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O CASO DE MARIA DA PENHA 05

ÍNDICE APRESENTAÇÃO DO CASO


A História de Maria da Penha

TEORIA 1
A Versão da Vítima
06
07

08
09

Dupla Tentativa de Feminicídio 10

A Injustiça não terminaria em casa 11


Quando tudo Mudou 12

TEORIA 2 13
O Outro Lado do Caso 14

A Calma Antes da Tempestade 16

Um Pesadelo se Torna Realidade 17

A Perícia Criminal 19

As Notícias Sobre Maria Chegam 20

O Tratamento no Hospital 21

O Ponto de Virada da História 22

Onde Estão as Armas do Crime? 23

A Espingarda dos Assaltantes 24

Outra Acusação Seria Feita Contra Marco 25

Uma Nova Descoberta 26

O Depoimento das Testemunhas 27

O Argumento Para Premeditação 28

O Processo Sob a Ótica Feminista 29

A Criação da Lei Maria da Penha 30

Marco Heredia Seria Preso 31

CONCLUSÃO DO CASO 32
A Dignidade de um Homem 33

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA


Conhecida e premiada internacionalmente, Maria
da Penha é lembrada até hoje como uma das poucas
mulheres, vítima de violência doméstica, que não
se calou ante às agressões sofridas pelo marido e
conseguiu justiça, mesmo que tardiamente. Sua
história teve um impacto tão imenso que em 7 de
agosto de 2006, a lei n.º 11.340 foi sancionada
em seu nome em proteção das mulheres. É
justo dizer que todo brasileiro conheça Maria
da Penha, ou tenha, ao menos, escutado seu
nome; no entanto, sua história está sob uma
luz tênue, que mantém muitos detalhes
escurecidos ao indivíduo pouco informado.
Todo crime é composto da dualidade
entre a versão da vítima e do agressor.
Se nos interessa saber a verdade, como
bons investigadores, precisamos
reavaliar cada mínimo aspecto
da história para entender o seu
real significado. Afinal, como
foi de fato A história de
Maria da Penha

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 5


E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 6
A HISTÓRIA DE
MARIA DA
PENHA Como tudo começou
Nascida em Fortaleza no dia primeiro de todos à sua volta. Naturalmente, o relacio-
fevereiro de 1945, Maria da Penha Maia namento parecia promissor e assim, ambos
Fernandes conheceu o colombiano, Marco decidiram se casar em 1976.
Heredia, quando estava cursando seu Após o nascimento da primeira filha e da
mestrado na Faculdade de Ciências Far- finalização do mestrado de Maria, o casal
macêuticas da Universidade de São Paulo voltou para Fortaleza, onde nasceram suas
em 1974. Naquele ano, eles começaram duas outras filhas. Contudo, foi a partir desse
a namorar, e Marco Antonio demonstrava momento que a história de amor passou por
ser muito amável, educado e solidário com uma mudança sombria.

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E-BOOK BP | OS ARQUIVOS SECRETOS DE JFK 8
Teoria 1

A VERSÃO
DA VÍTIMA
Para ser fiel às alegações de Maria da Penha, as seguintes
informações foram retiradas diretamente do site do Instituto
Maria da Penha. Após conseguir sua cidadania brasileira e
se estabilizar financeira e profissionalmente, Marco mudou
completamente. Conforme é relatado, ele agia sempre com
intolerância, exaltando-se com facilidade e tinha comporta-
mentos explosivos não só com a esposa, mas também com
as próprias filhas. O medo constante, a tensão diária e as
atitudes violentas tornaram-se cada vez mais frequentes.

Formou-se, assim, o ciclo da violência: aumento da


tensão, atos de violência, arrependimento e comporta-
mento carinhoso. Foi nessa última fase, também conhecida
como “lua de mel”, que, na esperança de uma mudança real
por parte do ex-marido, Maria da Penha teve a sua terceira
filha. Entretanto, isso não resolveria a situação, que estava
prestes a piorar.

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Teoria 1

DUPLA TENTATIVA
DE FEMINICÍDIO
As agressões tomaram um rumo além do controle

Em 1983, Maria da Penha foi vítima de


duas tentativas de feminicídio por parte de
Marco Heredia. Primeiro, ele disparou em
suas costas enquanto ela dormia. Por con-
sequência, Maria ficou paraplégica devido a:
- lesões irreversíveis na terceira e quarta
vértebras torácicas (im.01);
- lacerações na dura-máter (im.02) e;
- destruição de um terço da medula à im.01
esquerda (im.03) — sem contar ainda outras
complicações físicas, bem como os traumas
psicológicos decorrentes.
Quatro meses depois, quando Maria da
Penha voltou para casa, após duas cirur-
gias, internações e tratamentos, Marco
manteve-a em cárcere privado durante 15
dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.
Juntando as peças de um quebra-cabeça
perverso montado pelo agressor, Maria da
Penha compreendeu os diversos movimentos im.02
feitos pelo ex-marido: ele insistiu para que
a investigação sobre o suposto assalto não
fosse levada adiante.
As manipulações não paravam por aí.
Marco fez com que ela assinasse uma procu-
ração que o autorizava a agir em seu nome,
inventou uma história trágica sobre a perda
do automóvel do casal, tinha várias cópias
de documentos autenticados de Maria da
Penha e ainda, para a surpresa de Maria,
tinha uma amante com quem trocava cartas. im.03

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Teoria 1

A INJUSTIÇA
NÃO TERMINARIA
EM CASA
O processo do caso na lei
Além do crime sofrido dentro do seu pró- Contudo, sob a alegação de irregularidades
prio lar, outra injustiça aconteceu, dessa processuais por parte dos advogados de
vez, por parte do poder judiciário: o primeiro
defesa, mais uma vez a sentença não foi
julgamento de Marco Heredia aconteceu
somente em 1991, oito anos após o crime. cumprida. Dois anos mais tarde, o caso
O agressor foi sentenciado a 15 anos de começou a ganhar atenção, agora interna-
prisão, mas, graças aos recursos solicitados cionalmente.
pela defesa, ele saiu do fórum em liberdade.
Mesmo fragilizada, Maria da Penha conti- Em parceria com algumas ONGs, Maria
nuou dando voz a sua causa e escreveu o da Penha denunciou o caso para a Comissão
livro “Sobrevivi… posso contar”, publicado
Interamericana de Direitos Humanos da
em 1994, relatando sua história e os anda-
mentos do processo contra Marco. OEA. Entretanto, mesmo diante do litígio
internacional, o Estado brasileiro per-
O segundo julgamento foi somente reali-
zado em 1996, em que o seu ex-marido foi maneceu omisso e não se pronunciou em
condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. nenhum momento durante o processo.

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Teoria 1

QUANDO TUDO
MUDOU
A virada do século trouxe uma resolução para o caso
Somente em 2001, após receber quatro liar contra a mulher. Após muitos debates, o
ofícios da OEA, o Brasil foi responsabilizado Projeto de Lei foi aprovado por unanimidade
por negligência, omissão e tolerância em em ambas as Casas. Assim, em 7 de agosto
relação à violência doméstica praticada de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula
contra as mulheres brasileiras. A história de da Silva sancionou a Lei N.º 11.340, conhe-
Maria da Penha significava mais do que um
cida até hoje como a Lei Maria Da Penha.
caso isolado: era um exemplo do que acon-
tecia no Brasil sistematicamente sem que os Por consequência, a contribuição de
agressores fossem punidos. Maria da Penha com essa importante con-
Em 2002 foi formado um Consórcio de quista para as mulheres brasileiras tem
ONGs Feministas para a elaboração de uma lhe proporcionado, no Brasil e no exterior,
lei de combate à violência doméstica e fami- muitas homenagens.

2009 2010 2011 2012


Ordem de International Women Orden de Isabel TEDx
Rio Branco of Courage Award la Católica Fortaleza

2013 2015 2016 2017 2018


Prêmio Direitos Medalha da Prêmio Franco-alemão Indicação ao Grande-Colar do
Humanos Abolição de Direitos Humanos e Prêmio Nobel Mérito do Tribunal de
do Estado de Direito da Paz Contas da União

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E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 13
Teoria 2

O OUTRO LADO DO CASO


A história de Marco Heredia
Nascido em Medellín, Colômbia, Marco Alguns meses se passaram e Maria con-
Antonio Heredia Viveros foi o filho mais vida Marco para conhecer a sua família
velho de três homens, e irmão de sete em Fortaleza. A viagem é feita e uma boa
mulheres, as quais desde cedo eram suas relação é estabelecida com os familiares da
melhores amigas. Após se formar em Eco- esposa. Quando voltaram para São
nomia e Administração pela Universi- Paulo, Maria da Penha revela
dade de Bogotá, Marco veio para que sua licença para o
o Brasil em março de 1973 por mestrado estava ter-
intermédio de uma bolsa de minando, e ela pre-
pós-graduação na USP — cisaria voltar para
oportunidade de somente trabalhar no IPEC
duas vagas oferecida pela de Fortaleza.
embaixada brasileira.
Em 1976, três anos da sua
estadia no Brasil, Marco conhece
Maria da Penha em uma festa. Em
um ano, eles estavam namorando
e ao saber da notícia da gravidez,
decidiram comprar um apartamento
juntos. Vivendo em São Paulo, a
vida do casal era agitada, mas
feliz: com o carro que com-
praram, Marco deixava
Maria no hospital onde
trabalhava e ia para
USP ministrar aulas.
Em 25 de dezembro de
1977 nascia a pri-
meira filha do casal,
Viviane.

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 14


Teoria 2

Assim, Marco decide abandonar a vida Penha. Ela já estava separada do ex-ma-
em São Paulo para acompanhar Maria até rido antes de conhecer Marco, mas só pode
se divorciar oficialmente depois da pro-
Fortaleza, onde ficava a família e o emprego
da namorada. Maria se muda primeiro, indo mulgação da lei do divórcio em dezembro
para a casa dos pais, e Marco fica um tempodaquele ano — motivo esse pelo qual Marco
em São Paulo estudando, terminando suas e ela ainda não haviam se casado; o que
pesquisas e fazendo palestras para juntar fizera 6 meses depois no cartório João de
dinheiro — pelo telefone, eles mantinham Deus em Fortaleza. Também em 79, nascia
contato. Em 1978, Marco visita sua família a segunda filha do casal, Cláudia Fernanda.
na Colômbia e volta para o Brasil com um Na separação, Maria da Penha recebe um
terreno. Marco então pega um emprés-
rifle de pressão, “inofensivo” e com a “pape-
lada feita”, como relatou. Com o seu Che- timo e contrata um engenheiro para cons-
truir uma nova casa para a família, onde se
vrolet Chevette, ele viaja de São Paulo para
mudam em 1980. No ano seguinte, nasce a
Fortaleza, onde moraria em uma pequena
terceira filha, Fabíola. Então, Marco recebe
casa de 50m² no mesmo quarteirão do
um convite da Universidade Federal do
sogro.
Ceará para se tornar professor titular, mas
Em 1979, é concluído o processo de sepa- havia uma condição: ele precisaria ser natu-
ração do primeiro casamento de Maria da ralizado como brasileiro.

Família Heredia Viveros

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Teoria 2

A CALMA ANTES
DA TEMPESTADE
E as primeiras contradições do caso
Apesar de já ter visto de estadia perma- sendo recebido por Maria no aeroporto
nente e não almejar a naturalização, Marco com as filhas. Após encontrarem uma
fez o pedido para que pudesse trabalhar colega de Maria e voltarem para casa, a
próximo da família. Assim, mesmo a contra família foi dormir, sem imaginar, entre-
gosto, sua naturalização foi concedida tanto, o que aconteceria naquela noite.
em janeiro de 1982. No entanto,
Maria da Penha afirmou que esse
era um dos objetivos ulteriores
de Marco que, após ter as filhas,
poderia se aproveitar da família
para se naturalizar: momento esse
que ela “passou a não reconhecê-lo
mais (...) foi aí que começou o rela-
cionamento abusivo”, como relatou
em uma entrevista.
Curiosamente, em março de
1983, Marco recebe um con-
vite da USP para viajar para Bru-
xelas, na Bélgica, em setembro,
em um congresso sobre a consul-
toria da empresa Fonds Bekaert.
Para acompanhá-lo, Marco ins-
creve Maria da Penha, que fica
animada com sua primeira viagem
para Europa — o que parece con-
traditório se o relacionamento dos
dois já estivesse prejudicado pelos
supostos abusos.
Mas o casal jamais embarcaria
nessa viagem. No dia 24 de maio,
Marco vai a São Luiz do Maranhão
a trabalho, recebe 375 mil cru-
zeiros por uma consultoria e volta
para Fortaleza de avião no dia 25,

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Teoria 2

UM PESADELO SE
TORNA REALIDADE
O assalto do dia 29 de maio de 1983
Por volta das 4h30 da madrugada, por cima — foi aí que ele viu o vulto de uma
Marco despertou com sua cadela latindo pessoa.
e ouviu um barulho no forro. A pastora-
-alemã grunhia e se jogava contra o portão Quando mirou o revólver na direção do
da lavanderia, o que fez Marco pensar que forro, subitamente, alguém enlaçou Marco
fosse um gato chamando sua atenção. No por de trás, asfixiando-lhe pelo pescoço.
entanto, o barulho no forro não cessava. Assustado, ele gritou e disparou. Nesse
Suspeitando que algo estivesse errado, mesmo momento, em outro cômodo, Marco
Marco pega um revólver e uma lanterna e ouviu outro tiro. Com uma das mãos livres,
saiu descalço, checando cada cômodo. Ele
Marco tentou puxar a corda do pescoço, se
chegou onde estava a cadela, mas não viu
debatendo com o corpo contra o invasor, mas
nada e acalmou o animal, que ainda gru-
nhia. Quando foi sair, Marco percebeu que não conseguiu se soltar. Então, outro homem
a entrada no forro, com as grades de ferro, entrou no cômodo com uma espingarda de
ainda estava trancada com cadeado, mas cano serrado, colocou-a contra a parede e
percebeu que a faltava a tampa de madeira ajudou o outro invasor a desarmar Marco.

Reconstituição do assalto baseado no depoimento de Marco Antonio Heredia

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Teoria 2

— Negão! Embora! Sujou! perguntou, Marco.


Foi o que eles ouviram três vezes naquela — Estão bem!
hora e como reação, o invasor que asfixiava
— Então você vai ficar com as crianças e
Marco soltou a corda e lhe empurrou para
frente, na linha de tiro do outro assaltante você me traz uma toalha!
que lhe disparou com um revólver no ombro. Uma das empregadas vai até Maria da
Paralisado pela dor, Marco ficou no chão e
Penha, que pede para que ela ligue para
os três homens fugiram da casa. Reanimadosua mãe, mas sequer comenta sobre estar
somente pela adrenalina, Marco correu alvejada — fato esse que a empregada não
para o escritório e pegou um machete e percebe. Foi só quando os vizinhos, um casal
voltou para procurar os ladrões, mas por de médicos, entram na casa e percebem que
essa altura, eles já deviam estar longe. Maria estava, de fato, ferida e encaminha-
Atordoado, Marco ficou de cócoras frente ram-na para o pronto-socorro. Momentos
ao portão da lavanderia, por onde deveriam
em seguida, pela porta da cozinha, entram
entrar as empregadas domésticas. Por não policiais dizendo que vão levar Marco para
encontrar a chave, uma delas, Rita, pulou
o hospital, e ele assente, supondo que
pela janela e encontrou Marco ensaguen-
somente ele havia sido ferido. No hospital,
tado no chão. Momentos depois, a outra
o médico constatou que o tiro foi à queima-
empregada entrou e viu a mesma cena.
-roupa e por isso, Marco foi transferido para
— Como está a patroa e as crianças?! — o Hospital Geral de Fortaleza.

Reconstituição do assalto baseado no depoimento de Marco Antonio Heredia

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Teoria 2

A PERÍCIA CRIMINAL
Descobertas e furos de investigação
Quando os peritos chegaram na cena do foi asfixiado, deixando vestígios no telhado, no
crime, eles vasculharam o perímetro e não entanto, a perícia não menciona esse fato em
encontraram nenhuma arma. Conforme o laudo momento algum do laudo.
firmado pelos especialistas, haviam vestígios de
que os assaltantes tiveram acesso para casa No dia seguinte do assalto, Marco estava
no hospital acompanhado de um amigo do tra-
escalando o muro lateral, conseguindo chegar
balho, José Nilton, que foi lhe visitar, quando
na garagem. Dias depois, na delegacia, foi apre-
dois policiais entraram com um álbum de cri-
sentado um cartucho de espingarda, calibre 20
minosos. Como depôs Nilton, “os policiais exi-
— o mesmo calibre que atingiu Maria da Penha.
Além disso, a porta principal estava abertabiram álbuns de fotografias de marginais ao
com características de arrombamento, bem réu e este reconheceu dois assaltantes da sua
como na dependência da sala e do escritório.
casa em álbuns diferentes” — atestando o que
Mais importante, é que os objetos que seriam
Marco sempre afirmaria posteriormente ante
roubados já estavam organizados dentro do acusações e suspeitas. E de fato, a vítima reco-
carro de Marco, tais como: gravadores, rádio,
nheceu os dois assaltantes: Paulo Maravilha e
bebidas, dentre outros. Oclécio “Negão”, o que chamou a atenção dos
O laudo da perícia afirma que nada foi policiais, que comentaram que ambos eram
levado, no entanto, Marco responde dizendo violentos, matando todo tipo de pessoa sem
que levaram não só sua arma, como 375.000 hesitar. Por outro lado, em entrevista, Maria da
cruzeiros que estava na sua gaveta. Além Penha afirmou que Marco nunca identificou os
disso, Marco havia disparado a arma quando agressores do “suposto” assalto.

Reprodução fictícia dos álbuns mostrados a Marco Antonio Heredia

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 19


Teoria 2

AS NOTÍCIAS SOBRE
MARIA CHEGAM
Marco não era o único internado naquele hospital
Naquele mesmo dia, quando foi aten- se mover normalmente, e atestando sua
dido por uma enfermeira, Marco pergunta versão, o próprio corpo de delito indica a
porque sua esposa não veio lhe visitar e perfuração do tiro no seu ombro direito,
quando informou para ela o nome de Maria, que passou pelas costas — por lógica, sendo
a enfermeira contou que ela estava inter- destro, Marco não poderia ter atirado em si
nada na UTI do mesmo hospital por um dis- caso quisesse forjar um assalto.
paro nas costas. Marco ficou desesperado
Mas existe outra evidência mais impor-
e tentou sair do quarto, mas foi impedido
tante para comprovar que, de fato, um
pelos técnicos de enfermagem, que lhe
assalto aconteceu no dia 29. Quando voltou
deram um calmante e colocaram de volta
para casa com suas filhas, Marco percebeu
no quarto.
que o telhado do quarto de uma das filhas,
Ainda sem conseguir ver a esposa, no dia Viviane, estava pingando. Ao subir para
3 de junho, após receber alta, Marco é tra- checar, ele viu que algumas telhas estavam
zido do hospital pelo cunhado Itamar para soltas, fora do lugar: é nesse momento que
a casa dos sogros, onde estavam as filhas. Marco toma conhecimento que Itamar teria
Na manhã seguinte, ele pega um táxi e subido no telhado para religar o fio de tele-
vai visitar Maria na UTI, mas por conta da fone que havia sido cortado — fato esse que
sedação dos remédios, ele não pode con- atesta o depoimento das empregadas que
versar com a esposa. No dia 6, Marco foi afirmaram que tentaram ligar para o polícia
levado para fazer os exames dos múltiplos no dia do assalto, mas o telefone não fun-
ferimentos que ainda lhe impediam até de cionava.

Trecho do depoimento das empregadas da família

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 20


Teoria 2

O TRATAMENTO NO
HOSPITAL
Marco fez tudo para ajudar a esposa: inclusive mentir
sobre suas dificuldades
Ao saber da notícia que a lesão de medula para que Marco até mentisse, mas que não
da esposa era grave, e que ela precisaria trouxesse mais preocupações para a esposa
de cuidados mais contundentes, Marco sobre quaisquer dificuldades. Assim, ele
consegue, por meio de uma amiga de tra- mentiu três vezes: que perdeu o carro em um
balho, que ela seja transferida para o hos- acidente, sendo que o tinha vendido para
pital Sarah Kubitschek em Brasília, onde cobrir as despesas de casa, dos remédios
ele a visitava a cada 15 dias. Ele via Maria e equipamentos, como a própria cadeira
por meses seguidos enquanto ela tentava de rodas que ela usaria. Também, mentiu
reestabelecer a movimentação das pernas. sobre as passagens que pagava constante-
Apesar de manter uma renda boa e estável, mente para visitá-la, dizendo que a empresa
o aporte econômico do casal não era sufi- estava cobrindo; além da pensão que estava
ciente para cobrir as despesas de voo — bancando para ficar em Brasília, deixando
ainda assim, Marco se fazia presente para até de comer para economizar. Por ironia
não deixar que a esposa se sentisse sozinha. ou infortúnio, todas essas mentiras que fez
Nas condições que se encontrava, a por ela, foram usadas contra ele anos mais
única coisa que o hospital poderia fazer era tarde para incriminá-lo.
reverter uma situação de tetraplegia para Nesse período do tratamento, Marco
paraplegia, de forma que Maria poderia, ao também estava trabalhando para bancar
menos, mover o corpo da cintura para cima. as despesas das reformas na casa para aco-
Marco estava pronto, inclusive, para fazer lher Maria na sua atual condição: alargou
um transplante de medula óssea, caso fosse portas, instalou corrimãos, rampas etc. —
o necessário para a esposa. Para ajudá-lo, tudo para que pudesse dar uma vida con-
Maria da Penha voluntariamente pediu que
fortável para a esposa. Os gestos não foram
ele trouxesse alguém do cartório, pois ela
despercebidos, visto que Maria lhe enviava
iria fazer uma procuração para movimentar
cartas três vezes por semana expressando
seu salário para Marco, que expressou não
sua gratidão, detalhando como ele era
precisar disso.
“o melhor homem do mundo”, e naquele
Para evitar complicações na sua reabili- momento, Marco sabia que o que estava
tação, a doutora que cuidava de Maria pediu fazendo, era o certo.

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 21


Teoria 2

O PONTO DE VIRADA
DA HISTÓRIA
Maria descobre uma carta do marido
Ao terminar o tratamento, Maria retorna ciário.
para fortaleza. Marco já estava recupe-
— Tá, mas ela começa as denúncias
rado e voltado a trabalhar, então os pais de
contra ele, dias depois de ter encontrado
Maria cuidavam dela, levando para fisiote-
as cartas da amante? — Pergunta Benke,
rapia e ajudando-a com quaisquer outras
nosso investigador do episódio, para Zin-
necessidades. Em casa, um dia, Maria
gano.
encontrou uma carta de Marco. A partir
dali tudo mudou: era uma mensagem de — Isso.
sua amante, que conheceu em uma de suas
viagens a trabalho para Natal, ainda antes — Mas se ele deu um tiro nela com uma
do assalto. Por consequência, eles iriam se espingarda, depois pegou um revólver, deu
separar e Maria levaria as cartas consigo, um tiro nele mesmo…
pois mais tarde, ela iria usá-las contra ele
no processo.
Marco somente descobriria isso pela
filha, Viviane, que um dia lhe esperava no
seu quarto, sentada na cama. Em segredo,
a menina contou que sua mãe estava
falando com um juiz e advogado no tele-
fone. Ao buscar a separação, Maria afirmou
que foi vítima de um assalto e que Marco,
no máximo, lhe fazia maus tratos em casa.
Então, o advogado entra com um pedido de
urgência porque, como relatado, “ela tinha
medo”.
Maria da Penha havia encontrado
as cartas no dia 27 de outubro, 5 meses
após o assalto. No dia 1º de novembro ela
registra a primeira queixa contra Marco,
relatando os maus tratos do marido. 14 dias
depois é expedido o alvará de separação.
Então, Maria da Penha, com as empregas
e as filhas, sai de casa. Em entrevistas, ela
conta que pedia para Marco a separação,
mas por ele não aceitar, ela não podia fazer
nada — refém do marido e do sistema judi-

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 22


Teoria 2

ONDE ESTÃO AS
ARMAS DO CRIME?
O revólver de Marco

Após o assalto, a casa


ficou repleta de pes- apartamento onde Marco morava sozinho,
soas — as empregas, a sem qualquer ordem judicial, e levaram-no
polícia, vizinhos, dete- para a delegacia. Enquanto isso, os policiais
tives — e em momento
fazem uma diligência na casa de Marco e
algum, as armas foram
encontradas. Como as empregadas che- encontram um revólver .38 — esse, no
garam logo após o segundo disparo que entanto, não era a arma do crime, mas um
feriu Marco, encontrando-o no chão imo- revólver que Marco havia comprado após
bilizado pelo ferimento, o que significa que o assalto e levado consigo para o aparta-
não poderia ter sido ele quem escondeu ou mento. No entanto, a arma é adiciona no
levou as armas.
processo, e usado na sua acusação pelo juíz,
As armas do crime foram duas: a espin- como evidência para o tiro que Marco teria
garda de calibre .20, que disparou contra as infligido em si, mesmo ele tendo um laudo
costas de Maria da Penha, e o revólver .38
da fabricante, Taurus, que atestava que a
de Marco, tirado de sua mão e usado pelos
assaltantes. Elas nunca foram encontradas, arma só havia sido fabricada após o assalto,
no entanto, após a separação do casal, no no dia 21 de julho de 1983 — 2 meses após
dia 26 de junho de 1984, a polícia entrou no os fatos.

Reprodução do modelo do revólver apreendido com base nas descrições do processo

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 23


Teoria 2

A ESPINGARDA DOS
ASSALTANTES
A arma que se tornou outra no processo

Detido, sem mandado, Marco dorme na O rifle de pressão é, então, entregue


delegacia e no dia seguinte, 27 de junho, pela defesa de Marco para a justiça, para
ele é interrogado. Em dado momento, per- que fosse levado para análise na perícia.
guntam se ele tem uma espingarda e Marco Os resultados saem somente no dia 09 de
nega, afirmando que “a única arma de fogo fevereiro de 1991, em que se afirma que a
que possuía era o revólver”, como está no arma apresentada era “classificada como
processo. No entanto, posteriormente, em espingarda de pressão, do calibre nominal
depoimentos, as empregadas afirmam 4,5mm. O laudo é entregue para a justiça
que viram-no limpando sua espingarda — com a arma, entretanto, o instituto cri-
arma essa que era, na verdade, seu rifle de minal escreve que estavam devolvendo
pressão trazido da Colômbia anos atrás. uma espingarda de pressão esportiva de
Os policiais mostraram a foto de uma esco- calibre .20 — uma contradição judicial que
peta para elas, que afirmaram ser igual à confunde ainda mais os fatos. E, de fato, a
arma em questão, fato que seria facilmente arma devolvida não era o rifle de pressão de
refutado se outra diligência fosse feita para Marco, mas outra de um calibre diferente,
encontrar o rifle de pressão, inofensivo e o que significa que em algum momento, as
conhecido por toda família, que já havia vis- armas foram confundidas, ou mais estra-
to-o em outras ocasiões. nhamente, trocadas.

Fotografia do rifle de pressão de Marco Antonio Heredia

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 24


Teoria 2

OUTRA ACUSAÇÃO
SERIA FEITA
CONTRA MARCO
A suposta tentativa de eletrocutamento
Em dado momento do processo, Maria o chuveiro e no lugar dele me empurrar, eu
da Penha vai à delegacia fazer um boletim disse “deixa eu ver a temperatura da água”,
de ocorrência. Nele, como foi transcrito no aí passou corrente. Aí eu disse “está dando
processo, ela afirma que “certo dia foi tomar choque”. “Esse choque sempre ela deu”, eu
banho de chuveiro elétrico, ocasião que digo “não, está dando choque”. Nessa hora
notou que o mesmo estava dando choque, eu gritei. As moças vieram e me tiraram,
tendo indagado de Marco o que estava entendeu? Aí, coincidentemente, depois (...)
acontecendo, tendo este respondido que ele nunca havia tomado mais banho naquele
era porque estava acontecendo o fio terra banheiro, ele só tomava no banheiro das
e que depois colocaria; Que após esse fato a crianças. Então, o que ele ajeitou, realmente,
declarante não usou mais aquele banheiro, no período que ele estava hospitalizado, ele
temendo ser eletrocutada”. Isto é, após ajeitou o chuveiro para dar choque… pre-
essa ocasião, Maria acreditava que Marco meditou”.
estava tentando lhe matar.
Não por acidente, essa acusação acon-
Como descreveu em uma entrevista, “ele teceu no dia 29 de outubro de 1983,
disse que ia me levar no banheiro, no banho, somente dois dias depois de ter descoberto
e quando eu cheguei no banheiro, ele abriu as cartas para a amante.

Trecho do depoimento de Maria da Penha

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 25


Teoria 2

UMA NOVA
DESCOBERTA
O processo de Marco havia sido fraudado

Poucos dias antes da gravação do epi- para acusação, não constavam os tiros, nem
sódio, Dr. Otacílio — um dos entrevistados as lesões em Marco. Mais importante, nos
— conta que recebeu um e-mail de um dois documentos, a assinatura do perito
advogado, que se interessou com o caso, que assinou o documento estava diferente:
com uma cópia integral do processo digita- ela havia sido forjada na versão mais atual
lizado, questionando Otacílio onde estavam para atestar o documento que omitia deta-
o laudo das lesões, pois não estava encon- lhes imprescindíveis — sendo que, por lei, as
trando no documento. Vasculhando a cópia cópias deveriam ser fidedignas, exatamente
do processo, Otacílio, de fato, não encontra iguais.
o laudo das lesões e entra em contato com
Isso significa que o novo laudo do pro-
Marco Heredia, que tinha o documento ori-
cesso favorecia somente uma das partes:
ginal.
a da acusante, Maria da Penha. Esse,
Comparando os dois, ele percebeu que no no entanto, não é o único fator digno de
documento digitalizado, usado como base atenção no caso.

O trecho do laudo original, “Presença de marcas de arranhaduras recentes e contínuas contornando o pescoço,
a região ântero-superior do queixo - MAXILAR INFERIOR e na face interna da mão esquerda - (provacadas por,
fricção violenta de corda)”, foi subtraído do laudo que entrou no processo.

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 26


Teoria 2

O DEPOIMENTO DAS
TESTEMUNHAS
E a contradição de seus relatos
Um vigia afirma que escutou dois disparos narrativa de Marco de que três tiros aconte-
vindos da casa de Maria da Penha e que, logo ceram.
após o segundo tiro, ele foi para a frente do
Isso pode ser provado, pois Rita Teles Souza,
local e não viu ninguém, o que significa que se
uma das empregadas da família, depôs que
houve, de fato, três tiros, como Marco afirma,
“notou um buraco de bala próximo à entrada
o vigia deveria ter escutado o último e se depa-
que dá para o forro da casa”. Sendo que, na
rado com os assaltantes em fuga. No entanto,
versão de somente dois tiros, os únicos que
como o próprio Marco nos contou momentos poderiam acontecer era o que atingiu Maria no
atrás no episódio, o primeiro e segundo tiro quarto e o que atingiu Marco no ombro, ferin-
foram sucessivos, acontecendo virtualmente do-o. Logo, mesmo com a perícia afirmando que
no mesmo momento: o primeiro, aquele disparo não se encontraram vestígios de todos os tiros, o
por ele contra o telhado quando foi asfixiado, e próprio depoimento das testemunhas oculares
o segundo, aquele que acerta Maria nas costas. provam essa versão.
Considerando que o segundo tiro veio de uma Ainda assim, a versão da vítima se manteve
espingarda, que é perceptivelmente mais alto vitoriosa, e isso pode também ter acontecido,
que o de um revólver, é possível que o som tenha dentre os vários motivos, porque os próprios
abafado o do primeiro tiro, de forma que o vizi- advogados do réu, Marco Heredia, não arro-
nhou pensou ser só um. Assim, quando o ter- laram com as testemunhas que ele pediu que
ceiro tiro aconteceu — aquele que atinge Marco fossem chamadas, nem cumpriram todas as
no ombro —, o vigia pensou estar escutando, suas diligências — fora que a própria defesa
na verdade, o segundo. Fato esse que explica técnica não questionou nenhuma vez as contra-
porque, quando ele chegou lá, os ladrões já dições já citadas, o que complicou ainda mais a
haviam escapado, atestando a veracidade da resolução justa do caso.

Trecho do depoimento de Rita Teles de Souza, empregada da família e testemunha ocular

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Teoria 2

O ARGUMENTO PARA
PREMEDITAÇÃO
Se fosse mesmo o culpado,
qual seria a motivação de Marco?

Afinal, se Marco Heredia tivesse,


de fato, cometido o crime pelo qual
foi acusado, qual seria seu obje-
tivo? O que ele ganharia com isso?
Para Maria da Penha, ele estaria
interessado em receber um seguro
com a sua morte, conseguindo todo
dinheiro necessário para o que qui-
sesse: mais precisamente, para viver
com a amante.
Em mais uma entrevista, Maria
da Penha conta que ele teve a ideia
de fazer um seguro para si, e que
também poderia fazer um para ela.
Prontamente, Maria negou. “Nós
não somos um casal que a gente
pode se permitir a isso não. Eu não
vou fazer um seguro de vida para
você e nem quero que você faça
para mim. Se você quiser fazer, pode
fazer, mas eu não faço para você.”,
afirmou.
Assim, Maria afirma que Marco
a obrigou a fazer um seguro de vida
para ela, em que ele seria benefici-
ário. Mas a realidade era outra. Na
verdade, Marco fez, ainda em 1980,
um seguro em segredo em que, caso
ele morresse, ela e as filhas seriam os
beneficiários — fato que ela desco-
briu somente anos depois.
Apólice feita por Marco Antonio em 1980 em que, caso ele morresse,
Maria da Penha e as filhas seriam os beneficiários

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Teoria 2

O PROCESSO SOB A
ÓTICA FEMINISTA
Como o caso se tornou uma pauta político-social
O primeiro julgamento demorou 8 anos para acontecer e no seu
decorrer, para Maria da Penha, o processo era sempre engavetado
“por isso, e por aquilo, porque os advogados de defesa sempre inter-
feriam e aquilo demorava”. Quando Marco foi condenado, de 6 a 1,
como autor da tentativa de homicídio, “na mesma hora, os advogados
dele colocaram um recurso e ele saiu do fórum em liberdade (...) e
aí, eu comecei a confirmar a história do movimento de mulheres:
o próprio judiciário é machista.”, afirmou em entrevista.
Assim, para Maria da Penha, o processo
durou ao todo 19 anos, porque o próprio sis-
tema judiciário funcionava para blindar o
homem, sendo intrinsecamente machista
e patriarcal. Foi nesse contexto que
ela decidiu publicar o seu livro, acu-
sando as “contradições” do réu,
que em 1997 — por um amigo,
deputado do Ceará — é enviado
para a OEA com ajuda de uma
ONG.
Com o livro em mãos, a OEA
começa a intimar o Brasil
para reparar essa atitude
de negligência, que por não
condenar Marco Heredia,
prejudicava não só Maria
da Penha, mas como
todas as mulheres.

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 29


Teoria 2

A CRIAÇÃO
DA LEI
MARIA DA
PENHA
Apesar da intimação, o
Brasil viu uma vantagem
em conceder o pedido
Depois de muitas cartas,
cobranças de comprometimento
prévio e pressão, em 2001, a OEA
envia uma última carta com um rela-
tório intimando o governo para que,
de uma vez por todas, se criasse uma
lei em defesa das mulheres. Dentre
as nove recomendações do rela-
tório, uma delas definia que Marco
Heredia deveria ser preso. O Brasil,
enfim, decidiu aceitar e em agosto
daquele ano, o então presidente Lula
sancionou a Lei Maria da Penha.
Existe, no entanto, algo de mais
profundo e obscuro nessa concessão.
Nesse período, o Brasil já almejava
uma cadeira no Conselho de Segu-
rança da ONU. No entanto, a própria
ONU usou o caso de Maria da Penha
como exemplo de que, ainda, o país
não “merecia” essa posição. Natural-
mente, a pressão para a criação de
uma lei não era mais internacional,
mas também nacional. Agora, o
governo federal ditaria o ultimato:
a lei seria criada e Marco Heredia
seria preso. Lula sanciona a Lei n.º 11.340 de 2006, a Lei Maria da Penha

E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 30


Teoria 2

MARCO HEREDIA
SERIA PRESO
E algo completamente inesperado aconteceria na cadeia
No final de novembro de 2002, Marco
é apreendido quando estava ministrando
uma de suas aulas na universidade, sendo
recolhido para o IPPS, o Instituto Penal
Paulo Sarasate. Assim, como explica
Ricardo Ventura, “num estalar de dedos,
dezenove anos e seis meses depois, o
Heredia é condenado, o Brasil é aceito
para fazer parte da ONU e é criado a Lei
Maria da Penha”, cunhada por recomen-
dação da OEA com o nome de Maria,
como uma “reparação simbólica por sua
luta”.
Então, Marco passa dois anos em
regime fechado no Ceará, depois mais seis
anos em regime semi-aberto, por fim, mais
um ano em liberdade condicional. Talvez
o mais surpreendente, e certamente ines-
perado, é o fato contado pelo próprio
Marco de que, quando estava preso, ele
encontrou um dos assaltantes, Oclécio, o
“Negão”, que esteve na sua casa naquela
noite de 1983. Pessoalmente, e sobre o
testemunho de várias pessoas, Oclécio
não só conversou com Marco, chaman-
do-lhe de “professor”, como admitiu,
sem qualquer remorso ou vergonha, que
ele de fato foi um dos autores do crime,
e que Paulo Maravilha havia sido morto
em fuga. Assim, somente quando estava
preso, Marco pode confirmar que, apesar
de todas as acusações, ele sempre contou
Registro criminal de Marco Antonio a verdade.

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E-BOOK BP | O CASO DE MARIA DA PENHA 32
Conclusão do caso

A DIGNIDADE
DE UM HOMEM
Se a Lei Maria da Penha é realmente eficaz ou
não, na punição de agressores familiares e domés-
ticos, é outra pauta a ser discutida. O que importa,
após todos esses anos de acusações e divergências
de opiniões, é que essa foi uma lei sancionada sobre
o custo da dignidade de um homem, que, conforme
todos os fatos indicam, é inocente.
Até hoje, Marco Heredia é lembrado como aquele
que tentou matar Maria da Penha, mesmo que todas
as suas intenções tivessem sido de protegê-la e
garantir seu bem-estar após a hospitalização. Não
é possível dizer com exatidão se as acusações de
Maria decorreram de uma vingança pela traição do
marido. Mas, assim como expressa Marco em suas
últimas palavras no episódio, pior que ser difamado
e preso, é perder tudo aquilo que importa para um
homem, e para um pai: o amadurecimento, o con-
tato, e o amor de suas filhas.
Por fim, as palavras de Ricardo Ventura servem,
possivelmente, como a conclusão mais assertiva
possível para o fechamento deste episódio. Como
afirmou, essa “(...) é uma grande oportunidade para
as pessoas, agora, terem contato com a história na
íntegra e que você, tire suas conclusões. Você foi
enganado, ou não?

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