por Cristo, e
assim, a um estabelecimento mais firme da igreja em sua
esperança.
Depois de ser advertido, Noé construiu a arca através de
instruções especiais de Deus, para sua salvação e de sua família,
que consistia em oito almas (1 Pedro 3:20). Isso proporcionou a
todos eles uma salvação temporal do dilúvio das águas pelo qual
Deus, em sua ira, destruiu um mundo desobediente. Isso também
foi útil ao servir como um tipo para instruí-los acerca da redenção do
homem do dilúvio da vingança divina que seria derramado
posteriormente em ira eterna sobre o mundo dos incrédulos. Pois,
devemos observar o seguinte quanto ao estado da igreja antes da
vinda de Cristo em carne: que como o Evangelho era pregado por
meio de tipos e sombras, e instruções dessa natureza lhes eram
concedidas não apenas por determinadas ordenanças do culto
cerimonial, mas também por muitas obras extraordinárias da
providência de Deus. Essas obras foram assim ordenadas pela
sabedoria divina de modo que eles pudessem nutrir um
relacionamento tipológico com as coisas espirituais, e ser uma
representação adequada delas. Isso pode ser observado em muitos
acontecimentos da história de Abraão e de sua descendência, os
filhos de Israel. O maná que eles comeram no deserto é chamado
de alimento espiritual; a água da rocha que beberam, é chamada de
bebida espiritual; e a rocha, chamada de Cristo (1 Coríntios 10:3-4).
No entanto, não lemos nada acerca de alguma outra ordenação ou
designação especial dessas coisas para algum objetivo, exceto o
aquele que receberam pela ordem e voz da providência, juntamente
com as circunstâncias peculiares do povo a quem dizia respeito. O
mesmo se pode dizer da arca de Noé. Ela era tanto um tipo de
Cristo (como a arca no santuário judaico) ou da igreja que pode ser
vista como que guardada com a sua salvação, o que, afinal de
contas, é a mesma coisa.
Esse tipo é concedido de maneira mais vívida pela forma da
estrutura que Deus ordenou, e também pelo uso incomum das
instruções dadas para garantir a preservação daqueles que
entrariam na arca: 1. A forma como a arca foi construída, na
proporção de suas dimensões, é parecida com a do corpo humano.
Pois sua extensão era de trezentos côvados, a largura era de
cinquenta côvados e a altura de trinta côvados,[117] de modo que
sua forma era parecida com a de um caixão. O entrar na arca era
semelhante a um enterro, e o sair dela, à ressurreição. Quanto a
isso, o apóstolo Pedro faz do batismo o antítipo da arca (1 Pedro
3:20-21). A arca foi um sacramento extraordinário, ou prefiguração,
da redenção da igreja e da salvação pela morte e ressurreição de
Cristo, e da união e comunhão dela com Ele, que morreu, mas
ressuscitou, para desfrutar de todos os benefícios de sua morte e
ressureição.
2. Com relação às instruções dadas para a construção da arca,
Noé é ordenado a revesti-la de piche por dentro e por fora (Gênesis
6:14). As palavras em Hebraico são capharta baccopher. O sentido
principal do verbo ( ‫ ) רכפ‬é “cobrir”. Metaforicamente isso significa
“expiar” ou “fazer expiação”, pois, como as coisas cobertas estão
escondidas dos olhos, assim também o pecado expiado é removido
e já não é mais lembrado contra o pecador. Copher nunca é usado
com o mesmo sentido em toda a Bíblia, pois os hebreus tinham
outras palavras que significavam corretamente a mesma coisa
daquilo que aparece aqui (veja Êxodo 2:3). Mas na lei essa palavra
é frequentemente usada para expressar a ideia de “cobrir os
pecados” ou “propiciação pelo pecado”. Assim, esses termos
parecem ter sido especialmente adaptados pelo Espírito Santo para
fazerem da arca um tipo que prefigurava a salvação da igreja
através da expiação de pecados e da propiciação feita pela morte
de Cristo. No mérito do sangue de Cristo está a única salvaguarda
da igreja contra as águas violentas da ira divina e da maldição da
lei, sob a qual todo o mundo dos incrédulos inevitavelmente
perecerá.
Embora não tenhamos nenhuma razão para pensar que essas
coisas pudessem ser compreendidas tão distinta e claramente como
nós agora as vemos sob a luz do Novo Testamento, ainda assim
temos boas razões para crer que algum conhecimento geral delas
foi transmitido às mentes dos fiéis no tempo em que esse tipo foi
concedido e por meio dele. Isso nos mostra como Noé se tornou um
herdeiro da justiça que é segundo a fé ao construir a arca e entrar
nela (Hebreus 11:7). Essas coisas foram uma prova de sua
obediência, pela qual a verdade de sua fé foi manifestada, e isso
também evidenciou que sua fé alcançou e, em certo grau,
compreendeu o uso espiritual da arca que estava construindo. Suas
mãos estavam ocupadas nesse trabalho, por meio do qual sua vida
esteve segura, e sua fé foi exercida sobre aquela salvação espiritual
e eterna que estava representada sombria e tipicamente por esse
trabalho.
Deus Estabelece seu Pacto com Noé

§. 6. Na entrada de Noé na arca, bem como na saída, lemos


que é mencionado o estabelecimento do pacto de Deus com Noé
(veja Gênesis 6:18, 9:11). Esse é o lugar e a ocasião em que se faz
o primeiro registro explícito de um pacto nas Escrituras. Portanto,
estamos obrigados a uma séria indagação acerca da verdadeira
natureza e importância desse pacto. Faremos algumas observações
de acordo com a ordem em que as coisas são apresentadas na
narrativa de Moisés.
Considere essa premissa: embora o estabelecimento do pacto
de Deus com Noé seja mencionado em dois tempos diferentes no
texto a que nos referimos, não existem dois pactos diferentes, mas
um e o mesmo pacto em sua essência. Os benefícios dele são
anunciados primeiramente de modo mais geral e depois de modo
mais específico.
Em Gênesis 6:18, Deus fala a Noé o seguinte: “Mas contigo
estabelecerei a minha aliança; e entrarás na arca”. Quando Deus
faz uma aliança Ele a está estabelecendo porque sua promessa é
uma garantia completa e suficiente de que Ele realizará
completamente aquilo que está acordado. O benefício imediato
prometido é a preservação de Noé e todos aqueles que estivessem
com ele na arca. A restipulação requerida de Noé foi que ele se
dedicasse piedosamente a Deus ao fazer um uso obediente dos
meios de segurança que Ele havia ordenado.
À primeira vista, isso parece transmitir nada mais que um favor
temporal. Mas se o analisarmos diligentemente, discerniremos muito
amis do que isso: 1. O benefício do pacto feito com Noé não era
apenas que uma salvação temporal foi garantida a ele e à sua casa,
mas também consistia em algo mais, sua salvação eterna. A
salvação de toda a igreja estava incluída nesse pacto e dependia
totalmente dele, uma vez que a Descendência prometida que
esmagaria a cabeça da serpente ainda não havia sido trazida ao
mundo. Portanto, se toda a humanidade tivesse sido destruída,
aquela primeira e grande promessa (que foi a revelação do Pacto de
Redenção) teria falhado e, assim, todo o pacto teria sido anulado.
Quanto a isso, e também quanto à sua certeza em si mesma, a
promessa federal dada aqui a Noé é chamada apropriadamente de
“o estabelecimento de uma aliança de Deus com Noé”, uma vez que
essa aliança foi feita com ele tendo em vista aquele desígnio
gracioso revelado anteriormente acerca da redenção do homem.
Visto que o Pacto da Redenção nunca foi suspendido por causa dos
merecimentos do homem, Deus, por meio de um pacto, garante a
Noé que seu cumprimento nunca seria impedido pela perversidade
dos homens.
2. Acrescente a isso a referência tipológica da arca e você
discernirá que o pacto de salvação eterna por Cristo estava implícito
e representado pelas sombras desse pacto, mesmo que mais tarde
a promessa de uma herança celestial a crentes tenha sido
concebida na promessa de Canaã a Abraão e sua descendência.
O Pacto Noético Desenvolvido

§. 7. O que aconteceu depois de Noé ter saído da arca foi


registrado em Gênesis 8 do versículo 20 ao final do capítulo, e no
capítulo 9. Nessa história, você pode observar: 1. Que antes de
haver qualquer outra transação de Deus com Noé, este ofereceu um
sacrifício ao Senhor, do qual o Senhor sentiu um cheiro suave ou
um cheiro de descanso (Gênesis 8:21). A expressão “sentir o cheiro
suave” significa a aceitação da oferta. E esse cheiro subiu devido ao
relacionamento tipológico dessa oferta com o sacrifício de Cristo
(compare isso com Efésios 5:2) e à fé daquele que sacrificou; foi por
meio dessa fé que o sacrifício foi direcionado a Deus. Isso serve
para nos mostrar que tudo o que se seguiu foi transacionado[118]
com relação ao sacrifício do Filho e, de alguma forma, está
relacionado aos objetivos dele. A partir dessa passagem podemos
ver a razão pela qual Lameque chama seu filho de Noé[119] em
Gênesis 5:9.
2. As bênçãos do pacto noético foram primeiramente
concedidas com um propósito gracioso do coração de Deus. O
Senhor disse em seu coração: “Não tornarei mais a amaldiçoar a
terra”.[120] Mais tarde isso é colocado nas promessas do pacto que
Deus se comprometeu a fazer (Gênesis 9:8-9) e é equivalente ao
um juramento que encontramos em Isaías 54:9: “Pois jurei que as
águas de Noé não passariam mais sobre a terra”.
3. Os benefícios e as bênçãos particulares dadas à
humanidade por esse pacto foram: fecundidade para repovoar a
terra; domínio sobre as criaturas e o livre uso delas sua
alimentação; e também a garantia de que o julgamento do qual eles
haviam sido salvos não mais se repetiria. Isso foi concedido mesmo
que as gerações posteriores se mostrassem ser tão perversas como
aquelas do passado, uma vez que a raiz e a fonte da corrupção
ainda permanecia entre eles (Gênesis 8:21). E o arco-íris foi
designado para ser um sinal visível e uma marca desse pacto
(Gênesis 9:12-17).
Estou satisfeito com essa breve apresentação das coisas. Mas
ainda precisamos observar: 1. A dispensação da bondade e da
paciência sob a qual o mundo foi colocado em virtude da primeira
promessa, estava agora ratificada por um pacto solene. Isso
também garantiu a geração sucessiva da humanidade até que
viesse a Descendência prometida, tanto pessoal como
coletivamente.[121] E essa garantia elevou a fé da igreja a um grau
mais alto do que ela havia atingido antes.
2. Esse pacto também teve sua utilidade espiritual para os fiéis
ao prefigurar o Pacto da Graça por Cristo e sua ratificação no
sangue de seu sacrifício. Através disso somos salvos da maldição e
restaurados a um direito santificado ao conforto e à esperança da
vida eterna. A soberania da bondade de Deus e a
incondicionalidade de sua promessa são exibidas nesse pacto como
um encorajamento singular à fé da igreja em referência à promessa
daquela graça que reina na Nova Aliança (Isaías 54:9). O sinal
desse pacto foi feito emblema da firmeza dele e um memorial
eterno[122] (Apocalipse 4:3), de modo que em sua referência
tipológica, a luz da graça e misericórdia divina alvoreceu sobre a
igreja com mais clareza do que havia feito antes.
3. Esse pacto é dito ter sido feito com Noé, seus filhos e seus
descendentes depois deles através de suas gerações perpétuas. Os
termos são paralelos àqueles que encontramos no capítulo 17 no
pacto feito com Abraão para sua descendência em suas gerações.
E ainda outras duas são evidentes: a. As futuras gerações até o fim
do mundo estão tão envolvidas nesse pacto quando a descendência
imediata com quem ele foi feito inicialmente. Eles têm o mesmo
direito às bênçãos desse pacto feito com Noé independentemente
de quem sejam os seus pais diretos.
b. Embora a graça da Nova Aliança estivesse espiritualmente
estendida até o pacto feito com Noé (o qual foi firmado com ele para
toda a sua posteridade), sua graça e suas bênçãos não foram
concedidas a toda raça humana[123] por meio dele. Certamente
todos têm um interesse naquele pacto que simbolizava, e de certa
maneira incluía, as bênçãos espirituais, mas aquelas bênçãos
[específicas da Nova Aliança] não pertencem a todos que têm seu
sinal.[124] Ao invés disso, tais bênçãos permaneceram sendo o
direito peculiar daqueles que as recebem pela fé: “Os quais não
nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do
homem, mas de Deus” (João 1:13).
Bençãos e Maldições para os Filhos de Noé

§. 8. Na próxima parte desse relato (Gênesis 9:25 e adiante)


observaremos os seguintes pontos: 1. A maldição de Cão sobre
Canaã, seu filho, preparou o caminho para as bênçãos de Sem
sobre a sua posteridade através de Abraão, pois foi por meio do
cumprimento dessa maldição que os canaanitas foram
posteriormente deserdados e Israel foi plantado em seu lugar.
Quanto a essa maldição profética lançada sobre Canaã e às
bênçãos proferidas sobre Sem, podemos ler o que Moisés observa
posteriormente (Deuteronômio 32:8). Também é digno de nota que o
selo do pacto feito com Israel, em virtude do qual eles herdaram a
terra de Canaã, manteve viva a memória da perversidade de Cão e
foi uma advertência perpétua para que eles não se degenerassem
seguindo os seus passos. Cão foi condenado à servidão por ter
visto a nudez de seu pai, ao passo que os israelitas eram
circuncidados no prepúcio de sua carne.
2. A vinda do Messias ao mundo estava agora limitada à
linhagem de Sem. Portanto, em sua bênção está também a fonte
das bênçãos de Jafé. Sem é o primeiro acerca de quem se diz
explicitamente que o Senhor era seu Deus. E a expressão “Senhor,
Deus de Sem” intenciona também a Cristo, que é sobre todos, Deus
bendito eternamente, cujo nome é celebrado por Noé como a única
esperança e salvação da igreja.
3. As bênçãos de Jafé ao participar das bênçãos de Sem
faziam referência não apenas à sua participação pessoal no
Messias, que descenderia de Sem, mas também ao chamado dos
gentios que descenderiam dele e que seriam os herdeiros
juntamente com os judeus das bênçãos da Nova Aliança. Sua
habitação nas tendas de Sem também indica que a igreja dos
gentios seria a sucessora da igreja dos judeus, os quais seriam
deserdados de todo a participação pactual por terem rejeitado o
Messias. Na passagem “Deus convencerá Jafé[125]”,[126] há uma
alusão ao seu nome e o chamado da igreja gentia é profetizado em
termos semelhantes (Oseias 2:14-15).
A Torre de Babel e a Confusão das Línguas

§. 9. Algum tempo depois dessas coisas, aproximadamente na


quarta geração, vemos que de acordo com a bênção de Deus sobre
Noé e seus filhos (Gênesis 9:1) houve um grande aumento do
número de homens no mundo. Enquanto se multiplicavam,
evidentemente atraíram para si mesmos a mesma culpa que foi
lançada sobre mundo antigo, pois a imaginação de seus corações
era má desde a meninice. Nos dias de Pelegue[127] houve uma
conspiração e rebelião generalizada contra Deus conduzida pelos
filhos dos homens em Babel. Por causa disso, eles começaram a
construir ali uma torre (Gênesis 11:1-9). E é muito provável que
Ninrode, o poderoso caçador, fosse um dos chefes daquele
empreendimento (pois o afastamento da verdadeira religião e a
opressão tirânica andam de mãos dadas).[128] Mas sua empreitada
rebelde foi interrompida pela confusão[129] das línguas que Deus
trouxe sobre eles. Aqui a língua hebraica, que era universal,
permaneceu em sua pureza apenas entre os da família de Éber e
entre outros patriarcas e homens piedosos que não se uniram
àqueles trabalhadores iníquos em seu plano maldito. Nessa
ocasião, uma honra especial foi colocada sobre Éber como vemos
em Gênesis 10:21. Ali, de maneira peculiar, é dito que Sem é o pai
de todos os filhos de Éber. E Abraão com sua posteridade, os
herdeiros das bênçãos de Sem, são por causa dele chamados de
“hebreus”.
Os Males Advindos da Confusão das Línguas

§. 10. Devido à confusão das línguas, os filhos dos homens


caíram sob um mal ainda maior do que poderíamos estar cientes à
primeira vista. Pois isso não apenas frustrou seus projetos vigentes,
mas também dificultou a comunicação entre as nações futuramente,
e além disso essa confusão de línguas fez com que a obtenção de
todo o conhecimento natural se tornasse um trabalho árduo. Mas,
ainda mais importante, foram os seguintes males: 1. A confusão das
línguas foi, virtualmente, um tipo de excomunhão a partir da igreja
de então (a qual reteve a língua hebraica embora àquela altura já
nõa pudesse ser compreendida pela maior parte do mundo).
2. Nos lidares posteriores de Deus para com os hebreus, a
diferença entre a língua hebraica e as demais línguas do resto do
mundo foi como se Ele houvesse acrescentado uma fortificação
natural àquele muro de separação pelo qual as nações foram
excluídas dos privilégios da igreja. Elas foram deixadas destituídas
daquelas bênçãos que pertenciam a Israel: os oráculos de Deus
(Romanos 3:1-2) lhes foram entregues na língua hebraica.
Consequentemente, por muitas eras os demais povos
permaneceram estranhos às alianças da promessa (Efésios 2:12),
vivendo na mais tenebrosa nuvem de ignorância e idolatria, e assim,
vivam sem esperança e sem Deus no mundo. Esse efeito sombrio
do presente julgamento permaneceu sobre eles de modo
generalizado até os tempos da restituição e restauração, até os
últimos dias nos quais Deus persuadiu Jafé e o levou às tendas de
Sem. Então a porta foi aberta para o raiar da luz aos gentios pelo
dom das línguas concedido em Jerusalém, pelas quais os apóstolos
e os profetas do Novo Testamento foram capacitados a pregar o
Evangelho a todas as nações em suas próprias línguas. Assim, a
salvação de Deus em Sião se tornou uma luz para os gentios, sobre
quem, originalmente, foi trazida escuridão pela confusão das línguas
em Babel.
3. O julgamento de Deus sobre essa geração má não termina
aqui; pois os dias deles também foram reduzidos e cortados pela
metade devido à ira de Deus por causa de seus pecados. Podemos
observar na genealogia (Gênesis 11) que nenhum dos que
nasceram depois do dilúvio atingiu a idade daqueles que viveram
antes dele, e assim também a idade comum do homem foi reduzida
outra vez por causa da deserção que aconteceu em Babel, de modo
que apenas dois daqueles que descenderam de Éber conseguiram
viver um pouco mais da metade dos anos dele, e os outros sequer
viveram a metade dos anos de Éber.
Capítulo 4

O Pacto da Graça Revelado a Abraão

Deus Honra a Abraão de Forma Especial


Através de seu Pacto
§. 1. As transações federais de Deus com Abraão foram o passo
seguinte na revelação da graça de Deus aos homens. Por meio
dessas transações Abraão foi levado a um relacionamento com
Deus e com toda a igreja, e alguns aspectos delas são peculiares a
Abraão e nunca tiveram a ver com outros homens, nem antes e nem
depois de seu tempo. Quanto a isso, Abraão pode ser considerado
um tipo de Cristo que é eminentemente o Príncipe e Cabeça da
Nova Aliança. Por causa da graça e do favor especial que o Senhor
concedeu a ele nessas transações, Abraão é chamado de o amigo
de Deus. É dito que a aliança é uma misericórdia para com Abraão
e verdade para com Jacó (Miqueias 7:20).[130] Isso mostra que a
aliança com Abraão foi estabelecida por mera graça e misericórdia
para com ele, embora a verdade e a fidelidade de Deus a tenham
tornado boa para os herdeiros que lhe sucederiam. O Pacto de
Graça feito com Abraão não era o mesmo em essência daquele que
fora revelado de modo mais obscuro séculos atrás, mas agradou a
Deus transacionar com ele como nunca antes tinha feito com
alguém. Também deve ser observado que Abraão é o primeiro
homem no mundo a quem Deus apareceu ou por quem Deus foi
visto (Atos 7:2 com Gênesis 12).
A História de Abraão e sua Aparente Incapacidade

§. 2. Abraão era da posteridade de Sem, da desciam geração


depois dele, e escolhido de Deus dentre toda a sua numerosa prole,
para ser herdeiro da bênção de modo especial (Gênesis 11). No
entanto, não devemos supor que Abraão e sua família eram o único
povo de Deus no mundo naqueles dias. Pois embora as pessoas do
mundo houvessem grandemente se afastado de Deus e de sua
adoração, contudo isso não se aconteceu de forma universal como
nos tempos de Noé. Muitos temiam a Deus verdadeiramente e
foram por ele aceitos como Abraão o fora. Sem viveu até que
Abraão fosse da idade de 150 anos e Arfaxade, seu filho, viveu até
que Abraão tivesse 88 anos, treze anos depois da aliança
mencionada em Gênesis 12 ter sido confirmada. Selá viveu até que
Abraão tivesse 118 anos de idade, o que foi cerca de dezenove
anos depois de a aliança da circuncisão ter sido dada a ele. Éber
viveu depois da morte de Abraão até que Jacó tivesse cerca de 19
anos, pois teve a vida mais longa dentre todos os que nasceram
depois do dilúvio. Não há dúvida de que esses patriarcas adoraram
e serviram ao Deus verdadeiro juntamente com suas famílias e
outros que se uniram a eles e estiveram sob suas lideranças.
Mesmo assim, agradou ao Senhor separar Abraão, chamá-lo e fazê-
lo cabeça de todas as futuras alianças com os homens, mesmo
apenar da barreira que havia para a entrada dele em qualquer
relacionamento tal como esse no tempo em que foi chamado. Essa
barreira era impossível de ser removida exceto pela graça
onipotente de Deus, ela possuía tanto um aspecto moral quanto
físico: 1. Quanto ao aspecto moral: Abraão não era uma pessoa
eminente em santidade ou na religião. Quando Deus o chamou para
herdar as bênçãos de Sem, ele não era melhor nem mais
merecedor do que qualquer outro dos demais descendentes dele.
Ao contrário, ele estava nadando conforme a correnteza de um
mundo perverso e havia se desviado da religião e piedade de seus
ancestrais para a falsa adoração e idolatria (Josué 24:2-3). Portanto,
não é sem razão que o profeta em Ezequiel 16:3 repreende o povo
de Israel com a acusação de que seu pai fora um amorreu e sua
mãe uma heteia. Isso foi dito de maneira metafórica porque, antes
de o Senhor tê-los chamado graciosamente, eles também eram
culpados da mesma apostasia das outras nações.
2. Quanto ao aspecto físico ou natural: Sara, a mulher de
Abraão, era conhecida por ser estéril mesmo antes de Deus tê-lo
chamado (Gênesis 11:30). A bênção de Sem teria se perdido, a
esperança da igreja teria perecido e todas as transações pactuais
com Abraão se mostrariam nulas, caso esse Abraão não tivesse um
descendente. Em virtude do pacto de Deus estabelecido com ele, o
Messias (no que diz respeito à carne) viria dele. A limitação natural
ou física de Sara não foi impedimento ou obstrução suficientes para
frustrar a ação daquele que vivifica os mortos e chama as coisas
que não são como se já fossem (Romanos 4:17).
A Dupla Consideração de Abraão no Pacto

§. 3. Há ainda mais uma premissa a ser considerada nas


transações pactuais de Deus com Abraão a qual é mais claramente
afirmada no Novo testamento.
Abraão deve ser considerado de duas maneiras: ele é o pai de
todos os verdadeiros crentes; e o pai e a origem da nação dos
israelitas. Deus fez com Abraão um pacto que envolvia ambas as
descendências, e visto que elas são formalmente distinguidas uma
da outra, sua participação no pacto deve, necessariamente, ser
diferente e ser entendido de maneira distinta. As bênçãos
apropriadas a cada uma das descendências devem ser transmitidas
conforme sua participação respectiva e peculiar no pacto. Essas
coisas não podem ser confundidas sem que sejam colocados em
perigo as mais importantes verdades da religião cristã. A referência
mútua de todas as transações pactuais de Deus com Abraão e as
dispensações de Deus para com a igreja por algumas eras
posteriores foram tais que se fez necessário, naquele momento, a
mistura das promessas e o envolvimento das bênçãos espirituais na
sombra das bênçãos temporais, bem como o envolvimento da
descendência espiritual pela descendência natural. Isso, suponho, é
evidente e não pode ser negado.
Para entender melhor essas coisas, é necessário investigar
com a devida atenção tanto a história do Antigo Testamento como a
do Novo, no que diz respeito a: 1. O pacto de graça feito com
Abraão.
2. O pacto feito com Abraão para sua descendência natural.
3. O relacionamento mútuo entre eles e a dependência um do
outro.
O Pacto da Graça Revelado a Abraão

§. 4. Está explicitamente declarado que Deus revelou o Pacto


da Graça a Abraão, a natureza geral desse pacto, e a descendência
envolvida nele. Transcreverei todo o relato que o Espírito Santo nos
dá dessas coisas em Gálatas 3:6-9, 16, 17: 6 Assim como Abraão
creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. 7 Sabei, pois,
que os que são da fé são filhos de Abraão. 8 Ora, tendo a Escritura
previsto que Deus havia de justificar pela fé os Gentios, anunciou
primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão
benditas em ti. 9 De sorte que os que são da fé são benditos com o
crente Abraão... 16 Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua
descendência. Não diz: E às descendências, como falando de
muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo.
17 Mas digo isto: Que tendo sido a aliança anteriormente confirmada

por Deus em Cristo, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos


depois, não a invalida, de forma a abolir a promessa.
Essas palavras contêm tudo o que pretendo mostrar nesse
tratado. Farei um breve resumo delas seguido de algumas
observações.
O Tempo Determinado desses Pactos e a suas
Inferências

§. 5. Em primeiro lugar, que o Evangelho foi pregado a Abraão


e o Pacto da Graça lhe foi revelado, está tão plenamente declarado
nesse contexto que ninguém pode duvidar disso de modo racional.
Além do mais, no versículo 17 temos o tempo exato em que Deus
estabeleceu a aliança/pacto. O texto diz que foram 430 anos antes
da lei dada no Monte Sinai (Gálatas 3:17). A lei foi dada pouco
tempo depois que os filhos de Israel saíram do Egito. Os 430 anos
foram contados desde a primeira promessa feita a Abraão, que
temos registrada em Gênesis 12:2-3, até a noite em que os filhos de
Israel foram libertados da escravidão egípcia. Isso ficará bem
evidente a qualquer um que comparar com diligência a cronologia
daqueles tempos com o testemunho explícito de Moisés (Êxodo
12:41). E aconteceu que, passados os 430, talvez até naquele
mesmo dia em que se completaram esses anos, todo o povo do
Senhor saiu da terra do Egito. Desde o tempo da primeira promessa
até o fim da peregrinação de Israel no Egito foram 430 anos, apesar
de não terem habitado no Egito por tanto tempo. Disso inferimos: 1.
Que na transação de Deus com Abraão, registrada em Gênesis 12,
Deus confirmou solenemente sua aliança, embora Moisés não faça
menção explícita do termo da aliança até outra ocasião (em Gênesis
15:18). Pois acerca da promessa ali mencionada, o apóstolo afirma
que ela era a confirmação da aliança de Deus em Cristo para
Abraão.
2. Que em certo sentido, a redenção misericordiosa de Israel
para fora do Egito estava relacionada a essa aliança, como se a
aliança fosse a fonte de tal redenção; embora ele não fosse de
imediato e em sua própria natureza a Nova Aliança, que abençoa
todos os que participaram dela. Todos as relações de Deus para
com eles, como um povo seleto e peculiar, foram subservientes aos
grandes propósitos dessa aliança feita com Abraão. Portanto,
nenhuma dessas relações deve ser interpretada em detrimento
daquelas promessas pelas quais o Evangelho fora pregado a
Abraão.
3. Que pelo cálculo de Moisés (Êxodo 12) parece que a
promessa da qual estamos falando foi dada a Abraão no décimo
quinto dia do mês de Abibe. Esse era o primeiro mês de acordo com
o calendário religioso judaico, e nesse dia Israel, um tipo da igreja,
obteve uma redenção tipológica ao participar de uma páscoa, que
também era um tipo. Cristo, nossa verdadeira páscoa, foi sacrificado
por nós na cruz, obteve a redenção eterna e, ao confirmar o Pacto
da Graça com seu próprio sangue, registrou todas as suas
promessas para um testamento inalterável.[131]
Todas as Bênçãos Espirituais estão Incluídas nesse
Pacto

§. 6. Em segundo lugar, a soma e a substância de todas as


bênçãos espirituais e eternas estavam incluídas na aliança e na
promessa dada a Abraão (Gênesis 12) nestas palavras: “Abençoar-
te-ei, e tu serás uma bênção”. A graça e as bênçãos da Nova
Aliança foram dadas e asseguradas a Abraão para ele mesmo.
Além do mais, essa honra lhe foi conferida para que ele fosse o
cabeça das bênçãos pactuais como pai de todos os verdadeiros
crentes. Não menos que isso é o que se quer dizer com as palavras
“e tu serás uma bênção”. Tais palavras certamente supõe que
Abraão deveria ser abençoado, mas a promessa não termina com
Abraão, mas transmite bem-aventuranças a muitos outros, na
qualidade de filhos dele. Isso está expresso de modo mais completo
nas seguintes palavras: “em ti serão abençoadas todas as nações”.
Essa promessa geral não quer dizer que todo indivíduo em todas as
nações e em qualquer tempo deverão ser abençoados em Abraão.
Antes, significa que suas bênçãos não serão confinadas a uma
única nação e que todos os abençoados em cada nação assim o
são em virtude da aliança feita com Abraão e em um relacionamento
com ele, como seu pai. Esse foi o Evangelho pregado a Abraão e a
promessa de justificação dos pagãos pela fé (Gálatas 3:8). Em
virtude da participação dessa bênção de Abraão, eles recebem a
promessa do Espírito como sendo sua descendência (versículo 14).
E essa promessa de uma descendência crente que herdaria com ele
as bênçãos do Pacto da Graça foi confirmada um tempo depois
(Gênesis 15 comparado com Romanos 4:3, 18).
Esse Pacto é Confirmado em Cristo

§. 7. Em terceiro lugar, essa aliança foi feita com Abraão em e


por meio de Jesus Cristo. Não é Abraão, mas Cristo o primeiro
cabeça. Em e por Ele todas as promessas são ratificadas, pois Ele
mesmo é o fiador do Pacto (Hebreus 7:22) e nele todas as
promessas tem seu “Sim” e “Amém” (2 Coríntios 1:20). É dele que
se deriva toda graça do Pacto para os pobres pecadores, através da
fé em seu nome. O apóstolo afirma isso de maneira clara (Gálatas
3:17) e seu argumento parte da promessa feita a Abraão (versículo
16): “As promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência.
Não diz: E às descendências, como falando de muitas, mas como
de uma só: E à tua descendência, que é Cristo”.
O escopo do discurso do apóstolo nos ensina que as
promessas a que se refere são aquelas relacionadas à justificação e
salvação de pobres pecadores. Essas promessas incluem a graça
pela qual os gentios são chamados para herdar a vida eterna.
Quanto a isso, alguns se remetem principalmente a Gêneses 17:7.
Algumas dessas promessas, que em última instância dizem respeito
à descendência espiritual e às bênçãos espirituais, às vezes são
dadas a Abraão sob aqueles termos que têm relação imediata com
sua descendência natural e com as bênçãos terrenas como tipos da
descendência espiritual. Com isso, ao considerarmos a implicação
espiritual das bênçãos de Abraão, o Espírito Santo nos ensina a
estar firmados no propósito de focar nossos pensamentos somente
em Cristo, como a fonte e a raiz de tais bênçãos. Contudo, ainda
que o apóstolo tenha em vista a forma da promessa, não podemos
concluir a parti dali que ela seja feita a ambas as descendências de
Abraão, tanto natural como espiritual, em um único e mesmo
sentido. Mas a única coisa que pode ser concluída com
razoabilidade é isto: o apóstolo mostra que a descendência carnal é
o tipo e a descendência espiritual é a coisa tipificada ou antítipo. Em
sua argumentação, o apóstolo faz um uso especial dos termos nos
quais a promessa é estabelecida de maneira propositalmente
adequada ao seu aspecto tipológico ou ao sentido espiritual. De
modo semelhante, a proibição da quebra de algum osso do cordeiro
pascal, que era um tipo de Cristo, é aplicada por João ao próprio
Cristo, que era o antítipo (compare João 19:36 com Êxodo 12:46).
Não obstante, considero que o apóstolo, aqui, tem em vista
direta e especialmente aquela promessa encontrada em Gênesis
22:18:[132] “E em tua descendência serão benditas todas as nações
da terra”. Aqui há um paralelo, tanto no que diz respeito aos termos
quanto ao sentido com a promessa dada a Abraão em Gênesis
12:3, o que foi defendido pelo apóstolo em Gálatas 3:18. Essa
promessa foi dada na repetição e confirmação da aliança feita
anteriormente quando Abraão ofereceu a Isaque, no qual a morte e
o sacrifício de Jesus Cristo foram prefigurados de maneira vívida. E
isto está muito claro: que assim como todas as nações deveriam ser
abençoadas como que em uma relação de filho com Abraão, assim
também a bênção seria obtida por eles através do relacionamento
com Cristo, a Descendência prometida, pela eficácia de sua
mediação no âmbito daquele sacrifício e oferta de aroma suave
(Efésios 5:2) que Ele faria a Deus na plenitude do tempo. Todas as
promessas feitas acerca de Cristo como Descendência de Abraão,
foram originalmente estabelecidas no Pacto Eterno da Redenção
entre o Pai e o Filho.
Alguns[133] interpretam que esse texto em Gálatas fala de
Cristo no sentido espiritual por causa da ordem das palavras. Eles
afirmam que a promessa foi feita primeiro a Abraão, e depois à sua
descendência. Portanto, é tal descendência que tem direito à
promessa depois de Abraão, e na qualidade de filhos dele; e
também porque o objetivo do apóstolo é provar que os gentios são
justificados pela fé como Abraão também o foi. Mas, ao invés disso,
eu aplicaria essas palavras à própria pessoa de Cristo. Pois a
Descendência a quem a promessa é feita é a mesma em quem
todas as nações da terra são abençoadas (Gênesis 22:18.) Embora
todos os crentes, sendo descendência de Abraão, sejam
abençoados juntamente com ele, ainda assim eles não são aquela
descendência em quem todas as nações são abençoadas. Ao
contrário, as nações é que são abençoadas nessa Descendência. E
no versículo posterior, é dito que a aliança foi estabelecida εις
χριστον ,[134] em Cristo, que é a mesma Descendência mencionada
no versículo 16. A aliança é confirmada em Cristo pessoalmente,
não em Cristo espiritualmente. Assim, Pareus conclui que a
passagem deve ser entendida “individualmente acerca do único
Cristo, a partir de quem todas as bênçãos espirituais fluem para os
fiéis”.[135] Mas também se deve notar isto: Cristo é dado por aliança
do povo (Isaías 42:6). Portanto a aliança é estabelecida nele e com
Ele para todos os crentes, que pela união com Ele se tornam aquela
única descendência de Abraão a quem a bênção da aliança
pertence. Isso corrobora ainda mais com a doutrina da justificação
pela fé em Cristo somente.
Quanto à ordem das palavras, não deveria parecer estranho
que Abraão seja mencionado primeiro, e depois sua Descendência,
Cristo. Pois além das promessas que são o objetivo principal,
primeiro se diz: “em tua,” e o que vem depois diz: “em tua
descendência” serão benditas todas as nações (que é a ordem
observada pelo apóstolo). Também se deve considerar que Abraão
foi de fato o pai de Cristo segundo a carne, à medida que Abraão foi
designado para receber tal pela aliança, assim como também
acontece Davi. Todavia, Cristo não é apenas a Descendência, mas
a raiz de ambos, Abraão e Davi. Embora as misericórdias da aliança
sejam chamadas de firmes beneficências de Davi por causa da
aliança que Deus fez com ele, ainda assim, todas elas são
originalmente de Cristo em certo aspecto, apesar de serem
mediadas por Cristo em outro, uma vez que elas fluem de uma
aliança feita com Davi, e que posteriormente seria ratificada e
consumada em Cristo, o filho de Davi.[136] E talvez seja por conta
das alianças feitas com Abraão e Davi que em Mateus 1:1 eles são
tão peculiarmente mencionados na genealogia de Cristo registrada
pelo evangelista.
Abraão: Raiz das Bênçãos da Aliança e Pai dos Crentes

§. 8. Em quarto lugar, essa aliança foi feita com Abraão como


uma raiz das bênçãos da aliança e o pai comum de todos os
verdadeiros crentes. De fato, o próprio Abraão obteve a graça dessa
aliança por Cristo, sua Descendência, o Filho de Deus, que é o
príncipe da aliança. Mas no que diz respeito a nós, a aliança foi
primeiro dada a Abraão e nós somos trazidos a ela no interesse de
um relacionamento com ele como filhos, o que também acontece
pela fé em Jesus Cristo. Essa honra especial Deus colocou sobre
Abraão pelo modo de sua entrada nessa aliança com ele, e dali em
diante, nenhum outro povo entraria em uma aliança com Deus
exceto na qualidade de descendência de Abraão. É evidente que
Israel segundo a carne no Antigo Testamento, e sua participação na
aliança procedeu de Abraão. E também é claro que Abraão é o pai
da sua descendência espiritual e do Israel de Deus no Novo
Testamento (Romanos 4), e que todos os verdadeiros crentes são
abençoados nele como sua descendência (compare Gálatas 3:8, 29
com Gênesis 12:3). Pela promessa em Gênesis, Abraão foi
ordenado e constituído por Deus para ser pai dos fiéis, como já
expusemos. De modo que o desfrutar do paraíso é chamado de
“descansar no seio de Abraão” (Lucas 16), pois como seus filhos,
eles entraram em um estado de graça, bem como foram trazidos ao
reino de glória e se tornaram herdeiros do céu. É dito também que
eles se assentarão com Abraão no reino do céu (Mateus 8:11).
O Caminho de Salvação pela Fé em Cristo nesse Pacto

§. 9. Quinto, a última coisa que mencionarei é o


estabelecimento eterno do caminho de salvação de acordo com o
caráter dessa aliança, a saber, pela fé em Cristo. Essa é uma
aliança que transmite a graça da vida a pobres pecadores através
da promessa livre e gratuita que não admite nenhuma participação
pactual exceto pela fé. A aliança é de fé porque também é de graça
(Romanos 4:16) e esse é o único caminho de vida. Há apenas um
pacto espiritual e uma bênção eterna em Cristo Jesus, fundada no
conselho e decreto eterno do amor e graça de Deus, que foram
revelados a Abraão. Há apenas uma descendência, que é de
verdadeiros crentes em união com Cristo, prometidos a Ele como os
herdeiros dessa aliança e a graça dada por ela. Dessa maneira, o
caminho de sua justificação e de sua aceitação para com Deus é
determinado não pela descendência natural de Abraão, nem por
quaisquer privilégios exteriores, mas pelo andar nos passos da fé de
Abraão (Romanos 4:13). Abraão foi feito exemplo de justificação
para todos em eras futuras para os quais essa instrução perpétua foi
registrada, pois “Creu em Deus e isso lhe foi imputado como
justiça”.[137] Portanto a substância da promessa agora dada a
Abraão nunca poderia ser alterada, nem de maneira alguma
esvaziada ou suplantada por qualquer dispensação futura sob a
qual a igreja fosse levada. Mas qual fosse a lei ou aliança que lhes
fosse dada no futuro, deveria necessariamente ser subserviente e
ser direcionada para a perfeita dispensação da graça que foi por ela
fixada (Gálatas 3:17). O Evangelho eterno foi pregado a Abraão, o
qual mais tarde seria desvendado com maior glória e brilho nos dias
do Messias, quando o Senhor cumpriu Sua misericórdia prometida a
Abraão e se lembrou de sua santa aliança (Lucas 1:72-80).
A Promessa Dada antes da Circuncisão

§. 10. Terminarei esse capítulo com alguns corolários


deduzidos das coisas já esclarecidas e então procederei no método
proposto.
1. O Pacto da Graça do qual temos falado, o qual o Espírito
Santo tão notavelmente nos mostra no Novo Testamento, e pelo
qual Abraão foi feito o pai dos fiéis e de todos os crentes, e segundo
o qual eles devem ser considerados a descendência que Deus lhe
daria, esse pacto foi confirmado e ratificado por meio de uma
promessa segura feita a Abraão. Isso aconteceu há um bom tempo
(cerca de vinte e cinco anos) antes da aliança da circuncisão que
fora dada a Abraão. O Pacto da Graça, então, não tinha nenhum
sinal exterior ou selo anexado em si. De fato, aquilo que foi afirmado
posteriormente, que o Pacto da Graça sempre teve um sinal externo
ou selo é um erro tão grande que se pode afirmar justamente o
contrário, a saber, que embora a eficácia de sua graça tenha
alcançado crentes em todas as eras, ainda assim não era
acompanhado de ordenanças quanto ao culto próprio e adequado
até ao tempo da correção;[138] nem até então houve algum sinal
externo ou marca que lhe pertencesse de modo imediato. Pois, se
assim o fosse, esse sinal ou marca, como a própria aliança em si,
teriam permanecido sem mudança e não teria desaparecido com as
demais sombras da economia mosaica.
2. A promessa feita a Abraão dá tanto a descendência como
as bênçãos daquela descendência a ele. Os crentes são filhos da
promessa, posteriormente tipificados por Isaque, tendo sido gerado
pela própria vontade de Deus, e pela eficácia e graça de sua livre
promessa e virtude. Sim, primeiro se pressupõe a descendência na
promessa, e então as bênçãos da descendência são prometidas,
para que segundo a graça, a promessa seja firme a toda a
posteridade (Romanos 4:16). Como as bênçãos são espirituais,
assim também o é a descendência; tais bênçãos não podem ser
estendidas para além da descendência que é o sujeito prometido.
3. A soma de todas as bênçãos do Evangelho está
compreendida nessa promessa. Portanto, segue-se que os
herdeiros legítimos dessas bênçãos de Abraão têm o direito (não
apenas a algumas, mas) a todas as promessas da Nova Aliança.
Isso é verdade não em um sentido limitado, ou sob condições
incertas, mas num sentido completo e assegurado pela infinita
graça, sabedoria e fidelidade de Deus. Isso ficará mais claro se
considerarmos que todas as bênçãos dessa aliança recaem sobre
os crentes por meio de sua união e comunhão com o Senhor Jesus
Cristo, que é tanto o Cabeça como a Raiz da Nova Aliança, e a
fonte da qual obtemos todas as bênçãos. Uma vez que essas
bênçãos foram completamente adquiridas por Ele, elas se aplicam
em sua totalidade a todos que estão nele, e a ninguém mais.
Portanto, julgo que limitar os benefícios da Nova Aliança a
privilégios externos e temporais, apenas, é completamente
inconsistente com as promessas da aliança em si (tais como: Isaías
54:13, 59:21; Jeremias 31:33-34; Ezequiel 36:26-27 com Hebreus 8
e muitos outros de igual importância). Esses textos não admitem
outra interpretação, como ultimamente alguns têm insistido a fim de
defender o pedobatismo, a saber: Que os filhos dos crentes, durante
sua infância, tem uma participação certa e definida no Pacto da
Graça em virtude do que eles são completamente justificados
perante Deus da culpa do pecado original, tanto originans como
originatum.[139] E ainda assim, quando chegam aos anos do
discernimento, eles podem (e devem) pela sua real aproximação ou
recusa dos termos desse pacto ou obter a continuação e a
confirmação de sua participação nele, ou ser completa e finalmente
excluído dele e assim perecer eternamente em sua ignorância de e
rebelião contra Deus.[140]
As promessas pactuais não admitem qualquer tipo de
legitimidade parcial, nem pode essa opção coexistir com a analogia
da fé em outros aspectos. Pois, ou a mácula do pecado original
nesses infantes foi expurgada e o domínio da concupiscência sobre
eles foi destruído quando sua culpa foi perdoada, ou não. Caso seja
assim, então a situação desses infantes quanto à perseverança é a
mesma daquela de pessoas adultas que estão sob a graça
mediante a fé verdadeira que eles têm. Então, a queda e apostasia
final da graça da Nova Aliança deve ser possível tanto a um como a
outro, não obstante toda a provisão do pacto e do comprometimento
de Deus para assegurar a promessa a toda descendência. Mas isso
o autor não admitirá. Ele dirá que a culpa das criancinhas dos
crentes foi perdoada, mas a natureza delas não foi renovada, nem
foi o poder da corrupção do pecado original destruído nelas a ponto
de que o pecado não mais tivesse domínio sobre elas. Então se
responderá que apesar desse suposto perdão, elas permanecem
impuras, e, portanto, são inaptas à admissão no reino da glória. A
verdade é que ninguém é justificado perante Deus senão aqueles a
quem Cristo amou e lavou os pecados em seu próprio sangue
(Apocalipse 1:5). Ninguém é lavado por Cristo senão aqueles que
estão nele como o segundo Adão. É pela união com Ele que o dom
gratuito é obtido para a justificação de vida.[141] E ninguém pode
estar unido a Ele senão pelo habitar de seu Santo Espírito. Onde
quer que o Espírito de Deus aplique o sangue de Cristo para a
remissão de pecados, isso Ele também o faz para a purificação da
consciência das obras mortas, para o serviço do Deus vivo. Tão
certo como os crentes obtêm seu direito à Nova Aliança de Cristo
para o perdão, assim também eles recebem dele uma influência vital
para a renovação de suas naturezas e para a conformação de suas
almas à imagem do próprio Cristo. E, portanto, afirmar que a graça
de Cristo é aplicada a alguns somente para a remissão de pecados,
ou para que a culpa de algum pecado seja perdoada apesar de o
pecado ainda exercer o domínio sobre a pessoa, (tanto quanto me
posso discernir) não está de acordo com a Escritura e é incoerente
com a doutrina que é segundo a piedade.
4. Para concluir, está claro que a reivindicação de um crente às
bênçãos da Nova Aliança reside na legitimidade da descendência
de Abraão e em virtude das promessas dadas a ele no que diz
respeito a tal descendência, e não como tendo igual importância,
posição ou grau que o próprio Abraão. Os crentes não são feitos,
por essa aliança, pais de uma descendência bendita como Abraão
foi feito o pai dos fiéis. Eles não podem reivindicar para si mesmos o
direito à promessa e o direito de sua descendência a ela, de acordo
com a substância do pacto feito com Abraão como ele próprio podia.
Ao invés disso, eles devem estar nesse relacionamento como filhos
de Abraão, e assim, receberem as bênçãos prometidas a ele para
sua descendência e, isso, cada um deve fazer por meio de sua
própria fé e unicamente para si mesmo. Porque os filhos de Abraão
são os crentes, os quais são benditos juntamente com o crente
Abraão. E se somos de Cristo, então somos descendência de
Abraão e herdeiros segundo a promessa (Gálatas 3:29).
Capítulo 5

A Aliança da Circuncisão (I)

As Promessas Feitas a Abraão para sua


Descendência Natural
§. 1. O método utilizado anteriormente nos leva, em seguida, a
inquirir sobre as promessas feitas a Abraão para sua descendência
natural,[142] e a garantia que Deus Se agradou de dá-los através de
transações pactuais. Como antes, revisarei diligentemente a história
dessas coisas escrita por Moises sob inspiração do Espírito Santo, e
compararei as promessas feitas com o registro de seus
cumprimentos em outras partes das Sagradas Escrituras.
Minha única premissa será esta: que essas promessas não
foram todas feitas a Abraão de uma só vez, ou seja, todas ao
mesmo tempo, nem o pacto foi completado por uma única
transação. As promessas foram dadas em várias partes e
gradualmente até que enfim todo o contrato de bênçãos e
privilégios, garantido à descendência natural de Abraão, tivesse sido
completamente lavrado, e a aliança tivesse sido selada pela
circuncisão. Isso se pode ver clara e imediatamente pelos relatos
históricos que daremos dessas coisas. Quanto a isso, algumas
considerações podem ser encontradas na progressão do discurso
de Estêvão ao recapitular determinados acontecimentos (Atos 7:5-
8).
Abraão é Chamado para Fora de Ur dos Caldeus

§. 2. Em Gênesis 12:2 o Deus da glória[143] primeiro apareceu


a Abraão e o chamou para fora de seu próprio país, de sua
parentela e da casa de seu pai. Além da promessa de bênçãos
espirituais que lhe foi dada, tanto para si mesmo como para sua
descendência espiritual, Abraão também recebeu a promessa de
uma nação numerosa, que descenderia dele por meios naturais. “Eu
farei de ti uma grande nação”; nada menos que isso se pode
entender dessas palavras: você será o pai de uma grande nação
que brotará e florescerá de seus lombos. Esse é o sentido completo
das palavras similares ditas a Moisés (Números 14:12). Abraão
abraçou essa promessa juntamente com as outras através da fé.
Aos olhos da razão não havia possibilidade dessa promessa se
cumprir, uma vez que, naquele tempo, ele não tinha filho (e mesmo
um tempo considerável depois disso, Abraão ainda se queixa disso
– Gênesis 15:2-3) e Sara, sua mulher, era estéril. Ainda assim,
Abraão recebeu essas promessas por considerar aquele que as fez
como fiel e poderoso para cumprir Sua palavra. Devido ao chamado
de Deus,[144] ele abandonou tudo que antes lhe era querido e se foi
sem saber para onde iria (Hebreus 11:8). Pois parece que a terra de
Canaã não lhe fora mencionada por ocasião da primeira vez em que
foi chamado, mas foi requerida dele uma renúncia absoluta de si
mesmo e uma confiança irrestrita na condução e bondade divina.
Abraão não sabia de nada, senão que deveria sair em uma jornada
de seu próprio país para outro, que era uma terra que Deus lhe
mostraria, muito embora ele não soubesse o que ou onde ela estava
localizada. Portanto, apesar de lemos em Gênesis 11:32 que ele foi
de Ur dos Caldeus para a terra de Canaã, devemos compreender
que aquelas palavras devem ser entendidas como uma antecipação
histórica, e não necessariamente como dando a entender que
Abraão já sabia para onde ia quando iniciou sua jornada. Sua
peregrinação[145] em direção à terra de Canaã foi determinada pelo
conselho de Deus. Pela condução divina ele foi levado à Canaã,
embora não conhecesse o lugar designado para onde estava indo,
pelo menos não até que estivesse próximo a Harã, onde o Senhor o
chamou pela segunda vez após a morte de Terá, a fim de que
prosseguisse em sua jornada à terra de Canaã.[146]
A Jornada de Abraão e a Renovação das Promessas

§. 3. Quando Abraão entrou na terra de Canaã, até ao lugar do


Carvalho de Moré, em Siquém, (sendo que a descendência
amaldiçoada de Canaã era que habitava naquela região) o Senhor
apareceu novamente a ele. Aqui o Senhor dá a Abraão a promessa
completa e expressa daquela terra[147] (que no que diz respeito ao
seu encanto e fertilidade era a glória de todas as terras) por herança
à sua descendência. Ali, Abraão, primeiro, ergueu um altar ao
Senhor de modo que ao adorar, ele pudesse testificar de sua
gratidão pela promessa que lhe foi dada tão gratuitamente, e
também receber a ratificação dela pelo sangue de seu sacrifício
aceitável. Logo depois disso uma fome o levou até ao Egito. Ali a
castidade de Sara foi ameaçada pelo rei dos egípcios,[148] mas a
repreensão do Senhor livrou Seu servo daquela aflição e pela sua
boa providência, Abraão foi outra vez levado de volta em paz à terra
de Canaã. Durante todo esse tempo Ló, o filho do irmão de Abraão,
estava com ele. Mas agora seus bens tinham aumentado e houve
alguma contenda entre os servos deles. Então Abraão, para acabar
com a controvérsia e evitar que outras fossem suscitadas, propôs
que se apartassem um do outro, e Ló aceitou (Gênesis 13). Quando
Ló estava separado de Abraão, o Senhor novamente renovou e
confirmou a promessa da terra de Canaã a Abraão e que sua
grande descendência a possuiria. O Senhor fez isso com um
mandamento especial a Abraão de percorrer a terra em sua largura
e comprimento, a fim de inspecioná-la e possuí-la pela fé, pois ele
ainda era um estrangeiro e não possuía herança nela, nem mesmo
o espaço de um pé (Atos 7:5).
Como a Promessa de Canaã Beneficiou Abraão

§. 4. Na promessa assim renovada, há duas coisas que


requerem mais explicações: Em primeiro lugar, a comunicação
dessa herança é feita direta e primeiramente a Abraão e depois à
sua descendência. “Toda esta terra que vês, te hei de dar a ti, e à
tua descendência” (Gênesis 13:15). É evidente que Abraão não
possuiu a terra durante seus dias exceto aquele lugar da sepultura
que ele comprou mais tarde ao pagar todo o preço com que ele foi
avaliado (Gênesis 23). Isso foi similar ao caso de Isaque e Jacó que
eram os herdeiros da promessa juntamente com Abraão (Hebreus
11:9). Portanto, surge a pergunta: como essa promessa beneficiou
Abraão?
Para respondê-la (ignorando, por enquanto, o aspecto
tipológico da terra prometida e a herança de Abraão das bênçãos
espirituais e celestiais representadas pela promessa), observe o
seguinte.
1. Que quanto àquelas palavras “a ti, e à tua descendência”, a
última deve ser entendida como uma interpretação da primeira.
Então o sentido é “a ti, ou seja, à tua descendência”. A partícula
hebraica usada aqui indubitavelmente deve entendida nesse sentido
em outros lugares[149] e a partícula “e” não deve ser interpretada
como conjunção copulativa ou aditiva, mas como explicativa: “ou
seja,”, “isto é”. Veja 1 Crônicas 21:12 em que esse sentido é
aplicado. A mesma interpretação deve ser dada em 2 Samuel 17:12:
“não ficará dele e (ou seja, isto é) de todos os homens que estão
com ele nem ainda um só”. Essa interpretação remove toda
dificuldade do texto.
2. Um homem pode ter jus ad rem[150] sem ter jus in re.[151]
Nem todos os direitos são presentemente litigáveis. Um homem
pode ter o direito à uma herança pela promessa sem, contudo, ter o
direito de possessão imediata. Assim ele pode não ter acesso à
coisa prometida até um longo tempo depois, ou talvez ele mesmo
não a possua, mas sim os seus descendentes, e que eles venham a
possuí-la em virtude daquele direito que foi dado a ele em
determinado instante. E a anexação de tais termos não anula e nem
torna vã a promessa para aquele que a recebeu primeiramente. Pois
a garantia de que o bem prometido certamente será dado, a seu
tempo, a seus herdeiros, é um conforto tanto para aquele que
recebeu a promessa como é uma honra para o dono da promessa
ser capaz de transmitir tal direito a seus descendentes dessa
maneira. Assim, pensar que Deus certamente visitaria seus filhos e
os traria para fora do Egito para herdar a terra prometida era um
pensamento agradável ao velho Jacó (Gênesis 48:5, 20, 21),
mesmo que ele tenha morrido e se juntado a seus pais sem ver tal
promessa ser cumprida. De modo semelhante, obter o direito à
Canaã era um favor especial a Efraim, Manassés e a seus irmãos.
Porém eles não se alegraram com o bem temporal ou terreno
daquela bênção prometida, mas sim os seus descendentes que
vieram depois deles.[152] De fato, é apropriado dizer que pertence
aos pais aquilo que seus descendentes recebem devido à promessa
feita aos próprios pais. Isso os faz cabeças da bênção pactual que é
derramada sobre sua descendência. Pela limitação explícita do
tempo do cumprimento da promessa em Gênesis 15:13,16, não
resta dúvida de que os pais a receberam nesse sentido.
Em segundo lugar, outra dificuldade surge da extensão da
promessa no que diz respeito ao tempo. Pois aqui Deus promete dar
essa terra a Abraão e à sua descendência “para sempre” e, em
Gênesis 17:8, “em perpétua possessão”. É evidente que por muitas
eras eles estiveram deserdados dela. Mas a solução para essa
dúvida será fácil para aquele que consulta o uso desses termos em
outros textos, e as restrições necessárias de seus sentidos quando
aplicados ao estado ou direito da descendência de Abraão à terra
de Canaã. Pois o sacerdócio de Levi é chamado de um sacerdócio
perpétuo (Números 25:13) e os portões do templo, de entradas
eternas (Salmo 24:7). Esse é o mesmo sentido que se aplica à terra
de Canaã quando é dito que ela é uma herança perpétua. Nada
mais se pretende do que a continuidade das bênçãos por um longo
período de tempo, ou seja, por todo o Antigo Testamento até os dias
do Messias, comumente chamado pelos judeus de o mundo por vir.
Nisso um novo estado de coisas deveria ser esperado quando seu
privilégio e direito à Antiga Aliança expiraria, por ter cumprido
completamente seu fim e objetivo.
A Promessa Renovada e Expandida

§. 5. Em gênesis 15 temos o relato de outra transação solene


de Deus com Abraão na qual (além de outras coisas incluídas e
misturadas) as promessas dadas a Abraão anteriormente, no que
diz respeito à sua descendência carnal e sua herança, são
renovadas e mais esclarecidas em vários aspectos. Abraão estava
agora mais velho do que quando recebeu a promessa inicialmente.
Ainda assim, ele ainda não tinha filho, embora sua alegria eterna
bem como outras bênçãos dependesse da descendência que
deveria ser dada a ele. Abraão foi trazido a uma provação ainda
maior de sua fé do que antes. E suas ações naquele instante foram
feitas ainda mais excelentes devido às dificuldades que elas
superaram. Assim, o Espírito Santo Se agradou de dar, aqui, um
testemunho expresso disso no versículo 6: “E creu ele no Senhor, e
imputou-lhe isto por justiça”.[153] Essa é a primeira vez que o crer ou
a imputação da justiça é mencionada na Escritura in terminis.[154]
Isso também foi verdade anteriormente, mesmo na primeira vez que
a promessa lhe foi dada (Gênesis 12). Naquela ocasião, ele creu no
Senhor e isso lhe foi imputado como justiça. Mas como sua fé foi
agora manifestada em maior grau, assim agradou a Deus, dessa
vez, deixar registrado um mais particular encomium[155] do que
anteriormente. E assim um outro sinal de favor, imediatamente
segue a explanação e amplificação da promessa à sua
descendência natural que fora mencionada anteriormente. Não
entrarei em detalhes de muitas coisas e considerarei apenas as
poucas coisas que se seguem, como diretamente relacionadas ao
nosso presente propósito: 1. O Senhor informa a Abraão do
sofrimento que cairia sobre sua posteridade, e da morte que
aparentemente estaria sobre a promessa antes que seus
descendentes herdassem a terra de Canaã. O Senhor também
limita o tempo da aflição a quatrocentos anos. Suponho que isso se
deu a partir do momento em que Isaque, o herdeiro da promessa, foi
zombado por Ismael, filho de Agar, a egípcia. Daquele momento até
o livramento de Israel da escravidão do Egito se passaram
exatamente quatrocentos anos.
2. O Senhor deu a Abraão uma garantia de que no tempo
designado Ele redimiria sua descendência da servidão por meio de
sinais de juízo sobre seus opressores e com grande favor para com
eles. A condição deles mudaria de repente da pobreza e penúria
para o deleite em grandes riquezas e bens (Gênesis 15:14). E,
quanto a Abraão, ele se juntaria aos seus pais em paz e seria
sepultado com boa velhice. Na quarta geração, a bênção dessa
promessa certamente viria sobre sua posteridade (versículos 15-16).
O cumprimento exato de tudo isso pode ser encontrado no livro de
Êxodo.[156] Todas as maravilhas ali registradas são o nascimento
dessas promessas, pois não foi devido à bondade do povo, mas sim
à estabilidade da promessa, a que todas as coisas deveriam ser
atribuídas.
3. Existe uma razão para considerar o cumprimento da
promessa nesse tempo: as nações cujas terras eles em breve
possuiriam ainda não estavam amadurecidas para o julgamento e a
medida da iniquidade delas ainda deveria ser preenchida antes que
a maldição de Canaã fosse completamente executada sobre elas.
Então, vemos que apesar de os filhos de Canaã terem carregado
essa maldição por muitas gerações, ainda assim ela não recaiu
sobre eles na medida completa dos seus próprios pecados, pois não
há dúvida de que a ligação de Canaã com Cão em sua perversidade
foi o motivo de a maldição do pai ter recaído também sobre o filho.
4. É dito que essas coisas foram transacionadas por meio de
uma aliança com Abraão. Por causa dela, as fronteiras da herança
de Israel foram estabelecidas, e aquelas nações que deveriam ser
destituídas e destruídas foram eliminadas uma a uma.[157]
A Descendência de Abraão

§. 6. Antes de prosseguirmos na história das transações de


Deus com Abraão no que dizem respeito à sua descendência
natural, os seguintes pontos devem ser observados: 1. Assim como
essa descendência foi levantada posteriormente a Abraão em
virtude de uma promessa, assim também a primeira concessão da
terra de Canaã como herança para a posteridade de Abraão foi feita
por uma promessa gratuita. Aquela promessa foi feita em forma de
pacto com Abraão muito antes da promulgação da lei como uma
condição para obter a herança, e antes mesmo da instituição da
circuncisão. Uma vez que a origem da reivindicação deles foi uma
promessa gratuita, a severidade da lei sob a qual eles estariam
posteriormente era muito restrita, de modo que (não obstante
haverem quebrado inúmeras vezes a aliança com Deus, e por isso
terem perdido toda reivindicação legal de seus direitos e privilégios
na terra de Canaã) eles nunca foram cortados definitivamente
daquela boa terra; nem deixaram de ser um povo peculiar para
Deus até que o objetivo de terem sido feitos assim fosse
completamente alcançado. Aquela promessa expirou com o
cumprimento de seu objetivo na introdução do Israel de Deus ao
pleno gozo das bênçãos espirituais, que eram a essência das coisas
que estavam prefiguradas sob a sombra dos seus gozos terrenos.
Tal fato será muito útil em nossas reflexões acerca da tipicidade
daquele povo, mas não trataremos disso agora.
2. Até aquele momento não estava claro que Sara seria a mãe
dessa descendência. Portanto, devido à demora do cumprimento da
promessa, Abraão e Sara concordaram que Abraão tomasse a Agar,
serva de Sara, e que por ela, eles pudessem obter filhos (Gênesis
16). Temos outras razões para crer que mesmo anteriormente eles
tiveram outros receios acerca da promessa (como podemos ver ao
comparar Gênesis 15 com Romanos 4), e que isso sucedeu devido
a alguma vacilação e fraqueza na fé de ambos. Porém, isso não
significa que eles se opuseram ou questionaram a veracidade das
promessas feitas anteriormente. Temos evidências de que Abraão
considerou Ismael o herdeiro da promessa até que o Senhor lhe
apareceu outra vez (Gênesis 17) e completou sua aliança para com
ele, no que diz respeito à sua descendência natural.
3. Contudo, não havia nada que sugerisse alguma distinção,
no que diz respeito ao privilégio ou ao direito ao pacto, entre os
filhos que de uma maneira ou outra fossem gerados por Abraão.
Mas as reivindicações desses filhos aos seus direitos (supondo,
como será provado posteriormente, que podem ter havido muitas)
parecem ter sido as mesmas até que uma confirmação posterior
fosse dada (Gênesis 17). Além do mais, nenhuma outra
característica distintiva foi apontada como fundamento de que a
descendência de Abraão viria a constituir uma igreja-estado de
modo que as instituições solenes do culto divino seriam adaptadas a
ela, e ninguém mais pudesse ser considerado membro da igreja
visível senão essa descendência e aqueles que se tornaram
prosélitos dela. Entretanto, é verdade que tudo o que foi
mencionado anteriormente foi ordenado para isso, pois agradou ao
sábio conselho de Deus direcionar as coisas para tal fim. Pois todas
as suas obras lhe são conhecidas desde o princípio.[158] Portanto,
as primeiras promessas são relembradas e levadas à transação
posterior com esse povo.
4. As promessas feitas antes a Abraão acerca da sua
descendência natural envolvem tanto aqueles que fariam parte de
gerações vindouras como os descendentes imediatos. E em alguns
aspectos, essas promessas beneficiaram mais plenamente as
futuras gerações do que a geração então presente. Pois Deus não
lhes era conhecido pelo nome de Yahwéh até a quarta geração
(Êxodo 6), por cumprir efetivamente a sua palavra. O cumprimento
posterior da promessa, pela todo-suficiência de Deus, se deu a seu
tempo determinado. Não foi a descendência imediata de Abraão,
mas a seguinte, que se tornou numerosa como o pó da terra, e se
tomou posse da terra que manava leite e mel.
A Aliança da Circuncisão

§. 7. Agora, consideraremos Gênesis 17. A maior parte do que


está registrado ali foi resumido por Estêvão em seu panorama geral
da história de Israel, é nesse discurso que ele diz: “E deu-lhe a
aliança da circuncisão; e assim gerou a Isaque...” (Atos 7:8). Por
“aliança da circuncisão” devemos entender aquela aliança da qual a
circuncisão era o sinal ou símbolo, ou aquela aliança na qual a
restipulação era requerida pela observação desse rito ou ordenança,
como acontece em Gênesis 17:9-11.
É notável que nessa transação de Deus com Abraão,
deparamo-nos primeiro com uma prescrição explícita de obediência
ao mandamento como condição de participação na aliança. Tudo foi
inaugurado com este prólogo: “Eu sou o Deus Todo-Poderoso, anda
em minha presença e sê perfeito” (Gênesis 17:1). Primeiramente,
nessas palavras, a todo-suficiência de Deus é revelada como
garantia das promessas. Então, uma obediência estrita e integral
aos preceitos de Deus é exigida a fim de que Abraão herdasse as
coisas boas que seriam concedidas a ele por meio dessa aliança.
Nesse modo de transação, o Senhor se agradou de traçar as
primeiras linhas daquela forma de relacionamento pactual na qual a
descendência natural de Abraão foi completamente estabelecida
pela lei de Moisés, que era um pacto de obras com suas condições
ou termos, “faça isso e viva”. Embora o pacto de graça feito com
Abraão tenha em todos os aspectos (em termos de tempo e
excelência) a precedência em relação à aliança feita com sua
descendência carnal da linhagem de Isaque, contudo, segundo o
sábio conselho de Deus, as coisas foram ordenadas de maneira que
a revelação completa do Pacto da Graça, o cumprimento real de
suas grandes promessas e o preenchimento das ordenanças
próprias a ele devem suceder à aliança feita com Israel segundo a
carne, e substituí-la no tempo em que ela seria dissolvida, isto é,
quando ela envelhecesse e fosse abolida. Portanto, a participação
pactual da descendência natural deveria ser aperfeiçoada pela lei de
Moisés antes que o Evangelho pregado a Abraão fosse revelado.
Nesse sentido, este capítulo nos leva a dar um grande passo em
direção ao pacto feito no Sinai e aos seus termos.
A Promessa da Nova Aliança Repetida

§. 8. A aliança da circuncisão pertence própria e


imediatamente à descendência natural de Abraão e foi ordenada
como fundamento daquela economia debaixo da qual eles estariam
até os tempos da correção. Ainda assim, como que em forma de
prefácio a ela em Gênesis 17:4-5, encontramos uma recapitulação
das transações anteriores e uma confirmação renovada da
grandiosa promessa do Pacto da Graça dado a Abraão, a saber:
“Por pai de muitas nações te tenho posto”. Isso deve ser entendido,
principalmente, acerca de sua descendência espiritual que seria
reunida a partir de todas as nações (como se vê em Romanos 4:17).
Pelo relato de Moisés já foi mostrado que Abraão foi constituído o
pai dos fiéis antes que essa aliança da circuncisão tivesse sido feita,
e que os participantes dela não possuem direito a esse privilégio por
meio dela mesma. Isso também é fortemente demonstrado pelo
apóstolo na primeira parte Romanos 4. Não obstante, há duas boas
razões para que isso seja repetido aqui.
1. Isso torna evidente que o pacto de peculiaridade feito com a
descendência terrena, que se deu primeiro, e o muro de separação
que seria levantado entre ela e as demais nações (cuja pedra
angular estava agora sendo lançada pela circuncisão) não anularia
o Pacto da Graça, ou o direito e privilégio da descendência espiritual
estabelecida de modo algum. Ao invés disso a aliança da
circuncisão foi feita subserviente ao Pacto da Graça. As fontes de
misericórdia da Nova Aliança, que Deus abriu a todas as nações,
nunca mais seriam estancadas pela aliança da circuncisão. Nem os
gentios foram excluídos[159] de herdar as bênçãos de Abraão por
meio da fé em Jesus Cristo por causa de algum privilégio ou direito
conferido aos judeus. Assim, quando a aliança da circuncisão foi
dada à descendência terrena para separá-la completamente das
outras nações, agradou a Deus renovar a lembrança da promessa
do Pacto da Graça que no tempo devido traria salvação aos gentios.
E isso foi feito para que não houvesse razão e pretextos para
interpretar essa aliança em detrimento dos gentios ou de modo a
privá-los da graça do Evangelho.
2. Deus ordenou as coisas de tal forma nessa aliança que suas
promessas seriam subordinadas à promessa maior; assim também
as bênçãos espirituais seriam implicadas figurativamente nas
promessas terrenas. Assim, o fato de Abraão ser o pai dos crentes
de todas as nações foi tipificado em suas numerosas descendências
por meio de Isaque, ou seja, o Israel segundo a carne. Portanto, a
confirmação e o selo de uma deveriam também incluir a ratificação
da outra. E assim, ao mesmo tempo, para assegurar que Abraão
certamente se tornaria o pai de uma multidão,[160] ou de muitas
nações, seu nome foi mudado. Além disso, a circuncisão foi
instituída como selo das promessas feitas à sua descendência
natural. A relação mútua dessas diferentes promessas e a ordem
observada em seus respectivos estabelecimentos mostra que a
própria circuncisão estava tão longe de subverter o Pacto da Graça
quanto à sua promessa aos gentios, que se tornou para Abraão um
selo da justiça da fé (Romanos 4:11). Não se tornou em selo por
causa de seus fins, ou por causa de sua própria natureza no que diz
respeito a toda descendência carnal que lhe estaria sujeita. Mas se
sim por causa da disposição[161] pactual ao qual ela foi anexada, e
por causa da presente circunstância de Abraão com que a aliança
foi feita e para quem a circuncisão foi dada como um selo.
Falaremos mais acerca disso quando tratarmos da relação mútua
das transações federais de Deus para com Abraão.
Por hora será suficiente lembrar que não há maneira de evitar
confusão e mal-entendidos em nossa concepção dessas coisas
exceto ao se mantivermos diante de nossos olhos a distinção entre
as descendências de Abraão como espiritual e carnal, e a distinção
entre as respectivas promessas que pertencem a cada uma. Pois a
aliança da circuncisão como tal, dada à descendência natural, não
podia transmitir bênçãos espirituais e eternas a eles, mais do que
pode agora dar direito a um crente (embora filho espiritual de
Abraão) às bênçãos temporais e tipológicas na terra de Canaã.
Também não posso ver nenhuma razão para atribuir alguma
participação pactual em quaisquer das bênçãos espirituais
tipificadas (bem como nas bênçãos temporais que foram os tipos
delas) à descendência carnal e ainda assim não admitir que a
mesma aliança transmita bênçãos terrenas à descendência
espiritual. Digo isso porque alguns concebem que ambas as
descendências estão diretamente incluídas na mesma aliança e que
a promessa feita a ambas foram seladas como o mesmo selo.
Mas a verdade é que, apesar da relação que essa aliança da
circuncisão tem com o Pacto da Graça, eles continuam sendo
distintos. Aquela não pode conceder nada senão bênçãos externas
e tipológicas[162] à descendência tipológica. O fim próprio e objetivo
dessa transação em Gênesis 17 é o estabelecimento de seus
privilégios em uma relação subordinada e típica em relação à
dispensação da graça aos eleitos da Nova Aliança. Isso será
esclarecido quando tratarmos das promessas que foram dadas ali.
A Distinção das Tribos em Israel

§. 9. O conjunto das promessas nos é apresentado em


Gênesis 17:6-8. No versículo 6, a promessa de uma descendência
numerosa é repetida em termos que convergem, senão ampliam, a
explicação do que foi prometido anteriormente em Gênesis 13:16: “E
farei a tua descendência como o pó da terra...”. Aqui a promessa
continua: “E te farei frutificar grandissimamente, e de ti farei nações,
e reis sairão de ti”.
Essas palavras em seu sentido primeiro e literal foram
cumpridas na descendência natural de Abraão e dizem respeito, em
particular, à descendência de Isaque. Apesar de ser verdade que
outras nações além de Israel surgiram de Abraão, ainda assim o
contexto demonstrará de modo claro qual é a descendência com a
qual a aliança da circuncisão seria estabelecida. E essa era a
descendência de Abraão por meio de Isaque, apenas. Para vermos,
então, o cumprimento dessa promessa, devemos olhar para as doze
tribos de Israel que eram muito parecidas com diversos outros
povos e nações em número e poder, mas que, no que diz respeito à
religião e governo, estavam unidas por um regime único, e assim
eram um povo único. Era essa promessa que Jacó tinha em mente
ao abençoar os filhos de José (Gênesis 48:19) ao dizer que
Manassés (o pai de uma das tribos de Israel) se tornaria grande. Ele
queria dizer que sua descendência seria numerosa e grande, e se
tornaria um povo ou uma das nações que Deus havia prometido que
viria de Abraão. Porém Efraim, seu irmão mais novo, teria a
preeminência quanto a ser pai de outro povo distinto ou tribo que
seria mais forte e numerosa que a de Manassés. Isso porque a tribo
de Efraim se tornaria a plenitude das nações (como está em
hebraico), ou seja, uma nação e povo muito grande.
Essa distinção das tribos que mais tarde foi observada entre os
israelitas parece ter sido apresentada nessas palavras, “farei de ti
nações”, e nas palavras que se seguem imediatamente, “reis sairão
de ti”. Elas significam não apenas a eminência da descendência de
Abraão em geral, mas têm a ver especificamente com a sua
constituição sob um regime e governo distintos, ou (como diz
Ezequiel no capítulo 16) com a prosperidade do reino e o viver sob o
governo e condução de juízes e príncipes que foram levantados
dentre eles mesmos. Assim aconteceu com a nação desde os
tempos de Moisés, que era rei em Jesurum, quando se
congregaram os cabeças do povo com as tribos de Israel
(Deuteronômio 33:5). Pelo ministério de Moisés Deus estabeleceu a
nação e o governo dela por leis peculiares, e isso cumpriu a aliança
que havia sido feita com seus pais. Esse aspecto da promessa
contém mais do que antes foi expressamente dado a Abraão.
O Significado de Eterno em Relação a esse Pacto

§. 10. Nas palavras de Gênesis 17:7 temos a certeza do que


foi dito anteriormente e das promessas subsequentes. Deus faz tais
promessas a Abraão por uma aliança solene, na qual se
interpõe[163] (ou seja, se faz mediador), compromete-se e emprega
todas as perfeições e propriedades de sua natureza divina para
torná-las eficazes. Portanto, lemos: “E estabelecerei a minha aliança
entre mim e ti e a tua descendência depois de ti em suas gerações,
por aliança perpétua, para te ser a ti por Deus, e à tua descendência
depois de ti”.
A isso ainda foi acrescentada a promessa da herança no
versículo 8: “E te darei a ti e à tua descendência depois de ti, a terra
de tuas peregrinações, toda a terra de Canaã em perpétua
possessão e ser-lhes-ei o seu Deus”.
A dificuldade que surge nos termos da promessa que
primeiramente deu a Abraão o direito sobre Canaã já foi
considerada e esclarecida, e também o modo como se diz que a
terra de Canaã é uma possessão perpétua. No mesmo sentido é
dito que essa aliança é perpétua. Israel não poderia ser finalmente
lançado fora da herança prometida até que a aliança pela qual ela
lhes foi dada expirasse. Portanto, a duração dessa aliança era
perpétua na mesma medida em que o era a herança e o direito de
Israel sobre a terra. A perpetuidade não é absoluta, mas sim
limitada como necessariamente se requer pela natureza das coisas,
e isso ocorre frequentemente nas passagens bíblicas que dizem
respeito ao estado judeu. Assim, não há razão para concluir que,
por meio dessa palavra, “perpétua”, que a aliança da circuncisão era
direta e propriamente um pacto de bênçãos eternas e espirituais, e
nem para afirmar que a terra de Canaã e as boas coisas
pertencentes a ela eram uma herança espiritual e eterna.
A Igreja-Estado do Israel Segundo a Carne

§. 11. Não obstante, da conexão estrita do versículo sétimo


com o sexto, e a certeza aqui dada de que Deus estabeleceria sua
aliança com a descendência de Abraão a fim de que Ele fosse seu
Deus, é evidente que: O número da descendência natural de Abraão
e a grandeza de seu estado civil não são tudo o que foi prometido
nessa aliança, nem é essa a principal bênção concedida a eles nela.
Em vez disso, a principal bênção concedida é a formação de uma
igreja-estado com o estabelecimento das ordenanças do culto
público, nas quais eles deveriam andar em um relacionamento
pactual com Deus como seu povo peculiar (É isso que se deve
entender da Antiga Aliança na qual eles tiveram um direito e
privilégio especial). Nada menos se pode deduzir a partir dessas
palavras: “Para te ser a ti por Deus, e à tua descendência depois de
ti”. O que é ainda mais evidente no seguinte relato dessas
transações no que diz respeito a Isaque e Ismael (Gênesis 17:18-
21).
Quando o Senhor prometeu a Abraão um filho que nasceria de
Sara, cujo nome deveria ser Isaque, Abraão ora por Ismael: “Quem
dera que viva Ismael diante de teu rosto!”. Os caldeus parafraseiam
isso assim: “Vivam e adorem diante de ti”. Não há dúvidas de que a
oração de Abraão era para que Ismael pudesse ser também um
herdeiro da bênção da aliança. Mas isso não lhe foi concedido uma
vez que o Senhor queria que apenas em Isaque será chamada a
sua descendência[164] pactual. Deus estabeleceria sua aliança com
Isaque, pois havia designado e escolhido apenas ele para ser o
herdeiro, o filho da promessa e da mulher livre. Entretanto, para
Ismael (como forma de demonstrar um favor especial a Abraão, de
quem era descendente) foi dito que ele: se multiplicaria e frutificaria
extremamente. Doze príncipes ou cabeças de grandes famílias
viriam dele (o que dá a ideia de uma analogia com as doze tribos do
Israel segundo a carne, cujo organização civil sob a Antiga Aliança
foi tipificado em Ismael) e Deus faria dele uma grande nação. Tudo
isso se daria à parte da bênção da descendência natural de Abraão
por meio de Isaque, da qual Ismael estava excluído. Está claro,
então, que o privilégio eclesiástico, bem como a prosperidade do
estado civil de Israel, teve origem na aliança da circuncisão.
O mesmo deve ser observado posteriormente acerca de Esaú,
a quem o Senhor rejeitou antes que tivesse nascido e excluiu do
privilégio e da bênção de sua aliança que foi feita apenas com Jacó.
Ainda assim, Esaú também foi pai de uma grande nação e de
muitos reis, e obteve a herança de muitas bênçãos terrenas
(Gênesis 27:39).
Assim, concluímos que a descendência carnal de Abraão não
poderia requerer um direito sobre as bênçãos eternas e espirituais
da Nova Aliança, como tal, por participarem da aliança da
circuncisão. Ainda assim, o privilégio e as vantagens de sua igreja-
estado, apesar de consistir imediatamente em coisas exteriores e
tipológicas, eram de muito mais valor e utilidade que quaisquer e
meras bênçãos terrenas. Isso porque desse modo puderam obter,
de certa forma, algum conhecimento de Deus e estarem mais
próximos dele do que quaisquer outras nações no mundo.
Capítulo 6

A Aliança da Circuncisão (II)

Duas Proposições Estabelecidas


§. 1. As passagens de Gênesis que acabamos de explicar nos dão
ocasião para ampliarmos algumas coisas que podem ser deduzidas
dos textos que já foram parcialmente considerados. O
esclarecimento posterior deles não apenas confirmará o que já foi
sugerido, mas também contribuirá grandemente para o
entendimento correto da natureza e fim dessa aliança da circuncisão
da qual estamos tratando. Isso removerá os fundamentos de muitas
deduções incorretas dos textos por parte daqueles que a partir
desses fundamentos errôneos definem os indivíduos que devem ser
batizados.
Eu me refiro ao que está resumido nestas duas proposições: 1.
O mediador e descendente distante da linhagem à qual as
promessas da aliança da circuncisão pertenciam, também estava
incluído e era participantes dela tanto quanto a descendência
imediata.
2. Desde que essa aliança foi estabelecida, alguns da
descendência direta de Abraão foram excluídos de terem
participação nela.
A Primeira Proposição Provada

§. 2. Começaremos pela primeira. A verdade dessa proposição


se vê nos termos expressos das promessas dadas a Abraão e para
sua descendência, e para as gerações posteriores. A aliança em si
é dita ser uma aliança perpétua que eles são estritamente
ordenados a guardar em suas gerações (Gênesis 17:7, 9 e 13).
Esses termos são utilizados uma vez que essa era uma aliança que
beneficiava tanto as gerações mais imediatas como as mais
remotas. Suas promessas incluíam e sua lei delimitava igualmente
ambas as gerações tantos as gerações mais imediatas como as
mais remotas durante todo o estado do sistema mosaico. O direito
da geração mais remota se derivava a partir de Abraão e da aliança
feita com ele, tanto como o direito de sua descendência mais
imediata, e de maneira alguma dependia da fidelidade de seus pais
diretos. Assim, a descendência imediata daqueles israelitas que
pereceram no deserto debaixo do desagrado de Deus herdaria a
terra de Canaã em virtude dessa aliança feita com Abraão. Eles
nunca poderiam ter desfrutado de Canaã em virtude da firmeza e
perseverança de seus pais imediatos na aliança.
Sua Confirmação Posterior

§. 3. Não se pode negar que aquela idolatria foi uma violação


completa e manifesta da aliança da circuncisão por parte dos
idólatras. Ainda assim, quando os israelitas do tempo de Ezequiel se
tornaram culpados das mais vis idolatrias, o Senhor ainda
reivindicava a participação pactual dos filhos deles em virtude dessa
aliança: “Além disto, tomaste a teus filhos e tuas filhas, que me
tinhas gerado, e os sacrificaste a elas, para serem consumidos;
acaso é pequena a tua prostituição?” (16:20-21). Os filhos dos
apóstatas israelitas eram de Deus assim como os filhos dos servos
fiéis. Isso não poderia ser assim se o direito à aliança que os filhos
tinham dependesse do bom comportamento de seus pais diretos.
Isso está de acordo com a história que temos de Matatias
quanto à reforma da igreja em seus dias. Vendo que muitos haviam
negado seu Deus e esquecido de sua verdadeira adoração, naquele
tempo em que eram perseguidos, ele, (agindo em conformidade
com a lei mosaica) executou a justiça sobre tantos dos apóstatas
quantos pudesse lançar suas mãos, e os matou (segundo o
testemunho de Flávio Josefo). Mas as crianças incircuncisas que
encontrou devido a esse tempo de apostasia, ele as tomou e
circuncidou. As palavras do autor em 1 Macabeus 2:46 são:
“Circuncidaram à força as crianças ainda incircuncisas nas fronteiras
de Israel”.[165] Sei que isso não tem mais força do que qualquer
outro testemunho humano, mas mostra com exatidão qual era o
entendimento daquele tempo no que diz respeito à participação das
crianças na aliança, ou seja, eles entendiam que a apostasia de
seus pais diretos não poderia prejudicá-los de modo a torna-los
inaptos à circuncisão. Isso nos leva fortemente a concluir que o
direito deles à aliança derivava de Abraão. Matatias que fez essas
coisas não apenas era um homem que zelava pela lei, mas também
que, podemos presumir, a entendeu melhor que a muitos clérigos
desde então.
Seu Apoio a partir da História Sagrada

§. 4. Não apenas as passagens anteriores, mas todo o curso


da Escritura em que essas coisas são mencionadas aponta nesse
sentido. É especialmente verdade que a passagem bíblica
mencionada anteriormente: “Tua descendência depois de ti em suas
gerações”, não admite nenhum outro sentido. De maneira alguma
essa passagem pode restringir a participação pactual à
descendência imediata. Mas assim como a expressão similar que
aparece em Gênesis 9:12 protege os filhos de Noé de perecerem
nas águas de um outro dilúvio até o fim do mundo, assim também
essa promessa concede a participação pactual à toda a
descendência de Abraão até os tempos da correção.
A descendência imediata, Isaque, não está excluída. Mas a
promessa vai muito além e seria cumprida em uma descendência
extremamente numerosa que se transformaria em um reino. Isso
não aconteceu até que Isaque e seu descendente direto já
estivessem mortos.
Além do mais, a herança prometida na terra de Canaã é dada
a essa descendência como possessão perpétua. Isso se cumpriu
quando eles herdaram sucessivamente a terra de geração a
geração depois que saíram do Egito. Assim, o que se quer dizer
com descendência era aquela que se propagaria por muitas
gerações, sendo que a expressão, “tua descendência depois de ti
em suas gerações”, inclui diretamente a última das gerações tanto
quanto a primeira. A circuncisão deveria ser observada por eles
(devido a promessa e a ordenança dada) em virtude da aliança
perpétua. A relação da descendência natural para com Deus em
uma aliança exterior tipológica, a herança de Canaã em virtude dela
e o selo da circuncisão tinham o mesmo prazo de validade e
expiraram juntamente.
A Igreja-Estado de Israel foi Edificada sobre essa
Aliança

§. 5. Para que essas coisas possam ser melhor


compreendidas, devemos observar que essa aliança da circuncisão
foi o fundamento sobre o qual a igreja-estado do Israel segundo a
carne foi construído.
Não digo que aquele estado-igreja tivesse sido constituído
exata e completamente por essa ordenança apenas. Mas que na
aliança da circuncisão estavam contidos os primeiros rudimentos
desse sistema. E isso aconteceu para que as promessas feitas a
Abraão fossem completamente cumpridas. E, portanto, o privilégio
da descendência carnal de Abraão, por causa da aliança da
circuncisão, não pode ser maior do que o privilégio de um judeu em
virtude do pacto mosaico.
Circuncisão: a Porta para a Comunhão em Israel

§. 6. E para provar isso, direi o seguinte: Em primeiro lugar, a


circuncisão era a entrada e os limites da comunhão na igreja
judaica. Assim o era pela ordem expressa do próprio Deus, o qual
impôs[166] que qualquer que quebrasse essa aliança ao negligenciar
a circuncisão deveria ser extirpado de seu povo (Gênesis 17:14).
Assim como a circuncisão era a porta de acesso ao privilégio para
eles, assim também ela era obrigatória. A circuncisão não apenas
os obrigava a obedecer a vontade de Deus que fora revelada a
Abraão, mas também a observar todas aquelas leis e ordenanças
posteriormente dadas a eles através de Moisés. Pois a pessoa
circuncidada estava obrigada a guardar toda a lei (Gálatas 5:3).
Essa obrigação se originava a partir do uso adequado e do objetivo
mais primitivo dessa ordenança. Em lugar algum lemos que Moisés
tivesse apontado outro ou novo objetivo ou algum outro uso para o
qual ela tenha sido designada que fosse diferente daquele que foi
revelado inicialmente. Do início ao fim, a circuncisão serviu para
esse povo como uma marca que os mantinha separados das outras
nações, e eles se vangloriavam disso. Portanto para pertencer
àquela aliança, da qual todos os direitos e privilégios como um povo
se derivava, era necessário que a circuncisão fosse feita. E, assim
como não houve alteração dessa marca, assim também não houve
alteração essencial ou mudança na aliança em si.
Como Levi pagou Dízimos estando ainda em Abraão

§.7. Em segundo lugar, o Novo Testamento se refere


expressamente à aliança da circuncisão no que diz respeito a toda
vantagem e privilégio de Israel segundo a carne. É assim que o
Espírito Santo fala através de Paulo em Romanos 3:1: “Qual é logo
a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?”. Perceba
que as expressões “vantagem dos judeus” e “utilidade da
circuncisão” são definidas como intercambiáveis. Elas implicam a
mesma coisa testamental; o que pertence a um, pertence a outro. E
sempre que a circuncisão é mencionada no Novo Testamento, ela é
tida como não menos pertencente à economia mosaica (apesar de
sua primeira instituição não ter sido através de Moisés, mas dos
patriarcas) do que qualquer outra parte da lei dada por intermédio
dele. Vangloriar-se na circuncisão é considerado o mesmo que
vangloriar-se na carne, assim como vangloriar-se em qualquer outro
privilégios que os judeus possuíam sob o Antigo Testamento
(Filipenses 3). Por tudo isso, podemos concluir seguramente que a
aliança da circuncisão era do mesmo tipo da aliança levítica, e que
foi posteriormente anexada a ela, ou construída sobre ela, para o
cumprimento completo de seu propósito.
Poderíamos considerar também o caso do pagamento de
dízimos de Levi por meio de Abraão. Isso não lhe poderia ser
atribuído a ele, se não estivesse em Abraão, considerado como o
cabeça de uma transação na qual Levi foi feito parte interessada por
meio de Abraão. O apóstolo não teria advogado isso em Hebreus
7:9-10 se aquela aliança com base na qual o sacerdócio levítico foi
fundado, e à qual pertencia, se ela não tivesse sido feita
originalmente com Abraão.
Israel foi Libertado do Egito em Virtude dessa Aliança

§.8. Em terceiro lugar, as Escrituras afirmam em todo lugar que


o Senhor conduziu Israel para fora do Egito, formou sua igreja-
estado ao estabelecer a ordem de seu culto solene entre o povo e
lhes deu a terra de Canaã em possessão, em memória de sua
aliança com Abraão e para cumprir Suas promessas. Considere por
exemplo as seguintes passagens: Êxodo 2:24-25; Deuteronômio
29:10-13; Neemias 9:7-9; Salmos 78 e 105. Nelas, o Senhor se deu
a conhecer para eles através de seu nome pessoal, Yahwéh; seus
pais sabiam que o cumprimento da promessa de fato dependia da
todo-suficiência do dele. Compare Êxodo 6 com Gênesis 17:1. Se
seguirmos o fio da Escritura em nossas inquirições sobre a origem
da aliança peculiarmente feita com Israel segundo a carne,
certamente seremos guiados àquela aliança que Deus fez com
Abraão para sua descendência natural, a qual foi selada pela
circuncisão. Ainda assim, tal aliança peculiar sempre foi tida no
Novo Testamento como velha e carnal. É uma aliança que é
distinguida da Nova Aliança e em muitos sentidos se opõe a ela
(Jeremias 31:31-34; Hebreus 8:8-13).
Nenhuma mínima objeção justa pode ser feita contra o que
dissemos sobre a ampliação dos termos e artigos da aliança da
circuncisão por ocasião de sua consumação no deserto, através do
estabelecimento da aliança mosaica. Pois tal ampliação de maneira
alguma infere qualquer diferença substancial da aliança da
circuncisão.[167] Visto que essa mudança pactual substancial só foi
efetuada por Deus através do Evangelho, no qual a Nova Aliança foi
confirmada, em Cristo, para Abraão. O que antes havia sido
resumido em uma promessa, “em ti serão benditas todas as
nações”, agora foi abundantemente ampliado, esclarecido e
preenchido com suas próprias ordenanças, e se tornou a regra
completa de obediência para a igreja, na plenitude dos tempos. O
Novo Testamento, porém, não é outro Evangelho diferente daquele
que foi pregado a Abraão, ou outra aliança diferente daquela que foi
anteriormente confirmada por Deus em Cristo. De semelhante
modo, o cumprimento da aliança da circuncisão foi reservado para o
tempo em que Deus realizaria o que havia prometido a Abraão, sem
que houvesse a mínima variação na natureza ou desígnio da aliança
em si.
A Segunda Proposição Provada

§. 9. Chegamos agora à segunda proposição, onde afirmamos


que desde o estabelecimento dessa aliança alguns da descendência
direta de Abraão foram excluídos.
As promessas da aliança pertenciam à linhagem de Isaque em
sua descendência de geração em geração, mas não pertenciam à
descendência direta de Abraão gerada por meio de Agar ou
Quetura. As promessas da aliança estavam restritas pelo cuidado
expresso do próprio Deus aqueles a quem Ele as fez pertencer, e
isso Ele fez para estabelecer os limites da participação e do
relacionamento pactual. Deus assim o fez desde o primeiro
momento da aliança da circuncisão (leia diligentemente Gênesis
17:19-21): “A minha aliança, porém, estabelecerei com Isaque”. Era
a descendência de Isaque, e não a de Ismael, que o Senhor
separaria para si, e daria a terra de Canaã, e com quem
estabeleceria seu culto solene entre eles para ser o Deus deles.
Abraão era tão crente e estava tanto no Pacto da Graça com Deus
quando gerou a Ismael como quando gerou a Isaque.
Caso se faça objeção que Ismael a princípio estava incluído e
tinha interesse na aliança, mas foi rejeitado posteriormente, e
lançado fora por ter zombado de Isaque de modo profano, eu
responderei o seguinte: Essa suposição é contra as palavras
expressas do texto em questão e contra a limitação a qual Deus, o
autor da aliança, impôs às suas promessas. Antes de Ismael ter sido
circuncidado Deus declara que não daria as promessas dessa
aliança a ele, mas a Isaque com quem ela seria estabelecida. Então
o fato de Ismael ter sido lançado fora da família de Abraão
posteriormente de maneira alguma nos permite inferir que até então
ele estava na aliança. O fato de Ismael ter sido lançado apenas
torna mais manifesto do nunca que a aliança não lhe pertencia. A
confirmação divina daquilo que Sara pediu está fundamentada
naquela revelação de sua vontade feita a Abraão. Isso é evidente
para quem quer que compare Gênesis 17 e 21:10-13. “Ponha fora
esta serva e o seu filho; porque o filho desta serva não herdará com
Isaque, meu filho”. Portanto, em seguida, Abraão voluntariamente
despediu os seus filhos que havia gerado com Quetura para longe
de Isaque e da terra prometida (Gênesis 25:1, 6). E Abraão fez isso
mesmo que esses filhos de Quetura não fossem culpados de
nenhuma perversidade como o foi Ismael, o qual havia zombado de
Isaque. Em todos aspectos eles aparentavam ser homens santos e
bons, verdadeiros filhos de Abraão pela fé em virtude do Pacto da
Graça; no entanto, eles não eram coerdeiros com Isaque em virtude
da aliança da circuncisão.
O Exemplo de Esaú

§.10. Também devemos observar que embora a descendência


aliançada de Abraão fosse chamada em Isaque, e seus filhos
diretos fossem apenas dois, Esaú e Jacó, o direito à bênção da
aliança não foi herdada igualmente por ambos. Porém, uma vez
mais o Senhor restringe os participantes de sua aliança ao rejeitar
Esaú e escolher Jacó antes mesmo que eles houvessem praticado
algum bem ou mal. Tudo isso aconteceu para que o propósito de
Deus segundo a eleição permanecesse firme e para que nos fosse
revelada sua poderosa e inspiradora soberania na dispensação
posterior da graça do Evangelho. De fato, por agir de modo profano
ao vender seu direito de primogenitura e por desprezar a sua
herança, Esaú se mostrou explicitamente indigno da bênção,[168]
mas mesmo antes disso acontecer Deus já havia declarado que
Jacó e sua descendência, e não Esaú, é que seriam os herdeiros
das promessas dessa aliança.
Pode ser por essa razão que Isaque e Jacó são mencionados
de maneira tão particular em Atos 7:8, por causa da limitação
especial das promessas feitas a eles, e porque eles eram a
descendência que foi trazida ao mundo em virtude da promessa
dada a Abraão.
Uma Objeção Respondida

§.11. Essas coisas estão tão claras perante nós na história


registrada nas Escrituras que dificilmente serão questionadas se
nossa mente não estiver eivada com alguma ideia que não seja
compatível com as Sagradas Escrituras. Mas alguns pleiteiam, com
sinceridade, “que toda descendência direta de Abraão era parte
interessada nessa aliança, e que o direito à promessa dessa aliança
lhes pertencia uma vez que o selo da aliança, a circuncisão, era
aplicado a todos os seus descendentes; entretanto, o uso desse
selo seria absurdo e inútil a não ser que eles tivessem parte naquela
aliança à qual tal selo pertencia”.[169] A isso eu respondo o seguinte:
1. De maneira alguma é bom que nossas conjecturas ou inferências
incertas se oponham ao testemunho expresso do próprio Deus ou
que sua sabedoria seja questionada por causa delas. Embora Deus
tivesse ordenado que Abraão circuncidasse Ismael, contudo, ao
mesmo tempo Ele declara que sua aliança seria estabelecida com
Isaque, e não com Ismael. Não foi concedido a Ismael uma
participação conjunta com Isaque nessa aliança, mesmo que
Abraão tenha intercedido por ele. Deus recusa a reivindicação de
Ismael e concede a ele apenas uma outra bênção inferior.
2. Abraão foi ordenado estritamente a circuncidar todos os
homens em sua família (inclusive aqueles que não eram sua
descendência, mas que foram comprados com dinheiro e os filhos
dos servos que nascessem em sua casa) como se fossem seus
próprios filhos (Gênesis 17:12-13). Essa obrigação permaneceu
válida para os herdeiros da aliança em suas gerações. Ainda assim,
nenhum desses servos (nem mesmo Ismael) se tornaram
participantes dessa aliança em virtude disso, como se as promessas
dela fossem seladas para eles através da circuncisão e garantisse
para eles a sua própria herança.
3. Assumir uma participação pactual sem o direito às
promessas do pacto do qual é participante é conceber uma ideia
absurda e fantasiosa ao invés da verdadeira participação pactual.
As promessas dessa aliança que Deus daria à descendência de
Abraão, chamada em Isaque, são a terra de Canaã por possessão
perpétua, e o ser o seu Deus em suas gerações e eles serem seu
povo peculiar. Podemos supor que essas promessas pertenciam a
Ismael e aos servos da família de Abraão? Se não, devemos
concluir que elas nunca foram concedidas a eles. Pois o
cumprimento dessas promessas era o cumprimento da aliança da
parte de Deus, cuja fidelidade se estende a todas as gerações. E se
as promessas da aliança não lhes pertenciam, então eles não eram
partes interessadas na aliança; e se não estavam na aliança, então
eles não foram circuncidados por causa de sua participação em tal
aliança, mas por obediência ao mandamento particular e cerimonial
de Deus.
Circuncisão: Um Selo da Aliança

§.12. A partir do que foi dito, parece-nos que a circuncisão foi


um selo da aliança sobre todos, mas não para todos, que foram
circuncidados. Era um selo da aliança para os filhos da aliança, e
concedeu direito a todas as bênçãos nela prometidas. Mas ela não
fez com que os escravos fossem livres na comunidade de Israel e
nem foi estabelecida por causa deles. Os servos não poderiam
reivindicar os privilégios exteriores de um israelita pelo fato de
serem circuncidados. Então dificilmente se pode concluir que
apenas pelo fato de terem sido comprados por algum judeu (talvez,
o próprio judeu que os comprou não era participante do Pacto da
Graça) eles teriam direito à bênção de uma Nova Aliança. Isso era
verdade soubessem eles ou não, ou fossem capazes ou não de
consentir com os termos daquela aliança. Esse pode ser o caso de
muitos deles, uma vez que a lei envolvia aqueles que foram
comprados em sua infância tanto quanto aqueles mais velhos. Tanto
um como outro deveria ser circuncidado por causa da ordem de
Deus dada ao israelita que os comprou. Talvez isso seja um tipo da
santidade da família de um israelita. Mas quer possamos entender
ou nõa o porquê disso, nos é suficiente saber que foi a sabedoria de
Deus que ordenou que as coisas fossem assim.
No entanto, isto é certo: era o mandamento positivo de Deus e
não simplesmente a participação na aliança que era o fato
determinante segundo o qual a circuncisão era administrada, e
segundo o qual os sujeitos e as circunstâncias eram determinados.
E do mesmo modo deve ser todas as coisas de natureza similar,
pois em matéria de direito positivo não se pode ter nenhuma base e
garantia para sua prática senão por meio de um preceito cerimonial.
Coisas desse tipo não se enquadram na luz da natureza ou nos
princípios gerais da religião natural. Porém, têm sua origem na
vontade particular, distinta e independente do legislador. Portanto,
inferências construídas a partir de ideias gerais podem rapidamente
nos levar a incorrer em erros, se por causa de tais inferências
estabelecermos leis para nós mesmos cuja extensão é maior do que
aquela expressa nas palavras do mandamento instituído por Deus.
Algumas Inferências a partir do Discurso Precedente

§.13. Com essas proposições formuladas, explicadas e


confirmadas irei encerrar este capítulo com uma ou duas inferências
fundamentadas no discurso anterior.
1. Aquele que obriga a si mesmo pelo mandamento e
participação nas promessas da aliança da circuncisão, está
igualmente obrigado a guardar todos os outros mandamentos dessa
aliança, uma vez que todos eles, juntos, constituem a aliança.
Portanto,[170] aquele que aplica alguma promessa específica ou
alguma parte dessa aliança à descendência natural (ou carnal) de
pais crentes (considerando que cada um dos pais é participante da
aliança no mesmo grau que Abraão) deve considerar seriamente
toda a parte promissória da aliança em seu verdadeiro sentido e
extensão, e ver se de fato é possível fazer tal aplicação sem que
com isso incorra em algo que é manifestamente absurdo.
Por exemplo, se eu puder concluir que minha participação
nessa aliança é tal que por uma de suas promessas tenho a
garantia de que Deus também fará a mesma aliança entre Si e
minha descendência direta, também devo concluir que minha
descendência nas gerações mais remotas não serão menos
participantes da mesma aliança com Ele, uma vez que a promessa
se estende às descendências em futuras gerações. E também devo
concluir que essa descendência será separada das outras nações
como um povo peculiar para Deus e terá a terra de Canaã por
possessão perpétua uma vez que todas essas coisas estão
incluídas na aliança da circuncisão. Entretanto, pelo fato de essas
coisas não poderem ser concebidas, nem serem defendidas por
ninguém que conheço, é certo que Abraão foi considerado nessa
aliança não na qualidade de pai dos crentes, mas na qualidade de
escolhido por Deus para ser o pai e representante federal[171] de
uma nação que, para fins específicos, seria separada para Deus por
meio de uma aliança peculiar. Quando esses fins foram alcançados,
a aliança, pela qual eles obtiveram aqueles direitos, foi abolida.
Ninguém pode pleitear algum direito de participação na aliança da
circuncisão sem com isso reviver todo o sistema construído sobre
ela.
2. A ideia de que essa participação na aliança é a base de
algum tipo de santidade federal nos filhos dos crentes sob o Novo
Testamento, que lhes dá o direito ao batismo, também está baseada
nas seguintes inconsistências: 3. Aqueles que defendem a ideia da
santidade federal nos filhos dos crentes sob o Novo Testamento
geralmente restringem os termos da participação pactual (se
considerarmos sua transmissão pela linhagem de Isaque) ao
limitarem a participação na aliança à descendência direta. No
entanto, essa aliança não era restrita assim, mas era completa e
igualmente validade tanto para as gerações mais remotas como
para a descendência imediata. Eles também excluem os servos e
escravos dos crentes, bem como os filhos deles, do privilégio que
eles desfrutavam sob a Antiga Aliança ao serem selados com a
marca do Pacto da Graça.
4. Por outro lado, (de acordo com o que já foi provado) eles
fazem com que a participação dos crentes nessa aliança seja muito
mais extensa do que a participação de Abraão o foi. Eles
consideram que toda a descendência direta dos crentes está
incluída nessa aliança, ao passo que, de todos os filhos de Abraão
segundo a carne, somente a Isaque foi concedida a herança da
bênção e das promessas dessa aliança.
Capítulo 7

A Aliança da Circuncisão (III)

O Verdadeiro Significado da Grande


Promessa
§. 1. Neste capítulo examinaremos o verdadeiro significado e
extensão da grande promessa da aliança da circuncisão, a saber: “E
estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência
depois de ti” (Gênesis 17:7). Também, a promessa de que Canaã
seria uma possessão perpétua para Israel, que é assegurada com a
mesma garantia: “E ser-lhes-ei o seu Deus” (versículo 8). Essa
inquirição é um tanto quanto necessária porque muitos julgam que
toda a bênção da Nova Aliança está compreendida nessas palavras
uma vez que a mesma promessa é feita como resumo e garantia
dessa aliança em Jeremias 31 e Hebreus 8. Com base nisso,
concluem que é o Pacto da Graça que Deus está estabelecendo
com Abraão, o qual foi selado com a circuncisão; e assim, por meio
dela, as bênçãos espirituais são transmitidas diretamente a ele e à
sua descendência. Por consequência, o que foi selado na sua
descendência pela circuncisão nada mais é do que a participação
dela na graça e na promessa da Nova Aliança.
Essa ideia milita contra várias coisas que já foram apontadas
no relato que temos dessa transação. Uma inquirição mais
sistemática mostrará que essa ideia não tem força o suficiente para
abalar os fundamentos já lançados e sobre os quais ainda se
construirá a doutrina do pacto no decorrer de nosso tratado.
Portanto, a fim de livrá-lo de quaisquer embaraços causados por
objeções levantadas a partir disso, procederemos gradualmente
para uma solução até que a dúvida seja dirimida.
Várias Premissas para que Cheguemos ao Entendimento
Correto

§. 2. Para que não sejamos mal compreendidos acerca do que


falaremos a seguir, prepararemos o caminho fazendo estas
considerações sérias: 1. O Pacto da Graça foi confirmado por Deus
a Abraão em Cristo Jesus em um tempo consideravelmente anterior
ao relato dessa transação em Gênesis 17. Abraão agiu não apenas
na qualidade de um crente em um aspecto privado, mas na
qualidade de um pai e representante de todos os crentes. E esse
relacionamento é peculiar a ele próprio; ninguém pode alegar uma
parceria com ele nisso.
2. Por ocasião do estabelecimento dessa aliança foi prometida
a Abraão uma descendência que certamente herdaria suas bênçãos
espirituais e eternas. A promessa era certa para toda a
descendência. Mas essa era uma descendência de crentes,
chamados de todas as nações e unidos à Cristo pela fé, e não os
filhos de Abraão segundo a carne. Isso está explícito em quase
todas as páginas do Novo Testamento.
3. Além do mais, já foi provado que Deus escolheu Abraão
para ser o fundador e pai de um povo tipológico, uma nação com a
qual ele entraria completamente em uma relação peculiar e de
proximidade. A eles Deus concederia muitos favores e privilégios
até que viesse a plenitude dos tempos, quando então Ele traria ao
mundo a Descendência à qual as promessas da Nova Aliança
pertenciam especialmente.
4. Um dos grandes objetivos da separação de Abraão e de sua
descendência, através de Isaque, de todas as famílias da terra era
trazer o Messias por meio de tal descendência. O Messias é o
cumprimento evidente da primeira e grande promessa. Esse foi um
privilégio que Abraão teve em sua carne, e também sua
descendência, ou seja, eles foram separados como um canal
específico por meio do qual a Descendência prometida seria trazida
ao mundo (Romanos 9:4-5).
5. Em virtude disso, o seu status pactual e privilegiado lhes foi
assegurado. Eles nunca poderiam estar alienados completa e
definitivamente dessa aliança em suas gerações[172] até que seu
grande objetivo fosse cumprido pela vinda do Messias em carne. Só
então é que o seu status pactual e privilegiado em virtude dessa
aliança da circuncisão cessariam, como a natureza da coisa em si
demonstra; pois a vinda do Messias em carne marcaria o tempo
final e o fim designado para a aliança da circuncisão. E assim, todos
os privilégios segundo a carne e todas as ordenanças de culto que
serviram para promover este status necessariamente cessaram e se
tornam inúteis.
6. Mesmo durante o tempo em que a aliança da circuncisão
reteve todo o seu vigor e todos os seus privilégios carnais
permaneceram úteis para eles na maior extensão possível, todas as
suas vantagens estavam aquém de assegurar-lhes uma
participação do Pacto da Graça. Eles nunca poderiam reivindicar
isso em virtude de serem os descendentes de Abraão segundo a
carne (Mateus 3:9). Pois a única coisa que poderia fazê-los
participantes do Pacto da Graça e das bênçãos dele não era o fato
deles serem descendentes de Abraão segunda a carne, mas sim o
andar nos passos da fé que Abraão teve. O apóstolo faz um
discurso amplo sobre isso em Romanos 4 e em muitos outras
passagens das Escrituras.
Israel Considerado de Duas Formas sob a Economia
Mosaica

§. 3. Então, as descendências carnal e espiritual, assim como


as alianças em que seus respectivos privilégios são estabelecidos,
são distintas uma da outra em sua própria natureza desde o
princípio. Sob a economia essas diferentes bênçãos se encontraram
comumente nos mesmos indivíduos, pois naquele tempo a
descendência de Abraão segundo a carne estava sob uma dupla
consideração.
1. Todo o corpo em que essas duas descendências assim
consideradas se encontram deve ser considerado como um povo
separado para Deus para os fins já mencionados, e formavam um
estado tipológico constituído através da lei de Moisés. Eles foram
investidos com privilégios carnais e uma herança terrena, e ambos
eram tipos das bênçãos espirituais sob o Evangelho.
2. Muitos deles eram verdadeiros e reais membros da igreja
espiritual. Eles formavam a assembleia dos redimidos do Senhor
que, pela fé, herdaram e desfrutaram dessas bênçãos espirituais;
para esses tais, os privilégios exteriores dos judeus segundo a
carne eram apenas sombras. É devido ao fato daquela nação ter
sido feita um tipo da igreja que ela foi também a única e verdadeira
igreja visível de Deus no mundo até então. Enquanto o muro de
separação permaneceu entre eles e os gentios, os oráculos de Deus
estavam confiados a eles, a verdadeira adoração de Deus foi
estabelecida no meio deles, as alianças da promessa foram dadas a
eles e o caminho da salvação pelo por um Pacto de Graça através
da Descendência prometida foi revelado a eles ainda que de modo
obscuro. De modo geral, o sangue daqueles que foram
especialmente eleitos por Deus corria em suas veias. O povo que
possuía uma participação salvífica em Deus e que era
verdadeiramente santo em sua maior parte estava entre eles, ao
passo que os gentios vivam sem Deus no mundo. Ainda assim, a
graça de Deus pode ter superabundado entre alguns dos gentios.
Portanto, aquela igreja que era não apenas tipicamente, mas
realmente, Santidade ao Senhor, encontrava-se dentro de seus
próprios limites. Assim como Isaque não era apenas um tipo dos
filhos da promessa no Novo Testamento, mas também era um
daqueles que pela fé de fato herdou as bênçãos espirituais de
Abraão; e como Jacó não era apenas um tipo da descendência
eleita, mas também verdadeiramente parte dela; também o mesmo
pode ser dito de todos os que vieram depois da circuncisão e que
não pertenceram apenas a ela, mas também andaram nos passos
da fé de seu pai Abraão, a qual ele teve mesmo antes de ser
circuncidado. Em certo aspecto, eles eram um tipo, e em outro
aspecto, eram os verdadeiros membros da universal assembleia e
igreja dos primogênitos.[173] Naquele aspecto eles eram um tipo no
que diz respeito à carne, e nesse eles são o antítipo pela fé que
obtiveram.
O Israel de Deus em Israel

§. 4. Desse Israel que havia dentro de Israel,[174] duas coisas


devem ser observadas: 1. Apesar de sua participação na promessa
pela fé, os israelitas verdadeiramente crentes não estariam livres do
julgo e da disciplina da lei de Moisés até que Cristo viesse, mesmo
que eles fossem, de fato, filhos de Abraão em seu caráter espiritual.
Pela graça de uma promessa gratuita que a lei não poderia anular,
eles foram libertados do rigor da lei no que diz respeito ao seu
estado espiritual e eterno. Entretanto, à medida que eles ainda eram
como crianças, a pedagogia sob a qual estavam em nada diferia
daquela dos servos; eles não poderiam se livrar desse professor ou
aio, a lei, antes da vinda de Cristo.
2. Eles foram abençoados com bênçãos espirituais e tiveram
participação na vida eterna mesmo estando debaixo da circuncisão
e sob a lei. Mas nenhum deles obteve essas coisas pela circuncisão
ou pela lei. Todo o sistema a que o Israel segundo a carne estava
submetido era insuficiente e impotente em e por si mesmo para o
propósito da bem-aventurança eterna e da justificação de um
pecador perante Deus. A lei e a circuncisão não poderiam torná-los
perfeitos, nem fazer com que a descendência segundo a carne
herdasse bênçãos espirituais. Todavia o direito deles sempre esteve
fundamentado em um relacionamento espiritual com Abraão e em
um interesse na promessa da qual a aliança da circuncisão era
serva. Portanto, aqueles que confiavam em seus privilégios carnais
e buscavam a bem-aventurança eterna por causa deles perverteram
seus verdadeiros objetivos e nunca puderam obter o que buscavam.
A aliança da circuncisão pertencia ao corpo da descendência
carnal, até mesmo à igreja Judaica. O fundamento de seu estado
repousa nela e seus direitos e privilégios nela estão expressamente
estabelecidos “por suas gerações”. Assim como reconhecemos
prontamente que a promessa em questão pertence à descendência
de Abraão segundo a carne, também com razão afirmamos que tal
promessa deve ser considerada em um sentido tal qual como
verificado naquele povo e nação a quem ela pertencia, e que de
maneira alguma ela contradiz ou interfere no plano geral do
Evangelho ou no significado claro e indiscutível de outros textos da
Escritura.
A Promessa Plenamente Explicada

§. 5. Tendo estabelecido as premissas, observaremos mais de


perto as palavras em si e inquiriremos quais são os benefícios e as
bênçãos asseguradas a essa descendência de Abraão.
É evidente que esta promessa: “Eu serei o seu Deus”, e a
anterior encontrada em Gênesis 17:7, dá uma garantia geral acerca
de algum benefício ao povo que pertencia a essa aliança. Mas não
se deve supor que essas são promessas consistem em algum
benefício ou bênção específicos de natureza superior do que está
compreendido em quaisquer outras promessas dessa aliança da
circuncisão. Pois o verdadeiro significado dessa promessa genérica
é: “Deus comprometeu-Se, com todos os atributos de sua natureza,
ao cumprimento exato de todas as promessas da aliança feita com
eles, segundo o verdadeiro caráter e condições dela”.[175] Todas as
perfeições divinas são colocadas como garantias de que as
promessas, da parte de Deus, não falharão, uma vez quer serão
eficazes, conforme a necessidade exige, para o bem e para a
vantagem desse povo. Contudo, as comunicações de Deus para
eles e os atos de Deus por eles, tanto no que diz respeito às
bênçãos que Ele os concederia quanto aos termos e condições sob
os quais tais coisas seriam concedidas, são limitados pela aliança
que Deus fez com eles e pela natureza e extensão das promessas
contidas nessa aliança.
Ficará mais claro que esse é o sentido verdadeiro dessa
promessa, se considerarmos os termos dela de modo apropriado:
“Eu serei o seu Deus” (ou seja, serei Deus para eles e assim terão
interesse[176] em todas as perfeições da minha natureza).
Ou Deus está obrigado por essa promessa a comunicar a si
mesmo no mais alto grau possível a todos quantos tal promessa foi
feita, e fazer, de fato, tudo o que pode ser feito por eles (sem que
isso implique em contradição a seu ser e suas perfeições infinitas), e
levá-los ao mais alto grau de felicidade que for possível para a
bondade onipotente, ou o benefício prometido deve enquadrar-se
em alguma limitação específica. Caso se enquadre em alguma
limitação (como certamente é o caso), tal limitação deve ser
estabelecida: ou pelo sentido dos termos nos quais a promessa é
feita, como considerado de fato ou por eles mesmos, ou de alguma
outra maneira. A primeira opção não pode ser afirmada uma vez
que os termos são genéricos e indeterminados. Por conseguinte, o
benefício prometido deve ser limitado de alguma outra maneira, a
saber, as promessas e condições específicas dessa aliança à qual
essa promessa genérica pertence e à qual os limites são impostos.
E se assim o for, então não há e nem pode haver promessa de
qualquer benefício que possa comunicar mais bem do que aquilo
que é permitido pela natureza da própria aliança e particularmente
pelo que é dado como direito aos participantes dela.
Posto que essas coisas são assim, então ninguém pode provar
que exista a garantia de bênçãos espirituais ou de um direito às
ordenanças do Evangelho para a descendência carnal de Abraão
(ou de qualquer outro crente como tal) a menos que seja
apresentada uma promessa específica que contenha tal garantia ou
lhes conceda tais direitos.
A Explicação Confirmada

§. 6. Assim, o sentido principal e completamente expresso


desse compromisso nada mais é do que o resultado necessário de
qualquer transação pactual de Deus para com os homens. Pois
onde quer que sua verdade esteja comprometida em uma
promessa, todos os atributos de sua natureza também estão
comprometidos para levar essa promessa a bom efeito. Portanto, tal
promessa contém, em sua própria natureza, a garantia genérica de
qualquer aliança que Deus faça com os homens. Ela não pode por
si mesma ser o caráter distintivo de qualquer aliança em oposição
ou contraposição à outra. Ela também não pode determinar os tipos
de bênçãos prometidas ou a maneira pela qual as bênçãos devem
ser desfrutadas.
Essa promessa é igual e indiferentemente anexada tanto à
Antiga Aliança como à Nova Aliança, ao Pacto de Obras como ao
Pacto da Graça. A verdade disso ficará clara quando ao
comprarmos diligentemente Hebreus 8 com Jeremias 31, e com
Gênesis 17; Êxodo 6:7 e Deuteronômio 26:17-18. Portanto, não há
razão para concluirmos que, por encontrarmos essa promessa no
Pacto da Graça, toda aliança na qual ela também seja encontrada
deve possuir a mesma natureza que o Pacto da Graça. A aliança
não é medida por essa promessa, mas, ao contrário, seu sentido
específico é limitado e definido pela aliança à qual tal promessa
pertence.
A História de seu Cumprimento para com Israel

§. 7. Até aqui me empenhei em mostrar o sentido genuíno e o


verdadeiro significado dessa grande promessa na aliança da
circuncisão, e apresentar as razões pelas quais ela isso pode ser
confirmado. O que já foi dito pode ficar mais claro através de uma
breve descrição da história do cumprimento dessa promessa nas
Sagradas Escrituras: O Senhor abençoou Abraão, Isaque e Jacó
abundantemente e os guiou em suas peregrinações de nação a
nação e de um reino a outro povo. Quando houve fome na terra de
Canaã e em países vizinhos, Deus proveu por meio de uma
maravilhosa série de providências o sustento da família de Jacó ao
enviar José antes deles à terra do Egito. Por causa deles, Deus o
elevou José a tal capacidade que não apenas os poupou da fome
como também preservou a vida de outras milhares de pessoas.
Quando a casa de Jacó foi dessa maneira levada à terra do Egito, o
Senhor esteve com eles ali. E quando se aproximou o tempo da
promessa, Deus os fez crescerem e multiplicarem-se
abundantemente.
Os egípcios procuraram por todos os meios oprimir e lidar
astutamente com eles, mas ainda assim as artimanhas e crueldades
deles de nada adiantaram, pois quanto mais os hebreus eram
oprimidos, mais cresciam. Em meio à sua aflição calamitosa Moisés,
a quem o Senhor designou para lhes servir de libertador e salvador,
foi trazido ao mundo. Para esse propósito Moisés foi preservado
miraculosamente de todos os perigos e tentações desde o seu
nascimento até ao tempo em que fora enviado a realizar a sua
grande obra.
Quando a escravidão de Israel se tornou extremamente severa
os olhos do Senhor ainda os comtemplavam, e Ele ouviu o clamor
deles, lembrou-se de sua aliança com seus pais e enviou Moisés e
Arão para libertá-los. Então Ele movimentou o seu arco (Habacuque
3:9) e operou uma série de milagres através de sinais, maravilhas e
obras poderosas, pelos quais seu nome passou a ser celebrado por
todas as gerações. Naquele exato que Deus havia prometido aos
seus pais, Ele os tirou da terra do Egito e os libertou da casa de sua
escravidão com mão poderosa. O Senhor abriu o Mar Vermelho
perante eles e os guiou por terra seca, mas enterrou a Faraó e toda
sua tropa nas mesmas águas, as quais serviram como um muro à
direita e à esquerda enquanto os redimidos passavam por elas.
Ele também os guiou no deserto e lhes proporcionou o sinal
visível de sua presença em uma coluna de nuvem durante o dia e
de fogo durante a noite. Com sua mão direita escreveu uma lei para
eles, porque Ele os amava. Por meio dela, foram formados tanto o
governo civil como o eclesiástico, por meio dos quais eles
imediatamente se submeteram ao Senhor e foram feitos um reino de
sacerdotes e uma nação santa. O tabernáculo do Senhor foi erguido
no meio deles de modo que nenhuma outra nação debaixo do céu
estava tão próxima de Deus como o Senhor seu Deus estava deles
em tudo o que eles faziam. Além disso, Ele lhes deu o seu bom
Espírito para instruí-los, ao derramá-los sobre Moisés, Arão, Miriã,
os setenta anciãos e os profetas que de tempo em tempo eram
levantados por Deus no meio deles. O Senhor também os alimentou
com o maná do céu e lhes deu água da rocha para beber. Por todos
os quarenta anos de peregrinação no deserto seus pés não se
incharam nem suas roupas se envelheceram.
Ele também secou o Jordão, os levou para a terra de Canaã, e
expulsou diante deles nações mais numerosas e mais poderosas do
que eles. Ali Deus os abençoou com bênçãos do céu e da terra de
modo que nada lhes faltou de todas as boas coisas as quais o
Senhor lhes havia prometido (Josué 23:14); eles foram feitos
prósperos e alegres porque o Senhor era o Deus deles (Salmo
144:15). Apesar de todas as provocações do povo de Israel, o
Senhor teve compaixão deles de maneira que seu cetro não se
apartou de Judá, nem o legislador dentre seus pés, até que viesse
Siló (ou seja, Cristo). Essas coisas estão resumidas em Neemias 9,
Salmos 105 e 144 e Atos 7.
As Bênçãos de Israel Segundo a Carne

§. 8. No que diz respeito a tudo isso e a outras coisas de


natureza semelhante que já foram mencionadas, havia uma glória
no ministério do Antigo Testamento (2 Coríntios 3:7-11). Os judeus
tiveram grande vantagem e havia proveito na circuncisão. Mas a
maior vantagem era esta: Que a eles foram confiados os oráculos
de Deus (Romanos 3:1-2; 9:4). As alianças da promessa pertenciam
a eles e o culto solene de Deus foi estabelecido entre eles. A
Salvação vinha dos judeus (João 4:22). Nessas coisas é que se
cumpriu a promessa de que o Senhor seria um Deus para eles em
suas gerações. Mas ainda assim, tudo isso está longe de implicar
em uma participação verdadeira, pessoal e salvífica no Pacto da
Graça[177] como o apóstolo Paulo argumenta em sua epístola aos
Romanos, particularmente nos capítulos 9, 10 e 11. Paulo não
poderia ter afirmado que o fato de os oráculos de Deus terem sido
confiados a eles era o principal ou maior benefício da circuncisão,
se Deus tivesse feito com que a circuncisão fosse o selo da
participação deles no Pacto da Graça. Pois uma participação no
Pacto da Graça sem dúvida é algo muito maior do que qualquer
benefício ou vantagem exteriores.
Além do mais, os judeus tiveram o privilégio de o Filho de
Deus ter se encarnado da descendência de Abraão, e de ter Se
manifestado entre eles, e sido feito o ministro da circuncisão para o
cumprimento das promessas feitas aos pais (Romanos 15:8).
Também, a primeira oferta da graça da salvação do Evangelho
pertencia aos judeus por direito. A pregação do arrependimento e da
remissão de pecados no nome de Cristo começou em Jerusalém
(Lucas 24:47). E essa era uma prova do grande favor de Deus, e um
grande encorajamento para que eles recebessem o Evangelho e
abraçassem a esperança de salvação por meio de Cristo conforme
oferecido gratuitamente pela pregação do Evangelho. Para esse
propósito, Pedro (Atos 2:38) insta: “Arrependei-vos, e cada um de
vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos
pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo; porque a promessa
vos diz respeito a vós, a vossos filhos...”. A promessa a qual ele se
refere é aquela citada anteriormente acerca da salvação de todos
que invocassem o nome do Senhor nos dias do Evangelho, e do
derramamento de seu Espírito sobre toda carne (veja os versículos
17-21).
A promessa do Espírito também é mencionada por Paulo como
a grande bênção do Evangelho em Gálatas 3:14. O Espírito seria
derramado sobre muitos, concedendo-lhes dons miraculosos e
extraordinários, e sobre todos os verdadeiros crentes segundo a
regra do Novo Testamento. De maneira semelhante, o apóstolo os
exorta à obediência do Evangelho para que eles obtivessem a
remissão de seus pecados e recebessem o dom do Espírito Santo.
Ele os assegura disso, com as seguintes palavras: “a promessa é
para vocês e seus filhos...”, em outras palavras o que ele quis dizer
é, vocês de maneira alguma estão excluídos da esperança dessa
bênção apesar de terem sido traidores e assassinos do próprio
Cristo; pelo contrário, vocês (como judeus) têm um interesse
especial na promessa, pois o cumprimento dela começará entre
vocês e é a vocês a quem primeiramente pertence a oferta dela.
Eles não poderiam ter uma participação verdadeira na
promessa para a salvação até que cressem e se arrependessem.
Mas, como foi explicado anteriormente, a promessa era para eles
enquanto incrédulos. Em um sentido semelhante, o apóstolo Paulo
diz a respeito deles que as alianças e as promessas (bem como a
concessão da lei e do ministério levítico) pertenciam a eles
(Romanos 9:4). A aliança deles trouxe a salvação até eles. Mas era
o recebimento da oferta dessa salvação pela fé que lhes daria uma
participação especial nessa aliança. E a participação de seus filhos
ou de seus descendentes nas promessas não pode ir além da
participação deles mesmo, de quem, como é suposto, tais
promessas derivam-se. Com efeito, Pedro diz a mesma coisa
acerca do mesmo povo a fim de persuadi-los à obediência à
doutrina de Cristo em Atos 3:25-26: “Vós sois os filhos dos profetas
e da aliança que Deus fez com nossos pais, dizendo a Abraão: Na
tua descendência serão benditas todas as famílias da terra.
Ressuscitando Deus a seu Filho Jesus, primeiro o enviou a vós,
para que nisso vos abençoasse, no apartar, a cada um de vós, das
vossas maldades”.
No Novo Testamento vemos que, de acordo com essa
verdade, os apóstolos, ao proclamarem as boas novas do
Evangelho, dirigiam-se primeiramente aos judeus, pois
consideravam necessário que a Palavra de Deus fosse pregada
primeiro a eles (Atos 13:46-47).
A Aliança da Circuncisão não é o Pacto da Graça

§. 9. A partir das considerações já feitas sobre a aliança da


circuncisão, de sua natureza e de suas promessas, seguem-se
estes corolários: 1. Essa era uma aliança de graça e misericórdia,
[178] originária da mera bondade e do favor imerecido de Deus para

com Israel (Deuteronômio 7:7-8). Nela privilégios excelentes foram


dados a eles, privilégios aos quais nenhuma outra nação debaixo de
céu tinha direito. Esses privilégios foram conferidos a eles para a
continuação do grande desígnio da graça de Deus no Pacto da
Redenção por Cristo. Mas essa aliança não é aquele Pacto da
Graça que Deus fez com Abraão para toda a sua descendência
espiritual, e que posteriormente foi confirmado por Deus em Cristo,
e pelo qual todas as nações (isto é, os verdadeiros crentes de todas
as nações) foram desde então, são agora e sempre serão
abençoados com as bênçãos espirituais e eternas de Abraão.
2. Embora seja certo que essa aliança da circuncisão esteja,
em última instância, relacionada a bênçãos espirituais (uma vez que
foi preparada na sabedoria soberana de Deus em subordinação ao
Pacto da Graça e adicionada à promessa até que viesse a plenitude
do tempo), contudo, ela não era imediata e diretamente uma aliança
de bênçãos espirituais; nem jamais ela poderia conceder, em si
mesma, para a descendência carnal de Abraão, o direito e a
participação em bênçãos espirituais.
3. Apesar das promessas feitas nessa aliança da circuncisão e
da separação de Israel para ser um povo peculiar de Deus para
buscar essas promessas, a igreja-estado de Israel foi constituída
pela aliança que foi feita no deserto, a aliança mosaica. Isso se deu
quando o tempo estabelecido para o cumprimento daquelas
promessas chegou ao seu término. Ainda assim, naquele tempo
essa aliança da circuncisão não confinou o culto solene a Deus (por
sacrifícios ou qualquer outra forma) à família de Abraão. Outros
homens santos de então que não eram de Israel não estavam
obrigados de maneira alguma a incorporar a si mesmos naquele
igreja-estado através da circuncisão e de levarem sobre si esse
sinal ou selo da aliança de peculiaridade que Deus fez com Abraão.
Entretanto, sem dúvida eles teriam de fazer isso se desde seu
primeiro estabelecimento, a circuncisão tivesse sido dada simples e
diretamente como um selo do Pacto da Graça; pois nesse caso, em
razão de sua participação nesse Pacto, tanto no que diz respeito
aos deveres como aos seus direitos, esse selo pertenceria a eles
tanto quanto à família de Abraão.
Outros Homens Santos que não Viveram Debaixo da
Obrigação da Circuncisão

§. 10. Quando olhamos para a história sagrada fica evidente


que a ordem em virtude da qual a circuncisão foi administrada não
se estendia para além de Abraão e sua família. Portanto, não temos
fundamentos para concluir que Ló (apesar de ser intimamente ligado
a Abraão) era circuncidado. Não há nada no comando de Deus ou
no primeiro estabelecimento da circuncisão que o obrigava a ela ou
o fazia participante na aliança da circuncisão. Ainda assim, não há
dúvidas de sua participação no Pacto da Graça.
E Jó não era o único homem justo vivendo no mundo além da
família de Abraão; os patriarcas Éber, Selá e Sem, por exemplo,
também estavam vivos. Eles tinham suas próprias famílias e
interesses de modo que não há dúvidas de que o culto puro e
solene a Deus era mantido entre eles e de que eles promoviam a
verdadeira religião na medida do possível enquanto viveram.
Melquisedeque também estava vivo nessa época. Se ele antes
se chamava Sem ou se tinha algum outro nome, não é de nosso
interesse para o presente propósito. Mas isto é certo: era ele o
sacerdote do Deus Altíssimo e rei de Salém. Em ambos os
aspectos, de sacerdote e rei, ele era o tipo mais eminente de Jesus
Cristo que já existiu no mundo; alguém maior do que Abraão, pois
Abraão deu-lhe o dízimo de tudo e foi abençoado por ele.
Considerando que ele era tanto rei como sacerdote, não há dúvida
de que havia uma sociedade de homens que era governada por ele
e para quem ele ministrava, uma vez que um sacerdote é
constituído a favor dos homens em coisas que dizem respeito a
Deus.[179] Tal sociedade era igreja de Deus naquele tempo tanto
quanto a família de Abraão, e tinham tanta participação no Pacto da
Graça como qualquer um deles. Ainda assim, eles não eram partes
envolvidas na aliança da circuncisão nem deveriam receber o selo
dela. E assim, fica claro que a circuncisão não era aplicada como
um selo do Pacto da Graça, nem aqueles que eram circuncidados
necessariamente estavam no Pacto da Graça.
Outrossim, supor que todos os homens piedosos de então
foram circuncidados como Abraão o foi, e que suas descendências
estavam obrigadas a guardar essa aliança em suas gerações como
Abraão estava, frustraria necessariamente um dos maiores (senão o
maior) objetivo da circuncisão e da aliança ao qual ela pertencia, a
saber: separar uma família e um povo de todos os outros povos do
mundo para a vinda do Messias, a Descendência prometida, o Qual
nasceria deles e dentre eles para que se cumprissem todas as
promessas feitas aos pais. Além disso, a promessa dessa aliança
no que diz respeito à herança da terra de Canaã nunca poderia ter
sido feita a todos eles, ou seja, a todos os homens piedosos do
mundo de então. Entretanto e apesar disso certamente o selar da
promessa era algo que se pretendia pela circuncisão.
Parece que, por um lado, havia uma ordem positiva[180] que
tornava a circuncisão necessária a muitos que nunca tiveram
interesse no Pacto da Graça; e, por outro, desde que a primeira
circuncisão foi feita houve muitos que verdadeiramente eram
participantes do Pacto da Graça que não estavam obrigados à
circuncisão. Isso demonstra o quão longe da verdade está a
conclusão de que a participação na Nova Aliança pode ser inferida a
partir do direito à circuncisão.
O Conceito de Membresia Infantil na Igreja Considerado

§. 11. Eu poderia terminar esse capítulo aqui, mas julgo ser


conveniente explicar brevemente que a ideia de “membresia” infantil
na igreja, que é muita falada utilizando-se como referência àqueles
tempos, e de cuja história também já falamos. Isso porque à luz do
que já foi dito podemos nos guiar ao entendimento correto da
verdadeira questão acerca desse. Muitos afirmam que existe
membresia infantil desde o começo da igreja no Novo Testamento e
isso se dá uma importância muito grande na controvérsia acerca de
quem são os sujeitos legítimos do batismo. Considera-se que a
circuncisão proporciona um firme fundamento para que seja
aplicado o selo[181] da Nova Aliança aos filhos[182] de crentes. De
minha parte, não encontro nas Escrituras ocasião para longos
tratados acerca disso e não pretendo ser mais sábio do que aquilo
que está escrito ali. Portanto, com poucas palavras, me empenharei
para apresentar algumas coisas fundamentadas que encontro nos
relatos das próprias Escrituras, as quais considero suficientes para
determinar nossos pensamentos bem como a questão que agora
estamos inquirindo:
Cinco Propostas Consideradas

§. 12. 1. O termo “igreja” nas Escrituras não é aplicado a


nenhuma sociedade específica de homens unidos em um corpo a
fim de manter o culto solene e público de Deus antes que os filhos
de Israel estivessem completamente formados em uma igreja-
estado pela aliança que Deus fez com eles no deserto. Eles vieram
a ser chamados de igreja no deserto, em Atos 7:38. Ainda assim,
não tenho dúvida de que todos os homens piedosos de antes
daquele tempo pertenciam à igreja que Cristo redimiu com seu
sangue e que Cristo os fez membros de seu corpo. Eu admito que
podemos (usando o termo em seu sentido mais amplo) chamar
qualquer família ou sociedade de homens que verdadeiramente
adoravam a Deus de igreja de Deus. Não obstante, se
considerarmos as circunstâncias no que diz respeito aos diferentes
estados de coisas naqueles tempos diferentes, ficará claro que
nenhuma sociedade anterior à formação da igreja judaica pode ser
chamada de igreja em um sentido tão próprio e estrito como os
filhos de Israel podiam ser chamados. Pois nenhuma outra
sociedade foi assim constituída em uma igreja-estado como eles o
foram.
2. Antes do tempo de Abraão não houve instituição alguma de
sinal ou selo exterior de qualquer aliança que devesse ser aplicado
tanto em infantes como em adultos. Portanto, não pode ter havido
uso entre deles de nenhuma cerimônia[183] desse tipo ou algum
direito solene de iniciação a algum privilégio na igreja. Tudo o que
se pode dizer das crianças nascidas nessas famílias e sociedades é
que elas estavam sob uma graça e providência de Deus mais
especial do que as demais, uma vez que eram membros de uma
família que era participante do Pacto da Graça. Elas também tinham
o benefício de serem constantemente os alvos de orações contínuas
e de uma instrução diligente e precoce, sendo criadas na doutrina e
admoestação do Senhor. Pela disciplina a que estavam submetidas,
elas eram preservadas de muitos laços e tentações às quais outros
eram passíveis. E sendo estimuladas à religião por exemplos
piedosos e santos daqueles com quem conversavam, tão cedo
quanto eram capazes (caso, ao crescer, não tenham se entregado a
uma vida ímpio e pagã) eles de fato se juntaram às suas famílias e à
sociedade a qual pertenciam no culto solene a Deus.
3. Se considerarmos a membresia da igreja conforme aquele
tempo em que a circuncisão foi inicialmente instituída, não podemos
concluir que o direito a esse selo resultava dela. Pois é certo que os
patriarcas e outros homens piedosos no mundo de então, bem como
suas famílias, eram tão membros da igreja quanto Abraão e sua
família. No entanto, eles não deveriam ser circuncidados, pois era a
lei específica e a instituição cerimonial dessa ordenança que
determinavam por si só seus sujeitos.
4. Além do mais, não era o fato de ser membro da família de
Abraão isolada e simplesmente considerada que levava a pessoa a
estar debaixo da lei da circuncisão, à parte das outras
circunstâncias de tempo e sexo expressamente estabelecidas na
instituição desse selo, uma vez que a circuncisão deveria ser
aplicada apenas aos homens, apesar de o direito de ser membro da
daquela igreja pertencia também às mulheres. Dizer que a mulheres
não eram sujeitas capazes de serem circuncidadas não é resposta
satisfatória, pois se fosse do agrado de Deus ter feito a membresia
da igreja a razão e o fundamento para a aplicação desse selo da
aliança, ele poderia facilmente ter designado algum outro sinal que
todos tanto homens como mulheres fossem capazes de receber.
Além disso, como podemos afirmar que as mulheres eram
completamente incapazes de qualquer tipo de circuncisão, senão
pelo fato de que Deus não exigiu tal coisa? Vitriacus[184] relata que
tanto os jacobitas[185] e os habassinos[186] circuncidavam tanto
homens como mulheres. Portanto, a coisa em si não é impossível.
Aquilo que tem sido feito agora, poderia ter sido feito antes. Também
sabemos que a circuncisão dos homens estava limitada ao oitavo
dia. Não poderia ser feita antes ou depois. Os escravos que eram
comprados com dinheiro precisavam ser circuncidados apesar de
não serem membros da igreja, nem seus filhos. Com tudo isso, fica
claro que eles não procediam tendo como base a ideia de uma
membresia na igreja, mas eram governados pela instituição divina
no que diz respeito a circuncidar ou não circuncidar.
5. Por último, é certo que as crianças judias já nasciam como
membros daquela igreja. Elas tinham esse privilégio segundo a
carne. Mas isso claramente pertencia à igreja-estado tipológica e
nacional daquele povo. Esse estado foi dissolvido pelo Evangelho e
é tão inconsistente com seu ministério que a adoção de um
necessariamente assume a abolição do outro. Portanto, o direito e o
privilégio dos judeus, que era o próprio fundamento de sua igreja-
estado nacional, como que separados dos gentios, não pode ser
transferido para o Evangelho, uma vez que não condiz com a
dispensação evangélica.
Além do mais, por todo o Evangelho é evidente que o direito
de membresia na igreja judaica não poderia dar a alguém, seja
infante ou adulto, o mesmo direito de membresia na igreja do
Evangelho. Nunca ouve ninguém que tivesse sido admitido, eo
nominee,[187] à igreja do Evangelho por ter aquele direito segundo o
estado da Antiga Aliança. E há boas razões para concluir que a
descendência carnal dos crentes não pode obter maior privilégio a
partir da aliança da circuncisão do que aqueles que foram recebidos
pela própria descendência carnal de Abraão. A aliança da
circuncisão não podia conceder aos descendentes carnais de
Abraão uma participação na igreja dos tempos do Evangelho ou dar-
lhes um direito ao batismo antes que eles viessem verdadeiramente
a atender aos termos do Evangelho pela fé e pelo arrependimento.
Semelhantemente, nada senão a fé e o arrependimento podem
conceder uma participação na igreja dos tempos do Evangelho ou
dar-lhes um direito ao batismo aos filhos dos crentes (mesmo se
supuséssemos que eles tivessem alguma participação na aliança da
circuncisão, o que de fato, eles não o têm).
Portanto, uma vez que a circuncisão da Antiga Aliança era
administrada segundo a lei cerimonial e segundo a vontade revelada
do Senhor, assim também deve ocorrer com o batismo hoje, e de
nenhuma outra forma. Não vejo fundamento algum para aceitar o
pedobatismo até que encontremos um mandamento da lei de Deus
que o justifique, como foi o caso da circuncisão das crianças judias
do sexo masculino.
Capítulo 8

A Referência Mútua das Promessas Feitas


a Abraão

O Propósito Geral deste Capítulo


§. 1. No capítulo anterior me emprenhei em discutir as promessas
dadas a Abraão de maneiras diferentes, primeiro acerca daquelas
que pertenciam à sua descendência espiritual e, depois, acerca
daquelas pertencentes à sua descendência carnal. Essas
promessas, apesar de suas diferentes naturezas e importâncias,
são frequentemente misturadas na mesma transação de Deus com
Abraão pelo fato de ambas nos serem apresentadas nas Sagradas
Escrituras como que entrelaçadas uma à outra. A sequência de
nosso tratado agora nos leva a fazer uma inquirição mais exata da
relação mútua entre as promessas que tornam necessárias ou dão
ocasião para tal mistura.
A Mistura das Promessas

§. 2. A primeira coisa que consideraremos aqui é que a ordem


ou disposição das promessas é perfeitamente adequada à
dispensação daqueles tempos no quais elas foram feitas e para
aquele estado da igreja israelita que não muito depois seria
constituída; pois tais coisas foram transacionadas muito antes do
tempo designado para o claro raiar da luz do Evangelho ao mundo,
que não era de se esperar até que Cristo viesse em carne. Antes
disso a lei seria dada e o sistema da Antiga Aliança permaneceria
por muitas gerações. Assim, embora o Evangelho tivesse sido
pregado a Abraão, ele não foi concedido a com a nitidez e a clareza
como pertence só ao Novo Testamento. O Evangelho pregado a
Abraão era em sua maior parte obscurecido e simbolizado por
coisas terrenas. Assim, aquilo que diz respeito ao estado de Israel
sob a economia mosaica é mais explícita e completamente
declarado a Abraão do que aquilo que pertencia à sua descendência
espiritual sob o Evangelho. Embora essa última seja a principal
coisa pretendida e visada (uma vez que ela representa a perfeição
de todo o resto) em todas as transações divinas com Abraão, ainda
assim em sua maior parte ela está encoberta e deve ser inferida da
relação tipológica daquela para com essa. Isso deixou a glória do
Evangelho da graça como que envolta em um véu que acompanhou
o estado da igreja no Antigo Testamento. A revelação completa
daquelas promessas que pertenciam imediatamente ao Pacto da
Graça foi reservada para os tempos da igreja evangélica. “Provendo
Deus alguma coisa melhor a nosso respeito, para que eles sem nós
não fossem aperfeiçoados” (Hebreus 11:40). Uma luz fraca foi
apropriada para aqueles tempos. E o Evangelho pregado a Abraão
só poderia ser acompanhado de sombras se as promessas
estivessem entrelaçadas umas às outras.
O mesmo deve ser observado na revelação posterior da mente
de Deus a Israel através dos profetas. Nos escritos proféticos vemos
que as libertações temporais de Israel são consideradas tipos da
redenção espiritual da igreja. Assim, encontramos com frequência
transições súbitas e aparentemente abruptas das promessas das
coisas acerca do estado presente de Israel segundo a carne, para
as promessas e profecias daquelas coisas que são consumadas no
Novo Testamento pelo ministério do Espírito. Em geral, essas coisas
são apresentadas nos termos mais apropriados à presente
dispensação das coisas. Mas aquele relacionamento tipológico é
pervertido de maneira lamentável nos dias de hoje pelos judeus.
Eles afirmam ser o único povo a quem aquelas coisas dizem
respeito, que as bênçãos prometidas e profetizadas pertencem
somente a eles, e que elas serão cumpridas para eles conforme seu
primeiro estado e de modo adequado aos seus próprios desejos
carnais e imaginações. Com isso, eles endurecem a si mesmos e
menosprezam a graça de Deus em Cristo e as bênçãos espirituais
do Evangelho, no qual se deve ter em vista unicamente o verdadeiro
sentido do cumprimento daquelas profecias. E assim, o próprio
Jesus Cristo se tornou em pedra de tropeço e rocha de ofensa para
eles, pois as coisas pertencentes ao seu reino, não se adequam às
suas mentes carnais nem satisfazem as suas expectativas
infundadas.
A Relação Mútua das Promessas

§. 3. Devemos observar também que há uma congruência


excepcional nesse método de anunciar as promessas no que diz
respeito ao tempo em que foram feitas a Abraão e ao estado da
igreja que se seguiu às transações. Mas também há, em alguns
aspectos, uma necessidade de que esse método surgisse da
natureza das coisas prometidas e da mútua dependência entre uma
e outra.
Isso porque a concessão de todas as promessas de uma
descendência espiritual e das bênçãos espirituais (que pertencem
ao Pacto da Graça como revelado a Abraão) são o “sim e amém”
em Cristo Jesus. Esse Messias, em quem o Pacto foi confirmado,
viria da descendência de Abraão segundo a carne. A descendência
de Abraão por Isaque e Jacó foi separada para Deus como um povo
peculiar e distinto de todas as outras famílias do mundo a fim de
preparar a vinda do Messias de acordo com a promessa. Nesse
aspecto, a benção da graça e da vida eterna dada a Abraão e à sua
descendência que creu, foi suspensa por ocasião do resultado e em
cumprimento das promessas acerca de sua descendência natural;
e, particularmente, na promessa do nascimento de Isaque. Isaque
deveria ser gerado por Abraão e por Sara em um tempo em que a
natureza em ambos estava tão enfraquecida pela idade e em que
eles eram tão incapazes de gerar um filho, que era como se eles já
estivessem mortos (Romanos 4:19).
É por esse motivo que o apóstolo coloca tanta ênfase na fé de
Abraão em particular, e na sua justificação perante Deus, a saber, o
objeto da fé justificadora, o Messias que estava para vir, estava
incluído na promessa do nascimento de Isaque. Por esse motivo,
seus pais tiveram a maior causa para se alegram no nascimento
desse filho cujo nome vem de “riso” e “júbilo” (Gênesis 17:7 e
capítulo 21). Isso, em parte, pode ser aquilo a que o Senhor se
referiu ao dizer: “Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-
o, e alegrou-se” (João 8:56). Abraão o dia de Cristo no nascimento
de Isaque e, em seguida, na oferta dele em sacrifício, pois Isaque
era um tipo de Cristo e alguém de cuja carne Cristo viria. Seu
nascimento miraculoso, em virtude da promessa, quando a natureza
já não poderia tê-lo feito, também proporcionou uma vaga
prefiguração e prelúdio do nascimento de Cristo, o qual foi ainda
mais miraculoso, pois foi concebido e trazido à luz por uma virgem
pura (após o poder do Altíssimo tê-la envolvido). Esse foi o
cumprimento daquela promessa: “A descendência da mulher
esmagará a cabeça da serpente”.[188] O nascimento miraculoso de
Isaque serviu de tipo para o nascimento de Cristo que, de modo
mais excelente, brotou como raiz a partir de uma terra seca (Isaías
53).
A Grandeza da Provação de Abraão

§. 4. Dessas coisas, podemos notar com grande facilidade e


clareza a grandeza da provação de Abraão e a eminência de sua fé
ao oferecer Isaque. Separar-se de um filho obediente, um filho como
Isaque o era na ocasião, o filho único, de fato foi uma grande
provação. Mas foi pedido a Abraão não apenas que se separasse
dele, mas que o sacrificasse. Pois, o fato de um pai se tornar o
carrasco de seu filho, o filho de sua velhice e o objeto de suas
maiores afeições, torna a aflição ainda maior. Além disso, o fato de
o próprio Abraão se dispor a realizar essa tarefa sem questionar,
murmurar ou demorar nos é dado como um exemplo sem
precedentes de piedade e obediência.
Mas com pesar, há uma preocupação ainda maior nesse caso
do que tudo que já foi mencionado. Isaque era o filho da promessa.
Quanto a isso, o Espírito Santo diz: “aquele que recebera as
promessas ofereceu o seu unigênito. Sendo-lhe dito: Em Isaque
será chamada a tua descendência” (Hebreus 11:17-18). Abraão não
tinha outro filho de quem esperar o cumprimento da promessa
quando Isaque tivesse perecido. Mesmo assim, a salvação eterna
de Abraão e de toda a igreja dependia do cumprimento dessa
promessa acerca da vinda do Messias da linhagem de Isaque.
Portanto, Isaque é chamado de filho unigênito, não que Abraão não
tivesse outro filho, mas porque ele era o único herdeiro da
promessa. Se Abraão tivesse se aconselhado com alguém de carne
ou sangue acerca desse caso, isso teria lhe causado a maior
ansiedade na mente. Mas sua fé superou essa dificuldade e calou
todo raciocínio carnal sobre a impossibilidade do cumprimento da
promessa caso a ordem de Deus para que ele sacrificasse seu
único filho fosse obedecida. Ele “julgou que Deus era poderoso para
até dos mortos o ressuscitar; e daí também em figura o recobrou”
(Hebreus 11:19).
O resultado deixou bem claro que a prontidão de Abraão em
obedecer não colocou a promessa em perigo real, ao contrário, isso
se tornou um meio para confirmar ainda mais sua fé pela exibição
através de um tipo eminente da redenção da igreja pela morte e
ressurreição de Cristo. A isso, podemos acrescenta-se a renovação
das promessas de Deus a Abraão, tanto para sua descendência
espiritual como para a descendência carnal, e a confirmação disso
por juramento do grande Deus (Gênesis 22:17-18). Mas agora
retornarei a nosso presente propósito.
A partir dessas coisas certamente podemos inferir que todas
as promessas feitas a Abraão foram ordenadas por Deus para
convergir em uma questão mais geral. Pois as promessas acerca da
descendência carnal e de seu estado foram subservientes aos
propósitos da aliança de Deus com a descendência espiritual, assim
também as promessas que pertenciam especificamente à
descendência espiritual deveriam ser cumpridas em uma
descendência que deveria ser gerada de Abraão segundo a carne.
E, portanto, a alternância das promessas que já foi observada
anteriormente não deve, de maneira alguma, parecer estranha.
A Aliança de Peculiaridade como um Tipo

§. 5. A relação tipológica e a analogia da aliança de


peculiaridade ou aliança da circuncisão com o Pacto da Graça mais
completamente revelado e consumado em Cristo proporcionam
outra ocasião e motivo para a alternância daquelas promessas que
requerem uma aplicação distinta. Algumas delas pertencem mais
diretamente à descendência carnal e outras, à descendência
espiritual ordenada para o ministério de duas alianças distintas. O
Espírito Santo afirma nas Escrituras que as coisas no Antigo
Testamento eram ordenadas segundo uma relação tipológica com
as coisas de natureza espiritual e que diziam respeito ao Novo
Testamento. Isso é tão certo e claro que é geralmente reconhecido
por aqueles que são autoridades no assunto. Muitas coisas que
vemos nas transações pactuais de Deus com Abraão são dessa
natureza. Insistir nessas coisas está além do meu objetivo presente,
mas para maior esclarecimento do assunto em questão, falarei
brevemente algo sobre isso: Primeiro, devemos observar que a
nação israelita era considerada um povo santo e o primogênito do
Senhor (Êxodo 4:22-23; Jeremias 2:3), a qual levava em sua carne
a marca da circuncisão, o que lhes obrigava a obedecer à lei
rigorosamente. Eles eram não apenas uma descendência separada
para Deus por meio de quem viria o Messias, mas também um tipo
espiritual de Cristo. Ou seja, eles eram daquela descendência e
corpo cuja cabeça é Cristo e cujos membros são os verdadeiros
crentes (aqueles que nessa relação são considerados completos[189]
nele). Eles apontavam para a vinda de Cristo sob a lei (Gálatas 4:4)
e para o fato de que Ele a cumpriria perfeitamente, “porque o fim da
lei é Cristo para a justiça de todo aquele que crê” (Romanos 10:4).
Muito se pode aprender do que foi dito pelo profeta em Oseias
11:1:[190] “do Egito chamei a meu filho” ao compararmos isso com
Mateus 2:15, onde o evangelista relaciona aquele texto à Cristo.
Provavelmente é por causa disso que Cristo é profetizado pelo
nome de Israel (Isaías 49:3). Cristo era a descendência em quem a
essência da justiça prenunciada na circuncisão de Israel seria
encontrada. É dele que se deriva a justiça de todos os crentes para
sua justificação perante Deus e para sua introdução ao estado no
qual eles andam perante Deus de maneira aceitável e o adoram em
novidade de espírito. Portanto a circuncisão não apenas obrigava a
guardar a lei (e quanto a isso ela era um jugo pesado — Atos 15:10)
mas também (como subserviente à promessa) apontava para o
Messias que viria sob a lei para cumprir toda a justiça, para que pela
fé em seu nome tal justiça pudesse ser obtida, a qual possuía o
testemunho da lei e dos profetas (Romanos 3:21).
É somente em Cristo que o propósito da circuncisão é
completamente entendido. Sob a administração do Antigo
Testamento nenhum homem poderia desfrutar dos privilégios da
aliança de peculiaridade sem a circuncisão, uma vez que nenhum
deles era admitido andar perante Deus naquela aliança sem que
tivesse em sua carne esse sinal de justiça e pureza perfeita
segundo a lei. Por outro lado, agora ninguém pode entrar no reino
da graça ou obter o direito nas bênçãos e privilégios espirituais da
Nova Aliança, senão pela participação na justiça de Cristo pela fé e
pela imputação de sua obediência, através da qual a lei foi cumprida
por nós. Sabendo que esse era o principal objetivo da circuncisão,
uma vez que ela serviu ao propósito do Pacto da Graça para com os
eleitos, afirmar que ela continua hoje tanto quando ela foi instituída
inicialmente implicaria, de fato, em negar que Cristo veio em carne.
Não estou pretendo negar a relação tipológica da circuncisão
com a santificação dos crentes, com o que disse acima; e o que
disse também não enfraquece essa ideia, ao contrário, a fortalece
de maneira adequada. Pois, assim como a verdadeira santidade dos
crentes é proveniente de sua união com Cristo e a justificação pela
fé em seu nome, assim também considero que a circuncisão aponte
primeiro para a retidão perfeita que temos em Jesus Cristo e assim,
para a santidade sincera (embora imperfeita) que é operada em nós
pelo Espírito de Cristo. “Porque a circuncisão somos nós, que
servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e
não confiamos na carne” (Filipenses 3:3).
Colossenses 2:11 Explicado

§. 6. Penso que se os outros textos no Novo Testamento que


têm em vista o uso espiritual da circuncisão forem bem entendidos,
e o escopo de seu contexto for devidamente considerado, tais textos
esclarecerão a ideia que apresentei. Não é possível tratar de todos,
mas, por exemplo, considere Colossenses 2:11: “No qual também
estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo
do corpo dos pecados da carne, pela circuncisão de Cristo”.
O propósito do discurso do apóstolo em todo o contexto é
confirmar as almas dos crentes de Colossos na fé do Evangelho e,
particularmente, no grande artigo da religião cristã acerca de nossa
justificação gratuita pela graça de Deus através da redenção que há
em Jesus Cristo (Romanos 3:24). Ele os adverte a não se afastarem
da simplicidade da verdade que receberam devido aos erros dos
ímpios. Paulo que assim como eles receberam a Cristo Jesus o
Senhor, assim também eles deveriam andar nele, arraigados e
sobreedificados nele, e confirmados na fé (vv. 6-7). Em seguida, o
apóstolo diz: “Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua,
por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos
homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo”
(v. 8). Os homens a quem o apóstolo acusa nessas últimas palavras
são aqueles que se empenharam em subverter a liberdade das
igrejas gentias enredando-as novamente no jugo da escravidão da
lei. Esses homens não apenas afirmavam que as cerimônias
levíticas continuavam a ser um culto aceitável a Deus em sua
própria natureza, mas também que essas cerimônias levíticas
permaneciam válidas e deveriam ser praticadas perpetuamente.
Eles diziam isso sob o pretexto de que os segredos e mistérios
filosóficos da natureza estavam ocultos nelas. Essa presunção não
tinha fundamentos (Deus nunca designou a lei cerimonial para esse
fim), exceto a partir na tradição dos anciãos. É por isso que o
apóstolo fala em “filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos
homens”.
A fim de evitar que eles fossem enredados por essa doutrina
corrupta, o apóstolo lhes mostra como Cristo era o fim e a
essência[191] de todas aquelas sombras e que toda a plenitude
habita nele, em quem tais coisas foram completas. Por essa razão
eles não deveriam voltar à lei ou às suas cerimônias para se
aperfeiçoarem, uma vez que, por Cristo, eles foram feitos
participantes dos benefícios reais que antes eram apresentados
apenas como sombras ou prefigurados pelas cerimônias da lei. No
versículo 11, ele adiciona: “No qual também estais circuncidados”.
Observe que o apóstolo não diz que eles são circuncidados em si
mesmos, mas em Cristo. Isso porque nele, eles foram
completamente justificados pela imputação de uma justiça perfeita
que era imposta pela circuncisão sob a lei, como uma ordenança da
Antiga Aliança, e subordinada à promessa. Portanto o apóstolo
afirma que a circuncisão somos nós que nos gloriamos em Jesus
Cristo (Filipenses 3:3), e também somos descritos como aqueles
que adoram a Deus em Espírito. Isso não restringe a ideia de sua
circuncisão para a justiça da santificação, mas, ao contrário,
descreve outro fruto e característica da graça pela qual os crentes
são justificados (compare isso com Romanos 8:4).
Nas palavras desse texto em Colossenses, a circuncisão que é
descrita em Filipenses 3:3 é dita ser “o despojo do corpo dos
pecados da carne”. Essa é uma referência à nossa justificação e à
santificação que necessariamente resulta dela. É pela justificação
que somos completamente libertos de um estado de pecado e da
corrupção (como o sacerdote Josué de suas vestes sujas, em
Zacarias 3:4). Isso se dá por uma união com Cristo que morreu por
nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação. Portanto, é
dito que essa mudança em seu estado é a “vivificação juntamente
com Cristo” (Colossenses 2:13). Essa vivificação é aquela da
justificação, na qual eles foram ressuscitados de seu estado de
morte e culta, nos quais eles estavam enquanto mortos em seus
pecados e em sua incircuncisão da carne, para um estado de vida,
retidão e aceitação para com Deus, o Qual perdoou todas as suas
transgressões.
Ora, o “despojo dos pecados da carne” acontece pela
“circuncisão em Cristo”. Sei que em geral os expositores consideram
essa circuncisão como a obra do Espírito de Cristo na alma, uma
vez que eles aplicam todo o versículo à nossa santificação. Mas
entendo que o contexto fala principalmente de nossa justificação e,
portanto, o escopo do discurso do apóstolo nos leva a interpretar
essa expressão como a circuncisão com que Cristo foi circuncidado.
O sinal é deve ser posto sobre aquilo que deve ser significada por
ele; ou seja, a circuncisão de Cristo significava e apontava para a
sua perfeita obediência e cumprimento da lei. A circuncisão,
primeiro, colocava a pessoa circuncidada debaixo do julgo da lei, e
então ela estava obrigada a guardar toda a lei, caso contrário sua
circuncisão se tornava em incircuncisão (Romanos 2:25). Assim, a
circuncisão de Cristo é uma evidência convincente de que Ele foi
colocado debaixo da lei. E pelo cumprimento perfeito da lei, Ele
trouxe a justiça eterna, a qual, ao ser imputada, justifica perante
Deus todos os que estão nele. Essa comunhão que os crentes têm
com Cristo em seus benefícios pela fé no poder de Deus é
vividamente mantida e demonstrada por eles no batismo, no qual se
diz que os crentes são sepultados e ressuscitados juntamente com
Cristo (Colossenses 2:12). A imersão do corpo na água carrega em
si uma analogia de seu sepultamento, bem como o sair da água
simboliza a ressurreição dele. Com essas palavras o apóstolo quer
dizer que até mesmo o batismo, na ocasião em que recebemos e
professamos a fé, ensina e obriga a viver somente em Cristo, sem
que acrescentemos qualquer outra coisa como fundamento de
nossa esperança nele.
Assim sendo, a circuncisão não tem mais uso para os cristãos.
Uma vez que já cumpriu o seu fim principal em Jesus Cristo, expirou
no tempo e desapareceu com todo o sistema da economia mosaica.
E o apóstolo está tão longe de dizer que o batismo substitui a
circuncisão, que ele fala deles como pertencendo a duas alianças
muito diferentes uma da outra, e tão opostas em seus ministérios,
que de maneira alguma (no que diz respeito a seus ministérios) elas
podem coexistir.
A Família de Abraão como um Tipo da Futura Igreja

§. 7. Em seguida, devemos observar que havia uma


representação tipológica do estado futuro da igreja (nos dias do
Evangelho) nas transações de Deus para com Abraão e sua família.
A explicação de todos os detalhes acerca disso prolongaria esse
tratado para além dos limites pretendidos. Portanto, para nosso
presente propósito, mostrarei apenas algumas coisas principais que
o apóstolo estabelece em Gálatas 4 do versículo 21 até o fim do
capítulo.
Depois de ler o contexto, você notará que a alegoria utilizada
pelo apóstolo está fundamentada na verdade histórica de que
Abraão tinha uma descendência dupla.
1. Uma procedia dele segundo o curso comum da força da
natureza; e a outra foi produzida em virtude da promessa. Aquela
era Ismael gerado por Agar, a serva; essa era Isaque, gerado por
Sara, a mulher livre.
2. A escrava e seu filho tiveram precedência no tempo da
concepção e nascimento em relação à mulher livre e seu filho.
3. No decorrer do tempo o filho da escrava, que nasceu
segundo a carne, perseguia o filho da mulher livre que nasceu
segundo o Espírito, ou seja, em virtude da promessa. Por causa
disso, a escrava e seu filho são lançados fora da família e Isaque
permanece ali como o único herdeiro das bênçãos de seu pai.
O apóstolo afirma que essas coisas foram ordenadas por Deus
de modo a servirem como tipos dos tempos do Evangelho, e então
ela passar a aplicar essa alegoria tipológica: Agar era um tipo do
Monte Sinai e da aliança da lei estabelecida ali. Ismael era um tipo
da descendência carnal de Abraão sob aquela aliança. Sara era um
tipo da nova Jerusalém, a igreja dos tempos do Evangelho fundada
sobre o Pacto da Graça. Isaque era um tipo dos verdadeiros
membros daquela igreja que é nascida do Espírito, convertida pelo
poder do Espírito Santo para o cumprimento da promessa do Pai a
Jesus Cristo, o Mediador. A expulsão de Agar e Ismael prefigurou a
ab-rogação da aliança sinaítica e a dissolução da igreja-estado
judaica de modo que a herança de bênçãos espirituais pudesse ser
dada claramente aos filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo.
Há muitas outras coisas dignas de serem observadas, mas
que não o farei na presenta obra visto que a visão geral do contexto
é suficiente para preparar nosso caminho para as outras
observações que farei a seguir.
Inferências Feitas a Partir desse Tipo

§. 8. 2. Em Gálatas 3:8 e 17, o apóstolo chama a promessa


feita Gênesis 12 de “o evangelho pregado a Abraão” e de “a aliança
confirmada por Deus em Cristo”, de modo explícito agora ele passa
a chamar de lei aquela transação pactual a qual a circuncisão
pertencia e na qual o direito e privilégio da descendência natural de
Abraão foram estabelecidos. O apóstolo condena o desejo de estar
sob a lei como algo que procede da tolice e da ignorância (Gálatas
4:21).
2. Apesar de todos os privilégios de Israel segundo a carne,
eles permaneciam em um estado de escravidão sob a lei. Eles eram
partes envolvidas na aliança do Sinai e na aliança da circuncisão, e
eram também filhos da Jerusalém terrena (ou membros daquela
igreja cujo estado foi fundado sobre as alianças mencionadas) e,
assim, estavam envolvidos com de toda a adoração praticada ali.
Porém, nada disso podia fazê-los parte interessada e dar-lhes
direito às bênçãos espirituais de Abraão, assim como Ismael, o
descendente segundo a carne, não poderia obter para si o direito à
aliança de peculiaridade feita com Israel e suas respectivas bênçãos
terrenas. Pois embora a descendência de Abraão por Isaque
estivesse sob a dispensação daquelas bênçãos que eram tipos e
sombras das coisas boas do Evangelho, ainda assim seu direito de
nascimento e reivindicação de participação nessa aliança estava tão
longe de lhe dar direito ás bênçãos do Evangelho quanto Ismael
estava de ter direito aos privilégios dele. Pois, assim como Ismael
nasceu, literalmente, segundo a carne e era filho de uma escrava,
assim também acontece com o Israel segundo a carne, em um
sentido espiritual. E como Ismael perseguiu Isaque, assim também
os filhos da Jerusalém terrena (por serem presunçosos acerca de
sua vã confiança em seus privilégios e prerrogativas carnais) não
apenas rejeitavam o Evangelho como perseguiam os filhos da nova
Jerusalém. Portanto, do mesmo modo que Ismael foi lançado fora
da família de Abraão e excluído de qualquer parte na herança do
filho da promessa, assim os que são gerados segundo a carne
como ele, também serão excluídos do reino de Deus e da herança
de suas bênçãos.
Assim, desde o princípio da aliança-estado de Israel segundo a
carne, Deus, através desse tipo, colocou diante dos olhos deles
suas imperfeições, e o fim trágico que eles trariam sobre si mesmos
se confiassem naquela aliança e se tornassem orgulhosos por
causa dela.
3. Entretanto, devemos observar que a aliança de
peculiaridade feita com Israel e a dispensação à qual Deus lhes
trouxe conforme de acordo com seus propósitos era um tipo da
Aliança do Evangelho e do estado das coisas nele. Em Isaque
temos um tipo dos filhos de Deus pela fé. Assim como ele (em sua
descendência) foi o herdeiro de Canaã, assim também os filhos de
Deus pela fé são herdeiros do céu; assim como Isaque foi
perseguido por Ismael, também os filhos de Deus pela fé devem
esperar por tribulações neste mundo e difamações por parte
daqueles que possuem espíritos carnais e farisaicos, que procuram
estabelecer sua própria justiça e se recusam a se submeterem à
justiça de Deus. Resumindo, o povo, sua adoração e sua herança
eram todos tipos. E ainda, como a descendência espiritual de
Abraão pôde contemplar a sombra de seu próprio estado e privilégio
na relação espiritual e no sistema tipológico da igreja judaica, agora
também podem e devem considerar a si mesmos, em seu estado
terreno, como apenas um tipo.[192] À medida que em que eles eram
figuras dos filhos da promessa, tanto eles mesmos como seu estado
e seu propósito estavam alegorizados no filho da escrava e na
rejeição dele.
Disso, podemos inferir o seguinte: 1. A descendência carnal
dos crentes não pode obter maior privilégio pela aliança da
circuncisão que aquele que foi obtido pela descendência de Abraão
através de Isaque. O privilégio da descendência de Abraão através
de Isaque não alcançou uma participação nas bênçãos do
Evangelho ou na Nova Aliança, exceto se eles tivessem obtido tais
direito para si próprios por meio da fé. Os filhos de Abraão através
de Isaque não tinham mais direito às bênçãos do Evangelho por
serem descendentes de Abraão do que Ismael teve direito aos
privilégios da aliança de peculiaridade ou circuncisão. E a
participação da descendência de Abraão através de nos privilégios
tipológicos cessou, necessariamente, e desapareceu quando as
coisas tipificadas tomaram o lugar dos tipos.
2. O estado de Israel segundo a carne era tipológico. Aqueles
que constituíam o Israel de Deus entre eles foram ensinados a olhar
para cima e para além de seus privilégios terrenos, para aquelas
coisas que por eles estavam prefiguradas, para o que estava
proposto para sua fé nas promessas da graça por Cristo. Eles
deveriam viver na graça daquele Pacto ao qual seu estado terreno e
sua aliança de peculiaridade eram subservientes. Todas essas
coisas tinham um uso espiritual e evangélico para eles e esse era
seu fim e intento principal. Portanto, essa é uma ocasião justa para
o entrelaçar das promessas das bênçãos tipológicas com as
bênçãos reais que já consideramos, uma vez que o Pacto da Graça
e a aliança da circuncisão possuem uma referência mútua, como o
tipo e antítipo.
A Chave para Muitas Promessas no Antigo Testamento

§. 9. Essas coisas não são somente necessárias para que


entendamos corretamente as transações divinas com Abraão no
que diz respeito ao temos tratado, mas também são necessárias
para que entendamos e apliquemos corretamente muitas profecias e
promessas do Antigo Testamento. Elas nos ajudam a evitar as
pedras de tropeço nas quais os judeus cegos tropeçaram e ainda
tropeçam até hoje.
Muito dificilmente se entenderá a fraseologia do Antigo
Testamento em várias passagens sem a devida consideração de
muitas das coisas das quais tratamos, como por exemplo: 1.
Durante o tempo da lei, a verdadeira igreja estava cercada dentro
dos limites da comunidade de Israel, que como um todo, era um tipo
da igreja.
2. Os filhos de Deus segundo o Espírito (embora ainda como
crianças imaturas, estivessem submetidas à pedagogia da lei) no
que diz respeito a seu estado espiritual e eterno, andaram perante
Deus e foram aceitos por Ele nos termos do Pacto da Graça.
3. Todo o sistema sob o qual esse povo estivera em seu
estado tipológico, promoveu os fins do Pacto da Graça para os
eleitos que eram os verdadeiros e espirituais adoradores de Deus.
Todos os eleitos foram preservados entre aquele povo até que o
estado da igreja sob o Evangelho assumisse seu lugar.
4. Ainda assim, esse relacionamento espiritual com Deus
segundo os termos da Nova Aliança na qual eles estavam
verdadeira e piedosamente, não era ofertado tão claramente no
Antigo Testamento como o é agora nos tempos do Novo e pela
dispensação do Evangelho. As coisas relacionadas a esse
relacionamento espiritual, segundo os termos da Nova Aliança,
estavam encobertas por sombras e figuras.
Portanto, muitas vezes se fala das coisas e das pessoas
tipificadas nas profecias das Escrituras como que pelo nome
daquelas coisas e daquelas pessoas que eram tipos delas. As
promessas das bênçãos mais excelentes e do estado espiritual mais
glorioso da igreja do Novo Testamento são dadas ao verdadeiro
Israel através do uso de termos que eram mais adequados àquele
presente estado de coisas. Elas são direcionadas especificamente a
Israel e à sua descendência. Mas essas promessas que lhes foram
dadas por causa de seu relacionamento com Deus como sua única
igreja visível e povo aliançado, não se aplicam ao Israel segundo a
carne como tal. Entretanto, elas foram cumpridas na igreja quando
Israel foi rejeitado e os gentios foram chamados a herdarem as
bênçãos de Abraão. Apesar de as promessas terem sido feitas a
Israel e Jacó, como a única igreja verdadeira que existia até então e
como um povo por quem a igreja era tipificada, era apropriado e
necessário que os termos utilizados naquelas profecias e
promessas fossem adequados à economia sob a qual estava a
igreja. (Isso é verdade especialmente considerando que a glória
espiritual do Evangelho e o chamado dos gentios era um mistério
não desvendado naqueles tempos, mas mantido sob um véu.) Mas
ainda assim as promessas e os termos utilizados devem ser
entendidos em conformidade àqueles tempos e àquela dispensação
na qual se daria seu cumprimento. Portanto, sabendo que a igreja
continuaria através da linhagem natural da descendência de Abraão,
sendo propagada por gerações enquanto o estado da Antiga Aliança
permanecesse inabalado, as promessas feitas à igreja acerca de
sua glória futura, paz e bem-aventurança nos dias do Messias, são
dadas à descendência da igreja de então. Essas promessas foram
dadas aos filhos de Abraão, contudo não eram destinadas aos filhos
de Abraão segundo a carne, mas sim aos filhos de Abraão segundo
a fé, àqueles que continuariam pertencendo a Deus como seu povo
aliançado e igreja; aqueles que andariam nos passos da fé de
Abraão, tanto judeus como gentios.
Romanos 4:11 Explicado

§. 10. O que resta agora é considerar o quão longe o


relacionamento mútuo das promessas feitas a Abraão pode nos
guiar rumo ao entendimento correto de como a circuncisão se
tornou um selo da justiça da fé para Abraão. O apóstolo afirma isso
em Romanos 4:11. Ao explicar esse texto, a grande objeção contra
a ideia de aliança da circuncisão demonstrada acima será
efetivamente descartada. Para tal, farei primeiro uma breve
exposição do texto. Em seguida, mostrarei de que maneira essa
ideia pode ser verificada e direi mais alguma coisa que para sua
comprovação. As palavras do texto são: E recebeu o sinal da
circuncisão, selo da justiça da fé quando estava na incircuncisão,
para que fosse pai de todos os que creem, estando eles também na
incircuncisão; a fim de que também a justiça lhes seja imputada.
Nesse capítulo o apóstolo está discursando acerca do tempo
quando a fé de Abraão lhe foi imputada como justiça. Ali, o apóstolo
prova que tanto os gentios não circuncidados (se crentes) como os
judeus circuncidados tinham direito às bênçãos do Evangelho. Isso
em virtude do relacionamento espiritual com Abraão, por causa de
sua fé lhe foi imputada como justiça, não na circuncisão, mas na
incircuncisão (Romanos 5:10).
“E recebeu o sinal da circuncisão”, ou seja, a circuncisão que
era um sinal. Esse sinal da circuncisão é genitivus speciei,[193] como
quando lemos “a cidade de Jerusalém” ao invés de “a cidade,
Jerusalém”, e coisas do tipo. Em algumas cópias gregas, lê-se:
π εριτομην .[194] O selo pertence ao uso geral, natureza e propósito
da circuncisão. A circuncisão era um sinal. Mas mais do que isso,
para Abraão ela também era o seguinte: “O selo da justiça da fé que
recebeu quando estava na incircuncisão...”. Um selo serve para a
confirmação e garantia. Segundo essa ideia de selo, pode haver
ainda alguma referência àquela marca visível que permanecia na
carne daqueles que eram circuncidados. Nenhuma outra ordenança
(nem mesmo o batismo) é chamada de sinal ou selo na Escritura.
No Novo Testamento, o selo dos crentes é atribuído ao Espírito
Santo.
“E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé quando
estava na incircuncisão”, ou seja, de sua própria justiça perante
Deus pelo fato de crer. Essa fé era sua e essa justiça lhe foi
imputada (o relativo[195] concorda com ambos antecedentes) quando
ele ainda era incircunciso. Os tradutores sugerem algumas palavras
para completar o sentido em nossa língua. O erudito Dr. Lightfoot
usa alguns termos — em seu comentário de 1 Coríntios 7:9,[196]
encontrado em sua obra Horae Hebraica — que dão um sentido
diferente ao texto. Não direi ao leitor que o comentário de Lightfoot
não mereça ser considerado, mas ficarei satisfeito com o sentido
que nos é dado por nossa tradução.
“Para que fosse pai de todos os que creem”, estando eles
também na incircuncisão. Ou seja, para que ele fosse[197] o pai de
todos os crentes gentios, apesar de esses não serem circuncidados,
uma vez que eles também fazem parte da descendência espiritual
prometida a Abraão enquanto ele ainda estava em sua
incircuncisão.
“A fim de que também a justiça lhes seja imputada”. Isso deve
ser entendido como significando que pode ser manifestado e
confirmado que a justiça é e será imputada a eles também. (veja os
versículos 23 e 24).
A Circuncisão foi um Selo para a Fé de Abraão

§. 11. Dada essa pequena explicação dos termos utilizados no


texto, o próximo passo é mostrar onde seu conteúdo pode ser
verificado, ou seja, como ou em que aspecto a circuncisão era o
selo da justiça da fé que Abraão teve enquanto ainda era um
incircunciso?
Para obter a resposta para essa questão, observemos o
seguinte: 1. No prólogo dessa aliança da circuncisão (Gênesis 17)
Deus renovou e confirmou a Abraão a grande promessa do Pacto
da Graça no que diz respeito à justificação dos gentios pela fé em
Cristo. Os gentios receberiam essa bênção na qualidade de filhos
de Abraão e, assim, Abraão se tornaria o pai de muitas nações. A
aliança da circuncisão foi acrescentada às transações anteriores,
nas quais Deus havia confirmado seu Pacto em Cristo com Abraão.
Portanto, o uso da circuncisão por Abraão não estava limitado
àquela aliança de peculiaridade à qual pertencia diretamente, mas
necessariamente abrangia e incluía uma maior confirmação de
todas as transações precedentes e das promessas feitas nelas. As
promessas de Deus a Abraão, embora de uma natureza diferente,
não interferiam umas com as outras, mas aquelas ainda implicavam
uma confirmação e ratificação dessas. Por conseguinte, essa
aliança não suplantava, mas confirmava a verdade do Evangelho
que havia sido pregado a Abraão; ela não foi acrescentada para
anular a promessa do Pacto da Graça, mas para servir aos
propósitos dele. Assim, a circuncisão não apenas era um selo das
promessas das bênçãos tipológicas (que agora nos são dadas) para
Abraão, mas também era um selo da justiça da fé que ele teve
sendo ainda incircunciso, para que ele fosse o pai de todos os que
creem mesmo que sejam incircuncisos.
2. De modo mais indireto, conclui-se que isso é também
verdade pela seguinte razão: A fé de Abraão, como vimos antes,
estava relacionada à promessa do nascimento de Isaque e à
separação de sua descendência das outras nações para a vinda do
Messias em carne. Ele sabia bem que a aliança da circuncisão foi
feita com ele em continuação das grandes promessas que lhe foram
feitas anteriormente. Assim, o selo dessa aliança se tornou para ele
um selo da justiça da fé que ele teve anteriormente e uma
confirmação de sua relação paternal com os crentes em todas as
nações, o que lhe foi uma honra conferida. É a revelação da
subserviência da circuncisão, como recebida por Abraão, para o
grande propósito e fim do Pacto da Graça (que foi confirmado a
Abraão antes de ter sido circuncidado) que o apóstolo explica nesse
texto. O apóstolo prova que a aliança da circuncisão está tão longe
de excluir os gentios da herança das bênçãos de Abraão pela fé,
que a própria circuncisão era uma garantia para os gentios e um
selo da promessa desse grande privilégio e da justificação deles
pela fé mesmo enquanto eles permaneciam incircuncisos.
Além do mais, a aliança da circuncisão não era
suficientemente completa em si mesma para trazer a igreja à
perfeição pretendida nos conselhos eternos da soberania de Deus.
Ela não era capaz, por si mesma, de tornar perfeita qualquer coisa,
e por isso precisava ter sido estabelecida como um tipo
subserviente ao Pacto da Graça em uma dispensação temporária
que prepararia, e, em seguida, daria lugar ao Evangelho na
plenitude dos tempos. Quanto à disposição da aliança feita, o selo
pela qual foi confirmada tornou-se por fim e em sua qualidade de
tipo, um selo da justiça da fé que Abraão teve.
A Conclusão desse Tratado

§. 12. Não é difícil perceber que a circuncisão pode se referir a


diferentes coisas de acordo com as diferentes circunstâncias e
qualidades de seus sujeitos. De fato, isso já está provado: A
circuncisão era um selo da herança de Canaã para os filhos de
Israel e a garantia da promessa para eles e sua descendência,
contudo, isso não se aplicava aos servos deles; para Abraão, era
um selo da justiça da sua fé, isso por causa das circunstâncias
peculiares e extraordinárias que o envolvia — pois não é possível
entender que a circuncisão deva ser um selo da fé que Abraão teve
enquanto que incircunciso (para que ele fosse o pai de todos os que
creem estando eles também na incircuncisão) para quem nunca
teve fé, seja antes ou depois da circuncisão, e que nunca teve ou
nunca terá relação de pai de todos os crentes como Abraão o teve.
Pelo contexto e pelo escopo do discurso (Romanos 4:11), é
evidente que o apóstolo aqui está falando da circuncisão no que diz
respeito às circunstâncias peculiares e das qualidades de Abraão
que a recebeu. O argumento dele prova que a circuncisão não
poderia fazer ninguém um participante na graça que justifica o
pecador perante Deus; nem a falta dela poderia impedir alguém de
obter uma participação na graça segundo os termos do Evangelho.
Pois o próprio Abrão não obteve uma participação na graça em
virtude de sua prerrogativa carnal, mas foi justificado antes de sua
circuncisão. O pressuposto do argumento é que Abraão era um
crente justificado por sua fé antes de receber a circuncisão; remova
esse pressuposto e todo o seu discurso torna-se nulo. E assim ele
infere que Abraão recebeu a circuncisão de modo que fosse para
ele não simplesmente um selo da justiça da fé ou da Nova Aliança,
mas da justiça da fé que ele teve sendo ainda incircunciso.
A circuncisão era um selo de sua relação paternal para com
todos os crentes, apesar de eles não serem circuncidados,
Romanos 4:11 diz: “para que fosse o pai de todos os que creem”. É
um absurdo dizer que a circuncisão era para aqueles que a ela se
submeteram um selo da justiça da fé que eles tiveram estando ainda
na incircuncisão, bem como afirmar que ela era para todos que a
receberam um selo da relação paternal deles com todos os crentes.
Ambas essas coisas necessariamente dizem respeito às
circunstâncias peculiares de Abraão e ao relacionamento específico
que ele teve no que diz respeito às alianças feitas com ele, e a
ordem de sua disposição, e não à natureza da circuncisão considera
simplesmente em si mesma.
Além do mais, é notável que, imediatamente em seguida, ao
continuar seu discurso em Romanos 4, o apóstolo se refere à
circuncisão para lei em contraste com o Evangelho. Ele nos diz que
um judeu circuncidado não poderia obter a bênção de uma relação
espiritual com Abraão por meio da circuncisão, a menos que ele
andasse nos passos da fé que Abraão teve quando ainda era
incircunciso (Romanos 4:12) e então Paulo mostra o porquê disso
em Romanos 4:13. A promessa da herança não era para Abraão ou
para sua descendência por meio da lei, mas por meio da justiça da
fé.
A interpretação feita desse texto pode ser confirmada por
outras passagens do Novo Testamento onde vemos que a
circuncisão é tida como um julgo insuportável (Atos 5:10) e onde se
diz que o que se deixa circuncidar está obrigado a guardar toda a lei
(Gálatas 5:3). A dispensação completa da graça no Evangelho
segundo a Nova Aliança é constantemente afirmada como aquilo
que finalmente torna a circuncisão inútil à igreja do Evangelho e
mostra a inconsistência da liberdade do presente estado com a
manutenção dessa prática.
Veja, por exemplo, a epístola aos Gálatas 5:13. Ali o apóstolo
diz aos gálatas que se ele ainda pregasse a circuncisão, então o
escândalo da cruz está aniquilado e ele estaria livre da perseguição
que sofria dos judeus incrédulos. A pregação de Cristo pelos
apóstolos, na qual eles afirmavam a remoção daquela antiga aliança
à qual a circuncisão pertencia e pela qual os judeus alegavam a
validade perpétua do seu direito aos seus privilégios[198] peculiares;
e esse era o motivo da controvérsia e da oposição irracional deles
ao apóstolo Paulo. Pois se a controvérsia era sobre o modo de
administrar a mesma aliança e somente a mudança de um rito
externo, na qual o batismo substituía a circuncisão para servir ao
mesmo uso e fim agora como havia feito anteriormente, então a
discussão poderia ter acabado rapidamente. Entretanto, é certo que
aquele que estiver determinado a reconciliar o discurso do apóstolo
acerca da circuncisão com tal ideia relacionada ao batismo, ou o
modo de administração da Antiga Aliança, terá uma tarefa difícil. A
circuncisão era uma ordenança da Antiga Aliança e pertencia à lei;
portanto obrigava diretamente aqueles que se submetiam a ela, à
obediência da lei. Mas o batismo é uma ordenança do Evangelho
(apesar de suas outras utilidades mais excelentes e confortantes) e
obriga aqueles se que submetem a ele à obediência do Evangelho.
Portanto, o batismo faz oposição à circuncisão ao invés de substituí-
la.
Certamente, é mais seguro interpretar o texto específico de
acordo com o curso geral da Escritura e em completa harmonia com
os demais textos do que forçar algum sentido de muitas passagens
(o que de maneira alguma eles admitirão) a fim de conformá-las às
ideias para as quais a nossa mente está predisposta. Está claro que
as ideias das quais tratei concordam completamente com outros
textos onde a circuncisão é discutida de acordo com seu uso
imediato e direto na Antiga Aliança. Pois não pode haver
contradição ao atribuir algum uso diferente e oposto à mesma coisa
caso isso seja feito em um aspecto diferente. O que a circuncisão
era em seu uso direto e imediato, é uma coisa; o que era como
subordinada a uma melhor aliança e à promessa que a precedia, é
outra. É fácil entender que esse último é o caso da circuncisão para
o pai de todos os fiéis em sua instituição extraordinária, mas não
para os filhos da carne em seu uso comum.
Para concluir: se a circuncisão e o batismo têm a mesma
utilidade e são selos da mesma aliança, dificilmente posso imaginar
como a aplicação de ambos aos mesmos indivíduos deve ser
apropriada. Ainda assim, vemos que aqueles que foram
circuncidados na infância também foram batizados por ocasião de
sua profissão de fé e arrependimento e que isso aconteceu mesmo
antes da circuncisão ter sido revogada. Sim, segundo a opinião
contra a qual argumentamos, os judeus que creram antes da
crucificação de Cristo estavam ao mesmo tempo sob a obrigação de
circuncidar e batizar seus filhos recém-nascidos. Mas se os
princípios sobre os quais esse tratado foi construído são bem
demonstrados pela Escritura, como considero que são, deve existir
uma grande disparidade entre a circuncisão e o batismo. A Antiga
Aliança não é a Nova Aliança; nem aquilo que foi abolido
(circuncisão) o mesmo que aquilo que permanece agora (batismo).
A lei para a aplicação da circuncisão não é uma garantia suficiente
para administração do batismo aos infantes.
Agora que temos explicamos as transações pactuais de Deus
com Abraão; não encontramos nenhuma alteração significante no
estado da igreja por alguma transação nova até que a lei fosse dada
no Monte Sinai. Portanto, terminarei esse tratado aqui, uma vez que
a intenção era falar apenas acerca das alianças que Deus fez com o
homem antes da lei.
FINIS
PARTE 2
Uma Breve Biografia de John Owen

Extraída do Memorial dos Não-


Conformistas de Samuel Palmer[199]
John Owen era um descendente da realeza galesa por parte de seu
pai, Henry Owen, um puritano e ministro rigoroso em Stadham,
Oxfordshire. Foi nesse lugar que John, o segundo filho de Henry,
nasceu em 1616.
Quando jovem, ele era tão proficiente em aprender que foi
admitido à Universidade de Oxford com cerca de doze anos de
idade. Então, prosseguiu seus estudos com tal diligência que por
vários anos se permitiu apenas quatro horas de sono a cada noite.
Todo o seu objetivo e ambição era, como ele confessou depois com
vergonha e tristeza, ascender a alguma posição de eminência na
igreja ou no estado.
Nessa época, o arcebispo William Laud impôs vários rituais
supersticiosos à Universidade. Mas Owen recebeu tanta luz que sua
consciência não conseguiu se submeter a tais ritos, pois Deus
causara tal impressão em seu coração que ele foi inspirado por
caloroso zelo e para a pureza de sua adoração e da reforma na
igreja. Essa mudança de pensamento agora se manifestava de tal
modo que seus amigos o denunciaram como infectado pelo
puritanismo, e ele se tornou tão antipático ao partido laudiano que
foi forçado a deixar a universidade. Aproximadamente nessa época,
ele lutou contra muitos pensamentos desconcertantes sobre seu
estado espiritual. Esses, combinados com seus problemas
exteriores, o lançaram em um período de escuridão espiritual que
durou três meses, e demorou quase cinco anos antes que ele
alcançasse uma paz firme.
Quando a Guerra Civil Inglesa começou, Owen posicionou ao
lado da causa do Parlamento. Mas seu tio, um monárquico que lhe
havia dado suporte na universidade, ficou tão veementemente
ressentido devido a essa decisão que imediatamente se voltou
contra John e prometeu que a sua herança seria de outro herdeiro.
Então ele passou a viver como o capelão particular na casa de um
lorde que, embora fosse um monárquico, o tratava com grande
civilidade. No entanto, quando esse lorde entrou no serviço do
exército do rei, Owen foi forçado a procurar outro meio de sustento.
Chegando a Londres como um completo estranho e sobrecarregado
com profundas lutas espirituais, ele entrou na Igreja de
Aldermanbury em um dia do Senhor para ouvir Edmund Calamy
pregar. Quando o pregador esperado não apareceu, um ministro de
um lugar desconhecido (cuja identidade Owen nunca foi capaz de
descobrir) subiu ao púlpito e pregou em Mateus 8:26: “Por que
temeis, homens de pouca fé?”. Esse sermão removeu as suas
dúvidas e lançou os alicerces daquela paz e consolo espirituais que
ele desfrutou enquanto viveu. Tendo a sua saúde física agora
totalmente restaurada, ele escreveu seu livro intitulado A Display of
Arminianism,[200] o qual tornou notável esse jovem teólogo
anteriormente desconhecido.
O comitê do Parlamento para expulsar ministros envolvidos em
escândalos (um grupo encarregado da remoção de ministros que
não cumpriram as suas responsabilidades) ficou tão impressionado
com esse livro que lhe ofereceu o pastorado em Fordham, Essex.
Ele cumpriu essa função por dezoito meses de modo muito
abençoado e zeloso tanto na paróquia quanto nas redondezas.
Quando o relato da morte de seu antecessor alcançou o
patrocinador que o sustentava (um homem com pouca consideração
por Owen), outro homem foi designado e Owen teve que abandonar
sua posição. Quando o povo de Coggeshall, Essex, a cerca de oito
quilômetros de distância, ouviu sobre isso, eles o convidaram para
sua aldeia, e o Conde de Warwick, seu patrono, prontamente lhe
ofereceu sustento. Nesse lugar, ele pregou para uma congregação
mais atenciosa e maior (raramente ele pregava ali para menos de
2.000 pessoas) com grande êxito. Em Coggeshall, seu estudo das
Escrituras o convenceu a abandonar os princípios presbiterianos e a
adotar os princípios dos congregacionais/independentes, e como
resultado disso ele formou uma igreja congregacional que floresceu
por muitos anos após a sua morte.
Seus talentos não podiam ficar ocultos e ele foi chamado para
pregar perante o Parlamento em 29 de abril de 1646, escolhendo
Atos 16:2 como seu texto. Em várias outras ocasiões especiais,
particularmente no dia seguinte à morte de Charles I, Owen foi
chamado para ser o pregador. Seu texto naquele dia foi Jeremias
15:19-20, e seu sermão merece ser registrado como um monumento
perpétuo à sua integridade, modéstia e sabedoria. Logo depois,
Oliver Cromwell se aproximou dele dizendo: “Senhor, você é a
pessoa com quem eu devo estar familiarizado”, começando uma
amizade íntima que durou até a sua morte. Ele informou Owen de
sua intencionada expedição à Irlanda e insistiu que ele presidisse a
universidade em Dublin. Com grande relutância e depois de muita
deliberação, ele concordou com isso e ficou cerca de um ano e meio
pregando e supervisionando os assuntos da universidade. Ele então
retornou a Coggeshall, mas logo foi chamado para pregar em
Whitehall.
Em setembro de 1650, Cromwell exigiu que Owen fosse com
ele para a Escócia, e como Owen foi relutante em ir, ele conseguiu
uma ordem do Parlamento. Ele permaneceu em Edimburgo por
cerca de seis meses e mais uma vez retornou ao seu povo em
Coggeshall, com quem esperava passar o restante de seus dias.
Mas a Câmara dos Comuns logo o chamou para a reitoria de Christ
Church, Oxford, o que ele aceitou com o consentimento de sua
igreja. No ano seguinte (quando ele também se tornou doutor em
teologia, D.D.), ele foi escolhido vice-reitor da universidade, um
cargo que ocupou por cerca de cinco anos. Owen conseguiu essa
honra com singular prudência. Ele teve o cuidado de conter os mal-
intencionados, encorajar os piedosos e promover os homens
eruditos e diligentes. Sob a sua administração, toda a universidade
foi colocada em ordem e equipada com muitos estudiosos
excelentes e pessoas de piedade notável. Ele demonstrou grande
moderação em relação aos presbiterianos e episcopais; para os
primeiros ele colocou várias habitações vagas à sua disposição, e a
esses últimos, esteve disposto a recebê-los. Uma grande
congregação deles se reunia regularmente perto de sua residência
para observar a adoração de acordo com a então reprimida liturgia
da Igreja da Inglaterra, e ele nunca lhes causou o menor distúrbio,
embora muitas vezes ele fosse incitado a fazê-lo. Ele era
hospitaleiro em sua casa, generoso em seus favores e caridoso com
os pobres, especialmente com os pobres estudiosos. Alguns desses
ele acolheu em sua própria família e os custeou, provendo-lhes uma
formação acadêmica. Ele ainda dedicou tempo para os seus
estudos, pregando todos os outros dias do Senhor em St. Mary, e
muitas vezes em Stadham e outros lugares adjacentes, e
escrevendo alguns livros excelentes, incluindo a sua obra sobre a
perseverança dos santos. Em 1657, o Dr. Conant foi eleito vice-
chanceler da Universidade e Owen se despediu deles e voltou para
a vida privada em Stadham, onde possuía uma boa propriedade e
vivia pacificamente.
Ele permaneceu ali até depois da Restauração de Charles II.
Mas quando a perseguição aumentou, ele foi obrigado a se mudar
de um lugar para outro e finalmente chegou a Londres, onde
pregava conforme tinha oportunidade e continuava escrevendo. Seu
Animadversions a um livro papista chamado Fiat Lux o recomendou
à estima do Lorde Chanceler Hyde, que garantiu que “ele merecia o
melhor de qualquer protestante inglês dos últimos anos, e que a
igreja era obrigada a reconhecê-lo e promovê-lo”. Ao mesmo tempo,
ofereceu-lhe nomeação, se ele o aceitasse, mas expressou a sua
surpresa que um homem tão erudito acolhesse a nova opinião sobre
a forma independente de governo da igreja. O doutor se ofereceu
para provar que isso foi praticado por várias centenas de anos
depois de Cristo em um debate contra qualquer bispo que seu
senhor quisesse nomear para argumentar em resposta. No entanto,
apesar de todo o bom serviço prestado pelo doutor à Igreja da
Inglaterra, ele foi perseguido de um lugar para outro e uma vez
escapou por pouco de ser capturado por alguns soldados em
Oxford. Eles o perseguiram até a casa onde estava, mas desistiram
quando informados pela dona da casa que ele havia partido cedo
naquela manhã, o que ela realmente achava que era o caso.
Durante vários anos, ele pensou em ir para a Nova Inglaterra, onde
foi convidado em 1663 para dirigir o Harvard College e pastorear a
Primeira Igreja de Boston, mas foi impedido por ordens particulares
do rei. Ele foi depois convidado a ser professor de teologia nas
Províncias Unidas (Holanda), mas sentia tanto amor por seu próprio
país que não conseguia deixa-lo enquanto houvesse alguma
oportunidade de ser útil nele.
Quando Charles II ofereceu uma indulgência para tolerar os
dissidentes, Owen foi incansável na pregação e organizou uma
palestra assistida por pessoas eminentes. Os escritos que ele ainda
continuava a produzir atraíram a admiração e o respeito de várias
pessoas de elevada posição e honra. Quando ele estava em
Tunbridge, o duque de York mandou chamá-lo e falou várias vezes
com ele sobre os dissidentes. Após seu retorno a Londres, foi
chamado pelo próprio rei Charles, que falou com Owen por duas
horas, assegurando-lhe seu favor e respeito, dizendo-lhe que
poderia ter acesso a ele sempre que quisesse. Ao mesmo tempo, o
Charles assegurou ao doutor que era favorável à liberdade de
consciência e tinha ciência do mal que havia sido feito aos
dissidentes. Como testemunho disso, o rei lhe deu 1.000 guinéus
para distribuir entre aqueles que mais sofriam.
Sua grande dignidade lhe proporcionou a estima de muitos
estrangeiros que vinham de outros lugares, e muitos teólogos
estrangeiros, tendo lido as suas obras em latim, aprenderam inglês
para se beneficiarem das demais obras. Sua correspondência com
acadêmicos no exterior foi grande e vários deles viajaram para a
Inglaterra para encontrar e conversar com Owen. Seus muitos
trabalhos lhe faziam enfermar com frequência, pelo que ele muitas
vezes se afastava do seu serviço público, embora não ficasse
ocioso, pois continuava a escrever sempre que conseguia
permanecer sentado. Finalmente, ele se retirou para Kensington.
Em uma ocasião, quando estava indo de lá para Londres, dois
informantes apreenderam a sua carruagem, mas ele foi liberado
pela intervenção de Sir Edmund Godfrey, um juiz de paz, que
providencialmente estava presente naquele momento. O doutor
depois se mudou para sua própria casa em Ealing, onde passou
seus últimos dias. Lá, foi levado a pensar no outro mundo como
alguém que estava se aproximando dele, e isso culminou em suas
“Meditações sobre a Glória de Cristo”, na qual ele exalou a devoção
de uma alma que crescia continuamente em uma mentalidade
celestial.
Ele escreveu: “Eu vou Àquele a quem minha alma tem amado,
ou melhor, àquele que me amou com um amor eterno, o que é o
fundamento de toda a minha consolação. A travessia é muito
incômoda e cansativa, envolve dores intensas e de vários tipos, que
são todos resultados de uma febre intermitente. Todas as coisas
foram supridas para me levar hoje a Londres, de acordo com o
conselho dos meus médicos; mas todos ficamos desapontados com
a minha total incapacidade de empreender a viagem. Eu estou
deixando o navio da igreja em uma tempestade, mas enquanto o
grande Piloto estiver nele, a perda de um remador pobre e inferior
será insignificante. Viva, ore, espere e aguarde pacientemente e não
desanime: A promessa permanece invencível, ele nunca nos
deixará, nem jamais nos abandonará”. Ele morreu no dia de São
Bartolomeu, em 24 de agosto de 1683, aos 67 anos.
Seu caráter pode ser resumido assim: quanto à sua pessoa, a
sua estatura era alta; seu semblante solene, majestoso e belo; seu
comportamento, gentil; suas habilidades mentais, incomparáveis;
seu temperamento, agradável e cortês; seu discurso comum,
moderadamente engraçado. Ele era um grande mestre de suas
paixões, especialmente da raiva, e possuía grande serenidade de
espírito, nem ficava eufórico com honra ou riqueza, nem deprimido
com dificuldades. Ele exercia grande moderação em seu julgamento
e era de um espírito caridoso, disposto a pensar o melhor de todos
os homens, até onde podia, não restringido o cristianismo a um
partido ou denominação. Ele era amigo da paz e um promotor
diligente dela entre os cristãos. Em relação à erudição, ele era um
dos mais brilhantes ornamentos da Universidade de Oxford. Mesmo
Anthony Wood, que de modo nenhum era amigável para com os
puritanos, escreveu que “ele era uma pessoa bem capacitada em
línguas, no conhecimento rabínico e nos ritos judaicos; que ele tinha
um grande domínio de sua pena inglesa, e era um dos escritores
mais precisos e refinados que já apareceram contra a Igreja da
Inglaterra”. Seu temperamento cristão na administração da
controvérsia era de fato admirável. Ele estava bem familiarizado
com os homens e com as coisas, e percebia o temperamento e
modos de um homem já em uma primeira impressão. Seus
trabalhos como ministro do Evangelho eram incríveis. Ele era um
excelente pregador, tendo boa oratória, era gracioso e amável. Ele
poderia, em todas as ocasiões, sem qualquer premeditação,
expressar-se com pertinência sobre qualquer assunto. No entanto,
seus sermões eram bem estudados e meditados, embora ele
geralmente não usasse anotações no púlpito. Sua piedade e
devoção eram eminentes e seu conhecimento experimental das
coisas espirituais enorme. Em todas as relações ele se comportava
como um nobre cristão.
Seu conhecimento da história eclesiástica e da teologia
polêmica era vasto e profundo, de modo que, quando as antigas
heresias foram reavivadas sob nomes modernos de arminianismo e
socinianismo, ele as refutou prontamente. A perspicácia com a qual
ele detectava o erro mais refinado, e a força com a qual ele
sobrepujava os mais formidáveis mestres de tais falsidades só eram
superadas pela exatidão com que ele declarava as mais profundas
verdades das Escrituras e a santidade com a qual ele direcionava
toda verdade para a purificação do coração e a ordenação da vida.
Em sua exposição do Salmo 130, ele tratou sobre o propósito sábio
e benevolente de Deus nos conflitos mentais que havia suportado, e
provou-se qualificado para guiar os passos do pecador que
retornava ao Deus do perdão. Seus tratados sobre a mortificação do
pecado nos crentes, sobre a mentalidade espiritual e a glória de
Cristo, provam que ele é igualmente adequado para guiar o cristão
em seus estágios mais avançados, e para mostrar-lhe como concluir
o seu caminho com alegria a fim de obter uma entrada abundante
no reino eterno de Cristo. Porém, a sua grande obra é a exposição
da epístola aos Hebreus. Para essa obra os estudos de sua vida
foram, mais ou menos, direcionados. E embora essa epístola possa
ser considerada seguramente a de maior dificuldade entre todos os
livros didáticos das Escrituras, nenhuma parte dos escritos sagrados
recebeu uma exposição tão perfeita na língua inglesa ou talvez em
qualquer outra língua.
Deve-se mencionar em honra a Owen que ele parece ter sido
um dos primeiros a considerar a noção do direito de julgamento
privado e tolerância. Ele foi honesto e zeloso o suficiente para
sustentar ambos em seus escritos quando os tempos eram os
menos encorajadores. Ele não apenas publicou dois fundamentos
para indulgência e tolerância em 1677, quando os dissidentes
estavam sofrendo perseguição sob Charles II, mas assumiu a
mesma posição muito mais cedo, pleiteando contra a intolerância
em um tratado por volta do início de 1647, quando o parlamento
chegou ao clímax do seu poder.
O Dr. Owen foi enterrado em Bunhill Fields, em Londres, com
uma deferência incomum. Sua lápide está em latim, mas traduzida
para o português diz: John Owen, D.D.
Nascido no condado de Oxford; filho de um eminente teólogo,
porém ele mesmo ainda mais eminente, e justamente pode
ser considerado entre os mais ilustres de seu tempo.
Capacitado com as ajudas da erudição polida e sã, em um
grau muito incomum, ele conduziu todos esses, como um
trem bem ajustado, ao serviço de seu grande estudo, a
teologia cristã, polêmica, prática e casuística. Em cada uma
dessas áreas ele superou os demais, e se manteve
constante. Em um ramo da ciência mais santa, ele, com mais
poderes do que Hércules, capturou e derrotou monstros
envenenados, os erros arminianos, socinianos e papistas. No
outro, primeiro experimentando em seu próprio coração, de
acordo com a regra infalível da Escritura, o santo poder do
Espírito Santo, ensinou toda o funcionamento daquela
influência divina. Rejeitando objetos inferiores, ele
constantemente apreciava e experimentava, em grande
medida, aquela comunhão bem-aventurada com Deus, a qual
tão admiravelmente descreveu. Embora fosse um peregrino
na terra, ele estava próximo a um espírito no céu. Na teologia
experimental, todos os que poderiam ter as bênçãos de seus
conselhos o consideravam um oráculo. Ele era um escriba de
todas as maneiras bem versado no reino dos céus. Para
muitos em suas próprias casas, do púlpito para outros mais,
e da imprensa para todos, ele estava visando o prêmio
celestial e acendeu uma lâmpada pura da doutrina do
Evangelho. Brilhando assim, ele foi gradualmente consumido,
o que não foi despercebido por ele mesmo e por seus amigos
aflitos, até que sua alma santa, desejando a mais completa
fruição de seu Deus, abandonou as ruínas de um corpo
enfraquecido por constantes enfermidades, emaciado por
doenças frequentes, porém principalmente desgastado por
causa de trabalhos severos, e deste modo já não mais
adequado para o serviço de Deus: um tecido, assim gasto,
mais ainda gracioso e majestoso. Ele deixou o mundo em um
dia que se tornou terrível para a igreja devido aos poderes do
mundo, mas feliz para ele mesmo pelo agrado do seu Deus,
em 24 de agosto de 1683, aos 67 anos.
Uma Exposição de Hebreus 8:6-13

Em que, A natureza e as diferenças


entre a Antiga e a Nova Aliança são
expostas.
Por John Owen
Introdução do Editor
As mesmas observações do editor da parte de Coxe se aplicam
aqui. Embora a parte de Owen tenha a singular vantagem de ser
uma cópia da edição de William H. Goold (publicada por Johnstone
& Hunter em 1854-1855 e reimpressa por Banner of Truth, em
1991), a língua inglesa mudou desde 1855. O estilo de Owen é
particularmente difícil para o leitor inexperiente, e mesmo para
aqueles que tiveram o privilégio de ler Owen de modo aprofundado
concordariam que ele não é um autor fácil de acompanhar. Portanto,
revisamos o material de Owen usando as seguintes diretrizes
gramaticais e estilísticas.
1. Atualizamos a ortografia e o uso de palavras. Palavras
arcaicas foram modernizadas de acordo com as definições do
Dicionário de Inglês Oxford. Alguns termos teológicos técnicos
foram mantidos.
2. A gramática e o estilo foram levemente modernizados.
3. Apenas as expressões em latim foram colocadas em itálico.
O próprio Owen geralmente traduz o hebraico, grego e latim usados
em sua exposição. Portanto, mantivemos essas línguas antigas no
corpo do comentário, movendo apenas as maiores citações gregas
e latinas do texto para notas de rodapé. Amy E. Chifici, que possui
um M.A. em latim, traduziu as citações latinas mais longas. Algumas
palavras e frases em latim e grego são traduzidas em notas de
rodapé.
4. As notas de rodapé originais que aparecem na edição da
Banner of Truth estão todas incluídas. As notas de rodapé do editor
são colocadas entre colchetes ([…]).
5. Foi feito um esforço para manter as divisões de palavras e
parágrafos. A maior parte da numeração esboçado pelo próprio
Owen foi preservada; isso ajudará a comparar essa edição com a
edição da Banner. No entanto as palavras em uma frase foram, em
alguns momentos, reorganizadas para melhor clareza.
6. Títulos e subtítulos foram acrescentados. Não há títulos ou
subtítulos na edição da Banner. Espera-se que essas divisões
acrescidas sejam úteis. As divisões alteraram um pouco a
numeração da seção original.
7. A intenção foi tornar Owen mais fácil de ler, no entanto,
aqueles que desejarem e aqueles que não são inexperientes na
leitura dos puritanos certamente terão muito proveito em ler a edição
da Banner, a qual está disponível com facilidade.
Francisco Orozco Iglesia Bautista Betel Cd. Cuauhtémoc
Chihuahua México
Capítulo 1
Exposição do Versículo 6

A Diferença entre as Duas Alianças

“Mas agora alcançou ele ministério tanto mais excelente, quanto é


mediador de uma melhor aliança que está confirmada em melhores
promessas.” (Hebreus 8:6)[201]

Não há diferença substancial em qualquer tradução, antiga ou


moderna, dessas palavras; seu significado em particular será dado
na exposição.
A segunda parte do capítulo começa nesse versículo, a qual
trata da diferença entre as duas alianças, a Antiga e a Nova, com a
preeminência da última sobre a primeira, e do ministério de Cristo
acima dos sumos sacerdotes por essa razão. Toda a igreja-estado
dos judeus, com todas as suas ordenanças e cultos, e seus os
privilégios inerentes, dependiam totalmente da aliança que Deus fez
com eles no Sinai. Mas a introdução desse novo sacerdócio, do qual
o apóstolo fala, necessariamente abolia essa aliança e poria fim a
todas as ministrações sagradas que lhe pertenciam. E isso não
poderia ser oferecido a eles sem o suprimento de outra aliança, que
deveria exceder a primeira em privilégios e benefícios. Pois foi
concedido entre eles que esse era o desígnio de Deus visando
conduzir a igreja a um estado perfeito, como foi declarado no
capítulo 7; para esse fim, ele não revogaria e nem os privaria de
qualquer coisa que tivessem desfrutado sobre a primeira aliança,
sem que provesse algo que fosse melhor para tomar o seu lugar.
Portanto, o apóstolo aqui se compromete a declarar essa Nova
Aliança. E ele faz isso da maneira habitual, a partir de princípios e
testemunhos que foram admitidos entre eles.
Para esse propósito, ele prova duas coisas a partir de citações
expressas do profeta Jeremias: 1. Que além da aliança feita com
seus pais no Sinai, Deus havia prometido fazer outra aliança com a
igreja, em seu tempo e época designados.
2. Que essa outra aliança prometida seria de natureza
diferente da anterior, e muito mais excelente, quanto aos benefícios
espirituais que administraria para aqueles que participassem dela.
Depois de provar isso plenamente, o apóstolo infere a
necessidade da revogação da primeira aliança, na qual eles
confiavam e à qual aderiram, quando o tempo designado chegasse.
E sobre isso, Paulo aproveita a ocasião para declarar, através de
vários exemplos, a natureza das duas alianças e no que consistem
as diferenças entre elas. Essa é a essência do restante desse
capítulo.
Esse versículo é uma transição de um assunto para outro, ou
seja, da excelência e superioridade do sacerdócio de Cristo em
relação ao sacerdócio da lei para a excelência e superioridade da
Nova Aliança em relação à Antiga. E nisso também o apóstolo
habilmente inclui e confirma o seu último argumento, da
preeminência de Cristo, Seu sacerdócio e ministério, como
superiores aqueles que vigoravam sob a lei. E ele argumenta a
partir da natureza e excelência da aliança da qual Cristo é o
mediador no cumprimento de seu ofício.
As palavras do nosso versículo podem ser divididas em duas
partes: Em primeiro lugar, uma afirmação da excelência do
ministério de Cristo. E isso ele expressa por meio de comparação:
“alcançou ele ministério tanto mais excelente”; e depois declara o
grau dessa comparação: “tanto mais”. Em segundo lugar, ele anexa
a prova dessa afirmação, a saber, que Cristo é o “mediador de uma
melhor aliança que está confirmada em melhores promessas”.
Uma Afirmação da Excelência do Ministério de Cristo

Nessa primeira parte há cinco coisas que devemos observar:


1. A observação introdutória, “mas agora”; 2. O que é atribuído ao
Senhor Jesus Cristo nessa afirmação, a saber, um “ministério”: 3.
Como ele obteve esse ministério, “alcançou ele ministério”; 4. A
qualidade desse ministério, que é “melhor” ou “mais excelente” que
o outro; 5. A medida e o grau dessa excelência, “tanto mais”.

A Introdução da Afirmação

A introdução da afirmação é feita pelas partículas νυνὶ δέ ,


“mas agora”. νῦν , “agora”, é uma observação de tempo, do tempo
presente. Mas há casos em que essas partículas adverbiais, assim
unidas, não parecem denotar qualquer época ou período, mas são
meramente adversativas como aparece em Romanos 7:17 e 1
Coríntios 5:11, 7:14. Porém, mesmo nessas passagens, elas
parecem também estar relacionadas ao tempo; e, portanto, não sei
por que razão esse aspecto estaria excluído aqui. Portanto, assim
como há aqui a intenção de uma oposição à Antiga aliança e ao
sacerdócio levítico, assim também é indicado o tempo em que seria
introduzida a Nova Aliança e o melhor ministério pelo qual ela foi
acompanhada. Observando o termo “Agora”, nesse momento, esse
é o tempo que Deus designou para a introdução da Nova Aliança e
o ministério dela. Para o mesmo propósito, o apóstolo se expressa,
tratando do mesmo assunto em Romanos 3:26: “Para demonstração
da sua justiça”, ἐν τῷ νῦν καιρῷ , “neste tempo presente”, agora
que o Evangelho está sendo pregado.

Primeira Observação Prática


Deus, em sua infinita sabedoria, dá tempos e períodos
apropriados a todas as suas dispensações para e em relação à
igreja. Assim, o cumprimento dessas coisas ocorreu na “plenitude
dos tempos” (Efésios 1:10), ou seja, quando todas as coisas o
tornam apropriado e adequado à condição da igreja e para a
manifestação de sua própria glória. Ele executa todas as suas obras
da graça em seu próprio tempo designado (Isaías 60:22). E nosso
dever é deixar a ordenação de todas as coisas concernentes à
igreja, no que diz respeito ao cumprimento das promessas, para que
Deus as cumpra em seu próprio tempo (Atos 1:7).

O que é Atribuído a Cristo na Afirmação

Aquilo que é atribuído ao Senhor Jesus Cristo é, λειτουγρία ,


um “ministério”. Os antigos sacerdotes tinham um ministério; eles
ministravam no altar, como vemos no versículo anterior. E o Senhor
Jesus Cristo também era “ministro”; assim como o apóstolo
mencionou anteriormente no versículo 2, ele era, λείτουργος τῶν
ἀγίων , “ministro do santuário”. Para esse fim, uma “liturgia”, um
“ministério”, um serviço, foram comissionados a Ele. E duas coisas
estão incluídas nisso: (1.) Foi uma função de ministro que o Senhor
Jesus empreendeu. Ele não é chamado de ministro com relação a
um ato particular de ministração; assim como quando somos
ordenados a “ministrar às necessidades dos santos”,[202] mas isso
não denota nenhum ofício em relação àqueles que executam essa
ministração. Mas Cristo tinha um ofício permanente comissionado a
ele, como a palavra implica. Nesse sentido também ele é chamado,
διάκονος , um “ministro” no ofício (Romanos 15:8) (2.) A
subordinação a Deus está incluída nisso. Com relação à igreja, o
ofício de Cristo é supremo, acompanhado de poder e autoridade
soberanos; ele é “Senhor sobre a sua própria casa”.[203] Mas ele
ocupa o seu ofício em subordinação a Deus, sendo “fiel ao que o
constituiu” (Hebreus 3:2). Assim como é dito que os anjos ministram
a Deus (Daniel 7:10), ou seja, fazem todas as coisas de acordo com
a sua vontade e sob Seu comando, assim também o Senhor Jesus
Cristo teve um ministério.

Segunda Observação Prática

E podemos observar que todo o ofício de Cristo foi designado


para o cumprimento da vontade e dispensação da graça de Deus.
Para esses fins, o seu ministério foi comissionado a Ele. Jamais
poderemos contemplar admirar suficientemente o amor e a graça de
nosso Senhor Jesus Cristo ao assumir esse ofício em nosso favor. A
grandeza e a glória dos deveres que ele desempenhou no seu
cumprimento, e os benefícios que recebemos por esse meio, são
indescritíveis, os quais constituem a causa imediata de toda graça e
glória. No entanto, não devemos absolutamente descansar nesses
benefícios, mas pela fé ascender até à fonte eterna deles. Dentre
esses benefícios estão a graça, o amor e a misericórdia de Deus,
todos agindo de modo poderoso e soberano. Em todo lugar na
Escritura os deveres que ele desempenhou são representados
como a fonte original de toda a graça, e o objetivo último de nossa
fé, com relação aos benefícios que recebemos pela mediação de
Cristo. O ofício do Senhor Jesus Cristo foi confiado a ele da parte de
Deus, o Pai; e Cristo cumpriu a sua vontade ao executá-lo.

Terceira Observação Prática

No entanto, também a condescendência do Filho de Deus em


assumir o ofício ministerial em nosso favor é indescritível e deve ser
para sempre admirada. Isso ficará especialmente evidente quando
considerarmos quem foi que o empreendeu, o que lhe custou, o que
ele fez e sofreu no desempenho e cumprimento de tal ofício, como é
expresso em Filipenses 2:6-8. Seu ministério não é somente o que
ele continua fazendo no céu à destra de Deus, mas também tudo o
que ele sofreu na terra. Seu ministério, quanto à sua realização, não
era uma questão de dignidade, uma promoção ou um benefício
(Mateus 20:28). É verdade, a realidade é que ele está gloriosamente
exaltado, mas isso não aconteceu antes de Cristo ter passado por
todos os males que a natureza humana é capaz de sofrer. E
devemos nos submeter a qualquer coisa alegremente por aquele
que se submeteu a esse ministério por nós.

Quarta Observação Prática

O Senhor Jesus Cristo, ao realizar esse ofício ministerial,


consagrou e tornou honroso esse ofício a todos os que são
verdadeiramente chamados a ele, e o cumprem devidamente. É
verdade que o ministério dele e o nosso não são do mesmo tipo e
natureza; mas se assemelham nisto: ambos são um ministério para
Deus nas coisas santas concernentes à sua adoração. E
considerando que o próprio Cristo era ministro de Deus, temos
muito mais motivos para tremermos diante da apreensão de nossa
própria insuficiência para tal ofício do que sermos desencorajados
devido a todas as dificuldades e lutas que enfrentamos no mundo
por causa disso.

Como Cristo Veio a esse Ministério


O modo geral de acordo com o qual nosso Senhor Jesus
Cristo veio a esse ministério é expresso: τέτευχε , “Ele o alcançou”.
τυγχάνω também é “sorte contingo”, “ter um destino ou porção”, ou
qualquer coisa que aconteça com um homem, como se fosse por
acidente; ou “assequor”, “obtineo”, “alcançar” ou “obter” qualquer
coisa que antes não possuíamos. Porém, o apóstolo não pretende
expressar nessa palavra o chamado especial de Cristo, ou o modo
particular como ele empreendeu o seu ministério, mas somente
mencionar de forma geral que ele o alcançou e o obteve no tempo
designado, aquilo que ele não possuía anteriormente. O apóstolo
expressa o modo pelo qual Cristo veio a todo o ofício e trabalho de
sua mediação pela palavra, κεκληρονόμνκε (Hebreus 1:4), ou seja,
ele o obteve por “herança”, isto é, por concessão gratuita e doação
perpétua, feita a ele como o Filho. Veja a exposição dessa
passagem.[204]
Houve duas coisas que concorreram para que ele alcançasse
esse ministério: (1.) O eterno propósito e conselho de Deus que O
designou para isso; um ato da vontade divina acompanhado de
infinita sabedoria, amor e poder. (2.) O verdadeiro chamado de
Deus, ao qual muitas coisas concorreram, especialmente a sua
unção com o Espírito sem medida sobre todo o seu ofício. Assim,
ele obteve esse ministério, e não por qualquer constituição legal,
sucessão ou rito carnal, como ocorria com os sacerdotes do
passado.

Quinta Observação Prática

E podemos ver que a exaltação da natureza humana de Cristo


no ofício desse ministério glorioso dependia unicamente da
soberana sabedoria, graça e amor de Deus. Quando a natureza
humana de Cristo foi unida à divina, ela se tornou, na pessoa do
Filho de Deus, apta e capaz para fazer expiação pelos pecados da
igreja e obter justiça e vida eterna para todos os que creem. Porém,
ela não merecia essa união, nem poderia merecê-la. Pois, assim
como era absolutamente impossível que qualquer natureza criada,
por qualquer ato próprio, merecesse a união hipostática,[205] assim
também isso foi concedido à natureza humana de Cristo,
antecedendo qualquer ato próprio de obediência a Deus; pois foi
unida à pessoa do Filho em virtude dessa união. E antes disso, ela
não poderia merecer nada. Portanto, toda a sua exaltação e o
ministério executado dependeram somente da soberana sabedoria e
agrado de Deus. E nessa eleição e designação da natureza humana
de Cristo para a graça e a glória, podemos ver o padrão e o
exemplo de nós mesmos. Pois, se não foi em consideração ou
previsão da obediência da natureza humana de Cristo que ela foi
predestinada e escolhida para a graça da união hipostática, com o
ministério e a glória que dependiam disso, mas isso aconteceu por
pura graça soberana de Deus; quanto menos poderia a previsão de
qualquer coisa em nós ser a causa do porquê Deus nos escolheria
nele antes da fundação do mundo para a graça e a glória!

A Qualidade desse Ministério

A qualidade desse ministério, assim alcançado, quanto à


excelência comparativa, é expressa da seguinte maneira:
διαφορωτέρας , “mais excelente”. A palavra é usada nesse sentido
somente nessa epístola, e na passagem do capítulo 1:4. A palavra
original denota apenas uma distinção de outras coisas; mas em grau
comparativo, como aqui, significa uma diferença com uma
preferência ou uma excelência comparativa. O ministério dos
sacerdotes levíticos era bom e útil em seu tempo e época; o
ministério sacerdotal de nosso Senhor Jesus Cristo diferia quanto a
ser melhor do que aquele e mais excelente, π ολλῷ ἄμεινο ν .[206]
A Preeminência desse Ministério

Ainda é acrescentado o grau dessa preeminência, na medida


em que se pretende nessa passagem e no presente argumento, na
palavra ὅοῷ , “tanto mais”, “Ministério tanto mais excelente”. A
excelência do ministério de Cristo acima do ministério dos
sacerdotes levíticos é proporcional à excelência e superioridade da
aliança da qual ele era o Mediador em relação à Antiga Aliança na
qual os sacerdotes levitas ministravam.
Assim, explicamos a afirmação do apóstolo sobre a excelência
do ministério de Cristo. E por esse meio ele encerra o seu discurso
com o qual esteve envolvido por tanto tempo, sobre a preeminência
de Cristo em seu ofício em relação aos sumos sacerdotes da
antiguidade. E, de fato, visto que essa era a principal questão que
permeava toda a controvérsia com os judeus, ele não poderia
exagerar ao oferecer evidências ou uma confirmação completa.

Sexta Observação Prática

E no que diz respeito a nós mesmos no momento, somos


ensinados dessa forma, que é nosso dever e nossa segurança nos
entregarmos universal e absolutamente no ministério de Jesus
Cristo. Diante daquilo para o qual ele foi designado pela infinita
sabedoria e graça de Deus e que estava tão capacitado para
realizar pela comunicação do Espírito a ele em toda plenitude; e a
que todos os outros sacerdócios foram removidos para dar lugar a
ele, o Senhor precisa ser suficiente e efetivo para todos os fins para
os quais foi designado. Pode ser dito: “Se há algo em que todos os
homens que são chamados cristãos consentem plenamente é no
ministério de Jesus Cristo”. Mas se é assim, por que ouvimos um
som diferente? O que significam esses outros sacerdotes e
sacrifícios repetitivos que compõem a adoração da Igreja de Roma?
Se eles descansam no ministério de Cristo, por que designam um
homem entre eles para fazer as mesmas coisas que Jesus já fez, a
saber, oferecer sacrifício a Deus?

A Prova da Afirmação

Em segundo lugar, a prova dessa afirmação está na última


parte dessas palavras: “Por quanto é mediador de uma melhor
aliança que está confirmada em melhores promessas”. As palavras
são dispostas de tal modo que alguns pensam que o apóstolo
pretende agora provar a excelência da aliança a partir da excelência
do ministério dela. Mas o outro sentido é mais adequado ao
contexto da passagem e à natureza do argumento com o qual o
apóstolo insiste com os hebreus. Pois, supondo-se que havia de fato
outra, e uma “melhor aliança” a ser introduzida e estabelecida, além
daquela em que os sacerdotes levíticos serviam, o que eles não
podiam negar, segue-se claramente que Aquele de quem o
ministério da dispensação daquela aliança dependia, deveria ser
necessariamente “mais excelente” no exercício do seu ministério do
que àqueles que pertenciam à aliança que seria abolida. No entanto,
pode ser admitido que essas coisas testemunhem e se ilustrem
mutuamente. Tal como é o sacerdote, tal é a aliança; tal como a
aliança é em dignidade, tal é o sacerdote.
Nessas palavras há três coisas que devem ser observadas: 1.
O que é geralmente atribuído a Cristo, declarando a natureza do seu
ministério: ele era um “Mediador”: 2. A característica conferida pelo
seu ofício como Mediador para a Nova Aliança: “Uma melhor
aliança”: 3. A prova ou demonstração da natureza dessa aliança
quanto à sua excelência: “Confirmada em melhores promessas”.

O Ofício de Mediador
Seu ofício é o de um Mediador, μεσίτης , aquele que se
interpunha entre Deus e o homem, para o cumprimento de todas
aquelas coisas pelas quais uma aliança poderia ser estabelecida
entre eles e feita eficaz. Schlichtingius[207] oferece a seguinte
descrição de um Mediador: “Ser um mediador não é outra coisa
senão ser o negociador de Deus e o intermediário no
estabelecimento de (Sua) aliança com os homens; através de quem,
em outras palavras, tanto Deus poderia revelar a sua (própria)
vontade aos homens, como eles, por sua vez, poderiam concordar
com Deus, e tendo sido reconciliados com Ele, os homens poderiam
experimentar paz quanto ao futuro”.[208] E Grotius fala bastante
nesse mesmo sentido.
Porém essa descrição de um mediador é totalmente aplicável
a Moisés, e adequada ao seu ofício ao anunciar a lei (Cf. Êxodo
20:19 e Deuteronômio 5:27-28). O que é dito por eles, de fato,
pertence imediatamente ao ofício mediatório de Cristo, mas não se
limita a isso; aliás, essa definição exclui algumas das principais
partes de sua mediação. E embora não exista a definição do que é
um mediador dada por Schlichtingius, e que não contenha nada
senão aquilo que pertence ao ofício profético de Cristo (o que não é
a principal intenção do apóstolo aqui), e é muito indevidamente
aplicada como uma descrição de um mediador tal como ele
intenciona. E, portanto, depois quando o apóstolo passa a declarar
em particular o que pertencia a tal Mediador da aliança, ele
expressamente enfatiza a sua “morte para remissão das
transgressões” (Hebreus 9:15), e então afirma que “por essa razão
ele era um mediador”. Mas não há nada sobre isso na descrição que
nos dão desse ofício. Entretanto, o apóstolo descreve o ministério
de Cristo como Mediador em outros de seus escritos, como por
exemplo: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e
os homens, Jesus Cristo homem. O qual se deu a si mesmo em
preço de redenção por todos” (1 Timóteo 2:5-6). A parte principal de
sua mediação consistia em “dar a si mesmo em preço de redenção”,
ou um preço de redenção por toda a igreja. Portanto, com base
nisso, entendemos que essa descrição dos socinianos acerca de um
Mediador do Novo Testamento é projetada apenas para rejeitar a
satisfação de Cristo, ou Sua oferta a Deus em sua morte e
derramamento de sangue, e a expiação feita por meio disso.
O Senhor Jesus Cristo, então, em seu ministério, é chamado
μεσίτης , o “Mediador” da aliança, no mesmo sentido em que ele é
chamado, ἔγγυος , o “Fiador” (veja a exposição sobre o capítulo
7:22). Ele é, na Nova Aliança, o Mediador, o Fiador, o Sacerdote, o
Sacrifício, tudo em sua própria pessoa. A ignorância e a falta de
uma devida consideração sobre isso são a grande evidência da
degeneração da religião cristã.
Embora essa seja a primeira noção geral sobre o ofício de
Cristo — o qual compreende todo o ministério confiado a ele, e que
contém em si os ofícios especiais de Rei, Sacerdote e Profeta, de
acordo com os quais ele realiza a sua mediação — algumas coisas
que são declarativas de sua natureza e aplicação devem ser
mencionadas. E, para isso, podemos observar o seguinte: (1.) Que
para que o ofício de um Mediador seja possível, é necessário que
haja diferentes pessoas envolvidas na aliança, e isso por suas
próprias vontades; como deve ser em todos os pactos, de qualquer
tipo. Assim diz o nosso apóstolo: “Ora, o mediador não o é de um
só, mas Deus é um” (Gálatas 3:20), isto é, se não houvesse
ninguém a não ser Deus envolvido nesse questão, como ocorre
quando há uma promessa absoluta ou preceito soberano, não
haveria necessidade de um Mediador como Cristo o é. Para esse
fim, nosso consentimento na aliança, e para a aliança é requerido
na própria noção de um Mediador.
(2.) Que as pessoas que entram em aliança em tal estado e
condição que não sejam convenientes ou moralmente possíveis de
tratarem imediatamente uns com os outros quanto aos fins da
aliança, necessitam de um mediador entre eles, pois de outro modo
um mediador seria completamente desnecessário. Foi assim no
pacto original com Adão, que não tinha mediador. Porém, ao
entregar a lei, que deveria ser uma aliança entre Deus e o povo,
eles se viram totalmente insuficientes para tratar imediatamente com
Deus e, portanto, o povo desejou um intermediador para estar entre
Deus e eles, para trazer os mandamentos de Deus até eles e para
levar de volta o consentimento deles (Deuteronômio 5:23-27). E
esse é o modo de falar de todos os homens realmente convictos da
santidade de Deus e de sua própria condição. Tal é o estado entre
Deus e os pecadores, pois a lei e a sua maldição se interpuseram
entre eles de tal modo que os homens não poderiam entrar em
algum acordo imediato com Deus (Salmos 5:3-5). Daí a
necessidade de um mediador para que a Nova Aliança fosse
estabelecida. Falaremos mais sobre isso a seguir.
(3.) Que aquele que deve vir a ser esse mediador deve
também ser aceito, confiado e crido por ambas as partes que
mutuamente entram em aliança. Uma confiança absoluta deve ser
depositada em tal mediador, de modo que cada parte possa ser
eternamente vinculada ao que ele assume no nome deles; e
aqueles que não concordarem com os seus termos não podem ter
nenhum benefício, nem participação na aliança. Assim foi com o
Senhor Jesus Cristo nessa questão. Da parte de Deus, ele
depositou toda a confiança, quanto a tudo que concerne a essa
aliança, em Cristo, e absolutamente descansou a esse respeito.
“Eis”, ele diz, “aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em
quem se apraz a minha alma”, ou deleita, ἐν ᾧ εὐδόκησα (Isaías
42:1; Mateus 3:17). Quando Cristo empreendeu esse ofício, ele
disse: “Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu”, o nome de
Deus foi colocado sobre ele (Êxodo 23:21; João 5:20-22). E para
Cristo, Deus Pai finalmente dá testemunho que que ele havia
cumprido essa obra (João 17:4). E de nossa parte, a menos que nos
sujeitemos totalmente a uma confiança universal em Cristo e
creiamos nele, e a menos que aceitemos todos os termos da aliança
como proposta por Ele, e nos comprometamos a perseverarmos em
tudo o que ele realizou em nosso nome, não podemos ter parte nem
interesse nesse assunto.
(4.) Um mediador deve ser uma pessoa que se coloca entre
duas partes envolvidas em uma aliança; e, se forem de naturezas
diferentes, um mediador perfeito e completo deve participar de cada
uma das naturezas das partes envolvidas na mesma pessoa. Eu já
demonstrei em outros lugares a necessidade de que isso seja
assim, bem como, nisso, e está a gloriosa sabedoria de Deus, e,
portanto, não insistirei nesse ponto novamente.
(5.) Um mediador deve ser aquele que, voluntariamente e por
iniciativa própria, realiza a obra de mediação. Isso é requerido de
todo aquele que efetivamente mediará entre quaisquer pessoas que
estão em desacordo, para levá-las a um acordo em igualdade de
termos. Por isso, era necessário que a vontade e o consentimento
de Cristo estivessem envolvidos em sua aceitação desse ofício; e
que esse era o caso é expressamente testificado em Hebreus 10:5-
10. É verdade que Cristo foi apontado e designado pelo Pai para
esse ofício, e por isso ele é chamado de seu “servo” e
constantemente testemunha a seu respeito como aquele que veio
para cumprir a vontade e mandamento daquele que o enviou. Cristo
tinha que cumprir esse ofício sem que qualquer regra da justiça
divina fosse imposta a ele à parte de seu próprio consentimento
voluntário. E essa foi a base da aliança eterna entre o Pai e o Filho,
com relação à sua mediação; como já expliquei em outro lugar. E a
testificação[209] de sua própria vontade, graça e amor na aceitação
desse ofício é o motivo principal para a fé e confiança que a igreja
coloca nele, como o Mediador entre Deus e eles. Nesse seu
empreendimento voluntário o nome de Deus repousa sobre Ele, e
Deus deposita toda a confiança nele para cumprir a sua vontade e
prazer, ou o propósito de seu amor e graça nessa aliança (Isaías
53:10-12). Essa é a fé da igreja, da qual nossa salvação depende e
o que deve nos levar a amar a pessoa do Mediador. O amor a Cristo
não é menos necessário para a salvação do que a fé nele. E como a
fé é dada a partir da soberana sabedoria e graça de Deus ao enviá-
lo bem como de sua própria capacidade de salvar perfeitamente
aqueles que se achegam a Deus por meio dele; assim também o
amor flui a partir da consideração do seu próprio amor e graça
demonstrados no empreendimento voluntário desse seu ofício e na
consumação dele.
(6.) Nesse empreendimento voluntário para ser um mediador,
duas coisas eram necessárias: [1.] Que Jesus deveria remover
qualquer coisa que mantivesse à distância aqueles que fazem parte
da aliança, ou que fosse uma causa de inimizade entre eles. Pois
supõe-se que tal inimizade existia, ou então não haveria
necessidade de um mediador. É por causa disso que na aliança feita
com Adão — por não haver nenhuma divergência entre Deus e o
homem, nem qualquer distância, a não ser aquele que
necessariamente existia em virtude da diferença das naturezas de
Criador e criatura — não havia mediador. Mas o desígnio dessa
aliança era efetuar a reconciliação e a paz. Disso, portanto,
dependia a necessidade de satisfação, redenção e realização da
expiação por meio de sacrifício. Pois o homem, tendo pecado,
apostatado e se rebelado contra o governo de Deus, tornou-se
assim sujeito à sua ira, de acordo com a regra eterna da justiça, e
em particular mereceu à maldição da lei, e assim ele não poderia
obter novamente paz e acordo com Deus a menos que a devida
satisfação por essas coisas fosse realizada. Embora Deus quisesse,
por Seu infinito amor, graça e misericórdia, entrar em uma nova
aliança com o homem caído, ainda assim ele não o faria em
detrimento de sua justiça, de modo a desonrar o seu governo e
desprezar a sua lei. Para esse fim, ninguém poderia comprometer-
se a ser um mediador desta aliança, senão Aquele que era capaz de
satisfazer a justiça de Deus, glorificar o seu governo e cumprir a lei.
E isso não poderia ser feito por ninguém além de Cristo, a respeito
de Quem poderia ser dito que “Deus comprou a sua igreja com seu
próprio sangue”.[210]
[2.] Que Jesus Cristo deveria adquirir por um preço, e de um
modo adequado à glória de Deus, a concessão real de todas as
coisas boas preparadas e propostas nessa aliança, a saber, graça e
glória, com tudo o que pertence a elas, em favor daqueles para
quem ele era o Fiador. E esse é o fundamento do mérito de Cristo e
da concessão de todas as boas coisas para nós por causa dele.
(7) É exigido desse Mediador, como tal, que ele ofereça
garantias e se comprometa, para as partes mutuamente
interessadas, a cumprir os termos da aliança relativos a cada uma
das partes: [1.] Da parte de Deus em relação aos homens: que eles
terão paz e aceitação diante dele, pois ele certamente cumprirá
todas as promessas da aliança. Cristo faz isso apenas
declarativamente, na doutrina do Evangelho e na instituição das
ordenanças do culto evangélico. Pois Cristo não foi um fiador para
Deus, nem Deus precisava de um, visto que havia conformado sua
promessa com um juramento, no qual jurou por si mesmo, porque
ele não tinha alguém maior por quem jurar.
[2.] De nossa parte, Cristo Se compromete a Deus em prol de
nossa aceitação dos termos da aliança e de nosso cumprimento
desses termos, por nos capacitar para tal.

Sétima Observação Prática

Essas coisas, entre outras, eram necessárias a um Mediador


pleno e completo da Nova Aliança, tal como Cristo o é. E a provisão
desse Mediador entre Deus e o homem foi um resultado de infinita
sabedoria e graça; sim, foi a maior e mais gloriosa demonstração de
sabedoria e graça já produzida ou efetuada nesse mundo. A criação
de todas as coisas a partir do nada foi uma obra gloriosa de
sabedoria e poder infinitos; mas quando a glória desse propósito foi
eclipsada pela entrada do pecado, essa provisão de um Mediador —
de acordo com quem todas as coisas foram restauradas e
resgatadas a uma condição que traz ainda mais glória a Deus, e
assegura para sempre a bem-aventurada herança daqueles de
quem ele é o Mediador — provê ainda mais evidências das
excelências divinas do que ocorreu na criação (Veja Efésios 1:10).

Uma Descrição Adicional de seu Ofício Mediatório


Duas coisas são acrescentadas a título de descrição adicional
desse Mediador: (1.) Que ele era um Mediador de uma aliança; (2.)
que essa aliança era melhor do que outra que estava em vigor, da
qual ele não era o Mediador: (1.) ele era o Mediador de uma
“aliança”. E duas coisas estão implícitas nisso: [1.] Que havia uma
aliança feita ou preparada entre Deus e o homem, e que o Deus que
a fez também preparou os seus termos em um ato soberano de
sabedoria e graça. A preparação da aliança, a qual consistia na
vontade e propósito de Deus de conceder graciosamente a todos os
homens as coisas boas que estão contidas nela — todas as coisas
pertencentes à graça e glória — como também garantir a obediência
que ele requeria, está implícita na constituição dessa aliança.
[2.] Que havia necessidade de um Mediador para que essa
aliança fosse eficaz para os seus fins relativos à glória de Deus e à
obediência dos homens, seguida de um galardão para eles. Isso
não era necessário a partir da natureza de uma aliança geral;
porque uma aliança pode ser feita e celebrada entre diferentes
partes sem qualquer mediador, simplesmente baseada na equidade
dos termos dela. Nem era necessário a partir da natureza de uma
aliança entre Deus e o homem, tal como ele foi criado a princípio por
Deus; porque a primeira aliança entre eles era imediata, sem a
interposição de um mediador. Porém, houve a necessidade de um
Mediador devido ao estado e condição daqueles com quem essa
nova aliança foi feita, e da natureza especial desse pacto. O
apóstolo o declara em Romanos 8:3: “Porquanto o que era
impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus,
enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo
pecado condenou o pecado na carne”. A lei era o instrumento moral
ou regra da aliança que foi feita de modo imediato entre Deus e o
homem; mas ela não poderia continuar assim depois da entrada do
pecado, não para servir ao propósito de Deus ser glorificado por
meio dela, através da obediência dos homens, seguida de galardão.
Para esse fim, ele “enviou Seu Filho em semelhança da carne
do pecado”, ou seja, proveu um Mediador para uma nova aliança. Já
que todas as pessoas com quem essa aliança seria feita são
pecadoras e apóstatas em relação a Deus, a santidade ou a justiça
dele não trataria imediatamente com elas. E tampouco elas seriam
capazes de atender aos santos fins de Deus, se ele tratasse
imediatamente com elas. Pois se, quando o homem estava em uma
condição de retidão e integridade, não foi capaz de obedecer aos
termos daquele pacto que foi feito imediatamente com ele, sem um
mediador, embora fosse santo, justo e bom; quanto menos poderia
ser esperado que os homens seriam capazes de obedecer aos
termos de uma aliança estando em uma condição depravada de
apostasia em relação a Deus e de inimizade contra Ele! Portanto,
não seria sábio que Deus entrasse novamente em aliança com a
humanidade sem a segurança de que os termos de tal aliança
seriam aceitos e que então a graça dessa aliança fosse feita eficaz.
Mas nós mesmos não poderíamos oferecer essa garantia, pois
demos todas as evidências possíveis do contrário: “E viu o Senhor
que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a
imaginação dos pensamentos de seu coração era só má
continuamente” (Gênesis 6:5). Portanto, era necessário que
houvesse um mediador, para que ele fosse o fiador dessa aliança.
Novamente, essa aliança em si foi concedida segundo o conselho,
sabedoria e graça de Deus, de modo que todos os benefícios
dependiam do que deveria ser feito por um mediador, e que ela não
poderia ser realizada de nenhuma outra forma. O que tal mediador
deveria realizar era a expiação pelo pecado e o acesso à justiça
eterna, os quais são a base dessa aliança.
(2.) Para prosseguir com o texto, essa aliança da qual o
Senhor Jesus Cristo é o Mediador é chamada de uma “melhor
aliança”. Logo, está implícito que havia outra aliança, da qual o
Senhor Jesus Cristo não era o Mediador. E nos versículos seguintes
duas alianças, uma primeira e uma última, uma antiga e uma nova,
são comparadas entre si. Portanto, devemos considerar o que
pertencia àquela outra aliança, em relação à qual é dito que essa é
melhor; pois a definição disso depende da compreensão correta de
todo o discurso do apóstolo. E porque esse é um assunto envolto
em muita obscuridade e dificuldades, será necessário que usemos o
melhor de nossa diligência, tanto na investigação da verdade quanto
na forma de expressá-la, para que ele possa ser compreendido com
clareza. Primeiro, vou explicar o texto e depois falar sobre as
dificuldades que surgem dele: [1.] Uma aliança original foi feita com
e em Adão e toda a humanidade nele. A regra de obediência e
recompensa que havia entre Deus e ele não era expressamente
chamada de aliança, mas continha a natureza expressa de uma;
porque tratava-se de um acordo de Deus e do homem concernente
a obediência e desobediência, recompensas e punições. Onde há
uma lei concernente a essas coisas, e um acordo sobre ela por
todas as partes envolvidas, então existe uma aliança formal. Essa
aliança pode ser considerada de duas maneiras: Em primeiro lugar,
à medida que ela consistisse em uma lei somente; então, procedia e
era uma consequência da natureza de Deus e do homem, devido a
relação mútua entre eles. Deus sendo considerado como o criador,
governador e sustentador do homem; e o homem como criatura
racional, capaz de obediência moral; essa lei era necessária e é
eternamente indispensável.
Em segundo lugar, à medida em que consistia em uma aliança
e dependia da vontade e propósito de Deus. Não discutirei se Deus
poderia ter dado uma lei aos homens que em si mesma não tivesse
nada a ver com uma aliança, propriamente dita; visto que a lei da
criação é válida para todas as outras criaturas, mesmo para aquelas
para as quais ela não traz promessas e nem ameaças. No entanto,
Deus também a chama de aliança, visto que é uma realização do
seu propósito, da sua vontade e beneplácito imutáveis (Jeremias
33:20-21). Entretanto, para que essa lei para nossa obediência se
tornasse uma aliança formal e completa, algumas coisas eram
necessárias da parte de Deus e também algumas coisas eram
requeridas da parte do homem. Duas coisas foram exigidas da parte
de Deus para completar essa aliança, ou ele a completou de duas
formas: (1º) Ao anexar à lei promessas e ameaças de recompensa e
punição; a promessa a partir de sua graça, e a ameaça a partir da
justiça. (2º) A expressão dessas promessas e ameaças em sinais
exteriores; a promessa foi expressa pela árvore da vida, e a ameaça
pela árvore do conhecimento do bem e do mal. Por meio disso,
Deus estabeleceu a lei original da criação como uma aliança, e deu-
lhe uma natureza pactual. Da parte do homem, foi requerido que ele
aceitasse essa lei como a regra da aliança que Deus fez com ele. E
Deus fez isso de duas maneiras: [1º] Pelos princípios inatos de luz e
obediência cocriados com a sua natureza. Por esses, ele absoluta e
universalmente concordou com a lei, como proposta com promessas
e ameaças, admitindo que era santa, justa e boa e que era
adequado Deus exigir que sua lei fosse obedecida, pois ela era justa
e boa para ele mesmo.
[2º] Por sua aceitação das ordens relativas à árvore da vida e à
arvore do conhecimento do bem e do mal, como os sinais e
promessas dessa aliança. Então ela foi estabelecida como uma
aliança entre Deus e o homem, sem a interposição de qualquer
mediador.
Esse é o Pacto de Obras, falando de modo absoluto, essa é a
antiga ou primeira aliança que Deus fez com os homens. Mas essa
não é a aliança que é pretendida aqui; pois...
1º A aliança chamada depois de “a primeira”, era, διαθήκη , um
“testamento”. E assim é chamada aqui. Ela era uma aliança bem
como um testamento. Ora não pode haver testamento, onde não há
uma morte para sua confirmação (Hebreus 9:16). Mas, ao fazer a
aliança com Adão, não houve a morte de ninguém, para que essa
aliança fosse chamada de testamento. Contudo, houve a morte de
animais em sacrifício na confirmação da aliança no Sinai, como
veremos a seguir. E deve ser observado que, embora eu utilize o
termo “aliança” como uma tradução da palavra διαθήκη
(diath ē k ē s), o verdadeiro significado dessa palavra será mais
apropriadamente apresentado a nós em outro lugar, pois eu entendo
que só pode ser chamada de uma aliança em seu sentido próprio e
estrito aquilo que também possui a natureza de um testamento, no
qual as coisas boas devidas para aquele que cumpre seus termos
são concedidas para aqueles a quem elas são designadas. Nem a
palavra usada constantemente pelo apóstolo nessa argumentação e
nem o propósito do seu discurso admitirão que qualquer outra
aliança seja entendida a partir desse texto. Portanto, visto que a
primeira aliança feita com Adão não foi também um testamento
também em nenhum sentido, então ela não pode ser intencionada
aqui.
2º. Aquela primeira aliança feita com Adão, quanto a qualquer
benefício que se esperasse dele em relação à aceitação diante de
Deus, vida e salvação, cessou há muito tempo, desde a ocasião da
entrada do pecado. Ela não foi abolida ou revogada por qualquer ato
de Deus, como uma lei, mas apenas tornou-se fraca e insuficiente
para o seu primeiro fim, enquanto uma aliança. Deus providenciou
um caminho para a salvação dos pecadores, declarado na primeira
promessa. Quando alguém crê verdadeiramente nessa promessa,
então essa primeira aliança cessa em relação a eles, no que diz
respeito à sua maldição e a todas as suas obrigações como uma
aliança que exige uma obediência perfeita como condição da vida;
porque todas essas coisas são cumpridas pelo Mediador da Nova
Aliança. Contudo, para todos aqueles que não recebem a graça
oferecida na promessa, ela permanece em pleno vigor e eficácia,
não como uma aliança, mas como uma lei; e isso porque nem a
obediência requerida nem a maldição ameaçada são atendidas.
Portanto, se alguém não crê, “a ira de Deus permanece sobre ele”.
[211] Pois, as ordens e maldições dessa aliança — dependendo da

relação necessária entre Deus e o homem, e tendo a justiça de


Deus como o supremo governador da humanidade — devem ser
atendidas e cumpridas. Para esse fim, aliança com Adão nunca foi
revogada formalmente. Porém, assim como todos os incrédulos
permanecem obrigados por essa aliança, e sob ela devem
permanecer de pé ou cair, assim também ela é perfeitamente
cumprida em todos os crentes, não em suas próprias pessoas, mas
na pessoa de seu Fiador: “Deus, enviando o seu Filho em
semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado
na carne; para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não
andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Romanos 8:3-
4). Porém, ela cessou como uma aliança — que obrigava à
obediência pessoal, perfeita e sem pecado e como a condição de
vida, a ser cumprida por eles — muito antes da introdução da Nova
Aliança, a qual o apóstolo fala que foi prometida “nos últimos dias”.
Contudo, a outra aliança mencionada aqui não seria removida ou
abolida até que essa Nova Aliança fosse realmente estabelecida.
3º A igreja de Israel nunca esteve absolutamente sob o poder
dessa aliança como um pacto de vida; porque desde os dias de
Abraão, a promessa foi dada a eles e à sua descendência. E o
apóstolo prova que nenhuma lei poderia ser dada posteriormente,
nem poderia ser feita uma aliança, que pudesse invalidar essa
promessa (Gálatas 3:17) Mas se eles estivessem sob o antigo Pacto
de Obras, isso anularia a promessa; porque esse pacto e a
promessa são diametralmente opostos. E, além disso, se eles
estivessem sob aquele pacto, todos estariam sob a maldição, e
assim teriam perecido eternamente — o que é claramente falso;
porque é afirmado sobre eles que agradaram a Deus pela fé, e
assim foram salvos. Mas é evidente que a aliança pretendida era
uma aliança na qual a igreja de Israel andava com Deus, até o
momento em que essa melhor aliança fosse solenemente
introduzida. Isso é claramente declarado no contexto a seguir,
especialmente no final do capítulo, onde é dito que essa antiga
aliança “envelheceu” e “perto está de acabar”. Não é a Aliança de
Obras feito com Adão que é intencionada, quando é dito que, em
relação a ela, essa outra é uma “melhor aliança”.
[2.] Houve outras transações federais entre Deus e a igreja
antes da entrega da lei no Monte Sinai. Duas delas ocorrem naquela
em que todas as demais foram estabelecidas: 1º. A primeira
promessa dada aos nossos primeiros pais imediatamente após a
Queda. Essa tinha em si a natureza de um pacto, era fundamentada
em uma promessa da graça e exigia obediência a todos que
receberam a promessa.
2º. A promessa dada e jurada a Abraão, que é expressamente
chamada de aliança de Deus, e tinha toda a natureza de um pacto
em si, e também um selo exterior solene designado para a sua
confirmação e estabelecimento. Já tratamos disso amplamente no
comentário do capítulo 6.
Nenhuma dessas alianças — e nem qualquer transação entre
Deus e o homem que possa ser reduzida a elas como explicações,
renovações ou confirmações delas — é a “primeira aliança” aqui
pretendida. Pois, elas não são apenas consistentes com a “nova
aliança”, de modo que não havia necessidade de removê-las para a
sua introdução, mas de fato continha em si a essência e a natureza
dela, e assim foram confirmados a esse respeito. Portanto, o próprio
Senhor Jesus Cristo é considerado “ministro da circuncisão, por
causa da verdade de Deus, para que confirmasse as promessas
feitas aos pais” (Romanos 15:8). E visto que era o Mediador da
Nova Aliança, então ele estava muito longe de remover ou abolir
aquelas promessas que pertenciam ao seu ofício confirmá-las.
[3.] A outra aliança ou testamento aqui suposta, da qual o
Senhor Jesus Cristo não era o Mediador, não é outra, senão aquela
que Deus fez com o povo de Israel no Monte Sinai. E assim é
expressamente afirmado no versículo 9: “Não segundo a aliança
que fiz com seus pais no dia em que os tomei pela mão, para os
tirar da terra do Egito”. Essa foi a aliança que tinha todas as
instituições de culto anexadas a ela (Hebreus 9:1-3), das quais
trataremos a seguir. Com relação a isso, é dito que o Senhor Jesus
Cristo é o “mediador de uma melhor aliança”, ou seja, de outra
aliança distinta e mais excelente.
Agora resta expormos as palavras que nós inquirimos sobre
qual era essa aliança da qual o nosso Senhor Jesus Cristo foi o
Mediador, e o que é aqui afirmado sobre ela.

De que Aliança Cristo era o Mediador?

Não pode ser outra, senão a aliança que chamamos de “Pacto


da Graça”. E assim é chamado em oposição à aliança que
chamamos de “Pacto de Obras” que foi feita conosco em Adão; pois
nestes dois, graça e obras, são os dois caminhos para nossa
relação com Deus, os quais são diametralmente opostos e
totalmente inconsistentes entre si (Romanos 11:6). Dessa aliança, o
Pacto da Graça, é que o Senhor Jesus Cristo foi o Mediador desde
a fundação do mundo, ou seja, desde a primeira promessa
(Apocalipse 13:8); pois ela foi dada mediante a sua interposição, e
todos os benefícios dela dependiam de sua futura mediação real.

Dificuldades do Contexto Respondidas

Mas aqui surge a primeira dificuldade do contexto e isso em


dois aspectos, a saber: [1.] Se esse Pacto da Graça foi feito desde o
princípio, e se o Senhor Jesus Cristo foi o seu Mediador desde o
princípio, então onde está o privilégio da dispensação evangélica
em oposição à lei, em virtude desse pacto, visto que sob a lei o
Senhor Jesus Cristo também era o Mediador desse pacto, que
existia desde o princípio?
[2.] Se o Pacto da Graça é intencionado, e ele se opõe ao
Pacto de Obras feito com Adão, então a outra aliança deve ser
aquele Pacto de Obras como feito com Adão, o que temos refutado.
A resposta para isso está na palavra que o apóstolo usa aqui
em referência a essa Nova Aliança: νενομοθέτηται
(nenomothet ē tai), cujo significado nós precisamos inquirir.
Portanto, o apóstolo não considera aqui a nova aliança de modo
absoluto, mas sim como ela foi realmente administrada desde a
fundação do mundo, a saber, em forma de uma promessa; pois,
como tal, ele era consistente com aquela aliança feito com o povo
no Sinai. E o apóstolo prova expressamente que a renovação dela
feita com Abraão não foi ab-rogada pela lei (Gálata 3:17). Não
houve interrupção de sua administração pela introdução da lei. Mas
ele trata de tal estabelecimento da Nova Aliança como algo com o
qual a Antiga Aliança feita no Sinai era absolutamente inconsistente
e que, portanto, deveria ser removida. Ele considera a Nova Aliança
como realmente completada, de modo a trazer consigo todas as
ordenanças de adoração que são propriamente dela, a dispensação
do Espírito nelas e todos os privilégios espirituais que a
acompanham. Agora a Nova Aliança assim completada e
estabelecida é feita a regra completa de fé, obediência e adoração
da igreja em todas as coisas.
Esse é o significado da palavra, νενομοθέτηται , é
“estabelecido”, ou seja, “reduzido a um estado fixo de uma lei ou
ordenança”. Toda a obediência requerida nela, toda a adoração por
ela designada, todos os privilégios nela demonstrados e a graça
administrada com todos eles, são dados por um estatuto, lei e
ordenança para a igreja. Aquilo que antes estava oculto em
promessas e em muitas coisas obscuras — e quando os principais
mistérios eram um segredo escondido no próprio Deus — foi agora
trazido à luz; e aquela aliança que invisivelmente, em forma de
promessa, mostrou sua eficácia sob tipos e sombras, foi agora
solenemente selada, ratificada e confirmada, na morte e
ressurreição de Cristo. Antes ela havia sido confirmada em forma de
uma promessa, que é um juramento; agora, foi confirmada como
uma aliança, que é o sangue. Aquilo que antes não tinha adoração
visível, exterior, própria e peculiar a ela, agora é feita a única regra e
instrumento de adoração para toda a igreja, nada passa a ser
admitido senão o que lhe pertence, e é designado por ela. É isso
que o apóstolo intenciona ao usar o termo νενομοθέτηται , a saber, o
“estabelecimento legal” da Nova Aliança, com todas as ordenanças
de sua adoração. E nisso a outra aliança é anulada e abolida; e não
apenas a aliança em si, mas todo aquele sistema de culto sagrado
segundo o qual ela foi administrada. Isso não foi feito a princípio
pela criação da aliança; sim, pois tudo isso foi acrescentado ela à
medida que foi dada como uma promessa, e então foi consistente
com isso. Quando a Nova Aliança foi dada apenas em forma de
uma promessa, ela não introduziu adoração e nem privilégios
pertencentes a ela. Por isso, ela foi consistente com uma forma de
adoração, ritos e cerimônias e todas aquelas outras instituições da
Antiga Aliança que juntas constituíam um jugo de escravidão , pois
tudo isso não pertencia à Nova Aliança. E assim também esses, se
forem adicionados após o estabelecimento da Nova Aliança, embora
não anulem sua natureza como uma promessa, contudo são
inconsistentes com ela enquanto já concluída como uma aliança;
pois, então, toda a adoração da igreja deveria proceder e ser
conformada a ela. Então ela estava estabelecida. Portanto, em
resposta à segunda dificuldade, segue-se que, como promessa, ela
se opunha ao Pacto das Obras; mas como uma aliança, opunha-se
à aliança do Sinai. Esse estabelecimento legislador ou autoritativo
da Nova Aliança, e a adoração pertencente a ela, foi que realizou
essa alteração.

A Prova da Natureza dessa Aliança Quanto à sua


Excelência

Em último lugar, o apóstolo nos diz com base em que esse


estabelecimento foi feito, a saber, ele foi feito com base, ἐ π ι
κρείττοσιν ἐ π αγγελίαις , “em melhores promessas”. Para uma
melhor compreensão disso, devemos considerar um pouco do texto
original e do uso das promessas divinas em nossa relação com
Deus.

Toda Aliança é Estabelecida sobre Promessas

Que toda aliança entre Deus e o homem deve ser fundada e


resolvida em “promessas”. Portanto, uma aliança e uma promessa
são essencialmente a mesma coisa; e Deus chama uma promessa
absoluta, fundada em um decreto absoluto, de sua aliança (Gênesis
9:11). E seu propósito em manter o curso da natureza até o fim do
mundo, ele chama de sua aliança com o dia e a noite (Jeremias
33:20). O ser e a essência de uma aliança divina estão na
promessa. Portanto, as alianças de Deus são chamadas de
“alianças da promessa” (Efésios 2:12); pois todas elas são fundadas
sobre e consistem em promessas. E é necessário que assim seja.
Pois, [1.] A natureza de Deus que faz essas alianças requer que
seja assim. Propor para as criaturas aquilo em que sua vantagem,
felicidade e bem-aventurança consistem, é algo que revela a
grandeza e bondade de Deus em todas as suas transações
voluntárias com suas criaturas. Nós não perguntamos como Deus
pode lidar com suas criaturas como tais; ou o que ele pode
absolutamente exigir delas, tendo em conta seu próprio ser, suas
excelências essenciais absolutas, com sua dependência universal
dele. Quem pode expressar ou limitar a soberania de Deus sobre
suas criaturas? Todas as disputas sobre isso são tolas. Não temos
medidas do que é infinito. Ele não pode fazer o que lhe agrada? Não
estamos em suas mãos como o barro nas mãos do oleiro? E se ele
molda ou arruína um vaso, quem dirá a Ele: o que você está
fazendo? ele não presta contas de seus assuntos. Mas supondo que
ele venha a condescender a entrar em aliança com suas criaturas, e
a chegar a um acordo com elas quanto aos termos dela, então a
grandeza e bondade de Deus é revelada em lhes dar promessas
como um fundamento disso, nas quais ele propõe a elas aquelas
coisas em que sua bem-aventurança e recompensa consistem.
Pois, (1.) Nisso ele se propõe a eles como a eterna origem e fonte
de todo poder e bondade. Se Deus tivesse tratado conosco apenas
com base em uma lei, ele só teria revelado sua autoridade e
santidade soberanas, Sua autoridade por instituir a lei, e sua
santidade, pela natureza dela. Mas ao fazer promessas ele se
revela como a fonte eterna de bondade e poder; porque o assunto
de todas as promessas é algo que é bom, e a comunicação desse
bem depende do poder soberano. Era absolutamente necessário
que Deus declarasse a si mesmo em sua aliança para dirigir e
encorajar a obediência daqueles que participavam dela, e assim ele
o fez em Gênesis 15:1, 17:1-2. (2.) Por esse meio ele reserva toda a
glória para si mesmo. Pois, embora os termos do acordo que ele
propõe conosco sejam, em sua própria natureza, “santos, justos e
bons”, os quais estabelecem seu louvor e glória, contudo se ele não
houvesse providenciado de antemão que isso fosse assim, e que
não levaria em conta qualquer bondade, obediência ou mérito em
nós, então teríamos do que nos gloriarmos; o que é inconsistente
com a glória de Deus. Mas a substância daquelas promessas nas
quais a aliança se baseia é a graça, favor imerecido e não leva em
conta qualquer coisa em nós, e de acordo com isso a promessa não
pode, em sentido algum, ser merecida. E assim, a primeira aliança,
que foi dada em forma de lei, cumpriu com uma sanção penal,
entretanto o fundamento dela estava na promessa de uma
recompensa gratuita e imerecida, e até mesmo do gozo eterno de
Deus, o que nenhuma bondade ou obediência da criatura poderiam
merecer ou conquistar. De modo que, se um homem, em virtude de
qualquer aliança, fosse justificado pelas obras, ainda que ele
pudesse se gloriar diante dos homens, não poderia se gloriar diante
de Deus, como o apóstolo declara (Romanos 4:2); e isso porque a
recompensa proposta na promessa excede infinitamente a
obediência prestada.
[2.] Também era necessário de nossa parte que toda aliança
divina fosse fundada e estabelecida em promessas; pois não há
estado em que possamos ser levados a entrar em aliança com
Deus, mas isso é dito com base da suposição de que ainda não
chegamos àquela perfeição e bem-aventurança que nossa natureza
é capaz e que não podemos deixar de desejar. Pois quando
chegarmos ao céu e ao pleno desfrute de Deus, não haverá mais
utilidade para nenhuma aliança, visto que estaremos em repouso
eterno, no desfrute de toda a bem-aventurança da qual nossa
natureza é capaz, e imutavelmente nos apegaremos a Deus sem
qualquer expectativa adicional. Mas enquanto estamos no caminho,
ainda temos algo, sim, as principais partes de nossa bem-
aventurança, a desejar, esperar e crer. Assim, no estado de
inocência, embora tivéssemos toda a perfeição inerente a um
estado de obediência segundo o que uma lei é capaz de oferecer,
contudo a bem-aventurança do descanso eterno, para a qual fomos
feitos, não consistia nisso. Ora, se é esse o nosso caso não
podemos senão desejar e buscar aquela felicidade completa e
plena, sem a qual nossa natureza não pode descansar. Isso,
portanto, torna necessário que uma promessa seja dada como
fundamento da aliança; pois sem isso nos falta o principal
encorajamento à obediência. E isso deve ser ainda mais verdadeiro
para aqueles que se encontram em uma estado de pecado e
apostasia contra Deus; pois estamos agora não apenas muito
afastados de nossa maior felicidade, mas envolvidos em uma
condição de miséria, e a menos que sejamos libertos não podemos
de forma alguma ser induzidos a nos dedicar à obediência aos
termos dessa aliança. Portanto, a menos que sejamos preservados
na aliança por promessas de libertação de nosso estado atual e de
gozo da bem-aventurança futura, nenhuma aliança poderia ser útil
ou vantajosa para nós.
[3.] Isso é necessário devido à natureza de uma aliança. Pois
toda aliança que é proposta aos homens, e aceita por eles, requer
que algo seja realizado por parte deles, caso contrário, isso não é
uma aliança; mas onde algo é requerido para que eles aceitem a
aliança, ou para quem é ela proposta, supõe-se que algo seja
prometido em nome daqueles a quem a aliança é proposta, como o
fundamento de sua aceitação e a razão dos deveres requeridos
nela.
Tudo isso aparece de modo mais evidente no Pacto da Graça,
que aqui é dito ser “estabelecido em promessas”; e isso de acordo
com duas considerações. Pois, [4.] Ao mesmo tempo em que muito
é exigido de nós no caminho do dever e da obediência, somos
informados nas Escrituras e experimentamos na prática que de nós
mesmos não podemos fazer nada. Assim, a menos que o preceito
da aliança seja fundamentado em uma promessa de concessão de
graça e força espiritual para nós, de acordo com a qual podemos ser
capacitados a realizar esses deveres, a aliança não pode ser de
nenhum benefício ou vantagem para nós. E a falta dessa única
consideração — a saber, que toda aliança é fundada em promessas,
e que as promessas dão vida aos preceitos dela — perverteu a
mente de muitos levando-os a supor que havia capacidade em nós
mesmos para obedecer a esses preceitos, sem que houvéssemos
recebido graça que nos capacitasse para isso anteriormente; e isso
destrói a natureza da Nova Aliança.
[5.] Como foi observado, somos todos culpados do pecado
antes que essa aliança fosse feita conosco. E, a menos que uma
promessa de perdão do pecado seja dada, não há sentido ou
propósito algum em propor novos termos de aliança para nós. Pois
“o salário do pecado é a morte”; e nós, ao pecarmos, devemos
morrer, não importa o que venhamos a fazer depois, exceto se
nossos pecados forem perdoados. Portanto, o perdão de pecados
deve ser proposto para nós como o fundamento da aliança, ou
então isso será inútil. E nisso reside a grande diferença entre as
promessas do Pacto das Obras e as do Pacto da Graça. As
promessas do primeiro eram concernentes apenas a coisas futuras;
vida eterna e bem-aventurança com base na realização de uma
obediência perfeita. Nenhumas promessas de misericórdia e perdão
atuais eram necessárias ou poderiam ser supridas pela primeira
aliança. Nem havia promessas de concessão de mais graça; mas o
homem foi totalmente deixado ao que ele havia recebido a princípio.
Portanto, o pacto foi quebrado. Entretanto, no Pacto da Graça, todas
as coisas são fundadas em promessas de misericórdia atual e
provisões contínuas de graça, bem como de bem-aventurança
futura. Portanto, essa aliança, o Pacto da Graça, vem a ser
“ordenado em todas as coisas e oferece segurança”.
E essa é a primeira coisa que deve ser declarada, ou seja, que
toda aliança divina é estabelecida em promessas.

A Nova Aliança é Estabelecida com Promessas Melhores

Essas promessas são consideradas “promessas melhores”. A


outra aliança tinha suas promessas peculiares, com relação às
quais se diz que essa é “estabelecida em melhores promessas”.
Aquele era, de fato, representada principalmente sob um sistema de
preceitos, e esses preceitos eram quase inumeráveis; mas ela
também tinha suas promessas, e a seguir iremos examinar a
natureza delas. Pois é com respeito a essas promessas que a Nova
Aliança, da qual o Senhor Jesus Cristo é o mediador, e dita ser
“estabelecida em promessas melhores”. O fato de que a Nova
Aliança deveria ser fundada em promessas era necessário a partir
de sua natureza geral como uma aliança, e mais necessário ainda
em virtude da sua natureza especial como um pacto de graça.
Essas promessas são consideradas “promessas melhores” em
comparação com as promessas da Antiga Aliança. Mas isso é dito
de modo a abranger e incluir todos os outros graus de comparação.
Elas não são apenas melhores que as outras, mas são
positivamente boas em si mesmas, e são absolutamente o melhor
que Deus já deu ou dará à igreja. E consideramos em que elas
consistem à medida que prosseguirmos. E várias coisas podem ser
observadas a partir dessas palavras.

Oitava Observação Prática

Há graça infinita em toda aliança divina, na medida em que é


ela estabelecida em promessas. Deus demonstra uma infinita
condescendência ao entrar em aliança com o pó e as cinzas, com
os pobres vermes da terra. E nisso jaz a fonte de toda a graça, de
onde todas as correntes dela fluem. E a primeira expressão disso é
posta sobre as bases de algumas promessas não merecidas. E é
isso que revela a bondade e a grandeza da natureza de uma aliança
divina, e os meios de acordo com os quais somos levados a aderir a
ela em fé, esperança, confiança e obediência, até chegarmos ao
desfrute dela; então é para isso que servem as promessas, a saber,
para nos manter apegados a Deus, como a primeira origem e fonte
de toda a bondade, e a recompensa final que satisfaz as nossas
almas (2 Coríntios 7:1).
Nona Observação Prática

As promessas do Pacto da Graça são melhores do que as de


qualquer outro pacto, por diversas razões, especialmente porque o
da graça não requer qualquer condição ou qualificação de nossa
parte. Eu não digo que o Pacto da Graça absolutamente não possui
condições, se por condições nós nos referimos aos deveres de
obediência que Deus requer de nós por e em virtude desse pacto;
contudo, as principais promessas não são, em primeiro lugar,
recompensas da nossa obediência no pacto, mas elas eficazmente
evidenciam que estamos na aliança, estabelecendo-nos ou
confirmando no pacto. O Pacto das Obras tinha suas promessas,
mas todas elas eram recompensas de uma obediência que deveria
ser previamente prestada por nós (o mesmo se aplica a todos
aqueles que estavam peculiarmente no pacto do Sinai). Essas
promessas, de fato, também provinham da graça, pois a
recompensa excedia infinitamente o mérito de nossa obediência;
mas todas supunham nossa obediência, e o principal assunto delas
consistia formalmente apenas em uma recompensa. No Pacto da
Graça não é assim; pois muitas das promessas dele são o meio de
sermos levados a entrar em aliança com Deus. A primeira aliança foi
absolutamente estabelecida em promessas, na medida em que,
quando os homens eram levados a entrarem nela, eram
encorajados à obediência pelas promessas de uma recompensa
futura. Contudo, aquelas promessas, a saber, de ter seus pecados
perdoados escrevendo a lei em seus corações, sobre as quais o
apóstolo expressamente insiste como as promessas peculiares
dessa aliança, acontecem e são efetivamente operadas em nós
antes de podermos prestar a obediência requerida pela aliança. Pois
embora, quanto à ordem da natureza, a fé seja exigida antes de
nosso recebimento real do perdão do pecado, ainda assim a própria
fé é produzida em nós pela graça da promessa, e assim sua
precedência para o perdão diz respeito apenas à ordem que Deus
designou para a comunicação dos benefícios dessa aliança, e,
portanto, isso não significa que o perdão do pecado seja a
recompensa de nossa fé.

Um Discurso Acerca de Algumas Coisas em Geral

Isso introduziu o apóstolo em seu discurso sobre as duas


alianças, o qual ele continua até o final desse capítulo. Contudo,
esse discurso apresenta algumas dificuldades. Muitas coisas em
particular nos eram esclarecidas à medida que progredirmos, as
quais podem ser consideradas em seus devidos lugares. Enquanto
isso, há algumas coisas em geral que podem ser tratadas aqui, pois
ao entendê-las muita luz será lançada sobre o que falaremos a
seguir.

Uma Disputa em Relação às Duas Alianças

Em primeiro lugar, o apóstolo evidentemente inicia uma disputa


acerca das duas Alianças, ou dois Testamentos, comparando uma
com a outra, e declarando a abolição de uma pela introdução e
estabelecimento da outra. Nós já declaramos quais são essas duas
alianças, a saber, aquela feita com a igreja de Israel no Monte Sinai
e outra feita conosco no Evangelho; não como absolutamente o
Pacto da Graça, mas como realmente estabelecido na morte de
Cristo, com toda a adoração que lhe pertence.
Aqui, então, surge uma diferença de grande importância, a
saber, se elas são de fato duas alianças distintas, quanto à essência
e substância delas, ou apenas diferentes formas de dispensação e
administração da mesma aliança. E a razão da dificuldade está
nisto: devemos afirmar uma destas três coisas: 1. Ou que o Pacto
da Graça estava em vigor sob o Antigo Testamento; ou 2. Que a
igreja foi salva sem ele, ou sem qualquer benefício de Jesus Cristo,
que é o Mediador somente desse pacto; ou 3. Que todos eles
pereceram eternamente. E nenhuma das duas últimas declarações
pode ser admitida.
Alguns, de fato, nestes últimos dias, reavivaram a velha
fantasia pelagiana de que, antes da lei, os homens eram salvos por
se conduzirem conforme a luz natural e a razão; e sob a lei, pelas
suas diretrizes, doutrinas, preceitos e sacrifícios, sem qualquer
relação com o Senhor Jesus Cristo ou com sua mediação no outro
pacto. Mas aqui não disputarei com eles, já que em outro escrito
refutei de modo suficiente esses devaneios. Para esse fim, tomarei
aqui como certo que nenhum homem jamais foi salvo, senão em
virtude da Nova Aliança e da mediação de Cristo nela.
Suponha, então, que essa Nova Aliança da Graça fosse
existente e eficaz sob o Antigo Testamento, assim como a igreja foi
salva em virtude dela, e a mediação de Cristo nela, como poderia
ser que ao mesmo tempo houvesse outra aliança entre Deus e eles,
de outra natureza, acompanhada de outras promessas e de outros
efeitos?
Sobre essa consideração, é dito que as duas alianças
mencionadas, a Nova e a Antiga, não eram de fato duas alianças
distintas, quanto à sua essência e substância, mas apenas
administrações diferentes do mesmo pacto, e que eram chamadas
de duas alianças devido a algumas solenidades exteriores e
deveres de adoração diferentes que as acompanhavam. Para
esclarecer isso, devemos observar: 1. Que pelo termo “Antiga
Aliança” não é pretendido o Pacto de Obras original, feito com Adão
e toda a humanidade nele; pois, sem dúvida, essa é uma aliança
diferente em essência e substância da Nova Aliança.
2. Por “Nova Aliança” não é pretendida a Nova Aliança
absoluta e originalmente, como dada na primeira promessa; mas por
“Nova Aliança” é pretendida a sua completa administração no
Evangelho, quando, de fato, ela foi estabelecida pela morte de
Cristo, como administrada nas ordenanças do Novo Testamento.
Assim, essa Nova Aliança, e a aliança do Sinai, seriam, como
muitos dizem, diferentes administrações do mesmo pacto.
Todavia, por outro lado, é feita uma tal menção expressa —
não apenas nessa passagem, mas em várias outras passagens da
Escritura — sobre duas alianças distintas ou sobre testamentos de
diferentes naturezas, propriedades e efeitos, que parece realmente
constituir duas alianças distintas. Portanto, devemos investigar isso;
e primeiro declararemos o que é consenso entre aqueles que são
sóbrios nesse assunto, embora difiram em seus julgamentos sobre
essa questão, a saber, se são duas alianças distintas ou apenas
uma dupla administração da mesma aliança. E, de fato, há tanta
concordância que o restante parece ser apenas uma diferença
sobre a expressão da mesma verdade, do que qualquer contradição
real acerca das próprias coisas.

Quatro Pontos Consoantes Acerca das Duas


Administrações

1. Concorda-se que o caminho de reconciliação com Deus, da


justificação e da salvação, sempre foi um e o mesmo; e que desde a
primeira promessa ninguém foi justificado ou salvo, senão pela Nova
Aliança, e Jesus Cristo, o Mediador dela. O devaneio tolo
mencionado anteriormente, a saber, que os homens foram salvos
antes da concessão da lei seguindo a orientação da luz da natureza,
e após a concessão da lei pela obediência às direções dela, é
rejeitado por todos os que estão sãos na fé como algo destrutivo do
Antigo e Novo Testamentos.
2. Que os escritos do Antigo Testamento, a saber, a Lei, os
Salmos e os Profetas, contêm e declaram a doutrina da justificação
e salvação por Cristo. A igreja no passado cria nisso e andava com
Deus pela fé nisso. Isso é inegavelmente provado, na medida em
que a doutrina mencionada é frequentemente confirmada no Novo
Testamento por passagens bíblicas extraídas do Antigo Testamento.
3. Que pela aliança do Sinai, como propriamente dita, à parte
de sua relação figurativa com o Pacto da Graça, ninguém jamais foi
salvo eternamente.
4. Que a utilidade de todas as instituições pelas quais a Antiga
Aliança era administrada consistia em representar e conduzir a
Jesus Cristo e à sua mediação.
Portanto, o único caminho de vida e salvação por Jesus Cristo,
sob o Antigo e o Novo Testamentos, está assegurado, que é a
substância da verdade com a qual estamos lidando agora. Por
esses motivos, podemos prosseguir com a nossa investigação.

O Julgamento dos Melhores Teólogos Reformados


O julgamento da maioria dos teólogos reformados é que a
igreja sob o Antigo Testamento tinha a mesma promessa de Cristo,
a mesma participação nele pela fé, remissão de pecados,
reconciliação com Deus, justificação e salvação da mesma forma e
meios, que os crentes sob o Novo Testamento. E embora a essência
e a substância da aliança consistam nessas coisas, elas não devem
ser consideradas como estando sob outra aliança, mas apenas em
uma administração diferente. Mas a aliança, que é estabelecida no
Evangelho após a vinda de Cristo, é tão diferente da primeira
aliança que tem a aparência e o nome de outra aliança. E a
diferença entre essas duas administrações pode ser reduzida aos
seguintes tópicos:
Cinco Diferenças entre as Duas Administrações

1. Consistia no caminho e no modo da declaração do mistério


do amor e da vontade de Deus em Cristo; da obra de reconciliação
e redenção, com a nossa justificação pela fé. Porque nisso o
Evangelho, no qual “vida e imortalidade são trazidas à luz”, faz com
simplicidade, clareza e evidência, muito mais do que a
administração e declaração das mesmas verdades sob a lei fez. E a
grandeza do privilégio da igreja neste caso não é facilmente
expressa. Pois dessa forma “com a face descoberta contemplamos
como em um espelho a glória do Senhor” e “somos transformados
na mesma imagem” (2 Coríntios 3:18). O homem cujos olhos o
Senhor Jesus Cristo abriu (Marcos 8:23-25) representa esses dois
estados. Quando ele o tocou pela primeira vez, seus olhos se
abriram e ele viu, mas não via nada claramente; por causa disso,
quando passou a ver, ele disse: “Eu vejo os homens como árvores,
andando” (v. 24), mas em seu segundo toque, ele “viu os homens
claramente” (v. 25). Eles tinham uma visão sob o Antigo Testamento,
e o objeto foi proposto a eles, mas como que a uma grande
distância, como encoberto por névoas, nuvens e sombras, como se
“vissem os homens como árvores, andando”, não viam nada clara e
perfeitamente. Mas agora sob o Evangelho, após o objeto, que é
Cristo, haver Se aproximado de nós, e todas as nuvens e sombras
terem desfeitas, vemos ou podemos contemplar todas as coisas
claramente. Quando um viajante percorre morros ou colinas fica
cercado por uma espessa neblina e névoa, embora esteja em seu
caminho, ainda assim ele é incerto, e nada lhe é apresentado em
sua forma e distância apropriadas; as coisas próximas parecem
estar distantes, e as coisas distantes estão próximas, e embora as
coisas não tenham uma aparência falsa, ainda assim, são incertas.
Mas quando o sol irrompe e dissipa as névoas e neblinas que estão
ao seu redor, e imediatamente tudo parece ganhar outra forma, de
modo que tal pessoa pode até pensar estar em outro lugar. Seu
caminho é claro, ele tem certeza disso e toda a região se mostra
claramente aos seus olhos; embora não haja mudanças, senão a
remoção das névoas e das nuvens que dificultavam a sua visão.
Assim era com eles sob a lei. Os tipos e sombras em que eles
estavam inseridos, e que eram o único meio que tinham para ver as
coisas espirituais, os representavam não claramente e nem em sua
forma adequada. Mas após eles serem agora removidos, pelo
surgimento do sol da justiça que trouxe cura sob suas asas, na
dispensação do Evangelho, todo o mistério de Deus em Cristo é
claramente manifestado para aqueles que creem. E a grandeza
desse privilégio do Evangelho acima da lei é inexprimível; sobre o
que, como suponho, falaremos um pouco mais depois.
2. Na comunicação abundante da graça para a comunidade da
igreja; pois, é agora que recebemos “graça sobre graça”,[212] ou uma
abundante efusão, por Jesus Cristo. Houve graça concedida de uma
forma eminente a muitas pessoas santas sob o Antigo Testamento,
e todos os verdadeiros crentes tinham verdadeira e real graça
salvífica comunicada a eles; mas as medidas da graça na
verdadeira igreja sob o Novo Testamento excedem as da
comunidade da igreja sob o Antigo. E, portanto, Deus tolerou
algumas coisas sob o Antigo Testamento, como a poligamia e coisas
semelhantes, as quais são expressas e severamente proibidas sob
o Novo, nem são consistentes com as administrações atuais dele. O
mesmo acontece com vários deveres — tais como os de
autonegação, prontidão para levar a cruz, para abandonar casas,
terras e habitações — os quais são mais expressamente ordenados
a nós do que aos santos da igreja do Antigo Testamento. E a
obediência que Deus requer em qualquer aliança, ou administração
dela, é proporcional à força que a administração daquela aliança
exibe. E se aqueles que professam o Evangelho não se
contentarem com a participação nesse privilégio, se não se
esforçarem para participar dessa abundante efusão da graça que
acompanha a sua presente administração, o próprio Evangelho não
terá outra utilidade para eles, senão para aumentar e agravar a sua
condenação.
3. No modo de nosso acesso a Deus. Nisso consiste tudo
aquilo que é chamado de religião; pois disso depende toda a nossa
adoração exterior dedicada a Deus. E nisso a superioridade das
vantagens da administração evangélica da aliança em relação à lei
é, em todas as coisas, muito eminente. Agora, o nosso acesso a
Deus é imediato, por Jesus Cristo, com liberdade e ousadia, como
declararemos a seguir. Os que estavam debaixo da lei estavam
imediatamente familiarizados, em toda a sua adoração, com coisas
exteriores e típicas, como o tabernáculo, o altar, a arca, o
propiciatório e as semelhantes representações misteriosas obscuras
da presença de Deus. Além disso, a forma como a aliança foi feita
com eles no Monte Sinai os encheu de medo e os escravizou, de
modo que tinham comparativamente uma estrutura servil de espírito
em toda a sua santa adoração.
4. No modo de adoração requerido sob cada administração.
Pois sob a lei, aprouve a Deus designar um grande número de ritos,
cerimônias e observâncias exteriores; e esses, à medida que eram
obscuros em sua significação, como também em sua utilidade e
finalidade, assim como eram difíceis e penosos de serem
observados em razão de sua natureza, número e severas punições.
Mas o modo de adoração sob o Evangelho é espiritual, racional e
claramente subserviente aos fins da própria aliança; de modo que a
utilidade, as finalidades, os benefícios e as vantagens são evidentes
para todos.
5. Na extensão da dispensação da graça de Deus; pois é
grandemente ampliada sob o Evangelho. Pois sob o Antigo
Testamento ela estava limitada à posteridade de Abraão segundo a
carne; mas sob o Novo Testamento se estende a todas as nações
debaixo do céu.
Várias outras coisas são geralmente acrescentadas pelos
nossos teólogos com o mesmo propósito. Veja Calvino (Institutas:
livro 2. cap. 11); Mártir[213] (Loci Communes: loc. 16, seção 2);
Bucan.[214] (loc. 22) etc.

Os Argumentos Luteranos

Os luteranos, por outro lado, insistem em dois argumentos


para provar que não se trata de uma dupla administração da mesma
aliança, mas que nesse discurso o apóstolo intenciona duas
alianças substancialmente distintas.
1. Porque quando elas são mencionadas nas Escrituras são
comparadas uma com a outra e, às vezes, opostas uma à outra: a
primeira e a última, a nova e a velha.
2. Porque o Pacto da Graça em Cristo é eterno, imutável,
sempre o mesmo, não sujeito a nenhuma alteração, mudança ou
revogação; entretanto nenhuma dessas coisas podem ser ditas a
respeito de qualquer administração, como eles dizem a respeito da
Antiga Aliança.

Cinco Pontos sobre essa Questão

Para confirmar que pensamos corretamente acerca desse


assunto, e para proporcionar a luz que podemos para a obtenção da
verdade, os seguintes pontos podem ser observados: 1. Quando
falamos da “Antiga Aliança”, não nos referimos ao Pacto de Obras
feito com Adão, e toda a sua posteridade nele; pois sobre o qual não
há diferença ou dificuldade, quanto a se ele é um pacto distinto do
Novo ou não.
2. Quando falamos da “Nova Aliança”, não nos referimos
absolutamente ao Pacto da Graça, como se esse não fosse anterior
àquela quando à sua existência e eficácia, mas nos referimos à
introdução daquilo que é prometido nessa passagem. Pois o Pacto
da Graça sempre foi o mesmo, quanto à substância, desde o
princípio. Passou por toda a dispensação dos tempos da lei, e sob a
lei, permanecendo de uma mesma natureza e eficácia, inalterável,
“eterno, que em tudo será bem ordenado e guardado” (2 Samuel
23:5). Todos os que discutem sobre essas coisas, exceto os
socinianos, admitem que o Pacto da Graça, considerado
absolutamente, que é a promessa da graça em e por Jesus Cristo,
era o único caminho e meio de salvação para a igreja, desde que o
pecado entrou inicialmente no mundo. Mas, por duas razões, ele
não é expressamente chamado de aliança sob o Antigo Testamento.
Quando Deus renovou a promessa dele para Abraão, é dito que ele
fez um pacto com ele; sim, Deus fez um pacto, mas foi com respeito
a outras coisas, especialmente sobre o fato de que dele surgiria a
Descendência prometida. Contudo, absolutamente falando, sob o
Antigo Testamento, o Pacto da Graça consistia apenas em uma
promessa; e ele é proposto apenas como tal nas Escrituras (Atos
2:39; Hebreus 6:14-16). O apóstolo realmente diz que a aliança foi
confirmada por Deus em Cristo, antes da entrega da lei (Gálatas
3:17). E assim foi, não absolutamente em si mesma, mas na
promessa e nos benefícios dela. O termo νενομοθέτηται
(nenomothet ē tai), ou estabelecimento legal completo dela, em
razão do qual se tornou formalmente um pacto para toda a igreja,
era algo que aconteceria apenas no futuro, e enquanto sob o Antigo
Testamento estava em forma de promessa; pois faltavam duas
coisas para que o seu estabelecimento se tornasse real: (1.) Faltava
sua confirmação e estabelecimento solenes pelo sangue do único
sacrifício que era adequado para tal. Antes que isso fosse feito na
morte de Cristo, a aliança não tinha a natureza formal de um pacto
ou testamento, como nosso apóstolo comprova (Hebreus 9:15-23).
Pois, como ele mostra naquela passagem, a lei dada no Sinai não
teria sido uma aliança, se não tivesse sido confirmada com o
sangue dos sacrifícios. Portanto, o Pacto da Graça existia apenas
como uma promessa antes de tornar-se uma aliança formal e
solene.
(2.) Estava faltando aquilo que era a fonte, a regra e o padrão
de toda a adoração da igreja. Essa regra completa de adoração que
Deus requer da igreja pertence a toda aliança, propriamente dita,
que ele faz com ela; e é isso que eles devem estipular em sua
entrada na aliança com Deus. Mas o Pacto da Graça não estava
sob o Antigo Testamento; porque Deus exigia da igreja muitos
deveres de adoração que não pertenciam a ele. Mas agora, sob o
Novo Testamento, essa aliança, com seus próprios selos e
designações, é a única regra e padrão de toda adoração aceitável.
Para esse fim, a Nova Aliança prometida na Escritura, e aqui
colocada em oposição à Antiga, não é a promessa de graça,
misericórdia, vida e salvação por Cristo, absolutamente
considerada, mas à medida que tinha a natureza formal de um pacto
conferida a ela, em seu estabelecimento pela morte de Cristo, a qual
é a causa da obtenção de todos os seus benefícios e da declaração
dela como a única regra de adoração e obediência para a igreja.
Assim, por “Pacto da Graça” muitas vezes não entendemos nada
mais do que o caminho da vida, graça, misericórdia e salvação por
Cristo. No entanto, por “Nova Aliança”, nos referimos ao verdadeiro
estabelecimento do Pacto da Graça na morte de Cristo, e também
ao modo bendito de adoração que é estabelecido na igreja por meio
disso.
3. Enquanto a igreja desfrutava de todos os benefícios
espirituais da promessa, na qual a substância do Pacto da Graça
estava contida, antes de ser confirmada e tornada a única regra de
adoração à igreja, não era inconsistente com a santidade e a
sabedoria de Deus colocá-la sob qualquer outra aliança ou
prescrever para ela as formas de adoração que quis. As razões para
isso são dadas nestas três suposições: (1.) Essa aliança não
invalidou ou tornou ineficaz a promessa que foi dada anteriormente,
mas ela continuou a ser o único meio de vida e salvação. O nosso
apóstolo prova amplamente que isso foi assim em Gálatas 3:17-19.
(2.) Essa outra aliança, com toda a adoração contida nela ou
exigida por ela, não desviou, mas antes dirigiu e conduziu ao
estabelecimento futuro da promessa na solenidade de uma aliança,
pelas formas mencionadas. E que a aliança feita no Sinai, com
todas as suas ordenanças, fez isso, o apóstolo prova igualmente na
passagem mencionada acima, como também em toda esta epístola
aos Gálatas.
(3.) A lei possui utilidade e benefícios presentes para a igreja
em sua condição atual. O apóstolo reconhece que isso era uma
grande objeção contra o uso e a eficácia da promessa sob o Antigo
Testamento, no que diz respeito à vida e salvação, a saber: “Para
que fim serve então a lei?”, ao que ele responde mostrando a
necessidade e o uso da lei para a igreja em sua condição presente
(Gálatas 3:17-19).
4. Observando essas coisas, podemos considerar que as
Escrituras mencionam clara e expressamente dois testamentos, ou
alianças, e fazem distinção entre eles de tal maneira, que o que é
falado dificilmente pode ser acomodado a uma dupla administração
do mesmo pacto. Um é mencionado e descrito em passagens como
Êxodo 24:3-8 e Deuteronômio 5:2-5, ou seja, o pacto que Deus fez
com o povo de Israel no Sinai; e que é comumente chamado de “a
aliança”, onde é dito que as pessoas que viveram sob o Antigo
Testamento guardam ou quebram a aliança de Deus, a qual, na
maioria das vezes, é mencionada com respeito aquele culto que era
peculiar a ela. A outra aliança é prometida em passagens como
Jeremias 31:31-34 e 32:40, essa é a Nova Aliança ou Aliança
Evangélica, como foi anteriormente explicada e mencionada a partir
de passagens como Mateus 26:28 e Marcos 14:24. E essas duas
alianças, ou testamentos, são comparadas uma com a outra, e
opostos uma à outra, em passagens como 2 Coríntios 3 6-9;
Gálatas 4:24-26 e Hebreus 7:22, 9:15-20.
Nós chamamos essas duas Alianças de “o Antigo e o Novo
Testamentos”. Contudo, deve ser observado que, nesse argumento,
por “Antigo Testamento”, nós não entendemos os livros do Antigo
Testamento, ou os escritos de Moisés, os Salmos e os Profetas, ou
os oráculos de Deus que foram então confiados à igreja (confesso
que esses livros e escritos são chamados assim uma vez em 2
Coríntios 3:14: “Até hoje o mesmo véu está por levantar na lição do
velho testamento”, isto é, a menos que digamos que o apóstolo se
refere apenas à leitura daquelas coisas na Escritura que dizem
respeito ao Antigo Testamento), pois essa Antiga Aliança, ou
Testamento, como for, está revogada e abolida, como o apóstolo
prova expressamente; por outro lado, a Palavra de Deus nos livros
do Antigo Testamento permanece para sempre. E esses escritos
são chamados de o Antigo Testamento, ou os livros do Antigo
Testamento, não como se eles contivessem em si apenas o que
pertence à Antiga Aliança, pois eles contêm a doutrina do Novo
Testamento também; entretanto, eles são chamados assim porque
estavam confiados à igreja enquanto a Antiga Aliança estava em
vigor, como a regra e a lei de sua adoração e obediência.
5. Portanto, devemos entender que o apóstolo se referiu a
duas alianças distintas, ao invés de uma administração dupla do
Pacto da Graça. Nós devemos fazer isso enquanto sustentamos que
o caminho da reconciliação e da salvação é o mesmo nas duas
alianças. Mas alguém pode dizer — e com grande pretensão de
razão, pois esse é o único fundamento sobre o qual todos
constroem, o qual admite apenas uma administração dupla do Pacto
da Graça — “Se esse é o fim principal de uma aliança divina, se o
caminho da reconciliação e da salvação é o mesmo sob as duas
alianças, então, de fato, quanto à sua substância elas são apenas
uma”. E eu admito que isso inevitavelmente se seguiria, se ambas
as alianças possuíssem virtudes iguais. Se a reconciliação e a
salvação por Cristo fossem obtidas não apenas sob a Antiga
Aliança, mas em virtude dela, então ela deveria ser a mesma que a
Nova no que diz respeito à sua substância. Mas isso não é assim;
pois nenhuma reconciliação com Deus nem salvação poderia ser
obtida em virtude da Antiga Aliança, ou da administração dela,
segundo o que nosso apóstolo contesta de forma geral, embora
todos os crentes foram reconciliados, justificados e salvos, em
virtude da promessa, enquanto eles estavam sob a Antiga Aliança.

Três Coisas Relacionadas à Primeira Aliança que


Provam que Ela Não foi uma Administração do Pacto da
Graça

Assim, mostrei em que sentido o Pacto da Graça é chamado


de “a nova aliança”, nessa distinção e oposição com a antiga ou
primeira aliança. Então eu proporei várias coisas que se relacionam
com a natureza da primeira aliança, as quais manifestam que ela é
uma aliança distinta, e não uma mera administração do Pacto da
Graça.

Primeira, Ela não foi Feita para a Vida e Salvação da


Igreja
Essa aliança, chamada de “a antiga aliança”, nunca foi
destinada a ser em si mesma a regra absoluta e lei para vida e
salvação para a igreja, mas foi feita com um propósito particular, e
com respeito a fins particulares. O apóstolo prova isso
inegavelmente nessa epístola aos Hebreus, especialmente no
capítulo 7, e também nos capítulos 8 e 9. Portanto, segue-se que
ele não poderia anular ou invalidar nada que Deus, em qualquer
época anterior, tivesse dado como regra geral à igreja. Pois aquilo
que é particular não pode anular qualquer coisa que fosse geral e
anterior a ele; assim como o que é geral anula todos os particulares
antecedentes, assim também a Nova Aliança anula a Antiga.
Deveremos considerar isso a partir das passagens relacionadas.
Pois, (1.) Anteriormente Deus havia feito o Pacto de Obras, ou de
perfeita obediência, com toda a humanidade, na lei da criação. Mas
essa aliança feita no Sinai não anulou nem invalidou esse pacto,
nem de modo algum o cumpriu. E a razão disso é: porque ela nunca
pretendeu substituí-lo ou tomar o seu lugar como uma aliança,
contendo uma regra inteira de toda a fé e obediência para toda a
igreja. Deus não pretendia anular o Pacto das Obras e substituí-lo
por essa aliança feita no Sinai; mas antes, de várias maneiras ele
reforçou, estabeleceu, e confirmou esse pacto. Pois, [1.] Ele reviveu,
declarou e expressou todos os mandamentos daquele Pacto de
Obras no Decálogo; pois isso nada mais é que um resumo feito por
Deus da lei escrita no coração do homem em sua criação. E nisso a
maneira terrível de sua entrega ou promulgação, com sua escrita
em tábuas de pedra, também deve ser considerada; pois nelas
estava representada a natureza daquele primeiro pacto, com sua
inexorabilidade quanto à perfeita obediência. E porque ninguém
poderia atender às suas exigências, ou cumprir esse pacto, ele foi
chamado de “o ministério da morte”, pois causava medo e servidão
(2 Coríntios 3:7).
[2.] A aliança do Sinai reviveu a sanção daquele primeiro
pacto, na maldição ou sentença de morte que denunciou contra
todos os transgressores. A morte foi a penalidade da transgressão
do primeiro pacto: “No dia em que dela comeres, certamente
morrerás” (Gênesis 2:17). E essa sentença foi revivida e novamente
representada na maldição pela qual o pacto do Sinai foi ratificado:
“Maldito aquele que não confirmar as palavras desta lei, não as
cumprindo” (Deuteronômio 27:26; Gálatas 3:10). Pois o desígnio de
Deus nessa aliança era vincular um senso daquela maldição às
consciências dos homens, até que viesse Aquele por quem ela seria
abolida, como o apóstolo declara em Gálatas 3:19.
[3.] A aliança do Sinai reviveu a promessa daquele pacto, a
saber, a da vida eterna com base em uma obediência perfeita.
Assim, o apóstolo nos diz que Moisés descreve a justiça da lei: “O
homem que fizer estas coisas viverá por elas” (Romanos 10:5 —
como aparece em Levítico 18:5).
Ora isso não é outra coisa senão o Pacto das Obras revivido.
Essa aliança do Sinai não tinha qualquer promessa de vida eterna
anexada a ela, como tal, mas apenas a promessa inseparável do
Pacto de Obras que ela reviveu, dizendo: “Faça isso e viva”.
Portanto, quando nosso apóstolo argumenta contra a
justificação pela lei, ou pelas obras da lei, ele não intencionava as
obras peculiares à aliança do Sinai, com seus ritos e cerimônias de
adoração então instituída; mas ele também intenciona as obras do
primeiro pacto, o único que trazia em si a promessa da vida para
eles.
E, portanto, segue-se também que a aliança do Sinai não era
um novo pacto de obras estabelecido no lugar do antigo, para a
regra absoluta de fé e obediência a toda a igreja; pois então isso
teria anulado e abolido aquele pacto, e toda a força dele, o que não
aconteceu.
(2.) O outro exemplo está na promessa. Ela também foi dada
antes da aliança do Sinai; a promessa não foi revogada ou anulada
pela introdução dessa aliança sinaítica. Essa promessa foi dada aos
nossos primeiros pais imediatamente após a entrada do pecado e
foi estabelecida como contendo o único caminho e meio de salvação
dos pecadores. Agora, ela não poderia ser anulada pela introdução
dessa aliança, e nem um novo caminho de justificação e salvação
poderia ser estabelecido por meio disso. Porque a promessa dada
em geral para toda a igreja, a qual continha o caminho indicado por
Deus para a justificação, vida e salvação, não poderia ser anulada
ou mudada, sem que antes houvesse uma mudança e alteração nos
conselhos daquele “em quem não há mudança nem sombra de
variação” (Tiago 1:17). Muito menos isso poderia ser realizado por
uma aliança em particular, tal como aconteceu, quando foi dada
como regra geral e eterna.

Segunda, Ela Não Anulou a Promessa Feita a Abraão

Uma promessa especial foi dada a Abraão, segundo a fé, pela


qual ele se tornou “pai de todos os que creem” (Romanos 4:11), pelo
fato de Abraão ser o progenitor dos crentes, pode dar a entender
que essa aliança invalidou totalmente ou substituiu a promessa, e
impediu a igreja de prosseguir edificando sobre esse alicerce, e
assim os restringiu totalmente a essa nova aliança sinaítica que
agora estava feita com eles. Assim diz Moisés: “Não com nossos
pais fez o Senhor esta aliança, mas conosco, todos os que hoje aqui
estamos vivos” (Deuteronômio 5:3). Deus não fez essa aliança no
Monte Sinai com Abraão, Isaque e Jacó, mas com o povo então
presente, e sua posteridade, como ele declara: “E não somente
convosco faço esta aliança e este juramento; mas com aquele que
hoje está aqui em pé conosco perante o Senhor nosso Deus, e com
aquele que hoje não está aqui conosco” (Deuteronômio 29:14-15).
Isso, portanto, parece privá-los completamente daquela promessa
feita a Abraão, e assim torna-la sem efeito. Mas o apóstolo prova
estritamente que isso não aconteceu e nem poderia (Gálatas 3:17-
22); sim, ele estabeleceu e confirmou essa promessa de várias
maneiras, tanto como primeiramente dada quanto como
posteriormente confirmada com o juramento de Deus a Abraão; e
ele fez isso especialmente de duas maneiras: (1.) ele declarou a
impossibilidade de obter a reconciliação e a paz com Deus de
qualquer outro modo, exceto pela promessa. Ele fez isso para
demonstrar que os mandamentos do Pacto de Obras exigiam
obediência perfeita e sem pecado, sob a pena da maldição, e assim
convenceu os homens de que ele não era o caminho para os
pecadores buscarem vida e salvação. E por esse meio, instigou as
consciências dos homens, para que eles não tivessem descanso ou
paz em si mesmos, mas que eles deveriam ter essas coisas apenas
na medida em que a promessa lhes proporcionaria, portanto eles se
viram na necessidade de se confiarem a ela.
(2.) ele demonstrou os caminhos e meios para a realização da
promessa, e daquilo em que toda a eficácia dela para a justificação
e salvação dos pecadores depende, a saber, a morte, o
derramamento de sangue e a oblação ou sacrifício de Cristo, a
descendência prometida. Todas as suas ofertas e ordenanças de
culto foram direcionadas a terem isso em vista; como, por exemplo,
a encarnação de Cristo, e a habitação de Deus em sua natureza
humana, foi tipificada pelo tabernáculo e pelo templo. Tudo isso
estava tão longe de anular a promessa ou desviar a mente do povo
de Deus dela, que promoveu o contrário, por todos esses meios eles
a estabeleceram e apontaram para ela.

Terceira, Ela Continha Outros Benefícios para a Igreja

Mas alguém me dirá, como foi observado anteriormente: “Se a


aliança do Sinai não anulou o primeiro Pacto de Obras nem tomou o
lugar dele, e nem anulou a promessa feita a Abraão, para que fim
então ela servia, ou que benefício a igreja recebeu por meio dela?”.
A isso eu respondo, (1.) Em relação ao lidar de Deus para com a
igreja tem havido, οἰκονομία τῶν καιρῶν , uma “certa dispensação”
e disposição de tempos e épocas, o que está reservado à soberana
vontade e beneplácito de Deus. Portanto, desde o início ele se
revelou π ολυτρό π ως[215] e π ολυμερ ῶ ς ,[216] segundo o que
parecia bom aos seus olhos (Hebreus 1:1). E essa dispensação de
tempos tinha uma π λήρωμα , uma “plenitude” designada a ela, na
qual todas as coisas — a saber, as que pertencem à revelação e
comunicação de Deus à igreja — deveriam chegar ao seu auge e ter
seu aperfeiçoamento final. Isso aconteceu quando Cristo foi
enviado, como o apóstolo declara em Efésios 1:10: “Na dispensação
da plenitude dos tempos” Deus tornaria a congregar todas as coisas
a um cabeça, Cristo. Até que essa época chegasse, Deus lidou de
forma variada com a igreja, ἐν π οικίλῃ σοφίᾳ , “de muitos modos”
ou “com sabedoria variada”, segundo ele considerava necessário e
útil para ela durante aquele tempo pelo qual ela passaria antes que
a plenitude dos tempos viesse. Dessa natureza foi Sua entrada na
aliança com a igreja no Sinai (nós investigaremos as razões disso a
seguir). Enquanto isso, se não tivéssemos outra resposta para essa
pergunta, mas somente essa, a saber: que na ordem da disposição
ou dispensação dos tempos para a igreja, antes que a plenitude dos
tempos chegasse, Deus em sua sabedoria multiforme considerou a
aliança do Sinai como algo necessário para a igreja daquela época,
nós consentiríamos com ela nesse aspecto. Mas, (2.) De modo
geral, o apóstolo nos familiariza com os fins que Deus propôs para
essa dispensação em Gálatas 3:19-24: “Logo, para que é a lei? Foi
ordenada por causa das transgressões, até que viesse a
posteridade a quem a promessa tinha sido feita; e foi posta pelos
anjos na mão de um mediador. Ora, o mediador não o é de um só,
mas Deus é um. Logo, a lei é contra as promessas de Deus? De
nenhuma sorte; porque, se fosse dada uma lei que pudesse vivificar,
a justiça, na verdade, teria sido pela lei. Mas a Escritura encerrou
tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé em Jesus
Cristo fosse dada aos crentes. Mas, antes que a fé viesse,
estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé
que se havia de manifestar. De maneira que a lei nos serviu de aio,
para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados”.
Podemos conhecer muito da mente do Espírito Santo nessas
palavras, e coisas que não são comumente discernidas pelos
expositores, se nos concentramos em interpretá-las corretamente.
Agora, irei apenas observar algumas dessas coisas que são
pertinentes ao nosso presente propósito.
Duas Perguntas sobre a Aliança do Sinai

O apóstolo faz duas perguntas acerca da lei, ou a aliança do


Sinai: [1.] Para que fim, em geral, ela serviu. [2.] E se ela era
contrária à promessa de Deus. O apóstolo responde ambas as
perguntas a partir da natureza, do ofício e da função dessa aliança.
Pois havia, como foi declarado, duas coisas: [1.] Um reavivamento e
reapresentação do Pacto das Obras, com sua sanção e maldição.
[2.] A igreja foi direcionada a olhar para e esperar a realização da
promessa. A partir dessas duas coisas o apóstolo constrói sua
resposta para as duas perguntas que ele próprio fez.
E para a primeira pergunta, “logo, para que é a lei”, ele
responde: “Foi ordenada por causa das transgressões”. Após a
promessa ter sido dada parece não haver necessidade disso, por
que então a lei foi acrescentada a ela naquele tempo? “Foi
acrescentada por causa das transgressões”. A plenitude do tempo
ainda não havia chegado, na qual a promessa deveria ser cumprida,
realizada e estabelecida como a única aliança na qual a igreja
deveria andar com Deus; ou “a descendência” a quem a promessa
foi feita ainda não havia chegado, como diz o apóstolo.[217]
Enquanto isso, alguma providência deve ser tomada em relação ao
pecado e à transgressão, para que toda a ordem das coisas
designadas por Deus não seja transtornada por eles. E isso foi feito
de duas maneiras através lei: [1.] Ao reviver os mandamentos do
Pacto das Obras, com a sanção da morte, isso colocou temor nas
mentes dos homens e restringiu as suas concupiscências, para que
não ousassem se entregar aos excessos para os quais eram
naturalmente inclinados. A lei, portanto, foi “ordenada por causa das
transgressões”, pois, ao declarar a severidade de Deus contra elas,
serviu como algo que poderia fixar alguns limites para os
transgressões; “porque pela lei vem o conhecimento do pecado”
(Romanos 3:20).
[2.] Para encerrar os incrédulos, e os que não buscam a
justiça, a vida e a salvação pela promessa, sob o poder do Pacto
das Obras, e da maldição que o acompanha. A lei “encerrou tudo
debaixo do pecado”, diz o apóstolo em Gálatas 3:22. Esse foi o fim
da lei, e para esse fim ela foi ordenada e adicionada, e por meio
disso ela reviveu o Pacto das Obras.
Para a segunda pergunta, que surge dessa suposição, a saber,
se a lei convenceu do pecado e trouxe condenação por causa dele:
“logo, a lei é contra as promessas de Deus?”, o apóstolo da mesma
maneira retorna uma resposta dupla, extraída do segundo uso da
lei, antes de insistir a respeito da promessa. E, [1.] ele diz: “Embora
a lei reprove e convença do pecado e traga condenação por causa
dele, e assim imponha limites para as transgressões e os
transgressores, contudo, Deus nunca intencionou que ela fosse um
meio pelo qual ele concederia a vida e a justiça, e nem a lei poderia
fazer isso”. O fim da promessa era dar retidão, justificação e
salvação, mas tudo isso por Cristo, a quem e a respeito de quem ela
foi feita. Mas esse não foi o fim para o qual a lei foi revivida na
aliança do Sinai. Pois embora em si ela exija uma justiça perfeita, e
conceda uma promessa de vida em função disso (“o homem, que
fizer estas coisas, por elas viverá” — Gálatas 3:12), ainda assim ela
não poderia conceder nem justiça e nem vida a alguém que
estivesse em um estado de pecado (Veja Romanos 8:3, 10:4). Sob
esse aspecto, a promessa e a lei não são contrárias uma à outra,
pois possuem fins diferentes.
[2.] ele diz: “A lei está grandemente relacionada à promessa; e
foi dada por Deus para esse fim, a saber, para que pudesse
conduzir e direcionar os homens para Cristo”. Isso é suficiente para
responder à pergunta proposta no início desse discurso, sobre o fim
dessa aliança, e a vantagem que a igreja recebeu por meio dela.

A Substância de Toda a Verdade


O que foi falado pode ser suficiente para declarar em geral a
natureza dessa aliança feita no Sinai; e duas coisas aqui
evidentemente seguem, nas quais a substância de toda a verdade
reivindicada pelo apóstolo consiste: (1.) Que enquanto o Pacto da
Graça estava contido e proposto apenas na promessa, antes de ser
solenemente confirmado no sangue e sacrifício de Cristo, e assim
instituído ou estabelecido como a única regra de adoração da igreja,
a introdução dessa outra aliança do Sinai não constituía um novo
caminho ou meio para alcançar justiça, vida e salvação; mas os
crentes buscaram alcançar essas coisas somente através do Pacto
da Graça, conforme declarado na promessa. Isso decorre
evidentemente do que nós temos discorrido; e assegura
absolutamente aquela grande verdade fundamental, que o apóstolo
nessa e em todas as suas outras epístolas tão fervorosamente
defende, ou seja, que não existe e nem jamais houve retidão,
justificação, vida ou salvação a serem alcançadas por qualquer lei,
ou pelas obras dela (pois essa aliança feita no Monte Sinai abrangia
toda lei que Deus já havia dado à igreja), mas somente por Cristo, e
pela fé nele.
(2.) Que embora essa aliança seja introduzida pala vontade de
Deus, foi prescrita com ela uma forma de adoração exterior
adequada à dispensação daqueles tempos e ao estado em que a
igreja se encontrava. Entretanto com a introdução da Nova Aliança
na plenitude dos tempos, que passou a ser a regra de todo
relacionamento entre Deus e a igreja, tanto essa aliança sinaítica
quanto toda a sua adoração foram necessariamente anulados. E é
isso que o apóstolo prova com todo tipo de argumentos, e
manifestando o grande privilégio da igreja por meio disso.
Essas coisas, evidentemente decorrem do que temos
discorrido anteriormente, e consistem nas principais verdades
defendidas pelo apóstolo.

Seis Razões para a Introdução da Primeira Aliança


Resta apenas uma coisa a ser considerada, antes de
passarmos a tratar da comparação entre as duas alianças aludidas
pelo apóstolo. Vamos manifestar a razão da introdução da primeira
aliança naquela época e como ela veio a ser uma aliança especial
para esse povo. E para esse fim várias coisas devem ser
consideradas concernentes àquele povo e a igreja de Deus nele,
com quem essa aliança foi feita; e isso evidenciará ainda mais a
natureza, o uso e a necessidade dela: (1.) Esse povo era a
posteridade de Abraão, a quem foi feita a promessa de que em sua
descendência todas as nações da terra seriam abençoadas. Estava
prometido que a partir da posteridade de Abraão o descendente
seria levantado na plenitude dos tempos, ou que em seu devido
tempo, a partir dessa posteridade, o Filho de Deus surgiria como o
descendente de Abraão. Várias coisas foram necessárias para esse
fim: [1.] Que eles tivessem um lugar determinado ou país de
residência, para que pudessem habitar livremente, separados das
outras nações, e estivessem sob leis e governo próprios. Assim é
dito a respeito deles: “este povo habitará só, e entre as nações não
será contado” (Números 23:9), e: “O cetro não se arredará de Judá,
nem o legislador dentre seus pés, até que venha Siló” (Gênesis
49:10). Porque Deus tinha em conta a sua própria glória em manter
Sua fidelidade em relação à palavra e ao juramento dados a Abraão,
não apenas para que eles fossem cumpridos, mas para que sua
realização fosse evidente e conspícua. Mas se a essa posteridade
de Abraão, dentre a qual o descendente prometido se levantaria,
tivesse acontecido o que acontece com eles hoje, a saber, tivesse
sido espalhada pela face da terra, se misturado com todas as
nações e sido sujeitada ao poder delas, embora Deus pudesse
realmente ter cumprido sua promessa de levantar a Cristo a partir
dessa posteridade, contudo, não poderia ser provado ou
evidenciado que ele tinha feito isso, em razão desse povo haver se
misturado com os outros povos. Para esse fim, Deus providenciou
uma terra e um lugar para eles, para que pudessem habitar
sozinhos, a terra de Canaã. E isso era muito adequado para todos
os propósitos de Deus para aquele povo, como é declarado em
várias passagens, que revelam o objetivo de Deus quanto a isso:
“Naquele dia levantei a minha mão para eles, para os tirar da terra
do Egito, para uma terra que já tinha previsto para eles” (Ezequiel
20:6). Ele escolheu isso como o mais adequado para o seu
propósito em relação aos povos de todas as terras debaixo do céu.
[2.] Que sempre deveria haver entre eles uma confissão aberta
e uma representação visível do propósito para o qual eles estavam
então separados de todas as nações do mundo. Eles não deveriam
habitar na terra de Canaã simplesmente para fins seculares, ou
como se eles fossem um espetáculo mudo; mas assim como eles
estavam guardados e preservados ali para evidenciar a fidelidade
de Deus quando ele levantasse o Descendente prometido na
plenitude dos tempos, assim também um testemunho era mantido
continuamente entre eles quanto ao propósito de Deus em preservá-
los desse modo. Esse foi o fim de todas as suas ordenanças de
adoração e do tabernáculo, sacerdócio, sacrifícios e ordenanças; os
quais foram todos designados por Moisés, sob a ordem de Deus,
“para testemunho das coisas que se haviam de anunciar” (Hebreus
3:5).
Essas coisas foram necessárias em primeiro lugar, com
respeito aos fins de Deus para com esse povo.
(2.) Se Deus chamasse qualquer povo para uma relação
especial consigo mesmo, fizesse o bem a eles de uma maneira
eminente e peculiar, e então permitisse que eles vivessem de
acordo com suas próprias vontades, sem qualquer consideração
pelo que ele fez por eles, isso não seria algo que revelaria sua
sabedoria, santidade e soberania. Portanto, após conceder a esse
povo os grandes privilégios da terra de Canaã, e as ordenanças de
adoração relativas ao grande fim mencionado, Deus também lhes
prescreveu leis, regras e termos de obediência, com base nos quais
eles deveriam possuir e desfrutar dessa terra, com todos os
privilégios inerentes à posse dela. E tudo isso é expresso e
frequentemente inculcado através da repetição e promessas da lei.
Além disso, na prescrição desses termos, Deus reservou a
soberania de lidar com eles para Si próprio. Pois se os tivesse
deixado ficar em pé ou cair absolutamente com base nos termos
que prescreveu para eles, então eles poderiam e teriam perdido
totalmente tanto a terra quanto todos os privilégios que desfrutavam
nela. E se eles tivessem caído, então o grande fim de Deus em
preservá-los como um povo separado até que o Descendente
viesse, e se manifestasse entre eles, teria sido frustrado. Assim,
embora ele os punisse por suas transgressões, de acordo com as
ameaças da lei, ainda assim ele não traria ‫חֵ ֶר ם‬, “a maldição da lei”,
sobre eles e nem os rejeitaria totalmente, até que seu grande fim
fosse alcançado (Malaquias 4:4-6).
(3.) Deus não privaria esse povo da promessa, porque a sua
igreja estava entre eles, e essas pessoas não podiam agradar a
Deus nem ser aceitas diante dele, senão pela fé em sua promessa.
Entretanto, eles deveriam ser tratados de modo apropriado. Pois,
por muitas vezes, geralmente eles foram um povo de dura cerviz, de
coração duro e pensaram ser mais justos e melhores do que os
outros povos. A fim de preservá-los desses pecados, Moisés se
esforça, no livro de Deuteronômio, para lhes dar razões e exemplos
que lhes mostravam o contrário. De forma geral, tais esforços de
Moisés ainda não lograram êxito entre eles até os dias de hoje; pois
mesmo em meio a toda a sua maldade e miséria, eles ainda confiam
e se vangloriam em sua própria justiça, e acreditam que Deus tem
uma obrigação especial para com eles por causa disso. Por essa
razão, Deus achou necessário colocar um jugo doloroso e pesado
sobre eles, para subjugar o orgulho de seus espíritos e levá-los a
ansiar por livramento. O apóstolo Pedro chama isso de “um jugo que
nem seus pais nem eles puderam suportar” (Atos 15:10). Portanto, o
Senhor Jesus Cristo os convidou a buscar a paz, alívio e descanso
somente nele mesmo (Mateus 11:29-30). E esse jugo que Deus
colocou sobre eles consistia nestas três coisas: [1.] Em uma
multidão de preceitos, difíceis de serem entendidos e penosos de
serem observados. Os judeus atuais consideram haver seiscentos e
treze desses preceitos; mas eles debatem interminavelmente entre
si sobre o sentido da maioria deles. Porém a verdade é que desde
os dias dos fariseus eles aumentaram o seu próprio jugo e fizeram
da obediência à sua lei algo totalmente inviável. Seria fácil
manifestar, por exemplo, que nenhum homem debaixo do céu
jamais guardou ou pode guardar o sabbath de acordo com as regras
que eles prescrevem a respeito dele em seu Talmude. E dificilmente
eles observam algumas dessa regras. Entretanto, na lei, como dada
pelo próprio Deus, é certo que há uma multidão de preceitos
arbitrários, os quais em si mesmos não são acompanhados de
quaisquer vantagens espirituais, como nosso apóstolo mostra em
Hebreus 9:9-10; eles eram obrigados a cumpri-los apenas por um
mero ato soberano de poder e autoridade divinos.
[2.] Na severidade pela qual foi ordenada a observância de
todos aqueles preceitos. E isso foi seguido por uma ameaça de
morte, pois “quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem
misericórdia” e “toda a transgressão e desobediência recebeu a
justa retribuição” (Hebreus 10:28, 2:2). Portanto, esse era o motivo
de sua antiga queixa: “Então falaram os filhos de Israel a Moisés,
dizendo: Eis aqui, nós expiramos, perecemos, nós todos
perecemos. Todo aquele que se aproximar do tabernáculo do
Senhor, morrerá; seremos, pois, todos consumidos” (Números
17:12-13). E a maldição denunciou solenemente todo aquele que
não confirmava todas as coisas escritas na lei, cumprindo-as.
[3.] Em um espírito de escravidão ao medo. Isso foi
administrado durante a concessão e dispensação da lei, mesmo
quando um espírito de liberdade e de poder é administrado no e
pelo Evangelho. E como isso dizia respeito à sua obediência
presente e à sua maneira de agir, então, em particular, ela dizia
respeito à morte como ainda não tendo sido vencida por Cristo.
Portanto, nosso apóstolo afirma que pelo “medo da morte, estavam
por toda a vida sujeitos à servidão” (Hebreus 2:15).
Deus os introduziu nesse estado, por um lado, para subjugar o
orgulho de seus corações, os quais confiavam em sua justiça
própria e, por outro, para fazer com que eles olhassem
sinceramente para o libertador prometido.
(4.) Deus os trouxe para esse estado e condição através de
uma aliança solene, confirmada por consentimento mútuo entre ele
e eles. O teor, a força, e a ratificação solene dessa aliança são
expressos em Êxodo 24:3-8. Toda a igreja ficou indispensavelmente
obrigada aos termos e condições dessa aliança, sob pena de
extermínio, até que tudo tivesse sido cumprido (Malaquias 4:4-6). A
essa aliança pertencia o Decálogo, com todos os preceitos de
obediência moral extraídos dele. Assim também as leis do governo
político foram estabelecidas entre eles, bem como lhes foi dado todo
o sistema de culto religioso. Todas essas leis foram trazidas para o
escopo dessa aliança, e passaram a fazer parte de sua constituição.
Essa aliança possui promessas e ameaças especiais anexadas a
ela como tal, as quais eram vigentes em todo o território de Canaã.
Pois até mesmo muitas das leis dessa aliança não eram obrigatórias
em outro lugar, como por exemplo, a lei do ano sabático e todos os
seus sacrifícios. Havia pecado e obediência neles ou sobre eles
enquanto estavam na terra de Canaã, os quais não seriam assim se
estivessem em outo lugar. Assim sendo, (5.) Essa aliança feita
desse modo, com esses fins e promessas, nunca salvou e nem
condenou qualquer homem eternamente. Não foi em virtude dessa
aliança, enquanto considerada a partir de um ponto de vista formal e
em si mesmo, que todos aqueles que viveram sob a administração
dela alcançaram a vida eterna ou perecerem para sempre. De fato,
ela reviveu o poder dominante e a sanção do primeiro Pacto de
Obras; e nesse aspecto, como o apóstolo fala, ela foi “o ministério
da condenação” (2 Coríntios 3:9); pois “pelas obras da lei nenhuma
carne será justificada”.[218] E, por outro lado, ela também apontava
para a promessa, que era o instrumento da vida e da salvação para
todos os crentes. Mas quanto ao que essa aliança continha em si
mesma, ela se limitava às coisas temporais. Os crentes foram
salvos sob ela, mas não em virtude dela. Os pecadores pereceram
eternamente sob ela, mas isso aconteceu devido à maldição das
obras da lei original. E, (6.) Com base nisso é que ocorreu a ruína
daquele povo. “A sua mesa tornou-se em laço para eles, e aquilo
que deveria ter sido para o seu bem-estar tornou-se uma
armadilha”, de acordo com a previsão do nosso Salvador no Salmo
69:22. Foi essa aliança que os elevou e os arruinou. Ela os elevou à
glória e honra quando foi dada por Deus e os arruinou quando foi
pervertida por eles, ao fazerem aquilo que era expressamente
contrário à mente e vontade divinas. A maioria desse povo foi
perversa e rebelde, e continuamente quebrou os termos da aliança
que Deus fez com eles, tanto quanto lhes fora possível; todavia, eles
consideravam essa aliança apenas como regra e meio de justiça,
vida e salvação, como o apóstolo declara em Romanos 9:31-33,
10:3. Pois, como já dissemos muitas vezes, havia duas coisas nela,
as quais eles perverteram ao buscar fins diferentes daqueles que
Deus intencionou: [1.] Houve a renovação da regra do Pacto de
Obras para a justiça e a vida. E essa aliança foi dada para que eles
buscassem a justiça e a vida por meio dela, mas então eles
buscaram a vida e a justiça nela própria, isto é, buscaram a justiça
pelas obras da lei.
[2.] Foi ordenado nela uma representação típica do caminho e
dos meios segundo os quais a promessa deveria se tornar eficaz, a
saber, segundo a mediação e sacrifício de Jesus Cristo; esse foi o
fim de todas as suas ordenanças de adoração. Mas eles se
contentaram com a observância da lei externa de sua instituição,
eles só buscavam por um libertador quando julgavam não conseguir
desempenhar uma justiça exata e perfeita.
O apóstolo expressamente escreve contra esses dois erros
perniciosos em suas epístolas aos Romanos e aos Gálatas, para
salvá-los, se fosse possível, daquela ruína em que se lançariam, se
fossem enredados por eles. Quando a isso, “os eleitos o
alcançaram”, mas “os outros foram endurecidos” (Romanos 11:7).
Pois, agindo assim, eles renunciaram totalmente à promessa, na
qual somente Deus concedeu o caminho da vida e da salvação.
Essa é a natureza e substância daquela aliança que Deus fez
com esse povo no Sinai; uma aliança particular e temporária, e não
uma mera dispensação do Pacto da Graça.

A Diferença entre as Duas Alianças


O propósito da revelação da mente do Espírito Santo em toda
essa questão é anunciar as diferenças que existem entre aquelas
duas alianças, em relação às quais, uma é dita ser “melhor” do que
a outra, e ser “confirmada em melhores promessas” (Hebreus 8:6).

A Opinião da Igreja de Roma

Os da Igreja de Roma comumente dizem que essa diferença


consiste em três coisas: 1. Nas promessas delas: A Antiga Aliança
era apenas temporal, enquanto a Nova é espiritual e celestial. 2.
Nos preceitos delas: Sob a Antiga eles requeriam apenas
obediência externa, intencionando uma justiça humana exterior,
enquanto sob a Nova, os preceitos são internos, e dizem respeito
principalmente ao homem interior e ao seu coração. 3. Em seus
sacramentos: para aqueles que viveram sob o Antigo Testamento,
eles eram apenas exteriores e figurativos; mas os sacramentos do
Novo são eficazes em comunicar a graça.
Mas essas coisas não expressam muito, se é que expressam
algo, sobre a diferença que a Escritura esboça entre as duas
Alianças. E, além disso, como alguns já explicaram, essas
diferenças alegadas não são verdadeiras, especialmente as duas
últimas. Pois eu não posso senão ficar admirado ao imaginar como
é que ocorreu no coração ou na mente de qualquer homem pensar
ou dizer que Deus alguma vez deu uma lei ou leis, preceito ou
preceitos, que “diziam respeito principalmente ao homem interior e à
regulação de deveres externos”. Um pensamento como esse é
contrário a todas as propriedades essenciais da natureza de Deus, e
serve apenas para gerar pensamentos impróprios a respeito de
todas as suas gloriosas excelências. A vida e o fundamento de
todas as leis sob o Antigo Testamento eram: “Amarás o Senhor teu
Deus com toda a tua alma”, e sem isso nenhuma obediência exterior
jamais foi aceita por Ele. E quanto à terceira das supostas
diferenças, os sacramentos da lei não eram “figurativos”, mas
exibiam Cristo aos crentes: Todos “bebiam da pedra espiritual que
os seguia; e a pedra era Cristo” (1 Coríntios 10:4). Tampouco os
sacramentos do Evangelho são eficazes em si mesmos para
comunicar a graça, à parte da fé; pois sem fé os sacramentos são
inúteis para os que os recebem.

A Doutrina da Escritura sobre a Diferença entre as


Alianças Exposta em 17 Particularidades

As coisas em que essa diferença consiste, conforme


expressas na Escritura, são em parte circunstanciais e em parte
substanciais, e podem ser reduzidas aos seguintes pontos: 1. Essas
duas alianças diferem em circunstâncias de tempo quanto à sua
promulgação, declaração e estabelecimento. Essa diferença que é
citada pelo apóstolo a partir do profeta Jeremias em Hebreus 8:9
será tratada mais detalhadamente adiante. Em resumo, a primeira
aliança foi feita no tempo em que Deus tirou os filhos de Israel do
Egito, e no terceiro mês após chegarem ao pé do Sinai (Êxodo 19,
24). Desde o tempo do que é registrado na última passagem, no
qual o povo dá seu consentimento real aos termos dela, começou
sua obrigação formal como uma aliança. Depois iremos inquirir
quando ela foi revogada e deixou de ser obrigatória para a igreja. Já
a Nova Aliança foi declarada e se tornou conhecida “nos últimos
dias” (Hebreus 1:1-2), “na dispensação da plenitude dos tempos”
(Efésios 1:10). A data de seu início, como uma aliança formalmente
obrigatória para toda a igreja, se dá por ocasião da morte,
ressurreição, ascensão de Cristo e o envio do Espírito Santo. Eu cito
todos esses eventos como o início da Nova Aliança porque embora
principalmente ela tenha sido estabelecida pela morte de Cristo,
contudo ela não era absolutamente obrigatória como uma aliança
até depois da vinda do Espírito Santo.
2. Elas diferem na circunstância do lugar quanto à sua
promulgação; o que também é registrado pelas Escrituras. A
primeira foi declarada no monte Sinai; na primeira parte dessa
exposição eu já declarei amplamente a forma e o tempo em que as
pessoas receberam a lei, e agora eu direciono o leitor para aquele
lugar[219] (Êxodo 19:18). A Nova Aliança foi declarada no Monte
Sião, e a lei dela saiu de Jerusalém (Isaías 2:3). Nosso apóstolo
insiste nessa diferença e dá vários exemplos notáveis dela em
Gálatas 4:24-26: “Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que
corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus
filhos”. Agar, era a escrava que Abraão tomou antes que o herdeiro
da promessa houvesse nascido, sendo que ela era um tipo da
Antiga Aliança dada no Sinai, antes da introdução na Nova Aliança
ou Aliança da Promessa; por isso, ele acrescenta: “Ora, esta Agar é
Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora
existe, pois é escrava com seus filhos”. Esse Monte Sinai, onde a
Antiga Aliança foi dada, e que foi representada por Agar, está na
Arábia, lançado fora das fronteiras e limites da igreja. E
“corresponde” ou “é colocado na mesma série, posição e ordem que
Jerusalém”, ou seja, nesse contraste entre as duas alianças. Assim
como a Nova Aliança, a Aliança da Promessa, a qual concede
liberação e liberdade, foi dada em Jerusalém, através da morte e
ressurreição de Cristo, e da pregação do Evangelho que se seguiu
em razão disso; assim também, a Antiga Aliança, que levou o povo
à escravidão, foi dada no Monte Sinai, na Arábia.
3. Elas diferem na maneira de sua promulgação e
estabelecimento. Duas coisas notáveis acompanharam a declaração
solene da primeira aliança: (1.) O pavor e terror da aparência
externa no Monte Sinai, que se apoderou de todo o povo, e até
mesmo o próprio Moisés, que temeu e tremeu (Hebreus 12:18-21;
Êxodo 19:16, 20:18-19). Por meio disso, um espírito de medo e
escravidão foi incutido em todas as pessoas, de modo que elas
escolheram manter distância e não se aproximarem de Deus
(Deuteronômio 5:23-27).
(2.) Ela foi dada pelo ministério e “ordenação dos anjos” (Atos
7:53; Gálatas 3:19). Portanto, as pessoas estavam, em certo
sentido, “submetidas aos anjos”, os quais possuíam um ministério
de autoridade nessa aliança. A igreja daquele tempo, foi colocada
em algum tipo de sujeição aos anjos, como o apóstolo claramente
sugere em Hebreus 2:5. Foi muito por causa disso que o culto ou
adoração de anjos começou a ser praticado entre esse povo
(Colossenses 2:18); o mesmo culto aos anjos, com um acréscimo à
sua loucura e superstição, foi introduzido por alguns na igreja cristã,
na qual os anjos não possuem tal ministério de autoridade como o
faziam sob a Antiga Aliança.
As coisas são bem diferentes no que diz respeito à
promulgação da Nova Aliança. O Filho de Deus em sua própria
pessoa declarou isso. Ele “falou do céu”, como o apóstolo observa;
em oposição à lei “sobre a terra” (Hebreus 12:25). No entanto, ele
falou na terra também, e ele declara esse mistério acerca de si
mesmo em João 3:13. E ele realizou todas as coisas que
pertenciam ao estabelecimento dessa aliança em um espírito de
mansidão e condescendência, com a mais alta evidência de amor,
graça e compaixão, encorajando e convidando os cansados e
sobrecarregados a virem a Ele. E por meio de seu Espírito, ele fez
com que seus discípulos continuassem a mesma obra até que a
aliança fosse plenamente declarada (Hebreus 2:3; veja João 1:17-
18).
E todo o ministério de anjos, na entrega dessa aliança, era
meramente uma maneira de servir e obedecer a Cristo; e, em si
mesmos, os anjos eram apenas “conservos” daqueles que têm “o
testemunho de Jesus” (Apocalipse 19:10). De modo que esse
“mundo por vir”, como era chamado antigamente, não foi posto em
sujeição a eles.
4. As duas alianças diferem em seus mediadores. O mediador
da primeira aliança foi Moisés. “Foi posta pelos anjos na mão de um
mediador” (Gálatas 3:19), esse mediador não era outro senão
Moisés, que era servo na casa de Deus (Hebreus 3:5). E ele era um
mediador, conforme designado por Deus, que havia sido escolhido
pelo povo, na ocasião em que experimentaram aquele pavor e
consternação durante a terrível promulgação da lei. Pois eles viram
que não podiam suportar a presença imediata de Deus, nem tratar
com ele pessoalmente. Para esse fim, eles desejaram um
intermediário, um mediador entre Deus e eles, e que Moisés fosse
essa pessoa (Deuteronômio 5:24-27). Mas o Mediador da Nova
Aliança é o próprio Filho de Deus. Pois “há um só Deus, e um só
Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Timóteo
2:5). Aquele que é o Filho e o Senhor sobre a sua própria casa,
graciosamente empreendeu em sua própria pessoa ser o Mediador
dessa aliança; e nisso a Nova Aliança é indescritivelmente superior
à Antiga.
5. Elas diferem em sua constituição, tanto em relação aos
preceitos quando em relação às promessas; e os maiores privilégios
pertencem à Nova Aliança. Pois, (1.) A Antiga Aliança, no que diz
respeito à sua parte preceptiva, renovou os mandamentos do Pacto
das Obras, e isso com base em seus termos originais. O pecado foi
proibido, isto é, todo e qualquer pecado, em seu conteúdo e forma,
com base na dor da morte; e a promessa de vida foi dada somente
em caso de uma obediência perfeita e impecável — por causa disso
o próprio Decálogo, que é uma transcrição da lei das obras, é
chamado de “aliança” em Êxodo 34:28. E, além disso, como
observamos anteriormente, havia outros preceitos inumeráveis,
acomodados à condição atual do povo e impostos a eles com rigor.
Mas no que diz respeito à Nova Aliança, a primeira coisa que ela se
propõe é a realização e o estabelecimento do Pacto de Obras, tanto
em relação aos seus comandos quanto em relação às suas
sanções, com base na obediência e sofrimento do Mediador. Nisso
os mandamentos dessa aliança, em relação aos que participam
dela, não são penosos; o jugo de Cristo é suave e seu fardo é leve.
(2.) O Antigo Testamento, absolutamente considerado: [1.] Não
continha nenhuma promessa de graça, para comunicar a força
espiritual, ou para nos auxiliar em nossa obediência; [2.] nem
continha a promessa da vida eterna, nem de qualquer outra vida
senão daquela que estava contida na promessa do Pacto das
Obras, “o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá”;[220] e [3.]
Continha promessas de coisas temporais na terra de Canaã que são
inseparáveis dele próprio. Na Nova Aliança todas as coisas são de
outro modo, como será declarado na exposição dos versículos
seguintes.
6. Elas diferem, principalmente, quanto ao modo de sua
dedicação e sanção. É isso que confere uma natureza formal a uma
aliança ou testamento. Pode haver uma promessa, pode haver um
acordo em geral, e ainda assim não termos a natureza formal de
uma aliança, ou testamento, e foi isso que aconteceu com o Pacto
da Graça antes da morte de Cristo, mas é a solenidade e o modo da
confirmação, dedicação e sanção de qualquer promessa ou acordo
que lhe dá a natureza formal de um pacto ou testamento. E isso é
realizado por meio de um sacrifício, no qual há derramamento de
sangue e morte, em razão disso. A Antiga Aliança foi confirmada
apenas com o sacrifício de animais, cujo sangue foi aspergido sobre
todo o povo (Êxodo 24:5-8). Mas o Novo Testamento foi
solenemente confirmado pelo sacrifício e pelo sangue do próprio
Cristo (Zacarias 9:11; Hebreus 10:29, 13:20). E o Senhor Jesus
Cristo, ao morrer como Mediador e Fiador dessa aliança, comprou
todas as coisas boas para a igreja; e como um testador as legou
para ela. Portanto, ele diz a respeito do cálice sacramental: “Isto é o
meu sangue, o sangue do novo testamento” (Marcos 14:24), ou
seja, o penhor de que será legado à igreja todas as promessas e
misericórdias da aliança; a qual é o Novo Testamento, ou a
disposição de seus bens para seus filhos. Mas porque o apóstolo
trata expressamente dessa diferença entre as duas Alianças em
Hebreus 9:18-23, direcionamos o leitor para lá para obter uma
consideração completa desse assunto.
7. Elas são diferentes quanto aos sacerdotes que deveriam
oficiar perante Deus em favor do povo. Na Antiga Aliança, somente
Arão e sua posteridade poderiam desempenhar esse ofício; na
Nova, o próprio Filho de Deus é o único sacerdote da igreja.
Lidamos amplamente com essa diferença e com a vantagem da
atual dispensação evangélica, na exposição do capítulo anterior,
Hebreus 7.
8. Elas são diferentes quanto aos sacrifícios dos quais
depende a paz e a reconciliação com Deus. E isso também será
tratado, se Deus permitir, no capítulo seguinte, Hebreus 9.
9. Elas são diferentes em relação a forma e a maneira em que
foram escritas. Todas as alianças no passado eram solenemente
escritas em placas de latão ou tábuas de pedra, onde pudessem ser
fielmente preservados para o uso das partes interessadas. Assim, a
Antiga Aliança, quanto à sua parte principal e fundamental, estava
“gravada em tábuas de pedra”, que eram preservadas dentro da
arca (Êxodo 31:18; Deuteronômio 9:10; 2 Coríntios 3:7). E Deus fez
isso em sua providência, pois as primeiras tábuas foram quebradas,
para dar a entender que a aliança contida nelas não era eterna ou
inalterável. Mas a Nova Aliança está escrita nas “tábuas de carne do
coração” daqueles que creem (2 Coríntios 3:3; Jeremias 31:33).
10. Elas são diferentes em relação aos seus fins. O principal
fim da primeira aliança era revelar o pecado, condená-lo e
estabelecer limites para ele. Assim diz o apóstolo: “Foi ordenada por
causa das transgressões” (Gálatas 3:19). E isso foi feito através de
várias maneiras: (1.) Através da convicção: porque “pela lei vem o
conhecimento do pecado” (Romanos 3:20); ela convenceu os
pecadores e fez com que toda a boca fosse fechada diante de Deus
(Romanos 3:19).
(2.) Condenando o pecador, ao aplicar a sanção da lei à sua
consciência.
(3.) Através dos juízos e castigos pelos quais, em todas as
ocasiões, ela foi acompanhada. Em tudo isso ela manifestou e
representou a justiça e severidade de Deus.
Já o fim da Nova Aliança é declarar o amor, a graça e a
misericórdia de Deus; e, portanto, conceder arrependimento,
remissão de pecados e vida eterna.
11. Elas eram diferentes quanto aos seus efeitos. Pois a
primeira aliança era o “ministério da morte” e da “condenação”, e
isso levou as mentes e os espíritos dos que estavam sob ela a um
espírito de servidão e escravidão; por outro lado, o efeito imediato
do Novo Testamento é a liberdade. E não há nada em que o Espírito
de Deus mais insista para nos mostrar a diferença entre essas duas
alianças do que nessa liberdade de uma, e na escravidão da outra
(Veja Romanos 8:15; 2 Coríntios 3:17; Gálatas 4:1-7, 24, 26, 30, 31;
Hebreus 2:14-15). Portanto, explicaremos um pouco mais sobre
isso. Para esse fim, a escravidão, que era o efeito da Antiga Aliança,
surgiu de várias causas que contribuíram para a sua efetivação: (1.)
A renovação dos termos e sanções do Pacto de Obras contribuiu
muito para isso. Pois as pessoas não enxergavam como os
mandamentos daquela aliança poderiam ser observados, nem como
sua maldição poderia ser evitada. Quero dizer que elas não viram
como poderiam fazer essas coisas por meio de algo que houvesse
na aliança do Sinai; e nisso portanto, essa aliança, “gerou filhos
para a servidão” (Gálatas 4:24). Toda a perspectiva que eles tinham
de se libertarem dela vinha a partir da promessa.
(2.) Surgiu a partir da maneira como a lei foi entregue, e foi por
essa razão que Deus entrou em aliança com eles. Essa aliança foi
ordenada com o propósito de enchê-los de pavor e medo. E ela não
podia deixar de fazer isso sempre que eles recordavam dela.
(3.) Surgiu a partir da severidade das penas anexadas à
transgressão da lei. E Deus os havia convencido que onde a
punição não fosse exigida de acordo com a lei, ele mesmo agiria e
os “extirparia”. Isso os mantinha sempre ansiosos e preocupados,
pois não sabiam quando estavam seguros ou protegidos.
(4.) Surgiu a partir da natureza de todo o ministério da lei, que
era o “ministério da morte” e da “condenação” (2 Coríntios 3:7, 9); o
qual declarou a punição de todo pecado com a morte, e denunciou a
morte a todo pecador; nem o ministério da lei administrava, por si
só, alívio para as mentes e consciências dos homens. Assim ele se
tornou a “letra que matou” os que estavam sob seu poder.
(5.) Surgiu a partir da escuridão de suas próprias mentes,
quanto aos meios, caminhos e causas de libertação de todas essas
coisas. É verdade que eles já haviam recebido uma promessa de
vida e salvação, que não foi abolida por essa aliança, nem mesmo
pela promessa feita a Abraão; mas isso não pertencia a essa
aliança, e o caminho de sua realização, pela encarnação e
mediação do Filho de Deus, estava muito obscuro para eles, sim, e
até mesmo para os próprios profetas que fizeram tais predições.
Isso os deixava sob grande escravidão. Porque a principal causa e
meio da liberdade dos crentes sob o Evangelho surge da luz clara
que eles têm sobre o mistério do amor e da graça de Deus em
Cristo. Esse conhecimento de e fé em sua encarnação, humilhação,
sofrimentos e sacrifícios, de acordo com os quais ele fez expiação
pelo pecado e operou uma justiça eterna, é o que lhes dá liberdade
e ousadia em obediência (2 Coríntios 3:17-18). Enquanto no
passado, o povo estava em escuridão, no que se refere a essas
coisas, eles necessariamente estavam mantidos sob grande
escravidão.
(6.) Isso era aumentado pelo jugo de uma multidão de leis,
ritos e cerimônias, impostos sobre eles; o que fazia de toda a sua
adoração um fardo insuportável para eles (Atos 15:10).
Através de todas essas formas um espírito de escravidão e
temor foi administrado a eles. E Deus lidou com eles desse modo
para que não descansassem naquele estado, mas continuamente
anelassem por libertação.
Por outro lado, a Nova Aliança dá liberdade e ousadia, a
liberdade e ousadia de filhos, a todos os crentes. É o Espírito do
Filho que nos liberta, ou nos dá universalmente toda a liberdade que
é de alguma forma necessária ou útil para nós. Pois “onde está o
Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2 Coríntios 3:17), ou seja, servir
a Deus “em novidade de espírito, e não na velhice da letra”
(Romanos 7:6). E é declarado que essa era a grande finalidade da
introdução da Nova Aliança, em cumprimento da promessa feita a
Abraão, a saber, “que, libertados da mão de nossos inimigos, o
servíssemos sem temor... todos os dias da nossa vida” (Lucas 1:74-
75, ARA). E podemos considerar brevemente no que essa libertação
e liberdade pela Nova Aliança consistem: (1.) Em nossa liberdade
do poder de comando da lei, à medida que exigia obediência sem
pecado e perfeita, a fim de obter retidão e justificação diante de
Deus. Seus comandos ainda estão válidos, mas não para a vida e
salvação; pois para esses fins estão cumpridos no e pelo Mediador
da Nova Aliança, que é “o fim da lei para justificar a todo aquele que
crê” (Romanos 10:4) (2.) Em nossa liberdade em relação ao poder
de condenação da lei, e a sanção dela na maldição. Isso foi sofrido
e suportado por aquele que foi “feito maldição por nós”, logo
estamos livres disso (Romanos 7:6; Gálatas 3:13, 14). E, nesse
aspecto, também somos “libertos do medo da morte” (Hebreus
2:15), enquanto uma penalidade e entrada em juízo ou condenação
(João 5:24) (3.) Em nossa liberdade de consciência quanto ao
pecado (Hebreus 10:2), isto é, a consciência inquieta, perturbada e
que condena; sendo os corações de todos os que creem
“purificados da má consciência” (Hebreus 10:22)” pelo sangue de
Cristo.
(4.) Em nossa liberdade de todo o sistema da adoração
mosaica, em todos os ritos, cerimônias e ordenanças dela; que os
apóstolos declaram ser um fardo (Atos 15), e nosso apóstolo faz o
mesmo amplamente em sua epístola aos Gálatas.
(5.) De todas as leis dos homens nas coisas referentes ao
culto a Deus (1 Coríntios 7:23).
E por todas esses e outros exemplos de liberdade espiritual, o
Evangelho livra os crentes daquele “espírito de escravidão e medo”
que era administrado sob a Antiga Aliança.
Resta apenas que apontemos aqueles caminhos de acordo
com os quais essa liberdade nos é comunicada sob a Nova Aliança.
Isso é feito: (1.) Principalmente pela concessão e comunicação do
Espírito do Filho como um Espírito de adoção, o Qual concede a
liberdade, ousadia e confiança de filhos (João 1:12; Romanos 8:15-
17; Gálatas 4:6, 7). A partir dessa passagem o apóstolo estabelece
como uma regra certa que, “onde está o Espírito do Senhor, aí há
liberdade” (2 Coríntios 3:17). Que os homens finjam o que quiserem,
que se gabem da liberdade de suas condições exteriores neste
mundo, e da liberdade interior ou liberdade de suas vontades, de
fato não existe liberdade verdadeira onde o Espírito de Deus não
está. Mas não me demorarei aqui para declarar os caminhos pelos
quais ele concede liberdade, poder, uma mente sã, ousadia
espiritual, coragem, o carregar da cruz, santa confiança diante de
Deus, prontidão para a obediência e crescimento da aplicação do
coração em deveres, com todas as outras coisas em que a
liberdade consiste, ou que de qualquer maneira pertencem a ela. O
mundo julga que não há escravidão, senão onde está o Espírito de
Deus; pois isso concede aquele temor prudente do pecado, aquele
temor de Deus em todos os nossos pensamentos, ações e
caminhos, aquele comportamento cuidadoso e vigilante, aquela
temperança nas coisas lícitas, aquela abstinência de toda a
aparência do mal, o que eles julgam ser a maior escravidão na terra.
Mas aqueles que o receberam sabem que o mundo inteiro jaz no
maligno e que todos aqueles para quem a liberdade espiritual é uma
servidão são os servos e escravos de Satanás.
(2.) Essa liberdade é obtida pela evidência de nossa
justificação diante de Deus e das causas dela. Os homens estavam
em trevas quanto a isso sob a primeira aliança, embora toda a paz
estável para com Deus dependesse disso; pois é no Evangelho que
“a justiça de Deus é revelada de fé em fé” (Romanos 1:17). De fato,
“a justiça de Deus, sem a lei, é testemunhada pela lei e pelos
profetas” (Romanos 3:21); ou seja, o testemunho é dado nas
instituições legais e nas promessas registradas nos profetas. Mas
essas coisas eram obscuras para eles, os quais deveriam buscar
discernir aquilo que dizia respeito a elas por detrás dos véus e
sombras dos sacerdotes e sacrifícios, oblações e expiações. Mas
nossa justificação diante de Deus, em todas as suas causas, sendo
agora totalmente revelada e manifesta, tem uma grande influência
em nossa liberdade espiritual e na ousadia.
(3.) Pela luz espiritual que é dada aos crentes no mistério de
Deus em Cristo. Isto o apóstolo afirma ter estado “oculto em Deus
desde o princípio do mundo” (Efésios 3:9). Foi ordenado e
preparado no conselho e sabedoria de Deus desde toda a
eternidade. Alguma indicação disso foi dada na primeira promessa,
e depois foi obscurecida por várias instituições legais; mas a
profundidade, a glória, a beleza e a plenitude disso estavam “ocultas
em Deus”, em sua mente e vontade, até que foram completamente
reveladas no Evangelho. Os santos sob o Antigo Testamento
acreditavam que seriam libertos pela Descendência prometida, que
seriam salvos por causa do Senhor, que o Anjo da aliança os
salvaria, sim, que o próprio Senhor viria ao seu templo; e
diligentemente inquiriram sobre “os sofrimentos que a Cristo haviam
de vir e a glória que se lhes havia de seguir”.[221] Mas tudo isso
enquanto os seus pensamentos e concepções estavam
extremamente no escuro quanto àquelas coisas gloriosas que são
esclarecidas na Nova Aliança, sobre a encarnação, mediação,
sofrimentos e sacrifício do Filho de Deus, sobre o caminho de Deus
em Cristo reconciliar o mundo conSigo mesmo. Ora, assim como a
escuridão gera temor, a luz gera liberdade.
(4.) Obtemos essa liberdade pela abertura do caminho para o
santo dos santos, e a entrada que temos por esse meio com
ousadia até o trono da graça. Sobre isso também o apóstolo insiste
peculiarmente em várias passagens de seus discursos seguintes,
como, por exemplo, o capítulo 9:8; 10:19-22, falaremos mais sobre
isso quando comentarmos essas passagens, se Deus permitir;
porque grande parte da liberdade do Novo Testamento consiste
nisso.
(5.) Por todas as ordenanças evangélicas de culto. Já
declaramos como as ordenanças de culto sob o Antigo Testamento
levavam o povo à escravidão; mas as ordenanças do Novo
Testamento, através da clareza de sua significação e de sua
conexão imediata com o Senhor Jesus Cristo, com seu uso e
eficácia para guiar os crentes em sua comunhão com Deus, em tudo
nos conduzem à liberdade evangélica. E a nossa liberdade é de tal
importância que quando os apóstolos consideraram necessário,
para evitar ofensa e escândalo, continuar a observância de uma ou
duas instituições legai tais como o abster-se de algumas coisas em
si mesmas são indiferentes, eles o fizeram apenas por um
momento, e declararam que era apenas para evitar escândalos que
eles permitiriam essa diminuição temporária da liberdade que nos foi
dada pelo Evangelho.
12. As duas alianças diferem grandemente com respeito à
dispensação e concessão do Espírito Santo. É certo que Deus
concedeu o dom do Espírito Santo sob o Antigo Testamento, e que
também concedeu as operações dele durante aquela época, como
tenho declarado[222] em outras ocasiões; mas não é menos certo
que sempre houve uma promessa de sua efusão mais distinta na
confirmação e estabelecimento da Nova Aliança. Para esse
propósito, veja em particular aquela grande promessa encontrada
em Joel 2:28-29, conforme aplicada e exposta pelo apóstolo Pedro
em Atos 2:16-18. Sim, tão escassa foi a comunicação do Espírito
Santo sob o Antigo Testamento, comparado com sua efusão sob o
Novo, que o evangelista afirma que “o Espírito Santo ainda não fora
dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado” (João 7:39), ou seja,
ele ainda não fora dado do modo como seria na confirmação da
Nova Aliança. E aqueles da igreja dos hebreus que haviam recebido
a doutrina de João afirmaram ainda que “nem sequer tinham ouvido
se havia algum Espírito Santo” (Atos 19:2), ou seja, qualquer dom e
comunicação dele como foi então proposto como o principal
privilégio do Evangelho. Tampouco isso diz respeito apenas à
abundante efusão dele em relação aqueles dons e operações
milagrosas pelos quais a doutrina e o estabelecimento da Nova
Aliança foram testemunhados e confirmados. No entanto, isso
também caracterizou uma diferença entre as duas alianças; pois a
primeira aliança foi confirmada por aparições e operações terríveis,
realizadas pelo ministério de anjos, mas a Nova pela operação
imediata do próprio Espírito Santo. Entretanto, essa diferença
consiste principalmente nisto: sob o Novo Testamento, o Espírito
Santo graciosamente condescendeu em exercer o ofício de
Consolador da igreja. Que esse privilégio indizível é peculiar ao
Novo Testamento, é evidente a partir de todas as promessas feitas
por nosso Salvador, referentes a ele ser enviado como um
Consolador por nosso Salvador (João 14-16); especialmente por
aquela em que ele assegura aos seus discípulos que “a menos que
ele fosse” (em cuja partida ele confirmou a Nova Aliança) o
Consolador não seria enviado para eles; mas, quando ele fosse, o
enviaria da parte do Pai (João 16:7). E a diferença entre as duas
alianças que resulta disso é inexprimível.
13. Elas diferem na declaração que fazem sobre o reino de
Deus. Agostinho observa que o próprio termo “reino dos céus” é
peculiar ao Novo Testamento. É verdade que Deus reinou em e
sobre a igreja sob o Antigo Testamento; mas seu governo era tal e
tinha uma relação com as coisas seculares, especialmente com
relação à terra de Canaã, e a condição próspera do povo a esse
respeito, como se tivesse a aparência de um reino deste mundo. E
assim era e deveria ser, pois consistia em império, poder, vitória,
riqueza e paz, os quais estavam tão profundamente fixados nas
mentes da maioria do povo, que os próprios discípulos de Cristo não
conseguiam se libertar dessa compreensão, até que o Novo
Testamento fosse totalmente estabelecido. Mas agora, no
Evangelho, a natureza do reino de Deus, onde ele está e em que
consiste, é clara e evidentemente declarada, para a consolação
indescritível dos crentes. Pois, embora agora seja conhecido e
experimentado como sendo interior, espiritual e celestial, aqueles
que têm participação nele possuem maiores benefícios por meio
dele — não obstante todas as aflições que possam sofrer neste
mundo — do que poderiam ter na mais plena posse de todos os
prazeres terrenos.
14. Elas diferem em sua substância e fim. A Antiga Aliança era
típica, repleta de sombras e removível (Hebreus 10:1). A Nova
Aliança é substancial e permanente, como contendo o corpo, que é
Cristo. Agora, considere a Antiga Aliança comparativamente à Nova,
e essa parte de sua natureza, que era típica e sombria, como sendo
uma grande degradação. Mas considere a Nova Aliança
absolutamente, e veremos que as coisas contidas nelas constituíam
a sua maior glória e excelência; pois só nessas coisas havia um
sinal e penhor do amor e da graça de Deus. Quanto àquelas coisas
que haviam na Antiga Aliança, mesmo enquanto elas constituíam
uma grande escravidão em seu uso e prática, eles continham muita
luz e graça em sua significação. Esse foi o desígnio de Deus em
todas as ordenanças de culto pertencentes àquela aliança, a saber,
tipificar, manifestar através de sombras e representar as coisas
celestiais e substanciais da Nova Aliança, ou o Senhor Jesus Cristo
e a obra de sua mediação. Foi assim com o tabernáculo, a arca, o
altar, os sacerdotes e os sacrifícios; e essa era a glória deles. No
entanto, quando comparados com a substância da Nova Aliança,
eles não possuem glória.
15. Elas diferem na extensão de sua administração, segundo a
vontade de Deus. A primeira foi confinada à descendência carnal de
Abraão, e para eles especialmente com relação à terra de Canaã
(Deuteronômio 5:3), com alguns poucos prosélitos que se uniram a
eles, e com a exclusão de todos os outros da participação dos seus
benefícios. E assim, embora o ministério pessoal de nosso próprio
Salvador, na pregação do Evangelho, tenha precedido a introdução
da Nova Aliança, ele foi confinado ao povo de Israel (Mateus 15:24).
E ele era o “ministro da circuncisão” (Romanos 15:8). Tais limites
estreitos tinham a administração dessa aliança afixada a ela pela
vontade e beneplácito de Deus (Salmos 147:19-20). Mas a
administração da Nova Aliança é estendida a todas as nações
debaixo do céu; nenhuma delas é excluída por conta de língua,
família, nação ou local de habitação. Todos têm igualmente
participação nesse Sol que raiou. O muro de separação está
derrubado e os portões da Nova Jerusalém estão abertos para
todos os que atendem ao convite do Evangelho. Isso é
frequentemente ressaltado na Escritura, veja Mateus 28:19; Marcos
16:15; João 11:51-52, 12:32; Atos 11:18, 17:30; Gálatas 5:6; Efésios
2:11-16, 3:8-10; Colossenses 3:10-11; 1 João 2:2; Apocalipse 5:9.
Esse é o grande privilégio dos pobres gentios errantes. Após eles
terem voluntariamente caído da comunhão com Deus, aprouve a
ele, em sua santidade e severidade, deixar todos os nossos
ancestrais por muitas gerações servirem e adorarem ao Diabo. E o
mistério da nossa restauração estava “oculto em Deus desde o
princípio do mundo” (Efésios 3:8-10). E embora fosse assim
profetizado, predito e prometido sob o Antigo Testamento, contudo,
tal era a soberba, a cegueira e a obstinação da maior parte da igreja
dos judeus, que a sua realização em grande parte se constituiu em
uma pedra de tropeço pelo qual eles caíram; sim, a grandeza e
glória desse mistério era tal que os próprios discípulos de Cristo não
o compreenderam, até que isso tivesse sido testificado a eles pelo
derramamento do Espírito Santo, a grande promessa da Nova
Aliança, sobre alguns desses miseráveis gentios (Atos 11:18).
16. Elas diferem em sua eficácia; pois a antiga aliança “nada
aperfeiçoou” (Hebreus 7:19), ela não poderia realizar nenhuma das
coisas que representava, nem introduzir aquele estado perfeito ou
completo que Deus havia projetado para a igreja. Não nos
prolongaremos aqui, pois já falamos sobre isso e já insistimos em
nossa exposição do capítulo anterior. Por fim, 17. Elas diferem em
sua duração: pois uma seria removida e a outra permaneceria para
sempre. Falaremos mais sobre isso nos versículos seguintes.
Pode ser que outras coisas de natureza semelhante possam
ser acrescentadas à essas que mencionamos sobre em que
consiste a diferença entre as duas alianças; mas essas diferenças
são suficientes para o nosso propósito. Pois alguns — quando
ouvem que o Pacto da Graça sempre foi um e o mesmo, da mesma
natureza e eficácia sob ambos os testamentos, que o caminho da
salvação por Cristo sempre foi o mesmo — estão prontos para
pensar que não havia tão grande diferença entre o estado deles e o
nosso como aqui é pretendido. Mas vemos que, nessa suposição,
aquela aliança na qual Deus colocou as pessoas no Sinai, e sob
cujo jugo elas deveriam permanecer até que a Nova Aliança fosse
estabelecida, tinha todas as desvantagens nas quais temos
insistindo. E aqueles que não compreendem quão excelentes e
gloriosos são aqueles privilégios que são acrescentados ao Pacto
da Graça, quanto à sua administração, pela introdução e
estabelecimento da Nova Aliança, não estão totalmente
familiarizados com a natureza das coisas espirituais e celestes.

Uma Resposta aos Socinianos

Resta ainda mais uma coisa que os socinianos nos dão


ocasião de falar a partir dessas palavras do apóstolo, a saber, que a
Nova Aliança é “estabelecida em melhores promessas”. Pois a partir
disso, eles concluem que não havia promessas de vida sob o Antigo
Testamento; o que, na sua totalidade, é uma opinião insensata e
embrutecida. Pois, 1. O apóstolo nessa passagem se refere apenas
àquelas promessas sobre as quais o Novo Testamento foi
legalmente ratificado e reduzido à forma de uma aliança; as quais
eram, como ele declara, as promessas de uma misericórdia especial
e perdoadora e de uma graça eficaz para a regeneração de nossas
naturezas. Mas é admitido que a outra aliança foi legalmente
estabelecida em promessas que diziam respeito à terra de Canaã.
Para esse fim, é admitido que, quanto às promessas de acordo com
as quais as alianças foram realmente estabelecidas, as promessas
da Nova Aliança eram melhores do que as da outra.
2. A Antiga Aliança continha expressamente uma promessa de
vida eterna: “Aquele que faz estas coisas, por elas viverá”. Isso, de
fato, dizia respeito a uma obediência perfeita, no entanto,
investigaremos mais sobre essa promessa depois.
3. As instituições de culto que pertenciam àquela aliança, todo
o ministério do tabernáculo, como representando as coisas
celestiais, continham a natureza de uma promessa; porque todos
esses direcionavam a igreja a buscar vida e salvação somente em
Jesus Cristo.
4. A questão não é: Que promessas são dadas na própria Lei
ou na Antiga Aliança formalmente considerada como tal? Mas, que
promessas tinham aqueles que viviam sob aquela aliança e que não
foram anuladas por ela? Pois, provamos suficientemente que o
acréscimo dessa aliança não aboliu nem substituiu a eficácia de
qualquer promessa que Deus tenha dado anteriormente à igreja. E
dizer que a primeira promessa, e a que foi dada a Abraão,
confirmada com o juramento de Deus, não eram promessas de vida
eterna, é subverter toda a Bíblia, tanto o Antigo quanto o Novo
Testamentos.

Décima Observação Prática


E podemos observar nos discursos anteriores que, embora um
estado da igreja tenha tido grandes vantagens e privilégios acima de
outro, contudo, não houve razão para se queixar quanto a nenhum
estado, enquanto eles observaram os termos que lhes eram
prescritos. Vimos em quantas coisas, as quais em sua maioria são
da mais alta importância, o estado da igreja sob a Nova Aliança
supera aquele estado da igreja sob a Antiga Aliança; no entanto, a
Nova Aliança era em si mesma um estado de graça e privilégio
indescritíveis. Pois, 1. A Nova Aliança foi e é um estado de relação
próxima com Deus, em virtude de um pacto. E quando
absolutamente toda a humanidade havia quebrado o Pacto com
Deus pelo pecado, para chamar qualquer um deles era necessária
uma nova relação pactual com ele mesmo, e isso aconteceu por um
ato de graça soberana e misericórdia. Nisso eles se distinguiam do
resto da humanidade, ao qual Deus permitiu andar em seus próprios
caminhos, e deixou vaguear em sua ignorância, e assim todos eles
pereceram enquanto andavam segundo suas imaginações tolas.
Uma grande parte do livro do Deuteronômio é projetada para
impressionar uma sensação disso nas mentes das pessoas. E é
sumariamente expressa pelo salmista (Salmos 147:19-20); e pelo
profeta: “Somos feitos como aqueles sobre quem tu nunca
dominaste, e como os que nunca se chamaram pelo teu nome”
(Isaías 33:19).
2. A Antiga Aliança de Deus era em si mesma santa, justa e
reta. Pois, embora houvesse nela uma imposição de várias coisas
penosas, elas eram como Deus considerou necessárias para esse
povo, em sua infinita sabedoria, de modo que eles não poderiam
existir sem que isso fosse assim. Portanto, em todas as ocasiões,
Deus os chama para julgarem se os seus caminhos para com eles
eram retos ou não. E para as pessoas com que foi feita, essa
aliança não foi apenas justa, mas foi acompanhada com promessas
de vantagens indescritíveis, as quais não foram dadas a outros
povos.
3. Deus lidou com eles de modo pactual, e para que exista
uma aliança é necessário haver o consentimento mútuo de todas as
partes; uma aliança lhe foi proposta para aceitação, e eles a
aceitaram voluntariamente (Êxodo 24; Deuteronômio 5) de modo
que não tinham do que reclamar.
4. Nesse estado de disciplina em que Deus se agradou de
coloca-los, eles desfrutaram do caminho da vida e da salvação
através da promessa; pois, como mostramos em geral, a promessa
não foi anulada pela introdução dessa aliança. Embora Deus
reservasse um estado melhor e mais completo para a igreja sob o
Novo Testamento, “provendo Deus alguma coisa melhor a nosso
respeito, para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados”
(Hebreus 11:40), ainda assim, aquele outro estado da igreja sob o
Antigo Testamento era em si mesmo bom, santo e suficiente para
levar todos os crentes a se deleitarem em Deus.

Décima Primeira Observação Prática

O estado do Evangelho, ou da igreja sob o Novo Testamento, é


acompanhado com os mais altos privilégios espirituais e vantagens
que são possíveis neste mundo. E duas coisas seguem a partir
disso: 1. A grande obrigação de que todos crentes possuem de
serem santos e frutíferos em sua obediência, para a glória de Deus.
Temos nisso a máxima condescendência da graça divina, e os
maiores efeitos dela que Deus comunicará deste lado da glória.
Aquilo para o que todas essas coisas tendem, e aquilo que Deus
requer e espera de nós nelas, é a obediência grata e frutífera
daqueles que são feitos participantes desses indescritíveis
privilégios e vantagens espirituais. E aqueles que não são sensíveis
a essa obrigação são estranhos a esses privilégios e vantagens, e
não são capazes de discernir as coisas espirituais, porque elas
devem ser discernidas espiritualmente.
2. A maldade dos pecados daqueles que negligenciam ou
desprezam essas Nova Aliança é, portanto, abundantemente
manifestada. O apóstolo afirma e insiste nisso particularmente em
Hebreus 2:2-3 e 10:28-29.
Capítulo 2
Exposição do versículo 7

A Necessidade de Uma Nova e Melhor Aliança

Porque, se aquela primeira [aliança] fora irrepreensível, nunca se


teria buscado lugar para a segunda .[223]
Nesse versículo, e assim também naqueles que seguem até o
final desse capítulo, o apóstolo intenciona confirmar aquilo que
anteriormente havia afirmado e se comprometido a provar, a saber,
que existe a necessidade de uma nova e melhor aliança,
acompanhada de melhores promessas e mais excelentes
ordenanças de adoração do que as da primeira. Diante disso,
segue-se que a primeira deveria ser anulada e abolida; e essa foi a
principal tese que ele teve que provar. E há duas partes de seu
argumento para esse propósito. Primeiramente o apóstolo prova que
na suposição de outra e melhor aliança a ser introduzida,
inevitavelmente se segue que a primeira deveria ser abolida, como
algo que não era perfeito, completo ou suficiente para o seu fim; e
isso ele faz nesse versículo. Em segundo lugar, ele prova que essa
nova e melhor aliança seria explicada nos versículos seguintes.
O que antes ele havia confirmado em vários casos
particulares, agora nesse versículo ele conclui resumidamente em
um único argumento geral, o qual se baseia em um princípio
geralmente reconhecido. O argumento é este: “Todos os privilégios,
todos os benefícios e vantagens do sacerdócio e sacrifícios
araônicos, pertencem à aliança a que foram anexados, a parte
principal daquela administração exterior consistiu neles”. Os
hebreus não poderiam sequer questionar isso. Tudo o que eles
reivindicavam, a única escritura e termo de posse de todos os seus
privilégios, era a aliança que Deus fez com seus pais no Sinai. Para
esse fim, aquele sacerdócio, aqueles sacrifícios e toda a adoração
pertencente ao tabernáculo ou templo, seriam necessariamente
proporcionais àquela aliança. Enquanto essa aliança continuasse,
eles deveriam continuar; e se essa aliança cessasse, eles também
cessariam. Havia uma concordância entre o apóstolo e os hebreus
no que diz respeito a essas coisas.
Em relação a isso, ele conclui: “Mas há menção de uma outra
aliança a ser feita com toda a igreja, e a ser introduzida muito depois
da realização daquela que foi feita no Sinai”. Isso também não
poderia ser negado pelos hebreus. No entanto, para evitar qualquer
controvérsia, o apóstolo prova isso por um testemunho do profeta
Jeremias. Nesse testemunho, é peculiarmente declarado que essa
nova aliança, que foi prometida ser introduzida “nos últimos dias”,
deveria ser melhor e mais excelente do que a primeira, como é
manifesto a partir das promessas sobre as quais ela é estabelecida;
contudo, nesse versículo, o apóstolo não vai além, mas apenas
considera de modo geral a promessa de Deus de fazer outra aliança
com a igreja, e então seguiu argumentando com base nessa razão.
A partir dessa suposição, o apóstolo prova que a primeira
aliança é imperfeita, destrutível e removível. E a força de sua
inferência depende de uma noção comum ou presunção, que é clara
e evidente por si, e consiste nisto: Quando determinada vez uma
aliança é feita e estabelecida, se ela vier a servir para e efetuar tudo
que aquele que a fez designou, e exibir todo o bem que ele
pretendia comunicar, então não há razão para que outra aliança seja
feita. A criação de uma nova aliança para nenhum outro fim ou
propósito, senão aqueles mesmos para os quais a antiga aliança já
era completamente suficiente, é algo que sugere frivolidade e
mutabilidade naquele que o fez. Para esse propósito, ele
argumenta: “Se fosse dada uma lei que pudesse vivificar, a justiça,
na verdade, teria sido pela lei” (Gálatas 3:21). Se a primeira aliança
tivesse aperfeiçoado e consagrado a igreja, então ela poderia ter
comunicado toda a graça e misericórdia que Deus intentou conceder
aos filhos dos homens, e assim o sábio e santo autor dessa aliança
não teria pensado na introdução e estabelecimento de outra aliança.
Isso não teria sido coerente com a sua infinita sabedoria e
fidelidade. Portanto, a promessa de uma outra aliança prova
irrefutavelmente que tanto a primeira aliança quanto todos os
serviços dela eram imperfeitos e, portanto, deveriam ser removidos
e abolidos.
De fato, essa promessa de uma Nova Aliança, diferente
daquela que foi feita no Sinai, ou não igual a ela, como o profeta
fala, é suficiente para aniquilar os pretextos vãos dos judeus nos
quais eles estão endurecidos até hoje. A perpetuidade absoluta da
lei e de sua adoração, isto é, da aliança no Sinai, é o principal artigo
fundamental de sua fé atual, ou, antes, de sua descrença. Mas isso
é apresentado por eles em oposição direta às promessas de Deus.
A promessa de uma Nova Aliança exige deles que creiam que Deus
fará outra aliança com a igreja, não segundo a aliança que fez com
seus pais no Sinai. Se eles disserem que não creem, então
renunciam claramente aos profetas e às promessas de Deus dadas
por intermédio deles. Se eles admitirem isso, eu desejo saber deles
com que sacrifícios essa Nova Aliança será estabelecida; com qual
sacerdote e com que culto será administrada. Se eles disserem que
isso será feito pelos sacrifícios, sacerdotes e adoração da lei, eles
negam o que haviam admitido antes, a saber, que essa é uma outra
e nova aliança; pois os sacrifícios e os sacerdotes da lei não podem
confirmar ou administrar qualquer outra aliança, senão aquela à qual
eles pertencem e estão confinados. Se for admitido que essa Nova
Aliança deve ter um novo mediador, um novo sacerdote, um novo
sacrifício, como é inegável que deve, ou então não poderia ser uma
nova aliança, então a Antiga Aliança deve cessar e ser abolida, para
que essa possa tomar o seu lugar. Nada além de obstinação e
cegueira pode resistir à força desse argumento do apóstolo.
Após o propósito geral do apóstolo nesse versículo ser
explicado, podemos passar a considerar as palavras mais
especificamente. E há duas coisas nelas: 1. Uma afirmação positiva,
incluída em uma suposição: “Se aquela primeira [aliança] fora
irrepreensível”, não teria sido defeituosa, como de fato o foi. 2. A
prova desta afirmação: “Se não fosse assim, nunca se teria buscado
lugar para a segunda”, o que realmente aconteceu, e ele prova isso
nos versículos seguintes.

Uma Afirmação Positiva

Na primeira parte das palavras existe: (1.) Uma conjunção


causal, traduzindo uma razão: “porque”; (2.) O assunto é: “Aquela
primeira aliança”; (3.) O que é afirmado a respeito dela, como a
afirmação é incluída em uma suposição negativa: ela não foi
irrepreensível, não é irrepreensível: (1.) A conjunção, γάρ , “porque”,
mostra que o apóstolo pretende a confirmação do discurso que tinha
feito anteriormente. Mas ele parece não se referir apenas ao que
havia dito antes sobre as melhores promessas do Novo Testamento,
mas a todo o argumento que tinha tratado. Através da
argumentação geral sobre a qual insiste aqui, ele prova tudo o que
tinha dito antes a respeito da imperfeição do sacerdócio levítico e de
toda a adoração da primeira aliança.
(2.) O assunto mencionado é ἡ π ρώτη ἐκείν η , “aquela
primeira”, isto é, π ροτέρα διαθήκη , aquela “primeira aliança”, a
aliança feita com os pais no Sinai, incluindo todas as ordenanças de
culto a ela pertencentes, cuja natureza e uso já declaramos.
(3.) Está escrito: εἰ ἄμεμ π τος η῏ν . A Vulgata Latina traduz
isso como: “Si culpâ vacasset”. E nós traduzimos assim: “Se ela
tivesse sido sem falhas”. Eu tenho certeza que a expressão é um
tanto quanto dura demais em nossa tradução, algo que não se
adequa à palavra original, ou pelo menos algo que a palavra original
não requer. Pois parece insinuar que havia algo de absolutamente
defeituoso ou repreensível na aliança de Deus. Mas isso não deve
ser admitido. Pois, além disso, o autor dela, que era o próprio Deus,
a isentou de qualquer acusação, ao declarar em toda parte da
Escritura que ela é “santa, justa e boa”. Existe, de fato, a indicação
de um defeito nela; mas isso não diz respeito ao seu próprio fim
particular, mas a outro fim geral, para o qual não ela não foi
designada. Aquilo que é defeituoso em relação ao seu próprio fim
particular para o qual é ordenado, ou que é projetado para realizar, é
realmente defeituoso; mas aquilo que é ou pode ser assim em
relação a algum outro fim geral, que nunca foi projetado para
realizar, não é defeituoso em si mesmo. O apóstolo discursa a
respeito disso em Gálatas 3:19-22. Devemos, portanto, declarar o
significado da palavra com referência ao assunto que ele trata nesse
lugar, a saber, a perfeição e consumação ou a santificação e
salvação da igreja. Com relação a isso é que ele afirma a
insuficiência e a imperfeição da primeira aliança. E a questão entre
ele e os hebreus não era se a primeira aliança não era em si mesma
santa, justa, boa e irrepreensível, completamente perfeita em
relação aos seus próprios fins especiais; mas sim se ela era perfeita
e eficaz para os fins gerais mencionados. E para isso ela não foi, diz
o apóstolo; e ele prova isso de forma inegável a partir da promessa
de introdução de outra aliança geral para a realização daqueles fins
gerais. Embora, nem por isso ela seja ἄμεμ π τος , ou tenha alguma
falha ou vício acompanhando qualquer coisa e aderindo a ela, de
acordo com o qual ela seja inadequada ou insuficiente para seu
próprio fim particular; ou é aquilo ao qual falta algo com relação a
outro fim geral que é muito desejável, mas que nunca foi projetado
para realizar; como a arte da aritmética, que se for perfeitamente
ensinada, é suficiente para instruir um homem em toda a ciência dos
números; mas se não for, é defeituosa quanto ao seu fim particular;
mas de maneira alguma a aritmética é suficiente para o fim geral de
fazer um homem sábio em todas áreas da sabedoria, pois isso está
longe de ser o seu fim particular, mesmo que ela seja o mais perfeita
possível em sua própria área; é apenas no último sentido que o
apóstolo afirma que a primeira aliança não era “ ἄμεμ π τος ” ou
“irrepreensível”. Se aquela aliança tivesse sido tal que nada mais
era perfeitamente requerido ou necessário para completar e
santificar a igreja, que era o fim geral que Deus intencionava, ela
tinha sido absolutamente perfeita. Mas ela não o foi, na medida em
que nunca foi projetada para ser um meio para esse fim. O apóstolo
argumento com o mesmo propósito em Hebreus 7:11 e 19. E com
relação a esse fim, é dito que “a lei era enferma” (Romanos 8:3;
Gálatas 3:21; Atos 13:38-39).
Em resumo, aquilo que o apóstolo pretende provar é que a
primeira aliança era de tal constituição, que não poderia realizar a
perfeita administração da graça de Deus à igreja, nem jamais foi
designada para esse fim; como os judeus daquele tempo falsamente
imaginavam que fosse, e sua posteridade tolamente continua a
imaginar.

A Prova desta Afirmação

As palavras que se seguem nesse versículo incluem a prova


geral de sua afirmação a respeito da insuficiência da primeira
aliança para alcançar os fins de Deus em relação à igreja: οὐκ ἃ ν
δευτέρας ἐζητεῖτο τό π ος .[224] Seu argumento é claramente o
seguinte: “A promessa de uma nova aliança prova inevitavelmente a
insuficiência da primeira, pelo menos em relação aos fins para os
quais a nova é prometida. Se não é assim, para que fim serve a
promessa, e a aliança prometida?”. Mas há alguma dificuldade no
modo como isso é expresso: “Não havia sido buscado lugar para a
segunda”, é assim que as palavras estão no original. Mas “o lugar
da segunda” não é outra coisa senão “a segunda tomando lugar”,
isto é, o anúncio, a introdução e o estabelecimento dela. E isso é
dito ser “buscado”; mas impropriamente, e de acordo com o modo
de falar dos homens. Quando os homens fazem uma aliança que se
revela insuficiente para algum fim que almejam, eles se aconselham
e buscam outras formas e meios, ou buscam um acordo e pacto em
outros termos que possam ser eficazes para o seu propósito. Para
esse fim, isso não significa nenhuma alteração e nem qualquer
defeito na sabedoria e no conselho de Deus quanto ao que deve ser
feito agora, mas apenas significa a mudança externa que ele agora
efetuaria ao introduzir a Nova Aliança. Pois assim como tais
mudanças entre os homens acontecem devido a mudança de
mentalidade, e o efeito de novos conselhos para a busca de novos
meios para alcançar o seu fim, assim também acontece com essa
mudança exterior, na remoção da Antiga Aliança e introdução da
Nova, representada em Deus; sendo apenas a segunda parte de
seu conselho ou propósito “que ele propôs em si mesmo antes da
fundação do mundo”.[225] E, portanto, podemos observar:
Primeira Observação Prática

Seja o que for que Deus tenha feito anteriormente para a


igreja, ainda assim ele não cessou, em sua sabedoria e graça, até
tê-la tornado participante de uma melhor e mais abençoada
condição que é possível neste mundo. Ele encontrou lugar para
essa melhor aliança.

Segunda Observação Prática

Que aqueles a quem os termos da Nova Aliança são propostos


no Evangelho, cuidem de si mesmos para que sinceramente os
abracem e perseverem neles; pois não há promessa nem esperança
de qualquer administração de graça adicional ou mais completa.
Capítulo 3
Exposição do Versículo 8

A Nova Aliança

Porque, repreendendo-os, [queixando-se deles,] lhes diz: Eis


que virão dias, diz o Senhor, em que com a casa de Israel e com
a casa de Judá estabelecerei [quando eu farei] uma nova
aliança.[226]
Nesse versículo o apóstolo passa a provar o argumento que
estabeleceu anteriormente. Seu argumento foi que a primeira
aliança não era ἄμεμ π τος , “irrepreensível”, ou totalmente
suficiente para o fim geral de Deus; porque havia espaço para a
introdução de outra aliança, a qual foi feita para ser apropriada a
esse fim geral.
Com base no testemunho do profeta, o apóstolo faz duas
declarações acerca dessa aliança que estava para ser introduzida:
1. Sua qualificação, ou seu complemento especial; ela era “nova” (v.
8). 2. Uma descrição dela: (1.) Uma descrição negativa, em
comparação com a Antiga (v. 9). (2.) e uma descrição positiva, em
sua natureza e propriedades efetivas (vv. 10-12). De tudo isso ele
conclui o que estava buscando provar, reforçado com uma nova
consideração que a confirmava (v. 13), isso é o resumo da última
parte desse capítulo.
Há duas partes gerais nesse versículo: 1. A introdução do
testemunho, que deveria ser implementado em sua devida ocasião,
como expressado pelo apóstolo. 2. O próprio testemunho em que
ele insiste.
A Introdução do Testemunho

A primeira é feita com estas palavras: “Porque, repreendendo-


os, lhes diz”.[227] Aqui temos: 1. A nota de conexão; 2. O
fundamento sobre o qual o testemunho é construído; 3. O
verdadeiro significado das palavras a serem consideradas.

Sua Conexão

Existe a conjunção causal, γάρ , “porque”, que faz a conexão


com o versículo anterior. Aquilo que é intencionado é a confirmação
do argumento anterior. Essa é a prova da afirmação, foi buscado
lugar para outra aliança, o que evidenciou a insuficiência da
primeira, “porque...”, e ele indica que a razão não se refere às
palavras pelas quais isso está unido, “repreendendo-os”, mas se
refere àquelas palavras que vêm em seguida, “lhes diz”: “Porque…
lhes diz: Eis que virão dias”, o que prova diretamente o que ele
havia afirmado.

Seu Fundamento

O fundamento disso é indicado a partir do que é afirmado no


seguinte testemunho. Pois a Nova Aliança não deveria ser
introduzida absolutamente, sem a consideração de qualquer coisa
anterior, mas porque a primeira não era, ἄμεμ π τος ou
“irrepreensível”. Portanto, o apóstolo mostra que Deus a introduziu
como uma forma de repreensão. Ele fez isso para “repreendê-los”,
por “encontrar culpa neles”.

Seu Verdadeiro Significado

Essas palavras podem ser distinguidas e lidas de modos


diferentes. Pois, (1.) Colocando a nota de distinção assim,
΄εμφόμενος γὰρ , αὐτοῖς λέγει , o sentido é: “Porque encontrando
culpa”, queixando-se deles, culpando-lhes, “ele diz para eles”; de
modo que a expressão μεμφόμενος , “encontrar culpa”, faz
referência à própria aliança. Piscator[228] foi o primeiro que conheço,
que distinguiu as palavras desse modo; ele é seguido por
Schlichtingius e outros. Mas, (2.) Coloque a nota de distinção em
αὐτοῖς , como é feito pela maioria dos intérpretes e expositores, e
então o sentido das palavras é corretamente expresso em nossa
tradução em inglês, “Porque encontrando culpa neles” (isto é, com o
povo) “ele diz”. E αὐτοῖς pode ser regulado tanto por μεμφόμενος
quanto por λέγει .
As razões para fixar a distinção em primeiro lugar são: (1.)
Porque μεμφόμενος , “encontrando culpa”, corresponde diretamente
a οὐκ ἄμεμ π τος , não foi “irrepreensível” (v. 7). E isso contém a
verdadeira razão pela qual a Nova Aliança foi introduzida. E, (2.)
não foi a queixa de Deus em relação ao povo que de algum modo
tornou-se a causa da introdução da Nova Aliança, mas sua queixa
em relação à própria Antiga Aliança, que era insuficiente para
santificar e salvar a igreja.
Mas essas razões parecem não ter força para mudar a
interpretação usual das palavras, pois, (1.) Embora a primeira
aliança não fosse perfeita em todos os seus aspectos em relação ao
fim geral de Deus para com sua igreja, ainda assim pode não ser
tão seguro dizer que Deus se queixou dela. Quando coisas ou
pessoas mudam o estado e a condição em que foram feitas ou
designadas por Deus, ele pode queixar-se delas, e fazer isso
justamente. Assim, quando o homem encheu o mundo de
iniquidade, é dito que “arrependeu-se o Senhor de haver feito o
homem sobre a terra”.[229] Mas quando elas permanecem
inalteradas no estado em que foram feitas por Deus, então ele não
tem razão para queixar-Se delas. E assim foi com a primeira
aliança. Assim, nosso apóstolo disputa acerca da lei e argumenta
que toda a fraqueza e imperfeição dela provém do pecado, portanto
não havia motivo para queixar-se da lei, que em si mesma era
santa, justa e boa.[230]
(2.) Deus, nessa passagem, na verdade queixa-Se do povo, a
saber, que eles “quebraram a sua aliança”; e expressa sua
indignação por causa disso: “Eu para eles não atentei, diz o Senhor”
(v. 9). Mas não há nessa passagem, nem em todo o seu contexto,
nem na profecia aqui citada e nem em qualquer outro lugar da
Escritura qualquer palavra de queixa contra a aliança em si mesma,
embora que aqui seja indicada a sua imperfeição para alcançar o
fim geral do aperfeiçoamento da igreja.
(3.) Existe um remédio especial expresso nessa passagem
contra o mal do qual Deus Se queixa, ou a respeito do qual encontra
culpa no povo, esse mal foi: “Não permaneceram naquela minha
aliança” (v. 9). Então o remédio contra esse mal é expressamente
provido na promessa dessa Nova Aliança (v. 10). Para esse fim, (4.)
Deus faz essa promessa de uma Nova Aliança junto com uma
queixa contra o povo, e isso pode ser conhecido por ser um efeito
de graça livre e soberana. Não havia nada no povo que pudesse
obter tal promessa, ou que os qualificasse para ela, exceto o fato de
haverem quebrado perversamente a primeira aliança. E podemos,
portanto, observar,
Primeira Observação Prática

Muitas vezes Deus tem uma causa justa para queixar-Se de


seu povo, mesmo quando ele não os rejeitará totalmente. A igreja
tem vivido em todos os tempos apenas por causa de sua mera
misericórdia e graça; mas em alguns períodos, quando cai sob
grandes provocações, ela é advertida.

Segunda Observação Prática

É dever da igreja tomar conhecimento profundo das queixas de


Deus em relação a ela. Isso, de fato, não está no texto, mas não
deve ser ignorado nessa ocasião em que é mencionada a queixa de
Deus de “encontrar culpa neles”. E Deus não encontra culpa
somente quando ele fala imediatamente por novas revelações,
como nosso Senhor Jesus Cristo encontrou falhas e repreendeu
suas igrejas na revelação feita ao apóstolo João; mas ele faz isso
continuamente, pela regra da Palavra. E é dever especial de todas
as igrejas, e de todos os crentes, atentarem diligentemente para
aquilo que Deus repreende, em sua Palavra, e ficarem
profundamente impressionados com isso, na medida em que eles se
encontram culpados. A falta disso é que colocou a maioria das
igrejas no mundo sob uma segurança fatal. Por isso eles dizem,
pensam ou se comportam como se fossem “ricos, abastados e de
nada tendo falta”, quando, na verdade, “eles são desgraçados,
miseráveis, pobres, cegos e nus”.[231] Considerar acerca do que
Deus nos repreende, e comover nossas almas com um senso de
culpa é a essência do “tremer da sua palavra”,[232] que ele aprova. E
toda igreja que pretende andar com Deus para a sua glória deve ser
diligente nesse dever. E para guiá-los nisso, eles devem considerar
cuidadosamente: 1. Os tempos e as épocas que vivem. Deus
conduz sua igreja através de uma variedade de tempos; e em todos
eles Deus requer deveres especiais deles, deveres pelos quais ele
será glorificado em cada um deles. Se eles são falhos nisso, é aí
então que Deus grandemente os culpa e repreende. A fidelidade
para com Deus em sua geração, isso é, fidelidade nos deveres
especiais e específicos dos tempos e épocas em que viveram, é o
motivo pelo qual Noé, Daniel e outros homens santos são
recomendados. Assim, há tempos de grande abundância de
iniquidades no mundo; tempos de grande apostasia da verdade e da
santidade; tempos de julgamento e de misericórdia, de perseguição
e tranquilidade. Em todos esses e assim por diante, Deus requer
deveres especiais da igreja, sobre os quais o seu ser glorificado
neles depende muito. Se eles falham aqui, se não são fiéis quanto
ao seu dever especial, Deus em sua palavra encontra culpa neles, e
os coloca sob repreensão. E como muita sabedoria é necessária
para a realização desse dever, então eu não julgo que qualquer
igreja possa cumprir seu dever de qualquer modo agradável sem
que faça uma consideração apropriada disso. Pois a observação
apropriada dos tempos e das épocas, e a aplicação de nós mesmos
aos deveres requeridos por Deus em cada um desses períodos, é a
essência do testemunho que devemos acerca de Deus e do
Evangelho em nossa geração. Aquela igreja que não considera seu
dever especial nos dias em que vivemos, está profundamente
adormecida; e podemos duvidar se, quando for acordada, ela
encontrará óleo em sua vasilha ou não.
2. As tentações que são prevalentes e a que inevitavelmente
estamos expostos. Cada era e tempo tem suas tentações
específicas; e é a vontade de Deus que a igreja seja provada com
elas e por elas. É fácil provar que em que grandes trevas e
ignorância os homens estão, ao não discernirem ou negligenciarem
as tentações específicas da época em que viveram, e isso tem sido
continuamente as grandes causas e os meios da apostasia da
igreja. Foi por esse meio que prevaleceu a superstição em uma era,
e a profanação em outra, bem como opiniões falsas e nocivas em
uma terceira. Agora, não há nada que Deus requeira mais
estritamente de nós, do que estarmos vigilantes contra as atuais
tentações mais comuns; e ele nos acusa de culpa, quando não
agimos assim. E aqueles que não estão atentos contra as tentações
que hoje prevalecem no mundo estão muito longe de andar de
modo agradável perante a face de Deus. E várias outras coisas
semelhantes podem ser mencionadas para o mesmo propósito.
Terceira Observação Prática

Deus muitas vezes surpreende a igreja com promessas de


graça e misericórdia. Nessa passagem — onde Deus reclama do
povo, encontra defeitos neles, os acusa de não permanecerem em
sua aliança e declara que, no que diz respeito a algo neles mesmos,
ele “para eles não atentou” — pode ser facilmente esperado que ele
iria agir de modo a lançá-los fora e rejeitá-los totalmente. Mas, em
vez disso, Deus os surpreende, por assim dizer, com a mais
eminente promessa de graça e misericórdia que já foi ou que
poderia ser feita a eles. Então ele fez promessas como as que
encontramos em Isaías 7:13-14 e 57:17-19. E Deus fará isso, 1.
Para que ele possa glorificar as riquezas e a liberdade de sua graça.
Esse é o seu fim principal em todas as suas dispensações para com
a sua igreja. E como as riquezas e a liberdade de sua graça podem
se tornar mais evidentes do que ao serem exercidas quando um
povo está tão longe de qualquer aparência de mérito, visto que
Deus declara em seu julgamento que eles merecem o seu maior
desprazer?
2. Para que em nenhum momento alguém que tenha o mínimo
de sinceridade e desejo de temer o nome de Deus venha a
desfalecer e desanimar, mesmo quando estiver enfrentando muitas
coisas desencorajadoras. Deus pode agir, e frequentemente age, de
acordo com sua graça soberana, para o refrigério dos pecadores
mais abatidos. Entretanto, devemos prosseguir com nossa
exposição.

O Próprio Testemunho

A segunda observação contida nesse versículo é o próprio


testemunho em que ele insiste. E há no testemunho: 1. O autor da
promessa declarada nele, “[Ele] lhes diz”, e depois, “Diz o Senhor”.
2. A introdução feita pelo uso do advérbio que indica a coisa
pretendida, “Eis”. 3. O tempo da realização do que é aqui predito e
aqui prometido, “Virão dias.” 4. A coisa prometida é “uma aliança”,
em relação a qual é demonstrado: (1.) Aquele que a faz, “Eu”, “Eu
estabelecerei”; (2.) Aqueles com quem ela é feita, “a casa de Israel
e com a casa de Judá” (3). A maneira de fazer, συντελέσω ; (4.) A
sua propriedade é que ela é “uma nova aliança”.

O Autor da Promessa

Aquele que dá esse testemunho está incluído na palavra λέγει ,


“lhes diz”, “repreendendo-os, lhes diz”. Aquele que se queixa do
povo por quebrar a Antiga Aliança, é o mesmo que promete fazer a
Nova. Assim, no versículo seguinte, é declarado: “Diz o Senhor”. O
ministério do profeta foi usado para declarar essas palavras e
coisas, mas elas são propriamente as palavras de alguém que falou
por inspiração imediata.

Quarta Observação Prática

“Lhes diz”, isto é, ‫ְהו ה‬


ֹ ָ ‫נְ אֻ ם י‬, diz o Senhor, ele é o objeto formal
de nossa fé e obediência. A ele eles devem buscar e a ele devem se
submeter, e a mais nenhum outro. Todos os outros fundamentos de
fé, tais como: “Assim diz o papa”, ou: “Assim diz a igreja”, ou: “Assim
disseram os nossos antepassados”, nada mais são do que delírios.
“Assim diz o SENHOR” é que dá descanso e paz.

A Nota da Introdução
Temos a nota de introdução, que busca chamar nossa tenção:
‫ה ֵנּ ה‬,
ִ ᾿ιδού , “Eis”. Esse advérbio sempre é usado para denotar algo
eminente, seja em si mesmo ou naquelas expressões a que serve
de prefácio. Pois a palavra exige uma diligência maior do que a que
prestamos quando consideramos e atentamos para o que é
proposto. E isso foi necessário para indicar essa promessa, pois o
povo para quem ela foi dada muito dificilmente seria dissuadido de
seu apego à Antiga Aliança, que era inconsistente com a aliança
que agora era prometida. E parece haver algo mais que é indicado
nessa palavra do que um chamado a que prestemos uma atenção
especial, a saber, que a coisa de que se fala é claramente proposta
a eles, de modo que eles possam olhar para ela, e contemplá-la
clara e prontamente. E assim essa Nova Aliança é aqui proposta de
modo tão evidente e claro, tanto em toda a sua natureza quanto em
suas propriedades, que a menos que os homens voluntariamente
desviem seus olhos, eles não podem deixar de vê-la.

Quinta Observação Prática

Onde Deus coloca uma nota de observação e atenção,


devemos fixar cuidadosamente nossa fé e consideração. Deus não
estabelece nenhuma de suas marcas em vão. E se, na primeira vez
que olhamos para qualquer lugar ou coisa assim sinalizada, não
conseguirmos discernir a evidência disso, então temos uma ocasião
suficiente para prestarmos maior diligência em nossa investigação.
E se não estivermos em falta com nosso dever, descobriremos
alguma evidência especial da excelência divina em cada coisa ou
lugar.

Sexta Observação Prática


O conteúdo e os aspectos da Nova Aliança são os maiores
objetos do melhor das nossas considerações. E como tais, eles são
aqui propostos; e o que é falado acerca da natureza dessa aliança
no versículo seguinte é suficiente para confirmar essa observação.

O Tempo da Realização

O tempo é prefixado para a realização dessa promessa: ‫ִמי ם‬


‫בָּ ִאי ם‬, ἡμέραι ἔρχονται , “virão dias”. “Conhecidas são a Deus, desde
o princípio do mundo, todas as suas obras”;[233] e ele determinou os
tempos em que elas serão realizadas. Quanto aos tempos ou
épocas específicas de suas obras, enquanto são futuras, ele os
reservou para si mesmo, a menos que tenha visto algo de bom em
fazer alguma revelação especial deles. Assim ele fez acerca do
tempo de permanência dos filhos de Israel no Egito (Gênesis 15:13);
do cativeiro babilônico e da vinda do Messias após o retorno do
povo (Daniel 9). Mas a partir da entrega da primeira promessa, na
qual foi estabelecido o fundamento da igreja, a realização dela é
frequentemente chamada de “os últimos dias” (Veja minha
exposição sobre o capítulo 1:1-2). Portanto, sob o Antigo
Testamento, os dias do Messias foram chamados de “o mundo
vindouro”, como mostramos (exposição do capítulo 2:5). E isso foi
uma perífrase[234] dele, ele era ὁ ἐρχόμενος , “aquele que havia de
vir” (Mateus 11:3). E a fé da igreja foi exercida principalmente na
expectativa de sua vinda. E é esse tempo que é aqui intencionado.
E a expressão no original está no presente do indicativo, ἡμέραι
ἔρχονται , do hebraico, ‫י ִָמי ם בָּ ִאי ם‬, “virão dias”; não os dias que
virão, mas “os dias virão”. E duas coisas são denotadas por esse
meio: (1.) A rápida aproximação dos dias referidos. O tempo agora
estava se abreviando, e a igreja deveria ser despertada para a
expectativa disso, e isso com sinceros desejos e orações pela
chegada desse tempo, no que consistia a parte mais aceitável da
adoração a Deus sob o Antigo Testamento.
(2.) Uma certeza dessa coisa em si era por esse meio fixada
em suas mentes. Que grandes expectativas eles tinham, e agora
precisavam de uma nova segurança, especialmente considerando o
julgamento pelo qual estavam passando no cativeiro babilônico; pois
o fato de toda a nação ter sido entregue ao cativeiro parecia uma
ameaça de que a promessa falharia. Então, a maneira como isso foi
expresso é adequada para confirmar a fé daqueles que eram
verdadeiros crentes entre eles, mas nutriam tais temores. No
entanto, devemos observar que, desde a entrega dessa promessa
até a realização dela, se passaram quase seiscentos anos. E, no
entanto, cerca de noventa anos depois, o profeta Malaquias, falando
do mesmo tempo, afirma: “E de repente virá ao seu templo o
Senhor, a quem vós buscais” (Malaquias 3:1).

Sétima Observação Prática

Há um tempo limitado e fixo para a realização de todas as


promessas de Deus e de todos os propósitos de sua graça para
com a igreja (Veja Habacuque 2:3-4). E a consideração disso é
muito necessária para os crentes em todas as eras: (1.) Para
guardar seus corações do desânimo, quando surgem dificuldades
que militam contra o cumprimento da promessa e parecem torná-la
impossível. A falta disso desviou muitos de Deus e fez com que eles
lançassem sua sorte e porção com o mundo. (2.) Para preservá-los
de buscarem quaisquer formas ilegítimas para promoverem o
cumprimento da promessa. (3.) Para ensiná-los a buscar
diligentemente a sabedoria de Deus que dispôs tempos e épocas
para sua própria glória e para a provação e benefício real da igreja.

A Coisa Prometida
O tema da promessa é uma “aliança”, ‫בּ ִרי ת‬. ְ A Septuaginta
traduz esse termo hebraico por διαθήκη , “um testamento”. E isso é
mais apropriado nesse lugar do que “uma aliança”. Pois se
tomarmos “aliança” em um sentido estrito e próprio, isso de fato não
pode existir entre Deus e homem. Pois uma aliança, estritamente
falando, deve proceder em termos iguais e sobre uma consideração
proporcional de ambos os lados; mas a aliança de Deus é baseada
na graça e consiste essencialmente em uma promessa livre e
imerecida. E, portanto, ‫בּ ִרי ת‬,
ְ “aliança”, nunca é mencionada como
existindo entre Deus e o homem, mas da parte de Deus consiste em
uma promessa gratuita, ou um testamento. E “um testamento”, que
é o próprio significado da palavra aqui usada pelo apóstolo, é
adequado para esse lugar, e nenhum outro. Pois, (1.) Tal aliança é
tanto intencionada como ratificada e confirmada pela morte daquele
que a faz. E isso é propriamente um testamento, pois essa aliança
foi confirmada pela morte de Cristo, e isso foi feito tanto através da
morte do testador quanto foi acompanhada com o sangue de um
sacrifício; dos quais devemos tratar depois, se Deus quiser.
(2.) É uma aliança em que o pactuante, aquele que a faz, lega
seus bens a outros em forma de herança, e foi isso que Cristo fez
nessa aliança, como também devemos declarar depois. Para esse
fim, nosso Salvador chama essa aliança de “o novo testamento em
seu sangue”.[235] Essa é a palavra usada pelo apóstolo em seu
significado correto; e é evidente que ele não intenciona uma aliança
no sentido absoluto e estrito do termo. Com relação a isso, a
primeira aliança é geralmente chamada de “Antigo Testamento”.
Contudo, não nos referimos aos livros das Escrituras, ou oráculos
de Deus confiados à igreja dos judeus (que, como já observamos,
são uma vez chamados de “o antigo testamento” — 2 Coríntios
3:14), mas à aliança que Deus fez com a igreja de Israel no Sinai,
da qual falamos de modo geral.
E isso foi chamado de “testamento” por três razões: [1.] Porque
foi confirmado pela morte; isto é, a morte dos sacrifícios que foram
oferecidos na ocasião de seu estabelecimento solene. Assim diz
nosso apóstolo: “O primeiro [testamento] não foi consagrado sem
sangue” (Hebreus 9:18). Mas há mais coisas que são requeridas
para isso, pois até mesmo uma aliança, assim chamada em seu
sentido apropriado e estrito, pode ser confirmada com sacrifícios.
Para esse fim, [2.] Deus fez mais e concedeu à igreja de Israel as
boas coisas da terra de Canaã, junto com os privilégios de sua
adoração.
[3.] A principal razão dessa denominação, “o antigo
testamento”, vem do fato de isso apontar tipicamente para a morte e
o legado do grande testador, como mostramos.

Três Coisas que Coincidem na Nova Aliança

Anteriormente, nós discorremos um pouco sobre a natureza do


Novo Testamento, como considerado em distinção e oposição ao
Antigo. Eu vou aqui apenas considerar brevemente o que está de
acordo com a constituição dele, quando então ele era futuro, quando
essa promessa foi dada, e como é aqui prometida. E três coisas
coincidem para isso: (1.) Uma recapitulação, reunião e confirmação
de todas as promessas da graça que haviam sido dadas à igreja
desde o princípio, até mesmo tudo o que foi dito pela boca dos
santos profetas desde o começo do mundo (Lucas 1:70). A primeira
promessa continha toda a essência e substância do Pacto da Graça.
Todas aquelas promessas que depois foram dadas à igreja, em
várias ocasiões, foram apenas explicações e confirmações dela. No
conjunto dessas promessas houve uma declaração completa da
sabedoria e do amor de Deus ao enviar Seu Filho, e por esse meio
enviar Sua graça para a humanidade. E Deus solenemente as
confirmou com seu juramento, a saber, que todas elas seriam
realizadas no tempo que ele determinou. Portanto, embora a aliança
aqui prometida incluísse o envio de Cristo para o cumprimento
dessas promessas, todas elas estão reunidas e formam um todo
coeso, nesse sentido. É uma constelação de todas as promessas da
graça.
(2.) Todas essas promessas deveriam ser reduzidas a uma
aliança ou testamento real de duas maneiras: [1.] À medida que,
quanto ao cumprimento da graça principalmente intencionada nelas,
eles as receberam na ocasião em que Cristo foi enviado; e quanto à
confirmação e estabelecimento delas para a comunicação da graça
à igreja, eles a receberam na morte de Cristo, como um sacrifício
pactual ou expiação.
[2.] Elas são estabelecidas como a regra e lei da reconciliação
e da paz entre Deus e o homem. Isso lhes dá a natureza de uma
aliança; porque uma aliança é a expressão solene dos termos de
paz entre as várias partes, com a confirmação delas.
(3.) Elas são reduzidas a tal forma de lei, a ponto de se tornar
a única regra das ordenanças de culto e serviço divino exigidos da
igreja. Nada para esses fins é agora apresentado a nós, ou exigido
de nós, senão o que pertence imediatamente à administração dessa
aliança, e a graça dela. Mas o leitor deve consultar o que foi dito em
geral para esse propósito no versículo 6.

Por que Chamar de uma Aliança?

E nós podemos ver o que é que Deus aqui promete e prediz,


como aquilo que ele faria nos “dias vindouros”. Pois embora eles
tivessem a promessa antes, e desse modo já tivessem virtualmente
a graça e a misericórdia da Nova Aliança, pode-se perguntar: “O
que ainda está faltando, que deve ser prometido solenemente sob o
nome de uma aliança?”. Para a resolução completa dessa questão,
devo, como antes, encaminhar o leitor para o que foi dito em geral
sobre as duas alianças, e a diferença entre elas, no versículo 6.
Aqui podemos citar brevemente poucas coisas, que são suficientes
para o que pretendemos com a exposição feita aqui: (1.) Todas as
promessas que antes haviam sido dadas à igreja desde o princípio
do mundo foram agora reduzidas à forma de uma aliança, ou
melhor, de um testamento. O nome de “aliança” é, de fato, às vezes
aplicado às promessas da graça antes ou sob o Antigo Testamento;
mas ‫בּ ִרי ת‬,
ְ a palavra usada em todos esses lugares, denota apenas
“uma promessa livre e gratuita” (Gênesis 9:9, 17:4). Mas nenhuma
dessas promessas, nem todas elas juntas, estavam reunidas e
reduzidas à forma de um testamento; e elas não poderiam ser assim
senão pela morte do testador. Já mostramos antes quais são os
privilégios e benefícios abençoados que foram incluídos nisso, e
voltaremos a tratar deles na exposição do capítulo 9, se Deus
permitir.
(2.) Havia outra aliança que se ajustava às promessas, que
deveria ser a regra imediata da obediência e adoração da igreja. E
de acordo com a observância dessa aliança superadicionada, eles
foram estimados por terem mantido ou quebrado a aliança com
Deus. Essa foi a Antiga Aliança no Sinai, como foi declarado. Para
esse fim, as promessas não poderiam existir na forma de uma
aliança com o povo, visto que não poderiam estar sob o poder de
duas alianças de uma só vez, e o povo, como foi visto
posteriormente, era absolutamente inconsistente. Pois é isso que
nosso apóstolo prova nesse lugar, a saber, que quando as
promessas foram trazidas à forma e tiveram o uso de uma aliança
para com a igreja, a Antiga Aliança precisava desaparecer, ou ser
anulada. Somente essas promessas tinham o seu lugar e eficácia
para transmitir os benefícios da graça de Deus em Cristo àqueles
que criam; mas Deus prediz aqui que lhes dará tal ordem e eficácia
na administração da sua graça, à medida que todos os seus frutos
por Jesus Cristo serão legados e doados para a igreja, na forma de
uma aliança solene.
(3.) Apesar das promessas que eles haviam recebido, todo o
sistema de culto deles se originou e se relacionou com a aliança
feita no Sinai. Mas agora Deus promete um novo estado de
adoração espiritual, que tinha a ver apenas com as promessas da
graça trazidas para a forma de uma aliança.

Oitava Observação Prática


A Nova Aliança — à medida que reúne em uma só todas as
promessas da graça dadas desde a fundação do mundo (e assim
faz uma verdadeira exibição de Cristo, que é confirmada em sua
morte e pelo sacrifício de seu sangue) — torna-se a única regra das
novas ordenanças espirituais de adoração adequadas para isso, e
foi o grande objeto da fé dos santos do Antigo Testamento, e é o
grande fundamento de todas as nossas misericórdias atuais.

As Coisas Contidas na Nova Aliança

Todas essas coisas estavam contidas naquela Nova Aliança,


como tal, que Deus aqui promete fazer. Pois, (1) Havia nela uma
recapitulação de todas as promessas da graça. Deus não fez
nenhuma promessa, nem deu qualquer indicação de seu amor ou
graça para a igreja em geral, ou para qualquer crente em particular,
senão as que ele concentrou nessa aliança, de modo que essas
promessas deveriam ser estimadas, todas e cada uma delas, como
sendo dadas a cada pessoa que tem participação nessa aliança.
Portanto, todas as promessas feitas a Abraão, Isaque e Jacó, e a
todos os outros patriarcas, e o juramento de Deus de acordo com o
qual elas foram confirmadas, são todas feitas para nós, e pertencem
a nós não menos do que pertenceram àqueles a quem foram dadas
pela primeira vez, se nos tornarmos participantes dessa aliança. O
apóstolo dá um exemplo disso ao citar a promessa singular feita a
Josué, a qual ele aplica aos crentes em Hebreus 13:5 . Não havia
nenhum amor ou graça para qualquer pessoa, senão o amor e a
graça que estão contidos nessa aliança.
(2.) A manifestação real de Cristo na carne pertencia a essa
promessa de fazer uma Nova Aliança; pois sem ela, isso não
poderia ter sido feito. Esse era o desejo de todos os fiéis desde a
fundação do mundo; eles O desejavam, e com fervor oravam por
isso continuamente. E a perspectiva da encarnação de Cristo era a
única base de sua alegria e consolação. “Abraão viu o seu dia e se
alegrou”.[236] Esse foi o grande privilégio que Deus concedeu
àqueles que andavam retamente perante Ele; tal pessoa, diz ele,
“habitará nas alturas; as fortalezas das rochas serão o seu alto
refúgio, o seu pão lhe será dado, as suas águas serão certas. Os
teus olhos verão o rei na sua formosura, e verão a terra que está
longe” (Isaías 33:16-17). Essa perspectiva que eles tinham por meio
da fé no Rei dos santos, em sua beleza e glória, embora a grande
distância, foi seu consolo e sua recompensa em sua sincera
obediência. E aqueles que não entendem a glória desse privilégio
da Nova Aliança, na encarnação do Filho de Deus, ou a sua
manifestação em carne — nos quais as profundezas dos conselhos
e da sabedoria de Deus, em graça, misericórdia e amor são
relevados para a igreja — são estranhos às coisas de Deus.
(3.) A Nova Aliança foi confirmada e ratificada pela morte e
derramamento do sangue de Cristo e, portanto, incluiu em si toda
obra de sua mediação. Essa é a primavera da vida da igreja; e até
que ela fosse revelada, havia grande escuridão até mesmo nas
mentes dos crentes. Nenhuma língua é capaz de expressar que
paz, segurança, luz e alegria dependem e procedem disso.
(4) Todas as ordenanças de culto pertencem a essa aliança.
Qual é o benefício delas e quais são as vantagens que os crentes
recebem por elas iremos declarar quando chegarmos a considerar a
comparação que o apóstolo faz entre essas ordenanças e as
ordenanças carnais da lei, no capítulo 9 de Hebreus.
Portanto, ainda que todas essas coisas estivessem contidas na
Nova Aliança, como aqui prometida por Deus, é evidente quão
grande era o anelo dos santos sob o Antigo Testamento em vê-la
introduzida; e quão grande também é o nosso anelo, agora que ela
está estabelecida.

O Autor dessa Aliança


O autor ou criador dessa aliança é expresso tanto nas palavras
quanto naqueles com quem foi feita: (1.) O primeiro está incluído na
pessoa do verbo, “Farei”; “Eu farei, diz o Senhor”. É o próprio Deus
que faz essa aliança, e ele toma para Si a feitura dela. Ele é a parte
principal da aliança: “Farei uma aliança”. Deus fez uma aliança: “Ele
fez comigo uma aliança eterna”.[237] E várias coisas nos são
ensinadas a esse respeito: [1.] A liberdade dessa aliança, sem
consideração a qualquer mérito, valor ou dignidade[238] naqueles
com quem ela é feita. O que Deus faz, ele o faz livremente “ex mera
gratia et voluntate”.[239] Não havia causa fora de si mesmo para que
ele fizesse essa aliança, ou que poderia move-lo a agir assim. E nós
somos grandemente ensinados sobre isso nessa passagem, onde
ele não expressa outra coisa que deu ocasião para que essa aliança
fosse feita, senão os pecados do povo que quebraram a aliança que
ele havia feito anteriormente com eles. E isso é expresso com o
propósito de declarar a livre e soberana graça, bondade, amor e
misericórdia, as únicas fontes absolutas dessa aliança.
[2.] A sabedoria da sua composição. Para ser boa e útil, a
realização de qualquer aliança depende apenas da sabedoria e
previsão de quem a faz. Assim, os homens frequentemente fazem
alianças que eles planejam para seu bem e proveito, mas elas são
feitas de um modo tão desprovido de sabedoria e previsão que elas
se tornam em sua dor e ruína. Mas havia infinita sabedoria na
constituição dessa aliança; por isso ela é e será infinitamente eficaz
para todos os seus fins benditos. E eles, que não são atingidos por
uma santa admiração da sabedoria divina em seu artifício, não
estão totalmente familiarizados com tal aliança. Um homem pode
passar a vida confortavelmente em contemplação, e ainda assim
estar longe o suficiente de descobrir o Todo-Poderoso, em sua
perfeição. Portanto, existe um tal mistério divino em todas as partes
dessa aliança, que a sabedoria carnal não pode compreendê-la.
Tampouco, sem a devida consideração da infinita sabedoria de
Deus em sua composição, podemos ter quaisquer concepções
verdadeiras ou reais sobre ela: ῾εκὰς ἑκὰς ἔστε βέβηλοι .[240]
Mentes profanas e não santificadas não podem ter discernimento
sobre essa obra da sabedoria divina.
[3.] Somente Deus poderia preparar e fornecer uma garantia
para esse pacto. Tendo em vista a necessidade que havia de um
fiador nessa aliança, já que nenhuma aliança entre Deus e o homem
poderia ser firme e estável sem um fiador, em razão de nossa
fraqueza e mutabilidade; e considerando de que natureza esse
fiador deve ser, Deus e homem em uma só pessoa; é evidente que
o próprio Deus é quem deve fazer essa aliança. E a provisão dessa
garantia contém em si a manifestação gloriosa de todas as
excelências divinas, acima de qualquer ato ou obra de Deus.
[4.] Existe nessa aliança uma lei soberana do culto divino, na
qual a igreja é consumada, ou trazida ao estado mais perfeito que é
possível neste mundo, e é estabelecida para sempre. Essa lei só
poderia ser dada por Deus.
[5.] Atribui-se a essa aliança uma graça muito eficaz, e nada
além da onipotência pode fazer ou realizar isso. A graça aqui
mencionada nas promessas, nos direciona imediatamente ao seu
Autor. Quem além de Deus pode escrever a lei divina em nossos
corações e perdoar todos os nossos pecados? Vendo que a
santificação ou restauração de nossas naturezas e a justificação de
nossas pessoas é prometida nessa aliança, e vendo também que
infinito poder e graça são requeridos para isso, a única conclusão
que chegamos é que o único capaz de fazer essa aliança é aquele
com a qual todo o poder e graça habitam. “Deus falou uma vez;
duas vezes ouvi isto: que o poder pertence a Deus. A ti também,
Senhor, pertence a misericórdia…” (Salmos 62:11-12).
[6.] A recompensa prometida nesta aliança é o próprio Deus:
“Eu sou o teu galardão”. E quem, a não ser Deus, pode se ordenar
como galardão?

Nona Observação Prática


Toda a eficácia e glória da Nova Aliança se originam e são
determinadas por seu autor e causa suprema, que é o próprio Deus.
E, para o encorajamento de nossa fé e o fortalecimento de nossa
consolação, podemos considerar o seguinte: [1.] Sua infinita
condescendência, de fazer e entrar em aliança com o homem
miserável, perdido, caído e pecador. Nenhum coração pode
conceber isso plenamente, nenhuma língua pode expressá-lo;
apenas vivemos na esperança de ter uma perspectiva ainda mais
clara disso e uma santa admiração por toda a eternidade.
[2.] Sua sabedoria, bondade e graça na natureza da aliança
que ele condescendeu em fazer e entrar. A primeira aliança que
Deus fez conosco em Adão, a qual quebramos, era em si boa,
santa, reta e justa; e necessariamente ela é assim, porque também
foi feita por Ele. Mas não havia nenhuma provisão feita
absolutamente para nos preservar daquela desobediência e
transgressão lamentáveis que a tornariam nula, e frustraria todas as
finalidades santas e abençoadas dela. Tampouco Deus estava
obrigado a nos preservar, pois ele já havia nos concedido
capacidade suficiente para nossa própria preservação, de modo que
não poderíamos cair de modo algum senão por obstinadamente
apostatarmos dele. Mas essa aliança é de tal natureza que a graça
administrada nela preservará efetivamente todos os participantes
dessa aliança até o fim e assegurará a eles todos os seus
benefícios. Pois, [3.] O poder e fidelidade de Deus estão
comprometidos com a realização de todas as promessas dessa
aliança. E essas promessas contêm tudo o que é espiritual e
eternamente bom ou desejável para nós. “Ó Senhor, Senhor nosso,
quão admirável é o teu nome em toda a terra!”.[241] Quão glorioso és
Tu nos caminhos da Tua graça para com pobres criaturas
pecadoras que destruíram a Si mesmas! E, [4] Deus não criou
algum bem para nós, mas somente ele mesmo será o nosso
galardão.

As Pessoas com Quem essa Aliança é Feita


As pessoas com quem essa aliança é feita também são
mencionadas: “A casa de Israel e a casa de Judá”. Muito antes
dessa promessa ser feita, aquele povo estava dividido em dois. Um
deles conservou o nome de Israel para se distinguir do outro. Essas
foram as dez tribos que se apartaram da casa de Davi, sob a
liderança de Efraim; e em razão disso essas tribos são
frequentemente chamadas de “Efraim” nos profetas. Já o outro
povo, que consistia da tribo propriamente dita, com a de Benjamim e
a maior parte de Levi, tomou o nome de Judá; e com eles tanto a
promessa quanto a igreja foram preservados de maneira peculiar.
Israel e Judá são mencionados aqui como distintos um do outro
mesmo que ambos originalmente tenham surgido de Abraão, que
recebeu a promessa e o sinal da circuncisão por todos eles, e que
todos igualmente tenham descendido daqueles que estavam
incluídos da Antiga Aliança, para dar a entender que nenhuma das
descendências de Abraão pode ser excluída da proposta dessa
aliança. Os termos dessa aliança deveriam ser oferecidos
primeiramente para toda a descendência de Abraão, segundo a
carne. Então Pedro diz a eles, em seu primeiro sermão, que “a
promessa era para eles e seus filhos” que estavam então presentes,
isto é, a casa de Judá; e para “todos os que estão longe”, isto é, a
casa de Israel em suas dispersões (Atos 2:39). Então, novamente,
ele expressa a ordem da dispensação dessa aliança com relação à
promessa feita a Abraão: “Vós sois os filhos dos profetas e da
aliança que Deus fez com nossos pais, dizendo a Abraão: Na tua
descendência serão benditas todas as famílias da terra.
Ressuscitando Deus a seu Filho Jesus, primeiro o enviou a vós…”
(Atos 3:25-26), ou seja, na pregação do Evangelho. Assim, nosso
apóstolo, em seu sermão a eles, afirmou: “Era mister que a vós se
vos pregasse primeiro a palavra de Deus” (Atos 13:46). E esse era
todo o privilégio que agora lhes era dado; pois o muro de separação
havia sido derrubado e todos os obstáculos contra os gentios
haviam sido removidos. Para esse fim, essa casa de Israel e a casa
de Judá podem ser consideradas de duas maneiras: [1.] Como
aquelas pessoas que constituíam toda a posteridade de Abraão. [2]
E como típicos e espiritualmente simbólicos de toda a igreja de
Deus. Por causa desse fato somente é que as promessas da graça
sob o Antigo Testamento são dadas à igreja sob esses nomes,
porque eles eram tipos daqueles que real e efetivamente seriam os
participantes delas.
[1.] No primeiro sentido, Deus fez essa aliança com eles, e isso
em várias considerações.
Em primeiro lugar, porque Aquele através de quem somente
essa aliança seria estabelecida e tornada efetiva deveria ser
levantado dentre eles e a partir da descendência de Abraão, como o
apóstolo Pedro claramente declara em Atos 3:25.
Em segundo lugar, porque todas as coisas que pertenciam à
confirmação da aliança seriam transacionadas entre eles.
Em terceiro lugar, porque, segundo a dispensação exterior
dessa aliança, os termos e a graça dela, pelo conselho de Deus,
seriam oferecidos primeiro a eles.
Em quarto lugar, porque por eles, através do ministério dos
homens de sua posteridade, a dispensação dessa aliança seria
levada a todas as nações, à medida que elas deveriam ser
abençoadas na descendência de Abraão; o que foi feito pelos
apóstolos e outros discípulos de nosso Senhor Jesus Cristo. Assim,
a lei do Redentor saiu de Sião. Por esse meio “ele firmará aliança
com muitos por uma semana”, antes do chamado dos gentios
(Daniel 9:27). E como essas coisas pertenciam igualmente a todos
eles, a menção é distintamente feita à “casa de Israel e da casa de
Judá”. Pois a casa de Judá tinha, na época em que as promessas
foram feitas, a posse exclusiva de todos os privilégios da Antiga
Aliança; Israel privou a si mesmo devido à sua revolta contra a casa
de Davi; e também foi expulso da sua terra e exilado entre os
gentios como resultado de seus pecados. Entretanto Deus, para
declarar que a aliança que ele designou não dizia respeito aos
privilégios carnais que até então estavam na posse exclusiva de
Judá, mas dizia respeito à promessa feita a Abraão, na qual ele
iguala toda a sua descendência com relação à misericórdia dessa
aliança.
[2.] No segundo sentido toda a igreja dos crentes eleitos é
intencionada sob essas denominações, sendo tipificada por eles.
Judeus e gentios são os únicos, sendo que dos dois Deus fez um,
com quem a aliança é realmente feita e estabelecida, e para quem a
graça dela é realmente comunicada. Pois todos aqueles com quem
essa aliança é feita têm realmente a lei de Deus escrita em seus
corações e os seus pecados perdoados, de acordo com a promessa
dela, assim como o povo no passado foi trazido para a terra de
Canaã em virtude da aliança feita com Abraão. Esses são os
verdadeiros Israel e Judá, que prevalecem com Deus e confessam o
seu nome.

Décima Observação Prática

O Pacto da Graça em Cristo é feito apenas com o Israel de


Deus, a igreja dos eleitos. Pois, ao fazer essa aliança com alguém,
a sua comunicação eficaz da graça para os tais é especialmente
intencionada. Não se pode dizer que essa aliança seja feita
absolutamente com alguém que não seja daqueles cujos pecados
são perdoados em virtude dela, e em cujos corações a lei de Deus
está escrita; pois essas são claramente as suas promessas. E foi
em referência a esses dentre o povo que a aliança foi prometida ser
feita com eles (Veja Romanos 9:27-33 e 11:7). Mas quanto à
dispensação exterior da aliança, ela se estende além da
comunicação efetiva da sua graça. E em relação a isso, está o
privilégio da descendência carnal de Abraão.

Décima Primeira Observação Prática


Aqueles que são os primeiros e mais favorecidos quanto aos
privilégios exteriores, são muitas vezes os últimos e menos
favorecidos pela graça e misericórdia deles. Assim ocorreu com
essas duas casas de Israel e Judá. Eles tinham o privilégio e a
preeminência, acima de todas as nações do mundo, quanto à
primeira oferta e todos os benefícios da dispensação exterior da
aliança; todavia, “embora o número deles fosse como a areia do
mar, só um remanescente era salvo”.[242] Esses benefícios foram
concedidos para as nações do mundo quanto à sua graça; e isso
por causa da incredulidade e do abuso dos privilégios concedidos a
Israel e Judá. Portanto, que aqueles que agora desfrutam dos
maiores privilégios não sejam altivos, mas temam.

O Modo de Fazer a Nova Aliança

O modo de fazer essa aliança é expressa por συντελέσω


“perficiam,” “consummabo”, “eu aperfeiçoarei” ou “consumarei”. No
hebraico, é apenas ‫אֶ כְ ֹר ת‬, “pangam,” “feriam”, “Eu farei”, mas o
apóstolo o traduz por essa palavra para denotar que essa aliança foi
imediatamente aperfeiçoada e consumada, com a exclusão de todos
os acréscimos e alterações. A perfeição e o estabelecimento
inalterável são as propriedades dessa aliança: “Uma aliança eterna,
ordenada em todas as coisas e segura”.[243]

Seu Caráter Distintivo

Quanto ao seu caráter distintivo, ela é chamada de “Nova


Aliança”, e assim o é com respeito à Antiga Aliança feita no Sinai.
Para esse fim, por essa aliança, como aqui considerada, não é
entendida a promessa da graça dada a Adão absolutamente; nem a
promessa dada a Abraão, que continha a substância e o conteúdo
dela (a graça exibida nela) mas não a forma completa dela como
uma aliança. Pois se fosse apenas a promessa, não poderia ser
chamada de “nova aliança”, com respeito àquela feita no Sinai; pois
assim aconteceu antes de absolutamente dois mil e quinhentos
anos, e na pessoa de Abraão quatrocentos anos, no mínimo. Mas
isso deve ser considerado como foi descrito anteriormente, por
ocasião do estabelecimento dela e de sua lei de adoração espiritual.
E assim ela foi chamada de “nova” depois de oitocentos anos
daquela no Sinai. Embora ela possa ser chamada de “uma nova
aliança” em outros aspectos também. Primeiro, por causa de sua
eminência; assim se diz sobre uma obra eminente de Deus: “Eis que
faço uma coisa nova na terra”;[244] e é assim chamada por sua
duração e continuidade, como a que nunca envelhecerá.
Capítulo 4
Exposição do Versículo 9

A Novidade da Nova Aliança

Não segundo a aliança que fiz com seus pais no dia em que os
tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; como não
permaneceram naquela minha aliança, eu para eles não atentei, diz
o Senhor.[245]
Aqui o apóstolo traduz ‫ כּ ַָר ִתּ י‬por ἐ π οίησα , ele faz isso
somente nesse lugar (depois veremos a razão disso). A expressão
ּ ‫יתי‬
ִ ‫תאּבּ ִר‬
ְ ֶ‫אֲ ָשׁראּהֵ ָמּ ה הֵ פֵ רו ּ א‬, “eles quebraram aquela minha aliança”,
“rescindiram”, “dissiparam”; o apóstolo traduz αὐτοὶ οὐκ ἐνέμειναν
ἐν διαθήκῃ μου por “não permaneceram naquela minha aliança”,
pois, de fato, não permanecer fielmente na aliança é quebrá-la. A
expressão, ‫וְאָ גכִ י בָּ ﬠַ ְל ִתּ י בָ ם‬, “eu era um marido para eles”, ou
melhor, “um senhor sobre eles”, é traduzida pelo apóstolo como,
κἀγὼ ἠμέλ ησα αὐτῶν , “eu para eles não atentei”, vamos inquirir a
razão dessa aparente alteração durante a exposição.
A expressão οὐ κατὰ τὴν διαθήκην pode ser traduzida para o
latim por “non secundum testamentum” e “secundum illud
testamentum”; e para o siríaco assim, ‫יק א‬ ֵ ‫יתּ‬
ִ ‫ ;לָ א אֵ יך ְ הָ י ִדּ‬e para o
português, “não de acordo com esse testamento”. A palavra grega
διαθήκην (diath ē k ē n) também poderia ser traduzida por “foedus”
e “illud foedus”. Nós já discorremos anteriormente sobre as
diferentes traduções da palavra foedus, a saber, “testamento” e
“pacto/aliança”.
A expressão ῝ην ἐ π οίησα pode ser traduzido para o siríaco
como ‫דּיַהֲ בֵ ת‬,ְ “que eu dei”; “quod feci”, “que fiz”. Já a expressão
τοῖς π ατράσιν pode ser equivalente a σὺν τοῖς π ατράσιν , “com os
pais”; mas para isso é necessário que venha acompanhada do
verbo ἐ π οίησα . E, portanto, o siríaco, ao omitir a preposição,
transforma o verbo em “deu”, “deu aos pais”, o que é propriamente
dito assim: ‫בוֹת ם‬ ָ ֲ‫אֶ תאּא‬, “cum patribus eorum”.
As palavras gregas οὐκ ἐνέμειναν são traduzidas na Vulgata
Latina por “Non permanserunt”; e outra palavra poderia ser usada,
“perstiterunt”. E em siríaco poderiam ser traduzidas assim, ּ ‫לָ א ַקיְיו‬,
“eles não permaneceram”, “eles não continuaram”. “Maneo” é usado
para expressar a estabilidade que existe nas promessas e pactos:
“At tu dictis, Albane, maneres”, Virgílio. Eneida, viii. 643;[246] e, “Tu
modo promissis maneas”, Eneida. ii. 160. O mesmo se dá com
“permaneo in officio, in armis, in amicitia”, continuar firme até o fim.
Tendo isso em vista, essas palavras podem ser traduzidas como
“persisto”. A palavra ᾿εμμένω é usada com esse sentido por
Tucídides,[247] ᾿εμμένειν , “permanecer firme e constante nos
pactos”. A palavra ἐμμενής é dita a respeito daquele que é “firme”,
“estável”, “constante” em promessas e compromissos.
O grego κἀγὼ ἠμέλησα pode ser traduzido para o latim por
“ego neglexi”, “despexi”, “neglectui habui”; e para o siríaco por ‫בּ ִסי ת‬,
ְ
“eu desprezei”, “negligenciei”, “rejeitei-os”. Já ᾿αμελέω , pode ser
traduzida por “curæ non habeo”, “negligo”, “contemno”, uma palavra
que denota “deixar de cuidar” e isso “com desprezo”.[248]

As Razões para uma Aliança Diferente

As maiores misericórdias que Deus sempre pretendeu


comunicar à igreja para abençoá-la foram incluídas na Nova
Aliança. Tampouco a eficácia da mediação de Cristo se estende
além dos limites e abrangência dela; porque ele só é mediador e
fiador dessa aliança. Mas Deus havia feito uma aliança com seu
povo. Ela era uma aliança boa e santa, na medida em que foi
prescrita por Deus e aceita por eles com gratidão. No entanto,
apesar de todos os seus privilégios e vantagens, ela não se mostrou
tão eficaz, visto que as multidões daqueles com quem Deus fez
aquela aliança estiveram muito longe de obter a bem-aventurança
da graça e da glória por esse meio, pois eles fracassaram a ponto
de serem privados até mesmo de benefícios temporais. Para esse
fim é que Deus promete fazer uma “nova aliança” com eles, visto
que fracassaram e perderam a vantagem da primeira, contudo, se
essa outra aliança fosse da mesma espécie que a primeira, ela
também poderia se mostrar ineficaz do mesmo modo. Pois se Deus
tornasse a fazer uma aliança da mesma espécie que a primeira,
então ele deveria conceder, e a igreja receber, uma aliança após a
outra, e ainda assim os fins delas nunca seriam alcançados.
Para evitar essa objeção, e o medo que dela possa surgir,
Deus, que provê não apenas a proteção da sua igreja, mas também
seu conforto e segurança, declara antecipadamente a eles que a
Nova Aliança a ser feita com a igreja não será do mesmo tipo que a
anterior, e nem será susceptível de ser então frustrada, quanto aos
seus objetivos, como a outra o foi.
E há algumas coisas que devem ser observadas nisso: 1. O
prefácio da promessa dessa Nova Aliança é uma acusação ao povo,
“repreendendo-os”, culpando-os, acusando-os de pecado contra a
aliança que Deus havia feito com eles.
2. Entretanto isso não foi o motivo e razão para fazer essa
Nova Aliança. Isso não aconteceu por que as pessoas não estavam
firmes nela e nos termos dela. Pois se assim fosse, não haveria
mais necessidade de reconduzi-los a uma boa condição, mas Deus
deveria apenas perdoar seus antigos pecados e renovar mais uma
vez a mesma aliança com eles, e dar-lhes outra oportunidade ou
castiga-los por não haverem permanecido na primeira aliança.
Contudo, visto que Deus não faria mais uma aliança igual à
primeira, mas antes faria outra aliança, de outra natureza, com eles,
fica evidente que havia algum defeito na própria aliança, a qual não
era capaz de comunicar as coisas boas com as quais Deus planejou
abençoar a igreja.
3. Essas duas coisas formam a única razão que Deus dá do
porquê ele fará essa Nova Aliança, a saber, os pecados do povo e a
insuficiência da primeira aliança para levar a igreja àquele estado
abençoado para o qual ele a designou; é manifesto que todos os
seus lidares para com aqueles a quem ele deseja o bem espiritual e
eterno são com base em sua pura graça soberana, e ele não
encontra qualquer motivo para agir assim senão somente em e de si
mesmo. Existem várias coisas contidas nessas palavras.

A Primeira Aliança

Primeiro, existe uma sugestão de que Deus havia feito uma


primeira aliança com seu povo, τὴν διαθήκην . Nesses versículos é
falado três vezes sobre fazer aliança; e em todos esses lugares as
mesmas palavras são usadas no texto hebraico, ‫כּ ִָר ִתּ י ְבּ ִרי ת‬.
Entretanto, o apóstolo altera tais palavras nessas três ocorrências.
Primeiro, ele o traduz como συντελέσω (v. 8); e depois traduz por
διαθήσομαι , o que é mais adequado (v. 10 — ζεῖναι e διατιθέναι
διαθήκην são usuais em outros autores). Aqui ele usa ἐ π οίησα ,
em referência àquela aliança que o povo quebrou e Deus anulou. E
pode ser que o tenha feito para distinguir a sua aliança alterável
daquela que deveria ser inalterável, e foi confirmada com maior
solenidade. Deus fez com essa aliança como fez com outras de
suas obras externas, as quais resolveu alterar, mudar ou abolir no
tempo determinado. Essa era uma obra cujos efeitos poderiam ser
abalados e depois removidos; como ele fala em Hebreus 12:27 que
a mudança das coisas móveis é como ὡς π ε π οιημένων , “coisas
que são feitas, para que as imóveis permaneçam”, feitas por apenas
um tempo; portanto, essas coisas são feitas para permanecerem e
durarem apenas por um tempo determinado, e tais eram todas as
coisas dessa aliança, e tal era a própria aliança. Ela não possuía
“criteria æternitatis”, nenhuma evidência de duração eterna. E, de
fato, nada o possui, senão aquilo que está baseado no sangue de
Cristo. Ele é ‫אֲ ִביאּﬠַ ד‬, “o pai da eternidade”,[249] ou o autor imediato e
causa de tudo o que é ou será eterno na igreja. Que os homens
laborem e discutam sobre essas outras coisas enquanto quiserem;
elas estão todas abaladas e serão removidas.

Primeira Observação Prática

A graça e a glória da Nova Aliança são grandemente realçadas


e manifestadas pela comparação dela com a Antiga Aliança. Isso é
feito aqui por Deus com o propósito de ilustrar essa verdade. E isso
é muito usado nessa epístola, em parte para nos convencer a
aceitarmos os termos e permanecermos fiéis a eles, e em parte para
declarar quão grande é o seu pecado, e quão dolorida será a
destruição daqueles pelos quais ela é negligenciada ou desprezada.
Essas coisas são tratadas com mais detalhes em outros lugares,
elas são, por exemplo, o assunto do discurso do apóstolo no
capítulo 12 a partir do versículo 15 até o fim.

Segunda Observação Prática

Todas as obras de Deus são igualmente boas e santas em si


mesmas; mas quanto à utilidade e vantagem da igreja, ele tem o
prazer de transformar algumas delas em meios de comunicar mais
graça do que outras. Mesmo essa aliança, em relação a qual a Nova
seria diferente, era em si mesma boa e santa; de modo que aqueles
com quem ela foi feita não tinham motivo para reclamar. Mesmo que
Deus tenha ordenado que seria por outra aliança que ele
comunicaria a plenitude de sua graça e amor à igreja. Devemos
extrair benefícios e vantagens a partir de cada coisa que Deus
aperfeiçoa em seu tempo e para seus próprios fins, embora ele
tenha outras formas de nos fazer um bem maior, cujo tempo ele
reservou para si mesmo. Mas esse é um tão grande ato de pura
bondade e graça soberanas que, embora eles tenham negligenciado
ou abusado das misericórdias e benefícios que receberam, ao invés
de rejeitá-los por conta disso, Deus passa a agir desse outro modo e
lhes concede misericórdias tais que não podem ser abusadas. Isso
ele fez isso ao introduzir a Nova Aliança no lugar da Antiga; e ele
continua fazendo isso todos os dias (Isaías 57:16-18). Vivemos em
dias nos quais os homens se esforçam para obscurecer a graça de
Deus e torná-la inglória aos olhos dos homens; mas Deus será para
sempre “admirado naqueles que creem”.[250]

Terceira Observação Prática

Embora Deus faça uma alteração em qualquer de suas obras,


ordenanças de culto ou instituições, contudo ele nunca muda sua
intenção ou o propósito de sua vontade. Em todas as mudanças
externas, ele mesmo não sofre “mudança nem sombra de variação”.
[251] “Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as

suas obras”;[252] e, não obstante qualquer mudança que pareça


existir nelas, tudo é realizado visando o propósito imutável de sua
vontade concernente a todas elas. Isso demonstra que não há a
menor mudança ou sombra de variação em Deus quando ele
designou que a Antiga Aliança durasse apenas por um tempo, e
para certos fins, e depois a aboliu, fazendo com que outra viesse a
se distinguir em graça e eficácia.

Os Destinatários da Antiga Aliança


Em segundo lugar, é declarado com quem essa Antiga Aliança
foi feita, π ατράσιν αὐτῶν , “com seus pais”. Algumas cópias em
latim trazem, “cure patribus vestris”, “com vossos pais”, mas tendo
falado antes da “casa de Israel e da casa de Judá” na terceira
pessoa, ele continua a falar nessa mesma pessoa. Assim também
acontece no profeta, ‫בוֹת ם‬
ָ ַ‫א‬, “seus pais”.
“Seus pais”, seus progenitores, eram aqueles de quem esse
povo sempre se gabava. Na maioria das vezes, eles elevavam mais
o tom de sua reivindicação quando faziam referência aos que são
principalmente intencionados aqui, a saber, Abraão, Isaque, Jacó e
os doze patriarcas. Mas, em geral, eles se gabavam de seus pais
imediatos; e não desejaram outra coisa, senão o que poderia chegar
até eles segundo o direito desses pais. E aqui então Deus os remete
aos seus pais, e ele faz isso com dois objetivos: (1.) Fazê-los saber
que ele tinha mais graça e misericórdia para comunicar à igreja do
que aquelas das quais seus pais foram feitos participantes. Desse
modo Deus evitaria que eles se vangloriassem em seus pais ou
confiassem neles.
(2.) Adverti-los a serem cuidadosos quanto ao seu
comportamento sob a dispensação dessa nova e maior misericórdia.
Pois os pais aqui referidos eram aqueles com quem Deus fez a
aliança no Sinai; mas é sabido, e o apóstolo o declarou de modo
geral no terceiro capítulo dessa epístola aos Hebreus, que eles
quebraram e rejeitaram essa aliança de Deus, através de sua
incredulidade e desobediência, e assim pereceram no deserto. A
referência é aos pais do povo com quem a primeira aliança foi feita,
os quais pereceram em sua incredulidade. Uma grande advertência
foi dada para aqueles que estariam vivos no tempo em que Deus
entraria em uma Nova Aliança com a sua igreja, para que eles não
perecessem após seguirem o mesmo exemplo daqueles. Entretanto,
essa advertência não foi eficaz em relação a eles, pois a maior parte
deles rejeitou essa Nova Aliança, assim como seus pais o fizeram
com a Antiga, e pereceram debaixo da indignação de Deus.

Quarta Observação Prática


A dispensação de misericórdias e privilégios, no que diz
respeito a tempos, pessoas e épocas, está inteiramente nas mãos e
poder de Deus. Algumas dessas misericórdias e privilégios ele
concedeu aos pais, algumas à sua posteridade, e não as mesmas
para ambos. Nossa sabedoria consiste em desenvolvermos o bem
que desfrutamos, e não murmurarmos pelo que Deus fez para com
os outros, ou fará com aqueles que virão depois de nós. Nossas
misericórdias atuais são suficientes para nós, se soubermos usá-las.
Aquele que tem um coração crente não terá falta de mais nada.

Quem Eram Esses “Pais”?

A identidade daqueles pais com quem Deus fez essa aliança


fica ainda mais evidente a partir do tempo, época e circunstâncias
da sua realização: (1.) Durante o tempo, ela foi feita ἐ ν ἡμέρα , isto
é, ἐκεῖνῃ , “no dia”. É óbvio para todos que esse um “dia” é
mencionado nas Escrituras como um tempo e época especial em
que qualquer trabalho ou dever deve ser realizado. O leitor pode ver
o que dissemos a respeito desse dia no terceiro capítulo.[253] E o
tempo aqui pretendido costuma ser chamado de dia, como aparece
em Ezequiel 20:6: “Naquele dia levantei a minha mão para eles,
para os tirar da terra do Egito”, isto é, naquele tempo ou época. Um
tempo determinado, específico e limitado, adequado aos meios para
realizar qualquer trabalho, acontecimento ou dever, é chamado de
“dia”. E isso corresponde à descrição do tempo em que a Nova
Aliança seria feita conforme aparece no versículo anterior: “Eis que
virão dias”, o tempo ou a época se aproxima. Isso também é dito
para denotar eminência; um “dia”, ou um sinal eminente da chegada
do tempo anunciado, como é dito em Malaquias 3:2: “Mas quem
suportará o dia da sua vinda?”, isto é, a glória e o poder benditos
que aparecerão e serão exercidos em sua vinda. A expressão “no
dia” significa: naquele grande e eminente tempo, que será muito
famoso através de todas as suas gerações.
(2.) Esse dia ou época é descrito com base no trabalho que
será realizado nele, ἐ π ιλαβομένου μου τῆς χειρὸς αὐτῶν , ‘
‫הֶ חֳ זִ ִיק י‬, “que eu fixei firmemente”. A palavra ἐ π ιλαμβάνω significa
“segurar” com um propósito de ajudar ou libertar; e assim várias
coisas são insinuadas — bem como o modo e a maneira em que
aquele povo será libertado naquele tempo: [1.] A condição
lamentável e desamparada em que estavam no Egito. Até então
eles estavam sendo capacitados a se libertarem de seu cativeiro e
escravidão, os quais, como crianças, não eram capazes de
permanecerem em pé ou andarem, a menos que Deus os tomasse
e os guiasse pela mão. Então ele fala: “Todavia, eu ensinei a andar
a Efraim; tomando-os pelos seus braços” (Oseias 11:3). E
certamente nunca houve crianças tão fracas, obstinadas e tão
incapazes de ficarem de pé e andarem por si mesmas como essas
pessoas que deveriam consentir com Deus na obra de sua
libertação. Às vezes, recusavam-se a ficar de pé ou murmuravam
contra isso; outras vezes, elas se lançaram ao chão logo após
serem colocadas de pé; e ainda outras vezes, com toda a sua força,
viraram as costas para o Deus que lhes guiava. Aquele que pode ler
corretamente a história de libertação dessas pessoas, facilmente
discernirá o quanto trabalho Deus teve com essas pessoas para
ensiná-las a andar após pega-las pela mão. Portanto, não é
novidade que a igreja de Deus esteja em tal condição que não
possa nem permanecer de pé. Entretanto, se Deus os tomar pela
mão para ajudá-la, a sua libertação acontecerá.
[2.] Isso expressa a infinita condescendência de Deus para
com esse povo a ponto de ele se curvar para pegá-lo pela mão. Na
maioria das passagens bíblicas, o trabalho que ele realizou naquele
tempo é comparado ao levantar ou estender a sua mão (Ezequiel
20:6; veja a descrição disso em Deuteronômio 4:34 e 26:8). Esse
acontecimento representou para os seus inimigos uma obra de
grande poder, de braço levantado; mas para eles era uma obra de
infinita condescendência e paciência, um ato de curvar-Se para
pegá-los pela mão. E essa foi a maior obra de Deus. Pois tais eram
a perversidade e a incredulidade, e tantas eram as provocações e
tentações daquele povo, que se Deus não os tivesse segurado
firmemente pela mão, com infinita graça, paciência, longanimidade e
condescendência, eles inevitavelmente teriam arruinado a si
mesmos. E sabemos quantas vezes eles se esforçaram perversa e
obstinadamente para se livrarem da mão de Deus e para lançarem a
si próprios em uma destruição total. Portanto quando Deus diz que
“os tomou pela mão” para o fim mencionado, isso compreende toda
a graça, misericórdia e paciência, que Deus exerceu para com
aquele povo, enquanto agia para libertá-los com braço estendido,
para tomá-los pelas mãos e para destruir seus adversários.
E de fato nenhum coração pode conceber ou língua pode
expressar aquela infinita condescendência e paciência que Deus
exerce em relação a cada um de nós, enquanto nos segura pela
mão para nos levar a descansar com Ele. Nossos próprios
corações, em alguma medida, sabem com que rebeldia e
perversidade nos desviamos e nos afastamos da sua santa direção,
e como estamos sempre prontos para abusar de sua paciência; mas
a misericórdia e graça nos seguram e não nos deixam fugir delas.
Oh, que nossas almas vivam em constante admiração daquela
divina graça e paciência nas quais vivemos; que a lembrança dos
tempos e das épocas em que, se Deus não tivesse estendido sua
mão em nosso favor, teríamos destruído a nós mesmos, desenvolva
e avive diariamente em nós essa admiração, e que isso nos leve a
obedecermos ao nosso Deus com gratidão!
[3.] O poder dessa obra que é intencionada, também está
incluído nisso; não diretamente, mas por consequência. Pois, como
foi dito, quando Deus os tomou pela mão por sua graça e paciência,
ele levantou o seu braço poderoso, através das obras poderosas
que efetuou entre os seus adversários. Tudo que ele fez no Egito,
no Mar Vermelho e no deserto está incluído nisso. Essas coisas
fizeram com que o dia mencionado se tornasse eminente e glorioso.
Foi um grande dia aquele em que Deus magnificou Seu nome e
poder à vista de todo o mundo.
[4.] Todas essas coisas fizeram referência e foram anunciadas
naquela verdadeira libertação que Deus realizou para aquele povo.
E essa foi a maior misericórdia que aquelas pessoas foram ou
poderiam ser feitas participantes, naquela condição em que estavam
sob o Antigo Testamento. Quanto ao aspecto exterior, considere de
onde elas foram libertas, e para o que foram levadas, e
evidentemente se mostrará uma misericórdia tão grande quanto a
natureza humana é capaz de desfrutar. Além do mais, isso era uma
representação e tipo glorioso de seu próprio livramento espiritual e
de toda a igreja a partir do pecado, do inferno e da nossa escravidão
a Satanás, e também da nossa libertação desses para a gloriosa
liberdade dos filhos de Deus. E, portanto, Deus gravou o memorial
disso sobre as tábuas de pedra: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te
tirei da terra do Egito, da casa da servidão”.[254] Pois o que foi
tipificado e significado por esse evento é o principal motivo para a
obediência para todas as gerações vindouras. Não existe qualquer
obediência moral que seja aceitável a Deus e que não provenha de
um sentimento de libertação espiritual.
E essas coisas são relembradas aqui nessa promessa da
realização de uma Nova Aliança, em parte para lembrar às pessoas
das misericórdias contra as quais elas haviam pecado, e em parte
para lembrá-las de que nenhuma assistência de misericórdias e
privilégios externos pode manter segura nossa relação pactual com
Deus, à parte da misericórdia especial administrada na Nova
Aliança, da qual Jesus Cristo é o Mediador e o Fiador.
Foi grandioso em todos os sentidos aquele dia, e a glória dele,
em que Deus fez a Antiga Aliança com o povo de Israel; contudo,
ele não possuía nenhuma glória quando comparado com aquele dia
que o sobrepuja, pois a luz do sol de glória desse dia foi “sete vezes
maior, como a luz de sete dias” (Isaías 30:26). Uma perfeição de luz
e glória deveriam acompanhar aquele dia, e toda a glória da obra de
Deus, e seu descanso com respeito a ela, deveria ser vista naquele
dia como a luz de sete dias.
A partir das coisas que observamos, fica totalmente evidente
tanto o que foi essa “aliança” que Deus fez, e quem foram “os pais”
com quem ela foi feita. A aliança intencionada não é outro senão
aquela que foi feita no Sinai, no terceiro mês após a saída do povo
para fora do Egito (Êxodo 19:1); nós já descrevemos qual a
natureza, utilidade e fim dessa aliança. E os pais eram os daquela
geração, os que saíram do Egito e solenemente em suas próprias
pessoas, eles e seus filhos, entraram na aliança e se obrigaram a
fazer tudo o que era requerido deles com relação a ela; devido a
isso eles foram aspergidos com o sangue daquela aliança (Êxodo
24:3-8; Deuteronômio 5:27). É verdade que toda a posteridade das
pessoas a quem a promessa foi dada estava agora tão vinculada e
obrigada por aquela aliança quanto aqueles que a receberam a
princípio; contudo, nessa passagem são pretendidos apenas
aqueles que realmente e em suas próprias pessoas entraram na
aliança com Deus. Essa consideração lançará luz ao que é
afirmado, a saber, que eles “quebraram a sua aliança” ou “não
continuaram nela”.
Uma comparação é pretendida entre as duas alianças, e, de
modo geral, essa é a primeira parte do fundamento em que se
baseia essa comparação da Nova em relação à Antiga.

A Quebra da Antiga Aliança

A segunda parte desse fundamento pode ser encontrada no


próprio ato em que essa aliança foi feita; e ela é expressa tanto por
parte do homem quanto de Deus, o que o povo fez nessa aliança
em relação a Deus, e como Deus agiu para com eles em relação a
isso.
Primeiro, a atitude da parte do povo é revelada nestas
palavras: “Como não permaneceram naquela minha aliança” — οτι
α ὐτοὶ οὐκ ἐνέμειναν ἐν τῆ διαθήκῃ μου .
A palavra ּ ‫אֲ ֶשׁר‬, “a qual”, que aparece no original hebraico, é
traduzida por ὅτι , que nós traduzimos por “como”; essa palavra, ὅτι ,
às vezes é um relativo, outra vezes, um correlativo, “que” ou “como”.
Se seguirmos nossa tradução em português, “como”, ela parece nos
fornecer uma razão pela qual Deus fará com eles uma aliança
diferente daquela primeira, a saber, porque eles não permaneceram
naquela primeira, ou a quebraram. Mas essa não foi a razão disso.
A razão por que Deus fez essa Nova Aliança, diferente daquela
primeira, não foi porque eles não permaneceram na primeira. Isso
não poderia ser a razão e nem o motivo para essa Nova Aliança.
Portanto, isso é mencionado apenas para ressaltar a graça de Deus,
ao fazer essa Nova Aliança, apesar de eles haverem quebrado a
primeira aliança com seus pecados. Isso também revela a
excelência dessa aliança em si, pois aqueles que são levados a
serem participantes dela serão preservados de quebrá-la, pela
graça que ela administra. Para esse fim, eu preferiria traduzir “ ὅτι ”
pela palavra “que”, como nós traduzimos a palavra ‫ אֲ ֶשׁ ר‬que
aparece no profeta Jeremias, “aquela minha aliança”; ou pela
palavra “por”, “por eles não permanecerem”. A palavra because
(porque), que aparece em nossa versão em inglês não diz respeito
ao ato de Deus fazer uma Nova Aliança, mas se refere à reprovação
daqueles que quebraram a Antiga.
Eles são acusados de “não permanecerem”, eles “não
continuaram” na aliança que foi feita com eles. Deus chama essa
aliança de sua: “Não permaneceram naquela minha aliança”, porque
ele era o autor dela, o único que a formou e propôs seus termos e
promessas, ּ ‫הֵ פֵ רו‬, então é dito que eles a “quebraram”, eles
rescindiram, aboliram, anularam essa aliança divina. A palavra
hebraica expressa o fato, o que eles fizeram, a saber, eles
“quebraram” ou anularam a aliança. A palavra usada pelo apóstolo
expressa a maneira como eles o fizeram, ou seja, não
permaneceram fiéis nela, por não cumprirem os termos dela. O uso
da palavra μένω , e de ἐμμένω , para esse propósito, já foi declarado
anteriormente. Agora vamos inquirir sobre o que é pretendido por
esse meio: 1. Deus fez essa aliança com o povo no Sinai ao propô-
la autoritativamente para eles; e, por essa razão, o povo a aceitou
solenemente e assumiu a responsabilidade de observá-la, guardá-la
e cumprir os termos e condições dela como está em Êxodo 19:8, e
especialmente em Êxodo 24:3, 7: “O povo respondeu a uma voz, e
disse: Todas as palavras, que o Senhor tem falado, faremos” e
“Tudo o que o Senhor tem falado faremos, e obedeceremos” (O
mesmo é dito em Deuteronômio 5:27). Nisso a aliança foi ratificada
e confirmada entre Deus e eles, e por essa razão o sangue da
aliança foi aspergido sobre eles (Êxodo 24:8). Esse acontecimento
proporcionou uma ratificação solene para essa aliança.
2. Tendo assim aceito essa aliança de Deus, e os termos dela,
Moisés subiu novamente ao Monte, e o povo fez o bezerro de ouro.
E esses eventos ocorreram tão repentinamente após a realização
dessa aliança, que o apóstolo o expressa dizendo: “Eles não
permaneceram nela”, “eles se apressaram a quebrá-la”. Ele
expressa o mesmo sentido das palavras de Deus sobre isso
registradas em Êxodo 32:7-8: “Então disse o Senhor a Moisés: Vai,
desce; porque o teu povo, que fizeste subir do Egito, se tem
corrompido, e depressa se tem desviado do caminho que eu lhe
tinha ordenado; eles fizeram para si um bezerro de fundição, e
perante ele se inclinaram, e ofereceram-lhe sacrifícios, e disseram:
Este é o teu deus, ó Israel, que te tirou da terra do Egito”. Pois ali
quebraram a aliança que Deus, de uma maneira peculiar, havia
pretendido que simbolizasse a glória daquele livramento para si
mesmo.
3. Com efeito, a quebra da aliança, ou o fato de eles não
continuarem nela, se deu em primeiro lugar e principalmente com a
confecção do bezerro de ouro fundido. Depois disso, de fato, aquela
geração acrescentou muitos outros pecados e provocações, mas
mesmo antes de todas essas coisas acontecerem eles já tinham ido
tão longe a ponto de, “Deus jurar em sua ira que não entrariam em
seu descanso”.[255] Isso aconteceu como punição por sua
incredulidade e murmuração durante o retorno dos espias registrado
em Números 14, e nós já tratamos sobre isso em geral no
comentário do capítulo 3 desta epístola ao Hebreus. Essa
expressão não deve ser estendida como se referindo aos pecados
das gerações seguintes, nem aos pecados cometidos no reino de
Israel ou Judá, embora todos esses tenham transgredido
diferentemente a aliança, anulando-a na medida em era possível
para eles. A referência aqui é ao pecado daqueles que,
pessoalmente, entraram a princípio na aliança com Deus. Aquela
geração com quem Deus fez essa primeira aliança imediatamente a
quebrou, não permaneceu nela. E, portanto, não faz sentido que
aquela geração seja bem vista aos olhos de quem essa Nova
Aliança será proposta pela primeira vez. E foi assim que a
incredulidade da primeira geração que viveu nos primeiros dias da
promulgação da Nova Aliança, se mostrou ser uma ocasião para a
ruína de sua posteridade até os dias de hoje. E a partir disso
podemos observe o seguinte,
Quinta Observação Prática

Os pecados são agravados na proporção das misericórdias


recebidas. Foi isso que aquele povo recebeu devido a esse primeiro
pecado de natureza tão vergonhosa e provocadora de Deus, a
saber, que aqueles que haviam contraído pessoalmente a culpa
dessa transgressão haviam acabado de receber a honra, a
misericórdia e o privilégio de serem feitos participantes de uma
aliança com Deus. Portanto, Deus os ameaçou em relação a isso:
“Porém no dia da minha visitação visitarei neles o seu pecado”
(Êxodo 32:34). Deus teria em mente uma lembrança desse pecado
provocador em todas as suas visitações futuras. Portanto, levemos
em consideração os pecados que cometemos contra as
misericórdias recebidas, especialmente os privilégios espirituais, tais
como os que desfrutamos através do Evangelho.

Sexta Observação Prática

Nada além da graça eficaz assegurará a obediência da aliança


em qualquer momento. Por maiores que sejam os motivos ou por
mais fortes que sejam as obrigações exteriores para a obediência,
nenhum povo debaixo do céu poderia ter mais do que esse povo
havia recebido recentemente; e eles se comprometeram pública e
solenemente a obedecerem. Mas eles “depressa se desviaram do
caminho” (Êxodo 32:8). E, portanto, na Nova Aliança, essa graça é
prometida de maneira peculiar, como veremos no versículo
seguinte.

A Anulação da Antiga Aliança

Em segundo lugar, também é expresso o agir de Deus para


com eles: “Eu para eles não atentei”. Parece haver uma grande
diferença entre a tradução das palavras do profeta Jeremias e a
tradução que o apóstolo fez delas. No primeiro lugar, lemos: “Apesar
de eu os haver desposado”, e aqui: “Eu para eles não atentei”. E,
por causa disso, pode ser objetado que há uma grande diferença
em relação ao original e a essa interpretação que o apóstolo
apresenta. Mas não há necessidade de traduzir as palavras do
profeta, ‫וְאָ נכִ י ְבּﬠַ ְל ִתּ י בָ ם‬, como: “Apesar de eu os haver desposado”,
como veremos mais adiante. Embora muitos homens instruídos e
outros tenham ficado perplexos demais ao tentar reconciliar essas
passagens ou expressões, porque elas parecem ter sentido e
importância diretamente contrários entre si. Portanto, irei observar
algumas coisas que diminuem e tiram o peso dessa dificuldade, e
então darei a verdadeira solução disso. E para o nosso primeiro
objetivo podemos observar, 1. Nenhum aspecto da controvérsia e
nem qualquer parte da substância da verdade que o apóstolo prova
e confirma por citar essa passagem depende, de qualquer maneira,
do significado preciso dessas palavras. Tais palavras são apenas
ocasionais quanto ao esboço principal de toda a promessa; e,
portanto, o sentido da promessa não depende do uso ocasional
delas. E nesses casos uma liberdade na variedade de termos
usados para fazer exposições pode ser usada com segurança.
2. Observe os dois sentidos diferentes que as palavras, como
comumente traduzidas, apresentam, e não há nada de contradição
e nem mesmo a menor discordância entre elas. Pois as palavras,
como as traduzimos no profeta, expressam um agravamento do
pecado do povo: “Eles invalidaram a minha aliança apesar de eu’ —
através dela — “os haver desposado”, isto é, haver exercido uma
bondade e cuidado singulares para com eles. E do modo como
essas palavras são traduzidas pelo apóstolo, elas expressam o
efeito desse pecado tão agravado, Deus “não os considerou”, isto é,
com a mesma bondade que anteriormente; pois ele se negou a ir
com eles como havia feito até então, e agiu severamente para com
eles, fazendo-os peregrinar no deserto até serem consumidos. Em
cada um desses dois sentidos o objetivo é mostrar que a aliança foi
quebrada por eles e que eles foram tratados de acordo com isso.
Mas os expositores encontram ou criam grandes dificuldades
nisso. Geralmente, supõe-se que o apóstolo seguiu a tradução da
LXX ao citar essas palavras. Contudo, eles próprios não estão de
acordo sobre a tradução da palavra hebraica ‫ בָּ ﬠַ לתּ י‬pela palavra
grega ἠμέλησα . Alguns dizem que as cópias originais podem diferir
de algumas das cópias que agora temos a nossa disposição.
Portanto, como alguns pensam, acredita-se que as cópias originais
possam conter, ‫בָּ חַ ְלתּ י‬, “neglexi”, ou ‫ ַגָּﬠַ ְל ִת י‬, “fastidivi”, ou seja, “eu os
negligenciei” ou “os detestei”. E aqueles que falam mais
modestamente, supõe que a cópia da LXX que ele fez uso tivesse
uma daquelas palavras em vez de ‫בָּ ﬠַ ְל ִתּ י‬, a qual ainda é a leitura
mais verdadeira; mas porque isso não dizia respeito à substância do
argumento que ele estava tratando, o apóstolo não se afastaria
daquela tradução que estava em uso entre os judeus helenísticos.
Mas mesmo a melhor dessas conjecturas é incerta, e algumas
delas não devem ser sequer admitidas. Não é certo que o apóstolo
tenha feito quaisquer de suas citações a partir da tradução da LXX;
sim, o contrário é bastante certo e fácil de ser demonstrado. Nem
ele escreveu essa epístola aos judeus helenísticos, ou àqueles que
viviam ou pertenciam às comunidades judaicas dispersas, nas quais
se fazia uso da língua grega; mas ele a escreveu para os habitantes
de Jerusalém e da Judeia principalmente e em primeiro lugar, as
quais não faziam uso daquela tradução. Ele expressou o sentido da
Escritura à medida que foi direcionado pelo Espírito Santo a usar
suas próprias palavras.
É tanto perigoso como falso admitir alterações no texto original
e, em seguida, oferecermos nossas conjeturas para suprir outras
palavras sobre o que deveria estar contido ali. Isso não serve para
explicar, mas para corromper a Escritura. Para esse fim, um homem
erudito (Pococke[256] in Miscellaneas) se esforçou para provar que a
palavra ‫בָּ ﬠַ ְלתּ י‬, por todas as regras de interpretação, neste lugar
deve significar “desprezar e negligenciar”, e era assim que deveria
ter sido traduzida. E isso ele confirma a partir do uso dessa mesma
palavra na língua árabe. Com grande satisfação, o leitor pode
encontrar isso na referida obra de Pococke.
Minhas apreensões estão fundamentadas no que eu já
observei e provei. O apóstolo nem nesse e nem em nenhum outro
lugar se prende precisamente à tradução das palavras, mas
infalivelmente nos dá o sentido e o significado delas; e é isso que
ele fez nesse lugar. Pois, embora a palavra ‫ בַּ ﬠַ ל‬signifique um
“marido”, ou ser um marido ou um senhor, quando a letra ‫ ב‬é
adicionada a ela, como acontece aqui, ‫בָ ם בָּ ﬠַ ְל ִתּ י‬, o sentido é, “jure
usus sum maritali”, isto é, exerci o direito, o poder e a autoridade de
um marido para com eles; lidei com eles como um marido com uma
esposa que quebra a aliança: “O significado disso é:”, diz o
apóstolo, “Eu para eles não atentei” com o amor, a bondade e a
afeição de um marido. E foi assim que Deus realmente lidou com
aquela geração que tão repentinamente quebrou a aliança com ele.
Ele não mais lhes permitiu desfrutarem da herança, não os levou
para o lugar de sua habitação, o seu lugar de descanso na terra da
promessa; mas antes ele fez com que todos perambulassem e
sofressem o castigo devido a seus adultérios no deserto, até que
fossem consumidos. Assim, Deus exerceu o direito, o poder e a
autoridade de um marido em relação a uma esposa que havia
quebrado a aliança. E nisso, como em muitas outras coisas naquela
dispensação, Deus forneceu uma representação da natureza do
Pacto das Obras e da entrega dele.
A Verdade Dessas Coisas

Em terceiro lugar, há uma confirmação da verdade dessas


coisas nessa expressão, “Diz o Senhor”. Essa afirmação não deve
ser estendida a toda a questão, ou à promessa da introdução da
Nova Aliança; pois isso é garantido com a mesma expressão no
versículo 8, λέγει κύριος , “Diz o Senhor”. Essa afirmação traz
consigo uma palavra peculiar π άθος ,[257] a qual é acrescentada no
final das palavras ‫נְ אֻ םאּיְה ָו ה‬, e se refere apenas ao pecado do povo
e o tratamento de Deus para com eles de acordo com tais pecados.
E isso manifesta o significado das palavras anteriores como sendo a
severidade de Deus para com eles: “Eu usei a autoridade de um
marido para com eles, não os considerei mais como uma esposa”,
diz o Senhor.
Ora, Deus expressou assim a sua severidade para com eles
para que pudessem considerar como ele lidaria com todos aqueles
que desprezam, quebram ou negligenciam sua aliança. “Então”, diz
ele, “foi assim que eu lidei com eles; e do mesmo modo vou lidar
com os outros que me ofendem de maneira semelhante”.
Foi isso que aconteceu com aqueles com quem a primeira
aliança foi feita. Eles a receberam, entraram solenemente nas
obrigações dela, expressamente se comprometeram a realizar seus
termos e condições e foram aspergidos com o sangue dela; mas
eles “não pertenceram nela”, e então foram tratados de acordo com
isso. Deus usou o direito e a autoridade de um marido para com a
esposa que quebra a aliança; ele “não os considerou”, não os
deixou entrar em sua casa, privou-os de seu dote ou herança e os
matou no deserto.

A Promessa de Outra Aliança


Nessa declaração, Deus promete fazer outra aliança com eles,
na qual todos esses males deverão ser evitados. Essa é a aliança
que o apóstolo pretende provar ser melhor e mais excelente que a
primeira. E isso ele faz principalmente ao tratar do mediador e fiador
dela, ao compará-lo com os sacerdotes araônicos, cujo ofício e
serviço pertencia totalmente à administração daquela primeira
aliança. E ele confirma isso também a partir da própria natureza
dessa Nova Aliança, especialmente no que diz respeito à sua
eficácia e duração. E para isso ele cita expressamente essa
passagem como um testemunho disso, evidenciando como essa
aliança perpetuamente, através da graça administrada nela, previne
daquele fracasso que ocorreu com a primeira aliança devido ao
pecado do povo.
Portanto, ele diz sobre isso οὐ κατὰ τήν , “Não segundo a
aliança que fiz com seus pais”, isto é, não uma aliança que seja
igual à primeira nem no que diz respeito às suas promessas e
eficácia, e nem no que concerne à sua duração. Pois o que é
principalmente prometido aqui, a saber, a concessão de um novo
coração, Moisés afirma expressamente que não foi feito na
administração da primeira aliança. A Nova Aliança não é uma
renovação da Antiga Aliança e nem uma reforma dela, mas uma
aliança totalmente de outra natureza, por cuja introdução e
estabelecimento essa outra e Antiga Aliança deveria ser abolida,
revogada e removida, juntamente com o sistema de culto e serviços
a Deus que eram peculiares a ela. E foi principalmente essa
verdade que o apóstolo intencionou provar e convencer os hebreus.
E a partir de tudo isso podemos fazer várias observações:
Sétima Observação Prática

Nenhuma aliança entre Deus e o homem jamais foi ou poderia


ser estável e eficaz, quanto aos fins dela, se não fosse feita e
confirmada em Cristo. Primeiramente, Deus fez uma aliança
conosco em Adão. Não havia nada a esse respeito, senão a mera
defectibilidade[258] de nossas naturezas, pois éramos criaturas que
poderiam torná-la ineficaz. E daí é que isso procedeu. Em Adão
todos pecamos, por quebramos a aliança. O Filho de Deus não Se
interpôs, nem Se comprometeu em nosso favor. O apóstolo nos diz
que “todas as coisas subsistem por ele” (Colossenses 1:17); sem
Ele, elas não têm subsistência, consistência, estabilidade ou
duração. Então essa primeira aliança foi imediatamente quebrada.
Ela não foi confirmada pelo sangue de Cristo. E aqueles que
supõem que a eficácia e a estabilidade da presente aliança
dependem somente de nossa própria vontade e diligência,
precisavam não apenas afirmar que nossa natureza está livre
daquela depravação, assim como ela estava quando essa aliança
foi quebrada, mas que também está livre daquela defectibilidade
que nos caracterizava antes de cairmos em Adão. Os que supõem
tais coisas, negligenciam a interposição de Cristo e comprometem a
si mesmos com imaginações desse tipo, e certamente conhecem
pouco a si mesmos, e ainda menos a Deus.

Oitava Observação Prática

Nenhuma administração externa de uma aliança feita pelo


próprio Deus e nem qualquer obrigação de misericórdia na mente
dos homens pode capacitá-los a permanecer firmes na obediência
da aliança, sem que haja uma influência efetiva da graça de e por
Jesus Cristo. Pois veremos nos próximos versículos que essa é a
única provisão que é feita na sabedoria de Deus para nos tornarmos
firmes na obediência e para que sua aliança seja eficaz para nós.

Nona Observação Prática


Deus, ao fazer uma aliança com qualquer um, ao propor os
termos dela, retém o seu direito e autoridade para lidar com as
pessoas de acordo com seu comportamento em e relacionado a
essa aliança: “Eles quebraram a minha aliança e eu não os
considerei”.

Décima Observação Prática

Com isso Deus previne os homens de sua preocupação


especial quanto à quebra de sua aliança, pois esse é o mais
elevado julgamento que neste mundo pode cair sobre qualquer
pessoa.
E estamos preocupados com todas essas coisas. Pois embora
o Pacto da Graça seja estável e eficaz para todos os que são
realmente participantes dele, contudo, no que diz respeito à sua
administração externa, na qual entramos por uma profissão visível,
ele pode ser quebrado, para a ruína temporal e eterna de pessoas e
igrejas inteiras. Tome cuidado com o bezerro de ouro.
Capítulo 5
Exposição dos Versículos 10-12

As Promessas da Nova Aliança

“Porque esta é a aliança que depois daqueles dias farei com


a casa de Israel, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu
entendimento, e em seu coração as escreverei; E eu lhes
serei por Deus, e eles me serão por povo; e não ensinará
cada um a seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo:
Conhece o Senhor; porque todos me conhecerão, desde o
menor deles até ao maior. Porque serei misericordioso para
com suas iniquidades, e de seus pecados e de suas
prevaricações não me lembrarei” (Hebreus 8:10-12).[259]
O propósito do apóstolo, ou o argumento geral que ele está
intencionando, deve ainda ser levado em conta durante toda a
consideração das passagens bíblicas que ele cita para a
confirmação disso. E esse propósito é provar que o Senhor Jesus
Cristo é o Mediador e o Fiador de uma melhor aliança do que aquela
em que o culto a Deus era administrado pelos sumos sacerdotes
segundo a lei. Logo, segue-se que o seu sacerdócio é maior e muito
mais excelente do que o deles. Para esse fim, ele não apenas prova
que Deus prometeu fazer tal aliança, mas também declara a
natureza e as características dela, segundo as palavras do profeta.
E assim, ao compara-la com a Antiga Aliança, ele manifesta a sua
excelência superior. Em particular, nessa passagem, a imperfeição
da Antiga Aliança é demonstrada a partir de seu resultado. Pois, não
preservou de modo eficaz a paz e o amor mútuo entre Deus e o
povo; mas ao ser quebrada por eles, então eles foram por isso
rejeitados por Deus. Esse fato tornou todos os outros benefícios e
vantagens inúteis. Então, o apóstolo insiste a partir do profeta sobre
as características dessa outra aliança que infalivelmente impede um
resultado semelhante, assegurando a obediência do povo para
sempre, e assim o amor e a relação de Deus com eles como o seu
Deus.
Para esse fim, esses três versículos nos dão uma descrição da
aliança da qual o Senhor Jesus Cristo é o Mediador e o Fiador, não
absoluta e inteiramente, mas quanto às características e efeitos dela
naquilo em que difere da Antiga, de modo a assegurar infalivelmente
a relação pactual entre Deus e o povo. A Antiga Aliança foi
quebrada, mas a Nova Aliança jamais o será, porque uma provisão
é feita na própria aliança contra qualquer coisa desse tipo.
E podemos considerar nas palavras: 1. A partícula de
introdução, ὅτι , correspondendo ao hebraico, ‫כִּ י‬. i2. O assunto
falado, que é διαθήκη ; com o modo de efetuá-lo ἥν διαθήσομαι ,
“que farei”. 3. O autor da alinça, o Senhor Yahwéh; “farei... diz o
Senhor”. 4. Aqueles com quem deveria ser feita, “a casa de Israel”.
5. O tempo de fazê-la, “depois daqueles dias”. 6. As características,
privilégios e benefícios dessa aliança, que são de dois tipos: (1.) De
graça interior e santificadora; descrita por uma dupla consequência:
[1.] A relação de Deus para eles, e deles para com Deus: “eu serei o
seu Deus e eles serão o meu povo” (v. 10). [2.] O favorecimento
deles por esse meio, sem o uso de outras ajudas como antigamente
precisavam (v. 11). (2.) De graça relativa, demonstrada no perdão
dos seus pecados (v. 12). E várias coisas de grande importância
serão consideradas sob esses diversos tópicos.

Exposição do versículo 10
“Porque esta é a aliança que depois daqueles dias farei com a
casa de Israel, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu
entendimento, e em seu coração as escreverei; E eu lhes serei por
Deus, e eles me serão por povo”.

Introdução da Declaração da Nova Aliança

A introdução da declaração da Nova Aliança é feita pela


partícula ὅτι . A palavra hebraica ‫ כִּ י‬que é aqui traduzida pelo
apóstolo é usada de várias maneiras e às vezes é redundante. No
profeta, alguns o traduzem por uma exceção, “sed”, alguns por um
ilativo, “quoniam”. E aqui ὅτι é traduzido por alguns “quamborem”,
“para esse fim” e por outros “nam” ou “enim”, como o traduzimos,
“porque”. E indica uma razão do que foi falado antes, a saber, que a
aliança que Deus faria agora não deveria estar de acordo a Antiga,
ou ser semelhante àquela que foi feita anteriormente e quebrada.

O Assunto: A Criação de uma Aliança

Uma “aliança” é prometida no profeta e a palavra é ‫בּ ִרי ת‬, ְ e


aqui, διαθήκη . No profeta, O modo de fazê-la é denotado pela
palavra ‫אֶ כְ ֹר ת‬, que é a palavra usual de acordo com a qual a criação
de uma aliança é expressa. Por significar “cortar”, “atingir”, “dividir”,
relaciona-se aos sacrifícios pelos quais as alianças eram
confirmadas. A partir disso também temos as expressões “foedus
percutere” e “foedus ferire”[260] (Veja Gênesis 15:9, 10, 18). A
palavra ּ ‫ אֶ ת‬ou ‫ﬠַ ם‬, ou seja, “cum”, denota algo que está unido
(Gênesis 15:18; Deuteronômio 5:2). O apóstolo traduz essa palavra
por διαθήσομαι , com um caso dativo e sem uma preposição, τῷ
οἴκῳ , “farei” ou “confirmarei”. Antes ele havia usado a palavra
συντελέσω com o mesmo propósito.
Traduzimos as palavras ‫ ְבּ ִרי ת‬e διαθήκη nessa passagem por
uma “aliança”, embora depois a mesma palavra seja traduzida por
“testamento”. Uma aliança é propriamente um pacto ou acordo
sobre certos termos estipulados mutuamente por duas ou mais
partes. Como promessas são o fundamento e a proposta da aliança,
à medida que ela se dá entre Deus e o homem, ela também inclui
preceitos ou leis de obediência, que são prescritos ao homem para
que sejam observados. Mas na descrição da aliança aqui anexada,
não há menção de qualquer condição por parte do homem, de
quaisquer termos de obediência prescritos a ele, mas o todo
consiste em promessas livres e gratuitas, como veremos na
explicação dela. Alguns concluem a partir disso que apenas uma
parte da aliança é que está sendo descrita. Outros observam a partir
dessa passagem que toda a aliança de graça como uma aliança é
absoluta, sem quaisquer condições de nossa parte, e esse é o
sentido dessa passagem defendido por Estius.[261] Mas essas
coisas devem ser investigadas com base em: (1.) A palavra ‫בּ ִרי ת‬, ְ
usada pelo profeta, não significa apenas uma “aliança” ou acordo
propriamente dito, mas também uma promessa livre e gratuita. Sim,
às vezes, essa palavra é usada para tal propósito livre de Deus com
relação a outras coisas, as quais em sua própria natureza são
incapazes de serem obrigadas por qualquer condição moral. Tal é o
acordo de Deus com o dia e com a noite (Jeremias 33:20, 25). E
assim ele diz que “fez a sua aliança”, para não mais destruir o
mundo pela água, “com toda alma vivente” (Gênesis 9:10-11).
Portanto, nada pode ser argumentado quanto à necessidade de
condições para pertencer a essa aliança a partir do nome ou termo
de acordo com o que é expresso pelo profeta. Uma aliança é
apropriadamente descrita pela palavra συνθ ή κη ,[262] mas não há
palavra em toda a língua hebraica para essa significação precisa.
(2.) A realização dessa aliança é declarada pela palavra .‫כּ ַָר ִתּ י‬
263]] Mas nem isso requer uma estipulação mútua, nos termos e

condições prescritas, para uma entrada na aliança. Pois se refere


aos sacrifícios pelos quais as alianças eram confirmadas; e aplica-
se a uma promessa gratuita, como encontramos em Gênesis 15:18:
“Naquele mesmo dia fez o Senhor uma aliança com Abrão, dizendo:
à tua descendência tenho dado esta terra…”.
Quanto à palavra διαθήκη , significa, impropriamente, um
“pacto”; já propriamente, significa uma “disposição testamentária”. E
isso pode ser sem quaisquer condições por parte daqueles a quem
algo é legado.
(3.) Tudo que é pretendido por essa aliança é expresso na
descrição que se segue. Pois, se fosse de outro modo, não poderia
ser provado a partir daí que essa aliança era mais excelente do que
a anterior, especialmente quanto à segurança de que a relação de
aliança entre Deus e o povo não poderia ser quebrada ou desfeita.
Pois essa é a principal coisa que o apóstolo pretende provar nesse
lugar; e a falta de observação disso tem feito com que muitos
expositores desse tema tenham se afastado do seu verdadeiro
significado. Se, portanto, essa não é uma descrição completa da
aliança, ainda pode haver algo reservado em essência pertencente
aquilo que poderia frustrar esse fim. Pois algumas dessas condições
podem ainda ser requeridas, as quais não possamos observar ou
não tenhamos segurança alguma que permaneceremos na
observação delas. E por essa razão essa Nova Aliança poderia ser
frustrada de sua finalidade, assim como a Antiga; o que é
diretamente contrário à declaração de Deus sobre seu propósito
com essa Nova Aliança.
(4.) É evidente que não pode haver condição prévia requerida
para nossa participação ou entrada nos benefícios dessa aliança, os
quais antecedam à sua realização conosco. Pois ninguém imagina
que existam tal condição prévia com respeito à sua constituição
original; nem pode haver isso em relação à realização dessa aliança
conosco ou à nossa entrada nela. Pois, [1.] Isso tornaria a aliança
inferior à graça daquela que Deus fez com o povo em Horebe. Pois
ele declara que não havia nada neles que O movesse a fazer aquele
pacto aliança ou para levá-los a pactuar com Ele. Em toda parte,
Deus afirma que esse é um ato proveniente de sua pura graça e
favor. Sim, ele frequentemente declara que fez aliança com eles não
apenas sem qualquer relação a alguma coisa boa que havia neles,
mas apesar de que fossem maus e obstinados (Veja Deuteronômio
7:7-8, 9:4-5).
[2.] Isso é contrário à natureza, finalidade e características
expressas dessa aliança. Pois não há nada que possa ser pensado
ou suposto ser tal condição, senão aquilo que está compreendido na
promessa da própria aliança; porque tudo o que Deus requer em
nós é proposto como aquilo que ele mesmo efetuará em virtude
dessa aliança.
(5.) É certo que, na dispensação exterior da aliança, na qual a
graça, a misericórdia e os termos dela são propostos para nós,
muitas coisas são requeridas de nós para uma participação nos
benefícios dela; pois Deus ordenou que toda a misericórdia e graça
que são providas nessa aliança sejam comunicadas ordinariamente
no uso de meios externos, pelos quais é exigido um cumprimento de
nossa parte em uma forma de dever. Para esse fim, ele designou
todas as ordenanças do Evangelho, a Palavra e os sacramentos,
com todos os deveres, públicos e privados, que são necessários
para torná-los efetivos para nós. Pois, Deus nos conduzirá
ordinariamente a essa aliança nas e pelas faculdades racionais de
nossas naturezas, para que ele seja glorificado nelas e por elas.
Para esse fim, essas coisas são exigidas de nós para a participação
nos benefícios dessa aliança. E se, portanto, alguém chamar a
nossa atenção para tais deveres da condição da aliança, isso não
deve ser contestado, embora apropriadamente não seja assim. Pois,
[1.] Deus opera a graça da aliança, e comunica a misericórdia dela,
antes de qualquer habilidade para o desempenho de tal dever; como
ocorre com as crianças eleitas.
[2.] Entre aqueles que são igualmente diligentes no
desempenho dos deveres pretendidos, ele faz uma discriminação,
preferindo um e não o outro. “Muitos são chamados, mas poucos
são escolhidos”; e o que alguém tem que não tenha recebido?
[3.] ele realmente leva alguns à graça da aliança, enquanto
eles estão envolvidos em uma oposição à dispensação exterior dela.
Um exemplo dessa graça foi a que ele deu a Paulo.
(6.) É evidente que a graça da primeira aliança, ou o fato de
Deus colocar a sua lei em nossos corações, não pode depender de
nenhuma condição de nossa parte. Pois o que quer que seja
antecedente a isso, sendo apenas uma obra ou ato de uma
natureza corrompida, não pode ser uma condição sobre a qual a
dispensação da graça espiritual é concedida. E esse é o grande
fundamento daqueles que negam absolutamente que o Pacto da
Graça seja condicional; a saber, que a primeira graça é prometida
absolutamente, e disso e de seu exercício a totalidade dessa graça
depende.
(7.) Para uma participação plena e completa em todas as
promessas da aliança, é necessária a fé de nossa parte, da qual o
arrependimento evangélico é inseparável. Mas embora esses
também sejam produzidos em nós em virtude daquela promessa e
graça da aliança que são absolutas, é um mero conflito sobre as
palavras argumentar se elas podem ser chamadas de condições ou
não. Por um lado, é uma certeza que não podemos ter uma
participação real na graça dessa aliança na adoção e na
justificação, sem fé ou crença; e, por outro lado, também é certo que
essa fé é produzida em nós, dada a nós, concedida a nós, pela
graça da aliança que não depende de nenhuma condição em nós
quanto à sua administração distintiva, e eu não me preocuparei com
o modo como os homens desejam chamar isso.
(8.) Embora não existam condições propriamente ditas de toda
a graça da aliança, ainda assim existem condições na aliança,
tomando esse termo, em um sentido amplo, para aquilo que, pela
ordem da constituição divina, precede algumas outras coisas e tem
uma influência em sua existência; pois Deus requer muitas coisas
com quem ele realmente faz aliança, e faz participantes das
promessas e benefícios dela. Dessa mesma natureza é toda aquela
obediência que nos é prescrita no Evangelho, em nossa caminhada
diante de Deus em retidão; e havendo uma ordem nas coisas que
pertencem a isso, alguns atos, deveres e partes de nossa
obediência graciosa, sendo designados para serem meios das
provisões adicionais da graça e da misericórdia da aliança, podem
ser chamados de condições requeridas de nós na aliança, bem
como de deveres prescritos para nós.
(9.) Os benefícios da aliança são de dois tipos: [1.] A graça e
misericórdia que a aliança reúne em si. [2.] A futura recompensa da
glória que ela promete. Aqueles do primeiro tipo são todos os meios
apontados por Deus, os quais devemos usar e desenvolver para a
obtenção do último, e assim podem ser chamados de condições
requeridas de nossa parte. Eles são apenas reunidos em nós, mas
as condições são usadas e desenvolvidas por nós.
(10.) Embora διαθήκη , a palavra aqui usada, possa significar e
ser corretamente traduzida como “aliança”, da mesma maneira que
a palavra ‫בּ ִרי ת‬,
ְ ainda assim o que é pretendido é propriamente um
“testamento” ou uma “disposição testamentária” das bênçãos. É a
vontade de Deus em e por Jesus Cristo, Sua morte e derramamento
de sangue, nos dar gratuitamente toda a herança da graça e da
glória. E sob essa perspectiva, a aliança não tem nenhuma
condição, e nenhuma é expressa ou insinuada nessa passagem.

Primeira Observação Prática

O Pacto da Graça, na forma de um testamento, confirmado


pelo sangue de Cristo, não depende de qualquer condição ou
qualificação que haja em nós, mas de uma livre concessão e oferta
de Deus; e é assim com todas as coisas boas preparadas nele.

Segunda Observação Prática

Os preceitos da Antiga Aliança são transformados em


promessas sob a Nova. Seu poder preceptivo e autoritativo não é
tirado, mas a graça é prometida para o desempenho deles. Assim, o
apóstolo tendo declarado que o povo quebrou a Antiga Aliança,
acrescenta que a graça será suprida na Nova para a realização de
todos os deveres de obediência que são exigidos de nós.

Terceira Observação Prática

Todas as coisas na Nova Aliança são propostas para nós como


promessas; e é somente pela fé que podemos ter uma participação
nelas. Pois fé é a única graça que devemos exercer, o dever que
devemos cumprir, para tornar efetivas as promessas de Deus para
nós (Hebreus 4:1-2).

Quarta Observação Prática

O senso da perda de acesso e participação nos benefícios da


Antiga Aliança é a melhor preparação para receber as misericórdias
da Nova.

O Autor dessa Aliança

O autor dessa aliança é o próprio Deus: “farei, diz o Senhor”.


Essa é a terceira vez que essa expressão, “diz o Senhor”, é repetida
nessa passagem bíblica. A obra expressa, em ambas as partes, a
anulação da Antiga Aliança e o estabelecimento da Nova, são tais
que demandam essa interposição solene da autoridade, veracidade
e graça de Deus. “Farei, diz o Senhor”. E a menção disso é
frequentemente inculcada a fim de gerar uma reverência em nós
com relação à obra que ele tão enfaticamente assume sobre si
mesmo. E isso nos ensina que,
Quinta Observação Prática

O próprio Deus, em e por Sua própria sabedoria soberana,


graça, bondade, suficiência e poder, deve ser considerado como a
única causa e Autor da Nova Aliança; ou que a abolição da Antiga
Aliança, com a introdução e estabelecimento da Nova é um ato de
mera sabedoria soberana, graça e autoridade de Deus. É o seu lidar
gracioso para conosco a partir de sua própria graça; sobre o que
não tínhamos a menor ideia e nem o menor desejo.

Com Quem a Nova Aliança é Feita

É declarado com quem essa Nova Aliança é feita: “Com a casa


de Israel” (v. 8), eles são chamados distintamente “a casa de Israel
e a casa de Judá”. A distribuição da posteridade de Abraão em
Israel e Judá tem relação com a divisão que ocorreu entre o povo
nos dias de Roboão. Antes, eles eram chamados apenas de Israel.
E no versículo 8 eles foram mencionados distintamente, para
testemunhar que nenhum dos descendentes de Abraão deveria ser
absolutamente excluído da graça da aliança, embora estivessem
divididos entre si; então aqui todos eles são expressos
conjuntamente por seu nome antigo de Israel, para manifestar que
todas as distinções relativas aos privilégios precedentes deveriam
ser removidas agora, pois “todo Israel poderia ser salvo”.[264] Mas
nós mostramos antes que todo o Israel de Deus, ou a igreja dos
eleitos, é principalmente intencionada por essa expressão.

O Tempo de Fazer a Aliança


O tempo da realização dessa promessa, ou da realização
dessa aliança, é expresso como: “Depois daqueles dias”. Existem
várias conjecturas sobre o sentido dessas palavras ou a
determinação do tempo delimitado nelas.
Alguns supõem que se refere ao tempo da entrega da lei no
Monte Sinai. Então a Antiga Aliança foi feita com os pais; mas
depois daqueles dias, seria feita outra aliança. Mas, embora o
tempo, “aqueles dias”, fossem muito remotos em relação à profecia
dada por Jeremias, a saber, cerca de oitocentos anos, era
impossível, senão que a Nova Aliança, que ainda não havia sido
dada, fosse “depois daqueles dias”; para esse fim, não havia
propósito algum em expressar que essa aliança deveria ser feita
depois daqueles dias, visto que era impossível que fosse de outro
modo.
Alguns acham que essa expressão diz respeito ao cativeiro
babilônico e ao retorno do povo de lá; porque Deus lhes mostrou
grande bondade, ao conduzi-los à obediência. Mas nem esse tempo
pode ser pretendido; porque nessa ocasião, Deus não fez uma nova
aliança com o povo, mas estritamente os obrigou aos termos do
Antiga Aliança (Malaquias 4:4-6). Mas quando esta Nova Aliança
fosse feita, a Antiga seria abolida e removida, como o apóstolo
expressamente afirmou (v. 13). A promessa não é de uma nova
obrigação, ou nova ajuda à observância da Antiga Aliança, mas de
fazer uma Nova Aliança de outra natureza, que não foi feita nessa
ocasião.
Alguns julgam que essas palavras, “depois daqueles dias”,
referem-se ao que ocorreu imediatamente antes, “eu para eles não
atentei”, palavras essas que incluem a total rejeição dos judeus.
“Depois daqueles dias em que tanto a casa de Judá como a casa de
Israel serão rejeitadas, farei uma nova aliança com todo o Israel de
Deus”. Mas isso também não resiste à uma análise mais atenta,
pois, (1.) Supondo que a expressão, “eu para eles não atentei”,
indique a rejeição dos judeus, ainda é manifesto que a sua rejeição
e exclusão absolutamente não era em e por sua não continuidade
na Antiga Aliança, ou por não serem fiéis a ela, mas pela rejeição da
Nova Aliança quando ela foi proposta a eles. Então eles caíram pela
incredulidade, como o apóstolo manifesta de modo explícito no
capítulo 3 dessa epístola e em Romanos 11. Para esse fim, não se
pode dizer que a realização da Nova Aliança é posterior à sua
rejeição, visto que eles foram rejeitados por sua recusa e desprezo
por ela.
(2.) Por essa interpretação toda a casa de Israel, ou toda a
posteridade natural de Abraão, seria totalmente excluída de
qualquer participação nessa promessa. Mas isso não pode ser
admitido, pois não foi assim “de facto”,[265] um remanescente foi
conduzido à essa aliança; e embora fosse um remanescente em
comparação com o todo, contudo, em si mesmo era uma multidão
tão grande, a ponto de como se neles as promessas feitas aos pais
tivessem sido confirmadas. Nem essa suposição seria uma predição
de uma Nova Aliança, ou de qualquer promessa, para eles, mas sim
uma severa denúncia de juízo. Mas é dito expressamente que Deus
faria essa aliança com eles, como fez com os pais; a qual é uma
promessa de graça e misericórdia.
Para esse fim, “depois daqueles dias”, significa algo como,
naqueles dias, a saber, uma época indeterminada para algo
determinado. Assim, “naqueles dias” é frequentemente usado nos
profetas (Isaías 24:21-22; Zacarias 12:11). Portanto, um tempo
certamente futuro, mas não determinado, é tudo o que se pretende
com essa expressão, “depois daqueles dias”. E assim, a maioria dos
expositores fica satisfeito. No entanto, há, como julgo, algo mais
nessas palavras.
A expressão, “daqueles dias”, parece-me compreender o todo
o tempo destinado à economia do Antigo Testamento ou à
dispensação da Antiga Aliança. Tal tempo foi designado para isso no
conselho de Deus. Durante esse tempo, as coisas seriam como
descritas no versículo 9. O período definido e fixado para esses dias
é chamado pelo nosso apóstolo de “o tempo da correção” (Hebreus
9:10). “Depois daqueles dias”, ou seja, por ocasião da sua
expiração, ou quando eles estivessem chegando ao fim, de acordo
com o que a primeira aliança se tornaria velha e obsoleta, Deus faria
essa aliança com eles. E embora muito tenha sido feito em relação
a isso antes que aqueles dias chegassem ao fim e realmente
expirassem, ainda assim é sobre a sua realização que se diz
“depois daqueles dias”, pois isso será feito por ocasião do término e
expiração daqueles dias, isso deve acontecer para colocar um fim
pleno e definitivo a tais dias.

O Tempo Exato da Realização dessa Promessa

Em termos gerais, este foi o tempo aqui designado para a


realização e estabelecimento da nova aliança. Mas ainda
precisamos investigar mais detalhadamente o tempo exato do
cumprimento dessa promessa. E eu digo, o todo não pode ser
limitado a qualquer momento, absolutamente, como se tudo o que
foi pretendido por Deus, em criar essa aliança, consistisse em
qualquer ato único. A realização da antiga aliança com os pais é dita
ser “no dia em que Deus os tomou pela mão, para tirá-los da terra
do Egito”. Durante a época pretendida houve muitas coisas que
eram preparatórias para a realização dessa aliança, ou para o
estabelecimento solene dela. Assim foi também na realização da
nova aliança. Ela foi gradualmente feita e estabelecida, e isso por
vários atos preparatórios ou confirmatórios. E há seis graus
observáveis nisso: (1.) A primeira introdução específica da Nova
Aliança foi feita pelo ministério de João Batista. Deus o havia
levantado para enviá-lo em seu nome, no espírito e poder de Elias,
a fim de preparar o caminho do Senhor (Malaquias 4). Portanto, o
seu ministério é chamado de “o princípio do evangelho” (Marcos 1:1-
2). Até a sua vinda, as pessoas estavam ligadas absoluta e
universalmente à aliança feita em Horebe, sem alteração ou
acréscimo em qualquer ordenança de culto. Mas o seu ministério foi
planejado para prepará-los e fazer com que eles atentassem para o
cumprimento dessa promessa da criação da Nova Aliança
(Malaquias 4:4-6). E aqueles por quem seu ministério foi
desprezado, “rejeitaram o conselho de Deus contra si mesmos”,[266]
ou seja, para a sua ruína; e se fizeram sujeitos a essa rejeição total
com a ameaça que aparece na conclusão dos escritos do Antigo
Testamento (Malaquias 4:6). João, portanto, convocou o povo a não
descansar ou confiar nos privilégios da primeira aliança (Mateus 3:8-
10); pregou-lhes uma doutrina do arrependimento; e instituiu uma
nova ordenança de culto, de acordo com a qual eles poderiam ser
iniciados em um novo estado ou condição, em uma nova relação
com Deus. E em todo o seu ministério, ele apontou, conduziu a e
deu testemunho daquele que estava prestes a estabelecer essa
Nova Aliança. Esse foi o começo do cumprimento dessa promessa.
(2.) A encarnação e o ministério pessoal de nosso Senhor
Jesus Cristo foi um avanço e um grau eminente a esse respeito. A
dispensação da Antiga Aliança ainda continuou; pois ele próprio,
tendo “nascido de mulher” e “nascido sob a lei”,[267] obedeceu-a,
observando todos os seus preceitos e instituições. Mas a sua vinda
em carne colocou um machado na raiz de toda essa dispensação;
porque, nesse aspecto, o fim principal que Deus designou por esse
meio para esse povo foi cumprido. A interposição da lei agora
deveria ser tirada e a promessa deveria se tornar tudo para a igreja.
Portanto, em seu nascimento, essa aliança foi proclamada do céu,
como aquela que aconteceria imediatamente (Lucas 2:13-14).
Porém, ela foi mais completa e evidentemente realizada em e pelo
seu ministério pessoal. Toda a doutrina dele era preparatória para a
introdução imediata dessa aliança. Mas especialmente havia a esse
respeito e por esse meio — pela verdade que ele ensinou e pelo
modo como ele as ensinou, e pelos milagres que fez, e isso em
conjunto com uma realização evidente das profecias concernentes a
ele — evidência de que Jesus era o Messias, o Mediador da Nova
Aliança. Nisso havia a declaração sobre a pessoa em quem e por
quem essa Nova Aliança deveria ser estabelecida; e, portanto, ele
lhes disse que, a menos que cressem que era ele o Messias
prometido, morreriam em seus pecados.[268]
(3.) O caminho para a introdução dessa aliança, sendo assim
preparado, foi solenemente promulgado e confirmado em e por Sua
morte; pois nisso Jesus ofereceu aquele sacrifício a Deus de acordo
com o qual a aliança foi estabelecida. E por esse meio a promessa
se tornou propriamente διαθήκη , um “testamento”, como nosso
apóstolo prova amplamente em Hebreus 9:14-16. E ele declara no
mesmo lugar, que isso correspondia àqueles sacrifícios cujo sangue
era aspergido sobre o povo e o livro da lei, na confirmação da
primeira aliança (deveremos tratar dessas coisas depois). Esse foi o
centro no qual todas as promessas da graça se encontraram e a
fonte de onde derivaram a sua eficácia. Desse ponto em diante, a
Antiga Aliança, e todas as suas administrações, tendo recebido a
sua plena realização, teve continuidade apenas devido à paciência
de Deus, até que fosse abolida e retirada do caminho em seu
próprio tempo e maneira; pois realmente, e em si mesma, a sua
força e autoridade cessaram e foram retiradas (veja Efésios 2:14-16;
Colossenses 2:14-15). Mas a nossa obrigação de obediência e a
observância de mandamentos, embora formal e definitivamente
sejam estabelecidos de acordo com a vontade de Deus, contudo
imediatamente se relacionam com a revelação da sua vontade, pela
qual somos diretamente obrigados. Para esse fim, embora as
causas da remoção da Antiga Aliança já tivessem sido aplicadas a
isso, ainda assim a lei e suas instituições continuavam não apenas
legais, mas úteis para os adoradores, até que a vontade de Deus a
respeito de sua revogação fosse totalmente declarada.
(4.) Essa Nova Aliança teve o complemento de sua realização
e estabelecimento na ressurreição de Cristo. Pois assim a Antiga
Aliança teria o seu fim perfeito. Deus não fez a primeira aliança e, a
esse respeito, revive, representa e confirma o Pacto das Obras, com
a promessa anexada a ele, de modo que isso devesse continuar
apenas por um certo período, e então findar por si mesma, e ser
arbitrariamente removida; mas toda essa dispensação tinha um fim
a ser cumprido, e sem o qual não era coerente com a sabedoria ou
a justiça de Deus removê-la ou aboli-la. Sim, nada disso poderia ser
removido até que tudo fosse cumprido. Era mais fácil remover o céu
e a terra do que remover a lei, quanto ao seu direito e legitimidade
para governar as almas e consciências dos homens, antes que tudo
fosse cumprido. E esse fim tinha duas partes: [1.] O cumprimento
perfeito da justiça que ela exigia. Isso foi feito na obediência de
Cristo, o Fiador da Nova Aliança, no lugar daqueles com quem a
aliança foi feita.
[2.] Que a maldição deveria ser sofrida. Até que isso fosse
feito, a lei não podia deixar de reivindicar poder sobre os pecadores.
E à medida que essa maldição foi sofrida de forma dolorosa,
também foi absolutamente abolida na ressurreição de Cristo. Pois,
as dores da morte foram aniquiladas e ele foi libertado dentre os
mortos, a sanção da lei foi declarada como nula, e sua maldição foi
respondida. Por esse meio, a Antiga Aliança expirou, de modo que a
adoração que pertencia a ela só continuou por algum tempo, de
acordo com a paciência e tolerância de Deus para com aquele povo.
(5.) A primeira promulgação solene dessa Nova Aliança, feita,
ratificada e estabelecida, aconteceu no dia de Pentecostes, sete
semanas após a ressurreição de Cristo. E isso correspondeu à
promulgação da lei no Monte Sinai, e havia decorrido o mesmo
espaço de tempo após a libertação do povo do Egito. Desse dia em
diante, as ordenanças de culto e todas as instituições da Nova
Aliança tornaram-se obrigatórias para todos os crentes. Então, toda
a igreja foi absolvida de qualquer dever com respeito à Antiga
Aliança, e à adoração dela, embora isso ainda não fosse claro em
suas consciências.
(6.) Quanto à questão sobre a continuação da força obrigatória
da Antiga Aliança, o contrário foi solenemente proclamado pelos
apóstolos, sob a direção infalível do Espírito Santo (Atos 15).
Esses eram os artigos, ou os graus do tempo pretendidos
naquela expressão, “depois daqueles dias”; todos correspondiam
aos vários graus de acordo com os quais a Antiga seria abolida e
desaparecia.

A Natureza das Promessas da Nova Aliança


Após esclarecermos as circunstâncias da realização dessa
aliança, em seguida propomos considerar a natureza dela em suas
promessas. E ao expor as palavras, faremos estas duas coisas: 1.
Inquirir a natureza geral dessas promessas. 2. Explicá-las particular
e distintamente.

A Natureza Geral dessas Promessas

Em primeiro lugar, a natureza geral tanto da aliança quanto


das promessas de acordo com as quais ela é aqui expressa deve
ser brevemente investigada, porque há vários pontos de vistas
acerca delas. Alguns supõem que há uma eficácia especial
relacionada às coisas mencionadas e pretendidas nessas
promessas, e nada mais; alguns julgam que as coisas em si, o
evento e a finalidade, é que são prometidas.
No primeiro sentido, Schlichtingius se expressa assim sobre
essa passagem: “O significado dessa passagem não é: ‘Por um bom
tempo farei com que minhas leis sejam escritas apenas em tábuas
de pedra, mas farei uma aliança com eles para que minhas leis
possam ser gravadas em suas próprias mentes e corações’. É
evidente que essas palavras devem ser compreendidas dentro dos
limites de [seu] poder e eficácia, certamente não necessariamente
estendendo-se ao próprio resultado da inscrição, que sempre foi
referido à liberdade do homem; esse fato também foi ensinado pelas
seguintes palavras de Deus (v. 12). Por essas [palavras], o próprio
Deus revela a razão ou o modo e o conteúdo desse fato que é
mantido unido por Sua imensa graça e pela misericórdia para com o
povo. Por isso [Sua misericórdia], ele descreve o futuro para que o
povo possa se dedicar a ele fervorosamente e consiga guardar as
suas leis. Portanto, o significado é: ‘Farei uma aliança de tal tipo que
produzirá os maiores e mais suficientes recursos para preservar o
meu povo em fidelidade’”.[269]
E em outra parte ele diz: “Em vez dessas ordenanças e
observações carnais exteriores, eu lhes darei mandamentos
espirituais para a regulação de suas afeições, preceitos muito
agradáveis a todos os homens, [operados] pela excessiva grandeza
dessa graça e misericórdia. Nesse e em muitos outros casos
semelhantes, inclinarei as suas afeições para receber a Minha lei”.
O sentido de ambos é que tudo o que é aqui prometido
consiste na natureza dos meios, e sua eficácia, em inclinar, dispor e
engajar os homens nas coisas aqui faladas, mas não em produzi-las
com certeza e infalibilidade naqueles a quem a promessa é dada. E
supõe-se que a eficácia concedida decorre da natureza dos
preceitos do Evangelho, que são racionais e adequados aos
princípios de nossa natureza intelectual. Pois esses preceitos,
avivados pelas promessas feitas à observância deles, com as outras
misericórdias pelas quais eles são acompanhados no lidar de Deus
para conosco, são adequados para persuadir nossas mentes e
vontades à obediência; entretanto, quando tudo é feito, toda a
questão depende de nossas próprias vontades e de nossa própria
determinação de uma maneira ou de outra.

Refutação da Interpretação Sociniana e Demonstração


da Verdadeira Interpretação em Seis Aspectos

Mas essas explicações não são apenas passíveis de muitas


objeções, mas de fato destroem toda a natureza da Nova Aliança, e
o texto não é exposto, mas corrompido por elas; para esse fim, elas
devem ser refutadas e rejeitadas. E, 1. A explicação dada não pode
ser adaptada às palavras, de modo a conceder uma verdade em
seu sentido literal. Pois embora Deus diga que porá as suas leis na
mente deles, e as escreverá em seu coração, e eles o conhecerão,
o que declara que ele efetivamente o fará; o sentido da explicação
daqueles homens é que, de fato, Deus não o fará, ele somente fará
aquilo que os moverá e os persuadirá a fazerem por eles mesmos o
que Deus prometeu fazer por si mesmo, e isso quer os homens
façam ou não! Mas, se alguém a quem Deus diz que escreverá a
sua lei em seu coração, não a tenha assim escrita, seja por que
causa for, se supormos que mesmo assim a lei ainda não será
escrita em seu coração, como pode ser verdadeira a promessa que
Deus escreverá a sua lei em seu coração? É um argumento muito
pobre dizer que Deus, ao fazer essa promessa, não previu algum
impedimento que surgiria ou que não poderia superá-lo quando tal
coisa ocorresse.
2. É o evento, ou o efeito em si, que é prometido diretamente,
e não qualquer eficácia de meios que podem ser frustrados. Pois a
fraqueza e imperfeição da primeira aliança foi evidenciada
justamente nisso, a saber, que aqueles com quem ela foi feita não
perseveraram nela. Por causa disso, Deus não os rejeitou, e a
aliança se tornou inútil, ou pelo menos fracassou quanto ao fim geral
de dar continuidade na relação entre Deus e eles, de ele ser o seu
Deus, e eles serem o seu povo. Para corrigir esse mal e prevenir
coisas semelhantes para o futuro, ou seja, providenciar efetivamente
que Deus e seu povo sempre permaneçam nessa relação pactual
abençoada, ele faz suas promessas de acordo com as quais isso
possa ser assegurado. Aquilo que a primeira aliança não conseguiu
efetuar, Deus prometeu realizar na e pela Nova Aliança.
3. Não é dito e nem insinuado em qualquer lugar nas
Escrituras, que a eficácia da Nova Aliança, e a realização das
promessas dela, devem depender e provir da adequação de seus
preceitos à nossa razão ou a princípios naturais; mas isso é
universal e constantemente atribuída à eficácia do Espírito e da
graça de Deus, não apenas nos capacitando para a obediência, mas
nos dando um princípio espiritual, sobrenatural e vital, do qual a
obediência procede.
4. É verdade que nossas próprias vontades, ou as ações livres
delas, são requeridas em nossa fé e obediência; pelo que é
prometido que seremos “voluntários no dia do seu poder”.[270] Mas
afirmar que as nossas vontades são deixadas absolutamente à
nossa própria liberdade e poder, sem sermos inclinados e
determinados pela graça de Deus, é algo proposto pelo
pelagianismo, o qual há muito tempo atacou a igreja, mas jamais
chegou a prevalecer na igreja de Deus.
5. Gravar as leis de Deus em nossas mentes, e escrevê-las em
nossos corações, para que possamos conhecê-lo e temê-lo
continuamente, é prometido do mesmo modo e maneira como o é
com o perdão do pecado (v. 12); e é difícil definir um determinado
sentido a essa promessa de modo que venha a significar que Deus
usasse determinados meios para perdoar nossos pecados, os quais,
todavia, pudessem falhar.
6. Visto que essa explicação dessa passagem não é adequada
às palavras do texto, e nem do contexto ou do escopo da
passagem, de fato, ela perverte e arruína a natureza da Nova
Aliança, e a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que é comunicada
por esse meio. Pois, (1.) Se o efeito em si, ou as coisas
mencionadas, não forem prometidas, mas somente o uso desses
meios for deixado à liberdade da vontade dos homens, para que
eles os cumpram ou não, então a própria existência da aliança, terá
qualquer existência ou não, depende absolutamente das vontades
dos homens, e assim pode não existir. Pois não é a proposta dos
termos da aliança, e os meios pelos quais podemos entrar nela, que
isso é chamado de a realização dessa aliança conosco; mas a
nossa participação real da graça e misericórdia prometida nela. Só
isso dá uma existência real à própria aliança, sem a qual ela não é
uma aliança, e se isso estiver ausente essa aliança não pode ser
apropriadamente feita com qualquer pessoa.
(2.) O Senhor Jesus Cristo seria feito o Mediador de uma
aliança incerta por esse meio. Pois, se depender absolutamente das
vontades dos homens, de eles aceitarem os termos e os cumprirem
ou não, é incerto qual será o resultado, e se algum deles agirá
assim ou não; pois quando a vontade não é determinada pela graça,
as suas ações são totalmente incertas.
(3.) A aliança não pode, em nenhum sentido, ser um
testamento — o que nosso apóstolo prova que ela é — e ser
irrevogavelmente confirmada pela morte do Testador. Pois não pode
haver, nessa suposição, um herdeiro para quem Cristo legou os
seus bens e a herança de misericórdia, graça e glória. Isso tornaria
esse testamento inferior ao de um homem sábio, que determina em
detalhes para quem seus bens serão dados após sua própria morte.
(4.) Isso remove a diferença que há entre essa aliança e a
Antiga Aliança, que é o principal objetivo que o apóstolo busca
provar; e no mínimo, faz com que a diferença consista apenas na
eficácia gradual dos meios exteriores; o que é ainda mais distante
do seu propósito. Pois, pela Antiga Aliança, foram fornecidos meios
para induzir o povo à obediência constante, e meios poderosos. Isso
é alegado por Moisés, em quase todo o livro de Deuteronômio. Pois
o escopo de todas as suas exortações à obediência é mostrar que
Deus os instruiu no conhecimento de sua vontade ao dar a lei, e
acompanhou os seus ensinamentos com muitas misericórdias, os
quais eram efeitos de seu grande poder, bondade e graça; de modo
que a aliança foi acompanhada de tais promessas e ameaças a
ponto de, nesse aspecto, a vida e a morte temporais e eternas
terem sido colocadas diante deles; tudo isso tornava a sua
obediência tão razoável e necessária, que nada além de uma
maldade obstinada poderia afastá-los dela. Para esse propósito é
que Moisés faz os discursos que encontramos no livro de
Deuteronômio. Entretanto, apesar de tudo isso, é acrescentado:
“Que Deus não circuncidou seus corações para temê-lo e obedecê-
lo sempre”,[271] como é prometido aqui. A comunicação da graça
eficaz, produzindo infalivelmente as boas coisas propostas e
prometidas nas mentes e corações dos homens, não pertencia
àquela aliança. Se, portanto, nada mais estiver contido na
realização da Nova Aliança, além de apenas a adição de meios e
motivos exteriores mais fortes, mais adequados às nossas razões e
mais adequados para alcançar as nossas afeições, ela difere da
Antiga apenas em alguns graus imperceptíveis. Mas isso é
diretamente contrário à promessa do profeta, de que a Nova Aliança
não será conforme a Antiga Aliança ou do mesmo tipo dela;[272] e
Cristo, o sumo sacerdote, seria um sacerdote segundo a ordem de
Arão.
(5.) Seguindo essa suposição, Deus poderia cumprir a sua
promessa de “por as suas leis no entendimento dos homens e
escrevê-las em seus corações”, e ainda assim nenhum deles ter as
leis dele colocadas em seus entendimentos nem escritas em seus
corações, o que é um absurdo que não pode ser admitido como
verdadeiro pela razão comum da humanidade.
Assim, devemos admitir que esse é o efeito, o resultado na
comunicação das coisas prometidas, que é atribuído a essa aliança,
e não apenas o uso e a aplicação dos meios para a produção
desses efeitos e resultados. E isso ainda aparecerá na exposição
particular das várias partes dessa aliança. Mas, ainda assim, antes
de entrarmos nessa questão, duas objeções devem ser removidas,
as quais geralmente podem ser feitas contra a nossa interpretação.

Duas Objeções Respondidas

Primeira objeção: “Essa aliança é prometida como algo futuro,


a ser realizada em um determinado tempo, ‘depois daqueles dias’,
como foi declarado. Mas é certo que as coisas aqui mencionadas, a
graça e misericórdia expressas, foram de fato comunicadas muitos
antes e depois da promulgação da lei, muito antes dessa aliança ser
feita; pois todos os que realmente criam e temiam a Deus tinham
essas coisas operadas neles pela graça. Logo, a sua comunicação
eficaz não pode ser considerada uma característica dessa aliança
que seria feita depois”.
Resposta: Essa objeção foi suficientemente respondida no que
já dissemos sobre a eficácia da graça dessa aliança antes de ela
mesma ser solenemente consumada. Pois todas as coisas dessa
natureza que pertencem a ela surgem e provêm da mediação de
Cristo, ou de sua interposição em favor dos pecadores. Para esse
fim, isso ocorreu a partir da entrega da primeira promessa; a
administração da graça dessa aliança ocorreu nesse sentido e
depois em determinado tempo. Embora o Senhor Jesus Cristo ainda
não tivesse feito aquilo pelo que ela foi solenemente confirmada, e
de que todas as virtudes dela dependem. Para esse fim, essa
aliança é prometida ser feita, não em oposição à graça e
misericórdia que foi derivada dela tanto antes quanto sob a lei, nem
quanto à primeira administração da graça do seu Mediador; mas em
oposição à aliança do Sinai e com respeito à sua solene
confirmação exterior.
A segunda objeção: “Se as coisas são prometidas na aliança,
então todos aqueles com quem essa aliança é feita devem ser real e
efetivamente tornados participantes dela. Mas não é assim; nem
todos são realmente santificados, perdoados e salvos, que são as
coisas aqui prometidas”.
Resposta: A realização dessa aliança pode ser considerada de
duas maneiras: 1. Quanto à preparação e proposição de seus
termos e condições. 2. Quanto à estipulação interna entre Deus e as
almas dos homens. Somente neste sentido, é dito propriamente que
Deus faz essa aliança com alguém. A preparação e proposição de
leis não constituem a realização da aliança. E, portanto, todos com
quem essa aliança é feita são efetivamente santificados, justificados
e salvos.

As Propriedades Abençoadas e os Efeitos da Nova


Aliança

Em segundo lugar, essas coisas sendo pontuadas, como era


necessário, para o correto entendimento da mente do Espírito
Santo. Agora, tratarei das particularidades da aliança como aqui
expressas, a saber, as abençoadas propriedades e efeitos dessa
Nova Aliança, de acordo com o que ela se distingue da anterior.
Primeira Bênção Geral – Restauração da Imagem de
Deus em Nós

As duas primeiras expressões são da mesma natureza e


tendência: “Porei as minhas leis em seus corações, e as escreverei
em seus entendimentos”. Em termos gerais, essa é a reparação de
nossa natureza pela restauração da imagem de Deus em nós, ou
seja, o que é prometido nessas palavras é a nossa santificação. E
algo é expresso duplamente nessas palavras: 1. O que é atingido: o
“coração” e o “entendimento”. 2. A maneira de produzir o efeito
mencionado neles, a saber, “pôr” e “escrever”. E, 3. as coisas que
são comunicadas por esses meios: as “leis” de Deus.

O que é Atingido

O coração e o entendimento. Quando o apóstolo trata da


depravação e corrupção de nossa natureza, ele os coloca no τῇ
διανοίᾳ e no ἐν τῇ καρδίᾳ (Efésios 4:18), ou seja, “o entendimento”
e “o coração”. Esses são, na Escritura, o lugar da corrupção natural,
a residência do princípio de alienação da vida de Deus que há em
nós. Assim, a renovação de nossas naturezas consiste na
retificação e cura de nossos entendimentos e corações, ao operar
neles princípios contrários de fé, amor e união com Deus. E
podemos observar que,
Sexta Observação Prática

A graça de nosso Senhor Jesus Cristo na Nova Aliança, em


seu ser e existência, em sua eficácia restauradora e reparadora, é
tão grande e extensa quanto o pecado em sua habitação e poder
para depravar as nossas naturezas. Essa é a diferença sobre a
extensão da Nova Aliança, e a graça dela: Alguns creem que ela se
estenda a todas as pessoas, em sua proposição afetuosa e
condicional; mas não a todas as coisas, quanto à sua eficácia na
restauração de nossas naturezas. Outros afirmam que ela se
estende a todos os efeitos do pecado, para a remoção deles e a
cura de nossas naturezas por esse meio; mas, quanto às pessoas,
ela não é realmente estendida a ninguém, exceto àqueles em quem
esses efeitos são produzidos, não importando qual seja sua
administração exterior, que também sempre foi limitada — essa é a
posição que eu subscrevo.

Em seus Entendimentos

A primeira coisa mencionada é o “entendimento”, ּ ‫ק ֶרב‬,ֶ o que o


apóstolo traduz por διάνοια , “a parte interior”. A mente é a parte ou
poder da alma mais secreto e interior. E o profeta o expressa como
“interior”, porque é o único repositório seguro e útil das leis de Deus.
Quando elas estão ali, não as perderemos; nem homens nem
demônios podem tirá-las de nós. E ele também declara em que
consiste a excelência da obediência pactual. Não é a conformidade
de nossas ações exteriores com a lei, embora isso seja necessário
também; mas é principalmente nas partes interiores, onde Deus
procura e considera a verdade com sinceridade (Salmo 51:6). Para
esse fim, διάνοια é o “entendimento e a mente”, cuja depravação
natural é a fonte e o princípio de toda desobediência; cuja cura é
aqui prometida em primeiro lugar. Na administração exterior dos
meios da graça, as afeições, ou, se assim posso falar, a parte mais
externa da alma, geralmente são primeiro alcançadas e
estimuladas; mas o primeiro efeito real da graça interior prometida
na aliança está no entendimento, a parte mais espiritual e interna da
alma. No Novo Testamento isso é expresso pela renovação da
mente (Romanos 12:2; Efésios 4:23); a abertura dos olhos de
nossos entendimentos (Efésios 1:17-18); e Deus brilhando em
nossos corações, para nos dar o conhecimento de sua glória na
face de Jesus Cristo (2 Coríntios 4:6). Por esse meio, a inimizade
contra Deus, a vaidade, as trevas e a alienação da vida de Deus,
com a qual a mente naturalmente é tomada e preenchida, são
tiradas e removidas (tratei amplamente sobre a natureza dessa obra
em outros de meus escritos),[273] pois a lei de Deus no entendimento
consiste no conhecimento salvífico da mente e da vontade de Deus,
cuja lei é a revelação, comunicada ao entendimento e implantada
nele.

O Modo de Produzir o Efeito

O modo como Deus, no Pacto da Graça, age sobre a mente é


expresso por διδούς ; assim o apóstolo traduz ‫ נ ַָת ִתּ י‬por, “darei”.
διδούς , “dando”, pode ser substituído por δώσα , “darei”. Assim é
expresso na próxima cláusula, ἐ π ιγράψω , no futuro, “escreverei”.
A palavra que aparece no profeta é, “darei”, nós o traduzimos como
“colocarei”. Mas há duas coisas indicadas na palavra: (1.) A
liberdade da graça prometida; é uma pura concessão, presente ou
doação da graça. (2.) A eficácia dela. Aquilo que é dado por Deus
deve ser recebido por alguém, caso contrário não é um presente. E
essa última é bem expressa pela palavra usada por nós, “colocarei”,
que indica uma comunicação real, e não uma proposta infrutífera. O
apóstolo apresenta isso enfaticamente através do uso da palavra
διδούς ; ou seja, εἰμί , “isso é o que eu faço, o que estou fazendo
nessa aliança; ou seja, dando livremente aquela graça segundo a
qual minhas leis serão implantadas nos entendimentos dos
homens”.

O que é Comunicado: Minhas Leis


Antes de prosseguirmos para a natureza dessa obra, tanto
quanto for necessário para a exposição das palavras, podemos aqui
considerar o que foi observado em terceiro lugar, ou seja, o que é
prometido ser comunicado, e assim, meditarmos nisso durante a
exposição da outra cláusula dessa promessa.
Aquilo que deve ser colocado nesse receptáculo espiritual é
descrito com essas palavras, τοὺς νόμους μου , “minhas leis”, no
plural. Os expositores questionam quais são as leis aqui
pretendidas, se apenas a lei moral ou outras. Mas não há
necessidade de tal investigação. Há uma metonímia do sujeito e
efeito nas palavras. É aquele conhecimento da mente e da vontade
de Deus que é revelado na lei e ensinado por ela, que é prometido.
As “leis de Deus”, portanto, são aqui consideradas amplamente,
como toda a revelação da mente e vontade de Deus. Assim,
originalmente a palavra hebraica ‫תּוֹר ה‬ ָ significa “doutrina” ou
“instrução”. Seja qual for o meio ou revelação que Deus faça de si
mesmo e de sua vontade a nós, nos quais ele exige nossa
obediência nesse aspecto, tudo está contido na expressão “suas
leis”.

A Natureza da Graça na Primeira Promessa

A partir disso, podemos facilmente discernir a natureza dessa


graça que está contida nesse primeiro ramo da primeira promessa
da aliança, a saber, a operação eficaz do seu Espírito na renovação
e na iluminação salvífica de nossos entendimentos, de acordo com
o que eles são habitualmente moldados à toda a lei de Deus, ou
seja, a regra e a lei de nossa obediência na Nova Aliança, e
habilitados para todos os atos e deveres que são exigidos de nós. E
essa é a primeira graça prometida e comunicada a nós em virtude
dessa aliança, como era necessário; pois: 1. O entendimento é o
principal lugar de toda obediência espiritual. 2. As ações próprias e
peculiares do entendimento, tais como: discernir, conhecer e julgar,
devem ocorrer antes das ações da vontade e das afeições, e isso é
muito mais verdadeiro em relação às práticas exteriores. 3. A
depravação do entendimento é tal, pela cegueira, escuridão,
vaidade e inimizade, que nada pode inflamar as nossas almas, ou
lograr êxito em reparar as nossas naturezas, senão uma operação
de graça interior, espiritual e salvífica na mente. 4. A fé em si é
gerada principalmente por uma infusão de luz salvífica no
entendimento (2 Coríntios 4:4, 6). Então,
Sétima Observação Prática

Tanto as primeiras apreensões como o crescimento no


conhecimento salvífico de Deus, e por essa razão à obediência a
ele, são efeitos da graça da aliança.

Em seus Corações

A segunda parte dessa primeira promessa da aliança é


expressa nestas palavras: “E as escreverei em seus corações”, que
é aquilo que torna a primeira parte realmente eficaz.
Em geral, os expositores observam que isso tem relação com
a concessão da lei no Monte Sinai, ou seja, na primeira aliança; pois
então a lei (isto é, “as dez palavras”) foi escrita em tábuas de pedra.
E embora as tábuas originais tivessem sido quebradas por Moisés,
quando o povo quebrou a aliança, Deus não alteraria essa
dispensação, nem escreveria as suas leis de outra maneira, mas
ordenou que novas tábuas de pedra fossem feitas, e que fossem
escritas ali. E isso foi feito, não tanto para garantir o registro das
letras quanto para representar a dureza do coração das pessoas a
quem elas foram dadas. Deus não dispôs ou disporia, em virtude da
aliança, a sua lei de outra forma. E o resultado que se seguiu a isso
foi que eles quebraram essas leis e não perseveraram em
obediência. Então Deus promete antecipar e prevenir esse resultado
sob a Nova Aliança, e escrever estas leis agora em nossos
corações, as quais ele escreveu antes apenas em tábuas de pedra;
ou seja, Deus efetivamente operará aquela obediência em nós que
a lei requer, pois é ele quem “opera em nós tanto para querer
quanto o efetuar segundo a sua vontade”.[274] O coração, como
distinto do entendimento, compreende a vontade e as afeições; e
essas são comparadas com as tábuas em que a letra da lei foi
gravada. Pois, assim como por aquela escrita e impressão, as
tábuas receberam a marca das letras e palavras que continham a
lei, as quais retiveram e representaram firmemente, de modo que
embora ainda fossem pedras em sua natureza, contudo, eram a lei
em seu uso; assim, pela graça da Nova Aliança, há uma impressão
duradoura da lei de Deus sobre as vontades e as afeições dos
homens, segundo o que eles a cumprem, a praticam e possuem um
princípio vivo de obediência a ela. Essa obra deve necessariamente
consistir de duas partes, a saber, a remoção do coração de tudo o
que é contrário à lei de Deus, e a implantação dos princípios de
obediência à lei; e isso é indicado em uma descrição ou
denominação dupla na Escritura, a saber: “tirar o coração de pedra”
ou “circuncidar o coração” e, outras vezes, “dar um coração de
carne”, “escrever a lei em nossos corações”, que é a renovação de
nossas naturezas à imagem de Deus em verdadeira retidão e
santidade. Para esse fim, nessa promessa está incluída toda a
nossa santificação, em seu começo e progresso, e em seu agir
sobre toda a nossa alma e todas as suas faculdades.

Oitava Observação Prática

A obra da graça na Nova Aliança acontece em toda a alma, em


todas as suas faculdades, poderes e afeições, em sua mudança e
renovação. Tudo foi corrompido e tudo deve ser renovado. A
imagem de Deus estava originalmente em e no todo, e quando essa
imagem foi perdida o todo ficou depravado (Veja 1 Tessalonicenses
5:23).

Nona Observação Prática

Negar a necessidade e a eficácia da graça renovadora,


transformadora e santificadora, que consiste em uma operação
interna e eficaz dos princípios, hábitos e atos de graça e obediência
interiores, é claramente anular e rejeitar a Nova Aliança.

Décima Observação Prática

Não trazemos nada para a Nova Aliança, senão os nossos


corações, como tábuas a serem escritas, e também um senso da
insuficiência tanto dos preceitos e promessas da lei quanto de nossa
própria capacidade de cumpri-los.

“E eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo.”

A última coisa que há nas palavras é a relação resultante entre


Deus e seu povo: “E eu lhes serei por Deus, e eles me serão por
povo”. Essa é de fato uma promessa distinta por si mesma,
sumariamente compreendendo todas as bênçãos e privilégios da
aliança. E é colocada no centro do relato dado do todo, como a
fonte de que toda a graça da aliança brota, na qual todas as
bênçãos dela consistem, e segundo o que elas são asseguradas.
Nessa passagem é mencionada de modo peculiar, como aquilo que
tem o seu fundamento na promessa precedente. Pois essa relação,
que implica em mútua aquiescência, não poderia existir se as
mentes e os corações daqueles que devem ser participantes dessa
aliança não fossem mudados e renovados. Pois Deus não poderia
aprovar e fazer Seu amor repousar sobre eles, enquanto fossem
inimigos dele e permanecem na depravação de suas naturezas;
nem eles poderiam encontrar descanso ou satisfação em Deus, a
Quem não conheciam, nem apreciavam e nem amavam.
Esta é a expressão geral de qualquer relação pactual entre
Deus e os homens: “E eu lhes serei por Deus, e eles me serão por
povo”. E frequentemente ela é usada em relação à primeira aliança,
a qual, contudo, foi anulada. Deus afirmava que o povo, nesse
aspecto, era sua porção peculiar, e eles declaravam que ele
somente era o seu Deus.
Isso não pode ser dito de Deus e de qualquer povo, senão com
base em uma aliança especial. É verdade que Deus é o Deus de
todo o mundo e todas as pessoas pertencem a Ele; sim, ele é um
Deus para todas elas. Pois assim como ele as criou, ele as sustenta,
dirige e governa em todas as coisas, por Seu poder e providência.
Mas nesse aspecto, Deus não promete livremente que ele será um
Deus para qualquer um, nem pode sê-lo; pois seu poder sobre
todos, e seu governo de todas as coisas, é essencial e natural para
ele, e não pode ser de outro modo. Então, essa é uma expressão
peculiar de uma relação especial de aliança. E a natureza disso
deve ser exposta pela natureza e características dessa aliança.

A Natureza dessa Relação

Portanto, devemos considerar duas coisas para descobrir a


natureza dessa relação: 1. O fundamento dela. 2. As ações mútuas
em virtude dessa relação.
O Fundamento

Para a manifestação do fundamento, algumas premissas


devem ser observadas: (1.) Por ocasião da entrada do pecado
nenhuma relação de aliança entre Deus e o homem teve
continuação, como se em virtude de uma suposta continuação ele
permanecesse sendo seu Deus, e eles, o seu povo. Deus ainda
continuou no pleno gozo de sua soberania sobre os homens, o que
nenhum pecado, rebelião ou apostasia do homem poderia
minimamente impedir. E o homem continuou sob a obrigação de
depender de Deus e de sujeitar-se à sua vontade em todas as
coisas. Pois os homens não podem ser separados de sua natureza
e assim serem ser até que o juízo final seja executado; depois do
qual Deus governará sobre eles somente pelo poder, sem qualquer
relação com suas vontades ou obediência. Mas aquela relação
especial de pertencimento mútuo em virtude da primeira aliança
cessou entre eles.
(2.) Deus não entraria em qualquer outra aliança com o
pecador, com o homem caído, para ser “um Deus para eles”, e para
levá-lo a ser um “povo peculiar” para ele, imediatamente em suas
próprias pessoas. Tampouco era coerente com sua sabedoria e
bondade que assim o fizesse; pois se o homem não perseverou na
aliança de Deus, mas a quebrou e anulou mesmo quando estava
sem pecado e era justo, criado apenas com a possibilidade de
deserção, que expectativas poderia haver agora que ele havia caído
e sua natureza era totalmente depravada? Qualquer nova aliança
seria útil para a glória de Deus ou para o benefício do homem?
Entrar em uma Nova Aliança que seria necessariamente quebrada,
para o agravamento da miséria do homem, não estaria de acordo
com a sabedoria e a bondade de Deus. Se for dito: “Deus poderia
ter feito uma Nova Aliança imediatamente com os homens a fim de
assegurar a sua futura obediência e torná-la firme e estável”, eu
responderia que não estaria de acordo com a divina sabedoria e
bondade lidar melhor com os homens depois de sua rebelião e
apostasia do que antes, ou seja, em consideração a eles mesmos.
Deus, em nossa primeira criação, comunicou à nossa natureza toda
a graça e todos aqueles privilégios com os quais, em sua sabedoria,
ele intencionou reunir para capacitá-la, e tudo o que era necessário
para tornar os participantes dela eternamente abençoados. Supor
que Deus, por si mesmo, imediatamente concedesse mais graça a
essa aliança, é supor que ele estava singularmente satisfeito com
nosso pecado e rebelião. Deus não agiria assim. Para esse fim, (3.)
Deus providenciou, primeiramente, que deveria haver um Mediador,
um Fiador, um Substituto, com quem somente que Deus trataria de
uma Nova Aliança, e assim a estabeleceria. Pois, no arranjo de sua
graça e sabedoria a esse respeito, havia muitas coisas necessárias
que não poderiam ser realizadas e cumpridas de outro modo. Não,
não havia uma coisa em todo o bem que ele projetou para a
humanidade nessa aliança, em amor, graça e misericórdia, que
pudesse ser comunicado a eles, de modo que sua honra e glória
pudessem ser promovidas por esse meio sem que houvesse um
Mediador e o que ele se comprometeu a fazer. Nem a humanidade
poderia obedecer a Deus como ele exigiria dela, sem a interposição
desse Mediador em seu favor. Portanto, foi com o Mediador que
Deus primeiro fez essa aliança.

O Mediador deve Ser Cristo

Visto que era necessário que esse Mediador fosse Deus e


homem em uma pessoa, então ele se tornou assim para agir por
nós e em nosso lugar; o que foi a aliança especial entre Deus e ele
quanto à obra que ele pessoalmente realizaria; temos, de acordo
com nossa fraca e obscura medida de compreensão dessas coisas
celestiais, falado de modo geral sobre isso em nossa obra
Exercitations sobre essa epístola, e ainda mais plenamente em
nosso discurso sobre o mistério e a glória da pessoa de Cristo.[275]
Para esse fim, em relação a essa Nova Aliança, ela foi feita
primeiramente com Jesus Cristo, o seu Fiador e Substituto nela.
Pois, (1.) Deus tampouco poderia “salvâ justitiâ, sapientiâ, et
honore”[276] e tratar imediatamente com homens rebeldes e
pecadores em termos de graça para o futuro, até que fosse feita
satisfação pelos pecados passados, ou posteriores. Isso foi feito
somente por meio de Cristo; que era, portanto, o π ρῶτον
δεκτικόν[277] dessa aliança e de toda a graça dela (Veja 2 Coríntios
5:19-20; Gálatas 3:13-14; Romanos 3:25).
(2.) Nenhuma restipulação de obediência a Deus poderia ser
feita pelo homem, o que poderia ser uma razão para entrar em uma
aliança destinada a ser firme e estável. Pois, visto que havíamos
quebrado nosso primeiro compromisso pactual com Deus em nossa
melhor condição, não éramos propensos a fazer um novo
compromisso de natureza mais elevada do que o primeiro. Quem
aceitará a palavra ou a garantia de um homem que faliu por causa
de milhares, quando sabe que ele já não tem nenhum centavo;
especialmente se ele tivesse desperdiçado seus bens anteriores em
luxúrias e devassidão, e continuasse claramente um escravo das
mesmas concupiscências? Era absolutamente necessário que,
nessa aliança, houvesse um fiador, que estivesse em nosso lugar
para que permanecêssemos firmes nos termos da aliança. Sem
isso, o resultado dessa Nova Aliança, a qual Deus faria como efeito
singular de sua sabedoria e graça, não teria sido para a glória dele
nem para nosso proveito.
(3.) Aquela graça que seria a fonte de todas as bênçãos dessa
aliança, para a glória de Deus e a salvação da igreja, deveria ser
depositada em alguma mão segura, para a realização desses fins.
Na primeira aliança, Deus imediatamente comprometeu ao homem
toda a graça que era necessária para capacitá-lo à obediência a Ele.
E a graça da recompensa que ele deveria receber pelo desempenho
dessa obediência, Deus reservou absolutamente para si mesmo;
sim, mesmo que talvez o homem não entendesse completamente
que isso era assim. Mas tudo que estava sob nosso cuidado foi
perdido de uma só, de modo que nada foi deixado para nos dar o
menor alívio quanto a quaisquer novos acordos. Para evitar isso,
Deus agora irá assegurar todas as coisas boas dessa aliança, tanto
a graça como a glória, colocando-as nas mãos de um terceiro, nas
mãos de um Mediador. Assim, as promessas são feitas a Cristo, e a
plenitude da graça está depositada nele (João 1:14; Colossenses
1:19, 2:3; Efésios 3:8; 2 Coríntios 1:20).
(4.) À medida que Cristo era o Mediador dessa aliança, Deus
Se tornou o seu Deus, e ele se tornou o servo de Deus de uma
maneira peculiar. Pois, nessa aliança, ele estava diante de Deus
como o representante público de todos os eleitos (Veja nosso
comentário de Hebreus 1:5, 8, 9 e 2:13). Deus é um Deus para ele
em todas as promessas que ele recebeu em nome de seu corpo
espiritual; e Cristo era o seu servo no cumprimento dessas
promessas, já que o prazer do Senhor prosperaria em sua mão.
(5.) Sendo Deus, nessa aliança, um Deus e Pai para Cristo, ele
veio em virtude disso a ser também nosso Deus e Pai (João 20:17;
Hebreus 2:12-13). E nos tornamos “herdeiros de Deus e coerdeiros
de Cristo”;[278] e seu povo, para render-Lhe toda obediência sincera.
E essas coisas bastam para declarar brevemente o
fundamento dessa relação pactual que é expressa aqui.

Décima Primeira Observação Prática

Para esse fim, o Senhor Jesus Cristo, Deus e homem,


comprometeu-Se a ser o Mediador entre Deus e o homem, e o
Fiador em nosso favor, ele é a fonte e a cabeça da Nova Aliança, a
qual é feita e estabelecida conosco nele.

As Ações Mútuas
A natureza dessa relação pactual é expressa em ambas as
partes: “E eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo”.

A Relação de Deus para com o Homem

Da parte de Deus é: “Eu lhes serei por Deus” ou, como é


expresso em outra passagem: “Eu serei o seu Deus”. E devemos
fazer uma breve investigação desse privilégio indescritível que
somente a eternidade revelará: [1.] A pessoa que fala está incluída
no verbo, καὶ ἕσομαι , “Eu serei”; “Eu, Yahwéh, quem faço essa
promessa”. E nisso Deus apresenta à nossa fé todas as
propriedades gloriosas de sua natureza: “Eu, que sou o que sou,
Yahwéh, bondoso e autoexistente, e a causa de todo ser e bondade
para com todos; infinitamente sábio, poderoso, justo etc. Eu sou e
sempre serei tudo isso”. Aqui está a eterna fonte dos tesouros
infinitos dos suprimentos da igreja, agora e para sempre. O que quer
que Deus seja em si mesmo, quaisquer que sejam as características
de sua natureza, nisso tudo Deus prometeu ser o nosso Deus: “Eu
sou o Deus Todo-Poderoso, anda em minha presença” (Gênesis
17:1). Portanto, para dar estabilidade e segurança à nossa fé, ele
tem revelado a si mesmo em sua Palavra através de muitos nomes,
títulos, características e isso com muita frequência, para que
possamos conhecer aquele que é o nosso Deus, o que ele é e o que
ele será para nós. E o conhecimento dele, tão revelador de si
mesmo, é o que assegura a nossa certeza, fé, esperança, temor e
confiança. “O Senhor será também um alto refúgio para o oprimido;
um alto refúgio em tempos de angústia. Em ti confiarão os que
conhecem o teu nome; porque tu, Senhor, nunca desamparaste os
que te buscam” (Salmos 9:9-10).
[2.] O que ele promete é que “será um Deus para nós”. Ora,
embora isso envolva absolutamente tudo o que é bom, ainda assim
a noção de ser um Deus para qualquer pessoa se refere a dois
aspectos gerais: Primeiro, um preservador todo-suficiente; e, em
segundo lugar, um recompensador todo-suficiente. Assim, ele
declara o significado da expressão encontrada em Gênesis 17:1 e
15:1: “Eu serei tudo isso para eles, para que eu seja um Deus que
preserva e recompensa” (veja Hebreus 11:6).
[3.] A regra e medida declaradas das ações de Deus para
conosco como nosso Deus, são as promessas da aliança, tanto de
misericórdia, graça, perdão, santidade, perseverança, proteção,
triunfo e vitória espiritual neste mundo quanto de glória eterna no
mundo por vir. Em todas essas coisas ele será, em tudo o que é em
si mesmo, um Deus para aqueles a quem ele conduz a se tornarem
participantes dessa aliança.
[4.] Está incluído nessa parte da promessa que aqueles que O
tem como o seu Deus dirão: “Tu és meu Deus” (Oseias 2:23); e
confiam nele segundo sua infinita bondade, graça, misericórdia,
poder e fidelidade.

Décima Segunda Observação Prática

E podemos observar que nada menos do que Deus se tornar


nosso Deus poderia nos livrar, ajudar e salvar, então, nenhuma
outra coisa poderia ser exigida para esse fim.

Décima Terceira Observação Prática

A eficácia, segurança e glória dessa aliança dependem


originalmente da natureza de Deus, imediata e efetivamente na
mediação de Cristo. Essa é a aliança que Deus faz conosco nele
como o Fiador dela.
Décima Quarta Observação Prática

É devido ao envolvimento das características da natureza


divina que essa aliança é “em tudo bem ordenada e guardada”.[279]
A sabedoria infinita a proveu, e o poder infinito a tornará eficaz.

Décima Quinta Observação Prática

Assim como a graça dessa aliança é inexprimível, assim


também são os deveres que ela nos impõe para obediência.

A Relação do Homem com Deus

A relação do homem com Deus é expressa nestas palavras: “E


eles me serão por povo” ou “Eles serão o meu povo”. E duas coisas
estão contidas nisso: [1.] Deus é o dono deles de um modo peculiar,
de acordo com o teor e promessa dessa aliança, e lida com eles de
acordo com ela. Eles são λαὸς π εριούσιος , “um povo especial” (Tito
2:14). Que os outros sejam cautelosos em como tratam esse povo,
para que não mexam com a propriedade de Deus (Jeremias 2:3).
[2.] Inclui-se nisso aquilo que é essencialmente requerido para
que sejam o seu povo, a saber, a profissão de toda sujeição ou
obediência a ele, e toda a dependência dele. Para esse fim, isto
também pertence a essa relação: a garantia de que esse Deus é o
seu Deus e a dedicação voluntária a toda a obediência que ele
exige. Pois, embora a expressão, “e eles serão para mim um povo”,
pareça apenas denotar um ato da graça de Deus, assumindo-os
nessa relação conSigo mesmo, ainda assim inclui o fato de que eles
confessam que ele é o Deus deles e o seu engajamento voluntário
de obediência a ele como seu Deus. Quando ele diz: “Eles são o
meu povo”, eles também dizem: “Tu és o meu Deus” (Oseias 2:23).

Décima Sexta Observação Prática

No entanto, deve-se observar que Deus também Se


compromete em sermos o seu povo como ele se compromete em
ser o nosso Deus. E as promessas contidas nesse versículo visam
principalmente a esse fim, ou seja, nos tornarmos um povo para Ele.

Décima Sétima Observação Prática

Aqueles com quem Deus faz uma aliança são seus de modo
especial. E a profissão disso é aquilo que o mundo principalmente
difama neles, e isso acontece desde o princípio.

Exposição do Versículo 11

“E não ensinará cada um a seu próximo, nem cada um ao seu


irmão, dizendo: Conhece o Senhor; porque todos me
conhecerão, desde o menor deles até ao maior”.

A segunda promessa geral, a qual declara a natureza da Nova


Aliança, é expressa nesse versículo. E a questão estabelecida é: 1.
Negativamente, em oposição ao que estava em vigor e era
necessário sob a primeira aliança. 2. Positivamente, naquilo que
deveria acontecer no lugar, e ser desfrutado sob essa Nova Aliança,
e em virtude dela.

A Parte Negativa da Promessa

Na primeira parte podemos observar: 1. A veemência da


negação, na dupla partícula negativa, οὐ μή : “De maneira nenhuma
ensinará; não será assim com quem Deus fizer essa aliança”. E isso
é designado para fixar nossas mentes na consideração do privilégio
que é desfrutado sob a Nova Aliança, e a sua grandeza.
2. A coisa assim negada é ensinar, não absolutamente, mas
quanto a um certo modo de fazê-lo. Não é uma negação universal
quanto ao ensino, mas restrita a um certo tipo de coisa que estava
em vigor e era necessária sob a Antiga Aliança. E essa necessidade
existia a partir da instituição de Deus ou da prática assumida entre o
povo, o que deve ser examinado.
3. O tema desse ensino, ou a matéria a ser ensinada, era o
conhecimento de Deus: “Conhece o Senhor”. O que é pretendido
aqui é todo o conhecimento de Deus prescrito na lei. E isso pode ser
reduzido a dois aspectos: (1.) O conhecimento de Deus e o fato de
ele ser, em razão disso, o único Deus; que é o primeiro
mandamento. (2) O conhecimento de sua mente e vontade, quanto
à obediência que a lei exigia em todas as suas instituições e
preceitos; todas as coisas que Deus revelou para o bem deles: “As
coisas... reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para
sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei”
(Deuteronômio 29:29).
4. O modo de ensino, cuja continuação é negada, é
exemplificado em relação aos mestres e aqueles que são
ensinados: “E não ensinará cada um a seu próximo, nem cada um
ao seu irmão”. E nisso, (1.) A universalidade do dever de “cada um”
é expressa; e, portanto, isso era recíproco. Cada um deveria
ensinar, e cada um deveria ser ensinado; o que ainda dependeria de
suas várias capacidades. (2.) A oportunidade para o cumprimento
do dever também é declarada, a partir da relação mútua dos
mestres e dos que são ensinados: “cada um a seu próximo, nem
cada um ao seu irmão”.

A Parte Positiva da Promessa

Em segundo lugar, a parte positiva da promessa consiste em


duas partes: 1. O conhecimento de Deus é prometido: “Todos me
conhecerão”. E isso é colocado em oposição ao que é negado: “Não
ensinará cada um a seu próximo... dizendo: Conhece o Senhor”.
Mas essa oposição não é sobre o ato ou dever de ensinar, mas
sobre o efeito, ou o próprio conhecimento salvífico. A principal causa
eficaz de aprendermos o conhecimento de Deus sob a Nova Aliança
está incluída nessa parte da promessa. Isso é expresso por outro
profeta e promessa: “E serão todos ensinados por Deus”.[280] E a
observação disso será útil para nós na exposição deste texto.
2. Acrescenta-se a universalidade da promessa em relação
àqueles com quem esta aliança é feita: “Todos... desde o menor
deles até ao maior”, um discurso proverbial, indicando a
generalidade pretendida sem qualquer exceção, como lemos em
Jeremias 8:10: “Porque desde o menor até ao maior, cada um deles
se dá à avareza”.

Refutação de uma Má Interpretação desse Texto

Esse texto foi considerado ser muito difícil e obscuro, e há


expositores que geralmente preferem ocultá-lo do que removê-lo.
Pois, devido a negação veemente do uso desse tipo ou modo de
ensino que estava em vigor sob a Antiga Aliança, alguns têm
entendido e argumentado que todos os modos declarados de
instrução sob o Novo Testamento são inúteis e proibidos. Com base
nisso tem sido rejeitadas todas as ordenanças da igreja, todo o
ministério e orientação dela; o que implica, em suma, que não existe
tal coisa como uma igreja professa no mundo. Contudo, aqueles que
pensam assim não são capazes de promover a sua opinião, senão
por uma contradição direta ao sentido que eles próprios atribuem a
essa promessa. Pois eles se esforçam para ensinar aos outros a
sua opinião, e não de modo público, mas cada um ao seu próximo;
o que, segundo eles, é aqui negado de uma maneira especial. E a
verdade é que, se todo o ensino exterior for absoluta e
universalmente proibido, isso rapidamente encheria o mundo de
trevas e ignorância brutal, logo, se alguém chegasse ao
conhecimento do sentido desse ou de qualquer outro texto da
Escritura, seria absolutamente ilegal comunicá-lo aos outros; pois
dizer: “Conheça o Senhor, ou a mente de Deus nesse texto”, seja
para o próximo ou para o irmão, seria proibido. Alguns entendem
que a intenção do texto não é tanto a ministração pública, através
da administração das ordenanças da igreja; pois é apenas a
instrução privada, dos próximos e dos irmãos, que é expressa. Para
esse fim, havendo uma suposta proibição de tal instrução exterior,
se alguém ensinar a outro que as ordenanças públicas da igreja não
devem ser permitidas como meio de ensino sob o Novo Testamento,
ele cai diretamente sob a proibição gerada pela sua própria
interpretação desse texto, e é culpado de transgredi-la. Portanto, é
claro e óbvio que essas palavras devem necessariamente ter outro
sentido, como veremos na exposição delas.
Seja como for, alguns eruditos ficaram tão comovidos com
essa objeção, a ponto de afirmar que a realização dessa promessa
da aliança pertence ao céu e ao estado de glória; pois só a esse
respeito, dizem eles, não teremos mais necessidade de ensino de
qualquer tipo. Mas, essa exposição é diretamente contrária ao
desígnio do apóstolo, no que diz respeito ao ensino da Nova Aliança
e ao Testador dela; quando ele intenciona apenas a Antiga Aliança,
e exalta a Nova acima dela. Portanto, não existe tal dificuldade nas
palavras que nos force a levar a interpretação delas para o mundo
vindouro.

A Interpretação Correta do Texto

Para o entendimento correto, várias coisas devem ser


observadas: 1. Que várias coisas parecem na Escritura, por vezes,
serem negadas absolutamente quanto à sua natureza e ser, quando
na verdade isso acontece apenas na medida em que elas são
comparadas a algo que é preferido antes delas. Muitos exemplos
podem ser dados disso. Citarei apenas um que não é passível de
objeção: “Porque nunca falei a vossos pais, no dia em que os tirei
da terra do Egito, nem lhes ordenei coisa alguma acerca de
holocaustos ou sacrifícios. Mas isto lhes ordenei, dizendo: Dai
ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu
povo; e andai em todo o caminho que eu vos mandar, para que vos
vá bem” (Jeremias 7:22-23). Os judeus da época preferiam o culto
cerimonial feito através de holocaustos e sacrifícios acima de toda
obediência moral, acima dos grandes deveres de fé, amor, retidão e
santidade. E não apenas isso, mas ao fingirem prestar observação
diligente disso, eles se confiaram em uma negligência aberta e
desprezo pela obediência moral, ao colocar toda a confiança de sua
aceitação para com Deus nesses outros deveres. Para preveni-los
dessa presunção vaidosa e destruidora, Deus, pelo ministério de
vários outros profetas, declarou a completa insuficiência desses
sacrifícios e holocaustos por si mesmos para torná-los aceitáveis a
ele, e então Deus prefere a obediência moral acima deles; é por isso
que Deus afirma aqui que não os ordenou. E é dado um exemplo
daquele tempo em que se sabe que todas as ordenanças de
adoração pelos holocaustos e sacrifícios foram solenemente
instituídas. Entretanto, é feita uma comparação entre o culto
cerimonial e a obediência espiritual; em relação a qual Deus diz que
não ordenou o primeiro, a saber, não de modo que ele viesse a
concorrer com o último, ou para que eles depositassem sua
confiança no culto cerimonial e negligenciassem a obediência
espiritual. Assim, nosso bendito Salvador expõe essa e as
passagens semelhantes nos profetas, ao fazer uma comparação
entre os menores estatutos da lei cerimonial, como o dízimo da
hortelã e do cominho, e os grandes deveres do amor e da justiça.
“Essas coisas”, diz ele, falando desses grandes deveres, “vocês
deveriam ter feito”, isto é, principalmente e em primeiro lugar, como
aquilo que era principalmente intencionado pela lei. Mas o que então
será dos preceitos cerimonias? Cristo diz: “Mas vocês também não
devem deixar de cumpri-los” (Mateus 23:23), em seu devido lugar,
deveríamos prestar obediência a Deus cumprindo-os também.
Então, o mesmo acontece com o nosso presente caso. No Antigo
Testamento foi ordenado um ensino que deveria ser realizado por
“cada um a seu próximo, e cada um a seu irmão”. As pessoas
confiavam e descansavam nisso, e não tinham qualquer
consideração ao ensino de Deus quanto à circuncisão interior do
coração. Mas na Nova Aliança, havia uma promessa expressa
acerca de um ensinamento interno e eficaz efetuado pelo Espírito de
Deus, ao escrever Sua lei em nossos corações, sem o que todo
ensino exterior é inútil e ineficaz; isso não é afirmado de modo
absoluto, mas em comparação e contraste com esse outro modo
que é efetivo para o ensino e a instrução. Mesmo hoje em dia
muitos colocam esses ensinamentos em oposição uns aos outros,
embora de acordo com a instituição de Deus eles sejam
subordinados. E quanto a isso, rejeitando o ensino interno e eficaz
do Espírito de Deus, eles se comprometem apenas com seus
próprios esforços empregados nos meios exteriores de ensino; nos
quais, na maioria das vezes, não há ninguém mais negligente do
que eles. Mas é assim que os caminhos da graça de Deus não se
adequam ao raciocínio corrupto dos homens, antes sempre se opõe
a eles. Semelhantemente, alguns rejeitam todos os meios exteriores
de ensino pelas ordenanças do Evangelho, sob a pretensão de que
o ensino interior do Espírito de Deus é tudo o que é necessário ou
útil. Outros, por outro lado, aderem apenas aos meios exteriores de
instrução, desprezando o que é afirmado a respeito do ensino
interior do Espírito de Deus, julgando-o como mera imaginação. E
ambos os tipos se deparam com esses erros perniciosos, e se
opõem àquelas coisas que Deus fez subordinadas.
2. O ensinamento pretendido, cuja continuação é aqui negada,
é aquele que estava então em uso na igreja; ou melhor, seria assim
quando o estado da Nova Aliança fosse solenemente introduzido. E
esse ensinamento era duplo: (1) Aquilo que foi instituído pelo próprio
Deus; e, (2) Aquilo que o povo tinha adicionado segundo à sua
prática: (1.) O primeiro desses ensinamentos é, como encontramos
em outros lugares, particularmente expresso em Deuteronômio 6:6-
9: “E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e
as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e
andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te. Também as
atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus
olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas”.
Adicione a isso a instituição de franjas para servirem de memorial
dos mandamentos, a qual era uma maneira de dizer: “Conheça o
Senhor” (Números 15:38-39).
Duas coisas podem ser consideradas nessas instituições: [1.]
Aquilo que é natural e moral, incluído nos deveres mútuos comuns
dos homens uns para com os outros; pois dessa natureza é a busca
do bem do próximo por instrui-los no conhecimento de Deus, no
qual sua maior felicidade consiste. [2.] Aquilo que é cerimonial,
quanto à forma desse dever, é descrito em vários casos, como usar
frontais e franjas, e escrever nos umbrais e portas. O que é natural e
moral deverá permanecer para sempre. Nenhuma promessa do
Evangelho esvazia qualquer preceito da lei da natureza, e tal é o
caso com aqueles que visam o bem dos outros e o seu bem
principal, por meios e modos próprios para isso. Mas o que é
cerimonial, no que os judeus praticaram e confiaram principalmente,
é por essa promessa, ou a Nova Aliança, anulado e abolido.
(2.) Quanto à prática da igreja dos judeus dessas instituições,
não é possível expressar as situações extremas em que eles se
depararam. É provável que no tempo mencionado nessa promessa,
que é o do cativeiro babilônico, eles tenham começado aquela
maneira intricada e confusa de ensinar, com a qual eles estavam
totalmente viciados. Pois todos os que pretendiam ser sérios se
dedicaram ao ensino e aprendizado da lei. Mas a isso misturaram
tantas curiosidades e tradições vãs, que todo o seu esforço foi
desaprovado por Deus. Portanto, logo quando começaram a praticar
esse modo de ensinar, Deus ameaça destruir todos os que lhes
derem ouvidos: “O SENHOR exterminará o mestre e o erudito dos
tabernáculos de Jacó” (Malaquias 2:12 – trad. lit.). É verdade que
não temos memoriais ou registros do que eles ensinaram durante
todo esse tempo, nem do que eles ensinaram e nem como
ensinaram; entretanto podemos razoavelmente supor que seu
ensino era do mesmo tipo daquele que floresceu depois em suas
famosas escolas que se originaram a partir desses primeiros
inventores. Essas escolas possuíam tal reputação entre eles, que
ninguém era considerado um homem sábio ou alguém que possuía
alguma compreensão da lei, a menos que fosse criado em uma
delas. O primeiro registro que temos da maneira de ensinar deles,
ou de como agiram quanto a isso, está na Mishná.[281] Essa é a
interpretação deles da lei, ou a declaração deles um para o outro:
“Conhecei o SENHOR”. E aquele que considerar seriamente apenas
uma seção ou capítulo de todo aquele livro, rapidamente discernirá
de que tipo e natureza seu ensinamento foi; pois não há outro
exemplo a ser dado em todo o mundo de um trabalho tão tedioso,
laborioso, curioso e infrutífero. Não há nenhum ponto, doutrina ou
preceito da lei, quer seja do sabbath, dos sacrifícios ou das ofertas,
que eles não tenham enchido de tantas perguntas desnecessárias,
tolas, curiosas e supersticiosas, e determinações humanas, que é
quase impossível que algum homem durante todo o curso de sua
vida os entenda ou guie sua conduta de acordo com eles. Esses
eram os fardos que os fariseus amarravam aos ombros de seus
discípulos, até que eles estivessem totalmente cansados e
sobrecarregados debaixo deles. E era esse tipo de ensino que
estava em vigor na igreja daquele tempo quando a Nova Aliança
estava solenemente para ser introduzida. E é estritamente a esse
tipo de ensino que a promessa de refere ao falar daquele ensino
que deveria cessar completamente. Pois Deus tiraria a lei, que em si
mesma era “um fardo”, como o apóstolo Pedro fala, “que nem seus
pais nem eles podiam suportar”.[282] E o peso desse fardo foi
indizivelmente aumentado pelas exposições e acréscimos que
constituam a essência desse ensino rabínico. E a remoção dele é
aqui proposta em forma de uma promessa, o que torna evidente que
isso é uma questão de graça e bondade para com a igreja.
Entretanto, a remoção do ensino em geral é sempre mencionada
como uma ameaça e punição.

Em que Consistia a Remoção do Ensino?

A negação da continuação desse ensino pode ser considerada


de duas maneiras: (1.) Pode ser considerada como externa, em
oposição e comparação ao ensino interno efetivo realizado pela
graça da Nova Aliança; por isso ele é posto de lado, não
absolutamente, mas comparativa e separadamente.
(2.) E pode ser considerada em relação à forma dela,
especialmente com respeito à lei cerimonial, pois ela consistia na
observância de vários ritos e cerimônias. E nesse sentido ela
cessou totalmente; acima de tudo, isso pode ser considerado com
respeito aos acréscimos que os homens haviam feito às instituições
cerimoniais. Seu ensino consistia em escrever partes da lei em suas
franjas, frontais e nos umbrais de suas casas; especialmente à
medida em que essas práticas da lei cerimonial foram sendo
desenvolvidas, e os preceitos concernentes a elas se multiplicaram
na prática da igreja judaica. É prometido em relação a essas coisas,
que elas serão absolutamente removidas, como inúteis, prejudiciais
e inconsistentes com o ensino espiritual da Nova Aliança. Mas
quanto ao tipo de instrução — seja por pregação pública da Palavra,
ou pelo tipo de instrução que é mais privada e ocasional, que é
subserviente ao ensino prometido do Espírito de Deus, o qual ele
usa e usará em e para a comunicação do próprio conhecimento
prometido aqui — não é insinuado nada que seja depreciativo ao
seu uso, continuidade ou necessidade. Supor isso, seria algo que
arruinaria todo o ministério do próprio Jesus Cristo e de seus
apóstolos, bem como o ministério ordinário da igreja.

O que Não Seria Mais Ensinado?

E aquelas coisas que são faladas na exposição dessa


passagem, são tiradas a partir do significado e da intenção da
palavra “ensino”, ou do próprio dever de ensinar, cuja continuidade e
utilidade posteriores são negadas. Contudo, ainda assim, podemos
alcançar um entendimento mais claro a respeito do que seja a
mente do Espírito Santo quando a esse assunto a partir de uma
devida consideração do que deveria então ser ensinado, a saber:
“Conhecei o Senhor”. Com relação a isso, duas coisas podem ser
observadas: 1. Havia um conhecimento de Deus sob o Antigo
Testamento, tão revelado quanto aquele que estava oculto sob os
tipos, envolto em véus, expresso apenas em parábolas e
declarações obscuras. Pois era a mente de Deus que a clara
percepção e revelação desse conhecimento e deveria estar oculta
até que o Filho viesse a partir do seio do Pai para declará-la, para
tornar Seu nome conhecido e para “trazer à luz a vida e a
imortalidade”;[283] Sim, algumas coisas que pertenciam a isso,
embora virtualmente reveladas, ainda estavam tão cercadas de
escuridão, quanto à forma em que foram reveladas, que os próprios
anjos não podiam clara e distintamente olhar para elas. Todavia eles
entenderam que havia algumas coisas muitos grandes e excelentes
concernentes a Deus e à sua vontade que foram declaradas na
revelação dada a Moisés e aos profetas, e nas suas instituições de
culto. Mas os melhores e mais sábios entre eles também sabiam
que, apesar de sua melhor e maior inquirição, não podiam
compreender o tempo, a natureza e o estado das coisas reveladas;
porque lhes foi revelado que não para si mesmos, mas para nós,
eles ministraram ao revelar aquelas coisas (1 Pedro 1:12). E, como
nosso apóstolo nos informa, Moisés, em seu ministério e
instituições, deu “testemunho das coisas que se haviam de
anunciar”, isto é, das coisas que seriam anunciadas depois
(Hebreus 3:5). Esse conhecimento secreto e oculto de Deus dizia
respeito principalmente à encarnação de Cristo, à sua mediação e
sofrimento pelo pecado, e também ao chamado dos gentios em
consequência disso. Eles nunca poderiam alcançar uma
compreensão desses e de outros mistérios do Evangelho, mesmo
que incitassem um ao outro diligentemente a inquirirem aquelas
coisas que eles podiam compreender, dizendo um ao outro:
“Conhecei o Senhor”. Depois de tudo, eles podiam compreender
apenas um pouco: “Provendo Deus alguma coisa melhor a nosso
respeito, para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados”.[284] E
quando essa igreja deixou de fazer disso a parte principal de sua
religião, a saber, uma inquirição diligente sobre o conhecimento de
Deus oculto na e pela descendência prometida, como crentes
desejos e que entretinham uma expectativa de sua plena
manifestação, e passaram a contentar-se com a letra da Palavra, a
olhar para tipos e sombras como coisas que diziam respeito apenas
ao presente, e não ao futuro, e como sendo a substância, e não
somente sombras, eles não só perderam a glória de sua profissão
religiosa, mas foram endurecidos em uma incredulidade quanto às
coisas as quais a letra, os tipos e as sombras realmente
significavam. Agora, esse tipo de ensinamento, através de um
encorajamento mútuo para buscar conhecer as coisas ocultas no
mistério de Deus em Cristo, deve cessar, à medida que a Nova
Aliança é solenemente introduzida, e também deve passar a ser
considerada inútil devido à completa e clara revelação e
manifestação desse mistério que é feita no Evangelho. Eles não vão
e nem precisarão mais ensinar, para ensinarem esse conhecimento
de Deus, porque ele será esclarecido para a compreensão de todos
os crentes. E isso é aquilo que julgo ser principalmente intencionado
pelo Espírito Santo nessa parte da promessa, como aquilo a que a
parte positiva dela corresponde diretamente.
2. O conhecimento do SENHOR pode ser entendido aqui, não
objetiva e doutrinariamente, mas subjetivamente, como a renovação
da mente através do conhecimento salvífico de Deus. E isso nem é
nem pode ser comunicado a qualquer um por meio de ensino
externo, em relação ao qual se pode dizer comparativamente que
ele seja posto de lado, como foi indicado anteriormente.

Várias Observações sobre Expressões Particulares

Espero que tenhamos libertado suficientemente as palavras


das dificuldades que parecem acompanhá-las, de modo que não
precisaremos entender que essa promessa se realizará apenas no
céu, como o fazem muitos expositores antigos e modernos; nem
ainda, com outros, devemos restringir essa promessa aos primeiros
convertidos ao cristianismo, os quais foram miraculosamente
iluminados; muito menos devemos interpretar essas palavras como
se elas excluíssem o ministério de ensino da igreja, ou qualquer
outro meio efetivo para esse fim. Algumas coisas podem ser
observadas a partir das expressões particulares que foram usadas:
1. Na promessa original encontramos a palavra, ‫עוֹ ד‬, “amplius”, “não
mais”. Isso é omitido pelo apóstolo, contudo, está claramente
incluído naquilo que ele expressa. Pois a palavra denota o tempo e
a época a que aquele tipo de ensino era limitado. Esse tempo
terminou por ocasião da publicação do Evangelho, então o apóstolo
afirma absolutamente: “Eles não ensinarão”, o que o profeta
anteriormente declarou se referindo ao período de tempo agora
expirado: “Eles não mais farão então”.
2. O profeta expressa o assunto usando um artigo indefinido,
‫אֶ תאּאָ ִחי ו ִאיֹ ש‬, “um a seu próximo, nem cada um ao seu irmão”; ele
se refere a qualquer homem; o apóstolo fala de modo universal,
ἕκαστος , “todo homem”; o que também é redutível a qualquer um, a
cada um que é ou pode ser chamado para esse trabalho, ou tem
ocasião ou oportunidade para isso. Pois, quanto a esse ensino, sua
regra é a habilidade e a oportunidade: aquele que pode fazê-lo e
tem uma oportunidade para isso.
3. Aquilo que eles ensinaram ou pretendiam naquela
expressão, “Conhece o Senhor”, é a mesma coisa que é prometida
na última parte desse versículo.
Algumas coisas, de acordo com nosso método e propósito,
podem ser observadas a partir da exposição dessas palavras:
Décima Oitava Observação Prática

O ministério de ensino do Antigo Testamento, considerado em


si mesmo e com relação aos seus rituais carnais, era um ministério
da letra, e não do Espírito, que não operava realmente nos corações
dos homens as coisas que ensinava. O benefício espiritual que foi
obtido sob ele procedia da promessa, e não da eficácia da lei, ou da
aliança feita no Sinai. Pois como tal, à medida que era legal e carnal
e dizia respeito apenas às coisas exteriores, ele é abolido aqui.

Décima Nona Observação Prática

Todo homem tem o dever de instruir os outros no


conhecimento de Deus, de acordo com sua habilidade e
oportunidade; essa é uma lei natural e eterna, portanto é sempre
obrigatória para todos os tipos de pessoas. E aqui isso não é
proibido ou substituído; mas apenas é predito que uma certa
maneira de o fazer cessará. O fato de o conhecimento de Deus
haver cessado agora no mundo, não é efeito da promessa de Deus,
mas um fruto amaldiçoado da incredulidade e da maldade dos
homens. O mais alto grau de religião que os homens visam agora
consiste apenas em comparecer ao e aprender através do ministério
de ensino público. E, infelizmente, quão poucos são aqueles que
fazem isso conscientemente, para a glória de Deus e para o
benefício espiritual de suas próprias almas! Todo o processo de
ensinar e aprender o conhecimento de Deus é geralmente
transformado em um gasto formal, senão em um desperdício, de
muito tempo. Mas quanto ao ensino dos outros de acordo com a
capacidade e oportunidade, quanto a esforçar-se para obter
habilidades ou buscar oportunidades para ensinar outras pessoas,
isso não apenas é negligenciado, mas desprezado. Quão poucos
são os que se importam em instruir seus próprios filhos e
empregados! Entretanto levar esse dever adiante, de acordo com as
oportunidades que nos forem dadas de instruir outras pessoas, é
algo que seria visto quase como loucura, nos dias em que vivemos.
Temos muitíssimos que ensinam mais o pecado uns aos outros, a
loucura e a impiedade de todos os tipos, do que o conhecimento de
Deus e a obediência que devemos a Ele. Isso não é algo que Deus
promete aqui de modo gracioso, antes, é ele entregando esses
professos negligentes e incrédulos quanto ao Evangelho, de modo
vingativo.

Vigésima Observação Prática

É apenas o Espírito da graça, como prometido na Nova


Aliança, que liberta a igreja de um modo trabalhoso, porém ineficaz,
do ensino. Tal era aquele que estava em uso entre os judeus da
antiguidade; e é bom, com algumas exceções, que esse tipo de
ensino não prevaleça em nossos dias. Se alguém, seja quem for,
em todos os seus ensinamentos, não recebe seu encorajamento do
ensino efetivo interno de Deus sob o Pacto da Graça, e não
concentra todos os seus esforços para ser subserviente a isso, tal
pessoa tem apenas um ministério do Antigo Testamento, o qual já
não possui qualquer aprovação divina.

Vigésima Primeira Observação Prática


Havia um tesouro da sabedoria e do conhecimento de Deus
escondido nas revelações e instituições espirituais do Antigo
Testamento, o qual o povo de então não podia examinar nem
compreender. A confirmação e explicação dessa verdade é o
principal propósito do apóstolo em toda essa epístola. Aqueles
dentre eles que temiam a Deus e acreditavam nas promessas,
estimularam esse conhecimento em si mesmo e uns nos outros,
inquirindo e dizendo uns aos outros: “Conhecei o Senhor”,
entretanto fizeram pouco progresso em conhecer a Deus, em
comparação com o que é contido na seguinte promessa.

Vigésima Segunda Observação Prática

Todo o conhecimento de Deus em Cristo é claramente


revelado e salvificamente comunicado em virtude da Nova Aliança
para aqueles que creem, como as palavras a seguir declaram.

A Parte Positiva da Promessa (continuação)

Continuamos a considerar a parte positiva da promessa. E


duas coisas devem ser inquiridas: 1. Para quem ela é feita. 2. Qual
é o assunto dela?

Para Quem Ela é Feita


Aqueles para quem ela é feita são descritos pelo profeta como,
“ ‫”כוּלָּ ם‬, “todos eles”, ָ ‫ל ִמ ְקּטַ ָנּ ם וְﬠַ דאּנְּ דוֹל‬,
ְ “desde o menor deles até ao
maior”. O modo como eles são descritos de modo absoluto e depois
mais específico, gera ênfase. Primeiro, o apóstolo, os apresenta no
plural, como as palavras estão no original, π άντες αὐτῶν , “todos
eles”, mas o modo como ele traduz os termos no singular, que
denotam distribuição, aumenta a ênfase, ἀ π ὸ μικροῦ αὐτῶν ἕως
μεγάλου αὐτῶν , “do menor deles até o maior deles”.
A proposição é universal, quanto à modificação do sujeito,
π άντες , “todos”, mas na palavra αὐτῶν , “deles”, é restrita àqueles
com quem essa aliança é feita.
A distribuição deles é feita em forma de uma expressão
proverbial: “Do menor até o maior”, a qual é usada de maneira
peculiar por esse profeta (Jeremias 6:13, 8:10, 31:34, 42:1, 44:12).
E é usada apenas mais uma vez no Antigo Testamento (Jonas 3:5),
e em nenhum outro. E pode denotar tanto a universalidade quanto a
generalidade daqueles de quem se fala, de modo que nenhuma seja
particularmente excluída ou excetuada, embora absolutamente
nenhuma seja pretendida especificamente. Além disso, vários tipos
e graus de pessoas são intencionados. Pessoas diferentes do ponto
de vista natural, social e espiritual sempre existiram e sempre
existirão na igreja de Deus. Contudo, nenhuma delas, quer seja
diferente ou igual às outras pessoas, quer sejam as menores ou as
maiores, são excetuadas ou excluídos da graça dessa promessa. E
esse pode ser o sentido das palavras, se apenas a administração
externa da graça da Nova Aliança for intencionada: Ninguém é
excluído da proposta dela, ou dos meios exteriores da comunicação
dela, no sentido pleno e claro da revelação do conhecimento de
Deus.
Embora a graça da aliança seja interna e eficaz, e não apenas
os meios, contudo o evento infalível que decorre em razão disso é
que não somente todos eles serão ensinados a conhecer, mas que
todos eles realmente conhecerão o Senhor, todos os indivíduos são
intencionados; isto é, toda aquela igreja a quem todos os filhos
serão ensinados por Deus, e então aprenderam a aproximarem-se
dele por exercerem fé salvífica em Cristo. Assim, essa parte da
promessa é equivalente àquela outra, sobre escrever a lei nos
corações dos participantes da aliança. Quanto a tudo isso, é
prometido absolutamente que eles conhecerão o Senhor.
Entretanto, entre eles existem muitas distinções e graus de
pessoas, as quais são diferenciadas por circunstâncias internas e
externas. Há alguns que são maiores e alguns que são menores, e
há também vários graus intermediários entre eles. Assim tem sido, e
assim deverá ser sempre, enquanto as habilidades naturais,
adquiridas e espirituais dos homens possuírem grande variedade de
graus entre elas; e enquanto as vantagens externas e as
oportunidades dos homens também diferirem. Embora, portanto,
seja prometido que todos eles conhecerão o Senhor, não está
implícito que todos o farão igualmente, ou que terão o mesmo grau
de sabedoria e compreensão espirituais. Existe uma medida de
conhecimento salvífico devido e provido para todos aqueles que
estão no Pacto da Graça, à medida que é necessário para a
participação de todas as outras bênçãos e privilégios desse pacto;
porém, no que diz respeito aos graus em que isso acontece, alguns
podem e excedem os outros. E podemos observar que,
Vigésima Terceira Observação Prática

Existem e sempre existiram na igreja pessoas com diferentes


graus de conhecimento salvífico de Deus. É por isso que eles são
divididos em categorias tais como: pais, jovens e crianças (1 João
2:13-14). Todos têm uma estatura, mas nem todos têm a mesma
altura. Mas, quanto aos fins do pacto, e os deveres exigidos deles
em sua caminhada diante de Deus, quanto aqueles que têm mais,
nada lhes sobrará, e quanto aos que têm menos, nada lhes faltará.
O dever de cada um é estar contente com o que recebe e aprimorá-
lo ao máximo.

Vigésima Quarta Observação Prática


Onde não há algum grau de conhecimento salvífico, não pode
haver participação na Nova Aliança.

Qual é o seu Assunto?

A promessa é o conhecimento de Deus: “Todos me


conhecerão”. Nenhum dever é mais frequentemente ordenado do
que esse, nem qualquer graça é mais frequentemente prometida
(Veja Deuteronômio 29:6; Jeremias 24:7; Ezequiel 11:10; 36:23, 26,
27). Pois isso é o fundamento de todos os outros deveres de
obediência e de toda a comunhão com Deus neles. Todas as graças
quanto ao seu exercício, tais como fé, amor e esperança, são
baseadas nesse conhecimento. E a lamentável falta de
conhecimento, que é visível no mundo, evidencia quão pouca e
verdadeira obediência evangélica existe entre a maioria daqueles
que são chamados cristãos. E duas coisas podem ser consideradas
nessa promessa: (1.) O objeto, ou o que deve ser conhecido. (2.) O
conhecimento em si, de que tipo e natureza ele é: (1.) O objeto é o
próprio Deus: “Porque todos me conhecerão, diz o SENHOR”. E
isso não acontece absolutamente, mas com respeito a alguma
revelação especial de si mesmo. Pois há um conhecimento de
Deus, como Deus, que pode ser obtido através da luz da natureza.
Não é esse conhecimento que é pretendido aqui, nem ele é o
assunto de qualquer promessa graciosa, antes esse conhecimento
natural é comum a todos os homens. Além disso, havia um
conhecimento de Deus através de revelação sob a Antiga Aliança,
mas era acompanhado de grande obscuridade em várias coisas da
mais alta importância. Mas aqui é pretendido um outro e melhor
conhecimento, como é evidente a partir da antítese entre os dois
estados mencionados. Em resumo, é o conhecimento de Deus
como revelado em Jesus Cristo sob o Novo Testamento. Mostrar o
que está contido nessa doutrina seria recapitular os principais
artigos de nossa fé, conforme declarados no Evangelho. A soma de
tudo é “conhecer o Senhor”, é conhecer a Deus como ele é em
Cristo pessoalmente, como ele será para nós em Cristo
graciosamente e o que ele requer de nós e aceita em nós através do
Amado. Em relação a todas essas coisas, apesar de todo o seu
ensino e diligência, a igreja do Antigo Testamento estava
grandemente no escuro; porém, tudo isso é mais claramente
revelado no Evangelho.
(2.) O conhecimento dessas coisas é o que é prometido. Pois,
apesar da clara revelação delas, permanecemos, em nós mesmos,
incapazes de discerni-las e recebê-las. Pois tal conhecimento
espiritual é intencionado de tal modo que a mente seja renovada,
pois é acompanhado com fé e amor no coração. Esse é o
conhecimento que é prometido na Nova Aliança, e que será
realizado em todos os que são participantes dela. E podemos
observar que,
Vigésima Quinta Observação Prática

A declaração completa e clara de Deus, sobre como ele deve


ser conhecido por nós nesta vida, é um privilégio reservado e
pertencente aos dias do Novo Testamento. Essa declaração
completa não foi feita anteriormente; e nem uma declaração maior
do que a que foi feita agora deve ser esperada neste mundo. E a
razão disso é porque essa revelação completa e clara foi feita por
Cristo (Veja a exposição de Hebreus 1:1-2).

Vigésima Sexta Observação Prática

Conhecer a Deus como ele é revelado em Cristo é o maior


privilégio do qual, nesta vida, podemos nos tornar participantes; pois
essa é a vida eterna, que possamos conhecer o Pai, como o único
Deus verdadeiro, e Jesus Cristo a quem ele enviou (João 17:3).

Vigésima Sétima Observação Prática

As pessoas desprovidas desse conhecimento salvífico são


totalmente estranhas ao Pacto da Graça; pois essa é uma promessa
e o efeito principal dela, onde quer que esteja presente.

Exposição do Versículo 12

Porque serei misericordioso para com suas iniquidades, e de


seus pecados e de suas prevaricações não me lembrarei mais.
Essa é a grande promessa fundamental e graça da Nova
Aliança; pois embora seja expressa em último lugar, ainda assim,
por ordem de natureza, ela precede as outras misericórdias e
privilégios mencionados, e é a base do dom ou comunicação deles
para nós. A palavra ὅτι , “pois”, possui efeito causal, a qual o
apóstolo traduz a partir de ‫כִּ י‬, “pois”, como está no profeta. “Porque
eu, o SENHOR, falarei, e a palavra que eu falar se cumprirá”[285]
“porque serei misericordioso” etc.; se Deus não agisse assim, não
poderia haver participação nas coisas mencionadas anteriormente.
Para esse fim, não apenas a adição de uma nova graça e
misericórdia é expressa nessas palavras, mas também uma nova
razão para isso é introduzida por elas, ou com base em tais palavras
Deus lhes concederia essas outras misericórdias.
A casa de Israel e a casa de Judá, com quem essa aliança foi
feita em primeiro lugar, e das quais se fala como representantes de
todos os outros que serão feitos participantes dela, e que por essa
razão se tornam o Israel de Deus, era constituída daqueles que
haviam quebrado e anulado a Antiga Aliança de Deus através de
sua desobediência, “eles invalidaram a minha aliança”.[286] Nem há
alguma menção de qualquer outra qualificação de acordo com a
qual eles devem estar preparados ou dispostos para poderem entrar
para essa Nova Aliança. Assim, a primeira coisa, segundo a ordem
da natureza, que deve ser feita para alcançar esse fim é o perdão
gratuito dos pecados. Sem isso, nenhuma outra misericórdia pode
ser dada a eles; porque enquanto eles continuam sob a culpa do
pecado, eles também estão debaixo da maldição. Uma razão é
apresentada, e essa é a única razão pela qual Deus dará a eles as
outras bênçãos mencionadas: “Porque Eu serei misericordioso”.

Vigésima Oitava Observação Prática

A livre graça, soberana e imerecida demonstrada no perdão do


pecado é a fonte original e fundamento de todas as misericórdias e
bênçãos da aliança. Por esse meio, e somente por esse meio, a
glória de Deus e a segurança da igreja são providas. E aqueles que
não gostam da aliança de Deus nesses termos (como ninguém
gosta por natureza) irão eternamente ficar aquém da graça dela. Por
esse meio, é excluída toda a glória e toda soberba em nós mesmos;
isso é um dos objetivos de Deus ao criar e estabelecer essa aliança
(Romanos 3:27; 1 Coríntios 1:29-31). Pois isso não poderia
acontecer se a graça fundamental dependesse de qualquer
condição ou qualificação em nós mesmos. Se abrirmos mão do
perdão gratuito do pecado, sem respeito a qualquer coisa naqueles
que o recebem, nós renunciamos ao Evangelho. O perdão do
pecado não é merecido por deveres antecedentes, mas é a
obrigação ainda mais forte para deveres futuros. Aquele que não
receberá o perdão a menos que possa, de uma maneira ou de
outra, merecê-lo, ou fazer, por si mesmo, por onde recebê-lo; ou
finge tê-lo recebido, e não se vê obrigado à obediência universal
devido a isso; não é e nem será participante desse perdão.
A Promessa Considerada

Quanto à promessa em si, podemos considerar o seguinte: 1.


Para quem ela é feita. E, 2. O que é prometido?

Para Quem é Ela Feita

Aqueles para quem ela é feita são demonstrados pelo


pronome αὐτῶν , “suas”, que é repetido três vezes. Todos aqueles
absolutamente, e somente aqueles com quem Deus faz essa
aliança, é que são intencionados. Aqueles cujos pecados não são
perdoados, em nenhum sentido participam dessa aliança; ela não é
feita com eles. Porque essa é a aliança que Deus faz com eles, para
ser misericordioso para com os seus pecados; isto é, ser
misericordioso para com eles, ao perdoá-los. Alguns falam de uma
aliança universal condicional, feita com toda a humanidade. Ainda
que existisse alguma coisa assim, não é isso que é pretendido aqui;
pois todos aqueles com quem essa aliança é feita são realmente
perdoados. E não é feita nenhuma declaração indefinida da
natureza e dos termos dessa aliança para qualquer pessoa. E qual
deveria ser a condição da graça aqui prometida acerca do perdão
dos pecados? “É que os homens se arrependam” — dizem eles —
“e creiam, e se voltem para Deus, e prestem obediência ao
Evangelho”. Se assim for, então os homens devem fazer todas
essas coisas antes de receberem a remissão de pecados? “Sim”.
Então eles devem fazer isso enquanto estão debaixo da lei, e da
maldição dela, pois é assim que estão todos os homens cujos
pecados não são perdoados. Se obedecer à lei, e isso enquanto os
homens estão debaixo da maldição dela, é a condição para receber
a misericórdia do Evangelho, então isso subverte tanto a Lei como o
Evangelho.

Objeção e Resposta

“Mas então, por outro lado, seguirá”, eles dizem, “que os


homens são perdoados antes de crerem; o que é expressamente
contrário à Escritura”. Resposta: (1.) A comunicação e doação de fé
para nós é um efeito da mesma graça segundo a qual nossos
pecados são perdoados; e ambos são concedidos a nós em virtude
da mesma aliança. (2.) A aplicação da misericórdia perdoadora às
nossas almas é por ordem da natureza consequente à nossa fé,
mas no que diz respeito ao tempo, elas andam juntas. (3.) A fé não
é requerida para a busca do perdão dos nossos pecados, mas para
recebê-lo: “Todos os que nele creem receberão o perdão dos
pecados” (Atos 10:43). Mas o que vamos observar a partir daqui é
que,
Vigésima Nona Observação Prática

A Nova Aliança é feita somente com aqueles que efetiva e


eventualmente se tornam participantes da graça dela. “Essa é a
aliança que farei com eles… porque serei misericordioso para com
suas iniquidades” etc. Aqueles com quem a Antiga Aliança foi feita
eram, todos eles, participantes reais dos benefícios dela; e se
aqueles com quem a Nova Aliança é feita não participam, todos
eles, dos benefícios dela, então a Nova fica aquém da Antiga em
eficácia, e pode ser totalmente frustrada. Nem o fato de a Nova
Aliança ser proposta em termos indefinidos, prova que ela foi feita
com qualquer um daqueles que não desfrutam dos benefícios dela.
De fato, essa é a excelência dessa aliança, e assim é aqui
declarado, a saber, que ela efetivamente comunica toda a graça e
misericórdia contidas nela para todos e a todos com quem ela é
feita; com quem quer que a Nova Aliança seja feita, seus pecados
são perdoados.

O que é Prometido

O assunto dessa promessa é o perdão do pecado. E aquilo


que temos que considerar para a exposição dessas palavras é: (1.)
O que se entende por pecados. (2.) O que se entende pelo perdão
deles. (3) Qual é a razão dessa expressão peculiar nessa
passagem.

O que se Entende por Pecados

O pecado é mencionado especialmente com respeito à sua


culpa; e assim, então, ele é o objeto de misericórdia e graça. A
culpa merece punição, ou estabelece uma obrigação de punir o
pecador, por e de acordo com a sentença da lei. O perdão é a
dissolução dessa obrigação.
O pecado é expresso aqui por três termos, ἀδι κία , ἁμαρτία ,
ἀνομία , “iniquidade”, “pecado” e “prevaricação”, conforme
apresentamos as palavras. No profeta há apenas a palavra ‫חַ טָּ א ת‬
enquanto não encontramos as palavras ַ ‫ פֶּ שׁ‬e ‫ﬠַ וֹ ן‬. Mas todas as três
são usadas em outro lugar onde é feita menção do perdão do
pecado, ou das causas dele como, por exemplo: [1.] Na declaração
do nome de Deus com respeito a isso, ‫ֹשׂ א ﬠָ וֹ ן‬ ֵ ‫וָפֶ שׁ ַ וָפֶ ַשׁ ע ו ְ חַ טָּ אָ ה נ‬,
“que perdoa a iniquidade, e a transgressão e o pecado” (Êxodo
34:7).
[2.] Na ocasião em que o pecado deveria ser confessado para
que fosse remido pelo sacrifício expiatório: “Arão vai confessar
sobre ele ‫ֹאת ם‬ָ ‫ָל־פּ ְשׁﬠֵ יהֶ ם ְלכָל־חַ טּ‬
ִ ‫”אֶ ת־כָּל־ﬠֲוֹ ֹנ ת וְאֶ ת־כּ‬, “todas as
iniquidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, e
todos os seus pecados” (Levítico 16:21).
[3.] Na expressão do perdão do pecado na justificação (Salmos
32:1-2). Portanto, de acordo com o seu propósito, o apóstolo
poderia justamente criar a expressão e enumeração geral dos
pecados, que é encontrada incompleta no profeta, visto que essa
expressão é frequentemente usada em outro lugar para o mesmo
propósito e na mesma ocasião.
Nem esses termos são multiplicados desnecessariamente,
antes várias coisas são ensinadas a nós por meio deles, tais como:
[1.] Que aqueles a quem Deus graciosamente adota em sua aliança
estiveram sujeitos a todos os tipos de pecados.
[2.] Que a graça dessa aliança provê misericórdia para o
perdão de todos eles, até mesmo daqueles pecados “e de tudo o
que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados” (Atos 13:39).
E por isso, [3.] Nenhum daqueles que são chamados por Deus para
participar dessa aliança deve ficar desencorajado a descansar sobre
a fidelidade de Deus para cumpri-la.
Entretanto, algo mais é intencionado pelo uso dessas palavras.
Pois elas expressam distintamente todos os aspectos do pecado
pelos quais a consciência de um pecador é geralmente afetada,
sobrecarregada e aterrorizada; como também expressam algo sobre
em que se fundamenta a justiça da maldição e punição pelo pecado.
A primeira palavra usada é ἀδικία (adikiais), “iniquidade”.
Geralmente, isso é entendido como pecados contra a segunda
tábua da lei, ou a transgressão daquela regra de justiça entre os
homens, que é dada pela lei moral. Mas aqui, como em muitos
outros lugares, expressa uma disposição geral de pecado contra
Deus. Pois é algo iníquo e injusto que o homem venha a pecar
contra Deus, que é seu governante soberano e benfeitor. Como
Deus é o senhor supremo e governador de todos, como ele é nosso
único benfeitor e recompensador e como todas as suas leis e
caminhos para nós são justos e retos, a primeira evidência de
justiça em nós é quando prestarmos a Deus aquilo que é devido a
ele, a saber, obediência universal a todos os seus mandamentos. A
justiça para com o homem não é senão um ramo que brota dessa
raiz; e onde isso não ocorre, de modo nenhum há justiça entre os
homens. Se não dermos a Deus as coisas que são de Deus, de
nada nos aproveitará dar a César as coisas que são de César, nem
a outros homens o que lhes é próprio. E essa é a primeira
consideração acerca do pecado que sujeita o pecador à punição, e
manifesta a equidade da sanção da lei, a saber, o pecado é uma
coisa iníqua. Por meio disso a consciência do pecador é atingida, se
ele for convencido do pecado de modo apropriado. A perfeição
original de sua natureza consistia nessa justiça para com Deus,
quando então prestava uma obediência apropriada a Ele. Mas essa
obediência é frustrada pelo pecado; o qual é, portanto, tanto
vergonhoso quanto destruidor; e isso aflige a consciência, quando
ela é despertada pela convicção dele.
A segunda palavra é ἁματία (hamarti ō n), “pecado”. Isso
consiste propriamente em uma falta, errar aquele fim e padrão que
temos o dever de alcançar. Há um fim determinado para o qual
fomos feitos, e uma regra certa e apropriada para nós, de acordo
com a qual podemos alcançá-lo. E esse fim é a nossa única bem-
aventurança, é isso que deve nos motivar, como o era no princípio
de nossas naturezas, quando estamos sempre tendentes a esse
objetivo, a saber, a glória de Deus e a nossa salvação eterna ao nos
deleitarmos nele. A lei de Deus é um guia perfeito para isso. Pecar,
portanto, é abandonar essa regra, e renunciar em nossa busca por
alcançar esse fim. É colocar o “eu” e o mundo como o nosso fim, no
lugar de Deus e de sua glória, e passarmos a ser governados pela
imaginação dos nossos corações. Portanto, a loucura perversa que
há no pecado — a qual nos afasta do principal bem para o que
formos criados e da lei que nos serve de guia e nos governa para
alcançarmos esse fim — abrange os maiores males, ela é ἁμα ρτία
e faz com que a punição justa cubra o pecador de vergonha e medo.
Há, em terceiro lugar, a palavra ἀνομία (anomia),
“prevaricação” ou “ilegalidade”. Não temos uma palavra apropriada
em nossa língua para expressar o sentido desse termo; e nem
existe no latim. Nós a traduzimos como “transgressão da lei”, a
palavra ανομος denota uma pessoa sem lei; a quem os hebreus
chamam de “filho de Belial”, aquele que não está sujeito a nada e
nem respeita regras; além disso, ἀνομία é uma discordância
voluntária da lei. Nisto consiste a natureza formal do pecado, como
nos diz o apóstolo (1 João 3:4). E isso é aquilo que acontece em
primeiro lugar na consciência de um pecador.
Todos os tipos de pecados particulares são incluídos nesses
vários nomes usados para descrever o pecado; assim, a natureza
geral do pecado, em todas as suas causas e aspectos, os quais
aterrorizam o pecador e manifestam a justiça da maldição da lei, é
declarada e representada por esses nomes. E podemos aprender o
seguinte a partir disso,
Trigésima Observação Prática

Aqueles pecadores que estão convictos em suas consciências


devem considerar a gravidade e variedade de seus pecados.

Trigésima Primeira Observação Prática

Na Nova Aliança a graça e a misericórdia são providas para o


perdão de todos os tipos de pecados e para todos os agravantes
deles, se elas forem recebidas de modo apropriado.

Trigésima Segunda Observação Prática

Agravamentos do pecado glorificam a graça necessária para


perdoá-los. Portanto, Deus declara esses pecados aqui para que
então possa declarar a glória de sua graça na remissão deles.
Trigésima Terceira Observação Prática

Não podemos compreender corretamente a glória e a


excelência da misericórdia perdoadora, a menos que sejamos
convencidos da enormidade e malignidade de nossos pecados com
todos os seus agravantes.

O que se Entende pelo Perdão dos Pecados

Aquilo que é prometido com relação a esses pecados é


expresso de duas formas: Primeiro, ῞ιλεως ἔσομαι , “serei
misericordioso”. E segundo, οὐ μὴ μνησθῶ ἔτι “não me lembrarei
mais”. O perdão do pecado é intencionado em ambas as
expressões; o primeiro diz respeito à causa do perdão, e o segundo,
denota a perfeição e segurança desse perdão. E duas coisas devem
ser consideradas quanto ao perdão do pecado: [1] Uma
consideração com respeito ao Mediador da aliança, e a propiciação
pelo pecado feita por Ele. Sem isso não pode haver remissão, nem
o perdão de pecado pode ser prometido.
[2] A dissolução da obrigação da lei que gera a obrigação de o
pecador culpado ser punido. Essas são as partes essenciais do
perdão evangélico, e nelas podemos ver o seguinte: 1º. A palavra
ιλεως , que traduzimos como “misericordioso”, significa tornado
“propício”, “gracioso” por meio de uma propiciação. Mas o Senhor
Jesus Cristo é a única, ὶλαστήριον , “propiciação” sob o Novo
Testamento (Romanos 3:25; 1 João 2:2). E ele morreu, εἰς τὸ
ἱλάσκεσ θαι , para “propiciar” a Deus pelo pecado, para torná-lo
propício aos pecadores (Hebreus 2:17). Somente em Cristo Deus é,
ἵλεως , “misericordioso” para com nossos pecados.
2º. A lei, com a sanção dela, era o meio designado por Deus
para fazer o pecado ser lembrado de modo judicial e forense. Então,
a dissolução da obrigação de punição gerada pela lei, o qual é um
ato de Deus, o supremo reitor e juiz de todos, é parte integrante do
perdão do pecado. Isto expresso nas Escrituras de modos
diferentes, aqui lemos: “não mais me lembrarei do pecado”. A
afirmação é fortalecida por um duplo negativo. O pecado nunca será
chamado legalmente à lembrança. Mas eu tratei tão amplamente de
toda a doutrina do perdão do pecado em minha exposição do Salmo
130, que não devo tratar novamente do mesmo argumento aqui.[287]
Capítulo 6
Exposição do versículo 13

A Necessidade e Certeza da Abolição da Primeira


Aliança

Dizendo nova aliança, envelheceu a primeira. Ora, o que foi tornado


velho, e se envelhece, perto está de acabar.[288]
Nós versículos anteriores provamos de modo geral a
insuficiência da Antiga Aliança, e a necessidade da Nova, a
diferença entre uma e outra, foi mostrado a preferência da última em
relação à primeira, e tudo isso é confirmado pela excelência do
sacerdócio de Cristo em comparação com aquele sacerdócio de
Arão. Nesse último versículo do capítulo ele faz uma inferência
especial a partir de uma palavra extraída do testemunho profético,
na qual foi afirmada a principal verdade que ele se esforçou para
confirmar com respeito aos Hebreus. Eles estavam convictos que
não importava o tipo que essa aliança viesse a ser, a primeira
aliança ainda estaria em vigor, obrigando a igreja a todas as
instituições de culto pertencentes à Antiga Aliança. Este era o
principal ponto da controvérsia que o apóstolo tinha com eles; pois
ele sabia que essa convicção deles era destrutiva para a fé do
Evangelho e, se alguém aderisse obstinadamente a ela, isso se
provaria ser prejudicial para sua própria alma. Então, contrariando-
os e com o fim de demonstrar a cessação total da primeira aliança,
ele os pressiona com todos os tipos de argumentos, a partir: (1.) da
natureza, do uso e do fim dela; (2.) da sua insuficiência para
consagrar ou aperfeiçoar a igreja; (3) das várias prefigurações e
certas previsões da introdução de outra aliança, sacerdócio e
ordenanças de adoração, que eram melhores do que as que
pertenciam a ela, as quais eram inconsistentes com essa primeira
aliança (3.); além de muitas outras evidências convincentes para o
mesmo propósito. Aqui ele fixa um novo argumento em particular,
para provar a necessidade e a certeza de sua abolição; e por esse
meio, de acordo com o seu costume, ele faz uma transição para seu
discurso seguinte, no qual ele prova a mesma verdade a partir da
consideração distinta do uso e fim das instituições, ordenanças e
sacrifícios pertencentes àquela aliança. Ele busca fazer isso nos
daqui até o versículo 19 do capítulo 10; e assim retorna à parte
parenética[289] da epístola, fazendo as devidas aplicações do que
ele agora mostrava plenamente.
Aqui o apóstolo faz uso de um argumento duplo: 1. De uma
palavra especial ou testemunho bíblico. 2. De uma máxima geral da
verdade.

A Palavra Especial ou Testemunho Bíblico

1. Com relação ao primeiro, podemos considerar, (1.) O


testemunho bíblico que ele usa; (2.) A inferência para o seu próprio
propósito que ele faz dele: (1) A primeira aliança consiste em uma
adjunto dessa outra aliança que é prometida. Essa aliança
prometida é chamada pelo próprio Deus de nova: ᾿εν τ ῷ λέγειν ,
καινήν , “Dizendo nova aliança” ou “Ao dizer nova”. Assim é
expressamente no profeta: “Eis que farei uma aliança nova”
(Jeremias 31:31). Assim, toda palavra do Espírito Santo, embora
seja apenas ocasional em relação ao principal assunto mencionado,
é uma evidência suficiente daquilo que pode ser deduzido a partir
dela. E, por esse tipo de argumentação, somos ensinados que a
Palavra de Deus é cheia de santos mistérios, se com humildade e
sob a direção de seu Espírito Santo a examinarmos diligentemente,
como é nosso dever. Isso, portanto, estabelece como fundamento
de seu presente argumento o seguinte: o próprio Deus não chama
essa aliança prometida de outra aliança, ou de uma segunda, nem
apenas declara a excelência dela; mas a chama de “uma nova
aliança”.
(2) Então ele infere dessa passagem que, π ε π αλαίωκε
τὴν π ρώτην , “Ele [Deus] tornou velha a primeira”. A força do
argumento não está no fato de que Deus chama a segunda aliança
de nova, o que ele não teria feito se não tivesse tornado velha a
primeira. Pois a palavra π ε π αλαίωκε possui uma significação ativa
e denota um ato autoritativo de Deus sobre à Antiga Aliança, a outra
e nova aliança era um sinal e uma evidência disso. Deus não teria
feito isso, se não houvesse envelhecido a primeira; pois com
respeito a isso é que ela é chamada de nova. Contudo, foi a
designação da nova aliança que se tornou o fundamento para tornar
a outra, antiga.
Essa palavra diz respeito ao tempo passado, e nós devemos
inquerir a que tempo ela se refere. E, então, esse deve ser o mesmo
tempo da previsão e promessa da Nova Aliança, ou o tempo de sua
introdução e estabelecimento. Ela se refere ao tempo da primeira
aliança. Pois a introdução da Nova Aliança realmente removeu e
aboliu a Antiga, fazendo-a desaparecer; mas o ato de Deus aqui
pretendido é apenas torna-la velha em comparação à Nova. E ele
fez isso através da entrega dessa promessa, e depois por vários
atos e em vários graus.
[1] ele fez isso ao chamar a fé da igreja a descansar nela, a
despertar sua expectativa pela vinda de uma melhor aliança que
tomaria o lugar da primeira. Isso fez com que a primeira aliança
fosse enfraquecida em suas mentes, e ela passou a ser menos
valorizada do que antes. Agora eles certos de que algo muito melhor
seria introduzido em seu devido tempo. Portanto, embora
permanecessem na observação dos deveres e da adoração exigida,
pois era da vontade de Deus que assim o fizessem, contudo, essa
expectativa e anseio pela melhor aliança que agora havia sido
prometida, fez com que a aliança que então vigorava não fosse tão
estimada em suas mentes e afeições. Assim, Deus tornou velha
essa aliança.
[2] ele fez isso através de uma declaração clara de sua
enfermidade, fraqueza e insuficiência para os grandes fins de uma
aliança perfeita entre Deus e a igreja. Muitas coisas para esse
propósito podem ter sido alegadas a partir da natureza de suas
instituições e promessas, desde que ela foi dada inicialmente, e é
isso que é feito por nosso apóstolo em seus discursos atuais. Mas
essas coisas não foram claramente entendidas por ninguém
naqueles dias; e quanto mais o véu os cobria,[290] menos eles
podiam as coisas até o fim das coisas que deveriam ser abolidas.
Mas agora, quando o próprio Deus positivamente declara por aquele
profeta que a antiga aliança era fraca e insuficiente, e, portanto, ele
faria com eles outra, melhor aliança; isso fez com que ela
envelhecesse, ou que estivesse caminhando para sua dissolução.
[3] A partir da entrega dessa promessa, Deus, por várias
vezes, através de sua providência, fez cessar e enfraquecer a
administração dela; que pelo que a decadência da primeira aliança
ficou cada vez mais evidente. Pois, 1º. Imediatamente após a
entrega dessa promessa, o cativeiro babilônico causou um total
intervalo e interrupção a toda a sua administração por setenta anos.
Sua administração jamais havia cessado desde que essa aliança foi
feita ao pé do Monte Sinai, e isso era um sinal evidente de que seu
fim estava próximo, e que Deus queria que a igreja vivesse sem ela.
2º. Quando o povo retornou do seu cativeiro, nem o templo,
nem o culto relacionado a ele, nem qualquer das administrações da
aliança e nem o sacerdócio foram restaurados à sua beleza e glória
primitivas. E embora de modo geral as pessoas estivessem muito
aflitas com a percepção de sua decadência, Deus as conforta não
com qualquer indicação de que as coisas sob aquela aliança seriam
levadas a condições melhores, mas ele as conforta oferecendo uma
expectativa de sua vinda para estar entre eles e pôr fim a todas as
administrações da primeira aliança (Ageu 2:6-9). E, a partir desse
momento, seria fácil traçar todo desenvolvimento dessa aliança e
como ela declinava continuamente até o seu fim.
Assim, Deus tornou velha essa aliança, até aboli-la; e para dar
uma evidência disso, ele chamou a outra aliança que faria de
“nova”. Ela não entrou em decadência por si mesma. Pois nenhuma
instituição de Deus jamais envelhecerá por si mesma; elas nunca
envelhecem, decaem ou perecem a menos que sejam anuladas
pelo próprio Deus. O tempo não consumirá as instituições divinas;
nem os pecados dos homens podem diminuir a força delas.
Somente aquele que as instituiu é que pode aboli-las.
E esse é o primeiro argumento do apóstolo, extraído desse
testemunho bíblico citado a partir do profeta Jeremias, para provar
que a primeira aliança deveria ser abolida.

Uma Máxima Geral da Verdade

Conquanto possa ser questionado se é uma consequência


direta ou não, que a primeira aliança deve ser abolida por ter sido
tornada velha, o apóstolo passa a confirmar a verdade de sua
inferência a partir de uma máxima geral, que também assume a
natureza de um novo argumento. “Ora”, diz ele, “Ora, o que foi
tornado velho, e se envelhece, perto está de acabar”.
“Velho” é um adjetivo que indica aquilo que é finito e que está
caminhando para seu fim. Tudo o que pode envelhecer tem um fim;
e aquele que envelhece, caminha para esse fim. Assim, o salmista
ao afirmar que os próprios céus perecerão, acrescenta, como uma
prova disso: “eles se envelhecerão como um vestido; como roupa os
mudarás, e ficarão mudados”;[291] e então ninguém pode duvidar
que eles terão um fim, quanto à sua substância ou seu uso.
Existem nessas palavras, (1.) A indicação do sujeito, τ ὸ δέ ,
“mas isso”, ou “aquilo, seja o que for”. A regra geral dá evidência à
primeira inferência, “Seja o que for que envelheça”.
(2.) A descrição disso em uma expressão dupla,
π αλαιούμενον e γηράσκον . Essas palavras geralmente devem ser
sinônimas e usadas apenas com o objetivo de enfatizar algo. Nós
traduzimos π αλαιούμενον , por decadência, “aquilo que decai”, para
evitar a repetição da mesma palavra e por não termos outro termo
para expressar “envelhecer” ou “tornar velho”. Mas π αλαιούμενον
não significa propriamente “aquilo que decai”, mas aquilo que sofre
efeito de π ε π αλαίωκε , “o que é feito velho”; e diz respeito
particularmente às coisas. As coisas são descritas como velhas e
não as pessoas. Mas a outra palavra, γηράσκον , diz respeito às
pessoas, e não às coisas. A palavra γηράσκειν é dita a respeito de
homens, e não de coisas inanimadas. Embora o apóstolo possa ter
usado um pleonasmo para dar ênfase à sua afirmação e para
averiguar a certeza do término da Antiga Aliança, nada impede,
porém, de pensarmos que ele tinha se referido tanto às coisas como
às pessoas que pertenciam à administração dela.
Aquilo que se afirma acerca do assunto da proposição é que
ela, ἐγγὺς ἀφανισμοῦ , “perto está de acabar”, é uma abolição e
remoção. A proposição é universal e válida absolutamente em
relação a todas as coisas, como é evidente a partir da luz da
natureza. O que quer que leve alguma coisa para uma a decadência
e envelhecimento, também a levará a um final; pois decadência e
envelhecimento são expressões que denotam tendência para um
fim. Que um anjo viva pelo tempo que for, ele não envelhece,
porque não pode morrer. Envelhecer é algo absolutamente contrário
a uma duração eterna (Salmo 102:26-27).
Tendo em vista que o que está sendo tratado aqui é respeito
da remoção da Antiga Aliança e de todas as administrações dela,
pode ser indagado por que o apóstolo expressa isso por ἀφανισμός ,
“um desaparecimento”, ou “desaparecendo de vista”. E o seguinte
pode ser respondido: (1.) Para mostrar a aparência externa gloriosa
de suas administrações: Foi isso que cativou grandemente as
mentes e afeições daqueles hebreus. Eles eram carnais, e coisas
tais como a arquitetura do templo, os ornamentos dos sacerdotes e
a ordem de sua adoração possuíam em si mesmos uma glória que
eles podiam contemplar com seus olhos carnais, e se apegarem
com suas afeições carnais. O ministério da letra era glorioso. “Toda
essa glória”, diz o apóstolo, “desaparecerá em breve, desaparecerá
de sua vista”, de acordo com a predição de nosso Senhor Jesus
Cristo (Mateus 24). (2.) Para mostrar a remoção gradual da Antiga
Aliança: Ela se vai como algo que é retirado de diante de nossos
olhos. Nós, pouco a pouco, a perdemos de vista, até que ela
desaparece completamente. Como ela foi feita para desaparecer,
em que tempo, em que graus e por quais atos de autoridade divina,
deve ser dito distintamente em outro lugar. Todas as gloriosas
instituições da lei eram, na melhor das hipóteses, estrelas do
firmamento da igreja e, portanto, todas desapareceriam com o
surgimento do Sol da Justiça.
τῷ θεῷ δόξα .[292]
A editora O Estandarte de Cristo é fruto de um trabalho
que começou a ser idealizado por volta do início de
2013, por William e Camila Rebeca, com o propósito
principal de publicar traduções de autores bíblicos fiéis.
Fizemos as primeiras publicações no dia 2 de dezembro
de 2013 (publicação de 4 eBooks). De lá para cá já são
quase 7 anos e centenas de traduções de autores
bíblicos fiéis, sobre diversos temas da fé cristã.

Somos uma editora de fé cristã batista reformada e


confessional. Estamos firmemente comprometidos
com as verdades bíblicas fielmente expostas na
Confissão de Fé Batista de 1689.

OEstandarteDeCristo.com
Conheça outros livros publicados pela editora
O Estandarte de Cristo

A Confissão de Fé Batista de 1689 + Catecismo Puritano


compilado por C.H. Spurgeon

❝ Nós precisamos de um estandarte pela causa da verdade; pode ser que


esse pequeno volume ajude a causa do glorioso Evangelho, testemunhando
claramente quais são as suas principais doutrinas… Aqui os membros mais
jovens da nossa igreja terão um Corpo de Teologia, que servirá como uma
pequena bússola, e por meio de provas bíblicas, estarão prontos para dar a
razão da esperança que há neles… Apeguem-se fortemente à Palavra de
Deus que está aqui mapeada para vocês. ❞ — C.H. Spurgeon, 1855
A Interpretação das Escrituras
A.W. Pink

❝ Dificilmente encontraremos um “tratado sobre hermenêutica”, tão bíblico e


completo, tão profundo e ao mesmo tempo tão prático, como diz o próprio
autor: Nestes capítulos temos nos esforçado para colocar diante de nossos
leitores as regras que temos usado há muito tempo em nosso próprio estudo
da Palavra; elas foram projetadas mais especialmente para os jovens
pregadores. Nós não poupamos esforços para torná-los tão lúcidos e
completos quanto possível, colocando em suas mãos esses princípios de
exegese que nos foram de grande proveito. ❞
Os Distintivos da Teologia Pactual Batista
Pascal Denault

❝ Pascal Denault merece muitos agradecimentos por seu trabalho ao


pesquisar e descrever as nuances da teologia do pacto da Inglaterra no
século XVII. Ele mostrou fatores significantes que contribuíram para as
diferenças entre o pensamento e a prática dos presbiterianos e batistas
particulares, descrevendo categorias teológicas em termos fáceis e
acessíveis. ❞ — James M. Renihan, Ph.D. Deão e professor de teologia histórica
Institute of Reformed Baptist Studies
A Falha Fatal da Teologia por Trás do Batismo Infantil
Jeffrey Johnson

❝ Jeffrey Johnson produziu uma interação minuciosa, vigorosa e


impressionante com a teologia pactual, enquanto usada como apoio para o
batismo infantil. Ele expôs uma análise detalhada de cada parte do sistema,
aprovou o que era biblicamente fundamentado, desafiou o que é
indefensavelmente inventado e ofereceu alternativas convincentes para cada
parte do sistema que ele desafiou. ❞ — Tom J. Nettles, Ph.D. Professor de
teologia histórica Southern Baptist Theological Seminary
Um Guia para a Oração Fervorosa
A.W. Pink

❝ A oração particular é o teste de nossa sinceridade, o indicador de nossa


espiritualidade, o principal meio de crescimento na graça. A oração particular
é a única coisa, acima de todas as demais, que Satanás busca impedir, pois
ele bem sabe que, se ele puder ser bem sucedido neste ponto, o cristão
falhará em todos os outros... Por mais desesperado que seja o nosso caso,
maior é nossa necessidade de orar, se a graça em nós está fraca, a
contínua negligência em orar a fará ainda mais fraca, se nossas corrupções
são fortes, a omissão em orar as fará ainda mais fortes. ❞
Oração: Orando com o Espírito Santo e com o
Entendimento
John Bunyan

❝ A oração é uma ordenança de Deus que deve ser praticada tanto em


público quanto em particular. Além disso, é uma ordenança que conduz
aqueles que possuem o espírito de súplica para grande familiaridade com
Deus, e também possui efeitos tão notáveis que alcançam grandes coisas de
Deus, tanto para a pessoa que ora como para aqueles por quem ela ora. A
oração abre o coração de Deus e através dela a alma, mesmo quando vazia,
é preenchida. Através da oração o cristão também pode abrir seu coração a
Deus como o faria com um amigo, e obter um testemunho renovado de Sua
amizade. ❞
Piedade Cristã: Os Frutos do Verdadeiro Cristianismo
John Bunyan

Todo aquele que foi justificado pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo
encontrará aqui um excelente guia para que possa viver de modo agradável
a Deus. Este livro faz lembrar a magistral obra, A Prática da Piedade, do
piedosíssimo Lewis Bayly, por seu fervor e fidelidade bíblicos, e por sua
sobriedade e zelo piedoso de obedecer aos mandamentos do Senhor em
todas as áreas de nossas vidas e em todos os nossos relacionamentos. O
autor nos exorta à prática da verdadeira piedade cristã a partir de Tito 3:7-8.
O Homem como Sacerdote em seu Lar
Samuel Waldron

❝ A ideia de que um homem é sacerdote em seu lar se deriva naturalmente da


tese de que todo ministério cristão tem caráter sacerdotal. No entanto, esse
assunto confronta os homens com algumas das responsabilidades mais
difíceis que enfrentaremos. Quando cumprimos nosso dever e sentimos nosso
pecado e fraqueza nessa área, devemos constantemente nos lembrar da
graça e das promessas que Deus nos deu. Não podemos fazer progresso
confiado em nossas próprias forças. Somente cresceremos e assumiremos
nossas responsabilidades com a ajuda de Deus. ❞
A Doutrina da Trindade
John Owen

John Owen fez uma defesa magistral da grande doutrina bíblica da


Santíssima Trindade contra os socinianos. Dificilmente veremos hoje alguém
que se denomine um sociniano, mas não é tão raro assim encontrar alguém
indouto e inconstante que segue as pisadas deles e nega a verdade bíblica
sobre a bendita doutrina da Trindade, para sua própria perdição eterna (2Pe
3:16). Portanto a refutação que Owen faz das principais objeções dos
oponentes dessa doutrina permanece útil também para os nossos dias.
Sobretudo é proveitosa a exposição fiel e profunda feita por ele sobre os
principais textos bíblicos que revelam essa verdade fundamental sobre o
único e verdadeiro Deus: Pai, Filho e Espírito.
Os 5 Pontos do Calvinismo
C.H. Spurgeon

Nesta excelente coletânea de sermões Charles Spurgeon expõe o ensino


bíblico sobre aqueles que ficaram conhecidos como os 5 Pontos do
Calvinismo: 1. Depravação Total;2. Eleição Incondicional; 3. Expiação
Limitada; 4. Graça Irresistível; 5. Perseverança dos Santos. A capacidade
ímpar com que Deus dotou o pregador e a beleza e firmeza da verdade
bíblica por ele tratada fazem deste livro um recurso extremamente
importante para todos aqueles que desejam obter uma compreensão clara e
robusta do ensino bíblico acerca da soberania da graça divina na salvação
dos homens.
Como Saltar em Segurança para a Eternidade
Lidiano Gama

❝ Com habilidade, o autor L.A. Gama desenvolveu a viagem de Greg


Thopp rumo à eternidade sempre ladeado pelas doutrinas que foram o
fundamento e alicerce não apenas dos batistas particulares (reformados),
mas da própria Reforma Protestante e do puritanismo inglês e norte-
americano que se seguiu. O livro é valioso para todos os cristãos, mas,
sobretudo, é uma preciosa contribuição para os batistas e uma excelente
oportunidade para se examinar cuidadosamente esse documento, a
Confissão de Fé Batista de 1689. ❞ — Marcus Paixão
Teologia Bíblica Batista Reformada
Fernando Angelim

❝ Estou convencido da extrema necessidade e urgência da igreja brasileira,


especialmente os batistas, recuperar um entendimento bíblico profundo e
piedoso sobre os pactos de Deus. E estou igualmente convencido de que este
livro tem muito a contribuir para esse fim. Escrito de maneira clara e didática,
e sobretudo bíblica, este livro se mostrará útil tanto para o pai de família que
deseja conhecer melhor sua Bíblia e guiar a sua família piedosamente quanto
para aquele que foi chamado a se “apresentar a Deus aprovado, como obreiro
que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade”
(2 Timóteo 2:15). ❞ — William Teixeira

[1] É popularmente relatado que Benjamin Coxe era filho de um bispo da Igreja da
Inglaterra, frequentemente identificado como Richard Cox. Em um artigo biográfico não
assinado, W.T. Whitley demonstrou que isso não poderia ser verdade. Todos os filhos do
bispo Cox nasceram antes de 1568 e ele morreu em 1581. Benjamin só nasceu em 1595.
Ver (W.T. Whitley) “Benjamin Cox”, Transactions of the Baptist Historical Society 6 (1918-
1919): 50. Pode ser que ele tenha sido neto do bispo Cox.
[2] Joseph Foster, ed., Alumni Oxoniensis, Volume I. - Early Series (Nendeln,
Liechtenstein: Kraus Reprint Limited, 1968), 340.
[3] Whitley, Benjamin Cox, 50. Edwards, em uma lista de vários líderes “sectários” da
década de 1640, fala de “um mestre Cox que saiu de Devonshire, um inovador, e um
excelente servidor no tempo dos bispos, que contra a boa vontade do bispo de Exeter,
doutor Hall, seu diocesano, trouxe inovações para sua igreja paroquial (como algumas
pessoas piedosas que viveram nessa localidade me informaram) ao publicar um panfleto
chamado, A Declaration concerning the publike Dispute which should have been in the
publike meeting house of Aldermanbury, the third of December concerning Infants Baptism”.
Thomas Edwards, Gangraena: Or A Catalogue and Discovery of many of the Errors,
Heresies, Blasphemies and pernicious Practices of the Sectaries of this time (Londres):
Ralph Smith, 1646), A terceira edição, Parte 1, 38 (2nd paginação), ênfase dele.
[4] A Thesis or Position Concerning The Administering and Receiving Of The Lord’s
Supper Cleared and Confirmed, por B.C. Pregador da Palavra de Deus, 1642, 1. Em
nenhum local da publicação é identificado o editor. Coxe assinou seu nome no final do
panfleto.
[5] {A Crisma ou Confirmação é um sacramento inventado pela Igreja de Roma, no
qual, o bispo impõe as mãos sobre a pessoa a ser confirmada, invoca sobre ela o Espírito
Santo e a unge com o crisma (azeite de oliveira)}.
[6] Whitley, Benjamin Cox, 51.
[7] Thomas Crosby, History of the English Baptists (Londres, 1738), 1: 354.
[8] Richard Baxter, Plain Scripture Proof of Infants Church-membership and Baptism
(Londres: 1656, quarta edição), página 4, não numerada, de The True History of the
Conception and Nativity of this Treatise.
[9] O lado batista do debate pretendido foi registrado em A Declaration concerning
the publike Dispute which should have been in the publike meeting house of Aldermanbury,
the third of December concerning Infants Baptism (Londres), 1645) e contava com os
nomes Benjamin Coxe, Hanserd Knollys e William Kiffen impressos em destaque na página
de rosto.
[10] Murray Tolmie, The Triumph of the Saints (Cambridge: Cambridge University
Press, 1977), 63-64. Tolmie cita o Journal of the House of Commons, iv: 420-421, como
uma fonte para essas informações.
[11] Benjamin Coxe, Some Mistaken Scriptures Sincerely Explained in Answer to one
infected with some Pelagian Errours (Londres: Tho. Paine, 1646).
[12] John Spilsbury, God’s Ordinance, The Saints Priviledge (Londres: M. Simmons,
1646). Para informações biográficas sobre Spilsbury, consulte James M. Renihan, “John
Spilsbury (1593-c1662 / 1668)” em Michael A.G. Haykin, ed., The British Particular Baptists
1638-1910 (Springfield, MO: Particular Baptist Press, 1998), 1:21-37.
[13] B.R. White, Cox, Benjamin (1595-c. 1664) em Richard L. Greaves e Robert
Zaller, Biographical Dictionary of British Radicals in the Seventeenth Century (Brighton: The
Harvester Press, 1982), 1:184.
[14] B.R. White, Association Records of the Particular Baptists of England, Wales and
Ireland to 1660 (Londres: The Baptist Historical Society, 1971-74), 3:129.
[15] Crosby, History of the English Baptists, 1:354.
[16] Escrito no início de 1658 e agora acessível como um apêndice em White,
Association Records, 1: 43-50.
[17] Para Jessey, ver B.R. White, “Henry Jessey in the Great Rebellion”, em R. Buck
Knox, Reformation, Conformity and Dissent: Essays in Honour of Geoffrey Nuttal (Londres:
Epworth Press, 1977), 132-153.
[18] White, Association Records of the Particular Baptists, 3:168-172.
[19] W.T. Whitley, The Baptists of London 1612-1928 (Londres: The Kingsgate Press,
n.d.), 105; Whitley, Edward Harrison of Petty France in The Baptist Quarterly, 7:214.
[20] Veja o livro de registro da igreja Petty France, mantido na Guildhall Library, em
Londres, e H.G. Tibbutt, Some Early Nonconformist Church Books (Bedford: Bedfordshire
Historical Record Society, 1972). O Livro da Igreja de Kensworth é transcrito nas páginas
10-18.
[21] Whitley, Benjamin Coxe, 58.
[22] The Church Book of Bunyan Meeting (Londres: J.M. Dent Facsimile Reprint,
1928), 27.
[23] The Church Book of Bunyan Meeting, 43-44.
[24] A referência deve ser a Nicholas Blakie, ministro de uma igreja escocesa em
Londres. Ver Walter Wilson, The History and Antiquities of Dissenting Churches and
Meeting Houses (Londres: Para o Autor, 1808), 2: 460-467.
[25] Church Book of Bunyan Meeting, 46.
[26] A conexão entre Bunyan e esses homens é mencionada em Christopher Hill, A
Turbulent, Seditious, and Factious People: John Bunyan and His Church (Oxford: Oxford
University Press, 1988), 149. “Irm. Coakain” é George Cokayne (1620-1691), um ministro
independente de Londres nascido em Bedfordshire e que conservava muitas amizades ali;
“Irm. Palmer” é Anthony Palmer (1616-1679), ministro independente de Londres; e “Irm.
Griffith” é George Griffith (1619-1702), ministro independente de Londres. É fascinante
notar que nenhuma dessas assembleias aprovadas eram igrejas batistas. Veja Greaves e
Zaller, Biographical Dictionary of British Radicals in the Seventeenth Century, s.v.
“Cokayne, George”, “Palmer, Anthony” e “Griffith, (ou Griffiths), George”.
[27] Church Book of Bunyan Meeting, 46, 47.
[28] Ibid., 51. Esses homens são explicitamente chamados de “irmãos com dons
[gifted brethren]” na notação de 25 de junho de 1672, ver p. 52
[29] Ibid., 52-53.
[30] Ver George Offor, ed., The Whole Works of John Bunyan (Grand Rapids: Baker
Book House, 1977), 2: 593-601; W.T. Whitley, A Baptist Bibliography (Hildesheim: Georg
Olms Verlag, reimpressão de 1984), 1:99.
[31] Church Book of Bunya n Meeting, 54.
[32] Ibid. Esse foi o procedimento padrão seguido entre as igrejas. Um relato
fascinante de prolongadas discussões entre duas igrejas sobre esse assunto pode ser
encontrado em E.B. Underhill, ed., The Records of A Church of Christ meeting in
Broadmead, Bristol, 1640-87 (Londres: J. Haddon, 1847), p. 160; 380-384.
[33] Church Book of Bunyan Meeting, 54.
[34] Thomas Armitage, A History of the Baptists (Watertown, WI: Baptist Heritage
Press, reimpressão de 1988), 2: 524; T.E. Dowley, “A London Congregation during the
Great Persecution” em The Baptist Quarterly (Janeiro de 1978), XXVII, n. 5, 238.
[35] Benjamin Cox, “An Appendix to a Confession of Faith”, reimpresso com A
Confession of Faith of Seven Congregations of Churches in London, Which are Commonly
(but unjustly) Called Anabaptists (Rochester, NY: Backus Book Publishers, 1981), 32, 33;
John Bunyan, “A Confession of My Faith, and a Reason of My Practice” em Works. Bunyan
publicou duas outras obras sobre o assunto, “Differences in Judgment about Water Baptism
no Bar to Communion” e “Peaceable Principles and True”.
[36] Wilson, History and Antiquities, 2:186-187. Wilson fornece esta nota de rodapé:
“o apêndice do sr. Sutcliff ao sermão do dr. Ryland, sobre a morte do Rev. Joshua
Symonds, p. 53-4”. Christopher Hill confirma a prisão de Coxe pela pregação, citando E.
Stockdale, “A Study of Bedford Prison, 1660-1877”, em Publications of the Bedfordshire
Historical Record Society, 56 (1977), 14-16, 70-71, como sua fonte. Veja Hill, A Turbulent…
People, 122. Mais tarde, no mesmo trabalho, Hill afirma que em 1669 Coxe “foi acusado de
dizer ‘a Igreja da Inglaterra, tal como ela é hoje, é uma igreja anticristã’” Hill, 145, citando
M. Mullett, “The Internal Politics of Bedford, 1660-1688” em Publications of the Bedfordshire
Historical Record Society 59 (1980), 4, 5, 37. Essa afirmação seria perfeitamente
consistente com a opinião de muitos dissidentes daquela época.
[37] Petty France Church Book, 1675-1727, 1. O livro pode ser visto na Biblioteca
Guildhall, em Londres. O Livro da Igreja de Bedford não registra a demissão de Coxe da
associação, mas isso provavelmente é um descuido. Existem apenas algumas entradas
breves para 1675.
[38] John Piggott, A Funeral Sermon Occasioned by the Death of the reverend Mr.
William Collins, Late Minister of the Gospel in London, Who died the 30th of October, 1702,
em Eleven Sermons Preach’d upon Several Occasions, by the Late Reverend Mr. John
Piggott, Minister of the Gospel (Londres: John Darby, 1714), 241-286. A estima em que ele
foi tido por seus colegas ministros pode ser observada pelo fato de ele ter sido solicitado
pela Assembleia Geral de 1693 a elaborar um Catecismo, e com base nisso Joseph Ivimey
afirma que “é provável que o Catecismo Batista tenha sido compilado pelo Sr. Collins,
embora de alguma maneira tenha passado a ser chamado de Catecismo de Keach”.
Joseph Ivimey, A History of the English Baptists (Londres: BJ Holdsworth, 1823), 2:397.
[39] Walter Wilson o designa como “Nehemiah Coxe, D.D.”. Não há, no entanto,
nenhuma evidência de que ele tenha recebido o diploma de Doutor em Divindade. O mais
provável é que isso seja um erro cometido ao confundir sua carreira médica com sua
carreira teológica. Desconhecendo sua prática médica e lendo o “Dr. Nehemiah Coxe”,
pode-se supor que o respeitado teólogo teria recebido o doutorado teológico aceito da
época. Walter Wilson, History and Antiquities, 2:185.
[40] Em Collier, ver B.R. White, “Thomas Collier and Gangraena Edwards” em The
Baptist Quarterly xxiv:3 (julho de 1971), 99-110.
[41] Edwards, Gangraena, terceira parte, 29, 40-41.
[42] Roger Hayden, ed., The Records of a Church of Christ in Bristol, 1640-1687
(Bristol: Bristol Record Society, 1974), 185. A igreja de Broadmead esperava que os
homens pudessem fazer a jornada adicional para visitar sua assembleia e ordenar seu
pastor, Thomas Hardcastle. Os homens de Londres recusaram, citando razões pessoais
urgentes para retornar a Londres.
[43] Nehemiah Coxe, Vindiciae Veritatis, or a Confutation of the Heresies and Gross
Errours asserted By Thomas Collier in his Additional Word to his Body of Divinity (Londres:
Nath. Ponder: 1677), páginas 1 e 2, não numeradas. A carta é assinada por William Kiffin,
Daniel Dyke, Joseph Maisters, James Fitton, Henry Forty e William Collins. Essa é uma
lista impressionante de homens capazes e qualificados.
[44] Robert Oliver, “Baptist Confession Making, 1644 and 1689”, um manuscrito não
publicado entregue à Strict Baptist Historical Society, março de 1989, 13-14; Michael A.G.
Haykin, Kiffin, Knollys e Keach (Leeds: Reforma Today Today Trust, 1996), 68.
[45] Petty France Church Minute Book, 5.
[46] Joseph Ivimey, A History of the English Baptists, 3:332. Ivimey escreve:
“Parece... que essa confissão foi preparada com o objetivo de expressar a fé daquela igreja
em particular, mas foi adotada por mais de cem igrejas na Assembleia Geral em 1689”. Em
outro local do mesmo volume, ele afirma com veemência que Coxe e Collins “escreveram a
Confissão de Fé adotada pela Assembleia Geral, em 1689”. 3:260.
[47] Existem algumas indicações literárias de que Coxe e Collins foram seus autores.
Em E.B. Underhill’s Confessions of Faith and Other Public Documents Illustrative of the
Baptist Churches of England in the 17th Century (Londres: Hanserd Knollys Society, 1854),
172, 172, um notável “anúncio” é precedido da reimpressão da Segunda Confissão de
Londres. Indica que William Collins e Benjamin Keach, de 1668 a 1704, um pastor da Igreja
de Southwark, Horselydown, possuíam os direitos de propriedade desses dois
documentos, a Confissão e o Catecismo. Isso tende a indicar que eles tinham alguma
participação, como detentores da “propriedade, direito e título”, na autoria ou na edição dos
dois. Keach não poderia ter sido o editor original da Confissão. Pois ela incorpora várias
declarações da Confissão Batista de Londres de 1644, e Keach declarou em 1692 que ele
não tinha visto esse documento até pouco antes da Assembleia Geral realizada em
Londres durante esse ano. Embora ele não pudesse ter sido responsável pelo surgimento
da Confissão, ele foi frequentemente identificado como autor do Catecismo. É possível que
ele possuísse a “propriedade, direito e título” e que Collins possuísse a “propriedade, direito
e título” à Confissão como seu editor original. Collins e Keach morreram em 1704, portanto
o anúncio deve ter sido anexado a uma edição anterior da Confissão. Visto que Nehemiah
Coxe morreu em 1689, a ausência de seu nome não milita contra a noção de que ele foi
co-editor da Confissão com Collins.
[48] Petty France Church Book, 3.
[49] Ver T.E. Dowley, “A London Congregation during the Great Persecution”, para
detalhes de alguns dos incidentes que se sabe terem ocorrido. Os registros da Petty
France contêm declarações como “nossa reunião foi perturbada no dia do Senhor. . . no
que diz respeito à incerteza de obtermos a conveniência de nos encontrar como
anteriormente em razão da presente perseguição e de nossa expulsão de Pett: Fr:...”. Petty
France Church Book, 20-21.
[50] Em Gifford (1641-1721), ver Ivimey, HEB, 1: 412-415; 2: 541-552.
[51] O texto completo da carta pode ser encontrado em Ivimey, HEB, 1: 417-420.
[52] Informações biográficas úteis sobre Kiffin e Knowles podem ser encontradas no
livro de Haykin, Kiffin, Knollys e Keach.
[53] O ministério de Harris é resumido brevemente em Ivimey, HEB, 3: 498.
[54] Para Dyke (1617-1688), ver A.G. Matthews, Calamy Revised (Oxford: Clarendon
Press, reedição de 1988), 176; Ivimey, HEB, 2:328-330. Ele era sobrinho do famoso
puritano Daniel Dyke, autor de Michael and the Dragon, or Christ Tempted and Satan foyled
(Londres: 1635).
[55] O texto do prefácio está em Nathan Wood, The History of the First Baptist Church
of Boston (Nova York, NY: Arno Press, reimpressão fac-símile de 1980 da edição de 1899),
149-151.
[56] Hayden, Records of a Church of Christ, 191.
[57] Ver Nehemiah Coxe, A Sermon Preached at the Ordination of an Elder and
Deacons in a Baptized Congregation in England,” Reformed Baptist Theological Review,
Volume I, Número 1 (janeiro de 2004), 133-156.
[58] CM. Du Veil, A Commentary on the Acts of the Apostles (Londres: The Hanserd
Knollys Society, reimpressão de 1851), 70. O próprio Du Veil é um personagem
interessante. Nascido judeu, tornou-se sucessivamente católico romano, anglicano e
batista particular. Veja W.T. Whitley, “Charles-Marie, de Veil” em The Baptist Quarterly 8, n.
8 (outubro de 1937): 444-446. O Comentário de Atos de Du Veil foi publicado originalmente
em 1685.
[59] John Piggott, Eleven Sermons Preach’d upon Special Occasions (Londres: John
Darby, 1714), 190.
[60] Erasmus Middleton, Biographica Evangelica (Londres: R. Denham, 1804), 3:
205-353.
[61] The Baptist Quarterly, 4: 275.
[62] British Museum General Catalogue of Printed Books (Londres: Os curadores do
Museu Britânico, 1966), 45:364. O título se traduz aproximadamente como: “A First Medical
Discussion on Arthritis”. Os dados de publicação listados no catálogo são “Typis
Appelarianis: Ultrajecti, 1684. Um incidente fascinante é registrado por W.T. Whitley:
“[Nehemiah Coxe] teve a oportunidade de amontoar brasas de fogo sobre a cabeça já
idosa de Richard Baxter, que estava sendo arrastado para a prisão em 1683 quando Cox
assegou que Baxter estava doente demais para suportar uma prisão”. Whitley, Benjamin
Coxe, 59. No entanto, há fortes razão para acreditar que Whitley estava incorreto e que
Nehemiah Coxe não participou do evento. Na autobiografia de Baxter, o nome do médico é
dado como Thomas Coxe. Richard Baxter, The Autobiography of Richard Baxter, being The
Reliquiae Baxterianae, abreviado do fólio de 1696 (Londres: J.M. Dent, 1931), 251.
[63] The Baptist Quarterly, 4:275.
[64] Petty France Church Book, 10.
[65] Ibid., 26.
[66] Muito obrigado ao Sr. Ronald D. Miller por sua ajuda na coleta de material de
origem para este esboço biográfico.
[67] [Nesse mesmo local em Londres, Ponder também vendeu livros para John
Owen e John Bunyan, principalmente as primeiras edições de ambas as partes do The
Pilgrim's Progress, em 1678 e 1684 e The Life and Death of Mr. Badman, em 1680. Da
mesma forma, Alsop, em sua loja em Londres, vendeu a primeira edição de The Holy War,
de Bunyan, em 1682.]
[68] [Sinônimo de aliança. “Fœdus”, do qual deriva o termo “federal”, foi o termo latino
usado na teologia reformada dos séculos XVI e XVII para descrever as relações impostas
por Deus ao homem por sua obediência e salvação — o fœdus operum (pacto das obras) e
o fœdus operum (pacto da graça). O uso de Coxe de seus equivalentes em inglês, suas
citações das principais teologias federais dos seus dias (escritas em latim por homens
como Cocceius) e a essência de seu discurso demonstram seu profundo conhecimento e
identificação com a teologia pactual. Veja Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek
Theological Terms (Grand Rapids: Baker Book House, 1985), 119-122, 217.]
[69] [Joseph Whiston (m. 1690) escreveu pelo menos quatro tratados defendendo o
batismo infantil ao qual Coxe se refere, incluindo: Infant Baptism from Heaven (1670); An
Answer to Mr. Danvers (1675); An Essay to Revive the Primitive Doctrine and Practice of
Infant Baptism (1676); e Infant Baptism Plainly Proved (1678). O último título continha uma
“epístola aos piedosos e instruídos entre os antipedobatistas, especialmente os autores da
última confissão de sua fé”. Coxe, provavelmente co-autor da Confissão Batista de Londres
de 1677 (daqui em diante CFB1689), foi assim referido diretamente e respondeu na
presente obra em 1681. Whiston respondeu no ano seguinte em A Brief Discourse
concerning Man’s Natural Proneness to, and Tenaciousness of Errour, no qual ele
acrescenta “alguns argumentos para provar que a aliança feita com Abraão em Gênesis
17:7 é o pacto da graça”, opondo-se a um dos principais pontos de Coxe nesta obra.]
[70] [John Owen, Commentary on Hebrews, vol. VI, (Edimburgo: Banner of Truth
Trust, 1991), 3-177. A obra original foi publicada em quatro volumes de 1668 a 1684 por
Nathaniel Ponder. O volume referenciado apareceu em 1680.]
[71] [Uma referência aos anos de 1678 a 1681, em que “o patife Titus Oates” alegou
uma conspiração papista para assassinar o rei Carlos II e instalar seu irmão católico
romano, James, duque de York, como rei. Isso levou a crises parlamentares e a uma
convulsão social geral que evidentemente atrasou a publicação dessa resposta à obra de
Whiston em 1678. Oates era filho de um evangelista batista e, apesar de deserdado pelos
batistas, estava ligado a eles. Para os efeitos disso sobre os batistas de Londres, ver B.R.
White, The English Baptists of the 17th Century (Didcot: The Baptist Historical Society,
1996), 126-128.]
[72] [O espírito irênico de Coxe é evidente em toda a linguagem dessa obra e
contrasta fortemente com o temperamento demonstrado em muitos dos tratados daquele
período.]
[73] Hebreus 1:1-2: Πολυμερως . Deus nonsemel olim omnia, sed particulatim, deinde
etiam diversis modis sus notitiam ac cultum declaravit per profetas, quo propius dies
imminibat, eo clariorem lucem Edentes. Theodore Beza. [“Hebreus 1:12: ‘De diversas
maneiras’. Deus nunca declarou tudo de uma só vez, mas gradualmente, e então, também
de diversas maneiras, revelou o conhecimento e a adoração de si mesmo através dos
profetas, que ofereceram uma luz mais brilhante à medida em que o dia se aproximava”.
Theodoro Beza, 1519-1605, foi ajudante e depois sucesor de Calvino em Genebra.]
[74] Deus in omnibus Actionibus prisci seculi, semper ob oculos habebat tempora
Massia. Hugo Grotius. [Deus, em todas as suas ações anteriores, sempre teve diante de
seus olhos os tempos do Messias. O autor é Hugo Grotius, 1583-1645, famoso escritor
jurídico e teológico holandês.]
[75] Vid. Coeceii de fœdere ca. I. & Rivet. In Genesis Exerc. 53. [Veja o capítulo 1 de
Johannes Cocceius On the Covenant e Andrew Rivet, Commentary on Genesis, 53.
Referem-se às seguintes obras em latim: Johannes Cocceius, Summa Doctrinæ de
Fœdere et Testamento Dei, (Batavia: Elsevier, 1654), famoso estudo do teólogo continental
(1603-1669) sobre os pactos; e Andrew Rivet, Commentary on Genesis, o trabalho crítico
do teólogo francês (1572-1651). Aparentemente, Rivet era o favorito de Coxe. Ele não
apenas o cita várias vezes neste livro mas também, em 1682, publicou The Believer’s
Triumph over Death, um relato dos últimos dias de Rivet, “para prover conforto ao cristãos
contra o medo”. Para um relato da vida de Rivet, consulte Thomas M'Crie, Miscellaneous
Writings (Edimburgo: John Johnstone, 1841), 113-143.]
[76] [O Oxford English Dictionary indica que essa palavra rara carrega o sentido de
“prometer ou se envolver em troca; um contra-engajamento”. Ele cita uma ocorrência do
comentário de Thomas Adams em 2 Pedro 2:9 para enfatizar: “Se ele fez um pacto
conosco, ‘eu serei seu Deus’; devemos restipular: ‘Então descansaremos em ti’”. A
“restipulação” parece ter um uso técnico na teologia pactual intimamente relacionada ao
fœdus dipleuron (a aliança bilateral) que descreve “o relacionamento pactual de Deus e do
homem juntos e particularmente a livre aceitação por parte do homem da promessa de
Deus e da obediência exigida pelo pacto” (Muller, Dictionary, 120, 122). A mesma aliança
vista como a declaração e imposição da vontade de Deus para com o homem é o fœdus
monopleuron (a aliança unilateral). Esses termos teológicos da teologia pactual protestante
clássica estão claramente por trás do pensamento de Coxe nesta seção.]
[77] [Assim como os termos transação e federal, o termo interesse também aparece
com frequência nesse contexto. Ele não deve ser entendido como “conveniência,
vantagem, juros etc.”, mas como “participação em”; “sentimento de uma pessoa cuja
atenção e preocupação está comprometida com algo ou com outra pessoa”; “estar
envolvido com”.]
[78] Veja Jó 35:7-8; Romanos 11:35-36.
[79] “Est enim Dei Faedus nihil aliud quam divina declarativo de ratione percipiendi
amoris Dei, & unicne, ac communione ipsius potiendi”. Johannes Cocceius de Faed. [“Pois
a aliança de Deus nada mais é do que uma declaração divina relativa a um método de
perceber o amor de Deus e alcançar a união e comunhão com ele”. Cocceius, Da Aliança.]
[80] [Coxe usa “positivo” em contraste com “natural” em relação à lei. As leis (morais)
naturais estão enraizadas na natureza de Deus e em sua criação e, portanto, são
necessárias e eternas. Leis positivas (cerimoniais) são vinculativas porque Deus, o
Legislador, escolhe livremente exigilas temporariamente. Mas elas não são nativas da
constituição do homem (Romanos 2:14-15) e, assim como a regra dada a Adão para não
comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, essas leis devem ser claramente
reveladas a ele.]
[81] [Errar com razão.]
[82] [Coxe observa entre parênteses: “que é uma ocasião maior desses erros do que
os homens geralmente percebem.”]
[83] Jus naturale est dictamen rectae rationis, judicantes actut alicus, ex ejus
convenientia vel disconvenientia cum ipsa natura rationalis, inesse moralem turpitudinem,
out necessitatem moralem, & consequienter ad Authore Nature, ipso Deo, talem aitem aut
Vetari aot Treoisi. Groti. Isso, conforme um filósofo posteriormente diz, foi a Nota Artificis
operi suo impressa. E a respeito de alguns ditames da lei da natureza (como me recordo)
Cícero diz: facti non docti, imbuti, non instructi, sui muios. [“A lei natural é o ditame da
razão correta, que julga por sua conveniência ou inconveniência com a própria natureza
racional que há em algum ato de torpeza moral, ou necessidade moral, e pelo Autor da
natureza, o próprio Deus.” (Hugo Grotius). Isso, conforme um filósofo posteriormente diz,
foi a “marca do artesão estampada em sua obra”. E a respeito de alguns ditames da lei da
natureza (como me recordo) Cícero diz: “Fomos feitos, não ensinados; imbuídos, não
instruídos”. O “filósofo” referido é René Descartes escrevendo em Meditatio III.38. As
palavras de Cícero de sua Orator ad M. Brutum 49.165.]
[84] [Este parágrafo segue de perto o Catecismo Batista, perguntas 13, 45-47 (Breve
Catecismo de Westminster, perguntas 10, 40-42) e a CFB1689 19:1-2.]
[85] [Essa é uma referência desconhecida.]
[86] [Uma maldição ou denúncia formal, especialmente uma ameaça de vingança
divina.]
[87] Em divinitatem promissam! [Eis a divindade prometida! Quase como se dissesse:
“Veja a divindade prometida a nós, mas perdida pelo pecado de Adão!”]
[88] [Catecismo Batista, pergunta 19; (Breve Catecismo de Westminster, pergunta
16).]
[89] Nos omnes eramus ille anus homo. [Todos nós éramos aquele homem.]
[90] [Esta seção inteira segue de perto o CFB1689, capítulos 6, 7 e 19.]
[91] [O fœdus naturae ou naturale (o pacto da natureza ou pacto natural) foi outro
nome usado pelos teólogos federais protestantes para o fœdus operum (pacto das obras)
que enfatiza a integridade pré-queda original do homem e sua capacidade de obedecer às
estipulações pactuais. Coxe aqui chama isso de aliança da criação. (Muller, Dictionary,
122.)]
[92] [Citado no Catecismo Batista, pergunta 16; (Breve Catecismo de Westminster,
pergunta 13).]
[93] [Incapacidade de pecar.]
[94] [Incapacidade de morrer.]
[95] [Capacidade de não pecar.]
[96] [Capacidade de não morrer.]
[97] [O termo perfeito, tanto aqui como no cap. 6.1 da CFB1689 não tem o sentido de
“estado que não pode ser aprimorado” (pois: 1. Adão poderia ter sido dotado com a
incapacidade de pecar e, consequentemente, estar em um estado melhor se assim
agradasse a Deus; 2. Nos é dito que por ocasião da glorificação o homem terá uma graça
superior em Cristo do que aquela que foi perdida em Adão). Também é preciso ressaltar
que, ao contrário de Deus, cuja perfeição é imutável, a capacidade de Adão de não pecar
estava sujeita a mudanças, conforme o exercício da liberdade de sua vontade. Portanto, a
palavra, nesse contexto, refere-se àquele estado reto, sem pecado, em que Adão fora
criado.]
[98] [Antes da queda, o homem nunca havia experimentado as misérias trazidas pelo
pecado. Depois da primeira transgressão, a gravidade do atentado contra a glória de Deus
tornou-se mais notável.]
[99] [Catecismo de Heidelberg, pergunta 11.]
[100] Romanos 1:20, 2:6-16.
[101] [Promulgar: Colocar uma lei em vigor mediante seu anúncio público formal.]
[102] 2 Timóteo 1:9-10; Tito 1:1-2.
[103] [Esse é o pactum salutis (o pacto da redenção), “no federalismo reformado, o
acordo pré-temporal e intratrinitário do Pai e do Filho com relação ao pacto da graça”
(fœdus gratiæ). (Veja Muller, dicionário, 217.)]
[104] [CFB1689 7.3.]
[105] [O original diz “quando a cabeça do seu pó foi formada.” Ver Provérbios 8:26,
31.]
[106] [CFB1689 7:3 expandido.]
[107] [Ou seja, morte física ou corporal. A expressão morte temporal é usada em
contraste com a outra morte, que é eterna.]
[108] [Gênesis 3:19; Eclesiastes 3:20, 12:7; Salmos 146:4 etc.]
[109] De prima igitur Corporis Morte, dici potest quod bonis bona sit, malis mala,
secunda vero sine dubio sicut nullorum bonorum est, ita nulli bona. Aug. De Civit. Dei Lib
13. Cap.2” [Sobre a primeira morte do corpo pode-se dizer que para os bons é boa e má
para os maus. Mas a segunda, como não é para os bons, está fora de dúvida não ser boa
para ninguém”, Agostinho, A Cidade de Deus. Livro 13, capítulo 2, Editora Universitária
São Francisco, Vozes de Bolso, 2012, vol. 2, p. 120].
[110] [Não fosse a bondade, misericórdia e paciência de Deus, Adão (e todos os
homens) receberiam a punição merecida e imediata pelo pecado.]
[111] [Observe que o autor não diz que os nomes dos filhos de Sete foram dados por
meio de, ou através de profecia; mas sim que foram dados em um espírito de profecia. Isso
porque o significado daqueles nomes por vezes indicava alguma circunstância ou
acontecimento da época.]
[112] [Cf. Judas 14-15.]
[113] [Hebreus 11:5.]
[114] [Essa referência é a Henry Ainsworth, Annotations on the Pentateuch and
Psalms. O puritano Ainsworth, 1571-1622(?), foi um notável estudioso hebreu, cuja obra
em dois volumes foi reimpressa recentemente por Soli Deo Gloria, Morgan, PA.]
[115] [Prelúdio.]
[116] Potuit fieri ut quidam privati Homines ex generatione Cain, Instinctu divino, se ad
Adam conjunxerint, & salvati sint. Luther in Genesis. [Mas, portanto, foi possível que alguns
de seus descendentes (de Caim), por inspiração do Espírito Santo, fossem salvos.
Comentários sobre Gênesis 4:10-12 de Martinho Lutero, Commentary on Genesis: A New
Translation by Theodore Mueller, volume 1 (Grand Rapids: Zondervan Publishing House,
1958), 105-106. Sentimentos semelhantes também são encontrados na p. 108: “Sem
dúvida, alguns de seus filhos (de Caim) se voltaram para a igreja verdadeira e foram
salvos”; e página 113: “Esses, então, eram filhos e herdeiros de Caim e, sem dúvida, eram
pessoas de grande sabedoria e alta posição. Acredito que alguns deles foram salvos pela
graça especial de Deus, mas a grande maioria odiava e perseguia a igreja verdadeira com
grande severidade.”]
[117] {135 m de comprimento; 22,5m de largura e 13,5 m de altura.}
[118] A mediação e o sacrifício de Cristo são a causa da tolerância de Deus em
relação ao mundo.
[119] E ele chamou seu nome Noé, dizendo: este nos confortará etc.
[120] {Gênesis 8:21. — todas as notas de rodapé entre chaves { } são notas de
tradução.}
[121] Isto é, o Messias e seus membros.
[122] O arco-íris sobre o trono faz referência a Deus e a sua aliança no governo do
mundo. Toda administração da providência é cercada por sua fidelidade.
[123] O mesmo pode ser dito das promessas das bênçãos típicas realizadas para a
descendência carnal de Abraão e seu interesse nelas.
[124] [Ou seja, a todos que podem contemplar o arco dessa aliança.]
[125] ֶ‫תל ֶ֔יפ‬
ְ [Jafé significa “ele persuadirá”.]
[126] [Gênesis 9:27 – versão usada pelo autor.]
[127] [Gênesis 10:25.]
[128] [Esse comentário político — e, de fato, a publicação deste livro — foi uma
demonstração de coragem verdadeira para um pastor batista de Londres em 1681.
Aqueles eram dias de perseguição e a Igreja Petty France de Coxe foi interditada várias
vezes antes que a Revolução Gloriosa de 1688 proporcionasse um alívio significativo da
perseguição.]
[129] Isso deu o nome para o lugar, Babel, que significa confusão.
[130] [Ou, fidelidade a Jacó e bondade a Abraão.]
[131] O Pacto da Graça deve ser considerado uma aliança testamentária. Compare
Hebreus 7:22 com o capítulo 9:16.
[132] Essa promessa é citada por Pedro como o resumo do Pacto da Graça dado a
Abraão, em Atos 3:25.
[133] Cf. Willian Strong, A Discourse of the Two Covenants, p.126. [Londres, 1678.]
[134] [O “próximo versículo” mencionado é Gálatas 3:17, que na maioria dos
manuscritos gregos inclui εις χριστον {eis christon – em Cristo}, embora alguns não o
façam.]
[135] [Individualmente se referia àquele, Cristo, a partir de quem toda benção
espiritual flui para os fiéis. A citação é de David Pareus (1548-1622), comentarista
reformado e professor de teologia em Heidelberg, em seu Commentary on Galatians, 3:16-
17.]
[136] Duorum máxime Filius dicitur Christus Abrahae & David, quoniam istis sapius,
ac desertius, quam caeteris, est promissus, Lud. Viv. [Cristo é principalmente chamado de
filho de dois homens: Abraão e Davi, uma vez que Cristo foi prometido para eles com mais
frequência e com mais clareza do que para outros. Joannis Ludovici Vivis Valentini é o
nome latino do erudito humanista espanhol e estudante de Erasmo, Juan Luis Vives (1492-
1540), de Valência, Espanha. Em 1522, ele publicou um comentário sobre a Cidade de
Deus de Agostinho, de onde essa citação provavelmente foi retirada.]
[137] [Romanos 4:3.]
[138] {Cf. Hebreus 9:10.}
[139] [Originário e originado. O pecado original tem dois aspectos: peccatum originale
originans, originador do pecado original, que é o próprio ato de desobediência de Adão; e
peccatum originale originatum, pecado original originado, que é a mancha ou defeito na
natureza do indivíduo e que é transmitido a ele em sua concepção.]
[140] [Esta é uma referência desconhecida, mas provavelmente foi retirada da obra
Infant Baptism Plainly Proved, de Whiston.]
[141] Romanos 5:14ss.
[142] [Descendência “natural” é uma referência aos descendentes de Abraão
segundo a carne, familiares por sangue; em contraste com sua descendência “espiritual”.]
[143] [Atos 7:2.]
[144] Cus non magis est Dulce proprium tugurium quam palatia Peregrina? &
Voluntaria Casa, quam digesta Pratoria? Cus non est duram illos cônscios natalium Parites,
dulois illa Limena arg; amabilem larem, quem & parentum memoria, & ipsius infantia
Rudimenta commendant – Inter hoc ergo tam bianda tem dulcia, quacum omni fuerant
difficultate rilinguenda; Exs, ait, de texa? Quis hoc sin fides? August. [“Para quem sua
própria cabana não é mais agradável do que palácios estrangeiros? E sua própria casa do
que propriedades distantes? Para quem não é difícil deixar para trás aqueles muros que
testemunharam o seu nascimento, aquelas portas familiares e uma lareira gentil que tanto
a memória dos pais como as primeiras experiências da infância recomendam... Portanto,
em meio a essas coisas tão agradáveis e amoráveis, que devem ter sido deixadas com a
maior dificuldade: ‘Saia’, ele diz, ‘da sua terra’. Quem ficaria feliz em ouvir isso, sem o
poder da fé?” (Agostinho).]
[145] Vid. Riveti exercitationes in locum. [Veja essa passagem no Rivet’s
Commentary on Genesis. Peregrinação significa viajar de um lugar para lugar.]
[146] Gênesis 12:4-5.
[147] Gênesis 12:6-7.
[148] Gênesis 12:17; Salmos 105:13-15.
[149] Veja Ainsw. Annot. [Veja as Ainsworth’s Annotations citadas anteriormente.]
[150] [Um direito ao assunto em questão.]
[151] [Um direito em um assunto (em geral).]
[152] Lege Riveti exercitationem in Locum; ubi dubium hoc proponitur & accurate
solvitur. [Leia essa passagem no Rivet’s commentary on Genesis, onde essa ambiguidade
é apresentada e explicada com precisão.]

[153] Comparar com Romanos 4.


[154] [Em termos expressos ou definitivamente.]
[155] [Uma expressão formal de louvor; tributo.]
[156] Êxodo 2:24; Atos 7:17.
[157] Gênesis 15:18-21.
[158] [Atos 15:18.]
[159] Leia Gálatas 3 diligentemente.
[160] ‫[ ב המו ן גוי םא‬goy hamon ab.]
[161] [administração ou dispensação.]
[162] [Essas bênçãos são tipos das bênçãos espirituais bem como tal descendência,
um tipo da descendência espiritual.]
[163] [Intervir em nome de outra pessoa; mediação.]
[164] [Gênesis 21:12.]
[165] [“Eles circuncidaram à força todos os meninos incircuncisos que encontraram
dentro das fronteiras de Israel”. Para essa tradução, consulte The Cambridge Annotated
Study Apocrypha, New Revised Standard Version (Cambridge: Cambridge University
Press, 1994).]
[166] [Impor com autoridade.]
[167] [A aliança mosaica não é substancialmente diferente da aliança da circuncisão.]
[168] Cf. Gênesis 25:23 com Malaquias 1:2ss; Romanos 9:10-13. Conf. Genesis
25:23 with Malachi 1:2 ff.; Romans 9:10-13. [Compare Gênesis 25:23 com Malaquias 1:2 e
versículos seguintes e Romanos 9:10-13.]
[169] [Uma referência desconhecida, mas provavelmente a Whiston.]
[170] [Coxe acrescenta entre parênteses aqui, “não consideraremos, por agora, o
julgo da lei, que também lhe pertence”.]
[171] [No original, federal root, raiz federal.]
[172] Veja Dr. Owen’s Exercitations on the Hebrews, Vol. 1. [Veja John Owen,
Commentary on Hebrews, Vol. 1, (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1991), 446ff.]

[173] {Cf. Hebreus 12:23.}


[174] {Desse Israel espiritual que havia dentro de Israel nacional.}
[175] Veja Whiston, Prim. Doctr. p. 124. [Coxe remete seu leitor a Joseph Whiston,
An Essay to Revive the Primitive Doctrine and Practice of Infant Baptism in the Resolution
of Four Questions (Londres: Jonathan Robinson, 1676), 124.]
[176] [Se beneficiarão; serão abençoados.]
[177] Muitos daqueles para quem o Senhor era Deus, segundo o teor da Antiga
Aliança, morreram em seus pecados e foram destinados à perdição eterna; mas aqueles
para quem ele é Deus, segundo o teor da Nova Aliança, receberam dele as bênçãos de um
novo coração, a remissão dos pecados e a salvação eterna.
[178] [Note que o autor não diz que a aliança da circuncisão era o Pacto da Graça,
mas uma aliança de graça; ou seja, uma aliança que por si só provinha do favor de Deus
(uma vez que, como em qualquer aliança de Deus com os homens, é o próprio Deus que
se dispõe a se relacionar com eles; os homens caídos estão separados de Deus e não
podem alcançar nenhum bem da parte de Deus senão através da misericórdia infinita do
Criador)].
[179] {Cf. Hebreus 5:1.}
[180] [Ou seja, cerimonial.]
[181] [Ou seja, o batismo.]
[182] [Recém-nascidos.]
[183] [Na versão original, lê-se “inauguração”.]
[184] Brecrw. Inquir. [Esta é uma referência desconhecida.]
[185] [O jacobitismo foi um movimento político e religioso que ganhou força em 1688
com a deposição de James II e tinha como objetivo restaurar a dinastia Stuart na Inglaterra
e na Escócia. Eles acreditavam no direito divino dos reis e suas doutrinas eram
semelhantes às da Igreja Católica Romana.]
[186] [Segundo Edward Brerewood, os habassinos, pelo menos no que diz respeito à
religião, tinham crenças semelhantes às dos jacobitas. Em seu tratado Enquiries touching
the diuersity of languages, and religions through the cheife parts of the world, Londres,
1614, Brerewood afirma que “eles circuncidam suas crianças no oitavo dia segundo os
costumes dos judeus, tanto as mulheres como os homens, e nisso eles diferiam daqueles.
Eles reverenciam o sabbath (sábado) guardando-o solenemente como o dia do Senhor.
Não se alimentam dos animais que eram declarados impuros pela antiga lei [...]”.]
[187] Sob essa consideração.
[188] [Genesis 3:15.]
[189] {Cf. Efésios 1:23.}
[190] Vid. Junii Annotaciones in locum, & ejusdem Parallela. [Veja as Junius’
Annotations nessa passagem e seus paralelos. “Junius” é Franciscus Junius (1545-1602),
cujos comentários podem ser encontrados em seu Testimenti Veteris, London, 1581 ou na
tradução para o inglês, de 1643.]
[191] [Ou substância.]
[192] Pars [enim] quædam terrenæ Civitatis, Imago cælestis Civitatis effecta est, non
se significando, sed alteram, & ideo serviens. Non enim propter se ipsam, sed propter aliam
significandam est instituta, & præcEdente alia significantione, & ipsa præfigurans,
præfigurata est: Namque; Agar ancilla Sarræ, eiusque; Filius, Imago quædam huius
imaginis fuit. August. De Civita Dei, Lib. 15. Cap. 2. [Parte da cidade terrena veio a ser
imagem da cidade celeste; não simboliza a si mesma, mas a outra e, portanto, serve-a.
Não foi fundada para ser figura de si mesma, mas da outra, e a cidade que prefigurava foi
por sua vez prefigurada por outra figura anterior. Com efeito, Agar, escrava de Sara, e o
filho foram de certa maneira imagem dessa imagem. Santo Agostinho; A Cidade de Deus,
parte 2, livro 15; capítulo 2. Editora Universitária São Francisco, Vozes de Bolso, p. 209.]
[193] [Um antigo termo técnico na gramática latina e grega que hoje é chamado de
genitivo de explicação ou genitivo possesivo.]
[194] [O caso acusativo da palavra “circuncisão”.]
[195] [Um pronome relativo que se refere ou qualifica uma palavra antecedente ou
precedente. Aqui o pronome é “que” na frase “a justiça da fé que ele tinha” e os
antecedentes são “justiça” e “fé”.]
[Um pronome relativo que se refere a ou qualifica uma palavra antecedente ou
precedente. Aqui o pronome é “qual” na frase “a justiça da fé que ele tinha” e os
antecedentes são “justiça” e “fé”.]
[196] [Essa é uma referência aos comentários de John Lightfoot sobre o Novo
Testamento. Lightfoot (1602-1675) foi membro da Assembleia de Westminster, mais tarde
bispo de Durham, e o estudioso mais proeminente de seus dias quanto ao conhecimento
das línguas bíblicas. Seus comentários escritos em latim e publicados entre 1658 e 1674
procuraram lançar luz sobre o texto de fontes hebraicas. Para uma tradução em inglês,
consulte John Lightfoot, Commentary on the New Testament from the Talmud and Hebraica
Vol. 4, (Grand Rapids: Baker Book House, 1979), 212-215.]
[197] [Aqui Coxe acrescenta entre parênteses: “frequentemente as Escrituras dizem
que alguém “é” quando tal pessoa é, por algum ato solene, declarado ou confirmado ser.]
[198] [Aqui Coxe acrescenta entre parênteses: “embora, de fato, agora a
continuidade daqueles não poderia consistir em nenhum verdadeiro privilégio para eles”.]
[199] Samuel Palmer, The Nonconformist’s Memorial; Being An
Account of the Lives, Sufferings, and Printed Works of the Two Thousand
Ministers Ejected from the Church of England, chiefly by the Act of Uniformity,
Aug. 24, 1666. Originally Written by Edmund Calamy, D.D. (London: J.
Cundee, 1802), 1:198-208; complementado por materiais de David Bogue e
James Bennett, History of the Dissenters from the Revolution in 1688, to the
Year 1808 (London:1809), 2:225-238.
[200] Publicado em português pela editora O Estandarte de Cristo sob o
título, Contra o Arminianismo e Seu Ídolo Dourado, o Livre-Arbítrio.
[Atualmente em processo de revisão para a publicação de uma segunda
versão revisada.]
[201] νυν ὶ δ ὲ διαφορωτέρας τέτευχε λειτουργίας , ὅ σ ῳ κα ὶ
κρείττονός ἐ στι διαθ ή κης μεσίτης , ἥ τις ἐ π ὶ κρείττοσιν ἐ π αγγελίαις
νενομοθέτηται .
Exposição: Turner observa que νυν ὶ , agora, que aparece aqui não é
tanto uma marcação de tempo como uma fórmula para introduzir com
seriedade algo que se inicia e possui conexão lógica com aquilo que o
precede. Sobre o uso desse termo, veja também Hebreus 11:16; 1 Coríntios
15:20; 12:18, 20. Nessas passagens, agora não se refere ao tempo, mas
implica forte convicção fundamentada em argumentos anteriores. [Edição da
Banner of Truth.]
[202] {Romanos 12:13.}
[203] {Hebreus 3:6.}
[204] [Owen’s complete Exposition of Hebrews bem como as suas
Miscellaneous Works, foram publicadas pela Banner of Truth. O leitor será
frequentemente direcionado por Owen a esses seus escritos anteriores.]
[205] [“…a união das duas naturezas na pessoa de Cristo... a assunção
de uma natureza humana pela pessoa eterna preexistente do Filho de Deus,
de modo a atrair a natureza humana para a unidade da pessoa divina sem
divisão ou separação das naturezas..., mas também sem mudança ou
confusão de naturezas...; outrossim, de modo a que os atributos de ambas as
naturezas pertençam à pessoa divino-humana e cooperem para a obra da
salvação".” (Muller, Dictionary, 316). ]
[206] [Abundamente melhor.]
[207] [Jonasz Schlichtingius (1592–1661) foi um nobre e teólogo
sociniano polonês. Em 1634 publicou seu comentário sobre a Epístola aos
Hebreus. Suas obras formam um volume na “Bibliotheca Fratrum
Polonorum”.]
[208] Mediatorem foederis esse nihil aliud est, quam Dei esse
interpretem, et internuntium in foedere cum hominibus pangendo; per quem
scilicet et Deus voluntatem suam hominibus declaret, et illi vicissim divinae
voluntatis notitiâ instructi ad Deum accedant, cumque eo reconciliati, pacem in
posterum colant.
[209] [Ação ou ato de testificar; testemunho prestado.]
[210] {Cf. Atos 20:28.}

[211] {Cf. João 3:36.}

[212] {João 1:16.}


[213] {Pedro Mártir Vermigli (1499-1562) foi um teólogo reformado
nascido na Itália. Seu trabalho inicial como reformador na Itália católica e sua
decisão de fugir para o norte da Europa protestante influenciou muitos outros
italianos a se converterem e fugirem também. Na Inglaterra, ele influenciou a
Reforma Eduardiana, incluindo a prática eucarístico do Livro de Oração
Comum de 1552. A sua obra Loci Communes, uma compilação de trechos de
seus comentários bíblicos organizados pelos tópicos da teologia sistemática,
tornou-se um livro padrão de teologia reformada.}
[214] {Provavelmente a referência é a Gulielmus Bucanus (falecido em
1603), que foi um teólogo calvinista suíço-francês. Sua obra Institutiones
Theologicae (Genebra, 1602) foi uma das primeiras obras sistemáticas da
teologia da Igreja Reformada.}
[215] Em vários tempos.

[216] De várias maneiras.

[217] {Cf. Gálatas 3:16.}


[218] {Gálatas 2:16; Cf. Romanos 3:20.}
[219] [Veja o volume 1, da Exposição da Epístola aos Hebreus, p. 446,
editado e publicado pela editora Banner of Truth.]
[220] {Cf. Gálatas 3:12; Romanos 10:5 citando Levítico 18:5.}
[221] {1 Pedro 1:11.}
[222] [Veja o vol. iii. p. 125, de suas Miscellaneous Works. – Ed. {Banner
Edition.}]
[223] ε ἰ γ ὰ ρ ἡ π ρ ώ τη ἐ κείνη η῏ν ἄ μεμ π τος , οὐκ ἄν
δευτέρας ἐ ζητε ῖ το τό π ος .
[224] [Nunca se teria buscado lugar para a segunda.]

[225] {Cf. Efésios 1:4, 9.}

[226] ΄εμρόμενος γ ὰ ρ α ὐ το ῖ ς λέγει , ᾿ ιδο ὺ , ἡ μέραι ἔ ρχονται ,


λέγει κύριος , κα ὶ συντελέσω ἐ π ὶ τ ὸ ν οι ῏ κον ᾿ ισρα ὴ λ κα ὶ ἐ π ὶ τ ὸ ν
οι ῏ κον ᾿ ιούδα διαθ ή κην καιν ή ν .
Stuart e Conybeare e Howson conectam o α ὐ το ῖ ς com λέγει :
“Porque, repreendendo-os [com a primeira aliança], Deus diz a eles”, isto é,
os judeus, ΄εμρόμενος , de acordo com o primeiro desses críticos, isso parece
reduplicar o ἄ μεμ π τος do versículo precedente. — Ed. [Edição da Banner of
Truth.]
[227] Em inglês: For finding fault with them, he says [tradução literal:
porque encontrando culpa neles, ele diz]. A versão que estamos usando, ACF,
traduz a expressão inglesa usada por John Owen “finding fault” por
“repreendendo”. A expressão no original grego é: μεμφόμενος –
memphomenos.
[228] {Johannes Piscator (1546–1625) foi um teólogo alemão, traduziu a
Bíblia para o alemão, além disso escreveu comentários sobre livros bíblicos e
tratados sobre temas teológicos, entre eles, ceia do Senhor, predestinação,
Catecismo de Heidelberg e justificação.}
[229] {Cf. Gênesis 6:6.}

[230] {Cf. Romanos 7:12.}

[231] {Cf. Apocalipse 3:17.}

[232] {Cf. Isaías 66:2, 5.}

[233] {Atos 15:18.}


[234] {Perífrase: Processo que usa muitas palavras para expressar o que
poderia ser dito em poucos termos.}
[235] {Lucas 22:20; Cf. Mateus 26:28; Marcos 14:24.}

[236] {Cf. João 8:56.}

[237] [2 Samuel 23:5.]

[238] [Na teologia escolástica, aquela dignidade de vida eterna que um


homem pode possuir através de boas obras realizadas em estado de graça.]
[239] Somente por sua graça e vontade.
[240] [“"Que partam os profanos!” retirado do Rite of Pharmakos, um hino
grego.]
[241] {Cf. Salmos 8:9.}

[242] {Cf. Isaías 10:22; Romanos 9:27.}

[243] {Cf. 2 Samuel 23:5.}

[244] {Cf. Isaías 43:19.}

[245] ο ὐ κατ ὰ τ ὴ ν διαθ ή κης ἥ ν ἐ π οίηασ το ῖ ς π ατράσιν


α ὐ τ ῶ ν , ἐ ν ἡ μέρ ᾳ ὲ π ιλαβομένου μου τ ῆ ς χειρ ὸ ς α ὐ τ ῶ ν ,
ὲ ξαγαγε ῖ ν α ὐ το ὺ ς ἐ κ γ ῆ ς α ἰ γ ὑ π του· ὅ τι α ὐ το ὶ ο ὐ κ ἐ νέμειναν
ἐ ν τ ῇ διαθ ή κ ῃ μου , κ ἀ γ ὼ ἠ μέλησα α ὐ τ ῶ ν , λέγει κύριος .
[246] [A Eneida é um poema épico latino escrito por Virgílio no século I
a.C.]
[247] [Tucídides (≈460-400 a.C.) foi um historiador da Grécia Antiga.
Escreveu a História da Guerra do Peloponeso, da qual foi testemunha e
participante; em oito volumes, ele conta a guerra entre Esparta e Atenas
ocorrida no século V a.C.]
[248] [Exposição: κ ἀ γ ὼ ἠ μέλησα . Essa é a tradução da Septuaginta.
O hebraico, de acordo com a A.V. {Versão Autorizada da Bíblia King James
Version}, é, "embora eu fosse um marido para eles". Alguns explicam essa
discrepância conjeturando que os tradutores gregos tinham o cheth gutural
em vez do ayin em suas cópias. Como a palavra cognata árabe significa
desprezar ou rejeitar, Kimchi e Pococke adotam essa tradução da palavra
hebraica nesta passagem. Hengstenberg em sua obra Christology nega que a
palavra possa ter esse sentido. Ed. {Banner Edition.}]
[249] {Cf. Isaías 9:6.}
[250] {Cf. 2 Tessalonicenses 1:10.}

[251] {Cf. Tiago 1:17.}

[252] {Cf. Atos 15:18.}

[253] [Isto é, no comentário de John Owen sobre o capítulo 3 de


Hebreus.]
[254] {Cf. Êxodo 20:2.}

[255] {Cf. Salmo 95:11; Hebreus 3:11.}

[256] [Edward Pococke (1604-1691).]

[257] [Forte emoção.]

[258] [Sujeito a se tornar defeituoso.]

[259] ὅ τι α ὕ τη ἡ διαθήκη ἣ ν διαθήσομαι τ ῷ ο ἴ κ ῳ Ἰ σρα ὴ λ


μετ ὰ τ ὰ ς ἡ μέρας ἐ κείνας , λέγει Κύριος , διδο ὺ ς νόμους μου ε ἰ ς τ ὴ ν
διάνοιαν α ὐ τ ῶ ν , κα ὶ ἐ π ὶ καρδίας α ὐ τ ῶ ν ἐ π ιγράψω α ὐ τούς , κα ὶ
ἔ σομαι α ὐ το ῖ ς ε ἰ ς Θεόν κα ὶ α ὐ το ὶ ἔ σονταί μοι ε ἰ ς λαόν . κα ὶ ο ὐ
μ ὴ διδάξωσιν ἕ καστος τ ὸ ν π ολίτην α ὐ το ῦ κα ὶ ἕ καστος τ ὸ ν
ἀ δελφ ὸ ν α ὐ το ῦ , λέγων Γν ῶ θι τ ὸ ν Κύριον , ὅ τι π άντες ε ἰ δήσουσίν
με ἀ π ὸ μικρο ῦ ἕ ως μεγάλου α ὐ τ ῶ ν . ὅ τι ἵ λεως ἔ σομαι τα ῖ ς
ἀ δικίαις α ὐ τ ῶ ν , κα ὶ τ ῶ ν ἁ μαρτι ῶ ν α ὐ τ ῶ ν ο ὐ μ ὴ μνησθ ῶ ἔ τι .
[260] [Atentar contra o pacto.]
[261] [Williem Hessels van Estius (1542-1613).]
[262] [ συνθ ή κη : diath ē k ē (Hebreus 8:10).]

[263] [ ‫כּ ַָר ִתּ י‬: berit (Jeremias 31:31).]

[264] {Cf. Romanos 11:26.}

[265] [Em verdade.]


[266] {Cf. Lucas 7:30.}

[267] {Cf. Gálatas 4:4.}

[268] {Cf. João 8:24.}

[269] Non ‘ut olim curabo leges meas in lapidëis tantum tabulis inscribi,
sed tale foedus cum illis feriam ut meæ leges ipsis eorum mentibus et
cordibus insculpantur:’ apparet hæc verba intra vim et efficaciam accipienda
esse, non vero ad ipsum inscriptionis effectum necessariò porrigenda, qui
semper in libera hominis potestate positus est; quod ipsum docent et
sequentia Dei verba, ver. 12. Quibus ipse Deus causam seu modum ac
rationem hujus rei aperit, quæ ingenti illius gratia ac misericordia populo
exhibenda continetur. Hac futurum dicit ut populus tanto ardore sibi serviat,
suásque leges observet. Sensus ergo est, ‘tale percutiam foedus quod
maximas et sufficientissimas vires habebit populum meum in officio continendi.
[270] {Cf. Salmos 110:3.}

[271] {Cf. Deuteronômio 29:4.}

[272] {Cf. Jeremias 31:31-32.}

[273] [Veja seu tratado sobre o Espírito Santo, vol. iii. de suas
Miscellaneous Works.- Ed. {Banner Edition.}]
[274] {Cf. Filipenses 2:13.}

[275] [Veja Exerc. xxv.-xxxiv.; e vol. i. das Miscellaneous Works do


mesmo autor. {Banner Edition.}]
[276] [Resguardar sua justiça, sabedoria e honra.]
[277] [O primeiro recipiente.]

[278] {Cf. Romanos 8:17.}

[279] {Cf. 2 Samuel 23:5.}

[280] {Cf. Isaías 54:13.}

[281] [A Mishná (em hebraico ‫משנ ה‬, “repetição”, do verbo ‫שנ ה‬, shanah,
“estudar e revisar”) é uma das principais obras do judaísmo rabínico, e a
primeira grande redação na forma escrita da tradição oral judaica, chamada
de a Torá Oral.]
[282] {Cf. Atos 15:10.}

[283] {Cf. 2 Timóteo 1:10.}

[284] {Cf. Hebreus 11:40.}

[285] {Ezequiel 12:25.}

[286] {Cf. Jeremias 31:32.}

[287] [Veja o vol. vi. das miscellaneous works do autor.- Ed. {Banner
Edition.}]
[288] ᾿ εντ ῷ λέγειν , καιν ή ν , π ε π αλαίωκε τ ὴ ν π ρ ώ την· τ ὸ
δ ὲ π αλαιούμενον κα ὶ γηράσκον ἐ γγ ὺ ς ἀ φανισμο ῦ .
[289] [Exortativa; encorajadora; persuasiva.]
[290] {Cf. 2 Coríntios 3:15.}

[291] {Salmos 102:26.}


[292] to theo doxa: A Deus seja a glória.

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