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TOM ADAMZ
Copyright © 2017 por Tom Adamz
Todos os direitos reservados
— É PROIBIDA A REPRODUÇÃO —
1ª Edição/2017
“... Ela é sua remissão. E apenas ela é capaz de te levar à luz. Vocês
estão predestinados desde o princípio”.
SUMÁRIO:
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
CAPÍTULO TRINTA E SETE
CAPÍTULO TRINTA E OITO
CAPÍTULO TRINTA E NOVE
CAPÍTULO QUARENTA
SOBRE O LIVRO
BALTHAZAR
AGRADECIMENTOS
SOBRE O AUTOR
PRÓLOGO
— Não importa do que eles foram feitos. O que importa é que foram
feitos à semelhança de Deus! — bradou e, esticando uma das mãos,
materializou sua poderosa espada — a Justiça divina.
Em minha frente surgiu uma besta de três cabeças, com três pares de
chifres cada; cabeça de leão, corpo de cavalo e um par de asas. Assim que a
montei, apontei a espada em direção aos portões.
— Avante! — ordenei.
Despertei.
Então, mais uma vez arquitetei uma maneira de reinar sobre a Terra,
minha por direito. Não pude abrir os portões do inferno e trazer legiões
comigo, mas nada me impedia de passar sozinho.
•••
Você é tão sábio quanto Amon, Balthazar, mas, sem dúvidas, apenas
você sabe como me convencer de algo.
[...]
Seus cabelos ruivos tem uma coloração tão forte que seriam
facilmente confundidos com sangue. Tão clara como as asas dos altos
querubins que tocam sinfonias celestiais em adoração ao criador. Traços
delicados e infantis.
— Deus ouviu minhas orações. Estou orando por você, Lúcifer. Estou
clamando pelo seu perdão. — atingiu-me com suas palavras e seu sorriso.
Levantei-me.
— Entendo.
— Milorde.
— Balthazar! — ergui o tom de voz, fazendo-a ecoar por todo o
palácio. — Uma humana. A secretária deve ser uma humana. Não quero
caídos aqui para me bajular. — encostei as costas na cadeira e dei um longo
suspiro.
— Acha mesmo que vou enfiar meu pau em alguém que se relaciona
com humanos? — ergui minha sobrancelha direita e soltei uma risada
sarcástica. — Saia daqui antes que eu te mande para as profundezas do lago
de fogo e enxofre! — exclamei.
— Profundamente. — emendei.
Demorou mais dessa vez, mas logo a moça entrou. Era baixa, magra,
muito magra. Rosto ossudo, cabelos negros e presos religiosamente. Unhas
sem cor, sobrancelhas grossas. A mulher estava vestida com uma túnica
branca.
— Sobre a vaga...
— Você está certa, irmã. Neste palácio mora o Rei dos Demônios! —
e por instantes, fiz toda biblioteca pegar fogo.
Tomada pelo medo, ela tropeçou para trás, caindo, levando a cadeira
junto. Ainda de quatro, correu feito um animal fugindo de um predador. Se
pudesse, talvez ela gritasse, mas tomei sua voz. Pela afronta, passaria o resto
dos dias de vida como uma muda.
— Por aí não... — ele pediu, mas era tarde. Meus olhos e os dela já
haviam se cruzado e no momento em que ela me viu, se pôs de pé. — Não
quero que olhos curiosos o vejam, Milorde...
Como pode haver uma mulher tão bela entre os homens? Isso... Isso...
Isso deveria ser um crime! Sacudi a cabeça e sorri novamente.
— Sim. Quer dizer, não. — tossi e sorri sem graça. — Quer dizer...
Mais ou menos... — ela riu.
— Não.
Mentira!
Não sabe o quanto. Vou me policiar e não tentar apertar sua mão
também, Vossa Onipotência...
Quem é esse homem? De onde ele veio? Qual é o seu nome? Apenas
sei que o chamam de Milorde e que é muito rico, mas ele tem um nome.
Todas as pessoas tem nome! E qual é o mistério desse palácio? Eu estava
tomando café quando Gi, minha melhor amiga, deu a notícia de que uma
mansão surgiu em um condomínio fechado. Para os céticos é apenas um
golpe de marketing da antiga construtora e responsável pela área. Para outros,
é um mistério. O fato é que ninguém sabe dizer o que aconteceu e se isso
envolve algum problema, não quero saber. Apenas preciso de um emprego,
preciso trabalhar e me manter. Agora que saí do... Enfim, não tenho ninguém.
Assenti, um pouco sem graça. Ele está certo. Onde estou com a
cabeça? Um carro daqueles aqui...
— Vou dar uma volta. Acredito que vocês duas queiram conversar
um pouco... — Balthazar curvou-se em um gesto de educação e seguiu pelo
corredor.
— Ainda não falamos em salário, mas deve ser bom, pois aquela
mansão é um verdadeiro palácio... — apressei o passo, atravessando a
cozinha americana e entrando no quarto.
Como ele é? Parei por instantes, analisando aquele homem com uma
beleza de outro mundo. Até que me toquei que não podia demorar.
— Ele é bonito... Muito bonito. — respondi de forma evasiva.
— Só bonito?
Senti meu rosto arder. Que primeira impressão estou causando e como
diabos ele está nos ouvindo dessa distância?
— Vou sentir sua falta. Não brigue comigo. Achei que com piadas a
despedida fosse doer menos... — ela lamentou, dando um longo suspiro.
— E quem é você?
— A mão direita do Príncipe. — virou-se com um largo sorriso e
caminhou até Dona Marisa. Parou em sua frente e enfiou uma das mãos no
bolso, retirando um bolo de notas. — Espero que isso cubra as despesas da
senhorita Cinthia. O que sobrar deve ser usado para cobrir as despesas de
locação da senhorita Gi.
— Dez mil.
— O meu aluguel não era isso tudo... Era bem menos... — disse com
voz fraca, de cabeça baixa.
Ignorei aquilo.
Dei um longo suspiro e peguei uma última bagagem. Puxei sua alça e
segui meu caminho. Olhei para trás e troquei um último sorriso com minha
amiga e desci os degraus. Balthazar, provavelmente, já havia descido e nem
notamos.
[...]
— Por quê?
— Não é normal que crianças de dez anos saiam relatando por aqui
que foram salvas por demônios, muito menos pela origem do mal, Lúcifer. —
retrucou. A encarei e abaixei a cabeça. — Dois Pai Nosso e duas Ave Maria.
Entraremos em jejum de dois dias. Apenas água e pão...
— Mas mamãe...
— Comece!
— Não gosta? Achei que fosse agradar lhe tratar dessa forma...
Uma salva de palma veio deles. Exceto dela. Ela me encarava curiosa,
analisando-me cautelosamente.
Num bater de asas que fez todo o grande hall tremer e farfalhar os
candelabros, pousei em cima do arco da escada, cruzando as pernas.
Agora eles não estão mais rindo. Vejam só esses rostinhos em pânico.
Que mágico do mundo faz isso, seus vermes? Não sou um mágico, sou o Rei
dos Demônios!
Já eu tomei tamanho susto que caí para trás, descendo a escada como
uma bola, rolando.
— Você o vê nos sonhos? — perguntei espantado. — E como não
morreu? — não escondi a estranheza.
— O que é interessante?
— Ela não tem medo dele e ele não é hostil com ela...
Não! Era mais que uma pergunta, era uma transmissão. Ele insinuou
que eu a conhecia.
— Estou.
— Não era bem esse tipo de pessoa que eu esperava recrutar para a
mansão... — expus minha insatisfação.
— De que tipo está falando? Do tipo que recebe ordens e faz o que
você quer? Ah, sem dúvida ela não é assim...
— Não.
— Sobre o plano...?
Balthazar seguiu até uma das janelas do meu quarto, afinou os olhos e
observou além do portão. Através dos seus olhos vi e por seus ouvidos, ouvi.
— A primeira vitória.
Por instantes, tive a impressão de que ele sorriu com satisfação para
mim, aprovando meu questionamento. Com um impulso, bateu as asas e tudo
tremeu. O vento cortou o ar fazendo o palacete ranger como se estivesse
sendo arrancado do chão. Milorde pousou em cima do arco da escada e com
uma voz poderosa, diferente da música suave que costumeiramente saía de
sua boca, bradou:
[...]
Era sempre assim, eu falava e eles ouviam. Não era como uma
pessoa, mas era melhor do que nada.
E-E-Ele falou?
Minhas pálpebras tremularam. Ele não vai estar lá. É fruto da minha
imaginação. É fruta da minha... Ao abrir os olhos, vi que não era fruto da
minha cabeça, era real.
Remissão? Alguém que brilhou tão forte com o Sol? Do que essa...
COISA está falando?
A minha barriga estava roncando de fome. Por mais insana que fosse
a ideia, naquele momento ignorei tudo e peguei a cesta com alimentos,
saciando-me por completo.
[...]
Ao acordar, eu estava em minha cama. A minha cabeça latejava um
pouco. Por frações de segundos, juro que o vi deitado sobre as patas
dianteiras, me vigiando durante o sono.
O que há de errado comigo? Por que voltei a ver essas coisas? Tem
tanto tempo que ele não vem e agora, do nada, ele surge na minha cabeça?
— Mil perdões. Não foi minha intenção. Eu... — eu queria dizer que
fui à reunião, mas tudo parecia ser fruto da minha imaginação, nada mais.
Forcei um sorriso. — Eu tive um sonho estranho...
— Foi apenas um sonho. Por favor, se apronte. Milorde quer dar uma
volta pela capital. Vou permanecer na mansão resolvendo alguns assuntos
delicados e você irá acompanhá-lo. — informou-me, curvou a cabeça e
deixou o quarto.
O que está acontecendo aqui? Tem algo errado com esse lugar, com
essas pessoas. Aqueles dois são tão estranhos...
Ergui o queixo e enchi o peito de ar. Peguei uma bolsa de mão e segui
ao encontro do meu senhor. Ao apontar na escada, ouvi vozes na antecâmara.
Atravessei o grande hall e ao aproximar-me da porta, parei subitamente
quando o ouvi.
— Permite-me? — aproximou-se.
— S-Sim.
Apenas nós dois naquela sala. Engoli em seco. Eu sabia que seus
olhos estavam fixos em mim. Não quero olhar em seus olhos, não quero que
ele me olhe vestida assim. Dei um longo suspiro e abaixei a cabeça, enquanto
seus passos aproximavam-se pouco a pouco.
CAPÍTULO CINCO
Parei em sua frente. Com a ponta dos dedos ergui seu queixo e nos
encontramos mais uma vez. Deslizei uma de minhas mãos por sua cintura e a
puxei contra meu corpo, colando seu busto ao meu peitoral, deixando nossos
lábios próximos.
Em outra ocasião eu diria que sou irresistível, mas essa mulher, essa
humana... Também é.
Coloquei-me de pé. Sinto que estou hipnotizado e sei que ela também.
Sei que esse é o momento. Talvez eu devesse... Meus pensamentos foram
interrompidos com uma fresta de luz que nos acertou. A lua. Ah, grande e
brilhosa lua, planeta santo, tu abençoas esta união?
Suavemente tombei seu corpo para trás, segurando-a pela nuca e, com
meus dedos afagando seus cabelos, silenciei seus lábios.
Maçã. Sua boca tem o mesmo sabor do fruto proibido. Tão palpável e
saborosa; tão suave e intensa. Por segundos, nossas línguas se encontraram e
dançaram como dançávamos antes.
Então...
[...]
— Deus, sei que ele fez coisas ruins, sei que dizem que ele é mal, mas
o perdoe. Ele é seu filho, ele é um arcanjo. A estrela-da-manhã. — a criança
estava ajoelhada com as mãos unidas religiosamente.
— E você resolveu vir aqui para me dar apoio moral? — meu lábio
superior arqueou, em seguida bufei, em deboche.
— E há alguém mais capacitada que eu para estar ao seu lado na
glória? — parou em minha frente, ajeitando meu colarinho.
Segurei seus pulsos, tirando suas mãos de mim, aproximei meu rosto
do seu e sorri sem mostrar os dentes.
— Ah, entendo...
Passei por ela e, em passos lentos, segui até a porta. Eu conseguia
ouvir seus dedos roçando uns nos outros. Ela estava furiosa, queria me dizer
algo. Assim que pus a mão na maçaneta, Kirel explodiu.
Mulheres... Uma vez com elas, acham que são nossas donas. Revirei
os olhos.
Mesmo sentindo uma total recusa em tocar humanos, com ela esse
sentimento era mínimo, quase inexistente. Os meus lábios tornaram a
formigar quando vi os seus, mas pus aquilo de lado e a tomei nos braços. Ela
se mexeu, aconchegou-se em meu peito e seguiu dormindo.
— Sim, há.
— Eu apostaria nisso.
— Vou pensar...
Indiquei dar o primeiro passo, assim que meu pé direito tocou o solo
me vi na antecâmara. Com um aceno de dedo, liguei a televisão.
Ouvi seus pés girando no piso, em seguida sua voz, agora mais firme.
— Sim, Milorde.
— Ótimo.
Passei outra marcha, agora para frente. Acelerei de novo e o carro deu
outra arrancada. Segurei o volante, mexendo-o agora com mais cautela.
— O senhor tem carteira? — não precisei olhar para ver que Cinthia
quase se afundou no banco, encarando-me incrédula.
Por que quando estou com ela não a vejo como um... Como vejo os
outros mortais? Por que me sinto tão à vontade com essa mulher? O que há
de tão especial nela?
Segui por uma longa fileira de livros, fiz uma curva, outra e parei na
sessão infantil. Enfiei ambas as mãos nos bolsos e comecei minha busca.
Andei de um lado a outro, até que o vi, no fim do último corredor. Toda uma
sessão reservada para ele.
— Você... — comecei.
— Livro legal.
— Vou levar.
— Senhorita? Senhorita?
— Oi? Sim? Quer dizer, no que posso te ajudar? — fez uma careta e
balançou a cabeça. — Bom dia. — sorriu, fingindo que nada havia
acontecido.
— Não somos...
— Seu marido é um gato. Eu diria que ele caiu do céu... — afinou os
lábios e sorriu.
— Milorde?
Malditos jornalistas!
CAPÍTULO SETE
POR CINTHIA
Sacudi a cabeça.
— Ficou louca, mulher? Ele é seu patrão. O que um lorde quer com
uma mera mortal? — bati a real, jogando-me na cama. — Pés nos chão.
Ponha os pés no chão ou vai acabar se machucando, Cinthia!
Mas ainda há algo suspeito nele. Há algo que reconheço, mas não sei
definir o que é. Aqueles cintilantes olhos cor do céu. Já os vi há muito tempo
atrás, mas... Onde?
Eu acho...
Quase meio-dia.
— Por quê?
— Por conta dos boatos.
Senti em sua voz certo prazer nas últimas palavras, mas ignorei. Eu
queria berrar, saltar, pular. Eu nunca ganhei tanto dinheiro em um emprego.
Assenti novamente com a cabeça e ele retribuiu. Sem dizer mais nada,
Balthazar seguiu para fora, mas acabou parando no arco da entrada do
cômodo. Ergueu o indicador e virou-se a mim, sorrindo.
Sem pensar demais, num misto de alegria por ela ter vindo e receio de
causar uma má impressão, corri às pressas para o portão principal. Só quando
entrei no caminho notei como aquelas esculturas de um lado e outros são
singulares: um gato com sete caudas e duas cabeças; um minotauro com asas;
um leão com patas estranhas e cauda com cabeça de cobra e outros que
sequer consegui definir a forma.
— Isso é ótimo.
Rimos.
— Eita! Eita! Eita! Quando você faz isso não é coisa boa...
— Nossa!
— Sinto muito pelo emprego, mas devo dizer que você está melhor
sem ele... Tipo, ele vivia te sugando e eu sempre disse isso...
— GI-GO-LÔ!
— Balthazar?
— Ambos são muito bonitos. Acho que a questão do “mais” fica para
o perfil de atração de cada um. Por exemplo, eu acho Milorde mais bonito,
mas você pode não achar...
Engoli em seco. Era ele. Milorde. Será que ele ouviu nossa conversa?
Senti meu corpo todo tremer e sequer me atrevi a virar para trás. Eu deveria,
pois sou sua funcionária, mas...
— Por aqui...
Gi, que não perdia uma, jogou-me uma piscadela. Fiz de conta que
não vi. Depois desse pequeno e rápido momento de tensão, nos servimos.
Como costume, ninguém falou à mesa, não enquanto não finalizamos a
refeição.
— Estava delicioso. Você realmente tem um ótimo gosto culinário,
Balt... — Milorde comentou, pondo os cotovelos na mesa e, apoiando o
queixo nas mãos, apontou o indicador para Gisele. — Você é amiga da
Cinthia, certo?
— Sou, Milorde.
— Ainda não...
— O quê?
Corei completamente.
— Não está mais aqui quem falou. — ela disse em tom alto. — Mas
bem que eu queria...
Como sempre, você é uma má influência, Gi! Mas estou mais que feliz
por te ter aqui comigo!
CAPÍTULO OITO
Mulheres humanas são tão belas como anjos. Claro, também temos
alguns demônios vagando sobre a terra. Eu poderia dizer que é o exterior
que conta, mas...
— Herói?
Gargalhei.
— Ah, eles não vão nos declarar guerra por uma simples horda de
monstros... — minimizei com um aceno de mão. — Com certeza eles vão
apenas observar.
Cinco segundos...
Pus-me de pé.
“O que é aquilo?”.
“Um anjo”.
“Onde? Onde?”.
— Demônio dos oceanos, você será punido por quebrar o tratado dos
anjos. — um raio caiu em minha espada, eletrificando-a, em seguida mirei-a
em sua direção e disparei, causando uma enorme explosão.
Com um último rugido, Bereodor caiu para trás nas águas, causando
uma grande onda. Ergui o indicador e encolhi as águas, evitando um novo
impacto contra as pessoas atrás de mim.
“Quem é você?”.
“Como se chama?”.
— Vocês pediram uma prova de quem sou. Pois bem, eu lhes dei.
Agora contem o que viram e o que ouviram. — bradei com voz imponente e
desapareci no ar, ressurgindo nos meus aposentos.
— Uma era que será eterna... — sorri, mas logo ela me veio à mente,
desfazendo meu sorriso. — Onde está Cinthia e aquela outra moça, Gisele?
— Ah, quando cheguei aqui elas tinham saído, mas os jornais ainda
não tinham noticiado nada...
Semicerrei os olhos.
Será que ela vai voltar? Com certeza Cinthia viu e ouviu o que
passou na televisão. Todos estão noticiando o que aconteceu; todos estão
comentando.
Seus lábios. O doce sabor dos seus lábios voltou a minha mente.
Interrompendo meus pensamentos.
Eles são muito gentis, apesar de serem estranhos, mas não vou
incomodá-los com isso. Gi e eu pegamos um táxi e seguimos para as
quitinetes.
— Não faria, não! — ela riu, levando o corpo para trás. — Com
aqueles dois bonitões em casa? Eu ficaria na dicotomia eterna de contrata e
demite. — assinalou com as mãos.
Gargalhamos.
Ignoramos.
Ezequiel.
— Venha, vamos dar uma volta. — sequer vi quando sua mão tocou
meu pulso, apenas senti o aperto.
— E o dele em você?
Então... Se ele me viu, minha família também me viu! Não! Eles não
gostam de televisão. Talvez se tivessem visto, teriam entrado em contato
comigo ou...
— Cinthia, é tão fácil decifrar você. Pela sua cara... Ah, pobre
mamãe...
Meu sangue ferveu. Quando vi, eu já tinha partido para cima dele,
tentando socá-lo. Foi em vão. Ele segurou meus dois punhos, puxando-me
para perto, colando seu corpo ao meu. E ao aproximar os lábios da minha
orelha, sussurrou:
Do que adianta ser belo por fora e ser podre por dentro? Um homem
mau, cruel e que não hesitaria em passar por cima de todos para chegar aos
seus objetivos.
[...]
— Não é hora para brincadeiras, Kazan. Estou com fome. — uma voz
rouca ao fundo ecoou. Vi apenas uma silhueta imersa nas sombras e por
instantes, imaginei ter visto duas bolas vermelhas brilhantes.
Do que ele está falando? Senti uma pontada na cabeça, deixei a xícara
cair no chão e vi as imagens da noite passada.
[...]
— Já terminou?
— Ele já foi?
— Já.
— Ainda bem. — pôs as mãos na cintura e me chamou com um
movimento de cabeça. — Que tal me ajudar, bonequinha? — o imitou em
tom de ironia. Fiz uma careta.
Quero que ele enfie o orgulho naquele lugar! Ele acha que eu
realmente estou disposta a voltar com ele? Ele acredita mesmo nisso? Nessa
loucura de me imaginar correndo de volta para os seus braços?
Talvez eles tenham se dado conta de que Milorde lhes pregou uma
peça. Quem diabos seria tão imbecil de acreditar que Lúcifer está entre nós?
CAPÍTULO DEZ
— Milorde?
— É um troféu.
— Um pouco.
Senti uma fisgada na cabeça que me tonteou. Ao apoiar uma das mãos
na parede, a vi novamente.
[...]
[...]
— Pizza.
Em certas coisas me... Difícil dizer, muito difícil, mas ok. Em certas
coisas me assemelho a humanos. Quando estou nervoso, tenho crises de
ansiedade e somente a leitura ou a comida me traz de volta à realidade. Sorte
a minha ser quem sou. Todo mundo consegue imaginar um Lúcifer com
chifres e vermelho, mas nunca vi um Lúcifer gordo. Se metade desses vermes
tivesse vivido na Idade Média, saberiam que ser gordo já foi status de poder,
riqueza e beleza. Não que eu o seja, mas pela comida, seria.
— Vocês tem certeza que não estou comendo muito rápido? Sendo
deselegante? — estiquei a mão para pegar outro pedaço.
Querberus!
— Pergunta pertinente.
— E como é?
— Nenhum outro caído ficou tão conhecido quanto eu, exceto Baal.
Talvez, eu o tenha o colocado em uma posição inferior por questão de
orgulho, é verdade. Não me arrependo disso, pois já tivemos alguns
desentendimentos. — sorri de canto. — Traiçoeiro, infiel e, acima de tudo,
apoia o lado que lhe beneficia... Apenas enquanto for conveniente... Ele tem
os seus devotos. — gesticulei com uma das mãos.
— Rebelião?
— Indícios.
— Quem lidera?
Então ele voltou? Que interessante. Por muito tempo eles sumiram.
Todos eles. Apenas Balthazar permaneceu ao meu lado. Meu fiel e melhor
amigo.
A pergunta que não quer calar: Baal tentará usurpar meu trono outra
vez? Só de imaginar um pouco de emoção em dias tão monótonos, o meu
sangue ardia em brasa.
Se for isso mesmo, que ele venha com tudo que tem!
CAPÍTULO ONZE
— Rainha? — estranhei.
— Teste?
— Sim.
— Às sete da manhã?
— Não!
— Ok. Ok.
— Já entendi.
Por que diabos está de saia então, mulher? Pensei em perguntar, mas
temi pela resposta. Talvez ela não percebesse, mas suas olhadas para
Balthazar ficavam cada vez mais nítidas.
— Milorde?
Tento não pensar, tento não imaginar, tento não vê-la em meus
pensamentos. É impossível. A mortal mexe comigo. E eu não gosto disso.
Uma única mordida naquela maçã fez com que toda a humanidade
caísse em pecado, perdendo o privilégio de ser imortal. Se um mortal o
comesse, não tenho dúvidas de que morreria. Não só isso... Acredito que...
Estaria fadado às profundezas do inferno para todo o sempre.
— Feito.
— Ótimo.
— Continue.
O que eu queria dizer na verdade era: acha que seria possível que uma
humana, uma mortal, e o Rei dos Demônios...
Sacudi a cabeça. Bobagem! Kirel está certa. Ela é a mulher mais apta
a estar ao meu lado, mesmo eu não sentindo o mínimo afeto por ela.
— Não. — dei risada, lembrando-me das vezes que tentei fazer isso e
todas foram em vão.
— Sugas-Aladas!
“Ele voltou”.
— Mulheres... — bufei.
Com um movimento dos dedos, criei uma onda de vento cortante que
explodiu todos os filhotes, deixando apenas as maiores e a rainha, que agora
tinha o dobro do tamanho de antes. Esse é um inseto infernal curioso: as
sugas-aladas são todas fêmeas e se reproduzem sem a participação de um
macho ou como os humanos dizem, são animais que se reproduzem
assexuadamente.
— Não foi tão ruim. Ao menos o herói apareceu outra vez. — avaliei
a situação de modo positivo.
Silêncio.
— Alguns.
Ignorei a pergunta.
— Os poderes?
Novamente o silêncio.
— Como ele é?
— Ele é diferente...
Arregalei os olhos.
Nunca parei para pensar nisso. É a primeira vez que isso me vem à
mente. Se um dia eu amasse uma mortal e não pudesse tê-la eternamente por
um erro meu, como eu me sentiria?
— Então...
— Então quando você amar, vai saber que está amando. — ele me
interrompeu.
— Bom dia.
— Estranha como?
— Ah, acho que ela é uma mulher muito bonita para a função. Quero
dizer, ela teria opções melhores, não é?
— Cuidado para não pecar como eu. Acha que não notei suas olhadas
para Lorde Balthazar? — contra-ataquei.
Segui para o grande hall, mas não havia ninguém. Subi as escadas
procurando-os nos quartos e nada. Então adotei outra tática. Os chamei pela
mansão inteira, mas ninguém respondeu. Exausta, segui novamente para a
cozinha.
— Aqueles dois são tão estranhos... — ela franziu a testa, com mais
uma de suas insinuações.
— Não, não! Recebi ordens diretas para não tocar nos frutos. —
acenei com as mãos, reforçando a negativa.
— Sim.
— Parecem mesmo.
— Já estou com a minha. — ela retirou dos bolsos outra fruta idêntica
a minha.
Sem demora, subi para o quarto. Assim que entrei, fui em direção ao
guarda-roupa. Separei algumas peças e comecei a me despir. Ao tirar o
casaco, notei que a maçã estava em um dos bolsos. Ela parecia tão saborosa,
suculenta e eu estava com tanta fome. Se não estivesse tão longe, eu gritaria
para perguntar a Gi se o almoço já estava pronto.
[...]
— São suas asas. — uma doce voz respondeu, fazendo-me virar para
frente. A luz intensa obrigou-me a erguer os braços para proteger os olhos. —
Não tenha medo. Venha até mim, Cinthia.
Seus cabelos longos e louros arrastavam-se ao chão, mas seus pés não
o tocavam. Ela flutuava no ar. Seus traços eram perfeitos e a energia que
emanava da sua luz me fazia sentir acolhida.
— Estou morta?
— Não.
— A pergunta a ser feita é: por quem você está aqui. — ela sorriu e,
ao deslizar a mão pelo ar, uma espécie de círculo surgiu e nele eu me vi
criança, ajoelhada, com as mãos unidas religiosamente. — Quando pequena
você orou e clamou por alguém...
— Por quem?
— Há muitos milênios, houve alguém que subiu tão alto que tocou os
pés do trono de Deus. Ele era amado e admirado pelos demais, mas nele
havia uma crescente sede de poder... — suspirou, em tom de lamentação. —
Quando o homem foi criado, seu orgulho, já ferido, foi destruído. Ele
recusou-se a ajoelhar diante daquele que foi criado à semelhança de Deus, o
homem, pois afirmou ter vindo do... — seus lábios se mexeram, mas não a
ouvi.
Uma luz intensa tomou tudo novamente. Outra vez cobri o rosto com
os braços.
Por mais que eu me esforçasse para lembrar seu nome, não conseguia.
Apenas via um homem ao meu lado, com um sorriso afetuoso e repleto de
alegria, acompanhando-me. Foi por ele que eu orei? Foi por ele que eu
clamei? Quem é ele? Como o chamam?
Desgraçada!
Senti meu corpo todo pegar fogo, arder em chamas. Uma coluna em
brasas ergueu-se ao meu redor. Os meus batimentos cardíacos eram tão fortes
que eu conseguia ouvi-los, mixando-se à minha respiração descontrolada.
O que me separava dela era apenas aquela porta, mas eu estava com
medo. Medo de encontrá-la morta. Quanto mais eu pensava, mais nervoso
ficava. Num ímpeto de coragem, atravessei as portas, incendiando-as.
Procurei-a com os olhos pelo quarto, mas não a encontrei.
— Foi Kirel...
— Diga!
— Como?
— Ah, com certeza vão querer a coroa e algo mais. Você fez uma
desfeita tremenda a elas. — ele disse, confirmando com um aceno de cabeça.
Quando uma mulher quer, ela fode o cara. E ainda que não queira,
ela pode fodê-lo mesmo assim!
Palavras humanas nunca fizeram tanto sentido como agora. Por mil
demônios!
— Até a Arca?
— Já que está doando seus itens, Milorde, que tal me dar o Cavalo de
Troia? — perguntou em tom sacana. Fechei o cenho, semicerrando os olhos.
— Não está mais aqui quem falou. — balançou as mãos negativamente.
Suspirei.
Devo confessar que isso não teve dedo meu. A Idade Média ou como
é chamada nos dias de hoje: Idade das Trevas foi uma época onde a grande
ganância por poder e domínio absoluto atingiu o mundo. A igreja que tinha
riqueza, poder e influência, não titubeou e agiu em prol do que chamaram de
bem maior. Naqueles dias começou o seu mais colossal reinado, o maior de
todos, colocando o mundo aos seus pés.
— A outra parte.
— Cinthia?
— Sim.
— Cinthia no abismo...?
— Sim, sei.
— No ponto.
Foram segundos e quando nos demos conta, estávamos mais uma vez
na ponta do precipício que dá caminho ao abismo.
Voltamos para casa em total silêncio. Que decisão pesada. A cura está
dentro de mim? Dentro de mim? Como pode isso? Isso é... Impossível!
— E agora?
— Obrigado.
Nada!
— Não sei o que é amor, não sei o que é amar! — urrei, emanando
tanto ódio que toda a biblioteca tremeu. — Como eu posso dar um beijo de
amor verdadeiro se nunca amei na minha vida? — fechei o punho, fazendo
todo o palacete tilintar, explodindo diversos objetos. — Como? — berrei
outra vez.
[...]
Estou orando por você. Ela sorriu. O cenário mudou. Agora ela
segurava em minha mão. Sei que ele vai ouvir meu pedido. Tombou a cabeça
para o lado, encarando-me atenciosamente.
Suas palavras ecoavam por minha mente. Vejo seu rosto em todos os
lugares. Os longos cabelos cor de sangue balançam conforme o vento os toca.
E só então me dou conta de uma coisa que havia me esquecido muito tempo
atrás.
De repente, tudo ficou negro outra vez. E apenas ouvi vozes. A minha
e a dela:
— Para onde?
— Para a glória.
— Quem é você?
— Sou sua remissão. E a minha tarefa é lhe tirar das sombras, ainda
que eu mesma tenha que mergulhar nas trevas.
— Sim, vejo.
— Então...
Uma onda de calor tomou meu peito. Senti algo diferente, algo que
não sentia há tempos...
— O que é?
— Venha!
Que não tenha acontecido o pior... Que não tenha acontecido o pior...
Repeti mentalmente.
— Venha logo!
— Sim. Quando amar alguém você vai sentir. Eu lhe disse isso outro
dia...
Será que eu... Sacudi a cabeça. Mas quando estou com ela eu me sinto
tão estranho... Será que isso é amor?
— Sim.
Covarde!
— E-E-E-Eu...
Espera! Ela não se lembra de nada? Não sabe quem sou eu? Como?
Engoli em seco.
— Qual é o problema?
— Como pôde me enganar todo esse tempo? Por que não disse logo
quem você era! O tempo todo eu pensava que você fosse... — suspirou,
franzindo os olhos entre um balanço de cabeça, antes de largar o abajur no
chão.
Engoli em seco.
Ela está furiosa. Não está com medo, não agora, o que é um bom
começo, mas uma mulher furiosa representa mais perigo que qualquer outra
coisa.
— E? — a acompanhei.
— Títulos não são lá grandes coisas. — desdenhou.
— De fato.
— De fato.
— Nem a imortalidade!
Fodeu!
Eu não lembro o que fiz. E quando um homem não lembra o que fez a
uma mulher, o sinal de alerta é ligado. Perigo total.
— Auuu!
— Não, não é. Nunca foi. — levei a mão para tocar seus ombros,
apertando-os. — Olhe para mim. — ela virou o rosto. — Por favor, olhe para
mim.
— Eu não sei. Juro que não sei o que aconteceu... — respondi entre
sussurros. — De uns tempos para cá eu tenho visto você nos meus sonhos...
Tenho memórias vagas. — expliquei, sendo sincero.
— Estou tentando não fazer, mas tem hora que sinto vontade de por
fogo em tudo. — respondi, sorrindo de volta. — Mas não foi só isso que me
trouxe aqui...
— Também estou aqui por outro motivo, não menos importante que o
primeiro: atrás de uma criança que me encantou. E que, ao vê-la mulher, fez
meu coração voltar a bater... — suspirei, abaixando a cabeça.
— Amor não pode ser medido, nem descrito. Amor só pode ser
sentido... E quando for amor, você saberá que é.
— Sobre o passado, não posso explicar, pois nem eu mesmo sei, mas
sobre o agora...
— Sim. — um demônio e minha ex. Quis dizer, mas aquele não era o
momento ideal.
— Tudo se explica...
— Nem tudo.
— Como assim?
— Então, como?
Segui pela porta e ela não disse nada, se conteve. Você é uma mulher
incomum, Cinthia. E foi essa singularidade que me atraiu. Outra em seu lugar
estaria apavorada, gritando como uma louca, pasma com a possibilidade de o
próprio Lúcifer dizer que a ama. O que, confesso, foi difícil para assumir.
— Ele também é.
— Não acho que ele seja tão mau... — o defendi, receosa de fazer
aquilo.
— As pessoas mudam...
Engoli em seco. De fato, ele não é uma pessoa. Ele é um ser superior.
No entanto, eu... Acho que... Estou... Sacudi a cabeça, sem graça.
— Ele me salvou!
— Sentimento de culpa!
— Ahá! — apontei o indicador para ela. — Viu só? Ele não é tão
mau. Quando se é mau, não existe sentimento de culpa.
— Como?
— Mencione uma única vez que nos fizeram, ou que eles tentaram,
nos fazer mal. — pus as mãos na cintura, encarando-a.
— Hum...
— Vai me deixar sozinha nesse palácio com dois demônios? — Gi
gemeu. Olhei por cima do ombro, ela estava de cabeça baixa. — Fará isso
com sua melhor amiga?
— Eu...
— Infelizmente é. — bufou.
— Amigas são para isso. Se for para se foder, vamos nos foder juntas.
— fez uma piada, mas não parecia muito engraçada, não para ela.
Passei a olhar todo o palácio com mais atenção. Ele não mentiu. É
verdade. Lúcifer se anunciou tantas vezes e de incontáveis maneiras. Nas
paredes, nas esculturas, no artesanato e qualquer outro detalhe que
olhássemos com atenção.
— Por que eu sinto que estou... — fechei o punho, colando-o ao meu
peito.
— Sinto muito pelo que aconteceu. Milorde ordenou que Kirel fosse
caçada. — arregalei os olhos, apreensiva.
— Puni-la, é claro.
— Não entenda mal. Isso foi um elogio, nada mais. Eu já tenho uma
pessoa. — respirei aliviada.
— Alguns de nós sim, outros não. Muitos não ligam para essas coisas
e querem apenas viver suas vidas tranquilamente. — aproximou-se mais de
mim, com os lábios próximos a minha orelha. — O amor pode mudar até
mesmo o coração mais demoníaco que existe, lady Cinthia. — sussurrou,
afastando-se.
“... Você é a remissão de alguém que brilhou mais que o sol. E apenas
você é capaz de levá-lo à luz. Ambos estão predestinados desde o princípio”.
— Se não for você, então ele está perdido para todo o sempre. —
lamentou.
— Quase?
— Haverá mortes?
— As necessárias.
— E o mundo?
— Depende da sua decisão. O futuro da Terra não está mais nas mãos
de Lúcifer, mas sim nas mãos daquela que possui o seu amor.
Engoli em seco.
— Acho que não consigo carregar esse fardo... — sorri sem graça.
— Balthazar... — o chamei.
— Sim?
— Obrigada.
Assim que abri a porta, dei de cara com ele. Milorde estava sentado
em uma poltrona, com um livro em mãos. Lentamente ele ergueu a cabeça e
me fitou.
Senti-me nua diante dos seus olhos. Engoli em seco. Não vamos ficar
nesse clima, vamos?
Uma mortal dizendo que vai por juízo em Lúcifer? Que ridículo.
Quem sou eu? Uma mera mosquinha diante de um homem desses.
— Não sei. — sorriu sem graça. — Antes tinha outro motivo, agora
não sei mais. Nem sei se devo continuar como herói. — voltou-se a mim,
fazendo aspas.
— Lúcifer não é tão mau como dizem. Você precisa mostrar seu lado
bom ao mundo. — outra vez a mesma expressão, mas dessa vez ele não se
conteve, gargalhou incansavelmente.
— Qual é a graça?
— Você é a graça.
— Sozinha!
— Vai como?
— A pé.
— Antes de tudo, quero deixar claro que não nutro raiva ou mágoa de
você...
Que baboseira!
— Assim como também não sinto nenhum carinho. Vim aqui atender
um pedido que não posso negar. Nem ousaria negar. — enfiou a mão nos
bolsos, ergueu os ombros e deu um longo suspiro.
Último pedido?
Senti meus olhos arderem. O meu peito se apertou como nunca antes.
A minha cabeça girava e as minhas forças esvaíram-se. Fui ao chão, em
tempo de tocá-lo, mas alguém me pegou nos braços.
— O que você fez com ela? — olhei por cima do ombro. Gisele. —
Vamos! Diga-me o que fez com ela! — aproximou-se. O som do salto furioso
ecoava pelo salão.
Seus cabelos são brancos e seus olhos cor de oliva. O corpo é grande
e belo. Ele está vestido como um executivo. Talvez, assim como eu, tenha se
interessado por negócios mortais.
— Motivei muitos?
— Excelente!
— Alguns milhares.
— Escravizá-los?
— Milorde, até quando permitirá que ele siga fazendo o que bem
quiser?
— Ele não fará o que bem quiser enquanto não conseguir o que quer.
— mordi os lábios, excitado com a expectativa do que o futuro reserva.
— Por quê?
— Assim como eu, sinto que eles também sabem que é necessário que
isso aconteça.
— Pensei que Cinthia tivesse mudado seus planos. — deu um longo
suspiro, acendendo outro cigarro. Ignorei aquilo. — Se o objetivo dele é
conquistar o mundo e escravizar a humanidade, você, Milorde, é seu maior
obstáculo.
— Provavelmente.
— Nós três?
— Baal não é de confiança. Nunca foi. Tenho uma breve noção dos
seus objetivos e não é nada bom. Nem para nós, nem para os celestiais, muito
menos para os humanos.
— Se de fato esse for o plano dele, então duas chaves estão em sua
posse. — Amon comentou. — Kirel está ao seu lado.
— Tomarei, Milorde.
— Sim?
— Não matamos cunhados. Apenas farei com que ele coma o pão que
o diabo amassou. Literalmente. — sorri de canto. — Mas, nesse momento,
tenho uma missão para você.
— Missão?
Não considero que isso tenha sido um erro. Tudo que fiz foi por
intuição e sigo agindo com meu próprio eu. No passado, foi eficaz distribuir
as chaves. Agora não mais. É chegada a hora de reuni-las, guardando-as
comigo.
O tabuleiro foi colocado na mesa há tempos e o adversário segue
fazendo jogadas. Agora é chegada a hora de entrar no seu jogo.
CAPÍTULO VINTE
POR BALTHAZAR
Corei completamente.
— Você é um pervertido!
— Maldito! — rosnei.
Hora do show!
“Na na na na
Come on
Na na na na
Come on
Na na na na na
Come on
Na na na na
Come on, come on, come on”
— A boca não.
— Como ele é?
— Perfeito.
— Mortal.
— Nunca.
— Cinco séculos e você ainda guarda tanto rancor?
— Fui seduzido!
Engoli em seco.
— FO-DA-SE!
— Como foi?
— É sim! Você é meu irmão, meu general, meu melhor amigo. O seu
bem-estar está acima de qualquer outra coisa! — ele retrucou, ferozmente.
— Vou lhe dar uma lição para que se lembre de onde enfiou essa
maldita chave!
— Não se atreva!
É verdade que as sete chaves são necessárias para abrir os sete portões
do inferno. A primeira chave abre o primeiro portão. A segunda chave abre o
primeiro e o segundo portão. Sendo assim, a sétima chave abre todos os
portões. Mesmo que o portador das chaves não possua as outras seis, apenas
usando a sétima ele poderia trazer caos a todos o universo.
— Conosco?
— Mamãe...
Despertei.
— Não foi você mesma que falou sobre os sonhos, aquela visão dos
céus? — tocou minha mão novamente, segurando-a com força. — Todos nós
temos uma missão, mas acredito que a sua seja...
— Fraca? — riu. — Uma mulher fraca que colocou Lúcifer aos seus
pés? — sorriu sem mostrar os dentes.
— De todo modo...
Um serafim, oito pares de asas. Uma voz tão bela que parecia uma
sinfonia. Ela cantava aos meus ouvidos: Só você pode guiá-lo à luz e apenas
você pode resgatá-lo das sombras. Você clamou e o Todo Poderoso Deus
atendeu seu pedido.
— Tudo bem.
— Diga logo!
— Não.
— Mas você disse que eles são a marca do demônio. Que ficaram
assim após você começar a falar com ele...
Nunca fui uma serva fiel, Senhor. Eu não gostava de ir à igreja, não
gostava da ceia e achava uma perda de tempo ficar sentada enquanto o
mundo perecia em fome e guerras. Não sei por que eu, mas não irei recusar
seu chamado. É hora de encarar os fatos.
Por mais que eu tema, não há outro jeito. Talvez, se eu não o amasse,
poderia fugir. Mas esse sentimento que tenho quando estou junto dele é...
Maravilhoso!
— Até a família?
— Sim, senhora!
— Não é necessário.
— Posso ajudá-la?
— O filho dela, seu irmão, esteve aqui mais cedo. Ele sempre vem
pela manhã e à noite. — acenou com a cabeça, enfiou as mãos nos bolsos do
jaleco e abaixou a cabeça. — Situação difícil.
— Qual?
— A dela.
Suas mãos enrugaram devido à idade. O rosto nem tanto. Nada que
uma boa plástica não resolvesse. O ar de poder continuava a emanar de sua
face. Lentamente levei minha mão para tocar a sua. Assim que ela abriu os
olhos, fixando-os em mim, recuei imediatamente.
Engoli em seco. Chegou a hora decisiva. Agora vou saber por qual
razão fui chamada aqui.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
— De quê?
— Você as enfeitiça?
— Enfeitiça ou não?
— Er... Já fiz isso com algumas. Elas ficam em pânico quando conto
que sou um general demônio. — levou as mãos ao rosto, imitando-as
histericamente. — Socorro! Socorro! A prole de Satan veio buscar minha
alma!
— Que seja!
— Há muitas diferenças.
— Sim. — sorri.
— Lábios carnudos, quadril grande e seios...
— Sim!
Sorri de lado.
— Mas já?
— Aulas de dança!
— Hum...
— Por hoje chega. — passei por ele, enfiando as mãos nos bolsos.
Ela faz parte da mansão? Nada elegante! Ela já faz parte da minha
vida.
— Quê?
— Sem drama.
— Vi nos jornais que você tem atuado como herói. Claro que isso faz
parte de algo maior. Poderia me contar, Milorde? — Amon sentou-se na
minha frente, adotando uma postura séria. Retirou um cigarro do bolso, o
acendeu e deu uma profunda tragada. — Achei a estratégia bem interessante.
O que vai ser?
— Por quê?
— O plano foi adiado.
— Por causa...
— Não me pergunte, pois não faço ideia do que ele está tramando. —
deu outra tragada no cigarro, soprando a fumaça para o alto.
“Vá verificar”.
“Ande logo!”.
Balthazar levantou-se e, localizando a presença de Cinthia,
teletransportou-se para a porta do quarto. Aproximou-se um pouco e ouvi por
suas orelhas.
— Hoje você não precisa dizer nada. Chamei-a aqui apenas para
ouvir. — uma voz embargada com choro e aparentemente adoentada ecoou
em minha mente.
“Continue de olhos abertos e não deixe que ela note que está
espiando”.
“Sim, Milorde”.
— Falhei como mãe, como mulher, como esposa. — cada vez que
mamãe acrescentava uma palavra, assentia com a cabeça.
— Falhou. — concordei.
Eu gostaria de abraçá-la e dizer que está tudo bem, que passou, mas
não está. Isso é doloroso e vai continuar sendo doloroso enquanto eu não
esquecer, mas como eu poderia esquecer algo tão cruel?
[...]
“Ambas as opções”.
“Rogério, temos dois filhos. Dois filhos. Não vou perder dois filhos.
Se mantivermos Cinthia perto de Felipe, você já sabe o que irá acontecer”.
A porta se abriu. Eles vieram até nós. Abaixei a cabeça outra vez,
unindo as mãos religiosamente. Naqueles dias eu me perguntei se Deus
estava me castigando por ter feito aquele pedido, mas com o passar do tempo,
descobri que não. Ao longo dos dias, meses e anos, descobri que fui vítima da
ignorância humana.
O carro parou na porta da escola de garotas cristãs. Um muro
extremamente alto e portões de ferro na frente. Descemos do veículo e
seguimos até a entrada, onde havia duas freiras me esperando.
Não ouvi um único adeus. Uma única palavra. Nada. Eles me deram o
silêncio. Foi a coisa mais cruel que poderiam ter feito a uma menina.
[...]
— Hoje você não precisa dizer nada. Chamei-a aqui apenas para
ouvir. — deu um longo suspiro e encarou-me fixamente. — Perdão! Perdão,
minha filha. — enrugou os lábios, entregando-se ao choro.
— O que foi?
— Sinto que meu tempo nessa terra está chegando ao fim, então eu
gostaria de lhe fazer um último pedido. Apenas um.
Assenti.
Engoli em seco.
— Pergunte.
— Missão?
Trocamos olhares uma última vez e então lhe dei as costas. As minhas
pernas tremiam, como se quisessem me impedir de sair sem lhe dizer nada.
— Cinthia.
— Eu te amo.
Como uma fera ferida, girei o corpo e fui à sua direção. Naquele
momento, toda dor e mágoa sumiram, dando lugar ao maior dos sentimentos:
o amor. Só o amor é capaz de curar todas as cicatrizes do coração e da alma.
Acariciei seu rosto com ambas as mãos e sorri. Sem mais palavras,
deixei o quarto. Enquanto atravessava os corredores, enxuguei o rosto.
Encontrei Balthazar e Gi na sala de espera. Eles não perguntaram nada.
Talvez tivessem notado meus olhos inchados.
Gisele seguiu para a cozinha. Balthazar veio até nós. Deu um longo
suspiro e sentou-se em um dos sofás, em silêncio.
— Entregue sã e salva.
— Nem tão sã... — murmurei, ainda com a imagem dos seus olhos
inchados em minha mente.
— Não sei se será logo. Baal é bem cuidadoso com suas ações. —
Amon ponderou.
— Sim?
Gargalhamos.
— De fato. — concordei.
Se eu colocasse mais força nos pés, sem dúvida, iria acabar deixando
buracos no chão. Um ranger de porta ecoou, fazendo-me voltar ao local do
ruído.
— Donzela. — sorri.
— Eu estava de passagem...
— Dezessete vezes?
— Agora? O sol acabou de se pôr, Milorde. Creio que ainda não haja
estrelas no céu.
— Depois do jantar.
— Que jantar?
Aquele sim me deixou excitado. Quis urrar, mas não podia, derrubaria
a mansão. Permiti-me um salto, seguido de um soco vitorioso no ar.
— Permite-me ajudá-lo?
Acenei com uma das mãos, cruzando os braços. Balthazar saltou da
cama, parou em minha frente e me analisou por longos minutos.
— E?
— Estou pensando.
— E agora?
— Sim e os usa todos os dias. Hoje será uma noite especial. A ocasião
requer um vestuário especial.
— E o que lembrei?
— Ela é mortal.
— Não foi minha intenção. Também não gosto de pensar nisso. Sabe
que também amo um mortal.
Naquele instante o ar ficou frio. O vento que entrava pela janela soava
como o uivo de um lobo solitário, ecoando em minha mente, dizendo que
aquele era meu destino, que eu nunca teria uma alcateia.
— Balthazar...
— Sim, Milorde.
— Balthazar... — o chamei.
Uma luz súbita inundou meu quarto e arregalei os olhos com a visão
que tive em minha frente, algo com o qual não me deparava há muitos
milênios; os portões divinos, a estrada que dava caminho à Cidade Santa. E,
para minha surpresa ali estava ela, Cinthia, encarando-me de cima, com um
sorriso no rosto e a mão estendida.
Não quero mais amar. Eu não consigo lidar com o poder de tamanho
sentimento. A imensidade do poder do amor é demais, até para mim. Eu
simplesmente não consigo dominar meu coração!
CAPÍTULO VINTE E CINCO
— Faz muito tempo que não o vejo nessa forma. — sentei na cama,
esfregando as mãos no rosto.
— No seu também?
— Então? Já se arrumou?
Olhei outra vez no relógio. Dez para as nove. Dei um longo suspiro e
pus-me de pé.
— É hora de lidar com a realidade. Se você a quer, lute para tê-la. —
estiquei os braços e, estalando os dedos, vesti-me com o modelito escolhido
por Balthazar. Parei em frente ao espelho, ajeitando a gravata. — Ninguém
disse que seria fácil aceitar o amor.
Soprei o ar que preenchia meus pulmões e passei uma das mãos pelos
cabelos. Cheio de mim e decidido a fazer aquilo, deixei o quarto e segui até
seus aposentos.
— Donzela?
Eu precisava dizer aquilo. Cinthia é uma mulher natural, que não usa
artifícios para se embelezar, mas sua maior beleza não é a exterior. Sinto que
há um tesouro dentro de si.
— O terno é diferente.
Será que nosso último passeio foi tão ruim assim ou sou eu que dirijo
mal?
Assim que Cinthia fechou os olhos, tomei-a no colo. Senti seus braços
passarem por meu pescoço e a encarei, fixamente.
Abri minhas asas e, com um impulso dos pés, as bati com força,
levantando alguns redemoinhos. Cinthia agarrou-se com mais força ao meu
pescoço.
— Estamos.
— Posso olhar?
— Em cima onde?
— O que pretende?
— Confia em mim?
— Não!
Não respondi.
— Combinamos que você não abriria os olhos até eu dizer que está
pronto, mas eu preciso do seu voto de confiança.
Eu devia ter contado a ela que nos envolvi com uma esfera de
proteção, mas isso tiraria toda a graça de vê-la tendo um misto de emoções.
— O que há lá?
— O Centurião de Órion.
— Isso não nos impede de seguir pela noite conversando. — ela disse,
sorrindo, sem mostrar os dentes.
— Outro dia você disse que passou um inferno por minha causa... —
senti um aperto no peito ao lembrar aquilo.
— Todas as coisas?
Como foi? Um sorriso bobo escapou dos meus lábios e, por instantes,
lembrei-me das estrelas. Ele me levou para ver as estrelas. Parei
completamente o que estava fazendo e mordi os lábios. Que outra mulher viu
as estrelas como eu vi? Nenhuma.
— Uau!
Quis dizer que não, mas quando o vi seminu, senti meu corpo
esquentar, minha boca secou e meus olhos fixaram-se nele.
— Estou. — saiu sem querer.
— Quero.
Despertei.
— Prometo tentar.
— Vaca!
A rotina tem sido monótona. Ainda espero Milorde definir qual será
minha função. Governar uma casa que não precisa ser governada não é
trabalho. As contratações estão suspensas, Gi trabalha conosco cuidando das
refeições, mas fora isso não há necessidade de nada. Quer dizer, eles
poderiam usar os poderes que têm para fazer qualquer coisa.
— Sim. — não li, mas Gisele leu. Não precisava de muita coisa para
entender onde ele queria chegar.
— Estou pronta.
— Donzela, aproxime-se.
Sinto que quando estou com ele, estou protegida. Sei que ele não
permitirá que nada de ruim aconteça a mim, nunca.
Milorde ergueu uma das mãos e todos fizeram silêncio. Assim como
eu, eles conseguiam sentir o significado de poder, presença e autoridade.
— Sim?
— Isso é possível?
A arrogância sempre fala mais alto. Como odeio isso nele. O melhor,
o mais inteligente, o mais poderoso. Ele sempre é o superior em tudo!
— Imaginei que usassem rádios. — ele abriu um dos olhos, espiando-
me. — Achei um rádio da polícia quando estava ziguezagueando pela
mansão. — expliquei, antes que me considerasse uma bisbilhoteira.
A amizade entre esses dois é algo lindo de se ver. Eles estão sempre
juntos e pelo pouco que conheço de lorde Balthazar, já deu para perceber o
quanto Lúcifer significa para ele e vice-versa.
Como um irmão? Sei o que é isso, pois é o mesmo que sinto por Gi.
Eu a amo como uma irmã. Ela me socorreu em momentos difíceis, me
abraçou quando eu não tinha ninguém e sei que sempre estará ao meu lado,
não importa a situação.
— Oi?
— Crimes.
Fui tomado por uma sensação ruim, uma apreensão que fazia meu
sangue fervilhar em chamas. Eu já estava me preparando para criar uma
tempestade de raios e fúria, quando a porta do terraço se abriu.
— Ah, isso? Não é nada. — acenei com uma das mãos, recompondo-
me.
— Eu irei ignorar...
— Por que você quer ser sempre o centro das atenções?! — rugiu,
pisando duro no chão e, como se não fosse suficiente, eu escutava o tic-tac do
seu salto sem parar.
— Qual?
Cinthia pareceu querer dizer algo, sem saber o quê. Ergueu os ombros
e abaixou a cabeça, possivelmente procurando a pior das desculpas.
— Providenciarei.
— Nem eu.
Seguimos dali direto para casa. Voando. Eu tinha comigo que ela
adorava voar, admirar a beleza, olhando tudo por cima.
Ao entrar no quarto dei de cara com Balthazar. Passei os olhos por ele
e desviei nossos rostos. Joguei o blazer em cima da cadeira e sentei-me na
cama. Ele permaneceu com o olhar fixo em mim, escorado no batente da
janela, com os braços cruzados.
— Você sabe.
— Bom garoto. — disse, vindo até mim e, quando me dei conta, ele
me abraçou.
— Sobre seu mortal. Hum... Que tal convidá-lo para vir nos visitar
qualquer hora dessas? — Balthazar se afastou, olhando-me desacreditado. —
É justo eu conhecer meu cunhado. — ele abriu um largo sorriso.
— Vou tentar convencê-lo disso.
— Quais?
— Já.
— Oh, isso é muito bom. Nada como amor e sexo. — acenei com a
cabeça.
Claro, aquilo não era uma competição. Cada um tem seu tempo, seu
progresso, mas, geralmente, eu nunca ficava atrás nessas situações.
— Não tenho.
Filhos? Perguntei mais para mim do que para ele, deixando um largo
sorriso preencher meu rosto.
Ah, se tem algo na vida que todo homem deseja é ter filhos com a
amada. Certamente, isso é algo que aproxima os imortais dos mortais.
— Certamente, Milorde.
Sorrimos.
CAPÍTULO VINTE E OITO
— Milorde...
“O vermelho”.
“Ok”.
— Está ouvindo o que lady Cinthia e lady Gisele estão conversando?
— arregalou os olhos, grudando ambas as mãos em minha garganta. —
Pervertido!
Revirei os olhos.
— Chamativo demais...
— E?
— E?
— Gostei.
Passei a mão de leve por minha cabeça, fazendo-os cair para os lados.
Os cabelos lisos, que antes ficavam penteados apenas para trás, agora
adornavam todo meu crânio.
— Ficou sexy.
— Ótimo.
— De neve.
— O que foi?
Fiquei tão entretido com minhas próprias reflexões que não a notei
chegar. Ao menos não até seu cheiro adocicado invadir minhas narinas,
fazendo-me virar o rosto em direção às escadas.
Uma deusa! Foi a única coisa que me veio à mente quando a vi.
— Eu já disse isso, mas preciso repetir: será uma honra tê-la ao meu
lado essa noite. — sorri.
Um, dois, três, direita. Um, dois, três, esquerda. Um, dois, três,
girando-a. Um, dois, três, deitando-a em meus braços, com nossos corpos
inclinando-se. Sua respiração estava acelerada, assim como seu coração, e eu
partilhava da mesma sensação.
Molhado. Assim era nosso beijo. Com calma e sem pressa, nossas
bocas esfregavam-se, tocavam-se como se fossem velhos amigos.
— Certamente estamos, mas para ganhar outro beijo seu, eu nem iria
ao evento. — retruquei usando um tom sensual.
— Um pouco.
— Parece um pouco...
Entramos.
— Eu te disse...
— Por favor.
— Romântica.
— Feche os olhos.
Ela não notou, mas sendo uma mortal não notaria. Não há um único
humano no auditório, exceto ela. Demônios, centenas deles. E analisando
suas expressões, estes nãos são fiéis a mim, não mais.
— Por quê?
— Não foi isso que ouvi. — disse, parando em sua frente, com as
mãos nos bolsos.
— O inferno.
— E as sete chaves.
— A pergunta não é de onde, nem como, mas por qual razão você
colocaria uma das chaves dentro dela! — franzi a testa. Eu o quê? Assim que
notou minha expressão, gargalhou. — Imaginei que não se lembrasse disso.
Apertei seu ombro, fazendo sua armadura reluzir ainda mais, devido a
minha mão estar pegando fogo.
— O meu único intuito era a chave, mas tive certa dificuldade. Deus é
realmente genial! Quando as fez, tomou todas as garantias para que não
caíssem em mãos erradas. — acenou com uma das mãos. — Por isso não
obtive sucesso.
— Perspicaz!
— Receio que...
— Matarei a mãe e o irmão dela. — cortou-me, fazendo-me engolir as
palavras. — Sabe em quem essa culpa irá cair? Ah, você sabe, não é, Lu?
— Dê-me uma única razão para eu não arrancar sua cabeça nesse
momento! — rosnei, sentindo todo meu corpo queimar.
— Sei que você irá achar um meio para fazer isso... — continuou e
pondo-se de pé, retirou minha mão do seu ombro, distanciando-se em passos
lentos. — Agora, se me dá licença, tenho um reino para governar.
Cerrei os punhos e segui parado ali por alguns instantes, sem saber
como lidar com aquela situação inédita.
Dessa vez ele me pôs em uma situação difícil. Quando caí me foi
dada a tarefa de guarnecer os sete portões do inferno, evitando que o universo
chegasse ao fim. Até mesmo nós, imortais, tememos a Satan. Somente um
pode enfrentá-lo e, este está adormecido.
Se eu lhe der a chave, é o fim de tudo, mas se eu não lhe der, é o fim
da história de amor entre o Rei dos Demônios e a mortal que o conquistou.
O que devo fazer? Essa decisão está acima do que eu quero. Eu sei,
mas... Não posso perdê-la, não quero perdê-la!
CAPÍTULO TRINTA
POR CINTHIA
Sorte? Não sei bem definir se o que aconteceu lá ontem foi sorte.
Você nem sequer prestou atenção quando mencionei o que ele disse quando
eu estava de olhos fechados!
— Ainda sonho com o dia em que lorde Balthazar irá me carregar nos
braços. — suspirou outra vez, levantando-se da cama e, dançando consigo
mesma, rodopiou duas vezes, aos risos. — Será que ele é romântico? — dei
de ombros. — Com certeza é. Os dois são perfeitos cavalheiros!
Coloquei as mãos para trás, encarando-a naquele transe frenético de
um lado a outro. Eu já devia ter dito a ela, mas, por alguma razão, sinto que
lorde Balthazar não está muito interessado em mulheres.
Lúcifer sabe que é poderoso, que controla e seduz. Ele não insinua o
que pode fazer, simplesmente faz. Todas as suas ações são... Eu diria que
reforçam o que ele é, sem precisar mostrar que pode fazer o que quiser.
Adormeci.
[...]
Tudo estava escuro. Não havia luz, mas havia som. Um choro
masculino, sentido e soluçante ecoava em minha mente.
— Quem está aí? — dei alguns passos, perdida no nada. — Por favor,
responda.
Lúcifer? Sim, é ele. Milorde está com uma criança nos braços. Mas
quem é ela?
— Não! Não pode ser... — neguei com a cabeça, confusa com aquilo.
— E-Eu estou viva.
— Fazer isso requer muito poder... — fungou. — Não sei quais serão
as consequências, mas é provável que eu me esqueça de você, pois terei que
dormir por um longo tempo. Mas, talvez um dia, nos encontremos de novo,
Cinthia... — sorriu.
[...]
— Disse sim!
— Receio que tenha tido uma noite ruim, pois eu realmente não disse
nada. — encarou-me com seriedade.
Por que sinto que ele quer me dizer algo? Ele insinua coisas, mas não
pergunta. Será que...
— Eu gostaria de...
“Deus, sei que ele fez coisas ruins, sei que dizem que ele é mau, mas o perdoe. Ele
é seu filho, ele é um arcanjo. A estrela-da-manhã.
Eu nunca parei para analisar todos esses sonhos estranhos, mas você
sempre esteve comigo. Antes eu tinha medo de te amar, mas não tenho mais.
Você nunca me mostrou nada além de afeto, alegria e cuidados. O carinho
especial cresceu e ao longo dos anos transformou-se em amor.
Levantei-me, ofegante.
— Preciso dizer a ele. Preciso contar o que sonhei... — ofeguei entre
as palavras, nervosa. — Chegou a hora de me confessar. Esse é o momento
em que devo encará-lo nos olhos e dizer que o amo, pois é o que eu de fato
sinto. — disse a mim mesma, acenando com a cabeça.
Mas qual?
— Não.
— Por pecar contra mim e contra os seus irmãos, será expulso dos
céus. — assenti com a cabeça. — Por pecar contra a humanidade, feita à
minha semelhança, dou-lhe a mais importante das tarefas. Mas isso não é um
presente, é um tormento.
Franzi a testa sem entender. Ergui a cabeça, mirando seu rosto. Seus
olhos azuis estavam marejados.
— O fim?
Eu pequei por inúmeros motivos, mas, de algum modo, sei que não
partiu apenas de mim. Surgiu em meu coração, mas alguma coisa excitou
aquele sentimento. Um ser sombrio e que desconheço, mas que imagino
quem é e que está trancafiado atrás daqueles portões.
— Não era meu desejo lhe dar isso, mas esse é o preço do seu erro. —
levantou-se, passando por mim.
Acompanhei-o.
— É com dor que eu, o doador da vida, os expulso dos céus, filhos
meus. — aproximou de mim, tocando meu ombro e com a palma aberta,
acertou meu peito, arremessando-me em direção à Terra.
Vagamos por muito tempo, em uma terra quase inabitada, até que
encontramos o inferno, onde fizemos nossa morada. Por muito tempo
recusei-me àquela tarefa, mas a cada dia aquelas chaves pareciam atrair mais
curiosos, então as tomei, guardando-as. Iniciando minha condenação.
[...]
— Pois acredite.
— Não acredito!
— Sim, vale.
— Deveria estar?
— Sim, é consolador.
[...]
— Por que não me esperou? Não! Não pode ser... — neguei com a
cabeça, rendendo-me ao desespero. — Recuso-me a deixá-la partir, criança!
Quem irá orar por mim? Quem pedirá meu perdão?
Solucei feito uma criança. Eu havia aprendido a gostar dela. Ela havia
me mostrado um lado humano que eu não conhecia. Até então, eu só
conseguia enxergar maldade nos homens, mas ela mudou tudo isso.
[...]
— Mudei por ela, prometi que seria bom e que não faria maldades,
mas... — pus-me de pé, ajeitando meu colarinho. — Você me fará quebrar
uma promessa, Baal. E não sabe como odeio desapontar minha amada
donzela. — cerrei os punhos, fazendo-os flamejar.
— Donzela...
— Donzela, eu...
Fiz menção de tocar seus lábios outra vez, mas desviei-os, descendo a
boca ao seu pescoço. Com a ponta da língua, deslizei suavemente ao seu seio
esquerdo, beliscando-o com a ponta dos dentes por cima do tecido fino,
arrancando-lhe gemidos baixos.
Deixei seus seios, descendo com a boca por sua barriga. Entre
mordidas e beijos, pus-me entre suas pernas. Enfiei dois dedos por trás do
tecido da calcinha, esticando-a até rasgar, revelando uma boceta com lábios
grossos, pequena e com poucos pelos, dois dedos acima do clitóris.
Ela gemeu, um pouco mais alto dessa vez, puxando as pernas contra
seu corpo. Segurei ambas com uma única mão, continuando a dedá-la.
— Farei você delirar por essa cama e só quando não tiver mais força,
lhe darei prazer. — retruquei, levando ambos os dedos à boca, sem tirar os
olhos dela.
Ao passar uma das mãos por sua nuca, juntei seus cabelos, trazendo-a
a mim. Chupei seus lábios, puxando-os, causando sons estalados. Assim que
parei, encarei-a, mas vi seus olhos em outro lugar e acabei acompanhando-os.
O som das minhas bolas batendo em seu queixo ecoava por todo o
quarto, mixando-se aos meus gemidos de prazer, cada vez mais altos e
constantes. Aquilo era delicioso. Seus lábios, cada vez mais íntimos do meu
membro, acompanhavam meu ritmo. Notei que uma de suas mãos estava
entre suas pernas, estimulando seu clitóris em movimentos circulares.
O jogo era gostoso, mas não havia pausa, não poderia haver.
Aconcheguei-me melhor entre suas pernas e encaixei o caralho entre sua
boceta. Quente. Ela estava pegando fogo.
Assim que entrei, ouvi-a gritar num misto de dor e prazer. O meu
corpo todo se ouriçou, levando-me a iniciar uma série de socadas lentas e
constantes. O meu pau fervilhava feito brasa dentro dela.
O tesão era tamanho que nem notei quando ela conseguiu livrar as
mãos, marcando minhas costas com as unhas, quase rasgando-a. Cerrei os
dentes, aumentando o ritmo, mirando aquela cena: o entra e sai do meu
caralho em sua boceta, que o engolia completamente, sem hesitar. O cheiro
de sexo tomando todo o quarto, contaminando o ambiente.
— Vai continuar pulsando por muito tempo, pois não pretendo retirar
agora... — beijei sua testa.
— Keybriel.
Um longo suspiro invadiu o salão e com ele, uma leve brisa me tocou.
Uma luz atrás de mim obrigou-me a virar para trás e, em cima de um altar, vi
uma cesta de ouro que flutuava a poucos metros do chão.
— Há algo de errado?
— Pergunte. — o acompanhei.
— Está preparada para encarar tudo que pode vir a acontecer estando
ao meu lado? — ele franziu as sobrancelhas, deixando o receio transparecer
em sua voz.
— Contado o quê?
— Orei por você e você veio até mim. Eu pensei que você fosse um
anjo... — gargalhei, corrigindo-me. — Você é um anjo, mas um anjo caído.
Não senti medo, na verdade, fiquei feliz em te ver.
— E hoje entende?
— Eu socorri.
— Só você.
Eles amavam um ao outro mais que tudo, um amor puro, sem malícia
ou ganância. Apenas puro amor, amor de irmãos.
Emanuel chorou por ver aquele que ele mais amava se afastar. O seu
coração se encheu de dor, pois Deus é o Princípio e o Fim. Ele viu que o seu
pequeno irmão iria se corromper. Ele viu que mesmo se salvasse Principesa,
Satan tentaria cobrir o universo com trevas. Por amar seu irmão, ele não
interviu, pois ainda Deus nutria em seu íntimo a esperança de que Satan
voltasse a ser quem era; seu amado irmão, o irmão caçula, o único que
esteve com ele desde o princípio.
Vendo que Deus seguiu sua sugestão, Satan apreciou sua criação de
tal maneira que também amou o homem, mas ao ver que mesmo o homem,
uma criatura inferior ante um Deus, possuía uma companheira, irou-se
novamente e desprezou do fundo do seu coração a humanidade, jurando
atormentá-los e levá-los à extinção.
— Sim.
— Sim e não.
— Sim e não? — arregalei os olhos. — O que quer dizer com isso?
— A chave não lhe fará mal, mas há seres que estão lutando para
obtê-la. — Lúcifer afinou os olhos.
— Quais seres?
— Baal.
Arregalei os olhos como nunca antes e senti meu coração palpitar sem
parar. Um medo instantâneo me tomou. Engoli em seco, tentando encaixar as
coisas em minha cabeça.
— Baal está reunindo as chaves, não para libertar Satan, mas para
usar o imenso poder que há dentro delas. Você é a prova viva desse poder. —
encarou-me sério.
Sua mãe e seu irmão. Isso ecoou tantas vezes em minha mente que
tonteei. De repente, tudo ficou escuro.
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
Preciso achar uma falha, qualquer brecha que seja e, então, tudo
estará acabado para ele.
— E quanto a Cinthia?
— Eu entendo.
— Não reagiu. Fiz o que era preciso para mantê-lo vivo. Se quando
ele acordar quiser me chutar, é um direito dele. — forçou um sorriso e se
levantando, esticou os braços para o alto. — Já bolou um plano?
— Já.
— E qual é?
— O benefício da dúvida.
Aquilo era uma grande verdade. Qual seria a reação dela? O que ela
me diria? O que aconteceria quando ficássemos frente a frente?
— Vá e cumpra sua missão. — ordenei.
— Sei que não, mas tenho medo de deixá-la partir e sentir aquele
vazio novamente dentro de mim... — murmurei, abaixando a cabeça.
Mantive-me em silêncio.
— Por quê? — sua voz tremulou. — O que ele quer com eles?
— Não posso.
— Não é isso...
Silêncio.
Um fino fio de silêncio, como uma teia de aranha, armada para pegar
a primeira palavra e explodir, enrolando sua presa.
— Humanos nos tornam fracos e você sabe disso melhor que eu, lorde
Balthazar. — desceu os degraus do trono e lançou-se em minha direção sem
pressa. — No entanto, estou disposto a acatar seu pedido, desde que me dê
algo que eu desejo muito. — parou em minha frente, ajeitando meu
colarinho.
— Confiança.
— Pensarei sobre.
— Ainda me pergunto o que Lúcifer fez de tão grave para que você
tenha vindo aqui me propor um acordo.
— É verdade.
— Do próprio Deus.
Baal arregalou os olhos, sem sequer piscar. Ele não entendia, mas
parecia querer entender. Por instantes, pensou bastante, mas não obtive
resposta. Eu conseguia ver em seus olhos. Ele estava perdido em ideias.
— Devo dizer que você é muito inteligente, mas não tanto quando eu
esperava, Baal. — desci os degraus, caminhando lentamente até ele. —
Soberba em demasia. — ri, parando ao seu lado.
— Do que está falando? — cerrou os dentes.
Afinei os olhos.
— Antecipar?
— Santo Deus, sempre ouvi que o Senhor nunca nos dá um fardo que
não possamos carregar, mas... — minha voz falhou. — Isso é demais para
mim. Eu sou uma mortal, uma humana, sem poder algum. Como o destino da
humanidade poderia estar em minhas mãos? Na minha decisão? — suspirei.
— Quem sou eu, Deus meu? Quem sou eu? — gemi baixinho.
Se for como ele disse, de nada vai adiantar salvá-los... Afastei aquelas
ideias. Precisamos achar um jeito. É isso! Vamos achar uma maneira de
salvá-los!
Sem dizer nada ou esboçar reação diante das minhas palavras, ele me
tomou nos braços, pegando-me no colo. Deitei o rosto em seu ombro e fechei
os olhos, ouvindo sua voz poderosa ecoar. O seu cheiro trazia um sabor de
chocolate amargo a boca.
Não demorou muito para sentir o ar frio da noite acertar minha pele. E
por mais que o ardor gelado tentasse me engolir, ele não permitia. Seu corpo
inteiro queimava em brasa, aquecendo-me, protegendo-me, sempre ao meu
lado, como prometeu que faria.
— Por ser tão fraca, por não poder andar com minhas próprias pernas.
Por ser totalmente dependente de você... — gemi baixinho.
Encarei-o outra vez, vendo seus olhos brilharem com água ao redor de
seus globos oculares. Sorri e selei seus lábios. Eu sabia a razão, pois ele havia
me dito antes:
“... Se retirar essa chave, você irá morrer. Entende isso? Anos atrás eu
a usei para lhe devolver o fôlego da vida, mas... enquanto ela permanecer
dentro de você, Cinthia, você estará protegida”.
Engoli em seco.
Uma estrela de seis pontas surgiu em nossa frente. Um ar denso fez
meus cabelos esvoaçarem e dela saíram quatro: Ezequiel, Kirel, minha mãe e
meu irmão.
Ele estava quente, em fogo. Antes não queimava, mas agora minha
pele ardia um pouco. Ele não estava furioso comigo, estava furioso com eles.
— Por que está fazendo isso? Você não se importa com o futuro do
universo? — pensei em dar um passo à frente, mas hesitei.
— Blá blá blá. — rosnou e, estendendo uma mão ao alto, fez surgir
uma grande lança cravejada em ouro, que girava ao seu redor. — Talvez isso
te estimule um pouco. — moveu o indicador, acertando Felipe ao meio,
fazendo-o gemer.
— Ele não viveria muito tempo, sabe? Ficou louco depois que o
possuí. O fanatismo religioso tem suas serventias... — afinou os olhos.
— Se você trai seus amigos, seus companheiros, por qual razão vive?
— Balthazar prosseguiu. — Você disse que amava uma mortal, mas quando
se ama, protege. Esse é o tipo de proteção que você oferece a ela?
— Sete... Oito...
— Não tema em responder. Você já escolheu, basta dizer. — Lúcifer
sussurrou em minha orelha.
Não conseguia ver o rosto de Lúcifer naquele momento, pois sei que
aquilo o surpreendeu, pois ainda na mansão, eu havia dito que escolheria
minha família mas não escolhi. Eu não podia arcar com o peso do fim do
universo em minhas costas. Por mais que eu amasse a minha família, aquilo
era muito maior que eles...
Antes que tudo acontecesse, Lúcifer cobriu meus olhos com uma das
mãos, abraçando-me junto a ele.
Gritei como nunca antes. Quando ouvi a lança tocar o chão, senti
como se tivesse me tocado. Caí de joelhos, mas Lúcifer me ergueu, tomou-
me em seus braços e com uma das mãos em minha nuca, afagou meus
cabelos, em silêncio.
Assim que seu rosto marcou-se com a água dos seus olhos, ele beijou
minha testa e me pôs sentada atrás dele, vendando meus olhos.
O eco da minha voz saiu como uma explosão nuclear. O estádio veio
abaixo, a cidade de São Paulo caiu, mergulhando em escombros.
“Lúcifer, eu te amo...”.
Amon sacou sua espada e investiu contra Baal, mas ele já não era
páreo, não quando Baal tinha a posse de três chaves. Com um simples mover
de dedos, Amon foi arremessado para longe. Sua espada caiu a poucos
metros do seu corpo desacordado.
“Será arriscado, Amon”.
Afinei os olhos.
Estendi os braços e levitei no ar, subindo cada vez mais alto, então
parei, encarando-os de cima. Envolto por uma esfera brilhante, aprontei-me
para a batalha final. Os meus grandes pares de asas, com suas pontas
adornadas de penas de ouro surgiram; em seguida, minha armadura cobriu
todo meu corpo.
Caí feito uma estrela, rolando várias vezes, até parar. Só não
mergulhei na terra por conseguir diminuir a força do impacto a tempo.
Ele não podia dominar as chaves por completo, mas o pouco que
conseguia estava quase todo sob seu controle. Os seus poderes aumentaram
consideravelmente. Preciso terminar com isso rápido ou terei problemas.
Afastei-me para trás quando ele ergueu uma das mãos, criando
milhares de esferas azuis. Fiz o mesmo, brotando do nada esferas negras. Elas
se chocavam, causando outra sequência de explosões.
— Está surpreso?
— Sinceramente, não. Dado a sua hierarquia no céu quando estava lá,
imaginei que seria um grande adversário. — assentiu com a cabeça.
Magia não ajudaria. A batalha teria de ser guiada pela força bruta e
ele havia entendido isso tanto quanto eu. Girei minha espada em minhas
mãos e a apertei com força, fazendo suas esporas saltarem, furando-me. E
sugando meu sangue, Deucalior flamejou, iluminando um mundo coberto em
sombras.
Lancei-me em sua direção, desferindo golpes rápidos. Ele se defendia
sem esforço. Aumentei o ritmo, fazendo-o saltar para trás. Com o indicador,
Baal passou o dedo no rosto, que indicou um fio de sangue.
Aqui. Respondeu-me.
Num bater de asas, fui em sua direção. Eles não estavam muito
longes. Assim que os vi, pousei.
— Nunca amei outra mulher na vida. Você foi a primeira e única para
mim. — sussurrei.
Ao cair no chão, levei uma das mãos à barriga, tocando algo molhado.
Era sangue. Gargalhei, sentindo o fôlego da vida esvair-se de mim.
— Não! — Balthazar urrou com tanta força que sua luz dissipou as
sombras que cobriam todo o planeta.
Olho para o meu corpo. Eu já não usava mais armadura. O meu corpo
estava coberto por um tecido de seda branca.
“Glória, Glória a Deus nas Alturas, pois um Pai ama seu filho.
Glória, Glória a Deus nas Alturas, pois um Pai quando ama seu filho, o pune
se for preciso e o ergue do abismo”.
O que é isso que estou sentindo? Por que estou envergonhado? O que
Cinthia fez comigo?
— Não...
Abri os olhos, vendo seu rosto por uma fração de segundos antes de
desviar nossos olhares.
— Quando dei vida aos anjos, chorei. — ergui o rosto, mas não
muito, apenas o suficiente para vê-lo sorrir. — No entanto, de todos os meus
filhos, você foi o que mais me fez chorar.
— Um pai faz tudo por um dos seus filhos. Ele se sacrifica se for
preciso, mergulha nas profundezas do oceano e mesmo que não veja o fim,
não desiste. Ele reconstruiria o mundo por apenas um e por apenas um, ele
fez toda a humanidade sofrer. — dei um longo suspiro.
— Mas eu...
— Sim, Tu sabes.
Não, ele não estava falando de mim. Ele está falando do seu irmão, o
irmão caçula.
— Satanás. Amei-o tanto que fiz o mundo como prova desse amor.
Dei vida ao universo, mas ele o odiou e levou o seu ódio a incontáveis
corações. Um deles foi o seu... — virou-se, encarando-me fixamente nos
olhos.
— O Senhor sempre nos contava essa história. — comentei.
— Sim.
— Ela é maravilhosa.
— Sei que é.
— Não.
— No começo, pois no fim estava disposto a dar sua vida por eles,
mesmo sabendo que o inimigo a sua frente não poderia ser vencido. — fez
uma pausa, lançando-me um sorriso. — Mas, ainda assim, lutou.
Engoli em seco.
— Foi por eles e por ela. — balançou a cabeça. — Você temeu pelo
fim do universo, temeu pelo fim das vidas, temeu pelo fim de tudo e, na
última batalha, decidiu que lutaria para protegê-los. Foi isso que você fez.
Permaneci em silêncio.
— E essa foi a sua remissão. A remissão dos seus pecados, das suas
transgressões. Foi por essa razão que Cinthia entrou em sua vida; para
mostrar que todos somos iguais aos olhos de Deus: anjos, humanos e seres
santos. Não há melhor, nem pior.
— Talvez.
— Por quê?
— Estou pronto para pagar por meus erros, P-Pai. — minha voz
tremulou quando o chamei novamente por aquele nome.
O cordeiro veio como leão e urrou como nunca antes. Senti meu
corpo todo queimar, sendo levantado do chão e então, tudo desapareceu outra
vez.
CAPÍTULO TRINTA E NOVE
POR CINTHIA
Satan? Esse ser é Satan? Arregalei os olhos, sentindo todo meu corpo
tremer.
Arrepiei-me por inteira com aquela cena. Jamais imaginei que meus
olhos veriam algo tão divinal quanto aquilo.
Dentre os anjos, caiu uma estrela na terra. Uma que brilhava mais que
as outras, cujo corpo estava revestido em glória.
— Que deu seu filho unigênito para que todo aquele que nele crê,
tenha vida eterna. — Gabriel finalizou.
Pisquei algumas vezes. A minha visão voltava aos poucos. Assim que
a claridade acertou meus olhos, cobri-os com um dos braços.
Lúcifer!
Ele estava tão bonito. Era o mesmo, mas parecia tão diferente.
Sentando-se na cama, encarou-me fixamente. O meu corpo inteiro se
arrepiava.
— Eu disse que voltaria, minha donzela. — sorriu.
Assim que fiz menção de abrir a boca, ele avançou sobre mim,
colando seus lábios nos meus. E envolvendo-me em um beijo, avançou sem
pressa, forçando seu corpo contra o meu.
Lúcifer sorriu, segurou meu rosto com ambas as mãos e encostou sua
testa à minha. Seus olhos lacrimejavam e eu não entendia a razão.
— Está me deixando com medo!
— Ele? Nosso? — franzi a testa sem entender, até que a ficha caiu. —
É-É-É impossível...
— Quais partes?
— Ah, ele acertou. De fato surgiu outro mais belo e mais poderoso
que eu. — sacudi a cabeça.
— Qual história?
— Ah, isso não é verdade, mamãe. O papai tem lido apenas alguns
capítulos, apenas hoje ele resolveu me contar toda a história, desde o começo.
— assentiu com a cabeça, como se reforçasse a verdade em suas palavras.
— Está acostumando mal seu filho. Ele não arruma o quarto, faz
travessuras e anda pregando peças nos funcionários da casa. — ela disse,
lançando-me um olhar inquisidor.
Após tantas recusas, ele agora se vestia como um mortal. Belo como
era, logo arrumaria seu par e quando digo logo, realmente quero dizer logo.
Desde a chegada de Yuri, Gisele largou do pé de Balthazar, se dedicando a
cercar Querberus onde quer que ele vá.
— Excelente dia.
— Infelizmente sim.
— Não sei vocês, mas eu pretendo seguir com meu bataclã. — disse
Amon, surgindo no hall.
Gargalhamos em coro.
— Pergunte.
— E de fato discutimos.
— Que tal um pouco de... — sugeri, subindo uma das mãos por suas
coxas. Mordisquei seus lábios, puxando-os em minha direção e encostei
minha testa na sua.
— O que, papai?
— Papai?
— Quem é Benemonth?
— Certo, papai.
Nunca imaginei que fosse dizer isso, mas agora tenho uma família.
Uma casa para onde voltar e pessoas por quem lutar.
~FIM~
SOBRE O LIVRO
Para finalizar, quero lhes convidar para ficarem atentos aos próximos
lançamentos. Os spin-offs do “Livro dos Arcanjos” serão liberados em breve,
e, por último, será lançado “Pecado Divino”, o livro que deu origem a
Lúcifer.
BALTHAZAR
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