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"Cá e lá”: pontes e rios que nos levam e nos aproximam – escutas, diálogos, experiências
Resumo: Este texto se dá como um recorte da escrita da minha monografia e vem a trazer os relatos
de experiência que atravessaram a esta pesquisadora e as duas professoras de apoio educacional
especializado que foram entrevistadas durante a pesquisa. Com isso, este texto pretende tecer uma
conversa entre as trajetórias experienciadas por esta professora em formação e pelas professoras de
apoio entrevistadas – Jussara Cavalcante e Sara Busquet – no campo da Educação Especial na
Perspectiva Inclusiva. Esta pesquisa-escrita pensa em trajetórias formativas em movimento. Ao
refletir sobre a minha trajetória, que está sempre se criando, e em como sinto já ter caminhado tanto
e ao mesmo tempo sinto que não há uma linha de chegada. Como professora em formação entendo
que preciso principalmente estudar. Nicastro e Greco (2012) entendem trajetória como um caminho
em construção permanente. Cada sujeito caminha com seus próprios passos e se depara com
interrupções, desvios e atalhos. A trajetória não é linear. É comum pensarmos em trajeto como algo
que tem início e fim, como uma corrida com linha de largada e outra de chegada. Neste caso
específico, podemos reconhecer um ponto de partida e refletir sobre tudo o que aconteceu e onde
estamos agora, porém, de acordo com Nicastro e Greco (2012) não podemos prever uma linha de
chegada. As autoras apontam que os caminhos se constroem de forma singular ao longo da
trajetória, sem encontros marcados e nem horário agendado. Entendo que uma trajetória é composta
pelos imprevistos e as infinitas possibilidades que surgem nos caminhos. Então, essa é uma escrita
sobre trajetos e trajetórias...
educacional especializado (como é chamado no Município de Niterói, onde a pesquisa foi realizada)
– pode ser pensado como aquele que está junto, ou que está no meio do processo educativo, no meio
das práticas pedagógicas, no meio da sala de aula.
Conversando com Skliar (2014, p. 119), “educar é colocar no meio. Entre. Fazer coisas
juntos, entre nós e entre outros”. O professor de apoio é o entre. O entre expressa um espaço
intermediário, espaço da inquietude e das incertezas, que nos movem, nos transformam, permitindo
experienciar (SILVA, 2018). O professor é quem está entre os processos formativos, sejam eles
compostos de conteúdos pré-moldados, até aqueles processos em que a educação transmite como
plano de fundo e que não são vistos imediatamente, como aquele olhar que inspira confiança ou
uma brincadeira que nos desloca e provoca sentidos outros (FONSECA, 2016).
Entretanto, é possível que essa função ainda cause temor e inquietude em muitos
professores, assim como acontece com a inclusão. Agenciando as entrevistas realizadas por Fonseca
(2016) com 5 professores de apoio da rede de Itaboraí, RJ, com as entrevistas realizadas por mim
com 2 professoras de apoio da rede de Niterói, RJ, pude perceber alguns fatores em comum que
inquietam esses profissionais. O receio de não saber lidar com determinada situação que se
apresente, o temor de se sentir ignorante frente a alguma eventualidade com o estudante, a aflição
de se sentir intruso na sala de aula do professor regente, a apreensão de precisar reinventar sua
prática docente (atualizá-la). Os imprevistos provocam deslocamentos. O não planejado e as
incertezas fazem parte da trajetória, mas o não saber provoca desassossego.
Segundo Fonseca (2016), em algumas escolas, sejam públicas ou privadas, os estudantes
diagnosticados com deficiência são acompanhados por um professor específico durante todo o seu
turno de aulas. Este é o professor de apoio. Quando este professor se movimenta a adaptar o
conteúdo de sala e aula, produzir materiais e buscar estratégias para que o estudante possa estudar,
lidando diretamente com ele no cotidiano, é denominado de professor de apoio educacional
especializado (FONSECA, 2016).
Skliar (2015) nos aponta que o protagonismo da Educação Especial na Inclusão é inegável e
indiscutível, mas não é o suficiente. Esse protagonismo não se sustenta unicamente nos
profissionais de educação, nos saberes e nas práticas pedagógicas da educação especial. Esses
saberes e práticas sólidos, segundo Skliar (2015), nem sempre são decisivos ou propícios a provocar
transformações radicais nas instituições de ensino, não bastando apenas uma transferência
disciplinar da educação especial para a educação regular. E é neste contexto que nos deparamos
com a famosa frase que muitas famílias escutam das escolas: “não estamos preparados para atender
essa criança”.
A inclusão do estudante diagnosticado com deficiência na escola regular é garantida pela
legislação brasileira, orientada na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
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Educação Inclusiva (2008). Entretanto, Skliar (2015) nos faz pensar que não se trata apenas de
proclamar políticas de acesso universal às instituições, quanto à entrada de todas as pessoas
diagnosticadas com deficiência nas escolas, mas também criar um pensamento e uma sensibilidade
relacionados ao que significa estar juntos e o para que (p. 17) desse estar juntos. De acordo com o
autor, não se trata apenas de “forçar” o ingresso desta população nas instituições educacionais a
partir de dispositivos jurídicos e depois desenvolver estratégias de formação, didáticas e currículos
adequados e adaptados para que a convivência e a inclusão sejam possíveis. Assumo com Skliar
(2015) que não seja necessário primeiramente incluir para só depois pensar do que se trata o habitar
e o estar juntos na escola (p. 17).
A vivência que tive como monitora voluntária no ano de 2019, de duas turmas da disciplina
de Educação Especial para o curso de Pedagogia da FFP/UERJ, disciplina ministrada pela
professora Anelice Ribetto, me permitiu observar que esse pensamento de não se sentir preparado
reverbera em muitos estudantes de um curso que forma professores. A experiência que me
transpassou na monitoria e os estudos do texto de Skliar (2015) me movimentaram a pensar em
duas perguntas: “O que significa a inclusão?” e, nesse contexto, “O que é estar preparado?”.
Acredito que possa pensar nas duas perguntas simultaneamente. Penso no estar preparado
como estar junto, estar disponível, assumindo que a trajetória é inesperada, pode nos afetar e que
nunca saberemos o que ainda será. É estar sensível à criança que não é um modelo padronizado de
“estudante da inclusão”. É um sujeito singular que não se resume a fichas e laudos (os dispositivos
não definem o sujeito dito com deficiência). Estar preparado pode ser direcionar o pensamento para
o que há na educação especial na perspectiva inclusiva. As possibilidades são inúmeras. Quando se
percebe as possibilidades e não se prende à condição do sujeito, condição esta que não é
determinante, passamos a pensar, de fato, no sujeito. Desta forma eu penso a inclusão.
convencional, que considera as dúvidas, os impasses, noites mal dormidas, incontáveis canecas de
café, as páginas em branco... aspectos que costumam ficar como memórias submersas que não
devem vir à superfície. O tipo de escrita que não considera as sensibilidades e não se preocupa com
o processo – sendo só um meio de se chegar a resultados definitivos – não é o tipo de escrita (dura)
que trabalhamos no nosso coletivo Diferenças e Alteridade na Educação – FFP/UERJ (coordenado
pela professora Dra. Anelice Ribetto, desde 2011). Essa pesquisa-escrita tem caminhado atenta ao
processo – ao trajeto – e as possibilidades do caminhar. Essa escrita (que é escrita acadêmica!)
busca estar sensível às incertezas do caminhar sem saber o que pode surgir no meio do trajeto. Se
no meio do caminho tinha uma pedra, nós transformamos essa pedra em possibilidade e não em
empecilho. Essa escrita está disposta a acolher os imprevistos. Com isso, me movimentei a
encontrar maneiras outras de continuar escrevendo durante a pandemia – e se fazer pesquisa.
Buscando romper barreiras – que procuram por respostas concretas, sem brechas para escapes – que
nos limitam enquanto estudantes pesquisadores. Buscando maneiras outras de (re)existir na
pesquisa-escrita. O trajeto se faz de curvas e desvios, que nos provocam a pensar o que mais
podemos fazer.
Além das leituras e do estudo, que não se interrompem, busquei, como diz Skliar (2015), o
estar junto para fazer coisas juntos, ainda que virtualmente. Os encontros com as professoras de
apoio se deram pela plataforma virtual Google Meet. Desta forma, foi possível transformar o que no
início parecia algo negativo (pois tendemos a sentir o incerto como negativo) em possibilidade, em
pesquisa, em estudo, em escrita. Pensando em conversar com egressas do curso de Pedagogia da
FFP/UERJ – devido ao projeto da bolsa de Iniciação Científica (CNPq) de onde a monografia se
originou – comecei a conversar com duas professoras de apoio educacional especializado de uma
escola municipal de Niterói/RJ – Sara Busquet e Jussara Cavalcante. Primeiramente, a ideia era
acompanhar o cotidiano escolar dentro da sala de recursos multifuncionais e em outros espaços da
escola, além de conversar sobre suas experiências como professoras de apoio. Porém, atrelados a
um momento pandêmico, as entrevistas seguiram um outro caminho. Demos foco às experiências
de graduação, de trabalho na escola e de busca for formação continuada, relacionadas ao campo da
Educação Especial na Perspectiva Inclusiva.
As professoras Sara e Jussara se conheceram no curso de Pedagogia da FFP/UERJ e foram
sensibilizadas pelo referido campo de maneiras distintas – Jussara por ter um filho diagnosticado
com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) aos 4 anos de idade e Sara após
cursar a disciplina de Libras na Pedagogia. A experiência é vivida de forma singular por cada
sujeito. Venho a destacar que a experiência, nessa pesquisa-escrita é entendida pelo conceito de
Larrosa (2002) como algo que ao ser vivenciado nos atravessa, nos toca, e, ao passar por nós, nos
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transforma, provocando efeitos na nossa maneira de pensar e de agir. Experiência essa que tece na
trajetória, no percurso de um processo. Ambas as professoras buscaram cursos de formação
continuada no campo durante e após a graduação, na tentativa de ampliar seus conhecimentos a fim
de poder atuar na área. Neste aspecto, pude me identificar com elas. Quando nos sentimos inquietos
com o desconhecido, não importa quais tenham sido as motivações, nos movimentamos a buscar
possibilidades. O que posso fazer a partir daquilo que eu não sei? Com esse pensamento eu também
busquei cursos, como o Atendimento Educacional Especializado (AEE) ofertado pelo município de
São Gonçalo, RJ, dentre outros. Sempre no caminho de pensar o que mais posso fazer e buscar mais
qualificação profissional para trabalhar na área da Educação Especial na Perspectiva Inclusiva. No
ano de 2019, as professoras entrevistadas iniciaram seus trabalhos na Escola Municipal João Brazil,
Niterói, RJ, e trabalharam com dois estudantes moradores da Fundação para a Infância e
Adolescência (FIA/RJ).
No caso dos estudantes atendidos por Sara e Jussara, ainda precisamos ressaltar que esses
jovens foram atendidos na FIA por 2 meses e, somente após esse período, começaram a ser
atendidos na escola. Conversando com as professoras, senti que esses rapazes acabavam ficando
segregados em outro espaço, distante das crianças ditas “normais”. As professoras relataram que se
sentiram incomodadas com o sentimento de “eles são os estudantes que ninguém quer” e, após esse
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tempo atendendo na FIA, passaram por reuniões com a Fundação Municipal de Educação de Niterói
(FME) e conseguiram levar os jovens para a escola. Atendendo os estudantes na escola, as
professoras sentiram que as tentativas de socialização e o próprio interesse desses jovens em
participar das atividades pedagógicas propostas por elas foram, gradativamente, se intensificando e
ficando mais tranquilas. Porém, o que mais as tocou foi elas perceberem que muitos funcionários da
escola, inclusive alguns professores que, de início se demonstraram apreensivos, foram ficando
mais receptivos, alguns se demonstraram disponíveis a conhecer os estudantes, a se comunicar com
eles, dando abertura ao processo de inclusão.
Referências Bibliográficas: