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Contos de Bahaarata

Sumário
A entidade da calamidade.....................................2

Conto 2................................................................10
A entidade da calamidade

Panátema olhou ao redor, um pouco confuso.


Onde eu estou? O toque da areia em seus pés era
agradável. Não muito distante, pouco menos de 3 ou 4
passos largos, enxergava campos de colheita tão imensos
e variados que se estendiam para além do horizonte. O
homem se moveu, sentindo o peso de suas próprias
pernas e o roncar de seu estômago perante a possibilidade
de comida.
Eu estou sonhando, não estou? – pensou
respirando o ar fundo. Há décadas e décadas que eu não
posso mais sentir a areia nos meus pés. Talvez já tenha
completado um século.
Panátema tateou o próprio corpo aproveitando a
sensação de estar sem sua armadura. Só consigo pensar
em uma explicação para isso. O homem olhou ao redor,
buscando pelos olhos negros que havia visto no passado.
- Briggite? – perguntou como que para o próprio
deserto.
Perante o silêncio da deusa, Panátema se despe
dos finos trajes que lhe impedem a liberdade total de seu
corpo e se deita aos pés de uma árvore que pareceu
subitamente aparecer em suas costas. Certo da presença
de Briggite o homem continua:
- Alguma chance de você ter vindo me libertar? –
Silêncio. – É... eu imaginei que não. Como você está? –
Silêncio.
Mesmo ansioso para finalmente conversar com
alguém, decide fechar os olhos e aceitar não apenas o
silêncio mas também a benção de um bom sonho.
Obrigado... ele pensava com os olhos fechados,
concentrado no cheiro de figos trazido pelo vento.
- Olá, Panátema.
Panátema abriu os olhos e se deparou com a
criatura que esperava. Era Briggite, a deusa Guia.
- Olá, Guia. Eu sempre me impressiono com a sua
aparência.
A pequena criatura na sua frente parecia ter cerca
de 1,40m, pele acinzentada e olhos que pareciam variar
entre completamente pretos ou completamente rubros.
Nas suas costas um par de asas roxas com quatro pontas
cresciam e permaneciam imóveis.
- Briggite, a fada...
A fada caminhou até seu lado e se sentou com a
cabeça encostada na mesma árvore.
- Como tem sido sua existência? – perguntou a
guia, admirando a beleza de seu sonho.
- Com todo o respeito, madame, você sabe a
resposta pra essa pergunta. Eu continuo no deserto. Tento
viver perto das fronteiras, onde menos caravanas passam.
Continuo preso na minha própria armadura, trazendo
tragédias para a vida daqueles que escutam a minha voz.
Continuo incapaz de morrer, beber e comer, mas
completamente capaz de sentir fome, fraqueza e sede.
Continuo... amaldiçoado.
- Hmm...
- Eu queria...- o homem olha para sua mão,
lembrando-se do passado.
- O que você queria?
- Eu queria uma chance de me redimir pelo que eu
fiz. Eu queria que isso bastasse. Eu consigo entender a
razão de vocês terem colocado essa maldição em mim,
mas...
- É nisso que você acredita então? Que nós somos
os responsáveis pela sua maldição?
A sequência de perguntas deixa Panátema
confuso, incapaz de formular uma resposta. A guia então
respira fundo, transpassando brevemente uma sensação
de impaciência.
- Você ainda não entendeu o que você é, mesmo
sabendo o que você fez.
- É um ato amargo fazer um amaldiçoado como eu
pensar em suas culpas.
- Não, Panátema. Eu faço isso por gentileza. Por
favor, me lembre.
O homem respira fundo. Eu não tenho escolha
perante essa deusa.
- Há... décadas?
- Séculos... – Briggite se apieda pelo estado
mental do homem.
- Há séculos, então, vocês, os Governantes,
proporam desenvolver uma nova cidade Ilyria na região
próxima da floresta petrificada. Eu acho que vocês
queriam tentar evitar a guerra óbvia. Aliás, a guerra ainda
existe?
- Sim, existe.
- Ainda fria?
- Cada vez menos.
- Entendo... Na minha época existiam oásis pelo
continente inteiro. Eu lembro de quando esse deserto era
belo, extremamente belo...
- Eu também...
- Eu era príncipe de Casahá na época. Minha
família ainda rege a cidade? – pergunta, curioso.
- Não.
- Ah... vocês os mataram?
Após alguns segundos de silêncio a guia responde.
- Sim.
Uma lágrima escorre do olho esquerdo do homem.
Nada a acompanha. Panátema permanece firme.
- Entendi. Eu escolhi os melhores guerreiros e
guerreiras, um bando pequeno, e marchamos para a
região, onde montei um assentamento militar. Lá nós
fizemos festas, tentamos derrubar árvores... nosso
objetivo era provocar os Lyrios. Quando eles vieram era
tarde demais. Nós invadimos a cidade de Kobold e
usamos tudo que a gente tinha.
- E no fim?
- No fim... a água já não saía mais do solo. A
benção divina da vida... foi o que nós retiramos dos
Lyrios naquele dia.
O homem permanece em silêncio por alguns
minutos.
- Eu não sei bem como nós morremos. Não
entendo bem como tanto poder foi usado contra nós. Por
isso eu acho que foram vocês. E que foram vocês que me
amaldiçoaram também.
- Nenhum de nós tocou em vocês. Não nessa
noite. Nenhum de nós criou sua maldição, Panátema.
Você é o que você é devido à essência de quem você foi.
Do que você faz parte.
O homem ri, incrédulo.
- E o que eu sou?
- Uma entidade da calamidade. Dentro da história
você se tornou parte da sua própria existência. Isso é um
feito seu, não nosso.
- E você veio até aqui para deixar bem claro que a
culpa é minha então?
- Panátema. – a fada parecia estar se irritando com
as palavras do outrora humano – Como eu me chamo?
- Briggite. – Responde, preocupado em não irritar
a divindade.
- De novo.
- Briggite, a Guia?
- Você está afogado em desespero, Panátema. Há
um homem que pode ajudá-lo. Mas para isso você precisa
da coragem para viajar.
- Viajar até...
- Bahaarata. Acorde, - a palavra ecoou como se o
próprio céu fosse capaz de gerar este efeito – e vá. Há
séculos você existe sem objetivo. Vá.

[...]

Panátema acorda assustado. Seu corpo está como


sempre. A armadura velha e quente permanecia em seu
corpo, causando-lhe extremo desconforto. Sua pele
continuava etérea, visivelmente morta e perigosa. Sua
voz, amaldiçoda. Cobre seu corpo com uma burca e segue
na direção que nunca foi. Afasta-se da costa em direção à
Cidade-Oásis Bahaarata.
Conto 2

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