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Gouveia
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de forma alguma sem autorização expressa, por escrito, do autor, exceto pelo uso de citações breves
em uma resenha do ebook.
Quando meu avô me contou o que fez, fiquei dividida. Não sabia se isso
ia dar certo, mas estava feliz por Yan ter achado um lugar pra ficar. Agora
fazia mais sentido a conversa da Mari sobre ele estar procurando uma casa e
aquela cara dela de "você não tem nada pra oferecer?". Ela podia ter sido
mais clara. A verdade é que eu nem lembrava da casinha no fundo da loja.
Já tinha um tempo que ninguém ficava lá. Naquela manhã, resolvi então ser
uma boa anfitriã e saber se podia ajudá-lo em alguma coisa.
Entrei no corredor que dava para casinha e não o encontrei de cara. Foi
quando olhei pra cima que tive uma visão maravilhosa dele tirando algumas
telhas, sem camisa. Minha boca secou. Até demorei alguns segundos pra
conseguir soltar algumas palavras:
— Cuidado com a insolação, bombadinho.
Ele procurou a minha voz até conseguir me ver e deu aquele sorriso
maravilhoso.
— Você bem que podia passar protetor em mim — ele piscou.
— É uma proposta tentadora.
Yan era um cara divertido e eu me sentia à vontade para brincar com ele e
falar bobagens.
Ele desceu o telhado pela escadinha e veio na minha direção. Ali eu pude
ver melhor cada pedaço dele que estava descoberto. O corpo desse cara era
tão perfeito que chegava a ser desleal. Ele tinha músculos definidos, mas
não de uma forma exagerada. O suor ainda deixava o peitoral e os
gominhos brilhantes. Minha nossa!
Acho que não consegui disfarçar muito minha análise, pois ele disse:
— Não me olha desse jeito não, garota — ele tirou meu cabelo dos
ombros, jogando-os para trás.
— Vim saber se precisa de alguma coisa pra se instalar — me esforcei ao
máximo para olhar sem tremer as pernas — E dar as boas-vindas, é claro.
Entreguei a ele uma pequena cesta que tinha algumas frutas e um bolo que
eu fiz cedinho. Ele olhou pra mim com uma cara engraçada, como se não
estivesse acostumado com gentilezas assim. Seus olhos estavam confusos,
mas brilhantes.
— Poxa! Muito obrigada. Não precisava! — ele coçou a cabeça e o braço
perfeito ficou ainda mais em evidência.
— Eu sei que não. Mas não me custou nada essa gentileza — andei um
pouquinho pra dar uma olhada na casinha — Sabia que dei meu primeiro
beijo bem aqui? — falei sorrindo.
— Ah é? — ele foi me seguindo — Então eu vou morar em um antro de
perdição?
Eu arregalei os olhos e dei um empurrão leve nele. Senti sua pele lisa, um
tanto fria pelo suor. Que homem gostoso!
— Claro que não. Foi só um beijinho inocente — entrei na salinha e vi
umas latas de tinta — Você vai pintar também?
— Estou querendo. Você se importa? — ele mordeu os lábios, meio
apreensivo.
Se eu me incomodasse, com certeza essa boca poderia mudar isso.
Afastei o pensamento e balancei a cabeça.
— Não mesmo. Você está só melhorando o lugar e se precisar de ajuda,
pode contar comigo.
— Estou achando você tão solícita — ele arqueou as sobrancelhas — O
que está acontecendo? Cadê aquela menina da língua afiada que eu conheci
primeiro?
Ele sorriu e eu também. Deve ser por que tô a fim de te pegar.
— Você disse que queria ser meu amigo. Eu trato muito bem meus amigos
e cuido deles. Exceto o Pedro — revirei os olhos, fazendo ele soltar uma
gargalhada.
Ficamos em silêncio por alguns segundos olhando um para o outro, até
que ele quebrasse o gelo e me convidasse para avaliar as tintas que havia
escolhido. Passamos boa parte da manhã conversando e ele me contou mais
sobre o curso dele e sua vinda para cá.
Yan não disse o motivo de mudar de cidade de repente, mas percebi na
sua forma de falar que estava querendo viver uma nova fase, deixando
alguns sentimentos para trás. Eu tinha medo de querer saber demais e ele se
sentir livre para perguntar coisas pra mim que eu não estava a fim de
responder. Coisas que se eu libertasse, não saberia quando parar.
Olhei pra porta e vi que meu avô caminhava na nossa direção.
— E aí, garotos? Estão com fome? Preparei um peixe assado para o
almoço. Vamos?
Eu olhei pro Yan, esperando uma reação.
— Eu agradeço demais. Mas acho que já abusei muito da boa vontade de
vocês — ele riu olhando pro meu avô.
— Deixe de bobagem! Você está melhorando a casinha e em troca vai
ficar por algum tempo. Não tem nada de abuso nisso. Vamos! Nossa casa é
aqui pertinho da loja — meu avô insistiu.
Yan olhou pra mim tentando identificar se eu estava bem com isso. Eu
sorri e dei de ombros.
— O peixe assado dele é muito bom — falei.
TIPO UMA LOTERIA
Yan
Se alguém me dissesse há algumas semanas que eu estaria neste
momento almoçando com a Júlia e seu avô na casa deles, eu com certeza
duvidaria. Não é nada demais. Não tem nada rolando. Mas não é difícil
imaginar coisas diante dessa cena.
E esse senhorzinho é ainda mais legal do que eu imaginava. Não é
nenhum pouco ranzinza, é educado, prestativo e ainda por cima engraçado.
Muito diferente dos velhos da minha família que não sabiam demonstrar
afeto por ninguém. Eu venho tentando tratar essa barreira que tenho de não
saber lidar com pessoas assim e duvidar de gentilezas, pelo fato de crescer
oferecendo isso, mas recebendo muito pouco em troca. Meu pai era um cara
muito bruto comigo, minha irmã caçula e minha mãe. Todos nós apanhamos
dele. Eles acabaram se separando e meu pai me obrigou a ficar com ele,
para que pudesse mandar e desmandar em mim. Minha mãe também não
era nenhuma santa, era interesseira e sei que já tinha traído meu pai
algumas vezes. Então acabei vivendo em um ambiente familiar conturbado
e infeliz por muitos anos.
— Que bom que eu aceitei vir — eu me estiquei um pouco na cadeira,
totalmente saciado — Sua neta não exagerou sobre o peixe, Seu João.
Estava excelente! Obrigada pelo convite.
— Eu quem agradeço pela companhia — ele se virou para Júlia — Vou lá
fechar a loja agora e volto pra descansar um pouco.
— Tudo bem. Eu cuido aqui — ela disse, pegando a louça suja da mesa e
levando para a pia. Comecei a ajudá-la e ela agradeceu com um sorriso. Nos
esbarramos algumas vezes no vai e vem da mesa à pia da cozinha, mas
permanecemos em silêncio. Ela começou a lavar a louça e eu me dispus a
secar.
— Espero que não pense que estou forçando a barra pra ficar perto de
você — confessei — Juro que só precisava de um lugar pra morar e a Mari
disse que seu avô poderia ajudar.
— Está tudo bem, Yan. Não estou pensando isso — ela olhou carinhosa
para mim. Meu Deus, eu queria tanto beijá-la.
— É que enquanto a gente comia, fiquei pensando que há algumas
semanas a gente nem se conhecia e hoje almocei na sua casa com seu avô
— nós rimos juntos.
— Realmente, foi meio rápido. Mas fico feliz de você estar começando a
se adaptar à cidade. E além disso… — ela colocou a última louça no
escorredor e começou a secar as mãos no pano que eu segurava, olhando
nos meus olhos de um jeito sedutor — Até que eu gosto da sua companhia.
É, seria mais difícil do que eu pensava manter meu objetivo de não ficar
com essa menina.
No domingo, a galera da faculdade tinha marcado de ir à praia. Alguns
estavam jogando vôlei na areia, outros nadando e eu e Pedro resolvemos
ficar embaixo de uma árvore, onde havia sombra, grama e algumas pedras.
Estávamos falando sobre minha busca por emprego quando chegamos.
— Eu já mandei meu currículo para alguns lugares. Agora é ter um pouco
de paciência. — dei uma olhada ao redor, conhecendo o ambiente — Gostei
daqui. A Mari vai vir também?
— Você quer saber na verdade se a Júlia vem, certo? — ele arqueou a
sobrancelha, sorrindo.
— Também — sorri com ele.
— Elas vão vir sim. Devem chegar daqui a pouco. A Mari disse que
pegaria carona com a Júlia. Eu sempre fico meio receoso, mas ela pilota
devagar quando tem alguém na garupa.
Não deu tempo de pensar muito no que ele disse. Logo pudemos ouvir o
barulho da moto chegando. Era tão alto que dava pra ouvir a muitos metros
do estacionamento. Estava tentando não transparecer ansiedade, mas a
primeira coisa que eu pensei quando recebi o convite pra praia, foi na
possibilidade de vê-la de biquíni. Tinha garantia disso? Não. Mas só a
chance já me bastava.
— Nossas delícias chegaram — Pedro falou sorrindo.
Eu revirei os olhos, rindo também. Queria que Júlia fosse minha mesmo.
Mas isso não ia acontecer. Me virei para o estacionamento e pude notar
como elas chamavam a atenção de todo mundo. A Mari era linda, claro. De
um jeito radiante. Mas Júlia era a tentação em forma de pessoa. Elas
estavam usando vestidinhos de praia parecidos e vinham sorridentes em
nossa direção. Percebi que alguns caras quase quebraram o pescoço olhando
para elas. Não dava pra julgar.
— Oiee! — Mari chegou empolgada, como sempre, e foi direto para a
boca do namorado.
Júlia me cumprimentou com seu sorriso e passou a mão no meu ombro,
sem dizer nada. Era uma intimidade que eu não estava acostumado, mas
gostei muito disso. Aproveitei e coloquei a mão sobre a dela, fazendo um
carinho de leve.
— E aí, feia! — Pedro a cumprimentou.
— O que vocês têm aqui pra beber? — Mari foi abrindo a caixa térmica
que Pedro trouxe e procurou algo que a interessasse.
Júlia então se sentou do meu lado, bem perto e perguntou:
— O que achou daqui?
— Linda demais — eu ainda a encarava — A praia.
Ela com certeza sentiu no ar a tensão que sem querer eu provoquei, pois
deu uma risadinha.
— É um refúgio nesse calor infernal daqui — ela passou os olhos pela
areia.
— Realmente está bem quente. Mas ainda prefiro o calor do que o frio.
— Eu gosto do frio. Principalmente quando estou na minha cama,
embaixo da coberta — ela riu.
Pensamentos pervertidos, por favor, saiam!
— Júlia, o que acha de ir pra água comigo? Pedro não está a fim agora —
Mari olhou fuzilando o namorado.
— Na verdade eu também não estou, amiga. Acabamos de chegar.
Quer sim, mulher. Diz que sim.
Mari fez bico e Júlia revirou os olhos, se levantando.
— Essa sua namorada sabe fazer um drama — ela disse para Pedro.
— Você quem faz tudo que ela quer — ele deu de ombros, tomando seu
energético.
As duas tiraram o vestido e eu tentei ao máximo não encarar. Pedro
olhava pra mim, sabendo exatamente o que eu estava pensando e segurava o
riso. Pareceu uma eternidade a "passada" de protetor solar, até que elas
caminharam em direção à água e eu finalmente pude observar o que eu
tanto queria.
Caramba. Era tudo perfeito. Tudo no lugar e do tamanho que eu gostava.
O corpo dela era simplesmente maravilhoso. No fundo, acho que eu torcia
pra que não fosse assim. Quem sabe seria mais fácil pra mim manter a ideia
de ficar só na amizade.
— Eita! Essa areia está úmida de tanta baba — Pedro tirou sarro.
— Filho da mãe. Você quem me meteu nessa situação — joguei uma
latinha de energético vazia nele.
— Como assim? Eu te apresentei uma das garotas mais desejadas da
faculdade e que, de quebra, ainda não está nenhum pouco a fim de
relacionamento sério. Isso é tipo uma loteria. Eu não sei porque você ainda
não pegou ela.
Ele olhava pra mim balançando a cabeça, como se não acreditasse na
minha reclamação. E o pior é que ele tinha razão. A situação realmente era
perfeita pra mim. Se não fosse um detalhe.
— Você não está entendendo. Ela não é uma menina qualquer. Não é do
tipo que a gente estava acostumado a pegar e nem lembrar o nome depois
ou não ligar mais após o terceiro encontro. Ela não é só bonita — consegui
enxergá-la dentro da água, conversando e sorrindo com a amiga — Ela é
doce, mas ao mesmo tempo é ousada e divertida. Se preocupa com o bem
estar de pessoas que nem conhece direito. E ainda por cima é inteligente e
tem uma personalidade única.
É uma merda não controlar a própria boca. Quando eu terminei de falar,
olhei pro meu amigo e ele segurava a latinha dele perto da boca, imóvel.
— Cara… — finalmente disse, balançando a cabeça — Você está
muito fodido.
REMENDOS SE SOLTANDO
Júlia
A loja naquele dia estava uma loucura, já que divulgamos alguns
produtos em promoção. Um dos nossos funcionários acabou ficando doente,
o que fez com que tivéssemos que trabalhar na correria. No fim do dia, eu e
todos os outros colaboradores estávamos exaustos.
— É, galera, foi um dia puxado — reuni todos eles — Agradeço demais
a dedicação de vocês. Sei que com menos um na equipe tivemos que nos
desdobrar, mas deu tudo certo. No fim, os lucros desse dia irão para as
comissões de vocês e esse esforço terá valido a pena.
Todos concordaram e se despediram, enquanto eu fechava a loja. Era por
volta das seis e meia da tarde quando passei a chave no cadeado e senti um
toque de leve no meu braço. Quando me virei, vi alguém que não
encontrava há algum tempo e com certeza minha pressão deve ter caído.
O sorrisinho simpático da mãe do Vini era muito característico. Ela já era
de idade, foi mãe mais tarde do que gostaria. Com a perda do filho caçula,
com certeza envelheceu ainda mais do que deveria.
— Dona Ana, há quanto tempo! — dei um abraço nela, ainda tremendo
um pouco.
— Minha querida, que saudade de você! — ela me apertou forte — Acho
que tem mais ou menos um ano que não me liga nem vai me visitar.
Eu queria muito poder cumprir a minha promessa de manter contato. Mas
era só olhar pra essa mulher que toda a dor parecia voltar com tudo no meu
peito.
— Eu sinto muito. Eu poderia dar a desculpa da ocupação no trabalho e
na faculdade, mas na verdade é só por falha minha mesmo.
Ela passou a mão no meu rosto, carinhosamente. Seu olhar me dizia que
sabia de tudo.
— Não se culpe. Eu entendo de verdade — meu olho começou a arder —
Só quero que saiba que eu te amo muito e desejo que você viva bem. Você
fez meu filho muito feliz e quero que essa felicidade faça parte da sua vida
sempre.
— Sei que sim. A senhora sempre foi como uma mãe pra mim.
— Eu tenho que ir agora — ela olhou pro outro lado da rua, onde tinha
um carro esperando — Pedi para meu sobrinho me trazer aqui no centro da
cidade para comprar umas coisas. Foi então que vi a loja e fiz questão de te
dar um abraço.
— Que bom que eu ainda estava aqui. Foi muito bom te ver, Dona Ana.
Ela me deu um último abraço e se foi. Os remendos do meu coração
começaram a se soltar e senti que ele estava se quebrando de novo. Meu ar
começou a faltar e uma dor no peito me tirou o equilíbrio. A boca ficou
seca e já me toquei que estava tendo de novo uma crise de ansiedade. Só
que eu estava na frente da loja, tinha muita gente na rua, o que piorava meu
desespero. Encostei na parede, procurando uma base. Tentei encontrar a
chave pra me abrigar dentro da loja até que passasse a crise, mas minhas
mãos tremiam dentro da bolsa e a visão estava turva, não via nada direito.
Então alguém segurou meus ombros e me virou. Dei de cara com Yan
que estava com um olhar preocupado e peito ofegante.
— Júlia, você está passando mal? — ele colocou as mãos no meu rosto e
sei que pôde ver o desespero nos meus olhos — Meu Deus, você está
branca e tremendo! O que aconteceu? Você precisa de ajuda?
Eu não consegui responder, mas fiz sim com a cabeça. Ele então abriu o
portão pequeno que dava acesso à casinha dos fundos e me carregou no
colo até a área da frente. Ele se sentou no chão, ainda comigo no colo e me
abraçou forte.
Quando senti que estava abrigada, comecei a chorar de forma insana,
tremendo nos braços dele. Meu desespero e a sensação de sufocamento
eram tão grandes que não pensei em mais nada, só deixei as lágrimas
ensoparem sua camisa.
VISITA INESPERADA
Yan
Crise de ansiedade, síndrome do pânico ou… câncer?! Esses foram os
diagnósticos que o Google me deu pra aquilo que presenciei com a Júlia.
Agradeci a Deus por terminar minha corrida exatamente naquela hora e
chegar em casa a tempo de ajudá-la. Mas confesso que fiquei um pouco em
choque, sem saber como reagir àquela Júlia tão vulnerável. Tentei fazê-la
falar alguma coisa quando se acalmou, mas ela pediu que eu não insistisse.
Já faz quatro dias que aconteceu e simplesmente não a encontrei mais
desde então. Ela não foi para o trabalho, não saía com a gente e nem queria
receber a Mari em casa.
— Não, Yan. Não tenho notícias recentes dela. Eu já falei que ela passa
de vez em quando por isso e eu recomendo que você só dê espaço para ela.
Está bem? — Mari falou pelo telefone.
— Entendo. Obrigada.
Espaço? Como assim? Ela precisa de alguém com ela, para fazê-la voltar
a sorrir e sair da merda daquele casulo onde ela se enfiou. Resolvi passar de
novo na loja para encontrar o Seu João. Ele com certeza me ajudaria nisso.
— Bom dia, garoto — ele tinha um olhar mais cansado naquele dia.
— Como está o movimento hoje? — puxei assunto.
— Está tranquilo — ele saiu de trás do balcão e se sentou no sofá da
recepção — Mas eu sei que não é isso que você realmente quer saber.
Esse velho era sabichão mesmo. Respirei fundo e me sentei ao lado dele.
— Não estou conseguindo pensar em muita coisa que não seja naquele
dia — confessei — Estou preocupado e queria muito vê-la.
— Entendo, meu filho. Eu conheço essa sensação de impotência, de
querer ajudar e não poder — ele estava bem abatido — Mas saiba que você
foi muito importante naquele momento. Com certeza ela não vai se
esquecer do seu gesto.
— O que aconteceu naquele dia? Por que ela teve aquela crise?
Ele suspirou e me olhou de forma solidária.
— Acho que quem tem que contar é ela, caso se sinta bem em fazer isso.
Você entende, não é?
Assenti e passei a mão no ombro dele, querendo dizer que estava tudo
bem.
Resolvi seguir os conselhos e dar o tempo que ela precisava. Tentei me
concentrar em terminar a reforma da casinha e na busca por um emprego.
Também saí algumas vezes com o pessoal da faculdade e conheci mais
alguns amigos de Pedro e Mari. Estava me sentindo bem, apesar de um
aperto lá no fundo, ao pensar nela. Quando completou uma semana do
episódio, recebi sua visita inesperada na casinha.
— Oi — ela disse com um pequeno sorriso e segurava os próprios
braços, como se estivesse com frio. Mas nessa cidade quente, imagino que
seja um sinal de timidez.
Eu realmente estava com saudade e preocupado, então, antes de falar
qualquer coisa, senti uma vontade súbita de abraçá-la e não me contive. A
cobri com meus braços e afundei meu rosto em seu pescoço. Ela deu uma
leve travada, acho que pelo gesto íntimo, mas logo relaxou e me abraçou
também. Após alguns segundos, ela disse:
— Se eu for ganhar esse abraço gostoso sempre, acho que vou passar mais
vezes um tempo longe.
A garota espertinha tinha voltado.
— Nem pense nisso! — sorri, me afastando um pouco. Coloquei uma
mecha do seu cabelo atrás da orelha — Isso não é coisa que se faça com os
amigos e você disse que era uma boa amiga.
Ela sorriu e eu segurei em sua mão, levando-a para a sala. Ela se sentou e
ficou olhando ao redor, notando que a pintura já tinha sido feita.
— Ficou muito bom! Parece que foi feito por um pintor profissional.
— Obrigada. Sem as aulas da faculdade e ainda sem emprego, tive
bastante tempo para fazer tudo com calma — peguei um suco que eu tinha
feito há alguns minutos e ofereci. Ela aceitou e tomou um pouco.
— Obrigada — ela disse, colocando o copo na mesinha de centro — Por
falar em emprego, estamos precisando de uma pessoa para trabalhar como
vendedor por um tempo na loja. Um dos nossos funcionários está de
atestado desde… — ela deu uma pausa, evitando olhar pra mim — aquele
dia. E hoje ele disse que vai precisar se afastar por mais tempo. Vai pedir
licença para fazer um tratamento de saúde. Então, se você tiver interesse,
temos essa vaga.
— Nossa, isso seria ótimo! Com certeza eu aceito — peguei na sua mão
de leve — Obrigada por ser tão gentil comigo.
Acabamos ficando em silêncio por um tempo.
— Fiquei preocupado com você — eu disse e ela ainda olhava para baixo
— Quase ignorei os conselhos do seu avô e da Mari e fui lá bater à sua
porta.
— Obrigada por ter resistido. Quando isso acontece, preciso realmente de
um tempo. Já fazia um bom período que não rolava esse tipo de coisa. Mas
o importante é que estou bem e estou de volta.
Tomei coragem pra perguntar:
— O que aconteceu pra engatilhar aquilo?
— Yan… — ela respirou fundo — Eu sei que nos tornamos amigos e
você foi crucial naquele momento, me dando apoio — disse sorrindo de
leve — Inclusive quero agradecer por ter me abrigado e me acalmado. Só
que eu realmente não quero falar sobre isso.
Mordi os lábios, me segurando para não insistir e ser uma boa pessoa.
— Eu entendo. E não precisa agradecer, qualquer pessoa com o mínimo
de empatia teria feito o mesmo.
— Verdade. Mas que bom que foi você — ela apertou minha mão que
ainda segurava a dela.
TUDO MOLHADO
Júlia
Eu precisei daqueles dias para me recuperar e voltar a falar com minha
psicóloga, a quem eu não recorria há algum tempo. Encontrar a minha ex-
sogra mexeu demais comigo. Seus gritos de desespero no dia do acidente
ecoaram na minha cabeça por mais de um ano. E por isso resolvi me
afastar dela.
Tive muitos pesadelos de morte nesse período. Sonhava que encontrava
o Vini estirado na estrada, ele caindo de um precipício ou até mesmo ele
jogando a moto entre os carros comigo na garupa. Era terrível! Era
justamente o contrário do que o Vini acreditava. Ele amava a vida e queria
curtir cada segundo intensamente.
Com esse encontro, acabei envolvendo o Yan no meu problema. No
fundo, eu realmente estava agradecida por ter sido ele a me encontrar, mas
não sabia muito bem como encará-lo de novo após aquele momento de
tanta exposição e vulnerabilidade. A ideia de ir na casa dele quando eu
estava melhor foi boa e ele se esforçou para aceitar bem minha falta de
detalhes com relação ao que aconteceu. No entanto, sei que mais cedo ou
mais tarde ele iria voltar nesse assunto.
No fim deu tudo certo e voltei à minha rotina normal, mas agora com Yan
cada vez mais presente, trabalhando na loja. Ele não tinha muita
experiência com vendas, porém era esforçado e tinha uma incrível
capacidade de aprender rápido. Ele também conseguiu conquistar meu avô
que não conseguia esconder que estava gostando muito de tudo isso. O que
me dava um pouco de medo. Não sei se meu avô estava criando muita
expectativa com relação ao Yan. Ao contrário de mim, ele não se blindou
contra possíveis apegos.
Palmas estava realmente muito quente naquele mês de julho. O que era
um prato cheio para os turistas que vinham aproveitar as praias em todo o
estado e também para quem morava aqui e curtia ficar um bom tempo
dentro d’água.
Naquele dia eu me sentia muito bem. Marcamos, inclusive, de ir para um
clube passar a tarde e tentar sobreviver ao calor.
— Parece que outra galera da faculdade também teve a mesma ideia —
Mari comentou, olhando para um grupo de amigos que estavam na piscina.
— Sim. E eu também vi outras pessoas na entrada do clube. Está cheio
de universitários aqui hoje — Pedro disse enquanto ajeitava as
espreguiçadeiras para nós.
— Que horas o Yan vai vir? — minha amiga perguntou, dessa vez
olhando pra mim — Já que vocês estão super por dentro da rotina um do
outro.
O casal idiota ria junto da minha cara.
— Vocês são péssimos — deitei sorrindo em uma das espreguiçadeiras
— Eu só sei que hoje ele ficou responsável por fechar a loja ao meio dia.
Então provavelmente está fazendo isso agora.
Quando eu fechei a boca, Yan apareceu atrás de mim e me deu um beijo
na bochecha.
— Na verdade, seu avô chegou na loja dizendo que ia fazer algumas
coisas e me dispensou — ele sentou-se ao meu lado.
— Você virou o queridinho dele mesmo, não é? Está cheio de privilégios.
Ele sorriu, dando de ombros.
— Acho que seu avô imaginou que você estaria muito indefesa nesse
clube e quis que eu viesse logo te proteger — então ele pegou minha mão e
ficou segurando.
— Mal sabe ele que o perigo aqui é você — falei baixinho, colocando os
óculos de sol.
Acho que ele não chegou a ouvir o que eu disse ou então ficou sem saber
o que dizer. Mas duvido muito, do jeito que ele tinha a língua afiada. Ele
estava especialmente bonito hoje, talvez fosse o cabelo que havia cortado.
Eu tinha uma vontade insana de acabar de vez com esse negócio de amizade
que ele inventou e simplesmente beijá-lo inteiro. Eu nem me lembrava da
última vez que senti tanto desejo reprimido assim por alguém.
Pedro e Mari resolveram comprar algumas bebidas e nos deixaram
sozinhos.
— Está muito quente. Vou para a piscina. Quer ir também? — ele
convidou.
Ficar embaixo d'água com ele me parecia a coisa mais tentadora do
mundo. Eu ia acabar dando um jeito de me esfregar nele lá e entregar o
jogo.
— Vou ficar por aqui um pouco mais. Obrigada — essa é a sensação de
dizer algo que você realmente não quer falar.
Ele mordeu os lábios, parecendo um pouco frustrado, tirou a camiseta e
foi andando em direção à piscina. Aquele homem era tão maravilhoso que
todo mundo olhava pra ele. As mulheres então, nem disfarçavam. Peguei
meu celular, a fim de dissipar o desconforto que eu tinha. Vasculhei um
pouco as redes sociais e respondi algumas mensagens. Foi então que ouvi
uma conversinha atrás de mim.
— Caramba! Ele é realmente muito gostoso. Achei que vocês estavam
exagerando, mas ele é ainda melhor do que eu imaginava.
— Eu te disse, amiga. Parece que o cara foi esculpido — ouvi outra voz
feminina — Com certeza vou dar um jeito de fazer com que ele vá até a
festa da nossa sala no final do mês. Se ele for, pode ter certeza que vou
pegar ele.
Fechei a cara involuntariamente com esse comentário. Juro que me
esforcei ao máximo para não me virar e saber quem eram. Porque isso não
era da minha conta, eu não tinha nada com ele. As risadinhas continuaram
por algum momento, até que finalmente elas saíram de perto de mim.
Fechei os olhos, suspirando aliviada pelo sossego e por conseguir reprimir
ao máximo qualquer fagulha de sentimento possessivo em mim. Essa não
era eu.
Foi só abrir os olhos que pude contemplar uma cena maravilhosa e
agradeci mentalmente por estar sozinha vendo de forma privilegiada a saída
de Yan da piscina. A sunga dele era preta e a água escorria por todo aquele
corpo perfeito. A barriga definida e os músculos do braço se contraíam
fazendo força para subir a borda. O cabelo grudado no rosto deixava ele
ainda mais sexy. Eu estava perdida com esse cara! E tenho certeza que ele
sabia que eu estava olhando e me aproveitando dos óculos escuros para
apreciar cada movimento. Ele veio caminhando devagar e se deitou na
espreguiçadeira ao meu lado.
— Sabe, — ativei meu lado safado, olhando pra ele — eu não estava a
fim de ir pra piscina, mas ver você saindo dela assim, tão gostoso, já me
deixou toda molhada mesmo. Então, que se dane!
TENSÃO RESOLVIDA
Yan
Eu acho que talvez eu tenha deixado entrar água no meu ouvido, pois não
era possível que ela realmente tivesse dito aquilo. E na maior naturalidade
do mundo ela se levantou, sem esperar qualquer resposta, tirou o short e foi
caminhando em direção à piscina.
Nem ferrando que eu ia aceitar que ela me deixasse nesse estado e saísse
ilesa. Fui atrás e entrei na piscina novamente. Pelo menos eu conseguiria
disfarçar o estado do meu corpo diante daquela sua frase atrevida.
— Eu acho que não entendi direito o que você disse, então eu vou
precisar chegar mais perto pra ouvir de novo — caminhei dentro da água
até ela, que estava encostada na borda da piscina. Coloquei o braço ao seu
lado, ficando frente a frente.
Ela demorou pra erguer o olhar, mas quando fez isso, estava com uma
cara tão sensual que eu fiquei ainda mais excitado.
— Acho que você ouviu muito bem sim. Mas adora ter o ego massageado
e por isso veio atrás de mim — ela continuou com aquela língua afiada.
Meu Deus, como eu queria beijar aquela boca até não poder mais.
Tomei coragem e segurei a cintura dela, trazendo-a para mais perto de
mim. Se ela tivesse alguma dúvida, agora teria certeza de que me deixava
maluco. Pela cara de espanto dela ao sentir meu volume encostando na sua
barriga, sei que meu objetivo foi cumprido.
— Eu tenho a impressão de que no fundo você sabe que estou no meu
limite pra não ferrar com essa parada de amizade e te pegar de um jeito que
você jamais esqueceria — eu falei, olhando nos olhos dela.
Ela ficou ofegante e não desgrudava os olhos da minha boca, deixando
claro que me queria tanto quanto.
— E eu me pergunto todo dia quando você vai tomar coragem de fazer
isso, porque eu já estou cansada de ficar só imaginando coisas.
Pronto. Aquele era o momento. Não dava mais para evitar que isso
acontecesse. Ela já tinha deixado bem claro que também queria isso. Eu só
precisava que fosse tão bom quanto ela esperava.
Coloquei minha mão atrás do seu pescoço, onde ficou perfeitamente
encaixada, permitindo que eu tivesse o controle. Passei a outra no seu rosto
devagar, fazendo carinho e analisando o quão perfeita ela era. Nunca tinha
estado tão perto e pude ver bem a cor dos seus olhos que na verdade não
eram tão pretos assim. Seu cabelo molhado brilhava mais do que nunca e eu
consegui apreciar bem o contorno dos seus lábios volumosos e bem
desenhados.
Eu me considerava um cara muito confiante nessas horas mas, de alguma
forma, ela me deixava com tanto frio na barriga que eu tinha medo de fazer
algo errado. Ao mesmo tempo em que ela era sensual e vibrante, eu também
conhecia seu lado sensível e vulnerável.
Consegui, de certa forma, acalmar esse bombardeio de pensamentos e só
me deixar levar. Coloquei meus lábios nos dela e comecei o beijo bem
devagar, sentindo toda a corrente elétrica percorrer entre nós. Ela deu um
gemido baixo, abrindo um pouco a boca, o que me fez entender que ela
também estava tão cheia de tesão quanto eu. Bastou isso pra que eu me
sentisse livre para avançar um pouquinho mais. Sem parar o beijo e
mantendo uma das mãos em seu pescoço, apertei sua bunda, trazendo
também uma das pernas dela para minha cintura. A pele era tão macia e
minha mão deslizava como se estivesse ensaboada.
Ela estava bem relaxada e entregue pra mim. Tive que me controlar ao
máximo para não avançar demais e aproveitar a pouca roupa que a cobria.
A verdade é que eu também queria aproveitar cada momento com ela
devagar e conhecer pouco a pouco seus limites. Eu não sei quanto tempo
nós passamos ali, mas só conseguimos parar de beijar quando alguém deu
uma tossida falsa na beira da piscina.
— Até que enfim, ein? Ninguém mais aguentava tanta tensão sexual
entre vocês — Mari gargalhava com Pedro ao seu lado.
Eu olhei para Júlia e ela revirou os olhos, sorrindo e afundando a cara no
meu peito, num gesto fofo pra caralho. Eu aproveitei o momento para
abraçá-la e sussurrar no seu ouvido:
— Isso foi incrível, linda. Você é incrível.
Ouvindo isso, ela me apertou um pouco mais forte.
Saímos da piscina pouco depois e resolvemos ir para a quadra de
esportes onde estava rolando uma partida de vôlei. Eu os seguia, querendo
muito segurar a mão de Júlia enquanto procurávamos um lugar na
arquibancada, mas fiquei com medo de assustá-la, já que a gente poderia
parecer um casal de verdade.
Sentamos nós quatro juntos e reconheci muitos rostos da faculdade na
quadra. Menos um deles, que agora estava olhando diretamente para nós.
Era um cara bem alto e forte, do tipo que parece que não sai da academia.
Depois da partida acabar, ele veio em nossa direção e cumprimentou
Pedro, Mari e Júlia, e fez um aceno de cabeça pra mim.
— Queria falar com você. Vem aqui um pouquinho? — ele falou pra
Júlia.
Ela concordou e se levantou. O cara teve a audácia de passar o braço ao
redor dos ombros dela enquanto caminhavam em direção a um banquinho
mais longe da quadra. Felizmente, ainda estavam no meu campo de visão.
— Quem é ele? — perguntei, ainda encarando os dois.
— Dominic. É um cara que a Júlia fica de vez em quando — Pedro
explicou.
Senti meu maxilar enrijecendo involuntariamente. Eu sabia que esse tipo
de coisa poderia acontecer, mas o timing foi péssimo. Eu tinha acabado de
ficar com ela, caramba.
— Relaxa, Yan. Eles não estão ficando mais. A Júlia deu um pé na bunda
dele quando ele ficou insistindo para que namorassem — Mari falou, sem
dar importância.
Puta que pariu. Eu não imaginava uma Julia fria assim. Eu já tinha feito
isso várias vezes, cortando relações antes de ficar sério, mas ver uma garota
fazer isso era novidade para mim. Só que eu não sou o tipo babaca
machista, sei que ela tinha direito de fazer isso tanto quanto eu.
Eu pude perceber a cara de derrotado dele enquanto conversavam e vi
que ele olhou pra mim em algum momento. Será que ela falou alguma coisa
de mim? Tentei reprimir qualquer esperança idiota antes que fosse tarde.
Alguns minutos depois, Júlia o abraçou e ele pareceu tirar uma última
casquinha, enfiando a mão no seu cabelo e cheirando seu pescoço. Tive que
desviar o olhar. Não sou nem obrigado a ver isso. Fiquei tentado a ir
embora, mas não ia bancar o imaturo e esfregar na cara dela que eu estava
desconfortável com isso. A última coisa que eu queria era que ela
percebesse qualquer xilique da minha parte e me desse um fora também.
POR DENTRO E POR FORA
Júlia
O clima estava um pouco tenso quando eu voltei. Eu imagino que a essa
altura já tinham falado pra ele sobre o Dom, então evitei ficar remoendo
qualquer coisa. Na verdade, Dominic ainda não tinha me visto com
ninguém depois que paramos de ficar e talvez isso tenha afetado seu ego.
Com certeza, Yan era uma ameaça para qualquer cara sendo lindo daquele
jeito. Mas não tinha mais nada entre eu e ele, o que deixei bem claro
naquela conversa. Ele insistiu dizendo que não pensava em mais ninguém e
que realmente estava apaixonado, mas eu disse que, dali para frente, se ele
aceitasse, poderíamos continuar amigos. No fim, ele concordou e pediu pra
mantê-lo na minha vida.
Eu não sou uma pessoa insensível. Essa confissão dele me deixou bem
mal por não poder corresponder. Mas eu fui sincera desde o início com
relação ao meu posicionamento e que não tinha chances da gente dar outros
passos. No fundo, mesmo que eu estivesse aberta ao namoro, não sei se
rolaria com ele.
Na hora de ir embora, Yan me acompanhou até minha moto.
— Você sentada nessa moto supera qualquer sonho sensual que eu já tive
na vida — ele disse brincando.
— Espera só me ver de shortinho consertando ela, cheia de óleo — sorri
pra ele e ele me abraçou.
— Eu quero muito te beijar de novo — ele falou com a cabeça apoiada
em cima da minha.
Eu me afastei um pouquinho para conseguir olhar pra ele.
— Que coincidência! Eu também quero muito isso.
E com o meu aval recebido, ele me puxou pra mais um beijo quente e
demorado. Yan tinha muita pegada e seus lábios eram maravilhosos. Tanto
que não pude me conter e mordi de leve, fazendo ele sorrir ainda com a
boca na minha.
Era incrível como cada movimento nosso parecia em perfeita harmonia. O
beijo era tão gostoso e os toques, apesar de sutis, deixavam a minha pele
arrepiada, pedindo mais. Eu não quis nesse momento pensar em nada e nem
projetar problemas futuros, apenas curtir esse cara que era tão legal e
gostoso e que estava me querendo também.
A semana começou e decidi que iria deixar as coisas ocorrerem
naturalmente entre a gente, até perceber sinais que me fizessem querer
parar. A verdade é que eu gostei demais de ficar com ele e sua companhia
era sempre maravilhosa. Pedi pra ele apenas que a gente não ficasse se
pegando durante o expediente no trabalho, mas era só trancar as portas da
loja, que a gente aproveitava um tempo antes de ir pra faculdade e ficava se
beijando. E também depois da faculdade, às vezes.
— Agora sim essa casa virou um antro de perdição — comentei e ele
caiu na risada.
— Sendo comigo, eu não me importo — Yan disse, me beijando mais
uma vez e pegando firme na minha cintura.
Eu estava curtindo muito explorar bem devagar todo esse desejo nosso.
Ainda não tinha rolado sexo, mas nossos carinhos eram bem intensos. E
acho que para ele também estava bom assim, por enquanto.
— Eu não sei se eu já falei, mas acho você linda pra caralho. Desde
quando eu te vi pela primeira vez, chegando naquele bar. Você conseguiu
ofuscar até a sua moto fodona — ele me abraçou e ficou dando beijinhos no
meu pescoço, me fazendo arrepiar — Mas talvez você duvide do que eu
vou falar agora: o dia em que eu te achei mais linda foi no dia do sopão.
— Sei… toda suada e com touca no cabelo — sorri e revirei os olhos.
— Seu cabelo é lindo com toda certeza. Mas a questão é que, quando
você é uma pessoa bonita por dentro também, a beleza de fora é realçada.
Não vou negar que esse jeito fofo dele de falar aquecia muito meu
coração. Ele era muito carinhoso e prestativo. Será que alguém conseguiria
resistir a isso?
Eu evitava ao máximo comparar os caras com quem eu ficava com o
Vini. Isso me fazia mal porque ninguém chegava nem perto do que ele era
e, se eu continuasse fazendo isso, viveria frustrada o tempo todo. No
entanto, acabei fazendo isso sem querer com o Yan e pela primeira vez o
sentimento não foi de decepção.
MAIS BELO QUE O SOL
Yan
Numa madrugada de domingo, meu celular começou a tocar. Demorei
um pouco pra acordar, mas quando vi a foto da Júlia na tela e as horas no
relógio, atendi imediatamente.
— Oi. Aconteceu alguma coisa? — perguntei, preocupado.
— Bom dia, lindo — a voz alegre dela me acalmou — Te acordei?
Voltando a respirar, deitei na cama. Essa menina era doida.
— São quatro horas da manhã. O que você acha? — falei sorrindo e ela
deu uma gargalhada.
— Estou na porta da sua casa — ela falou, mas eu não acreditei.
— Muito engraçado.
— Estou falando sério. Vista uma roupa, pegue um casaco e venha aqui
fora que a gente vai sair.
Meu cérebro com certeza deu uma travada. Era informação demais para
aquela hora da manhã. Depois de alguns segundos, eu finalmente respondi.
— Ok. Preciso de cinco minutos.
Tentei fazer tudo o mais depressa possível já que, na minha cabeça, Júlia
com aquela moto sozinha numa rua de madrugada parecia ser um prato
cheio para algum bandido. Joguei uma água no corpo, escovando ao mesmo
tempo e vesti correndo. Ao sair, encontrei Júlia encostada na moto, usando
uma calça de moletom, uma regatinha e um casaco. Linda demais!
— O que essa cabecinha está planejando? — segurei seu rosto e dei um
beijo.
— Eu pensei bastante e cheguei à conclusão que você já é digno de andar
na minha moto — ela falou com uma cara engraçada — Já foi no Mirante
do Limpão?
Fiz que não com a cabeça e ela me entregou um lado do fone de ouvido
sem fio dela, junto com um capacete — Então se prepare, bombadinho. A
gente vai ver o nascer do sol lá.
Sério, essa menina é demais! Ninguém nunca fez eu me fazer sentir tão
bem assim. Coloquei o fone no ouvido, o capacete e sentei na garupa.
Agarrando-a sem dó, eu falei:
— Não tenho medo de andar de moto, mas vou ficar bem colado por
precaução. Vai que eu fico nervoso, não é?
— Muito esperto! Gosto de você assim — ela disse sorrindo e acelerou.
O céu ainda estava escuro quando pegamos a rodovia. Ela tinha colocado
um rock leve para a gente ouvir. O embalo da música, junto com o vento no
rosto e o calor do corpo dela me fizeram muito bem. Saímos da rodovia e
começamos a subir a serra. Em alguns minutos, chegamos até o topo e vi
poucas pessoas lá.
Não demorou muito para que o céu começasse a criar um tom colorido
muito bonito e a visão da cidade era incrível. Ela segurou a minha mão e
nos sentamos em uma pedra bem grande onde dava para visualizar ainda
melhor a paisagem de tirar o fôlego.
— O sol deve aparecer daqui a pouco, o céu já começou a ficar iluminado
— Júlia disse, fechando os olhos e sentindo a brisa no rosto.
— Você é linda demais — não me contive — Obrigada por me trazer
aqui.
— Que bom que você topou. Foi meio que um teste pra saber qual seu
nível aventureiro — disse, sorrindo.
— E eu passei? — puxei ela para perto de mim em um abraço por trás.
— Com certeza — ela me deu um beijo que eu prolonguei bastante,
esquentando seus lábios.
Apreciamos em silêncio a beleza daquele nascer do sol e nos beijamos
mais algumas vezes. Eu não me cansava dela. Nunca me sentia saciado,
sempre queria mais.
Ela abriu a mochila que trouxe, tirou algumas frutas, uma garrafa de café
e uma vasilha onde tinham alguns pedaços de bolo.
— Uau! Você veio preparada — comentei.
— Mas é claro! Eu ofereci o pacote completo do passeio — ela disse
sorrindo e me oferecendo o café.
Pegando seu celular, ela pediu que eu sorrisse pra câmera e tirou uma foto
nossa. Comemos tudo o que ela trouxe e ficamos conversando até que o sol
forte começasse a incomodar. Pegamos a estrada de volta e ela me deixou
em casa, me dando mais alguns beijos de despedida.
Voltei para o meu quarto ainda com o sorriso no rosto e, ao deitar na
cama, peguei meu celular e vi no Instagram que Júlia tinha postado nos
stories. Era a foto que havia tirado comigo e na legenda ela dizia: "Quem é
mais lindo? Ele ou o nascer do sol?"
Sorri e acabei pegando no sono enquanto repassava o momento incrível
que ela tinha me proporcionado.
SÓ SABERÁ SE PROVAR
Júlia
“Oi, meu amor. Conseguiu fazer sua inscrição na faculdade?”
“Consegui. Agora é só esperar as aulas começarem.”
“Seu avô estava todo contente. Não parava de falar sobre você ter
passado no vestibular.”
“É bom vê-lo assim, mesmo não entendendo muito o porquê dele querer
tanto que eu faça isso.”
“Ele quer que você tenha opções. Se a loja não der certo em algum
momento, você terá um diploma para procurar emprego em outro lugar
bom. Ele se preocupa com seu futuro, assim como eu.”
“Meu futuro vai ser ótimo! Vai dar tudo certo. Principalmente se você
estiver nele."
“Eu não vou pra lugar nenhum. Estarei sempre aqui pra você”.
Acordei sorrindo naquele dia, feliz por sonhar com uma lembrança de
uma conversa com o Vini de muito tempo atrás. Ele sempre garantia que
estaria comigo e que nunca me abandonaria. Só que o destino acabou nos
separando, mesmo contra a nossa vontade.
Lembranças felizes com ele sempre vinham à tona de vez em quando. Eu
gostava delas, apesar de ficar muitas vezes melancólica e não querer sair do
quarto. Naquele dia, eu estava bem. A lembrança não me fez mal.
— Bom dia, querida — meu avô falou, colocando nosso café.
— Acordou mais cedo hoje? — perguntei beijando sua mão e me
sentando ao seu lado.
— Sim. Dormi cedo ontem, então acabei despertando antes também. Eu
pensei em você tirar o dia de folga hoje, para sair com seus amigos ou com
o Yan. O que acha?
— Vô, não tem porque eu fazer isso. É uma quarta-feira. Todo mundo
trabalha e não faz sentido nenhum eu liberar um funcionário assim, sem
justificativa.
— Tem razão. Acho que vou ficando mais velho e menos apegado a esses
detalhes — ele sorriu.
— É por isso que agora eu sou a gerente. Essas preocupações são minhas
e o senhor pode ficar mais tranquilo.
— É só que… — ele suspirou — não é sempre que você fica bem assim.
Eu sei que você não gosta quando eu me intrometo nas suas decisões. Você
é adulta, sabe o que faz. Mas eu acho que você e o Yan estão vivendo algo
bem legal e você deveria aproveitar ao máximo.
Meu avô era incrível mesmo.
— Entendo o que quer dizer. Pode deixar que eu vou seguir seu conselho
de aproveitar bastante — eu segurei a mão dele e sorri — Mas de uma
forma que não seja injusta com os outros funcionários.
Tomamos o café da manhã e descemos pra loja. Naquele dia, eu teria
uma reunião com a nova agência que eu queria contratar para cuidar do
nosso marketing e faria muitas ligações para confirmar as compras de
alguns produtos que precisávamos para renovar o estoque. Passei a manhã
toda enfurnada na minha sala até que ouvi mais uma batida na porta.
Felizmente, não era nenhum problema. Era quem me fazia esquecer deles.
— Oi, linda. Posso entrar?
— Claro — ofereci um sorriso — Do que precisa?
— Bom, preciso de duas coisas — ele entrou e fechou a porta, me
olhando com uma cara safada e depois sorrindo — Não. Não é nada do que
essa cabecinha pervertida pensou.
— Droga. Então sai daqui — fingi uma raiva e ele soltou uma
gargalhada, me fazendo rir também.
— Eu precisava ver esse sorriso seu. Essa era a primeira coisa — ele se
sentou na cadeira do outro lado da minha mesa e colocou uma pequena
vasilha de vidro com comida na minha frente — A segunda coisa que eu
preciso é que você dê uma pausa pra comer. Não sei se notou, mas já são
duas da tarde e você ainda não almoçou.
Esse gesto me pegou de surpresa.
— Vai me deixar mal acostumada, me mimando assim — eu sorri e abri
a vasilha, encontrando um macarrão ao molho bolonhesa com uma cara
ótima — Você quem cozinhou?
— Sim. O fato de morar nos fundos do local onde trabalho me dá uma
boa vantagem no horário de almoço. Então consigo cozinhar de boa, comer
e ainda tirar um cochilo, se eu quiser.
— E você cozinha bem? — arqueei a sobrancelha e sorri.
— Tudo que eu me proponho a fazer eu faço bem — ele sorriu, confiante
— Mas você só vai saber de fato se provar.
Torci para que aquele macarrão estivesse ruim. Não era possível que ele
realmente fosse bom em tudo. Mas quando eu provei não estava só bom, era
realmente uma delícia.
— E aí? Está aprovado? — a cara dele não vacilava. Ele estava muito
confiante.
— Gostoso tanto quanto o próprio cozinheiro — eu sorri e arranquei um
outro sorriso lindo dele.
EU TE AVISEI
Yan
Se eu fui triste algum dia, não me lembro. Brincadeiras à parte, estava
vivendo realmente dias muito bons com a Júlia. A gente passava horas
conversando sobre tantas coisas e sempre com muitas risadas e beijos.
Saíamos junto com Pedro e Mari como antes, só que agora aproveitando
bem mais um ao outro.
Apesar das aulas do último semestre terem começado, meu processo de
adaptação à nova faculdade estava tranquilo. Tinha gostado da maioria dos
professores e teria que pegar poucas matérias. A Júlia também estava
animada para se formar logo. A sensação de fazer o último semestre da
faculdade era como chegar ao fim de uma longa corrida.
Em uma das nossas conversas, eu descobri a data do seu aniversário, que
seria em poucos alguns dias. Eu queria muito fazer ou dar alguma coisa
especial para ela, algo que visse com carinho e não como um presente
qualquer. Já que a gente saía bastante com nossos amigos e ficávamos
juntos quase sempre em casa, pensei em levá-la em um restaurante legal na
cidade.
— Acho que toda mulher gosta disso. A Mari, pelo menos, curte muito
— Pedro disse, enquanto jogava no vídeo game dele.
— É, acho que não tem erro — deitei no outro sofá.
— Eu só não entendo muito bem o porquê de todo esse esforço seu para
surpreendê-la, sendo que você já está ficando com ela — ele pausou o jogo,
respirou fundo e olhou pra mim — Sinceramente, eu estou com um pouco
de medo de você estar se iludindo, criando expectativas demais com relação
a vocês dois.
— Relaxa, cara — eu sorri — Você sabe que não é porque eu esteja só
ficando com alguém, que eu não vá querer viver coisas legais com a pessoa.
Ainda mais com ela, que me ajudou tanto aqui na cidade, me oferecendo
um emprego e alugando a casa para mim.
— Você é quem sabe. Mas, quando estiver aí todo apaixonado e ela te der
um pé na bunda, eu vou mandar um “foda-se. Eu te avisei” — ele falou
sério e deu play no jogo.
Eu não vou negar que só de ouvir ele falar isso já me deu um embrulho
no estômago. Eu não queria de jeito nenhum passar por essa situação com
ela. Mas eu também sei que apesar de ter negado tudo a ele e da minha
fama de pegador, eu, no fundo, bem lá no fundo, ainda tinha o coração
mole. E Júlia conseguiu cavar até lá e me mostrar isso.
Talvez ele tivesse razão. Eu sentia uma ponta de esperança de que ela
pudesse mudar de ideia sobre relacionamentos sérios e estendesse o seu
tempo ao meu lado. Eu estava curtindo tanto estar com ela, mas a sensação
era de que eu estava jogando uma partida de futebol onde o tempo ia se
esgotando e ela seria a árbitra que daria o apito final.
E o pior de tudo é que eu simplesmente não sabia o porquê dessa aversão
toda dela ao namoro. Tipo, não faz sentido ser só por conta de traição em
outro relacionamento. Eu tentei seguir isso, mas a real é que ninguém
manda no coração. As pessoas não são iguais. Não é porque minha ex me
traiu, que todas as outras mulheres farão o mesmo. Além disso, todo mundo
merece uma segunda chance de ser feliz. Ficar sozinho para sempre deve
ser ruim demais. Eu só precisava mostrar isso à ela.
Fiquei repassando aquela conversa depois que ele foi embora durante um
bom tempo. Sei que dei a entender que fui traída também, mas para mim
era mais fácil do que contar que meu grande amor morreu em um acidente.
Recontar essa história ainda era extremamente difícil para mim.
Mari me convidou para ir ao shopping com ela no final de semana. Ela
precisava comprar umas roupas e eu aproveitei para olhar alguns sapatos
também. Depois de umas duas horas batendo pernas, resolvemos comer
alguma coisa. Pedimos dois combos de sanduíches e nos sentamos em uma
das mesas. Ela estava contando de uma briga que teve com Pedro no dia
anterior.
— Ele simplesmente me deixou falando sozinha e saiu. Acredita? Eu
odeio isso do fundo do coração. Se um relacionamento não tiver conversa,
está fadado ao fracasso — ela visivelmente se controlava para não alterar o
tom de voz.
— Mas você ficou chateada porque ele curtiu a foto da menina ou porque
ele não curtiu a sua? — perguntei, tomando meu refrigerante.
— Os dois. O fato é que ele não pensa duas vezes em curtir e reagir às
fotos das colegas dele e nem todas as minhas fotos ele curte. Se eu quiser
um comentário dele então, tenho que ameaçá-lo de morte.
— Um comentário bem espontâneo. Você já conversou com ele sem
brigar? Tipo, falando de uma forma que ele te leve a sério?
— Eu tento, mas é difícil! Ele fica com aquela cara de bunda que me dá
ódio! Quando vejo já estou me exaltando.
Não consegui segurar o riso. Ela acabou relaxando e sorrindo também. A
realidade é que essas briguinhas entre eles eram tão infantis que parecia até
que eles as inventavam para o relacionamento não ser perfeito demais.
— E você e o Yan?
— O que tem? — sorri.
— Eu vou confessar que estou gostando muito de ver essa sua carinha
feliz. Ele é um cara legal e ainda por cima é muito gato.
— É verdade. Ele é incrível. A gente tem vivido momentos muito bons
— suspirei — Mas pelo papo dele, estou achando que ele não quer mais só
ficar.
— Ah, jura?! — ela demonstrou zero surpresa — Amiga, para com isso!
Vocês já estão namorando, só não tem a porcaria do rótulo ainda.
Aquela afirmação dela veio como um soco no meu estômago. Sério que
eu tinha deixado chegar naquele ponto?
— Como assim? — perguntei, querendo que aquela realidade fosse
esfregada de vez na minha cara.
— Vocês estão ficando um com o outro há quase 3 meses com
exclusividade. Vocês se pegam quase todos os dias e ele já convive o tempo
todo com seu avô, que é sua única família por aqui. Me diz qual a diferença
disso para um namoro?
Puta merda. Ela tinha toda razão. Eu deixei o Yan entrar na minha vida
com tudo e nem percebi o quanto já estava envolvida.
— E não tem problema nisso, ok? — ela segurou minha mão — Você já
deixou claro que não quer falar sobre seu passado, mas tenho total certeza
do seu presente: você está feliz ao lado dele e ele claramente gosta de você.
Não vejo nada que os impeça de viver isso.
— Nossos pedidos estão prontos — mudei radicalmente de assunto,
deixando claro que estava pondo um fim naquela conversa.
Comemos nosso lanche quase em silêncio, apenas comentando poucas
coisas. Em seguida, ela agradeceu pela companhia e cada uma foi pra sua
casa. E ainda bem que não tinha ninguém na minha, pois estava com a
garganta apertada e uma vontade enorme de chorar. Mariana tinha mostrado
a merda que eu estava fazendo comigo e com o Yan. Estávamos muito
apegados e eu tinha perdido o controle sobre nossa relação. Eu precisava
colocar um fim antes que fosse tarde demais e o sofrimento triplicasse.
Só que eu não queria fazer isso. Não queria ficar sem sua companhia,
sem seus beijos e carinhos. Não queria tirar ele da minha vida e isso seria
bem mais difícil agora porque ele ainda estava morando na casinha e
trabalhando na loja. Eu ainda o veria todos os dias e sei que acabaria
cedendo em algum momento e me rendendo ao sentimento que eu queria
reprimir.
Eu não podia me deixar levar. Não podia me apaixonar de novo e correr o
risco de ser abandonada novamente. Além disso, meu coração nunca estaria
inteiro de novo, como poderia dar ele para alguém? Seria dolorido, mas
sabia o que eu precisava fazer.
MEDO DO QUÊ?
Yan
Os trabalhos na loja tinham se intensificado naquela semana. Para piorar,
uma competição estadual de motociclismo aconteceria no próximo
domingo, então apareceram muitos clientes novos, tanto na loja quanto na
borracharia. Na verdade, isso era uma coisa muito boa, mas eu quase não
consegui conversar com Júlia, que também estava atolada com problemas
de fornecedores e logística.
Porém, naquele dia, achei que a gente precisava de um tempo para
descansar após o trabalho. Preparei uma comida para ela e a convidei para
ir até minha casa. Ela ficou relutante, mas acabou cedendo.
Júlia chegou mais calada e eu imaginei que estivesse apenas cansada.
Uma noite sem preocupações poderia deixá-la melhor.
— Fiz o macarrão que você gosta — falei, enquanto a servia — Eu sei
que sua cabeça deve estar ligada ainda nos duzentos e vinte por conta da
loja, mas quero que tente relaxar um pouco hoje comigo.
— Obrigada por se preocupar — ela deu um sorriso contido.
Definitivamente aquela não era minha menina.
Comemos juntos e consegui tirar outros sorrisos dela enquanto a gente
conversava. Depois de terminarmos o macarrão e ela dizer que estava mais
do que cheia, coloquei o restante na geladeira e a levei para a sala. Sentei e
a coloquei no colo, abraçando-a por trás. Aquela tinha se tornado nossa
posição padrão no sofá e eu gostava muito.
Comecei a fazer carinho nos seus cabelos e depois uma massagem nos
ombros. Alguns minutinhos depois, ela parecia mais relaxada e eu comecei
a beijá-la devagar. Não me cansava daquela boca perfeita. Minhas mãos
passeavam pelo seu corpo e eu sabia que poderia deixá-la renovada para um
novo dia de trabalho, dando a ela muito prazer.
Só que minhas mãos, que já estavam na sua bunda, foram puxadas e
quando olhei para ela, vi uma expressão estranha.
— Eu quero muito fazer isso. Muito mesmo — ela fechou os olhos, como
se tivesse lutando contra si mesma. — Só que eu preciso falar com você e
não pode ser depois de fazer sexo. Não seria certo.
Senti minha respiração falhar. Eu tinha certeza do que viria a seguir, mas
não estava pronto para isso.
— O que aconteceu? — consegui perguntar.
Ela se levantou do meu colo e sentou-se ao meu lado olhando para mim.
— Eu deixei o que existe entre a gente tomar um rumo diferente e fugir
do meu controle. Você sabe, desde antes de nos conhecermos, que eu não
tenho interesse em um relacionamento sério. E apesar de terem sido três
meses maravilhosos ficando com você, — os olhos dela começaram a
encher de lágrimas — eu não posso permitir que a gente avance ainda mais
e não saiba como voltar atrás.
— Quem disse que eu vou querer voltar atrás? — segurei o rosto dela —
Eu quero você, linda. Eu não quero parar nada. A gente não tem que fazer
isso — minha voz começou a falhar também.
— Talvez você não, mas eu sim. E eu vou precisar que você aceite e
compreenda.
— Júlia, é claro que eu teria que aceitar. Mas compreender, é impossível
— eu sorri ironicamente — Está estampado na sua cara que você não quer
isso, que está sofrendo tanto quanto eu com essa sua decisão. Afinal, do que
você tem medo?
Ela se levantou, tentando fugir. Eu não deixaria isso. Me levantei também
e segurei seus ombros.
— Do que você tem medo? — repeti, agora um pouco mais alto e
olhando com firmeza em seus olhos.
As lágrimas que estavam acumuladas escorreram, mas ela não tinha cara
de choro. Ela estava séria e sua voz foi firme quando disse:
— Olha, você não precisa sair da casinha, nem de pressa para conseguir
outro emprego. A gente vai lidar com isso como dois adultos.
Ela foi pegando a bolsa para ir embora e eu segurei sua mão. Eu sabia
que ia me arrepender do que estava prestes a pedir, mas queria muito tentar
fazê-la mudar de ideia ou que pelo menos pensasse melhor sobre a decisão.
— Fica comigo pelo menos hoje? Deixa eu te dar carinho uma última vez
— pedi.
Ela tentou responder alguma coisa, mas nada saiu da sua boca. Fechando
os olhos, Júlia me abraçou e eu pude pegá-la no colo e levá-la para cama.
Não sei como, mas essa vez foi melhor ainda do que a primeira. Talvez
porque eu me dediquei ao máximo para que fosse o melhor sexo da sua
vida, para que quando ela fechasse os olhos só se lembrasse de mim dentro
dela. Ou talvez porque tinha o sentimento de despedida, que nenhum de nós
dois queria sentir realmente. Acho que ela também quis ser lembrada pois,
do meio para o fim, resolveu montar em mim e ficar rebolando. Aquilo foi
sensacional, mas foi um erro. Como eu poderia tirar ela da minha cabeça
agora?
PENSAMENTOS RUINS
Júlia
Acordei com um aperto gigante no peito e uma vontade enorme de
chorar. Felizmente, ele ainda dormia e eu pude sair sem que a gente
precisasse se despedir de novo. Foi muito difícil para mim tomar essa
decisão. Eu me sentia derrotada. Tudo porque eu deixei que fôssemos longe
demais. Ele me conquistou como nenhum outro cara conseguiu depois que
o Vini se foi e, por isso, dessa vez doeu demais.
Eu precisava pensar bem em como lidar com isso. Como eu conseguiria
vê-lo todos os dias e não voltar atrás? Como aguentaria tanta saudade? Será
que ele ficaria com raiva de mim? Só de imaginar isso meu coração doía.
Não queria magoá-lo daquela forma e a cara dele de tristeza ao me ouvir
dizer aquelas coisas foi arrasadora.
Entrei em casa com os olhos cheios de lágrimas. Estava torcendo para
que meu avô não estivesse lá, mas para o meu azar, ele estava na sala
mexendo com uns papéis e deu de cara comigo.
Vendo meu rosto vermelho, ele perguntou:
— O que aconteceu?
Sinceramente, não queria ter que falar sobre isso, mas seria melhor ele
ouvir de mim de uma vez e acabar com essa tortura.
— Certo. Vou falar logo. Eu e o Yan não temos mais nada um com o
outro — fui andando para a cozinha e ele me seguiu.
— Vocês terminaram? O que ele fez?
— Primeiro, vovô — eu olhei pra ele com firmeza — Não terminamos
porque a gente não estava namorando. E não, ele não fez nada.
— Se ele não fez nada, por que vocês não estão mais juntos? — ele
perguntou como se realmente não tivesse entendido. Mas não demorou
muito para que a ficha caísse. — Ah, não! Eu não acredito nisso.
Fechei os olhos. Já sabia o que estava por vir.
— Você terminou com ele por medo? — ele colocou a mão na cabeça,
muito puto de raiva. Eu esperava um daqueles sermões de sempre, mas não
aquela reação — Eu não acredito que você fez isso de novo! Você não
enxerga o que está fazendo consigo mesma?
— Vô, por favor! — tentei acalmá-lo — Eu disse para o senhor não ficar
se apegando a ninguém, porque eu não faria isso.
— Mas você está apegada a ele! Está apaixonada e não quer assumir!
Você não vê porque esse medo todo te deixa cega! — ele gritava.
Eu arregalei os olhos. Não me lembrava da última vez que o vi tão
exaltado.
— Eu não sou idiota, Júlia. Eu percebo as coisas. Você já se aproximou
de muitas pessoas e deixou várias irem embora. E apesar de eu saber o real
motivo e odiar isso, não me importei tanto porque nenhuma delas tinha
mexido com você de verdade. Eu achei que o Dominic seria diferente, mas
não foi. Então apareceu o Yan, um garoto bom, inteligente, educado e
amoroso contigo, que te faz muito bem e você está simplesmente mandando
ele embora da sua vida.
Senti uma mistura de raiva e de tristeza. Meu avô não me entenderia.
— Olha, eu entendo que o senhor está chateado porque gosta dele, mas…
— Não, Júlia! — ele me interrompeu. — Eu não estou bravo porque eu
gosto dele. Isso é o de menos! Estou zangado porque estou vendo quem eu
mais amo nessa vida tomar uma decisão com a qual vai se arrepender para
sempre! Você não merece viver desse jeito! Você precisa superar de uma
vez por todas o Vinícius e se dar uma chance de ser feliz de novo.
Agora algumas lágrimas escorriam no rosto dele e pelo gosto salgado que
eu estava sentindo, acredito que no meu também.
— E correr o risco de um dia receber uma ligação dizendo que o Yan
morreu num acidente de carro? Ou que foi assaltado e morto? Ou foi
atropelado? O senhor acha que eu suportaria isso de novo?
— Minha filha, tire esses pensamentos ruins da sua cabeça e viva sua
vida! Não podemos viver pensando na morte! Deus quer que você fique
bem.
Agora ele apelou colocando Deus no meio disso.
— Não vamos discutir sobre Deus de novo. Por favor.
— Não, não vamos. Eu sei que em algum momento Ele vai te mostrar a
verdade e vai te curar.
— Eu já me curei da depressão, vovô — rebati — Mas eu seria idiota se
não me protegesse de passar de novo pela maior tristeza da minha vida.
Ele suspirou, derrotado.
— Eu não sei mais o que falar para você. Só espero que você mude de
ideia a tempo e não jogue fora algo tão valioso como o que vocês têm,
apenas por medo.
UMA BOA NOTÍCIA
Yan
Eu estava muito arrasado e muito puto. Puto comigo mesmo por não ter
ouvido o Pedro, por não ter feito como eu sempre fazia com todas as
garotas com quem eu ficava. Eu fui muito burro e agora estava de novo
sofrendo por alguém.
O pior é que eu nem sabia o que fazer. Ela disse que eu não precisava,
mas eu tinha que sair daquela casa e conseguir outro emprego. Só que não
dava para fazer isso agora e, em poucos minutos, eu teria que começar mais
um expediente.
Resolvi tomar um banho gelado, me arrumar e enfrentar tudo isso com a
maior frieza possível. Ao chegar na loja, pedi para trocar de lugar com o
cara do estoque e inventei que não estava me sentindo bem para atender
clientes. Na verdade, eu só queria evitar ao máximo encontrar com ela. Eu
não estava em condições de vê-la ainda. Do jeito que eu estava arrasado, eu
acabaria passando vergonha e me humilhando.
Acho que ela também fez o possível para me evitar, pois não a vi em
momento algum durante todo o dia. Quando eu saí do trabalho, Pedro me
esperava na porta da casinha. Pela cara tranquila dele, acho que não sabia
de nada ainda.
— E ai, cara? Beleza?
— Tranquilo.
— Resolvi vir finalmente conhecer onde você está ficando. Me senti mal
porque só você vai na minha casa e eu nunca vim na sua.
— Relaxa. Vou me mudar daqui o mais rápido possível — eu falei sem
olhar para ele e abri o portão.
— Já? Ué! Não deu certo ficar aqui?
— Deu — entrei em casa, coloquei as chaves na mesa e me joguei no
sofá — Mas a Júlia terminou comigo, então acho que não seria legal ficar
aqui por mais tempo.
— Puta merda, cara. Sinto muito — ele me encarava como se estivesse
olhando para um machucado feio — Como foi isso?
Contei para ele a merda toda do dia anterior, até que a parte em que a
gente dormiu junto, evitando detalhes, é claro.
— Deve estar sendo uma merda — ele suspirou — E não, não vou ser
bacaca com você. Na verdade, eu tava torcendo muito para que ela agisse
diferente contigo.
— Mas não agiu. Me chutou igual qualquer outro cara. Eu quem fui um
retardado confiante demais e achei que poderia fazer durar.
— O que posso fazer pra ajudar? — meu amigo perguntou.
— Acho que nada. Eu só preciso achar outro emprego e sair logo daqui.
O resto é com o tempo — tentei convencer a mim mesmo.
Eu precisava parar de ficar olhando pra ele igual uma perturbada. Afinal,
eu quem tinha acabado com tudo. Resolvi que precisava esfriar a cabeça,
literalmente. Pensei em chamar a Mari para irmos à piscina, pois não
gostava de ir sozinha, mas ela estava muito entretida conversando com uma
colega de trabalho que havia encontrado lá.
Que se dane.
Tirei minha roupa ali mesmo e fiquei só de biquíni. Fui andando assim
mesmo até a piscina e percebi vários olhares. Será que quem eu queria
estava me olhando também?
Entrei e cumprimentei algumas pessoas que estavam dentro. Inclusive
tinha uns caras bem bonitos, mas sério: era uma droga ter ficado com o Yan
perfeitinho, que deixava aquele povo todo ali no chinelo.
Eu sabia o que aqueles caras que estavam na piscina, se mostrando super
atenciosos comigo, queriam. O Vini sempre me falou abertamente sobre o
comportamento dos homens para me proteger. Não que eu pudesse julgar
quem ali prestava ou não. Mas eu realmente não estava nem um pouco a
fim de estender conversa com qualquer um deles.
Depois de algum tempo, resolvi sair da piscina e me trocar. Me levantei,
peguei minha bolsa e entrei dentro da casa procurando algum banheiro
vazio. Quando finalmente achei um, duas mãos fortes me empurram para
dentro e fecham a porta. Dou de cara com o Yan todo lindo, colado em
mim, dentro do banheiro.
— Você está querendo me maltratar? — ele falava olhando nos meus
olhos e também pra minha boca.
— Do que você está falando? — falei quase sussurrando, sem encontrar
minha voz.
— Você fica desfilando com esse biquíni minúsculo na frente daquele
tanto de cara. Você não tem dó de mim?
Ele pegou no meu cabelo daquele jeito que sempre fazia e minhas pernas
começaram a falhar.
— Você nunca foi ciumento comigo. Vai ser agora depois que tudo
acabou?
— Acabou mesmo? — ele me puxou pra mais perto e minha respiração
acelerou — Porque eu não tiro você da minha cabeça nem por um segundo.
E pelo jeito derretido que você está aqui nas minhas mãos, tenho certeza
que você também não me esqueceu.
— Não ainda. Mas eu vou — eu falei, quase salivando ao olhar para boca
dele.
— Mas você não quer isso de verdade — ele deu um beijo no meu
pescoço.
— Yan…
— Eu sei que você ainda me quer, assim como eu te quero — ele beijou o
canto da minha boca — Eu quero tanto você pra mim.
Na hora que ele disse isso, não consegui me controlar. Estava com tanta
saudade! Colei minha boca na dele, que me devorou como nunca antes, me
dando a certeza de que ele sentia o mesmo.
ESCONDENDO ALGO
Yan
Que saudade de beijá-la e de tê-la nos meus braços assim, toda rendida.
Aquela cena dela desfilando de biquíni acabou comigo porque eu lembrei
que já tive aquilo tudo pra mim e deixei escapar. Eu não consegui me conter
e quando vi a oportunidade, me tranquei dentro do banheiro com ela. Eu só
tomei essa atitude porque tinha absoluta certeza de que ela queria também.
Senão jamais ousaria isso.
Mas que bom que fiz. Que bom que pude matar a saudade da sua boca,
da sua pele, do seu cheiro.
— Não quero ficar longe de você — sussurrei entre os beijos, em um tom
quase de súplica.
— Por que você está deixando tudo mais difícil? — ela falava, mas suas
mãos continuavam percorrendo meus braços e sua boca ainda estava na
minha — Eu não sou o que você precisa. Sou toda ferrada por dentro.
— Não, minha linda. Você é perfeita pra mim — parei de beijá-la e olhei
em seus olhos, fazendo carinho no seu rosto. Queria que ela levasse a sério
o que eu iria dizer — O que a gente sente quando está um com o outro, é
tudo o que eu sempre sonhei. Você me trouxe uma felicidade que eu nem
me lembrava que existia. Não sei do que você está fugindo, mas sei que
você também gosta de mim.
Ela encostou a cabeça no meu peito e começou a chorar. Abracei-a forte,
querendo passar segurança, mas eu estava prestes a chorar também.
— Não consigo — ela olhou com os olhos vermelhos e brilhantes para
mim — Não posso sofrer mais. Não posso te perder também.
E foi ali que eu senti no coração que não era sobre traição. Ela escondia
alguma coisa de mim. Algo aconteceu para deixar essa mulher alegre,
divertida e ousada, ter esse lado sombrio, entristecido e cheio de medo.
Essa sensação ruim tomou meu peito e eu não consegui falar mais nada.
Peguei sua toalha e sequei seu rosto, ajudando-a também a se trocar, em
silêncio.
Quando Júlia estava pronta, eu ergui sua cabeça com as duas mãos e
olhei no fundo de seus olhos.
— Eu não sei o que aconteceu com você, mas sei que vai conseguir
superar e eu vou estar esperando por você. Vamos viver muita coisa juntos
ainda, minha linda.
Faltavam cerca de duas horas pra ele chegar. Seria tudo muito corrido,
não dava para ter imprevistos. Yan tinha conseguido se organizar para
chegar a tempo da minha formatura, que por sorte, seria no mesmo fim de
semana que a dele. O problema é que ele só tinha conseguido um voo que
chegaria em cima da hora do evento. Por isso, eu estava muito nervosa.
— Tudo pronto? Podemos ir? — meu avô perguntou, pegando a chave do
carro dele.
— Acho que ele não vai chegar a tempo — comentei olhando o celular
pela milésima vez.
— Vai sim, mas ele vai ter que ir direto pro local da formatura. Não
podemos esperar aqui, querida — meu avô pegou no meu braço e saímos de
casa.
Ele estava em Brasília há um mês. A rotina dele era muito puxada.
Passava o dia inteiro na sala de aula, tinha duas horas de almoço e à noite
tinha que revisar o conteúdo pois a cada duas semanas eles passavam por
uma espécie de avaliação. Era como uma nova faculdade. Mais curta, só
que em tempo integral.
Nos falamos todos os dias, sem falta. Por mensagem durante o dia e por
chamada de vídeo à noite. Eu tive medo de que acabasse faltando assunto
ou que ficasse um clima estranho e tentei ao máximo não comparar aquela
situação com o que vivi com meus pais. Mas a verdade é que Yan
simplesmente não deixou isso acontecer.
Ele também mandava encomendas pra mim frequentemente, ligando para
alguma loja em Palmas e pedindo para me entregar flores, doces e outros
presentes. Todos eles vinham com um recadinho como "Pensando em você
o tempo todo" ou "Espero que seu dia seja ótimo".
Yan cumpriu com certeza a promessa de não deixar com que eu me
sentisse sozinha. É claro que eu sentia falta do seu cheiro, do seu toque e
sua presença. Mas ele conseguiu, neste primeiro mês, me dar uma
segurança muito grande e me fazer amá-lo ainda mais.
Em cima do palco, com meus colegas de faculdade, quase não conseguia
ver os rostos com tanta luz na cara. A turma tinha preparado uma grande
cerimônia de formatura, com tudo que esse tipo de evento pede.
Depois de todo o cerimonial de início e dos discursos, os nomes
começaram a ser chamados para a entrega dos diplomas. Na vez da minha
amiga querida, muitos gritos e buzinas. Mari tinha muitos amigos e seus
familiares jamais perderiam esse momento. Pedro, é claro, gritava
enlouquecido, sem se preocupar em passar vergonha.
Quando eu ouvi o meu nome, levantei sorrindo e caminhei em direção ao
professor padrinho da turma que entregava o canudo. Eu estava esperando
poucos aplausos, mas para minha surpresa, ouvi muitos gritos e buzinas
também. Consegui avistar todos os meus queridos funcionários, meu avô, o
padre Sérgio e até Helena, pulando e festejando por mim. Meu coração
transbordou de alegria, mas quase parou de bater quando eu vi meus pais ao
lado do Yan, que sorria pra mim orgulhoso. Eu não podia acreditar naquilo.
Meus pais estavam ali? Junto com ele?? Mas como??
Quase não consegui andar direito de tão feliz e emocionada!
— Meu Deus, não acredito que vocês estão aqui! — corri para abraçá-los
quando a cerimônia acabou.
— Não poderíamos perder outro momento importante na sua vida. Que
coisa mais linda ver você lá em cima, recebendo seu diploma — minha mãe
disse, emocionada.
— Estamos muito orgulhosos de você, filha. Parabéns por mais essa
conquista! — meu pai beijou minha mão e me deu outro abraço — E agora
finalmente pude conhecer o Yan, que você tanto fala — ele revirou os
olhos, brincando.
— Pai! Ele já se acha, se ficar me expondo assim, ninguém vai aguentá-
lo — falei piscando para Yan que estava perto o suficiente para ouvir.
Não esperei nem mais um segundo e o abracei, sentindo uma paz tão
grande por estar novamente em seus braços. Ele me beijou e fez carinho no
meu rosto, como sempre.
— Você estava tão linda lá em cima. Estou muito feliz por você, meu
bem. Parabéns! — ele me beijou de novo.
Retirando minha mão debaixo da dele, afirmei: — Acho que deveria falar
com o Yan para saber se ele concorda com isso.
Ele então se encostou na cadeira e deu um sorriso.
— Você é uma namorada e tanto. Sempre preocupada com ele e no que
ele pensa — Fernando chamou o garçom e pediu a conta — Como eu disse,
estou tentando não dar bandeira de que estou dando privilégios para o Yan.
Lá existem outros profissionais da empresa que estão passando pelo mesmo
desafio. Não pega bem eu ajudar apenas um deles. Você tem funcionários
também, sei que entende o que eu quero dizer.
— Entendo sim. Só não quero ter a responsabilidade de decidir o que ele
quer — falei sorrindo, meio sem graça.
— Certo. Vou pensar melhor como posso articular isso. De qualquer
forma, muito obrigada pela sua companhia nesse almoço. Quem sabe a
gente pode se tornar amigos também — ele me deu um abraço. Eu nem
soube como reagir.
— Obrigada pelo convite e pela preocupação com o Yan.
Ele deu um sorrisinho.
— Claro, claro.
IMAGINANDO O FUTURO
Yan
Fiquei muito feliz quando recebi o convite para ser padrinho do
casamento do Pedro e Mariana, ainda mais por saber que a minha linda
namorada estaria ao meu lado. A cerimônia aconteceria em apenas quatro
meses e eu já estaria de volta em casa, trabalhando.
Faltava muito pouco e eu contava os dias. Mas tirando a saudade da Júlia,
do Seu João, dos meus amigos e minha família, a estadia em Brasília estava
mais tranquila e prazerosa. Eu saía mais com os colegas e gastava meu
tempo livre malhando e conhecendo novos lugares da cidade.
Júlia e eu ainda mantinhamos a mesma rotina de conversar à noite, mas
durante o dia, as mensagens reduziram um pouco. Isso me dava um certo
aperto no coração, apesar de saber que ela tinha muito trabalho na oficina.
Não queria de jeito nenhum que a nossa relação esfriasse, mas não tem
jeito. Relacionamentos à distância são complicados. O que me tranquilizava
era a garantia de que eu estaria de volta em pouco tempo.
Em uma das nossas chamadas de vídeo, Júlia comentou que meu
professor Fernando a tinha convidado para um evento da empresa e queria
que ela me representasse. Ela estava receosa de aceitar, mas eu achei a
ideia dele super legal.
— E se ele pedir pra eu falar alguma coisa por você? Eu não tenho nem
ideia do que dizer — ela fez um bico fofo demais. Eu sempre ficava
impressionado com ela. Como uma empresária foda, que tinha que ser firme
com um monte de macho no trabalho, conseguia ser meiga e fofa assim
comigo?
— Acho que ele não faria isso. Ele é inteligente e sabe que não é sua
área. De qualquer forma, você não precisa ir se não quiser. Seria legal você
conhecer meus colegas de trabalho, as metas da empresa e se enturmar. Mas
você pode fazer isso quando eu voltar também.
— O Fernando disse que fazia muita questão. Vou tentar ir. Afinal,
devemos muito a ele pelo crescimento da sua carreira profissional.
— Que lindo você falando assim, colocando nós dois como um só — eu
falei, babando por essa mulher maravilhosa.
— Lógico. Eu quero que você se torne o melhor engenheiro do Tocantins
e fique rico logo pra eu poder dar o golpe da barriga em você — ela falou,
morrendo de rir da própria piada.
Apesar de também achar engraçado, o pensamento dela grávida
preencheu minha cabeça e eu fiquei sem fala. Parecia ser a coisa mais
perfeita desse mundo.
— Você sabe que foi uma brincadeira, não é? Por que está com essa cara?
— ela perguntou.
— Você quer ter filhos? — perguntei de repente.
Ela arregalou um pouco os olhos e sorriu, mordendo os lábios.
— Quero. Acho que dois é um número legal. Sempre quis ter um irmão e
acho a sua relação com sua irmã incrível. E você?
Eu sorri, feliz com a resposta dela.
— Também quero ter. Talvez mais de dois — eu arqueei a sobrancelha —
Acho que você vai ser uma mãe maravilhosa. Espero muito ser o sortudo a
viver isso contigo.
Ela abriu um sorriso enorme e encostou a cabeça no travesseiro. Acho
que assim como eu, ela também gostou de imaginar tudo isso.
No outro dia, depois de uma aula bem bacana sobre estrutura de pontes e
viadutos, resolvi pesquisar mais sobre o assunto na biblioteca do instituto
sede do curso. O local era bem bonito e espaçoso, mas tinham poucas
pessoas lá naquele dia. Peguei alguns livros sobre o tema e sentei em uma
das mesas vazias. Pouco depois, alguém sentou do meu lado.
— Oi. Vim estudar também e te vi sentado aqui. Como você está? — a
loira da turma, que agora eu sabia que se chamava Vanessa, falou sorrindo
pra mim.
— Oi, e aí? Eu estou bem. Gostei muito da aula de hoje. Vim ler mais
sobre o assunto.
— Eu também curti muito. Acho que é minha área favorita. Seria um
sonho trabalhar em um projeto grandioso como aquele que o professor
mostrou — ela então colocou a bolsa na mesa e se esticou na minha frente
para pegar um dos livros que eu tinha separado. Certo, ela não era muito
discreta.
— Esse livro parece ser ótimo! — ela começou a folhear.
Sem querer perder tempo nem iludir a garota, fui direto.
— Vanessa, o que você quer?
Ela parou e olhou pra mim mordendo os lábios.
— Gostei. Bem objetivo — ela se ajeitou na cadeira — Bom, eu te acho
um cara muito atraente desde o primeiro dia em que te vi. Mas além disso,
acho você muito inteligente e dedicado, o que aumenta ainda mais minha
vontade de te conhecer melhor — ela sorria de uma forma sensual.
— Não quero ser rude, você é muito bonita. Mas eu acho que você já
sabe que eu tenho namorada e não tem chance de rolar nada.
Ela se aproximou ainda mais de mim, me deixando mais sem graça.
— Eu sei, sim. Mas eu também sei que relacionamentos à distância são
complicados e que é ruim se sentir sozinho. Eu me sinto sozinha também. E
acho que se nós fizéssemos companhia um pro outro, seria muito bom —
ela pegou na minha mão.
Caralho. Que loucura é essa?
— Inclusive eu sou bem discreta quando preciso — ela fez um gesto
fechando a boca como se fosse um zíper.
Soltei a minha mão devagar e me afastei.
— Como eu disse, eu tenho namorada e não vai rolar — peguei os livros
e me levantei — Até amanhã, Vanessa.
PACOTE COMPLETO
Júlia
O evento era em um prédio muito bonito e que tinha uma visão
privilegiada da cidade. Procurei usar um vestido mais social, para combinar
com a ocasião. Quando cheguei, notei que muitas pessoas tinham cara de
ricas. É claro, estava cheio de engenheiros e empresários ali. Super
deslocada no ambiente, sentei na banqueta onde eram servidos os drinks e
tentei procurar o professor.
O barman simpático perguntou se eu queria um drink e eu aceitei.
Enquanto observava a produção dele atentamente, fui surpreendida com a
mão do professor na minha cintura.
— Você está muito linda, Júlia. Que bom que você veio — ele se sentou
ao meu lado.
— Obrigada. Conversei com o Yan e ele achou uma boa ideia eu vir.
— Ótimo! Então, o evento vai apresentar mais um projeto da nossa
construtora. Mas aqui o mais importante é a oportunidade de fazer novos
contatos e negócios — ele sorriu e pegou na minha mão — Vamos dar uma
volta.
Fernando andou comigo pelo local e cumprimentou algumas pessoas. No
entanto, o que eu achei estranho foi que em nenhum momento ele me
apresentou como namorada do Yan, ele apenas falava meu nome e dizia que
eu era empresária de uma das maiores autopeças da cidade. Isso me
incomodou bastante.
Ele acabou se distraindo com alguns colegas de trabalho e eu aproveitei
para sair de perto. Voltei para o bar onde tinha apenas uma senhora sentada.
Pedi mais uma bebida.
— Só enchendo a cara mesmo para aguentar esse evento, não é? — a
senhora falou, rindo da própria piada.
— Tipo isso — eu sorri também.
— Meu nome é Soraia. E o seu?
— Júlia. Você também trabalha no ramo da engenharia? — perguntei.
— Gostei da sua pergunta. Geralmente perguntam se eu sou esposa de
algum engenheiro — ela tomou um gole do seu drink — Eu sou engenheira,
sim. Tenho uma construtora aqui na cidade. E você?
Eu quase cuspi minha bebida querendo sorrir.
— Eu sou a namorada de um engenheiro — eu falei e ela soltou uma
gargalhada.
— Algum deles? — ela apontou com a cabeça para um grupo de homens
que estavam conversando.
Eu balancei a cabeça, negando.
— É loucura. Ele nem está na festa. O chefe dele me convidou para
representá-lo. Missão na qual estou falhando miseravelmente — ergui
minha bebida e tomei mais um gole.
— Interessante. E seu namorado não veio por quê?
— Ele está há três meses em Brasília fazendo um curso pela empresa na
qual trabalha. Volta daqui a algumas semanas.
— Namoro à distância é uma merda. Que bom que falta pouco. Sabe,
Júlia, apesar de você estar falhando na sua missão, deve significar muito pra
ele você estar aqui.
— Espero que signifique mesmo porque ninguém merece. O único que
eu conheço aqui é o chefe dele e olha lá — olhei pro Fernando.
— O chefe dele é o Fernando?
— Sim. Por que?
— Ele é um bom engenheiro e professor. Só que ele não tem medo de
pisar em qualquer pessoa pra conseguir o que quer. Eu já trabalhei com ele
uma vez e não gostei nada.
A descrição não parecia nem um pouco com o Fernando que eu conheci
até agora.
— Espero que seu namorado não conheça esse lado dele — ela falou se
levantando — Foi um prazer te conhecer, Júlia. E pra você não dizer que
sua vinda aqui realmente foi em vão, esse aqui é o meu cartão. Se seu
namorado quiser conhecer a minha empresa melhor, é só ligar — ela me
entregou o cartãozinho sorrindo.
— Poxa, obrigada. Foi um prazer te conhecer também, Soraia. Muito
sucesso pra sua construtora!
Em um momento da noite, um DJ começou a tocar e as pessoas foram
para uma pista de dança. O evento formal tinha se tornado uma festa. E eu
já estava bem farta.
— Acha que o Yan vai se importar se a gente dançar um pouco? —
Fernando se aproximou sorrindo.
— Eu acho melhor eu ir pra casa. O dia foi cansativo e meus pés estão
bem doloridos nesse salto — falei sorrindo, querendo deixar o clima mais
leve.
— Ah! Claro. Tudo bem. Você veio de moto?
— Não, dessa vez eu vim com um motorista de aplicativo.
— Eu te levo em casa — ele tomou o resto da sua bebida e colocou o
copo vazio em uma das mesas.
— Não, não. Não precisa, Fernando. Pode ficar e curtir mais a festa.
— Eu já cansei da festa e faço questão. É uma forma de agradecer pelo
seu esforço de vir — ele sorriu e estendeu o braço de uma forma engraçada.
Respirei fundo e resolvi aceitar. Não queria ser grossa.
O cara estava simplesmente com uma BMW i8 novinha no
estacionamento do prédio. Não consegui esconder minha admiração por
aquela máquina. Vendo minha expressão, ele sorriu e comentou:
— Você gosta de carros também?
— Esse aqui é uma beleza, ein? Você tem muito bom gosto!
— Eu deixo ele para ocasiões especiais — Fernando falou abrindo a
porta pra mim. O cara era muito charmoso e educado — E só entram
pessoas especiais também.
Ok. Isso estava mais do que estranho.
Ele tava dando em cima de mim mesmo?
Durante o trajeto até minha casa, ele foi perguntando sobre meus planos
para o futuro, se eu tinha vontade de casar, ter filhos, expandir a loja. Ele
comentava todas as minhas respostas e também falava dos seus projetos.
— Obrigada pela carona, Fernando. E pelo convite também — falei ao
chegarmos na porta da minha casa.
Ele sorriu e abriu a mão dele na minha direção, esperando que eu
colocasse a minha por cima. Totalmente sem graça, fiz o que ele queria e
ele levou minha mão até sua boca, beijando-a.
Socorro. Preciso sair desse carro.
— Eu quem agradeço, Júlia — ele disse soltando minha mão.
Quando eu ia saindo do carro, ele tocou no meu braço, querendo me
parar.
— Posso te perguntar uma última coisa?
Eu voltei a me sentar no banco e fiz que sim, porém morrendo de medo
da pergunta.
— Eu acho você uma mulher maravilhosa. O pacote completo: linda,
educada, independente. Não vou negar que eu sinto um tanto de inveja pelo
Yan ter te conhecido primeiro.
Puta merda. Fiquei em choque.
— Mas eu queria saber, por curiosidade, se você não estivesse
namorando com ele, em outras circunstâncias, eu teria alguma chance com
você? — ele perguntou e me olhou com uma cara que acho que qualquer
mulher não resistiria. Apesar de estar muito constrangida com a situação, eu
notei que seu questionamento era sincero e que ele realmente queria saber a
resposta.
— Nossa, Fernando. Eu nem sei bem como responder. Você me pegou de
surpresa — eu sorri sem graça — Você é muito bonito, educado e
inteligente. Acho que toda mulher solteira gostaria de ter uma chance com
você. Mas a verdade é que eu sou muito apaixonada pelo Yan. Estou muito
feliz ao lado dele e estamos empolgados pra viver muitas coisas quando ele
voltar. Eu não consigo nem imaginar nada além disso.
Ele sorriu de uma forma confiante. Parecia satisfeito com minha resposta.
E no fundo eu também, pois fui muito sincera. Com certeza, se eu fosse
solteira e não fosse apaixonada pelo Yan, eu ficaria com ele. Mas eu não
falaria com essas palavras, pois ele poderia ficar se iludindo. Não conhecia
ele de fato.
Me despedi novamente e fui pra casa, pensando em como eu contaria isso
pro Yan sem que ele ficasse maluco e quisesse matar o professor dele.
UM EMAIL IMPROVÁVEL
Yan
Ele só podia estar de sacanagem. Que filho da puta!
Eu quis socar a cara dele no exato momento em que Júlia me contou o
que rolou na festa.
— Eu acho que você deve se acalmar. Eu fui bem clara com ele sobre nós
dois. Acho que ele só queria massagear o próprio ego.
— Eu nem sei o que dizer. Estou muito puto e também decepcionado. Ele
sempre me respeitou tanto, desde a faculdade. Aí, agora que eu estou longe,
ele aproveita pra dar em cima da minha namorada.
— Está tudo bem. Você logo estará de volta. E eu não vou mais aceitar
nenhum convite dele, ok?
Respirei fundo, tentando me acalmar. Júlia era maravilhosa, acho que eu
teria que lidar com isso algumas vezes.
— Obrigada por ter me contado tudo — lembrei sobre o episódio com a
doida da minha sala — Eu também tenho que contar uma coisa pra você.
Uma das alunas do curso também ficou se jogando pra cima de mim. Eu fui
bem sincero e direto com ela. Falei que eu tinha você e que jamais rolaria
nada.
Ela engoliu seco e olhou para o outro lado.
— Você está bem? — perguntei.
— Sei lá. É muito estranha essa situação. Acho que é difícil para as
pessoas entenderem que relacionamento à distância também é sério.
— Pra mim está sendo muito sério. E pra você?
— Pra mim também. Mas estou contando os dias pra ter você aqui.
Eu estava me sentindo igual. Era como se não estivéssemos completos
com essa distância entre nós. Precisávamos do toque, do carinho, da
presença física um do outro. Não dava pra continuar assim.
— Eu te amo, linda. Também estou contando os dias.
Faltavam apenas duas semanas para o fim do curso. A ansiedade estava
me matando. Eu já vinha inclusive pesquisando as passagens de volta para
Palmas até que, ao chegar no hotel em um finalzinho de tarde, recebo a
notificação de um e-mail no meu celular.
“Caro Yan Brito,
É com muito prazer que informamos que, pelo desempenho mostrado
durante o curso de aperfeiçoamento em engenharia de transportes, você foi
solicitado para uma vaga de trabalho na maior construtora do país, com
sede em Belo Horizonte-MG.”
Minhas mãos começaram a tremer e minha respiração começou a falhar.
Não consegui terminar de ler o e-mail naquele momento.
Eu não sabia o que pensar, nem como reagir a isso. Meu peito se dividia
entre uma enorme surpresa e orgulho pela oportunidade, mas doía como
nunca antes. Andei pelo quarto, inquieto, ofegante. Meu Deus, o que eu ia
fazer? Eu estava diante da maior oportunidade da minha vida. Mas, para
isso, eu teria que deixar a pessoa que eu mais amava. Júlia não poderia ir
comigo, ela tinha um negócio em pleno crescimento em Palmas e seu avô
pra cuidar. Ela nunca aceitaria isso e eu não tinha nem coragem de pedir
algo assim.
A dor de ter que escolher acabava comigo. Sentei na cama, totalmente
perdido e comecei a chorar. A verdade era que eu queria quebrar aquele
quarto todo porque eu tinha raiva dessa situação. Será que eu nunca viveria
a felicidade por um longo período? Ela sempre tinha que vir em pedaços?
Eu merecia isso? O que eu fiz de errado? Eu seria por toda a vida aquele
menino incompleto da minha infância?
Eu precisava de ar. Saí do hotel e fui até uma praça que tinha ali perto.
Sentei em um dos bancos e tentei me acalmar. Pensei em ligar pra alguém.
Pra quem eu ligaria? Pedro me veio à mente.
— E ai, meu futuro padrinho! O que você manda? — ele atendeu.
— Pedro, eu tô fodido — minha voz falhou — Eu tô fodido, cara. Não
sei o que fazer — comecei a chorar pelo telefone igual a uma criança.
— Ei, calma, calma. Eu estou aqui. Espera um pouquinho, deixa eu sair
aqui da casa da Mari.
Alguns segundos depois ele falou comigo de novo e eu contei tudo pra
ele. Pedro parecia não saber também o que dizer.
— Cara, eu não posso te dizer o que fazer. Essa é uma decisão só sua —
ele falou, abatido — Mas eu me lembro de você um dia ter falado pra mim
que seu maior sonho era oferecer tudo do bom e do melhor para sua futura
família. O oposto do que você viveu. Essa oportunidade de trabalho com
certeza realizaria isso. Você chegou a falar com ela?
— Não. E nem sei se tenho coragem. Eu já a fiz sofrer tanto por conta
desses quase quatro meses longe. Ela foi firme, enfrentou até as próprias
inseguranças e traumas de abandono por mim, sempre na esperança que eu
voltasse. Pra ela valia a pena me esperar. Só que se eu aceitar esse emprego,
eu não vou voltar. É pra valer — falei ainda desesperado.
— Acho que você precisa conversar com ela e ser franco. A verdade é
sempre melhor. Eu sei que você não consegue nem pensar nisso agora e o
que eu vou falar, vai parecer nem fazer sentido nesse momento. Cada
pessoa é especial e ela é maravilhosa, eu sei. Mas você ainda pode conhecer
outra pessoa. Às vezes não era pra ser mesmo.
Depois de conversar com Pedro, voltei para o meu quarto mais calmo.
Porém, a dor ainda tomava conta. Abri meu computador e voltei a ler o e-
mail. Em anexo havia as funções da vaga e o salário. Puta que pariu. O
salário era muito alto. Era um valor que eu poderia nunca alcançar em
Palmas. O trabalho era incrível, era tudo o que eu sempre sonhei quando
resolvi ser um engenheiro. Na minha cabeça, nem fazia sentido tudo isso.
Eu tinha acabado de me formar, como eu consegui algo tão grande
assim?
SIGA SEUS SONHOS
Júlia
Ele estava muito nervoso e inquieto. Seu rosto estava diferente, os olhos
estavam inchados, como se tivesse chorado a noite toda. Isso me preocupou
demais.
— Você está me deixando assustada com essa cara, lindo — deitei na
minha cama com o computador no colo.
— Eu não sei como te falar isso.
Meu coração gelou. A última vez que ele disse isso foi pouco antes de
contar que ficaria quatro meses longe.
— Eu recebi uma nova proposta de emprego. É uma oportunidade
incrível para trabalhar na maior construtora do Brasil e ganhar um salário
inicial de 20 mil por mês.
Eu arregalei os olhos e tampei a boca. Caramba! Era uma baita grana.
Mas meu peito já estava apertado, parecendo saber o que viria em seguida.
— Mas esse trabalho não é em Palmas. É em Belo Horizonte, na sede da
empresa — ele apertou o nariz e não olhava pra mim.
Senti meu coração quebrar em vários pedaços.
Não era possível. De novo não.
Eu reuni todas as minhas forças e consegui perguntar:
— Então você vai se mudar para Belo Horizonte? — uma lágrima caiu.
Ele então começou a chorar também, de forma silenciosa.
— Eu ainda não sei o que eu vou fazer — ele falou.
Ficamos alguns minutos em silêncio, absorvendo tudo e tentando dar a
melhor resposta um para o outro.
— Você não pode abandonar seu sonho, Yan. Essa é realmente uma
oportunidade única — falei, secando minhas lágrimas.
— E quanto a nós?
— Bom, pelo visto não era pra ser — eu falei, mas as palavras soavam
muito amargas.
Ele balançava a cabeça, inconformado.
— A gente tem que pensar em uma solução — Yan se levantou e
começou a andar de um lado pro outro no quarto dele.
— Não consigo enxergar uma saída. Se eu não tivesse a loja e meu avô
idoso aqui, eu iria com você. Se você quisesse, é claro.
— Isso seria um sonho, linda. Seria perfeito. Mas eu entendo que isso
não tem como acontecer. Eu jamais pediria isso a você — ele falou me
olhando com empatia e colocou as mãos no rosto — Me desculpa, linda.
Por fazer você passar por isso. Eu nunca vou me perdoar.
— Não quero que você se sinta mal. Acho que são coisas que podem
acontecer com qualquer um. A vida é feita de escolhas mesmo.
— Mas não quero ter que escolher entre você e o emprego — ele se
aproximou da tela do computador — Eu amo você como eu nunca amei
nenhuma mulher. Eu tenho muitos planos pra gente. Não tivemos tempo de
viver quase nada — ele abaixou a cabeça, derrotado.
Além da dor que afligia meu coração, vê-lo triste assim acabava mais
ainda comigo.
— Eu sei, meu amor — falei, voltando a chorar — Mas eu sei que eu
nunca vou esquecer o que a gente viveu.
— Você está falando como se já estivesse se despedindo, linda. Não faz
isso comigo.
Eu respirei fundo. O que ele queria que eu dissesse?
— Eu sei que você quer ir. E acho que você deve correr atrás dos seus
sonhos. Quero que vá sabendo que eu entendo e que não sinto mágoa de
você. Se fosse antes de te conhecer, seria diferente. Mas você apareceu na
minha vida para mudá-la para a melhor. Por sua causa, eu enfrentei meus
medos e traumas. Eu jamais vou esquecer isso e serei eternamente grata.
— Eu sinto muito, linda. Sinto muito mesmo.
NENHUMA FAÍSCA
Júlia
Meses depois
— Não se preocupe, devo chegar amanhã por volta das três da tarde. Eu
vou pra sua casa?
— Isso, a Mari vai estar no salão e eu vou me arrumar em casa. Ela me
fez cortar o cabelo com quatro dias de antecedência só pra eu não ter o
perigo de esquecer, acredita? — Pedro riu.
— Acredito. E acho que ela foi bem esperta porque isso aconteceria com
certeza. Então ficamos combinados, vou para sua casa me arrumar aí.
— Você está bem com tudo isso? Eu ainda me sinto meio culpado de
fazer você e Júlia terem que entrar de braços dados na cerimônia.
— Está tudo bem. Talvez o clima fique meio estranho, mas apesar de não
estarmos mais juntos, ainda temos muito carinho um pelo outro.
— Que ótimo. Esse é o dia mais importante das nossas vidas e não faria
sentido vocês não estarem nele. Obrigada por vir de tão longe. Te amo,
cara.
— Também te amo.
Desliguei o telefone e voltei a respirar.
"Ainda temos muito carinho um pelo outro"? Fala sério!
Eu ainda amo aquela mulher com todas as minhas forças e só de imaginar
vê-la depois de tanto tempo, meu corpo travava.
Fazia alguns meses que eu estava morando em BH. A cidade era ótima, o
emprego era fantástico. Já no primeiro mês de trabalho, consegui mobiliar
boa parte do apartamento alugado. Pedro me ajudou a vender todas as
minhas coisas em Palmas e minha adaptação a toda essa mudança estava
indo bem.
Mas eu sentia falta da minha irmã, dos meus amigos e dela. Era como se
tivesse um vazio no meu peito, que só ela poderia preencher. Tentei sair
com outras meninas, cheguei a beijar algumas, mas não consegui fazer nada
além disso. Acho que talvez fosse pelo fato da gente não ter se despedido
presencialmente. Ela não quis e isso me doeu muito. Mas eu a entendia. Ela
odiava despedidas e com certeza a nossa seria muito difícil.
Eu fiz de tudo para tentar superá-la nesse período. Eu até prometi a mim
mesmo que não perguntaria dela para o Pedro, já que isso só dificultaria o
processo. Ele também se comprometeu a não falar dela. Agora não teria
jeito. A gente precisaria encarar um ao outro e eu teria o seu adeus de vez.
Só assim eu conseguiria superá-la. Eu acho.
Em BH, eu adquiri um novo hobby. Comecei a praticar muay thai por
indicação de um colega de trabalho e já na primeira aula eu me apaixonei
pelo esporte. Também continuei na academia e ganhei mais massa
muscular.
Minha rotina consistia em trabalhar durante o dia e treinar à noite. Aos
fins de semana, saía com os colegas de trabalho e assistia videoaulas para
aprender a cozinhar novos pratos. Eu tentava ocupar minha mente de todas
as formas para esquecê-la e tirar a raiva que eu sentia por não poder ficar
com ela.
Mesmo assim, quando eu deitava na cama para dormir, Júlia era sempre
meu último pensamento. Eu lembrava do seu sorriso, do seu corpo, das
noites na minha casa depois da faculdade, dos almoços com Seu João. Eu
fui muito feliz ao seu lado, pena que foi tão rápido.
Eu até cheguei a fazer algumas sessões com um psicólogo. Isso no intuito
de eu parar de me culpar por ter escolhido cuidar da minha carreira e
entender que nem sempre podemos ter tudo o que queremos. Antes disso,
eu me torturava todos os dias com pensamentos autodepreciativos.
Arrumando minha mala, pensei no que eu faria e diria a ela quando a
visse. Eu daria um abraço? Eu poderia tocar no seu rosto como eu fazia? Eu
pediria perdão mais uma vez? Não. Isso acabaria com a gente de novo.
Será que ela também sentia o mesmo?