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volume 8 antes de ler esta história secundária (certifique-se de ter lido até o
capítulo 321).
Capítulo 1
Fundo do Poço
JASMINE FLAMESWORTH
Precisarei falar com Dalmore sobre aquele vazamento, pensei, apesar da dor
surda em meu crânio. Tentei rolar e puxar meu travesseiro sobre a cabeça para
abafar a garoa constante, mas em vez do meu travesseiro, saí com um punhado
de palha úmida.
Ficar sentada fez o interior da minha cabeça espirrar, o que tornou ainda mais
difícil me concentrar em meu entorno.
Esfreguei a palma da mão suja em uma das órbitas do olho, tentando afastar
a dor. Ajudou, mas só um pouco.
O que foi que ele disse? Algo sobre sua espada, eu tinha certeza. Eu cavei a
ponta do meu dedo na minha têmpora, a pressão me dando algum alívio da
minha ressaca.
Eu tinha gargalhado por causa da minha cerveja quando ele falou sobre sua
faca de cozinha enorme e o brutamonte se virou para me perguntar o que era
tão engraçado. Eu poderia apenas ter dispensado ele, mas em vez disso, eu
disse a ele exatamente como o nome de sua espada era ridículo. Para ter
certeza de que ele havia entendido o insulto, eu disse que ele não conseguiria
tirar a vida de um cachorro de três pernas com seu pedaço de ferro podre,
muito menos de um mago alacryano.
“Como eu disse, esta foi a última vez. Controle-se ou dê o fora daqui, certo?”
Com essas palavras finais de apoio, ele bateu a porta e eu ouvi a barra se
encaixar do outro lado.
Passei por algumas pessoas no caminho, mas o interior da Muralha não era
longe e não havia muitos de nós sobrando nesse lugar. Alguns soldados me
lançaram olhares frios, mas era difícil dizer se era por causa da luta, por causa
da minha má reputação ou porque eles estavam cansados de trabalhar de
graça e esperando morrer todos os dias.
Afinal, era assim que era a vida nesse fim de mundo. Etistin, Blackbend e Xyrus
haviam caído. As outras grandes cidades também, provavelmente. Elenoir
estava totalmente sob o controle dos alacryanos. Darv, pelo que ouvi, estourou
em uma guerra civil total.
Ninguém, inclusive eu, esperava que nosso sobrevivência nesse lugar durasse
para sempre. Eventualmente, uma força marcharia contra a Muralha, ou ainda
pior, um de seus retentores chegaria para devastar os soldados aqui. A maior
parte da guarnição já havia sido esvaziada, enviada a Etistin para morrer, e
muitos outros fugiram, despindo seus uniformes e jogando suas armas no chão
para que pudessem ir para casa e esperar fazer o melhor da vida sob o governo
dos Vritra.
“Não, não dessa vez. Você tá fora.” Dalmore era um homem atarracado de
meia-idade. Ele tinha a pele cor de argila, ligeiramente enrugada e um cabelo
curto e escuro que estava caindo rapidamente em sua testa. “Desculpe dizer
isso, Jasmine, mas você tem causado mais problemas do que possui de valor.”
“Seja justo, Dal. Se você não me tivesse por perto, quem impediria aqueles
soldados de cortar sua garganta e roubar sua cerveja?”
Ele zombou. “Você será a razão pela qual eles cortarão minha garganta. Fiquei
muito feliz por ter um membro dos Chifres Gêmeos passando por aqui para
ficar de olho nas coisas, mas você me custou três vezes mais do que
economizei. E agora, você está fora, Jasmine. Só saia daqui. Agora.”
Eu encontrei o olhar duro do estalajadeiro. “Posso pelo menos ter algo para
amenizar essa ressaca antes de ir?”
Lágrimas de raiva indesejáveis se acumularam nos cantos dos meus olhos, mas
eu as mordi de volta, sibilei de dor e limpei meu lábio com as costas da mão.
Minha mão estava ensanguentada.
Joguei minha cabeça para trás para gritar uma maldição, mas tudo o que saiu
foi uma respiração trêmula.
“Se ao menos soubéssemos o quanto isso poderia ficar pior, certo Arthur?” O
vento agarrou minhas palavras e carregou-as sobre a Muralha e para as
Clareira das Feras.
Em algum lugar abaixo de mim, na melhor cela da prisão, meu pai sentou-se e
cuidou de seu orgulho ferido. Não acho que o ceceio de sua língua queimada
o incomodasse tanto quanto o conhecimento de que os Flamesworths tinham
sido despojados de sua posição e propriedades, mesmo que isso não
significasse nada agora.
Eu tinha ido visitá-lo apenas uma vez, após notícias da queda de Etistin e do
Conselho. Ele não queria me ver, é claro, então me satisfiz atirando
comentários farpados através das portas gradeadas, contando como Senyir
havia deixado a Muralha um dia depois de ser preso, incapaz de suportar a
vergonha, e como de repente tia Hester e eu, em vez de sermos rejeitados,
éramos as únicas Flamesworths que não haviam perdido tudo por causa de
seu egoísmo.
Eu não tinha voltado desde então. Se o Conselho não tivesse caído, ele
provavelmente já teria sido executado. No entanto, o novo capitão sênior,
Albanth Kelris, não teve coragem para arrancar ele mesmo a cabeça de meu
pai.
“Desculpe,” eu disse suavemente, imaginando Arthur não como ele era quando
ele voou sobre nossas cabeças, despejando magia mortal sobre milhares de
bestas de mana, mas sim como ele era quando eu o orientava, aventurando-
se juntos na Clareira das Feras, um menino de dez anos que de alguma forma
me fez sentir como uma criança.
Foi exatamente por isso que fiquei para trás quando os outros fugiram para se
juntar à rebelião clandestina. Helen, de alguma forma, parecia ter esperança
de que os alacryanos pudessem ser expulsos de nossas costas. Eu balancei
minha cabeça e puxei meus joelhos apertando ainda mais o meu tórax. Helen
tinha sido como uma mãe para mim, mas eu simplesmente não conseguia
compartilhar seu otimismo eterno.
Com esse pensamento severo nublando minha mente cansada, tirei um frasco
do meu anel dimensional, derramei um respingo no chão para Arthur e tomei
um longo e sedento gole.
Capítulo 2
Não É Uma Vida Segura
LILIA HELSTEA
Os saltos dos meus sapatos estalaram nas lajes de pedra da rua e ecoaram de
volta para mim nas paredes altas das casas ao redor, fazendo parecer que eu
estava sendo seguida. Fiquei olhando para trás apenas para ter certeza, mas
eu era o única na rua e por um bom motivo. Já havia passado do toque de
recolher, o que significava problemas se uma patrulha Alacryana me pegasse,
mas eu fui mantida até tarde na Academia Xyrus, novamente.
Os Testadores devem ter achado engraçado nos deixar sair tão tarde que
tivemos que correr para casa apenas com o luar iluminando o local, como ratos
correndo para nossas tocas. Malditos alacryanos, pensei amargamente. Fazia
menos de um mês desde que ocuparam Xyrus, mas já parecia uma vida inteira,
ou talvez como se tivessem chegado ontem.
O Vritra, que derrotou nossas Lanças. Eles até mataram Arthur. Quando pensei
no garoto estranho e sobrenatural que se mudou para nossa casa quando
éramos apenas crianças, fiquei melancólico. Arthur foi a razão de eu ter me
tornado uma maga. Sem seu treinamento, eu não teria despertado. Ele
também foi, lembrei-me com certo embaraço, meu primeiro amor.
Amor? Eu perguntei para mim mesma. Sim, eu acho. Jovem e tolo, talvez, mas
amor.
Eu nunca tive uma chance com ele, é claro, não quando eu estava competindo
contra gente como uma princesa de verdade…
“Você está atrasada”, disse ele. A voz era fria e zangada, rangendo os dentes
de uma forma que eliminou a bondade e a autoconfiança que eu sempre
ouvira nela antes.
Jarrod tirou seu capuz e olhou para mim. O belo garoto que serviu comigo no
conselho estudantil da Academia Xyrus havia morrido quase totalmente. Um
espantalho magro, feito vagamente à semelhança de Jarrod, olhou de volta
para mim, seu rosto torcido com malícia.
“Assustada, Lilia?” Ele zombou. “Você deve estar. Não posso acreditar que
você, de todas as pessoas, virou um cãozinho dos alacryanos, mas vou fazer
você pagar. Vou fazer toda a sua família pagar!”
Fixei meu olhar assustado no menino que tinha sido meu amigo, ao mesmo
tempo confuso, zangado e com muito medo. “Do que caralhos você tá falando,
Jarrod? O que há de errado com você?”
“O que há de errado comigo, Lilia?” ele perguntou com os dentes cerrados.
Jarrod deu um passo ameaçador para frente, dando-me uma visão mais clara
de suas bochechas magras, olhos fundos e hematomas amarelados. “Vocês,
Helstea, são todos um bando de traidores imundos, isso sim!”
Mana se acumulou em sua mão direita, mas ele hesitou, seus olhos suavizando
enquanto ele me encarava.
“Não somos traidores!” Eu gritei, minha voz tremendo. “Me dá uma chance
pra—”
“Para, Lilia,” Jarrod sibilou, me interrompendo. “Eu sei que seu pai fez um
acordo com os alacryanos para que você fosse poupado do pior de seus
experimentos.” Mana condensava em sua mão enquanto ele preparava outro
feitiço.
As duas últimas atirei diretamente contra ele, forçando-o a gastar mana para
conjurar seu próprio escudo.
“Jarrod, isso é burrice. A gente não devia—”
Uma lua crescente cortou meu braço enquanto eu tentava desviar de um disco,
e percebi que seria cortado em pedaços se não fizesse algo. Trabalhando
rapidamente, conjurei Túmulo Submerso, um feitiço difícil que eu nunca tive
que usar antes. Uma barreira densa de mana densa de água se formou ao meu
redor, envolvendo-me inteiramente, mas também pressionando-me para que
eu não pudesse me mover.
Jarrod estava ofegante, seus ombros caídos, suas mãos cerradas em punhos
apertados. Ele parecia mais uma besta de mana selvagem do que o garoto com
quem eu tinha ido para a escola.
Claramente, algo horrível havia acontecido com ele. Eu não estava mais com
raiva dele. Eu me senti mal por ele… Eu me senti mal por minha família ter
escapado do pior da ocupação alacryana, enquanto tantos outros sofriam
terrivelmente em suas mãos.
“E-eles l-levaram minha família!” ele disse, suas palavras sufocadas por uma
garganta apertada. “Eles levaram todo mundo, e a-agora eles estão
procurando por mim…” Ele olhou para cima em busca de encontrar meus
olhos. “Me desculpa, Lilia. Me desculpa. Eu não deveria… eu não sei o que
fazer.”
“Ouça-me com atenção, Jarrod Redner. Eu não sou inimiga. Eu não tenho
nenhuma má vontade para você e eu vou ajudá-lo se puder, mas os guardas
estão vindo.” O som de botas com armadura em pedra enfatizou meu aviso.
“Corra daqui. Rápido! Me encontre na minha casa daqui a algumas horas.
Espere até depois da meia-noite.”
O rosto cansado e sujo de Jarrod se virou para mim, com uma confusão clara
em seus olhos brilhantes.
Alcancei seu braço e o coloquei de pé. “Ou você prefere ser pego?” Eu cintilei.
Meu olhar voltou para a estrada, onde o som de passos correndo estava
rapidamente ficando mais alto, e eu senti Jarrod enrijecer.
“Pare!” um gritou enquanto outro apontava uma lança brilhante para mim. Eu
parei.
“Por favor,” eu disse, emitindo minha voz mais angustiada, “Eu acabei de ser
atacada.”
Os olhos do guarda da frente dispararam de mim para a poça de água ainda
encharcando o solo, então para os edifícios ao nosso redor, onde alguns dos
feitiços de Jarrod tinham lascado pedaços de tijolo e madeira.
“Por que você saiu depois do toque de recolher?” ele perguntou, sua voz grave
misturada com suspeita.
“Estou vindo da Academia. Meu nome é Lilia Helstea, filha de Vincent Helstea.
Ele é um comerciante, licenciado para continuar trabalhando pelo novo
governador. Por favor, o homem que me atacou foi por ali” Eu apontei para a
rua, longe do beco onde Jarrod tinha desaparecido.
O mago com a lança brilhante ainda a tinha apontada para mim, mas um dos
outros havia se aproximado do prédio mais próximo. Ele correu os dedos ao
longo de um corte profundo na pedra. “Definitivamente, feitiço de dano,
senhor.”
O líder da patrulha acenou com a cabeça para seu camarada e acenou com a
mão para os outros. Suas feições suavizaram e ele deu vários passos em minha
direção. “Não é o primeiro relatório que recebemos de nativos atacando
cidadãos íntegros. Qual era a aparência desse invasor?”
Olhei para as botas do homem e fiz uma reverência profunda, esperando que
ele não pudesse ouvir o rangido dos meus dentes enquanto o fazia. “Obrigado
por sua gentileza e generosidade, senhor.”
Não olhei para cima até que os quatro alacryanos correram na direção errada
para procurar meu atacante.
“Você fez o que, exatamente?” Meu pai perguntou, seus olhos arregalados de
surpresa.
Ele se inclinou para frente e apoiou o rosto nas mãos. Nunca pensei que ele
fosse velho, mas parecia ter envelhecido consideravelmente desde o início da
guerra com os alacryanos. Seu cabelo escuro estava ficando grisalho e
recuando nas têmporas. Ele havia ganhado peso também, de modo que seus
ternos normalmente elegantes se agarraram a ele com muita força.
“Ele atacou você, Lilia!” Ele retrucou, levantando-se tão de repente que sua
cadeira tombou. “E em troca você o convida para entrar em nossa casa! No que
você tava pensando?”
Meu coração estava disparado. Não conseguia me lembrar da última vez que
meu pai gritou comigo.
“Eu entendo que muitos outros já perderam tudo!” Eu voltei, meu próprio
temperamento queimando. “Eu não sou uma criança, pai. Eu sei o que você fez
para me proteger—”
Meu pai bateu com a mão na mesa, me fazendo pular. “Você vai salvar todos
eles, Lilia? Você vai expulsar os alacryanos de Dicathen, devolver os mortos à
vida, restaurar tudo do jeito que costumava ser? Diga-me, Arthur Leywin lhe
deu esses poderes incríveis quando o treinou para ser uma maga? Porque, se
ele fez, ficarei feliz em ver.”
Meu pai respirava com dificuldade, mas retribuí seu olhar furioso com uma
expressão de calma forçada. Por dentro, eu estava tremendo, mas não deixei
minha surpresa e medo ficarem nítidos em minha voz. “Não, pai. Eu ficaria feliz
se pudesse salvar ele.”
Sua boca se abriu para responder, então fechou lentamente de novo enquanto
ele me olhava. “Minha filha, tão sábia e gentil…”
Meu pai se recostou na cadeira e passou a mão no rosto. Uma leve batida na
porta do escritório interrompeu a tensão.
Para mim, ele disse: “Não é a mesma coisa, Lilia. Alice e Reynolds eram uma
família.” Os olhos do pai perderam o foco enquanto ele olhava para a meia
distância. “Vá jantar. Está tarde.” Então, mais alto, ele disse: “Entre.”
Ainda assim…
Não era exatamente com esse medo que os invasores confiavam para nos
manter na linha?
Minha mãe estava encostada na mesa e embalando a cabeça de meu pai contra
sua barriga. Suas mãos acariciavam seu cabelo, e ela estava fazendo barulhos
suaves de silenciamento, como ela tinha feito para mim tantas vezes antes.
Lágrimas brotaram em meus olhos. Eu já tinha visto meu pai chorar antes, é
claro, mas essa demonstração de emoção parecia tão… desesperadora.
Sentindo-me repentinamente culpada por ouvir de fora, abri caminho até o
escritório e corri para meus pais. Os ombros de papai só tremeram mais
quando passei meus braços em volta dele e de mamãe. Ficamos assim por um
tempo, exaustos de lágrimas.
Quando senti que poderia falar sem engasgar de novo, olhei meu pai nos
olhos. “Apenas viver com segurança não é mais o suficiente.”
Ele acenou com a cabeça e enxugou as lágrimas com a manga. “Eu sei, Lilia. Eu
sei. Vamos dar um jeito juntos, ok?”
Dois homens em mantos finos passaram pela entrada do beco. Pelo vestido, a
maneira como falavam e o fato de se moverem tão casualmente depois de
escurecer, era óbvio que eram magos alacryanos.
Fiz sinal para Jarrod manter a cabeça baixa até que eles tivessem desaparecido
em um canto distante.
Uma vez que o caminho estava livre, disparamos para fora do beco e descemos
a rua, mantendo-nos perto dos prédios para o caso de precisarmos nos
esconder rapidamente novamente.
Foi muito emocionante. Eu não esperava que fosse tão bom fazer algo para
lutar, para resistir.
Sinalizando para Jarrod, eu nos levei até o final do beco que estávamos
atravessando, me abaixei atrás de uma pilha de caixotes velhos e olhei para a
estrada.
O orador era um guarda atarracado. Ele estava de costas para nós, então eu
não conseguia distinguir suas feições, mas ele obviamente era alguém com
autoridade. Três outros guardas cercaram uma mulher magra que parecia ter
cerca de cinquenta anos. Ela estava apoiando suas mãos nos joelhos e numa
pedra dura. Seu corpo inteiro tremia.
Um latido profundo veio de uma porta aberta próxima, e uma grande besta
mana cinza, um lobo das sombras, eu pensei, irrompeu, fazendo com que a
porta batesse contra a lateral do prédio. Ele rosnou para os guardas e avançou
em defesa da mulher, mas quatro feitiços o atingiram ao mesmo tempo.
A mulher ajoelhada gemeu, sua voz torturada ecoando pela cidade ao nosso
redor. Ela tentou passar pelos guardas e alcançar lobo morto, mas o homem
responsável a agarrou pelo pescoço de suas vestes velhas e a puxou para cima.
Então, ele sorriu. “Você pode ser bem útil antes de ir.”
Eu encontrei os olhos de Jarrod e murmurei, “O artefato está ativo?” Eu sabia
que estava, tinha sido desde antes mesmo de sairmos pela minha porta da
frente, mas senti um impulso ansioso para verificar de qualquer maneira.
Eu queria ajudar a mulher mais do que qualquer coisa na minha vida. Imagens
de Jarrod e eu correndo para a rua em uma explosão de feitiços passaram pela
minha mente e, por um momento, pensei que talvez pudéssemos fazer isso. Se
os pegarmos de surpresa e atacá-los com nossos feitiços mais fortes antes que
eles pudessem levantar suas defesas, seria perfeito… mas o medo me manteve
onde estava.
Não me mexi mesmo depois de eles terem sumido de vista. Eu não me movi
até que a mão de Jarrod no meu ombro me fez quase pular fora da minha pele.
Eu balancei minha cabeça e puxei o capuz da minha capa mais perto do meu
rosto, escondendo as lágrimas que escorriam pelo meu rosto. “Vamos lá.”
Algo se mexeu no telhado plano do prédio. Tive que colocar mana em meus
olhos e apertá-los para ver na escuridão: uma grande besta de mana alada.
Ele estava deitado, escondendo-se tão efetivamente quanto podia.
O cavaleiro da asa da lâmina saiu para que pudéssemos vê-lo, embora suas
feições estivessem quase todas escondidas na luz fraca. Apesar do perigo, ele
estava sorrindo. “Uma beleza, não é?”
“Se você diz.” Jarrod disse nervosamente, seus olhos passando rapidamente
entre a silhueta da besta mana e eu.
Peguei a mão de Jarrod e o levei para frente. “Você vai ficar bem. Meu pai disse
que Tanner era o melhor de sua classe na Academia Lanceler.”
O cavaleiro bufou, depois cobriu rapidamente a boca com a mão e nos lançou
um olhar de desculpas.
“A verdade é”, disse ele uma vez que estávamos parados ao lado dele, “se não
fosse pela guerra, eu ainda estaria na academia e nunca teria sido permitido
de estar perto de uma asa de lâmina. Apesar de tudo o que aconteceu, não
consigo imaginar nunca ter conhecido Velkon lá em cima e aprendido a
cavalgar…”
“E… é seguro isso aí?” Jarrod perguntou, sua mão segurando a minha com tanta
força que doeu.
Tanner encolheu os ombros. “Se você está falando sobre Velkon, sim, ele está
seguro… contanto que você não faça nada agressivo com ele, o assuste ou o
irrite muito. Mas se você quer dizer nossa fuga, vôo para fora daqui, bem…” Ele
deu de ombros novamente.
Tanner me deu um aceno com a cabeça, então guiou Jarrod, que continuou
olhando com medo por cima do ombro para mim , em direção a uma escada
que subia ao lado do depósito. O rosto do meu outrora colega de classe estava
tão pálido que praticamente brilhava sob a luz fraca das estrelas.
Fiquei olhando os dois montarem na grande asa da lâmina. Seu bico longo e
pedregoso beliscou Jarrod quando ele se aproximou pela primeira vez, mas
algumas palavras suaves de Tanner acalmaram a criatura. Quando ambos
estavam montados e amarrados à sela larga, Velkon girou de modo que ficasse
de costas para mim, então saltou do telhado e voou direto para as nuvens
abaixo, sem som, exceto pelo grito assustado de Jarrod.
Olhei em volta nervosamente, mas não parecia haver ninguém por perto.
Jarrod seria levado para uma pequena aldeia no leste de Sapin, perto da
Muralha. Com o artefato de supressão de mana como cobertura, ele começaria
a vida como um menino órfão sem importância, sob a guarda de um amigo
próximo de meu pai.
Sem a ajuda dele, isso não teria sido possível. Ele tinha encontrado Tanner, o
cavaleiro da asa da lâmina e ele pediu um favor com o comerciante
aposentado que deveria cuidar de Jarrod. Ele também puxou o artefato da casa
de leilões e presenteou Jarrod sem qualquer expectativa de recompensa ou
pagamento.
Foi fácil. Tão fácil, na verdade, que não pude deixar de me perguntar se, com
nosso privilégio e riqueza, poderíamos fazer de novo. Quantos magos sofreram
como Jarrod? Quantos podemos ajudar a fugir da cidade?
Capítulo 3
Mas para quê?
JASMINE FLAMESWORTH
Avancei no banco de madeira e inclinei meus ombros e cabeça para trás contra
a lateral da tenda, lutando para encontrar uma posição mais confortável
enquanto esperava pelo capitão sênior. A lona estava fria, e o tamborilar suave
da chuva fria na barraca me deu vontade de fechar os olhos.
Um grosseiro mago alacryano nos informou que a guerra havia acabado, que
os membros do Conselho haviam sido executados e que qualquer pessoa que
abaixar suas armas e voltar para suas casas teria permissão para fazê-lo. Foi
Helen quem nos convenceu a fazer o que eles disseram.
Mas por que caralhos ela fez isso? Eu me perguntei pela centésima vez.
Houve uma leve briga quando a aba da tenda foi empurrada para o lado. Uma
mulher jovem e severa colocou a cabeça para dentro e disse: “O capitão sênior
vai vê-la agora.”
A guarda me conduziu até a grande tenda onde o capitão sênior se reuniu com
os outros comandantes da Muralha. Um anão magro e careca estava saindo.
Ele me lançou um sorriso triste por baixo de sua barba rala enquanto saia.
Jerimiah Poor, a alma caridosa da Muralha. Ele sorria com frequência, mas
sempre com uma expressão de cansaço. Imaginei que ser responsável por dar
esmolas aos necessitados era um trabalho bastante ingrato, quando todos ao
seu redor precisavam de algo e você não tinha quase nada para dar.
“Trabalho.”
“Trabalho, capitão sênior.” Eu repeti, tomando cuidado para manter meu tom
respeitoso.
“Eu preciso comer.” Eu disse, mais duramente do que pretendia. Cerrei minha
mandíbula para não dizer mais nada enquanto esperava pela repreensão de
Albanth.
“Não estou dizendo que é mentira, você possui total capacidade de ter a
mentora dele.” Albanth respondeu, relaxando contra sua mesa e olhando para
mim com um olhar avaliador. “É que não consigo imaginar o General Leywin
como uma criança. Algo sobre alguém tanto poder faz você pensar que ele
deve ter surgido da terra como um homem adulto.”
Quando não pulei direto para a história da minha aventura com Arthur,
Albanth continuou. “Eu nunca lutei ao lado de ninguém com uma mente como
a dele. Eu juro, ele tinha a destreza tática de um general com cinco vezes mais
que sua própria idade. Eu ouvi dizer que…” Albanth parou de falar e pigarreou,
como se estivesse prestes a compartilhar um boato desagradável. “Ouvi dizer
que ele despertou com apenas três anos?”
Albanth estava me observando com expectativa, mas não elaborei. O que ele
quer que eu diga a ele?
O silêncio durou vários segundos cada vez mais estranhos antes de eu dizer:
“De qualquer forma, ele era o que você esperava. Existe algum motivo pelo
qual você queria saber sobre ele?”
Capítulo 4
As 3 Lanças
MICA EARTHBORN
“Mica está cansada da Clareira das Bestas.” eu disse, sabendo que minhas
reclamações irritariam a Lança elfa. “Mica está entediada. E-N-T-E-D-I-A-D-A,
entediada.”
“Mica e suas irmãs não estariam aqui se não fosse por aquele menino horrível,”
eu resmunguei, imaginando o alacryano de cabelos escuros cuja chegada
selou nosso destino em Etistin,” com seu fogo escuro e metal preto…”
Aya estremeceu com a minha referência a ela e Varay como minhas irmãs, mas
não respondeu de outra forma.
“Mica estava pensando quando Varay lançou uma geleira inteira na Foice.
Lembra como ele saiu da baía como se tivesse sido lançado de uma catapulta
gigante?” Peguei uma das bonecas de pedra que fiz da minha beliche e imitei
a geleira caindo nela, quebrando a boneca ao meio com meu punho. “Mica
achou que isso poderia funcionar, mas as malditas chamas negras comeram a
geleira como—”
“Vocês elfos sempre tem um jeitinho diferente de falar. Mica acha que talvez
seja por isso que você se atrasou tanto para chegar a Etistin. Ficou escrevendo
poesias, talvez?”
Aya abriu um olho para olhar para mim, então fechou-o novamente,
arrastando os pés em seu traseiro e retornando à sua meditação. Eu me
aproximei um pouco mais para que a borda da minha bolha de gravidade
fizesse seu cabelo flutuar em torno de sua cabeça.
“Mica e Varay tinham a Foice com chifre de serra nas cordas até que o menino
sem coração chegasse. Se a Lança Aya tivesse sido um pouco mais rápido para
chegar a Etistin, talvez—”
Eu levantei uma sobrancelha, ou abaixei-a, talvez, já que tinha girado até estar
flutuando de cabeça para baixo, e dei um sorriso satisfatório para Aya. “Viu?
Mica disse que vocês elfos têm jeito com as palavras.” O sorriso
propositalmente irritante deslizou do meu rosto enquanto eu pensava em
outra coisa. “É difícil acreditar que a Lança Arthur lutou contra a Foice e o
garoto moreno ao mesmo tempo.”
Observei Aya com cuidado. Apesar de sua meditação, as linhas de seu rosto
magro estavam tensas, os lábios franzidos com tanta força que eram brancos
nas bordas. O beicinho sedutor que a Lança elfa usava para distrair o mundo
de sua força se foi, substituído por uma carranca constante. A traição do Rei
Eralith e o desaparecimento de Tessia e Virion foram difíceis para ela.
“Olha, cala essa boca.” Aya retrucou. “Não seja vulgar, Mica. Você não pode
simplesmente me deixar em paz para que eu possa meditar?”
A caverna também foi minha criação. Três beliches moldadas com terra fofa
revestiam uma parede, enquanto uma mesa de pedra coberta com um mapa
aproximado de Dicathen ocupava o meio da sala. Um balcão com uma espécie
de forno natural e uma laje de pedra para preparar a refeição crescia na
parede oposta.
Eu esculpi em uma fonte natural na parede traseira, permitindo que ela caísse
livremente em uma bacia rasa para coletar água potável e tomar um banho
ocasionalmente gelado. Varay não parecia se importar com isso, como uma
maga com atributos de gelo e Aya nunca reclamou disso também, mas eu era
uma senhora anã refinada e sentia falta dos banhos minerais quentes de Darv.
Ao longo dos tediosos dias após a queda de Dicathen, construir e refinar nosso
pequeno esconderijo nas Clareiras da Bestas se tornou meu hobby. Quando
não era minha vez de explorar, passava meu tempo brincando com o formato
de nossas camas, o tipo de pedra para nossas mesas e o design do forno. Eu
cuidadosamente moldei prateleiras nas paredes, alisei o chão, até criei lindas
colunas e arcos que subiam pelas paredes e atravessavam o teto.
Quando a remodelação ficou entediante, comecei a moldar e dar forma a
outras coisas. Comecei com um busto de Aya, mas acabava ficando mais
parecido com meu primo Hornfels se alguém raspasse sua barba. Arte não era
realmente minha praia.
Depois disso, tentei fazer formas mais simples na forma de bonecos, que agora
estavam espalhados pela minha beliche. A coisa mais próxima de uma boneca
que eu tinha quando criança era um boneco de alvo para meus feitiços e eu
nunca tinha visto o ponto de criar golens ou simulacros em combate, como
meu antigo parceiro Olfred tinha feito, mas havia algo meditativo sobre formá-
los e moldá-los.
Eles pareciam irritar Aya também, então eu havia criado dezenas de bonecas
cada vez mais estranhas ou assustadoras e regularmente as deixava pela
caverna para ela encontrar.
Aya colocou a ponta do dedo contra o topo de sua cabeça e conjurou um som
vibrante e inaudível na fenda, fazendo com que a boneca se partisse ao meio
com um estalo alto.
Varay se virou para nós e eu dei a ela um olhar escandalizado. “Varay, Aya
quebrou minha boneca!”
A Lança humana esfregou seus olhos e fez um esforço visível para me ignorar
antes de iniciar seu anúncio. “Tenho boas notícias. A Muralha está de pé e
sendo mantida por soldado dicatheanos, no momento. Acredito que sua falta
de valor estratégico forneceu incentivo limitado para os alacryanos invadirem.
Além disso, eles parecem ter abandonado sua presença na Clareira das Bestas,
o que é um bom presságio para nós.”
Aya, por outro lado, estava balançando a cabeça. “É uma armadilha, certo? Por
que outra razão essa pessoa tornaria seus movimentos tão óbvios? Com seus
artefatos de teletransporte pessoais, os alacryanos podiam simplesmente se
teletransportar de cidade em cidade aleatoriamente para evitar uma
emboscada.”
“Eles acham que venceram”, eu disse rapidamente, não querendo que a Lança
elfa mudasse de ideia. “Eles acham que Dicathen está dominado, que não há
mais ninguém para desafiá-los. Mica se pergunta por que eles teriam o
trabalho de esconder seus movimentos se não havia nenhuma ameaça
sobrando para eles.”
Eu abri minha boca para responder, mas Varay levantou a mão para me parar,
então gesticulou para Aya continuar.
Varay, que se tornou nossa líder de fato desde a queda do Conselho, ouviu
atentamente e cuidadosamente a Lança elfa, então ficou quieta por vários
segundos frustrantes depois disso.
“Eu concordo com você, Aya” – A Lança elfa me lançou um sorriso vitorioso –
“mas haverá perigo em qualquer ação e a inatividade não é algo que sou capaz
de fazer por mais tempo.”
Os olhos de Aya se voltaram para Varay e seu rosto caiu. Eu sorri ao lado de
sua cabeça.
“Embora isso possa ser uma armadilha, esta também é nossa primeira
oportunidade de atacar um alvo alacryano de alto valor. Se alguma vez fomos
dignas do título de Lança, não podemos mais nos esconder aqui na Clareira
das Feras. O que importa agora é entrarmos em ação.”
“Bom. Então, não há tempo a perder. Acho que devemos ir para Greengate
imediatamente e estabelecer uma base de operações.”
Capítulo 5
Contratada em Darv
EMILY WATSKEN
Brone zombou. Seu rosto fino e pontudo o fazia parecer um rato vestindo uma
peruca preta. Minha bochecha se contraiu quando suprimi um sorriso
imaginando essa cena, fazendo com que os olhos de Brone se estreitassem.
Gemendo, rolei para fora da cama e coloquei meus pés descalços no chão de
pedra fria. Minha cabeça doía por causa da falta de sono e meu corpo rangia
como se eu tivesse cem anos, provavelmente por causa das semanas mal
dormidas na pequena cama miserável que eles me deram.
Por fim, porém, o impaciente Instilor bufou, fui forçada a segui-lo para fora do
meu quarto e pelos corredores esculpidos do Instituto Earthborn em direção
ao laboratório do Gideon. Meu estômago roncou no caminho, mas eu sabia
que não teríamos nada para comer por algumas horas.
Esfreguei meus dedos em meus olhos turvos enquanto Brone abria a porta do
laboratório ao som de uma explosão que o fez pular para trás e eu
acidentalmente me dar um soco no olho. Uma nuvem de fumaça negra e
ardente saiu da porta, obscurecendo o Instilor e fazendo meus olhos arderem
ainda mais.
“Em nome do Alto Soberano… que fedor é esse?” Brone rosnou, respirando
com dificuldade.
Brone tentou berrar e nos ameaçar, mas não conseguiu por causa de uma crise
de tosse.
“Eu não acho que vai ser muito bom contra os asuras, mas esses sais de fogo
são uma bomba de fumaça e tanto, hein?” Gideon piscou para mim.
“Mas o navio a vapor não foi projetado pelo Arthur Leywin?” Perguntei ao meu
mentor, genuinamente curiosa. O Dicatheous foi projetado antes de eu
começar a trabalhar com Gideon, mas eu tinha visto o navio concluído e as
plantas nas quais foi baseada.
Ele revirou os olhos exageradamente. “Ele só fez o básico, quem fez tudo
aquilo funcionar foi eu. Talvez Arthur pudesse ter efetuado alguma mudança
se ele tivesse se concentrado em gerar mais tais ideias, lutando contra Agrona
com sua mente pensante ao invés de ir pra todo canto de Dicathen e conjurar
feitiços sofisticados em todo lugar que ele pisava.”
Eu queria falar mais sobre Arthur, mas Brone havia se recuperado de seu
ataque de tosse e se aproximou de nós, seus olhos redondos injetados de
sangue e um rastro de coriza escorrendo do nariz aos seus lábios. Ele enxugou
o rosto na manga e olhou para Gideon.
O carrancudo mago deu um passo para longe da parede e apontou para meu
mentor. “Agora ouça aqui seu velho idiota—”
Brone acenou para o mago ficar em silêncio. “Não morda a isca dele, Albin.
Gideon é especialista em ser terrivelmente frustrante, não é, Gideon?”
“Eu me esforço para estar no nível de enlouquecer algum dia, mas por agora
sim.” Retrucou Gideon. “Agora, eu preparei vários outros experimentos hoje, a
maioria dos quais provavelmente farão todos nós morrermos com este
conjurador trabalhando ao nosso lado, então não há razão para bater papo
mais.”
O rosto de Brone se contraiu, mas ele acenou para o homem sair. Um filete
fino de fumaça vazou de volta para a sala quando eles saíram, e eu podia ouvir
Brone tossindo pela porta.
Suspirei e esfreguei meu olho dolorido novamente. “Gideon, por que estamos
fazendo isso? Você sabe que eles são—”
“Já falamos sobre isso.” resmungou Gideon. “Se não nos tornarmos úteis,
eventualmente minha genialidade não será suficiente para nos proteger, e nós
dois seremos executados por—”
“Mas qualquer coisa que criarmos para os alacryanos só será usada contra
nosso próprio povo…”
“Além disso.” Ele murmurou de forma que eu mal pude ouvi-lo. “Pelo menos
estou finalmente começando a investigar esses sais de fogo.” Ele se virou para
mim de repente, balançando o dedo. “O verdadeiro problema, você sabe, são
esses intermediários alacryanos! Eles não estão nos dando os recursos de que
precisamos.”
“Eu não acho que Brone goste muito de você.” Eu disse com apenas uma pitada
de sarcasmo.
Apesar das palavras de Gideon, eu tinha certeza de que seu trabalho com os
sais de fogo era uma armadilha, alguma forma de enganar os alacryanos para
que dessem a ele exatamente o que ele precisava para escapar. Era uma coisa
muito Gideon de fazer. Ele não havia confirmado nada sobre seu plano, mas
eu sabia que o antigo inventor não iria simplesmente desistir.
Fiquei ocupada, fazendo o que Brone pediu e depois fui organizar a desordem
de Gideon sempre que possível e mantendo distância do Instilor.
“Esta entrega está dez minutos atrasada.” Disse Brone com naturalidade
enquanto os anões se arrastavam pelo laboratório para colocar a caixa em
uma fornalha especialmente projetada, onde os sais de fogo seriam mantidos
em uma temperatura natural até que estivessem prontos para serem usados.
Gideon estava bem atrás dos anões, já usando uma luva grossa para levantar
a tampa da caixa de ferro. Ele olhou para dentro, então fechou a tampa e bufou
de desgosto.
“Oleander, você pode me dizer como devo fazer o que você pediu, quando você
só me dá metade do que eu preciso!” A testa de Gideon enrugou quando suas
sobrancelhas inexistentes se ergueram. “Cinco grãos, Oleander! Eu pedi doze.
Você acha—”
Tive que desviar o olhar, meus olhos percorreram a sala em um esforço para
evitar assistir os anões serem torturados. Meu olhar pousou no rosto de
Gideon, que estava em branco e distante, não exibindo nenhum dos
escrúpulos e ansiedade que eu sentia.
Eu sabia que meus próprios sentimentos estavam escritos em meu rosto, mas
estava igualmente ciente de que Brone só teria prazer em me ver me contorcer.
Depois de deixar isso continuar por vários segundos, Brone mexeu em algo em
seu bolso e as runas se apagaram. Os dois anões estavam ofegando, lágrimas
e coriza escorriam por seus rostos, mas eles pararam trêmulos e fizeram uma
reverência profunda para Oleander, seus narizes praticamente tocando o chão.
“Você ouviu, Gideon. A entrega não está só atrasada, como também não veio
com a quantidade requisitada. Talvez a experiência do Clã Lastfire na arte da
mineração de sal de fogo seja menor do que o prometido.” O Instilor deu a
Gideon um sorriso cruel. “Não se preocupe. Tenho certeza de que podemos
encontrar outras maneiras de fazer uso de seu clã, caso vocês se mostrem
inadequados para a missão atual.”
Capítulo 6
Mais Perigoso Do Que Costumava Ser
JASMINE FLAMESWORTH
Olhei para o sol para ver que horas eram e fiquei reparando em como parecia
apenas uma mancha brilhante e fervente por trás das nuvens do céu. Era bem
depois do meio-dia, o que significava que eu estava marchando pela Clareira
das Bestas por várias horas sem ver uma única criatura comestível.
Bestas de mana apareciam aos montes, mas eu não podia simplesmente matar
e massacrar a primeira coisa que via pela frente, especialmente por ser algo
muito perigoso de se fazer. Muitas bestas eram venenosas, como o gigantesco
tremonha de lama, que é semelhante a um sapo, enquanto algumas nem eram
feitas de carne.
Enquanto eu me preparava para lançar minha adaga atrás das feras em fuga,
seus núcleos ainda valiam alguma coisinha, um galho rangeu acima de mim.
Mantendo-me imóvel como uma estátua, imbui mana em meus ouvidos e ouvi
com atenção. Raspagem quitinosa e garras afiadas cortando a casca de uma
árvore sugeriam algum tipo de besta de mana parecida com um inseto.
Lentamente, tirei minha segunda adaga de sua bainha, segurando uma lâmina
em cada mão.
Um galho se quebrou quando algo pesado se lançou contra mim. Eu evitei o
ataque e girei para encontrar uma aranha enorme e peluda com lâminas
afiadas no lugar de suas pernas.
A aranha arrancou suas lâminas afiadas do chão e me atingiu, mas eu dei dois
passos rápidos para trás, evitando o corte, então me lancei para frente,
enfiando uma adaga no centro de seu aglomerado de olhos e a outra na junta
onde está cabeça conectada ao resto do corpo bulboso.
“Feio, não é?” Eu disse antes de quebrar as duas presas grandes e guardá-las.
Eu teria pegado as pernas e o núcleo também, mas o movimento através das
árvores próximas me distraíram da minha morte.
Algo estava correndo pela vegetação rasteira, fazendo muito barulho. Não era
grande, ao que parecia, mas apenas presas faziam tanto barulho.
Três formas redondas de oito patas escapuliram pela copa das árvores,
provavelmente sentindo uma refeição mais fácil.
Não querendo perder uma presa potencial para as bestas de mana, eu corri
atrás dela, cortando as árvores muito mais rápida e silenciosamente do que
antes.
As aranhas tiveram uma vantagem inicial. Uma deles caiu das árvores nove
metros à minha frente, mas foi recebido por ambas as adagas que estavam
imbuídas com mana de atributo vento, fazendo assim, as fez deslizar por três
das pernas afiadas e então retornar às minhas mãos.
Eu corri passando pela besta de mana gritando sem olhar uma segunda vez,
certa de que ela não sobreviveria por muito tempo sem três pernas.
As outras devem ter percebido que tinham competição, porque uma das bestas
de mana restantes atirou um spray de teia pegajosa em meu caminho.
Enrolei meu corpo em imbuído com vento e me lancei contra a teia, esperando
estourar. Eu fiz, mas o que eu não esperava era que as fibras finas cortassem
minha barreira protetora e deixassem uma dúzia de cortes superficiais na
minha pele.
Os pequenos cortes queimavam dolorosamente, embora isso tenha diminuído
para uma coceira crua quando minha mana começou a curar as pequenas
feridas.
Ao invés de uma besta de mana, era uma jovem. Uma elfa. Ela estava quinze
metros à minha frente e a aranha mais rápida estava quase logo acima dela.
Com a mesma rapidez, minhas adagas abriram uma lacuna nos filamentos
afiados e meu ímpeto me carregou de modo que fiquei cara a cara com a besta
de mana.
Um lamento agudo ressoou pela floresta antes que a criatura ficasse mole e
caísse de seu poleiro.
Senti um frio em minha barriga quando me vi mergulhando para baixo, mas fui
capaz de empurrar o corpo e pousar em um galho próximo. Abaixo de mim, a
pesada besta de mana atingiu o solo com um estalo úmido.
A terceira aranha perna-espada não estava mais nas árvores, percebi e tive a
mesma sensação de antes. Meu olhar rastreou rapidamente pelo chão da
floresta, mas eu não vi a besta de mana ou a garota elfa.
Aproveitando minha mana de vento, pulei de galho em galho, movendo-me na
direção em que a vi pela última vez.
Sem tempo para pensar bem nas coisas, pulei das árvores, mirando
diretamente na abertura da caverna.
O vento passou forte, fazendo meu cabelo tremular atrás de mim como uma
bandeira. Usei a mana imbuída em volta das minhas pernas para controlar
minha queda. Ambas as adagas eram seguradas em um aperto reverso, prontas
para atacar.
A aranha perna-espada nem teve tempo de sentir minha presença antes que
eu colidisse com ela, a força de nossa colisão rachou sua carapaça endurecida
e nos jogou através de uma densa parede de teias. Ao mesmo tempo, minhas
adagas atingiram suas costas, na parte onde todas as suas pernas se
conectavam.
Presa como… bem, como uma mosca em uma teia de aranha, a garota élfica
estava puxando e cortando a armadilha, mas não fez nenhum progresso para
se libertar. Seus olhos, sem cor na caverna escura, estavam arregalados de
terror, seu corpo inteiro estava se expandindo e se contraindo com respirações
rápidas e superficiais.
Fui interrompida por seus gritos quando algo saltou de baixo para cima e
arrancou da teia a moribunda aranha perna-espada. O ataque foi tão rápido
que a criatura já havia desaparecido com sua presa antes que eu pudesse dar
uma olhada nela.
O aparecimento desta besta de mana ainda maior e mais perigosa deu a garota
vários espasmos de terror. Ela se contorceu e girou nos fios pegajosos, apenas
se prendendo ainda mais, como numa areia movediça.
“Droga, pare de se mover!” Eu gritei com a garota, mas não adiantou. Minhas
palavras caíram em ouvidos surdos e os berros da garota com certeza atrairia
a besta de mana de volta para nós assim que terminasse com a aranha perna-
espada.
Uma vez que eu estava livre e agachada com segurança em uma saliência
áspera usada na parede da caverna, imbuí mana em meus olhos e ouvidos
para olhar o que havia na escuridão abaixo de mim.
Embora eu pudesse ver apenas parte do corpo da besta, eu poderia dizer que
era enorme, nove metros de comprimento, talvez mais.
Era feito de partes segmentadas, cada uma suportada por várias pernas, e me
lembrava uma centopeia gigante. A pouca luz que atingia o fundo refletia em
grossas placas de armadura quitinosa.
Não reconheci a besta, nem sabia sua classificação, mas tinha certeza de que
era poderosa.
Eu sabia que poderia sair facilmente, mas alcançar a garota exigiria que eu me
jogasse de volta no meio da teia, me colocando em uma posição muito ruim
para me defender de outro ataque.
Seria uma mentira dizer que não considerei apenas sair e deixar a elfa
entregue ao seu destino.
Em vez de pular para cima e para fora da caverna, decidi explorar caverna
abaixo. O mais cuidadosa e silenciosamente que pude, usando a mana do
vento para amortecer o ruído, pulei de saliência em saliência até ficar logo
abaixo da borda do teto da caverna que se abria para fora do buraco.
A caverna não era tão grande quanto eu esperava, embora eu mal pudesse ver
um punhado de buracos escuros onde outros túneis saíam do covil da besta
de mana, talvez se estendendo em uma rede maior de tocas.
Eram seis metros do teto da caverna até o chão áspero e talvez dez ou doze
metros de diâmetro.
Tinha duas longas antenas que brotavam do topo de sua cabeça chata,
constantemente sondando ao redor e duas mandíbulas curvas, cada uma com
comprimento da minha altura. A coisa poderia me partir ao meio com uma
única mordida.
A criatura pode vir atrás dela a qualquer momento, então não devo
desperdiçar mais tempo.
Sem opções, caí direto, pousando nas costas da besta de mana classe S logo
atrás de sua cabeça, dirigi as duas lâminas em direção a uma lacuna entre duas
das placas volumosas que compunham seu exoesqueleto.
Meu corpo deslizou pela placa blindada lisa até que eu estava rolando para o
lado do devastador.
Não querendo cair no caminho das pernas agitadas, eu empurrei para fora, me
jogando para longe da besta mana, em seguida, enviei uma rajada rápida de
mana de vento para me endireitar e cair de pé.
O devastador me cercou como uma parede viva, suas pernas pisando no solo
macio enquanto a cabeça larga e plana flutuava para frente e para trás, as
longas antenas tocando o telhado, o chão e ao longo de suas próprias costas.
As caudas farpadas pairavam acima dele, prontas para atacar. Eu esperava que
elas caíssem sobre mim a qualquer momento, mas o devastador se conteve.
Esta besta de mana era inteiramente subterrânea e cega. Ela caçava presas
grandes e poderosas pelas vibrações que faziam enquanto se moviam pela
superfície. Não estava acostumada a lutar contra coisas muito menores do que
ela, o que normalmente não representaria qualquer ameaça.
Eu não tinha como saber para onde qualquer um dos outros túneis ia, e não
poderia chegar a nenhum deles sem chamar a atenção do devastador. Ele
poderia se mover mais rápido do que eu e um golpe mortal poderia vir de
qualquer uma das pontas.
Condensando outra bala de mana entre meus dedos, eu a atirei nas costas
largas do devastador e na boca de um dos túneis de conexão. No momento em
que atingiu a parede do túnel, no entanto, era tão indistinto que nem mesmo
meus ouvidos aprimorados por mana ouviram.
Um grito choroso veio do túnel vertical atrás de mim, fazendo com que a
cabeça e as antenas do devastador girassem naquela direção.
O túnel que eu escolhi para minha distração ficava do outro lado da caverna
de entrada, o mais longe possível. Eu queria conduzi-lo para mais longe de
onde eu precisava escapar, mas havia outros túneis mais próximos.
Antes que o devastador pudesse decidir retornar à sua armadilha e ter a elfa
para um lanche, enviei três balas rápidas de ar no túnel lateral mais próximo.
A garota ainda estava presa nas teias, mas fiquei surpresa ao ver quatro
trepadeiras descendo da floresta acima, serpenteando através da teia para
envolvê-la, tentando puxá-la para fora.
Passei por ela e saí da boca da caverna. Agarrando a videira mais espessa, que
estava enrolada em sua cintura, eu puxei.
Ela estava olhando para mim com olhos arregalados e temerosos da cor de
hortelã fresca. Seu rosto magro e anguloso estava manchado de sujeira e
sangue e seu cabelo loiro brilhante era um emaranhado de folhas, galhos e
teias.
Muito baixinho, eu disse. “Não há tempo. Precisamos ir.” Gesticulei para que
ela me seguisse.
Dei um passo em sua direção, mas uma das trepadeiras me atingiu como um
chicote. Meu antebraço se ergueu para bloqueá-lo e, quando ele se enrolou
em volta de mim, dei um puxão forte que partiu a videira ao meio.
Mal tive tempo de saltar para os galhos inclinados sobre a abertura da caverna
antes que o devastador saísse de seu buraco. Eu não fui cuidadosa, saindo do
meu caminho para quebrar alguns dos galhos magros enquanto subia na
árvore, fazendo o máximo de barulho possível.
O devastador foi rápido em me seguir, seu corpo comprido subindo cada vez
mais alto para fora do buraco, então se inclinando na árvore com o estrondo
de galhos quebrando. As mandíbulas em forma de foice se fecharam com um
estalo retumbante poucos metros abaixo de mim.
Ele nos seguiria se eu pulasse e fizesse uma pausa? Mesmo que não
acontecesse, quanto tempo teria antes que o devastador encontrasse a
Muralha? Ele poderia cavar bem sob a barreira externa e ir direto para a
cidade.
Seria um massacre.
As antenas estavam quase no meu nível, balançando para frente e para trás
enquanto sentiam por mim.
Sangue amarelo e viscoso caiu ao meu redor como chuva. O barulho ficou tão
alto e tão terrível que pensei que iria desmaiar. De repente, fui esmagada pela
besta de mana e a árvore, me deixando atordoada.
Soltei um suspiro sibilante e timidamente movi uma mão para o local, algo
estava saindo do meu lado.
Com esforço, forcei meus olhos a se abrirem e olhei para mim mesma.
O ferrão farpado de uma das caudas de escorpião havia perfurado minha parte
inferior das costas, perfurando todo o meu corpo para se projetar para fora da
minha frente.
“Merda”.
Eu sabia que precisava me livrar do ferrão, mas era mais fácil falar do que
fazer.
Examinando o chão ao meu redor, vi uma das minhas adagas presa na terra a
vários metros de distância. Muito longe para eu alcançar.
“Você está viva.” Eu disse, o movimento dos meus músculos ao redor do ferrão
da besta mana causando uma nova onda de agonia que se espalhou pelo resto
do meu corpo. “Isso é bom.”
“Eu vou ficar bem.” Eu gemi, sem ter certeza se era verdade. “Você pode vir até
mim?”
“Meu Deus—”
Sem dizer nada, apontei para onde a adaga estava espetada no chão macio.
A garota correu até ela e voltou, segurando-a com cuidado.
Pegando-a, comecei a serrar o ferrão duro como uma pedra, tentando remover
a farpa para que pudesse me libertar. Depois de alguns segundos, percebi que
meus músculos estavam cansados, tão cansados que eu estava tendo
dificuldade em segurar a lâmina.
Bufando, voltei a serrar o ferrão o melhor que pude. Era quase tão grosso
quanto meu pulso e tão duro quanto um chifre. Em outras circunstâncias,
provavelmente poderia ter feito isso sem muitos problemas, mas do jeito que
as coisas estavam, eu sabia que havia uma chance real de morrer do veneno
antes que pudesse me libertar.
A garota observou por um tempo, seus enormes olhos cor de menta olhando
para mim, lágrimas fazendo-os brilhar mesmo na penumbra. Eu resisti ao
desejo de gritar com ela, economizando minhas forças para o trabalho. Depois
de um minuto, ela pareceu sacudir de um estupor e começou a correr, olhando
para o chão da floresta.
Com a lâmina ainda alojada no ferrão preto para continuar a cortar, agarrei a
ponta parcialmente cortada e levantei. Ela torceu, lascando e quebrando, e
então, finalmente se soltou.
Fiz isso, embora não conseguisse processar o que ela estava fazendo, então
continuei a lhe dar instruções.
“Siga direto para o oeste, depois siga as montanhas para o sul. A apenas
algumas horas de distância.”
Depois que ela terminou com minhas costas, a garota se moveu para se sentar
na minha frente e me entregou três pequenas cápsulas verdes. “Aqui, mastigue
isso. Depressa.”
A garota colocou uma das mãos no meu ombro e empurrou levemente. “Deite-
se e descanse. Deixe sua mana curar você. E-Eu ficarei de guarda, ok?”
O tremor em sua vozinha não trazia confiança alguma, mas se seu remédio não
funcionasse, eu iria morrer de qualquer maneira, então me sentei no chão e
fechei os olhos novamente.
“Eu me chamo Camellia, e aliás. Obrigada. Obrigada por me salvar.” “Me chamo
Jasmine…” murmurei cansada.
Capítulo 7
Chega de Se Esconder
MICA EARTHBORN
“Mica está ridícula.” Eu resmunguei, olhando no espelho enquanto me virava
para me ver de vários ângulos.
Nós voamos da Clareira das Bestas para Greengate durante a noite, entrando
sorrateiramente na cidade nas primeiras horas da manhã. Não havia sinal dos
alacryanos, então entramos em uma casa abandonada para esperar.
Nós nos escondemos dentro da casa da mulher morta por dois dias antes que
os alacryanos chegassem. Foram dois dias calmos e reflexivos. Varay havia
percorrido círculos intermináveis e inquietos ao redor da casa enquanto Aya
sentava e observava por uma fresta na janela fechada. Eu disse a ela que isso
era desnecessário, pois sentiríamos no momento em que um funcionário
aparecesse na cidade, mas, surpreendentemente, ela não me ouviu.
Passei o tempo pensando. Foi uma pena perder um tempo de qualidade que
eu poderia ter gasto atormentando as outras lanças, mas a descoberta do
corpo da mulher tinha sido uma espécie de tapa na cara, um lembrete do custo
desta guerra. Como general, eu me acostumei com a visão de corpos de
soldados espalhados pelo campo de batalha, mas essas nunca foram as únicas
vítimas.
“Por que Mica tem que usar as roupas dessa mulher morta, de novo?” Eu
perguntei, ainda me examinando no espelho.
Varay e Aya também trocaram suas armaduras por roupas simples e mantos
com capuz. Ambos eram mais próximas do tamanho do dona anterior e
conseguiram evitar parecer completamente estúpidos. A túnica de Aya talvez
estivesse um pouco esticada e as calças de Varay acabavam acima do
tornozelo, mas a única coisa na casa que me servia era uma túnica de homem
que encontramos amarrotada na parte de trás do guarda-roupa.
Aya zombou. “Ninguém vai se lembrar do que estamos vestindo. Agora vamos—
”
Ela ficou em silêncio enquanto algo fazia as partículas de mana ao nosso redor
vibrarem sutilmente. Uma voz melosa vinha de fora. “Povo de Greengate. Sua
presença é obrigatória na praça da aldeia. Vocês tem dez minutos.”
Aya e eu seguimos Varay para fora e rua abaixo. A casa da mulher morta ficava
perto do limite oeste da aldeia, então foi fácil misturar-se à multidão de
habitantes confusos que caminhavam lentamente em direção à praça.
O medo deles era óbvio, mas não os culpei por isso. Eles teriam sido estúpidos
em não ter medo, considerando o que os esperava. Mesmo assim, eu sabia que
eles ficariam realmente surpresos quando as lanças aparecessem de repente.
Com nossos rostos escondidos sob nossos capuzes, tive que segurar a barra
da minha capa para evitar que se arrastasse no chão, seguimos junto com os
fazendeiros de rostos pálidos e silenciosos até que nos encontramos em uma
ampla praça.
A multidão estava em torno de uma coluna de pedra que se erguia três metros
acima das pedras. Um anel de magos alacryanos guardava a coluna, mas os
olhos de todos estavam na mulher que estava em cima dela.
Ela estava vestindo o uniforme cinza e vermelho de Alacrya. Seu cabelo era da
cor do fogo e parecia mover-se com vida própria, como a chama de uma vela
bruxuleante. Ela olhou para a multidão com um sorriso sutil enquanto cruzava
suas mãos.
Ela era bonita, com certeza, e ela era poderosa o suficiente, qualquer feitiço
de desvio de som que ela usou para projetar sua voz do jeito que ela fez era
legal, mas ela não era assustadora.
Enquanto o silêncio durava, eu examinei os magos com ela, mas eles não eram
nada de especial. Apesar de serem soldados de alto escalão com várias runas
exibidas ao longo de suas costas, eles estavam lá mais para exibição do que
para segurança. Não é como se os aldeões fossem uma ameaça a retentora.
Parece muito fácil, pensei, as palavras de Aya sobre isso ser uma armadilha
voltando para mim.
Não seria tão ruim, pensei preguiçosamente. Como uma venda dois retentores
alacryanos por um. Dois coelhos, uma cajadada só.
Ela deu à multidão uma pausa treinada, deixando que isso chegasse no fundo
de seus corações e mentes.
“Meu nome é Lyra Dreide. Eu vim aqui para estender a vocês a boa vontade do
Alto Soberano, para expressar que é hora de superar nosso conflito e estender
um ao outro as mãos da amizade.”
O orador parecia menos confiante agora que o foco da retentora caíra sobre
ele, mas ele seguiu em frente mesmo assim. “É com amizade que vocês
separam nossas famílias, fazendo com que qualquer um que te desafie, que
enfrente as coisas horríveis que você faz, desapareça no meio da noite?”
O olhar de Lyra Dreide varreu de volta a multidão silenciosa, sua expressão era
suave. “Sempre haverá aqueles que recusarão a paz que oferecemos, mas para
o bem de todos, os agentes do caos e da ruptura devem ser tratados com
firmeza.”
“Cada palavra que você fala está carregada de mentiras.” Disse Varay
friamente. “Você é uma mentirosa e uma assassina.
Eu sou Varay Aurae e não vou deixar você machucar outro dicatheano.”
Soltei uma risada feliz antes de voar alguns metros acima do solo. “Bem,
mentirora Deides.” Bufei com a minha própria pronúncia errada do nome dela.
“Nós a acusamos de ser incrivelmente burra!”
Ela fez uma careta para mim antes de examinar rapidamente a multidão até
encontrar Aya também. “Três das famosas lanças juntas em um só lugar. É o
meu dia de sorte, eu acho.” “Não é não, alacryana burra.” Respondi
alegremente.
O pilar gêmeo, onde ela deteve o jovem que falou contra ela, desmoronou em
vez disso, fazendo-o despencar nos restos irregulares. Eu pensei que ele seria
empalado nos escombros, mas Aya o agarrou pelas costas de sua túnica no
último momento.
O escudo de gelo explodiu com um estrondo ensurdecedor, enviando
estilhaços afiados para a multidão. Varay gritou enquanto ela forçava os
projéteis a explodirem em uma rajada de neve derretida inofensiva, mas não
antes de vários aldeões caírem no chão com gritos de dor.
Sua cabeça balançou para trás quando meu punho fez contato com seu nariz,
mas sua perna estava indo em direção ao meu joelho ao mesmo tempo. Eu me
tornei pesada o suficiente para que meus pés rompessem a coluna, e quando
o chute dela me acertou, ele ricocheteou novamente.
Eu dei a ela o que considerei meu sorriso mais frustrante antes de o pilar
abaixo de mim desmoronar, me enviando para o chão como uma pedra
catapulta devido ao meu peso. Junto com quinhentos quilos de rocha, colidi
com os restos mortais dos soldados alacryanos, transformando-os em polpa
vermelha.
Oops.
“Aff, que merda.” Eu murmurei enquanto me puxava para fora dos escombros.
Vendo nossa hesitação, a retentora soltou uma risada que ressoou por toda a
cidade, rolando sobre si mesma, crescendo em onda após onda de barulho
que cresceu até o vidro estourar e a madeira estilhaçar.
Eu coloquei minhas mãos em meus ouvidos, mas parecia que o barulho estava
dentro da minha cabeça. Eu podia sentir meus ossos doendo com isso, meu
batimento cardíaco saltando com o ritmo da risada, mas então ela se foi.
Varay foi igualmente afetada, fiquei feliz em ver, mas Aya foi capaz de conter
o feitiço desviante com um dos seus próprios. Mica não pode ser a lança mais
fraca. Isso seria humilhante. Ao contrário de nós três, os aldeões que ficaram
na praça da cidade não tinham mana para se protegerem contra os ataques.
Cada um deles desabou no chão e eu não poderia ter certeza se eles estavam
vivos ou mortos.
Embora o ataque tenha sido eficaz, parecia ter esgotado nossa oponente. Lyra
Dreide desabou, o cabelo rebelde caindo frouxamente em volta do rosto
amuado, os braços pendurados ao lado do corpo.
“Cylrit, seu arrombado, onde em nome dos Vritra você está?” Ela murmurou,
sua voz ecoando pela praça em seu próprio feitiço do vento.
“As coisas não estão indo como planejado?” Eu zombei, enfiando meus
polegares no cinto grosso que eu usei para manter meu saco de batata de uma
roupa junta e olhando para ela como se eu não tivesse nenhuma preocupação
no mundo. Não havia motivo para ela saber que seu feitiço havia me deixado
com um assobio persistente em meu ouvido esquerdo, que achei que poderia
ter um pouco de sangue escorrendo dele.
Lyra Dreide gritou. Ao contrário da risada, que era uma onda ondulante de
construção, ruído debilitante, esta foi uma única nota aguda que cortava como
uma faca. Eu me envolvi em mana, reforçando a camada dura que já grudava
na minha pele e Aya conjurou uma névoa espessa que vibrava com um tom
baixo para conter o ataque, mas ainda assim era o suficiente para tirar o fôlego
de meus pulmões.
“Ela está tentando fugir!” Varay gritou, chegando à mesma conclusão que eu:
a retentora tinha algum tipo de dispositivo de teletransporte e ela estava
tentando ganhar tempo suficiente para ativá-lo.
Eu podia ver seus lábios se movendo quando ela começou a implorar por
misericórdia, ou nos amaldiçoar, era difícil dizer, mas nenhum som escapou
da prisão gelada.
“Frozen Tomb.” Disse ela, seu olhar varrendo a praça da cidade destruída.
“Isso não é muito bom, não é?” Eu perguntei. “Mica inventou este feitiço
chamado Black Diamond Vault. Esse é um bom nome para feitiço. Agrad—”
“Mica?”
“Hm?”
Eu ignorei o tom gelado na voz de Varay e abri um sorriso para ela enquanto
voava em direção ao corpo mais próximo. Quando eu o cutuquei, ele gemeu e
lutou para se sentar direito. Era o jovem que foi corajoso, ou estúpido, o
suficiente para desmentir as falas da retentora.
Vendo que ele não estava morto, dei-lhe um tapinha amigável nas costas. “Não
tenho certeza se você pode me ouvir, considerando o sangue que sai de seus
ouvidos, mas você está vivo. Parabéns!” Eu o deixei com uma piscadela e fui
para o próximo, assobiando alegremente.
Capítulo 8
Pobre e Mais Pobre
JASMINE FLAMESWORTH
Eu não pude evitar meu bufar de desgosto quando a garota olhou para mim
alarmada.
“Seu velho idiota, Dalmore. Ela estava perdida e sozinha na floresta.” Quando
ele apenas continuou olhando, eu estalei meus dedos. “Ela precisa de comida
e algo para beber.”
Nossa caminhada de volta da Clareira das Bestas tinha sido rápida e silenciosa
por necessidade, pois eu estava fraca, sem condições de proteger uma criança
das bestas de mana se atraíssemos a atenção para nós mesmas.
“Jasmine?”
Percebendo que estava olhando para a mesa por pelo menos alguns minutos,
olhei para cima e encontrei aqueles olhos verdes claros. “Hm?”
“É… tem algum outro elfo aqui?” Sua voz era apenas um sussurro e carregava
uma ansiedade intensa. Eu neguei com a cabeça. O lábio inferior da elfa
tremeu.
A garota apenas sorriu e continuou bebendo seu caldo. Quando ela tomou um
gole da caneca, seus olhos se arregalaram. “Leite com mel!” Ela deu outro
grande gole e sorriu para Dalmore. “Obrigada, sen— Dal. É a minha bebida
favorita. Minha mãe costumava…”
Dalmore deu um sorriso triste. “Vá em frente então, pequena. Nos conte sobre.
Isso ajuda.”
Ela enxugou as lágrimas. “E-Eu sou de uma pequena vila, perto de onde… eles
atacaram pela primeira vez. Meu pai e meus irmãos ficaram para lutar, com um
grupo liderado pela princesa Tessia, mamãe e eu… fomos com os outros,
evacuando mais ao norte, em direção a Zestier.
Mas nós fomos atacados por soldados que conseguiram cercar o grupo da
princesa e mamãe e eu nos separamos dos outros. Corremos muito e h-horas
mais tarde mamãe percebeu que tinha mudado e nos levado de volta para o
sul.
Tentamos encontrar nossa aldeia, mas eles encontraram a gente primeiro. Eles
nos perseguiram. Mamãe me disse para continuar correndo, e então e-ela…”
Quanto tempo se passou desde aquele ataque a Elenoir? Essa garotinha magra
como um graveto ficou lá fora, sobrevivendo sozinha, esse tempo todo?
Dalmore estava fazendo ruídos suaves, aparentemente fazendo o possível
para se acalmar. “Tá tudo bem, pequena. Você está segura agora. Ela, a
Jasmine, pode parecer ser grosseira e rude, mas ela vai cuidar bem de você.”
“Isso é uma ótima ideia.” disse Dalmore animadamente. “Mas primeiro, por que
não dar um banho quente, algumas roupas novas e uma cama para ela
descansar, né?”
Acenei lentamente em concordância, até que a elfa disse: ”Eu não posso pag—
”
O estalajadeiro cortou sua fala e disse por cima: “Por que você não arranja
roupas novas para o nossa nova amiga aqui? Eu já aproveito e acendo uma
fogueira embaixo da banheira.”
“Sim, tudo bem.” Eu murmurei, feliz por uma chance de ficar sozinha com meus
pensamentos, mesmo que eu prefira estar deitada em uma cama quente.
Eu balancei minha cabeça com firmeza. “Não, você fica aqui com Dal. Não se
preocupe, ele é um bom homem e você estará segura aqui.” Eu lancei a ele um
olhar que disse a ele que é melhor ele cumprir a minha palavra. “Não vou
demorar muito.”
Uma dessas mulheres, cujo marido era um soldado que ainda trabalhava aqui,
era uma costureira. Eu sabia que ela ainda ajudava a consertar as roupas,
então fui primeiro para a casa dela.
Eu nunca fui na casa dela antes, então demorei para vagar pela área
residencial e bater na porta errada duas vezes para encontrar a casa.
Minha carranca escapou, apesar de meus melhores esforços. “Eu sou uma
maga poderosa. Talvez haja algo que eu possa—”
Em vez disso, dei um passo para trás e apenas fiquei lá por um minuto.
Isso deveria ter me deixado à vontade, mas não pude deixar de me perguntar
o porquê eu estava fazendo isso. A pequena elfa não significava nada para
mim. Eu já quase morri para salvá-la. E isso não era o suficiente? Eu não tinha
a intenção de me tornar sua guardiã quando a trouxe de volta para a Muralha.
Ele olhou para a minha roupa e armadura arruinadas. “Dá pra ver.”
“Para uma menina, dessa altura, ela é magra como uma vareta.”
O esmoler franziu a testa e olhou para sua lista. “Existem muitas roupas de
criança deixadas pelas pessoas que evacuaram, mas você se importa se eu
perguntar por que você precisa dessas coisas?”
O anão passou a mão pela barba rala, franzindo a testa de preocupação, mas
foi Wendel quem falou. “E você informou ao capitão sênior Albanth sobre isso?
Pode haver outros, nós devemos—”
“Não há nenhum outro, mas Albanth deveria ser informado. “Eu disse olhando
fixamente para ele. “Por que você não corre e cuida disso, Wendel? Avise o
capitão sênior que trouxe outra boca para ele alimentar e que alguém precisa
cuidar dela. Ela está na Pousada Underwall.”
O jovem soldado olhou de mim para o esmoler. Parecia que ele estava
pensando muito. Finalmente, ele acenou com a cabeça bruscamente, acenou
para Jeremiah e marchou rapidamente para longe.
“Ele é um bom rapaz. É um dos sete irmãos que serviram na Muralha.” Jeremiah
fez uma pausa e acrescentou. “E o único a sobreviver ao ataque da horda de
bestas”.
A dor do meu ferimento e o cansaço dolorido até os ossos começaram a me
afetar. Encontrei o olhar do anão e encolhi os ombros. “Muitas pessoas boas
morreram. Agora, você tem alguma roupa para a menina ou não?”
Capítulo 9
Risco Necessário
LILIA HELSTEA
Tudo isso teria sido muito mais fácil se seus pais estivessem dispostos a
concordar com isso.
Inclinei-me para a rua e acenei para elas. Os gêmeos loiros, um menino e uma
menina, sussurraram algo para os outros e as cinco crianças correram
rapidamente em minha direção.
Abaixei-me para ficar cara a cara com Mara. “E de que casa você é, Mara?” Ela
se virou e escondeu o rosto nas costas de Holden.
“Somos membros da Casa Havenhurst,” Miah, uma versão mais alta de sua
irmãzinha, disse hesitantemente.
Depois disso, inventei motivos para passar um tempo e conversar com eles na
Academia. Em poucos dias, consegui criar alguma afinidade com eles, que era
algo incentivado pelos testadores, pois ajudava a doutrinar os alunos mais
novos.
Dizem que o desespero gera confiança, acho que isso levou os gêmeos a
finalmente me falarem que odiavam o que estavam sendo comandados a fazer
na Academia. Queriam fugir e ir para longe, mas tinham medo.
Acho que eu deveria ter sido um pouco mais específica, especialmente sobre
não trazer mais ninguém, mas era tarde demais para isso.
Clara torcia as mãos enquanto esperava eu dizer algo. “Eles estavam sendo
torturados…” ela finalmente disse.
Acenei para chamar a atenção das crianças e levei um dedo aos lábios, depois
os guiei rapidamente pelo armazém até um enorme monte de caixotes na
frente de uma exibição rolante de artefatos mágicos. Quando o rack foi
movido, revelou um pequeno espaço vazio dentro, completo com um piso
grosso de cobertores e travesseiros, um artefato de iluminação simples,
algumas histórias de aventura e alguns lanches.
Seria apertado com todos os cinco lá dentro, mas não pude evitar.
Examinei a alcova escondida para ter certeza de que havia colocado a tela
corretamente, então, no último segundo, lembrei-me de travar os dois
conjuntos de rodas. Quando me senti segura que as crianças estavam
devidamente escondidas, corri pelo armazém até a porta. Antes de abrir, levei
um segundo para desarrumar meu cabelo e esfregar os olhos com força,
adotando uma expressão meio turva, do tipo eu-acabei-de-acordar.
Bang.
Bang.
Bang.
O homem tinha olhos castanhos lamacentos que olhavam para mim junto de
seu nariz atarracado. Ele não parecia muito satisfeito. “Demorou bastante,” ele
rosnou. “Dormindo no trabalho, não é?”
Corri meus dedos pelo meu cabelo e tentei parecer assustada – o que não era
muito difícil naquelas circunstâncias.
“Eu não imagino que o dono desta casa de leilões esteja dormindo agora, ou
será que está?” Ele me observou atentamente enquanto eu balançava a
cabeça. “Já ouvi falar desse Victor Helstea. Estou surpreso que ele não consiga
encontrar um melhor patrocínio, considerando as concessões que recebeu.”
Não ousei informar a este alacryano que o nome de meu pai
era Vincent Helstea, ou que normalmente haveria um par de guardas noturnos
vigiando a Casa de Leilões de Helstea para proteger os artefatos. Meu pai havia
“acidentalmente” deixado uma vaga na agenda, o que era mais fácil do que
explicar a seus guardas o porquê eu passaria a noite lá com um par de filhos
nobres fugitivos.
“Quem é voc—”
“Eu sou Sanborn Troel, e eu vou precisar que você se afaste para que eu possa
dar uma olhada nesse lugar.”
“Com qual intuito você irá vasculhar esse recinto?” Eu perguntei, mantendo
minha voz firme apesar do meu coração acelerado.
Os olhos dele se estreitaram. “Eu não preciso me explicar para você, escória
dicatheana. Basta dizer que sou um sentinela portando um emblema a serviço
do Grande Vritra e, como tal, tenho toda a autoridade de que preciso para
movê-la à força, se necessário.”
Engoli em seco, mas mantive meu queixo erguido e não quebrei o contato
visual com o homem. “E eu sou Lilia Helstea, filha de Vincent Helstea, dono
deste estabelecimento. Minha família recebeu autorização para continuar a
operação desta casa de leilões – atendendo principalmente aos alacryanos
que agora residem nesta cidade, devo acrescentar – bem como expandir nossa
rede comercial.
“Fizemos tudo o que nos foi pedido por sua liderança, então talvez você não
devesse falar tão ousadamente sobre a escória dicatheana.”
Talvez uma súplica recatada seria algo mais sábio de se fazer, mas pelo que
eu tinha visto, esses alacryanos governavam como ditadores, e minha
esperança era que defender a mim e minha família desviaria a atenção do
homem de qualquer negócio que ele tivesse aqui.
Ele ouviu o que eu disse e zombou. “Então é possível que alguém possa ter
entrado neste prédio sem você estar ciente?”
Eu empalideci, grata por ele não estar olhando na minha direção. “A-As portas
estavam trancadas, então a menos que você esteja procurando por um mago
poderoso, alguém que possa contornar as barreiras, e-eu não acho que seria
possível para alguém ter entrado, não.”
Ele continuou andando, falando sem olhar para mim, sua cabeça sempre se
movendo enquanto examinava o armazém. “Algumas crianças dicatheanas
estão desaparecidas. O sangue deles, que tem sido muito útil em nosso esforço
para colonizar esta cidade, acreditam que eles foram manipulados para fugir.
Alguns guardas que estavam patrulhando viram um grupo de cinco crianças
saindo depois do toque de recolher, a menos de cinco minutos daqui.”
“Bem, posso garantir que um grupo de crianças fugitivas não poderia ter
invadido a casa de leilões…”
“Não,” ele disse futilmente. “Eu não acho que eles poderiam ter entrado aqui.”
Ele puxou uma adaga fina da prateleira e deslizou-o de sua bainha. A lâmina
cintilou opacamente na luz. “Talvez uma coisinha para o meu problema…” ele
disse, aparentemente para si mesmo.
“Claro, tenho certeza que meu pai não se importaria”, eu respondi, curvando-
me ligeiramente. A adaga era apenas um artefato de baixo custo, a lâmina
nunca ficaria cega ou enferrujada. Se isso o fizesse parar de bisbilhotar e ir
embora, valeria a pena o investimento.
A luz laranja encheu o espaço escuro, destacando cada uma das crianças
enquanto as mãos de Cleo se envolviam em garras de fogo. Ele pulou no
alacryano, mas foi recebido por uma bota pesada em seu peito, derrubando-o
no chão e encharcando seu feitiço.
Embora meu chicote ainda estivesse oscilando, não totalmente sob meu
controle, eu ataquei e peguei o alacryano na panturrilha. Ele se encolheu e
puxou o corpo semiconsciente de Clara, segurando-a entre nós como um
escudo, a ponta da adaga pressionada logo abaixo das costelas.
Meu chicote de água chicoteou em seu braço, rasgando sua túnica e deixando
um vergão vermelho em sua pele bronzeada. Clara caiu no chão em transe.
Não querendo dar tempo para ele se recuperar, eu desci o chicote em um arco
cortante, forçando-o a se esquivar de Clara e Cleo, então cortei de lado, o
chicote de água curvando-se graciosamente ao meu redor, mirando em seu
pescoço.
Olhei para trás, deixando todo o medo real que eu sentia aparecer. Sanborn
Troel, com sua adaga apontada para baixo, rosnou e deu um passo ameaçador
em minha direção.
Deixei escapar um gemido lamentável e me arrastei para longe dele,
avançando em direção às prateleiras. Ele me perseguiu como um caçador
rastreando presas feridas, sem pressa e confiante demais.
O momento tinha que ser certo, muito cedo e eu poderia errar, tarde demais e
eu descobriria o quão afiada a ponta da adaga mágica realmente era.
Sua sombra caiu sobre mim quando minha mão disparou em direção às
prateleiras, alcançando a esfera metálica. Meus dedos a tocaram e ela rolou
para longe. Cada batida do meu coração parecia um soco no meu peito
enquanto eu me sentia freneticamente debaixo da prateleira.
Meu punho se fechou ao mesmo tempo que a mão forte de Sanborn Troel
agarrou meu ombro, me virando de costas e mostrando a adaga na frente do
meu rosto.
Meu pai o colocou aqui como uma precaução adicional, uma armadilha para
qualquer um que não deveria estar bisbilhotando no armazém.
O núcleo de mana do Sanborn Troel foi drenado com um flash de luz. A adaga
caiu no chão com um tinido enquanto ambas as mãos agarravam seu esterno.
Sanborn Troel olhou de mim para a adaga no chão, depois na direção da porta.
Ele tentou se levantar, cambaleou e voltou a se apoiar em um joelho.
“V-você vai me matar?” ele ofegou, o custo físico de ter todo o seu núcleo
instantaneamente esgotado, colocando-o em um estado de reação severa.
Ele respirou fundo, como se estivesse lutando para continuar falando, então
gritou a plenos pulmões, “Socorro! Guardas! Eu t—”
A mana de água se condensou ao redor dele em uma ampla esfera e seus gritos
foram cortados, transformados em bolhas silenciosas de sua boca. Ele se
mexia loucamente, nadando, mas indo a lugar nenhum, preso no centro da
esfera.
Sem saber o que mais fazer, eu me virei, andando ao redor dele para onde as
crianças estavam olhando com fascinação horrorizada. Puxei as cabeças de
Clara e Cleo para o meu corpo, escondendo a visão de Sanborn Troel se
afogando silenciosamente atrás de mim.
Capítulo 10
Agora Mais do Que Nunca
JASMINE FLAMESWORTH
Uma coisa boa de encontrar a garota foi que, Dalmore parecia ter esquecido
que ele me expulsou. O estalajadeiro não reclamou quando passei a noite no
meu antigo quarto e até me trouxe uma tigela de mingau logo de manhã.
Essa lama comestível não era exatamente minha refeição favorita, mas era
melhor do que nada.
“Então.” Eu disse depois de dar uma colherada. “Sua mãe te ensinou todas
essas coisas sobre plantas e ervas?”
A garota parou e pegou uma lasca solta de madeira saindo da borda da mesa.
“Ela me ensinou sobre plantas e papai me ensinou sobre magia. Eu não nasci
como uma emissora, mas sempre quis cuidar das pessoas, quando elas se
machucavam ou ficavam doentes.” Ela zombou de uma forma que lembrou de
mim mesma.
Ela olhou para cima, seu rosto esbanjando esperança. “Sério? Papai sempre
me disse que o tudo precisava ser feito com cuidado e todos tinham que
trabalhar juntos para isso. É… por isso que ele e meus irmãos ficaram para
lutar, mesmo não sendo soldados.”
Eu abri minha boca para dizer… alguma coisa, mas a garota continuou.
“Nós conversávamos muito. Eu, mamãe, papai e meus irmãos íamos juntos
caminhar na floresta e eles nos contavam tudo o que víamos, para que servia,
o que precisava de nós em troca. Papai sempre dizia que ‘Tudo tem seu
propósito’.” Ela sorriu, infantilidade e inocência estavam muito aparentes em
seu sorriso. “E então, mamãe acrescentava: ‘Mesmo que esse propósito seja
apenas ser bonito, como seu pai’.”
Havia uma alternativa, mas eu não sabia como encontrá-los, mesmo que
quisesse.
Antes de partirem, Helen me garantiu que voltariam para me checar e para ver
se eu havia mudado de ideia. Se eu mantivesse a garota segura até então, ela
poderia ficar com outros de sua espécie no santuário. Era mais seguro lá do
que em qualquer outro lugar em Dicathen, mesmo que estivessem lutando
uma batalha perdida.
Em voz alta, eu disse: “Vamos descobrir juntas.”
“Um pouco cedo para uma bebida, não é, rapazes?” Dalmore disse com uma
risada forçada.
Isso chamou a atenção dos outros soldados. “Olha, Fulk, aquela garota que
arrancou seus dentes tem um animal de estimação. É um bem fofo, por sinal.”
Fiquei levemente surpresa ao ouvi-lo usar meu nome e ele deve ter percebido
isso.
Ele grunhiu uma risada maçante. “Ah, é verdade. Eu descobri tudo sobre você
depois da última vez que nos encontramos. Pelo que ouvi, você não é do tipo
de bancar a mãezona, então, o que é isso? Olhando criancinhas pra fazer um
dinheirinho rápido vendendo elas? Não é do feitio dos Flamesworth lidar com
uma escravidão levinha.”
Seus olhos viajaram de cima e para baixo em Camellia. Para confrontar ele, a
garota olhou de volta.
“Essa aqui é magrinha demais, né? Meu primo costumava fazer um pouco de
comércio com elfos. Preferia pegar eles um pouco mais jovens do que isso
aqui, eu acho, mas como não tem muitos elfos por aí… fica difícil de
achar mercadoria boa.” Seu rosto plano se dividiu em um sorriso cruel. “Vou
te falar uma coisa, eu vendo ela pra você por duas moedas de ouro, o que
acha?”
Os homens ao redor dele uivaram de tanto rir. Dei um passo em direção a eles,
mas Camellia puxou meu braço. “Vamos, Jasmine. Vamos andar um pouco.”
Fulk se afastou do bar e atravessou a sala para ficar entre nós e a porta. “Qual
é o problema, orelhas pontudas? Eu prometo que vou ser um bom mestre. Eu
poderia usar alguém para limpar minhas coisas, tirar a lama das minhas botas,
lavar meu uniforme e você não parece que come muito, de qualquer maneira.”
Atrás do bar, Dalmore olhava em pânico. “Sumam daqui, eu não vou ter outra
luta aqui! Parem com isso ou eu vou—”
“Toma cuidado, Fulk.” Disse outro. “Você já não tem dente e ainda quer perder
mais?”
Fulk rosnou e cerrou os punhos. “Ouvi dizer que os elfos amadurecem muito
mais rápido que os humanos. Isso é verdade Flamesworth? Eu—” O homem
engasgou com um grunhido ofegante.
Três passos rápidos me trouxeram bem ao lado dele e meu punho afundou em
suas costelas, antes mesmo que ele pudesse levantar suas mãos carnudas
para se defender. Ele se dobrou e meu joelho acertou seu nariz, gerando
um som satisfatório de se ouvir, ele caiu de costas após o impacto.
Achei que seria o fim de tudo, mas Fulk lutou para ficar de pé e desembainhou
sua espada.
Eu dei um passo para o lado e deixei a espada bater no piso de madeira, então
empurrei a ponta da minha bota contra a parte plana da lâmina para mantê-
la presa lá. “Você é uma vergonha para o seu uniforme.” Eu disse
zombeteiramente, então dei um soco imbuído com mana em sua mandíbula.
Fulk caiu de lado e se chocou contra uma das mesas de Dalmore, esmagando-
a em pequenos gravetos. Distante, ouvi o estalajadeiro gemer.
Os outros três soldados se afastaram do bar para se posicionarem
protetoramente sobre Fulk, que lutava para ficar de joelhos. “Tá bom, já chega.
Você está preso por agredir um membro da Divisão Bulwark , Flamesworth.”
“Vem aqui, agora!” Vociferou Dalmore, mas ele foi completamente ignorado.
“Ele que veio pra cima de mim.” Eu resmunguei, fazendo o meu melhor para
soar o mais verdadeiro possível.
“Agora.” Disse ele, sua mão à deriva em direção ao cabo de sua espada. “Você
está presa. Se você não vier em silêncio, nós a mataremos.”
Minha mão estava no punho de sua espada antes que pudesse desembainhá-
la, ele balançou para trás e tropeçou na pilha de madeira quebrada quando
minha testa atingiu a ponta de seu nariz.
“Chega!” eu disse com firmeza. “Acabou. Some daqui com seus amiguinhos.”
Fulk gritou enquanto pegava a Mankiller com as duas mãos e descia em minha
direção. Ao mesmo tempo, o soldado de rosto vermelho disparou pelo lado,
empurrando meu quadril.
(NT Ricci: Mankiller seria uma arma onde o foco dela é causar a maior
quantidade de dano possível com a maior força possível.)
Dalmore, que havia se abaixado na mesa do bar quando meu ataque de ciclone
explodiu, levantou-se e olhou horrorizado ao redor de sua pousada. “Jasmine,
o que você—” Ele ficou em silêncio enquanto seus olhos se fixavam em algo
atrás do bar. “Ele está morto, Jasmine. Você matou ele.”
“Nunca vão nos pegar.” eu disse com firmeza, colocando a Camellia nas minhas
costas. Uma explosão de mana de vento surgiu ao meu redor, levantando uma
nuvem de poeira que rapidamente nos camuflou e eu comecei a correr.
Capítulo 11
Experimentos e Entendimentos
EMILY WATSKEN
A bandeja de sal tinha sido colocada em tirantes de ferro, de modo que ficava
alguns centímetros acima da mesa e uma segunda bandeja cheia de carvão
estava abaixo dela. Embora ainda não tivéssemos começado, o calor que
irradiava do sal de fogo já havia feito a camada superior de carvão brilhar em
um vermelho fosco.
Um terceiro mago estava atrás de nós. Ele estaria fornecendo uma barreira
mágica durante o teste, mantendo Gideon, Brone e eu a salvos de quaisquer
resultados inesperados.
“E você tem certeza que esses dois podem regular a liberação de mana bem o
suficiente para este experimento funcionar?” Gideon perguntou a Brone
novamente, fazendo com que os magos lhe lançassem olhares de reprovação.
“Os cálculos são muito precisos!” Gideon disparou: “Eles precisarão produzir
exatamente a quantidade correta de vento e calor no tempo exato. Você está
sugerindo que eles podem fazer isso enquanto estão protegidos atrás de uma
barreira de mana que está afetando tanto a percepção deles quanto o resto?”
“Não, eu suponho que eles não podem.” Brone admitiu. Seus olhos se voltaram
para o terceiro mago.
Gideon sorriu, o que o fez parecer ainda mais um cientista maluco. “Apenas
uma precaução, caso os conjuradores que você me forneceu não sejam tão
bons quanto você afirma.”
Um dos magos virou-se para Gideon, seus punhos cerrados, mas um olhar de
Brone o manteve quieto.
“Chega de bater boca aqui, vamos começar essa maravilha.” Declarou Gideon,
inclinando-se para frente com as mãos nos joelhos para espiar a mesa.
“Acenda os carvões e leve-os a uma chama azul. Assim que a chama ficar azul,
lancem um túnel de vento sobre os sais de fogo e eu vou dar mais instruções
depois disso.”
“Um pouco mais de calor, cerca de quatorze graus, até que as chamas fiquem
apenas um tom mais escuras…”
(NT Ricci: O Tortuguita não especificou se era °F ou °C, por isso deixei no seco,
peço perdão.)
Eu devo avisar?
O foco de Gideon estava inteiramente no experimento. Era sua teoria, ele tinha
que saber o que estava fazendo…
“Segure a chama!” Gideon gritou quando o fogo azul cintilou: “Faça o vento
viajar numa velocidade de 12m/s.”
Gideon colocou seus óculos de proteção quando a brasa de sal de fogo tornou-
se muito brilhante para olhar diretamente, e eu fiz o mesmo. Brone me lançou
um olhar de decepcionado, aparentemente Gideon tinha esquecido de dar ao
Instilor seu próprio par de óculos.
Brone estava protegendo os olhos com as mãos. Gideon se inclinou para frente
de modo que seu nariz estava praticamente pressionado contra a barreira de
mana. Ambos os conjuradores estavam apertando os olhos contra o brilho da
brasa de sal de fogo.
A brasa de sal de fogo explodiu com uma luz branca quente, queimando meus
olhos e fazendo meus ouvidos zumbirem. A explosão enviou tremores pelo
piso reforçado e encheu o laboratório de poeira enquanto o teto rachava.
Mesmo atrás da barreira, senti a onda de choque gerada pela explosão.
Embora meus olhos tivessem se fechado atrás do vidro espesso dos meus
óculos, pontos coloridos ainda estavam aparentes em minhas rotinas
Quanto aos conjuradores, não havia nenhum sinal deles. Foram desintegrados
por completo.
Gideon limpou a garganta. “Devo ter errado um pouquinho nas contas. Nada
que mais alguns testes não resolvam, tenho certeza.”
Com isso, Brone marchou para fora do laboratório. Gideon me deu um olhar
sincero e deu um tapinha no meu ombro, então seguiu Brone, me deixando
sozinha com o escudeiro pálido, que estava encostado na parede de uma
forma que sugeria que ele estava à beira de um surto.
Respirando fundo, voltei para os destroços do laboratório. Nem sei por onde
começar… tudo estava totalmente arruinado.
“Bem, tudo que você começou, você precisa terminar.” Murmurei para mim
mesma antes de puxar um pesado alicate de ferro do porta-ferramentas, um
dos poucos itens que sobreviveram à explosão, e iniciar o trabalhoso processo
de remover estilhaços das paredes do laboratório.
Pareciam que horas se passaram, até que a porta se abriu e Gideon
praticamente trotou para o laboratório, carregando uma braçada de
pergaminhos. Eu quase não fiz nenhum progresso, apesar de trabalhar tanto
que minhas mãos ficaram dormentes.
Ele se virou para mim e coçou a testa, manchando-se com fuligem escura:
“Então, o quê?”
Eu me virei para ele e encarei suas costas: “Você acha que sua pesquisa vai ser
usada para trens?”
Ele largou o lápis se virou para mim e disse: “Todo mundo tem seu propósito,
senhorita Wattsken, sua essência de vida. A minha é investigação e invenção.
A sua é me irritar e buscar a ferramenta certa na hora certa, ou ocasionalmente
uma xícara de café. Há outros que se destinam a lutar em guerras, a liderar
soldados, a criar estratégias.
A maioria deles estão mortos, e a guerra que travaram foi perdida. Então, se
você realmente quer ver o mundo ser um lugar melhor, onde o preconceito
não existe, onde guerras não ocorrem, onde o povo pode sair nas ruas sem ter
medo de ser assaltado ou até mesmo morto apenas pelo estilo de vida que
possui, onde as pessoas não precisem mais se preocupar com o que pode
ocorrer com elas apenas por nascerem e viverem em tal lugar. Se você quer
que isso aconteça, recomendo humildemente que você não saia daqui e me
ajude, pois só assim o mundo que nós tanto clamamos irá aparecer.
Entendeu?”
Eu balancei a cabeça com relutância, então fiz uma careta quando me lembrei
de algo: “E as instruções que você deu a esses conjuradores? A entrada de
vento e calor foi muito maior do que teorizamos.”
Capítulo 12
A Estrada no Céu
LILIA HELSTEA
“Lilia, eu realmente espero que você entenda o quão sortuda você foi.”
Meu pai estava sentado atrás de sua mesa, os dedos entrelaçados à sua frente.
Ele não estava gritando, mas eu poderia dizer o quão chateado ele estava pelo
tom de sua voz.
“Eu sei, papai, eu sei!” Eu disse, com minha voz chorosa e fina. Inclinei-me para
frente e escondi meu rosto em minhas mãos. “Não vou fazer isso de novo, eu
prometo…”
Sentei-me ereta e olhei para ele, sem saber o que ele queria dizer.
Meu pai alisou um pergaminho enrolado que eu não tinha notado em sua
mesa. Era um mapa tosco da cidade de Xyrus. Vários locais foram marcados
com pequenos X ‘s vermelhos com linhas desenhadas entre eles. “Nós apenas
temos que ser mais cautelosos, isso é tudo. Por um lado, direcionar muito
tráfego para qualquer local, seja a casa de leilões, nossa casa ou algum
armazém abandonado em algum lugar, definitivamente chamará a atenção.”
Até aquele momento, eu sentia como se estivesse puxando meu pai em meus
esforços para fazer alguma coisa, qualquer coisa, contra as forças e ações
alacryanas. Agora eu estava vendo que, realmente, ele estava três passos à
minha frente.
A verdade era que minha ação feita naquele dia havia diminuído as chamas de
minha ânsia rebelde. Tínhamos planejado o pior, e esses planos nos salvaram,
mas havia centenas de maneiras de dar errado.
Minha mente cansada se lembrou da Ellie, que era como minha irmã adotiva.
Ela tinha ido para a guerra e é anos mais nova que eu. Será que ela tremeu de
medo estando no topo da Muralha lutando contra magos alacryanos e bestas
de mana corrompidas?
De repente, percebi que meu pai estava falando. “Desculpa, pai. O que você
estava falando?”
Ele olhou para mim com preocupação e minha mãe passou sua mão
reconfortante pelo meu cabelo. “Você está bem, minha querida? Não era isso
que você queria?”
Pai sorriu suavemente. “Você é uma maga talentosa, Lilia, mas mais do que
isso, você é muito inteligente. Você está com medo, porque agora você vê o
que será necessário para lutar contra esses invasores. Ter medo em uma
situação dessas é completamente normal, mas não vamos deixar que esse
medo nos detenha. Não mais.”
“Mas e se eu não for boa o suficiente? Sem você ter arrumado tudo isso, eu—”
“Você foi, é e será ‘boa o suficiente’ para ajudar seu pai e eu vejo que a coisa
certa a se fazer é continuar o que estamos fazendo agora.” Minha mãe
respondeu. “Mas nenhum de nós precisa ser perfeito, porque não faremos isso
sozinhos.”
Achei que ela estava simplesmente sendo poética sobre ficarmos juntos como
uma família, mas naquele mesmo momento a campainha da porta da frente
tocou, e o sorriso do meu pai se transformou em um sorriso animado.
“Falando nisso, minha querida Lillia, tem como você fazer a gentileza de abrir
a porta?”
“Professora Glory?”
“Não sou mais uma professora, esqueceu?” Ela disse, como se isso não
importasse nem um pouco. “Acho que é melhor você me deixar entrar, né?”
Fiquei de lado e acenei para ela entrar, sorrindo para sua atitude
despreocupada. “Então você é a arma secreta do meu pai contra os
alacryanos?”
A professora Glory riu. “Mais como ele é a minha, também. Embora, ouvi dizer
que tenho que agradecer a você por isso.”
“Hah, não se venda, Lilia. Você lembrou a seus pais como é ter esperança.”
Corei, mas fui salva de pensar em uma resposta de meus pais, que correram
para cumprimentar minha antiga professora.
“Vanesy, é tão bom ver você.” Minha mãe disse esbanjando um sorriso
brilhoso.
“Sim, estamos felizes por você ter vindo, embora eu esteja surpreso que você
tenha pensado que valeu a pena o risco de visitar Xyrus pessoalmente. Como
você entrou na cidade, afinal?”
A professora Glory, Vanesy, riu. “Voando. Nunca estive mais feliz por estar
ligado a uma besta de mana alada desde Etistin. É muito mais fácil se
movimentar por Dicathen. A Torch não é particularmente furtiva, mas eu só
conheci dois alacryanos que podiam voar, e ambos descobriram rapidamente
que você não pode lutar contra um falcão de fogo corpo a corpo no ar e viver
para contar sobre isso.”
“Vanesy, aqui tem estabelecido uma rede de resistência por toda a Sapin.” Meu
pai me disse, acenando para todos nós para nos sentirmos mais confortáveis.
“Não, mas ouvi um boato de que eles foram vistas em uma pequena vila
agrícola a leste. O fato de que elas finalmente se revelaram é parte do motivo
pelo qual arrisquei essa viagem pessoalmente. Achei que seria um bom
momento para adquirir algum apoio, e Xyrus ainda abriga uma quantidade de
magos que é acima da média.”
Nossa conversa continuou, e levei algum tempo para perceber que algo havia
mudado dentro de mim enquanto eu ouvia. Embora a excitação da rebelião
tivesse diminuído, algo mais quente e forte crescia em seu lugar.
Capítulo 13
Bater e Correr
MICA EARTHBORN
“Lutar contra você foi divertido, mas esse é o momento que a Mica esteve
esperando.” Eu disse, meu rosto a centímetros do rosto da Lyra Dreide. Eu
estava sentada em seu colo, mantendo suas pernas abertas, observando
cuidadosamente cada movimento de seus lábios, cada mudança em seus
olhos.
Essa retentora tem uma boa cara de paisagem.
A retentora foi amarrada em uma cadeira de pedra que eu conjurei só para ela.
Bem, era meio que uma cadeira, apenas não era uma muito confortável. A
pedra dura se enrolou em suas pernas do tornozelo ao joelho e cobriu suas
mãos completamente. Uma coleira foi posta em sua garganta e tinha um único
espinho enfiado em suas costas. Se ela tentasse alguma coisa, esse espinho
perfuraria seu núcleo de mana em um instante.
Pessoalmente, eu sugeri que a gente começasse com isso, mas Varay achou
que desabilitar seu núcleo poderia quebrá-la completamente, e nós
precisávamos de informações primeiro. Então a gente tinha que quebrar ela
pouco a pouco.
Ela não fez nenhuma pergunta antes, apenas removeu lentamente a bota da
retentora, beliscou seu dedinho com dois dedos, e o congelou completamente.
Mesmo com nossos avisos para não resistir, o corpo da mulher tremeu com
mana para reagir ao feitiço. Foi instintivo, mas eu forcei o espinho um pouco
mais fundo de qualquer forma.
“Oh, cuidado, isso foi bem perto do seu núcleo de mana.” Eu dei um tapinha
em seu nariz. “Para não se contorcer muito.”
Eu ouvi um crack atrás de mim e me virei para ver a Varay segurando o dedo,
que ela tinha acabado de arrancar.
Eu dei um olhar doloroso e solidário para nossa prisioneira. “Ouch. Isso deve
ter doído. Então, por que você não nos conta tudo sobre as operações dos
Alacryanos, hein? Então, você vai poder continuar com seus dedinhos
perfeitos.”
A Lyra Dreide, pálida e suada mesmo com o ar frio da caverna, fez uma careta,
mas não disse nada.
“Eu quero os nomes dos oficiais de mais alto rank em Xyrus, Blackbend e
Etistin.” Varay estava em pé na frente da retentora, com os braços cruzados e
irradiando uma aura gelada. Ela tinha um tom de negócios. Ela realmente
conseguia ser assustadora algumas vezes. Tenho certeza de que, se fosse eu
na cadeira, teria contado tudo em quatro segundos.
A retentora, por outro lado, parecia ter ficado muda de repente. Ela
simplesmente assistiu enquanto a Varay se agachava, pegava um terceiro
dedo, e o congelava.
“Mica acha que você deveria ir para o rostinho lindo da moça.” Eu sugeri
tentando ajudar. Ao mesmo tempo, eu belisquei o pequeno nariz da boneca e
o quebrei com um silencioso crunch.
Varay se virou para dizer alguma coisa mas parou quando viu a boneca. O
julgamento escrito em sua expressão era bem óbvio, mas eu não me importei.
Eu estava ajudando.
Aya apareceu de onde estava meio escondida nas sombras. “Varay, talvez eu
devesse assumir daqui. Afinal de contas, essa é a minha especialidade.”
Varay encarou a retentora nos olhos e parou, seus dedos tocando sua coxa.
“Tudo bem, mas se lembre, precisamos da mente dela inteira.”
“Eu acho que minha companheira anã está certa. Você parece se importar
muito sobre como você é vista. Afinal, é por causa disso que você está nessa
posição. A adoração, o medo, aqueles momentos em que multidões de pessoas
prestam atenção em cada palavra que você diz…”
Aya descansou sua mão no lado do rosto da retentora. Quando a mulher se
enrijeceu, eu a dei uma pequena cutucada com o espinho de pedra nas suas
costas.
“É isso que vamos fazer se você não dar as informações que precisamos.” Aya
disse, sua voz como um ronrono baixo cheio de promessas e ameaças.
Enquanto ela falava, os tentáculos de névoa se enrolaram no rosto da
prisioneira, e os sussurros se intensificaram. “Você consegue ver? Consegue
ver o que você vai se tornar?”
“Ouça, Alacryana. Ouça os gritos. Você sabe de quem eles são?” Aya murmurou.
“Esse é o som que você ouvirá em todo lugar que for: os lamentos horrorizados
das mulheres e crianças, o nojo aterrorizado dos homens, incapazes de
aguentar a visão de você.”
Varay descansou uma mão no ombro de Aya, e a Lança élfica removeu a névoa.
“Confie em mim quando digo que não sinto prazer nisso,” Varay disse
enquanto pressionava sua palma na bochecha da retentora. Os olhos de Lyra
Dreide se abriram. “Eu não desejo te trazer dor, e preferiria que você
simplesmente nos desse as informações que precisamos. Porém, se você me
obrigar a fazer isso, eu vou congelar suas orelhas, depois seu nariz. Vou
transformar seus olhos em gelo e queimar sua carne com o frio. Mica vai
apertar essas amarras até suas pernas quebrarem e suas mãos vão ser
esmagadas até virarem uma massa inútil e, finalmente, se você não falar
mesmo depois de sofrer tudo isso, eu vou cortar sua língua, perfurar seu
núcleo, e pendurar o que restou de você pelas ruas de Etistin para todos
verem, como vocês fizeram com nossas rainhas e reis.”
Quando a retentora começou a falar, não parou mais. Era como se Varay
tivesse apertado um botão e toda informação contida nela tivesse saído para
fora. Como uma porta-voz dos Vritra em Dicathen, ela sabia de tudo: Como o
governo local estava sendo estruturado e mantido, quem estava no comando
de onde, quais eram seus papéis individuais no projeto geral de Agrona…
Honestamente, ela falou por tanto tempo que eu fiquei entediada e meio que
sonhei acordada, mas é para isso que as Lanças Aya e Varay serviam.
Não demorou muito para planejar nosso primeiro ataque. Varay insistiu em
usar o que aprendemos imediatamente. Os boatos de nosso ataque iriam se
espalhar pelas forças Alacryanas e civis Dicateanos como fogo de dragão, e
nós iríamos capitalizar com isso.
Nosso primeiro alvo foi Xyrus: Ensel Speight, o mago que estava no comando
da Academia de Xyrus. De todas as pessoas que ela nos disse, esse verme era
o mais nojento. Seu papel era educar os jovens magos, o que obviamente, era
fazer uma lavagem cerebral para os fazer apoiar os Alacryanos. Mas ia muito
além disso.
Esse pensamento me deixava com nojo, mas havia uma consolação em saber
que nós iríamos limpar Ensel Speight da face do mundo.
Nós voamos em silêncio, com nossos corpos envoltos em mana contra o frio
amargo do ar em uma altitude tão elevada. Varay parou apenas quando as
luzes da Cidade de Xyrus apareceram a distância.
“Pela pedra e pela raiz, nós já falamos disso.” Eu resmunguei, encarando Varay.
“Nós vamos sair sem ser detectadas, ou então nosso próximo objetivo vai se
tornar muito mais difícil.”
Aya assentiu, seu cabelo preto brilhando com a luz das estrelas. Eu grunhi meu
reconhecimento.
Às vezes Mica acha que a Varay esquece que todos nós fomos generais uma
vez…
Uma escrivaninha que estava na frente da porta da sacada foi lançada pela
sala e esmagou metade da porta para as escadas. Pedaços de pedra e madeira
cobriam o chão, e uma poeira branca fina estava por cima de tudo.
“Merda, talvez ele não esteja aqui?” Eu olhei para a Varay pela confirmação,
mas senti mana surgindo ao mesmo tempo que ela.
“As famosas Lanças, eu presumo.” Ele falou com os dentes cerrados. “Uma vez
os melhores generais do exército de Dicathen, agora decaíram para o papel de
meros assassinos.” Ele cuspiu sangue. “Realmente patético.”
“Você fala muito pra um cadáver.” Eu disse, levantando minha maça e olhando
para Varay. “Deixe a Mica o calar para sempre, por favor?”
Ensel Speight bufou e cuspiu mais sangue. “Eu amaria dar vocês três para os
Testadores. Por Vritra, as coisas que teríamos aprendido…”
O homem cruel uivou enquanto soltava outro raio de fogo azul em meu rosto.
Eu levantei minha maça para o desviar, mas o feitiço nunca me alcançou. Ao
invés disso, Varay disparou e pegou o fogo. Por um momento, parecia ter uma
linha sólida conectando os dois, então o fogo na mão da Varay começou a
endurecer em um tom mais escuro e frio, congelando completamente. O fogo
congelado se espalhou, o gelo correndo pelo comprimento do raio. O rosto do
Ensel Speight se contorceu em concentração, mas no último momento seus
olhos se arregalaram e eu o senti tentar cortar o feitiço, mas era tarde demais.
O gelo cresceu pela sua mão, seu braço, e em um instante cobriu seu corpo
inteiro, o congelando por completo. Varay soltou seu lado do fogo congelado
e a linha se quebrou, despedaçando no chão.
Alguém bateu na porta pelas escadas. “Senhor! Senhor? Você está bem,
senhor?”
Enquanto voávamos pelo buraco no lado da torre, mais gritos vieram de baixo
e uma série de feitiços brilharam no pátio escuro. Aya conjurou uma camada
de ventos agitados abaixo de nós, mandando os raios vermelhos, azuis e
verdes para longe enquanto subíamos para o céu.
“Ooh, é como fogos de artifício!” Eu gritei para os outros, observando o
bombardeio de feitiços baterem na bolha protetora de Xyrus.
Como antes, Aya perfurou ela e nós saímos para o ar frio da noite. Nós
imediatamente mergulhamos, voando rente à barreira até estarmos abaixo do
nível da ilha flutuante, então fomos em direção à Cidade de Blackbend.
“Tão fácil quanto pegar larvas de pedras!” Eu sorri para a Aya, mas ela estava
com uma expressão séria. “Ah, qual foi. Isso foi ótimo!”
Varay respondeu do outro lado. “Fomos bem-sucedidas, sim, mas foi apenas
um homem. Teremos que fazer mais esta noite.”
O líder desses esforços era uma maga de sangue Vritra chamada Haleigh Leech.
Ela era uma ascendente poderosa, o que quer que isso significasse, que se
tornou uma política e comparsa dos Vritra. Aparentemente ela era muito boa
em influenciar homens grandes e burros, o que eu respeitava, mas isso não
significa que eu não iria matar ela.
“Segurem ela aí.” A mulher disse antes de escorregar por uma alcova
escondida e desaparecer.
Eu voei baixo pela rua, pegando minha arma enquanto passava. Quando eu
virei a rua bruscamente, me deparei novamente com um muro de escudos
protegendo hordas de soldados Alacryanos, com Haileigh Leech atrás deles.
“Déjà vu.” Eu disse enquanto flutuava até parar. “Você tá tirando esses caras
do bolso ou o quê?”
“Estamos mais do que preparados para lidar com alguns rebeldes.” Ela bradou,
sua voz profunda ressoando das construções próximas. “A guerra acabou,
general. Você já perdeu.”
Haileigh Leech os encarou. “Voltem para suas casas, civis! Qualquer um que
resistir será executado imediatamente.”
Mas depois que essa mulher estivesse morta, nós voltaríamos a fugir. Qualquer
um que levantasse suas armas contra os Alacryanos provavelmente seria
morto, e ao invés de esperança, teria o desespero, a raiva e o ressentimento
remanescente. Não era hora deles lutarem, apenas de saber que as lanças
ainda estavam lá, lutando por eles.
“Vocês ouviram a moça demônio.” Eu gritei. “Voltem para suas casas, por favor.
Deixem as lanças lutarem hoje.”
“Aliás, o alvo pode criar estranhas cópias de sombra dela mesma ou algo
assim.” Eu disse enquanto corria.
Não, não estavam no mesmo nível da Lyra Dreide ou daquela criatura horrível,
Uto. Eu percebi. Mas, mesmo assim, eles não eram fracos.
O homem na minha frente deu um passo para frente e era como se ele tivesse
pisado no sol brilhante de meio dia, ou talvez como se, de repente, estivesse
irradiando uma luz. Ele não vestia nada além de calças largas, pretas e
sedosas, mostrando seu corpo atlético. Ele era bonito também, com o cabelo
levemente ondulado da cor de cedro vermelho.
Ele pôs as mãos na cintura e sorriu para mim, seus dentes brilhando brancos
na escuridão. “Guardas da Rosa, presente!”
A sombra saiu dos outros enquanto eles davam passos à frente, um de cada
vez. À esquerda do homem sem camisa, uma figura esbelta em um roupão de
batalha escarlate apontou um longo dedo para mim, falando bem suavemente.
“Royal!”
Na direita, uma mulher em uma cota de malha preta e uma armadura de couro
vermelho escura fincou a ponta de sua espada de duas mãos enorme na rua e
jogou seu rabo de cavalo para o lado. “Roxy.”
Eu ri. Alto. Ri até chorar, até começar a ofegar, até me preocupar em desmaiar
ali mesmo na rua.
Talvez esse fosse o plano, eu achei que fosse explodir de tanto rir. Eles
debilitavam seus oponentes com uma risada incontrolável e então os
esfaqueavam enquanto estavam fracos.
Secando minhas lágrimas, eu afastei a Aya. “Vá pegar o alvo antes que ela
escape. Eu vou ficar aqui para brincar com esses quatro.”
Aya assentiu e foi para o ar. O Alacryano chamado Royal estava prestes a
conjurar um feitiço quando Geir segurou sua mão.
Finalmente, Geir flutuou no ar, e então seu corpo queimou em chamas. O fogo
se moldou ao seu redor como uma peça de armadura, mas não era apenas
isso. Duas asas flamejantes brotaram das suas costas e uma longa cauda de
fogo em formato de chicote estava abaixo dele. Os dois braços estavam com
garras incandescentes e brilhantes em suas pontas, e as chamas ao redor de
sua cabeça se moldaram em um formato reptiliano familiar de um dragão.
“Oh, isso foi legal.” Eu disse, admirando o traje de dragão flamejante. “Você
escolheu a forma ou já veio assim?”
A voz de Geir ecoou em um tom de outro mundo quando ele falou de novo.
“Basta de palavras evasivas e brincalhonas, Dicateana. Agora, você está
encarando todo o poder… dos Guardas da Rosa!” A boca do dragão soprou um
vasto cone de fogo, que eu defleti com uma laje de pedra que saiu da rua.
Quando as chamas araram, eu coloquei a laje na frente para pousar na lama
ácida, criando um tipo de ponte sobre o fosso.
A cobra de vento deu o bote, sua boca completamente aberta. Eu estava meio
curiosa para saber o que aquela coisa fazia, mas não o suficiente para a deixar
me acertar de propósito. Pulando na laje de pedra, eu senti a mandíbula da
serpente fechar logo atrás de mim antes de a acertar de volta, mas minha maça
passou por ela e quase caiu no fosso fedorento.
Eu dei um pulo pra frente e ataquei Geir, mas as placas de pedra se moveram
para defletir o ataque, e o dragão abriu a boca para outro tiro de fogo a queima
roupa. Dessa vez, eu encarei o ataque de frente, confiando na minha mana
protetora para absorver o calor enquanto eu girava, aumentando a gravidade
na minha maça para criar um momentum, então quando outra placa de pedra
foi para uma posição defensiva, a maça a destruiu e continuou indo.
Geir gritou e pulou para trás, suas asas batendo ferozmente atrás dele, ele mal
pôde evitar meu ataque. Várias placas se moveram para defendê-lo, mas eu
continuei meu assalto, ao invés de voar para cima para evitar outro ataque da
cobra de vento. Uma névoa nociva começou a se formar ao meu redor,
corroendo minha mana defensiva. Criando um ponto de gravidade densa à
minha esquerda, eu afastei o gás verde e girei para encontrar Roxy, que estava
correndo pelas costas da cobra de vento como se fosse uma escada.
Sua enorme lâmina sibilou enquanto cortava o ar, então ressoou como um sino
quando foi defletida pela minha maça. Suas mãos se moveram a uma
velocidade incrível — apoiada pelas rajadas de vento calculadas — enquanto
ela retalhava e cortava em um bombardeio de ataques.
Com o canto dos olhos, vi Geir circulando ao meu redor para se posicionar
atrás de mim, e podia sentir Royal preparando um novo feitiço abaixo. Gale
parecia estar focado em seus escudos de pedra, mantendo vários deles perto
o suficiente de seus companheiros para evitar um ataque surpresa. Eu senti
pela Aya e a Varay para ter certeza de que elas ainda estavam bem: Aya estava
algumas ruas à frente, sua mana surgindo como se ela estivesse lutando contra
alguém — tomara que seja a Haileigh Leech — mas Varay ainda estava no
Saguão da Guilda, com sua mana calma.
Saber que elas estavam bem era suficiente para o momento; Eu estava um
pouco ocupada demais com os Guardas da Rosa para me perguntar por que a
Varay estava apenas sentada no chão com a bunda magra dela. Quando eu
senti o calor de uma chama súbita nas minhas costas, eu caí como uma pedra,
defletindo um último ataque da lâmina da Roxy enquanto caía. O jato de fogo
passou por ela, obviamente mirado cuidadosamente para evitar fogo amigo.
Um míssil de líquido verde foi atirado das mãos do Royal, me forçando a girar
no ar, mas eu tirei vantagem desse redirecionamento para colidir com Gale. O
grande Alacryano conjurou mais uma dúzia de novas placas de pedra para se
defender, mas eu apenas aumentei meu próprio peso e passei por elas, usando
meu corpo como um aríete.
Outro míssil ácido espirrou no meu ombro, chiando e estourando contra minha
barreira de mana. Eu conjurei uma coluna de pedra que saiu do chão e bateu
em Royal, o mandando cambaleando para a parede de um prédio de tijolos.
“Você realmente devia ser mais cuidadoso.” Eu o alertei. “Voar leva muita
prática, mas tenho certeza que você vai pegar o jeito algum dia.”
Isso funcionou perfeitamente bem para mim. Eu cerrei meu punho e quebrei a
terra abaixo de seus pés. A rua e o solo abaixo desmoronaram no vácuo que
eu criei embaixo. Ao mesmo tempo, eu acertei cada um deles com o Martelo
de Gravidade, os amassando como baratas embaixo de um chinelo.
Três Alacryanos, várias toneladas de terra e pedra, e mais ou menos mil galões
de água ácida desapareceram na ruptura.
“Ei, pelo menos você removeu toda aquela água nojenta antes que ela
derretesse o rosto dos seus amigos.” Eu disse para o consolar.
Aya ignorou o Alacryano. “Está feito.” Ela gritou, se virando para cima.
Meus pés se ergueram da rua destruída e eu voei até Aya. Varay veio pelo
buraco no teto do Saguão da Guilda para nos encontrar, e nós nos viramos
para o sul juntas, voando pelos telhados de Blackbend.
“Então, o que você estava fazendo enquanto eu e a Aya estávamos com a mão
na massa, hm?” Eu perguntei para Varay alguns minutos depois.
“Convencendo a liderança da guilda que não é interessante para eles apoiar
os Alacryanos.” Ela respondeu.
“Alguma coisa está nos seguindo.” Aya disse, gesticulando para seu ombro.
De Blackbend, nós voamos diretamente ao Sul, para Darv. Nosso último alvo
dessa missão não estava nos terrenos secos ou nos túneis dos anões, mas nós
queríamos nos livrar de qualquer rastreamento ou perseguição que os
Alacryanos poderiam ter conjurado.
Varay sinalizou uma parada e nós olhamos para o norte para observar. O ar
estava tremeluzindo algumas dezenas de metros abaixo de nós, como uma
sombra suspendida no meio do ar ou uma pequena e fina nuvem cinza.
Eu fui até o borrão escuro contra o céu amanhecendo, mas ele fugiu. Eu voei
mais rápido, mas ele ficou mais ou menos 20 metros atrás. Finalmente, eu me
inclinei e disparei à velocidade máxima para a sombra, mas ela se moveu tão
rápido quanto eu.
A Lança élfica lançou várias balas de vento nela. Seu feitiço passou pela
sombra com uma pequena ondulação, mas não pareceu a machucar. Nós
passamos um minuto atirando feitiços cada vez mais fortes, mas nada afetava
a sombra.
O buraco negro estava muito longe da sombra para a afetar, mas se a sombra
nos seguisse em linha reta como esteve fazendo até agora…
No instante que ele desapareceu, a sombra disparou pelo céu, mais uma vez
pairando a distância.
“Talvez nós possamos absorver sua mana?” Aya sugeriu, sua sobrancelha
franzida com o pensamento.
“Mas nós não podemos chegar perto dela.” Eu rebati. “A não ser que…”
Muito lentamente, nós fomos até a forma vaga. Quando minha mão estava nela
— passando por ela como nossos feitiços — eu senti sua mana. Não tinha
muita, não era um feitiço particularmente forte. Cada uma de nós absorvemos
um pouquinho antes da sombra espiã se dissolver, desaparecendo
completamente.
Varay estava encarando o espaço vazio entre nós com um olhar estranho no
rosto. “Algum dia, eu espero ter uma chance de estudar essas formas
Alacryanas de magia.” Ela disse. “As coisas que eles são capazes de fazer… Eu
nunca vi nada como essa sombra.”
“É claro que não.” Varay falou rispidamente. “Mas se essa guerra tiver um fim,
eu espero que nossas nações possam ter a chance de compartilhar nosso
conhecimento de magia… depois dos Vritra serem destruídos.”
Aya zombou. “Eu preferiria mandar seu continente inteiro para o fundo do
oceano por mim mesma.”
Eu não sabia que ela tinha uma variedade tão grande de expressões faciais. Eu
pensei para mim mesma. Sorrisos, tristeza, determinação fria, profissionalismo
frio… isso já é facilmente o dobro de expressões que eu achei que ela tinha.
“Isso é sobre Agrona e os Vritra.” Varay disse. “Não as pessoas de Alacrya. Você
não viu os navios cargueiros de escravos que ele mandou para morrer na Baía
de Etistin, Aya. Para nada além de nos fazer pensar que estávamos ganhando,
ele mandou milhares de seu próprio povo para a morte certa.”
Nós flutuamos em silêncio por vários longos segundos antes de Varay virar
para leste. “Haverá tempo suficiente para debater essas coisas e mais quando
retornarmos para a Clareira das Bestas. Por agora, ainda temos um alvo.”
Aya e eu ficamos para trás enquanto íamos para as Grandes Montanhas, nossa
onda de sucesso foi ofuscada pelos nossos próprios pensamentos em conflito.
Nós nos agarramos pelos penhascos das Grandes Montanhas por quase o
continente inteiro, de Darv no sul até a costa norte de Elenoir. De lá, nós
voamos pela costa, escondidas por dentro da cobertura da floresta. Isso era
mais lento que voar acima das árvores enevoadas, mas mais seguro.
Ela explorou Elshire por nós algumas vezes enquanto nos escondíamos na
Clareira das Bestas, mas eu não fui com ela. Agora eu queria ter ido. Vendo a
postura e o foco que a floresta a deu me fez lembrar de nossos antigos dias de
Lanças. O orgulho, a animação e o espírito competitivo que todos nós
tínhamos. Nós estávamos tão preparados para a guerra. Nós éramos os magos
mais fortes do continente, o que poderia nos encarar?
Nosso alvo era Asyphin. Os elfos foram eliminados da cidade e ela se tornou
uma fortaleza para os esforços Alacryanos em Elenoir. Eles não mantiveram
nem mesmo elfos escravizados para eles não acharem um jeito de espiar, o
que significava que não tínhamos que ser cuidadosas ao atacar.
Durante todo seu interrogatório, a única vez que ela fingiu não saber
exatamente o que estava falando, era quando falava sobre Asyphin. Ela estava
feliz me nos dar nomes de Altos Sangues, oficiais Alacryanos, instigadores
importantes… tudo enquanto minimizava os papéis individuais na ocupação e
fingindo ignorância no porquê a cidade era tão importante para nenhum
Dicateano ser permitido nela.
Era claro que os Alacryanos estavam planejando algo em Asyphin, e então nós
iríamos bater forte nela.
“Não estamos tão longe agora.” Aya nos informou. “Apenas alguns minutos.”
Talvez eles adivinharam que nós estávamos vindo e prepararam uma festa de
boas-vindas.
“Não.” Varay e Aya responderam ao mesmo tempo. Aya se calou e deixou Varay
terminar. “Vamos lá nos apresentar, sentir a situação. Mica, você e eu lutamos
de igual para igual contra a Foice em Etistin, mesmo antes da Aya chegar lá. Se
eles confiarem a defesa desse lugar para apenas uma Foice, então nossa
jornada para Elenoir pode ser ainda mais recompensadora do que
planejamos.”
“Ou.” Eu gaguejei, meu coração batendo em meu peito como três anões
batendo em uma bigorna. “Poderia ser uma armadilha. Como a Aya sugeriu!”
Meu peito estava se agitando para cima e para baixando, fazendo eu me mexer
no ar, e meus punhos estavam tão apertados que eu conseguia sentir meus
dedos estalando. Tinha um zumbido de vespas em chamas na minha cabeça, e
de repente eu estava preocupada com um desmaio.
Mica está tendo um ataque de pânico? Lanças não tem ataques de pânico!
Aya voou para perto e pegou minha mão. Eu a afastei, mas ela me segurou
firme. Quando ela falou, era com uma suavidade e gentileza que não ouvi dela
desde que o Conselho caiu. “Mica, nós achamos que éramos invencíveis.
Mesmo quando Alea -— a Lança Alea — morreu, parecia um golpe de sorte,
mais como azar. Não poderia acontecer conosco, porque nós seríamos mais
cuidadosas, seríamos mais fortes. Então eles nos quebraram.”
Ela se inclinou para frente, me puxando para ela, e me deu um beijo gentil na
bochecha. “Mas é assim que nos recuperamos, você entende? Nós voamos por
aí e chutamos a bunda de quem quer que encontremos. Depois disso, nós
podemos voltar para a Clareira das Bestas para você me incomodar até a morte
com aquelas bonecas, tudo bem?”
Eu bufei e engoli as lágrimas, sem nem mesmo ter certeza do motivo do choro.
“Eu acho que vou tentar fazer um show de marionetes na próxima vez.”
Aya se virou para Varay. “Pelo menos se morrermos hoje, nunca teremos que
ver isso.”
Eu soltei uma risada rouca e soquei a Lança élfica no braço. “Então, vamos lá
fazer isso, vamos?”
Com Varay liderando o caminho, nós voamos para fora das copas e fomos
direto para a poderosa fonte de mana pairando sobre Asyphin. Ele obviamente
nos viu chegando, mas não fez nenhum movimento contra nós, apenas
esperando a gente se aproximar.
O garoto de cabelo preto da Baía de Etistin, aquele que esteve nos meus
pesadelos desde lá, nos cumprimentou com um olhar frio.
Isso… não era exatamente o que nós estávamos esperando. “Você cresceu mais
ainda desde que nos encontramos em Etistin.” Varay disse, sua voz calma como
gelo. “Mas eu não acho que você dá conta de parar o que viemos aqui para
fazer sozinho.”
Nós três trocamos um olhar incerto. “Do que diabos você está falando?” Eu
perguntei, esquecendo um pouco do meu medo.
O garoto rosnou, como se fosse um tipo de besta de mana selvagem. “Eu não
tenho tempo para conversar com vocês, muito menos matar. Deixem Elenoir
imediatamente. Não façam mais coisas com nosso povo. Vivam o resto de suas
vidas inúteis como ermitões nos desertos dos anões, na Clareira das Bestas ou
qual seja o lugar que vocês se esconderam. Se eu ver vocês novamente, vou
matar todas. Vão.”
O medo gelado pressionou meu peito, mas não nos movemos. Quando chamas
negras cobriram suas mãos, Varay, Aya e eu nos espalhamos e começamos a
canalizar mana para contragolpear, mas outra figura veio da cidade. O garoto
de cabelos pretos virou suas costas para nós enquanto observava o recém-
chegado se aproximar.
O homem era um retentor, eu tinha certeza disso. Ele era alto e mantinha uma
postura ereta mesmo enquanto voava. Uma armadura de couro preta o
abraçava como uma segunda pele, e a verdade era que ele seria lindo se não
fossem os chifres brotando de cima das suas orelhas.
O olhar do garoto se voltou para nós. “Eu não posso sair antes de cuidar dessas
pestes…” Ele parecia incerto, ansioso para sair, mas ao mesmo tempo não
querendo.
O que poderia ser tão importante para ele fugir de uma luta conosco? Nós
assumimos que seríamos a maior prioridade dos Alacryanos depois de nos
revelarmos, e era bem inquietante descobrir que não éramos.
“Eu vou cuidar delas, Nico.” Os olhos vermelhos de Cylrit se encontraram com
os meus. “Você precisa estar lá.”
“Eu só espero que você faça um trabalho melhor dessa vez do que aquele que
você fez protegendo a Lyra.” Nico rosnou. Para nós, ele disse, “Quando vocês
chegarem no pós-vida, falem pro meu antigo amigo, Grey, que eu disse oi.”
Então, ele voou para a cidade.
“Nós não vamos lutar.” Cylrit disse casualmente. “Vocês vão voltar para seu
esconderijo e esperar pelo momento certo.”
O cabelo escuro da Aya dançou pelo seu rosto com a brisa enquanto ela me
dava um olhar questionador. “A Foice que—”
“Me deixou viver e me mandou para ajudar em Etistin, sim.” Eu disse para Cylrit.
“Eu não gosto de ser usada como brinquedo. Nos diga claramente o que quer,
ou vamos arrancar de você.”
Cylrit riu com um senso de confiança que me deixou nervosa e frustrada.
“Talvez vocês poderiam, mas vocês parecem cansadas para mim, e não
ajudaria vocês de qualquer jeito.”
Mas Varay estava balançando a cabeça. “Não. Vamos lá, estamos indo embora.”
Cylrit ficou onde estava, nos observando ir embora. Mesmo depois de estar
fora de vista, eu ainda podia sentir seus olhos vermelhos queimando minhas
costas.
Não era assim que queríamos que as coisas acontecessem, e o voo para a
Clareira das Bestas foi feito em silêncio. Ficou pior ainda depois disso.
Varay pulou na cratera e eu senti vários raios de mana. Aya seguiu, suas mãos
para cima enquanto ela preparava uma conjuração, mas não havia
necessidade. Três bestas de mana parecidas com lagartos estavam mortas no
chão, suas cabeças explodidas como melancias.
Nosso esconderijo estava uma bagunça. A gaiola em que ela estava contida —
uma fusão de elementos de gelo e terra que eu e Varay tínhamos construído,
que foi imbuída com um feitiço de som para manter a retentora dormindo —
foi quebrada, como a porta secreta.
Capítulo 14
Amigos e Amigos
Jasmine Flamesworth
Os baixos sopés que levavam para longe das Grandes Montanhas facilitaram a
viagem escondidas. Depois de escapar dos guardas na Muralha, tirei Camellia
da estrada principal, e seguimos lentamente para o oeste, usando as colinas
como cobertura.
Não esperava que Albanth mandasse alguém atrás de nós. Era muito arriscado,
e ele devia estar tão bravo com os soldados quanto estava comigo, de
qualquer maneira. Apesar do estado da Muralha, o capitão era um homem
lógico com uma cabeça nivelada. Mas isso não significava que esperaria para
descobrir qual seria a minha punição por matar um soldado da divisão
Bulwark.
Era improvável que encontrássemos notícias dos Chifres Gêmeos lá, mas achei
que era muito arriscado fazer perguntas tão pontuais.
“Mas se você tem certeza que não haverá nenhum alacryano aqui, por que
precisamos fingir ser outras pessoas?” Camellia perguntou depois que
terminei de explicar meu plano.
“É mais seguro assim. Eu sou apenas uma mercenária e você é a minha serva
elfa inútil.”
“Ei!”
Sorri. Parecia… estranho, e percebi que não conseguia lembrar da última vez
que me senti tão “eu”. Tinha uma missão para ocupar a mente, um cliente —
mesmo que não pagasse — para proteger, e estava cercada por inimigos
tentando me matar.
Era assim com os Chifres Gêmeos todos esses anos; com o Arthur nas clareiras.
A boca dela se abriu e ela parou de andar. “Não, eu não vou deixar você me
chamar assim.”
O olhar no seu rosto quase fez todos os problemas que me causou até então
valer a pena.
Os únicos aldeões que vimos nos deram olhares nervosos e foram em outra
direção. Uma mulher, depois de abrir a porta da frente e dar um passo para
fora, nos viu, engasgou, e correu de volta para dentro antes de bater a porta e
trancá-la.
“Alguns magos realmente fortes devem ter lutado aqui.” Me inclinei e examinei
um pedaço de pedra quebrado feito vidro. “Vê isso? Pedra quebra assim
quando congelada por um mago desviante do gelo.
Como era o único na cidade que não fugiu de imediato de nós, esperava que
pudesse nos informar sobre o que aconteceu lá.
Não escondendo mais minhas intenções, virei e fui direto em direção a ele. Ele
vacilou e se ocupou arrancando alguns punhados de dente-de-leão.
“Ei.” Coloquei uma perna na cerca baixa que separava o jardim do resto da rua
e olhei para ele. Embora seu cabelo loiro fosse um pouco selvagem e as
bochechas fossem magras, ele parecia mais um nobre do que um fazendeiro
rural. Gesticulei sobre meu ombro com um polegar. “O que aconteceu aqui?”
Ele encontrou meus olhos, então logo olhou para o chão. “Sinto muito,
senhora, eu não deveria…” Se afastou, com os olhos voltando para mim, uma
faísca de reconhecimento neles. “Você é uma aventureira, certo? Acho que vi
você lutar na guilda dos aventureiros de Xyrus uma vez.”
A última coisa que esperava era alguém aqui para me reconhecer, e levei um
momento para recobrar dos pensamentos.
“E essa aqui é Skunk.” Franzi a testa para ela. “Ela foi criada por elfos selvagens
nas profundezas da floresta amaldiçoada deles, e, cá entre nós, acho que as
névoas lá fizeram algo à sua mente.”
“‘Elfos selvagens’?”
O jovem tinha ouvido nosso vai e vem com um sorriso mal-humorado em seu
rosto, mas ele sumiu na minha pergunta. Em voz baixa, falou:
“Três Lanças atacaram uma Retentora Vritra. Houve uma grande batalha, e
agora os aldeões estão todos com medo de os alacryanos virem aqui e puni-
los pelo que aconteceu.”
Meu batimento cardíaco acelerou com a menção naqueles nomes. “As Lanças
estão vivas?”
Estive perto o suficiente delas no castelo voador para entender que seu poder
estava em um patamar diferente. Se ainda estivessem vivos e lutando, então
Dicathen podia realmente ter uma chance.
Olhou em volta de novo, ficando cada vez mais nervoso. “Ouça, eu gostaria de
falar mais com você, mas devemos ir a algum lugar menos exposto.”
O examinei mais uma vez. Não podia sentir qualquer assinatura de mana, e
parecia improvável que alguém tão novo como ele seria poderoso o suficiente
para suprimir a sua mana de mim. Ainda assim, os alacryanos provaram estar
cheios de surpresas várias vezes.
“Me mostre suas costas.” Ele parecia entender minhas intenções, porque não
hesitou em se virar e levantar a túnica. Não havia runas ao longo da coluna,
somente várias contusões amarelas fracas que descoloriam a pele do quadril
aos ombros.
“Certo, vamos.”
Enfiou a cabeça na loja para dizer aos que estavam lá dentro que estaria
saindo por um tempo e levou nós duas pela cidade até uma grande casa perto
de onde os prédios desbotavam de volta a campos de cultivo. Fiquei surpresa
com o tamanho do lugar.
Uma voz profunda veio do fim da entrada. “Jarrod? Se está aqui para o almoço,
é melhor se apressar antes de Cleo comer tudo.”
Nosso guia nos levou pelo corredor de entrada, passou por uma uma sala de
estar bem designada e chegou à sala de jantar. Muitos estavam sentados ou
parados em torno de uma longa mesa. A maioria era nova, entre talvez oito e
catorze anos, mas havia dois da idade do nosso guia.
“Jasmine Flamesworth?”
Nosso guia — Jarrod, presumi — olhou para mim, a expressão meio estranha.
“Isso mesmo, eu lembro. Dos Chifres Gêmeos, certo?”
Ele pareceu surpreso por um instante, e depois deu uma risada bem-
humorada. “Não estou surpreso que você não se lembra. Helen e Adam eram
os falantes, mesmo.”
Senti um choque passar por mim com a menção casual a Adam, e devo ter
demonstrado sem querer.
“Este é Halim Topurn” disse o loiro. “Eu sou Jarrod, esses dois pequeninhos
são Clara e Cleo.” Deu a volta na mesa, apresentando o resto.
Halim riu, um barulho estrondoso que fez a sua barriga grande balançar. “Não
faz muito tempo para alguém tão velho que nem eu, mas estou feliz que você
se lembra.”
“Então, o que é tudo isso?” questionei, gesticulando para a mesa. Ficou claro
que a maioria não eram parentes umas das outras ou dele.
Halim olhou para ele por um momento, a expressão difícil de ler. Para mim,
respondeu:
“Estou simplesmente tentando usar meus recursos para fazer algo de bom
antes que meu tempo acabe.”
Me assustei com uma mão pequena deslizando na minha e olhei para baixo, e
vendo os grandes olhos verdes de Camellia me encarando.
“E essa é a seu…?” Halim inclinou-se um pouco até estar na mesma altura que
a elfa.
Ela se virou para mim para obter permissão. Acenei com a cabeça, e um dos
meninos puxou um assento para ela na mesa.
“Sim…” Comecei depois que todos nós sentamos e Halim me deu um copo de
bebida forte e de cheiro doce. “Não são apenas órfãos, são?”
Ele pareceu envergonhado de novo, mas o loiro respondeu por ele. “Somos
magos. Alguns de nós somos órfãos, sim, mas alguns estão se escondendo de
suas famílias e dos alacryanos. Muitas casas nobres nem hesitaram em apoiar
os Vritra.”
“Por que arriscar ficar em um lugar aberto? Não é melhor procurar abrigo no
santuário subterrâneo da resistência?”
Bebi meu copo e o apoiei, antes de ficar de pé e começar a andar. “Você não
sabe como entrar em contato com ninguém do santuário? Não sabe onde
está?”
Só pude dar de ombros. “Não tenho uma lista. Estava planejando levar a garota
lá por segurança, mas…”
Só ficaria mais perigoso à medida que andássemos mais por Sapin.
Poderíamos chegar a Blackburn em mais alguns dias, mas uma cidade do seu
tamanho deveria com certeza estar nas mãos dos alacryanos agora. E o que
faríamos quando estivéssemos lá?
A casa de Halim, percebi, seria um lugar perfeito para Camellia ficar. Ele já
havia estabelecido um álibi para as crianças, até tinha alguma maneira de
esconder as suas assinaturas de mana, e teria gente da sua idade para brincar
e aprender junto. Seria muito melhor do que ficar comigo.
“Você sabe” falou com cuidado, olhando para a bebida. “Greengate podia ter
um mago talentoso por aqui, especialmente agora.”
Ele se levantou, encheu meu copo, e gesticulou para eu sentar antes de dele.
Fiz o que pediu, bebendo a bebida em um gole.
Abri a boca para recusar, mas… por quê? Eu era uma fugitiva lá na Muralha,
que estava a menos de um dia de caminhada, porém não era como se fossem
enviar soldados em força para me prender. Tinha também a questão da Helen
e os Chifres Gêmeos. Se me procurassem, como Helen prometeu, seria mais
fácil me encontrarem se ficasse por perto.
Uma sensação de ser vista por trás do pescoço surgiu, e vi Camellia olhando
para mim parada na porta. “Sim” disse firme. “Nós definitivamente vamos
ficar.”
Capítulo 15
Escolhas e Consequências
Emily Watsken
O barulho constante das rodas de carruagem era geralmente suficiente para
me colocar para dormir, mas não tinha como dormir sentada em frente a
Oleander Brone. O instilador alacryano ficava vária vezes em um silêncio mal-
humorado, durante os quais simplesmente olhava para Gideon e eu, e então
entrava em monólogos chatos sobre nosso trabalho, ou as falhas de Dicathen,
ou a glória dos Vritra, e adiante.
“É uma pena ver o que tinha sido feito com o salão da guilda dos aventureiros
em Blackbend, não é?” questionou, quebrando um silêncio que durou pelo
menos uma hora. Esse desrespeito até mesmo à própria cultura e bem-estar é
o motivo pelo qual Dicathen nunca poderia ter continuado por conta própria,
não por muito tempo. O fato é que vocês precisavam dos Vritra para evitar que
sua civilização desmoronasse.”
Poderia dizer que estava tentando nos atrair para uma discussão, porém não
estava interessada em debater… ou falar com ele no geral, se pudesse ajudá-
lo.
“Quanto falta?” perguntei, esfregando a ponte do meu nariz sob meus óculos
enquanto olhava para fora da janela da carruagem. Estávamos a dois dias e
meio de Blackbend, onde nos teletransportamos de Vildorial. Brone não
explicou para onde estávamos indo, apenas que estaríamos testando uma
nova arma baseada na combustão de sal de fogo que Gideon inventou.
Zombou. “Outro dia. Tedioso, esse tipo de viagem, não é? Bem, a boa notícia é
que quando seu povo estiver totalmente subjugado, mesmo os destinos mais
remotos estarão acessíveis via tempus warp. Por enquanto, porém…” Saiu,
gesticulando para nossa carruagem.
“Mas por que precisamos ir tão longe para um teste de armas, afinal? As
instalações do Instituto Earthborn…”
“… Não são ideais para uma avaliação completa das capacidades desses novos
dispositivos” respondeu Brone com firmeza. “Temos algo especial arranjado
que deve nos dar uma compreensão muito mais robusta dos danos das armas.”
Passei entre dois soldados carregando uma caixa longa e estreita e corri até
Gideon. “O que estamos fazendo aqui?” Exigi.
“Testando a nova arma” afirmou sem olhar para mim. Seu tom era seco, o rosto
ilegível.
Senti meu controle indo embora. Apesar de tudo o que aconteceu, tudo o que
passei desde que os alacryanos ganharam a guerra, consegui manter algum
tipo de ilusão de que ainda estávamos trabalhando para melhorar as coisas. E
esse tempo todo, tive um contorle firme sobre mim mesma, agarrando uma
indiferença que precisava para me manter sã e viva. Coloquei minha fé em
Gideon, assumindo que possuía algum tipo de plano, alguma razão para as
ações.
Ele estalou os dedos bem na frente do meu nariz, me fazendo vacilar. “Não tem
tempo para isso agora. O que exatamente você vai fazer, senhorita Watsken?
Correr para lá e lutar contra uma dúzia de grupos de batalha alacryanos e
quarenta guerreiros não adornados? Sozinha? A menos que você esteja
escondendo o fato de que agora é uma maga de núcleo branco com
capacidades destrutivas do nível de uma Lança, só vai precisar mantê-lo
juntos, entendeu?”
“Eles já sabem. Olha.” Apontou com a cabeça para a aldeia. Algumas pequenas
figuras nos arredores estavam correndo para lá, as vozes distantes soando que
nem um alarme.
Peguei a manga dele e a puxei. “Tem que haver algo que possamos…”
O velho inventor se soltou e deu um olhar azedo. “O que podia ser feito, foi
feito. Agora se afaste. Não queremos estar tão perto.”
Meu mentor virou as costas para mim e se afastou bastante das equipes de
magos e sem adornos que estavam montando e preparando dez armas, cada
uma apontada para a aldeia.
“Sim, há, menina, mas não são inocentes.” Continuou falando diretamente com
os homens. “As pessoas daqui são culpadas de traição, sedição além de
agressão, captura e possível assassinato de um alto funcionário alacryano.
Como sabem bem, a punição para crimes elevados é a execução.”
Olhei para os soldados, mas não encontrei nenhum simpatizante lá. Mesmo
Gideon, bem longe do resto, não ligava muito.
Uma mão firme segurou meu cabelo e puxou para cima, esticando meu
pescoço. Me envolvi em mana, mas um chute nas minhas costelas derrubou o
vento e o expulsou de mim.
“Você vai ver os frutos do seu trabalho amadurecer, menina.” Brone falou no
meu ouvido, empurrando meus óculos à força de volta ao meu rosto. “Embora
eu suspeite que o idiota gagá do Gideon tenha exigido que a mantivéssemos
viva por bondade ao invés de necessidade, quero que veja o que seu esforço
fez.”
Fechei os olhos, mas ele puxou meu cabelo para que abrisse de novo. A fileira
de soldados na minha frente tinha terminado os preparativos e todos estavam
olhando para ele com esperança no olhar. Todos.
“Preparem-se para disparar!” gritou.
Capítulo 16
A Ilusão de Segurança
Jasmine Flamesworth
“Tenho certeza que não estou.” Balançou a cabeça. “Enfim, a cama aqui é mais
agradável do que a daquela pousada, e muito melhor do que pilhas de folhas
com lama.”
Acenou séria antes de saltar da cadeira e limpar as mãos nas vestes sujas.
“Jarrod me mostrou onde todas as lojas ainda estão abertas nesta hora.”
Ela estava ansiosa para ajudar como pudesse, e a deixaria fazer uma excursão
pela cidade enquanto Halim e eu nos encontrávamos com alguns dos aldeões.
Foram felizes o suficiente para ter uma batalha na cidade. O único outro mago
aqui era o boticário e curandeiro, que ainda não conheci. Aparentava já ter
passado do auge e não estava mais apto para o combate, e os habitantes se
referiam a ele como o “mago antigo”, brincando.
A segui para fora de casa e fomos em direção à praça. Andamos menos que
seis metros antes de ouvir os primeiros gritos. Ela virou-se para olhar para
mim, o rosto de repente branco.
“Volte para casa” pedi antes de passar por ela. Mais gritos seguidos. Foi fácil
acompanhar o barulho em direção ao sul da cidade.
Minha mente acelerou. Havia muitos para lutar de frente, e não conseguia nem
pensar em proteger uma aldeia inteira contra uma barragem de feitiços de
longo alcance. Se os atacasse diretamente, poderia dar aos aldeões alguns
minutos extras… no máximo… talvez.
Então, de novo, se me retirasse de volta, guiaria os moradores para longe. Se
os tubos fossem algum tipo de arma, no entanto, prendê-los dentro do local
podia ser o objetivo deles.
Me concentrei nela:
“Não posso continuar correndo” afirmou Jarrod baixinho. Sentia seu olhar
mirando o lado da minha cabeça, mas me recusei a encontrá-lo. “Somos todos
magos acadêmicos. Podemos lutar. A gente…”
Parei quando duas macieiras próximas tremeram, fazendo com que frutas não
maduras caíssem no chão. Raízes surgiram do solo, apoiando as árvores como
pernas “caminhando” e “deslizavam” para ficar em ambos os lados do nosso
pequeno grupo.
“Mas podemos dar tempo para escaparem” disse Jarrod com um sorriso triste.
Embora o medo de todos fosse óbvio, ninguém recuou. Tinha como alvo minha
crescente frustração com Camellia. “Não. O truque com as árvores é fofo, mas
não te arrastei para fora das clareiras só para que você fosse morta pelo
primeiro grupo deles que tropeçamos.”
Ela encolheu os ombros, um gesto irritante de tão simples. “Eles já levaram
toda a minha família. Se você vai lutar, eu vou junto.”
Meus dentes rangeram quando apertei a boca forte, querendo tirar as adagas
de suas bainhas. “Qual é o ponto de ser xerife se ninguém vai me ouvir?”
Capítulo 17
Frutos do Nosso Trabalho
Emily Watsken
Embora não pudesse ver Brone, sentir sua energia nervosa de perto. Além da
linha de canhões, via dúzias correndo para fora da aldeia em nossa direção.
Incluindo — minha mente lutava para racionalizar — duas árvores.
‘Não, precisam fugir!’ queria gritar. Não tinham ideia do que estava prestes a
atingi-los, idiotas corajosos.
Fechei os olhos por conta da bola de fogo que os acertaria, mas nada
aconteceu.
A mão que segurava meu cabelo se soltou e dei uma olhada por um olho meio
aberto. Os magos olhavam para o canhão, confusos, enquanto os não
adornados, cujo trabalho era apoiar a arma enquanto os conjuradores
disparavam, fecharam os olhos e se inclinaram para trás.
Arrisquei olhar para ele, parecendo que dispararia raios dos olhos a qualquer
momento.
Apesar de não ter desejo algum de ver a aldeia ser mergulhada em chamas,
observei com atenção enquanto o próximo grupo de alacryanos ativava o
canhão. As runas acenderam, depois efervesceram.
Ele voltou o olhar ao Gideon. “Todos, fogo!”
O resto dos magos ativou os canhões, mas depois de alguns segundos, ficou
claro que nenhum funcionou.
‘Gideon, seu génio louco!’ Não pude deixar de sorrir, pensando que meu
mentor de alguma forma desativou os canhões de sal de fogo para impedi-los
de serem usados.
‘Não é de admirar que ele parecesse tão calmo’ pensei com culpa, percebendo
que minha raiva contra ele fora infundada.
Brone deve ter chegado à mesma conclusão. O instilador tirou uma longa faca
de prata da bota e apontou para o artífice. “Acorrentem aquele homem
enquanto eu descubro o que ele…”
Os gritos cessaram. Vários corpos foram espalhados pelo campo, mas não
tantos quanto deveria. Outros, os soldados que não faziam parte dos pelotões
de tiro, corriam para verificar os corpos.
Brone lutava para se levantar. A fumaça subia em pequenas linhas finas de seu
uniforme, e o sangue escorria de sua orelha. Seus olhos rodavam a cena
descontroladamente, e quando se fixaram em Gideon, ele mostrou os dentes
e começou a marchar à sua direção, passando por um soldado sem adornos.
Ele virou e bateu na minha barriga, e quando mão dele me deixou, estava
coberta de sangue. Demorou muito para perceber que era o meu sangue,
pingando da adaga de prata.
Ele me deu seu sorriso sarcástico característico, depois retomou sua marcha
em direção a Gideon.
O velho inventor olhava para mim. ‘Ele fica tão estranho tentando levantar as
sobrancelhas, já que não tem nenhuma.’ Ri, não pude evitar. Tudo de repente
pareceu tão engraçado.
“Oleander” disse quando o alacryano se aproximou dele. “Eu sei que pedi,
muito especificamente, que a minha assistente não fosse prejudicada. Era uma
parte essencial do nosso acordo.”
Brone parou, a adaga apontada ao coração do meu mestre. “Seu filho da puta”
sibilou. “Ela está morta, e você vai pro mesmo lugar que ela.”
“Acho que não, Oleander.” Uma rajada repentina de vento soprou ao nosso
redor, fazendo as suas vestes baterem dramaticamente. “Receio que, com base
nos termos de serviço, nosso contrato agora é nulo e sem efeito, e nossas
buscas mútuas estão encerradas.”
Sem esperar por uma resposta, tirou algo do bolso interno das vestes e
apontou para o alacryano. O dispositivo soltou um estrondo alto e uma nuvem
de fumaça negra, fazendo ele cair para trás, um buraco de fumaça no peito.
Os homens gritaram à nossa volta. A fumaça do sal de fogo fez meus olhos
arderem. Um zumbido agudo nos ouvidos surgiu junto de uma onda de frio do
ferimento no meu estômago.
Gideon passou pelo corpo sem olhar para ele e se ajoelhou ao meu lado me
inspecionando, parecendo preocupado. “Bem, senhorita Watsken, este é o fim
glorioso que imaginou para nós?”
Capítulo 18
Chances na Balança
JASMINE FLAMESWORTH
Pela maneira que as forças alacryanas congelaram, era fácil adivinhar que não
pretendiam aquilo.
Pude ouvir ordens no ar, pedidos de ajuda e gritos doloridos além da nuvem
de fumaça e poeira, porém não tinha uma linha clara de visão do resto da força
deles. Ainda havia cinquenta soldados treinados lá atrás, talvez mais.
“Jarrod, envie a nuvem direto para eles” falei antes de sair do caminho.
Ele ergueu as duas mãos, já girando com mana de atributo vento, e fechou os
olhos, concentrado no feitiço. Sentia a mana ao redor, um vendaval crescendo
entre os braços estendidos. Enfim, o liberou, enviando uma parede de vento à
crescente fumaça e poeira.
O vendaval levou a nuvem obscura para longe de nós, de volta aos rostos dos
alacryanos restantes. Eu já estava sobrevoando as crateras antes que
soubessem que eu estava chegando. Gritos soaram por toda parte e vários
escudos mágicos surgiram.
Aterrissei no meio de quatro soldados não magos que estavam abaixados para
verificar os pegos pela explosão. Um gritou, e todos correram em minha
direção, as espadas e lanças para cima. Desviei de um golpe de lança usando
uma adaga e fui para longe do alcance de uma espada. Uma segunda foi
segurada pela camada de mana agarrada a mim antes que minha lâmina
entrasse nas suas costelas, perfurando as juntas de corrente da armadura.
Embora fosse difícil ver algo específico girando ali de cima, minha atenção foi
atraída por um rosto familiar.
‘Gideon!’
Conheci o velho inventor algumas vezes ao longo dos anos, mas o que ele fazia
no meio do ataque a Greengate?
Quando caí de volta no chão entre os meus três atacantes, o vento afastou as
armas deles e as adagas os cortaram que nem foices debulhando trigo. Um
momento depois, um estrondo forte brotou nas proximidades, como a
explosão de um fogo de artifício, mas não tive tempo de me perguntar o que
foi.
O resto estava se juntando. Pelo que pude ver, sobravam apenas alguns magos
ao lado dos defensores. Todos os outros soldados não eram magos e se
retiraram para se esconder atrás de uma parede de escudos de mana.
Outro raio verde disparou contra mim, mas o evitei sem dificuldades e esperei
que meus aliados me alcançassem. O conjurador era uma mulher de olhos
escuros com um rosto amedrontado e nervoso, e ao lado dela, outra,
facilmente com dois metros de altura, envolta em uma armadura congelada.
Ela bateu as luvas de gelo e rosnou quando nos encaramos.
“Precisava ir tão rápido?” Camellia perguntou logo atrás de mim. “Estas árvores
são meio lentas.”
Camellia apontou para as linhas inimigas e gritou: “fogo!”, e maçãs voaram dos
ramos, estourando nos escudos de mana tipo pequenas bombas.
As adagas voaram, envoltas em vento. A primeira foi desviada por uma barreira
de ar rodopiante que a fez voar para longe, mas a outra cortou a parte de trás
do pescoço de um soldado antes de voltar a mim.
A adaga lascou o gelo, mas não a feriu. Para piorar as coisas, o gelo condensou-
se ao redor da lâmina, prendendo-a lá e me forçando a soltá-la para que
minha mão não fosse pega.
Vacilei quando um raio vermelho me acertou. Sem olhar, joguei uma rajada de
vento na direção do conjurador.
À minha esquerda, a maga de manoplas soltou outro grito quando uma lança
a perfurou. No mesmo momento, um tridente foi arremessado e bateu
desajeitadamente no peito da atacante, derrubando-a. O rosto de Jarrod se
contorceu de fúria enquanto lançava feitiços atrás de feitiços, tentando chegar
perto o suficiente para puxar a garota a um lugar seguro.
Pelo canto do olho, vi Camellia. Seu olhar lacrimejante seguiu a jovem, que
tropeçou na terra, as mãos agarrando em vão a ferida bombeando sangue para
o chão.
Com a ameaça dos conjuradores ainda nas minhas costas e os soldados não
magos pressionando os aldeões e estudantes, não pude esperar para que ele
viesse até mim. Saltando, fintei para a esquerda e depois cortei para a direita.
Como esperava, sua arma foi à minha esquerda. Condensei ar sob o meu pé
para me empurrar antes de me envolver num ciclone de vento, como já fizera
antes.
Uma pulsação irradiou pelo meu corpo quando meu ombro bateu em sua
armadura pesada, mas a explosão do ciclone o fez ser jogado. Ao mesmo
tempo, uma das árvores se inclinou e caiu sobre um defensor gigante,
esmagando-o.
Mais dois raios verdes vieram até mim, mas me esquivei e me joguei no
alacryano trêmulo. Uma parede grossa de vento surgiu entre nós. Lancei um
olhar ao defensor, porém uma segunda parede surgiu, me impedindo de
avançar nessa direção também.
Cobrindo meu corpo com minha própria mana de vento, a manipulei para
empurrar a barreira protetora a fim de atravessar, meu feitiço neutralizando o
do defensor.
O conjurador, que estava juntando mana para algum feitiço mais poderoso,
gritou quando meu punho envolto de vento bateu na lateral da cabeça dela, a
derrubando.
A primeira coisa que vi foi o corpo da prefeita deitado no chão, os olhos sem
luz apontados pro céu e sangue manchando metade do rosto. Camellia recuou
para se esconder atrás de Jarrod. Seu rosto estava enlameado de suor e
sujeira, e ela estava focada na sua árvore restante, redirecionando ela para o
resto dos defensores.
Jarrod estava focado nos aldeões. Talvez tomando alguma inspiração do nosso
inimigo, usou feitiços de vento como escudo para manter os atacantes
desequilibrados e bloqueá-los, permitindo que os agricultores revidassem.
Dardos de fogo saíam das mãos de outro aluno de Xyrus, girando em torno das
barreiras mágicas que continuavam aparecendo e atacando soldados que nem
flechas.
Os defensores lutavam para lidar com a árvore viva, sem nenhum ataque eficaz
contra ela. De dentro aglomerado de estudante, Camellia a dirigiu para
balançar os galhos e pisar com as raízes, derrubando e esmagando os
defensores inimigos.
Notei que Gideon se agachou sobre uma forma inclinada perto dos carrinhos,
porém os gritos ao sul chamaram minha atenção de volta aos magos em fuga.
A terra rachou sob os pés deles, os fazendo tropeçar e cair, e uma saraiva de
flechas e feitiços caiu acima.
Forcei uma expressão neutra no meu rosto quando cheguei aos meus velhos
companheiros. Erguendo uma sobrancelha, olhei para Angela. “Quem convidou
vocês para a minha festa?”
“Não, claro que não” disse Durden, parecendo surpreso e um pouco chateado.
“Nós…”
“Ela está enrolando vocês.” Helen falou naquele tom de mãe resignada que eu
conhecia tão bem.
“Venha aqui.” Acenei. Ela acelerou o passo, parando com a cabeça apoiada no
meu braço. A agarrei de leve pelo queixo e levei o rosto para cima para que
olhasse nos meus olhos. “Está bem?”
A menina assentiu, mas pude ver seu lábio começar a tremer. Enrolei o meu
braço em volta do ombro dela. “Camellia, estes são os Chifres Gêmeos. Pessoal,
esta é a Camellia. Bem, eu estava tentando levar ela até vocês.”
Helen me deu uma tapinha no ombro avaliando por cima a elfa. “Foi muito
corajosa. Você me lembra alguém, sabia?”
Dei um sorriso irônico. “Pensei que queria ficar aqui e ser delegada ou coisa
do tipo.”
“Claro que virá conosco” Olhou para mim. “Não será mais seguro aqui. E quem
sabe, talvez, alguns da sua família estejam à sua espera no…” Parou, as
palavras morrendo quando franziu a testa.
Algo estava acontecendo com a mana, algo que nunca senti antes. Pude dizer
pelos rostos que os outros também perceberam, como se a pressão
aumentasse no ar antes de uma tempestade. Os pelos do meu pescoço
arrepiaram.
Capítulo 19
De Longe
Emily Watsken
“Vamos, Watsken. Temos que te levar a um curandeiro. Para cima, para cima!”
“Vocês todos!” gritou. Havia um grupo de jovens da minha idade por perto.
“Algum de vocês é emissor?” Quando o grupo nos olhou com cautela, estalou
a língua. “Hein?!”
“Não, senhor.” Quem falou foi um rapaz loiro magro. Parecia familiar, mas tive
dificuldade em focar no seu rosto. “Mas há um farmacêutico e curandeiro na
cidade, assumindo que ele não fugiu. Nós também temos feridos, podemos
mostrar o…”
O menino parou, e o olhar dele passou por nós. Gideon virou para olhar, me
arrastando com ele.
Lilia Helstea
O céu estava tão claro que conseguia ver todo o caminho para as Grandes
Montanhas e as Clareiras das Bestas e Elenoir além delas. A pequena cidade
de Greengate não era visível a essa distância, mas sabia que estava lá fora,
escondida na base dos sopés ao sul, cercada por campos.
Jarrod, Clara, Cleo, os Havenhursts e vários dos outros que ajudei a escapar da
Academia Xyrus estariam lá, seguros. Saber disso me dava calor e esperança,
orgulho e medo, felicidade e paixão juntos.
A professora Glory disse que seria preciso todos para ganhar a luta. Ninguém
podia ficar de fora. Todos nós tínhamos que estar preparados para fazer
sacrifícios. Seria difícil, mas se cada homem, mulher e criança revidasse,
poderíamos retomar o nosso continente e salvar o nosso povo.
‘Branco?’
Atrás do cume irregular da montanha, parecia que a cor foi drenada do céu
sobre Elenoir, e nuvens de fumaça e poeira podiam ser vistas acima de Elshire,
mesmo de Xyrus.
Houve um vislumbre de luz roxa, e observei com horror crescente enquanto
uma onda de destruição crescia para fora, envolvendo lentamente Elenoir
antes de surgir uma grande nuvem negra.
Mica Earthborn
Flutuei sobre as Clareiras das Bestas, olhando para o norte. Algo na terra élfica
liberava enormes quantidades de mana. Não podia ver mesmo com a visão
melhorada, mas sentia.
A sensação foi tão avassaladora que nem notei Aya voar para pairar ao meu
lado até que ela falou. “O que é isso?”
Ela de repente ofegou e pressionou a mão contra o peito. Caiu vários metros,
então corri para baixo e envolvi meu braço em torno dela, a impedindo de
mergulhar na floresta.
Daí, senti: uma explosão de mana tão intensa fez meu coração pular uma
batida. Segurando a Lança, só pude assistir uma nuvem negra começar a
encher o céu branco. Uma parede de força e fogo corria através da floresta em
nossa direção, consumindo tudo no caminho.
Capítulo 20
Tudo Mudou
Jasmine Flamesworth
Observar o céu distante ficar branco teria sido ameaçador mesmo sem a
pressão. Quando ficou rosa, puxei Camellia para o meu lado, certa de que algo
estava prestes a acontecer. Nuvens negras rolaram sobre a distante montanha,
então o chão começou a tremer sob meus pés.
Ela engasgou e pressionou o rosto contra mim, seu corpo magro tremendo
quando uma parede de mana nos atingiu. A força pura era forte o suficiente
para tirar o fôlego dos pulmões. Tudo o que podia fazer era segurá-la contra
mim e assistir.
Todos sabiam que não havia como fugir do que quer que fosse.
As perguntas surgiram na minha cabeça, indo e vindo muito rápido para que
tentasse respondê-las. Meus pensamentos se acomodaram em um zumbido
aborrecido, e de repente queria apenas sentar em algum lugar e tomar uma
bebida forte.
‘Não.’
O que quer que esse ataque significasse, quem quer que o tenha iniciado,
apesar de todas as perguntas, sabia uma coisa com certeza: tudo mudou. Não
podia imaginar nada sobrevivendo a uma explosão tão avassaladora de
energia, e se tivesse vindo de Elenoir que nem imaginei, então era possível que
toda a terra dos elfos tivesse acabado de ser varrida de Dicathen.
Helen estava ao meu lado, a mão acariciando o meu cabelo. Não me lembrava
da última vez que alguém fez isso.
O vento soprou para o que pareciam horas, porém só poderia ter sido alguns
minutos. Não lutamos contra, não fugimos, apenas… ficamos lá — juntos —
experimentando, entendendo que tinha que haver um fim. Não tinha ideia de
como estava o mundo do outro lado deste momento, entretanto, e com a ideia
que sentia, agora havia outra coisa.
Medo.
Isso era o que não entendi quando Helen e os Chifres Gêmeos foram lutar.
Parecia que o mundo já acabara quando perdemos a guerra, mas na verdade
só tinha acabado para os mortos.