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Embora tenha sido um dotado orador e um advogado de sucesso, Cícero acreditava que sua carreira
política era sua conquista mais importante. Foi durante seu consulado que a Segunda Conspiração de
Catilina tentou derrubar o governo romano através de um ataque por forças estrangeiras e Cícero
suprimiu a revolta executando cinco dos conspiradores sem o devido processo legal. Durante a caótica
segunda metade do século I a.C., marcada pelas sucessivas guerras civis e pela ditadura de Júlio César,
Cícero liderou a campanha pelo retorno do governo republicano. Logo depois da morte de César, Cícero
se destacou como inimigo de Marco Antônio nas lutas pelo poder que se seguiram, atacando-o numa
série de discursos. Acabou proscrito como inimigo do estado pelo Segundo Triunvirato e
consequentemente executado por soldados por sua ordem em 43 a.C., depois de ser interceptado numa
tentativa de fugir da península Itálica. Suas mãos e sua cabeça foram, como vingança final de Antônio,
exibidas no Fórum Romano.
Índice
Vida pessoal
Primeiros anos
Família
Carreira pública
Primeiros anos
Cônsul
Exílio e retorno
Guerra civil de Júlio César
Oposição a Marco Antônio e morte
Legado
Obras
Discursos
Tratados
Cartas
Retratos ficcionais
Ver também
Referências
Bibliografia
Ligações externas
Vida pessoal
Primeiros anos
Cícero nasceu em 106 a.C., em Arpino, uma cidade montanhosa a 100 quilômetros para o sudeste de
Roma. Seu pai era um rico membro da ordem equestre e possuía boas relações em Roma. Porém, sendo
semi-inválido, não pôde entrar na vida pública, mas estudou extensivamente para compensar. Embora
pouco se sabia sobre Élvia, a mãe de Cícero, era comum que as esposas de importantes cidadãos romanos
fossem responsáveis pela administração da casa. O irmão de Cícero, Quinto, escreveu em uma carta que
ela era uma dona de casa muito parcimoniosa.[12]
O cognome de Cícero, seu sobrenome pessoal, vem da palavra latina para grão-de-bico, "cicer". Plutarco
explica que o nome foi originalmente dado a um dos ancestrais de Cícero que tinha uma fenda na ponta
de seu nariz parecido com um grão-de-bico. Porém, é mais provável que os ancestrais de Cícero tenham
prosperado pelo cultivo e venda de grãos-de-bico.[13]
Os romanos geralmente escolhiam cognomes pessoais
muito práticos: os famosos nomes dos Fábios,
Lêntulos e Pisões também eram originários dos nomes
latinos para feijões, lentilhas e ervilhas. Plutarco
escreve que Cícero foi orientado a mudar seu nome
quando entrou na política, mas recusou, afirmando que
ele iria torná-lo mais glorioso do que Escauro ("de
tornozelo inchado") e Cátulo ("filhote").[14]
Segundo Plutarco, Cícero era um estudante extremamente talentoso, cuja erudição atraía a atenção de
todos em Roma,[17] o que permitiu que ele estudasse o direito romano sob Quinto Múcio Cévola Áugure,
um dos maiores juristas da época.[18] Os colegas de estudo de Cícero foram Caio Mário, o Jovem, Sérvio
Sulpício Rufo (que também se tornou um advogado famoso e um dos poucos que o próprio Cícero
considerava superior a si mesmo em assuntos legais) e Tito Pompônio. Estes dois últimos e Cícero
tornaram-se amigos pela vida toda e Tito Pompônio — que depois receberia o cognome "Ático", cuja
irmã casou-se com Quinto, o irmão de Cícero — tornar-se-ia, nas palavras do próprio Cícero, "como um
segundo irmão" com quem manteve uma correspondência até o final da vida.[19]
Cícero desejava perseguir uma carreira na política seguindo os passos do cursus honorum. Em
90-88 a.C., Cícero serviu tanto Pompeu Estrabão quanto Sula em suas campanhas na Guerra Social,
embora ele não tivesse nenhum pendor pela vida militar por ser um intelectual em primeiro lugar. Cícero
começou sua carreira como advogado por volta de 83-81 a.C.. Seu primeiro grande caso, do qual um
registro literário ainda existe, foi sua defesa, em 80 a.C., de Sexto Róscio numa acusação de
patricídio.[20] Aceitar este caso foi um movimento corajoso para Cícero, pois o patricídio era considerado
um crime hediondo e as pessoas a quem Cícero estava acusando de homicídio, o mais famoso deles
Lúcio Cornélio Crisógono, eram favoritos de Sula. Nesta época, teria sido muito fácil para Sula mandar
assassinar o desconhecido Cícero, cuja defesa foi um desafio indireto ao ditador. Por conta de sua
poderosa defesa, Róscio foi inocentado.[21]
O caso de Cícero foi dividido em três partes. A primeira parte detalhou exatamente a acusação feita por
Erício. Cícero explicou como um rústico filho de um fazendeiro, que vive das benesses de suas próprias
terras, não teria nada a ganhar cometendo patricídio, pois ele certamente herdaria as terras depois da
morte de seu pai. A segunda parte fez referência à empáfia e à ganância de dois dos acusadores, Magno e
Capitão. Cícero contou ao júri que eles seriam os prováveis assassinos por serem ambos gananciosos,
tanto por conspirarem juntos contra um concidadão, e Magno, por sua empáfia e por não ter vergonha de
aparecer na corte para realizar falsas acusações. A terceira parte explicou que Crisógono tinha imenso
poder político e a acusação só teve sucesso por causa deste poder. Mesmo que Crisógono não tenha sido
quem Cícero afirmou que ele era, Cícero, por meio de sua
poderosa retórica, com sucesso, fez com que ele parecesse ser um
liberto estrangeiro malicioso o suficiente para aproveitar-se do
resultado da guerra civil para prosperar. Cícero concluiu que isto
revelava que tipo de pessoa ele era e que algo como um
assassinato não era impossível para Crisógono.[22]
Família
Cícero casou-se com Terência, provavelmente aos 27 anos de idade, em 79 a.C.. Segundo as tradições
morais da classe superior romana da época, este foi um casamento de conveniência, mas perdurou, de
forma harmoniosa, por cerca de 30 anos. A família dela era rica, provavelmente a casa nobre plebeia dos
Terêncios Varrões, o que se encaixava bem com as ambições políticas de Cícero, tanto em termos
econômicos quanto sociais. Ela tinha uma meia irmã chamada Fábia, que ainda criança, tornou-se uma
virgem vestal, uma honra muito grande. Terência era uma mulher de vontade forte e, segundo Plutarco,
"ela demonstrou mais interesse na carreira política do marido do que ela permitiu que ele interferisse
nos assuntos domésticos".[29]
Na década de 50 a.C., as cartas de Cícero a Terência tornaram-se mais curtas e mais frias. Ele reclamava
aos amigos que ela o teria traído, mas não especificou em que sentido. Provavelmente, o casamento
simplesmente não pôde resistir à tensão das revoltas políticas em Roma, o envolvimento de Cícero nelas
e várias outras disputas entre os dois. O divórcio parece ter ocorrido em 51 a.C. ou pouco antes.[30] Em
46 ou 45 a.C.[31] Cícero casou-se então com uma jovem, Publília, que havia sido sua pupila. Acredita-se
que Cícero precisava do dinheiro dela, especialmente por ter que devolver o dote de Terência.[32] Este
casamento não durou muito.
Embora o casamento com Terência tenha sido de conveniência, acredita-se amplamente que Cícero
gostava especialmente da filha deles, Túlia Cícera.[33] Quando ela ficou doente, em fevereiro de 45 a.C.,
e morreu depois de ter aparentemente se recuperado do parto de seu filho em janeiro, Cícero ficou
arrasado. "Perdi a única coisa que me prendia à vida", ele escreveu a Ático.[34] Ático pediu-lhe que
Cícero fosse visitá-lo durante as primeiras semanas de seu luto para que recebesse conforto no pior
momento de sua dor. Na gigantesca biblioteca de Ático, Cícero leu tudo que os filósofos gregos haviam
escrito sobre a superação do luto, "mas minha tristeza supera qualquer consolo".[35][36] César, Bruto e
Rufo enviaram-lhe cartas de condolências.[37]
Cícero esperava que seu filho se tornasse um filósofo como ele, mas Cícero, o Jovem, preferia a carreira
militar. Ele juntou-se ao exército de Pompeu em 49 a.C. e, depois da derrota dos republicanos na Batalha
de Farsalos, em 48 a.C., César o perdoou. Cícero o enviou a Atenas para estudar como discípulo do
filósofo peripatético Crátipo de Pérgamo em 48 a.C., mas ele próprio se aproveitou do fato de estar
distante dos "olhos vigilantes de seu pai" para "comer, beber e ser feliz".[38] Depois do assassinato de
Cícero, seu filho se juntou ao exército dos liberatores, mas foi, mais uma vez, perdoado, desta vez por
Otaviano (o futuro imperador Augusto). O remorso de Otaviano por não ter se oposto à colocação de
Cícero na lista de proscritos durante o Segundo Triunvirato levou-o a ajudar consideravelmente a carreira
do filho dele. Cícero, o Jovem, tornou-se áugure e foi nomeado cônsul em 30 a.C. junto com o próprio
Otaviano. Na função, o destino quis que ele fosse o responsável por revogar todas as honras dedicadas a
Marco Antônio, o principal artífice da proscrição de seu pai. Posteriormente, ele atuou como procônsul
da Síria e da Ásia.[39]
Carreira pública
Primeiros anos
Seu primeiro cargo na magistratura romana foi o de um dos vinte
questores anuais, um posto de "treinamento" considerado pré-
requisito para o avanço para uma posição mais séria na
administração pública numa diversidade de áreas, mas com uma
tradicional ênfase na administração e na contabilização rigorosa das
verbas públicas sob o acompanhamento de um magistrado mais
sênior ou governador provincial. Cícero serviu na Sicília, em
75 a.C., e demonstrou honestidade e integridade na lida com os seus
habitantes. Como resultado, os agradecidos sicilianos pediram que
Cícero processasse Caio Verres, um governador da Sicília, que havia
saqueado duramente a província. O processo resultante foi um
grande sucesso[40] para Cícero. Caio Verres contratou o proeminente
advogado de uma família nobre, Quinto Hortênsio Hórtalo. Depois
de um longo período na Sicília coletando testemunhos e evidências e
persuadindo testemunhas a se apresentarem, Cícero retornou a Roma
Busto de Cícero nos Museus
e venceu o caso numa série de dramáticas batalhas na corte. Seu
Capitolinos, em Roma
estilo único de oratória o destacou perante o extravagante Hortênsio.
Depois da conclusão deste caso, Cícero passou a ser considerado o
maior orador de Roma. O ponto de vista de que Cícero pode ter aceitado este caso por razões pessoais é
possível. Hortênsio já era, nesta época, conhecido como o melhor advogado de Roma e derrotá-lo
garantiria o sucesso e o prestígio que Cícero precisava para avançar sua carreira. A habilidade oratória de
Cícero aparece de forma clara no assassinato da reputação de Verres e em várias outras técnicas de
persuasão utilizadas sobre o júri. Um exemplo pode ser encontrado no discurso "In Verrem", no qual ele
diz "...com os senhores neste banco, senhores, com Mânio Acílio Glabrião como vosso presidente, não
compreendo o que Verres espera conseguir".[41] A oratória era considerada a grande arte na Roma Antiga
e uma importante ferramenta para a disseminação do conhecimento e a promoção pessoal nas eleições,
em parte por não existirem jornais ou mídia de massa regulares. Cícero não era nem patrício e nem
plebeu e sua ascensão política, apesar de sua origem relativamente humilde, tem sido tradicionalmente
atribuída ao seu brilhantismo como orador[42].
Cícero cresceu numa época de revoltas civis e guerra. A vitória de Sula na primeira de uma série de
guerras civis levaram a uma nova moldura constitucional que minou a "Libertas" ("liberdade"), o valor
fundamental da República Romana. Ainda assim, as reformas de Sula reforçaram a posição da ordem
equestre, contribuindo para o aumento do poder desta classe. Cícero era tanto um equestre italiano quanto
um homem novo, mas, mais importante, era um constitucionalista romano. Sua classe social e sua
lealdade à República asseguraram que ele iria "conseguir o apoio e a confiança do povo e também das
classes médias italianas". A facção dos optimates nunca aceitaram plenamente Cícero, o que minou seus
esforços para reformar a República tentando manter a constituição. Apesar disto, Cícero conseguiu
avançar no cursus honorum, assumindo cada uma das magistraturas na ou perto da idade mínima
possível: questor em 75 a.C. (31 anos), edil em 69 a.C. (37 anos) e pretor em 66 a.C. (40 anos), servindo
como presidente da corte de "reclamações". Finalmente, Cícero foi eleito cônsul em 63 a.C., aos 43 anos
de idade.
Cônsul
Cícero foi eleito cônsul para o ano de 63 a.C. com
Caio Antônio Híbrida, que teve um papel
secundário. Durante seu mandato, Cícero
desmantelou uma conspiração cujo objetivo era
assassiná-lo e derrubar a República Romana com a
ajuda de forças armadas estrangeiras, liderada por
Lúcio Sérgio Catilina. Cícero obteve um senatus
consultum ultimum e expulsou Catilina da cidade
depois de quatro veementes discursos, conhecidos
como Catilinárias, que, até hoje, são considerados
"Cícero denuncia Catilina". Quando foi cônsul,
como exemplos máximos de seu estilo retórico. As
Cícero foi responsável por desmantelar a Segunda
Catilinárias listaram as chicanas de Catilina e de Conspiração de Catilina, executando sumariamente
seus seguidores e denunciaram seus senadores seus líderes, uma decisão que resultaria em seu
simpatizantes como devedores maliciosos e exílio anos depois.
teimosos que dependiam de Catilina como uma 1889. Afresco de Cesare Maccari no Palazzo Madama, em
Roma.
esperança final desesperada. Cícero exigiu que
todos deixassem a cidade. No final de seu primeiro
discurso, Catilina rapidamente deixou o Senado (que, na época, se reunia no Templo de Júpiter Estator).
Em seus discursos seguintes, Cícero não endereçou diretamente Catilina. Cícero então proferiu o segundo
e o terceiro discursos perante o povo e o Senado e o último, novamente, perante o Senado. Com as
"Catilinárias", Cícero queria preparar o Senado para o pior caso possível e apresentou, adicionalmente,
mais evidências contra Catilina.[43]
Catilina fugiu e deixou para trás seus seguidores, cujo objetivo era provocar a revolta em Roma,
enquanto ele tentava atacar a cidade com um exército de "falidos morais e fanáticos honestos". Catilina
tentou envolver os alóbroges, uma tribo da Gália Transalpina, no complô, mas Cícero, trabalhando com
os gauleses, conseguiu interceptar cartas que incriminavam os cinco conspiradores e os obrigaram a
confessar seus crimes perante o Senado.[44]
O Senado então decidiu sobre a punição dos conspiradores. Como era o principal corpo de apoio das
várias assembleias legislativas e não um corpo jurídico, havia limites para o seu poder; porém, o senatus
consultum ultimum ainda estava vigendo e, temia-se, que a simples prisão domiciliar ou o exílio — as
opções padrão — não seriam suficientes. A princípio, Décimo Silano pediu a "penalidade extrema";
muitos foram convencidos por Júlio César, que descartou o precedente que seria criado e defendeu a pena
de prisão perpétua em variadas cidades italianas. Catão, o Jovem, então se insurgiu a favor da pena de
morte e todos no Senado finalmente concordaram com ele. Cícero levou os conspiradores até o Tuliano, a
notória prisão romana, onde foram todos estrangulados. O próprio Cìcero acompanhou o antigo cônsul
Públio Cornélio Lêntulo Sura, um dos conspiradores, até lá. Cícero recebeu o honorífico de "Pater
Patriae" pelos seus esforços para suprimir a conspiração, mas viveu o resto da vida com medo de um
processo ou do exílio por ter condenado cidadãos romanos sem consentimento prévio de um tribunal
responsável.
Depois que os conspiradores foram executados, Cícero estava orgulhoso de suas realizações. Alguns
inimigos políticos argumentaram que o ato, pela voz de Cícero, ganhou popularidade, exagerando seu
próprio sucesso. Ele cometeria o mesmo erro novamente anos depois, quando voltou a Roma depois de
seu exílio. Neste período, Cícero alegou a a República seria restaurada com ele.[45]
Exílio e retorno
Em 60 a.C., Júlio César, convidou Cícero para ser o quarto membro de sua parceria com Pompeu e
Crasso, uma aliança que seria finalmente chamada de Primeiro Triunvirato. Cícero recusou o convite pois
suspeitava que o objetivo dos três era minar as instituições republicanas.[46]
Cícero tentou re-entrar na política, mas seu ataque a uma lei de César fracassou. A Conferência de Luca,
em 56 a.C., forçou Cícero a abjurar sua posição e a apoiar o Triunvirato. Depois disto, Cícero,
acovardado, concentrou-se em suas obras literárias. É incerto se ele chegou a se envolver diretamente na
política nos anos seguintes.[52] Relutantemente, aceitou o governo proconsular da Cilícia em 51 a.C.,
principalmente pela falta de outros candidatos elegíveis por conta de um novo requisito legislativo
imposto por Pompeu em 52 a.C., que especificava um intervalo de cinco anos entre um consulado ou
pretorado e um comando provincial.[53] Cícero então serviu como procônsul da Cilícia entre maio de 51
até novembro de 50 a.C.. Acompanhado por seu irmão, Quinto, atuando como seu legado, Cícero foi
poupado de ações militares por conta de conflitos internos entre os partas, mas, ainda assim, foi aclamado
imperator por suas tropas por tomar uma fortaleza nas montanhas e derrotar os últimos cilícios
independentes.
Numa carta a Varrão por volta de 20 de abril de 46 a.C., Cícero revelou sua estratégia sob a ditadura de
César. Cícero, porém, foi completamente surpreendido quando os liberatores assassinaram César nos
idos de março de 44 a.C.. Ele não fazia parte da conspiração, mas os conspiradores estavam seguros de
seu apoio ou simpatia. Marco Júnio Bruto chamou seu nome, pedindo-lhe que restaurasse a República
quando retirasse a adaga ensanguentada depois do assassinato.[56] Uma carta escrita por Cícero em
fevereiro de 43 a.C. a Trebônio, um dos conspiradores, começava assim: "Como eu desejava que tivesses
me convidado para aquele gloriosíssimo banquete nos idos de março!".[57] Cícero tornou-se um líder
popular no período de instabilidade que se seguiu ao assassinato. Ele não tinha respeito algum por Marco
Antônio, que estava conspirando para se vingar dos assassinos de César. Em troca de anistia para eles,
Antônio conseguiu que o Senado concordasse em não declarar César um tirano, o que permitiu que os
cesarianos tivessem suporte legal e mantivessem as reformas e políticas de César intactas.[58]
Cícero foi um dos proscritos perseguidos de forma mais violenta e obstinada. Ele era muito popular e
muitos não quiseram delatá-lo. Ele foi finalmente capturado em 7 de dezembro de 43 a.C. deixando sua
villa em Fórmias numa liteira a caminho do litoral, onde embarcaria para um navio destinado à
Macedônia.[61] Quando seus assassinos — Herênio (um centurião) e Popílio (um tribuno) — chegaram,
os próprios escravos de Cícero afirmaram desconhecer seu paradeiro, mas Cícero foi traído por Filólogo,
um liberto de seu irmão, Quinto Cícero.[61]
Consta que suas últimas palavras foram: "Não há nada adequado sobre o que está fazendo, soldado, mas
tente me matar adequadamente". Ele se ajoelhou perante seus captores, inclinando sua cabeça para fora
da liteira em um gesto gladiatorial destinado a facilitar a execução. Ao expor seu pescoço e garganta aos
soldados, estava indicando que não resistiria. Segundo Plutarco, Herênio primeiro o matou e depois
cortou sua cabeça. Por ordem de Antônio, suas mãos, que haviam escrito as "Filípicas" contra ele, foram
cortadas também; elas e a cabeça foram pregadas na Rostra no Fórum Romano seguindo a tradição
inaugurada por Mário e Sula, que também exibiam as cabeças de seus inimigos no Fórum. Contudo,
Cícero foi a única vítima das proscrições do Segundo Triunvirato a sofrer esta humilhação. Segundo Dião
Cássio, em uma história geralmente atribuída incorretamente a Plutarco,[62] a esposa de Antônio, Fúlvia,
pegou a cabeça de Cícero, arrancou sua língua e a espetou repetidas vezes com um grampo de cabelo,
uma vingança final contra o poder da oratória do inimigo de seu marido.[63]
O filho de Cícero, Cícero, o Jovem, durante seu consulado, em 30 a.C., vingou de certa forma a morte de
seu pai ao anunciar ao Senado a derrota naval de Marco Antônio na Batalha de Ácio no ano anterior
pelas mãos de Otaviano e de seu habilidoso comandante e amigo, Agripa.
Otaviano (o futuro imperador Augusto) aparece
depois nas fontes elogiando Cícero como patriota e
um acadêmico de grande importância para seus
amigos e familiares.[64] Porém, foi a sua própria
concordância que permitiu que ele fosse morto.
Legado
Tradicionalmente, Cícero é considerado o mestre da prosa latina.
Quintiliano declarou que Cícero "não era o nome de um homem, mas
da própria eloquência".[67] Atribui-se a ele a transformação do latim,
de uma língua modesta utilitária em um meio literário versátil capaz de
expressar pensamentos complicados e abstratos com clareza.[68] Júlio
César elogiou as conquistas de Cícero dizendo que "é mais importante
ter expandido muito as fronteiras do espírito ('ingenium') romano do
que as fronteiras do Império Romano".[69] Segundo John William
Mackail, "a glória única e imortal de Cícero é que ele criou a língua do
mundo civilizado e utilizou esta língua para criar um estilo que, por
dezenove séculos, não foi substituído e, em alguns aspectos, sequer foi
alterado".[70]
Esta influência aumentou ainda mais depois da Alta Idade Média na Europa, pois suas obras
sobreviveram mais do as que de qualquer outro autor latino. Filósofos medievais foram influenciados
pelas obras de Cícero sobre direito natural. A redescoberta das cartas de Cícero por Petrarca impulsionou
novas buscas por obras em grego antigo e latim espalhadas pelos mosteiros europeus e a subsequente
redescoberta da Antiguidade Clássica levou ao Renascimento. Logo depois, Cícero tornou-se um
sinônimo do latim clássico de tal maneira que diversos estudiosos humanistas passaram a afirmar que
nenhuma palavra ou frase latina poderia ser utilizada se não pudesse ser encontrada nas obras dele, uma
posição criticada por Erasmo de Roterdã.[74] Sua volumosa correspondência, a maior parte da qual
direcionada para seu amigo Ático, foi especialmente influente, introduzindo a arte da escrita refinada de
epístolas na cultura europeia. Cornélio Nepos, o biógrafo do século I a.C. de Ático, lembrou que as cartas
de Cícero continham tamanha riqueza de detalhes "sobre as inclinações de homens importantes, os
fracassos de generais e as revoluções no governo" que o leitor delas sentia pouca necessidade de uma
história do período.[75]
Entre os admiradores de Cícero estavam Erasmo, Martinho Lutero e John Locke.[76] Depois da invenção
da prensa móvel por Gutenberg, "De Officiis" foi o segundo livro impresso na Europa depois da Bíblia de
Gutenberg. Estudiosos destacaram a influência de Cícero no renascimento da tolerância religiosa no
século XVII.[77]
Jim Powell começa seu livro sobre a história da liberdade assim: "Marco Túlio Cícero expressou os
princípios que tornaram-se a fundação da liberdade no mundo moderno".[82]
Da mesma forma, nenhuma outra figura da antiguidade inspirou tanta crítica, por vezes venenosa, quanto
Cícero, especialmente entre os críticos mais modernos.[83] Seu compromisso com os valores da
República acomodava um ódio aos pobres e uma persistente oposição aos advogados e aos mecanismos
de representação popular.[84] Friedrich Engels referia-se a ele como o "canalha mais desprezível da
história" por defender uma "democracia" republicana enquanto, ao mesmo tempo, denunciava reformas
agrárias e sociais.[85] Cícero também enfrentou críticas por exagerar as qualidades democráticas da
República Romana e por defender uma oligarquia contra as reformas populares de César. Michael Parenti
admite as habilidades de Cícero como orador, mas considera-o uma personalidade vaidosa, pomposa e
hipócrita que, quando lhe era vantajoso, podia mostrar apoio público para causas populares que detestava
em privado. Parenti relata o processo de Cícero na Segunda Conspiração de Catilina como legalmente
falho, para dizer o mínimo, e possivelmente ilegal.[86]
Cícero também teve influência sobre a astronomia. Copérnico, buscando por fontes antigas para o
movimento da Terra, afirmou que "primeiro... encontrou em Cícero que Hicetas havia proposto que a
Terra se movia".[87]
Obras
Cícero foi declarado um pagão justo pela Igreja antiga[88] e, por isso, suas obras foram consideradas
dignas de serem preservadas. Os bogomilos consideravam-no como um dos poucos santos pagãos.[89]
Escritores cristãos romanos e medievais citaram sem ressalvas "De Re Publica" e "De Legibus" e muitas
de suas obras foram recriadas a partir destas citações fragmentárias. Cícero articulou também uma
primeira conceituação de direitos, primitiva e abstrata, baseada nas leis e nos costumes antigos. Das
Obras de Cícero
obras de Cícero, seis sobre retórica sobreviveram, além de partes de outras oito em filosofia. De seus
discursos, 88 foram citados, mas sobreviveram apenas 58.
Discursos
(59 a.C. Pro Flacco ("Em Defesa de
(81 a.C.) Pro Quinctio ("Em Defesa de
Flaco")
Quíncio")
(57 a.C.) Post Reditum in Senatu
(80 a.C.) Pro Roscio Amerino ("Em Defesa
("Discurso ao Senado Depois de sua
de Róscio de Améria")
Volta")
(70 a.C.) In Verrem ("Contra Verres")
(57 a.C.) Post Reditum ad Quirites
(69 a.C.) Pro Fonteio ("Em Defesa de ("Discurso ao Povo Depois de sua Volta")
Fonteio")
(57 a.C.) De Domo Sua ("Sobre sua
(69 a.C.) Pro Caecina ("Em Defesa de Casa")
Cecina")
(57 a.C.) De Haruspicum Responsis
(66 a.C.) Pro Cluentio ("Em Defesa de ("Sobre a Resposta aos Arúspices")
Cluêncio")
(56 a.C.) Pro Sestio ("Em Defesa de
(66 a.C.) De Imperio Gnaei Pompei ou De Sêxtio")
Lege Manilia ("Sob o Comando de Cneu
(56 a.C.) In Vatinium ("Interrogatório de
Pompeu")
Vacínio")
(63 a.C.) De Lege Agraria ("Sobre as Leis
(56 a.C.) Pro Caelio ("Em Defesa de
Agrárias", propostas por Servílio Rulo
Célio")
(63 a.C.) In Catilinam ("Contra Catilina",
(56 a.C.) De Provinciis Consularibus
conhecidas em português como
("Sobre as Províncias Consulares")
"Catilinárias")
(56 a.C.) Pro Balbo ("Em Defesa de
(63 a.C.) Pro Rabirio Perduellionis Reo
Balbo")
("Em Defesa de Rabírio")
(55 a.C.) In Pisonem ("Contra Pisão")
(62 a.C.) Pro Sulla ("Em Defesa de Sula")
(54 a.C.) Pro Rabirio Postumo ("Em
(62 a.C.) Pro Archia Poeta ("Em Defesa de Defesa de Rabírio Póstumo")
Árquias, o Poeta")
(52 a.C.) Pro Milone ("Em Defesa de (45 a.C.) Pro Deiotaro ("Em Defesa do rei
Milão") Deiotaro")
(46 a.C.) Pro Marcello ("Em Defesa de (44–43 a.C.) Philippicae ("Filípicas", contra
Marcelo") Marco Antônio)[90]
(46 a.C.) Pro Ligario ("Em Defesa de
Ligário")
Tratados
"Sobre a Finalidade Moral",[91] um livro
(55 a.C.) De Oratore ad Quintum fratrem
sobre ética)[92]
libri tres ("Sobre o Orador, três livros para
seu irmão Quinto") (45 a.C.) Tusculanae Quaestiones
("Discussões Tusculanas")
(51 a.C.) De Re Publica ("Sobre a
República") - O Sonho de Cipião (45 a.C.) De Natura Deorum ("Sobre a
(fragmento final) Natureza dos Deuses")
(?? a.C.) De Legibus ("Sobre as Leis") (44 a.C.) Topica ("Tópicos")
(46 a.C.) Brutus ("Bruto") (44 a.C.) De Divinatione ("Sobre a
Adivinhação")
(46 a.C.) Orator ("Orador")
(44 a.C.) De Fato ("Sobre o Destino")
(45 a.C.) Hortensius (um obra sobre
filosofia) (44 a.C.) De Amicitia ("Sobre a Amizade")
(45 a.C.) Consolatio (sobre o luto e a (44 a.C.) Cato Maior de Senectute
consolação) ("Catão, o Velho, Idoso")
(45 a.C.) Academica ("Sobre o Ceticismo (44 a.C.) Laelius de Amicitia ("Lélio sobre
Acadêmico") a Amizade")
(45 a.C.) De Finibus Bonorum et Malorum (44 a.C.) De Gloria ("Sobre a Glória")
("Sobre a Finalidade do Bem e do Mal" ou (44 a.C.) De Officiis ("Sobre os Deveres")
Cartas
As Cartas de Cícero, trocadas com uma variedade enorme de figuras públicas e privadas, são
consideradas como uma das mais confiáveis fontes de informação sobre pessoas e eventos relacionados à
queda da República Romana. Apesar de trinta e sete livros de cartas de Cícero terem sobrevivido, outros
trinta e cinco foram citados em fontes históricas e são considerados "perdidos" atualmente. Entre estes,
cartas a César, Pompeu, Otaviano e a Marco, seu filho.[93]
Retratos ficcionais
Cícero aparece como um personagem menor na peça "Júlio César" de William Shakespeare. No cinema,
Cícero foi representado pelo ator britânico Alan Napier no filme de 1953 "Julius Caesar", baseado nesta
mesma peça. Diversos outros famosos atores, como Michael Hordern (em "Cleopatra", de 1963) e André
Morell (em "Julius Caesar", de 1970). Mais recentemente, Cícero foi interpretado por David Bamber na
série televisiva Roma (2005–2007), da HBO, aparecendo em todas as temporadas.
Ver também
Cônsul da República Romana
Sucedido por:
Precedido por: Caio Antônio Híbrida 'Décimo Júnio Silano
'Lúcio Júlio César 63 a.C.
com Lúcio Licínio
com Caio Márcio Fígulo com Marco Túlio Cícero
Murena
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