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Alguns dias me pego pensando no passado, em como minha vida mudou, em como meus

sonhos nunca foram realizados, em amigos perdidos, em expectativas postas em mim que não
foram concretizadas. Tudo pesa!

As pessoas quando olham para mim provavelmente pensam que sou uma mulher feliz, com o
casamento perfeito, mas não é bem assim.

Enquanto crescia via como minha mãe sofria para agradar meu pai só porque achava que essa
era sua função, sua missão de vida, nunca me tratou mal, muito pelo contrário, sempre me
deu tudo do maior e do melhor. Tive a melhor educação, as melhores roupas, os melhores
celulares e computadores e assim em diante.

Percebo hoje em dia que me dar tudo isso foi a forma que ela encontrou de me proteger da
verdade, de que a vida dela era infeliz, que ela estava fingindo ser feliz por causa do colar que
sua mãe lhe dera. Talvez eu estivesse certa desde sempre, de que esse colar nunca foi uma
benção, mas sim uma maldição.

Eu iria receber ele no dia do meu casamento e ele seria a pior coisa que já me ocorreu.

Essa é minha história, de como o peso de uma tradição familiar pode destruir uma pessoa, de
como um navio pode restaurar aquilo que já estava quebrado.

Comecei a ir para escola com 7 anos de idade, nessa escola não tive nenhum amigo
propriamente dito, eram todos meus colegas. Acho que minha solidão começou ali e não
percebi na época.

Sempre que chegava em casa o jantar já estava na mesa, meus pais me esperavam para comer
toda vez, mesmo eu dizendo que não precisava, que poderia comer sozinha, sim, com 7 anos já
era um pouco independente e gostava de ficar só, até preferia.

Aos 16 entrei no ensino médio, mais uma vez não tinha ninguém que considerasse meu amigo,
achava todos uns pés no saco, chatos, sem assunto.

Vivia sozinha estudando, querendo passar de ano logo para poder sair daquela cidade e
finalmente viver minha vida como eu queria.
Quando eu tinha apenas 19 anos tinha acabado de começar a faculdade, acordei tarde, mas
inacreditavelmente não fiquei chateada mesmo tendo sempre odiado me atrasar, fiquei
animada como se algo fosse acontecer que mudaria minha vida toda. E não é que estava
certa? Foi nesse dia que conheci meu melhor amigo.

E esse amigo foi quem mudou minha vida completamente, minhas lembranças mais felizes e
as mais tristes também foram ao lado dele.

Julio, esse era o nome dele, era um descendente coreano de cabelos encaracolados de olhos
castanhos, e rapidamente ele se tornou alguém com quem poderia ter um descanso quando a
vida pesava demais.

Sempre conseguiu me fazer rir nos momentos em que achava que choraria por horas, me
acalmar da raiva mais poderosa, me entendia com somente um olhar, por esses momentos e
outras coisas que ele fazia por mim, acabei me apaixonando por ele, ou pelo menos era o que
pensava.

Hoje, mais velha, vejo que acabei confundindo carinho com amor, procurei esse sentimento
pela vida toda já que em casa a situação nunca foi boa, minha mãe depositava em mim todas
as expectativas e sonhos frustrados dela e isso pesava muito, nunca conseguia conversar com
meu pai já que sempre que tentava dizer algo ele só dizia que provavelmente era minha culpa
e que não tinha mais esperanças para mim.

Então no momento que conheci o Julio, vi nele aquilo que sempre procurei, alguém que me
apoiasse e me encorajasse.

Nossa amizade sempre foi muito forte, todos que estudavam já sabiam que quando havia
trabalho em grupo iriamos fazer juntos, nem discutíamos com ninguém, era só nós e deu.
Amava essa cumplicidade, ele era meu confidente, meu irmão.

Algumas situações que vivemos ficam na minha memória até hoje, como o dia que fui
chamada a atenção por fazer um protesto contra o racismo dentro da sala de aula, Julio que
estava atrás do professor naquela hora começou a fazer caretas para me fazer rir. Conseguiu,
mas o professor não gostou nada disso e me suspendeu da aula dele por 2 semanas, rodei na
matéria, mas as risadas ficam para sempre.
Meses se passaram e nossa amizade só ficava mais firme, e continuava “apaixonada” por ele,
no meu aniversário de 20 anos decidimos sair para beber, hoje percebo o quão idiota foi essa
ideia, porém foi o que fizemos.

Decidi depois de beber umas cinco doses de vodka pura me declarei, não lembro com exatidão
as palavras que disse, no entanto, acho que foi algo assim:

- Juuuuliiiiiioooooo, tenho que te dizer um negógio – meio grogue consegui expelir essas
palavras.

Ele sendo o fofo que sempre foi só me ouvia, acho que percebeu o que eu diria e me respeitou

- entãooooo, acho que to apaxonada po ti, mas não pecisa retribui nem nada, só pecisava
fala!!!!

Assim que terminei de falar, ele disse:

- Já desconfiava, não posso retribuir seus sentimentos mesmo que eu quisesse, e eu queria
muito, você é uma mulher incrível e com certeza se eu pudesse me apaixonar por alguma
mulher seria você, infelizmente não é possível, sou gay, desculpa nunca ter dito nada é que
nunca senti que era a hora certa de dizer.

Na hora fiquei surpresa e sóbria, sim, assim que ele disse isso fiquei sóbria, já que isso nunca
passou pela minha cabeça, porém ao invés de ficar em silêncio logo soltei um:

- AAAAAAAAAA Finalmente tenho um amigo gay!!! Sempre sonhei em ter um, conta comigo
pra tudo, escolher garotos, roupas, qualquer coisa! – ri horrores depois disso – Agora terá que
me aguentar eternamente, não vai poder mais viver sem mim, entendeu?

Após tudo isso superei rapidamente ele, aí me toquei que não estava realmente apaixonada já
que se nos apaixonamos não superamos em um piscar de olhos.

E assim os anos foram passando, quando estávamos no terceiro ano da faculdade ele
conheceu alguém, então nosso grupinho virou de três pessoas, por um tempo. Depois de uns 3
meses voltamos a ser nós dois, uma coisa sempre era constante, estávamos sempre ali um pro
outro.

Alguns meses depois encontrei alguém por quem me apaixonei perdidamente, namoramos
por todo o restante da faculdade, e assim fui me afastando, sem querer, do Julio.
Quando a faculdade acabou, ele me pediu em casamento, aceitei pois não imaginava meu
futuro sem ele. Meses se passaram e era o dia do casamento, todos os convidados já estavam
sentados no salão esperando o evento começar.

Minha mãe me puxou para o lado para conversar pouco antes de entrar no salão:

- Filha, espero que você tenha certeza que é isso mesmo que você quer, tudo bem se não
quiser, podemos ir embora.

- Mãe, nunca tive tanta certeza de algo quanto tenho disso. Tô atrasada, preciso correr.

- espera!!! Preciso te dar uma coisa.- falou ela colocando um colar no meu pescoço- filha, esse
colar foi uma benção para mim, ele me deu um casamento feliz e duradouro, espero que te
proporcione o mesmo, agora vai lá e seja feliz!

Após alguns momentos, a marcha nupcial começou a ser tocada dando inicio ao casamento, os
convidados se levantaram e eu comecei a entrar, meu vestido vermelho brilhando com o
reflexo da luz que entrava pelas janelas. E meu noivo e futuro marido emocionado ali na frente
simplesmente lindo.

Tinha sorte ter ele para mim, e estar com um futuro filho dele dentro de mim.

- Todos estão aqui reunidos para comemorar a união de Camelia e Peter. Sem mais demorar,
Peter você aceita Camelia como sua esposa? Quer dizer algo?

- Sim, eu aceito, Camelia, antes de te conhecer não sabia o que era amor verdadeiro, você me
ensinou a amar, me mostrou que a vida pode ser brilhante e colorida, me mostrou que ter
medo é a pior coisa do mundo, você me fez me arriscar e eu te amo por isso. Obrigada!

Depois de ouvir tudo, simplesmente o beijei antes do tempo, todos riram mas eu ainda tinha
que dizer o que planejei.

-Então... nem preciso perguntar né? Se você o aceita. A resposta tá bem obvia, mas antes quer
dizer algo?

- sim, quero. Peter, eu te amo muito, você me mostrou também que está tudo bem seguir os
sonhos, e que ser feliz é algo fácil quando se tem alguém que amamos, me mostrou que a vida
realmente vale a pena ser vivida, seja a dois ou a três.
- Três? Que?

-Sim, três, estou grávida! Tive a confirmação ontem, é um menino! Te amo tanto e não consigo
ver outra pessoa como pai do meu futuro filho.

-Depois dessa revelação, estamos prontos para a parte que todos esperamos! Pode beijar sua
esposa!

E assim nos casamos!

Depois de 9 meses nosso amado Karter nasceu, tiramos nossas licenças para cuidar 24h dele,
dando tudo do melhor para ele.

Quando ele tinha uns 4 anos começamos a viajar todos os finais semanas para vários lugares,
algumas vezes era para praia, outras para um camping, outras para um resort, o lugar não
importava, o importante era a companhia.

Anos foram passando e as viagens foram diminuindo cada vez mais. Até que nunca mais
viajamos mais e a rotina se instaurou. Uma coisa que sempre odiei na vida era rotina. Por isso
amava nossas viagens.

Peter estava cada vez mais ocupado no trabalho, ou pelo menos era isso que ele dizia, mas eu
sabia que não era verdade. Ele com certeza tem outra pessoa porém não tenho energias para
brigar sobre isso com ele, não tenho nem amigos para me apoiar no caso de um divórcio.

Karter está crescendo cada vez mais, tem a cara do meu marido, que atualmente não tenho
vontade nem de ver o rosto então meio que evito ver os dois.

Alguns dias depois, olhei meu email e vi uma promoção de um navio, um cruzeiro que peter
prometeu que me levaria muitos anos atras, nunca me levou, resolvi comprar uma passagem
sem pensar duas vezes. Precisava fugir, precisava respirar.

Finalmente chegou o dia da viagem, sai antes de todos levantarem, não queria despedidas,
não serviriam de nada já que não voltaria nunca mais.

Já dentro do navio me encontrei conversando com uma pessoa muito querida que não via há
muitos anos:
-Ela acordou um dia, se viu no espelho e não se reconheceu e pensou: "Essa sou eu? Como
virei essa pessoa? Esse cabelo, essas roupas não são minhas. Quem sou eu?"

Foi com esse pensamento que resolveu comprar uma passagem de navio e levar o precioso
colar de pérolas de sua mãe, que segundo ela, foi um presente dado pelo mar quando ela era
mais nova e queria devolvê-lo para seu lugar de origem, pois não conseguira cumprir com a
promessa de usá-lo e ser feliz.

Ela era tudo, menos feliz.

-E o final foi um reencontro. O que achou?

-Bem, na minha opinião, daria uma bela história. Adicione mais alguns detalhes, mais alguns
diálogos, personagens e está feito.

Meu antigo amigo, que não aparentava ter mais que 40 anos, que me aconselhava foi
interrompido quando ouviu uma voz ao longe.

- Agora me perdoe, tenho que ir, meu marido está me chamando.

Se levanta e vai em direção a pessoa que o chamou.

-Amor, quem era aquela mulher? Como você conhece alguém nesse navio?- Sunghoon
perguntou com curiosidade e um pouquinho de ciúmes.

-Ela? É uma antiga amiga que reencontrei e por coincidência está escrevendo uma história
sobre viagem de navio e reencontros e quis ouvir minha opinião, responde carinhosamente.
Você deve estar com fome, o que acha de jantarmos e depois voltarmos para o quarto? - disse
sugestivamente.

Vejo um sorriso iluminado no rosto do marido de meu amigo e ouço feliz:

-Um jantar seria ótimo! E coincidentemente estou cansado também.

Depois que eles saíram da minha vista voltei aos meus devaneios.
Sempre quis ter um estilo próprio. Escrever do meu próprio jeito e ser famosa por ser
diferente do convencional. E se isso não agradasse a maioria das pessoas, e sim só um nicho,
escreveria para eles.

Vou parar de pensar sempre as mesmas coisas e as mesmas inseguranças, decidi vir nessa
viagem para dar fim aos meus problemas e as pessoas que me fazem mal.

Mexi em meu pescoço, no colar de pérolas e lembrei da história que minha mãe havia me
contado. Ela estava andando na areia de sua praia favorita, aos 22 anos, quando viu algo
brilhando ao longe, achou estranho e foi em direção ao brilho. Encontrou um mini baú
semienterrado na praia com um colar de pérolas dentro junto com uma garrafinha com um
bilhete que dizia: Quem encontrar esse colar terá uma vida muito feliz, o pegou e manteve em
segredo a sua origem, seus amigos e familiares achavam que foi um presente que meu pai lhe
dera, e o bilhete realmente se concretizou, minha mãe teve uma vida perfeita e feliz, contou
para mim a história no dia do meu casamento, quando me presenteou o colar e me pediu
para que eu contasse somente para minha filha quando sua hora chegasse.

Umas das coisas que mais quero esquecer é ele, aquele homem que roubou meu coração e o
destroçou. Quero esquecer a rotina diária vivida com ele e meu filho, amo muito meu filho,
mas a convivência com meu marido tornou insuportável ver os dois.

Fugi sem deixar nenhum recado. Fugi para me libertar deles. Fugi para me encontrar e me
redescobrir. Fugi para reencontrar a felicidade e a vontade de viver.

Às vezes me pergunto para onde foi aquela pessoa que me conquistou com seu sorriso
encantador, com sua beleza extraordinária e sua esperteza astuta. Em um dos últimos finais de
semana felizes em família que tivemos, aquele em que fomos para praia, onde quase me
afoguei.

Embaixo d’água, quase sem ar nos pulmões, minha vida passou como um filme em minha
mente e percebi que o que eu vivia não era felicidade, mas sim uma ilusão, e que estava na
hora de acabar com ela, sentindo o colar batendo em meu pescoço me senti mais sufocada do
que antes, e estava quase desistindo de me debater para a superfície, foi quando te ouvi:

-Ainda não é sua hora, tente viver mais um pouco. Não desista.

Olhei para o céu estrelado e parecia que uma das estrelas tinha piscado como se dissesse algo.
Me virei e comecei a ver todos os passageiros vivendo como se nada de ruim pudesse
acontecer a qualquer momento. Um casal estava com seu filhinho brincando na piscina, uma
mulher que não parecia ter mais de 20 estava encarando sem parar o garçom do bar. Comecei
a rir e a me lembrar de como conheci algumas pessoas.

Algumas conheci no colégio, outras na universidade, o Sunghoon foi uma dessas pessoas, ele
rapidamente se tornou meu amigo e nunca mais nos desgrudamos até que a vida aconteceu e
eventualmente nos afastamos, me arrependi muito de não ter ido atrás, mas foi uma incrível
surpresa reencontrá-lo aqui no navio.

A vida algumas vezes é assim, te apresenta pessoas nas situações mais estranhas e elas
acabam se tornando muito importantes. Tão importantes a ponto que eu talvez desista de
fazer o que eu queria fazer aqui. Talvez eu consiga superar isso sem ter que ir ao extremo.

Mas nada disso é suficiente para que eu esqueça todo o mal que sofri, ainda acho que essa é
a única forma de me libertar totalmente. Antes planejava não deixar nenhum recado, talvez
agora eu deixe algum bilhete. Algo do tipo:

Obrigada,

Finalmente estou livre e feliz. Não planejava nada do que realmente aconteceu comigo. Me
desculpe se fiz alguém chorar, mas não aguentava mais.

Esse era o único jeito que pensei ser possível. Mesmo que eu ame meu filho, infelizmente ele
nasceu com a cara da pessoa que mais odeio, esse simples fato faz com que nossa convivência
seja impossível. Eu o amo, mas não consigo olhar para ele.

Espero que meus amigos não chorem em meu velório, quero vê-los rindo e se divertindo, quero
que celebrem minha vida não minha morte. Morro para ser livre e feliz.

Adeus.

Me debruço no parapeito e penso em minha mãe.

-Mãe, não consegui cumprir seu pedido, quero devolver para o mar o colar, estive aqui
pensando no que fazer, estive cansada de tudo, queria tentar continuar a viver, ser feliz, mas
não consigo mais..., esse colar em minhas mãos se tornou uma maldição. Me desculpe.
Depois que conclui meus pensamentos, me pus a postos para jogar o colar quando ouvi
algumas vozes e risos.

-Querido, devolve meu sorvete! Ele é meu!

-Amor, o que é seu é meu também! – responde Sunghoon, segurando a mão livre de seu
marido.

Quando me viram, vieram em minha direção.

-Nos encontramos novamente Camélia. O que você está fazendo?

-Ahn... Nada não, estava só vendo o céu estrelado, aproveitando essa noite bela. Estou vendo
que estão comendo sorvete. Hahaha, isso me lembrou meu filho, ele adora se lambuzar com
sorvete, uma das lembranças boas dele. Esse deve ser seu marido, Jisung. Prazer sou Camélia,
uma velha jovem amiga de anos do Jisung.

-Ah.. Prazer, sou Jisung. O seu filho deve ser muito fofinho

Ao ouvir Jisung falar de meu filho, senti um aperto no coração, algo que há tempos não sentia.

-Fofinho....hummm...Ele é a cara do pai- digo mostrando algumas fotos no celular.

-Ele realmente é a cara do pai.- Sunghoon falou com um sorriso leve no rosto enquanto me
olhava.

-Tá ficando tarde, né? Temos que ir. Boa noite, Camélia! Foi muito bom te conhecer. Por que
não almoçamos juntos amanhã?

-Pode ser. Assim posso te contar como conheci teu marido. Boa noite! Aproveitem!

Disse me despedindo de meus amigos que seguiram seu rumo.

Ele ter a cara do pai não quer dizer que ele puxe suas atitudes no futuro, ele pode ser o oposto
dele. Será que estou realmente pronta para perder isso?

Talvez eu possa adiar meu plano por mais um dia, pensei voltando a me debruçar sobre o
parapeito do navio ainda com o colar na mão.
O que eu não esperava era que a bola de uma das crianças caísse perto de mim, e também não
esperava que a criança viesse correndo em minha direção, e sem nem notar, me jogasse ao
mar.

E assim caí na água gelada do oceano e afundei.

"EU QUERO VIVER!! Eu quero olhar na cara daquele maldito e dizer tudo que nunca tive
coragem de dizer na vida, quero me divorciar e me libertar da forma correta"

Nessa hora, a água não parecia mais tão gelada, começou a esquentar e me envolver, a dor em
meus pulmões começou a ficar insuportável, juntei forças e submergi.

Comecei a gritar por ajuda, até que ouvi Sunghoon e seu marido gritando: AJUDEM AJUDEM
MINHA AMIGA CAIU NO MAR

Me retiraram da água, me embrulharam em três toalhas quentes, curiosos a minha volta me


perguntando:

-Por que a senhora estava no mar?

-Foi um acidente- digo calmamente, mas sem acusar ninguém, procuro meu amigo e logo o
encontro com um olhar preocupado:

-Camélia!!!! Você é louca??? Sabia que algo ia acontecer, você estava muito estranha hoje
mais cedo. Por que não me contou que estava infeliz? Eu poderia ter te ajudado.

-Bem, tentei te contar em forma de uma história, mas como poderia contar que toda aquela
vida feliz que idealizei nada mais foi que uma ilusão? Você estava tão feliz, não queria te
preocupar.

-Camélia, conte conosco sempre, aqui você tem amigos. Você sabe que ele - Sunghoon falou
apontando para seu marido e o olhando com orgulho - é um advogado, né?

-Talvez eu aceite essa ajuda.

Depois desse dia minha vida mudou, fui morar por alguns meses com Jisung e Sunghoon,
consegui me divorciar com a ajuda deles, foram meus salvadores. Comecei a fazer terapia,
meu terapeuta é perfeito.

- Camelia, me explique, o porque você se desapaixonou ou pelo menos não tem mais nenhum
sentimento por essa pessoa

- Bem, não tenho uma data específica ou nem um momento exato, foi acontecendo aos
poucos e a indiferença foi vindo e percebi que não ligava se ele aparecesse ou não pra jantar,
se voltava ou não do trabalho. Sinto que neglicenciei meu filho nisso também, por causa de
sua aparência, ele puxou o pai, fiquei com medo de que ele virasse uma cópia do pai. Percebo
hoje o quanto isso foi idiota.

- nada que você me contou é idiota! Nada, é simplesmente uma vida que aconteceu, e está
tudo bem. Tudo tem seu tempo. Você me contou um tempo atras que você sentia que existia
alguém te protegendo ao longe e que você o chamou de Angelus ou pelo menos foi esse nome
que veio na sua mente.

- Sim, lembro disso. Tenho certeza que foi coisa da minha cabeça mas minha vida toda senti a
presença dessa pessoa, cuidando de mim, me observando, sem interferir. Mas nunca o vi,
simplesmente o sinto perto.

Depois dessa sessão, comecei a sentir a presença desse ser cada vez mais, ele me aquece e me
dá segurança nos momentos mais difíceis. E esse é um deles. Sinto que é hora de me mudar
novamente, encontrar meu próprio lugar, minha recém liberdade tem que ser bem
aproveitada.

Me sinto pronta para conviver novamente com meu filho, vou ajudá-lo a se tornar um homem
muito bom no futuro. Não tenho mais nenhum contato com meu ex-marido e isso foi para o
melhor.

Estou mais feliz, mais leve, e provavelmente serei assim até o fim da minha longa vida.

Olho pro céu estrelado e suspiro lembrando de meu amigo que me protegeu anos atrás, será
que ele era só uma ilusão? Algo que criei para sobreviver naquele momento?

Por mais incrível que pareça sinto que tudo que me aconteceu nesses meses foi obra do
destino, algo que pouco tempo atrás realmente não acreditava que pudesse ser real. Talvez
tenha sido Angelus quem me protegeu uma última vez mas nunca realmente saberei.

Só sei que a partir de agora serei uma Camélia mais feliz e livre para fazer o que quiser.

“Obrigada por me proteger, ou pelo menos, por me fazer acreditar que você estava me
protegendo. Você foi minha âncora por muito tempo, agora serei minha própria âncora”.

Olho para as estrelas, suspiro, dou meia volta, me deito e durmo profunda e tranquilamente
porque sei que amanhã será um novo dia.

E lá no céu, mas Camélia não sabe, está seu amigo, Angelus.

- Destino é algo realmente muito surpreendente, não é mesmo? Você faz planos, mas do nada
mudam? Nada é coincidência, nada é ao acaso, tudo acontece por uma razão. E nesse caso, eu
que fiz tudo acontecer. Fiz você embarcar no navio, reencontrar o Sunghoon que você tinha
perdido contato. Nunca quis te ver infeliz e nem queria que você morresse. Você deveria ser
feliz e mostrar para as pessoas o lindo sorriso que você escondia por baixo dessa máscara que
criou para se proteger de tudo que sofria. Seja feliz, seja você mesmo, mostre para as pessoas
quem a verdadeira Camélia realmente é.

Assim Angelus desapareceu, deixando ao sumir somente uma estrela brilhante. A mais
brilhante no céu, como um aviso que mesmo na noite mais escura alguém está se
preocupando com você.

FIM

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