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A arte de seduzir

Kakao Braga
Em frente ao escritório onde trabalho há uma praça. Nos dias quentes pipocam pessoas de
todas as idades, desde os esportistas aos perdidos sem rumo até as famílias com crianças. E eu me
dou ao direito de parar por alguns minutos para tomar sol. Debruço-me na varanda e observo o
movimento. Outro dia, entre a vegetação havia um garotinho de uns cinco anos com uma bola que
corria de lá pra cá, como que se exibindo para alguém. Só então que percebi que próximo dali havia
uma garotinha de cachinhos castanhos sentada na grama observando-o. Ri. Até os pequenos
começam cedo a se exercitar na arte da conquista.
Engana-se quem acha que só os seres humanos é que recorrem a alguma estratégia de
sedução. Os rituais de “paquera” estão presentes em toda a natureza. Por exemplo, o musaranho,
pequeno roedor parecido com um esquilo, encontrado na América do Norte, Europa, norte da África
e oeste da Ásia, precisa de muitas lambidas na face e na nuca para amolecer o coração da amada e
conquistar o direito a reprodução. Já o gibão, macaco de braços compridos e corpo esguio, que vive
nas florestas tropicais e subtropicais da Índia, Indonésia e República Popular da China, passa um
bom tempo demonstrando seus dotes de canto nos galhos das árvores até ir para os finalmente.
Há também os que tem muita paciência como o tiliqua rugosa, lagarto das áreas desérticas da
Austrália. Os machos passam meses atrás do seu objeto de adoração, cutucando e lambendo
gentilmente para mostrar o quanto se importam. Uma vez ligado, o par vai procurar um ao outro a
cada temporada de acasalamento e mesmo quando o parceiro morre, só Deus sabe o porquê, o
sobrevivente permanece dias cutucando o outro com ternura.
Alguns biólogos garantem que tais táticas servem para impressionar e fortalecer o vínculo
entre o casal, evitando a separação após o acasalamento. Uma tentativa de persuadir o alvo da
paquera a dividir o trabalho árduo de garantir a perpetuação da espécie, para construir o ninho,
defendê-lo de predadores e buscar alimentos.
Com os humanos não é diferente. Talvez só exista um pouco mais de sofisticação, pelo
menos nos tempos modernos. Creio que na Idade da Pedra, era só uma questão de pegar a mulher
pelos cabelos e raptá-la até a caverna mais próxima. Hoje só mudaram um pouco as técnicas. É claro
que o macho não precisa mais exibir seus músculos ou dar uma dentada na fêmea, mas em alguns
casos chega muito próximo disso quando o macho alfa se pavoneia para a fêmea ao ostentar roupas e
relógio de grife ou o carro possante.
Como diz o protagonista do filme “Dom Juan de Marco”, as mulheres são um mistério a ser
resolvido e isso certamente desperta o interesse dos homens, mesmo porque eles têm que garantir
que seus genes se perpetuem para as próximas gerações. Enquanto os homens se utilizam de armas
mais agressivas, as fêmeas são mais discretas e sugestivas. Quem resiste a um olhar de lado, um
sorriso malicioso, um suspiro prolongado, uma mordidinha despretensiosa no lábio inferior
demonstrando uma dúvida inexistente ou ainda um cruzar de pernas? Um gesto certo na hora exata e
pronto: a presa está dominada.
Nos relatos bíblicos, Eva com sua astucia foi a primeira a mostrar que sua vontade era mais
forte do que a de Adão. Já Dalila usou de seus encantos para seduzir Sansão e descobrir o segredo de
sua força. O rei de Israel, Davi, ficou encantado com a bela Betseba ao vê-la banhar-se. A paixão foi
tamanha que ele não teve dúvidas de convocar o marido dela para uma batalha mortal para depois
desposar a viúva.
Fora da Bíblia, a atraente e dizem que ela nem era bonita, Cleópatra conseguiu sobreviver
atraindo para sua cama seu irmão, Júlio César e Marco Antônio. Ao perceber que seria incapaz de
seduzir Otávio, o próximo que poderia ajudá-la a defender o Egito do controle romano, matou-se.
Na China do século VII, o jogo da sedução também corria solto. Aos treze anos, Wu Zetian se
tornou concubina do soberano Taizong e, depois, envolveu-se com o filho dele, Gaozong. A sua
ambição e capacidade de manipulação levaram-na a alcançar o posto de Imperatriz consorte e depois
tornar-se a única mulher na história do país a ocupar o trono como regente.
O rei Henrique VIII também foi arrebatado pelas irmãs Bolenas, ele era amante da mais
velha. O fato é que os encantos e o frescor da jovem Ana, a mais nova, fizeram-no numa canetada
inventar a igreja anglicana, que permitiu o divórcio de sua primeira união, e a cisão definitiva entre
Inglaterra, o papa e o resto da Europa. Outra que se mostrou bastante ousada foi Josefina, a amante
de Napoleão, conhecida por suas conquistas amorosas e nunca teve medo das censuras da sociedade.
O garotinho e a menininha foram levados pelos pais e o sol se escondeu entre as nuvens. Não
esperava ouvir o som de notificação no celular. Meio que sem interesse fui ver o que era. A
mensagem dizia apenas: “Você quer comer um peixe comigo?” Não acredito! Era do rapaz com
quem eu tinha conversado há alguns dias sobre praia e viagens. Nunca fui boa na arte de seduzir.
Talvez porque, na verdade, nunca quis ser mãe ou tive o sonho de eternidade. Basta-me viver um dia
de cada vez. Enfim, vou responder que quero. Serei apenas eu mesma. Sem grandes jogadas ou
lances. Talvez um batom, um lápis, um perfume. Se der certo, deu. Se não, la nave va.

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