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Universidade de Caxias do Sul (UCS)

Especialização em Literatura Infantil e Juvenil


Mediação cultural: a contação de histórias
Professor Roger Castro

Juliana Gomes Gregolin

DAS RAÍZES DO BAOBÁ:


CONTAR HISTÓRIAS PARA VIVER
N(O) MUNDO

São Paulo - SP
Maio de 2023
“Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho;
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios - e
1 esticador de horizontes.”
Manoel de Barros

Ei, leitor, tudo bem? Está confortável? As letras estão em um tamanho


bacana? Meu nome é Juliana e quero te convidar para conversarmos um pouco
sobre contação de histórias. Para isso, peço que volte e releia a epígrafe ali em
cima. O eu-poético fala de alguns instrumentos que utiliza para realizar o seu
trabalho: instrumentos naturais, simples e, se você acreditar, mágicos. E o que não é
um contador de histórias do que um grande espalhador de amanheceres e um
grande esticador de horizontes para os seus ouvintes? E é assim, com muito
respeito, que peço licença para tentar contar uma história que represente um
pouquinho o aprendizado que tive sobre esse ato de contar uma história a alguém.
Você se lembra a primeira vez que ouviu uma história? Como ela era? Eu me
lembro muito das histórias que minha mãe contava de sua infância, no sertão
Pernambucano. Quais sentimentos essa lembrança desperta em você? Em mim, dá
um quentinho no coração e uma saudade de momentos mais próximos com ela…
Histórias carregam potências dentro de si. Potências que geram emoções
dentro de nós. Em histórias contadas, multiplique essa potência vezes mil. Estou
falando sério. É quase uma experiência sinestésica: o ouvir, o ver, o acompanhar, o
divagar… Em uma contação, estabelecemos uma relação com aquele que nos
conta. Há um elo, um laço criado. E é por reconhecer a importância desse ato que
queria conversar com você hoje.
Você já parou para pensar sobre quem contou a primeira história? Sobre o
que será que ela era? Por que será que ela foi contada? Para saber um pouco mais
sobre esse “início de tudo”, busquei algumas referências teóricas. Em alguns
momentos, a partir de agora, vou precisar falar um pouco de “abeenetês”, sabe o
que é? Isso! É aquela língua usada em textos teóricos que deixa a gente um pouco
mais sério e chique. Mas prometo que falo devagarzinho, ok?
Vamos lá! Follador (2011), (Simone para os amigos dela), conta que
provavelmente essa necessidade de se contar histórias nasceu junto com a
necessidade do homem de se comunicar. Vocês já viram pinturas rupestres? Essa
daqui foi encontrada no Brasil, na Serra da Capivara, no estado do Piauí:

O que será que os homens de antigamente queriam comunicar com esses


desenhos? Por que eles eram registrados? Dá até para imaginar uma história em
nossa cabeça de como foi esse dia, não? Campbell (1990), que aparece como
referência nos textos de Follador (2011), (espero que essas referências todas não te
deem sono, leitor! Fique comigo! Mas é sempre importante dar crédito a todas as
ideias que não são nossas, não é mesmo?), explicou que nossos ancestrais
contavam histórias sobre o seu cotidiano - olhe os animais de caça na imagem!
Dessa forma, como também dizia Campbell (1990), podemos perceber que as
narrativas orais estão intimamente ligadas à própria origem do homem.
Você não acha bonito pensar que a origem do contar uma história está
intimamente ligada com a origem do próprio homem? Eu acho demais. Além das
coisas do dia a dia, o homem foi começando a sentir necessidade de buscar
explicações para fenômenos naturais, como a morte. Assim, Campbell (1990) conta
que os mitos e ritos fizeram a nossa espécie constituir-se humana. Somente nós
contamos histórias. Agora, vou fazer uma citação. Imagine a voz de Campbell
falando entre essas duas aspas: “O que era inexplicável aos olhos humanos, era
possibilitado através das narrativas, das metáforas, dos mitos ancestrais que
habitam até hoje nosso imaginário [...] Todos nós precisamos contar nossa história,
compreender nossa história”.
Há, então, um papel fundamental em contar nossas histórias para
constituirmo-nos como humanos, não acham? As histórias nos ligam aos outros, nos
fazem “intercambiar experiências”, como Walter Benjamin (1994), também citado por
Follador (2011), dizia. O tempo foi passando e os contadores de histórias foram
ganhando grande notoriedade e respeito nos mais diversos povos. Na Grécia antiga,
os rapsodos tinham muitas histórias que explicavam fenômenos da natureza. Até
hoje sabemos muitos mitos gregos, não? E, o que eu mais gostei de conhecer, foi a
história dos griots: sábios contadores de histórias africanos, que, quando morriam,
eram enterrados embaixo de baobás (olha alguns aqui embaixo, que majestosos!),
para que suas histórias nunca deixassem de se espalhar. Quem contou isso foi
Gonçalves (2009) e também encontrei no texto de Follador (2011). Emocionante,
não é mesmo?

Antônio Cândido (ou Candinho, para mim e meus amigos da faculdade de


Letras, pois amávamos os seus textos) disse em 1988, em seu famoso ensaio
intitulado “O direito à literatura”, que narrar e fabular são necessidades humanas
fundamentais. Com essa inspiração, avanço um pouco mais minha narrativa para o
ato de narrar e os contadores de histórias.
Farias (2011), (Carlos para os íntimos), nos contou que “narrar uma história é
um modo de estruturar o mundo em função das nossas ações individuais”. Essa
estrutura demanda reorganização das nossas ideias, memórias, implica
subjetividade e afetos. Dessa forma, para o autor, aquele que conta uma história
estabelece um “elo entre o passado e o presente, o real e o imaginado, o possível e
o impossível, a razão e a imaginação”.
Farias (2011), conta ainda que ao contarmos e ouvirmos histórias
alimentamos duas importantes características dos seres humanos, que são a
imaginação criativa e a oratória. As histórias que ouvimos e vamos guardando,
acumulando, nos enchem de repertório para lidarmos com diversas situações da
vida, complementa o autor.
Costa (2012), (Marta para os íntimos), explica que o contador de histórias
possui duas qualidades: a capacidade de narrar e representar, com a voz, olhar e
gestos, as mais diversas narrativas. Como estão presentes em todas as sociedades,
a autora diz, que hoje, os contadores representam “uma espécie de crônica viva das
histórias dos mais diferentes povos”. Muita responsabilidade e honra, não é mesmo?
O grupo Morandubetá, trazido por Costa (2012) em seu texto, traz uma
definição que achei bem bonita do que é um contador:

O contador de histórias é um todo orgânico que se


expressa através da voz, do corpo, das
expressões faciais, como resultado de um
estímulo que tem sua raiz no texto contado, mas,
previamente elaborado em termos de imagens,
ritmo, movimentos, memória, emoções, silêncio e
treinamento.

O contador de histórias carrega uma sinestesia em seu ato de narrar que


mexe com ele, com o público e com tudo ao redor. E, todo esse movimento, gera
uma sensação única: afinidade entre contador e ouvinte. Quando o contador inicia
sua história com “Era uma vez” ou “Num lugar muito distante” convida o leitor a
participar da história, afinal, quem nunca se perdeu em um era uma vez ou num
lugar muito distante alguma vez na vida? Costa conta que, assim, os dois
participantes estarão engajados em uma troca de saberes muito enriquecedora.
Para deixarmos Costa (2012) descansar (chamamos muito ela aqui nessa
parte, não é mesmo?), acho importante contar que ela disse que o contador precisa
passar por três procedimentos indispensáveis para uma boa contação (aqui vai a
voz dela!): “o conhecimento de um bom repertório de narrativas de alta qualidade, o
conhecimento da natureza da ação de contar história e o conhecimento dos
ouvintes, do público.”
Vasconcelos (2017), (esse é o meu professor, leitor, fique atento agora,
hein?), cita Tahan (1966) e nos explica que ao contarmos uma história não
precisamos decorá-la, mas sim estarmos seguros sobre ela. Os alunos que liam
trabalhos decorados na escola e na faculdade pareciam fazer o tempo parar,
lembram-se disso? Não que eu fosse super habilidosa em apresentações, mas
parecia que se tentássemos contar e não “falar decorado”, o trabalho fluia melhor.
Vasconcelos (2017), a partir do estudo de Sisto (2012), conta também como é
importante o contador “perceber quais elementos estão em jogo, como manipulá-lo
se fazê-los de forma harmônica e plástica – isso já é fazer arte. E se a obra atingir
os sentidos do público para quem ela se dirige, ela será reconhecida.” Gostaram da
voz do meu professor? Olha como voltamos aqui para a importância da conexão, da
interação e da necessidade da construção de sentidos e elos entre contador e
ouvinte. Se isso não é um trabalho focado na amorosidade e no estabelecimento de
uma relação significativa, eu não sei o que mais poderia ser.
Puxa, leitor, percebi agora que falei mais do que eu deveria e extrapolei o
número de páginas previsto… não foi fácil falar sobre a origem do ato de narrar,
suas características e sobre o contador de histórias em um trabalho só. Ufa! Eu sei
que muita coisa ainda poderia ser acrescentada, mas temos que também saber a
hora de encerrar. Agradeço a companhia por essas 5 páginas e meia e deixo você
com duas imagens potentes: essas são obras de Anna Teresa Barboza, que borda
imagens que extrapolam os limites do quadro. Assim como as raízes do baobá e as
vozes dos contadores. Até a próxima!
Referências bibliográficas

COSTA, Marta Morais. Literatura, Leitura e Aprendizagem. 2. ed. - Curitiba, PR:


IESDE Brasil S.A. , 2009.

FARIAS, Carlos Aldemir. Contar histórias é alimentar a humanidade da


humanidade In: CONTADORES DE HISTÓRIAS: UM EXERCÍCIO MUITAS VOZES.
Organização Benita Prieto. - Rio de Janeiro: s. ed, 2011. 240p. Ebook.

FOLLADOR, Simone Fátima Halabura. Do sabor de contar histórias ao saber


sobre a história para o ouvinte: estudo sobre a contribuição da contação de
histórias ao desenvolvimento do pensamento na criança. Dissertação
(mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Faculdade de Educação.
Programa de Pós-Graduação em Educação, 2011, Porto Alegre.

VASCONCELOS, R.A. de C. Contação de histórias na perspectiva de


professoras contadoras: possibilidades de atuação. 2017. 106 f. Dissertação
(Mestrado) – Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em
Educação, 2017.

Imagens:
Pintura rupestre: Serra da Capivara e o sítio de pinturas rupestres mais importante
das Américas - Terra Adentro. Acesso em 06/05/2023.

Baobá: Conheça a história e as principais curiosidades sobre a Baobá


(giulianaflores.com.br). Acesso em 06/05/2023.

Obras de Anna Tereza Barboza: INSPIRATION STATION : Anna Teresa Barboza |


This Side of The Moon (yoursideofthemoon.blogspot.com). Acesso em 06/05/2023.

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