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Ode a alteridade

Poesia

Sammis Reachers
“Ó canção traspassada
Em que os punhais cintilam”
Pierre Emmanuel
INDICE
1. De Rerum Natura
2. Heavy Arms Inside
3. Heródoto
4. Moinhos e Mandalas
5. Hieronymus Bosch
6. Do Serviço Secreto da República de Macondo
7. Classificados
8. Intermezzo em Pedro Juan Caballero
9. David
10. A Declaração de Amor
11. Um Postal de Esparta
12. Da Súmula Geral de Todas as Dores Criadas ou
Sentidas
13. Os braços do PAI

Uma explic(it)ação sobre o texto


Autor

Textos, fotos e edição: Sammis Reachers


São Gonçalo, Dez/2011 e Jan/ 2012
1. De Rerum Natura
“Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.”
Jorge Luis Borges, Elogio da Sombra

Em teu toque a toxina


mata miosótis que eu germinava

em meu #peito

demais disto, Tabitha,


há flores em Samarcanda
que nunca colheremos;

há um funeral de três dias


no grande estado de Madhya Pradesh
que é e não é o meu.
2. Heavy Arms Inside
“Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Ainda não bordaram com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.”
Baudelaire, As Flores do Mal

Em mais uma incursão,


estamos desta feita em Massa-Carrara, na alta Toscana
você veste o Versace mais bonito deste mundo cão
ao menor sinal de que nosso engodo,
nosso melhor engodo
foi desbaratado
você deita as rosas para o ar
e saca disparando
suas duas MP5
as armas mais bonitas deste mundo cão
enquanto meu coração enferrujado
ainda troca as marchas

não posso mais acompanhar teu ritmo, Tabitha


minha velha 1911 eu sepultei a muitos dias no Gólgota
e enquanto você solapa tudo ao nosso redor
com seus tiros intermitentes
eu tateio na mala o velho florete
que compramos em Marselha,
minha única arma possível

que pequena fortuna Ossian lhe prometeu


para que você abandonasse tudo para
me escoltar, Pânica Cinderela?
E agora, baleado para sempre
por teus olhos (f)rios,
quem me sarará este cancro?
3. Heródoto
“Agora, por teu prol, eu tenho o intento
De levar-te comigo; ir-te-ei guiando
Pela estância do eterno sofrimento...”
Dante Alighieri, A Divina Comédia

Uma semi-deusa Æsir


no banheiro masculino
de um sujo aeroporto
venezuelano, bolivariano
em busca de uma porcaria de um pen-drive,
de um reles etéreo conjunto codificado de bytes
ou de seis anos de dura pesquisa
e da codificação genética de uma planta sintética
que seja por completo Erythroxylum coca,
uma planta que a um tempo construa e destrua
plantações de coca

pensei que aquele era


o ato último
de minha ópera-bufa
e cheguei a estar melancolicamente feliz
por ser executado por alguém tão inesperadamente
bonita
uma música dos Chili Peppers
começou a tocar em continuous play em minha mente
maldita música de que não alcanço me livrar,
que toca em momentos de fluição, langor e entrega
quando minhas defesas e firewalls cristãos titubeiam,
langor a me lembrar do surf, de afogar-me
nos cabelos de Ísis e outras insídias
pensei em meu Salvador

mas ainda havia alguns lances


de rolar de dados,
algumas partidas
mais

a forma como você entrou naquele banheiro imundo


a forma
como tocou minha fronte com o aço frio
daquela arma

sou só um técnico,
eu disse, só um cientista
abaixe o teu aguilhão

você revistando minha bolsa


como um reles agente de segurança

eu ia citando e comentando cada item


extirpado, falando como que
para mim mesmo, enervado

revistas inglesas de jardinagem


um livro da Embrapa sobre frutas amazônicas
o velho Motorola que comprei
com o dinheiro de freela para aquela revista
a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen
minha única maneira de levar o Oceano
por onde quer que eu vá
um livro do Charlie Chan jamais lido
um Novo Testamento dos Gideões em francês
(ganho em qual hospital hotel ou cadeia da Guiana?)
20 mil pesos colombianos,
duas facas Tantô
(seus olhos semicerraram-se ao vê-las,
ampliaram sua azulescência,
como um sol que num repente
entra em modo supernova
pois um cavalheiro não carrega este tipo de faca
seus olhos dizem,
nem cientistas)

e ali, naquele cubículo, aquela bolha


prenhe da mais álacre tensão
ali amei seus olhos
pela vez primeira
4.Moinhos e Mandalas
“Criado fui Shiva, o destruidor,
Que mundos despedaça.”
Bhagavad Gita

Metano tântrica Kundalini


5.Hieronymus Bosch
“Não anda ninguém na estrada
só o sol
não se esconde
daquela que sonâmbula vai só
no pó silencioso”
J.T.Parreira, Samaritana

Incandesça teu toque, Tabitha;


erija
fulminação

olhando do lado de fora da vitrine


não me era possível captar, interceptar som algum;
mas tua navalha, ao cortar
(Pandora, Pandora, abre-te sésamo)
e mutilar todos aqueles homens,
parecia um farfalhar
ressonando
sim, sei que é estranho,
mas eu ouvia claramente um farfalhar crescente
como de árvores numa mata
assoprada a um só tempo
por Eurus, Nótus, Zéfiro e Bóreas
os quatro disléxicos braços
da ébria rosa dos ventos

será a morte um farfalhar,


árvores que sorriem?
6.Do Serviço Secreto da República de
Macondo
“O PODER:
Pois acorrenta agora o outro, de tal sorte que ele
sinta, embora engenhoso, que é inferior a Júpiter.”
Ésquilo, Prometeu Acorrentado

Está no memorando. Não. Perdão, não senhor! Me desculpe,


senhor! Vou resumir para o senhor.
Senhor, ao que parece ele criou uma variedade
geneticamente modificada da Erythroxylum coca,
variedade esta alegadamente mais produtiva e de
crescimento mais rápido que as usuais. O diferencial é que
esta pode ser morta utilizando-se o herbicida chamado...
espere um instante senhor... Roundup Ultra da Monsanto.
Ele efetuou alterações também na fórmula do próprio
herbicida, de forma que o mesmo, quando aplicado,
alegadamente matará APENAS os pés de coca transgênica,
deixando incólume todo outro espécime da flora.
Não senhor, ele não obteve licença da Monsanto.
Sim, o DEA está a par de todo o projeto, mas ele não confia
no DEA. Eles nos contataram a dez dias, em busca de
informações. Pareciam bastante ansiosos.
Não sei, senhor.
Não sei, senhor.
Infelizmente não sei, senhor.
Não senhor.
Sim senhor, ele já conseguiu obter alguns quilos de
sementes da planta modificada. A estação em Mato Grosso
foi destruída, senhor. Não, com certeza não fomos nós.
Infelizmente não sabemos. Também não sabemos, mas
estamos fazendo varreduras em toda a macrorregião. Tudo
leva a crer que ele se decepcionou e perdeu a confiança
também na ABIN.
Sim senhor, iremos encontrá-lo e prendê-lo.
7.Classificados
Correio de Rondônia Segunda –feira, 5-12-2011

Quatro homens “Oh, FUNERÁRIA BAKUNIN


Translado, preparação e embalsamamento
quando eu
era jovem
encontrados e
amparado
Hoje ‘stamos
de uma muito melhor muito
mortos em à mercê de
seus
barata semente mercadores
Mas há uma concorrência a

Abunã processos,
O tempo
ser desconstruída

me
Antonio Herzog sustinha, LULZSEC CONTABILIDADE
verde e Folha de pagamento, Imposto de renda e todas
Abunã - Quatro homens foram moribundo as Rotinas Contábeis
encontrados mortos a tiros na manhã de , embora
hoje no município de Abunã, no interior Tuas armas, Tabitha, são a
eu
do estado. Eles estavam em uma picape espalhafatosa
cantasse
Hillux cinza, com placa de Roraima. (única, você insiste) maneira
em minhas
Todos apresentavam perfurações de
bala. Não foram encontrados cadeias De decretar concordata à
documentos ou qualquer identificação como o nossa concorrência
com as vítimas. Próximas aos corpos e mar.” E assegurar a eficácia
dentro do veículo foram encontradas Dylan
global de nosso dumping
seis armas de fogo, sendo quatro Thomas,
pistolas, uma carabina calibre 12 e uma Fern Hill
submetralhadora Ingram. O delegado de Livraria Casa Hannah
Nova Mutum Paraná, vizinha de Abunã, Qual Escolares – Best Sellers –
assumiu o caso, e afirmou que O Banco
provavelmente o ocorrido foi algum tipo Artigos de Papelaria
Que
de acerto de contas entre criminosos. Oferece Quando criança
“Parecem ter sido atraídos para uma Sonhava em ser Jiraya ou
12 Dias
armadilha. Mas a polícia trabalha com Heitor
(Sim!)
todas as possibilidades.”
12 dias (pois havia no armário de meu
Moradores das casas próximas ao local,
De Desconto pai
e que não quiseram se identificar,
No Cheque
afirmaram que por volta das 18 horas da Uma Ilíada em prosa das
Especial ?
segunda-feira ouviram dezenas de Edições de Ouro)
Vaticann
disparos, vindos da localidade Eu era um garoto gauche
Bank
conhecida como Cachoeira das Almas.
Abrindo Com um coração deslocado e
Moradores antigos relataram à
As Portas um sonho e um plano para
reportagem que a comunidade é uma
Para Seus tentá-lo
localidade tranquila, e nunca viram um
Sonhos
tipo de crime assim no município. Hoje o sangue de três
Voarem
Abunã é investigada pela Polícia continentes
Federal como uma das prováveis rotas
de escoamento da cocaína peruana para
a região Sudeste do país.
VB Banha o pó de meus pés
O culto naquela igreja em
Boca do Acre, Senhor
QUER VENDER?QUER COMPRAR? Anuncie Naquele culto me avisaste
no Correio de Rondônia: (69) 9999-6666 Mas eu, eu endureci
CIDADES Pág.12
8.Intermezzo em Pedro Juan Caballero
“Seja bala, relógio,
Ou a lâmina colérica,
É contudo uma ausência
O que esse homem leva.”
João Cabral de Melo Neto, Uma Faca Só Lâmina

(Pedro Juan Caballero


O nome mais forte que posso conceber
Em língua castelhana
Pedro Juan Caballero
Algo como Diogo Cara de Cão
Da lusofonia
Se um dia eu tiver um filho
Seria estranho, mas talvez
Pedro Juan Caballero
Mas não tenho tempo, não tenho
A hipótese de um amanhã
Com que jogar
A semente que porto
É uma Carta de Belerofonte
De meu próprio punho, e pelas Moiras endossada
Retesando os punhos, punhais
À minha passagem)

...

Três de uma célula dormente do DEA,


um ruivo que não conheço
E ela
Cinco contra tantos

cápsulas caindo ao chão, sobre meus


pés, cabeza, corazón
deflagradas pétalas de bronze
de uma rosa infernal
e seu impregnante perfume de pólvora
pétalas caindo como doces atirados num dia
de Cosme e Damião,
mas quentes demais para que eu as colha
ou escolha

Oh Anti-Éden
Oh antiloqüente Anti-Éden
Eu lhe conhecia de ouvir falar,
De livros e proto-livros de filosofia
Mas hoje eu lhe vejo face a face
Enquanto esbraveja a metralha
O ápice de teu epiciclo

Então é aqui que morre Calíope,


Que tomba para trás a poesia
Estuprada e com três rombos no peito
Hoje finalmente lhe apreendi, hoje sou-lhe
Uma criança violada
Morrendo laica em seus rubros tons de cinza

cãozinhodepatasdecepadascooptadoparaastransdimensões
detemposcolapsadosdeteusatânicoespaçoontológico
perdão
Há um buraco em meu braço,
um buraco negro que delira meu poder de raciocínio
uma .50 plange uma melodia funérea
Sobre minha cabeça, a sexta sinfonia de Mahler
E executada à perfeição
Por uma Orquestra de virtuoses feita apenas de metais,
De (já aprendi-lhes os timbres) 11 diferentes calibres

Maldito sejas, Satanás

Fecho meus olhos de ti


E há um jardineiro em Nazareth, e Ele
É tudo o que me estende a mão
9. David
“E tu, sujo ainda de guerra, Orfeu,
Como o teu cavalo, sem o chicote,
Ergue a cabeça, não treme mais a terra:
Urra de amor, vence, se queres, o mundo.”
Salvatore Quasímodo, Diálogo

Por que resolveu me ajudar?


absorto em toda esta carnificina
vejo tanta paz
enquanto você dispara
vejo-a como uma pastora bucólica
tangendo nuvens e sonhos

paz
enquanto ululam os tiros
vejo uma família, Marília
de Dirceu, uma casa
silente na selva e duas crianças
uma bordada com meus cabelos
negros e olhar melancólico
outra em talho louro e duro como o sol
um esquilo e uma fragata
cristianizadas, desarmadas e felizes
a família que nunca tivemos
dois meninos que deitarão os dias a vadiar
na aldeia vizinha, pintados
ensinados e misericordiosamente
aceitos
e casar-se-ão com duas índias
na pequenina Assembléia de Deus da aldeia
e serão
todos os homens que puderem e Rousseau

vejo enquanto você dispara


10.A Declaração de Amor
“Laça-me o coração a curva de teus olhos,
Um giro de dança e doçura,
Berço noturno e firme, auréola do tempo,
E se já não sei mais o que foi minha vida
É que teus olhos não me viram no passado.”
Paul Éluard, A Curva de Teus Olhos

Teu sorriso é um oceano de céu


azul-titânio
teus lábios são a lancinante
linha que rompe
a linha do horizonte
teus olhos quasares cósmicos,
célicos oceanos de um titânico azul

Hannah Szenes, Hannah Arendt, Tabitha Hannah


Vênus de plutônio, silício e terracota
teu beijo anti-tanque
pulverizou todos os meninos que eu sou,
chakaaa-booooommmm em todos nós

tuas fotos no Tumbrl


são mais e mais tiros em meu peito nu
ave, Dominatrix!

ave, trânsfuga de Temiscira


todos os gatilhos
são tensionados em tua presença
o espectro eletromagnético freme,
baila, ascende a uma outra freqüência
no perímetro ao teu redor, ambulante
distorção a acompanhar o teu bailar
tua presença é ruído
para a Realidade
o cheiro de você, jovem holandesa
retorce o tecido do espaço-tempo,
é um câncer suculento-olfativo de luz
no negrume do continuum
assassinando-o
assassinando tudo

mescalina, amplitude, overkill


não sei que palavra usar para te referir
lua apocalíptica sobre um mar de lavandas

enterre tua kunai em meu peito tuberculoso,


ó Valkíria!, conceda-me morrer
em teus braços de ferro gusa
11.Um Postal de Esparta
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12.Da Súmula Geral de Todas as Dores
Criadas ou Sentidas
“ (Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.”
T.S.Elliot, The Waste Land

I.

Oh! Grandes e gravíssimos perigos,


Oh! Caminho de vida nunca certo,
Que aonde a gente põe a sua esperança
Tenha a vida tão pouca segurança!

Grandes brejos eu vi fermentando, ciladas


Em cuja trama um Leviatã se desfigura!
As águas desabando em plena calmaria!
Se despenhando nos abismos a lonjura!

Ai! É bem triste a carne e a ler nada me resta.


Fugir! Fugir! Eu sinto pássaros em festa
Por noutro céu viver, em diferente mar!
Nada, nenhum jardim refletido no olhar

Se bronze, pedra, terra, mar sem fim


Estão sob o jugo da mortalidade,
Como há de o belo enfrentar fúria assim
Se, como a flor, é só fragilidade?

- E um longo funeral, sem tambor e sem música,


Andando devagar, me invade o coração;
Triste, a Esperança chora, enquanto a Angústia planta
No meu crânio, cruel, seu negro pavilhão.
II.

A um vate grego certo rei severo


Vazou-lhe os olhos para não fugir.
Ó dor do mundo, eu vivo como Homero,
Aceito a provação que me surgir.

Só um bem nesta vida me resta:


De remorsos minh’alma está sã!
Vêm curar-lhe do mundo as feridas
Puras águas da crença cristã.

Vai crescendo em minha alma a fortaleza


Quanto cresce do mal a intensidade;
As portas áureas me abre a Eternidade,
E lá cessam cuidados e tristezas.

Na mão de Deus, na sua mão direita


Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma


E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.
13.Os Braços do PAI
“Quem poderá do mal aparelhado
Livrar-se sem perigo, sabiamente,
Se lá de cima a Guarda Soberana
Não acudir à fraca força humana?”
Camões, Os Lusíadas

Abandone o inútil serviço secreto


das Índias Ocidentais, esqueça
a Holanda e suas bicicletas

deixe-me emaranhar para sempre


teus pêlos suados pela umidade amazônica
navegue comigo o Purus, o Xingu e o Chandless
desconstrua comigo
cada uma de tuas armas,
Cinderela Púnica

teu pai, Ossian-O-Mundo


não precisa de nós
debandemos para dentro da Aurora

lhe falarei daquele que é a Vida,


o que abre de uma vez para sempre
a tampa de nossos túmulos já tão violados
para que possamos,
finalmente em ternos termos,
(re)começar
Uma explic(it)ação sobre o texto
Antes de ler este texto, recomendo que você leia todo o
livro, caso ainda não o tenha feito. Somente depois venha
até aqui, para que possamos ampliar o verbo.

Mais que uma narrativa poética, este é um texto


experimental. Não o digo somente pelos poemas do livro
que se valem de recursos gráficos/tipográficos. Mesmo se
você já leu todo o texto, é bem provável que não tenha
percebido algo: há, espalhados por toda a obra, dezenas e
dezenas de hiperlinks (123, para ser mais exato). Há
hiperlinks para páginas da Wikipédia e os mais diversos
sites, vídeos do Youtube, músicas para ouvir online; há
links para outros poemas meus, e textos em prosa e verso
de outros autores; há links para fotos, para páginas de redes
sociais... Alguns podem ser meramente explicativos,
denotativos, como por exemplo, uma biografia na
Wikipédia, ou a foto de determinada flor; outros, pelo
contrário, podem conotativamente confundir, divertir,
surpreender e mesmo escandalizar o leitor, mas
principalmente: ampliar as possibilidades de leitura do
texto, exercitando(-se com) os recursos que a internet
disponibiliza, agregando para a experiência de
(hiper)leitura um mix de citações clássicas e cult/pop, ora
somando, ora propositadamente quebrando (ampliando) o
entendimento do texto; alando interativamente a polissemia,
expandindo as possibilidades semânticas, sensoriais,
significantes, enfim, poiéticas do poema.
Mas a proposta de interatividade vai além do simples
acesso a sites como recursos estáticos ‘externos’, ou de
terceiros, ao texto: há dois capítulos extras ou ‘secretos’ do
livro (como nas fases bônus em um jogo de videogame?), que
só podem ser acessados online, e dependem da interação do
leitor, através sua participação em dois pequeninos jogos
interativos. Para acessar o primeiro poema, há um link num
dos textos do livro que leva a uma determinada pergunta,
cuja resposta correta leva o leitor a acessar o texto referido.
Para o segundo poema, o processo é idêntico (clicar sobre
um link do texto e ser remetido a uma página onde há um
jogo), mas aqui é preciso encontrar (e clicar sobre) a resposta
correta a uma pergunta predeterminada em um caça-
palavras. Em ambos os casos, cliques sobre respostas
erradas levam a páginas vazias ou aleatórias. (A ideia era
preservar a dificuldade como elemento, mas para facilitar o
leitor mais afoito, informo que os hiperlinks para os dois
jogos encontram-se inseridos em algum lugar dos textos dos
poemas 11-Um Postal de Esparta, e 12-Da Súmula Geral...).

Ainda sobre os hiperlinks, a grande maioria está sobre


palavras individuais. Há alguns sobre expressões inteiras, e
há mesmo uma palavra (miosótis) que comporta três
diferentes links em seu corpo. Geograficamente, podem estar
em todo lugar, dos títulos à última palavra de um poema.
Convido então você, caro leitor, a dedicar um pouco de seu
tempo a ler este livro com a conexão de seu computador ou
tablet com a internet ativa, para que você possa vasculhar
palavra por palavra (ou apenas aquelas que despertarem
alguma pulsão em seus dedos) deste texto. Mais que o
interesse pelos alterosos versos ou pela história, creio que a
experiência interativa com este tipo de ‘dicionário
enciclopédico’, ora prosaico, ora genioso, e os pequenos
jogos, acrescentará à sua noção de mega-leitura, de
hipertexto. E do somatório disso que restar, o pumctum
(Barthes), a singularizada percepção pessoal, o que fica, o
que impacta, isso mesmo é a poesia, a arte. Seres caídos, ser
homem é fazer poesia com o que restou (pois você também re-
cria o texto ao lê-lo e interpretá-lo).

Fora os experimentalismos (tipo)gráficos ou de hipertexto já


citados, há ainda outro ‘experimento’ enxertado no corpus
do poema, um exercício de intertextualidade ou sampling
literário, recurso já alguma vez utilizado em poesia. Trata-
se do poema em duas partes Da Súmula Geral de Todas as
Dores Criadas ou Sentidas, cujos versos são colagens de
trechos de diversos poetas, cabendo cada uma estrofe a um
mestre. Na primeira parte as estrofes correspondem
respectivamente a: Luís de Camões, in Os Lusíadas; Arthur
Rimbaud, in A Embarcação Embriagada; Stephane Mallarmé, in
Brisa Marinha; William Shakespeare, in Soneto 65; Charles
Baudelaire, in Spleen. Na segunda parte, esta exclusivamente
de autores lusófonos, temos: Jorge de Lima, in Livro de
Sonetos; Laurindo Rabelo, in Flores Murchas; Leonor de Almeida
Portugal (Marquesa de Alorna), in Soneto; Antero de Quental, in
Na Mão de Deus; e Fernando Pessoa, in Padrão.

Você perceberá também que a disposição dos capítulos no


livro não obedece sempre a uma ordem cronológica dos
acontecimentos, sofrendo um embaralhamento parcial e
proposital.

Pensadas e efetuadas como parte substancial e indissociável


do corpus do poema são as fotografias (e também uma
pintura em guache) que ilustram cada capítulo. O
tratamento que as imagens receberam, de foto
desgastada/antiga, se coaduna com a fonte escolhida para
compor o corpo do texto, em estilo tipewriter (‘máquina de
escrever’), num planeamento gráfico objetivando
simbioticamente se integrar e promover
(antecipando/amplificando, e mesmo desconstruindo) os
subclimas que irrompem aqui e ali no texto, com suas
pitadas embaralhadas de noir, (pós?)romântico, romanesco,
épico, etc. Não sou fotógrafo profissional: não tenho
conhecimentos ou equipamentos de um tal, e o leitor deve
imaginar que tais imagens me deram bastante trabalho para
executar... Mas foi um processo muito prazeroso e
criativamente interessante, me possibilitando novas formas
de vivenciar o processo gerativo de um texto (de contar
uma história), maximizando mesmo a noção/percepção de
ater-me a um específico leit motiv.

Numa entrevista, Ferreira Gullar falou sobre o transe


criativo que o dominou nos poucos meses em que escrevia
seu Poema Sujo. Fui de alguma maneira dominado também
por este tipo de transe, febre malsã, em dois meses (entre
Dez/2011 e Jan/2012) virulentamente escrevendo,
pesquisando, editando, linkando, fotografando... numa
palavra, exsudando este livro em suas facetas poliândricas
(apenas o poema que abre o livro já existia).

Sempre fui um apreciador e pesquisador dos


experimentalismos das vanguardas artísticas,
principalmente as literárias. Creio que a Poesia deve,
precisa ter este caráter de inovação e mesmo de
transgressão. Gosto deveras de uma frase sucinta e genial
do pouco citado filósofo brasileiro Vilém Flusser: “A poesia
aumenta o campo do pensável.” Este exercício de aumentar o
campo do que é pensável é uma das funções mais nobres da
Poesia, e que ela pode realizar com maior sucesso e
liberdade do que a prosa, e mesmo a filosofia, por ser ela a
herdeira primogênita de todas as variações disso mesmo
que chamamos de liberdade criativa. A Poesia é a mais
afiada das artes: cabe a ela sempre a função de ponta-de-
lança, não importa se homens, escolas ou épocas lhe
destinam/destinaram função menos nobre.

Antes de minha conversão ao Evangelho, o


experimentalismo era a principal linha poética que eu
perseguia, quando editava o fanzine Cardio-Poesia, onde
praticava experimentalismos tipográficos e artesanais,
como rasuras, colagens, no que muitas vezes era quase um
‘fanzine-objeto’.

Mas Deus tinha outros e mais úteis planos para mim, e


acabei me tornando promotor e editor (e antologista) da
poesia evangélica, relegando (sem peso algum na
consciência) a minha própria produção para um segundo
ou terceiro plano.

Este texto é uma tentativa, anos e anos depois, de retomar


aquela velha veia experimental.

O texto pode, pela rudeza e estranheza (a alteridade mesma)


do discurso, espantar algum meu irmão na fé acostumado à
poesia dita cristã, devocional, embora a mensagem de
redenção (ou melhor, de redenções) seja o mote central do
poema.

De parte todo o dito experimentalismo, agora vamos ao


texto em si. Esta breve ficção poética (um poema de amor?
Um poema de ação, um pequeno épico sujo?) é um canto
hermético, mas carregado de universalidade, ao englobar
em seu discurso a solidão caracteristicamente moderna, do
estar-se-só-em-meio-à-multidão, solidão hoje estranhamente
violentada/amplificada, des/re-construída pelas onipresentes
redes sociais. Além da renitente angústia existencialista do
herói (um existencialismo cristão, diga-se de passagem),
que permanece como ruído de fundo que a tudo perpassa,
há a outra universalidade patente que é a pulsão de
violência (aqui explicitada, nua), hoje tão em voga, tão viral
em sua apropriação imagética e ideológica de nossos canais
midiáticos, dominando o cinema, a literatura, o jornal, o
próprio vocabulário das pessoas.
E ainda algo que eu chamo de pulsão de Éden, o arcano
desejo humano de fuga, fuga de alguma coisa, fuga para
algum lugar, pouco importando que o homem possa definir
ou não os pontos de saída ou chegada. E pulsão de Éden
manifesta ainda no deslumbramento do herói ao
contemplar inesperadamente o que aos seus olhos se lhe
afigura ser a mulher perfeita, a ajudadora fiel que um dia foi
criada no Jardim de Deus; mulher, o último dos seres
criados, (que é ou deveria ser) um supra-sumo da própria
arte criadora da vida. E o interligado e decorrente desejo do
mesmo pela construção de uma família e por fuga para
longe, para a paz. Pois pulsão de paz é sempre pulsão de
Éden. Uma família perfeita ao lado de uma mulher perfeita,
re-ligados a Deus num jardim de alguma forma ainda livre
das grandes serpentes, dos grandes satãs que vivem para
por tudo o que se chama homem a perder.

Um herói pós-moderno em fuga para um jardim, depois de


ter pisoteado mortalmente uma das cabeças de serpente da
hidra. Terá sucesso? Como ele mesmo diz, todas as guerras
são guerras perdidas. Por isso mesmo combatemos.

Mas quem sou eu, autor, para ler o poema por você, meu
leitor? Os autores de prosa que o façam. O poema que você
leu/lerá é sempre epicuristicamente um poema outro. Cada
texto poético é (semi-?)automaticamente reescrito pela
alteridade de quem o interpreta/confronta, de quem o lê. Se
a velha máxima de Epicuro diz que um homem não pode
banhar-se duas vezes no mesmo rio, o que se dirá de dois
homens?

Comentários e críticas são bem-vindos e desejados. Por


favor, caso sinta vontade, não deixe de escrever-me:
sammisreachers@ig.com.br

Sammis Reachers

Os poemas e as imagens, em conjunto ou separadamente,


bem como este livro inteiro, podem ser livremente
reproduzidos em qualquer mídia (sem objetivos
comerciais), sem a necessidade de prévio consentimento
do autor, desde que sejam sempre citados o autor e a
fonte, se possível com link para o download do Livro.
Autor

Sammis Reachers é poeta, antologista e blogueiro. Autor de


A Blindagem Azul e Uma Abertura na Noite (poesia);
organizador de 3 Irmãos Antologia (Gióia Júnior, Joanyr de
Oliveira e J.T.Parreira), Antologia de Poesia Cristã em
Língua Portuguesa, Águas Vivas 1 e 2 (reunindo textos de
poetas evangélicos contemporâneos), Antologia de Poesia
Missionária e Sabedoria: Breve Manual do Usuário
(antologia de frases). Todas estas obras podem ser baixadas
gratuitamente.

Mantém mais de 10 blogs, incluindo os literários Poesia


Evangélica (desde 2006), O Poema Sem Fim (pessoal),
Liricoletivo e Mar Ocidental (estes colaborativos).

Nas fontes Veteran Typewriter,


Palatino Linotype, 1942 Report.
Num dia de verão.

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