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Este volume se passa durante os eventos do volume 8, é recomendável terminar o

volume 8 antes de ler esta história secundária (certifique-se de ter lido até o
capítulo 321).

Capítulo 1
Fundo do Poço

JASMINE FLAMESWORTH

Pinga… Pinga… Pinga…

Precisarei falar com Dalmore sobre aquele vazamento, pensei, apesar da dor
surda em meu crânio. Tentei rolar e puxar meu travesseiro sobre a cabeça para
abafar a garoa constante, mas em vez do meu travesseiro, saí com um punhado
de palha úmida.

Ficar sentada fez o interior da minha cabeça espirrar, o que tornou ainda mais
difícil me concentrar em meu entorno.

Meus olhos turvos percorreram a sala através de um borrão de vidro de garrafa


que sugeria uma noite de superindulgência significativa da minha parte. Eu
reconheci a sala. Era um recinto de pedra fria e úmida com cerca de três metros
quadrados. Uma única porta com barras conduzia para dentro e para fora da
cela da prisão. Não havia nem janela, porque as celas ficavam na base da
própria Muralha.

Apesar da falta de janelas, as celas estavam sempre úmidas. Eu olhei irritada


para o gotejamento constante entre as pedras acima da minha cabeça. Isso
enviou uma dor aguda pelo meu pescoço e crânio e meus olhos se fecharam.

Esfreguei a palma da mão suja em uma das órbitas do olho, tentando afastar
a dor. Ajudou, mas só um pouco.

Eu não conseguia me lembrar o suficiente para ter certeza do que estava me


metendo neste momento. Eu estava na Pousada da Muralha, de olho nos
outros clientes para ganhar meu sustento, eu me lembrava disso. Nunca havia
mais do que um punhado de pessoas na pousada ao mesmo tempo, mas desde
que o Conselho havia caído, a tensão sempre aumentou.

Os poucos soldados que permaneceram na Muralha – principalmente porque


não havia outro lugar para onde ir – estavam tão zangados e amedrontados
como todo o resto. Quando um deles tinha um dia difícil e tomava muitos
drinques para esquecer o que havia ocorrido, as coisas provavelmente se
tornavam violentas. Eu tinha dispensado mais do que alguns soldados para
seus líderes já que o resto dos Chifres Gêmeos foram para o subterrâneo e eu…
bem, eu não fui.

Então, algo se encaixou no lugar. Me lembrei pela metade do rosto de um


soldado grande e barulhento e bombado.
Eu me inclinei contra a parede fria da cela enquanto me intrigava com os
eventos da noite anterior. Tinha sido outro dia triste e eu tinha bebido muitos
drinques. O soldado vinha se gabando incessantemente de como ele era
durão.

O que foi que ele disse? Algo sobre sua espada, eu tinha certeza. Eu cavei a
ponta do meu dedo na minha têmpora, a pressão me dando algum alívio da
minha ressaca.

As coisas começaram a voltar ao foco, e a gabolice retumbante do capanga


ressoou em meu crânio dolorido. Ele tinha falado sem parar sobre os
alacryanos, e então disse: “Vamos apenas ver a escória alacryana tentando
tomar a Muralha, é isso mesmo, rapazes? Eu os arrancaria com força, um por
um, e nem precisaria tirar a velho Mankiller de sua bainha, certo?”

Mankiller? Eu pensei, zombando e causando uma onda de dor na minha


cabeça. Eu pressionei a palma da minha mão de volta no meu olho fechado.
“Quão limitado era seu vocabulário para nomear sua espada pela finalidade
planejada?” Eu me perguntei, zombando apesar da ressaca. Minha voz estava
crua e fraca.

Eu tinha gargalhado por causa da minha cerveja quando ele falou sobre sua
faca de cozinha enorme e o brutamonte se virou para me perguntar o que era
tão engraçado. Eu poderia apenas ter dispensado ele, mas em vez disso, eu
disse a ele exatamente como o nome de sua espada era ridículo. Para ter
certeza de que ele havia entendido o insulto, eu disse que ele não conseguiria
tirar a vida de um cachorro de três pernas com seu pedaço de ferro podre,
muito menos de um mago alacryano.

Uma imagem do homem grande, facilmente com o dobro do meu tamanho,


deitado inconsciente no chão, escoou em minha mente preguiçosa. Ele estava
sem alguns dentes.

Esse é o problema de lutar contra soldados. Sempre há outros soldados.

Um estava olhando para mim através da porta gradeada da cela, percebi


estupidamente. Ele era um jovem cheio de espinhas, mais ou menos da minha
idade, com cabelos ruivos desgrenhados. “Posso ajudá-lo?” Eu perguntei,
então desejei que não tivesse feito isso quando minhas entranhas se agitaram
perigosamente.

“O capitão sênior deu a ordem para libertá-la, Flamesworth”, disse o soldado,


enfatizando meu nome. Ele sorriu para mim. “O capitão sênior também pediu
que eu o informasse que esta será a última vez. Mais… altercações… e ele irá
expulsá-la. Não há recursos suficientes para manter uma canalha como você
na prisão.”

Não, pensei amargamente, apenas nobreza maquinadora e traidora como meu


pai.
“Entendido?” perguntou o soldado, semicerrando os olhos por entre as barras.
Eu acenei com a cabeça, o que não era melhor do que falar.

Uma chave chacoalhou na fechadura e as dobradiças gemeram quando a porta


foi puxada para fora. O soldado ficou de lado e sacudiu a cabeça. “Vamos
então, eu não posso cuidar de você o dia todo.”

Escalei a parede imunda até ficar de pé e cambalear para fora da porta. O


soldado me conduziu por um longo corredor cheio de celas idênticas, quase
todas vazias, depois subiu uma escada estreita e sinuosa de pedra e
praticamente me empurrou para fora de uma porta de madeira grossa que
dava para um beco na base da Muralha.

“Como eu disse, esta foi a última vez. Controle-se ou dê o fora daqui, certo?”
Com essas palavras finais de apoio, ele bateu a porta e eu ouvi a barra se
encaixar do outro lado.

Eu me inclinei contra as pranchas de madeira ásperas do prédio que formavam


a outra parede do beco, descansando por um momento antes de começar a
lenta caminhada de volta para a pousada, onde eu estava hospedada.

Passei por algumas pessoas no caminho, mas o interior da Muralha não era
longe e não havia muitos de nós sobrando nesse lugar. Alguns soldados me
lançaram olhares frios, mas era difícil dizer se era por causa da luta, por causa
da minha má reputação ou porque eles estavam cansados de trabalhar de
graça e esperando morrer todos os dias.

Afinal, era assim que era a vida nesse fim de mundo. Etistin, Blackbend e Xyrus
haviam caído. As outras grandes cidades também, provavelmente. Elenoir
estava totalmente sob o controle dos alacryanos. Darv, pelo que ouvi, estourou
em uma guerra civil total.

Em toda a volta da Muralha, os alacryanos haviam assumido o controle. Fomos


poupados por muito tempo, pois o Muralha não tinha mais nenhum valor
estratégico para os alacryanos. Eles não precisavam passar por isso para
tomar qualquer outro lugar, a menos que planejassem marchar para a Clareira
das Feras, e eles já provaram que poderiam entrar lá com bastante facilidade.

Ninguém, inclusive eu, esperava que nosso sobrevivência nesse lugar durasse
para sempre. Eventualmente, uma força marcharia contra a Muralha, ou ainda
pior, um de seus retentores chegaria para devastar os soldados aqui. A maior
parte da guarnição já havia sido esvaziada, enviada a Etistin para morrer, e
muitos outros fugiram, despindo seus uniformes e jogando suas armas no chão
para que pudessem ir para casa e esperar fazer o melhor da vida sob o governo
dos Vritra.

Nem todo mundo tinha um lugar para ir, no entanto.


A porta rangeu enquanto eu entrava na pousada. Dalmore olhou de seu lugar
atrás do bar. Ele largou a caneca que estava limpando – ele era meticuloso
com as canecas, limpando-as constantemente, uma e outra vez – e apontou
para a porta.

“Não, não dessa vez. Você tá fora.” Dalmore era um homem atarracado de
meia-idade. Ele tinha a pele cor de argila, ligeiramente enrugada e um cabelo
curto e escuro que estava caindo rapidamente em sua testa. “Desculpe dizer
isso, Jasmine, mas você tem causado mais problemas do que possui de valor.”

Revirei os olhos e chutei minha perna sobre um banquinho vacilante bem na


frente dele. Uma fileira de canecas recém-limpas estava no balcão, então
peguei uma e virei-a na posição vertical, depois olhei para Dalmore com
expectativa. Suas sobrancelhas se ergueram e sua carranca se aprofundou
simultaneamente, mas ele não se moveu para me servir de uma bebida.

“Seja justo, Dal. Se você não me tivesse por perto, quem impediria aqueles
soldados de cortar sua garganta e roubar sua cerveja?”

Ele zombou. “Você será a razão pela qual eles cortarão minha garganta. Fiquei
muito feliz por ter um membro dos Chifres Gêmeos passando por aqui para
ficar de olho nas coisas, mas você me custou três vezes mais do que
economizei. E agora, você está fora, Jasmine. Só saia daqui. Agora.”

Eu encontrei o olhar duro do estalajadeiro. “Posso pelo menos ter algo para
amenizar essa ressaca antes de ir?”

Dez minutos depois, eu estava escalando o penhasco próximo à Muralha e me


arrependendo. Meu pé escorregou de uma pedra, enviando uma sacudida pelo
meu corpo que quase me fez vomitar, mas cerrei os dentes e consegui me
equilibrar.

Colocando uma mão sobre a outra e ocasionalmente soltando uma rajada de


ar para me corrigir caso perdesse o equilíbrio, fiz meu caminho lento e
nauseante até a saliência onde Arthur e eu tínhamos nos sentado e conversado
depois que ele brigou com o Reynolds.

Nós dois nadamos na lama no pior de nossos impulsos em relação a nossas


famílias. Pelo menos tínhamos famílias naquela época. Não demorou muito
para essa conversa quando Reynolds morreu e Arthur colocou meu próprio pai
sob prisão.

Lágrimas de raiva indesejáveis se acumularam nos cantos dos meus olhos, mas
eu as mordi de volta, sibilei de dor e limpei meu lábio com as costas da mão.
Minha mão estava ensanguentada.
Joguei minha cabeça para trás para gritar uma maldição, mas tudo o que saiu
foi uma respiração trêmula.

“Se ao menos soubéssemos o quanto isso poderia ficar pior, certo Arthur?” O
vento agarrou minhas palavras e carregou-as sobre a Muralha e para as
Clareira das Feras.

Em algum lugar abaixo de mim, na melhor cela da prisão, meu pai sentou-se e
cuidou de seu orgulho ferido. Não acho que o ceceio de sua língua queimada
o incomodasse tanto quanto o conhecimento de que os Flamesworths tinham
sido despojados de sua posição e propriedades, mesmo que isso não
significasse nada agora.

Eu tinha ido visitá-lo apenas uma vez, após notícias da queda de Etistin e do
Conselho. Ele não queria me ver, é claro, então me satisfiz atirando
comentários farpados através das portas gradeadas, contando como Senyir
havia deixado a Muralha um dia depois de ser preso, incapaz de suportar a
vergonha, e como de repente tia Hester e eu, em vez de sermos rejeitados,
éramos as únicas Flamesworths que não haviam perdido tudo por causa de
seu egoísmo.

Eu não tinha voltado desde então. Se o Conselho não tivesse caído, ele
provavelmente já teria sido executado. No entanto, o novo capitão sênior,
Albanth Kelris, não teve coragem para arrancar ele mesmo a cabeça de meu
pai.

O vento frio causou arrepios ao longo de meus braços e pescoço expostos,


puxei os joelhos contra o peito e os envolvi com os braços. Não havia nenhum
Arthur para criar uma barreira com mana de fogo, assim como não havia mais
Arthur para ficar entre nós e o exército de Alacrya. Eu conjurei uma corrente
de ar para girar invisivelmente ao meu redor para manter o calor do meu
próprio corpo.

“Desculpe,” eu disse suavemente, imaginando Arthur não como ele era quando
ele voou sobre nossas cabeças, despejando magia mortal sobre milhares de
bestas de mana, mas sim como ele era quando eu o orientava, aventurando-
se juntos na Clareira das Feras, um menino de dez anos que de alguma forma
me fez sentir como uma criança.

Eu não conseguia deixar de me perguntar o que aconteceria a Dicathen sem


Arthur. Os alacryanos haviam nos superado em todas as jogadas, derrotando
nossos guerreiros mais fortes e executando nossos líderes antes que a maioria
de nós soubesse que havíamos perdido a guerra. Sem ele, que esperança havia
de retomar nosso continente?

Foi exatamente por isso que fiquei para trás quando os outros fugiram para se
juntar à rebelião clandestina. Helen, de alguma forma, parecia ter esperança
de que os alacryanos pudessem ser expulsos de nossas costas. Eu balancei
minha cabeça e puxei meus joelhos apertando ainda mais o meu tórax. Helen
tinha sido como uma mãe para mim, mas eu simplesmente não conseguia
compartilhar seu otimismo eterno.

A esperança morreu com o Arthur.

Com esse pensamento severo nublando minha mente cansada, tirei um frasco
do meu anel dimensional, derramei um respingo no chão para Arthur e tomei
um longo e sedento gole.

Capítulo 2
Não É Uma Vida Segura

LILIA HELSTEA

Os saltos dos meus sapatos estalaram nas lajes de pedra da rua e ecoaram de
volta para mim nas paredes altas das casas ao redor, fazendo parecer que eu
estava sendo seguida. Fiquei olhando para trás apenas para ter certeza, mas
eu era o única na rua e por um bom motivo. Já havia passado do toque de
recolher, o que significava problemas se uma patrulha Alacryana me pegasse,
mas eu fui mantida até tarde na Academia Xyrus, novamente.

Os Testadores devem ter achado engraçado nos deixar sair tão tarde que
tivemos que correr para casa apenas com o luar iluminando o local, como ratos
correndo para nossas tocas. Malditos alacryanos, pensei amargamente. Fazia
menos de um mês desde que ocuparam Xyrus, mas já parecia uma vida inteira,
ou talvez como se tivessem chegado ontem.

O tempo tinha assumido a qualidade incerta de um sonho, onde parecia passar


rápido ou lento por capricho e geralmente em oposição às minhas
necessidades.

Isso parecia inextricavelmente ligado à presença de nossos novos senhores. O


Vritra, pensei, a palavra soando em minha mente como uma maldição.

O Vritra, que derrotou nossas Lanças. Eles até mataram Arthur. Quando pensei
no garoto estranho e sobrenatural que se mudou para nossa casa quando
éramos apenas crianças, fiquei melancólico. Arthur foi a razão de eu ter me
tornado uma maga. Sem seu treinamento, eu não teria despertado. Ele
também foi, lembrei-me com certo embaraço, meu primeiro amor.
Amor? Eu perguntei para mim mesma. Sim, eu acho. Jovem e tolo, talvez, mas
amor.

Eu nunca tive uma chance com ele, é claro, não quando eu estava competindo
contra gente como uma princesa de verdade…

Eu afastei o pensamento e realmente ri alto de mim mesma. Há quanto tempo


isso foi? Parecia que isso ocorreu numa vida passada.

Um movimento à frente chamou minha atenção e eu parei, imediatamente


tensa, meu coração batendo em minha garganta e todos os pensamentos
sobre qualquer coisa, exceto minha própria segurança, correram para fora da
minha cabeça. Uma figura saiu do beco e parou no meio da rua, me
observando. A figura estava vestindo uma capa com o capuz puxado para
baixo, mas havia algo familiar sobre a construção, a forma como a figura
estava…

“Você está atrasada”, disse ele. A voz era fria e zangada, rangendo os dentes
de uma forma que eliminou a bondade e a autoconfiança que eu sempre
ouvira nela antes.

“J-Jarrod? Jarrod Redner?” Eu dei um passo à frente, olhando para as sombras


de seu capuz. “É você?”

Jarrod tirou seu capuz e olhou para mim. O belo garoto que serviu comigo no
conselho estudantil da Academia Xyrus havia morrido quase totalmente. Um
espantalho magro, feito vagamente à semelhança de Jarrod, olhou de volta
para mim, seu rosto torcido com malícia.

A ferocidade de seu brilho me fez recuar e quase perdi o equilíbrio ao pisar


em uma pedra solta.

“Assustada, Lilia?” Ele zombou. “Você deve estar. Não posso acreditar que
você, de todas as pessoas, virou um cãozinho dos alacryanos, mas vou fazer
você pagar. Vou fazer toda a sua família pagar!”

Fixei meu olhar assustado no menino que tinha sido meu amigo, ao mesmo
tempo confuso, zangado e com muito medo. “Do que caralhos você tá falando,
Jarrod? O que há de errado com você?”
“O que há de errado comigo, Lilia?” ele perguntou com os dentes cerrados.
Jarrod deu um passo ameaçador para frente, dando-me uma visão mais clara
de suas bochechas magras, olhos fundos e hematomas amarelados. “Vocês,
Helstea, são todos um bando de traidores imundos, isso sim!”

Mana se acumulou em sua mão direita, mas ele hesitou, seus olhos suavizando
enquanto ele me encarava.

Eu levantei minhas próprias mãos em um gesto apaziguador. Eu não conseguia


imaginar o que fizeram com ele, mas certamente não queria lutar com ele.

Infelizmente, ele não me deu escolha.

Com um grunhido, Jarrod enviou um disco de ar condensado em minha


direção. Levantei minhas mãos para conjurar um lençol de água na minha
frente e absorver silenciosamente a força de seu feitiço.

Um rosto apareceu momentaneamente na janela da casa ao meu lado: um


velho assustado, de olhos arregalados. Ele desapareceu como um raio.

“Não somos traidores!” Eu gritei, minha voz tremendo. “Me dá uma chance
pra—”

“Para, Lilia,” Jarrod sibilou, me interrompendo. “Eu sei que seu pai fez um
acordo com os alacryanos para que você fosse poupado do pior de seus
experimentos.” Mana condensava em sua mão enquanto ele preparava outro
feitiço.

Então, decidi enfrentá-lo conjurando cinco bolas flutuantes de mana pura,


cada uma do tamanho do meu punho. Elas orbitavam ao meu redor, esperando
por meu comando.

Jarrod transformou a mana de vento em uma lança e a arremessou contra mim,


em seguida, jogou duas crescentes de ar condensado atrás dela. Três de
minhas pequenas luas brancas dispararam em direção ao seus feitiços,
gerando uma mudança na rota da lança e dissipando as crescentes de ar.

As duas últimas atirei diretamente contra ele, forçando-o a gastar mana para
conjurar seu próprio escudo.
“Jarrod, isso é burrice. A gente não devia—”

Jarrod se inclinou para frente e pressionou com as duas mãos, criando um


túnel de vento que soprou minhas palavras de volta no meu rosto. Eu conjurei
uma barreira de água para amortecer a força total de seu feitiço, mas o túnel
de vento começou a se fragmentar em discos giratórios, crescentes e cortantes
que se cercavam a minha barreira.

Uma lua crescente cortou meu braço enquanto eu tentava desviar de um disco,
e percebi que seria cortado em pedaços se não fizesse algo. Trabalhando
rapidamente, conjurei Túmulo Submerso, um feitiço difícil que eu nunca tive
que usar antes. Uma barreira densa de mana densa de água se formou ao meu
redor, envolvendo-me inteiramente, mas também pressionando-me para que
eu não pudesse me mover.

Ataque após ataque afundava a barreira, mas nada a atravessava, depois de


mais alguns segundos o vendaval diminuiu e os ataques pararam.

Eu liberei minha concentração no feitiço, deixando a água espirrar no chão aos


meus pés.

Jarrod estava ofegante, seus ombros caídos, suas mãos cerradas em punhos
apertados. Ele parecia mais uma besta de mana selvagem do que o garoto com
quem eu tinha ido para a escola.

Claramente, algo horrível havia acontecido com ele. Eu não estava mais com
raiva dele. Eu me senti mal por ele… Eu me senti mal por minha família ter
escapado do pior da ocupação alacryana, enquanto tantos outros sofriam
terrivelmente em suas mãos.

“Jarrod …” Eu dei um passo em direção a ele. “Fala comigo, Jarrod. O que


aconteceu?”

Um arrepio percorreu seu corpo e Jarrod desinflou, caindo de joelhos, suas


mãos puxando seu cabelo loiro sujo.

“E-eles l-levaram minha família!” ele disse, suas palavras sufocadas por uma
garganta apertada. “Eles levaram todo mundo, e a-agora eles estão
procurando por mim…” Ele olhou para cima em busca de encontrar meus
olhos. “Me desculpa, Lilia. Me desculpa. Eu não deveria… eu não sei o que
fazer.”

Eu ouvi um grito ao longe. Guardas.

Forçando-me a ser corajosa, corri para Jarrod e me ajoelhei na frente dele,


descansando minha mão em seu ombro trêmulo.

“Ouça-me com atenção, Jarrod Redner. Eu não sou inimiga. Eu não tenho
nenhuma má vontade para você e eu vou ajudá-lo se puder, mas os guardas
estão vindo.” O som de botas com armadura em pedra enfatizou meu aviso.
“Corra daqui. Rápido! Me encontre na minha casa daqui a algumas horas.
Espere até depois da meia-noite.”

O rosto cansado e sujo de Jarrod se virou para mim, com uma confusão clara
em seus olhos brilhantes.

Alcancei seu braço e o coloquei de pé. “Ou você prefere ser pego?” Eu cintilei.

Meu olhar voltou para a estrada, onde o som de passos correndo estava
rapidamente ficando mais alto, e eu senti Jarrod enrijecer.

Finalmente, meu velho amigo cambaleou fracamente em direção ao beco e


desapareceu na escuridão, sem deixar nem um instante passar. Quatro
soldados alacryanos dobraram uma esquina a cerca de doze metros de
distância, com armas e feitiços prontos.

Eu olhei rapidamente para as janelas, esperando que ninguém tivesse


assistido nossa briga muito de perto, então joguei minhas mãos para cima e
gritei, “Oh, graças a Deus vocês estão aqui!” e começou a correr em direção aos
soldados.

“Pare!” um gritou enquanto outro apontava uma lança brilhante para mim. Eu
parei.

“Por favor,” eu disse, emitindo minha voz mais angustiada, “Eu acabei de ser
atacada.”
Os olhos do guarda da frente dispararam de mim para a poça de água ainda
encharcando o solo, então para os edifícios ao nosso redor, onde alguns dos
feitiços de Jarrod tinham lascado pedaços de tijolo e madeira.

“Por que você saiu depois do toque de recolher?” ele perguntou, sua voz grave
misturada com suspeita.

“Estou vindo da Academia. Meu nome é Lilia Helstea, filha de Vincent Helstea.
Ele é um comerciante, licenciado para continuar trabalhando pelo novo
governador. Por favor, o homem que me atacou foi por ali” Eu apontei para a
rua, longe do beco onde Jarrod tinha desaparecido.

O mago com a lança brilhante ainda a tinha apontada para mim, mas um dos
outros havia se aproximado do prédio mais próximo. Ele correu os dedos ao
longo de um corte profundo na pedra. “Definitivamente, feitiço de dano,
senhor.”

O líder da patrulha acenou com a cabeça para seu camarada e acenou com a
mão para os outros. Suas feições suavizaram e ele deu vários passos em minha
direção. “Não é o primeiro relatório que recebemos de nativos atacando
cidadãos íntegros. Qual era a aparência desse invasor?”

Minha mente disparou enquanto eu inventava uma descrição para o meu


atacante imaginário. “Ele estava todo coberto e encapuzado, mas era mais
velho, talvez na casa dos quarenta… barba avermelhada… totalmente sujo,
como se tivesse vivendo nas ruas.”

O líder da patrulha acenou com a cabeça seriamente. “Nós iremos encontra-


lo. Você deve ir para sua casa agora. Não quero que ninguém pense que você
está tramando algo. Não seria bom para o status da sua família.”

Olhei para as botas do homem e fiz uma reverência profunda, esperando que
ele não pudesse ouvir o rangido dos meus dentes enquanto o fazia. “Obrigado
por sua gentileza e generosidade, senhor.”

Não olhei para cima até que os quatro alacryanos correram na direção errada
para procurar meu atacante.
“Você fez o que, exatamente?” Meu pai perguntou, seus olhos arregalados de
surpresa.

Ele se inclinou para frente e apoiou o rosto nas mãos. Nunca pensei que ele
fosse velho, mas parecia ter envelhecido consideravelmente desde o início da
guerra com os alacryanos. Seu cabelo escuro estava ficando grisalho e
recuando nas têmporas. Ele havia ganhado peso também, de modo que seus
ternos normalmente elegantes se agarraram a ele com muita força.

“Eu não poderia simplesmente—”

“Ele atacou você, Lilia!” Ele retrucou, levantando-se tão de repente que sua
cadeira tombou. “E em troca você o convida para entrar em nossa casa! No que
você tava pensando?”

Meu coração estava disparado. Não conseguia me lembrar da última vez que
meu pai gritou comigo.

“Podemos perder tudo, Lilia. Não consegue perceber?”

“Eu entendo que muitos outros já perderam tudo!” Eu voltei, meu próprio
temperamento queimando. “Eu não sou uma criança, pai. Eu sei o que você fez
para me proteger—”

“Não só você, Lilia”, disse ele ferozmente. “E a sua mãe? Ou as dezenas de


homens e mulheres que ainda são capazes de se sustentar porque
continuamos no negócio, que são protegidos por meu acordo com os
alacryanos? Isso pode comprometer tudo pelo que trabalhei.”

“Você não viu ele.”

Meu pai bateu com a mão na mesa, me fazendo pular. “Você vai salvar todos
eles, Lilia? Você vai expulsar os alacryanos de Dicathen, devolver os mortos à
vida, restaurar tudo do jeito que costumava ser? Diga-me, Arthur Leywin lhe
deu esses poderes incríveis quando o treinou para ser uma maga? Porque, se
ele fez, ficarei feliz em ver.”

Meu pai respirava com dificuldade, mas retribuí seu olhar furioso com uma
expressão de calma forçada. Por dentro, eu estava tremendo, mas não deixei
minha surpresa e medo ficarem nítidos em minha voz. “Não, pai. Eu ficaria feliz
se pudesse salvar ele.”

Sua boca se abriu para responder, então fechou lentamente de novo enquanto
ele me olhava. “Minha filha, tão sábia e gentil…”

Ele se mexeu por um momento, endireitando sua cadeira e ajustando alguns


itens em sua mesa que haviam sido movidos quando ele bateu neles.
Finalmente, ele se sentou novamente. “Me desculpa, Lilia. Um menino não vale
o risco.”

“E se fosse o Arthur?” Eu rebati, minha própria frustração fervendo diante de


sua calma. “E se fosse a Ellie? O que você faria se fosse o filho do seu melhor
amigo? Até que ponto,” minha voz se elevou para um grito “Reynolds e Alice
teriam ido se fosse eu?”

Meu pai se recostou na cadeira e passou a mão no rosto. Uma leve batida na
porta do escritório interrompeu a tensão.

Para mim, ele disse: “Não é a mesma coisa, Lilia. Alice e Reynolds eram uma
família.” Os olhos do pai perderam o foco enquanto ele olhava para a meia
distância. “Vá jantar. Está tarde.” Então, mais alto, ele disse: “Entre.”

Minha mãe abriu a porta do escritório e me deu um sorriso gentil e


preocupado. Eu apertei sua mão enquanto saía da sala, mas não consegui
encontrar seus olhos.

Meus pés me levaram automaticamente para a sala de jantar, onde as sobras


frias ainda estavam sobre a mesa. Peguei o presunto e as azeitonas só para
dar às mãos o que fazer.

Falando logicamente, meu pai estava certo. Envolver-nos em qualquer esforço


para trabalhar contra os alacryanos, caso fosse descoberto, acabaria conosco
mortos e todos os nossos bens doados para alguma outra casa. Foi um risco
tolo correr por alguém que tinha acabado de tentar me matar.

Ainda assim…
Não era exatamente com esse medo que os invasores confiavam para nos
manter na linha?

Os alacryanos não haviam conquistado a cidade de Xyrus à força. Na verdade,


quase não houve resistência. Com a maioria das forças da União Tri
concentradas em Etistin, a cidade de Xyrus foi pega totalmente desprevenida
quando os soldados de Alacryan começaram a marchar para fora dos portões
de teletransporte e anunciar a destruição do Conselho.

Em face da derrota, a maioria dos cidadãos de Xyrus simplesmente ficaram


quietos, ficaram fora do caminho e esperaram pelo melhor. Uma vez que os
alacryanos controlavam todo o continente, não parecia haver nenhuma razão
para continuar se escondendo. Papai achava que a única maneira de nos
proteger era operar abertamente.

Mas eu queria fazer algo. Se eu pudesse ajudar apenas uma pessoa…

De pé, decidi marchar direto de volta ao escritório de meu pai e apresentar


meu caso novamente, com melhores argumentos dessa vez.

Eu estava subindo as escadas e no meio do corredor antes de notar fortes


soluços e conversas sussurradas vindo da porta do escritório entreaberta. Com
meu corpo quase pressionado contra a parede, cheguei mais perto até que
pude ver o escritório.

Minha mãe estava encostada na mesa e embalando a cabeça de meu pai contra
sua barriga. Suas mãos acariciavam seu cabelo, e ela estava fazendo barulhos
suaves de silenciamento, como ela tinha feito para mim tantas vezes antes.

Ele estava soluçando em sua camisa, seus ombros tremendo.

“Alice e Reynolds eram aventureiros, querido.” Minha mãe disse suavemente.


“Eles não foram feitos para ter uma vida segura. Você não tem que se comparar
a eles.”

Meu pai tentou falar, mas não conseguiu pronunciar as palavras.

Lágrimas brotaram em meus olhos. Eu já tinha visto meu pai chorar antes, é
claro, mas essa demonstração de emoção parecia tão… desesperadora.
Sentindo-me repentinamente culpada por ouvir de fora, abri caminho até o
escritório e corri para meus pais. Os ombros de papai só tremeram mais
quando passei meus braços em volta dele e de mamãe. Ficamos assim por um
tempo, exaustos de lágrimas.

Quando senti que poderia falar sem engasgar de novo, olhei meu pai nos
olhos. “Apenas viver com segurança não é mais o suficiente.”

Ele acenou com a cabeça e enxugou as lágrimas com a manga. “Eu sei, Lilia. Eu
sei. Vamos dar um jeito juntos, ok?”

Dois homens em mantos finos passaram pela entrada do beco. Pelo vestido, a
maneira como falavam e o fato de se moverem tão casualmente depois de
escurecer, era óbvio que eram magos alacryanos.

Fiz sinal para Jarrod manter a cabeça baixa até que eles tivessem desaparecido
em um canto distante.

Uma vez que o caminho estava livre, disparamos para fora do beco e descemos
a rua, mantendo-nos perto dos prédios para o caso de precisarmos nos
esconder rapidamente novamente.

Estávamos indo em direção ao extremo leste da cidade flutuante, onde, com


sorte, um dos contatos de meu pai estaria esperando por nós.

Apesar da hesitação do meu pai, ele foi incrivelmente rápido em organizar


tudo, uma vez que se decidiu a isso. Jarrod chegou em nossa casa logo depois
da meia-noite, como eu instruí. Ele tinha se escondido em nossa casa pelos
últimos dois dias, enquanto o resto de nós continuava com nossas tarefas
normais.

Foi muito emocionante. Eu não esperava que fosse tão bom fazer algo para
lutar, para resistir.

Nós atravessamos e viramos pelos becos, evitando as ruas principais sempre


que possível e ouvindo atentamente qualquer outro viajante noturno, a
maioria dos quais certamente seriam guardas alacryanos. Se fôssemos pegos,
tudo estaria acabado.
Um grito perfurou o ar frio da noite, fazendo meu coração pular na minha
garganta e Jarrod se encolheu tanto que quase caiu. Nossos olhos arregalados
se encontraram e esperamos. O estrondo de vozes baixas em algum lugar
próximo seguia o grito.

Sinalizando para Jarrod, eu nos levei até o final do beco que estávamos
atravessando, me abaixei atrás de uma pilha de caixotes velhos e olhei para a
estrada.

“… A punição por se envolver no comércio sem licença é bastante severa,


entendeu?”

O orador era um guarda atarracado. Ele estava de costas para nós, então eu
não conseguia distinguir suas feições, mas ele obviamente era alguém com
autoridade. Três outros guardas cercaram uma mulher magra que parecia ter
cerca de cinquenta anos. Ela estava apoiando suas mãos nos joelhos e numa
pedra dura. Seu corpo inteiro tremia.

Um latido profundo veio de uma porta aberta próxima, e uma grande besta
mana cinza, um lobo das sombras, eu pensei, irrompeu, fazendo com que a
porta batesse contra a lateral do prédio. Ele rosnou para os guardas e avançou
em defesa da mulher, mas quatro feitiços o atingiram ao mesmo tempo.

O lobo das sombras girou no ar e atingiu o chão com um gemido, perfurado


pelo gelo e queimado por um raio. Eu podia ver seu tronco largo levantar uma
vez, depois novamente, mais lentamente, e então a besta de mana ficou
totalmente imóvel.

A mulher ajoelhada gemeu, sua voz torturada ecoando pela cidade ao nosso
redor. Ela tentou passar pelos guardas e alcançar lobo morto, mas o homem
responsável a agarrou pelo pescoço de suas vestes velhas e a puxou para cima.

“Negociar sem licença e agredir um soldado do exército alacryano? Estou


autorizado a executá-lo aqui e agora… mas ouvi que os Testadores na
academia precisam de assuntos para os exercícios de incêndio ao vivo.” Ele se
virou para que eu pudesse ver seu perfil, olhando para ela como se estivesse
segurando um inseto particularmente nojento, não uma mulher humana.

Então, ele sorriu. “Você pode ser bem útil antes de ir.”
Eu encontrei os olhos de Jarrod e murmurei, “O artefato está ativo?” Eu sabia
que estava, tinha sido desde antes mesmo de sairmos pela minha porta da
frente, mas senti um impulso ansioso para verificar de qualquer maneira.

Ele o ergueu e acenou com a cabeça.

Eu queria ajudar a mulher mais do que qualquer coisa na minha vida. Imagens
de Jarrod e eu correndo para a rua em uma explosão de feitiços passaram pela
minha mente e, por um momento, pensei que talvez pudéssemos fazer isso. Se
os pegarmos de surpresa e atacá-los com nossos feitiços mais fortes antes que
eles pudessem levantar suas defesas, seria perfeito… mas o medo me manteve
onde estava.

Ficamos olhando desamparados, nossas assinaturas de mana escondidas pelo


artefato que Jarrod carregava, outro presente de meu pai, enquanto os
soldados alacryanos marchavam para longe com a mulher soluçante. Eles nem
mesmo se preocuparam em se desfazer de seu vínculo.

Não me mexi mesmo depois de eles terem sumido de vista. Eu não me movi
até que a mão de Jarrod no meu ombro me fez quase pular fora da minha pele.

“Desculpe,” ele disse rapidamente, sua mão se afastando de mim como se eu


o tivesse queimado.

Eu balancei minha cabeça e puxei o capuz da minha capa mais perto do meu
rosto, escondendo as lágrimas que escorriam pelo meu rosto. “Vamos lá.”

Não encontramos mais ninguém até chegarmos ao nosso destino: um pequeno


depósito que havia sido construído bem na periferia da cidade. Não era usado,
pertencia a uma família que havia sido levada pelos alacryanos no início, e
também estava localizado em uma das partes mais pobres de Xyrus, o que
significa menos patrulhas.

Algo se mexeu no telhado plano do prédio. Tive que colocar mana em meus
olhos e apertá-los para ver na escuridão: uma grande besta de mana alada.
Ele estava deitado, escondendo-se tão efetivamente quanto podia.

“O que é isso?” Jarrod perguntou baixinho.


Uma voz respondeu das sombras ao lado do prédio. “Uma asa de lâmina.”

O cavaleiro da asa da lâmina saiu para que pudéssemos vê-lo, embora suas
feições estivessem quase todas escondidas na luz fraca. Apesar do perigo, ele
estava sorrindo. “Uma beleza, não é?”

“Se você diz.” Jarrod disse nervosamente, seus olhos passando rapidamente
entre a silhueta da besta mana e eu.

Peguei a mão de Jarrod e o levei para frente. “Você vai ficar bem. Meu pai disse
que Tanner era o melhor de sua classe na Academia Lanceler.”

O cavaleiro bufou, depois cobriu rapidamente a boca com a mão e nos lançou
um olhar de desculpas.

“A verdade é”, disse ele uma vez que estávamos parados ao lado dele, “se não
fosse pela guerra, eu ainda estaria na academia e nunca teria sido permitido
de estar perto de uma asa de lâmina. Apesar de tudo o que aconteceu, não
consigo imaginar nunca ter conhecido Velkon lá em cima e aprendido a
cavalgar…”

“E… é seguro isso aí?” Jarrod perguntou, sua mão segurando a minha com tanta
força que doeu.

Tanner encolheu os ombros. “Se você está falando sobre Velkon, sim, ele está
seguro… contanto que você não faça nada agressivo com ele, o assuste ou o
irrite muito. Mas se você quer dizer nossa fuga, vôo para fora daqui, bem…” Ele
deu de ombros novamente.

Tirei minha mão da de Jarrod e o empurrei em direção ao prédio. “Vá em frente.


Uma patrulha pode passar a qualquer momento.”

Tanner me deu um aceno com a cabeça, então guiou Jarrod, que continuou
olhando com medo por cima do ombro para mim , em direção a uma escada
que subia ao lado do depósito. O rosto do meu outrora colega de classe estava
tão pálido que praticamente brilhava sob a luz fraca das estrelas.

Fiquei olhando os dois montarem na grande asa da lâmina. Seu bico longo e
pedregoso beliscou Jarrod quando ele se aproximou pela primeira vez, mas
algumas palavras suaves de Tanner acalmaram a criatura. Quando ambos
estavam montados e amarrados à sela larga, Velkon girou de modo que ficasse
de costas para mim, então saltou do telhado e voou direto para as nuvens
abaixo, sem som, exceto pelo grito assustado de Jarrod.

Olhei em volta nervosamente, mas não parecia haver ninguém por perto.

A emoção do sucesso zumbiu por mim. Eu fiz isso.

Jarrod seria levado para uma pequena aldeia no leste de Sapin, perto da
Muralha. Com o artefato de supressão de mana como cobertura, ele começaria
a vida como um menino órfão sem importância, sob a guarda de um amigo
próximo de meu pai.

Obrigada, pai, pensei melancolicamente.

Sem a ajuda dele, isso não teria sido possível. Ele tinha encontrado Tanner, o
cavaleiro da asa da lâmina e ele pediu um favor com o comerciante
aposentado que deveria cuidar de Jarrod. Ele também puxou o artefato da casa
de leilões e presenteou Jarrod sem qualquer expectativa de recompensa ou
pagamento.

Foi fácil. Tão fácil, na verdade, que não pude deixar de me perguntar se, com
nosso privilégio e riqueza, poderíamos fazer de novo. Quantos magos sofreram
como Jarrod? Quantos podemos ajudar a fugir da cidade?

Seria nossa maneira de contra-atacar.

Capítulo 3
Mas para quê?

JASMINE FLAMESWORTH

Avancei no banco de madeira e inclinei meus ombros e cabeça para trás contra
a lateral da tenda, lutando para encontrar uma posição mais confortável
enquanto esperava pelo capitão sênior. A lona estava fria, e o tamborilar suave
da chuva fria na barraca me deu vontade de fechar os olhos.

No instante em que o fiz, memórias desagradáveis surgiram em minha mente.

Ainda estávamos na estrada quando nos chegaram notícias da queda de


Dicathen, por meio de uma força de soldados alacryanos que havia bloqueado
a estrada para Etistin. Os Chifres Gêmeos e dois outros grupos de aventureiros
assinaram para guardar vagões de armas e mercadorias indo da Muralha para
Etistin. Alguns dos suprimentos provavelmente chegaram até lá, embora não
estivessem em nossas mãos.

Um grosseiro mago alacryano nos informou que a guerra havia acabado, que
os membros do Conselho haviam sido executados e que qualquer pessoa que
abaixar suas armas e voltar para suas casas teria permissão para fazê-lo. Foi
Helen quem nos convenceu a fazer o que eles disseram.

Eu podia sentir minha carranca se aprofundar enquanto pensava naquele


momento.

Durden estava pronto para cair lutando, seu temperamento normalmente


calmo tendo fugido com ele após a morte de Reynolds. Angela estava com
medo, mas ela teria seguido Helen para qualquer lugar. Helen, porém… nossa
líder sempre foi a voz da sabedoria. Ela nos dissuadiu do abismo quando Adam
morreu, quando Reynolds morreu na Muralha e ela salvou todas as nossas
vidas lá na estrada para Etistin.

Mas por que caralhos ela fez isso? Eu me perguntei pela centésima vez.

Quando o elfo Albold chegou à Muralha na calada da noite, procurando por


guerreiros dispostos a lutar contra os alacryanos, os outros ficaram mais do
que felizes em ir com ele.

Mas eu não consegui.

Houve uma leve briga quando a aba da tenda foi empurrada para o lado. Uma
mulher jovem e severa colocou a cabeça para dentro e disse: “O capitão sênior
vai vê-la agora.”

Eu me levantei e ajustei minha armadura antes de sair para a chuva.

A guarda me conduziu até a grande tenda onde o capitão sênior se reuniu com
os outros comandantes da Muralha. Um anão magro e careca estava saindo.
Ele me lançou um sorriso triste por baixo de sua barba rala enquanto saia.
Jerimiah Poor, a alma caridosa da Muralha. Ele sorria com frequência, mas
sempre com uma expressão de cansaço. Imaginei que ser responsável por dar
esmolas aos necessitados era um trabalho bastante ingrato, quando todos ao
seu redor precisavam de algo e você não tinha quase nada para dar.

A chuva, embora suave, estava extremamente fria e rapidamente me distraiu


do anão. Pelo menos eles me deixaram esperar em uma barraca, mesmo que
o banco dessa barraca fosse mais duro do que a cabeça do Durden. Um sorriso
fino e sem humor surgiu em meus lábios com o pensamento. Eu teria que dizer
isso a ele, se eu visse o grande conjurador novamente.
O guarda me olhou com ceticismo enquanto segurava a aba da tenda de lado.
“Jasmine Flamesworth está aqui para ver capitão sênior, senhor”, disse ela. Eu
levantei minhas sobrancelhas para ela e sorri ironicamente, mais como um
sorriso irónico, na verdade. Seu olhar focou logo acima do meu ombro
enquanto ela esperava que eu entrasse, mas ela deixou a aba cair atrás de
mim depois que eu adentrei, cortando a luz cinza enevoada e forçando meus
olhos a se ajustarem.

A grande mesa redonda ainda dominava o espaço. Na verdade, a tenda parecia


quase idêntica a quando meu pai a ocupou, embora o mapa sobre a mesa
tivesse sumido, assim como as pilhas de papel organizadas. O capitão sênior
Albanth estava sentado atrás da velha escrivaninha ornamentada de meu pai.
Era algo que incomodava e era difícil de manejar em uma barraca, mas esse
era Trodius Flamesworth…

O capitão sênior estava olhando carrancudo para um pergaminho. Ele gemeu


e balançou a cabeça enquanto rolava o pergaminho, seus olhos se voltando
para mim enquanto o fazia.

Eu fiquei parada, esperando ser chamada, ou talvez convidada a sentar. Eu


sabia que Albanth não era tão escravo ao decoro militar quanto meu pai era,
mas também sabia que não seria bom presumir que ele aceitaria um
desrespeito proposital.

O capitão sênior grunhiu para seu pergaminho. “Estamos enfrentando


escassez de tudo, exceto bocas para alimentar.” O soldado de peito largo se
levantou e deu a volta na mesa, ficando de pé na minha frente. Ele se recostou
na mesa e respirou fundo, quase como um suspiro. “O que significa que tenho
muito trabalho no momento e pouco tempo para uma conversa amigável. O
que você precisa, Flamesworth?”

“Trabalho.”

Ele franziu a testa para mim e cruzou os braços.

“Trabalho, capitão sênior.” Eu repeti, tomando cuidado para manter meu tom
respeitoso.

O capitão Albanth me lançou um olhar avaliativo antes de balançar a cabeça.


“Existe muitos tipos de trabalho, Jasmine, mas nem todos são remunerados.
Se você apenas precisa se manter ocupada, talvez eu possa encontrar algo—”

“Eu preciso comer.” Eu disse, mais duramente do que pretendia. Cerrei minha
mandíbula para não dizer mais nada enquanto esperava pela repreensão de
Albanth.

O capitão sênior franziu a testa, mas não respondeu imediatamente. Quando


ele falou novamente, sua voz profunda ficou suave. “Eu ouvi dizer uma vez que
você foi mentora do jovem General Leywin. Isso é verdade, Flamesworth?”
Eu concordei acenando e olhei para Albanth, mas não disse nada, sem saber o
que ele queria dizer.

Seus lábios se curvaram em um sorriso irônico por baixo da barba. “É


extremamente difícil imaginar isso.”

Eu senti meu corpo se afundar. “Por que pensa isso?”

“Não estou dizendo que é mentira, você possui total capacidade de ter a
mentora dele.” Albanth respondeu, relaxando contra sua mesa e olhando para
mim com um olhar avaliador. “É que não consigo imaginar o General Leywin
como uma criança. Algo sobre alguém tanto poder faz você pensar que ele
deve ter surgido da terra como um homem adulto.”

Então percebi o porquê do capitão sênior havia citado o Arthur.

Seu desaparecimento e provável morte foi um golpe maior do que a perda de


qualquer batalha, até mesmo a destruição do castelo voador do Conselho. Ele
era o único dicatheano individualmente poderoso o suficiente para fazer a
diferença na guerra, ainda mais do que as outras Lanças. Era natural que as
pessoas que entenderam isso quisessem falar sobre sua perda, lamentar por
ele da maneira que pudessem

Quando não pulei direto para a história da minha aventura com Arthur,
Albanth continuou. “Eu nunca lutei ao lado de ninguém com uma mente como
a dele. Eu juro, ele tinha a destreza tática de um general com cinco vezes mais
que sua própria idade. Eu ouvi dizer que…” Albanth parou de falar e pigarreou,
como se estivesse prestes a compartilhar um boato desagradável. “Ouvi dizer
que ele despertou com apenas três anos?”

De repente, lembrei-me de Arthur me fornecendo uma explicação detalhada


de sua técnica de luta com espada quando ele tinha apenas três anos, logo
depois de ter envergonhado Adam em um luta de treinamento.

Meu olhar caiu para os pés de Albanth e eu ajustei minha armadura


desconfortavelmente. “Ele era uma criança estranha.”

Albanth estava me observando com expectativa, mas não elaborei. O que ele
quer que eu diga a ele?

O silêncio durou vários segundos cada vez mais estranhos antes de eu dizer:
“De qualquer forma, ele era o que você esperava. Existe algum motivo pelo
qual você queria saber sobre ele?”

Albanth pareceu pego de surpresa pela precisão da minha pergunta. Ele


limpou a garganta e puxou o pergaminho ondulado de sua mesa. “Só por
curiosidade, apenas isso. É uma pena saber que ele foi.” Seus olhos desviaram
do pergaminho para mim suscetivelmente. “De qualquer forma, você diz que
quer ajudar? Existe uma maneira. A Muralha precisa de comida. Sem esperança
de suprimentos contínuos de Xyrus, Blackbend ou qualquer uma das pequenas
aldeias agrícolas próximas, nossa única fonte real de comida são as Clareiras
das Feras.”

“E você quer que eu vá caçar.”

Albanth me deu algo entre um aceno de cabeça e um encolher de ombros. “É


mais perigoso lá fora do que costumava ser, com as bestas de mana que
sobreviveram ao ataque da horda e outras que vieram se alimentar dos
mortos. Isso torna a caça difícil e perigosa. Mas se você puder trazer algumas
bestas de mana comestíveis, vou encontrar um lugar seco para você descansar
sua cabeça à noite. Fechado?”

Eu me virei e levantei a aba da tenda antes de responder. “É melhor que seja


um lugar onde eu possa tomar um banho quente.”

Capítulo 4
As 3 Lanças

MICA EARTHBORN

“Mica está cansada da Clareira das Bestas.” eu disse, sabendo que minhas
reclamações irritariam a Lança elfa. “Mica está entediada. E-N-T-E-D-I-A-D-A,
entediada.”

Aya, que estava meditando e refinando seu núcleo, não respondeu.

“Mica e suas irmãs não estariam aqui se não fosse por aquele menino horrível,”
eu resmunguei, imaginando o alacryano de cabelos escuros cuja chegada
selou nosso destino em Etistin,” com seu fogo escuro e metal preto…”

Aya estremeceu com a minha referência a ela e Varay como minhas irmãs, mas
não respondeu de outra forma.

“Mica estava pensando quando Varay lançou uma geleira inteira na Foice.
Lembra como ele saiu da baía como se tivesse sido lançado de uma catapulta
gigante?” Peguei uma das bonecas de pedra que fiz da minha beliche e imitei
a geleira caindo nela, quebrando a boneca ao meio com meu punho. “Mica
achou que isso poderia funcionar, mas as malditas chamas negras comeram a
geleira como—”

“Como se estivesse derretendo o gelo?” Aya perguntou, seus olhos ainda


fechados.

Eu fundi as duas metades da boneca novamente. Era uma coisinha feia e


raivosa, inspirada em um de meus professores no Instituto Earthborn. Pelo
menos, é isso que eu estava tentando moldar. Parecia mais uma batata
barbuda carrancuda.
Joguei a boneca de volta na minha beliche, onde ela chocou contra as outras,
depois acendi meu núcleo e inverti a gravidade em mim mesma, fazendo-me
flutuar lentamente no ar e pairar alguns pés acima do solo.

“Vocês elfos sempre tem um jeitinho diferente de falar. Mica acha que talvez
seja por isso que você se atrasou tanto para chegar a Etistin. Ficou escrevendo
poesias, talvez?”

Aya abriu um olho para olhar para mim, então fechou-o novamente,
arrastando os pés em seu traseiro e retornando à sua meditação. Eu me
aproximei um pouco mais para que a borda da minha bolha de gravidade
fizesse seu cabelo flutuar em torno de sua cabeça.

“Mica e Varay tinham a Foice com chifre de serra nas cordas até que o menino
sem coração chegasse. Se a Lança Aya tivesse sido um pouco mais rápido para
chegar a Etistin, talvez—”

Os olhos normalmente gentis de Aya estavam frios como gelo quando se


abriram para olhar para mim. “Se você acha que vou sentar aqui e ouvir isso
de novo… Se eu não tivesse chegado para ajudá-la a escapar de Etistin, você
estaria morta, sua anã birrenta.”

Eu levantei uma sobrancelha, ou abaixei-a, talvez, já que tinha girado até estar
flutuando de cabeça para baixo, e dei um sorriso satisfatório para Aya. “Viu?
Mica disse que vocês elfos têm jeito com as palavras.” O sorriso
propositalmente irritante deslizou do meu rosto enquanto eu pensava em
outra coisa. “É difícil acreditar que a Lança Arthur lutou contra a Foice e o
garoto moreno ao mesmo tempo.”

“Supostamente,” Aya respondeu, seus olhos fechados novamente. “Além disso,


ele tinha um dragão ao seu lado. Talvez se Arthur e Sylvie tivessem ficado em
Etistin como deveriam, então as coisas poderiam ter terminado de forma
diferente. Ele poderia não ter morrido lutando sozinho, por exemplo.”

Observei Aya com cuidado. Apesar de sua meditação, as linhas de seu rosto
magro estavam tensas, os lábios franzidos com tanta força que eram brancos
nas bordas. O beicinho sedutor que a Lança elfa usava para distrair o mundo
de sua força se foi, substituído por uma carranca constante. A traição do Rei
Eralith e o desaparecimento de Tessia e Virion foram difíceis para ela.

Mas quem sabe pelo o quê ela passou?

Alcançando-a lentamente, cutuquei o nariz da Aya com a ponta do meu dedo,


fazendo com que os olhos da elfa se abrissem. Ela tentou se desdobrar de sua
posição sentada com as pernas cruzadas e recuar simultaneamente,
resultando em uma queda para trás com um grunhido.

“Mas que caralhos tu tá fazendo?” Os olhos de Aya estavam se arregalaram e


sua boca se abriu com o choque.
Balançando a cabeça exasperada, eu disse: “Mica está surpresa que uma elfa
tão bonita como a Lança Aya esteja tão desacostumado ao toque físico de
outro. Certamente Aya teve sua época de—”

“Olha, cala essa boca.” Aya retrucou. “Não seja vulgar, Mica. Você não pode
simplesmente me deixar em paz para que eu possa meditar?”

Eu apenas dei de ombros. “Mica está entediada.”

Aya tornou-se estrondosa quando um acúmulo de mana raivosa cintilou em


sua pele pálida, mas a outra extremidade de nossa pequena caverna começou
a triturar e tremer, enviando gotas de terra solta de cima e distraindo nós duas.

Nós nos viramos para observar enquanto a parede de terra e pedra se


separava e se erguia, revelando Varay contra o pano de fundo de verdes
vibrantes. A Lança humana nem mesmo esperou que a porta se levantasse
totalmente antes de deslizar por baixo dela para reverter o curso e se fechar
novamente.

Quando fechada, a porta era invisível do lado de fora e só abriria na presença


de uma Lança, uma precaução que Varay insistiu. Parecia um exagero para
mim, considerando que estávamos nas profundezas das Clareiras das Bestas,
cercadas por vastas trilhas de floresta inexplorada repleta de bestas manas
das classes S e SS.

Aya e eu ficamos em silêncio enquanto esperávamos Varay relatar sobre sua


excursão de reconhecimento, mas a Lança humana não se dirigiu a nós
imediatamente. Ela atravessou nosso pequeno esconderijo e lavou as mãos e
o rosto na nascente estreita que descia pela parede de trás.

A caverna também foi minha criação. Três beliches moldadas com terra fofa
revestiam uma parede, enquanto uma mesa de pedra coberta com um mapa
aproximado de Dicathen ocupava o meio da sala. Um balcão com uma espécie
de forno natural e uma laje de pedra para preparar a refeição crescia na
parede oposta.

Eu esculpi em uma fonte natural na parede traseira, permitindo que ela caísse
livremente em uma bacia rasa para coletar água potável e tomar um banho
ocasionalmente gelado. Varay não parecia se importar com isso, como uma
maga com atributos de gelo e Aya nunca reclamou disso também, mas eu era
uma senhora anã refinada e sentia falta dos banhos minerais quentes de Darv.

Ao longo dos tediosos dias após a queda de Dicathen, construir e refinar nosso
pequeno esconderijo nas Clareiras da Bestas se tornou meu hobby. Quando
não era minha vez de explorar, passava meu tempo brincando com o formato
de nossas camas, o tipo de pedra para nossas mesas e o design do forno. Eu
cuidadosamente moldei prateleiras nas paredes, alisei o chão, até criei lindas
colunas e arcos que subiam pelas paredes e atravessavam o teto.
Quando a remodelação ficou entediante, comecei a moldar e dar forma a
outras coisas. Comecei com um busto de Aya, mas acabava ficando mais
parecido com meu primo Hornfels se alguém raspasse sua barba. Arte não era
realmente minha praia.

Depois disso, tentei fazer formas mais simples na forma de bonecos, que agora
estavam espalhados pela minha beliche. A coisa mais próxima de uma boneca
que eu tinha quando criança era um boneco de alvo para meus feitiços e eu
nunca tinha visto o ponto de criar golens ou simulacros em combate, como
meu antigo parceiro Olfred tinha feito, mas havia algo meditativo sobre formá-
los e moldá-los.

Eles pareciam irritar Aya também, então eu havia criado dezenas de bonecas
cada vez mais estranhas ou assustadoras e regularmente as deixava pela
caverna para ela encontrar.

Enquanto esperávamos por Varay, lancei meu feitiço gravitacional e peguei


um. Dando a Aya um sorriso de desculpas, eu segurei a boneca para ela. “Mica
lamenta interromper sua meditação. Por favor, aceite esta oferta de paz.”

A Lança elfa olhou carrancudamente para a boneca. Era uma boneca


particularmente feia, com uma cabeça bulbosa e deformada, um olho faltando
em uma rachadura que ia do topo da cabeça até o rosto e um corpo roliço e
irregular. Também, percebi, parecia um pouco com uma batata raivosa.

Aya colocou a ponta do dedo contra o topo de sua cabeça e conjurou um som
vibrante e inaudível na fenda, fazendo com que a boneca se partisse ao meio
com um estalo alto.

Varay se virou para nós e eu dei a ela um olhar escandalizado. “Varay, Aya
quebrou minha boneca!”

A Lança humana esfregou seus olhos e fez um esforço visível para me ignorar
antes de iniciar seu anúncio. “Tenho boas notícias. A Muralha está de pé e
sendo mantida por soldado dicatheanos, no momento. Acredito que sua falta
de valor estratégico forneceu incentivo limitado para os alacryanos invadirem.
Além disso, eles parecem ter abandonado sua presença na Clareira das Bestas,
o que é um bom presságio para nós.”

“E?” Eu perguntei, impaciente por notícias acionáveis.

Uma das sobrancelhas finas de Varay se ergueu enquanto ela me olhava. “E eu


encontrei um alvo para você dar vazão às suas frustrações, Mica.”

Batendo as mãos da boneca quebrada em um high five, eu sentei na minha


cama como uma criança esperando por uma história para dormir.

“Há um poderoso alacryano, talvez um retentor, que está se movendo de


cidade em cidade agindo como um porta-voz dos Vritra, anunciando a vitória
dos alacryanos, a execução de nosso Conselho e informando às pessoas que
eles agora são súditos do Alto Soberano, Agrona. Suas forças ainda estão se
espalhando por Dicathen, mas eles ainda não chegaram a muitos dos
assentamentos menores e mais rurais. O nome dessa falante é Lyra Dreide e
acompanhei o padrão de seus movimentos. Acredito que sua próxima parada
será uma vila comercial de tamanho moderado entre a Cidade de Xyrus e
Blackbend chamada Greengate.

“Minha sugestão é que vamos a Greengate e capturemos Lyra Dreide. Podemos


interrogá-la para saber mais sobre o que os alacryanos estão fazendo e a
melhor forma de pará-los.”

“Sim.” Respondi imediatamente. Além de um punhado de pequenos conflitos,


evitamos nos expor desde a perda em Etistin. Eu estava cansada de ficar de
mau humor na Clareira das Bestas e mais do que pronta para mostrar aos
alacryanos que essa guerra não havia acabado.

Aya, por outro lado, estava balançando a cabeça. “É uma armadilha, certo? Por
que outra razão essa pessoa tornaria seus movimentos tão óbvios? Com seus
artefatos de teletransporte pessoais, os alacryanos podiam simplesmente se
teletransportar de cidade em cidade aleatoriamente para evitar uma
emboscada.”

“Eles acham que venceram”, eu disse rapidamente, não querendo que a Lança
elfa mudasse de ideia. “Eles acham que Dicathen está dominado, que não há
mais ninguém para desafiá-los. Mica se pergunta por que eles teriam o
trabalho de esconder seus movimentos se não havia nenhuma ameaça
sobrando para eles.”

Aya me ignorou, encontrando os olhos de Varay enquanto continuava. “Os


alacryanos parecem imprudentes? Eles estão três passos à nossa frente em
todas as curvas. Eles nos superaram no planejamento e nos venceram até que
foi por isso que venceram.”

Eu abri minha boca para responder, mas Varay levantou a mão para me parar,
então gesticulou para Aya continuar.

“Não podemos simplesmente nos lançar na primeira oportunidade de batalha


que vemos. Se eles sabem que ainda estamos aqui, por que não tentariam nos
atrair para o campo aberto? Se eles previram que poderíamos tentar interferir
com o governo novato que eles estão instalando, então balançar esta mulher
na nossa frente como uma isca faz todo o sentido.”

Varay, que se tornou nossa líder de fato desde a queda do Conselho, ouviu
atentamente e cuidadosamente a Lança elfa, então ficou quieta por vários
segundos frustrantes depois disso.
“Eu concordo com você, Aya” – A Lança elfa me lançou um sorriso vitorioso –
“mas haverá perigo em qualquer ação e a inatividade não é algo que sou capaz
de fazer por mais tempo.”

Os olhos de Aya se voltaram para Varay e seu rosto caiu. Eu sorri ao lado de
sua cabeça.

“Embora isso possa ser uma armadilha, esta também é nossa primeira
oportunidade de atacar um alvo alacryano de alto valor. Se alguma vez fomos
dignas do título de Lança, não podemos mais nos esconder aqui na Clareira
das Feras. O que importa agora é entrarmos em ação.”

Os olhos afiados de Varay dispararam de Aya para mim. Eu concordei com a


cabeça. Aya fez o mesmo um momento depois.

“Bom. Então, não há tempo a perder. Acho que devemos ir para Greengate
imediatamente e estabelecer uma base de operações.”

Capítulo 5
Contratada em Darv

EMILY WATSKEN

O toque metálico do ferrolho da minha porta sendo aberta me tirou do meu


cochilo matinal. Acordei tantas vezes durante a noite que era difícil dizer se eu
havia dormido ou se apenas fiquei de olhos fechados, eu estava sonolenta e
tentando entender quem tinha entrado, mas no momento em que vi Oleander
Brone entrando no meu quarto, fiquei tão acordada que parecia que alguém
havia jogado um balde de água gelada em mim.

Um arrepio percorreu meu corpo quando meus olhos encontraram os dele.


Instintivamente, minhas mãos agarraram o topo do cobertor fino, minha única
fonte de calor nos túneis frios de Vildorial, e o puxaram até meu queixo. Isso
fez com que descobrisse meus pés descalços, expondo-os ao ar frio, e era
quase totalmente inútil de qualquer maneira, já que, mesmo coberta, eu sentia
muito frio.

Brone zombou. Seu rosto fino e pontudo o fazia parecer um rato vestindo uma
peruca preta. Minha bochecha se contraiu quando suprimi um sorriso
imaginando essa cena, fazendo com que os olhos de Brone se estreitassem.

Uma de suas mãos finas em forma de garra estendeu-se e puxou o cobertor.


Ele o jogou no chão e se voltou para a porta. “Levante-se, garota. É hora de ver
o trabalho do dia. Se você fugir ou trabalhar contra nossos esforços de alguma
forma, você será…”

Julgada por crimes graves e executada, ecoei em minha cabeça.


Em uma voz mais aguda e fina, quase um sussurro, ele disse a si mesmo: “Por
que aquele louco do Gideon continua insistindo na utilidade desta criança, eu
nunca vou entender. Pelos amor de Vritra…”

Gemendo, rolei para fora da cama e coloquei meus pés descalços no chão de
pedra fria. Minha cabeça doía por causa da falta de sono e meu corpo rangia
como se eu tivesse cem anos, provavelmente por causa das semanas mal
dormidas na pequena cama miserável que eles me deram.

Brone esperou impacientemente do lado de fora do meu quarto enquanto eu


vestia meu par de tênis finos. Eles não tinham me dado meias e havia uma
lacuna de cinco centímetros entre a parte de cima dos sapatos e onde minha
calça de tecido áspero terminava, permitindo que o ar frio mordesse meus
tornozelos.

Acho que nunca vou ficar quentinha de novo, resmunguei internamente


enquanto fazia movimentos desnecessários em meu minúsculo quarto,
fingindo estar procurando por algo. Sério, eu estava apenas atrasando o início
inevitável de mais um dia gasto estudando sais de fogo com Gideon enquanto
Brone nos seguia, zombando e falando consigo mesmo.

Por fim, porém, o impaciente Instilor bufou, fui forçada a segui-lo para fora do
meu quarto e pelos corredores esculpidos do Instituto Earthborn em direção
ao laboratório do Gideon. Meu estômago roncou no caminho, mas eu sabia
que não teríamos nada para comer por algumas horas.

Tochas a gás alinhavam-se nos corredores, então eu caminhei perto o


suficiente da parede para desfrutar das explosões intermitentes de calor que
elas forneciam, mas era apenas uma curta caminhada até o laboratório. Ainda
assim, descobri que minhas pálpebras estavam ficando pesadas antes de
chegarmos lá, apesar do frio e da fome.

Esfreguei meus dedos em meus olhos turvos enquanto Brone abria a porta do
laboratório ao som de uma explosão que o fez pular para trás e eu
acidentalmente me dar um soco no olho. Uma nuvem de fumaça negra e
ardente saiu da porta, obscurecendo o Instilor e fazendo meus olhos arderem
ainda mais.

“Em nome do Alto Soberano… que fedor é esse?” Brone rosnou, respirando
com dificuldade.

“Oleander, é você?” Gideon gritou com entusiasmo de algum lugar lá dentro.


“Entre. Espero que você tenha trazido minha assistente com você.”

Pressionando uma mão ao lado do meu rosto, que latejava dolorosamente,


prendi a respiração, passei por Brone e entrei no laboratório, apertando os
olhos contra a névoa ardente e as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Um
momento depois, a fumaça passou por mim quando uma rajada de vento a
empurrou de fora da porta para o corredor, e Brone, agora preso novamente
no meio da nuvem, tropeçou para dentro do laboratório e bateu a porta atrás
de si.

Brone tentou berrar e nos ameaçar, mas não conseguiu por causa de uma crise
de tosse.

O rosto enrugado de Gideon estava manchado de fuligem e seu cabelo crespo


tinha escurecido nas pontas. As bolsas pesadas sob seus olhos só tinham
ficado mais proeminentes durante nosso tempo como servos contratados dos
alacryanos, embora suas sobrancelhas não tivessem conseguido crescer
novamente. Esta manhã ele estava com os olhos arregalados, bem agitado e
estava sorrindo loucamente, olhando para o sufocante Brone.

“Eu não acho que vai ser muito bom contra os asuras, mas esses sais de fogo
são uma bomba de fumaça e tanto, hein?” Gideon piscou para mim.

“Mais como uma bomba de fedor.” Eu disse.

Suas ferramentas foram espalhadas e bagunçadas por toda a bancada, de cada


lado havia uma bandeja de sal e apenas uma placa grossa de metal, que estava
dobrada nas bordas. Uma única brasa brilhante de sal de fogo estava no meio
da bandeja. Ocasionalmente, uma pequena faísca saltava da brasa.

Um movimento no canto da sala atraiu minha atenção para um mago alacryano


enfurecido. O cabelo loiro brilhante do homem estava manchado de escuro
pela nuvem tóxica que acabara de ser enviada para sufocar os corredores dos
anões. Eu não reconheci este, mas sempre havia um mago com uma marca ou
crista de atributo fogo ou vento para nos ajudar em nossos experimentos.

O olhar de Gideon seguiu o meu e ele balançou a cabeça. “Imprestáveis! Eu


juro, esses alacryanos estão apenas me torturando. Acho que nem ligam para
os sais de fogo. Caso contrário, por que eles me mandariam o pior? É uma
maravilha, realmente, que eles tenham conseguido recriar meu Dicatheous.”

O mago olhou furiosamente para Gideon, mas o velho inventor não se


incomodou, como sempre.

“Mas o navio a vapor não foi projetado pelo Arthur Leywin?” Perguntei ao meu
mentor, genuinamente curiosa. O Dicatheous foi projetado antes de eu
começar a trabalhar com Gideon, mas eu tinha visto o navio concluído e as
plantas nas quais foi baseada.

Ele revirou os olhos exageradamente. “Ele só fez o básico, quem fez tudo
aquilo funcionar foi eu. Talvez Arthur pudesse ter efetuado alguma mudança
se ele tivesse se concentrado em gerar mais tais ideias, lutando contra Agrona
com sua mente pensante ao invés de ir pra todo canto de Dicathen e conjurar
feitiços sofisticados em todo lugar que ele pisava.”
Eu queria falar mais sobre Arthur, mas Brone havia se recuperado de seu
ataque de tosse e se aproximou de nós, seus olhos redondos injetados de
sangue e um rastro de coriza escorrendo do nariz aos seus lábios. Ele enxugou
o rosto na manga e olhou para Gideon.

“Você fez isso de propósito.” Ele disse antes de tossir novamente.

Os olhos de Gideon se arregalaram. “Caro Oleander, cada dia é um dia de


experimento, de tentativa e erro! Você, como um inventor, deve entender isso
tão bem quanto eu. Você me pediu para desvendar os mistérios dos sais de
fogo dos anões.” Disse Gideon, praticamente gritando enquanto levantava a
brasa quente da bandeja de sal com um pesado par de alicates. “E para ajudá-
lo a encontrar uma maneira de utilizar a incrível energia latente presa dentro
de cada um desses pequenos grãos.” Gideon acenou com a brasa de sal de
fogo no rosto de Brone, fazendo o Instilor recuar e saltar para trás. “Eu fiz
exatamente isso!”

O alicate e a brasa voltaram a cair na bandeja e Gideon se afastou de Brone.


“Além disso, eu disse a este bufão para criar uma corrente que se movesse
precisamente cinco metros por segundo através da brasa, mas claramente tal
fundição cuidadosa está além dele!”

O carrancudo mago deu um passo para longe da parede e apontou para meu
mentor. “Agora ouça aqui seu velho idiota—”

Brone acenou para o mago ficar em silêncio. “Não morda a isca dele, Albin.
Gideon é especialista em ser terrivelmente frustrante, não é, Gideon?”

“Eu me esforço para estar no nível de enlouquecer algum dia, mas por agora
sim.” Retrucou Gideon. “Agora, eu preparei vários outros experimentos hoje, a
maioria dos quais provavelmente farão todos nós morrermos com este
conjurador trabalhando ao nosso lado, então não há razão para bater papo
mais.”

O mago alacryano, Albin, olhou severamente para Brone. “Senhor, uma


palavra, por favor?”

O rosto de Brone se contraiu, mas ele acenou para o homem sair. Um filete
fino de fumaça vazou de volta para a sala quando eles saíram, e eu podia ouvir
Brone tossindo pela porta.

Suspirei e esfreguei meu olho dolorido novamente. “Gideon, por que estamos
fazendo isso? Você sabe que eles são—”

“Já falamos sobre isso.” resmungou Gideon. “Se não nos tornarmos úteis,
eventualmente minha genialidade não será suficiente para nos proteger, e nós
dois seremos executados por—”

“—Crimes graves,” eu terminei.


“Exatamente.” Disse ele, balançando a cabeça para que seu cabelo crespo
caísse ao redor de sua cabeça.

“Mas qualquer coisa que criarmos para os alacryanos só será usada contra
nosso próprio povo…”

“Minhas invenções já se voltaram contra nós!” Ele estava falando sobre o


Dicatheous, eu sabia. Ele ficou incrivelmente abalado quando encontramos o
navio a vapor dos alacryanos, uma réplica quase perfeita de seu próprio
projeto, em nossa costa leste… “Mas isso pouco importa. A guerra está perdida.
Nossas mortes não podem servir a Dicathen agora. A única maneira de
sobreviver é seguir o fluxo comum.”

Não disse nada enquanto observava meu mentor se movimentar, pegando


uma ferramenta e depois colocando-a em outro lugar, mexendo em notas
rabiscadas apressadamente apenas para jogá-las de volta na bagunça e passar
para outra coisa.

“Além disso.” Ele murmurou de forma que eu mal pude ouvi-lo. “Pelo menos
estou finalmente começando a investigar esses sais de fogo.” Ele se virou para
mim de repente, balançando o dedo. “O verdadeiro problema, você sabe, são
esses intermediários alacryanos! Eles não estão nos dando os recursos de que
precisamos.”

“Eu não acho que Brone goste muito de você.” Eu disse com apenas uma pitada
de sarcasmo.

Apesar das palavras de Gideon, eu tinha certeza de que seu trabalho com os
sais de fogo era uma armadilha, alguma forma de enganar os alacryanos para
que dessem a ele exatamente o que ele precisava para escapar. Era uma coisa
muito Gideon de fazer. Ele não havia confirmado nada sobre seu plano, mas
eu sabia que o antigo inventor não iria simplesmente desistir.

Gideon varreu um punhado de ferramentas pesadas de ferro de uma bancada


secundária com um estrondo antes de espalhar vários pedaços de pergaminho
manchado de fuligem, ignorando minha pergunta.

A porta do laboratório se abriu e Brone olhou ao redor da sala antes de


perceber a bagunça. Seus olhos rolaram para o teto e ele respirou fundo,
tossiu fracamente e caminhou até mim.

“Pegue isso, garota, e os ordene naquela prateleira ali.”

Fiquei ocupada, fazendo o que Brone pediu e depois fui organizar a desordem
de Gideon sempre que possível e mantendo distância do Instilor.

Eu reorganizei a prateleira de ferramentas três vezes antes da porta do


laboratório abrir novamente. Meu estômago roncou em expectativa, mas não
era nosso café da manhã.
Dois anões algemados carregando uma caixa de metal grossa entraram. Os
anões usavam aventais de couro manchados, luvas de couro pesadas e uma
espécie de touca que protegia suas barbas. Cada um segurava uma alça em
uma das extremidades da caixa, que brilhava com uma luz laranja sutil.

“Esta entrega está dez minutos atrasada.” Disse Brone com naturalidade
enquanto os anões se arrastavam pelo laboratório para colocar a caixa em
uma fornalha especialmente projetada, onde os sais de fogo seriam mantidos
em uma temperatura natural até que estivessem prontos para serem usados.

Gideon estava bem atrás dos anões, já usando uma luva grossa para levantar
a tampa da caixa de ferro. Ele olhou para dentro, então fechou a tampa e bufou
de desgosto.

“Oleander, você pode me dizer como devo fazer o que você pediu, quando você
só me dá metade do que eu preciso!” A testa de Gideon enrugou quando suas
sobrancelhas inexistentes se ergueram. “Cinco grãos, Oleander! Eu pedi doze.
Você acha—”

A birra de Gideon foi interrompida quando os dois trabalhadores sufocaram


gritos de dor e caíram no chão. As runas ao longo de suas algemas brilhavam
violentamente em vermelho. Os olhos dos anões giravam enquanto seus
membros estremeciam em agonia.

Tive que desviar o olhar, meus olhos percorreram a sala em um esforço para
evitar assistir os anões serem torturados. Meu olhar pousou no rosto de
Gideon, que estava em branco e distante, não exibindo nenhum dos
escrúpulos e ansiedade que eu sentia.

Eu sabia que meus próprios sentimentos estavam escritos em meu rosto, mas
estava igualmente ciente de que Brone só teria prazer em me ver me contorcer.

Depois de deixar isso continuar por vários segundos, Brone mexeu em algo em
seu bolso e as runas se apagaram. Os dois anões estavam ofegando, lágrimas
e coriza escorriam por seus rostos, mas eles pararam trêmulos e fizeram uma
reverência profunda para Oleander, seus narizes praticamente tocando o chão.

“Você ouviu, Gideon. A entrega não está só atrasada, como também não veio
com a quantidade requisitada. Talvez a experiência do Clã Lastfire na arte da
mineração de sal de fogo seja menor do que o prometido.” O Instilor deu a
Gideon um sorriso cruel. “Não se preocupe. Tenho certeza de que podemos
encontrar outras maneiras de fazer uso de seu clã, caso vocês se mostrem
inadequados para a missão atual.”

Os anões se curvaram novamente, murmurando suas desculpas antes de


agarrar a caixa de ferro vazia que continha os sais de fogo do dia anterior e
sair correndo porta afora.
Brone deu a Gideon um olhar satisfeito, seu sorriso de lábios finos ainda
estampado em seu rosto presunçoso. “Então, no que vamos trabalhar hoje?”

Capítulo 6
Mais Perigoso Do Que Costumava Ser

JASMINE FLAMESWORTH

Olhei para o sol para ver que horas eram e fiquei reparando em como parecia
apenas uma mancha brilhante e fervente por trás das nuvens do céu. Era bem
depois do meio-dia, o que significava que eu estava marchando pela Clareira
das Bestas por várias horas sem ver uma única criatura comestível.

Bestas de mana apareciam aos montes, mas eu não podia simplesmente matar
e massacrar a primeira coisa que via pela frente, especialmente por ser algo
muito perigoso de se fazer. Muitas bestas eram venenosas, como o gigantesco
tremonha de lama, que é semelhante a um sapo, enquanto algumas nem eram
feitas de carne.

Outras eram simplesmente horríveis.

Seis metros à frente, algo disparou em minha direção. Com um movimento


rápido do meu pulso, uma das minhas adagas girou no ar e atingiu com um
baque úmido.

Aproximando-me com cuidado, puxei minha lâmina da pele dura de um


almíscar com presas, uma besta de mana fedorenta que parecia uma bola
marrom peluda, mas era formado principalmente por dentes e mandíbulas.
Ninguém comeria tal coisa, eles tinham um gosto tão ruim quanto o próprio
cheiro

“Tô morrendo de fome”, eu murmurei, cutucando o pequeno cadáver com


minha bota. Almíscares com presas eram incrivelmente agressivos, mas
normalmente não caçariam criaturas maiores do que eles.

Bem à frente, mais dois saíram de debaixo de um arbusto e avançaram para a


floresta.

Enquanto eu me preparava para lançar minha adaga atrás das feras em fuga,
seus núcleos ainda valiam alguma coisinha, um galho rangeu acima de mim.
Mantendo-me imóvel como uma estátua, imbui mana em meus ouvidos e ouvi
com atenção. Raspagem quitinosa e garras afiadas cortando a casca de uma
árvore sugeriam algum tipo de besta de mana parecida com um inseto.

Lentamente, tirei minha segunda adaga de sua bainha, segurando uma lâmina
em cada mão.
Um galho se quebrou quando algo pesado se lançou contra mim. Eu evitei o
ataque e girei para encontrar uma aranha enorme e peluda com lâminas
afiadas no lugar de suas pernas.

A aranha arrancou suas lâminas afiadas do chão e me atingiu, mas eu dei dois
passos rápidos para trás, evitando o corte, então me lancei para frente,
enfiando uma adaga no centro de seu aglomerado de olhos e a outra na junta
onde está cabeça conectada ao resto do corpo bulboso.

As pernas afiadas se debatiam enquanto a criatura perdia o controle de seus


movimentos, ela já estava no caminho para a morte. Só não sabia disso ainda.

Tirando ambas as adagas, pulei nas costas da aranha e a chutei, fazendo-a


desabar. Depois de um momento, seus movimentos pararam.

Eu deslizei por trás e dei a volta em seu rosto ensanguentado, ajoelhando-me


para ver melhor. Suas mandíbulas eram quase tão longas quanto minha mão,
do pulso à ponta do dedo.

“Feio, não é?” Eu disse antes de quebrar as duas presas grandes e guardá-las.
Eu teria pegado as pernas e o núcleo também, mas o movimento através das
árvores próximas me distraíram da minha morte.

Algo estava correndo pela vegetação rasteira, fazendo muito barulho. Não era
grande, ao que parecia, mas apenas presas faziam tanto barulho.

Três formas redondas de oito patas escapuliram pela copa das árvores,
provavelmente sentindo uma refeição mais fácil.

Não querendo perder uma presa potencial para as bestas de mana, eu corri
atrás dela, cortando as árvores muito mais rápida e silenciosamente do que
antes.

As aranhas tiveram uma vantagem inicial. Uma deles caiu das árvores nove
metros à minha frente, mas foi recebido por ambas as adagas que estavam
imbuídas com mana de atributo vento, fazendo assim, as fez deslizar por três
das pernas afiadas e então retornar às minhas mãos.

Eu corri passando pela besta de mana gritando sem olhar uma segunda vez,
certa de que ela não sobreviveria por muito tempo sem três pernas.

As outras devem ter percebido que tinham competição, porque uma das bestas
de mana restantes atirou um spray de teia pegajosa em meu caminho.

Enrolei meu corpo em imbuído com vento e me lancei contra a teia, esperando
estourar. Eu fiz, mas o que eu não esperava era que as fibras finas cortassem
minha barreira protetora e deixassem uma dúzia de cortes superficiais na
minha pele.
Os pequenos cortes queimavam dolorosamente, embora isso tenha diminuído
para uma coceira crua quando minha mana começou a curar as pequenas
feridas.

Grunhindo de aborrecimento, retomei a perseguição. A vegetação rasteira


clareou um pouco e de repente, eu pude ver o que estava me perseguindo.

Ao invés de uma besta de mana, era uma jovem. Uma elfa. Ela estava quinze
metros à minha frente e a aranha mais rápida estava quase logo acima dela.

O vento condensou-se em torno de minhas pernas e saltei dele, voando para


o alto. Usando os galhos das árvores como trampolins, pulei cada vez mais
alto, até ficar no mesmo nível das bestas de mana e diminuir a distância para
o mais próximo dos dois.

Soltando um assobio agudo para chamar a atenção deles, me lancei de um


tronco de árvore.

A aranha perna-espada girou agilmente, suas longas pernas apoiadas em um


punhado de galhos diferentes. O corpo bulboso inchou e um fio de seda de
aranha espalhou-se pelo dossel ao nosso redor, criando uma teia emaranhada
entre mim e ela.

Com a mesma rapidez, minhas adagas abriram uma lacuna nos filamentos
afiados e meu ímpeto me carregou de modo que fiquei cara a cara com a besta
de mana.

Duas das pernas afiadas como navalhas cortaram, ressoando em minhas


adagas. O impacto me tirou do curso, no entanto, girei desajeitadamente sobre
a cabeça da aranha e caí em suas costas largas e peludas.

Suas pernas eram surpreendentemente flexíveis, dobrando-se para cima e ao


redor de seu próprio corpo para continuar a me empurrar e cortar. Eu desviei
com uma de suas pernas com uma das minhas adagas enquanto a outra
mergulhava na besta de mana, abrindo vários buracos na pele grossa.

Um lamento agudo ressoou pela floresta antes que a criatura ficasse mole e
caísse de seu poleiro.

Senti um frio em minha barriga quando me vi mergulhando para baixo, mas fui
capaz de empurrar o corpo e pousar em um galho próximo. Abaixo de mim, a
pesada besta de mana atingiu o solo com um estalo úmido.

Um grito agudo veio de perto e foi interrompido.

A terceira aranha perna-espada não estava mais nas árvores, percebi e tive a
mesma sensação de antes. Meu olhar rastreou rapidamente pelo chão da
floresta, mas eu não vi a besta de mana ou a garota elfa.
Aproveitando minha mana de vento, pulei de galho em galho, movendo-me na
direção em que a vi pela última vez.

A alta perspectiva aumentou minha visibilidade através da vegetação rasteira,


mas ainda não consegui encontrá-la. Após vasculhar um pouco mais a floresta,
pude encontrar um buraco entre três árvores caídas, era escuro e cheio de teia,
coberto em grande parte com folhas e galhos quebrados.

Algo estava se movendo nas sombras dentro da boca do buraco.

Sem tempo para pensar bem nas coisas, pulei das árvores, mirando
diretamente na abertura da caverna.

O vento passou forte, fazendo meu cabelo tremular atrás de mim como uma
bandeira. Usei a mana imbuída em volta das minhas pernas para controlar
minha queda. Ambas as adagas eram seguradas em um aperto reverso, prontas
para atacar.

A aranha perna-espada nem teve tempo de sentir minha presença antes que
eu colidisse com ela, a força de nossa colisão rachou sua carapaça endurecida
e nos jogou através de uma densa parede de teias. Ao mesmo tempo, minhas
adagas atingiram suas costas, na parte onde todas as suas pernas se
conectavam.

Nos ricocheteamos na parede da caverna, que, no fim das contas, era na


verdade um buraco profundo que mergulhava diretamente na escuridão, por
sorte, ficamos suspensas nas teias pegajosas que pareciam cordas.

Abaixo de mim, a aranha perna-espada se contraia debilmente, suas patas


laminadas cortando a teia, suas entranhas escorrendo pela fenda em seu
abdômen e pelos buracos em suas costas.

Suspiros aterrorizados vieram de cima.

Presa como… bem, como uma mosca em uma teia de aranha, a garota élfica
estava puxando e cortando a armadilha, mas não fez nenhum progresso para
se libertar. Seus olhos, sem cor na caverna escura, estavam arregalados de
terror, seu corpo inteiro estava se expandindo e se contraindo com respirações
rápidas e superficiais.

“Calma, as aranhas são—”

Fui interrompida por seus gritos quando algo saltou de baixo para cima e
arrancou da teia a moribunda aranha perna-espada. O ataque foi tão rápido
que a criatura já havia desaparecido com sua presa antes que eu pudesse dar
uma olhada nela.

O aparecimento desta besta de mana ainda maior e mais perigosa deu a garota
vários espasmos de terror. Ela se contorceu e girou nos fios pegajosos, apenas
se prendendo ainda mais, como numa areia movediça.
“Droga, pare de se mover!” Eu gritei com a garota, mas não adiantou. Minhas
palavras caíram em ouvidos surdos e os berros da garota com certeza atrairia
a besta de mana de volta para nós assim que terminasse com a aranha perna-
espada.

Usando minhas adagas, comecei a cortar as teias de aranha, tomando cuidado


para ter certeza de que ainda estava apoiada e não despencaria nas
mandíbulas de qualquer ser vivo horrendo que vivia nessa caverna.

Uma vez que eu estava livre e agachada com segurança em uma saliência
áspera usada na parede da caverna, imbuí mana em meus olhos e ouvidos
para olhar o que havia na escuridão abaixo de mim.

Eu podia apenas ver parte de uma forma enrolada e segmentada em uma


caverna abaixo. Esse ser vivo estremecia enquanto devorava a aranha perna-
espada, o som da aranha sendo devorada era ecoado por toda a caverna.

Embora eu pudesse ver apenas parte do corpo da besta, eu poderia dizer que
era enorme, nove metros de comprimento, talvez mais.

Era feito de partes segmentadas, cada uma suportada por várias pernas, e me
lembrava uma centopeia gigante. A pouca luz que atingia o fundo refletia em
grossas placas de armadura quitinosa.

Não reconheci a besta, nem sabia sua classificação, mas tinha certeza de que
era poderosa.

A elfa ainda estava se debatendo violentamente contra a teia, enviando


tremores através dela, como tocar um sino de jantar para a criatura abaixo.

Eu sabia que poderia sair facilmente, mas alcançar a garota exigiria que eu me
jogasse de volta no meio da teia, me colocando em uma posição muito ruim
para me defender de outro ataque.

Seria uma mentira dizer que não considerei apenas sair e deixar a elfa
entregue ao seu destino.

Em vez de pular para cima e para fora da caverna, decidi explorar caverna
abaixo. O mais cuidadosa e silenciosamente que pude, usando a mana do
vento para amortecer o ruído, pulei de saliência em saliência até ficar logo
abaixo da borda do teto da caverna que se abria para fora do buraco.

A caverna não era tão grande quanto eu esperava, embora eu mal pudesse ver
um punhado de buracos escuros onde outros túneis saíam do covil da besta
de mana, talvez se estendendo em uma rede maior de tocas.

Eram seis metros do teto da caverna até o chão áspero e talvez dez ou doze
metros de diâmetro.

A enorme besta de mana estava bem abaixo de mim.


Como eu pensei anteriormente, parecia muito com uma centopeia gigante
coberta por um revestimento espesso. Era maior do que eu imaginava. Muito
maior.

Tinha duas longas antenas que brotavam do topo de sua cabeça chata,
constantemente sondando ao redor e duas mandíbulas curvas, cada uma com
comprimento da minha altura. A coisa poderia me partir ao meio com uma
única mordida.

Sua extremidade posterior se dividia e se estreitava, enrolando-se em duas


caudas farpadas semelhantes a escorpiões.

Então eu percebi o que era. Um devastador…

A besta de mana classe S mudou, desenrolando-se de sua refeição de curta


duração. Agora que estava mais perto, tinha certeza de que tinha pelo menos
quinze metros de comprimento, mas a maneira como se enrolava disfarçava
seu verdadeiro tamanho.

Devastadores eram criaturas escavadoras que geralmente viviam nas partes


mais selvagens da Clareira das Bestas. Eles caçavam outras bestas de mana
classe S, como a hidrax de ferro e o urso pardo da meia-noite, lançando
armadilhas como esta e atraindo-as com outras bestas mais fracas.

Ou garotinhas élficas, pensei amargamente comigo mesma.

Pequenos tremores percorriam a rede de teias, que desciam até o chão da


caverna. O devastador já sabia que tinha mais presas em sua armadilha, eu
tinha certeza, mas a aranha perna-espada parece ter aliviado sua fome, pois
não estava indo buscar sua nova presa.

Talvez eu tivesse tempo suficiente para sair do túnel, se estivesse disposta a


deixar a garota para trás. Mas eu não poderia deixar ela aqui.

A criatura pode vir atrás dela a qualquer momento, então não devo
desperdiçar mais tempo.

Subindo de volta, rastejei ao redor da borda do túnel vertical, agarrando-me


firmemente à parede de terra logo acima de onde ela se abria para a caverna
mais ampla.

Eu podia ouvir o devastador se movendo, suas centenas de pernas revirando


a sujeira com um som de raspagem aparentemente silencioso.

Sua cabeça apareceu abaixo de mim, as antenas tateando à sua frente,


cutucando as teias e subindo pelas paredes. Elas me lembravam um par de
vermes gigantes rastejando pela terra.

Um grito áspero veio de cima.


O devastador parou, seu corpo inteiro tremendo enquanto se preparava para
pular pelo túnel e devorar a garota.

Sem opções, caí direto, pousando nas costas da besta de mana classe S logo
atrás de sua cabeça, dirigi as duas lâminas em direção a uma lacuna entre duas
das placas volumosas que compunham seu exoesqueleto.

De repente, a besta estava se movendo, o corpo se retraindo para fora do túnel


de entrada com uma velocidade surpreendente. Eu tropecei e caí de barriga,
minhas lâminas errando o alvo, raspando a casca dura em vez disso. O
devastador continuou a se mover, girando para longe do túnel para em direção
a caverna, trazendo-me para mais perto das caudas gêmeas de escorpião que
se enrolavam em sua outra extremidade.

Meu corpo deslizou pela placa blindada lisa até que eu estava rolando para o
lado do devastador.

Não querendo cair no caminho das pernas agitadas, eu empurrei para fora, me
jogando para longe da besta mana, em seguida, enviei uma rajada rápida de
mana de vento para me endireitar e cair de pé.

O devastador me cercou como uma parede viva, suas pernas pisando no solo
macio enquanto a cabeça larga e plana flutuava para frente e para trás, as
longas antenas tocando o telhado, o chão e ao longo de suas próprias costas.

As caudas farpadas pairavam acima dele, prontas para atacar. Eu esperava que
elas caíssem sobre mim a qualquer momento, mas o devastador se conteve.

Eu mantive meu lugar, agachado no chão no meio da massa de pernas e


segmentos blindados. O devastador estava diminuindo a velocidade e, depois
de mais alguns segundos, parou de se mover completamente, exceto pelas
antenas.

Todo o corpo enorme abaixou-se, pressionando a terra. As antenas correram


pelo chão da caverna, muito lentamente. A cabeça e as mandíbulas foram
apontadas diretamente para mim.

O devastador não tinha olhos.

Esta besta de mana era inteiramente subterrânea e cega. Ela caçava presas
grandes e poderosas pelas vibrações que faziam enquanto se moviam pela
superfície. Não estava acostumada a lutar contra coisas muito menores do que
ela, o que normalmente não representaria qualquer ameaça.

Mas quão sensíveis eram essas antenas?

Condensando cuidadosamente uma bala do tamanho de uma bola de gude de


vento em minha mão, atirei-a na parede posterior da caverna, onde ela
impactou com um baque surdo.
O devastador torceu-se com uma velocidade horrenda e suas caudas gêmeas
atacaram, abrindo sulcos profundos na terra. O corpo se desenrolou em torno
de mim enquanto se movia para inspecionar o local, a antena tateando para
matar o que havia naquele local.

Eu examinei o que eu podia ver da caverna novamente, procurando uma


maneira de sair da situação. Não parecia bom.

Eu não tinha como saber para onde qualquer um dos outros túneis ia, e não
poderia chegar a nenhum deles sem chamar a atenção do devastador. Ele
poderia se mover mais rápido do que eu e um golpe mortal poderia vir de
qualquer uma das pontas.

Se eu corresse para a boca da caverna, poderia escalar e sair rápido o


suficiente para escapar das mandíbulas da besta de mana? Talvez, se o
devastador pudesse ser distraído.

Anteriormente, ele não tinha me encontrado imediatamente depois que eu caí


de suas costas, o que me fez pensar que meus movimentos não eram
detectáveis por conta própria. Se eu pudesse colocá-lo em movimento…

Condensando outra bala de mana entre meus dedos, eu a atirei nas costas
largas do devastador e na boca de um dos túneis de conexão. No momento em
que atingiu a parede do túnel, no entanto, era tão indistinto que nem mesmo
meus ouvidos aprimorados por mana ouviram.

Já que a besta de mana não mergulhou imediatamente no túnel, eu só poderia


presumir que ela também não tinha notado.

O túnel estava muito longe. Como uma aumentadora, eu só poderia enviar


mana para muito longe de mim. As balas simplesmente não tinham energia
para causar barulho suficiente para chamar a atenção da besta.

Um grito choroso veio do túnel vertical atrás de mim, fazendo com que a
cabeça e as antenas do devastador girassem naquela direção.

O túnel que eu escolhi para minha distração ficava do outro lado da caverna
de entrada, o mais longe possível. Eu queria conduzi-lo para mais longe de
onde eu precisava escapar, mas havia outros túneis mais próximos.

Antes que o devastador pudesse decidir retornar à sua armadilha e ter a elfa
para um lanche, enviei três balas rápidas de ar no túnel lateral mais próximo.

O primeiro atingiu o solo bem em frente à entrada do túnel, levantando um


jato de terra solta. O segundo atingiu a parede do túnel um momento depois
e o terceiro bateu no telhado a cerca de seis metros.

O devastador estava se movendo antes mesmo que a terceira bala atingisse,


desenrolando seu longo corpo e enchendo a caverna com o som de centenas
de passos rápidos.
Disfarçada pelo barulho, corri em direção à saída e comecei a pular pelo túnel,
cada salto fortalecido por mana girando em torno de minhas pernas.

A garota ainda estava presa nas teias, mas fiquei surpresa ao ver quatro
trepadeiras descendo da floresta acima, serpenteando através da teia para
envolvê-la, tentando puxá-la para fora.

Passei por ela e saí da boca da caverna. Agarrando a videira mais espessa, que
estava enrolada em sua cintura, eu puxei.

Cordas pegajosas de teia do devastador agarraram-se a ela mesmo quando foi


levantada da caverna e colocada suavemente em um dos grandes troncos que
obscureciam a armadilha. Assim que ela estava segura, as vinhas se viraram
em minha direção, tornando-se uma barricada que me separava da garota.

Ela estava olhando para mim com olhos arregalados e temerosos da cor de
hortelã fresca. Seu rosto magro e anguloso estava manchado de sujeira e
sangue e seu cabelo loiro brilhante era um emaranhado de folhas, galhos e
teias.

Muito baixinho, eu disse. “Não há tempo. Precisamos ir.” Gesticulei para que
ela me seguisse.

Ela não se moveu.

Dei um passo em sua direção, mas uma das trepadeiras me atingiu como um
chicote. Meu antebraço se ergueu para bloqueá-lo e, quando ele se enrolou
em volta de mim, dei um puxão forte que partiu a videira ao meio.

A garota se encolheu e tentou se afastar de mim, mas sua palma escorregou


contra o musgo escorregadio que cobria o tronco e ela caiu para trás com um
grito curto e agudo.

Um instante depois, o som estrondoso de algumas centenas de pernas


puxando um corpo blindado de quinze metros de comprimento veio de lá
debaixo.

Mal tive tempo de saltar para os galhos inclinados sobre a abertura da caverna
antes que o devastador saísse de seu buraco. Eu não fui cuidadosa, saindo do
meu caminho para quebrar alguns dos galhos magros enquanto subia na
árvore, fazendo o máximo de barulho possível.

O devastador foi rápido em me seguir, seu corpo comprido subindo cada vez
mais alto para fora do buraco, então se inclinando na árvore com o estrondo
de galhos quebrando. As mandíbulas em forma de foice se fecharam com um
estalo retumbante poucos metros abaixo de mim.

No chão da floresta, a garota estava fugindo, colocando distância entre ela e


a batalha.
Plantei meus pés firmemente na base de um galho grosso, dei um salto
aprimorado por mana, que me levou quase seis metros até a árvore, me dando
um segundo para respirar.

O devastador havia se retirado inteiramente do túnel e se enrolado no tronco


da árvore para continuar subindo atrás de mim. Houve um gemido quando as
raízes se soltaram do solo e a árvore tombou perigosamente para o lado,
incapaz de suportar o corpo da enorme besta de mana.

Ele nos seguiria se eu pulasse e fizesse uma pausa? Mesmo que não
acontecesse, quanto tempo teria antes que o devastador encontrasse a
Muralha? Ele poderia cavar bem sob a barreira externa e ir direto para a
cidade.

Seria um massacre.

As antenas estavam quase no meu nível, balançando para frente e para trás
enquanto sentiam por mim.

Senti meu rosto se contorcer em um grunhido de concentração quando caí do


galho em que estava, com as adagas prontas. Quando passei pela cabeça da
besta, lancei as adagas gêmeas para fora, cada uma se movendo em um arco
suave que cortou uma das antenas longas.

A carne emborrachada se partiu facilmente, mas as mandíbulas se fecharam


como uma armadilha com mola, pegando alguns fios do meu cabelo e
arrancando-os da minha cabeça enquanto eu passava por ele. Soltando um
grito de raiva, virei as duas adagas e as enfiei na parte de baixo do devastador,
que não tinha uma blindagem grossa como as placas em suas costas.

Um barulho estridente como o de uma cigarra gigante fez meus dentes


rangerem, mas segurei firmemente as alças de minhas adagas enquanto
continuava a deslizar pelo corpo do devastador, abrindo dois longos cortes em
sua barriga.

Sangue amarelo e viscoso caiu ao meu redor como chuva. O barulho ficou tão
alto e tão terrível que pensei que iria desmaiar. De repente, fui esmagada pela
besta de mana e a árvore, me deixando atordoada.

Então, eu estava caindo de novo, cercada por madeira lascada e a carne


vermelha profunda do devastador.

O grito da besta de mana tirou todos os pensamentos da minha cabeça. Eu não


conseguia nem me concentrar o suficiente para usar mana, então caí
livremente até atingir o chão com um baque de quebrar os ossos. Uma dor
distante puxou meu lado esquerdo e eu me perguntei preguiçosamente
quantas costelas eu havia quebrado. A queda do corpo segmentado e
chapeado do devastador atingindo o chão ao meu redor pareceu durar muito
tempo.
Deitada no chão da floresta, meus olhos fechados e ouvidos zumbindo, eu me
perguntei preguiçosamente se a garota elfa tinha sobrevivido. Sob o zumbido
insistente deixado para trás pelo grito de ataque do devastador, a floresta
parecia silenciosa. Nenhum ruído da besta era um bom sinal, pelo menos.

Finalmente, depois de alguns segundos ou minutos, tentei rolar para o lado e


sentar-me. Uma dor profunda e surda abaixo das minhas costelas me tirou o
fôlego, me forçando a deitar.

Soltei um suspiro sibilante e timidamente movi uma mão para o local, algo
estava saindo do meu lado.

Com esforço, forcei meus olhos a se abrirem e olhei para mim mesma.

O ferrão farpado de uma das caudas de escorpião havia perfurado minha parte
inferior das costas, perfurando todo o meu corpo para se projetar para fora da
minha frente.

“Merda”.

Eu sabia que precisava me livrar do ferrão, mas era mais fácil falar do que
fazer.

Examinando o chão ao meu redor, vi uma das minhas adagas presa na terra a
vários metros de distância. Muito longe para eu alcançar.

Eu agarrei a ponta farpada da cauda e tentei quebrá-la com a mão, imbuindo


mana em meus braços para me dar força, mas não consegui.

“T-Tem alguém aqui?”

A voz leve e assustada veio do outro lado da montanha de carne do


devastador.

“Você está viva.” Eu disse, o movimento dos meus músculos ao redor do ferrão
da besta mana causando uma nova onda de agonia que se espalhou pelo resto
do meu corpo. “Isso é bom.”

“Seu jeito de falar… você está ferida?”

“Eu vou ficar bem.” Eu gemi, sem ter certeza se era verdade. “Você pode vir até
mim?”

Eu ouvi rangidos, como árvores soprando no vento, então senti os passos da


garota se aproximando.

“Meu Deus—”

Sem dizer nada, apontei para onde a adaga estava espetada no chão macio.
A garota correu até ela e voltou, segurando-a com cuidado.

Pegando-a, comecei a serrar o ferrão duro como uma pedra, tentando remover
a farpa para que pudesse me libertar. Depois de alguns segundos, percebi que
meus músculos estavam cansados, tão cansados que eu estava tendo
dificuldade em segurar a lâmina.

Minha respiração estava superficial e eu podia sentir o calor irradiando do


meu peito e pescoço.

“Veneno.” eu disse suavemente, deixando meus braços relaxarem por apenas


um segundo.

Os olhos arregalados da garota de alguma forma ficaram ainda mais


arregalados e ela estendeu a mão trêmula em direção à adaga. “Eu p-posso
tentar…”

Bufando, voltei a serrar o ferrão o melhor que pude. Era quase tão grosso
quanto meu pulso e tão duro quanto um chifre. Em outras circunstâncias,
provavelmente poderia ter feito isso sem muitos problemas, mas do jeito que
as coisas estavam, eu sabia que havia uma chance real de morrer do veneno
antes que pudesse me libertar.

A garota observou por um tempo, seus enormes olhos cor de menta olhando
para mim, lágrimas fazendo-os brilhar mesmo na penumbra. Eu resisti ao
desejo de gritar com ela, economizando minhas forças para o trabalho. Depois
de um minuto, ela pareceu sacudir de um estupor e começou a correr, olhando
para o chão da floresta.

“O que você está fazendo?” Eu rebati, incapaz de esconder minha irritação. Eu


não posso nem mesmo morrer em paz? “Olhando.” Ela atirou por cima do
ombro, então eu a perdi de vista.

Meu cérebro cansado e envenenado não conseguia pensar em mais nada


desagradável para dizer, mas um estalo do ferrão do saqueador me reorientou.
Eu cortei um pouco mais da metade.

Com a lâmina ainda alojada no ferrão preto para continuar a cortar, agarrei a
ponta parcialmente cortada e levantei. Ela torceu, lascando e quebrando, e
então, finalmente se soltou.

Várias gotas de uma gosma preta e espessa pulsaram da extremidade


decepada.

Não querendo me envenenar mais, eu arranquei um pedaço da minha camisa


e enxuguei o máximo de veneno que pude, então comecei a deslizar pelo
ferrão até senti-lo escorregar pelas minhas costas.
Minhas pernas tremiam e tudo doía, então me sentei novamente, uma mão
sobre o buraco em minha barriga. O sangue corria livremente pelos meus
dedos.

“Escute.” Eu disse quando ouvi passos apressados se aproximando. “Há um


lugar para onde você pode ir. A Muralha. Não é muito longe daqui.” Minhas
palavras foram ligeiramente arrastadas.

O cabelo brilhante da garota balançou quando ela se ajoelhou na minha frente


e começou a enfiar algo na ferida. “Vire um pouco para que eu possa pegar as
costas também.”

Fiz isso, embora não conseguisse processar o que ela estava fazendo, então
continuei a lhe dar instruções.

“Siga direto para o oeste, depois siga as montanhas para o sul. A apenas
algumas horas de distância.”

Depois que ela terminou com minhas costas, a garota se moveu para se sentar
na minha frente e me entregou três pequenas cápsulas verdes. “Aqui, mastigue
isso. Depressa.”

Eu levantei uma sobrancelha e olhei para os frutos, cada um do tamanho do


meu polegar.

“Até as sementes. Eles são um antiveneno natural e as folhas de ocimum vão


parar o sangramento.”

Com um encolher de ombros, coloquei as três vagens de sementes em minha


boca e mastiguei rapidamente. Cada uma continha dezenas de sementes
minúsculas com um sabor levemente adocicado de nozes.

A garota colocou uma das mãos no meu ombro e empurrou levemente. “Deite-
se e descanse. Deixe sua mana curar você. E-Eu ficarei de guarda, ok?”

O tremor em sua vozinha não trazia confiança alguma, mas se seu remédio não
funcionasse, eu iria morrer de qualquer maneira, então me sentei no chão e
fechei os olhos novamente.

“Eu me chamo Camellia, e aliás. Obrigada. Obrigada por me salvar.” “Me chamo
Jasmine…” murmurei cansada.

Capítulo 7
Chega de Se Esconder

MICA EARTHBORN
“Mica está ridícula.” Eu resmunguei, olhando no espelho enquanto me virava
para me ver de vários ângulos.

Nós voamos da Clareira das Bestas para Greengate durante a noite, entrando
sorrateiramente na cidade nas primeiras horas da manhã. Não havia sinal dos
alacryanos, então entramos em uma casa abandonada para esperar.

Pelo menos, pensamos que estava abandonado até que encontramos o


cadáver de uma jovem pendurado em uma viga exposta na cozinha. Varay a
cortou, nós a colocamos na cama de solteiro da casa e a cobrimos com um
cobertor. Depois de cantar uma canção de morte dos anões, nós a deixamos
descansar.

Era um início sombrio para nossa missão.

Nós nos escondemos dentro da casa da mulher morta por dois dias antes que
os alacryanos chegassem. Foram dois dias calmos e reflexivos. Varay havia
percorrido círculos intermináveis e inquietos ao redor da casa enquanto Aya
sentava e observava por uma fresta na janela fechada. Eu disse a ela que isso
era desnecessário, pois sentiríamos no momento em que um funcionário
aparecesse na cidade, mas, surpreendentemente, ela não me ouviu.

Passei o tempo pensando. Foi uma pena perder um tempo de qualidade que
eu poderia ter gasto atormentando as outras lanças, mas a descoberta do
corpo da mulher tinha sido uma espécie de tapa na cara, um lembrete do custo
desta guerra. Como general, eu me acostumei com a visão de corpos de
soldados espalhados pelo campo de batalha, mas essas nunca foram as únicas
vítimas.

Quem ela perdeu na guerra? Eu me perguntei. Quem é a pessoa a fez se matar


por sentir tanta saudade?

Os nomes dos mortos zumbiam em minha cabeça como tambores de barril.


Olfred, Dawsid Greysunders, Glaundera Greysunders, Rahdeas, Alea Triscan,
Bairon Wykes, Virion Eralith, Arthur Leywin. Meus amigos, meus
companheiros… e quantos aos outros de Darv? E os anões que eu conhecia de
Vildorial ou do Instituto Earthborn? Como deve estar a minha família? Havia
tantos rostos que eu nunca veria novamente, vozes que eu nunca mais ouviria.
Eu corria o risco de ficar bastante deprimido quando finalmente sentimos a
reveladora onda de mana anunciando a chegada do retentor.

“Por que Mica tem que usar as roupas dessa mulher morta, de novo?” Eu
perguntei, ainda me examinando no espelho.

“Quero ver o que enfrentaremos antes de arriscar um ataque.” Respondeu


Varay. “Se marcharmos até lá vestidas como lanças, eles atacarão
imediatamente ou fugirão, mas não queremos que nenhuma dessas coisas
aconteça.”

Varay e Aya também trocaram suas armaduras por roupas simples e mantos
com capuz. Ambos eram mais próximas do tamanho do dona anterior e
conseguiram evitar parecer completamente estúpidos. A túnica de Aya talvez
estivesse um pouco esticada e as calças de Varay acabavam acima do
tornozelo, mas a única coisa na casa que me servia era uma túnica de homem
que encontramos amarrotada na parte de trás do guarda-roupa.

“Parece um saco de batatas.” Disse eu, mantendo meu fluxo constante de


reclamações. “Mica deveria ser a fofa, não a desalinhada e atarracada.”

Aya zombou. “Ninguém vai se lembrar do que estamos vestindo. Agora vamos—

Ela ficou em silêncio enquanto algo fazia as partículas de mana ao nosso redor
vibrarem sutilmente. Uma voz melosa vinha de fora. “Povo de Greengate. Sua
presença é obrigatória na praça da aldeia. Vocês tem dez minutos.”

Nós três trocamos um olhar e provavelmente tivemos o mesmo pensamento.

“Suprimam suas assinaturas de mana. Vamos lá.”

Aya e eu seguimos Varay para fora e rua abaixo. A casa da mulher morta ficava
perto do limite oeste da aldeia, então foi fácil misturar-se à multidão de
habitantes confusos que caminhavam lentamente em direção à praça.

O medo deles era óbvio, mas não os culpei por isso. Eles teriam sido estúpidos
em não ter medo, considerando o que os esperava. Mesmo assim, eu sabia que
eles ficariam realmente surpresos quando as lanças aparecessem de repente.
Com nossos rostos escondidos sob nossos capuzes, tive que segurar a barra
da minha capa para evitar que se arrastasse no chão, seguimos junto com os
fazendeiros de rostos pálidos e silenciosos até que nos encontramos em uma
ampla praça.

A multidão estava em torno de uma coluna de pedra que se erguia três metros
acima das pedras. Um anel de magos alacryanos guardava a coluna, mas os
olhos de todos estavam na mulher que estava em cima dela.

Ela estava vestindo o uniforme cinza e vermelho de Alacrya. Seu cabelo era da
cor do fogo e parecia mover-se com vida própria, como a chama de uma vela
bruxuleante. Ela olhou para a multidão com um sorriso sutil enquanto cruzava
suas mãos.

A retentora estava deixando sua intenção pressionar as pessoas abaixo dela.


Não era uma intenção assassina e esmagadora, mas que não podia ser
combatida por eles. Para esses humildes fazendeiros, ela deve ter se sentido
uma divindade.

Mas eu já vi coisa muito melhor.

Ela era bonita, com certeza, e ela era poderosa o suficiente, qualquer feitiço
de desvio de som que ela usou para projetar sua voz do jeito que ela fez era
legal, mas ela não era assustadora.

Enquanto o silêncio durava, eu examinei os magos com ela, mas eles não eram
nada de especial. Apesar de serem soldados de alto escalão com várias runas
exibidas ao longo de suas costas, eles estavam lá mais para exibição do que
para segurança. Não é como se os aldeões fossem uma ameaça a retentora.

Parece muito fácil, pensei, as palavras de Aya sobre isso ser uma armadilha
voltando para mim.

Fechando os olhos, tateei a cidade em busca de qualquer outra assinatura de


mana, mas o único mago que pude sentir foi um homem velho na multidão,
que parecia que uma forte rajada de vento poderia levá-lo até a Muralha.
Um mago suficientemente poderoso, como outro retentor, poderia esconder
sua assinatura de mana, portanto, não rejeitei inteiramente a possibilidade de
algum tipo de armadilha.

Não seria tão ruim, pensei preguiçosamente. Como uma venda dois retentores
alacryanos por um. Dois coelhos, uma cajadada só.

“Povo de Greengate.” As palavras escorreram em meus ouvidos como mel. Que


nojo. Enfiei um dedo no ouvido como se pudesse para de ouvir a voz da mulher.
“Vocês já sabem que seu Conselho se foi, seus exércitos foram destruídos e
seus guerreiros mais poderosos o abandonaram. O castelo voador é nosso.
Xyrus, Blackbend, Etistin, Vildorial, Zestier… todos de Sapin, Elenoir e Darv são
nossos. Mas não se desesperem, pois não viemos como saqueadores.”

Ela deu à multidão uma pausa treinada, deixando que isso chegasse no fundo
de seus corações e mentes.

Quando ela falou novamente, sua voz se suavizou em um tom caloroso e


acolhedor. “Não viemos aqui como colonizadores, mas como salvadores. Vocês
conhecem os asuras, os seres que muitos veneram como divindades. Disseram
que eles cuidam de vocês, mas isso é mentira. Os asuras abandonaram vocês,
eles abandonaram todos nós… exceto um. Um desses seres se preocupa com
vocês e é pela vontade de nosso Alto Soberano, um verdadeiro asura, que
Alacrya venceu esta guerra. Tínhamos que vencer, para que pudéssemos
mostrar a vocês essa verdade.”

A retentora fez uma pausa novamente, como se ela esperasse a explosão de


resmungos que se seguiu às suas palavras.

Encontrei os olhos de Varay, ansiosos para calar a boca da mulher alacryana,


mas ela balançou levemente a cabeça. Rangendo os dentes, voltei-me meu
olhar para a retentora, esperando para ver que outras mentiras derramariam
de seus lábios vermelhos.

“Meu nome é Lyra Dreide. Eu vim aqui para estender a vocês a boa vontade do
Alto Soberano, para expressar que é hora de superar nosso conflito e estender
um ao outro as mãos da amizade.”

“É com ‘amizade’ que você tortura alunos em Xyrus?”


Um silêncio caiu sobre a multidão enquanto todos olhavam em volta para ver
quem havia falado. Um pequeno grupo de pessoas apavoradas estavam se
afastando de um jovem loiro, deixando-o isolado e abandonado sob o olhar
firme da retentora.

O orador parecia menos confiante agora que o foco da retentora caíra sobre
ele, mas ele seguiu em frente mesmo assim. “É com amizade que vocês
separam nossas famílias, fazendo com que qualquer um que te desafie, que
enfrente as coisas horríveis que você faz, desapareça no meio da noite?”

O olhar de Lyra Dreide varreu de volta a multidão silenciosa, sua expressão era
suave. “Sempre haverá aqueles que recusarão a paz que oferecemos, mas para
o bem de todos, os agentes do caos e da ruptura devem ser tratados com
firmeza.”

O chão tremeu quando um pilar de terra se ergueu sob os pés do jovem,


levando-o para o alto e causando pânico. A multidão lutou para se afastar
ainda mais.

“Não tenho prazer em praticar esse tipo de violência.” Continuou a retentora.


“Mas a paz só pode ser mantida através da aplicação cuidadosa da força. Peço
que todos observem e lembrem-se do destino deste homem.”

Eu encontrei os olhos de Varay novamente e arregalei os meus próprios como


se dissesse: “Mica pode derrubar essa alacryana safada com língua de cobra
de seu pedestal, né?” A lança humana me deu um aceno de cabeça afiado
antes de se lançar no ar, colocando-se entre a mão estendida da retentora e o
garoto loiro da fazenda.

Todos congelaram e tudo ficou congelou.

Aldeões aterrorizados olharam para Varay com expressões de confusão e


choque. Os lábios pintados de Lyra Dreide se curvaram para baixo em uma
carranca profunda. O anel de soldados ativou suas runas enquanto avançavam
com as armas em punho.

“Cada palavra que você fala está carregada de mentiras.” Disse Varay
friamente. “Você é uma mentirosa e uma assassina.
Eu sou Varay Aurae e não vou deixar você machucar outro dicatheano.”

Lyra Dreide alisou o uniforme e se endireitou. “Varay Aurae, codinome Zero.

Você e seus associados, Mica Earthborn, Ohmwrecker; Aya Grephin, Phantasm;


e Bairon Wykes, Thunderlord, são fugitivos procurados pelo Alto Soberano. Vou
permitir que você tenha uma chance de se entregar pacificamente.”

Soltei uma risada feliz antes de voar alguns metros acima do solo. “Bem,
mentirora Deides.” Bufei com a minha própria pronúncia errada do nome dela.
“Nós a acusamos de ser incrivelmente burra!”

Ela fez uma careta para mim antes de examinar rapidamente a multidão até
encontrar Aya também. “Três das famosas lanças juntas em um só lugar. É o
meu dia de sorte, eu acho.” “Não é não, alacryana burra.” Respondi
alegremente.

A retentora caiu sobre um joelho e seus guardas foram arrancados do chão


para se chocar contra a coluna em que ela estava enquanto ela se tornava sua
própria fonte de gravidade. Um escudo cilíndrico de gelo de pelo menos trinta
centímetros de espessura condensou-se ao redor da coluna e dos alacryanos,
separando-os da multidão, e então, uma névoa rastejante se espalhou do solo
sob seus pés, subindo pelas pernas e torsos dos soldados.

Gritos e o crepitar de feitiços ecoaram do escudo gélido enquanto os


alacryanos tentavam se opor aos nossos ataques, mas seus feitiços apenas
ricochetearam neles e os soldados rapidamente se viraram enquanto as
ilusões de Aya se infiltravam em suas mentes. A cidade inteira parecia prender
a respiração enquanto assistia à carnificina que se desenrolava, mas foi de
curta duração. Em instantes, os soldados estavam todos mortos.

No topo do pilar, Lyra Dreide se levantou lentamente. Eu liberei o feitiço da


gravidade e tentei empurrar seu controle da coluna de pedra e transformá-la
em areia, mas ela segurou a estrutura contra mim.

O pilar gêmeo, onde ela deteve o jovem que falou contra ela, desmoronou em
vez disso, fazendo-o despencar nos restos irregulares. Eu pensei que ele seria
empalado nos escombros, mas Aya o agarrou pelas costas de sua túnica no
último momento.
O escudo de gelo explodiu com um estrondo ensurdecedor, enviando
estilhaços afiados para a multidão. Varay gritou enquanto ela forçava os
projéteis a explodirem em uma rajada de neve derretida inofensiva, mas não
antes de vários aldeões caírem no chão com gritos de dor.

Muitas oportunidades para danos colaterais. “Corram, seus pedaços de


carvão!” Eu gritei, encorajando a multidão a sair.

Um globo azul cintilante apareceu ao redor da retentora enquanto Varay se


concentrava em outro feitiço. O ar lá dentro ficou tão frio que a umidade
começou a condensar e esvoaçar como grandes flocos de neve, mas o vapor
estava subindo da pele da retentora.

“Ela está combatendo nossos feitiços!” Eu gritei, me abaixando e enfiando


minha mão no chão. Uma enorme maça de pedra se formou em meu punho.
Apesar da arma ter a metade da minha altura, a manipulação da gravidade em
torno dela a fez parecer leve como uma pena.

Esperei até que a superfície da bolha congelada estourasse antes de me lançar


na retentora, minha maça gigante arqueando no ar. Antes de alcançá-la, no
entanto, algum tipo de vibração separou minha arma, deixando-me segurando
nada além de um punhado de areia.

Então, em vez disso, dei um soco nela.

Sua cabeça balançou para trás quando meu punho fez contato com seu nariz,
mas sua perna estava indo em direção ao meu joelho ao mesmo tempo. Eu me
tornei pesada o suficiente para que meus pés rompessem a coluna, e quando
o chute dela me acertou, ele ricocheteou novamente.

Eu dei a ela o que considerei meu sorriso mais frustrante antes de o pilar
abaixo de mim desmoronar, me enviando para o chão como uma pedra
catapulta devido ao meu peso. Junto com quinhentos quilos de rocha, colidi
com os restos mortais dos soldados alacryanos, transformando-os em polpa
vermelha.

“Eca,” eu gemi enquanto puxava um pedaço de algo molhado do meu cabelo.


Acima de mim, dois feitiços de gelo diferentes colidiram com a retentora, que
estava flutuando em uma corrente de mana de atributo do vento. Eu era capaz
de ver as vibrações, como linhas pretas onduladas escritas no ar, enquanto
faziam o gelo se quebrar antes de alcançá-la.

Lyra Dreide parecia ter um controle muito preciso de mana, influenciando


diretamente para neutralizar nossos feitiços, em vez de lançar seus próprios
feitiços, o que lhe permitia neutralizar sutilmente quase tudo que estávamos
jogando contra ela.

Procurando mana de terra nos pedaços de pedra ao meu redor, eu os enviei


de volta para o céu. Em vez de se desintegrar, uma rajada de vento girando os
pegou e os jogou pela praça da cidade, de modo que choveram sobre a
multidão que se retirava.

Oops.

“Cuidado com os aldeões!” Varay gritou.

“Aff, que merda.” Eu murmurei enquanto me puxava para fora dos escombros.

Vendo nossa hesitação, a retentora soltou uma risada que ressoou por toda a
cidade, rolando sobre si mesma, crescendo em onda após onda de barulho
que cresceu até o vidro estourar e a madeira estilhaçar.

Eu coloquei minhas mãos em meus ouvidos, mas parecia que o barulho estava
dentro da minha cabeça. Eu podia sentir meus ossos doendo com isso, meu
batimento cardíaco saltando com o ritmo da risada, mas então ela se foi.

Varay foi igualmente afetada, fiquei feliz em ver, mas Aya foi capaz de conter
o feitiço desviante com um dos seus próprios. Mica não pode ser a lança mais
fraca. Isso seria humilhante. Ao contrário de nós três, os aldeões que ficaram
na praça da cidade não tinham mana para se protegerem contra os ataques.
Cada um deles desabou no chão e eu não poderia ter certeza se eles estavam
vivos ou mortos.

Embora o ataque tenha sido eficaz, parecia ter esgotado nossa oponente. Lyra
Dreide desabou, o cabelo rebelde caindo frouxamente em volta do rosto
amuado, os braços pendurados ao lado do corpo.
“Cylrit, seu arrombado, onde em nome dos Vritra você está?” Ela murmurou,
sua voz ecoando pela praça em seu próprio feitiço do vento.

“As coisas não estão indo como planejado?” Eu zombei, enfiando meus
polegares no cinto grosso que eu usei para manter meu saco de batata de uma
roupa junta e olhando para ela como se eu não tivesse nenhuma preocupação
no mundo. Não havia motivo para ela saber que seu feitiço havia me deixado
com um assobio persistente em meu ouvido esquerdo, que achei que poderia
ter um pouco de sangue escorrendo dele.

“Chega de conversinha fiada.” Aya estalou da minha esquerda. “Vamos


terminar isso!”

A retentora rosnou, sua arrogância e porte real se foram. “Vocês vão se


arrepender de terem saído do esconderijo, lanças. Da próxima vez, não estarei
sozinha.”

“Na próxima vez?” Eu perguntei, inclinando minha cabeça para o lado


questionadoramente. “É algo bem fofo achar que vai haver uma próxima vez.”

As linhas pretas irregulares de seu feitiço protetor rasgaram o ar ao seu redor,


formando uma barreira sólida.

Aya lançou uma barragem de chakram redondo formado a partir do vento


condensado que girava, cortava e girava ao redor do campo de batalha,
atingindo Lyra Dreide de todas as direções, mas eles se dissiparam assim que
passaram pelas vibrações. Varay conjurou uma tempestade de balas
congeladas que deveriam ter rasgado a retentora, mas nenhuma conseguiu
passar.

Lyra Dreide gritou. Ao contrário da risada, que era uma onda ondulante de
construção, ruído debilitante, esta foi uma única nota aguda que cortava como
uma faca. Eu me envolvi em mana, reforçando a camada dura que já grudava
na minha pele e Aya conjurou uma névoa espessa que vibrava com um tom
baixo para conter o ataque, mas ainda assim era o suficiente para tirar o fôlego
de meus pulmões.

Atordoada, olhei para a retentora.


Dentro de sua gaiola, Lyra Dreide puxou algum tipo de dispositivo de um anel
dimensional. Não consegui ver claramente através das ondulações negras no
ar, mas experimentei um momento de vago reconhecimento antes que se
encaixasse no lugar. Eu tinha visto algo assim anos antes, na Academia Xyrus.

“Ela está tentando fugir!” Varay gritou, chegando à mesma conclusão que eu:
a retentora tinha algum tipo de dispositivo de teletransporte e ela estava
tentando ganhar tempo suficiente para ativá-lo.

“Como podemos quebrar essa barreira?” Aya gritou enquanto redirecionava a


névoa para condensar em torno da magia da retentora, mas ela sibilou e
estourou ao passar pelas vibrações, dissipando-se sem causar danos.

Pisquei para o lança elfa. “Deixe isso para Mica.”

Lyra Dreide havia neutralizado facilmente todos os nossos feitiços que


utilizavam gelo, vento ou solo, mas ela definitivamente lutou para escapar do
aumento da gravidade que eu criei. Parecia provável que ela não pudesse
contrariar todo tipo de magia e eu conhecia exatamente o feitiço perfeito. Se
funcionasse contra uma foice…

Focalizando alguns metros acima da barreira, comecei a condensar a


gravidade em um único ponto. Meus ouvidos zumbiam e suor corria em meus
olhos enquanto concentrei todas as minhas capacidades prodigiosas naquele
feitiço, deixando a mana jorrar do meu núcleo o mais rápido possível.

Em segundos, a atração gravitacional do feitiço Singularidade foi forte o


suficiente para que a retentora notasse. Seu cabelo flamejante estava
queimando de sua cabeça e ela estava sendo jogada ao redor na corrente de
ar que a mantinha em vôo, enquanto ela lutava para manter sua concentração,
ela tentava ativar o artefato de teletransporte.

As vibrações visíveis ao redor dela começaram a se distorcer, perdendo sua


forma quando a barreira desabou sob a pressão do buraco negro. Toda a
barreira estava sendo puxada para cima, mas Lyra Dreide não podia se deixar
levar por ela ou seria atraída pelo feitiço e esmagada.

Não era exatamente isso que estávamos tentando alcançar, mas se


acontecesse… tudo bem.
Varay e Aya ficaram por perto, com seus feitiços prontos, e quando a gaiola de
mana vibrante estourou, como a casca sendo arrancada de uma laranja, as
duas atacaram. Uma bala de vento perfurou o artefato de teletransporte
apenas um instante antes de um bloco retangular de gelo transparente se
formar ao redor da retentora, encapsulando-a dentro.

O bloco ficou suspenso no ar por um momento antes de cair no chão com um


baque pesado. Dentro dele, Lyra Dreide estava perfeitamente presa, incapaz
de se mover um centímetro. Seus olhos dispararam ao redor, inconstantes e
selvagens de medo e frustração.

Eu podia ver seus lábios se movendo quando ela começou a implorar por
misericórdia, ou nos amaldiçoar, era difícil dizer, mas nenhum som escapou
da prisão gelada.

“Isso é maravilhoso. Como se chama?” Perguntei a Varay casualmente, pulando


para ficar no topo do bloco de gelo e fazendo uma pose apropriadamente
vitoriosa.

“Frozen Tomb.” Disse ela, seu olhar varrendo a praça da cidade destruída.

“Isso não é muito bom, não é?” Eu perguntei. “Mica inventou este feitiço
chamado Black Diamond Vault. Esse é um bom nome para feitiço. Agrad—”

“Mica?”

“Hm?”

“Vá ajudar Aya a verificar os aldeões.”

Eu ignorei o tom gelado na voz de Varay e abri um sorriso para ela enquanto
voava em direção ao corpo mais próximo. Quando eu o cutuquei, ele gemeu e
lutou para se sentar direito. Era o jovem que foi corajoso, ou estúpido, o
suficiente para desmentir as falas da retentora.

Vendo que ele não estava morto, dei-lhe um tapinha amigável nas costas. “Não
tenho certeza se você pode me ouvir, considerando o sangue que sai de seus
ouvidos, mas você está vivo. Parabéns!” Eu o deixei com uma piscadela e fui
para o próximo, assobiando alegremente.
Capítulo 8
Pobre e Mais Pobre

JASMINE FLAMESWORTH

Puxei a porta da pousada e empurrei a elfa na minha frente, esperando que a


visão dela pudesse afastar qualquer reclamação de Dalmore.

O estalajadeiro semicerrou os olhos para nós, então seu rosto franziu


profundamente e ele revirou os olhos. “Não, Jasmine, nós já…” A voz do barman
atarracado foi sumindo enquanto ele encarava a elfa faminta. “Não me diga
que você sequestrou uma criança!”

Eu não pude evitar meu bufar de desgosto quando a garota olhou para mim
alarmada.

“Seu velho idiota, Dalmore. Ela estava perdida e sozinha na floresta.” Quando
ele apenas continuou olhando, eu estalei meus dedos. “Ela precisa de comida
e algo para beber.”

Dalmore se encolheu como se eu tivesse ameaçado bater nele, então


desapareceu na pequena cozinha atrás do bar. Os outros dois clientes na
pousada nos observaram com curiosidade, mas eles rapidamente se viraram
quando eu os encarei.

Balançando a cabeça, levei a garota para a mesa mais próxima e gesticulei


para que ela se sentasse, então me sentei em frente a ela.

Nossa caminhada de volta da Clareira das Bestas tinha sido rápida e silenciosa
por necessidade, pois eu estava fraca, sem condições de proteger uma criança
das bestas de mana se atraíssemos a atenção para nós mesmas.

Os remédios da garota me impediram de sangrar até a morte ou entrar em


falência múltipla dos órgãos por causa do veneno, mas uma vez que eu me
recuperei o suficiente para voltar a ficar de pé, eu colhi as mandíbulas do
devastador, uma boa quantidade de veneno, dois coletes de seu exoqueleto
que ficavam em suas costas e seu núcleo, que era tudo que eu poderia colocar
em meu anel dimensional.

Eu esperava que o devastador pudesse ser comestível, mas as paredes grossas


da carne macia sob a carapaça foram devastadas e eu estava preocupada que
a carne fosse venenosa, então nós a deixamos para as outras bestas de mana
devorarem.

A fadiga irritante se instalou em todos os músculos do meu corpo, tudo que eu


queria era uma bebida forte, um banho quente e vários dias de descanso bem
merecido.

“Jasmine?”
Percebendo que estava olhando para a mesa por pelo menos alguns minutos,
olhei para cima e encontrei aqueles olhos verdes claros. “Hm?”

“É… tem algum outro elfo aqui?” Sua voz era apenas um sussurro e carregava
uma ansiedade intensa. Eu neguei com a cabeça. O lábio inferior da elfa
tremeu.

Dalmore apareceu da cozinha com uma tigela grande e fumegante e uma


caneca. Ele os colocou cuidadosamente na mesa, então se sentou, com seu
olhar de preocupado focado na garota.

Ela olhou para mim em busca de confirmação antes de tomar um gole


cuidadoso da tigela. Uma pequena carranca cruzou seu rosto sujo, mas ela
continuou comendo.

“Então.” Dalmore começou, me olhando com o canto do olho “O que


aconteceu? Quem é você?”

“Meu nome é Camellia Lehtinen.” Respondeu a garota enquanto comia.


“Obrigada pela comida, senhor.”

O rosto cansado de Dalmore se iluminou. “Senhor? Por favor, me chame de Dal.

A garota apenas sorriu e continuou bebendo seu caldo. Quando ela tomou um
gole da caneca, seus olhos se arregalaram. “Leite com mel!” Ela deu outro
grande gole e sorriu para Dalmore. “Obrigada, sen— Dal. É a minha bebida
favorita. Minha mãe costumava…”

O brilho momentâneo desapareceu da expressão da garota, e ela pousou a


caneca.

Dalmore deu um sorriso triste. “Vá em frente então, pequena. Nos conte sobre.
Isso ajuda.”

Ela enxugou as lágrimas. “E-Eu sou de uma pequena vila, perto de onde… eles
atacaram pela primeira vez. Meu pai e meus irmãos ficaram para lutar, com um
grupo liderado pela princesa Tessia, mamãe e eu… fomos com os outros,
evacuando mais ao norte, em direção a Zestier.

Mas nós fomos atacados por soldados que conseguiram cercar o grupo da
princesa e mamãe e eu nos separamos dos outros. Corremos muito e h-horas
mais tarde mamãe percebeu que tinha mudado e nos levado de volta para o
sul.

Tentamos encontrar nossa aldeia, mas eles encontraram a gente primeiro. Eles
nos perseguiram. Mamãe me disse para continuar correndo, e então e-ela…”

Quanto tempo se passou desde aquele ataque a Elenoir? Essa garotinha magra
como um graveto ficou lá fora, sobrevivendo sozinha, esse tempo todo?
Dalmore estava fazendo ruídos suaves, aparentemente fazendo o possível
para se acalmar. “Tá tudo bem, pequena. Você está segura agora. Ela, a
Jasmine, pode parecer ser grosseira e rude, mas ela vai cuidar bem de você.”

Eu lancei a ele um olhar assustado.

Eu? Cuidar de uma criança? Eu segurei um escárnio irônico.

Limpando minha garganta, eu disse. “Alguém precisa ajudá-la a encontrar


alguém de sua própria espécie…”

“Isso é uma ótima ideia.” disse Dalmore animadamente. “Mas primeiro, por que
não dar um banho quente, algumas roupas novas e uma cama para ela
descansar, né?”

Acenei lentamente em concordância, até que a elfa disse: ”Eu não posso pag—

O estalajadeiro cortou sua fala e disse por cima: “Por que você não arranja
roupas novas para o nossa nova amiga aqui? Eu já aproveito e acendo uma
fogueira embaixo da banheira.”

“Sim, tudo bem.” Eu murmurei, feliz por uma chance de ficar sozinha com meus
pensamentos, mesmo que eu prefira estar deitada em uma cama quente.

A garota me olhou nervosa. “Talvez eu deva ir com você em vez disso?”

Eu balancei minha cabeça com firmeza. “Não, você fica aqui com Dal. Não se
preocupe, ele é um bom homem e você estará segura aqui.” Eu lancei a ele um
olhar que disse a ele que é melhor ele cumprir a minha palavra. “Não vou
demorar muito.”

Ignorando o olhar da garota queimando minhas costas, eu rapidamente deixei


a pousada e me dirigi para outra taverna perto. Antes de mais nada, precisava
de uma bebida.

Que também estava silenciosa. Eu engoli duas canecas de cerveja antes de


colocar uma mandíbula manchada de sangue de um metro e meio de
comprimento no bar como pagamento, para desgosto do barman, e então
voltei para o ar frio da noite, me sentindo um pouco melhor.

De lá, eu vaguei pela cidade, sem pressa. O mercado estava fechando. Os


poucos mercadores e comerciantes que ficaram na Muralha tinham pouco para
vender e não se preocuparam em abrir lojas, em vez disso trabalhavam e
vendiam diretamente de suas casas.

Uma dessas mulheres, cujo marido era um soldado que ainda trabalhava aqui,
era uma costureira. Eu sabia que ela ainda ajudava a consertar as roupas,
então fui primeiro para a casa dela.
Eu nunca fui na casa dela antes, então demorei para vagar pela área
residencial e bater na porta errada duas vezes para encontrar a casa.

A mulher que atendeu era jovem, mas a vida de esposa de um soldado a


envelhecera prematuramente. Ela me olhou de cima a baixo e disse. “Desculpe,
senhorita. Não posso fazer muito por isso. Seria melhor comprar roupas
novas.”

Eu suprimi uma carranca e mexi na minha roupa e armadura ensanguentadas


e arruinadas. “Estou procurando roupas para uma garota, mais ou menos
dessa altura.” Levantei minha mão na altura do ombro. “E magra como um
graveto.”

A mulher me lançou um olhar avaliador. “Você tem dinheiro? Ou permuta,


talvez? Encontrar tecido decente para roupas novas não é fácil.”

Minha carranca escapou, apesar de meus melhores esforços. “Eu sou uma
maga poderosa. Talvez haja algo que eu possa—”

Ela já estava balançando a cabeça e fechando a porta lentamente. “Não há


necessidade de favores. Se você não tem nada para negociar, você não pode
me incomodar. Agora, boa noite, senhorita.”

A porta se fechou na minha cara antes que eu pudesse responder. Pensei em


chutá-la para baixo e dar à mulher miserável um tapa na cabeça, mas isso só
me levaria de volta à prisão.

Em vez disso, dei um passo para trás e apenas fiquei lá por um minuto.

O coaxar de uma tremonha de lama se ergueu da Clareira das Bestas além da


Muralha. O cheiro de carne sendo assada em uma fogueira espalhou-se pelas
ruas de uma das casas próximas. Alguém estava bêbado cantando uma música
lenta e triste que eu não conseguia ouvir direito.

Minha mente voltou à minha conversa com o capitão sênior. Mais


especificamente, para o homem que ele conheceu um pouco antes de mim: o
esmoler, Jeremiah Poor.

Eu nunca visitei o anão antes. Talvez fosse o lado Flamesworth em mim


aparecendo, mas eu não conseguia suportar a ideia de fazer caridade. Mas isso
não era para mim.

Isso deveria ter me deixado à vontade, mas não pude deixar de me perguntar
o porquê eu estava fazendo isso. A pequena elfa não significava nada para
mim. Eu já quase morri para salvá-la. E isso não era o suficiente? Eu não tinha
a intenção de me tornar sua guardiã quando a trouxe de volta para a Muralha.

Apesar de tudo, afastei-me da casa da costureira e dirigi-me para a Muralha.


Eu sabia que o esmoler tinha um escritório ali em algum lugar. Não demorei
para encontrar, pois o primeiro guarda que encontrei me abordou e exigiu
saber o que eu estava fazendo subindo as escadas para o interior da própria
Muralha.

O jovem, pouco mais que um menino, conduziu-me pessoalmente ao escritório


de Jeremiah Poor, olhando-me com desconfiança durante todo o caminho.

Encontramos Jeremiah ainda trabalhando arduamente, revisando listas de


itens escritos em longos rolos de pergaminho. Ele ergueu os olhos
imediatamente quando entramos e sorriu gentilmente. “Ah, Wendel. E a jovem
senhorita Flamesworth, também.” O anão levantou-se de um salto e fez uma
pequena reverência. “No que eu posso ajudá-los?”

“Eu encontrei esta bisbilhoteira.” O jovem guarda, Wendel, grunhiu, sacudindo


a cabeça em minha direção. “Dizendo que estava procurando por você.”

Eu dei ao guarda um aceno de desprezo antes de me concentrar em Jeremiah.


“Eu preciso de algumas roupas.”

Ele olhou para a minha roupa e armadura arruinadas. “Dá pra ver.”

“Para uma menina, dessa altura, ela é magra como uma vareta.”

O esmoler franziu a testa e olhou para sua lista. “Existem muitas roupas de
criança deixadas pelas pessoas que evacuaram, mas você se importa se eu
perguntar por que você precisa dessas coisas?”

Eu me irritei com a desconfiança flagrante, mas não podia realmente culpá-lo


por sua suspeita. “Eu encontrei uma refugiado élfica na Clareira das Bestas.”

O anão passou a mão pela barba rala, franzindo a testa de preocupação, mas
foi Wendel quem falou. “E você informou ao capitão sênior Albanth sobre isso?
Pode haver outros, nós devemos—”

“Não há nenhum outro, mas Albanth deveria ser informado. “Eu disse olhando
fixamente para ele. “Por que você não corre e cuida disso, Wendel? Avise o
capitão sênior que trouxe outra boca para ele alimentar e que alguém precisa
cuidar dela. Ela está na Pousada Underwall.”

O jovem soldado olhou de mim para o esmoler. Parecia que ele estava
pensando muito. Finalmente, ele acenou com a cabeça bruscamente, acenou
para Jeremiah e marchou rapidamente para longe.

Eu balancei minha cabeça e o esmoler riu.

“Ele é um bom rapaz. É um dos sete irmãos que serviram na Muralha.” Jeremiah
fez uma pausa e acrescentou. “E o único a sobreviver ao ataque da horda de
bestas”.
A dor do meu ferimento e o cansaço dolorido até os ossos começaram a me
afetar. Encontrei o olhar do anão e encolhi os ombros. “Muitas pessoas boas
morreram. Agora, você tem alguma roupa para a menina ou não?”

Capítulo 9
Risco Necessário

LILIA HELSTEA

Onde eles estão? Perguntei a mim pela decima vez.

Eu estava nas sombras do lado de fora da Casa de Leilões Helstea, observando


as ruas com certa impaciência. Eu estava errada em confiar neles para fazerem
isso para mim? De repente, meu plano parecia desnecessariamente arriscado.

Tudo isso teria sido muito mais fácil se seus pais estivessem dispostos a
concordar com isso.

Ouvi passos leves e corridos descendo a estrada e me aconcheguei mais


profundamente nas sombras. Duas crianças, ambas loiras e mais ou menos da
mesma altura, apareceram e soltei um suspiro de alívio.

Então mais três crianças apareceram atrás delas.

Inclinei-me para a rua e acenei para elas. Os gêmeos loiros, um menino e uma
menina, sussurraram algo para os outros e as cinco crianças correram
rapidamente em minha direção.

Eu tinha deixado a porta aberta e estava acenando para elas quando as vi na


rua. Dando uma última averiguada, fechei a porta e me virei para encarar meu
último grupo de refugiados.

Os gêmeos explodiram em euforia antes que eu pudesse perguntar.

“Senhorita Helstea, sentimos muito—”

“—amigos estavam sendo tratados como escravos na academia—”

“—preocupado que eles não ficariam bem sem nós—”

“—os pais têm se levantado contra—”

Eu levantei minhas mãos em um gesto de rendição. “Tá bom, tá bom, já


entendi!”

Os três recém-chegados eram todos um pouco mais novos que os gêmeos, o


mais velho aparentava ter dez anos, enquanto o mais novo tinha apenas seis
ou sete, no máximo. “Como vocês se chamam?”
A mais nova, uma garotinha de cabelos e olhos escuros, se escondeu atrás do
irmão mais velho. Foi o filho do meio que falou. “Eu sou Miah. O nome da minha
irmãzinha é Mara e esse é o Holden.”

Abaixei-me para ficar cara a cara com Mara. “E de que casa você é, Mara?” Ela
se virou e escondeu o rosto nas costas de Holden.

“Somos membros da Casa Havenhurst,” Miah, uma versão mais alta de sua
irmãzinha, disse hesitantemente.

Respirando fundo para acalmar meus nervos, voltei-me para os gêmeos.

Clara e Cleo Ravenpoor chamaram minha atenção quase inteiramente por


acaso. Seus pais foram rápidos o suficiente para apoiar os Alacryanos depois
que Xyrus foi tomada, e assim, os gêmeos evitaram o pior que os testadores
tinham a oferecer na Academia Xyrus. Isso não era surpresa, considerando que
seu irmão mais velho, Charles, participou do ataque à academia no meu
segundo ano.

O que me surpreendeu foi encontrar os dois garotos de doze anos parados em


frente aos portões que levam à Academia Xyrus e estarem discutindo sobre
como fugir.

Depois de repreendê-los por terem conversado sobre isso abertamente, onde


qualquer um pudesse ouvir, acompanhei os gêmeos até a aula e me despedi
deles, mas suas palavras permaneceram comigo pelo resto daquele dia e nos
dias seguintes.

Depois disso, inventei motivos para passar um tempo e conversar com eles na
Academia. Em poucos dias, consegui criar alguma afinidade com eles, que era
algo incentivado pelos testadores, pois ajudava a doutrinar os alunos mais
novos.

Dizem que o desespero gera confiança, acho que isso levou os gêmeos a
finalmente me falarem que odiavam o que estavam sendo comandados a fazer
na Academia. Queriam fugir e ir para longe, mas tinham medo.

E assim eu retribuí a confiança deles com a minha, e disse a eles que eu


poderia ajudar. Não dei muitos detalhes, apenas disse que iria achar um lugar
para nos encontrarmos de forma segura e levar eles para longe daqui.

Acho que eu deveria ter sido um pouco mais específica, especialmente sobre
não trazer mais ninguém, mas era tarde demais para isso.

Clara torcia as mãos enquanto esperava eu dizer algo. “Eles estavam sendo
torturados…” ela finalmente disse.

Dei um leve aperto no ombro da pequena garota. “Eu entendo. Eu só fiz os


preparativos para vocês dois, mas… tenho certeza que posso dar um jeito de
levar vocês também, ok? Por enquanto, precisamos—”
Três batidas fortes, na mesma porta lateral pela qual entramos, fizeram todos
nós seis pularmos.

Prendendo minha respiração, eu olhei para a porta. Depois de alguns


segundos, quem quer que fosse bateu novamente com mais força.

Acenei para chamar a atenção das crianças e levei um dedo aos lábios, depois
os guiei rapidamente pelo armazém até um enorme monte de caixotes na
frente de uma exibição rolante de artefatos mágicos. Quando o rack foi
movido, revelou um pequeno espaço vazio dentro, completo com um piso
grosso de cobertores e travesseiros, um artefato de iluminação simples,
algumas histórias de aventura e alguns lanches.

Seria apertado com todos os cinco lá dentro, mas não pude evitar.

As crianças de olhos arregalados entraram no esconderijo e se sentaram nos


cobertores, uma grudada na outra.

“Não façam barulho algum”, eu ordenei antes de colocar a tela de volta no


lugar. “E mantenham essa luz apagada!”

Bang. Bang. Bang. Bang bang.

Examinei a alcova escondida para ter certeza de que havia colocado a tela
corretamente, então, no último segundo, lembrei-me de travar os dois
conjuntos de rodas. Quando me senti segura que as crianças estavam
devidamente escondidas, corri pelo armazém até a porta. Antes de abrir, levei
um segundo para desarrumar meu cabelo e esfregar os olhos com força,
adotando uma expressão meio turva, do tipo eu-acabei-de-acordar.

Bang.

Bang.

Bang.

Na terceira batida, abri a porta para um soldado com o uniforme de um mago


de batalha alacryano.

O homem tinha olhos castanhos lamacentos que olhavam para mim junto de
seu nariz atarracado. Ele não parecia muito satisfeito. “Demorou bastante,” ele
rosnou. “Dormindo no trabalho, não é?”

Corri meus dedos pelo meu cabelo e tentei parecer assustada – o que não era
muito difícil naquelas circunstâncias.

“Eu não imagino que o dono desta casa de leilões esteja dormindo agora, ou
será que está?” Ele me observou atentamente enquanto eu balançava a
cabeça. “Já ouvi falar desse Victor Helstea. Estou surpreso que ele não consiga
encontrar um melhor patrocínio, considerando as concessões que recebeu.”
Não ousei informar a este alacryano que o nome de meu pai
era Vincent Helstea, ou que normalmente haveria um par de guardas noturnos
vigiando a Casa de Leilões de Helstea para proteger os artefatos. Meu pai havia
“acidentalmente” deixado uma vaga na agenda, o que era mais fácil do que
explicar a seus guardas o porquê eu passaria a noite lá com um par de filhos
nobres fugitivos.

“Quem é voc—”

“Eu sou Sanborn Troel, e eu vou precisar que você se afaste para que eu possa
dar uma olhada nesse lugar.”

“Com qual intuito você irá vasculhar esse recinto?” Eu perguntei, mantendo
minha voz firme apesar do meu coração acelerado.

Os olhos dele se estreitaram. “Eu não preciso me explicar para você, escória
dicatheana. Basta dizer que sou um sentinela portando um emblema a serviço
do Grande Vritra e, como tal, tenho toda a autoridade de que preciso para
movê-la à força, se necessário.”

Engoli em seco, mas mantive meu queixo erguido e não quebrei o contato
visual com o homem. “E eu sou Lilia Helstea, filha de Vincent Helstea, dono
deste estabelecimento. Minha família recebeu autorização para continuar a
operação desta casa de leilões – atendendo principalmente aos alacryanos
que agora residem nesta cidade, devo acrescentar – bem como expandir nossa
rede comercial.

“Fizemos tudo o que nos foi pedido por sua liderança, então talvez você não
devesse falar tão ousadamente sobre a escória dicatheana.”

Minha mandíbula e postura estavam firmes, e meu olhar não fraquejou em


momento algum. Por dentro, porém, parecia que minhas entranhas se
transformaram em enguias e meu sangue em água gelada.

Talvez uma súplica recatada seria algo mais sábio de se fazer, mas pelo que
eu tinha visto, esses alacryanos governavam como ditadores, e minha
esperança era que defender a mim e minha família desviaria a atenção do
homem de qualquer negócio que ele tivesse aqui.

Sanborn Troel se inclinou para frente, sorrindo. “Mesmo o mais humilde


plebeu de Alacrya é melhor que você, escória dicatheana. Fale comigo assim
de novo e terei as licenças de seu sangue revogadas e cada um todos vocês
serão expulsos da periferia da cidade. Fui claro?”

Minha fachada orgulhosa rachou e senti o sangue escorrer do meu rosto.


Olhando para seus pés, eu balancei a cabeça.

“Agora. Saia da minha frente.”


Hesitei apenas um instante antes de me mover para o lado, permitindo que o
alacryano entrasse no armazém. Ele olhou ao redor, então começou a andar
pelos corredores, seu olhar afiado investigando cada canto e fenda.

“Você viu algo incomum esta noite?”

“Não”, eu disse, um pouco rápido demais. “Como você disse, eu estava


dormindo antes mesmo de você chegar.”

Ele ouviu o que eu disse e zombou. “Então é possível que alguém possa ter
entrado neste prédio sem você estar ciente?”

Eu empalideci, grata por ele não estar olhando na minha direção. “A-As portas
estavam trancadas, então a menos que você esteja procurando por um mago
poderoso, alguém que possa contornar as barreiras, e-eu não acho que seria
possível para alguém ter entrado, não.”

Ele continuou andando, falando sem olhar para mim, sua cabeça sempre se
movendo enquanto examinava o armazém. “Algumas crianças dicatheanas
estão desaparecidas. O sangue deles, que tem sido muito útil em nosso esforço
para colonizar esta cidade, acreditam que eles foram manipulados para fugir.
Alguns guardas que estavam patrulhando viram um grupo de cinco crianças
saindo depois do toque de recolher, a menos de cinco minutos daqui.”

Eu me reorganizei para parecer a mais curiosa possível, apenas no caso de ele


olhar para mim em busca de ver minha reação. “Por que os alacryanos se
importariam com algumas crianças desaparecidas? Conheço muitos
dicatheanos que desapareceram desde que vocês chegaram. Você gostaria de
uma lista de nomes?”

Sanborn Troel levantou a tampa de um barril, liberando o cheiro forte de óleo


de lamparina. “Eu não me importo, e nem meus superiores. Mas se houver
rebeldes dicatheanos operando em Xyrus…” Ele fechou o barril e continuou se
movendo.

“Bem, posso garantir que um grupo de crianças fugitivas não poderia ter
invadido a casa de leilões…”

“Não,” ele disse futilmente. “Eu não acho que eles poderiam ter entrado aqui.”

Apesar de sua declaração, o alacryano manteve seu percurso no armazém.


Notei que estávamos indo diretamente para onde as crianças estavam
escondidas. Os artefatos mágicos esconderão suas assinaturas de mana. Nós
planejamos isso, assegurei a mim mesma. De alguma forma, o pensamento não
me fez sentir melhor.

Sanborn Troel parou bem na frente da estante que exibia a variedade de


artefatos mágicos menores. A maioria deles não valia muito, mas meu olhar se
deteve em um artefato redondo e metálico do tamanho de uma maçã.
“Que pena ver tais itens guardados por um humilde comerciante dicatheano.”

“Nossos compradores são principalmente alacryanos”, eu disse, minha voz


apertada com nervosismo, apesar de meus melhores esforços para manter a
calma. Se as crianças fizessem o menor barulho…

Ele puxou uma adaga fina da prateleira e deslizou-o de sua bainha. A lâmina
cintilou opacamente na luz. “Talvez uma coisinha para o meu problema…” ele
disse, aparentemente para si mesmo.

“Claro, tenho certeza que meu pai não se importaria”, eu respondi, curvando-
me ligeiramente. A adaga era apenas um artefato de baixo custo, a lâmina
nunca ficaria cega ou enferrujada. Se isso o fizesse parar de bisbilhotar e ir
embora, valeria a pena o investimento.

Ele me ignorou enquanto prendia a bainha escura em seu cinto. De repente,


uma onda de mana empurrou para fora dele, formigando enquanto passava
por cada centímetro do meu corpo.

Antes que eu soubesse o que estava acontecendo, o alacryano atarracado


agarrou a borda da tela rolante e puxou, fazendo-a tombar e cair no chão.

Eu pulei para o lado, evitando ser atingida. O rack de exibição explodiu,


espalhando artefatos pelo chão. A bola metálica ricocheteou, rolando sob uma
pilha de prateleiras.

Através do barulho retumbante de madeira e metal batendo no chão de pedra,


eu podia ouvir os gritos assustados das crianças.

O alacryano tinha uma expressão vitoriosa. “Menina idiota. Você realmente


achou que poderia enganar um sentinela com emblema?”Ele enfiou a mão no
cubículo escondido e agarrou Clara pelos cabelos com a mão livre.

A luz laranja encheu o espaço escuro, destacando cada uma das crianças
enquanto as mãos de Cleo se envolviam em garras de fogo. Ele pulou no
alacryano, mas foi recebido por uma bota pesada em seu peito, derrubando-o
no chão e encharcando seu feitiço.

Miah, Mara e Holden estavam agachados na alcova escondida. Holden havia se


movido na frente de suas irmãs para protegê-las, mas todos os três estavam
presos.

Clara se contorceu no aperto de Sanborn Troel, suas mãos agarrando seu


pulso. Fiquei surpreso ao ver as unhas dela cravando em sua carne, então
lembrei que os feitiços dos alacryanos eram muito específicos, controlados
por tatuagens rúnicas ao longo de suas costas, e ele provavelmente não tinha
magia defensiva.
Eu conjurei um longo chicote de água, mas fiquei cautelosa por causa da adaga
ainda na mão do alacryano. Antes que eu pudesse atacar, outra onda de mana
explodiu dele, e um som agudo e doloroso perfurou minha mente.

Clara caiu em seu aperto, e os outros taparam os ouvidos com as mãos


enquanto caíam em uma pilha, suas bocas abertas em gritos silenciosos de
dor.

O chicote momentaneamente perdeu sua forma enquanto eu lutava para


manter minha concentração no feitiço através do terrível som mental. Eu cerrei
os dentes e me concentrei nos treinos que eles nos deram na academia. Eu
pratiquei manter meus feitiços através de todos os tipos de distrações,
embora nunca tenha visto nada parecido com o ataque mental de Sanborn
Troel.

Embora meu chicote ainda estivesse oscilando, não totalmente sob meu
controle, eu ataquei e peguei o alacryano na panturrilha. Ele se encolheu e
puxou o corpo semiconsciente de Clara, segurando-a entre nós como um
escudo, a ponta da adaga pressionada logo abaixo das costelas.

A pequena forma de Cleo apareceu da alcova escondida novamente quando


ele se jogou em nosso atacante, mas o menino era muito pequeno para lutar
fisicamente contra o alacryano. Sanborn Troel riu e deu um tapa na orelha de
Cleo, derrubando-o no chão, mas isso me deu uma brecha.

Meu chicote de água chicoteou em seu braço, rasgando sua túnica e deixando
um vergão vermelho em sua pele bronzeada. Clara caiu no chão em transe.

Não querendo dar tempo para ele se recuperar, eu desci o chicote em um arco
cortante, forçando-o a se esquivar de Clara e Cleo, então cortei de lado, o
chicote de água curvando-se graciosamente ao meu redor, mirando em seu
pescoço.

O alacryano se abaixou sob o chicote e soltou uma explosão de ruído mental


doloroso focado diretamente em mim. Embora eu soubesse o que esperar
agora, condensei uma camada de amortecimento com mana ao meu redor
para me defender, a dor foi muito mais intensa na segunda vez, me atingindo
como um golpe físico.

Com minha mente na bola de metal escondida sob as prateleiras, girei e me


deixei cair, esparramada na confusão de artefatos dispersos. Embora minha
cabeça estivesse soando como um sino e meu coração martelando contra meu
peito, eu tinha um plano.

Olhei para trás, deixando todo o medo real que eu sentia aparecer. Sanborn
Troel, com sua adaga apontada para baixo, rosnou e deu um passo ameaçador
em minha direção.
Deixei escapar um gemido lamentável e me arrastei para longe dele,
avançando em direção às prateleiras. Ele me perseguiu como um caçador
rastreando presas feridas, sem pressa e confiante demais.

O momento tinha que ser certo, muito cedo e eu poderia errar, tarde demais e
eu descobriria o quão afiada a ponta da adaga mágica realmente era.

Sua sombra caiu sobre mim quando minha mão disparou em direção às
prateleiras, alcançando a esfera metálica. Meus dedos a tocaram e ela rolou
para longe. Cada batida do meu coração parecia um soco no meu peito
enquanto eu me sentia freneticamente debaixo da prateleira.

Meu punho se fechou ao mesmo tempo que a mão forte de Sanborn Troel
agarrou meu ombro, me virando de costas e mostrando a adaga na frente do
meu rosto.

“Em nome do Vritra e do Alto Soberano, eu a sentencio à morte—”

Seus olhos se arregalaram de surpresa e confusão quando eu pressionei o


artefato em seu peito e empurrei com toda minha força restante. Ele tentou se
afastar, mas era tarde demais.

A armadilha de mana foi projetada para drenar instantaneamente toda a mana


do núcleo do alvo, absorvendo-a no próprio artefato e deixando o mago
afetado indefeso. Ao contrário de tudo o que estava na tela quebrada, a
armadilha de mana era um artefato raro e caro, embora este tivesse sido
projetado para parecer inócuo, imitando um artefato comum para treinar o
núcleo de mana de um mago.

Meu pai o colocou aqui como uma precaução adicional, uma armadilha para
qualquer um que não deveria estar bisbilhotando no armazém.

O núcleo de mana do Sanborn Troel foi drenado com um flash de luz. A adaga
caiu no chão com um tinido enquanto ambas as mãos agarravam seu esterno.

Fiquei de pé enquanto o alacryano caía de joelhos na minha frente, sua


respiração irregular e suor escorrendo pela testa. Nossos olhos se
encontraram, os meus agora confiantes, os dele em pânico e desorientados.

Quando seu rosto se contorceu, eu levantei o artefato, agora brilhando


levemente. “Você realmente achou que um mero sentinela poderia derrotar
uma maga de batalha dicatheana treinada na Academia Xyrus?” Eu perguntei,
jogando suas próprias palavras de volta para ele.

Um movimento atrás dele chamou minha atenção. Os gêmeos Ravenpoor


estavam lutando para ajudar um ao outro a ficar de pé. “Fiquem onde estão,”
eu ordenei.

Sanborn Troel olhou de mim para a adaga no chão, depois na direção da porta.
Ele tentou se levantar, cambaleou e voltou a se apoiar em um joelho.
“V-você vai me matar?” ele ofegou, o custo físico de ter todo o seu núcleo
instantaneamente esgotado, colocando-o em um estado de reação severa.

Eu franzi minha testa. Eu não queria matar ninguém, mas…

“O que você faria?” Eu perguntei.

Ele respirou fundo, como se estivesse lutando para continuar falando, então
gritou a plenos pulmões, “Socorro! Guardas! Eu t—”

A mana de água se condensou ao redor dele em uma ampla esfera e seus gritos
foram cortados, transformados em bolhas silenciosas de sua boca. Ele se
mexia loucamente, nadando, mas indo a lugar nenhum, preso no centro da
esfera.

Sem saber o que mais fazer, eu me virei, andando ao redor dele para onde as
crianças estavam olhando com fascinação horrorizada. Puxei as cabeças de
Clara e Cleo para o meu corpo, escondendo a visão de Sanborn Troel se
afogando silenciosamente atrás de mim.

Capítulo 10
Agora Mais do Que Nunca

JASMINE FLAMESWORTH

Uma coisa boa de encontrar a garota foi que, Dalmore parecia ter esquecido
que ele me expulsou. O estalajadeiro não reclamou quando passei a noite no
meu antigo quarto e até me trouxe uma tigela de mingau logo de manhã.

Essa lama comestível não era exatamente minha refeição favorita, mas era
melhor do que nada.

“Então.” Eu disse depois de dar uma colherada. “Sua mãe te ensinou todas
essas coisas sobre plantas e ervas?”

A garota assentiu vigorosamente. “Papai era um mago, mas o talento da


mamãe era com plantas. Não magia de plantas, como eu, mas saber coisas
sobre elas. Acho que ela sabia o nome e o propósito de cada planta na floresta
de Elshire.”

A garota parou e pegou uma lasca solta de madeira saindo da borda da mesa.
“Ela me ensinou sobre plantas e papai me ensinou sobre magia. Eu não nasci
como uma emissora, mas sempre quis cuidar das pessoas, quando elas se
machucavam ou ficavam doentes.” Ela zombou de uma forma que lembrou de
mim mesma.

“O que há de errado nisso?” Perguntei desconfortavelmente. A conversa


parecia que estava tendo indo para um desabafo, de coração para coração.
Ela encontrou meus olhos por apenas um segundo, então olhou de volta para
sua lasca. “Parece um pouco bobo agora, não é?”

“Na verdade.” Eu disse lentamente, sem saber exatamente o que eu ia dizer.


“Parece que nós precisamos de emissores e ajudantes agora mais do que
nunca.”

Ela olhou para cima, seu rosto esbanjando esperança. “Sério? Papai sempre
me disse que o tudo precisava ser feito com cuidado e todos tinham que
trabalhar juntos para isso. É… por isso que ele e meus irmãos ficaram para
lutar, mesmo não sendo soldados.”

Eu abri minha boca para dizer… alguma coisa, mas a garota continuou.

“Nós conversávamos muito. Eu, mamãe, papai e meus irmãos íamos juntos
caminhar na floresta e eles nos contavam tudo o que víamos, para que servia,
o que precisava de nós em troca. Papai sempre dizia que ‘Tudo tem seu
propósito’.” Ela sorriu, infantilidade e inocência estavam muito aparentes em
seu sorriso. “E então, mamãe acrescentava: ‘Mesmo que esse propósito seja
apenas ser bonito, como seu pai’.”

A elfa deu uma risadinha, embora estivesse à beira das lágrimas.

“Isso é… lindo.” Eu disse suavemente, então me encolhi com o quão estranho


isso soou vindo de mim. “Sua família parece ser ótima.”

Ela ergueu o queixo e enxugou uma lágrima. “Sim, era perfeita.”

Terminamos nosso café da manhã em silêncio antes de a garota perguntar:


“Jasmine, a gente vai fazer agora?”

Eu estava prestes a sugerir que saíssemos para uma caminhada quando


percebi que não era isso que ela queria dizer. O que íamos fazer?

Idealmente, alguma família élfica da Muralha poderia recebe-la e cria-la, mas


não havia elfos aqui. Com base na reação da costureira ao meu simples pedido
de roupas, duvidei que alguém fosse caridoso o suficiente para assumir uma
boca extra. As pessoas já tem muitos problemas para se pensar e adicionar
nessa lista uma boca a mais para alimentar, iria fazer qualquer um entrar em
uma crise existencial.

Havia uma alternativa, mas eu não sabia como encontrá-los, mesmo que
quisesse.

Antes de partirem, Helen me garantiu que voltariam para me checar e para ver
se eu havia mudado de ideia. Se eu mantivesse a garota segura até então, ela
poderia ficar com outros de sua espécie no santuário. Era mais seguro lá do
que em qualquer outro lugar em Dicathen, mesmo que estivessem lutando
uma batalha perdida.
Em voz alta, eu disse: “Vamos descobrir juntas.”

Antes que ela pudesse me encher de perguntas, a porta da pousada se abriu e


quatro homens grandes entraram.

Eles eram soldados, vestidos com o uniforme da Divisão de Baluarte. O maior


dos quatro não tinha um par de dentes.

Eles olharam ao redor do bar e, quando me notaram, os outros três começaram


a rir e provocar o homem que eu tinha nocauteado. Ele fez uma careta para
mim, então foi em direção ao bar, onde Dalmore estava olhando
nervosamente.

“Um pouco cedo para uma bebida, não é, rapazes?” Dalmore disse com uma
risada forçada.

“É pra preparar a gente contra os ventos gélidos da montanha.” Resmungou o


grandalhão. “Se eu vou ficar de guarda do topo da Muralha pelas próximas dez
horas, você pode apostar sua bunda que eu não vou fazer isso sóbrio.”

Todos os seus comparsas riram agradecidos quando Dalmore começou a


servir-lhes canecas de cerveja.

Com a caneca na mão, ele se virou e descansou contra o bar, me observando


enquanto tomava um longo gole.

“Posso te mostrar a cidade?” Sugeri à garota, embora não desviasse os olhos


dos soldados.

Isso chamou a atenção dos outros soldados. “Olha, Fulk, aquela garota que
arrancou seus dentes tem um animal de estimação. É um bem fofo, por sinal.”

O grandalhão, Fulk, cuspiu no chão, esvaziou a caneca e a jogou no balcão.


“Onde você encontrou essa coisinha esfarrapada, Flamesworth?”

Fiquei levemente surpresa ao ouvi-lo usar meu nome e ele deve ter percebido
isso.

Ele grunhiu uma risada maçante. “Ah, é verdade. Eu descobri tudo sobre você
depois da última vez que nos encontramos. Pelo que ouvi, você não é do tipo
de bancar a mãezona, então, o que é isso? Olhando criancinhas pra fazer um
dinheirinho rápido vendendo elas? Não é do feitio dos Flamesworth lidar com
uma escravidão levinha.”

Seus olhos viajaram de cima e para baixo em Camellia. Para confrontar ele, a
garota olhou de volta.

“Essa aqui é magrinha demais, né? Meu primo costumava fazer um pouco de
comércio com elfos. Preferia pegar eles um pouco mais jovens do que isso
aqui, eu acho, mas como não tem muitos elfos por aí… fica difícil de
achar mercadoria boa.” Seu rosto plano se dividiu em um sorriso cruel. “Vou
te falar uma coisa, eu vendo ela pra você por duas moedas de ouro, o que
acha?”

Os homens ao redor dele uivaram de tanto rir. Dei um passo em direção a eles,
mas Camellia puxou meu braço. “Vamos, Jasmine. Vamos andar um pouco.”

Fulk se afastou do bar e atravessou a sala para ficar entre nós e a porta. “Qual
é o problema, orelhas pontudas? Eu prometo que vou ser um bom mestre. Eu
poderia usar alguém para limpar minhas coisas, tirar a lama das minhas botas,
lavar meu uniforme e você não parece que come muito, de qualquer maneira.”

Dei um passo em direção ao homem grande e manuseei minhas adagas.


“Some.”

Atrás do bar, Dalmore olhava em pânico. “Sumam daqui, eu não vou ter outra
luta aqui! Parem com isso ou eu vou—”

“Vai o quê? Chamar os guardas?” Disse um deles com uma risada.

“Toma cuidado, Fulk.” Disse outro. “Você já não tem dente e ainda quer perder
mais?”

Fulk rosnou e cerrou os punhos. “Ouvi dizer que os elfos amadurecem muito
mais rápido que os humanos. Isso é verdade Flamesworth? Eu—” O homem
engasgou com um grunhido ofegante.

Três passos rápidos me trouxeram bem ao lado dele e meu punho afundou em
suas costelas, antes mesmo que ele pudesse levantar suas mãos carnudas
para se defender. Ele se dobrou e meu joelho acertou seu nariz, gerando
um som satisfatório de se ouvir, ele caiu de costas após o impacto.

Achei que seria o fim de tudo, mas Fulk lutou para ficar de pé e desembainhou
sua espada.

Os outros soldados o olharam nervosos. “Ei, Fulk, a gente só tava se divertindo


um pouco, não vamos—”

Seu companheiro não estava ouvindo. Seus olhos se arregalaram acima de um


nariz inchado e sangrento, até que soltou um rugido e avançou em minha
direção balançando sua espada, que era como borrão no ar.

Eu dei um passo para o lado e deixei a espada bater no piso de madeira, então
empurrei a ponta da minha bota contra a parte plana da lâmina para mantê-
la presa lá. “Você é uma vergonha para o seu uniforme.” Eu disse
zombeteiramente, então dei um soco imbuído com mana em sua mandíbula.

Fulk caiu de lado e se chocou contra uma das mesas de Dalmore, esmagando-
a em pequenos gravetos. Distante, ouvi o estalajadeiro gemer.
Os outros três soldados se afastaram do bar para se posicionarem
protetoramente sobre Fulk, que lutava para ficar de joelhos. “Tá bom, já chega.
Você está preso por agredir um membro da Divisão Bulwark , Flamesworth.”

“Vem aqui, agora!” Vociferou Dalmore, mas ele foi completamente ignorado.

“Ele que veio pra cima de mim.” Eu resmunguei, fazendo o meu melhor para
soar o mais verdadeiro possível.

O soldado estava balançando a cabeça. Atrás dele, os outros dois estavam


colocando Fulk em pé. “Não se importe, Flamesworth. Mais da metade da nossa
unidade foi dizimada quando seu pai nos enviou para missões fora da Muralha.
Mesmo sabendo que iriamos fracassar em todas as missões, ficamos e
continuamos, sem pagamento, com pouca esperança. Então você, de todas as
pessoas, não pode colocar as mãos em um de nós. Será que seu cérebro
consegue raciocinar isso?” Seu rosto ficou vermelho enquanto ele falava.

Os guardas claramente decidiram piorar a idiotice de Fulk. Eu não acreditei


inteiramente na ameaça do capitão sênior de que eu seria expulsa da cidade
por ser presa novamente, mas eu não podia deixar Camellia sozinha.

Não com bandidos como estes por perto.

“Agora.” Disse ele, sua mão à deriva em direção ao cabo de sua espada. “Você
está presa. Se você não vier em silêncio, nós a mataremos.”

Me virando um pouco para que eu pudesse ver Camellia, que havia se


protegido com a parede mais próxima, eu disse: “Vá pegar suas coisas. Estamos
indo.”

Um dos soldados já estava se movendo para interceptá-la. Puxando uma


cadeira com a ponta do meu pé, dei uma cadeirada nele com todas as minhas
forças, depois me joguei em direção ao guarda de rosto vermelho.

Minha mão estava no punho de sua espada antes que pudesse desembainhá-
la, ele balançou para trás e tropeçou na pilha de madeira quebrada quando
minha testa atingiu a ponta de seu nariz.

O atordoado Fulk o pegou e os dois homens caíram no chão com força


suficiente para sacudir as canecas alinhadas na parede atrás do bar.

O quarto homem com a espada em sua mão hesitou em atacar.

Já eu, nem um pouco.

Eu liberei uma explosão condensada de mana de vento que o jogou no chão e


no bar. Ele ficou completamente imóvel.

O guarda que ia atrás de Camellia se recuperou da cadeirada e sacou uma


espada curta e uma longa adaga de seu cinto. As tábuas do assoalho gemeram
e estalaram quando duas trepadeiras irromperam por elas e envolveram as
pernas do homem.

Ele começou a golpeá-las, dando-me tempo para avançar e prender o punhal


de sua espada em sua dorsal. Eu torci seu pulso até que ele uivou de dor e a
espada curta caiu no chão, então cravei meu cotovelo em seu queixo.

O soldado deu um passo cambaleante para trás, ficou pendurado na videira


ainda agarrada à perna e caiu para trás, soltando sua adaga e a deixando voar.
Camellia correu ao redor do homem caído, indo para as escadas até o nosso
quarto.

Fulk e o guarda de rosto vermelho lutavam para se levantar.

“Chega!” eu disse com firmeza. “Acabou. Some daqui com seus amiguinhos.”

Os dois homens ficaram de pé e ambos brandiram suas espadas. Fulk


caminhou em minha direção cautelosamente enquanto o guarda de rosto
vermelho circulava à minha esquerda, sua lâmina brilhando num tom
vermelho por estar sendo infundida por mana.

Saquei minhas adagas e disse: “Ninguém precisa morrer aqui.”

Fulk gritou enquanto pegava a Mankiller com as duas mãos e descia em minha
direção. Ao mesmo tempo, o soldado de rosto vermelho disparou pelo lado,
empurrando meu quadril.

(NT Ricci: Mankiller seria uma arma onde o foco dela é causar a maior
quantidade de dano possível com a maior força possível.)

Em vez de desviar para a direita, o que teria me deixado sem escapatória, me


movi para a esquerda, por impulso. Uma adaga aparou a lâmina abrasadora
enquanto a outra fazia um corte raso nas costas da mão desprotegida de Fulk.

Girando, eu coloquei um pé entre as pernas do soldado de rosto vermelho,


fazendo-o tropeçar, então enfiei o punhal da minha adaga em seu ouvido.

Embora a dor do forte golpe o tenha derrubado de joelhos, ele varreu


cegamente para trás com sua espada brilhante, forçando-me a esquivar. O
movimento súbito enviou uma dor lancinante para um lado do meu corpo
enquanto eu torcia meu torso, agravando minha ferida ainda cicatrizada.

Enquanto os dois se recuperavam, tentei novamente pôr fim à briga. “Ouçam,


idiotas. Estou pegando leve com vocês e sabem disso. Vão embora logo.”

Sem palavras, os dois se aproximaram novamente. A espada do guarda de


rosto vermelho ficou tão quente que começou a pegar fogo, chiando enquanto
se movia.

Revirei os olhos com tanta força que doeu.


Saltando para trás, joguei as duas adagas, cada uma enrolada em um disco de
vento. As espadas dos homens vieram para bloquear e eu pulei para frente,
construindo um ciclone com mana de vento ao meu redor que jogou cadeiras
do outro lado da sala e derrubou as mesas.

Parando de repente a apenas alguns metros de Fulk e seu companheiro, quase


diretamente entre eles, os empurrei para longe com o ciclone. Pegou os dois
homens e os arremessou pela sala da pousada, girando e caindo como
bonecas de pano.

O soldado de rosto vermelho atingiu o telhado, ricocheteou e girou por uma


das janelas com um estrondo, desaparecendo na rua. A cabeça de Fulk bateu
no bar, então o resto dele bateu na parede dos fundos, quebrando as
prateleiras e enviando todas as canecas preciosas de Dalmore para o chão,
onde se espatifaram em mil pedaços.

O barulho da cerâmica quebrando não tinha parado antes de eu ouvir gritos


do lado de fora da pousada.

“Merda.” Subindo as escadas, gritei: “Camellia, vamos logo!”

Dalmore, que havia se abaixado na mesa do bar quando meu ataque de ciclone
explodiu, levantou-se e olhou horrorizado ao redor de sua pousada. “Jasmine,
o que você—” Ele ficou em silêncio enquanto seus olhos se fixavam em algo
atrás do bar. “Ele está morto, Jasmine. Você matou ele.”

Envolta em uma calma isolante pós-batalha, caminhei lentamente até o bar e


olhei. Com certeza, o pescoço do guarda de rosto achatado estava torcido de
forma não natural e sangue escorria de um corte perto de sua têmpora. Ele
estava definitivamente morto.

Passos leves na escada e um suspiro abafado anunciaram o retorno de


Camellia.

“Jasmine, você está sangrando…”

Eu pressionei uma mão em meu machucado, e com certeza, estava sangrando.


“Não é nada. Acabei de abrir minha ferida.”

Retirando o núcleo da besta do devastador do meu anel dimensional,


coloquei-o na mesa do bar com um baque pesado e encontrei os olhos de
Dalmore. “Desculpe por isso, Dal. Talvez isso possa cobrir o que eu devo a
você.”

Um núcleo de besta de classe S traria ouro suficiente para reconstruir todo o


bar antes que os alacryanos dominassem aqui. Eu não tinha certeza de seu
valor em nosso novo mundo, mas esperava que isso o ajudasse. Apesar de toda
a sua irritação, Dalmore foi gentil comigo.
Fiz um gesto para Camellia entrar e dei ao estalajadeiro silencioso um último
aceno de cabeça antes de sair correndo pela porta.

Uma pequena multidão já havia se reunido em torno do soldado de rosto


vermelho, que estava deitado no chão, apenas semiconsciente. Alguns deles
observaram atentamente enquanto eu saía da Underwall.

Depois de verificar se Camellia estava me seguindo, eu me afastei da multidão,


desci um beco entre dois prédios, então esperei por um par de guardas
correndo antes de seguir em linha reta em direção à saída oeste.

Os portões da carruagem estavam fechados, mas os guardas não pareciam


particularmente nervosos. Camellia e eu diminuímos o passo enquanto nos
aproximávamos do portão menor que dava para o reino de Sapin.

O guarda do portão, aparentemente entediado, mal olhou para nós quando


ele abriu o portão de ferro, permitindo-nos passar.

Tínhamos andado algumas centenas de metros da cidade quando ouvi os


grandes portões das carruagens se abrindo. Uma dúzia de homens armados e
blindados, todos soldados da Divisão Bulwark, estavam correndo para fora.

“Jasmine, eles são—”

“Nunca vão nos pegar.” eu disse com firmeza, colocando a Camellia nas minhas
costas. Uma explosão de mana de vento surgiu ao meu redor, levantando uma
nuvem de poeira que rapidamente nos camuflou e eu comecei a correr.

Capítulo 11
Experimentos e Entendimentos

EMILY WATSKEN

O laboratório estava lotado enquanto nos preparávamos para o último


experimento de Gideon.

Dois magos alacryanos estavam em nas extremidades opostas da mesa


central, sobre a qual repousava a bandeja de sal e uma grande brasa de sal de
fogo.

A bandeja de sal tinha sido colocada em tirantes de ferro, de modo que ficava
alguns centímetros acima da mesa e uma segunda bandeja cheia de carvão
estava abaixo dela. Embora ainda não tivéssemos começado, o calor que
irradiava do sal de fogo já havia feito a camada superior de carvão brilhar em
um vermelho fosco.

Um terceiro mago estava atrás de nós. Ele estaria fornecendo uma barreira
mágica durante o teste, mantendo Gideon, Brone e eu a salvos de quaisquer
resultados inesperados.
“E você tem certeza que esses dois podem regular a liberação de mana bem o
suficiente para este experimento funcionar?” Gideon perguntou a Brone
novamente, fazendo com que os magos lhe lançassem olhares de reprovação.

Brone soou um pouco arrogante quando respondeu: “Embora seus brasões


não sejam excepcionais em batalha, esses dois magos mostraram um controle
incrível sobre a mana. Estou mais do que confiante de que eles podem fazer o
que você precisa, embora eu ainda não entenda por que eles não podem
conjurar feitiços por trás da barreira—”

“Os cálculos são muito precisos!” Gideon disparou: “Eles precisarão produzir
exatamente a quantidade correta de vento e calor no tempo exato. Você está
sugerindo que eles podem fazer isso enquanto estão protegidos atrás de uma
barreira de mana que está afetando tanto a percepção deles quanto o resto?”

“Não, eu suponho que eles não podem.” Brone admitiu. Seus olhos se voltaram
para o terceiro mago.

Gideon sorriu, o que o fez parecer ainda mais um cientista maluco. “Apenas
uma precaução, caso os conjuradores que você me forneceu não sejam tão
bons quanto você afirma.”

Um dos magos virou-se para Gideon, seus punhos cerrados, mas um olhar de
Brone o manteve quieto.

“Chega de bater boca aqui, vamos começar essa maravilha.” Declarou Gideon,
inclinando-se para frente com as mãos nos joelhos para espiar a mesa.
“Acenda os carvões e leve-os a uma chama azul. Assim que a chama ficar azul,
lancem um túnel de vento sobre os sais de fogo e eu vou dar mais instruções
depois disso.”

Todos se estabeleceram em suas posições enquanto o conjurador com o


brasão com aspecto de fogo conjurava uma chama nas brasas. Começou com
um fogo alaranjado, então rapidamente passou de vermelho para verde
amarelado, e finalmente, um azul claro.

“Um pouco mais de calor, cerca de quatorze graus, até que as chamas fiquem
apenas um tom mais escuras…”

(NT Ricci: O Tortuguita não especificou se era °F ou °C, por isso deixei no seco,
peço perdão.)

O mago começou a suar enquanto imbuia mana para as chamas. No momento


em que o tom de azul mudou, Gideon retrucou: “Pronto! Segura aí!”

Eu me mexi nervosamente e comecei a segurar e apertar a parte debaixo da


minha camisa. As chamas estavam muito azuis agora. Nós teorizamos que
adicionar uma certa quantidade de calor de mana de fogo e usar mana de
vento para fornecer oxigênio aos sais de fogo resultaria em um efeito de
combustão, mas o fogo estava vários graus acima do que a gente precisa.

Eu devo avisar?

O foco de Gideon estava inteiramente no experimento. Era sua teoria, ele tinha
que saber o que estava fazendo…

O segundo mago empurrou um túnel concentrado de vento através da brasa


de sal de fogo, fazendo-a brilhar de laranja brilhante a quase branca.

“Segure a chama!” Gideon gritou quando o fogo azul cintilou: “Faça o vento
viajar numa velocidade de 12m/s.”

O mago conjurando o túnel de vento franziu o rosto em concentração


enquanto tentava manter seu feitiço nas especificações exatas de Gideon.

Gideon colocou seus óculos de proteção quando a brasa de sal de fogo tornou-
se muito brilhante para olhar diretamente, e eu fiz o mesmo. Brone me lançou
um olhar de decepcionado, aparentemente Gideon tinha esquecido de dar ao
Instilor seu próprio par de óculos.

“Escudeiro, conjure a maior quantidade de barreiras de proteção possível.”

Um painel translúcido de mana apareceu entre nós e o experimento, como um


espesso painel de vidro blindado

Brone estava protegendo os olhos com as mãos. Gideon se inclinou para frente
de modo que seu nariz estava praticamente pressionado contra a barreira de
mana. Ambos os conjuradores estavam apertando os olhos contra o brilho da
brasa de sal de fogo.

“Agora, lentamente, faça o vento chegar na velocidade de 15m/s e aumente a


temperatura em cinco graus.”

Apesar do calor na sala, um calafrio percorreu minha espinha, fazendo com


que arrepios surgissem e viajassem ao longo de meus braços e pescoço. Com
tanto calor e vento sendo forçados na brasa de sal de fogo, isso v—

A brasa de sal de fogo explodiu com uma luz branca quente, queimando meus
olhos e fazendo meus ouvidos zumbirem. A explosão enviou tremores pelo
piso reforçado e encheu o laboratório de poeira enquanto o teto rachava.
Mesmo atrás da barreira, senti a onda de choque gerada pela explosão.
Embora meus olhos tivessem se fechado atrás do vidro espesso dos meus
óculos, pontos coloridos ainda estavam aparentes em minhas rotinas

“Meu Vritra do Céu!” Brone gritou do chão ao meu lado.

Retirei os óculos da minha face e afastei todas as lágrimas em meus olhos


piscando forçadamente e comecei a ver tudo normalmente de novo.
O laboratório estava em ruínas. Pedaços da bandeja de sal e da mesa estavam
fincados no chão, teto e paredes. As ferramentas tinham sido fundidas ao rack.
Havia rachaduras na alvenaria e a porta cedera um pouco para fora. Até a
fornalha pesada de metal desmoronou parcialmente com a força da explosão
Se não fosse pelas proteções colocadas ao redor da sala, eu tinha certeza que
o laboratório inteiro teria desmoronado sobre nossas cabeças.

Quanto aos conjuradores, não havia nenhum sinal deles. Foram desintegrados
por completo.

Brone, que deve ter tropeçado e caído durante a explosão, levantou-se e


limpou a poeira enquanto demonstrava estar irritado, mas quando ele entrou
na sala, além da linha clara que separava as ruínas do laboratório do lado de
fora do nosso pequeno canto blindado, um lento sorriso assustador se
espalhou por seu rosto esfarrapado.

Gideon limpou a garganta. “Devo ter errado um pouquinho nas contas. Nada
que mais alguns testes não resolvam, tenho certeza.”

“Talvez o investimento neste projeto valha a pena, afinal.” Disse Brone


vagamente, ainda olhando em volta para a destruição: “Venha comigo, Gideon.
Eu gostaria que você explicasse os resultados em primeira mão. Garota, limpa
essa merda.”

Com isso, Brone marchou para fora do laboratório. Gideon me deu um olhar
sincero e deu um tapinha no meu ombro, então seguiu Brone, me deixando
sozinha com o escudeiro pálido, que estava encostado na parede de uma
forma que sugeria que ele estava à beira de um surto.

“Você está bem?” Eu perguntei timidamente. Normalmente eu fazia questão de


não falar com nenhum dos magos alacryanos que eu via, mas eu simplesmente
não conseguia lidar com o constrangimento de estar em uma sala onde dois
homens tinham acabado de ser destruídos e ignorando o único outro
ocupante.

O escudeiro se afastou da parede e se recompôs: “Aquele desgraçado poderia


ter matado todo mundo. Você deve agradecer ao Vritra por minha proteção,
por mais indigna que você seja dela.”

O mago saiu do laboratório, deixando-me sozinha, apenas acompanhada com


minha raiva gerada pela sua fala.

Respirando fundo, voltei para os destroços do laboratório. Nem sei por onde
começar… tudo estava totalmente arruinado.

“Bem, tudo que você começou, você precisa terminar.” Murmurei para mim
mesma antes de puxar um pesado alicate de ferro do porta-ferramentas, um
dos poucos itens que sobreviveram à explosão, e iniciar o trabalhoso processo
de remover estilhaços das paredes do laboratório.
Pareciam que horas se passaram, até que a porta se abriu e Gideon
praticamente trotou para o laboratório, carregando uma braçada de
pergaminhos. Eu quase não fiz nenhum progresso, apesar de trabalhar tanto
que minhas mãos ficaram dormentes.

Gideon nem pareceu notar o estado do lugar. Ele simplesmente limpou a


poeira e as marcas de queimadura da bancada de pedra ao lado da fornalha,
pegou um lápis de carvão e começou a rabiscar.

“Então?” Perguntei, apavorada.

Ele se virou para mim e coçou a testa, manchando-se com fuligem escura:
“Então, o quê?”

Eu apenas o encarei, certa de que ele entenderia eventualmente.

“Ah, a reunião? Bem, o patrono de Oleander parece bastante entusiasmado


com os resultados, como deveriam ser.” Ele voltou a escrever: “Sabe, acho que
esses sais de fogo têm algum potencial real como fonte de energia. O projeto
original para o sistema de trem subterrâneo em que Arthur e eu estávamos
trabalhando se baseia em um motor a vapor semelhante ao Dicatheus, mas um
motor de combustão movido a sais de fogo poderia ser muito mais eficiente,
exigindo significativamente menos volume e permitindo um funcionamento
mais longo sem a necessidade de trazer mais combustível…”

Eu me virei para ele e encarei suas costas: “Você acha que sua pesquisa vai ser
usada para trens?”

“Claro.” Ele resmungou: “Um dia, certamente será.”

Atravessando o laboratório, apoiei-me na bancada para poder ver o rosto do


meu mentor: “Mas, enquanto isso, será usado para armas.”

Ele largou o lápis se virou para mim e disse: “Todo mundo tem seu propósito,
senhorita Wattsken, sua essência de vida. A minha é investigação e invenção.
A sua é me irritar e buscar a ferramenta certa na hora certa, ou ocasionalmente
uma xícara de café. Há outros que se destinam a lutar em guerras, a liderar
soldados, a criar estratégias.

A maioria deles estão mortos, e a guerra que travaram foi perdida. Então, se
você realmente quer ver o mundo ser um lugar melhor, onde o preconceito
não existe, onde guerras não ocorrem, onde o povo pode sair nas ruas sem ter
medo de ser assaltado ou até mesmo morto apenas pelo estilo de vida que
possui, onde as pessoas não precisem mais se preocupar com o que pode
ocorrer com elas apenas por nascerem e viverem em tal lugar. Se você quer
que isso aconteça, recomendo humildemente que você não saia daqui e me
ajude, pois só assim o mundo que nós tanto clamamos irá aparecer.
Entendeu?”

Eu balancei a cabeça com relutância, então fiz uma careta quando me lembrei
de algo: “E as instruções que você deu a esses conjuradores? A entrada de
vento e calor foi muito maior do que teorizamos.”

Ele ergueu a sobrancelha manchada de fuligem para mim. “Experimentos são


perigosos. Só podemos esperar que eles nos enviem magos ainda melhores da
próxima vez.”

Com isso, Gideon voltou aos seus papéis.

Soltando um suspiro profundo, peguei meu alicate e voltei ao trabalho.

Capítulo 12
A Estrada no Céu

LILIA HELSTEA

“Lilia, eu realmente espero que você entenda o quão sortuda você foi.”

Meu pai estava sentado atrás de sua mesa, os dedos entrelaçados à sua frente.
Ele não estava gritando, mas eu poderia dizer o quão chateado ele estava pelo
tom de sua voz.

Mamãe estava encostada na porta fechada do escritório do papai, com seu


rosto pálido e seus olhos fechados enquanto ouvia nossa conversa.

“Eu sei, papai, eu sei!” Eu disse, com minha voz chorosa e fina. Inclinei-me para
frente e escondi meu rosto em minhas mãos. “Não vou fazer isso de novo, eu
prometo…”

Quando não houve resposta, olhei para cima. As sobrancelhas escuras do


papai se juntaram em uma carranca. “Foi assim que eu criei você?”

Sentei-me ereta e olhei para ele, sem saber o que ele queria dizer.

“Os Helstea desistem apenas por causa de uma contrariedade?” Seu


semblante ficou ainda mais espantoso. “Se fosse esse o caso, prometo que a
Casa de Leilões Helstea nunca teria sido bem-sucedida.”

“O que você está dizendo, papai?”


Minha mãe atravessou o escritório e colocou o braço em volta de mim, me
dando um pequeno apertão.

Meu pai alisou um pergaminho enrolado que eu não tinha notado em sua
mesa. Era um mapa tosco da cidade de Xyrus. Vários locais foram marcados
com pequenos X ‘s vermelhos com linhas desenhadas entre eles. “Nós apenas
temos que ser mais cautelosos, isso é tudo. Por um lado, direcionar muito
tráfego para qualquer local, seja a casa de leilões, nossa casa ou algum
armazém abandonado em algum lugar, definitivamente chamará a atenção.”

Meu pai estava planejando a continuação de nossos esforços para ajudar as


pessoas a escapar da cidade?

“Devemos passar por várias casas seguras. Marquei algumas propriedades


possíveis aqui, e sua mãe traçou as rotas mais seguras para transportar
pessoas pela cidade quando necessário.” Ele me olhou com expectativa.

“Eu… nem sei o que dizer.” Eu admiti.

Até aquele momento, eu sentia como se estivesse puxando meu pai em meus
esforços para fazer alguma coisa, qualquer coisa, contra as forças e ações
alacryanas. Agora eu estava vendo que, realmente, ele estava três passos à
minha frente.

A verdade era que minha ação feita naquele dia havia diminuído as chamas de
minha ânsia rebelde. Tínhamos planejado o pior, e esses planos nos salvaram,
mas havia centenas de maneiras de dar errado.

Eu poderia ter… morrido. As crianças poderiam ter morrido. Sanborn Troel


poderia ter cumprido sua promessa de expulsar meus pais da periferia da
cidade.

Eu sabia que era um risco, é claro, mas…

Eu matei um homem, um ser humano.

Minha mente cansada se lembrou da Ellie, que era como minha irmã adotiva.
Ela tinha ido para a guerra e é anos mais nova que eu. Será que ela tremeu de
medo estando no topo da Muralha lutando contra magos alacryanos e bestas
de mana corrompidas?

De repente, percebi que meu pai estava falando. “Desculpa, pai. O que você
estava falando?”

Ele olhou para mim com preocupação e minha mãe passou sua mão
reconfortante pelo meu cabelo. “Você está bem, minha querida? Não era isso
que você queria?”

Apoiei minha cabeça no ombro de mamãe. “Sim, eu só… tô com medo…”

Pai sorriu suavemente. “Você é uma maga talentosa, Lilia, mas mais do que
isso, você é muito inteligente. Você está com medo, porque agora você vê o
que será necessário para lutar contra esses invasores. Ter medo em uma
situação dessas é completamente normal, mas não vamos deixar que esse
medo nos detenha. Não mais.”

“Mas e se eu não for boa o suficiente? Sem você ter arrumado tudo isso, eu—”

“Você foi, é e será ‘boa o suficiente’ para ajudar seu pai e eu vejo que a coisa
certa a se fazer é continuar o que estamos fazendo agora.” Minha mãe
respondeu. “Mas nenhum de nós precisa ser perfeito, porque não faremos isso
sozinhos.”

Achei que ela estava simplesmente sendo poética sobre ficarmos juntos como
uma família, mas naquele mesmo momento a campainha da porta da frente
tocou, e o sorriso do meu pai se transformou em um sorriso animado.

“Falando nisso, minha querida Lillia, tem como você fazer a gentileza de abrir
a porta?”

Sentindo-me desprevenida mais uma vez, saí do escritório e desci correndo


para a porta da frente. Em quem meu pai confiaria o suficiente para envolvê-
los em nossos planos? Uma palavra descuidada no ouvido errado… mas afastei
minha preocupação. Papai provou ser tudo menos descuidado.
Sentindo-me um pouco boba com meu próprio nervosismo, abri a porta. A
figura encapuzada em pé no nosso degrau era alta e atlética. Ela puxou o capuz
para trás, revelando um sorriso largo em seu rosto bronzeado.

“Professora Glory?”

“Não sou mais uma professora, esqueceu?” Ela disse, como se isso não
importasse nem um pouco. “Acho que é melhor você me deixar entrar, né?”

Fiquei de lado e acenei para ela entrar, sorrindo para sua atitude
despreocupada. “Então você é a arma secreta do meu pai contra os
alacryanos?”

A professora Glory riu. “Mais como ele é a minha, também. Embora, ouvi dizer
que tenho que agradecer a você por isso.”

Eu liderei o caminho pela casa enquanto continuamos a conversar. “Eu apenas


lembrei a ele o que nossos amigos, os Leywin, fizeram por este continente, eu
acho.”

“Hah, não se venda, Lilia. Você lembrou a seus pais como é ter esperança.”

Corei, mas fui salva de pensar em uma resposta de meus pais, que correram
para cumprimentar minha antiga professora.

“Vanesy, é tão bom ver você.” Minha mãe disse esbanjando um sorriso
brilhoso.

“Sim, estamos felizes por você ter vindo, embora eu esteja surpreso que você
tenha pensado que valeu a pena o risco de visitar Xyrus pessoalmente. Como
você entrou na cidade, afinal?”

A professora Glory, Vanesy, riu. “Voando. Nunca estive mais feliz por estar
ligado a uma besta de mana alada desde Etistin. É muito mais fácil se
movimentar por Dicathen. A Torch não é particularmente furtiva, mas eu só
conheci dois alacryanos que podiam voar, e ambos descobriram rapidamente
que você não pode lutar contra um falcão de fogo corpo a corpo no ar e viver
para contar sobre isso.”
“Vanesy, aqui tem estabelecido uma rede de resistência por toda a Sapin.” Meu
pai me disse, acenando para todos nós para nos sentirmos mais confortáveis.

Vanesy assentiu, ficando séria. “Temos dezenas de milhares de soldados lá


fora, ansiosos para levar a luta aos alacryanos. Eu tenho coordenado entre os
diferentes grupos, estabelecendo uma rede de guerreiros da resistência.”

“E as Lanças?” Eu perguntei ansiosamente, mas Vanesy balançou a cabeça.

“Não, mas ouvi um boato de que eles foram vistas em uma pequena vila
agrícola a leste. O fato de que elas finalmente se revelaram é parte do motivo
pelo qual arrisquei essa viagem pessoalmente. Achei que seria um bom
momento para adquirir algum apoio, e Xyrus ainda abriga uma quantidade de
magos que é acima da média.”

Meu pai apenas acenava em concordância. “Os alacryanos estão em guarda


agora, no entanto. Teremos que ser ainda mais cuidadosos.”

Vanesy sorriu. “Se houve um lado positivo na perda da guerra, é que os


alacryanos estão bem espalhados e não estão tão atentos quanto deveriam.
Esses Vritra parecem pensar que não temos mais motivos para lutar. Estou
ansiosa pelo dia em que provaremos que eles estão errados.”

Nossa conversa continuou, e levei algum tempo para perceber que algo havia
mudado dentro de mim enquanto eu ouvia. Embora a excitação da rebelião
tivesse diminuído, algo mais quente e forte crescia em seu lugar.

Assim como a Vanesy disse.

A esperança crescia dentro de mim.

Capítulo 13
Bater e Correr

MICA EARTHBORN

“Lutar contra você foi divertido, mas esse é o momento que a Mica esteve
esperando.” Eu disse, meu rosto a centímetros do rosto da Lyra Dreide. Eu
estava sentada em seu colo, mantendo suas pernas abertas, observando
cuidadosamente cada movimento de seus lábios, cada mudança em seus
olhos.
Essa retentora tem uma boa cara de paisagem.

Nós retornamos ao nosso esconderijo na Clareira das Bestas depois de


capturar Lyra Dreide. Foi difícil rastrear as assinaturas de mana aqui por causa
das bestas de mana de classe S e SS em todo lugar, e fomos cautelosas para
ter certeza de que não fomos seguidas.

A retentora foi amarrada em uma cadeira de pedra que eu conjurei só para ela.
Bem, era meio que uma cadeira, apenas não era uma muito confortável. A
pedra dura se enrolou em suas pernas do tornozelo ao joelho e cobriu suas
mãos completamente. Uma coleira foi posta em sua garganta e tinha um único
espinho enfiado em suas costas. Se ela tentasse alguma coisa, esse espinho
perfuraria seu núcleo de mana em um instante.

Pessoalmente, eu sugeri que a gente começasse com isso, mas Varay achou
que desabilitar seu núcleo poderia quebrá-la completamente, e nós
precisávamos de informações primeiro. Então a gente tinha que quebrar ela
pouco a pouco.

Varay começou com um dedo.

Ela não fez nenhuma pergunta antes, apenas removeu lentamente a bota da
retentora, beliscou seu dedinho com dois dedos, e o congelou completamente.
Mesmo com nossos avisos para não resistir, o corpo da mulher tremeu com
mana para reagir ao feitiço. Foi instintivo, mas eu forcei o espinho um pouco
mais fundo de qualquer forma.

“Oh, cuidado, isso foi bem perto do seu núcleo de mana.” Eu dei um tapinha
em seu nariz. “Para não se contorcer muito.”

Eu ouvi um crack atrás de mim e me virei para ver a Varay segurando o dedo,
que ela tinha acabado de arrancar.

Eu dei um olhar doloroso e solidário para nossa prisioneira. “Ouch. Isso deve
ter doído. Então, por que você não nos conta tudo sobre as operações dos
Alacryanos, hein? Então, você vai poder continuar com seus dedinhos
perfeitos.”

A Lyra Dreide, pálida e suada mesmo com o ar frio da caverna, fez uma careta,
mas não disse nada.

“Falar é, tipo, sua especialidade, né?” Eu perguntei, enrolando uma mecha de


seus cabelos ruivos em meu dedo. “Então não deve ser tão difícil.”

A retentora cerrou os dentes enquanto Varay ia para o próximo dedo. Quando


ele quebrou, Lyra Dreide arquejou, com seu corpo inteiro tremendo sob mim.

A armadura da Varay rangeu enquanto ela se levantava, e eu podia sentir seu


olhar frio em meus ombros. “Vaza, Mica. Eu cuido das perguntas.”
Fazendo biquinho, eu pulei do colo da retentora e fui para a cama. Lá, eu
peguei uma das minhas bonecas e isso me deu uma ideia.

Enquanto Varay começava o interrogatório, eu foquei em rearranjar as


características da boneca. Era uma das poucas que eu realmente tentei fazer
ela ficar bonita, e ela já tinha uma face feminina semirrealista. Eu só tinha que
mudar algumas pequenas coisas e ela seria semelhante com a nossa
prisioneira.

“Eu quero os nomes dos oficiais de mais alto rank em Xyrus, Blackbend e
Etistin.” Varay estava em pé na frente da retentora, com os braços cruzados e
irradiando uma aura gelada. Ela tinha um tom de negócios. Ela realmente
conseguia ser assustadora algumas vezes. Tenho certeza de que, se fosse eu
na cadeira, teria contado tudo em quatro segundos.

Além disso, eu gostava muito dos meus dedos.

A retentora, por outro lado, parecia ter ficado muda de repente. Ela
simplesmente assistiu enquanto a Varay se agachava, pegava um terceiro
dedo, e o congelava.

Atrás de Varay, eu imitei a ação na boneca. Eu a fiz gritar e tremer em resposta,


e então balançar, como se estivesse falando rápido. Varay pediu por nomes
novamente, mas a retentora segurou a língua.

“Mica acha que você deveria ir para o rostinho lindo da moça.” Eu sugeri
tentando ajudar. Ao mesmo tempo, eu belisquei o pequeno nariz da boneca e
o quebrei com um silencioso crunch.

Varay se virou para dizer alguma coisa mas parou quando viu a boneca. O
julgamento escrito em sua expressão era bem óbvio, mas eu não me importei.
Eu estava ajudando.

Aya apareceu de onde estava meio escondida nas sombras. “Varay, talvez eu
devesse assumir daqui. Afinal de contas, essa é a minha especialidade.”

Varay encarou a retentora nos olhos e parou, seus dedos tocando sua coxa.
“Tudo bem, mas se lembre, precisamos da mente dela inteira.”

Se aproximando lentamente, Aya levantou uma mão e fez um gesto no ar.


Tentáculos de névoa do tamanho de chicotes começaram a se desenrolar se
deus dedos e se enrolar na retentora presa. A mandíbula da Lyra Dreide se
apertou enquanto sussurros incompreensíveis preenchiam a caverna.

“Eu acho que minha companheira anã está certa. Você parece se importar
muito sobre como você é vista. Afinal, é por causa disso que você está nessa
posição. A adoração, o medo, aqueles momentos em que multidões de pessoas
prestam atenção em cada palavra que você diz…”
Aya descansou sua mão no lado do rosto da retentora. Quando a mulher se
enrijeceu, eu a dei uma pequena cutucada com o espinho de pedra nas suas
costas.

“É isso que vamos fazer se você não dar as informações que precisamos.” Aya
disse, sua voz como um ronrono baixo cheio de promessas e ameaças.
Enquanto ela falava, os tentáculos de névoa se enrolaram no rosto da
prisioneira, e os sussurros se intensificaram. “Você consegue ver? Consegue
ver o que você vai se tornar?”

O rosto da Lyra Dreide empalideceu e seus lábios estavam tremendo. Ela


fechou seus olhos para a névoa, mas mesmo isso não a protegeria das ilusões
da Aya.

“Ouça, Alacryana. Ouça os gritos. Você sabe de quem eles são?” Aya murmurou.
“Esse é o som que você ouvirá em todo lugar que for: os lamentos horrorizados
das mulheres e crianças, o nojo aterrorizado dos homens, incapazes de
aguentar a visão de você.”

O corpo da Lyra Dreide começou a tremer. Eu senti o surgimento da mana nela


e espetei o espinho em suas costas. “Nem tente, senhorita.”

Varay descansou uma mão no ombro de Aya, e a Lança élfica removeu a névoa.

“Confie em mim quando digo que não sinto prazer nisso,” Varay disse
enquanto pressionava sua palma na bochecha da retentora. Os olhos de Lyra
Dreide se abriram. “Eu não desejo te trazer dor, e preferiria que você
simplesmente nos desse as informações que precisamos. Porém, se você me
obrigar a fazer isso, eu vou congelar suas orelhas, depois seu nariz. Vou
transformar seus olhos em gelo e queimar sua carne com o frio. Mica vai
apertar essas amarras até suas pernas quebrarem e suas mãos vão ser
esmagadas até virarem uma massa inútil e, finalmente, se você não falar
mesmo depois de sofrer tudo isso, eu vou cortar sua língua, perfurar seu
núcleo, e pendurar o que restou de você pelas ruas de Etistin para todos
verem, como vocês fizeram com nossas rainhas e reis.”

Eu encontrei o olhar da Aya e disse silenciosamente, “Uau.”

Lyra Dreide parecia estar procurando os olhos frios da Varay. Depois de um


momento, ela se abaixou em derrota, e a lança retirou sua mão.

Varay se sentou, e um trono de gelo pontiagudo se cristalizou do nada atrás


dela. Ela parecia afundar no trono congelado enquanto relaxava e cruzava suas
pernas, antes de alfinetar a Alacryana com um olhar penetrante. “Eu quero os
nomes e títulos, detalhes da hierarquia e onde estão alojados os líderes locais.
Lyra Dreide, quando terminar, eu quero entender tanto dos mecanismos do
novo governo Alacryano quanto você. Se você fizer isso acontecer, tudo isso
acaba e você pode continuar sua vida. Por enquanto.”
A mulher parecia ter murchado, afundando tanto na cadeira que eu tive que
reduzir o tamanho do espinho para não furar seu núcleo acidentalmente.

“Tudo bem. Vou contar o que você quer saber.”

Apenas algumas horas depois, estávamos voando a velocidade máxima pelas


Grandes Montanhas.

Quando a retentora começou a falar, não parou mais. Era como se Varay
tivesse apertado um botão e toda informação contida nela tivesse saído para
fora. Como uma porta-voz dos Vritra em Dicathen, ela sabia de tudo: Como o
governo local estava sendo estruturado e mantido, quem estava no comando
de onde, quais eram seus papéis individuais no projeto geral de Agrona…

Honestamente, ela falou por tanto tempo que eu fiquei entediada e meio que
sonhei acordada, mas é para isso que as Lanças Aya e Varay serviam.

Não demorou muito para planejar nosso primeiro ataque. Varay insistiu em
usar o que aprendemos imediatamente. Os boatos de nosso ataque iriam se
espalhar pelas forças Alacryanas e civis Dicateanos como fogo de dragão, e
nós iríamos capitalizar com isso.

Nosso primeiro alvo foi Xyrus: Ensel Speight, o mago que estava no comando
da Academia de Xyrus. De todas as pessoas que ela nos disse, esse verme era
o mais nojento. Seu papel era educar os jovens magos, o que obviamente, era
fazer uma lavagem cerebral para os fazer apoiar os Alacryanos. Mas ia muito
além disso.

Ensel Speight foi pioneiro de um sistema em que os jovens magos Dicateanos


eram rigorosamente testados para melhorar seu entendimento de magia, e ao
mesmo tempo usando contra qualquer um que não estivesse na linha. Eles
estavam fazendo criancinhas praticarem seus feitiços em alvos vivos.

Esse pensamento me deixava com nojo, mas havia uma consolação em saber
que nós iríamos limpar Ensel Speight da face do mundo.

Nós voamos em silêncio, com nossos corpos envoltos em mana contra o frio
amargo do ar em uma altitude tão elevada. Varay parou apenas quando as
luzes da Cidade de Xyrus apareceram a distância.

“A partir de agora as assinaturas de mana devem ser suprimidas.” ela disse,


mesmo que já tivéssemos discutido tudo antes de sair. “Vamos circular ao
redor e entrar de cima da academia. Aya, você vai penetrar a barreira de mana.
Se lembre, direto para a torre do diretor. Nós-”

“Pela pedra e pela raiz, nós já falamos disso.” Eu resmunguei, encarando Varay.

“Nós vamos sair sem ser detectadas, ou então nosso próximo objetivo vai se
tornar muito mais difícil.”
Aya assentiu, seu cabelo preto brilhando com a luz das estrelas. Eu grunhi meu
reconhecimento.

Às vezes Mica acha que a Varay esquece que todos nós fomos generais uma
vez…

Sem mais conversa desnecessária, nós voamos acima da cidade e nos


alinhamos à academia. Ainda era possível que nós fôssemos detectadas pelo
uso constante de mana, ou até mesmo sermos vistas, dependendo do azar,
então nos movemos rápido.

Quando a academia estava diretamente abaixo de nós, entramos em formação


e mergulhamos em direção ao domo protegendo Xyrus. Aya estava na posição
de líder, e quando chegou ao domo, seu braço se iluminou com um brilho de
mana pura. Usando seu braço como uma faca, ela cortou a barreira
transparente e disparou para dentro.

O véu protetor começou a se regenerar instantaneamente, o feitiço poderoso


dos magos antigos o tricotando de volta, como se estivesse curando um
ferimento. Varay foi em seguida, e eu a segui, as bordas do buraco já perto o
suficiente para queimar contra a mana em volta do meu corpo.

Como esperávamos, a barreira secundária que cobria somente a academia não


estava ativa e o caminho para a torre do diretor estava limpo. Eu e Varay
seguimos logo atrás da Aya enquanto ela voava como uma flecha para a sacada
da torre.

Quando a Lança élfica bateu na porta fechada da sacada a toda velocidade,


ela desmoronou como se fosse feita de papel, explodindo para dentro e
espalhando poeira e entulho pela sala do diretor. O lugar estava uma bagunça.
Eu pousei no centro da sala, segurando minha maça, mas sem ninguém para
bater com ela.

Uma escrivaninha que estava na frente da porta da sacada foi lançada pela
sala e esmagou metade da porta para as escadas. Pedaços de pedra e madeira
cobriam o chão, e uma poeira branca fina estava por cima de tudo.

“Merda, talvez ele não esteja aqui?” Eu olhei para a Varay pela confirmação,
mas senti mana surgindo ao mesmo tempo que ela.

Um escudo de gelo apareceu na nossa frente em um instante antes de um feixe


de fogo azul ser atirado por debaixo dos destroços. O fogo se espalhou pelo
escudo, o devorando, mas o feitiço de Varay absorveu todo o calor, e depois
de um segundo, tanto o fogo quanto o gelo desapareceram.

Aya saltou para a fonte do feitiço e arremessou um grande pedaço da parede


pela sala. Debaixo dele saiu um homem muito magro em um roupão vermelho
e preto. Ele era calvo, com um cabelo fino e oleoso nos lados da cabeça. Seus
olhos cinzas penetrantes estavam com lágrimas com a dor de uma perna
claramente quebrada, mas de alguma forma ele ainda parecia nos
menosprezar.

“As famosas Lanças, eu presumo.” Ele falou com os dentes cerrados. “Uma vez
os melhores generais do exército de Dicathen, agora decaíram para o papel de
meros assassinos.” Ele cuspiu sangue. “Realmente patético.”

“Você fala muito pra um cadáver.” Eu disse, levantando minha maça e olhando
para Varay. “Deixe a Mica o calar para sempre, por favor?”

Ensel Speight bufou e cuspiu mais sangue. “Eu amaria dar vocês três para os
Testadores. Por Vritra, as coisas que teríamos aprendido…”

Gritos de fora e da escada abaixo de nós anunciaram que era hora de ir


embora. Varay assentiu, e eu dei um passo a frente para dar o golpe de
misericórdia.

O homem cruel uivou enquanto soltava outro raio de fogo azul em meu rosto.
Eu levantei minha maça para o desviar, mas o feitiço nunca me alcançou. Ao
invés disso, Varay disparou e pegou o fogo. Por um momento, parecia ter uma
linha sólida conectando os dois, então o fogo na mão da Varay começou a
endurecer em um tom mais escuro e frio, congelando completamente. O fogo
congelado se espalhou, o gelo correndo pelo comprimento do raio. O rosto do
Ensel Speight se contorceu em concentração, mas no último momento seus
olhos se arregalaram e eu o senti tentar cortar o feitiço, mas era tarde demais.

O gelo cresceu pela sua mão, seu braço, e em um instante cobriu seu corpo
inteiro, o congelando por completo. Varay soltou seu lado do fogo congelado
e a linha se quebrou, despedaçando no chão.

Descansando minha maça nos ombros, eu dei um olhar suplicante. “Agora a


Mica pode?”

Varay apenas revirou seus olhos um pouco antes de assentir.

Quando minha maça acertou o Alacryano um segundo depois, ele se


despedaçou como uma escultura de gelo, com pedaços dele voando pelo
cômodo.

Alguém bateu na porta pelas escadas. “Senhor! Senhor? Você está bem,
senhor?”

“Vamos.” Aya disse, pisando cuidadosamente em um grande pedaço do … do


Ensei Speight. Eu achei que fosse um pedaço de um braço, mas era difícil dizer.

Enquanto voávamos pelo buraco no lado da torre, mais gritos vieram de baixo
e uma série de feitiços brilharam no pátio escuro. Aya conjurou uma camada
de ventos agitados abaixo de nós, mandando os raios vermelhos, azuis e
verdes para longe enquanto subíamos para o céu.
“Ooh, é como fogos de artifício!” Eu gritei para os outros, observando o
bombardeio de feitiços baterem na bolha protetora de Xyrus.

Como antes, Aya perfurou ela e nós saímos para o ar frio da noite. Nós
imediatamente mergulhamos, voando rente à barreira até estarmos abaixo do
nível da ilha flutuante, então fomos em direção à Cidade de Blackbend.

“Tão fácil quanto pegar larvas de pedras!” Eu sorri para a Aya, mas ela estava
com uma expressão séria. “Ah, qual foi. Isso foi ótimo!”

Varay respondeu do outro lado. “Fomos bem-sucedidas, sim, mas foi apenas
um homem. Teremos que fazer mais esta noite.”

Voando alto e nos esforçando muito, conseguimos chegar na Cidade de


Blackbend antes do amanhecer. Blackbend era uma cidade em expansão
construída para trocas entre Darv e Elenoir, mas mais importante, era o lar de
um número enorme de aventureiros. Isso significava que a Guilda dos
Aventureiros tinha uma forte presença nessa cidade.

De acordo com nosso prisioneiro, esforços foram feitos para pressionar a


liderança da Guilda de Aventureiros para apoiar os Vritra publicamente. Ser
aventureiro era uma ocupação lucrativa, se você se arriscasse ou agisse em
Sapin, além de que o grande número de magos poderosos, independentes e
bem treinados espalhados pelo país era um problema para o governo
Alacryano.

Infelizmente, se Lyra Dreide estivesse dizendo a verdade, os Alacryanos


tiveram bastante sucesso em persuadir os líderes de guilda. Quem diria que
os profissionais exploradores de dungeons e matadores de monstros não eram
muito leais?

O líder desses esforços era uma maga de sangue Vritra chamada Haleigh Leech.
Ela era uma ascendente poderosa, o que quer que isso significasse, que se
tornou uma política e comparsa dos Vritra. Aparentemente ela era muito boa
em influenciar homens grandes e burros, o que eu respeitava, mas isso não
significa que eu não iria matar ela.

Nós permanecemos alto o suficiente para evitar de sermos vistas ou


detectadas até estarmos pairando sobre o Saguão da Guilda dos Aventureiros.
Era uma sessão da cidade bem populosa, então teríamos que ser cuidadosas
sobre soltar feitiços grandes, não ajudaria nada se a gente acabasse com
vários Dicateanos para derrotar um Alacryano.

“Prontas?” Varay perguntou, a mana já se condensando ao seu redor.

Aya assentiu. Eu dei dois joinhas pra ela.


A mana de Varay se inchou em uma bola de gelo condensada na sua frente.
Um momento depois, ela a mandou caindo como um cometa em direção ao
telhado da construção. Nós seguimos o rastro de ar frio restante.

O cometa bateu no telhado, e passou por dois andares, e então explodiu no


átrio, liberando uma explosão de água fervente que saía como uma onda,
nocauteando vários homens. Quando Varay pulou na água um segundo depois,
ela soltou um pulso de frio que congelou a onda, prendendo os homens onde
estavam.

Dicateanos. Eu notei. Mas todos vivos.

Um grupo de três magos Alacryanos desarmados espiaram da borda do chão


quebrado. Os pisos abaixo deles racharam antes de quebrar enquanto eu
aumentava o peso dos soldados, fazendo com que eles caíssem como se
fossem feitos de ferro. A força da queda foi suficiente para incapacitá-los, mas
eles não estavam sozinhos.

Assinaturas de mana estavam se movendo pelo Saguão da Guilda. Quatro


estavam vindo pelo corredor em direção a nós. Eu me preparei para atacar
assim que eles aparecessem na entrada, mas a mulher que os liderava não
estava vestindo roupas Alacryanas.

Eu segurei minha mão para pará-los. “Saiam daqui!”

Quando ela hesitou, seus companheiros se acumularam no corredor atrás


dela, eu deixei estabeleci minha intenção sobre eles. “Você não luta por essas
pessoas, entendeu? Especialmente não contra nós.” Isso foi tudo que precisou
para os aventureiros fugirem.

“Eles parecem estar se juntando perto de uma assinatura de mana forte no


noroeste da construção.” Aya notou enquanto mandava uma lâmina de vento
que varreu os soldados Alacryanos que tinham acabado de entrar no cômodo
pelo outro lado.

“Deve ser ela.” Eu disse.

Sem esperar por confirmação, eu disparei naquela direção, passando


destruindo as paredes ao invés de navegar pelos corredores tortuosos do
enorme prédio. Quando eu entrei de repente em um escritório bem iluminado,
eu me encontrei encarando uma parede de escudos mágicos.

Ventos serpenteantes, chamas ardentes, gelo, pedras sólidas e painéis


translúcidos e brilhantes me separavam de mais ou menos vinte soldados.
Eles estavam organizados ao redor de uma mulher loira musculosa. Mesmo
sendo nas primeiras horas da manhã, ela estava enfeitada com uma armadura
de placas pesada que brilhava dourada na luz. Os lados de sua cabeça foram
raspados para destacar os dois chifres preto-azeviche que cresciam do seu
crânio.
Uau, ela parece ser fodona pra caralho.

“Olá,” Eu disse, dando um pequeno aceno para a multidão de soldados


Alacryanos. “Haileigh, certo?”

“Segurem ela aí.” A mulher disse antes de escorregar por uma alcova
escondida e desaparecer.

Um domo de pedra sólida de um pé de grossura se formou sobre mim para


defletir a tempestade de feitiços vindo, e então explodiu em lascas afiadas.
Algumas passaram pelas brechas entre os escudos e atingiram os magos atrás
deles, mas eu não desperdicei tempo atacando soldados individuais.

Correndo pelo lado, eu entrei de lado pela parede em um corredor estreito


antes de esmagar outro e me encontrar do lado de fora, na rua. A grande
mulher Alacryana estava correndo em outra direção, suas botas blindadas
fazendo barulho nas pedras como um martelo na forja.

Me sentindo um pouco criativa, eu conjurei um simulacro para guardar o


buraco que eu fiz na parece, apenas um golem de pedra bruto do tamanho de
um anão, como uma versão gigante de uma das minhas bonecas, para evitar
que aqueles magos fiquem surgindo atrás de mim, e corri pela rua atrás de
Haleigh Leech.

Eu me perguntei por que as outras estavam demorando tanto, mas eu sabia


que, a não ser que elas encontrassem uma Foice — o que não aconteceu,
porque eu teria sentido imediatamente — elas não estariam em perigo
imediato.

Pegando minha maça, eu a arremessei nas costas da Alacryana recuando. Uma


sombra pareceu sair de seu corpo e pegar a arma no ar antes de alcançar ela.
A sombra girou a maça, claramente se preparando para jogar de volta para
mim.

“Ei, isso é meu!” Eu gritei.

Manipulando a gravidade ao redor da maça, eu a deixei tão pesada que ela


escapou das mãos da sombra e caiu no chão, quebrando as pedras e
afundando alguns centímetros na rua. A sombra estourou como uma bolha e
desapareceu quando meu alvo virou em outra rua e eu a perdi de vista.

Eu voei baixo pela rua, pegando minha arma enquanto passava. Quando eu
virei a rua bruscamente, me deparei novamente com um muro de escudos
protegendo hordas de soldados Alacryanos, com Haileigh Leech atrás deles.

“Déjà vu.” Eu disse enquanto flutuava até parar. “Você tá tirando esses caras
do bolso ou o quê?”
“Estamos mais do que preparados para lidar com alguns rebeldes.” Ela bradou,
sua voz profunda ressoando das construções próximas. “A guerra acabou,
general. Você já perdeu.”

Uma porta se abriu na minha direita, e um homem vestido como um


aventureiro saiu. Ele estava com sua arma em mãos e encarava os Alacryanos
com raiva. Portas e mais portas se abriram e vários Dicateanos o seguiram.

Haileigh Leech os encarou. “Voltem para suas casas, civis! Qualquer um que
resistir será executado imediatamente.”

Vendo o povo disposto a se levantar contra os Alacryanos era exatamente o


motivo de nós estarmos fazendo isso. As lanças foram formadas para ser um
símbolo de força para o povo Dicateano, e era isso que tínhamos a intenção
de ser.

Mas depois que essa mulher estivesse morta, nós voltaríamos a fugir. Qualquer
um que levantasse suas armas contra os Alacryanos provavelmente seria
morto, e ao invés de esperança, teria o desespero, a raiva e o ressentimento
remanescente. Não era hora deles lutarem, apenas de saber que as lanças
ainda estavam lá, lutando por eles.

“Vocês ouviram a moça demônio.” Eu gritei. “Voltem para suas casas, por favor.
Deixem as lanças lutarem hoje.”

Houve alguma hesitação e alguns olhares confusos, mas ninguém


desobedeceu, e eles lentamente voltaram para suas casas, mas eu ainda podia
ver vários rostos nos espiando por trás das janelas ou entre persianas.

“Onde estávamos?” Eu perguntei, voltando meu foco para os Alacryanos. “Ah,


certo, eu estava prestes a matar todos vocês.”

Me fazendo tão pesada quanto um hiracoide de ferro e reforçando a grossa


barreira de mana ao meu redor, eu mergulhei em direção ao muro de escudos.
Alguns feitiços passaram inofensivamente por mim antes que eu batesse no
muro. Seus escudos dobraram e os magos atrás deles foram jogados para trás,
se espalhando como confete. A fila inteira caiu.

Eu girei minha maça em um arco amplo, amassando vários soldados. Alguns


estavam tentando se aproximar, mas o resto estava caindo para trás, sobre
eles mesmos. As barreiras se refizeram ao meu redor em uma tentativa de me
prender, mas antes que eu pudesse fazer algo legal para me libertar, um
relâmpago súbito rasgou o ar. Os Alacryanos caíram gritando, com os narizes,
olhos e bocas sangrando enquanto o feitiço arrebentava seus interiores.

Aya passou rapidamente, ignorando os poucos homens que haviam


sobrevivido, em um esforço para alcançar Haileigh Leech, que estava correndo
novamente, descendo a rua em velocidade máxima. Quando Aya a alcançou,
três sombras saíram dela e agarraram a lança, tirando ela do ar e prendendo
no chão.

Eu finalizei rapidamente os últimos soldados antes de correr para ajudar a


Lança élfica. Mas quando eu a alcancei, as sombras tinham saído e ela estava
levantando e tirando a poeira de si mesmo.

“Aliás, o alvo pode criar estranhas cópias de sombra dela mesma ou algo
assim.” Eu disse enquanto corria.

“Isso está demorando demais!” Aya gritou, se mantendo no meu ritmo


facilmente. “Nós seremos cercadas se não sairmos daqui.”

E então, quatro figuras apareceram do nada em nossa frente, bloqueando o


caminho. Primeiramente, achei que fossem retentores pela força em seus
núcleos de mana, e eu escorreguei para parar. Aya fez o mesmo, encarando os
recém-chegados com cuidado.

Não, não estavam no mesmo nível da Lyra Dreide ou daquela criatura horrível,
Uto. Eu percebi. Mas, mesmo assim, eles não eram fracos.

Eles eram estranhamente difíceis de ver, como se estivessem cobertos em


sombras. Eu assumi que era um tipo de feitiço ou um poder que os ajudava a
esconder suas presenças.

O homem na minha frente deu um passo para frente e era como se ele tivesse
pisado no sol brilhante de meio dia, ou talvez como se, de repente, estivesse
irradiando uma luz. Ele não vestia nada além de calças largas, pretas e
sedosas, mostrando seu corpo atlético. Ele era bonito também, com o cabelo
levemente ondulado da cor de cedro vermelho.

Ele pôs as mãos na cintura e sorriu para mim, seus dentes brilhando brancos
na escuridão. “Guardas da Rosa, presente!”

A sombra saiu dos outros enquanto eles davam passos à frente, um de cada
vez. À esquerda do homem sem camisa, uma figura esbelta em um roupão de
batalha escarlate apontou um longo dedo para mim, falando bem suavemente.
“Royal!”

Na direita, uma mulher em uma cota de malha preta e uma armadura de couro
vermelho escura fincou a ponta de sua espada de duas mãos enorme na rua e
jogou seu rabo de cavalo para o lado. “Roxy.”

Atrás deles, um grande homem em um uniforme vermelho e preto parecido


com o de Lyra Dreide girou um cajado casualmente antes de o descansar em
seus ombros. Sua voz era tão profunda quanto um mugido de um boi da lua.
“Gale.”

“E eu sou Geir.” O líder finalizou com uma piscadinha.


Eu troquei olhares com a Aya. Não sei se foi seu olhar de espanto ou as
introduções dos Guardas das Rosas que me atormentou mais.

Eu ri. Alto. Ri até chorar, até começar a ofegar, até me preocupar em desmaiar
ali mesmo na rua.

Talvez esse fosse o plano, eu achei que fosse explodir de tanto rir. Eles
debilitavam seus oponentes com uma risada incontrolável e então os
esfaqueavam enquanto estavam fracos.

Apesar desse pensamento, os quatro Alacryanos não se moveram para atacar.


Mas eles não pareciam estar muito felizes.

Secando minhas lágrimas, eu afastei a Aya. “Vá pegar o alvo antes que ela
escape. Eu vou ficar aqui para brincar com esses quatro.”

Aya assentiu e foi para o ar. O Alacryano chamado Royal estava prestes a
conjurar um feitiço quando Geir segurou sua mão.

“Madame, você zombou e desonrou os Guardas da Rosa. Nós demandamos


uma satisfação por um desafio de combate. Até a morte.” ele adicionou
dramaticamente.

“A sua, talvez.” Eu rebati, minha maça já se movendo.

Na verdade, era bem impressionante o quão rapidamente os quatro magos


conseguiram sincronizar suas respostas. Minha maça esmagou o chão à minha
frente, destruindo a rua. Rachaduras em formatos de raios se espalharam do
impacto na direção dos meus oponentes, mas eles estavam preparados.

O homem grande chamado Gale conjurou dúzias de lajes de pedra do tamanho


de pratos, que orbitaram o grupo, incluindo abaixo deles, então eles
conseguiram sair do chão para evitar as pedras.

Royal dançou em um dos pratos e o afastou de uma rocha pontiaguda antes


de conjurar água fedida e fervente, que borbulhou para fora das rachaduras
que eu fiz. Ela chiou onde tocava as rochas, e depois de alguns segundos, tinha
um fosso ao redor dos Guardas da Rosa.

Roxy girou sua espada e se contorceu como uma dançarina do ventre. Um


longo túnel de mana do atributo do vento saiu de sua lâmina. Ela cresceu, e
continuou crescendo até que fosse longa o suficiente para envolver todo o
espaço entre ela e seus amigos. Em um dos fins, a cabeça de uma cobra foi
esboçada no vento forte.

Finalmente, Geir flutuou no ar, e então seu corpo queimou em chamas. O fogo
se moldou ao seu redor como uma peça de armadura, mas não era apenas
isso. Duas asas flamejantes brotaram das suas costas e uma longa cauda de
fogo em formato de chicote estava abaixo dele. Os dois braços estavam com
garras incandescentes e brilhantes em suas pontas, e as chamas ao redor de
sua cabeça se moldaram em um formato reptiliano familiar de um dragão.

“Oh, isso foi legal.” Eu disse, admirando o traje de dragão flamejante. “Você
escolheu a forma ou já veio assim?”

A voz de Geir ecoou em um tom de outro mundo quando ele falou de novo.
“Basta de palavras evasivas e brincalhonas, Dicateana. Agora, você está
encarando todo o poder… dos Guardas da Rosa!” A boca do dragão soprou um
vasto cone de fogo, que eu defleti com uma laje de pedra que saiu da rua.
Quando as chamas araram, eu coloquei a laje na frente para pousar na lama
ácida, criando um tipo de ponte sobre o fosso.

A cobra de vento deu o bote, sua boca completamente aberta. Eu estava meio
curiosa para saber o que aquela coisa fazia, mas não o suficiente para a deixar
me acertar de propósito. Pulando na laje de pedra, eu senti a mandíbula da
serpente fechar logo atrás de mim antes de a acertar de volta, mas minha maça
passou por ela e quase caiu no fosso fedorento.

Gêiseres de água fervente começaram a espirrar no ar. Onde as gotas me


atingiram, elas chiaram ao encontrar minha mana e tentaram comê-la.

Eu dei um pulo pra frente e ataquei Geir, mas as placas de pedra se moveram
para defletir o ataque, e o dragão abriu a boca para outro tiro de fogo a queima
roupa. Dessa vez, eu encarei o ataque de frente, confiando na minha mana
protetora para absorver o calor enquanto eu girava, aumentando a gravidade
na minha maça para criar um momentum, então quando outra placa de pedra
foi para uma posição defensiva, a maça a destruiu e continuou indo.

Geir gritou e pulou para trás, suas asas batendo ferozmente atrás dele, ele mal
pôde evitar meu ataque. Várias placas se moveram para defendê-lo, mas eu
continuei meu assalto, ao invés de voar para cima para evitar outro ataque da
cobra de vento. Uma névoa nociva começou a se formar ao meu redor,
corroendo minha mana defensiva. Criando um ponto de gravidade densa à
minha esquerda, eu afastei o gás verde e girei para encontrar Roxy, que estava
correndo pelas costas da cobra de vento como se fosse uma escada.

Sua enorme lâmina sibilou enquanto cortava o ar, então ressoou como um sino
quando foi defletida pela minha maça. Suas mãos se moveram a uma
velocidade incrível — apoiada pelas rajadas de vento calculadas — enquanto
ela retalhava e cortava em um bombardeio de ataques.

Com o canto dos olhos, vi Geir circulando ao meu redor para se posicionar
atrás de mim, e podia sentir Royal preparando um novo feitiço abaixo. Gale
parecia estar focado em seus escudos de pedra, mantendo vários deles perto
o suficiente de seus companheiros para evitar um ataque surpresa. Eu senti
pela Aya e a Varay para ter certeza de que elas ainda estavam bem: Aya estava
algumas ruas à frente, sua mana surgindo como se ela estivesse lutando contra
alguém — tomara que seja a Haileigh Leech — mas Varay ainda estava no
Saguão da Guilda, com sua mana calma.

Saber que elas estavam bem era suficiente para o momento; Eu estava um
pouco ocupada demais com os Guardas da Rosa para me perguntar por que a
Varay estava apenas sentada no chão com a bunda magra dela. Quando eu
senti o calor de uma chama súbita nas minhas costas, eu caí como uma pedra,
defletindo um último ataque da lâmina da Roxy enquanto caía. O jato de fogo
passou por ela, obviamente mirado cuidadosamente para evitar fogo amigo.

Um míssil de líquido verde foi atirado das mãos do Royal, me forçando a girar
no ar, mas eu tirei vantagem desse redirecionamento para colidir com Gale. O
grande Alacryano conjurou mais uma dúzia de novas placas de pedra para se
defender, mas eu apenas aumentei meu próprio peso e passei por elas, usando
meu corpo como um aríete.

E quando eu o alcancei, o escudo desapareceu.

Outro míssil ácido espirrou no meu ombro, chiando e estourando contra minha
barreira de mana. Eu conjurei uma coluna de pedra que saiu do chão e bateu
em Royal, o mandando cambaleando para a parede de um prédio de tijolos.

Geir mergulhou do céu, suas garras flamejantes estendidas. Eu conjurei o Cofre


de Diamante Negro, me fechando em uma concha de cristais brilhantes no
último instante. Mesmo que eu não pudesse ver ou ouvir nada que acontecia
do lado de fora, eu soltei uma risada gostosa ao pensar no Geir macetando a
cara na substância mais dura conhecida pelos anões.

Depois de o manter por apenas alguns segundos, eu removi o feitiço,


permitindo que os cristais caíssem e se dissolvessem no chão. Geir estava
deitado aos meus pés, sua armadura conjurada brilhando fracamente
enquanto ele se esforçava para manter sua concentração nela. Ele estava
sangrando muito na testa.

“Você realmente devia ser mais cuidadoso.” Eu o alertei. “Voar leva muita
prática, mas tenho certeza que você vai pegar o jeito algum dia.”

Um grito de guerra profundo ecoou de cima e eu levantei minha maça bem na


hora para encontrar a lâmina da Roxy. Sua serpente apareceu dos lados e
prendeu sua boca em mim. Eu fui tirada do chão e de repente me encontrei
girando pela construção como uma folha em um furacão.

A boca da cobra de vento mergulhou na piscina de líquido cáustico que ainda


cobria a rua, sugando a água ácida e me ensopando com ela.

Bem, isso é irritante. Eu resmunguei enquanto girava loucamente em uma sopa


de ácido fedido dentro da barriga de uma cobra de vento.
Sentindo a mana do atributo-terra no chão lá embaixo, eu localizei uma
camada de solo pesado de argila molhada mais ou menos nove metros abaixo
da superfície de pedra da rua. Eu rapidamente aumentei a gravidade no
bolsão, amassando a argila, forçando a umidade a sair, e deixando um vácuo
com vários metros de largura.

Os Guardas das Rosas pareciam estar demorando um tempo para se preparar.


Gale tinha reaparecido e ajudou Geir a se recuperar. Roxy estava focada em
seu feitiço, fazendo o vento soprar constantemente mais rápido e forte para
me manter presa dentro. Eu não podia nem ver Royal.

Isso funcionou perfeitamente bem para mim. Eu cerrei meu punho e quebrei a
terra abaixo de seus pés. A rua e o solo abaixo desmoronaram no vácuo que
eu criei embaixo. Ao mesmo tempo, eu acertei cada um deles com o Martelo
de Gravidade, os amassando como baratas embaixo de um chinelo.

Três Alacryanos, várias toneladas de terra e pedra, e mais ou menos mil galões
de água ácida desapareceram na ruptura.

A cobra de vento e o fluido digestivo agitado nela desapareceram, me jogando


no chão bem na borda do buraco gigante que eu criei.

“Geir! Roxy! Gale!”

“Oh, aí está você.” Eu disse casualmente, me virando para o Royal. O


conjurador estava em pé logo depois de onde a rua tinha desmoronado. Eu
olhei para dentro do buraco, mas não havia sinal dos outros.

“Ei, pelo menos você removeu toda aquela água nojenta antes que ela
derretesse o rosto dos seus amigos.” Eu disse para o consolar.

Eu senti a Aya se aproximando, e Royal se virou, conjurando uma longa


corrente de líquido ácido que o orbitava em um padrão de espiral.

Aya ignorou o Alacryano. “Está feito.” Ela gritou, se virando para cima.

“Bem.” Eu disse, encontrando o olhar chocado do Royal. “Parece que é hora de


ir. Talvez, se você se apressar, vai conseguir tirar seus amigos daí antes deles
sufocarem. Tchau, tchau, eu acho!”

Meus pés se ergueram da rua destruída e eu voei até Aya. Varay veio pelo
buraco no teto do Saguão da Guilda para nos encontrar, e nós nos viramos
para o sul juntas, voando pelos telhados de Blackbend.

“Então, o que você estava fazendo enquanto eu e a Aya estávamos com a mão
na massa, hm?” Eu perguntei para Varay alguns minutos depois.
“Convencendo a liderança da guilda que não é interessante para eles apoiar
os Alacryanos.” Ela respondeu.

“E você foi bem-sucedida?”

“Ver as Lanças apareceram como um raio em um céu limpo para atacar os


Alacryanos pareceu ter impactado eles, então sim.” A boca de Varay se
contorceu, para o mais próximo de um sorriso que ela já teve.

O sol já estava nos espiando do horizonte à nossa esquerda, colorindo o céu


em um azul cinzento. Tinha uma brisa gentil em nossas costas e quilômetros
de terras selvagens abaixo de nós. Eu me senti bem sobre como as coisas
estavam indo.

“Alguma coisa está nos seguindo.” Aya disse, gesticulando para seu ombro.

De Blackbend, nós voamos diretamente ao Sul, para Darv. Nosso último alvo
dessa missão não estava nos terrenos secos ou nos túneis dos anões, mas nós
queríamos nos livrar de qualquer rastreamento ou perseguição que os
Alacryanos poderiam ter conjurado.

Varay sinalizou uma parada e nós olhamos para o norte para observar. O ar
estava tremeluzindo algumas dezenas de metros abaixo de nós, como uma
sombra suspendida no meio do ar ou uma pequena e fina nuvem cinza.

“Algum tipo de feitiço de rastreamento.” Eu confirmei, assentindo sabiamente.


“Se conseguiu se manter na nossa velocidade até aqui, também é rápido.”

Eu fui até o borrão escuro contra o céu amanhecendo, mas ele fugiu. Eu voei
mais rápido, mas ele ficou mais ou menos 20 metros atrás. Finalmente, eu me
inclinei e disparei à velocidade máxima para a sombra, mas ela se moveu tão
rápido quanto eu.

Aterrissando grosseiramente, eu voltei para as outras. A sombra reverteu o


curso e me seguiu, mantendo a distância, mas não ficando para trás.

“Definitivamente rápido.” Eu confirmei quando eu fiz uma curva para parar do


lado da Aya.

A Lança élfica lançou várias balas de vento nela. Seu feitiço passou pela
sombra com uma pequena ondulação, mas não pareceu a machucar. Nós
passamos um minuto atirando feitiços cada vez mais fortes, mas nada afetava
a sombra.

“Vocês percebem que se tiver algum Vigia Alacryano sentado em Blackbend


assistindo isso, nós vamos ficar parecendo idiotas, né?” Eu disse pra Varay.

“Alguma ideia?” Ela perguntou, não tirando os olhos da sombra.


Eu já tinha tentado aumentar sua gravidade diretamente, o que não havia feito
nada, mas talvez alguma coisa mais poderosa possa ter algum efeito.
Escolhendo um ponto mais ou menos no meio do caminho entre nós e a nuvem
espiã, eu foquei toda minha energia em conjurar uma Singularidade.

O buraco negro estava muito longe da sombra para a afetar, mas se a sombra
nos seguisse em linha reta como esteve fazendo até agora…

Nós nos afastamos do círculo perfeito de pura escuridão, não conseguindo


enxergar mais a nossa perseguidora, mas torcendo para que ela continue na
mesma direção. Nós andamos algumas dezenas de metros antes que eu
liberasse o feitiço, incapaz de aguentar o manter de tão longe.

No instante que ele desapareceu, a sombra disparou pelo céu, mais uma vez
pairando a distância.

“Essas merdas de Alacryanos e seus poderes estranhos.” Eu resmunguei. “Nós


não podemos apenas deixar ela nos seguir por aí, então qual é o plano,
senhoritas?”

“Talvez nós possamos absorver sua mana?” Aya sugeriu, sua sobrancelha
franzida com o pensamento.

“Mas nós não podemos chegar perto dela.” Eu rebati. “A não ser que…”

“Nós podemos tentar nos aproximar de três direções diferentes, a fechando.”


Varay disse. “Boa ideia. Talvez ela não saiba para que lado se mover.”

Eu fiquei onde estava enquanto as outras duas Lanças voavam em volta da


sombra espiã. Quando elas entraram em posição, nós começamos a voar
lentamente na direção dela, tentando manter uma distância igual entre nós.

A sombra rodopiou distâncias curtas para algumas direções, mas sempre se


corrigia e não parecia conseguir se mover para mais perto de uma de nós.
Quando estávamos a apenas alguns metros de distância, ela começou a vibrar
rapidamente enquanto fazia pequenos ajustes para frente e para trás,
tentando se estabilizar perfeitamente entre nós.

“Cuidado.” Varay ordenou. “Estiquem as mãos e vejam se conseguem sentir


sua mana.”

Muito lentamente, nós fomos até a forma vaga. Quando minha mão estava nela
— passando por ela como nossos feitiços — eu senti sua mana. Não tinha
muita, não era um feitiço particularmente forte. Cada uma de nós absorvemos
um pouquinho antes da sombra espiã se dissolver, desaparecendo
completamente.

Varay estava encarando o espaço vazio entre nós com um olhar estranho no
rosto. “Algum dia, eu espero ter uma chance de estudar essas formas
Alacryanas de magia.” Ela disse. “As coisas que eles são capazes de fazer… Eu
nunca vi nada como essa sombra.”

A expressão da Aya escureceu. “Como eles estão fazendo com a gente em


Xyrus?”

“É claro que não.” Varay falou rispidamente. “Mas se essa guerra tiver um fim,
eu espero que nossas nações possam ter a chance de compartilhar nosso
conhecimento de magia… depois dos Vritra serem destruídos.”

Aya zombou. “Eu preferiria mandar seu continente inteiro para o fundo do
oceano por mim mesma.”

“Mica concorda que os Alacryanos merecem isso e muito mais.” Eu disse,


pousando ao lado da Lança élfica, apenas para ela se afastar alguns metros,
com seus braços cruzados.

Varay parecia… triste.

Eu não sabia que ela tinha uma variedade tão grande de expressões faciais. Eu
pensei para mim mesma. Sorrisos, tristeza, determinação fria, profissionalismo
frio… isso já é facilmente o dobro de expressões que eu achei que ela tinha.

“Isso é sobre Agrona e os Vritra.” Varay disse. “Não as pessoas de Alacrya. Você
não viu os navios cargueiros de escravos que ele mandou para morrer na Baía
de Etistin, Aya. Para nada além de nos fazer pensar que estávamos ganhando,
ele mandou milhares de seu próprio povo para a morte certa.”

“E quando o garoto de cabelos escuros chegou, ele matou quase a mesma


quantidade de seus próprios homens que dos nossos.” Eu me lembrei.
Imaginar o garoto com seu fogo negro e espinhos e metal me deu um arrepio
na espinha.

Nós flutuamos em silêncio por vários longos segundos antes de Varay virar
para leste. “Haverá tempo suficiente para debater essas coisas e mais quando
retornarmos para a Clareira das Bestas. Por agora, ainda temos um alvo.”

Aya e eu ficamos para trás enquanto íamos para as Grandes Montanhas, nossa
onda de sucesso foi ofuscada pelos nossos próprios pensamentos em conflito.

Nós nos agarramos pelos penhascos das Grandes Montanhas por quase o
continente inteiro, de Darv no sul até a costa norte de Elenoir. De lá, nós
voamos pela costa, escondidas por dentro da cobertura da floresta. Isso era
mais lento que voar acima das árvores enevoadas, mas mais seguro.

Aya nos guiou. A elfa mudou no momento que mergulhamos na copa da


Floresta de Elshire. Desde que ficamos sabendo das mortes do Rei e da Rainha
Eralith, Aya ficou pra baixo. Ela era como uma vela que tinha queimado, mas
agora que ela voltou para casa, seu pavio foi aceso novamente.

Ela explorou Elshire por nós algumas vezes enquanto nos escondíamos na
Clareira das Bestas, mas eu não fui com ela. Agora eu queria ter ido. Vendo a
postura e o foco que a floresta a deu me fez lembrar de nossos antigos dias de
Lanças. O orgulho, a animação e o espírito competitivo que todos nós
tínhamos. Nós estávamos tão preparados para a guerra. Nós éramos os magos
mais fortes do continente, o que poderia nos encarar?

Os Greysunders deveriam ter sido nosso canário na mina de carvão. Nós


deveríamos ter percebido isso…

Eu recuperei o foco, voltando minha mente para o interior e focando no meu


núcleo como eu fiz quando estava o refinando. Não adianta relembrar de
cicatrizes antigas.

Nosso alvo era Asyphin. Os elfos foram eliminados da cidade e ela se tornou
uma fortaleza para os esforços Alacryanos em Elenoir. Eles não mantiveram
nem mesmo elfos escravizados para eles não acharem um jeito de espiar, o
que significava que não tínhamos que ser cuidadosas ao atacar.

Altos Sangues, cientistas, membros de alto rank no exército Alacryano… A


Cidade de Asyphin estava cheia deles. Mas o verdadeiro motivo do porquê ela
está na nossa pequena lista de alvos para a primeira missão de correr e bater
foi por causa do que Lyra Dreide não disse.

Durante todo seu interrogatório, a única vez que ela fingiu não saber
exatamente o que estava falando, era quando falava sobre Asyphin. Ela estava
feliz me nos dar nomes de Altos Sangues, oficiais Alacryanos, instigadores
importantes… tudo enquanto minimizava os papéis individuais na ocupação e
fingindo ignorância no porquê a cidade era tão importante para nenhum
Dicateano ser permitido nela.

Era claro que os Alacryanos estavam planejando algo em Asyphin, e então nós
iríamos bater forte nela.

“Não estamos tão longe agora.” Aya nos informou. “Apenas alguns minutos.”

“Vocês duas conseguem sentir isso?” Eu perguntei, de repente sentindo uma


quantidade incrível de mana a frente.

“Uma foice? Eu acho que está vindo do céu acima da cidade.”

Talvez eles adivinharam que nós estávamos vindo e prepararam uma festa de
boas-vindas.

Borboletas indesejadas voavam no meu estômago enquanto eu pensava no


garoto de cabelo preto da Baía de Etistin.
“Nós podemos voltar?” Eu sugeri, desacelerando até parar e pairar cinco
metros acima do chão. “Mica estaria feliz completando apenas dois objetivos.
Talvez três fosse meio ambicioso…”

“Não.” Varay e Aya responderam ao mesmo tempo. Aya se calou e deixou Varay
terminar. “Vamos lá nos apresentar, sentir a situação. Mica, você e eu lutamos
de igual para igual contra a Foice em Etistin, mesmo antes da Aya chegar lá. Se
eles confiarem a defesa desse lugar para apenas uma Foice, então nossa
jornada para Elenoir pode ser ainda mais recompensadora do que
planejamos.”

Eu comecei a roer minhas unhas nervosamente enquanto um barulho agudo


começou a zumbir no meu ouvido.

“Ou.” Eu gaguejei, meu coração batendo em meu peito como três anões
batendo em uma bigorna. “Poderia ser uma armadilha. Como a Aya sugeriu!”

As outras estavam me dando olhares estranhos que me fizeram querer socar


seus rostos estúpidos. “Na última vez que encaramos uma Foice, Mica quase
morreu!” Eu me chutei mentalmente pelo jeito que minha voz soou como a de
uma criança chorona, mas continuei falando. “Todas nós quase morremos! Era
pra isso ser uma série de ataques rápidos para desestabilizar os Alacryanos,
não é? Não uma guerra total contra uma Foice!”

Meu peito estava se agitando para cima e para baixando, fazendo eu me mexer
no ar, e meus punhos estavam tão apertados que eu conseguia sentir meus
dedos estalando. Tinha um zumbido de vespas em chamas na minha cabeça, e
de repente eu estava preocupada com um desmaio.

Mica está tendo um ataque de pânico? Lanças não tem ataques de pânico!

Aya voou para perto e pegou minha mão. Eu a afastei, mas ela me segurou
firme. Quando ela falou, era com uma suavidade e gentileza que não ouvi dela
desde que o Conselho caiu. “Mica, nós achamos que éramos invencíveis.
Mesmo quando Alea -— a Lança Alea — morreu, parecia um golpe de sorte,
mais como azar. Não poderia acontecer conosco, porque nós seríamos mais
cuidadosas, seríamos mais fortes. Então eles nos quebraram.”

Ela se inclinou para frente, me puxando para ela, e me deu um beijo gentil na
bochecha. “Mas é assim que nos recuperamos, você entende? Nós voamos por
aí e chutamos a bunda de quem quer que encontremos. Depois disso, nós
podemos voltar para a Clareira das Bestas para você me incomodar até a morte
com aquelas bonecas, tudo bem?”

Eu bufei e engoli as lágrimas, sem nem mesmo ter certeza do motivo do choro.
“Eu acho que vou tentar fazer um show de marionetes na próxima vez.”

Aya se virou para Varay. “Pelo menos se morrermos hoje, nunca teremos que
ver isso.”
Eu soltei uma risada rouca e soquei a Lança élfica no braço. “Então, vamos lá
fazer isso, vamos?”

Com Varay liderando o caminho, nós voamos para fora das copas e fomos
direto para a poderosa fonte de mana pairando sobre Asyphin. Ele obviamente
nos viu chegando, mas não fez nenhum movimento contra nós, apenas
esperando a gente se aproximar.

Não era a Foice chifruda.

O garoto de cabelo preto da Baía de Etistin, aquele que esteve nos meus
pesadelos desde lá, nos cumprimentou com um olhar frio.

Varay parou a 10 metros de distância. O garoto falou primeiro. “Vocês me


afastaram de algo muito importante, Lanças. O Alto Soberano está ansioso
para ver vocês serem removidas do tabuleiro, mas eu não tenho tempo para
vocês agora. Saiam.”

Isso… não era exatamente o que nós estávamos esperando. “Você cresceu mais
ainda desde que nos encontramos em Etistin.” Varay disse, sua voz calma como
gelo. “Mas eu não acho que você dá conta de parar o que viemos aqui para
fazer sozinho.”

“Que é o que, exatamente?” O garoto falou rispidamente. “Mais assassinatos?


O que quer que estejam pensando que conquistaram, vocês estão erradas.
Honestamente, vocês Dicateanos são tão nanicos. Se Grey tivesse renascido
em Alacrya, como ele deveria ter feito, tudo poderia ter sido diferente, mas
não, ele se tornou um Dicateano, e eu tive que crescer em exílio apenas para
ficar próximo dele!”

Nós três trocamos um olhar incerto. “Do que diabos você está falando?” Eu
perguntei, esquecendo um pouco do meu medo.

O garoto rosnou, como se fosse um tipo de besta de mana selvagem. “Eu não
tenho tempo para conversar com vocês, muito menos matar. Deixem Elenoir
imediatamente. Não façam mais coisas com nosso povo. Vivam o resto de suas
vidas inúteis como ermitões nos desertos dos anões, na Clareira das Bestas ou
qual seja o lugar que vocês se esconderam. Se eu ver vocês novamente, vou
matar todas. Vão.”

O medo gelado pressionou meu peito, mas não nos movemos. Quando chamas
negras cobriram suas mãos, Varay, Aya e eu nos espalhamos e começamos a
canalizar mana para contragolpear, mas outra figura veio da cidade. O garoto
de cabelos pretos virou suas costas para nós enquanto observava o recém-
chegado se aproximar.

O homem era um retentor, eu tinha certeza disso. Ele era alto e mantinha uma
postura ereta mesmo enquanto voava. Uma armadura de couro preta o
abraçava como uma segunda pele, e a verdade era que ele seria lindo se não
fossem os chifres brotando de cima das suas orelhas.

“Cylrit, eu te disse para—”

“Está começando, senhor. Você precisa voltar para a cidade imediatamente.”


O retentor falou com um profissionalismo curto e militarista. “Agrona em
pessoa deu a ordem.”

O olhar do garoto se voltou para nós. “Eu não posso sair antes de cuidar dessas
pestes…” Ele parecia incerto, ansioso para sair, mas ao mesmo tempo não
querendo.

O que poderia ser tão importante para ele fugir de uma luta conosco? Nós
assumimos que seríamos a maior prioridade dos Alacryanos depois de nos
revelarmos, e era bem inquietante descobrir que não éramos.

“Eu vou cuidar delas, Nico.” Os olhos vermelhos de Cylrit se encontraram com
os meus. “Você precisa estar lá.”

“Eu só espero que você faça um trabalho melhor dessa vez do que aquele que
você fez protegendo a Lyra.” Nico rosnou. Para nós, ele disse, “Quando vocês
chegarem no pós-vida, falem pro meu antigo amigo, Grey, que eu disse oi.”
Então, ele voou para a cidade.

“Então, nós deveríamos ter medo de você?” Eu perguntei, ainda mantendo a


encarada do retentor. “Desculpa por quebrar suas expectativas, amigo, mas
nós já tomamos conta de um retentor essa semana. Se nós não estamos com
medo de lutar contra aquele cara.” Eu acenei na direção que o garoto de cabelo
preto desapareceu. “Por que você acha que estaríamos preocupadas com
você?”

“Nós não vamos lutar.” Cylrit disse casualmente. “Vocês vão voltar para seu
esconderijo e esperar pelo momento certo.”

“Por que faríamos isso?” Eu perguntei.

“Esperar pelo momento certo de que?” Varay disse ao mesmo tempo.

Um vento quente veio do norte, carregando o cheio de sal oceânico. Cylrit


fechou seus olhos e respirou profundamente. Quando ele os abriu, ele me
encarou novamente. “Como a Lady Seris disse, Mica Earthborn, cada um de nós
temos papéis a cumprir, e esses não são os seus.”

O cabelo escuro da Aya dançou pelo seu rosto com a brisa enquanto ela me
dava um olhar questionador. “A Foice que—”

“Me deixou viver e me mandou para ajudar em Etistin, sim.” Eu disse para Cylrit.
“Eu não gosto de ser usada como brinquedo. Nos diga claramente o que quer,
ou vamos arrancar de você.”
Cylrit riu com um senso de confiança que me deixou nervosa e frustrada.
“Talvez vocês poderiam, mas vocês parecem cansadas para mim, e não
ajudaria vocês de qualquer jeito.”

“O que é essa coisa importante que está acontecendo?” Varay perguntou. Eu


senti que ela estava empurrando para ver quanta informação esse retentor
estava disposto a compartilhar.

A simpatia e o conforto de Cylrit evaporaram em um instante. “Nada que vocês


precisam se preocupar. Agora, vão. Não posso me arriscar a falar mais com
vocês.”

Eu me inclinei para a Varay. “Nós conseguimos derrotar ele.” Eu murmurei.


Agora que o garoto de cabelo preto foi embora, meus nervos pré-batalha
tinham ido embora, e eu queria descontar minha vergonha e frustração nos
Alacryanos. “Nós ainda podemos completar nossa missão.”

Mas Varay estava balançando a cabeça. “Não. Vamos lá, estamos indo embora.”

Cylrit ficou onde estava, nos observando ir embora. Mesmo depois de estar
fora de vista, eu ainda podia sentir seus olhos vermelhos queimando minhas
costas.

Não era assim que queríamos que as coisas acontecessem, e o voo para a
Clareira das Bestas foi feito em silêncio. Ficou pior ainda depois disso.

Eu xinguei enquanto pousávamos perto da porta secreta para nosso


esconderijo. O que deveria ser uma ladeira discreta em um chão rochoso era
uma cratera explodida que deixava nossa caverna confortável completamente
exposta.

Varay pulou na cratera e eu senti vários raios de mana. Aya seguiu, suas mãos
para cima enquanto ela preparava uma conjuração, mas não havia
necessidade. Três bestas de mana parecidas com lagartos estavam mortas no
chão, suas cabeças explodidas como melancias.

Nosso esconderijo estava uma bagunça. A gaiola em que ela estava contida —
uma fusão de elementos de gelo e terra que eu e Varay tínhamos construído,
que foi imbuída com um feitiço de som para manter a retentora dormindo —
foi quebrada, como a porta secreta.

Lyra Dreide havia desaparecido.

Capítulo 14
Amigos e Amigos

Jasmine Flamesworth
Os baixos sopés que levavam para longe das Grandes Montanhas facilitaram a
viagem escondidas. Depois de escapar dos guardas na Muralha, tirei Camellia
da estrada principal, e seguimos lentamente para o oeste, usando as colinas
como cobertura.

Não esperava que Albanth mandasse alguém atrás de nós. Era muito arriscado,
e ele devia estar tão bravo com os soldados quanto estava comigo, de
qualquer maneira. Apesar do estado da Muralha, o capitão era um homem
lógico com uma cabeça nivelada. Mas isso não significava que esperaria para
descobrir qual seria a minha punição por matar um soldado da divisão
Bulwark.

Se tivéssemos ficado na estrada principal, a caminhada até Greengate — a


cidade mais próxima — teria sido menos de um dia, porém nosso caminho
sinuoso de agora significava que passaríamos uma noite acampando. O sol
estava alto no céu no dia seguinte antes de as colinas se achatarem em
campos largos ao redor de uma aldeia de alguns milhares de pessoas.

Embora não tivesse nenhum destino em particular em mente, fazia sentido


parar na aldeia agrícola rural e ter uma noção da situação em Sapin. Com as
partes da besta de mana ainda armazenadas no meu anel dimensional,
esperava trocar por comida e suprimentos de viagem também.

Era improvável que encontrássemos notícias dos Chifres Gêmeos lá, mas achei
que era muito arriscado fazer perguntas tão pontuais.

“Mas se você tem certeza que não haverá nenhum alacryano aqui, por que
precisamos fingir ser outras pessoas?” Camellia perguntou depois que
terminei de explicar meu plano.

“É mais seguro assim. Eu sou apenas uma mercenária e você é a minha serva
elfa inútil.”

“Ei!”

Sorri. Parecia… estranho, e percebi que não conseguia lembrar da última vez
que me senti tão “eu”. Tinha uma missão para ocupar a mente, um cliente —
mesmo que não pagasse — para proteger, e estava cercada por inimigos
tentando me matar.

Era assim com os Chifres Gêmeos todos esses anos; com o Arthur nas clareiras.

Arthur se foi; os Chifres Gêmeos estavam no subsolo…

“Jasmine?” Me encarava, os olhos enormes.

“É melhor me chamar… de Note” disse depois de uma pausa. Foi o primeiro


nome que me veio à cabeça.

“Note?” Riu. “É um nome engraçado.”


Olhei cuidadosamente em ambas as direções para ter certeza de que ninguém
estava assistindo antes de voltarmos à estrada que levava à aldeia. “E você
será Skunk.”

A boca dela se abriu e ela parou de andar. “Não, eu não vou deixar você me
chamar assim.”

“Desculpe, Skunk. Ordens do mestre Note. Agora se mova, ou serão três


chicotadas por desobediência.”

O olhar no seu rosto quase fez todos os problemas que me causou até então
valer a pena.

Não tinha certeza do que esperar quando entramos em Greengate. Os


alacryanos já enviaram soldados a essas cidades menores? Ela estava perto o
suficiente da Muralha, uma das últimas fortificações fora de Darv ocupadas
por dicatheanos, então faria sentido ter um par de espiões lá, pelo menos.

Os únicos aldeões que vimos nos deram olhares nervosos e foram em outra
direção. Uma mulher, depois de abrir a porta da frente e dar um passo para
fora, nos viu, engasgou, e correu de volta para dentro antes de bater a porta e
trancá-la.

“Não são muito amigáveis” falou baixinho, olhando ao redor.

Descobrimos o porquê uma vez que chegamos à praça no centro da vila. Os


paralelepípedos foram rachados em uma dúzia de lugares diferentes, e pude
ver os claros sinais que colunas de barro estouraram do chão, destruindo o
caminho. Alguns dos edifícios ao redor foram esmagados por grandes pedras,
e todas as janelas de frente à praça foram abordadas.

“Alguns magos realmente fortes devem ter lutado aqui.” Me inclinei e examinei
um pedaço de pedra quebrado feito vidro. “Vê isso? Pedra quebra assim
quando congelada por um mago desviante do gelo.

“Jasmine” sussurrou e se abaixou ao meu lado “, tem gente nos observando.”

Tomei cuidado para manter os movimentos naturais e fingi examinar outros


sinais de danos mágicos, até que encontrei quem era.

Um jovem, talvez de dezenove ou vinte anos, estava agachado em frente a uma


pequena loja, parado, retirando ervas — ou fingindo — do pequeno jardim na
frente de uma construção. Olhava para nós duas, o rosto contorcido em uma
carranca preocupada.

Voltei para Camellia e apontei para um lugar onde os paralelepípedos tinham


sido esmagados em um retângulo perfeito, e disse:
“Se ele é um espião, é um muito ruim. Vamos ver.”

Como era o único na cidade que não fugiu de imediato de nós, esperava que
pudesse nos informar sobre o que aconteceu lá.

Não escondendo mais minhas intenções, virei e fui direto em direção a ele. Ele
vacilou e se ocupou arrancando alguns punhados de dente-de-leão.

“Ei.” Coloquei uma perna na cerca baixa que separava o jardim do resto da rua
e olhei para ele. Embora seu cabelo loiro fosse um pouco selvagem e as
bochechas fossem magras, ele parecia mais um nobre do que um fazendeiro
rural. Gesticulei sobre meu ombro com um polegar. “O que aconteceu aqui?”

Ele encontrou meus olhos, então logo olhou para o chão. “Sinto muito,
senhora, eu não deveria…” Se afastou, com os olhos voltando para mim, uma
faísca de reconhecimento neles. “Você é uma aventureira, certo? Acho que vi
você lutar na guilda dos aventureiros de Xyrus uma vez.”

A última coisa que esperava era alguém aqui para me reconhecer, e levei um
momento para recobrar dos pensamentos.

“Duvido” falou Camellia. “Esta humilde mercenária é a aventureira Note, e


tenho certeza que ela não fez algo digno para que note.” Me deu um olhar
autossatisfeito.

“E essa aqui é Skunk.” Franzi a testa para ela. “Ela foi criada por elfos selvagens
nas profundezas da floresta amaldiçoada deles, e, cá entre nós, acho que as
névoas lá fizeram algo à sua mente.”

“‘Elfos selvagens’?”

“Enfim,” continuei, cortando a sua fala “o que aconteceu aqui?”

O jovem tinha ouvido nosso vai e vem com um sorriso mal-humorado em seu
rosto, mas ele sumiu na minha pergunta. Em voz baixa, falou:

“Três Lanças atacaram uma Retentora Vritra. Houve uma grande batalha, e
agora os aldeões estão todos com medo de os alacryanos virem aqui e puni-
los pelo que aconteceu.”

Meu batimento cardíaco acelerou com a menção naqueles nomes. “As Lanças
estão vivas?”

Olhou em volta, em seguida, acenou com a cabeça. “Estava, há alguns dias,


pelo menos.”

Estive perto o suficiente delas no castelo voador para entender que seu poder
estava em um patamar diferente. Se ainda estivessem vivos e lutando, então
Dicathen podia realmente ter uma chance.
Olhou em volta de novo, ficando cada vez mais nervoso. “Ouça, eu gostaria de
falar mais com você, mas devemos ir a algum lugar menos exposto.”

O examinei mais uma vez. Não podia sentir qualquer assinatura de mana, e
parecia improvável que alguém tão novo como ele seria poderoso o suficiente
para suprimir a sua mana de mim. Ainda assim, os alacryanos provaram estar
cheios de surpresas várias vezes.

“Me mostre suas costas.” Ele parecia entender minhas intenções, porque não
hesitou em se virar e levantar a túnica. Não havia runas ao longo da coluna,
somente várias contusões amarelas fracas que descoloriam a pele do quadril
aos ombros.

“Certo, vamos.”

Enfiou a cabeça na loja para dizer aos que estavam lá dentro que estaria
saindo por um tempo e levou nós duas pela cidade até uma grande casa perto
de onde os prédios desbotavam de volta a campos de cultivo. Fiquei surpresa
com o tamanho do lugar.

“Uau.” Camellia suspirou forte. “Quantas famílias vivem aqui?”

O jovem franziu a testa, pensativo, enquanto acenava para nós no portão da


frente, que se abriu em um quintal largo. “Só uma. Mas tem muitos da gente.

Nós o seguimos ao longo de um caminho de cascalho até a casa. Quando abriu


a porta, o cheiro de carne cozida e som de conversa fluiu para fora.

Uma voz profunda veio do fim da entrada. “Jarrod? Se está aqui para o almoço,
é melhor se apressar antes de Cleo comer tudo.”

Nosso guia nos levou pelo corredor de entrada, passou por uma uma sala de
estar bem designada e chegou à sala de jantar. Muitos estavam sentados ou
parados em torno de uma longa mesa. A maioria era nova, entre talvez oito e
catorze anos, mas havia dois da idade do nosso guia.

O clamor da conversa terminou quando entramos na sala.

Um homem marrento sentava-se na cabeceira da mesa. Tinha cabelos


grisalhos curtos e barba e olheiras escuras. Tinha algo um pouco familiar nele,
mas não podia dizer com precisão o que era.

“Jasmine Flamesworth?”

Nosso guia — Jarrod, presumi — olhou para mim, a expressão meio estranha.
“Isso mesmo, eu lembro. Dos Chifres Gêmeos, certo?”

O homem barbudo levantou e caminhou rápido ao redor da mesa em nossa


direção. “Sim, mas o que você está fazendo aqui, Jasmine? Greengate não é
segura.”
‘Lá se foi o disfarce.’ pensei desconfortável. O fato de que ele me conhecia de
vista, e ainda assim não conseguia recordar dele, me incomodou.

“E você é…?” perguntei.

Ele pareceu surpreso por um instante, e depois deu uma risada bem-
humorada. “Não estou surpreso que você não se lembra. Helen e Adam eram
os falantes, mesmo.”

Senti um choque passar por mim com a menção casual a Adam, e devo ter
demonstrado sem querer.

“Desculpe.” Acrescentou o homem gentilmente. “Ouvi sobre a morte dele


antes… bem, antes de a guerra mudar o placar.”

“Este é Halim Topurn” disse o loiro. “Eu sou Jarrod, esses dois pequeninhos
são Clara e Cleo.” Deu a volta na mesa, apresentando o resto.

“Topurn…” repeti devagar, quase esmagando meu cérebro. “Ah, os Chifres


Gêmeos costumavam escoltar algumas de suas caravanas, não é? Faz muito
tempo.”

Halim riu, um barulho estrondoso que fez a sua barriga grande balançar. “Não
faz muito tempo para alguém tão velho que nem eu, mas estou feliz que você
se lembra.”

“Então, o que é tudo isso?” questionei, gesticulando para a mesa. Ficou claro
que a maioria não eram parentes umas das outras ou dele.

Ele grunhiu e desviou o olhar. “Bem, ah…”

“Somos órfãos” disse o garotinho, Cleo, desafiadoramente. “Da guerra”.

Halim olhou para ele por um momento, a expressão difícil de ler. Para mim,
respondeu:

“Estou simplesmente tentando usar meus recursos para fazer algo de bom
antes que meu tempo acabe.”

Me assustei com uma mão pequena deslizando na minha e olhei para baixo, e
vendo os grandes olhos verdes de Camellia me encarando.

“E essa é a seu…?” Halim inclinou-se um pouco até estar na mesma altura que
a elfa.

“Minha assistente, Skunk…”

“Jasmine!” Deu um gritinho, apertando minha mão.


Reprimi um sorriso. “Camellia, Halim Topurn, rei mercante do oeste de Sapin.
Halim, Camellia Lehtinen, minha protegida. Ela é… uma órfã da guerra,
também.”

De alguma forma, ele conseguiu parecer gentil, envergonhado e triste ao


mesmo tempo. “Quer comer algo, Camellia?”

Ela se virou para mim para obter permissão. Acenei com a cabeça, e um dos
meninos puxou um assento para ela na mesa.

“Ela estará em boas mãos aqui se quisermos ir conversar” falou baixinho.

Meu olhar permaneceu nela empurrando um pão amanteigado inteiro em sua


boca quando as outras crianças começaram a atormentá-la com perguntas.
Quando tive certeza de que ficaria bem, fui à sala de estar com Halim e Jarrod.

“Sim…” Comecei depois que todos nós sentamos e Halim me deu um copo de
bebida forte e de cheiro doce. “Não são apenas órfãos, são?”

Ele pareceu envergonhado de novo, mas o loiro respondeu por ele. “Somos
magos. Alguns de nós somos órfãos, sim, mas alguns estão se escondendo de
suas famílias e dos alacryanos. Muitas casas nobres nem hesitaram em apoiar
os Vritra.”

“Por que arriscar ficar em um lugar aberto? Não é melhor procurar abrigo no
santuário subterrâneo da resistência?”

Jarrod recorreu ao outro para responder. O velho comerciante tomou um gole


lento da bebida antes de responder. “Tudo o que ouvi são rumores, e um rumor
sobre esses rumores diz que este santuário subterrâneo é apenas uma
armadilha, isca para qualquer dicatheano tolo o suficiente para procurar uma
maneira de revidar.”

Bebi meu copo e o apoiei, antes de ficar de pé e começar a andar. “Você não
sabe como entrar em contato com ninguém do santuário? Não sabe onde
está?”

As sobrancelhas dele subiram. “Está sugerindo que é real?”

Me mexi com minha armadura conforme pensava. “Helen e os outros já estão


lá. O comandante Virion do Conselho está vivo e liderando ao lado da Lança
Bairon.”

Ambos se surpreenderam com o que informei. Enfim, Jarrod limpou a garganta.


“Se Virion Eralith está vivo, então Tessia Eralith está também?”

Só pude dar de ombros. “Não tenho uma lista. Estava planejando levar a garota
lá por segurança, mas…”
Só ficaria mais perigoso à medida que andássemos mais por Sapin.
Poderíamos chegar a Blackburn em mais alguns dias, mas uma cidade do seu
tamanho deveria com certeza estar nas mãos dos alacryanos agora. E o que
faríamos quando estivéssemos lá?

A casa de Halim, percebi, seria um lugar perfeito para Camellia ficar. Ele já
havia estabelecido um álibi para as crianças, até tinha alguma maneira de
esconder as suas assinaturas de mana, e teria gente da sua idade para brincar
e aprender junto. Seria muito melhor do que ficar comigo.

“Você sabe” falou com cuidado, olhando para a bebida. “Greengate podia ter
um mago talentoso por aqui, especialmente agora.”

O depoimento dele me pegou desprevenida, e parei de andar. “O quê?”

Ele se levantou, encheu meu copo, e gesticulou para eu sentar antes de dele.
Fiz o que pediu, bebendo a bebida em um gole.

“As pessoas aqui estão assustadas; aterrorizadas. Um quarto da cidade já


partiu, mas o resto… suas vidas inteiras estão aqui, e todos parecem pensar
que os alacryanos vão aparecer amanhã e que choverá fogo do céu.” Me deu
um sorriso quente. “Faria uma diferença ter alguém por perto que pudesse
revidar e liderar a defesa desta cidade.”

Zombei. “Você quer que eu seja o quê, exatamente? A xerife de Greengate?


Sinto muito, mas esse não é o meu…”

“Nada oficial ou permanente. Mas eu poderia encontrar um lugar onde você e


ela poderiam ficar, ter certeza de que vocês têm o suficiente para comer, e em
troca, você me deixa espalhar alguns rumores sobre a talentosa aventureira e
maga que você é.”

Abri a boca para recusar, mas… por quê? Eu era uma fugitiva lá na Muralha,
que estava a menos de um dia de caminhada, porém não era como se fossem
enviar soldados em força para me prender. Tinha também a questão da Helen
e os Chifres Gêmeos. Se me procurassem, como Helen prometeu, seria mais
fácil me encontrarem se ficasse por perto.

Uma sensação de ser vista por trás do pescoço surgiu, e vi Camellia olhando
para mim parada na porta. “Sim” disse firme. “Nós definitivamente vamos
ficar.”

Apertando os dentes para suprimir um sorriso, me voltei a ele e dei de ombros.


“É, aí está.”

Capítulo 15
Escolhas e Consequências

Emily Watsken
O barulho constante das rodas de carruagem era geralmente suficiente para
me colocar para dormir, mas não tinha como dormir sentada em frente a
Oleander Brone. O instilador alacryano ficava vária vezes em um silêncio mal-
humorado, durante os quais simplesmente olhava para Gideon e eu, e então
entrava em monólogos chatos sobre nosso trabalho, ou as falhas de Dicathen,
ou a glória dos Vritra, e adiante.

“É uma pena ver o que tinha sido feito com o salão da guilda dos aventureiros
em Blackbend, não é?” questionou, quebrando um silêncio que durou pelo
menos uma hora. Esse desrespeito até mesmo à própria cultura e bem-estar é
o motivo pelo qual Dicathen nunca poderia ter continuado por conta própria,
não por muito tempo. O fato é que vocês precisavam dos Vritra para evitar que
sua civilização desmoronasse.”

Poderia dizer que estava tentando nos atrair para uma discussão, porém não
estava interessada em debater… ou falar com ele no geral, se pudesse ajudá-
lo.

Gideon, por outro lado, nunca perdia a oportunidade de enfrentá-lo. “Sim,


Oleander, o que este continente realmente precisava era de um soberano.
Muita liberdade: esse era o nosso problema.”

“Era, sim. Bestas desfrutam da ‘liberdade’. Os homens exigem direção e


propósito; exigem controle.”

“Quanto falta?” perguntei, esfregando a ponte do meu nariz sob meus óculos
enquanto olhava para fora da janela da carruagem. Estávamos a dois dias e
meio de Blackbend, onde nos teletransportamos de Vildorial. Brone não
explicou para onde estávamos indo, apenas que estaríamos testando uma
nova arma baseada na combustão de sal de fogo que Gideon inventou.

Zombou. “Outro dia. Tedioso, esse tipo de viagem, não é? Bem, a boa notícia é
que quando seu povo estiver totalmente subjugado, mesmo os destinos mais
remotos estarão acessíveis via tempus warp. Por enquanto, porém…” Saiu,
gesticulando para nossa carruagem.

Perguntei para Gideon:

“Mas por que precisamos ir tão longe para um teste de armas, afinal? As
instalações do Instituto Earthborn…”

“… Não são ideais para uma avaliação completa das capacidades desses novos
dispositivos” respondeu Brone com firmeza. “Temos algo especial arranjado
que deve nos dar uma compreensão muito mais robusta dos danos das armas.”

‘O que isso quer dizer?’ Me perguntei.


O dia seguinte passou lentamente. Quando paramos e gritos anunciando nossa
chegada surgiram, estava mais do que pronta para sair.

Desfrutei de cerca de quatro segundos de alívio quando pulei e estiquei as


costas, olhando ao redor do nosso local de teste remoto.

As Grandes Montanhas eram silhuetas azuis à distância, meio escondidas pelas


colinas rochosas. A fileira de carroças e soldados saía da estrada em um campo
não plantado. Em frente às montanhas, notei uma cidade pequena.

Soldados não adornados já estavam descarregando as carroças sob a direção


cuidadosa de Brone. Gideon tinha vagado um pouco longe da comoção a fim
de olhar fixamente para a aldeia.

Passei entre dois soldados carregando uma caixa longa e estreita e corri até
Gideon. “O que estamos fazendo aqui?” Exigi.

“Testando a nova arma” afirmou sem olhar para mim. Seu tom era seco, o rosto
ilegível.

Senti meu controle indo embora. Apesar de tudo o que aconteceu, tudo o que
passei desde que os alacryanos ganharam a guerra, consegui manter algum
tipo de ilusão de que ainda estávamos trabalhando para melhorar as coisas. E
esse tempo todo, tive um contorle firme sobre mim mesma, agarrando uma
indiferença que precisava para me manter sã e viva. Coloquei minha fé em
Gideon, assumindo que possuía algum tipo de plano, alguma razão para as
ações.

Mas isso era demais.

Ele estalou os dedos bem na frente do meu nariz, me fazendo vacilar. “Não tem
tempo para isso agora. O que exatamente você vai fazer, senhorita Watsken?
Correr para lá e lutar contra uma dúzia de grupos de batalha alacryanos e
quarenta guerreiros não adornados? Sozinha? A menos que você esteja
escondendo o fato de que agora é uma maga de núcleo branco com
capacidades destrutivas do nível de uma Lança, só vai precisar mantê-lo
juntos, entendeu?”

Vi como mais caixas longas eram descarregadas das carroças e separadas. Os


tubos cobertos de runas dentro delas foram criados com uma eficiência
horrível.

“Podemos avisar os aldeões…” falei, quase desistindo.

“Eles já sabem. Olha.” Apontou com a cabeça para a aldeia. Algumas pequenas
figuras nos arredores estavam correndo para lá, as vozes distantes soando que
nem um alarme.

Peguei a manga dele e a puxei. “Tem que haver algo que possamos…”
O velho inventor se soltou e deu um olhar azedo. “O que podia ser feito, foi
feito. Agora se afaste. Não queremos estar tão perto.”

Meu mentor virou as costas para mim e se afastou bastante das equipes de
magos e sem adornos que estavam montando e preparando dez armas, cada
uma apontada para a aldeia.

Com ele provando-se menos do que inútil, verifiquei os alacryanos e achei


Brone bem no centro da comoção falando confiantemente. Corri em direção a
ele.

“… Os edifícios fornecerão o teste de fogo ao vivo perfeito para nossas novas


armas. Cada um de vocês deve ter recebido sua tarefa a caminho daqui. Se
não, por favor, fale comigo imediatamente. Tem…”

“Ainda tem pessoas lá!” gritei, o interrompendo.

Todas as cabeças se viraram para mim. A maioria dos soldados parecia


surpreso com a minha voz, embora alguns olhassem para mim com hostilidade
evidente, Brone parecia apenas divertido.

“Sim, há, menina, mas não são inocentes.” Continuou falando diretamente com
os homens. “As pessoas daqui são culpadas de traição, sedição além de
agressão, captura e possível assassinato de um alto funcionário alacryano.
Como sabem bem, a punição para crimes elevados é a execução.”

Olhei para os soldados, mas não encontrei nenhum simpatizante lá. Mesmo
Gideon, bem longe do resto, não ligava muito.

‘Eu não vou ficar só olhando a tragédia acontecer.’

Virando, corri em direção a um dos canhões, pensando que poderia desabilitá-


lo de alguma forma, porém não fui mais do que alguns metros, antes de um
punho pesado bater na lateral da minha cabeça, jogando meus óculos. Estrelas
explodiram diante dos meus olhos e deitei a cara na terra, respirando
pesadamente.

Uma mão firme segurou meu cabelo e puxou para cima, esticando meu
pescoço. Me envolvi em mana, mas um chute nas minhas costelas derrubou o
vento e o expulsou de mim.

“Você vai ver os frutos do seu trabalho amadurecer, menina.” Brone falou no
meu ouvido, empurrando meus óculos à força de volta ao meu rosto. “Embora
eu suspeite que o idiota gagá do Gideon tenha exigido que a mantivéssemos
viva por bondade ao invés de necessidade, quero que veja o que seu esforço
fez.”

Fechei os olhos, mas ele puxou meu cabelo para que abrisse de novo. A fileira
de soldados na minha frente tinha terminado os preparativos e todos estavam
olhando para ele com esperança no olhar. Todos.
“Preparem-se para disparar!” gritou.

Os magos começaram a infundir mana de fogo e vento nos tubos. As runas a


canalizariam para uma brasa de sal de fogo, que explodiria e lançaria uma
enorme bola de fogo na aldeia, engolindo construções e incinerando qualquer
um que fosse pego na explosão.

E não pude fazer nada para impedir.

Capítulo 16
A Ilusão de Segurança

Jasmine Flamesworth

Assumindo uma carranca, Camellia sentou-se desajeitadamente em uma


cadeira de madeira dura e, em seguida, levantou e a examinou, antes de virá-
la e sentar nela ao contrário, descansando os braços nas do assento, e deu um
aceno satisfeito.

“Móveis humanos são estranhos” informou.

“Você está usando errado” retruquei.

“Tenho certeza que não estou.” Balançou a cabeça. “Enfim, a cama aqui é mais
agradável do que a daquela pousada, e muito melhor do que pilhas de folhas
com lama.”

“Pensei que os elfos gostassem de dormir em folhas.” Brinquei, a boca cheia


de ovo.

Camellia puxou o prato até ela, experimentando o cheiro. “Mamãe me disse


que é falta de educação falar de boca cheia. E ainda mais usar estereótipos,
como que todos os humanos são bárbaros perigosos que comem usando as
próprias mãos!”

Parei de levantar um pedaço do ovo mexido com os dedos, então zombei e


comi de qualquer maneira. Quando você passou a maior parte da vida na
estrada, prataria nem sempre estava disponível, e etiquetas não eram
prioridades, embora meu pai sempre tivesse sido muito rigoroso sobre boas
maneiras em mesa.

Camellia engoliu uma risada e voltou a comer.

Estávamos sentadas numa pequena mesa redonda na área de estar de uma


modesta casa de três quartos que Halim arranjou para nós. Era confortável o
suficiente, mas estava pensando se fui precipitada em aceitar a proposta do
comerciante de ficar em Greengate.
Apesar do desconforto, não podia ver uma alternativa, e tinha ido e vindo só a
noite toda sem dormir na minha nova cama. A aldeia parecia um pouco segura,
apesar do medo do povo quanto a possível vingança alacryana. A verdade era
que a aldeia não era importante o suficiente para ser um alvo.

“Do que ainda precisamos?” perguntei quando ela terminou os ovos.

Arrancou suas vestes usadas, um dos conjuntos que consegui na Muralha.


“Roupas novas? Ah, e alguns utensílios” acrescentou, mexendo os dedos para
mim.

“Certo. Você sabe aonde ir?”

Acenou séria antes de saltar da cadeira e limpar as mãos nas vestes sujas.
“Jarrod me mostrou onde todas as lojas ainda estão abertas nesta hora.”

Ela estava ansiosa para ajudar como pudesse, e a deixaria fazer uma excursão
pela cidade enquanto Halim e eu nos encontrávamos com alguns dos aldeões.

O velho prefeito desaparecera duas noites depois que as Lanças lutaram


contra a Retentora, e uma parte considerável da cidade o seguiu. A nova
prefeita era uma mulher espirituosa de cinquenta anos, cujo nome esqueci,
que construiu uma espécie de conselho de antigos moradores que queriam
manter Greengate vivo.

Foram felizes o suficiente para ter uma batalha na cidade. O único outro mago
aqui era o boticário e curandeiro, que ainda não conheci. Aparentava já ter
passado do auge e não estava mais apto para o combate, e os habitantes se
referiam a ele como o “mago antigo”, brincando.

A segui para fora de casa e fomos em direção à praça. Andamos menos que
seis metros antes de ouvir os primeiros gritos. Ela virou-se para olhar para
mim, o rosto de repente branco.

“Volte para casa” pedi antes de passar por ela. Mais gritos seguidos. Foi fácil
acompanhar o barulho em direção ao sul da cidade.

Passei por algumas pessoas correndo na direção oposta, longe de um grupo


de soldados se reunindo a cerca de cem metros da periferia. Pelos uniformes
e armaduras, que deixaram suas espinhas expostas a fim de mostrar as
tatuagens rúnicas lá, era óbvio que eram alacryanos. Havia seis carroças
puxadas por bestas de mana e cerca de oitenta soldados, a maioria dos quais
corriam preparar algum tipo de tubos longos. Não tinha certeza sobre o que
eram, mas sabia que não era coisa boa.

Minha mente acelerou. Havia muitos para lutar de frente, e não conseguia nem
pensar em proteger uma aldeia inteira contra uma barragem de feitiços de
longo alcance. Se os atacasse diretamente, poderia dar aos aldeões alguns
minutos extras… no máximo… talvez.
Então, de novo, se me retirasse de volta, guiaria os moradores para longe. Se
os tubos fossem algum tipo de arma, no entanto, prendê-los dentro do local
podia ser o objetivo deles.

Antes que me decidisse, me distraí pelo som de passos se aproximando. Virei,


pronta para mandar qualquer fazendeiro tolo correr de lá, mas fui
surpreendida em silêncio pela visão dos órfãos de Halim — os mais velhos,
pelo menos — sendo liderados por Camellia.

Me concentrei nela:

“Eu mandei você…”

“Mas estamos aqui!” falou, quase que gritando.

Olhando os alacryanos, sufoquei xingamentos. “Escutem, não há nada que


possam fazer aqui.”

“Não posso continuar correndo” afirmou Jarrod baixinho. Sentia seu olhar
mirando o lado da minha cabeça, mas me recusei a encontrá-lo. “Somos todos
magos acadêmicos. Podemos lutar. A gente…”

“… Vai morrer rápida e dolorosamente” interrompi. “A menos que todos vocês


corram, claro. Precisamos tirar os habitantes antes…”

Parei quando duas macieiras próximas tremeram, fazendo com que frutas não
maduras caíssem no chão. Raízes surgiram do solo, apoiando as árvores como
pernas “caminhando” e “deslizavam” para ficar em ambos os lados do nosso
pequeno grupo.

Assentindo em orgulho do feitiço, Camellia deslizou a mão na minha e apertou.


“Não vou a lugar nenhum sem você.”

Cerrei os dentes. Ao redor, os irmãos adotivos de Jarrod lançavam feitiços


defensivos, os rostos sombrios. “Não podemos ganhar esta luta.”

“Mas podemos dar tempo para escaparem” disse Jarrod com um sorriso triste.

“Sim, podemos” gritou a prefeita trazendo algumas dúzias de homens e


mulheres na esquina da casa mais próxima. Vestiam qualquer pedaço de couro
ou ferro que encontrassem, e empunhando lanças, porretes e — revirei os
olhos — até mesmo um par de garfos.

“São magos alacryanos!” Gritei, apontando para os inimigos. “Eles vão


massacrá-los!”

Embora o medo de todos fosse óbvio, ninguém recuou. Tinha como alvo minha
crescente frustração com Camellia. “Não. O truque com as árvores é fofo, mas
não te arrastei para fora das clareiras só para que você fosse morta pelo
primeiro grupo deles que tropeçamos.”
Ela encolheu os ombros, um gesto irritante de tão simples. “Eles já levaram
toda a minha família. Se você vai lutar, eu vou junto.”

Meus dentes rangeram quando apertei a boca forte, querendo tirar as adagas
de suas bainhas. “Qual é o ponto de ser xerife se ninguém vai me ouvir?”

“Algo está acontecendo” Jarrod apontou, indicando a linha dos soldados à


frente.

Capítulo 17
Frutos do Nosso Trabalho

Emily Watsken

Embora não pudesse ver Brone, sentir sua energia nervosa de perto. Além da
linha de canhões, via dúzias correndo para fora da aldeia em nossa direção.
Incluindo — minha mente lutava para racionalizar — duas árvores.

‘Não, precisam fugir!’ queria gritar. Não tinham ideia do que estava prestes a
atingi-los, idiotas corajosos.

Depois de vários segundos tensos, as runas na base dos canhões começaram


a brilhar.

“Equipe um, fogo!” ele gritou, a voz praticamente tremendo de emoção.

Fechei os olhos por conta da bola de fogo que os acertaria, mas nada
aconteceu.

A mão que segurava meu cabelo se soltou e dei uma olhada por um olho meio
aberto. Os magos olhavam para o canhão, confusos, enquanto os não
adornados, cujo trabalho era apoiar a arma enquanto os conjuradores
disparavam, fecharam os olhos e se inclinaram para trás.

Arrisquei olhar para ele, parecendo que dispararia raios dos olhos a qualquer
momento.

“Equipe dois, fogo!”

Apesar de não ter desejo algum de ver a aldeia ser mergulhada em chamas,
observei com atenção enquanto o próximo grupo de alacryanos ativava o
canhão. As runas acenderam, depois efervesceram.
Ele voltou o olhar ao Gideon. “Todos, fogo!”

O resto dos magos ativou os canhões, mas depois de alguns segundos, ficou
claro que nenhum funcionou.

‘Gideon, seu génio louco!’ Não pude deixar de sorrir, pensando que meu
mentor de alguma forma desativou os canhões de sal de fogo para impedi-los
de serem usados.

‘Não é de admirar que ele parecesse tão calmo’ pensei com culpa, percebendo
que minha raiva contra ele fora infundada.

Brone deve ter chegado à mesma conclusão. O instilador tirou uma longa faca
de prata da bota e apontou para o artífice. “Acorrentem aquele homem
enquanto eu descubro o que ele…”

O rugido de uma explosão interrompeu o instilador ao disparar da primeira


arma, e meu coração foi a mil.

Enterrei rosto no chão e coloquei as mãos sobre a cabeça quando a onda de


choque bateu em mim, jogando em mim poeira e detritos. Ao meu redor,
gritavam, e quando olhei para cima, vi uma cratera de fumaça onde a primeira
equipe de canhoneiros esteve.

O canhão não tinha disparado, e sim explodido.

Percebendo o que estava prestes a acontecer, tentei me afastar do grupo mais


próximo de soldados, que ainda olhavam assustados os destroços. Brone deu
dois passos em direção à cratera, gritou e saltou para longe, caindo no chão e
se encolhendo a fim de se proteger.

Um instante depois, o segundo canhão detonou, envolvendo três alacryanos


que o operavam numa bola de fogo.

Agora, o resto dos soldados estava em pânico a sério, jogando os canhões e


correndo para longe. A maioria, no entanto, foi lenta demais.

Quando os outros oito tubos explodiram ao mesmo tempo, a explosão foi o


suficiente para me fazer ser jogada perto do chão, parando apenas quando
minhas costas bateram em uma roda de carroça. A grande besta de mana presa
a ela se virou para me encarar estupidamente e soltou um mugido baixo e sem
medo.

Os gritos cessaram. Vários corpos foram espalhados pelo campo, mas não
tantos quanto deveria. Outros, os soldados que não faziam parte dos pelotões
de tiro, corriam para verificar os corpos.

Brone lutava para se levantar. A fumaça subia em pequenas linhas finas de seu
uniforme, e o sangue escorria de sua orelha. Seus olhos rodavam a cena
descontroladamente, e quando se fixaram em Gideon, ele mostrou os dentes
e começou a marchar à sua direção, passando por um soldado sem adornos.

Usando a roda da carroça, me levantei e tropecei atrás dele. Tentei canalizar


mana o bastante para um feitiço, porém não conseguia me concentrar além do
zumbido aborrecido nos meus ouvidos. Em vez disso, agarrei a parte de trás
do seu uniforme.

Ele virou e bateu na minha barriga, e quando mão dele me deixou, estava
coberta de sangue. Demorou muito para perceber que era o meu sangue,
pingando da adaga de prata.

Pressionei as mãos contra a crescente mancha vermelha na minha camisa


enquanto caía de joelhos. Não doeu tanto quanto pensava, mas podia ter sido
por causa da concussão que tinha certeza que tinha.

Ele me deu seu sorriso sarcástico característico, depois retomou sua marcha
em direção a Gideon.

O velho inventor olhava para mim. ‘Ele fica tão estranho tentando levantar as
sobrancelhas, já que não tem nenhuma.’ Ri, não pude evitar. Tudo de repente
pareceu tão engraçado.

“Oleander” disse quando o alacryano se aproximou dele. “Eu sei que pedi,
muito especificamente, que a minha assistente não fosse prejudicada. Era uma
parte essencial do nosso acordo.”

Brone parou, a adaga apontada ao coração do meu mestre. “Seu filho da puta”
sibilou. “Ela está morta, e você vai pro mesmo lugar que ela.”
“Acho que não, Oleander.” Uma rajada repentina de vento soprou ao nosso
redor, fazendo as suas vestes baterem dramaticamente. “Receio que, com base
nos termos de serviço, nosso contrato agora é nulo e sem efeito, e nossas
buscas mútuas estão encerradas.”

“Pelos Vritra, você não cala a boca, porra?” gritou.

Sorriu, sereno. “Como você disse, sou especializado em ser terrivelmente


frustrante a vocês.”

Mana surgiu ao redor de Brone, acendendo uma série de runas ao lado da


adaga. Havia algo na maneira que a luz laranja ardente delas representava a
tempestade de poeira que nos envolvia que era quase… bonito. “Estou feliz
por ser eu quem vai livrar Dicathen de você.”

Se eu estivesse sã, ficaria surpresa com a capacidade de Gideon de


permanecer normal mesmo diante da morte certa. “Alguma vez te incomodou
que os seus soberanos não te tenham dado nenhuma maneira de se defender,
Oleander?” perguntou.

Sem esperar por uma resposta, tirou algo do bolso interno das vestes e
apontou para o alacryano. O dispositivo soltou um estrondo alto e uma nuvem
de fumaça negra, fazendo ele cair para trás, um buraco de fumaça no peito.

Os homens gritaram à nossa volta. A fumaça do sal de fogo fez meus olhos
arderem. Um zumbido agudo nos ouvidos surgiu junto de uma onda de frio do
ferimento no meu estômago.

Gideon passou pelo corpo sem olhar para ele e se ajoelhou ao meu lado me
inspecionando, parecendo preocupado. “Bem, senhorita Watsken, este é o fim
glorioso que imaginou para nós?”

Capítulo 18
Chances na Balança

JASMINE FLAMESWORTH

Puxei Camellia em reflexo para o meu lado quando o comando do mago


alacryano para disparar soou pelo campo, com cuidado para manter a ponta
das minhas lâminas longe dela. As duas macieiras avançaram em guarda na
frente do grupo.

Nada aconteceu de imediato. “Vai!” Ordenei.

Quando o povo de Greengate avançou, liderados pelas árvores, um dos tubos


explodiu, enviando uma nuvem de fogo branco para o céu. Uma onda de poeira
soprou sobre nós, mas nada mais.

Pela maneira que as forças alacryanas congelaram, era fácil adivinhar que não
pretendiam aquilo.

“É a nossa chance” disse sem fôlego. “Vamos enquanto estão distraídos!”

Um segundo tubo explodiu, e os três que o usavam desapareceram nas chamas


brancas, e o resto entrou em pânico. Soldados corriam em nossa direção,
enquanto outros recuavam em direção às carroças. Então o restante explodiu.

As macieiras se inclinaram para nos proteger do pior da onda de choque,


contudo a parede de calor e poeira foi o suficiente para me fazer recuar um
passo, e uma das meninas de Xyrus soltou um grito ao cair. Os alacryanos que
não foram incinerados estavam quase todos jogados no chão, e alguns não se
levantariam de novo.

De repente, as chances pareciam muito mais equilibradas.

“Ataquem!” gritei, correndo com uma rajada de vento.

Os soldados distantes das explosões foram os primeiros a se levantar, mas


minhas adagas já estavam girando em direção a eles. Dois engasgaram no
nervosismo e caíram mais uma vez, e uma enxurrada de feitiços voou por trás
de mim, rasgando o resto da linha de frente indefesa.

Em poucos segundos, os alacryanos do nosso lado das crateras morreram.

Pude ouvir ordens no ar, pedidos de ajuda e gritos doloridos além da nuvem
de fumaça e poeira, porém não tinha uma linha clara de visão do resto da força
deles. Ainda havia cinquenta soldados treinados lá atrás, talvez mais.

“Jarrod, envie a nuvem direto para eles” falei antes de sair do caminho.

Ele ergueu as duas mãos, já girando com mana de atributo vento, e fechou os
olhos, concentrado no feitiço. Sentia a mana ao redor, um vendaval crescendo
entre os braços estendidos. Enfim, o liberou, enviando uma parede de vento à
crescente fumaça e poeira.

O vendaval levou a nuvem obscura para longe de nós, de volta aos rostos dos
alacryanos restantes. Eu já estava sobrevoando as crateras antes que
soubessem que eu estava chegando. Gritos soaram por toda parte e vários
escudos mágicos surgiram.
Aterrissei no meio de quatro soldados não magos que estavam abaixados para
verificar os pegos pela explosão. Um gritou, e todos correram em minha
direção, as espadas e lanças para cima. Desviei de um golpe de lança usando
uma adaga e fui para longe do alcance de uma espada. Uma segunda foi
segurada pela camada de mana agarrada a mim antes que minha lâmina
entrasse nas suas costelas, perfurando as juntas de corrente da armadura.

Infundindo as pernas em mana, pulei direto sobre as cabeças deles e de novo


me apoiando no ar condensado. Conjurando um casulo de vento circulante,
girei. Um raio de energia verde voou até mim por trás de um dos escudos de
mana, mas foi apanhado pelo vento e desviado.

Embora fosse difícil ver algo específico girando ali de cima, minha atenção foi
atraída por um rosto familiar.

‘Gideon!’

Conheci o velho inventor algumas vezes ao longo dos anos, mas o que ele fazia
no meio do ataque a Greengate?

Quando caí de volta no chão entre os meus três atacantes, o vento afastou as
armas deles e as adagas os cortaram que nem foices debulhando trigo. Um
momento depois, um estrondo forte brotou nas proximidades, como a
explosão de um fogo de artifício, mas não tive tempo de me perguntar o que
foi.

O resto estava se juntando. Pelo que pude ver, sobravam apenas alguns magos
ao lado dos defensores. Todos os outros soldados não eram magos e se
retiraram para se esconder atrás de uma parede de escudos de mana.

Dois grupos de batalha avançaram na frente dos outros, cada um composto


por três alacryanos.

‘Um conjurador, um atacante e um defensor’ Lembrei do que nos ensinaram


quando os Chifres Gêmeos assumiram o dever de guarda para embarques à
Muralha.

Outro raio verde disparou contra mim, mas o evitei sem dificuldades e esperei
que meus aliados me alcançassem. O conjurador era uma mulher de olhos
escuros com um rosto amedrontado e nervoso, e ao lado dela, outra,
facilmente com dois metros de altura, envolta em uma armadura congelada.
Ela bateu as luvas de gelo e rosnou quando nos encaramos.

Alguns feitiços vieram de trás de mim, acertando à toa as barreiras protetoras,


e os alunos da Academia Xyrus e os agricultores de Greengate chegaram lá.

“Precisava ir tão rápido?” Camellia perguntou logo atrás de mim. “Estas árvores
são meio lentas.”

Bufei. “Tente acompanhar, criança.”


Uma ideia veio a mim os observando. Pareciam hesitantes em atacar, e apesar
do treinamento e números superiores, deviam estar à beira de quebrar a
formação e correr. “Envie as árvores primeiro e foque nos escudos.”

Ambas as macieiras avançaram, os arcos se curvando em direção aos inimigos,


quebrando o momento de tensão, e raios verdes e vermelhos de mana
dispararam contra. Onde quer que os projéteis verdes atingissem, as árvores
secavam e morriam, e o raio vermelho cortava os galhos rapidinho.

Camellia apontou para as linhas inimigas e gritou: “fogo!”, e maçãs voaram dos
ramos, estourando nos escudos de mana tipo pequenas bombas.

Quando as árvores chegaram aos dois grupos de batalha, os atacantes


saltaram para a frente, uma cravando os punhos cobertos de gelo no tronco
de uma árvore, e o outro balançando um mangual em chamas.

Os defensores liberaram os feitiços e recuaram quando as árvores se


curvaram, os galhos ignorando os conjuradores e atacantes para alcançar os
defensores. Atrás deles, os não magos se romperam para ambos os lados,
circulando em torno das árvores em nossa direção.

Uma adolescente soltou um grito de guerra enquanto conjurava manoplas de


pedra que cobriam os braços até os ombros, bateu as luvas e saltou à frente
para atacar os não magos.

As adagas voaram, envoltas em vento. A primeira foi desviada por uma barreira
de ar rodopiante que a fez voar para longe, mas a outra cortou a parte de trás
do pescoço de um soldado antes de voltar a mim.

Agarrando a arma restante no ar, avancei, fugindo de um raio verde e me


esquivando de um soco da atacante blindada de gelo. Girei, enviando uma
rajada de ar que derrubou os magos em volta, depois golpeei a lateral da
atacante o mais forte que pude.

A adaga lascou o gelo, mas não a feriu. Para piorar as coisas, o gelo condensou-
se ao redor da lâmina, prendendo-a lá e me forçando a soltá-la para que
minha mão não fosse pega.

Com apenas o som de chamas ardentes para me avisar, me abaixei sob o


flamejante mangual, depois rolei para longe do pé da atacante. Uma lenta
onda de fogo a atingiu nas costas um instante depois — conjurada por um dos
órfãos de Xyrus — e a envolveu feito uma serpente, derretendo rápido a
armadura.

Vacilei quando um raio vermelho me acertou. Sem olhar, joguei uma rajada de
vento na direção do conjurador.

À minha esquerda, a maga de manoplas soltou outro grito quando uma lança
a perfurou. No mesmo momento, um tridente foi arremessado e bateu
desajeitadamente no peito da atacante, derrubando-a. O rosto de Jarrod se
contorceu de fúria enquanto lançava feitiços atrás de feitiços, tentando chegar
perto o suficiente para puxar a garota a um lugar seguro.

Pelo canto do olho, vi Camellia. Seu olhar lacrimejante seguiu a jovem, que
tropeçou na terra, as mãos agarrando em vão a ferida bombeando sangue para
o chão.

Os defensores se juntaram ao redor, mantendo os não magos a salvo da


maioria dos feitiços do nosso lado. Os órfãos eram mais capazes do que eu
imaginava, mas não do mesmo calibre que os soldados treinados.

Me virei para a linha de defensores assim que o atacante com mangual se


aproximou de mim.

O alacryano musculoso estava coberto da cabeça aos pés em uma armadura


de metal pesado, e o mangual ardente girava acima de sua cabeça. Painéis de
mana flutuavam a poucos metros dele, mantendo-o protegido de feitiços.

Com a ameaça dos conjuradores ainda nas minhas costas e os soldados não
magos pressionando os aldeões e estudantes, não pude esperar para que ele
viesse até mim. Saltando, fintei para a esquerda e depois cortei para a direita.
Como esperava, sua arma foi à minha esquerda. Condensei ar sob o meu pé
para me empurrar antes de me envolver num ciclone de vento, como já fizera
antes.

Uma pulsação irradiou pelo meu corpo quando meu ombro bateu em sua
armadura pesada, mas a explosão do ciclone o fez ser jogado. Ao mesmo
tempo, uma das árvores se inclinou e caiu sobre um defensor gigante,
esmagando-o.

Um vislumbre verde surgiu na minha visão periférica, porém vi tarde demais


para me esquivar. O feitiço acertou meu braço, queimando a camada protetora
de mana. Usei mais mana a fim de minimizar os danos, mas já sentia a pele
queimando.

Verifiquei o campo de batalha, procurando pelo conjurador.

A atacante de gelo morreu, queimada viva pela própria mana evaporando. O


conjurador que esteve disparando os raios vermelhos morreu também; a
lâmina de vento que joguei formou um sangrento corte em seu rosto. Os não
magos se juntaram, protegidos por vários defensores. Mas eu precisava lidar
com o último conjurador antes de fazer mais algo.

Mais dois raios verdes vieram até mim, mas me esquivei e me joguei no
alacryano trêmulo. Uma parede grossa de vento surgiu entre nós. Lancei um
olhar ao defensor, porém uma segunda parede surgiu, me impedindo de
avançar nessa direção também.
Cobrindo meu corpo com minha própria mana de vento, a manipulei para
empurrar a barreira protetora a fim de atravessar, meu feitiço neutralizando o
do defensor.

O conjurador, que estava juntando mana para algum feitiço mais poderoso,
gritou quando meu punho envolto de vento bateu na lateral da cabeça dela, a
derrubando.

A parede do vento desapareceu quando o defensor começou a recuar,


tentando se proteger atrás das carroças. Como não era mais uma ameaça, o
deixei lá, voltando minha atenção para os meus aliados.

A primeira coisa que vi foi o corpo da prefeita deitado no chão, os olhos sem
luz apontados pro céu e sangue manchando metade do rosto. Camellia recuou
para se esconder atrás de Jarrod. Seu rosto estava enlameado de suor e
sujeira, e ela estava focada na sua árvore restante, redirecionando ela para o
resto dos defensores.

Jarrod estava focado nos aldeões. Talvez tomando alguma inspiração do nosso
inimigo, usou feitiços de vento como escudo para manter os atacantes
desequilibrados e bloqueá-los, permitindo que os agricultores revidassem.

Dardos de fogo saíam das mãos de outro aluno de Xyrus, girando em torno das
barreiras mágicas que continuavam aparecendo e atacando soldados que nem
flechas.

Os defensores lutavam para lidar com a árvore viva, sem nenhum ataque eficaz
contra ela. De dentro aglomerado de estudante, Camellia a dirigiu para
balançar os galhos e pisar com as raízes, derrubando e esmagando os
defensores inimigos.

Quando o primeiro partiu e fugiu, estava tudo acabado.

Em instantes, o último dos magos estava correndo para longe do campo de


batalha, indo direto pro sul. Sem os escudos para protegê-los, os não magos
eram alvos fáceis para os estudantes.

Notei que Gideon se agachou sobre uma forma inclinada perto dos carrinhos,
porém os gritos ao sul chamaram minha atenção de volta aos magos em fuga.
A terra rachou sob os pés deles, os fazendo tropeçar e cair, e uma saraiva de
flechas e feitiços caiu acima.

Reconheci aquelas flechas.

Esquecendo todo o resto por um segundo, corri em direção aos defensores


caídos; três silhuetas se aproximavam.

Um sorriso grande, estúpido e sentimental apareceu no meu rosto quando


reconheci Helen Shard, Angela Rose e Durden. Helen tinha seu arco em mãos
e mirado nos cadáveres, e os dois me davam sorrisos igualmente grandes e
estúpidos enquanto corriam.

Forcei uma expressão neutra no meu rosto quando cheguei aos meus velhos
companheiros. Erguendo uma sobrancelha, olhei para Angela. “Quem convidou
vocês para a minha festa?”

Seus sorrisos se tornaram confusos, e eles lançaram um ao outro um olhar


preocupado. “Estávamos a caminho da Muralha, na verdade…”

“Vieram me repreender de novo?” perguntei frio.

“Não, claro que não” disse Durden, parecendo surpreso e um pouco chateado.
“Nós…”

“Ela está enrolando vocês.” Helen falou naquele tom de mãe resignada que eu
conhecia tão bem.

Bufei e entendi a mão para ele. “Seu imbecil gigante.”

Ele balançou a cabeça e sorriu de novo e praticamente engoliu a minha mão


na dele. Angela me agarrou e puxou contra o peito dela. Tentei me libertar,
mas ela prendeu meus braços.

“Sem abraços, lembra?”

“Desculpe, um pouco.” murmurou, apertando mais forte. “Oh, quem é esta?”

Me livrei do abraço e virei; Camellia caminhava, hesitante, em direção ao nosso


grupo, a cabeça girando para frente e para trás enquanto examinava o campo
de batalha. Ela estava atenciosa em relação à perna esquerda, e eu podia ver
marcas de queimaduras nas calças largas e na túnica. Parecia bem o suficiente.

“Venha aqui.” Acenei. Ela acelerou o passo, parando com a cabeça apoiada no
meu braço. A agarrei de leve pelo queixo e levei o rosto para cima para que
olhasse nos meus olhos. “Está bem?”

A menina assentiu, mas pude ver seu lábio começar a tremer. Enrolei o meu
braço em volta do ombro dela. “Camellia, estes são os Chifres Gêmeos. Pessoal,
esta é a Camellia. Bem, eu estava tentando levar ela até vocês.”

Helen me deu uma tapinha no ombro avaliando por cima a elfa. “Foi muito
corajosa. Você me lembra alguém, sabia?”

Os olhos grandes em excesso da garota quase se submergiram naquele oceano


de lágrimas querendo sair. “Quem?”

Sorriu calorosamente. “Tessia Eralith. Na verdade, ela está liderando um grupo


de valentes guerreiros elfos em Elenoir agora para salvar o seu povo dos
alacryanos. Podem até já ter voltado. Quer conhecê-la?”
“Meu Deus, sério?” Se virou para mim e puxou meu braço, a fadiga
desaparecendo com a ideia de conhecer a princesa elfa. “Vamos com eles, né?”

Dei um sorriso irônico. “Pensei que queria ficar aqui e ser delegada ou coisa
do tipo.”

“Oh” disse fazendo beicinho.

“Claro que virá conosco” Olhou para mim. “Não será mais seguro aqui. E quem
sabe, talvez, alguns da sua família estejam à sua espera no…” Parou, as
palavras morrendo quando franziu a testa.

Durden e Angela trocaram olhares incertos. Camellia se envolveu em torno do


meu braço, os olhos mudando nervosamente ao horizonte além das Grandes
Montanhas.

Algo estava acontecendo com a mana, algo que nunca senti antes. Pude dizer
pelos rostos que os outros também perceberam, como se a pressão
aumentasse no ar antes de uma tempestade. Os pelos do meu pescoço
arrepiaram.

O chão começou a tremer.

Capítulo 19
De Longe

Emily Watsken

A batalha tinha acabado. Gideon me puxou para a carroça mais próxima e


segurava um pedaço de seu manto na minha ferida para tentar estancar o
sangramento, mas o pano escuro já estava vibrando de sangue.

“Vamos, Watsken. Temos que te levar a um curandeiro. Para cima, para cima!”

Seus braços finos me puxaram, me deixando desajeitadamente de pés. Cada


movimento enviava pulsos de dor na ferida, me fazendo sentir como se fosse
vomitar, ou desmaiar, ou talvez ambos.

Não estava prestando atenção de verdade nas orientações dele, e me


concentrei somente em manter os pés firmes. Cada respiração profunda doía.

“Vocês todos!” gritou. Havia um grupo de jovens da minha idade por perto.

”De onde é que vieram?’ Me perguntei, distraída.

“Algum de vocês é emissor?” Quando o grupo nos olhou com cautela, estalou
a língua. “Hein?!”
“Não, senhor.” Quem falou foi um rapaz loiro magro. Parecia familiar, mas tive
dificuldade em focar no seu rosto. “Mas há um farmacêutico e curandeiro na
cidade, assumindo que ele não fugiu. Nós também temos feridos, podemos
mostrar o…”

O menino parou, e o olhar dele passou por nós. Gideon virou para olhar, me
arrastando com ele.

O ar parecia vibrar na direção das Grandes Montanhas, embora não pudesse


dizer se era real ou apenas meus olhos tremendo na minha cabeça. Então senti
o tremor do chão, audível, que correu pelos meus ossos.

Enquanto olhávamos as silhuetas azuis distantes que se estendiam ao


noroeste, o céu atrás deles ficou branco de repente, como se um relâmpago
tivesse coberto todo o céu do distante país de Elenoir.

Lilia Helstea

Foi um dia incaracteristicamente claro. A cidade de Xyrus quase sempre tinha


o céu azul acima dela e nuvens brancas abaixo, mas hoje as nuvens sumiram,
e parecia que eu podia ver toda Dicathen. Com meus deveres na Academia
Xyrus suspensos devido ao ataque das Lanças, comecei a andar pela borda da
cidade, apenas observando e ouvindo.

O céu estava tão claro que conseguia ver todo o caminho para as Grandes
Montanhas e as Clareiras das Bestas e Elenoir além delas. A pequena cidade
de Greengate não era visível a essa distância, mas sabia que estava lá fora,
escondida na base dos sopés ao sul, cercada por campos.

Jarrod, Clara, Cleo, os Havenhursts e vários dos outros que ajudei a escapar da
Academia Xyrus estariam lá, seguros. Saber disso me dava calor e esperança,
orgulho e medo, felicidade e paixão juntos.

A professora Glory disse que seria preciso todos para ganhar a luta. Ninguém
podia ficar de fora. Todos nós tínhamos que estar preparados para fazer
sacrifícios. Seria difícil, mas se cada homem, mulher e criança revidasse,
poderíamos retomar o nosso continente e salvar o nosso povo.

Parei perto do armazém onde me despedi de Jarrod Redner, meu primeiro


refugiado, para contemplar a terra que estávamos tentando salvar. Era
realmente linda. A maneira como o sol brilhava nas Grandes Montanhas ao
longe, a maneira como o céu atrás delas quase ficou branco…

‘Branco?’

Atrás do cume irregular da montanha, parecia que a cor foi drenada do céu
sobre Elenoir, e nuvens de fumaça e poeira podiam ser vistas acima de Elshire,
mesmo de Xyrus.
Houve um vislumbre de luz roxa, e observei com horror crescente enquanto
uma onda de destruição crescia para fora, envolvendo lentamente Elenoir
antes de surgir uma grande nuvem negra.

Mica Earthborn

Flutuei sobre as Clareiras das Bestas, olhando para o norte. Algo na terra élfica
liberava enormes quantidades de mana. Não podia ver mesmo com a visão
melhorada, mas sentia.

A sensação foi tão avassaladora que nem notei Aya voar para pairar ao meu
lado até que ela falou. “O que é isso?”

“Não faço ideia…”

Ficamos em silêncio, perdidas em um derramamento de poder mágico do tipo


que nem podíamos imaginar. Parecia que alguém havia rasgado o tecido da
realidade e mana pura havia começado a inundar. Porém, da maneira que
diminuía e fluía, tinha certeza de que era uma batalha.

‘Mas quem, ou o quê, poderia causar isso?’

Ela de repente ofegou e pressionou a mão contra o peito. Caiu vários metros,
então corri para baixo e envolvi meu braço em torno dela, a impedindo de
mergulhar na floresta.

“Qual é o problema, Aya?”

Seu rosto estava pálido, os olhos arregalados e enlouquecidos. Olhava para


além de mim em direção a Elenoir, onde a cor parecia ter sido drenada do céu.

Daí, senti: uma explosão de mana tão intensa fez meu coração pular uma
batida. Segurando a Lança, só pude assistir uma nuvem negra começar a
encher o céu branco. Uma parede de força e fogo corria através da floresta em
nossa direção, consumindo tudo no caminho.

Nos meus braços, a elfa começou a gritar.

Capítulo 20
Tudo Mudou

Jasmine Flamesworth

Observar o céu distante ficar branco teria sido ameaçador mesmo sem a
pressão. Quando ficou rosa, puxei Camellia para o meu lado, certa de que algo
estava prestes a acontecer. Nuvens negras rolaram sobre a distante montanha,
então o chão começou a tremer sob meus pés.
Ela engasgou e pressionou o rosto contra mim, seu corpo magro tremendo
quando uma parede de mana nos atingiu. A força pura era forte o suficiente
para tirar o fôlego dos pulmões. Tudo o que podia fazer era segurá-la contra
mim e assistir.

Alguns dos estudantes se juntaram a nós, assim como uns fazendeiros da


aldeia. Mesmo que não pudessem sentir a mana, sentiam a incrível pressão os
pressionando que nem um punho.

A nuvem emitia calor, enchendo o céu e obscurecendo o horizonte. Se movia à


nossa direção em uma velocidade inacreditável, e ainda assim ninguém se
moveu. Um dos aldeões tremia tanto que teve que se sentar na terra, mas
ninguém tentou fugir.

Todos sabiam que não havia como fugir do que quer que fosse.

Os ventos fortes de furacão bateram contra nós, forçando até Durden a se


inclinar contra. Fechei os olhos devido aos detritos e me concentrei na
sensação dos braços de Camellia ao meu redor, a maneira que ela tremia, a
umidade de suas lágrimas escorrendo pela minha túnica.

As perguntas surgiram na minha cabeça, indo e vindo muito rápido para que
tentasse respondê-las. Meus pensamentos se acomodaram em um zumbido
aborrecido, e de repente queria apenas sentar em algum lugar e tomar uma
bebida forte.

‘Não.’

O que quer que esse ataque significasse, quem quer que o tenha iniciado,
apesar de todas as perguntas, sabia uma coisa com certeza: tudo mudou. Não
podia imaginar nada sobrevivendo a uma explosão tão avassaladora de
energia, e se tivesse vindo de Elenoir que nem imaginei, então era possível que
toda a terra dos elfos tivesse acabado de ser varrida de Dicathen.

Se os alacryanos tivessem magia forte o suficiente para acabar com um país


inteiro, então toda a esperança estava de fato perdida… Mas não pude evitar
a ideia de que não foram eles. Eles tomaram Elenoir, por que destruir agora?
Não fazia sentido algum…

Se não eles… as Lanças?

Balancei a cabeça enquanto sujeira e detritos batiam no meu rosto. Mesmo


que tivessem esse poder, não fariam isso. Nenhum ataque aos alacryanos valia
os milhões de vidas que quase certamente foram perdidas.

Senti o peso disso. A perda de vidas era incalculável.

Estava segurando nos meus braços um dos últimos elfos de Dicathen.


Afundei de joelhos, a trazendo comigo. Se enrolou numa bola, me deixando
apoiá-la inteiramente. Mesmo que não entendesse por completo o que estava
acontecendo, deve ter sentido isso, no fundo de seu núcleo em algum lugar. A
casa dela tinha desaparecido. O povo dela…

Helen estava ao meu lado, a mão acariciando o meu cabelo. Não me lembrava
da última vez que alguém fez isso.

O vento soprou para o que pareciam horas, porém só poderia ter sido alguns
minutos. Não lutamos contra, não fugimos, apenas… ficamos lá — juntos —
experimentando, entendendo que tinha que haver um fim. Não tinha ideia de
como estava o mundo do outro lado deste momento, entretanto, e com a ideia
que sentia, agora havia outra coisa.

Medo.

Era fácil, viver como se não houvesse mais nada a perder.

Isso era o que não entendi quando Helen e os Chifres Gêmeos foram lutar.
Parecia que o mundo já acabara quando perdemos a guerra, mas na verdade
só tinha acabado para os mortos.

Adam. Reynolds. Arthur…

O resto de nós tinha uma responsabilidade com aqueles que tinham


sacrificado tudo. Dicathen era a nossa casa, e enquanto um único dicathiano
mantivesse a força e a vontade de lutar, então a guerra não tinha acabado.

Apoiando a mão no ombro de Camellia, dei um aperto firme.

“Estou pronta para lutar.”

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