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Da terra para a mesa

A importância da agricultura familiar na produção sustentável de alimentos e na


realização de sonhos
Por Roberto Barcelos
Foto: Roberto Barcelos

Em lugares afastados das cidades, onde o trabalho é árduo e diário, surge um universo singular:
A agricultura familiar, conduzida por mãos calejadas e corações cheios de esperança, cultivando
alimentos e a essência de comunidades que florescem em meio a campos e pomares.
Em paisagens de um verde exuberante, ouvimos o sussurro das plantações e as vozes de pessoas
simples, muitas, vindas de uma geração que aprendeu desde cedo que a terra é uma grande mãe
e, como tal, deixa-se cultivar, oferecendo a seus filhos tudo o que necessitam para se
alimentarem e sobreviverem. São famílias que, geração após geração, se dedicam a semear a
subsistência e a prosperidade. Não é uma simples lida com a terra; é um elo entre o passado e o
presente, entre a tradição e a inovação.
Num mundo em constante transformação, a agricultura familiar emerge como uma tapeçaria
rica em diversidade e vitalidade. Nesta reportagem, tentamos descobrir os segredos guardados
nos sulcos da terra e as histórias que florescem em cada colheita. Através do contato com alguns
desses pequenos agricultores que trabalham e vivem no campo, percebemos a importância
singular da agricultura familiar no nosso dia a dia e na nossa existência. E também
compreendemos que a terra alimenta não apenas corpos, mas também almas e sonhos.
"A maior alegria e o maior amor que a gente tem é levantar de manhã e ver aquelas alfaces
parecendo rosas, só que verdes, né? E a gente acaba se apaixonando por isso", diz Laura Silva,
36 anos, e que trabalha na roça desde os 9 anos. Laura é uma morena de olhos castanhos claros,
alegre, divertida, e com muita espontaneidade nos recebeu em sua banca de produtos na feira
dos pequenos produtores, que é realizada todas as quartas-feiras em Rondonópolis, nessa feira,
eles têm a oportunidade de comercializarem seus produtos em uma relação direta com os
consumidores da cidade.
Os pais de Laura sempre residiram no campo, porém, com grande zelo pela educação de seus
filhos, decidiram proporcionar a todos uma formação na cidade. Laura, após casar-se,
completou seus estudos em ciências contábeis e viveu muitos anos em Rondonópolis. Há oito
anos, tomou a decisão de retornar ao campo com sua família, estabelecendo-se na mesma
propriedade de seus pais, localizada no município de São José do Povo, a 46 km de
Rondonópolis.
Nessa localidade, desenvolvem um projeto inovador de cultivo de alfaces, utilizando o sistema
de hidroponia em conjunto com práticas tradicionais de horticultura e cultivo de diversos
produtos. Essa iniciativa não apenas reflete a trajetória de Laura, marcada pelo equilíbrio entre a
vida na cidade e a ligação com suas raízes rurais, mas também representa uma busca por
métodos sustentáveis e modernos na agricultura familiar.
Conforme Laura relata, a proximidade com a família e o trabalho na terra sempre foram
paixões que ela carrega desde a infância, sendo fatores decisivos para seu retorno às origens.
Todo o labor é realizado em conjunto pela família. Laura é mãe de três filhos, com idades de 21,
11 e 9 anos. O caçula, em especial, demonstra grande entusiasmo pela vida no campo.
"As hortaliças constituem nossa principal fonte de renda. Possuímos recursos suficientes para
sustentar a família, proporcionar uma educação de qualidade aos nossos filhos e ainda reservar
momentos de lazer. Somos uma família feliz e planejamos continuar trabalhando desta maneira.
Já cogitamos ampliar a produção na hidroponia e contratar pessoas para se juntarem a nós",
declara Laura.
Foto: Roberto Barcelos

Suely Jesus da Silva, 45


anos, é filha de
trabalhadores rurais e
passou a maior parte de sua
infância no campo. Na fase
adulta, viveu por bastante
tempo na cidade e retornou
à vida rural há 27 anos,
estabelecendo-se no
assentamento Padre Josimo
Tavares, localizado no
Suely e Laura tem em comum o amor pela terra e a vida simples do campo município de São José do
Povo. Atualmente, Suely reside com seu esposo e um neto, que contribui ativamente na
produção agrícola.
Desde a infância, Suely teve contato constante com a terra, aprendendo com seus pais as
técnicas do cultivo. Em uma porção específica da propriedade, dedicam-se ao plantio de
hortaliças, legumes e frutas, destinados à comercialização nas feiras de Rondonópolis. Para o
transporte dos produtos, contam com o apoio da prefeitura local, que disponibiliza um caminhão
para os pequenos produtores da região.
"Organizamos espaços distintos no sítio para os produtos que cultivamos. Em uma área,
plantamos verduras; em outras, mandioca, abóbora, feijão de corda e frutas. A escolha do que
plantar e a quantidade é baseada na nossa capacidade de cuidado. O trator faz a preparação do
solo, nós realizamos o plantio, e à medida que as plantas crescem, aplicamos adubo orgânico
para afastar predadores que possam ameaçar as plantações, sempre com cuidado para preservar
o meio ambiente", afirma Suely. Ela expressa grande satisfação por ter criado seus quatro filhos
por meio do trabalho na terra, uma conquista que a enche de orgulho.
A Feira como espaço de conexão
As feiras livres são mais do que meros pontos de comércio; elas representam um encontro entre
produtores e consumidores, numa magia contagiante que parece nos levar para o campo. Uma
celebração de encontro que ressoa no coração das comunidades, como se unisse o passado e o
presente. Há diversas razões pelas quais as pessoas cultivam o hábito de frequentar esses
espaços, uma das razões, é que as feiras livres oferecem uma experiência sensorial única, o
aroma fresco das frutas, o colorido vibrante dos legumes e a variedade de produtos artesanais
criam um ambiente envolvente que vai além da simples transação comercial. Esses locais se
transformam em palcos de interação humana, onde vendedores e compradores compartilham
histórias e conhecimentos, muito além do ato de comprar e vender.
Além disso, as feiras livres proporcionam acesso a alimentos frescos e saudáveis e os
consumidores valorizam a oportunidade de conhecer a origem dos produtos, estabelecendo uma
conexão direta com os agricultores e produtores. Esse contato direto cria um sentimento de
confiança na qualidade dos alimentos, promovendo hábitos alimentares mais conscientes.
A busca por produtos únicos e artesanais também é um fator significativo. Nas feiras, os
visitantes encontram itens que dificilmente estão disponíveis em grandes redes de
supermercados, incentivando a valorização da produção local e a preservação de técnicas
tradicionais de manufatura.
O hábito de frequentar feiras livres vai além da simples compra de produtos; ele reflete a busca
por uma experiência enriquecedora, a valorização do local e a conexão com a cultura e a
comunidade. Esses espaços se tornam uma expressão viva da identidade de uma região,
consolidando-se como locais essenciais para aqueles que buscam uma vida mais autêntica e
integrada, fortalecendo os laços comunitários e promovendo um senso de pertencimento.

Foto: Cristóvão Alves

“Eu gosto de feiras, no Brasil todo por onde eu passei sempre


fui conhecer as feiras”. Declara Keila Pereira Tano, 70 anos, que
é filha única de um produtor rural mineiro (já falecido) e que
tem uma fazenda no município de Guiratinga-MT. Ela gosta e
valoriza tanto o trabalho dos pequenos produtores de alimentos,
que num passado não muito distante, tentou viabilizar um
projeto em sua propriedade de compartilhar suas terras com
mais ou menos 40 famílias, que por questões burocráticas com o
governo federal ficou apenas no sonho de Keila.
Para ela, tanto os grandes produtores quanto os pequenos, têm
importância fundamental na produção de alimentos. “Nós
Keila conheceu várias feiras Brasil afora precisamos dos dois; precisamos da soja, do milho, porque
fazem parte não só da alimentação do gado e outros animais que
são da cadeia alimentar, mas da nossa também. Meu marido é japonês, e na cultura oriental se
consome soja de várias formas, até medicamento como a Lecitina de soja, usada para o alívio
dos sintomas da menopausa nas mulheres existe. Queijos e farofa de soja são muito consumidos
no Japão”. Finaliza.
Dona Otávia Pinto de Souza, 86 anos, tem o hábito de ir Foto: Cristóvão Alves

regularmente a feira da Vila Aurora e diz sorridente:


“Gosto de vir logo bem cedo. Os produtos são colhidos
por aqui mesmo e são bem fresquinhos, e além disso não
tem o uso de agrotóxicos, a gente tem confiança de

Dona Otávia gosta de chegar bem cedo às feiras


comprar e consumir das mãos de pessoas que a gente já conhece há muito tempo. Eu fui criada
na roça e então entendo um pouquinho. Dou valor nesses pequenos produtores porque a luta não
é fácil; é sol, é chuva e trabalho duro. Aqui nessa feira para eles é bom porque não tem
atravessador, assim eles podem ganhar mais um pouquinho”.

Incentivos públicos
Ramon Borges Figueira, geólogo e secretário adjunto de agricultura do município de
Rondonópolis, apesar de ter assumido acerca de um mês essa pasta, já tem várias metas para o
próximo ano. Dentre elas, a reforma de um espaço na grande Vila Operária, dotado de
infraestrutura, que será destinado aos pequenos agricultores como um centro de comercialização
de seus produtos, é o projeto “Do Campo a Mesa”, que será uma opção mais próxima das
comunidades daquela região que tem uma grande população.
Segundo ele, o prefeito José Carlos do Pátio tem se preocupado em dar condições para que o
pequeno produtor permaneça lá no campo, sendo valorizado e produzindo com suas famílias.
“O cuidado com as estradas e pontes tem sido constante e em algumas localidades trocamos as
velhas pontes de madeira por aduelas. Outra preocupação é em relação a água, vários poços
artesianos foram perfurados em várias localidades, levando água de qualidade aos pequenos
produtores. Trocamos o fornecimento de sementes por mudas, ao invés das sementes que eram
fornecidas, nós trazemos as mudas da região da serra de São Vicente e entregamos aos
pequenos agricultores as bandejas com as mudas de hortaliças. Estamos visitando algumas
comunidades e no ano de 2024 vamos continuar essa relação de proximidade, ouvindo as
demandas e conhecendo de perto os problemas para resolvê-los. ” Afirma Figueira.
Uma inciativa já implantada nessa nova gestão da secretaria, é o sistema de produção de ovos,
que consiste no fornecimento das galinhas de postura aos interessados, com o suporte técnico
necessário, para que em um médio prazo essa região seja uma grande produtora de ovos.
Ramon se mostra muito entusiasmado com a nova missão e finaliza dizendo: “Temos vários
projetos revolucionários para serem colocados em prática no próximo ano que vão fortalecer os
produtores de hortaliças, de leite, a fruticultura e a piscicultura. Sobre as hortas nas
comunidades, nós vamos fornecer o adubo, o calcário, a parte técnica e as mudas. Iniciando o
cadastro já no mês de janeiro (2024), esperamos atender mais de mil pequenas propriedades”.

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