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Gouveia
Todos os direitos reservados. Este ebook ou qualquer parte dele não pode ser reproduzido ou usado
de forma alguma sem autorização expressa, por escrito, do autor, exceto pelo uso de citações breves
em uma resenha do ebook.

Texto, capa, diagramação: P.S. Gouveia


Revisão: P.S. Gouveia
Ilustrações: P.S. Gouveia (Freepik e Canva)
ISBN 978-65-00-86716-9
Câmara Brasileira do Livro

Este livro é indicado para maiores de 18 anos.


ÍNDICE

UMA PALAVRINHA AO LEITOR


PRÓLOGO
FERIDA ABERTA
NOSSA DIVERSÃO
SEM CHANCE
NÃO ESPERE NADA DE MIM
SAINDO DA BOLHA
TELHAS QUEBRADAS
APENAS BOA VONTADE
TIPO UMA LOTERIA
REMENDOS SE SOLTANDO
VISITA INESPERADA
TUDO MOLHADO
TENSÃO RESOLVIDA
POR DENTRO E POR FORA
MAIS BELO QUE O SOL
SÓ SABERÁ SE PROVAR
EU TE AVISEI
ÓTIMAS FELICITAÇÕES
APENAS TEORIAS
DEFINIÇÃO DE NAMORO
MEDO DO QUÊ?
PENSAMENTOS RUINS
UMA BOA NOTÍCIA
GRATA AO BIQUÍNI
ESCONDENDO ALGO
NOITE DE NOVIDADES
DIGA EM VOZ ALTA
CÉU E INFERNO
CONVERSA COM O PASSADO
PONTO DE PARTIDA
É ELA MESMO?
TIRANDO O PESO
ABRINDO O CORAÇÃO
NADA DE "LINDA" HOJE
MAL-ENTENDIDO
TEMOS POUCO TEMPO
MINHA NAMORADA
UMA GRANDE SURPRESA
MEU MAIOR MEDO
NOVATO DA LOJA
LINGERIE AZUL-CLARO
SEM PACIÊNCIA
A MAIS BELA VISÃO
RECARREGANDO ENERGIAS
NÃO CURTO TRAIÇÃO
TODA AJUDA É BEM-VINDA
IMAGINANDO O FUTURO
PACOTE COMPLETO
UM EMAIL IMPROVÁVEL
SIGA SEUS SONHOS
NENHUMA FAÍSCA
VAZIO NO PEITO
SOBREVIVENDO À NOITE
VOCÊ É MEU LAR
ESTAVA NA CARA
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
CONTATO DA AUTORA
UMA PALAVRINHA AO LEITOR
Neste meu primeiro romance, quero trazer a seguinte mensagem (e não,
isso não é um livro de autoajuda): algumas pessoas entram na nossa vida e
conseguem dar um novo brilho à ela e nos fazem trabalhar mais em busca
da nossa melhor versão. Independentemente de crer ou não em Deus, o
nosso desafio é enxergar quem são essas pessoas e valorizá-las, mantê-las
por perto, amá-las.
A verdade é que todo mundo tem algum episódio na vida que gostaria
de mudar ou que acabou moldando parte da própria personalidade que não é
tão positiva, que pode até mesmo impedir a felicidade. Mas o que fazemos
com esses episódios é totalmente NOSSA decisão.
Por fim, pode haver incentivo de quem te ama, te quer bem. Mas o
primeiro passo para a mudança e até mesmo a cura, vem de nós mesmos.
Assim como a Júlia e o Yan vão enfrentar suas próprias barreiras, você
também pode vencer a sua.
PRÓLOGO

— Eu te amo. Usa hoje à noite aquele vestido que eu te dei, ok?


Vez ou outra me lembrava dessa fala. A última coisa que ele me disse
antes de ir embora da minha vida, sem que eu pudesse dizer adeus. Sem que
a comemoração do nosso aniversário de namoro acontecesse. A próxima
vez que o encontrei, foi quando ele já estava no hospital, inconsciente. E
apesar dos machucados, ele continuava lindo como sempre: lábios cheios,
cílios grandes, maxilar bem marcado. Como eu era apaixonada por aquele
cara!
Vini me proporcionou com certeza os melhores cinco anos da minha
história. Vivemos intensamente cada momento, descobrindo nossos gostos,
manias e aprendendo a nos amar de uma forma que nada pudesse abalar. É
claro que tínhamos algumas brigas, mas encerrar nosso relacionamento
nunca era opção e sim resolver, aprender com aquilo e tomar atitudes
diferentes. Por isso, eu achei que viveria minha vida inteira ao lado dele. Eu
me entreguei tanto a esse amor, que quando o perdi em um acidente de
moto, entrei em uma depressão profunda. Com certeza, Vini também me
proporcionou os meus piores três anos, após a sua partida.
Meu avô João foi meu grande apoio durante esse período de luto. Ele
quem cuidou de mim desde os dez anos, quando meus pais se mudaram
para outro país na tentativa de melhorar de vida. Eles até conseguiram isso
após alguns anos, mas nunca voltaram. Quando eu cresci, preferi ficar, pois
já tinha amigos, o Vini e também não queria de jeito nenhum ficar longe do
meu avô.
Seu João, como é conhecido na cidade, construiu com muito suor sua
borracharia. Ele me ensinou tudo sobre motocicletas, que eram sua paixão e
também sua especialidade. Então, desde muito nova eu sabia muito sobre
motos, apesar dele não me deixar pilotar na cidade ainda. Aos finais de
semana, ele me levava pra dar umas voltas em bairros pouco movimentados
que tinham apenas algumas construções e então me deixava pilotar um
pouco. Lembro de me encantar pelo vento no rosto e a sensação de
liberdade.
Foi o que também encantou o Vini quando viramos amigos e fui
apresentar pra ele a nossa rotina na borracharia. Meu avô gostou dele de
cara, pois Vini era atencioso e gostava de aprender coisas novas. Tudo o que
um velho gosta: alguém disposto a conversar.
Vini tirou sua carteira de habilitação aos dezoito e finalmente pôde usar a
moto dos seus sonhos. Dedicava boa parte do tempo livre cuidando da
Princesa, como ele a chamava. Eu não me importava com essa relação, só
achava engraçado. Eu também gostava muito dela, pois a moto tinha tudo a
ver com ele e nos levava a lugares incríveis para ter momentos mais
incríveis ainda. Tanto é que a consertei algum tempo após o acidente, para
que eu pudesse usá-la.
Eu sei, é estranho eu continuar usando a moto que acabou com a vida do
meu namorado, mas ela fazia com que eu sentisse que tinha algo dele ainda
por perto. Não vou mentir que, por muitas vezes, andando nela, pensei em
simplesmente me jogar em cima de algum carro e acabar de vez com a dor
que eu sentia. Mas nunca tive coragem suficiente pra fazer isso.
Ele morreu quando eu estava há apenas dois meses na faculdade e ainda
não conhecia quase ninguém. Resolvi que arquivaria todas as fotos
publicadas com ele nas minhas redes sociais para evitar que ficassem me
perguntando sobre isso. Apenas quem o conheceu saberia de tudo.

— Você não está atrasada para a faculdade? — meu avô perguntou,


colocando mais uma garfada na boca, me tirando da melancolia e me
fazendo olhar pro relógio.
— Pior que estou — levantei da mesa, coloquei os pratos na pia e dei
um beijo na cabeça dele — Hoje eu vou sair com os meninos, então
não precisa me esperar. Tudo bem?
— Que ótimo! — ele pareceu surpreso — Já tem algumas semanas que
você não sai com eles.
E ele tinha razão. Nada se comparava ao período de luto, em que eu
simplesmente me isolei e só saia de casa pra ir pra borracharia, mas minha
vida social depois da partida do Vini ainda era meio instável.
Alguns dias eu saía como qualquer jovem de 22 anos e curtia pra valer. Já
em outros, eu só queria ficar sozinha com a minha saudade.
— Pois é. Hoje é o aniversário do Pedro e a galera da faculdade vai pra
um barzinho — expliquei, pegando a chave da moto e o capacete.
— Legal. Se cuida, meu bem! — meu avô sorriu de leve.
FERIDA ABERTA
Júlia
O caminho até a Universidade Federal do Tocantins era tranquilo e a
cidade de Palmas, apesar de ser a capital do Tocantins e estar em pleno
crescimento, não tinha nada de trânsito. Eu estava no último ano do curso
de Administração e mandava bem nas provas. Não pretendia seguir carreira
na área, mas essa faculdade me prepararia para tomar conta da borracharia
do meu avô que havia crescido e se tornado também uma loja de peças.
Foi uma coisa que meu avô insistiu pra que eu fizesse, então estava lá por
ele. Decidi que seria dedicada e daria esse diploma para o meu velho.
— É difícil para as mulheres dessa universidade competirem com você
chegando toda sexy nesta moto incrível — Mari se aproximou no
estacionamento, sorridente como sempre.
— Eu nem sabia que estava competindo — sorri de volta.
Mari é uma daquelas pessoas reluzentes que fazem amizade com muita
gente tão fácil como respirar. Ela tinha a pele morena e cabelos cacheados e
longos, que tomavam boa parte do seu tempo e dinheiro para que ficassem
incríveis sempre. Ela se aproximou de mim no segundo ano da faculdade,
quando eu tinha acabado de sair do fundo do poço. Ela sabe que alguma
coisa aconteceu na minha vida e que eu tive depressão, mas nunca contei
qual o real motivo.
— Eu estou tão animada para hoje à noite! Comprei um bolinho, apesar
dos protestos do Pedro, para a gente cantar parabéns. Vou passar em casa
depois daqui e levar para o bar — ela contou andando ao meu lado pelo
corredor do nosso bloco.
— Se precisar de alguma ajuda pode falar — me ofereci.
— Não precisa. Não é nada demais. Mas obrigada, mesmo assim — ela
chegou mais perto e abaixou o tom de voz — Fiquei sabendo que o Dom
falou por aí que está quase amolecendo seu coração e que não vai demorar
muito pra você finalmente aceitar o pedido de namoro.
Eu revirei os olhos. Dominic era um estudante de nutrição com quem eu
já tinha ficado algumas vezes. Ele era muito bonito, tinha um corpo
espetacular, pois era fissurado em academia e saúde. Seu físico e facilidade
para conversar fizeram com que ele virasse um aspirante a influenciador
digital. Ele já fazia até uma grana com propagandas para várias lojas da
cidade no Instagram.
Apesar de parecer o tipo “hétero top” chato, ele era um cara bem
legal. Só que eu não namoro ninguém. É uma regra minha e todo mundo já
estava careca de saber.
— Bom, então acho que ele decretou o fim da nossa pegação — eu sorri
e ela se juntou a mim.
— Aquela língua grande dele já trouxe tantos problemas. Ele devia
pensar um pouco mais antes de sair falando besteira por aí.
— Até que eu me diverti bastante com a língua dele — pisquei pra minha
amiga e ela arregalou os olhos, caindo na gargalhada.
Como eu estava no último ano, eu já era bem conhecida na faculdade.
Apesar dos caras sempre tentarem alguma coisa, só de vez em quando
alguém me interessava. O fato é que eu nem precisava me explicar mais, a
galera toda sabia que eu não entrava em relacionamentos sérios.
Depois que Vini faleceu, eu prometi para mim mesma que faria de tudo
para não me apaixonar de novo. Eu ficava com quem tinha desejo, mas
nunca passava disso. Não me permitiria me apegar e perder novamente
alguém que eu amasse. Não suportaria tamanha dor de novo. O buraco que
foi aberto no meu peito nunca cicatrizou e acho que isso nunca aconteceria.
Ninguém poderia substituí-lo. Ninguém seria tão lindo, carinhoso,
engraçado e bondoso como ele.
E mesmo se um dia eu encontrasse, quem poderia garantir que ele não
seria tirado de mim, assim como o Vini foi?
NOSSA DIVERSÃO
Yan
— Caralho. Que moto foda!
Passei a mão na Kawasaki Ninja verde que brilhava no estacionamento da
faculdade. Nunca tinha visto uma pessoalmente e apesar de curtir mais os
carros, não dava pra negar que essa moto era incrível.
— Foda mesmo é a menina que pilota — Pedro sorri ao ver que eu
levantei uma sobrancelha, intrigado. — É uma amiga da minha namorada.
É claro que eu jamais seria um cafajeste com a Mari, mas não posso negar
que a Júlia é sensacional.
Olhei mais uma vez pra moto, pensando no que ele disse e imaginei uma
gostosa pilotando. Nem deu para prolongar muito minha imaginação, pois
ele logo buzinou dentro do carro.
— Vamos, cara! Tenho que passar em casa pra tomar um banho antes de
ir pro bar — ele acelera na hora que eu entro no carro dele. O meu estava na
oficina então acabei aceitando a carona.
— A que horas ficou marcado mesmo?
— Mari chamou a galera às nove, mas se ela for lavar os cabelos, pode
ter certeza que lá pra meia noite estaremos reunidos — ele disse balançando
a cabeça e sorrindo.
— Você reclama dela mas está com os quatro pneus arriados — eu digo e
ele tira uma mão do volante para me dar um empurrão.
— Babaca. Certo, eu não vou negar que estou curtindo muito nosso
namoro. Ela é muito parceira e não tem muitas frescuras. É gostosa pra
caralho e… — ele parou, pensando se realmente ia entrar em detalhes sobre
a namorada — Enfim, acho que essa é a melhor fase da minha vida.
Olho para o meu amigo de infância e fico feliz por ele ter encontrado
alguém para amar. Já passamos por muita coisa juntos. Nossas famílias
eram muito pobres e de uma cidadezinha do interior do estado chamada
Nova Olinda. Convivemos com muita injustiça e violência por perto e pra
gente se distrair dessas merdas, pegávamos muitas mulheres. Era nossa
diversão. Ele veio pra capital há alguns anos e também mudou bastante o
estilo de vida. Pouco tempo depois que conseguiu entrar na faculdade, ele
começou a sair com a Mari. Desde então, não quis mais ninguém.
— Será que a gata da Kawasaki vai estar lá hoje? — mudei de assunto.
— Acredito que sim. A Mari disse que ela está numa fase boa.
— Como assim?
— É que ela passou por uns problemas pessoais, teve depressão há
alguns anos. Não sei o que aconteceu, mas até hoje ela ainda tem alguns
dias bons, onde curte sair com a gente, e dias ruins quando ela some e não
sai nem com a Mari.
— Eita! Parece sério — eu disse, voltando a olhar para os carros na rua.
— Ela é gente boa demais, não perde a chance de ajudar alguém, mesmo
que seja a coisa mais simples do mundo. Só que do nada ela se fecha. E tem
outra coisa também — ele disse virando a cabeça pra mim.
— O quê?
— Ela não namora — ele sorri maliciosamente pensando exatamente o
mesmo que eu.
SEM CHANCE
Júlia
— E então? Estou bonita? — Mari dá uma voltinha mostrando o vestido
coladinho azul que destacava bem suas curvas.
— Eu acho que o Pedro não vai se divertir na festa dele com tanto gavião
que vai te sondar com esse vestido — sorri e ela deu um gritinho de
empolgação, mostrando uma lingerie preta por baixo do vestido — Mas
com certeza ele vai se divertir depois tirando ele, não é? — completei.
Nós duas rimos e descemos no elevador do prédio onde ela morava. Mari
carregava um pequeno bolo da cor do seu vestido e o colocou dentro do
carro. Eu a ajudei e em seguida montei na minha moto, partindo para o
bar.
Apesar de não tomar quase nada alcoólico, principalmente quando
pilotava, eu não tinha problemas em ir para bares com meus amigos. Mari
escolheu um no centro da cidade que tinha umas luzes legais e não era tão
barulhento, já que ela queria uma comemoração mais tranquila.
Chegamos no local e, como sempre, a minha moto chamava a atenção de
todo mundo por conta do barulho do motor. Eu já estava acostumada e até
achava engraçado isso. Tirei o capacete e coloquei no guidão, enquanto
esperava minha amiga estacionar. Coitada, ainda lutava muito para
conseguir fazer uma baliza.
Ela pegou o bolo e seguimos para a mesa onde Pedro já estava com
algumas pessoas. Eram alguns amigos em comum da faculdade, como a
Geovana e o Gustavo que estudavam Engenharia Civil com o Pedro, além
de Bernardo, Felipe e Bia, que faziam Administração comigo e com a
Mari.
Mas na mesa tinha alguém que eu não conhecia e que, sinceramente,
tinha uma beleza muito interessante. Interessante? Não. O cara era um baita
de um gostoso. Tinha os cabelos castanho-claros levemente ondulados e
lábios muito bonitos. Quando chegamos, Pedro se levantou, deu um beijo
na Mari e sentamos ao seu lado. O cara diferente também estava sentado
perto. Nossos olhares se cruzaram por alguns segundos e vi que ele tinha
olhos cor de mel.
— Até que você foi rápida, se atrasou só 20 minutos! — Pedro encheu o
saco da Mari, que deu a língua e sorriu pra ele — A Júlia ficou te
apressando? Obrigada, Júlia. Te devo uma.
A galera na mesa sorriu e eu levantei a mão como se dissesse: "não me
meta nisso". Sem querer, olhei de novo pro rapaz bonito que estava com a
mão no queixo, sorrindo também e olhando pra mim.
Ok. Quem era esse cara?
Como se ouvisse meus pensamentos, Pedro comentou:
— Pessoal, esse aqui é o Yan. Ele é meu amigo de infância que se
transferiu recentemente para a universidade. Vai estudar comigo neste
último semestre, como nos velhos tempos.
A galera toda o cumprimentou e deu as boas-vindas.
Ele agradeceu e começaram as conversas paralelas na mesa. Depois de
um tempo, o rapaz se levantou para ir ao banheiro e ali percebi que ele era
alto. Hum… do jeito que eu gosto. Mari me pegou o seguindo com o olhar e
sussurrou no meu ouvido:
— Meu gaydar não apitou, ein?!
Eu não consegui segurar a gargalhada. Pedro como sempre, se
intrometeu.
— O que as duas estão aprontando? — ele encarou a gente — Já sei! A
Júlia já quer pegar meu amigo, né? Sua tarada.
Arregalei os olhos pra ele. Por que fui dar liberdade pra esse babaca? De
todos os caras daquela faculdade, porque a Júlia tinha que escolher
esse?
— Menos, Pedro. Ele até que é bonito, mas se for minimamente parecido
com você, não vou querer nem conversar — falei.
Ele fez cara de ofendido e colocou a mão no peito. Mari voltou a sorrir e
deu um beijo nele. Os dois eram muito bons um pro outro. Ela era ansiosa e
muito metódica e ele conseguia dar o equilíbrio perfeito com seu jeito
brincalhão e desprendido.
Resolvi que queria um drink sem álcool e fui até o balcão. O movimento
no bar tinha aumentado desde que chegamos e por isso nenhum atendente
me viu.
— Muito bonita sua moto — ouvi uma voz atrás de mim e quando virei,
um Yan sorridente estava ali.
— Ah! Valeu. Curte motos também?
— Na verdade, prefiro carros. Acho mais confortáveis. Mas confesso que
cheguei a babar um pouco na sua moto quando a vi no estacionamento da
faculdade.
Fiquei surpresa ao saber que ele já tinha visto a Princesa antes de eu tê-lo
conhecido.
— Boa noite. O que os dois vão querer? — o barman perguntou,
agitado.
— Um mojito sem álcool, por favor — pedi.
— Uma Coca, por favor — Yan pediu.
Olhei pra ele achando estranho o pedido. Ele não estava de carona com o
Pedro? Por que não iria beber?
— Nada de álcool hoje? — perguntei, curiosa.
— Nada de álcool quase sempre. Não gosto de perder o controle sobre
mim — respondeu ele, me encarando.
Essa resposta realmente me pegou de surpresa.
— Algum trauma com bebida? — sorri, provocando. Ele sorriu também.
— Acho que pra eu falar dos meus traumas, você vai ter que falar dos
seus também.
Engoli seco. O que será que o filho da mãe do Pedro tinha falado pra
esse cara?
— Sem chance! — peguei o meu drink que o barman tinha deixado na
minha frente, passei roçando meu ombro no dele e voltei direto pra mesa.
Percebi que ele veio atrás, caminhando sem pressa. Sentei no mesmo
lugar e ele mudou de cadeira, se colocando ao meu lado. Pude sentir o
cheiro dele melhor, que inclusive era muito bom. Tentador, eu diria. Um
perfume amadeirado, mas que não era enjoativo.
— Você poderia me deixar andar na sua moto algum dia. O que acha?
— disse ele, me olhando com uma cara curiosa.
Eu soltei uma risada sincera. Ele nem imaginava o que a Princesa
significava pra mim.
— A resposta será a mesma de agora a pouco — dei uma pausa e olhei
nos olhos dele para que pudesse entender que eu estava falando sério —
Sem chance!
— Nem na garupa? Só algumas voltas, nada demais — ele parecia se
divertir com aquela conversa.
— Eu não te conheço o suficiente pra te colocar na minha garupa. Mas…
se você for bem bonzinho e paciente, quem sabe um dia isso aconteça —
pisquei pra ele, sorrindo.
NÃO ESPERE NADA DE MIM
Yan
Meu pai do céu! Que mulher bonita!
Quando eu a vi saindo de cima da moto com aquela calça colada preta e
a blusinha de seda, eu já fiquei salivando. Eu não sou nenhum tipo de
pervertido, nada disso. Mas ela despertou meu interesse a metros de
distância. Talvez a Kawasaki tivesse dado uma ajuda? Talvez. Mas só foi
ela chegar mais perto que eu pude notar que era mais linda do que eu tinha
imaginado.
Seu cabelo era um castanho escuro, liso e ela tinha os olhos um pouco
puxadinhos e pretos. O estilo dela era meio dark com alguns pontos de luz
como a blusa colorida. Mas o que chamou minha atenção mais ainda foi sua
confiança no andar e no falar. Bastou uma conversa rápida para perceber
que era geniosa e decidida.
Só que eu era mestre nessa arte de conquistar. Eu sabia que eu era bonito,
então já tinha essa vantagem. Era só jogar um papo legal e dava tudo certo.
Quando Pedro me disse que Júlia não queria saber de namorado, parecia a
chance perfeita de me dar bem. Isso porque já há algum tempo venho
evitando relacionamentos sérios. A única vez que baixei a guarda, namorei
por um ano e acabei levando um belo par de chifres.
Então tudo o que eu precisava era de pessoas que não estavam
interessadas em dar os próximos passos, que não esperavam nada de mim e
uma delas estava bem aqui na minha frente de coturnos pretos e nariz
empinado.
— Então você quer ser uma administradora? — tomei um pouco mais da
minha Coca, ainda com os olhos vidrados nela.
— De certa forma, sim. Mas o diploma em si é mais pra agradar meu avô
que teima em dizer que eu preciso ter alguma formação.
— Você vai herdar alguma empresa? — perguntei. Ela não tinha cara de
patricinha rica, mas sei que suas roupas eram muito boas e aquela sua moto
era bem cara.
— Sim. A loja de peças e borracharia do meu avô.
Aff. Sério? Como ela podia ser ainda mais sexy?
— E você entende dessa área também ou só vai cuidar da parte
administrativa mesmo?
— Eu trabalho com ele desde os 13 anos. Acho que ele me ensinou quase
tudo sobre as motos e tenho uma ótima relação com os funcionários. Eu
meio que já faço o que pretendo fazer no futuro. Como eu disse, só preciso
do diploma. E aprender um pouco de teoria, é claro.
— Isso é bem legal — fui sincero — Nunca conheci nenhuma garota que
entendesse de motos.
Ela deu um sorriso fofo, encenando uma timidez. Mesmo assim, fiquei
encantado. Ela era de tirar o fôlego! Depois de muitas conversas do grupo,
veio o parabéns forçado pela Mari e as despedidas. Júlia cumprimentou
todo mundo e ao chegar minha vez, ela disse:
— Foi um prazer te conhecer, Yan. Acho que vamos nos ver mais vezes
já que você voltou a fazer parte da vida do Pedro — ela estendeu a mão e eu
sorri da maneira formal com a qual ela resolveu se despedir.
Apertei de volta a mão dela, mas a puxei devagar pra mais perto, falando
no seu ouvido:
— Mesmo que o Pedro sumisse do mapa, eu daria um jeito de te
encontrar de novo.
Pelos seus olhos meio arregalados, acho que consegui surpreender a
espertinha.
— Porque eu realmente fiquei interessado em motocicletas, é claro —
continuei, dando de ombros e arrancando mais um sorriso lindo dela.

Pra mim o semestre foi uma loucura. A transferência da universidade no


meio do ano acabou me atrapalhando um pouco. Mal tinha terminado as
provas finais de lá quando me mudei, mas eu sabia que sair de Araguaína
seria a melhor coisa pra mim. Aquela cidade só me lembrava mágoas, assim
como a minha cidade natal. Fora que a minha fama de pegador por lá não
me ajudava tanto na hora da conquista.
De qualquer forma, precisava estudar bastante para não me enrolar ainda
mais quando as aulas começassem e aproveitaria as férias de julho para
conseguir um lugar para morar. Por enquanto, estava no apartamento do
Pedro, mas depois de morar sozinho por alguns anos, não conseguia mais
morar com outras pessoas, nem mesmo com ele.
Resolvi aproveitar um tempo vago para estudar na biblioteca. Ela era
bem maior do que a que eu tinha à disposição no câmpus onde eu estudava
antes. Subi as escadas e fui para o segundo andar, onde o mapa dizia que
estavam os livros do meu curso. Passando entre as prateleiras, avistei certos
cabelos escuros que estavam na minha mente desde que os tinha visto pela
primeira vez.
— Olha só quem está por aqui — falei baixinho bem perto dela, o
suficiente pra sentir o seu cheiro maravilhoso.
Se ela se assustou, não deixou transparecer. Virou com toda a calma do
mundo.
— Eu fico surpresa por saber que garotos bombadinhos frequentam a
biblioteca.
Não consegui não rir do seu deboche.
— Bombadinho? Eu passo longe de anabolizantes. Essa beleza toda aqui é
natural, com um pouco de malhação, é claro! — fiz ela revirar os olhos.
Queria ver ela revirando os olhos de outra forma.
Dissipei o pensamento sexual e a segui enquanto andava pelo corredor
entre as prateleiras.
— Está ansiosa por conta das provas finais daqui? — mudo de assunto.
— Na verdade, não. Eu já estou com o conteúdo bem gravado na minha
cabeça. Eu vim pegar um livro para a Mari, que deixou os estudos pra
última hora, é claro — ela deu um risinho.
— Por que é claro?
— Querendo ou não, quando se namora, o tempo fica mais dividido e
com certeza, pra ela, os estudos são bem menos interessantes do que ficar se
pegando com o Pedro.
— É por isso que você não namora? Você acha que é perda de tempo e
atrapalha a faculdade? — a pergunta saiu sem que eu pudesse pensar muito.
Ela parou a caminhada e se virou com um olhar petulante.
— Pelo visto você e o Pedro têm conversado bastante sobre mim, não
é? Foi ele quem te falou isso?
— Ele só disse que você não namora. Não explicou o porquê — dei de
ombros.
— Bom, primeiramente, não é por esse motivo. “Segundamente”, por
que está tão interessado? — ela rebateu com um sorriso e a sobrancelha
arqueada.
— Só achei interessante que eu e você somos meio parecidos, já que eu
também não namoro — coloquei o braço na prateleira, formando uma
barreira ao lado dela e ficando bem perto do seu rosto. Vi que ela ficou
levemente mais ofegante.
Ela passou o olho pelo meu braço por um segundo e seguiu até minha
boca, encarando-a o tempo todo enquanto disse:
— Apesar de eu não namorar com ninguém, não significa que eu saia
pegando qualquer cara bonitinho que apareça na minha frente.
E assim, me deixando com cara de idiota, ela saiu por baixo do meu braço
e desapareceu do corredor.
SAINDO DA BOLHA
Júlia
Finalmente as provas acabaram. Deu tudo certo em mais um semestre e eu
poderia me dedicar à loja e a alguns trabalhos voluntários que eu fazia
quando conseguia tempo. Dessa vez fui convidada a participar de um sopão
solidário numa comunidade carente na região sul da cidade. Passaria a
manhã ajudando a cozinhar e depois faríamos a distribuição para as
famílias.
Cheguei no local combinado com o padre da comunidade o mais cedo
que pude. Ele já estava recepcionando alguns voluntários que também se
anteciparam.
— Júlia, querida! Que bom que pôde vir. Temos muito trabalho a fazer!
— ele já foi me entregando um avental e uma touca pro cabelo — A gente
espera conseguir servir pelo menos duzentas pessoas hoje.
— Legal, padre. E onde estão as coisas para a produção da sopa? — dei
uma olhada na cozinha e não vi muitos suprimentos.
— Pois é, tivemos um pequeno imprevisto para trazer as coisas pra cá,
mas os meninos voluntários já devem estar chegando — ele olhou atrás de
mim e apontou para uma camionete que estava estacionando — Ah! Que
maravilha! Chegaram!
Coloquei o avental, prendi meus cabelos na touca e sentei um pouco,
aguardando colocarem os alimentos na cozinha. Peguei o celular para ver se
tinha alguma mensagem importante já que ficaria algum tempo sem mexer
nele, e quando voltei a olhar pra frente, quase não acreditei no que vi.
Yan vinha segurando uma caixa enorme de supermercado, cheia de
verduras. Ele usava uma regata preta e um colar prata estilo militar. Os
cabelos castanhos estavam um pouco suados e seus braços pareciam ainda
maiores por estarem suportando o peso da caixa. Ele entrou na cozinha
meio disperso e cumprimentou o padre.
— Obrigada pelo convite, padre Sérgio. Senti falta de trabalhar com o
senhor — ele disse um pouco ofegante.
— Meu filho, quando soube que se mudou pra cá, fiquei feliz demais por
ter mais alguém pra ajudar nas nossas ações solidárias.
Eles se abraçaram de uma forma que deixava claro que se conheciam de
longa data. E só durante o abraço ele me viu sentada próximo à janela. Com
a sobrancelha erguida e um sorriso, ele soltou o padre e veio na minha
direção.
— Administradora, mecânica especialista em motos, estudante exemplar e
agora voluntária? Você é uma máquina, mulher?
Sinceramente eu esperava alguma piadinha sedutora, mas a forma como
disse não insinuava nada além de uma brincadeira.
— Pois é. Eu também estou surpresa por te ver aqui — falei, sendo
sincera.
— Acho que você já me disse algo parecido com isso. Na biblioteca,
inclusive. Bom, pelo menos tem você aqui além do padre Sérgio, para eu
não me sentir meio deslocado.
— Vocês se conhecem de onde? — perguntei, curiosa.
— Ele foi padre por alguns anos na paróquia da minha cidade natal. Eu
sempre estava por perto, apesar de não ir às missas. Gostava de ajudar
quando tinha ações como essa ou nas pinturas e reformas da Igreja.
Qualquer coisa do tipo — ele falou lavando as mãos e colocando o avental
e a touca.
Vê-lo tão despreocupado e sem aquela pose de conquistador, me fez achá-
lo ainda mais atraente.
— Mãos à obra? — ele esticou a mão, se oferecendo pra me levantar.
— Vamos lá! — entreguei minha mão pra ele.
Nós cortamos legumes, verduras, a carne e colocamos o macarrão pra
cozinhar. Enquanto fazíamos tudo, Yan foi me falando um pouco mais sobre
ele. Contou brevemente como foi a infância com Pedro na cidadezinha do
interior onde moravam e me peguei rindo de alguns detalhes como as
travessuras que aprontaram com os mais velhos.
— Acho que desde cedo vocês já não prestavam — sorri.
— Ei! Nada disso! Fomos só duas crianças cheias de vida e que agora
têm muitas histórias pra contar — ele sorriu também e ficou alguns
segundos calado. Parecia ponderar se falaria alguma coisa — E você? Não
aprontou nada na infância?
Sua pergunta me fez lembrar da pequena borracharia e dos meus amigos
e eu sentados perto do meu avô que contava histórias de quando ele era
mais novo e vivia grandes aventuras. A lembrança de um rostinho dentre os
meus amigos me trouxe um lampejo de dor.
— Está tudo bem? — ele parou o que estava fazendo pra me olhar.
— Está sim. Só me perdi aqui lembrando de algumas coisas — dei um
riso sem graça e tentei aliviar o clima. — Mas respondendo sua pergunta,
eu era muito tranquila quando pequena, gostava muito de ouvir histórias do
meu avô e brincar na borracharia com meus amigos enquanto ele
trabalhava.
— Você fala bastante do seu avô. Parece ser uma pessoa legal — ele
voltou a mexer a panela.
— Ele é incrível. Me criou quando meus pais se mudaram para os
Estados Unidos.
— Você não quis ir com eles? — perguntou, parecendo interessado.
— No início não dava pra eu ir, estava tudo muito incerto para eles. Aí
depois eu não quis me mudar, tinha tudo o que precisava aqui. Mas eu ainda
falo com eles, sim, em datas comemorativas — sorri, mas acabou saindo
uma risada um pouco amarga.
Ele pegou uma colherzinha pequena e mergulhou na sopa. Em seguida,
soprou e trouxe na minha direção.
— Experimenta aqui. Vê se está boa a quantidade de sal.
Sem me dar chances de recusar, ele colocou a colher na minha boca.
Saboreei um pouco a sopa enquanto ele me olhava.
— Pra mim está ótimo — peguei outra colher e fiz a mesma coisa, só
esqueci de soprar, como ele havia feito. Quando percebi o descuido, já era
tarde.
— Aaaiii! — ele gritou — Ficou doida? — ele arregalou os olhos e eu
tampei a minha boca, morrendo de susto e vergonha.
— Meu Deus! Me desculpa! — falei, pegando uma água gelada e
oferecendo pra ele.
Ele olhou pra mim novamente e vendo minha cara começou a rir. Rir não,
gargalhar. Eu franzi a sobrancelha, confusa.
— Está rindo do que, seu doente?
— Dessa sua carinha. Tão fofa e engraçada — ele pegou a água gelada da
minha mão e começou a derramar nos lábios, de lado. Acabou balbuciando
alguma coisa que não entendi.
— O que disse? — cheguei mais perto pra tentar decifrar.
Parando de jogar a água, ele chegou mais perto e com os lábios gelados
no meu pescoço, falou:
— Eu disse que não foi nada demais e que minha boca ainda está aqui
inteirinha esperando a sua quando você quiser.
Pronto, o Yan conquistador estava de volta, arrepiando minha pele.
Não demorou muito para que o salão se enchesse de gente. Mais
voluntários também chegaram e então nos dividimos em grupos para servir
a todos. Eram famílias grandes, com muitas crianças. Todos em situação de
vulnerabilidade social e financeira.
Apesar de nunca ter vivido no luxo, eu gostava de participar de coisas
assim, pra sair da minha bolha e tornar o dia de alguém melhor. Pelo visto,
Yan também pensava igual. O sorriso dele, tão largo e genuíno, era
contagiante. Ele servia algumas pessoas, mas de vez em quando parava para
conversar com algumas delas, mesmo sem conhecer. E as crianças? Parecia
que ele tinha um tipo de ímã que as atraía. Eu as entendo. Ele é realmente
hipnotizante. Infelizmente, Yan me flagrou olhando pra ele e deu mais um
de seus sorrisos.
— As crianças gostam de você, não é? — comentei quando ele veio na
minha direção.
— Acho que sim — ele disse voltando a olhar para trás, onde estava um
grupinho comendo — Eu já fui uma delas. Tentando crescer de forma
saudável em meio à pobreza extrema.
Não sabia dessa informação. Ele só tinha mencionado a parte boa da sua
infância até agora.
— Que bom que você conseguiu passar por tudo isso e se tornou alguém
que se importa com as pessoas — falei de forma sincera.
— E que bom que encontrei alguém que se importa também para ter
como amiga — ele já olhava pra mim, mas não sorria.
— Quer dizer que virei sua amiga? — levantei a sobrancelha e sorri.
— Espero que sim. Comecei a mudar de ideia sobre você.
— Como assim? — questionei, um pouco mais ansiosa do que queria
deixar transparecer.
— Não acho que você seja uma mulher para dar uns amassos e depois
cair fora — um pequeno sorriso apareceu nos seus lábios e ele me olhou
meio sem jeito — Acho que sua amizade valeria muito mais.
Um pouco chocada com essa informação e tentando entender melhor o que
isso significava, voltei a servir o pessoal, até que nenhum prato estivesse
vazio.
TELHAS QUEBRADAS
Yan
Como é chato procurar lugar pra morar. Gasta tempo e esforço absurdos.
Infelizmente, o aluguel das casas e apartamentos na capital era muito caro.
Mas eu tinha algumas economias de trabalhos feitos em Araguaína que
seriam suficientes para eu sobreviver aqui por alguns meses. De qualquer
forma, precisaria de um trabalho urgente. O ideal é que fosse na minha área
de engenharia, mas sei que não seria fácil.
— E então? Nenhuma te chamou atenção? — Pedro perguntou, se
jogando ao mesmo tempo que eu no seu sofá. Ele tinha se oferecido pra ir
comigo procurar uma casa.
— Não. Tudo muito caro. Queria algum lugar perto da faculdade, para
economizar gasolina.
Mari veio da cozinha com uma jarra de suco e serviu a gente. Eu nem
sabia que ela estava lá, mas fiquei contente pois estava morrendo de sede.
— Os preços aqui no centro são absurdos mesmo — ela comentou e ao
mesmo tempo pareceu se lembrar de alguma coisa — Yan, se você não se
importar de ficar em lugares pequenos, acho que o tio João tem uma
casinha para alugar nos fundos da loja.
— E quem é tio João? — perguntei, tomando mais um gole do suco.
— É o avô da Júlia que tem uma loja de peças — Pedro explicou e eu
senti um leve frio na barriga.
— Posso perguntar pra Júlia se está ocupada e quanto custa o aluguel. A
vantagem é que fica uns 7 minutos da faculdade — Mari falou voltando
para a cozinha.
— Perfeito — eu disse, sem deixar transparecer a empolgação.
Ainda ficava lembrando de vez em quando daquela morena usando touca
e avental. Não tinha roupas estilosas e nem maquiagem. E ainda assim
continuava linda demais. Descobrir que ela fazia trabalho voluntário me
acendeu um alerta de perigo: eu sempre me atraí muito por pessoas que se
mostravam preocupadas com as outras. E, com certeza, Júlia tinha o pacote
completo para que eu acabasse gostando dela de verdade. Só que seria
irônico demais se eu, que não me apegava a ninguém, começasse a sentir
algo justamente por quem não iria me corresponder.

Alguns dias se passaram e eu ainda estava morando com o Pedro. Ele


insistia em dizer que não tinha nenhum problema, que gostava da
companhia, mas eu não aguentava mais ouvir os gemidos da Mari e do meu
amigo durante a noite. E isso porque ela nem morava lá ainda. Ela estava
me enrolando, dizendo que não tinha ainda conseguido falar com a Júlia
sobre a casinha atrás da loja do avô dela, mas eu achava que tinha algo a
mais aí. Será que a Júlia não quis que eu fosse pra lá? Resolvi investigar
isso. Seria melhor eu saber logo pra desistir da ideia, se fosse o caso.

Resolvi ir direto na loja de peças onde poderia encontrá-la e já perguntar


de cara. O lugar era bem moderno e espaçoso. Alguns caras olhavam os
produtos e ao lado tinha uma garagem grande onde funcionava a
borracharia. Cheguei até o balcão onde tinha um rapaz bem novo, acho que
deveria ter uns 16 anos, atendendo.
— Bom dia, posso ajudar? — ele disse.
— Estou procurando a Júlia. Ela está?
— Não. Ela teve que dar uma saída, mas não deve demorar. É só com ela
mesmo?
— Sim — respondi, mas pensei melhor. — Na verdade pode ser com o
Seu João também.
— No que posso ajudá-lo? — um senhor que aparentava ter uns 70 e
tantos anos apareceu.
— Seu João? Eu gostaria de saber se a casinha que o senhor aluga está
livre. Eu estudo na UFT, conheço a Júlia e seus amigos. Estou precisando
muito de um lugar pra morar que seja próximo à universidade.
— Meu jovem, até que está livre sim. Só que está com um problema no
telhado e por isso não estou alugando. Quando chove, molha tudo lá dentro.
Ainda não tive tempo de mandar alguém consertar — ele disse coçando a
cabeça.
— Eu poderia dar uma olhada no local?
— Claro — ele se virou pro rapaz no balcão — Júnior, toma conta aqui
rapidinho que eu já volto.
O rapaz assentiu e nós saímos da loja e entramos em uma portinha que
dava pra um corredor estreito. Andamos uns 3 metros apenas e já chegamos
na pequena casinha. Ele abriu e eu vi que, apesar de ser pequeno, o local era
até bem conservado. Tinha um quarto com banheiro e uma sala conjugada
com a cozinha. Eu olhei para o teto e vi que tinham falhas no forro e
imaginei que deveriam ter algumas telhas quebradas. No entanto, eu já tinha
consertado algo parecido onde eu morava quando adolescente.
— Senhor, se me permitir, consigo dar um jeito nesse problema aqui em
um dia.
Ele pareceu surpreso, mas contente ao mesmo tempo.
— Ué, então pode vir. Que dia fica bom pra você? — perguntou.
— Amanhã mesmo já posso começar. Estou de férias da faculdade e
ainda estou sem trabalho.
Droga. Não devia ter falado isso. Quem quer um inquilino
desempregado?
— Mas dependendo do valor do aluguel, já posso adiantar alguns meses
para garantir — tentei consertar.
Ele me analisou por um tempo.
— Você disse que é colega da Júlia na faculdade?
— Na verdade, eu estudo com o Pedro, namorado da Mari, amiga dela.
Mas conheço a Júlia, fizemos inclusive um trabalho comunitário juntos
esses dias.
— Bom, já que você vai consertar o telhado, posso te oferecer os dois
primeiros meses de graça. O que acha?
— Não, senhor. Não posso aceitar. Consigo pagar sem problemas. Qual é
o valor?
— A gente conversa sobre valores daqui a dois meses ou quando você
conseguir seu emprego. A única coisa que eu peço é para não fazer festas
aqui, mas acho bem difícil pois o lugar é tão pequeno — ele riu — Bem-
vindo, garoto!

E assim, fácil, eu consegui um lugar pra ficar. Sozinho, do jeito que eu


queria. E, de quebra, ainda poderia esbarrar com a Júlia mais vezes.
Perfeito.
APENAS BOA VONTADE
Júlia

Quando meu avô me contou o que fez, fiquei dividida. Não sabia se isso
ia dar certo, mas estava feliz por Yan ter achado um lugar pra ficar. Agora
fazia mais sentido a conversa da Mari sobre ele estar procurando uma casa e
aquela cara dela de "você não tem nada pra oferecer?". Ela podia ter sido
mais clara. A verdade é que eu nem lembrava da casinha no fundo da loja.
Já tinha um tempo que ninguém ficava lá. Naquela manhã, resolvi então ser
uma boa anfitriã e saber se podia ajudá-lo em alguma coisa.
Entrei no corredor que dava para casinha e não o encontrei de cara. Foi
quando olhei pra cima que tive uma visão maravilhosa dele tirando algumas
telhas, sem camisa. Minha boca secou. Até demorei alguns segundos pra
conseguir soltar algumas palavras:
— Cuidado com a insolação, bombadinho.
Ele procurou a minha voz até conseguir me ver e deu aquele sorriso
maravilhoso.
— Você bem que podia passar protetor em mim — ele piscou.
— É uma proposta tentadora.
Yan era um cara divertido e eu me sentia à vontade para brincar com ele e
falar bobagens.
Ele desceu o telhado pela escadinha e veio na minha direção. Ali eu pude
ver melhor cada pedaço dele que estava descoberto. O corpo desse cara era
tão perfeito que chegava a ser desleal. Ele tinha músculos definidos, mas
não de uma forma exagerada. O suor ainda deixava o peitoral e os
gominhos brilhantes. Minha nossa!
Acho que não consegui disfarçar muito minha análise, pois ele disse:
— Não me olha desse jeito não, garota — ele tirou meu cabelo dos
ombros, jogando-os para trás.
— Vim saber se precisa de alguma coisa pra se instalar — me esforcei ao
máximo para olhar sem tremer as pernas — E dar as boas-vindas, é claro.
Entreguei a ele uma pequena cesta que tinha algumas frutas e um bolo que
eu fiz cedinho. Ele olhou pra mim com uma cara engraçada, como se não
estivesse acostumado com gentilezas assim. Seus olhos estavam confusos,
mas brilhantes.
— Poxa! Muito obrigada. Não precisava! — ele coçou a cabeça e o braço
perfeito ficou ainda mais em evidência.
— Eu sei que não. Mas não me custou nada essa gentileza — andei um
pouquinho pra dar uma olhada na casinha — Sabia que dei meu primeiro
beijo bem aqui? — falei sorrindo.
— Ah é? — ele foi me seguindo — Então eu vou morar em um antro de
perdição?
Eu arregalei os olhos e dei um empurrão leve nele. Senti sua pele lisa, um
tanto fria pelo suor. Que homem gostoso!
— Claro que não. Foi só um beijinho inocente — entrei na salinha e vi
umas latas de tinta — Você vai pintar também?
— Estou querendo. Você se importa? — ele mordeu os lábios, meio
apreensivo.
Se eu me incomodasse, com certeza essa boca poderia mudar isso.
Afastei o pensamento e balancei a cabeça.
— Não mesmo. Você está só melhorando o lugar e se precisar de ajuda,
pode contar comigo.
— Estou achando você tão solícita — ele arqueou as sobrancelhas — O
que está acontecendo? Cadê aquela menina da língua afiada que eu conheci
primeiro?
Ele sorriu e eu também. Deve ser por que tô a fim de te pegar.
— Você disse que queria ser meu amigo. Eu trato muito bem meus amigos
e cuido deles. Exceto o Pedro — revirei os olhos, fazendo ele soltar uma
gargalhada.
Ficamos em silêncio por alguns segundos olhando um para o outro, até
que ele quebrasse o gelo e me convidasse para avaliar as tintas que havia
escolhido. Passamos boa parte da manhã conversando e ele me contou mais
sobre o curso dele e sua vinda para cá.
Yan não disse o motivo de mudar de cidade de repente, mas percebi na
sua forma de falar que estava querendo viver uma nova fase, deixando
alguns sentimentos para trás. Eu tinha medo de querer saber demais e ele se
sentir livre para perguntar coisas pra mim que eu não estava a fim de
responder. Coisas que se eu libertasse, não saberia quando parar.
Olhei pra porta e vi que meu avô caminhava na nossa direção.
— E aí, garotos? Estão com fome? Preparei um peixe assado para o
almoço. Vamos?
Eu olhei pro Yan, esperando uma reação.
— Eu agradeço demais. Mas acho que já abusei muito da boa vontade de
vocês — ele riu olhando pro meu avô.
— Deixe de bobagem! Você está melhorando a casinha e em troca vai
ficar por algum tempo. Não tem nada de abuso nisso. Vamos! Nossa casa é
aqui pertinho da loja — meu avô insistiu.
Yan olhou pra mim tentando identificar se eu estava bem com isso. Eu
sorri e dei de ombros.
— O peixe assado dele é muito bom — falei.
TIPO UMA LOTERIA
Yan
Se alguém me dissesse há algumas semanas que eu estaria neste
momento almoçando com a Júlia e seu avô na casa deles, eu com certeza
duvidaria. Não é nada demais. Não tem nada rolando. Mas não é difícil
imaginar coisas diante dessa cena.
E esse senhorzinho é ainda mais legal do que eu imaginava. Não é
nenhum pouco ranzinza, é educado, prestativo e ainda por cima engraçado.
Muito diferente dos velhos da minha família que não sabiam demonstrar
afeto por ninguém. Eu venho tentando tratar essa barreira que tenho de não
saber lidar com pessoas assim e duvidar de gentilezas, pelo fato de crescer
oferecendo isso, mas recebendo muito pouco em troca. Meu pai era um cara
muito bruto comigo, minha irmã caçula e minha mãe. Todos nós apanhamos
dele. Eles acabaram se separando e meu pai me obrigou a ficar com ele,
para que pudesse mandar e desmandar em mim. Minha mãe também não
era nenhuma santa, era interesseira e sei que já tinha traído meu pai
algumas vezes. Então acabei vivendo em um ambiente familiar conturbado
e infeliz por muitos anos.
— Que bom que eu aceitei vir — eu me estiquei um pouco na cadeira,
totalmente saciado — Sua neta não exagerou sobre o peixe, Seu João.
Estava excelente! Obrigada pelo convite.
— Eu quem agradeço pela companhia — ele se virou para Júlia — Vou lá
fechar a loja agora e volto pra descansar um pouco.
— Tudo bem. Eu cuido aqui — ela disse, pegando a louça suja da mesa e
levando para a pia. Comecei a ajudá-la e ela agradeceu com um sorriso. Nos
esbarramos algumas vezes no vai e vem da mesa à pia da cozinha, mas
permanecemos em silêncio. Ela começou a lavar a louça e eu me dispus a
secar.
— Espero que não pense que estou forçando a barra pra ficar perto de
você — confessei — Juro que só precisava de um lugar pra morar e a Mari
disse que seu avô poderia ajudar.
— Está tudo bem, Yan. Não estou pensando isso — ela olhou carinhosa
para mim. Meu Deus, eu queria tanto beijá-la.
— É que enquanto a gente comia, fiquei pensando que há algumas
semanas a gente nem se conhecia e hoje almocei na sua casa com seu avô
— nós rimos juntos.
— Realmente, foi meio rápido. Mas fico feliz de você estar começando a
se adaptar à cidade. E além disso… — ela colocou a última louça no
escorredor e começou a secar as mãos no pano que eu segurava, olhando
nos meus olhos de um jeito sedutor — Até que eu gosto da sua companhia.
É, seria mais difícil do que eu pensava manter meu objetivo de não ficar
com essa menina.
No domingo, a galera da faculdade tinha marcado de ir à praia. Alguns
estavam jogando vôlei na areia, outros nadando e eu e Pedro resolvemos
ficar embaixo de uma árvore, onde havia sombra, grama e algumas pedras.
Estávamos falando sobre minha busca por emprego quando chegamos.
— Eu já mandei meu currículo para alguns lugares. Agora é ter um pouco
de paciência. — dei uma olhada ao redor, conhecendo o ambiente — Gostei
daqui. A Mari vai vir também?
— Você quer saber na verdade se a Júlia vem, certo? — ele arqueou a
sobrancelha, sorrindo.
— Também — sorri com ele.
— Elas vão vir sim. Devem chegar daqui a pouco. A Mari disse que
pegaria carona com a Júlia. Eu sempre fico meio receoso, mas ela pilota
devagar quando tem alguém na garupa.
Não deu tempo de pensar muito no que ele disse. Logo pudemos ouvir o
barulho da moto chegando. Era tão alto que dava pra ouvir a muitos metros
do estacionamento. Estava tentando não transparecer ansiedade, mas a
primeira coisa que eu pensei quando recebi o convite pra praia, foi na
possibilidade de vê-la de biquíni. Tinha garantia disso? Não. Mas só a
chance já me bastava.
— Nossas delícias chegaram — Pedro falou sorrindo.
Eu revirei os olhos, rindo também. Queria que Júlia fosse minha mesmo.
Mas isso não ia acontecer. Me virei para o estacionamento e pude notar
como elas chamavam a atenção de todo mundo. A Mari era linda, claro. De
um jeito radiante. Mas Júlia era a tentação em forma de pessoa. Elas
estavam usando vestidinhos de praia parecidos e vinham sorridentes em
nossa direção. Percebi que alguns caras quase quebraram o pescoço olhando
para elas. Não dava pra julgar.
— Oiee! — Mari chegou empolgada, como sempre, e foi direto para a
boca do namorado.
Júlia me cumprimentou com seu sorriso e passou a mão no meu ombro,
sem dizer nada. Era uma intimidade que eu não estava acostumado, mas
gostei muito disso. Aproveitei e coloquei a mão sobre a dela, fazendo um
carinho de leve.
— E aí, feia! — Pedro a cumprimentou.
— O que vocês têm aqui pra beber? — Mari foi abrindo a caixa térmica
que Pedro trouxe e procurou algo que a interessasse.
Júlia então se sentou do meu lado, bem perto e perguntou:
— O que achou daqui?
— Linda demais — eu ainda a encarava — A praia.
Ela com certeza sentiu no ar a tensão que sem querer eu provoquei, pois
deu uma risadinha.
— É um refúgio nesse calor infernal daqui — ela passou os olhos pela
areia.
— Realmente está bem quente. Mas ainda prefiro o calor do que o frio.
— Eu gosto do frio. Principalmente quando estou na minha cama,
embaixo da coberta — ela riu.
Pensamentos pervertidos, por favor, saiam!
— Júlia, o que acha de ir pra água comigo? Pedro não está a fim agora —
Mari olhou fuzilando o namorado.
— Na verdade eu também não estou, amiga. Acabamos de chegar.
Quer sim, mulher. Diz que sim.
Mari fez bico e Júlia revirou os olhos, se levantando.
— Essa sua namorada sabe fazer um drama — ela disse para Pedro.
— Você quem faz tudo que ela quer — ele deu de ombros, tomando seu
energético.
As duas tiraram o vestido e eu tentei ao máximo não encarar. Pedro
olhava pra mim, sabendo exatamente o que eu estava pensando e segurava o
riso. Pareceu uma eternidade a "passada" de protetor solar, até que elas
caminharam em direção à água e eu finalmente pude observar o que eu
tanto queria.
Caramba. Era tudo perfeito. Tudo no lugar e do tamanho que eu gostava.
O corpo dela era simplesmente maravilhoso. No fundo, acho que eu torcia
pra que não fosse assim. Quem sabe seria mais fácil pra mim manter a ideia
de ficar só na amizade.
— Eita! Essa areia está úmida de tanta baba — Pedro tirou sarro.
— Filho da mãe. Você quem me meteu nessa situação — joguei uma
latinha de energético vazia nele.
— Como assim? Eu te apresentei uma das garotas mais desejadas da
faculdade e que, de quebra, ainda não está nenhum pouco a fim de
relacionamento sério. Isso é tipo uma loteria. Eu não sei porque você ainda
não pegou ela.
Ele olhava pra mim balançando a cabeça, como se não acreditasse na
minha reclamação. E o pior é que ele tinha razão. A situação realmente era
perfeita pra mim. Se não fosse um detalhe.
— Você não está entendendo. Ela não é uma menina qualquer. Não é do
tipo que a gente estava acostumado a pegar e nem lembrar o nome depois
ou não ligar mais após o terceiro encontro. Ela não é só bonita — consegui
enxergá-la dentro da água, conversando e sorrindo com a amiga — Ela é
doce, mas ao mesmo tempo é ousada e divertida. Se preocupa com o bem
estar de pessoas que nem conhece direito. E ainda por cima é inteligente e
tem uma personalidade única.
É uma merda não controlar a própria boca. Quando eu terminei de falar,
olhei pro meu amigo e ele segurava a latinha dele perto da boca, imóvel.
— Cara… — finalmente disse, balançando a cabeça — Você está
muito fodido.
REMENDOS SE SOLTANDO
Júlia
A loja naquele dia estava uma loucura, já que divulgamos alguns
produtos em promoção. Um dos nossos funcionários acabou ficando doente,
o que fez com que tivéssemos que trabalhar na correria. No fim do dia, eu e
todos os outros colaboradores estávamos exaustos.
— É, galera, foi um dia puxado — reuni todos eles — Agradeço demais
a dedicação de vocês. Sei que com menos um na equipe tivemos que nos
desdobrar, mas deu tudo certo. No fim, os lucros desse dia irão para as
comissões de vocês e esse esforço terá valido a pena.
Todos concordaram e se despediram, enquanto eu fechava a loja. Era por
volta das seis e meia da tarde quando passei a chave no cadeado e senti um
toque de leve no meu braço. Quando me virei, vi alguém que não
encontrava há algum tempo e com certeza minha pressão deve ter caído.
O sorrisinho simpático da mãe do Vini era muito característico. Ela já era
de idade, foi mãe mais tarde do que gostaria. Com a perda do filho caçula,
com certeza envelheceu ainda mais do que deveria.
— Dona Ana, há quanto tempo! — dei um abraço nela, ainda tremendo
um pouco.
— Minha querida, que saudade de você! — ela me apertou forte — Acho
que tem mais ou menos um ano que não me liga nem vai me visitar.
Eu queria muito poder cumprir a minha promessa de manter contato. Mas
era só olhar pra essa mulher que toda a dor parecia voltar com tudo no meu
peito.
— Eu sinto muito. Eu poderia dar a desculpa da ocupação no trabalho e
na faculdade, mas na verdade é só por falha minha mesmo.
Ela passou a mão no meu rosto, carinhosamente. Seu olhar me dizia que
sabia de tudo.
— Não se culpe. Eu entendo de verdade — meu olho começou a arder —
Só quero que saiba que eu te amo muito e desejo que você viva bem. Você
fez meu filho muito feliz e quero que essa felicidade faça parte da sua vida
sempre.
— Sei que sim. A senhora sempre foi como uma mãe pra mim.
— Eu tenho que ir agora — ela olhou pro outro lado da rua, onde tinha
um carro esperando — Pedi para meu sobrinho me trazer aqui no centro da
cidade para comprar umas coisas. Foi então que vi a loja e fiz questão de te
dar um abraço.
— Que bom que eu ainda estava aqui. Foi muito bom te ver, Dona Ana.
Ela me deu um último abraço e se foi. Os remendos do meu coração
começaram a se soltar e senti que ele estava se quebrando de novo. Meu ar
começou a faltar e uma dor no peito me tirou o equilíbrio. A boca ficou
seca e já me toquei que estava tendo de novo uma crise de ansiedade. Só
que eu estava na frente da loja, tinha muita gente na rua, o que piorava meu
desespero. Encostei na parede, procurando uma base. Tentei encontrar a
chave pra me abrigar dentro da loja até que passasse a crise, mas minhas
mãos tremiam dentro da bolsa e a visão estava turva, não via nada direito.
Então alguém segurou meus ombros e me virou. Dei de cara com Yan
que estava com um olhar preocupado e peito ofegante.
— Júlia, você está passando mal? — ele colocou as mãos no meu rosto e
sei que pôde ver o desespero nos meus olhos — Meu Deus, você está
branca e tremendo! O que aconteceu? Você precisa de ajuda?
Eu não consegui responder, mas fiz sim com a cabeça. Ele então abriu o
portão pequeno que dava acesso à casinha dos fundos e me carregou no
colo até a área da frente. Ele se sentou no chão, ainda comigo no colo e me
abraçou forte.
Quando senti que estava abrigada, comecei a chorar de forma insana,
tremendo nos braços dele. Meu desespero e a sensação de sufocamento
eram tão grandes que não pensei em mais nada, só deixei as lágrimas
ensoparem sua camisa.
VISITA INESPERADA
Yan
Crise de ansiedade, síndrome do pânico ou… câncer?! Esses foram os
diagnósticos que o Google me deu pra aquilo que presenciei com a Júlia.
Agradeci a Deus por terminar minha corrida exatamente naquela hora e
chegar em casa a tempo de ajudá-la. Mas confesso que fiquei um pouco em
choque, sem saber como reagir àquela Júlia tão vulnerável. Tentei fazê-la
falar alguma coisa quando se acalmou, mas ela pediu que eu não insistisse.
Já faz quatro dias que aconteceu e simplesmente não a encontrei mais
desde então. Ela não foi para o trabalho, não saía com a gente e nem queria
receber a Mari em casa.
— Não, Yan. Não tenho notícias recentes dela. Eu já falei que ela passa
de vez em quando por isso e eu recomendo que você só dê espaço para ela.
Está bem? — Mari falou pelo telefone.
— Entendo. Obrigada.
Espaço? Como assim? Ela precisa de alguém com ela, para fazê-la voltar
a sorrir e sair da merda daquele casulo onde ela se enfiou. Resolvi passar de
novo na loja para encontrar o Seu João. Ele com certeza me ajudaria nisso.
— Bom dia, garoto — ele tinha um olhar mais cansado naquele dia.
— Como está o movimento hoje? — puxei assunto.
— Está tranquilo — ele saiu de trás do balcão e se sentou no sofá da
recepção — Mas eu sei que não é isso que você realmente quer saber.
Esse velho era sabichão mesmo. Respirei fundo e me sentei ao lado dele.
— Não estou conseguindo pensar em muita coisa que não seja naquele
dia — confessei — Estou preocupado e queria muito vê-la.
— Entendo, meu filho. Eu conheço essa sensação de impotência, de
querer ajudar e não poder — ele estava bem abatido — Mas saiba que você
foi muito importante naquele momento. Com certeza ela não vai se
esquecer do seu gesto.
— O que aconteceu naquele dia? Por que ela teve aquela crise?
Ele suspirou e me olhou de forma solidária.
— Acho que quem tem que contar é ela, caso se sinta bem em fazer isso.
Você entende, não é?
Assenti e passei a mão no ombro dele, querendo dizer que estava tudo
bem.
Resolvi seguir os conselhos e dar o tempo que ela precisava. Tentei me
concentrar em terminar a reforma da casinha e na busca por um emprego.
Também saí algumas vezes com o pessoal da faculdade e conheci mais
alguns amigos de Pedro e Mari. Estava me sentindo bem, apesar de um
aperto lá no fundo, ao pensar nela. Quando completou uma semana do
episódio, recebi sua visita inesperada na casinha.
— Oi — ela disse com um pequeno sorriso e segurava os próprios
braços, como se estivesse com frio. Mas nessa cidade quente, imagino que
seja um sinal de timidez.
Eu realmente estava com saudade e preocupado, então, antes de falar
qualquer coisa, senti uma vontade súbita de abraçá-la e não me contive. A
cobri com meus braços e afundei meu rosto em seu pescoço. Ela deu uma
leve travada, acho que pelo gesto íntimo, mas logo relaxou e me abraçou
também. Após alguns segundos, ela disse:
— Se eu for ganhar esse abraço gostoso sempre, acho que vou passar mais
vezes um tempo longe.
A garota espertinha tinha voltado.
— Nem pense nisso! — sorri, me afastando um pouco. Coloquei uma
mecha do seu cabelo atrás da orelha — Isso não é coisa que se faça com os
amigos e você disse que era uma boa amiga.
Ela sorriu e eu segurei em sua mão, levando-a para a sala. Ela se sentou e
ficou olhando ao redor, notando que a pintura já tinha sido feita.
— Ficou muito bom! Parece que foi feito por um pintor profissional.
— Obrigada. Sem as aulas da faculdade e ainda sem emprego, tive
bastante tempo para fazer tudo com calma — peguei um suco que eu tinha
feito há alguns minutos e ofereci. Ela aceitou e tomou um pouco.
— Obrigada — ela disse, colocando o copo na mesinha de centro — Por
falar em emprego, estamos precisando de uma pessoa para trabalhar como
vendedor por um tempo na loja. Um dos nossos funcionários está de
atestado desde… — ela deu uma pausa, evitando olhar pra mim — aquele
dia. E hoje ele disse que vai precisar se afastar por mais tempo. Vai pedir
licença para fazer um tratamento de saúde. Então, se você tiver interesse,
temos essa vaga.
— Nossa, isso seria ótimo! Com certeza eu aceito — peguei na sua mão
de leve — Obrigada por ser tão gentil comigo.
Acabamos ficando em silêncio por um tempo.
— Fiquei preocupado com você — eu disse e ela ainda olhava para baixo
— Quase ignorei os conselhos do seu avô e da Mari e fui lá bater à sua
porta.
— Obrigada por ter resistido. Quando isso acontece, preciso realmente de
um tempo. Já fazia um bom período que não rolava esse tipo de coisa. Mas
o importante é que estou bem e estou de volta.
Tomei coragem pra perguntar:
— O que aconteceu pra engatilhar aquilo?
— Yan… — ela respirou fundo — Eu sei que nos tornamos amigos e
você foi crucial naquele momento, me dando apoio — disse sorrindo de
leve — Inclusive quero agradecer por ter me abrigado e me acalmado. Só
que eu realmente não quero falar sobre isso.
Mordi os lábios, me segurando para não insistir e ser uma boa pessoa.
— Eu entendo. E não precisa agradecer, qualquer pessoa com o mínimo
de empatia teria feito o mesmo.
— Verdade. Mas que bom que foi você — ela apertou minha mão que
ainda segurava a dela.
TUDO MOLHADO
Júlia
Eu precisei daqueles dias para me recuperar e voltar a falar com minha
psicóloga, a quem eu não recorria há algum tempo. Encontrar a minha ex-
sogra mexeu demais comigo. Seus gritos de desespero no dia do acidente
ecoaram na minha cabeça por mais de um ano. E por isso resolvi me
afastar dela.
Tive muitos pesadelos de morte nesse período. Sonhava que encontrava
o Vini estirado na estrada, ele caindo de um precipício ou até mesmo ele
jogando a moto entre os carros comigo na garupa. Era terrível! Era
justamente o contrário do que o Vini acreditava. Ele amava a vida e queria
curtir cada segundo intensamente.
Com esse encontro, acabei envolvendo o Yan no meu problema. No
fundo, eu realmente estava agradecida por ter sido ele a me encontrar, mas
não sabia muito bem como encará-lo de novo após aquele momento de
tanta exposição e vulnerabilidade. A ideia de ir na casa dele quando eu
estava melhor foi boa e ele se esforçou para aceitar bem minha falta de
detalhes com relação ao que aconteceu. No entanto, sei que mais cedo ou
mais tarde ele iria voltar nesse assunto.
No fim deu tudo certo e voltei à minha rotina normal, mas agora com Yan
cada vez mais presente, trabalhando na loja. Ele não tinha muita
experiência com vendas, porém era esforçado e tinha uma incrível
capacidade de aprender rápido. Ele também conseguiu conquistar meu avô
que não conseguia esconder que estava gostando muito de tudo isso. O que
me dava um pouco de medo. Não sei se meu avô estava criando muita
expectativa com relação ao Yan. Ao contrário de mim, ele não se blindou
contra possíveis apegos.
Palmas estava realmente muito quente naquele mês de julho. O que era
um prato cheio para os turistas que vinham aproveitar as praias em todo o
estado e também para quem morava aqui e curtia ficar um bom tempo
dentro d’água.
Naquele dia eu me sentia muito bem. Marcamos, inclusive, de ir para um
clube passar a tarde e tentar sobreviver ao calor.
— Parece que outra galera da faculdade também teve a mesma ideia —
Mari comentou, olhando para um grupo de amigos que estavam na piscina.
— Sim. E eu também vi outras pessoas na entrada do clube. Está cheio
de universitários aqui hoje — Pedro disse enquanto ajeitava as
espreguiçadeiras para nós.
— Que horas o Yan vai vir? — minha amiga perguntou, dessa vez
olhando pra mim — Já que vocês estão super por dentro da rotina um do
outro.
O casal idiota ria junto da minha cara.
— Vocês são péssimos — deitei sorrindo em uma das espreguiçadeiras
— Eu só sei que hoje ele ficou responsável por fechar a loja ao meio dia.
Então provavelmente está fazendo isso agora.
Quando eu fechei a boca, Yan apareceu atrás de mim e me deu um beijo
na bochecha.
— Na verdade, seu avô chegou na loja dizendo que ia fazer algumas
coisas e me dispensou — ele sentou-se ao meu lado.
— Você virou o queridinho dele mesmo, não é? Está cheio de privilégios.
Ele sorriu, dando de ombros.
— Acho que seu avô imaginou que você estaria muito indefesa nesse
clube e quis que eu viesse logo te proteger — então ele pegou minha mão e
ficou segurando.
— Mal sabe ele que o perigo aqui é você — falei baixinho, colocando os
óculos de sol.
Acho que ele não chegou a ouvir o que eu disse ou então ficou sem saber
o que dizer. Mas duvido muito, do jeito que ele tinha a língua afiada. Ele
estava especialmente bonito hoje, talvez fosse o cabelo que havia cortado.
Eu tinha uma vontade insana de acabar de vez com esse negócio de amizade
que ele inventou e simplesmente beijá-lo inteiro. Eu nem me lembrava da
última vez que senti tanto desejo reprimido assim por alguém.
Pedro e Mari resolveram comprar algumas bebidas e nos deixaram
sozinhos.
— Está muito quente. Vou para a piscina. Quer ir também? — ele
convidou.
Ficar embaixo d'água com ele me parecia a coisa mais tentadora do
mundo. Eu ia acabar dando um jeito de me esfregar nele lá e entregar o
jogo.
— Vou ficar por aqui um pouco mais. Obrigada — essa é a sensação de
dizer algo que você realmente não quer falar.
Ele mordeu os lábios, parecendo um pouco frustrado, tirou a camiseta e
foi andando em direção à piscina. Aquele homem era tão maravilhoso que
todo mundo olhava pra ele. As mulheres então, nem disfarçavam. Peguei
meu celular, a fim de dissipar o desconforto que eu tinha. Vasculhei um
pouco as redes sociais e respondi algumas mensagens. Foi então que ouvi
uma conversinha atrás de mim.
— Caramba! Ele é realmente muito gostoso. Achei que vocês estavam
exagerando, mas ele é ainda melhor do que eu imaginava.
— Eu te disse, amiga. Parece que o cara foi esculpido — ouvi outra voz
feminina — Com certeza vou dar um jeito de fazer com que ele vá até a
festa da nossa sala no final do mês. Se ele for, pode ter certeza que vou
pegar ele.
Fechei a cara involuntariamente com esse comentário. Juro que me
esforcei ao máximo para não me virar e saber quem eram. Porque isso não
era da minha conta, eu não tinha nada com ele. As risadinhas continuaram
por algum momento, até que finalmente elas saíram de perto de mim.
Fechei os olhos, suspirando aliviada pelo sossego e por conseguir reprimir
ao máximo qualquer fagulha de sentimento possessivo em mim. Essa não
era eu.
Foi só abrir os olhos que pude contemplar uma cena maravilhosa e
agradeci mentalmente por estar sozinha vendo de forma privilegiada a saída
de Yan da piscina. A sunga dele era preta e a água escorria por todo aquele
corpo perfeito. A barriga definida e os músculos do braço se contraíam
fazendo força para subir a borda. O cabelo grudado no rosto deixava ele
ainda mais sexy. Eu estava perdida com esse cara! E tenho certeza que ele
sabia que eu estava olhando e me aproveitando dos óculos escuros para
apreciar cada movimento. Ele veio caminhando devagar e se deitou na
espreguiçadeira ao meu lado.
— Sabe, — ativei meu lado safado, olhando pra ele — eu não estava a
fim de ir pra piscina, mas ver você saindo dela assim, tão gostoso, já me
deixou toda molhada mesmo. Então, que se dane!
TENSÃO RESOLVIDA
Yan
Eu acho que talvez eu tenha deixado entrar água no meu ouvido, pois não
era possível que ela realmente tivesse dito aquilo. E na maior naturalidade
do mundo ela se levantou, sem esperar qualquer resposta, tirou o short e foi
caminhando em direção à piscina.
Nem ferrando que eu ia aceitar que ela me deixasse nesse estado e saísse
ilesa. Fui atrás e entrei na piscina novamente. Pelo menos eu conseguiria
disfarçar o estado do meu corpo diante daquela sua frase atrevida.
— Eu acho que não entendi direito o que você disse, então eu vou
precisar chegar mais perto pra ouvir de novo — caminhei dentro da água
até ela, que estava encostada na borda da piscina. Coloquei o braço ao seu
lado, ficando frente a frente.
Ela demorou pra erguer o olhar, mas quando fez isso, estava com uma
cara tão sensual que eu fiquei ainda mais excitado.
— Acho que você ouviu muito bem sim. Mas adora ter o ego massageado
e por isso veio atrás de mim — ela continuou com aquela língua afiada.
Meu Deus, como eu queria beijar aquela boca até não poder mais.
Tomei coragem e segurei a cintura dela, trazendo-a para mais perto de
mim. Se ela tivesse alguma dúvida, agora teria certeza de que me deixava
maluco. Pela cara de espanto dela ao sentir meu volume encostando na sua
barriga, sei que meu objetivo foi cumprido.
— Eu tenho a impressão de que no fundo você sabe que estou no meu
limite pra não ferrar com essa parada de amizade e te pegar de um jeito que
você jamais esqueceria — eu falei, olhando nos olhos dela.
Ela ficou ofegante e não desgrudava os olhos da minha boca, deixando
claro que me queria tanto quanto.
— E eu me pergunto todo dia quando você vai tomar coragem de fazer
isso, porque eu já estou cansada de ficar só imaginando coisas.
Pronto. Aquele era o momento. Não dava mais para evitar que isso
acontecesse. Ela já tinha deixado bem claro que também queria isso. Eu só
precisava que fosse tão bom quanto ela esperava.
Coloquei minha mão atrás do seu pescoço, onde ficou perfeitamente
encaixada, permitindo que eu tivesse o controle. Passei a outra no seu rosto
devagar, fazendo carinho e analisando o quão perfeita ela era. Nunca tinha
estado tão perto e pude ver bem a cor dos seus olhos que na verdade não
eram tão pretos assim. Seu cabelo molhado brilhava mais do que nunca e eu
consegui apreciar bem o contorno dos seus lábios volumosos e bem
desenhados.
Eu me considerava um cara muito confiante nessas horas mas, de alguma
forma, ela me deixava com tanto frio na barriga que eu tinha medo de fazer
algo errado. Ao mesmo tempo em que ela era sensual e vibrante, eu também
conhecia seu lado sensível e vulnerável.
Consegui, de certa forma, acalmar esse bombardeio de pensamentos e só
me deixar levar. Coloquei meus lábios nos dela e comecei o beijo bem
devagar, sentindo toda a corrente elétrica percorrer entre nós. Ela deu um
gemido baixo, abrindo um pouco a boca, o que me fez entender que ela
também estava tão cheia de tesão quanto eu. Bastou isso pra que eu me
sentisse livre para avançar um pouquinho mais. Sem parar o beijo e
mantendo uma das mãos em seu pescoço, apertei sua bunda, trazendo
também uma das pernas dela para minha cintura. A pele era tão macia e
minha mão deslizava como se estivesse ensaboada.
Ela estava bem relaxada e entregue pra mim. Tive que me controlar ao
máximo para não avançar demais e aproveitar a pouca roupa que a cobria.
A verdade é que eu também queria aproveitar cada momento com ela
devagar e conhecer pouco a pouco seus limites. Eu não sei quanto tempo
nós passamos ali, mas só conseguimos parar de beijar quando alguém deu
uma tossida falsa na beira da piscina.
— Até que enfim, ein? Ninguém mais aguentava tanta tensão sexual
entre vocês — Mari gargalhava com Pedro ao seu lado.
Eu olhei para Júlia e ela revirou os olhos, sorrindo e afundando a cara no
meu peito, num gesto fofo pra caralho. Eu aproveitei o momento para
abraçá-la e sussurrar no seu ouvido:
— Isso foi incrível, linda. Você é incrível.
Ouvindo isso, ela me apertou um pouco mais forte.
Saímos da piscina pouco depois e resolvemos ir para a quadra de
esportes onde estava rolando uma partida de vôlei. Eu os seguia, querendo
muito segurar a mão de Júlia enquanto procurávamos um lugar na
arquibancada, mas fiquei com medo de assustá-la, já que a gente poderia
parecer um casal de verdade.
Sentamos nós quatro juntos e reconheci muitos rostos da faculdade na
quadra. Menos um deles, que agora estava olhando diretamente para nós.
Era um cara bem alto e forte, do tipo que parece que não sai da academia.
Depois da partida acabar, ele veio em nossa direção e cumprimentou
Pedro, Mari e Júlia, e fez um aceno de cabeça pra mim.
— Queria falar com você. Vem aqui um pouquinho? — ele falou pra
Júlia.
Ela concordou e se levantou. O cara teve a audácia de passar o braço ao
redor dos ombros dela enquanto caminhavam em direção a um banquinho
mais longe da quadra. Felizmente, ainda estavam no meu campo de visão.
— Quem é ele? — perguntei, ainda encarando os dois.
— Dominic. É um cara que a Júlia fica de vez em quando — Pedro
explicou.
Senti meu maxilar enrijecendo involuntariamente. Eu sabia que esse tipo
de coisa poderia acontecer, mas o timing foi péssimo. Eu tinha acabado de
ficar com ela, caramba.
— Relaxa, Yan. Eles não estão ficando mais. A Júlia deu um pé na bunda
dele quando ele ficou insistindo para que namorassem — Mari falou, sem
dar importância.
Puta que pariu. Eu não imaginava uma Julia fria assim. Eu já tinha feito
isso várias vezes, cortando relações antes de ficar sério, mas ver uma garota
fazer isso era novidade para mim. Só que eu não sou o tipo babaca
machista, sei que ela tinha direito de fazer isso tanto quanto eu.
Eu pude perceber a cara de derrotado dele enquanto conversavam e vi
que ele olhou pra mim em algum momento. Será que ela falou alguma coisa
de mim? Tentei reprimir qualquer esperança idiota antes que fosse tarde.
Alguns minutos depois, Júlia o abraçou e ele pareceu tirar uma última
casquinha, enfiando a mão no seu cabelo e cheirando seu pescoço. Tive que
desviar o olhar. Não sou nem obrigado a ver isso. Fiquei tentado a ir
embora, mas não ia bancar o imaturo e esfregar na cara dela que eu estava
desconfortável com isso. A última coisa que eu queria era que ela
percebesse qualquer xilique da minha parte e me desse um fora também.
POR DENTRO E POR FORA
Júlia
O clima estava um pouco tenso quando eu voltei. Eu imagino que a essa
altura já tinham falado pra ele sobre o Dom, então evitei ficar remoendo
qualquer coisa. Na verdade, Dominic ainda não tinha me visto com
ninguém depois que paramos de ficar e talvez isso tenha afetado seu ego.
Com certeza, Yan era uma ameaça para qualquer cara sendo lindo daquele
jeito. Mas não tinha mais nada entre eu e ele, o que deixei bem claro
naquela conversa. Ele insistiu dizendo que não pensava em mais ninguém e
que realmente estava apaixonado, mas eu disse que, dali para frente, se ele
aceitasse, poderíamos continuar amigos. No fim, ele concordou e pediu pra
mantê-lo na minha vida.
Eu não sou uma pessoa insensível. Essa confissão dele me deixou bem
mal por não poder corresponder. Mas eu fui sincera desde o início com
relação ao meu posicionamento e que não tinha chances da gente dar outros
passos. No fundo, mesmo que eu estivesse aberta ao namoro, não sei se
rolaria com ele.
Na hora de ir embora, Yan me acompanhou até minha moto.
— Você sentada nessa moto supera qualquer sonho sensual que eu já tive
na vida — ele disse brincando.
— Espera só me ver de shortinho consertando ela, cheia de óleo — sorri
pra ele e ele me abraçou.
— Eu quero muito te beijar de novo — ele falou com a cabeça apoiada
em cima da minha.
Eu me afastei um pouquinho para conseguir olhar pra ele.
— Que coincidência! Eu também quero muito isso.
E com o meu aval recebido, ele me puxou pra mais um beijo quente e
demorado. Yan tinha muita pegada e seus lábios eram maravilhosos. Tanto
que não pude me conter e mordi de leve, fazendo ele sorrir ainda com a
boca na minha.
Era incrível como cada movimento nosso parecia em perfeita harmonia. O
beijo era tão gostoso e os toques, apesar de sutis, deixavam a minha pele
arrepiada, pedindo mais. Eu não quis nesse momento pensar em nada e nem
projetar problemas futuros, apenas curtir esse cara que era tão legal e
gostoso e que estava me querendo também.
A semana começou e decidi que iria deixar as coisas ocorrerem
naturalmente entre a gente, até perceber sinais que me fizessem querer
parar. A verdade é que eu gostei demais de ficar com ele e sua companhia
era sempre maravilhosa. Pedi pra ele apenas que a gente não ficasse se
pegando durante o expediente no trabalho, mas era só trancar as portas da
loja, que a gente aproveitava um tempo antes de ir pra faculdade e ficava se
beijando. E também depois da faculdade, às vezes.
— Agora sim essa casa virou um antro de perdição — comentei e ele
caiu na risada.
— Sendo comigo, eu não me importo — Yan disse, me beijando mais
uma vez e pegando firme na minha cintura.
Eu estava curtindo muito explorar bem devagar todo esse desejo nosso.
Ainda não tinha rolado sexo, mas nossos carinhos eram bem intensos. E
acho que para ele também estava bom assim, por enquanto.
— Eu não sei se eu já falei, mas acho você linda pra caralho. Desde
quando eu te vi pela primeira vez, chegando naquele bar. Você conseguiu
ofuscar até a sua moto fodona — ele me abraçou e ficou dando beijinhos no
meu pescoço, me fazendo arrepiar — Mas talvez você duvide do que eu
vou falar agora: o dia em que eu te achei mais linda foi no dia do sopão.
— Sei… toda suada e com touca no cabelo — sorri e revirei os olhos.
— Seu cabelo é lindo com toda certeza. Mas a questão é que, quando
você é uma pessoa bonita por dentro também, a beleza de fora é realçada.
Não vou negar que esse jeito fofo dele de falar aquecia muito meu
coração. Ele era muito carinhoso e prestativo. Será que alguém conseguiria
resistir a isso?
Eu evitava ao máximo comparar os caras com quem eu ficava com o
Vini. Isso me fazia mal porque ninguém chegava nem perto do que ele era
e, se eu continuasse fazendo isso, viveria frustrada o tempo todo. No
entanto, acabei fazendo isso sem querer com o Yan e pela primeira vez o
sentimento não foi de decepção.
MAIS BELO QUE O SOL
Yan
Numa madrugada de domingo, meu celular começou a tocar. Demorei
um pouco pra acordar, mas quando vi a foto da Júlia na tela e as horas no
relógio, atendi imediatamente.
— Oi. Aconteceu alguma coisa? — perguntei, preocupado.
— Bom dia, lindo — a voz alegre dela me acalmou — Te acordei?
Voltando a respirar, deitei na cama. Essa menina era doida.
— São quatro horas da manhã. O que você acha? — falei sorrindo e ela
deu uma gargalhada.
— Estou na porta da sua casa — ela falou, mas eu não acreditei.
— Muito engraçado.
— Estou falando sério. Vista uma roupa, pegue um casaco e venha aqui
fora que a gente vai sair.
Meu cérebro com certeza deu uma travada. Era informação demais para
aquela hora da manhã. Depois de alguns segundos, eu finalmente respondi.
— Ok. Preciso de cinco minutos.
Tentei fazer tudo o mais depressa possível já que, na minha cabeça, Júlia
com aquela moto sozinha numa rua de madrugada parecia ser um prato
cheio para algum bandido. Joguei uma água no corpo, escovando ao mesmo
tempo e vesti correndo. Ao sair, encontrei Júlia encostada na moto, usando
uma calça de moletom, uma regatinha e um casaco. Linda demais!
— O que essa cabecinha está planejando? — segurei seu rosto e dei um
beijo.
— Eu pensei bastante e cheguei à conclusão que você já é digno de andar
na minha moto — ela falou com uma cara engraçada — Já foi no Mirante
do Limpão?
Fiz que não com a cabeça e ela me entregou um lado do fone de ouvido
sem fio dela, junto com um capacete — Então se prepare, bombadinho. A
gente vai ver o nascer do sol lá.
Sério, essa menina é demais! Ninguém nunca fez eu me fazer sentir tão
bem assim. Coloquei o fone no ouvido, o capacete e sentei na garupa.
Agarrando-a sem dó, eu falei:
— Não tenho medo de andar de moto, mas vou ficar bem colado por
precaução. Vai que eu fico nervoso, não é?
— Muito esperto! Gosto de você assim — ela disse sorrindo e acelerou.
O céu ainda estava escuro quando pegamos a rodovia. Ela tinha colocado
um rock leve para a gente ouvir. O embalo da música, junto com o vento no
rosto e o calor do corpo dela me fizeram muito bem. Saímos da rodovia e
começamos a subir a serra. Em alguns minutos, chegamos até o topo e vi
poucas pessoas lá.
Não demorou muito para que o céu começasse a criar um tom colorido
muito bonito e a visão da cidade era incrível. Ela segurou a minha mão e
nos sentamos em uma pedra bem grande onde dava para visualizar ainda
melhor a paisagem de tirar o fôlego.
— O sol deve aparecer daqui a pouco, o céu já começou a ficar iluminado
— Júlia disse, fechando os olhos e sentindo a brisa no rosto.
— Você é linda demais — não me contive — Obrigada por me trazer
aqui.
— Que bom que você topou. Foi meio que um teste pra saber qual seu
nível aventureiro — disse, sorrindo.
— E eu passei? — puxei ela para perto de mim em um abraço por trás.
— Com certeza — ela me deu um beijo que eu prolonguei bastante,
esquentando seus lábios.
Apreciamos em silêncio a beleza daquele nascer do sol e nos beijamos
mais algumas vezes. Eu não me cansava dela. Nunca me sentia saciado,
sempre queria mais.
Ela abriu a mochila que trouxe, tirou algumas frutas, uma garrafa de café
e uma vasilha onde tinham alguns pedaços de bolo.
— Uau! Você veio preparada — comentei.
— Mas é claro! Eu ofereci o pacote completo do passeio — ela disse
sorrindo e me oferecendo o café.
Pegando seu celular, ela pediu que eu sorrisse pra câmera e tirou uma foto
nossa. Comemos tudo o que ela trouxe e ficamos conversando até que o sol
forte começasse a incomodar. Pegamos a estrada de volta e ela me deixou
em casa, me dando mais alguns beijos de despedida.
Voltei para o meu quarto ainda com o sorriso no rosto e, ao deitar na
cama, peguei meu celular e vi no Instagram que Júlia tinha postado nos
stories. Era a foto que havia tirado comigo e na legenda ela dizia: "Quem é
mais lindo? Ele ou o nascer do sol?"
Sorri e acabei pegando no sono enquanto repassava o momento incrível
que ela tinha me proporcionado.
SÓ SABERÁ SE PROVAR
Júlia
“Oi, meu amor. Conseguiu fazer sua inscrição na faculdade?”
“Consegui. Agora é só esperar as aulas começarem.”
“Seu avô estava todo contente. Não parava de falar sobre você ter
passado no vestibular.”
“É bom vê-lo assim, mesmo não entendendo muito o porquê dele querer
tanto que eu faça isso.”
“Ele quer que você tenha opções. Se a loja não der certo em algum
momento, você terá um diploma para procurar emprego em outro lugar
bom. Ele se preocupa com seu futuro, assim como eu.”
“Meu futuro vai ser ótimo! Vai dar tudo certo. Principalmente se você
estiver nele."
“Eu não vou pra lugar nenhum. Estarei sempre aqui pra você”.
Acordei sorrindo naquele dia, feliz por sonhar com uma lembrança de
uma conversa com o Vini de muito tempo atrás. Ele sempre garantia que
estaria comigo e que nunca me abandonaria. Só que o destino acabou nos
separando, mesmo contra a nossa vontade.
Lembranças felizes com ele sempre vinham à tona de vez em quando. Eu
gostava delas, apesar de ficar muitas vezes melancólica e não querer sair do
quarto. Naquele dia, eu estava bem. A lembrança não me fez mal.
— Bom dia, querida — meu avô falou, colocando nosso café.
— Acordou mais cedo hoje? — perguntei beijando sua mão e me
sentando ao seu lado.
— Sim. Dormi cedo ontem, então acabei despertando antes também. Eu
pensei em você tirar o dia de folga hoje, para sair com seus amigos ou com
o Yan. O que acha?
— Vô, não tem porque eu fazer isso. É uma quarta-feira. Todo mundo
trabalha e não faz sentido nenhum eu liberar um funcionário assim, sem
justificativa.
— Tem razão. Acho que vou ficando mais velho e menos apegado a esses
detalhes — ele sorriu.
— É por isso que agora eu sou a gerente. Essas preocupações são minhas
e o senhor pode ficar mais tranquilo.
— É só que… — ele suspirou — não é sempre que você fica bem assim.
Eu sei que você não gosta quando eu me intrometo nas suas decisões. Você
é adulta, sabe o que faz. Mas eu acho que você e o Yan estão vivendo algo
bem legal e você deveria aproveitar ao máximo.
Meu avô era incrível mesmo.
— Entendo o que quer dizer. Pode deixar que eu vou seguir seu conselho
de aproveitar bastante — eu segurei a mão dele e sorri — Mas de uma
forma que não seja injusta com os outros funcionários.
Tomamos o café da manhã e descemos pra loja. Naquele dia, eu teria
uma reunião com a nova agência que eu queria contratar para cuidar do
nosso marketing e faria muitas ligações para confirmar as compras de
alguns produtos que precisávamos para renovar o estoque. Passei a manhã
toda enfurnada na minha sala até que ouvi mais uma batida na porta.
Felizmente, não era nenhum problema. Era quem me fazia esquecer deles.
— Oi, linda. Posso entrar?
— Claro — ofereci um sorriso — Do que precisa?
— Bom, preciso de duas coisas — ele entrou e fechou a porta, me
olhando com uma cara safada e depois sorrindo — Não. Não é nada do que
essa cabecinha pervertida pensou.
— Droga. Então sai daqui — fingi uma raiva e ele soltou uma
gargalhada, me fazendo rir também.
— Eu precisava ver esse sorriso seu. Essa era a primeira coisa — ele se
sentou na cadeira do outro lado da minha mesa e colocou uma pequena
vasilha de vidro com comida na minha frente — A segunda coisa que eu
preciso é que você dê uma pausa pra comer. Não sei se notou, mas já são
duas da tarde e você ainda não almoçou.
Esse gesto me pegou de surpresa.
— Vai me deixar mal acostumada, me mimando assim — eu sorri e abri
a vasilha, encontrando um macarrão ao molho bolonhesa com uma cara
ótima — Você quem cozinhou?
— Sim. O fato de morar nos fundos do local onde trabalho me dá uma
boa vantagem no horário de almoço. Então consigo cozinhar de boa, comer
e ainda tirar um cochilo, se eu quiser.
— E você cozinha bem? — arqueei a sobrancelha e sorri.
— Tudo que eu me proponho a fazer eu faço bem — ele sorriu, confiante
— Mas você só vai saber de fato se provar.
Torci para que aquele macarrão estivesse ruim. Não era possível que ele
realmente fosse bom em tudo. Mas quando eu provei não estava só bom, era
realmente uma delícia.
— E aí? Está aprovado? — a cara dele não vacilava. Ele estava muito
confiante.
— Gostoso tanto quanto o próprio cozinheiro — eu sorri e arranquei um
outro sorriso lindo dele.
EU TE AVISEI
Yan
Se eu fui triste algum dia, não me lembro. Brincadeiras à parte, estava
vivendo realmente dias muito bons com a Júlia. A gente passava horas
conversando sobre tantas coisas e sempre com muitas risadas e beijos.
Saíamos junto com Pedro e Mari como antes, só que agora aproveitando
bem mais um ao outro.
Apesar das aulas do último semestre terem começado, meu processo de
adaptação à nova faculdade estava tranquilo. Tinha gostado da maioria dos
professores e teria que pegar poucas matérias. A Júlia também estava
animada para se formar logo. A sensação de fazer o último semestre da
faculdade era como chegar ao fim de uma longa corrida.
Em uma das nossas conversas, eu descobri a data do seu aniversário, que
seria em poucos alguns dias. Eu queria muito fazer ou dar alguma coisa
especial para ela, algo que visse com carinho e não como um presente
qualquer. Já que a gente saía bastante com nossos amigos e ficávamos
juntos quase sempre em casa, pensei em levá-la em um restaurante legal na
cidade.
— Acho que toda mulher gosta disso. A Mari, pelo menos, curte muito
— Pedro disse, enquanto jogava no vídeo game dele.
— É, acho que não tem erro — deitei no outro sofá.
— Eu só não entendo muito bem o porquê de todo esse esforço seu para
surpreendê-la, sendo que você já está ficando com ela — ele pausou o jogo,
respirou fundo e olhou pra mim — Sinceramente, eu estou com um pouco
de medo de você estar se iludindo, criando expectativas demais com relação
a vocês dois.
— Relaxa, cara — eu sorri — Você sabe que não é porque eu esteja só
ficando com alguém, que eu não vá querer viver coisas legais com a pessoa.
Ainda mais com ela, que me ajudou tanto aqui na cidade, me oferecendo
um emprego e alugando a casa para mim.
— Você é quem sabe. Mas, quando estiver aí todo apaixonado e ela te der
um pé na bunda, eu vou mandar um “foda-se. Eu te avisei” — ele falou
sério e deu play no jogo.
Eu não vou negar que só de ouvir ele falar isso já me deu um embrulho
no estômago. Eu não queria de jeito nenhum passar por essa situação com
ela. Mas eu também sei que apesar de ter negado tudo a ele e da minha
fama de pegador, eu, no fundo, bem lá no fundo, ainda tinha o coração
mole. E Júlia conseguiu cavar até lá e me mostrar isso.
Talvez ele tivesse razão. Eu sentia uma ponta de esperança de que ela
pudesse mudar de ideia sobre relacionamentos sérios e estendesse o seu
tempo ao meu lado. Eu estava curtindo tanto estar com ela, mas a sensação
era de que eu estava jogando uma partida de futebol onde o tempo ia se
esgotando e ela seria a árbitra que daria o apito final.
E o pior de tudo é que eu simplesmente não sabia o porquê dessa aversão
toda dela ao namoro. Tipo, não faz sentido ser só por conta de traição em
outro relacionamento. Eu tentei seguir isso, mas a real é que ninguém
manda no coração. As pessoas não são iguais. Não é porque minha ex me
traiu, que todas as outras mulheres farão o mesmo. Além disso, todo mundo
merece uma segunda chance de ser feliz. Ficar sozinho para sempre deve
ser ruim demais. Eu só precisava mostrar isso à ela.

A véspera do dia dela chegou. A reserva no restaurante estava feita e


como eu imaginei que Júlia fosse querer se arrumar, avisei que iríamos
jantar em um lugar legal. Tentei não gerar tanta expectativa, como sempre,
para não assustá-la. Eram apenas duas pessoas que estavam ficando, indo
comemorar um aniversário. Eu comuniquei que iria buscá-la de carro, assim
ela poderia usar qualquer roupa que quisesse, sem se preocupar com a
moto. Quando eu cheguei na casa dela, fui recepcionado pelo Seu João. Ele
estava sorridente demais naquela noite.
— É impressão minha ou o senhor está bem mais animado hoje? O que
aconteceu? — perguntei, sentando no sofá junto com ele.
— Ah, meu filho. Ver a Júlia sair e se divertir sempre me anima. Além do
mais… — ele olhou para o quarto, dando uma conferida se ela estava
ouvindo — Se ela descobrir que eu disse isso eu vou negar até a morte, mas
ela está bem mais feliz depois que você começou a fazer parte da vida dela.
Ôh, velho. Não piora as coisas para mim.
Dei um sorriso leve e um abraço nele.
— E eu sou muito grato por ter encontrado vocês também. De verdade!
Não é fácil chegar em um lugar onde é possível contar nos dedos de uma
mão as pessoas que você conhece. Vocês me acolheram sem pensar duas
vezes e por isso…
Meu raciocínio foi cortado totalmente quando eu vi Júlia entrando na
sala. Ela usava um vestido vermelho colado no corpo, mas que não era
curto. Tinha uma fenda na perna e o decote era pequeno, dando o equilíbrio
perfeito. Ela usava uma maquiagem leve nos olhos, dando ênfase no batom
mais escuro. Eu acho que nunca vi mulher mais linda do que essa. Nossa,
como eu tive sorte!
— É por isso que meu avô é essa gelatina toda contigo. Fica falando
essas coisas melosas para ele — ela sorriu e deu um beijo na cabeça do avô
— Vamos?

Eu ainda estava um pouco entorpecido com a visão dela, mas consegui


assentir e me despedir do Seu João. Entramos no carro e seguimos para o
restaurante. Eu fazia questão de pegar todos os semáforos vermelhos e ter
mais alguns segundos para olhá-la dentro do carro.
— Eu estou percebendo que você não está nenhum pouco com pressa de
chegar — ela fez carinho no meu pescoço, sorrindo.
— Por que eu estaria? Já estou curtindo cada segundo com você aqui.
Aliás, eu não sei como eu vou conseguir prestar atenção em qualquer coisa
hoje que não seja em você nesse vestido — tirei a mão do volante e
coloquei na perna dela, sentindo sua pele macia e perfeita.
Chegamos ao restaurante que, graças a Deus, não estava muito cheio. Eu
queria que Júlia se sentisse o mais confortável possível a sós comigo.

— Eu nunca vim aqui — ela disse, olhando em volta — Não costumo


frequentar lugares assim. É muito bonito!
— Que bom que gostou. Eu também não conhecia, mas eu dei uma
pesquisada antes, vi umas fotos no Instagram e achei que seria um bom
lugar para te trazer.
— Resta saber se vamos gostar da comida — ela disse, animada.
— Tomara que sim.
O garçom chegou, pedimos nossos pratos, uma taça de vinho para ela e
um energético para mim.
— Eu gosto dessa sua disciplina com bebidas alcoólicas — ela
comentou.
— Fico feliz em saber disso — segurei sua mão em cima da mesa — Eu
sou adepto à ideia de que não preciso me embriagar para curtir os lugares e
as pessoas. E eu amo muito a minha vida para arriscar perdê-la em um
acidente de trânsito.
O sorriso leve que Júlia tinha no rosto desapareceu de imediato e ela tirou
a mão debaixo da minha.
— Se importa se eu for ao banheiro? Volto daqui a pouco — ela se
levantou e saiu rapidamente.
ÓTIMAS FELICITAÇÕES
Júlia
Que porra. Que porra! Respira. Respira, Júlia. Pensa em outra coisa.
Pensa em qualquer coisa feliz. Não! Não com o Vini! Com outra pessoa!
Encostei na pia do banheiro, ofegante, de olhos fechados, tentando evitar
pensar no que o Yan tinha acabado de dizer. Como é difícil muitas vezes
controlar a própria mente! Era simplesmente um bombardeio de
pensamentos ruins que eu não conseguia segurar.
Tentei pensar no dia do sopão, nos rostos alegres, no Yan sorridente.
Pensei no dia do nosso primeiro beijo na piscina. Pensei no dia em que meu
avô passou a gerência da loja pra mim e quando ganhei meu primeiro
cachorrinho. Aos poucos fui me acalmando, lembrando de momentos que
me deixaram feliz, sem nenhum tipo de ordem, apenas colocando-os no
lugar dos pensamentos de morte.
Não sei quanto tempo se passou, mas quando consegui voltar para a
mesa, nossos pedidos já tinham chegado.
— Você está bem? — ele perguntou com a carinha de preocupado.
Nossa, que raiva dessa merda toda que é a minha cabeça.
— Agora estou melhor. Senti um leve desconforto na barriga — menti —
Uma cólica, eu acho — menti mais um pouco.
— Ah! Você trouxe algum remédio? Se não estiver a fim de comer não
tem problema, a gente vai pra casa.
Eu não senti nenhum tipo de decepção na voz dele, apenas empatia e
preocupação comigo. Meu Deus, ele era muito bom e eu aqui mentindo na
cara dura.
— Estou bem, de verdade. Já passou — segurei sua mão e sorri — Na
verdade, eu ainda estou com fome, então…
Vendo que eu estava com uma cara melhor, ele sorriu e apertou minha
mão. Jantamos e gostamos muito da comida, ainda bem. Tirando meu
"quase surto", foi tudo maravilhoso. A gente conversou, riu e se beijou
várias vezes.
Faltavam vinte minutos para meia noite quando entramos no carro de
volta para minha casa. No meio do caminho, ele se lembrou que tinha um
outro presente para mim. Ficou se martirizando por ter esquecido em casa e
disse que me daria no dia seguinte.
— Eu não me importo de ir para sua casa pegar o presente. Você me
deixou curiosa!
— Que ótimo, então! A gente passa lá e pega — ele disse, mudando a
rota.
Chegando na casinha, sentei-me no sofá enquanto ele seguia direto para o
quarto, onde disse que tinha deixado o presente. Senti meus pés doendo um
pouco, então tirei os saltos e fiquei mais à vontade. Pouco depois, ele volta
com um embrulho rosa e se senta ao meu lado. Olhei para ele com um
sorriso e rasguei o embrulho, me deparando com um porta-retrato. A foto
era minha e dele, os dois de touca e avental, sorrindo e servindo sopa.
Senti que meus olhos marejaram.
— Eu nem sabia que tinham tirado essa foto da gente.
— O padre Sérgio me enviou alguns dias depois, agradecendo novamente
pela ajuda.
— Obrigada por esse presente. Eu amei de verdade — o abracei e lhe dei
um beijo bem demorado. Eu queria passar toda a gratidão pela noite, pelo
presente e por tudo o que ele já tinha feito por mim através daquele beijo.
— Você é maravilhosa, Júlia — ele interrompia o beijo para acariciar o
meu rosto e meu cabelo.
Yan olhou o relógio e viu que já tinha passado da meia noite. Abrindo
aquele sorriso perfeito e sexy, ele disse, beijando minha mão:
— Feliz aniversário, linda! Que você tenha uma vida longa, cheia de
saúde... — ele beijou meu ombro — ...que seu negócio prospere e você
tenha muito sucesso — e beijou meu pescoço. Sério, ali eu já estava perdida
— ... que você possa aproveitar todo esse sucesso com viagens e momentos
incríveis com quem você ama.
Na hora que Yan disse aquilo, eu me imaginei viajando e conhecendo
lugares novos… Só que com ele. Seu toque era tão carinhoso e fazia eu me
sentir muito desejada. O que era recíproco demais porque eu também o
queria muito!
— Acho que eu nunca recebi felicitações tão boas na vida — eu disse
sorrindo e o beijando — Aliás, quero muito te dar um presente também.
Me levantei e comecei a tirar o meu vestido devagar na frente dele,
apreciando todas as expressões do seu rosto que se misturavam entre
surpresa, ansiedade e desejo. Eu não tinha certeza se faríamos isso hoje,
mas me preparei e escolhi uma lingerie rosa bem bonita, com detalhes de
renda. Eu acho que ele gostou, pois não tirava os olhos dela.
— Minha nossa! Você se supera toda vez — ele disse com um sorrisinho
malicioso — Vem aqui, preciso ver mais de perto.
Eu sentei no seu colo, encaixada, e ele começou a explorar cada
pedacinho do meu corpo com as mãos e com a boca. Ali, com certeza, eu já
estava pronta para ele, morrendo de tesão.
— Você é surreal de gostosa! Eu não mudaria nada em você — ele
sussurrava e elevava minha auto estima até às alturas.
— Eu te quero muito — eu disse olhando eu seus olhos. — Estou pronta
para ser sua.
Ele mordeu os lábios e sorriu, como se tivesse diante de um prêmio
muito esperado.
— Eu imaginei você dizendo isso várias vezes. Mas com certeza ouvir de
verdade foi muito melhor.
Ele então começou a tirar a roupa e eu fui ajudando. A sensação era de
ansiedade, mas ao mesmo tempo de querer parar o tempo. Ao ver aquela
sua barriga definida e depois a cueca boxer preta, senti que estava
totalmente ensopada.
Ainda comigo encaixada no seu quadril, ele se levantou, caminhou até o
quarto e me deitou na cama. A visão dele seminu diante de mim era a coisa
mais excitante que já tinha visto. Ele ficou de joelhos na cama e me chamou
para fazer o mesmo. Suas mãos passeavam pelo meu corpo, meu cabelo, me
deixando mais relaxada do que nunca.
O que eu mais gostava nele era que, apesar de todo o desejo, ele não
tinha pressa e sempre se preocupava em me deixar à vontade. E acho que a
primeira vez entre duas pessoas deve ser assim.
APENAS TEORIAS
Yan
Eu estava feliz por tudo ter acontecido do jeito que aconteceu. Não
tivemos pressa e deixamos tudo rolar naturalmente. Isso fez com que aquele
momento tão esperado fosse ainda melhor.
Sei que já fiquei com mulheres muito bonitas e interessantes, mas Júlia
estava acima de qualquer padrão meu. E eu queria aproveitar todos os
segundos e conhecer cada pedacinho seu.
Tocando nela, percebi que estava bem excitada e realmente pronta pra
mim. Tiramos todas as roupas e pude apreciar como Júlia realmente era
perfeita. Depois de beijar seu corpo inteiro, coloquei o preservativo e entrei
nela, sentindo-a me apertar. Comecei os movimentos lentos, sem parar de
beijá-la. Aquilo era maravilhoso, de verdade. Não me lembro se já tinha
sentido tanta paz e prazer juntos assim.
Acelerei os movimentos e ela começou a gemer meu nome. Não
demorou muito até que ela começou a se tremer debaixo de mim. A visão
de Júlia chegando no ápice me deixou maluco e sei que aquela imagem
ficaria na minha cabeça por muito tempo. Meu orgasmo chegou de uma
vez, me pegando de surpresa.
Foi realmente maravilhoso esse momento com ela e seu sorriso largo e
cara de satisfação me indicavam que também tinha achado. Convidei-a para
tomar banho junto comigo e ela gostou da ideia. Ficamos embaixo do
chuveiro e passamos um bom tempo ensaboando um ao outro, conversando
e nos beijando. Não teve nenhum momento constrangedor ou
desconfortável, foi tudo espetacular.
— Eu quero que você durma aqui comigo hoje — falei pegando a toalha
que ela segurava e me oferecendo para secá-la — Mas entendo se você
preferir dormir em casa.
Júlia arqueou a sobrancelha e mordeu os lábios diante do meu gesto. Eu
me sentei na cama e ela ficou de costas na minha frente, nua e molhada,
esperando que eu a secasse. Que visão!
— Eu vou aceitar o seu convite — ela se virou e agachou na minha
frente, me surpreendendo e olhando com uma cara sedutora demais — Mas
só porque eu ainda tenho muitas ideias do que fazer com você, que estão
perturbando minha mente.
Imediatamente fiquei pronto de novo. Estava amando esse seu lado
safado. Ela abriu a toalha que estava enrolada em mim, me segurou e me
colocou na boca. Fechei os olhos e joguei na cabeça pra trás. Mas não
demorei a voltar a olhá-la porque essa imagem com certeza também não
sairia da minha cabeça.
Ela era habilidosa e eu cheguei lá pela segunda vez. Ao recuperar meu
fôlego, joguei-a na cama e fui me deliciar dela também. Depois de vê-la se
derreter na minha boca, passei a toalha nela de novo e voltei pro banheiro
me lavar. Fui para a cama e ela já estava acomodada debaixo do edredom.
Deitei ao seu lado e ficamos conversando até que nós dois dormimos.

Acordei com uma sensação gostosa de calor e alguma coisa pinicando no


meu queixo. Logo tomei consciência de que estava com a Júlia dormindo
abraçada a mim. Repassei todos os momentos incríveis daquela noite e não
consegui segurar o sorriso. Afastei um pouquinho seu rosto pra conseguir
admirá-la dormindo e ela parecia um anjo. Está bem! Eu confesso que me
tornei um meloso do caramba ficando com essa mulher.
Não demorou muito pra ela acordar e parecia super feliz e relaxada
também. Resolvemos tomar café da manhã em uma padaria próxima,
aproveitando que era domingo e poderíamos aproveitar bem o tempo.
Ela disse que não estava a fim de festa naquele ano, mas queria reunir
algumas pessoas na casa dela naquela noite e pedir pizzas. Mari se ofereceu
para cuidar de tudo, inclusive a parte de convidar a galera.
Tive que resolver uns problemas no meu carro à tarde e acabei me
atrasando um pouco para a comemoração. Quando eu cheguei, fiquei um
pouco impressionado, pois esperava apenas alguns poucos amigos e tinha
umas 20 pessoas fácil ali. Essa Mariana era terrível mesmo! Reconheci dois
funcionários da loja e os cumprimentei, além de alguns amigos em comum
da faculdade. Segui pela casa procurando por Pedro ou pela aniversariante,
mas a cena que encontrei na cozinha me deixou paralisado.
O ex ficante de Júlia conversava sorrindo com o Seu João, enquanto o
ajudava a pegar copos e pratos. Esse cara sempre aparecia no momento
errado. Dominic me viu primeiro e deu um sorriso debochado, além de um
cumprimento de cabeça. Sem sorrir de volta, também o cumprimentei
rapidamente.
— Boa noite, Seu João.
— E aí, meu filho! Tudo bem? A Júlia está lá no jardim — ele disse,
continuando a fazer o que estava fazendo. Só depois de alguns segundos ele
somou um mais um e conseguiu captar a tensão ali, dando uma tossida —
Dominic estava contando aqui algumas histórias da avó dele que morou na
mesma cidade que eu. Vocês já se conhecem?
— Já sim — Dominic respondeu — Ele estava torcendo pelo meu time
há algumas semanas no clube.
Torcendo o caralho.
— Vou lá pro jardim encontrá-la. Até já! — falei olhando para o Seu
João.
Sinceramente, minha cabeça estava meio conturbada, sem saber direito o
que pensar. Por que ele tinha sido convidado? Foi a Mari quem teve essa
ideia ridícula ou a Júlia quem fez questão disso? Eles não tinham
terminado?
Então o fato da Júlia não namorar com ninguém veio com tudo na minha
mente. Assim como a realidade de que nunca conversamos de verdade
sobre isso, nem sobre ficar com outras pessoas. Só de pensar já fiquei puto.
Mas por que eu me importava? Por que eu estava tão abalado com essa
merda e por que eu cobraria dela exclusividade sendo que a gente não tinha
nada sério?
Acho que deixei transparecer minha confusão mental quando cheguei no
jardim.
— Está tudo bem, cara? — Pedro colocou o braço no meu ombro, deu
uma olhada em volta e me acompanhou até uma das mesas no canto.
— Está sim — respondi rápido demais.
— Vamos pular essa parte de que eu fico insistindo pra você falar. Já
temos intimidade o suficiente — ele colocou o copo que segurava na mesa e
se acomodou na cadeira — É por causa do Dominic, não é?
— Você sabia que ele viria? — olhei pra ele.
— Claro que não. Senão teria te preparado. Apesar de eu ainda estar bem
confuso com essa relação de vocês — ele colocou a mão novamente no meu
ombro — Sinto muito, cara. Imagino que deve ser meio estranho mesmo.
Estranho é pouco. Eu só queria que todo mundo saísse daquele lugar
imediatamente e que eu pudesse colocar as cartas na mesa com a Júlia. Mas
o que eu falaria para ela?
— Eu só preciso me concentrar em entender que não temos nada sério e
que ela pode convidar quem ela quiser para a merda do aniversário dela —
falei, sem conseguir fingir calma.
— Eu acho que essa seria a coisa mais sensata. Mas também acho que
você deveria ir mais a fundo. Talvez não hoje, mas depois. Quem sabe
descobrir o que de fato está sentindo? — ele disse olhando sério pra mim e
vi sua empatia, como se estivesse se colocando no meu lugar.
— Ela vai me dar um fora, cara — fechei os olhos e passei a mão no
rosto.
— Tem uma grande possibilidade disso acontecer sim, não vou ser
irracional. Mas eu e a Mariana não lembramos de nenhum momento em que
ela estivesse tão feliz com alguém quanto agora, com você. E se ela tiver
curtindo também a ponto de mudar de ideia? A gente nem sabe direito
porque ela é tão contra isso. Tudo o que a gente tem são teorias.
Pedro clareou muita coisa na minha cabeça. Eu realmente não sabia o
porquê desse ranço dela com relacionamentos, mas nunca tinha investigado
ou mesmo tentado conversar direito com ela sobre isso. No fundo, eu tinha
medo de que ela recuasse só de eu começar a tocar no assunto.
Então eu a vi, finalmente, naquela noite. Ela estava usando um vestido
florido soltinho, bem alegre, que a deixava mais angelical. Júlia abraçava
algumas pessoas que haviam chegado quando também me viu. O sorriso
que ela abriu para mim me fez ter toda a certeza que eu precisava: eu não
conseguiria dividi-la com outra pessoa, nem queria ficar com mais ninguém
além dela.
Pelas minhas contas, estávamos ficando há mais de dois meses. Neste
período, eu tenho me sentido vivo e feliz como nunca antes. Sem contar que
eu nunca mantive uma relação com alguém tanto tempo sem sexo. Apesar
de tanto desejo de ambas as partes, compartilhamos a vontade de nos curtir
aos poucos e nos conhecer. Não foi imposto por ninguém, não foi uma
regra. Apenas rolou assim e foi perfeito.
Não tinha mais como esconder isso de mim mesmo. Eu estava
apaixonado por ela.
DEFINIÇÃO DE NAMORO
Júlia
Com certeza aquele foi o melhor aniversário da minha vida em muitos
anos. Uma noite incrível e cheia de prazer com o Yan e no outro dia um
encontro com pessoas que eu gostava. Pensei que talvez fosse rolar algo
estranho pelo fato de estar com um ex ficante e um atual no mesmo
ambiente. Eu teria evitado isso se não fosse o fato do Dominic ter me ligado
naquele dia para dar os parabéns e meio que se convidado para me ver
naquela noite.
Eu ia dizer o quê? Mentir que não ia ter nada, sendo que alguns amigos
em comum estariam lá em casa? Depois, com certeza, ele ficaria chateado e
eu não queria isso. De qualquer forma, se isso incomodou o Yan, ele
conseguiu disfarçar muito bem. Não comentou nada comigo e parecia estar
de boa. Isso era um bom sinal. Eu acho.
Naquele dia, durante a tarde, meus pais me ligaram. Conversamos cerca
de quarenta minutos, o que foi até mais do que o normal. Eles deram os
parabéns e fizeram as perguntas de sempre: como está a faculdade? Tem
saído com seus amigos? Tem ido na psicóloga?
A verdade é que eu não tinha a mesma empolgação de manter contato e
intimidade com eles quanto na infância. Quando decidiram que iriam para
os Estados Unidos, eu tinha só 10 anos e não entendi muito bem porque eles
me deixaram aqui. E sempre que meus coleguinhas perguntavam por eles e
por que eu não fui junto, não sabia o que responder. Sei que no fundo me
sentia abandonada por eles.
Quando completei 13 anos, meu avô já tinha conseguido enfiar na minha
cabeça que eles foram para lá por que queriam melhorar de vida, que não
estavam felizes aqui e queriam recomeçar em outro lugar. Mas eu ainda
sentia que eles queriam mesmo era recomeçar a vida sem mim. Eu não iria
atrapalhá-los de novo. E esse sentimento só aumentou quando percebi a
pouca insistência deles para que eu fosse.
Eles ligavam para mim todos os dias no início, mas nem sempre dava
certo a conversa por conta do trabalho deles e do fuso horário. Então as
ligações foram diminuindo e, quando vi, já aconteciam uma vez a cada duas
semanas. Eles mandavam dinheiro e presentes. Dos meus 10 anos até hoje,
eles vieram 2 vezes ao Brasil: quando eu tinha 15 anos e eles precisaram
voltar para resolver umas coisas e no velório do Vini.
Passados alguns dias do meu aniversário, Yan foi até minha casa.
Ficamos conversando um tempo com meu avô que depois foi dormir. Ele
estava indo para a cama cada vez mais cedo, acredito que por conta da
idade.
— Quer assistir alguma coisa? — Yan perguntou, me chamando para
deitar no seu colo.
— Acho que não. Mas eu aceito um carinho seu — fui na sua direção
sorrindo e me aninhei nos seus braços. Ele passava as mãos no meu cabelo
e rosto, sem parar de me olhar. Estava pensativo e parecia que algo o
incomodava. — Eu pago 10 reais para saber o que está passando na sua
cabeça.
Ele deu um sorriso leve e suspirou. Me puxando mais para perto, disse:
— Eu sei que a gente conversa bastante e eu já te contei muitas coisas
sobre mim. Mas sinto que ainda te conheço muito pouco.
— E o que você quer saber? — perguntei e me arrependi na mesma hora.
— Quero saber por que você não namora ninguém — finalmente ele me
olhou.
Definitivamente eu não estava pronta para falar disso com ele.
— Você também não namora, lembra? — tentei desviar o foco em mim.
— Eu sei. Só que isso nunca foi uma regra de verdade. Eu só evitava
porque a última vez que eu me entreguei a um relacionamento, a menina me
traiu e eu até conhecia o cara. Eu gostava dela e isso me deixou um bom
tempo magoado e puto de raiva.
Ele suspirou de novo e continuou.
— Mas eu entendi que as pessoas não são iguais. E que não faz sentido
eu deixar de me aproximar de alguém por medo de ter que passar de novo
por isso. Pode acontecer? Sim. Mas eu também posso estar deixando
escapar alguém que vale a pena de verdade. Sei lá! Alguém para vida toda,
quem sabe?.
Ao ouvir isso, meu coração, com certeza, derreteu no peito. Ele sempre
foi carinhoso, mas nunca o tinha ouvido falar dessa forma.
— Eu não conhecia esse seu lado tão romântico — fiz carinho nele,
sorrindo.
— Ah, para com isso! — ele revirou os olhos, sorrindo. — Está
estampado na minha cara que eu não sou de fato o pegador sem sentimentos
que eu finjo ser. E eu tô percebendo que você está mudando de assunto para
fugir da minha pergunta.
— Bom, assim como você, também tive um trauma no meu último
relacionamento. Mas não quero falar sobre isso.
— Você já conversou com alguém? Tentou tratar isso no seu coração? —
ele fez carinho no meu braço e me olhava com compaixão.
— Sim. Eu faço acompanhamento com uma psicóloga. Quer dizer, eu já
fiz. Confesso que não estou mais tão assídua nas sessões — eu mordi os
lábios. Estava falando demais. Não queria já ter que passar por isso com o
Yan. Estava tudo indo tão bem.
— Quando foi que aconteceu? Ainda está magoada? — ele insistiu.
Eu me levantei do seu colo e ajeitei minha roupa.
— Eu realmente não quero falar sobre isso — falei em um tom sério.
— Tudo bem. Acho que essa pouca conversa já clareou um pouco a
situação para mim — ele disse, beijando minha testa — Mas eu quero que
você saiba que, independentemente do que ele tenha feito, você não
merecia. Você é uma mulher incrível e qualquer cara teria sorte de ter você
ao lado.
Ele me abraçou forte.

Fiquei repassando aquela conversa depois que ele foi embora durante um
bom tempo. Sei que dei a entender que fui traída também, mas para mim
era mais fácil do que contar que meu grande amor morreu em um acidente.
Recontar essa história ainda era extremamente difícil para mim.
Mari me convidou para ir ao shopping com ela no final de semana. Ela
precisava comprar umas roupas e eu aproveitei para olhar alguns sapatos
também. Depois de umas duas horas batendo pernas, resolvemos comer
alguma coisa. Pedimos dois combos de sanduíches e nos sentamos em uma
das mesas. Ela estava contando de uma briga que teve com Pedro no dia
anterior.
— Ele simplesmente me deixou falando sozinha e saiu. Acredita? Eu
odeio isso do fundo do coração. Se um relacionamento não tiver conversa,
está fadado ao fracasso — ela visivelmente se controlava para não alterar o
tom de voz.
— Mas você ficou chateada porque ele curtiu a foto da menina ou porque
ele não curtiu a sua? — perguntei, tomando meu refrigerante.
— Os dois. O fato é que ele não pensa duas vezes em curtir e reagir às
fotos das colegas dele e nem todas as minhas fotos ele curte. Se eu quiser
um comentário dele então, tenho que ameaçá-lo de morte.
— Um comentário bem espontâneo. Você já conversou com ele sem
brigar? Tipo, falando de uma forma que ele te leve a sério?
— Eu tento, mas é difícil! Ele fica com aquela cara de bunda que me dá
ódio! Quando vejo já estou me exaltando.
Não consegui segurar o riso. Ela acabou relaxando e sorrindo também. A
realidade é que essas briguinhas entre eles eram tão infantis que parecia até
que eles as inventavam para o relacionamento não ser perfeito demais.
— E você e o Yan?
— O que tem? — sorri.
— Eu vou confessar que estou gostando muito de ver essa sua carinha
feliz. Ele é um cara legal e ainda por cima é muito gato.
— É verdade. Ele é incrível. A gente tem vivido momentos muito bons
— suspirei — Mas pelo papo dele, estou achando que ele não quer mais só
ficar.
— Ah, jura?! — ela demonstrou zero surpresa — Amiga, para com isso!
Vocês já estão namorando, só não tem a porcaria do rótulo ainda.
Aquela afirmação dela veio como um soco no meu estômago. Sério que
eu tinha deixado chegar naquele ponto?
— Como assim? — perguntei, querendo que aquela realidade fosse
esfregada de vez na minha cara.
— Vocês estão ficando um com o outro há quase 3 meses com
exclusividade. Vocês se pegam quase todos os dias e ele já convive o tempo
todo com seu avô, que é sua única família por aqui. Me diz qual a diferença
disso para um namoro?
Puta merda. Ela tinha toda razão. Eu deixei o Yan entrar na minha vida
com tudo e nem percebi o quanto já estava envolvida.
— E não tem problema nisso, ok? — ela segurou minha mão — Você já
deixou claro que não quer falar sobre seu passado, mas tenho total certeza
do seu presente: você está feliz ao lado dele e ele claramente gosta de você.
Não vejo nada que os impeça de viver isso.
— Nossos pedidos estão prontos — mudei radicalmente de assunto,
deixando claro que estava pondo um fim naquela conversa.
Comemos nosso lanche quase em silêncio, apenas comentando poucas
coisas. Em seguida, ela agradeceu pela companhia e cada uma foi pra sua
casa. E ainda bem que não tinha ninguém na minha, pois estava com a
garganta apertada e uma vontade enorme de chorar. Mariana tinha mostrado
a merda que eu estava fazendo comigo e com o Yan. Estávamos muito
apegados e eu tinha perdido o controle sobre nossa relação. Eu precisava
colocar um fim antes que fosse tarde demais e o sofrimento triplicasse.
Só que eu não queria fazer isso. Não queria ficar sem sua companhia,
sem seus beijos e carinhos. Não queria tirar ele da minha vida e isso seria
bem mais difícil agora porque ele ainda estava morando na casinha e
trabalhando na loja. Eu ainda o veria todos os dias e sei que acabaria
cedendo em algum momento e me rendendo ao sentimento que eu queria
reprimir.
Eu não podia me deixar levar. Não podia me apaixonar de novo e correr o
risco de ser abandonada novamente. Além disso, meu coração nunca estaria
inteiro de novo, como poderia dar ele para alguém? Seria dolorido, mas
sabia o que eu precisava fazer.
MEDO DO QUÊ?
Yan
Os trabalhos na loja tinham se intensificado naquela semana. Para piorar,
uma competição estadual de motociclismo aconteceria no próximo
domingo, então apareceram muitos clientes novos, tanto na loja quanto na
borracharia. Na verdade, isso era uma coisa muito boa, mas eu quase não
consegui conversar com Júlia, que também estava atolada com problemas
de fornecedores e logística.
Porém, naquele dia, achei que a gente precisava de um tempo para
descansar após o trabalho. Preparei uma comida para ela e a convidei para
ir até minha casa. Ela ficou relutante, mas acabou cedendo.
Júlia chegou mais calada e eu imaginei que estivesse apenas cansada.
Uma noite sem preocupações poderia deixá-la melhor.
— Fiz o macarrão que você gosta — falei, enquanto a servia — Eu sei
que sua cabeça deve estar ligada ainda nos duzentos e vinte por conta da
loja, mas quero que tente relaxar um pouco hoje comigo.
— Obrigada por se preocupar — ela deu um sorriso contido.
Definitivamente aquela não era minha menina.
Comemos juntos e consegui tirar outros sorrisos dela enquanto a gente
conversava. Depois de terminarmos o macarrão e ela dizer que estava mais
do que cheia, coloquei o restante na geladeira e a levei para a sala. Sentei e
a coloquei no colo, abraçando-a por trás. Aquela tinha se tornado nossa
posição padrão no sofá e eu gostava muito.
Comecei a fazer carinho nos seus cabelos e depois uma massagem nos
ombros. Alguns minutinhos depois, ela parecia mais relaxada e eu comecei
a beijá-la devagar. Não me cansava daquela boca perfeita. Minhas mãos
passeavam pelo seu corpo e eu sabia que poderia deixá-la renovada para um
novo dia de trabalho, dando a ela muito prazer.
Só que minhas mãos, que já estavam na sua bunda, foram puxadas e
quando olhei para ela, vi uma expressão estranha.
— Eu quero muito fazer isso. Muito mesmo — ela fechou os olhos, como
se tivesse lutando contra si mesma. — Só que eu preciso falar com você e
não pode ser depois de fazer sexo. Não seria certo.
Senti minha respiração falhar. Eu tinha certeza do que viria a seguir, mas
não estava pronto para isso.
— O que aconteceu? — consegui perguntar.
Ela se levantou do meu colo e sentou-se ao meu lado olhando para mim.
— Eu deixei o que existe entre a gente tomar um rumo diferente e fugir
do meu controle. Você sabe, desde antes de nos conhecermos, que eu não
tenho interesse em um relacionamento sério. E apesar de terem sido três
meses maravilhosos ficando com você, — os olhos dela começaram a
encher de lágrimas — eu não posso permitir que a gente avance ainda mais
e não saiba como voltar atrás.
— Quem disse que eu vou querer voltar atrás? — segurei o rosto dela —
Eu quero você, linda. Eu não quero parar nada. A gente não tem que fazer
isso — minha voz começou a falhar também.
— Talvez você não, mas eu sim. E eu vou precisar que você aceite e
compreenda.
— Júlia, é claro que eu teria que aceitar. Mas compreender, é impossível
— eu sorri ironicamente — Está estampado na sua cara que você não quer
isso, que está sofrendo tanto quanto eu com essa sua decisão. Afinal, do que
você tem medo?
Ela se levantou, tentando fugir. Eu não deixaria isso. Me levantei também
e segurei seus ombros.
— Do que você tem medo? — repeti, agora um pouco mais alto e
olhando com firmeza em seus olhos.
As lágrimas que estavam acumuladas escorreram, mas ela não tinha cara
de choro. Ela estava séria e sua voz foi firme quando disse:
— Olha, você não precisa sair da casinha, nem de pressa para conseguir
outro emprego. A gente vai lidar com isso como dois adultos.
Ela foi pegando a bolsa para ir embora e eu segurei sua mão. Eu sabia
que ia me arrepender do que estava prestes a pedir, mas queria muito tentar
fazê-la mudar de ideia ou que pelo menos pensasse melhor sobre a decisão.
— Fica comigo pelo menos hoje? Deixa eu te dar carinho uma última vez
— pedi.
Ela tentou responder alguma coisa, mas nada saiu da sua boca. Fechando
os olhos, Júlia me abraçou e eu pude pegá-la no colo e levá-la para cama.
Não sei como, mas essa vez foi melhor ainda do que a primeira. Talvez
porque eu me dediquei ao máximo para que fosse o melhor sexo da sua
vida, para que quando ela fechasse os olhos só se lembrasse de mim dentro
dela. Ou talvez porque tinha o sentimento de despedida, que nenhum de nós
dois queria sentir realmente. Acho que ela também quis ser lembrada pois,
do meio para o fim, resolveu montar em mim e ficar rebolando. Aquilo foi
sensacional, mas foi um erro. Como eu poderia tirar ela da minha cabeça
agora?
PENSAMENTOS RUINS
Júlia
Acordei com um aperto gigante no peito e uma vontade enorme de
chorar. Felizmente, ele ainda dormia e eu pude sair sem que a gente
precisasse se despedir de novo. Foi muito difícil para mim tomar essa
decisão. Eu me sentia derrotada. Tudo porque eu deixei que fôssemos longe
demais. Ele me conquistou como nenhum outro cara conseguiu depois que
o Vini se foi e, por isso, dessa vez doeu demais.
Eu precisava pensar bem em como lidar com isso. Como eu conseguiria
vê-lo todos os dias e não voltar atrás? Como aguentaria tanta saudade? Será
que ele ficaria com raiva de mim? Só de imaginar isso meu coração doía.
Não queria magoá-lo daquela forma e a cara dele de tristeza ao me ouvir
dizer aquelas coisas foi arrasadora.
Entrei em casa com os olhos cheios de lágrimas. Estava torcendo para
que meu avô não estivesse lá, mas para o meu azar, ele estava na sala
mexendo com uns papéis e deu de cara comigo.
Vendo meu rosto vermelho, ele perguntou:
— O que aconteceu?
Sinceramente, não queria ter que falar sobre isso, mas seria melhor ele
ouvir de mim de uma vez e acabar com essa tortura.
— Certo. Vou falar logo. Eu e o Yan não temos mais nada um com o
outro — fui andando para a cozinha e ele me seguiu.
— Vocês terminaram? O que ele fez?
— Primeiro, vovô — eu olhei pra ele com firmeza — Não terminamos
porque a gente não estava namorando. E não, ele não fez nada.
— Se ele não fez nada, por que vocês não estão mais juntos? — ele
perguntou como se realmente não tivesse entendido. Mas não demorou
muito para que a ficha caísse. — Ah, não! Eu não acredito nisso.
Fechei os olhos. Já sabia o que estava por vir.
— Você terminou com ele por medo? — ele colocou a mão na cabeça,
muito puto de raiva. Eu esperava um daqueles sermões de sempre, mas não
aquela reação — Eu não acredito que você fez isso de novo! Você não
enxerga o que está fazendo consigo mesma?
— Vô, por favor! — tentei acalmá-lo — Eu disse para o senhor não ficar
se apegando a ninguém, porque eu não faria isso.
— Mas você está apegada a ele! Está apaixonada e não quer assumir!
Você não vê porque esse medo todo te deixa cega! — ele gritava.
Eu arregalei os olhos. Não me lembrava da última vez que o vi tão
exaltado.
— Eu não sou idiota, Júlia. Eu percebo as coisas. Você já se aproximou
de muitas pessoas e deixou várias irem embora. E apesar de eu saber o real
motivo e odiar isso, não me importei tanto porque nenhuma delas tinha
mexido com você de verdade. Eu achei que o Dominic seria diferente, mas
não foi. Então apareceu o Yan, um garoto bom, inteligente, educado e
amoroso contigo, que te faz muito bem e você está simplesmente mandando
ele embora da sua vida.
Senti uma mistura de raiva e de tristeza. Meu avô não me entenderia.
— Olha, eu entendo que o senhor está chateado porque gosta dele, mas…
— Não, Júlia! — ele me interrompeu. — Eu não estou bravo porque eu
gosto dele. Isso é o de menos! Estou zangado porque estou vendo quem eu
mais amo nessa vida tomar uma decisão com a qual vai se arrepender para
sempre! Você não merece viver desse jeito! Você precisa superar de uma
vez por todas o Vinícius e se dar uma chance de ser feliz de novo.
Agora algumas lágrimas escorriam no rosto dele e pelo gosto salgado que
eu estava sentindo, acredito que no meu também.
— E correr o risco de um dia receber uma ligação dizendo que o Yan
morreu num acidente de carro? Ou que foi assaltado e morto? Ou foi
atropelado? O senhor acha que eu suportaria isso de novo?
— Minha filha, tire esses pensamentos ruins da sua cabeça e viva sua
vida! Não podemos viver pensando na morte! Deus quer que você fique
bem.
Agora ele apelou colocando Deus no meio disso.
— Não vamos discutir sobre Deus de novo. Por favor.
— Não, não vamos. Eu sei que em algum momento Ele vai te mostrar a
verdade e vai te curar.
— Eu já me curei da depressão, vovô — rebati — Mas eu seria idiota se
não me protegesse de passar de novo pela maior tristeza da minha vida.
Ele suspirou, derrotado.
— Eu não sei mais o que falar para você. Só espero que você mude de
ideia a tempo e não jogue fora algo tão valioso como o que vocês têm,
apenas por medo.
UMA BOA NOTÍCIA
Yan
Eu estava muito arrasado e muito puto. Puto comigo mesmo por não ter
ouvido o Pedro, por não ter feito como eu sempre fazia com todas as
garotas com quem eu ficava. Eu fui muito burro e agora estava de novo
sofrendo por alguém.
O pior é que eu nem sabia o que fazer. Ela disse que eu não precisava,
mas eu tinha que sair daquela casa e conseguir outro emprego. Só que não
dava para fazer isso agora e, em poucos minutos, eu teria que começar mais
um expediente.
Resolvi tomar um banho gelado, me arrumar e enfrentar tudo isso com a
maior frieza possível. Ao chegar na loja, pedi para trocar de lugar com o
cara do estoque e inventei que não estava me sentindo bem para atender
clientes. Na verdade, eu só queria evitar ao máximo encontrar com ela. Eu
não estava em condições de vê-la ainda. Do jeito que eu estava arrasado, eu
acabaria passando vergonha e me humilhando.
Acho que ela também fez o possível para me evitar, pois não a vi em
momento algum durante todo o dia. Quando eu saí do trabalho, Pedro me
esperava na porta da casinha. Pela cara tranquila dele, acho que não sabia
de nada ainda.
— E ai, cara? Beleza?
— Tranquilo.
— Resolvi vir finalmente conhecer onde você está ficando. Me senti mal
porque só você vai na minha casa e eu nunca vim na sua.
— Relaxa. Vou me mudar daqui o mais rápido possível — eu falei sem
olhar para ele e abri o portão.
— Já? Ué! Não deu certo ficar aqui?
— Deu — entrei em casa, coloquei as chaves na mesa e me joguei no
sofá — Mas a Júlia terminou comigo, então acho que não seria legal ficar
aqui por mais tempo.
— Puta merda, cara. Sinto muito — ele me encarava como se estivesse
olhando para um machucado feio — Como foi isso?
Contei para ele a merda toda do dia anterior, até que a parte em que a
gente dormiu junto, evitando detalhes, é claro.
— Deve estar sendo uma merda — ele suspirou — E não, não vou ser
bacaca com você. Na verdade, eu tava torcendo muito para que ela agisse
diferente contigo.
— Mas não agiu. Me chutou igual qualquer outro cara. Eu quem fui um
retardado confiante demais e achei que poderia fazer durar.
— O que posso fazer pra ajudar? — meu amigo perguntou.
— Acho que nada. Eu só preciso achar outro emprego e sair logo daqui.
O resto é com o tempo — tentei convencer a mim mesmo.

Depois fomos para a faculdade juntos. No final da noite, sozinho em


casa, encarava a porra do telefone toda hora. Eu queria muito mandar
mensagem pra saber como ela estava, se eu poderia vê-la. Achei no meu
celular o print que eu fiz da foto que ela postou no dia que visitamos o
morro do Limpão. Meu Deus! Olha a que ponto cheguei. Nunca tinha
passado por isso. Nem quando a Renata me traiu. Naquela época, eu senti
nojo dela e não queria nem ouvir sua voz, quanto mais vê-la.
Só que com a Júlia não era assim. Ela não me traiu e sei que, quando
terminou comigo, parecia muito infeliz. Mas por que ela teria feito isso?
Era como se uma força maior estivesse a obrigando. Júlia fazia mistério e
seu avô também. Eu precisava entender de fato o que tinha por trás daquilo,
porque era estranho demais ser apenas uma mágoa de traição. Resolvi fazer
um chá e me forçar a dormir.
No dia seguinte, graças a Deus, era feriado e a loja não abriria. Poderia
ficar sossegado em casa ou sair um pouco para esfriar a cabeça. Resolvi
fazer uma corrida cedo, mas logo que ia sair de casa, meu telefone tocou.
— Alô?
— Yan? É o professor Fernando, aqui de Araguaína. Está podendo falar
agora?
— Opa! Claro, professor. O que você manda?
— Como você sabe, eu sou sócio de uma construtora em Palmas e nós
estamos abrindo algumas oportunidades para quem está se formando. Me
pediram alguma indicação, já que eu dou aula na área e eu lembrei que você
tinha ido pra aí. Você já conseguiu emprego?
Caramba. Eu nem estava acreditando nessa conversa.
— Eu consegui, professor. Mas é um emprego temporário, não é na
minha área.
— Então você tem interesse em passar lá para uma entrevista?
— Com certeza! Seria que dia?
— Nesta segunda-feira mesmo. Vou te passar as informações aí no seu
Whatsapp. Ok?
— Perfeito. Muito obrigado por ter se lembrado de mim, professor.
— Você merece. A gente se fala!
Finalmente uma notícia boa! Eu teria a chance de trabalhar na área que
eu queria e ainda conseguiria sair da tortura que era trabalhar com Júlia.
Quem sabe assim eu tiraria ela da cabeça mais fácil.
GRATA AO BIQUÍNI
Júlia
Os dias não estavam sendo fáceis. A saudade dele era muito grande.
Tentava repetir pra mim mesma várias vezes que aquele sofrimento era
passageiro e necessário para evitar sofrer dez vezes mais no futuro. Mas era
como se minha cabeça não estivesse no mesmo ritmo do meu coração e os
dois brigassem o tempo todo. Eu estava evitando encontrá-lo naqueles
primeiros dias pois sabia que, se ele me olhasse de novo com aqueles olhos
lindos, eu me perderia.
Além da briga com meu avô, ainda tive que ouvir merda da Mari que
também estava decepcionada. No entanto, ela disse depois que não se
meteria mais e queria somente que eu fosse feliz. Para levantar o meu astral,
ela me convidou pra uma festinha na piscina na casa de um dos nossos
colegas de faculdade. Eu achei que seria algo tranquilo, mas quando
cheguei lá, a casa era enorme e tinha muita gente. Tinha até uma banda de
pagode tocando.
— Uau! O cara realmente sabe dar uma festa — Mari comentou, sorrindo
para o namorado.
A presença de Pedro ali me deixava na expectativa de acabar
encontrando com o Yan e só de pensar nisso já me dava um frio na barriga.
Sentamos em uma mesa e a Mari já foi logo indo para o buffet, onde tinha
muita comida disponível, deixando eu e Pedro sozinhos.
— Você estava com saudades dessa sensação de liberdade? — ele
perguntou baixinho, mas deu para sentir seu tom passivo-agressivo.
— Nenhum pouco, na verdade — falei, dando um sorriso sem graça.
Ele então espremeu os olhos, como se estivesse me analisando e tentando
me decifrar.
— Eu não devia falar isso, mas ele ficou bem mal com a sua decisão —
ele me olhava sério — E eu realmente achei que você enxergaria o quanto
ele é valioso.
— Eu enxerguei isso — tomei um gole de refrigerante. — Pra ser
sincera, eu quem não sou o melhor pra ele.
— Sério isso, Júlia? — ele riu com deboche — Acho que ele quem
deveria chegar a essa conclusão e não você.
— Ele não merece estar com alguém que não vai conseguir oferecer tudo
o que ele precisa.
— Mas você já estava oferecendo. Ele estava feliz! E você também
estava, mas estragou tudo!
Fechei os olhos segurando o queixo, tentando não absorver toda a raiva
que ele colocava naquelas palavras.
— Mas se você perdeu a chance, Júlia, pode ter certeza que alguém vai
se aproveitar disso — ele falou, me fazendo abrir os olhos e ver uma cena
que deixou meu coração apertado.
Yan havia chegado na festa e já tinha um monte de gente ao seu redor,
principalmente mulheres. Ele estava sorrindo e cumprimentando a todos.
Não demorou nada para que alguém oferecesse uma cadeira para ele se
sentar.
Ele estava lindo demais. Usava um short preto e uma camiseta branca
que destacava seus braços. O colar militar estava no pescoço. Ele era tão
alto, forte e lindo que simplesmente não conseguia passar despercebido em
nenhum ambiente. Ainda mais naquela festa cheia de universitárias prontas
para uma chance com ele. Uma delas inclusive já tinha sentado ao seu lado,
quase em seu colo. Ela falava sorrindo e se jogando em cima dele.
Comecei a sentir um incômodo na barriga e no peito. Eu lembro desse
sentimento. Já tinha sentido com o Vini, há alguns anos. O nome disso era
ciúmes.
Mas.Que.Porra!
Mari chegou na mesma hora e tentou puxar assunto pra me distrair, mas
eu não conseguia. Ele era como um imã, atraindo minha atenção.
Felizmente, o dono da festa pegou o microfone do cantor e começou a
falar, chamando a atenção de todo mundo. Isso distraiu a loira tingida que
estava se esfregando nele e foi naquele momento que Yan me viu. Tentei
disfarçar na hora e comecei a ouvir o que o dono da festa estava falando,
mas a verdade é que não conseguia prestar atenção. Eu queria mesmo era
sair dali com o Yan, ir para casa e beijá-lo inteiro.
— Então é isso, galera! Aproveitem a festa! — o anfitrião devolveu o
microfone e a banda começou a tocar de novo.
Os jovens começaram a dançar e conversar como antes. Alguns deles
estavam na piscina que era enorme. Sem querer voltei a olhar pro Yan, que
agora conversava com outra menina, mais bonita que a outra e bem menos
atirada. Ele parecia realmente interessado na conversa.

Eu precisava parar de ficar olhando pra ele igual uma perturbada. Afinal,
eu quem tinha acabado com tudo. Resolvi que precisava esfriar a cabeça,
literalmente. Pensei em chamar a Mari para irmos à piscina, pois não
gostava de ir sozinha, mas ela estava muito entretida conversando com uma
colega de trabalho que havia encontrado lá.
Que se dane.
Tirei minha roupa ali mesmo e fiquei só de biquíni. Fui andando assim
mesmo até a piscina e percebi vários olhares. Será que quem eu queria
estava me olhando também?
Entrei e cumprimentei algumas pessoas que estavam dentro. Inclusive
tinha uns caras bem bonitos, mas sério: era uma droga ter ficado com o Yan
perfeitinho, que deixava aquele povo todo ali no chinelo.
Eu sabia o que aqueles caras que estavam na piscina, se mostrando super
atenciosos comigo, queriam. O Vini sempre me falou abertamente sobre o
comportamento dos homens para me proteger. Não que eu pudesse julgar
quem ali prestava ou não. Mas eu realmente não estava nem um pouco a
fim de estender conversa com qualquer um deles.
Depois de algum tempo, resolvi sair da piscina e me trocar. Me levantei,
peguei minha bolsa e entrei dentro da casa procurando algum banheiro
vazio. Quando finalmente achei um, duas mãos fortes me empurram para
dentro e fecham a porta. Dou de cara com o Yan todo lindo, colado em
mim, dentro do banheiro.
— Você está querendo me maltratar? — ele falava olhando nos meus
olhos e também pra minha boca.
— Do que você está falando? — falei quase sussurrando, sem encontrar
minha voz.
— Você fica desfilando com esse biquíni minúsculo na frente daquele
tanto de cara. Você não tem dó de mim?
Ele pegou no meu cabelo daquele jeito que sempre fazia e minhas pernas
começaram a falhar.
— Você nunca foi ciumento comigo. Vai ser agora depois que tudo
acabou?
— Acabou mesmo? — ele me puxou pra mais perto e minha respiração
acelerou — Porque eu não tiro você da minha cabeça nem por um segundo.
E pelo jeito derretido que você está aqui nas minhas mãos, tenho certeza
que você também não me esqueceu.
— Não ainda. Mas eu vou — eu falei, quase salivando ao olhar para boca
dele.
— Mas você não quer isso de verdade — ele deu um beijo no meu
pescoço.
— Yan…
— Eu sei que você ainda me quer, assim como eu te quero — ele beijou o
canto da minha boca — Eu quero tanto você pra mim.
Na hora que ele disse isso, não consegui me controlar. Estava com tanta
saudade! Colei minha boca na dele, que me devorou como nunca antes, me
dando a certeza de que ele sentia o mesmo.
ESCONDENDO ALGO
Yan
Que saudade de beijá-la e de tê-la nos meus braços assim, toda rendida.
Aquela cena dela desfilando de biquíni acabou comigo porque eu lembrei
que já tive aquilo tudo pra mim e deixei escapar. Eu não consegui me conter
e quando vi a oportunidade, me tranquei dentro do banheiro com ela. Eu só
tomei essa atitude porque tinha absoluta certeza de que ela queria também.
Senão jamais ousaria isso.
Mas que bom que fiz. Que bom que pude matar a saudade da sua boca,
da sua pele, do seu cheiro.
— Não quero ficar longe de você — sussurrei entre os beijos, em um tom
quase de súplica.
— Por que você está deixando tudo mais difícil? — ela falava, mas suas
mãos continuavam percorrendo meus braços e sua boca ainda estava na
minha — Eu não sou o que você precisa. Sou toda ferrada por dentro.
— Não, minha linda. Você é perfeita pra mim — parei de beijá-la e olhei
em seus olhos, fazendo carinho no seu rosto. Queria que ela levasse a sério
o que eu iria dizer — O que a gente sente quando está um com o outro, é
tudo o que eu sempre sonhei. Você me trouxe uma felicidade que eu nem
me lembrava que existia. Não sei do que você está fugindo, mas sei que
você também gosta de mim.
Ela encostou a cabeça no meu peito e começou a chorar. Abracei-a forte,
querendo passar segurança, mas eu estava prestes a chorar também.
— Não consigo — ela olhou com os olhos vermelhos e brilhantes para
mim — Não posso sofrer mais. Não posso te perder também.
E foi ali que eu senti no coração que não era sobre traição. Ela escondia
alguma coisa de mim. Algo aconteceu para deixar essa mulher alegre,
divertida e ousada, ter esse lado sombrio, entristecido e cheio de medo.
Essa sensação ruim tomou meu peito e eu não consegui falar mais nada.
Peguei sua toalha e sequei seu rosto, ajudando-a também a se trocar, em
silêncio.
Quando Júlia estava pronta, eu ergui sua cabeça com as duas mãos e
olhei no fundo de seus olhos.
— Eu não sei o que aconteceu com você, mas sei que vai conseguir
superar e eu vou estar esperando por você. Vamos viver muita coisa juntos
ainda, minha linda.

As coisas que ela me disse ficaram ecoando na minha cabeça durante o


resto do dia e também no final de semana. No domingo, liguei para o Seu
João pedindo para que me liberasse por uma hora do trabalho na segunda,
para que eu pudesse fazer a entrevista de emprego. Eu fui muito sincero e,
como um pai que eu nunca tive, ele comemorou demais o fato de eu ter pelo
menos a chance de começar a trabalhar na área que eu queria.
Ele perguntou como eu estava e também disse que ficou muito triste com
a decisão de Júlia e que não queria que eu me afastasse completamente, mas
que eu fizesse como fosse melhor pra mim.
Eu gostava demais desse cara.
Para ser sincero eu não sabia ainda como lidar com o que aconteceu no
banheiro daquela festa, mas achei que ficar forçando a barra não ajudaria.
Então continuei na missão de evitar ao máximo esbarrar com ela no
trabalho.
Tentei não pensar muito nisso também, pelo menos naquele dia. Eu teria
uma entrevista importante e queria muito conseguir a vaga.
Ao chegar na construtora, fiquei mais do que feliz ao encontrar meu ex
professor Fernando, o cara que tinha possibilitado tudo aquilo. Não sabia
que ele estaria presente, mas com certeza aquilo me ajudaria. Junto com ele
estava seu sócio que se apresentou como Diego. Tivemos uma conversa
bem tranquila. Eles me fizeram várias perguntas e me explicaram quais
seriam as minhas funções. Também disseram que, se tudo desse certo na
conclusão da minha graduação, iríamos adaptar o contrato de trabalho e eu
receberia oficialmente como engenheiro civil.
Meu professor me acompanhou até a porta.
— Yan, acho que vai dar tudo certo, ok? Só preciso acertar alguns
detalhes com ele e aí eu te ligo para confirmar tudo.
— Beleza, professor — dei um abraço nele — Obrigada novamente pela
indicação.
Cheguei na loja faltando só uma hora para o fim do expediente. Seu João
me esperava sem disfarçar a ansiedade. Contei tudo e ele me deu um abraço
e disse que eu ia conseguir com certeza essa vaga. Sério, meu olho até
encheu d'água. Ele realmente era muito bom pra mim. O que doía ainda
mais meu peito por saber que, provavelmente, ele não faria parte da minha
vida por muito tempo.
Como eu tinha saído para a entrevista, me dispus a fechar a loja naquele
dia. Júlia já não estava mais lá, então não teria risco da gente se esbarrar.
Seu João agradeceu e foi para casa. Quando eu estava puxando a grade da
loja, uma senhorinha com um sorriso simpático falou comigo.
— Olá, rapaz! A loja já está fechando?
— Está sim, mas posso atendê-la se precisar. No que posso ajudar?
— Na verdade eu queria falar com a Júlia. Ela já foi embora?
— Foi. É só com ela mesmo? Se precisar, posso deixar recado — me
ofereci.
— Bom, já que você é funcionário da loja, deve ser da confiança dela —
ela abriu a bolsa e pegou um envelope. — Se você puder, meu anjo, entrega
essa carta pra ela.
Peguei o envelope e a senhora agradeceu com mais um sorriso.
— A senhora é o que dela? Só pra eu poder explicar melhor de onde veio
a carta.
— Eu sou a mãe do Vinícius, ex-namorado dela. Mas eu deixei um
bilhetinho aí dentro com a carta, explicando tudo.
Ex-namorado?
Meu coração começou a bater mais forte. Essa senhorinha simpática era
mãe do filho da puta que ferrou com a minha garota?
— Sem querer me intrometer, mas eu fiquei curioso. Ele ainda mora aqui
em Palmas?
— Quem? — ela parecia surpresa — O Vini?
— Sim.
— Ô, meu querido — ela deu mais um sorriso leve, mas seu olhar se
entristeceu — O meu filho faleceu em um acidente de moto, há três anos.
NOITE DE NOVIDADES
Júlia
— Eu não sei qual escolher — Mari olhava para dois vestidos com uma
cara engraçada.
— Os dois são lindos e combinam com o evento, então vai pelo mais
confortável — sugeri.
— Você tem razão — ela separou o vestido preto e guardou o rosa —
Estou um pouco nervosa. Não é sempre que meus pais fazem um evento
assim. Quero que eles olhem para mim e para o Pedro e vejam o casal foda
que a gente se tornou. Eles são muito frios e nunca demonstraram muito
apoio, sabe?
— Eu sei. E ainda estou um pouco chocada por eles terem convidado até
a mim para esse evento — eu sorri, tentando deixá-la mais relaxada.
— A fusão da empresa do meu pai com a firma do amigo dele o deixou
muito feliz. Por isso ele resolveu festejar com todo mundo, incluindo meus
amigos — ela sorriu e depois suspirou — Você está bem com a ideia do Yan
estar lá?
— Vai dar tudo certo, amiga. Quero que você aproveite bastante essa
noite.
Ela sorriu e me abraçou forte.
— Sabe amiga, acho que você precisa voltar a se consultar com a sua
psicóloga.
— Por que você acha isso? Há muito tempo que eu não tenho crises.
— Mas eu sei e você também sabe que ainda tem muita coisa aqui pra ser
entendida — ela colocou o indicador na minha testa e eu revirei os olhos.
— Acho que eu já desisti de me entender.
— Você pode até ter desistido — ela deu um beijo na minha cabeça —
Mas todo mundo ainda acredita em você.
Resolvi dedicar um tempo a me arrumar para o evento daquela noite. Fiz
uma maquiagem decente, arrumei meu cabelo em um penteado com alguns
cachos que consegui fazer com um babyliss e coloquei um vestido bem
elegante, perfeito para a ocasião. Os pais da Mari eram ricos e eu sabia que
todo mundo estaria arrumado daquele nível para mais.
Meu avô não gostava de dirigir à noite, então nem o incomodei para me
levar. Peguei o carro dele emprestado e segui para a festa.
O local estava decorado com algumas flores, lustres e peças de arte
douradas. Era muito chique. Parecia até outro universo. E eu achava
engraçado que, apesar de amar gastar dinheiro, a Mari não deixava parecer
nenhum pouco que tinha uma família tão rica.
Não demorou muito para encontrá-la e minha amiga estava
deslumbrante. Não só por estar arrumada, mas porque estava tão feliz que
parecia brilhar. Pedro também estava muito elegante, ele vestia uma roupa
social que o deixou com um aspecto mais experiente. Ao lado deles, o Yan.
Também vestido com roupa social e os cabelos penteados para trás. Ele era
a perfeição em pessoa. Parecia o astro de um filme.
Eu sempre achei interessante o fato de eu conseguir decifrar facilmente
seus pensamentos só com seu olhar. Mas, naquela noite, seus olhos estavam
diferentes pra mim.
— Oi, gente — cumprimentei logo todos de uma vez, para evitar
contatos mais próximos.
— Amiga! Você está linda! — Mari me abraçou e me puxou dali — Vem,
preciso te mostrar uma coisa que a minha mãe preparou.
Agradeci mentalmente por ela ter me tirado de perto do Yan. Só que eu
estava ao mesmo tempo intrigada com a cara estranha que ele fez ao me ver.
Mari me fez conhecer toda a decoração incrível da festa, que tinha
também uma banda super sofisticada tocando Blues e um buffet
maravilhoso com coisas que eu nem sabia o que eram.
O pai dela então bateu numa taça próximo ao microfone da banda e
chamou a atenção de todos.
— Boa noite a todos. Agradeço imensamente a presença de vocês
familiares, amigos, pessoas com quem gostamos de dividir momentos como
este. Hoje estamos comemorando mais um passo gigante que demos na
empresa…
Ele continuou falando sobre a fusão e sobre os desafios enfrentados
naquele ano. Mari estava segurando as mãos da mãe com Pedro ao seu lado.
Era uma família bem bonita.
— Posso ficar aqui com você? — Yan colocou a mão de leve nas minhas
costas.
— Claro. Fique à vontade.
— Como você está?
— Estou bem. E você?
Não deu tempo do Yan responder, pois uma fala do pai da Mari fez com
que toda a atenção voltasse para ele novamente.
— E essa noite nos reserva algumas surpresas. Por isso eu passo a fala
para o Pedro, namorado da minha amada filha Mariana.
Pedro foi até ele, deixando Mari e todo mundo confusos.
— Caralho! Ele vai fazer isso mesmo? — Yan riu ao meu lado.
— Isso o quê? — perguntei, confusa.
— Boa noite a todos. Queria agradecer demais ao senhor Jean e sua
esposa Cléia que me deram esse espaço. Eu estou aqui porque quero dizer
que nem todo mundo tem a sorte de encontrar um grande amor. E eu sei que
eu fui um desses sortudos por ter encontrado a Mariana. Eu tive uma
infância e uma adolescência muito difíceis, não tive muitas alegrias. Mas
com certeza ela me fez superar todas minhas barreiras e nesses 4 anos de
namoro, eu pude conhecer a mulher incrível que ela é. Com ela, conheci o
que é realmente a felicidade.
A voz de Pedro estava embargada e Mari já se derretia toda em lágrimas.
Sua mãe olhava com uma cara orgulhosa e seu pai também.
— Estamos no último ano da faculdade e sei que temos ainda muita coisa
pra viver nessa vida. Mas eu tenho a certeza que quero viver todas essas
coisas com você, Mariana — ele tirou uma caixinha do bolso, fazendo
algumas pessoas reagirem empolgadas. Mari estava com os olhos
arregalados e acho que eu também — Então eu queria saber, meu amor, se
você aceita ser minha noiva. Quer se casar comigo?
Por essa eu não esperava. Não consegui esconder meu choque ao olhar
para Yan, que estava todo sorridente e riu ainda mais da cara que eu fiz.
Mari pulou no Pedro dizendo que sim e todos aplaudiram. A festa ficou
ainda animada e todo mundo queria cumprimentá-los e também aos pais
dela. Por isso, me afastei um pouco para dar espaço e esperaria minha vez
de dar meu abraço. Yan também fez o mesmo e acabamos voltando para
nossa mesa.
— Que moleque safado! Ele nem me contou que ia fazer isso — ele disse
ainda sorrindo e olhando pro amigo.
— Eu realmente não esperava essa coragem dele. Achei que ela ia acabar
pedindo ele em casamento primeiro.
Nós dois rimos juntos e nos encaramos por alguns segundos. Havia tanta
saudade ali. Era complicado.
— Eu tenho uma coisa que pertence a você. Mais tarde vou te entregar,
pode ser?
— O que é? — perguntei, revirando na memória se tinha sentido falta de
alguma coisa minha.
— Não dá pra falar agora — ele tomou um gole do champanhe.
— Você está bebendo hoje? — arqueei a sobrancelha.
— Sim. Em comemoração ao noivado do meu melhor amigo — ele
sorriu — E também para ter coragem suficiente de dizer o que preciso pra
você, quando for te entregar a tal coisa.
Quando eu ia tentar entender o que ele disse, nossos amigos chegam até
nós com enormes sorrisos, não dava para não abraçá-los agora.
— Você está noiva!!— eu dei um abraço forte na Mari que retribuiu
emocionada.
— Você com certeza faz parte disso. Aguentou muitos desabafos meus
para que eu ficasse mais calma e resolvesse os problemas com o Pedro —
ela disse sorrindo, mas com os olhos cheios d'água.
— Eu ainda acho que você pode repensar essa escolha. Ainda dá tempo
— falei pra ela, piscando.
— Ei! Eu ouvi isso — Pedro falou sorrindo e eu dei um abraço nele
também.
DIGA EM VOZ ALTA
Yan
Em algum momento da festa, os casais foram até a área da piscina para
dançar. Pedro e Mari, numa felicidade sem fim, foram também. Ficamos só
eu e Júlia na mesa.
— Você quer dançar um pouco? — peguei na mão dela de leve — Juro
que vou me comportar.
— Droga. Você descobriu meu único defeito — ela colocou a mão no
nariz, fingindo decepção — Eu não sei dançar.
Soltei uma gargalhada.
— Eu duvido muito. Já vi você rebolando, esqueceu? — sussurrei perto
do ouvido dela.
Com a lembrança, ela arregalou os olhos e suas bochechas ficaram
vermelhas. Essa Júlia tão tímida eu nunca tinha visto, mas foi muito
engraçado.
— Você não presta — ela disse sorrindo e eu tive que me controlar para
não roubar um beijo.
— Vamos! A música é lenta, tem zero dificuldade.
— Tudo bem. Mas só porque eu preciso entender o que você quis dizer
mais cedo.
Engoli seco e dei meu braço para ela se levantar. Eu estava nervoso pois
não sabia como ela iria reagir. Na verdade, eu já estava me arrependendo de
conversar sobre algo tão sério naquele lugar. Eu era um idiota mesmo.
Fui andando com ela até o jardim, um pouco mais afastado de onde o
pessoal estava dançando, mas ainda dava para ouvir muito bem a música.
Segurei em sua cintura e ela colocou os braços nos meus ombros.
— Desembucha — ela levantou uma sobrancelha, desconfiada — Eu
percebi que seu olhar estava diferente pra mim hoje. O que aconteceu? E o
que você tem que é meu?
— É claro que eu te olharia diferente. Hoje pra mim tudo faz sentido —
eu disse, ainda dançando lentamente. — Só agora entendi sua crise de
ansiedade naquele dia, seu sumiço no restaurante, sua dificuldade de aceitar
relacionamentos — senti que ela travou a dança. E eu sussurrei — Não pare
de dançar, linda.
— Como você descobriu? — a voz dela já estava meio embargada.
— Por favor, não quero que você chore. Quero que você se sinta aliviada
porque agora eu te entendo.
— Como você descobriu? — ela perguntou de novo, quase não
conseguindo dar os passos curtos de um lado pro outro.
— Bom, é aí que entra o objeto que te pertence. Estou com um envelope
aqui dentro do meu blazer que sua ex-sogra pediu para te entregar.
— O que? O que tem neste envelope? — ela levantou a cabeça e eu vi ali
a mistura da Júlia vulnerável e forte ao mesmo tempo.
— Minha linda, eu não abri. Não invadiria sua privacidade assim — dei
um sorriso leve, tentando descontrair. — Bom, não taaanto assim.
Ela suspirou e deitou a cabeça no meu peito. Minha menina estava
visivelmente cansada.
— Eu queria muito que você tivesse dividido isso comigo antes, toda
essa carga que você carrega. Queria muito mesmo — eu confessei.
— Pra mim é mais fácil deixar que as pessoas pensem o que quiserem, ao
invés de eu ter que relembrar toda a minha dor.
— Eu entendo e não te julgo. Mas acho que dividir a dor pode ajudar em
muitos casos. E eu estava disposto a fazer isso por você — eu ergui seu
rosto para que ela pudesse me olhar — Eu ainda estou disposto.
— Por que você faria isso? — ela perguntou apertando os olhos, como se
quisesse entrar dentro da minha cabeça.
— Achei que já estava claro — eu fiz carinho no seu rosto — Eu me
apaixonei por você, Júlia. Meu coração está rendido e entregue. Você só
precisa aceitá-lo.
Dizer isso em voz alta foi libertador.
Só que ela parou de dançar e abaixou a cabeça.
— Preciso ir pra casa — ela falou.
— Sério? Depois do que eu acabei de dizer? — toquei no braço dela —
Olha, eu preciso que você seja sincera agora comigo, para que eu pelo
menos tenha alguma esperança de que eu deva lutar pra ficar com você.
Agora que eu sei de tudo…
— Você não sabe de nada, Yan. Você só sabe que eu perdi alguém
importante pra mim e que isso me deixou com traumas. Mas você não
entende o que eu sinto, nem a dor que eu passei. E eu não espero isso,
porque ninguém deveria passar por nada parecido. É justamente por isso
que eu não posso dizer o que você quer que eu diga. Eu não quero amar
você e te perder. Não posso correr esse risco.
— Você não quer me amar com medo de eu morrer igual ao Vinícius? —
nervoso, acabei sorrindo meio debochado, o que fez com que ela fechasse a
cara com raiva, abrisse meu blazer, pegasse o envelope e simplesmente
virasse as costas pra mim.
— Ei! Espera — eu a alcancei e segurei nos seus braços. — Me desculpe.
Eu não quis falar assim.
— Yan, não precisamos desse sofrimento. Só devemos ficar um tempo
afastados e então vai ficar tudo mais fácil — ela disse, tentando convencer a
si mesma.
— Nem você mesma acredita nisso — eu cheguei mais perto, fazendo
carinho nos seus ombros e na sua nuca, percebendo que meu toque era
sempre apreciado pelo seu corpo e suas reações eram instantâneas — Eu
não vou desistir da gente assim tão fácil. Agora que não está mais tão
escuro, consigo dar os próximos passos.
No dia seguinte à festa, pensei bastante no que eu poderia fazer para
ajudá-la. Ela disse que já tinha feito consultas com uma psicóloga. Mas isso
deve ter ajudado somente a superar o luto e não o trauma em si. Resolvi
procurar a pessoa mais inteligente que eu conhecia para buscar ajuda.
CÉU E INFERNO
Júlia
Eu tinha uma empresa para gerenciar, uma faculdade para terminar, um
avô para cuidar e dar atenção. Como eu arranjava tempo pra ficar sofrendo
por causa de um cara?
Nem tive coragem ainda de abrir a bendita carta que estava dentro do
envelope. Além dela, havia também um bilhete que dona Ana tinha escrito,
me contando que ela ia se mudar de estado e que, durante a organização da
mudança, acabou encontrando uma carta que o Vini vinha escrevendo para
ler quando eu me formasse na faculdade. Eu nem fiquei surpresa com essa
ideia, pois era o tipo de coisa legal que ele sempre pensava e fazia. Sim, ele
era diferente. Só que eu tinha medo de abrir essa carta. Ele não estaria ali
para ler, mas ainda assim eram suas palavras e eram inéditas pra mim.
Eu precisava me preparar psicologicamente para esse momento. Porque a
chance de eu ler e ter mais uma crise era muito grande. Eu me fecharia
novamente para o mundo.
— Ainda não teve coragem de abrir? — meu avô chegou atrás de mim e
segurou nos meus ombros. Eu estava sentada no sofá, com a carta na mão.
— Não. É bem difícil pra mim — confessei.
— Não seria melhor não abrir? Você já deu duro pra se reconstruir,
minha filha.
— Acho que eu nunca me perdoaria por não ler o que ele se dedicou a
escrever pra mim.
— Faz sentido. Se quiser que eu esteja com você na hora, é só chamar —
meu avô me deu um beijo na cabeça — Eu te amo.
— Também te amo, vô.
Meu celular tocou naquele momento e vi o nome do padre Sérgio
aparecer na tela.
— Bom dia, padre.
— Bom dia, minha querida. Como você está?
— Eu vou bem. E o senhor?
— Estou ótimo, mas queria uma ajuda sua.
— Se eu puder, será um prazer.
— Uma freira chegou aqui na paróquia para dar uma palestra em um dos
nossos retiros espirituais. Vai ter um lanche para os participantes e queria
também colocar uma decoração temática. Preciso de mãos como as suas
para ajudar.
— Entendi. E pra quando o senhor precisa?
— A palestra acontece amanhã à noite e no domingo à tarde. No sábado a
sua loja não abre, não é?
— Abre sim, mas só pela manhã. Posso ir à tarde ajudá-lo e no domingo
de manhã também.
— Que maravilha, minha filha. Você é muito especial! Agradeço demais!
— Te vejo amanhã.
— Fica com Deus. Até amanhã.
Se o Yan não estiver lá, vai ser uma ótima oportunidade de ocupar mais
ainda minha cabeça ao invés de ficar pensando nele.
No dia seguinte, quando cheguei na Igreja, havia apenas o padre Sérgio e
mais duas pessoas mexendo primeiro com a decoração. Ele me orientou
como eu deveria fazer e agradeceu mais uma vez pela ajuda. Concentrada
no trabalho com as flores, nem percebi que alguém tinha chegado perto.
— Olá. Você é a Júlia, certo?
Olhei pra mulher que estava vestida com uma roupa longa azul e tinha
um rosário no pescoço. Aquela deveria ser a palestrante que o padre tinha
falado.
— Oi. Isso mesmo — fiquei na dúvida de como tratá-la pois parecia ser
bem jovem. No máximo uns dez anos mais velha do que eu.
— Prazer. Eu sou a Helena — ela começou a me ajudar.
— Você é a palestrante, não é? Não se preocupe com isso, não. O
trabalho aqui é tranquilo. Não precisa se preparar para a palestra?
— Na verdade, não — ela sorriu. — E eu gosto de ajudar, assim como
você, pelo que o padre Sérgio me contou.
Por que ele teria falado de mim pra ela? Quem era ela afinal?
— Que bom, então — eu me afastei um pouco para dar mais espaço à
jovem mulher. Resolvi puxar assunto — Sobre o que é a sua palestra?
— Sobre psicologia e fé. Eu falo sobre como a fé pode ajudar a curar
traumas, andando lado a lado com a psicologia.
Nesse momento eu senti um calafrio. Só podia ser brincadeira.
— Interessante. Deve ajudar muitas pessoas — dei de ombros, tentando
não parecer afetada.
— Sim, mas só as que querem ser ajudadas. Espero que aqueles que
venham para a palestra estejam de coração aberto.
Eu olhei pra ela, que parecia indiferente, ao mesmo tempo que indicava
saber coisas sobre mim.
— Você já teve traumas que foram curados dessa forma?
— Sim. Eu fui abusada quando tinha 12 anos e sofri muito tempo com
isso. Tive muita dificuldade de confiar nas pessoas.
— Nossa! Não consigo nem imaginar como deve ter sido. Mas que bom
que você conseguiu superar.
— Eu entendi com o tempo, com meus estudos e através da minha
intimidade com Cristo, a não me culpar, nem a Deus e plantar coisas boas a
partir daquele trauma. Hoje eu ajudo outras pessoas a se entenderem
melhor, independentemente se participam da Igreja ou não. Hoje, para mim,
não importa o que aconteceu comigo no passado, mas o que eu fiz a partir
dele. Por exemplo, já ajudei muitas pessoas a não entregarem suas vidas
para o mal.
— E sua decisão de virar freira? — perguntei, curiosa.
— A decisão veio quando eu tive um momento de revelação com Deus.
Eu estava iniciando meu curso de psicologia.
— E você chegou a se formar mesmo indo para o convento?
— Sim, me formei. Por isso que hoje eu trabalho com essas duas áreas.
Sabe, Júlia, a fé e a psicologia podem andar separadas, sem problemas. Mas
juntas, conseguem atingir coisas muito legais.
— Meu avô tem uma relação bem legal com Deus — eu disse, ainda
trabalhando na decoração.
— E você? Tem alguma relação?
— Eu tive mais quando era criança. Ia com meus pais pra Igreja, gostava
de orar. Só que eles se mudaram para longe e eu acabei me afastando de
Deus também — eu respirei fundo e tentei ser corajosa — Quando meu
namorado morreu em um acidente de moto, aí piorou tudo.
— Você acha que Deus teve culpa pelo acidente? — ela perguntou, mas
não em tom de julgamento.
— Culpa não. Mas ele não fez nada para ajudar, mesmo podendo. Meu
namorado era muito jovem e não causou o acidente. Não merecia ir embora
pra sempre.
— Você acredita em céu e inferno? — ela perguntou do nada, o que me
fez rir.
— Uau, que pergunta complexa — eu pensei um pouco— Acho que
acredito. Pra mim faz mais sentido do que um vazio eterno.
— E você acha que seu namorado iria pro céu?
— Com certeza. Ele acreditava em Deus e era uma ótima pessoa.
— Então ele deve estar muito melhor que a gente aqui — ela disse
sorrindo — Apesar de você ficar triste por ele ter perdido a vida, a partida
dele só foi ruim pra quem ficou e sente saudades, como você, por exemplo.
Ele agora está longe de qualquer sofrimento ou dor. Está sob os cuidados do
Pai.
Minha cara confusa fez com que ela continuasse.
— Eu e você aqui na Terra estamos só de passagem. Há algo muito
melhor à nossa espera. Não temos que correr da morte, mas sim da morte
eterna, que fará com que fiquemos longe do nosso Criador — ela falava,
mas sem interromper o trabalho com os arranjos.
— Mas é difícil entender por que alguns vão tão cedo e outros não. E por
que tantas coisas ruins acontecem com pessoas boas — fui sincera.
— É verdade. É difícil. Mas sabe quando a gente entende só depois de
adulto que não se pode nadar depois de comer? — ela disse sorrindo — Ou
aquelas pessoas que só quando tem filhos conseguem entender por que seus
pais proibiam de fazer certas coisas ou ir a certos lugares? Então, se aqui na
Terra, demoramos anos para entender coisas de seres humanos, eu imagino
que só vamos compreender algumas coisas divinas quando estivermos com
Deus. Afinal, se o nosso conhecimento acerca de tudo fosse como o Dele,
ele não seria Deus, seria como qualquer um de nós.
O que ela dizia fazia sentido. E eu estava surpresa por ter me exposto tão
facilmente assim pra ela. Isso não acontecia. Eu fazia de tudo pra não falar
do meu trauma e com ela eu consegui contar quase tudo e nem comecei a
chorar.
— Se você quiser ficar para a palestra, sinta-se à vontade. Se não quiser
também, não tem problema. Gostei muito de falar com você — ela foi se
levantando — Eu tenho que ir agora tomar um banho e ajustar algumas
coisas da programação com o padre Sérgio. Obrigada pela sua ajuda aqui,
Júlia. De verdade.
— Foi um prazer. Amanhã estarei aqui novamente.

Voltando pra casa, no final da tarde, senti um cansaço mental muito


grande. Aquela conversa despretensiosa com Helena acabou mexendo
comigo mais do que eu imaginava. Acabei capotando na cama e tive um
sonho diferente de todos os outros que já tive. Nele, Vini estava em um
lugar muito bonito, usava roupas brancas e sorria como eu nunca tinha
visto. Ele conversava com outras pessoas que também estavam com roupas
claras e todos gargalhavam com alguma coisa que ele tinha dito.
Eu acordei sentindo uma paz muito grande.
— Cuida bem dele, Deus — eu sussurrei sozinha no quarto.
CONVERSA COM O PASSADO
Yan
Não esperava receber uma ligação cedo no domingo de manhã, mas
quando vi o nome do meu ex professor, já fiquei animado. Ele ligou
pedindo desculpas pela demora, disse que estava tudo certo para que eu
pudesse trabalhar lá e perguntou quando eu poderia começar. Pedi a ele uma
semana, acreditando que daria para Júlia conseguir outra pessoa pra ficar no
meu lugar na loja. O Seu João já estava avisado também, então não deveria
dar nenhum problema.
Tentei controlar minha ansiedade e fui correr um pouco. Eu tinha parado
de malhar desde que tinha chegado em Palmas, mas a corrida era algo que
eu não abria mão. Além do mais, apesar de ser uma cidade quente, a capital
tinha muitos parques e áreas verdes que ajudavam a melhorar o clima para
praticar esporte.
Cansado e ofegante depois de correr oito quilômetros, resolvi parar um
pouco em um dos bancos de um parque ali próximo. De longe, avistei um
rosto bem conhecido e tive que piscar algumas vezes para ter certeza que eu
não estava ficando doido. Infelizmente, ela também me viu e veio na minha
direção. Seus cabelos loiros estavam mais curtos, mas tirando isso, parecia
exatamente igual.
— Não acredito que o destino fez a gente se encontrar aqui — ela sorria.
Se o destino fosse uma pessoa, eu com certeza socaria ele agora.
— Oi, Renata — falei, sem sorrir de volta.
— Oi, Renata?! — ela colocou as mãos na cintura e sorriu — É só isso
que eu mereço?
Você merecia ser deixada falando sozinha.
— Tudo bem contigo? — me esforcei para ser minimamente educado.
— Eu estou bem. Vim visitar umas amigas aqui em Palmas. E você, está
bem? — antes que eu respondesse, ela continuou falando e sentou-se ao
meu lado — Quando soube que você se mudou pra cá eu fiquei tão triste.
Tentei falar com você tantas vezes, mas você me bloqueou em todos os
lugares possíveis.
— Eu agi da forma mais civilizada que eu pude — respondi, evitando
olhar pra ela.
— Yan, meu bem... — ela colocou a mão em mim, mas eu tirei
imediatamente.
— Não me chama assim e nem toca em mim, por favor — pedi.
— Você não acredita até hoje que eu te traí, acredita? Isso foi invenção
daquele idiota, ele só queria me roubar de você. A verdade é que eu sempre
te amei e ninguém será tão bom quanto você.
— Dessa última parte eu tenho certeza — eu sorri com deboche,
limpando o suor do meu rosto — E também quanto à sua traição. Não
tenho nenhuma dúvida de que aconteceu e nada que você fale vai mudar
isso.
Ela abaixou a cabeça e depois me olhou com os olhos apertados.
— Você está com alguém?
— Com certeza isso não é da sua conta — rebati.
— Eu conheço essa cara. Você está apaixonado, não é?
— Quer saber? — eu falei, me levantando — Por sua causa eu acabei
desacreditando que alguém pudesse merecer o meu amor, minha dedicação
e carinho. Mas, felizmente, eu encontrei alguém diferente de qualquer outra
mulher que já conheci e principalmente de você. Ela sim vale todo e
qualquer esforço — eu toquei o ombro dela de leve e falei com sinceridade
— Espero que um dia você mude e valorize mais as pessoas que querem o
seu bem.
Saí de perto dela, sem olhar para trás e com a certeza de que aquele
passado não viria a me atormentar nunca mais.
PONTO DE PARTIDA
Júlia
De volta à Igreja para o segundo dia de palestra, fui para a cozinha ajudar
a preparar o lanche. Ainda era bem cedo quando Helena apareceu por lá,
sorrindo e cumprimentando todo mundo. Ela carregava uma luz própria, o
que era difícil de encontrar em qualquer pessoa.
— Bom dia, Júlia. Dormiu bem? — ela colocou a mão nos meus ombros.
— Dormi muito bem, obrigada. Pronta para mais um dia?
— Com certeza! Ontem foi muito legal, conheci várias pessoas e sei que
consegui passar uma mensagem bem especial.
Eu precisava conversar mais com ela em algum momento. Tinha muitas
perguntas pra fazer e queria aproveitar o fato de que, com ela, minhas
barreiras eram menores.
— Sei que deve estar muito atarefada, daqui a algumas horas você vai
dar sua segunda palestra, mas quando você tiver alguns minutos, podemos
continuar aquela conversa de ontem?
— É claro! — ela olhou para as outras voluntárias que estavam na
cozinha — Meninas, eu vou precisar pegar a Júlia emprestada por um
tempinho. Vocês conseguem segurar as pontas aí?
Elas todas afirmaram e continuaram seus afazeres.
Helena e eu fomos caminhando até um jardim onde tinha um banco de
madeira e um balanço. Resolvemos nos sentar ali.
— Ontem você disse que teve muita dificuldade de confiar nas pessoas
por conta do que aconteceu com você quando pequena. Como você
conseguiu lidar com isso?
— Bom, eu leio muito a Bíblia e ela traz muitos ensinamentos valiosos.
Vale a pena tentar ler um dia — ela deu uma piscadinha — Mas além dela,
eu conheci pessoas que me fizeram enxergar que ainda há muita bondade
nesse mundo e quando encontramos essa bondade em alguns seres
humanos, não podemos deixar que eles se afastem de nós. São eles que
você, com certeza, vai querer por perto.
Imediatamente me veio o Yan na cabeça e seu olhar carinhoso.
— Depois que eu perdi o Vinícius, eu fiquei com muito medo de gostar
de alguém de novo. Eu me relaciono com os homens, mas quando começa a
envolver sentimento, eu já saio fora — minha voz começou a embargar —
Eu sinto tanto medo de ser abandonada de novo.
— Mas o Vinícius não te abandonou — ela colocou a mão no meu braço,
olhando pra mim — Não foi uma escolha dele, como você bem sabe. Esse é
o sentimento que você tem? De abandono?
— Sim. Eu sinto que as pessoas que eu amo me deixam. O único que não
fez isso foi o meu avô.
— Quem mais te deixou? — ela perguntou.
— Meus pais foram embora para outro país e me deixaram aqui. Não
lutaram para que eu fosse. Que tipo de pais são esses?
— Vocês ainda se falam?
— Bem pouco. Somente nas datas que eles consideram importantes. Mas
eu queria que eles estivessem comigo quando eu ganhei a medalha de
melhor da turma, quando eu andei de moto a primeira vez sozinha, quando
eu me apaixonei. Hoje quando eu procuro na memória, eu só tenho a
imagem do meu avô.
— Acho que encontramos o seu ponto de partida — ela sorriu com
empatia.
— Como assim?
— Você deve perdoar seus pais — ela disse e segurou minha mão — Eu
não estou dizendo que você precisa achar que o que eles fizeram esteja
certo. Não é isso. Liberar perdão nem sempre envolve compreender o
porquê de o outro ter feito o que fez. É abrir mão do sentimento ruim que
corrói o coração e começar de novo. Dar uma nova chance.
— Não sei como fazer isso — confessei.
— Você disse que eles estão em outro país, então faça uma chamada de
vídeo. Combine um horário com eles de forma que você tenha um tempo
garantido. Nem que seja de madrugada. Então vai pedir para que escutem o
que precisa dizer e você vai se abrir e falar tudo o que sentiu e sente pelo
que aconteceu. Seja sincera, mas fale com amor. Eu tenho certeza que pra
eles também vai ser difícil ouvir.
Até aquele momento eu não tinha percebido minhas lágrimas. Mas apesar
delas, não tinha desespero.
— Júlia, dois dos relacionamentos mais importantes da sua vida foram
interrompidos de forma brusca e em nenhuma das vezes você conseguiu
fazer algo para impedir. Você não teve o controle de nada e agora, nos seus
relacionamentos atuais, você quer ser a pessoa que vai determinar o fim.
Aquelas palavras vieram como uma lança no meu peito, quebrando tudo
aquilo em que eu acreditava. Nesse momento as lágrimas vieram mais
carregadas e Helena se colocou na minha frente e me abraçou.
— Querida, não vai ser fácil digerir tudo isso. Terá que dar um passo de
cada vez.
— Talvez eu tenha perdido alguém que realmente amo, por conta dessa
confusão na minha cabeça.
— Às vezes pessoas confusas magoam pessoas incríveis, já ouviu falar
nisso? — ela ergueu meu rosto molhado — Mas não acho que seja o caso.
— Por que não acha? — me afastei, enxugando as bochechas.
— Quando eu cheguei na cidade, o padre Sérgio disse que tinha alguém
especial com quem eu deveria conversar aqui na Igreja. Ele se referia a
você, é claro. Mas apesar dele ter essa ideia, o pedido de ajuda veio de
alguém que se importou muito contigo e te ama.
É ELA MESMO?
Yan
Ela não tinha ido trabalhar naquela semana. Minha última semana na loja
e mesmo assim ela não quis pôr os pés lá. Isso me deixou triste pra caralho,
mas eu coloquei na cabeça que não iria ligar pra ela.
Só que eu tinha que pelo menos saber se Júlia estava bem, então só
consegui resistir até meu último dia de trabalho e perguntei dela para o Seu
João.
— Meu filho, ela pegou a mochila e disse que precisaria ficar fora da
cidade por alguns dias. Subiu na moto e foi. Ela falou para eu não me
preocupar, o que é meio impossível.
— E ela não disse para onde iria? — perguntei confuso.
— Não. Só falou que tinha sido um final de semana muito intenso e que
precisava organizar a cabeça.
Imediatamente pensei no padre Sérgio. Eu tinha pedido ajuda para que
ele pudesse orientar ou indicar um caminho mais fácil para cura do trauma
dela. Ele disse que conhecia alguém que poderia ajudar, mas não entrou em
detalhes.
— Acha então que seria melhor eu ficar mais alguns dias aqui na loja já
que ela está fora?
— Não, Yan. Você precisa seguir sua vida. Em todos os sentidos. Cuidar
da sua carreira de engenheiro, e até… — ele suspirou — quem sabe
conhecer alguém.
Nossa! Ele estava realmente dizendo para eu partir pra outra?
— Eu gosto muito de você e por mais que eu tenha torcido muito para
você e Júlia darem certo, eu não tenho muitas esperanças de que ela vá
mudar de ideia.
— Não se preocupe com isso — segurei no ombro dele. — Vamos torcer
para que esse tempo dela acabe logo e ela volte pensando diferente.
Ele sorriu e nos despedimos.
Pedro havia me chamado pra ir pra casa dele naquele dia, então fomos
pra lá direto da faculdade. Estávamos conversando no sofá, vagando pelo
Instagram. Em algum momento, ele foi ao banheiro e deixou o seu celular
na mesa. Foi nessa hora que eu vi algo que fez meu coração parar.
Havia uma publicação nos stories do Dominic. Ele estava em um lugar
bem bonito, parecia uma pousada. Ao fundo, em um banquinho de madeira
e com o computador no colo, estava Júlia.
Senti um incômodo gigantesco no estômago e uma dor no peito. Minha
respiração começou a ficar mais rápida e tive que ver várias vezes o mesmo
vídeo para confirmar que era ela mesmo. Eu não estava acreditando. Ela
faria isso?
Me senti derrotado. Minhas esperanças de viver algo com aquela mulher
estavam escapando das minhas mãos. E há poucos minutos eu estava ali
preocupado, cheio de expectativas de que ela estivesse tirando um tempo
pra pensar e que no fim, resolveria se entregar aos sentimentos.
Mas a verdade é que eles só existiam na minha cabeça. Em nenhum
momento ela me falou que estava apaixonada. Pelo contrário, ela me deu
um fora. Tentei colocar justificativas de que era por conta do ex dela que
tinha morrido, mas a verdade é que ela realmente tinha aprendido a não se
apegar. Tanto é que estava com o ex ficante em uma pousada. Só Deus sabe
desde quando eles ainda se pegavam.
Pensar isso me deu um desespero enorme e eu tinha que sair dali antes
que meu amigo me visse daquele jeito. Gritei pra ele que precisava ir
embora e que depois a gente se falava. Entrei no meu carro e acabei
desabando em cima do volante. Por que ela fez aquilo comigo?
TIRANDO O PESO
Júlia
Depois daquele fim de semana em que conheci a Helena e abri meu olhos
para muitos aspectos da minha vida, resolvi seguir seu conselho de me
reconciliar com meus pais. Decidi que me afastar da minha rotina e ir pra
um lugar calmo seria o ideal para falar com eles e pensar no que faria em
seguida.
O destino escolhido foi uma pousada no distrito de Taquaruçu, que fica
há uns 40 minutos do centro da cidade. O distrito é pequeno e mais
friozinho, rodeado pelas belezas da serra.
Depois de me hospedar, consegui falar com meus pais e marcar um
horário mais tranquilo para conversar com os dois juntos. Organizei a
chamada pelo Google Meet e, por volta da meia noite, eles conseguiram
atender. Na Califórnia, onde eles moravam, eram oito da noite.
— Oi, querida. Boa noite — meu pai apareceu primeiro. Seus cabelos
estavam bem grisalhos, mas ele continuava muito bonito — Quando você
falou que queria conversar, ficamos ansiosos o dia todo. Aconteceu alguma
coisa?
— Oi, pai. Não aconteceu nada demais, eu só precisava conversar com
vocês.
Eu estava muito nervosa e temia não conseguir falar tudo o que
precisava. Tinha medo de que eles reagissem mal e resolvessem nunca mais
falar comigo.
— Oi filha, desculpe a demora — minha mãe surgiu na tela — Nossa
vizinha apareceu sem avisar e só saiu agora.
— Tudo bem. Não tem problema — respirei fundo, tomando coragem
para falar — Como vocês estão?
— Estamos bem. Foi bastante cansativo o trabalho hoje, mas deu tudo
certo — minha mãe respondeu — E você, como está a faculdade?
— Vai tudo bem. Mas não quero falar sobre essas coisas hoje. Eu preciso
contar o que está acontecendo comigo.
Eles olharam entre si e ficaram em silêncio.
— Hoje estou enfrentando um bloqueio muito grande que eu tenho.
Descobri, com a ajuda de uma pessoa muito especial, que eu preciso tratar
algumas coisas no meu coração. E uma delas é a minha relação com vocês
— eles me encaravam sem piscar direito — Eu nunca falei pra vocês, mas
quando decidiram se mudar para outro país, eu senti muito. Senti saudade,
pensei que vocês estavam me abandonando. Eu amo meu avô e ele foi tudo
pra mim em todos esses anos. Mas eu precisava dos meus pais. Precisava de
vocês por perto.
— Minha querida…. — minha mãe falou com a voz embargada.
— Calma, eu preciso terminar antes de ouvir vocês — falei de forma
carinhosa — Eu não entendi no início e depois, quando eu cresci, eu não
lembro de vocês terem insistido para que eu morasse aí. Eu sempre achei
que preferiam ficar sem mim, que era mais cômodo e vocês eram mais
felizes assim.
Minha mãe começou a chorar e meu pai a abraçou, protegendo-a.
— Eu não sinto raiva de vocês. Eu sinto mágoa e quero me livrar disso,
pois depois que o Vinícius morreu, esse sentimento de abandono cresceu
mais ainda e eu tenho ferrado com todo mundo que se aproxima de mim por
conta disso — deixei que as lágrimas caíssem no meu rosto, mas consegui
me manter firme — Eu preciso muito tirar isso do meu coração.
Meu pai acalmou minha mãe que estava em prantos. A última vez que a
vi assim foi no dia do enterro do Vini.
— Filha, nós sentimos muito por tudo isso — meu pai disse, também
com a voz embargada — Foi muito difícil pra nós tomar a decisão de vir.
Colocamos na cabeça que não demoraria muito para que você estivesse
conosco. Só que no primeiro momento, tivemos muita dificuldade de nos
adaptar aqui. Em alguns dias, não sabíamos nem se conseguiríamos comer
ou não. Depois nós tivemos muitos problemas com nossos vistos, passamos
um longo período vivendo de forma irregular aqui. Um homem tinha
aceitado que a gente trabalhasse para ele e garantiu que faria o possível para
manter nossa ilegalidade em segredo. Ele acabou protegendo a gente de ser
deportado, mas ele não era uma pessoa confiável. Ficamos sabendo que já
tinha abusado a enteada dele algumas vezes. Por isso, tivemos muito medo
de trazer você pra cá.
Eles nunca tinham me contado isso e essa revelação tardia acabou
comigo. Meu pai continuou:
— Aí no Brasil você estava protegida com seu avô e apesar das poucas
condições financeiras, nunca te faltaria o necessário.
— Mas me faltou, pai. Faltou a presença de vocês.
— E nós lamentamos muito por isso — ele segurou a mão da minha mãe
que estava ainda calada, mas tinha se acalmado — Faríamos diferente
muitas coisas, se pudéssemos. A única coisa de que não nos arrependemos é
de ter te mantido segura aí.
Minha mãe se ajeitou e resolveu falar.
— Não somos os melhores pais do mundo, mas sempre pensamos em
você em primeiro lugar. Quando conseguimos o visto pra ficar aqui e nos
livramos do nosso empregador, você já estava crescida e apaixonada pelo
Vinícius. Você nunca o deixaria. E não queríamos vê-la infeliz aqui. Você
estava vivendo um sonho lindo e por isso ficamos tão arrasados quando ele
faleceu. Nós também o amávamos. Sentimos muito por nossas falhas em
manter o contato. As coisas aqui por muitos anos foram muito difíceis. O
trabalho era exaustivo e perdemos as contas de quantas vezes dormimos
com o telefone na mão prontos para falar com você. Nos perdoe, filha.
Ouvir toda essa história foi mais do que necessário. Queria que eles
tivessem falado antes, logo que eu já tivesse idade para entender. Mas meu
objetivo ali não era mais brigar ou acusá-los. Queria perdoá-los.
— Sinto muito também por não ter me esforçado mais para manter
contato. Eu sentia mágoa e sempre achei que estaria atrapalhando vocês —
confessei.
— Nunca pense isso, minha filha. Nós amamos você mais do que tudo —
minha mãe disse, secando as lágrimas.
— Acho que podemos nos esforçar mais para que nosso contato seja
mais frequente. Que tal combinarmos um dia da semana e torná-lo
oficialmente o dia de reunir a família? — meu pai sugeriu — Podemos
fazer uma chamada de vídeo e jantarmos juntos, conversando.
— É uma boa ideia. Vou pedir para o vovô tentar segurar o sono pra ele
participar também. Ele tem dormido mais cedo esses tempos.
— Vamos conseguir. Filha, obrigada por ter falado tudo isso pra gente.
Espero que nos perdoe por nossas falhas e que nos entenda também um
pouco mais, agora que sabe da verdade — minha mãe disse, segurando a
mão do meu pai.
— Eu perdoo vocês. E os amo muito.
Naquela noite, ainda na pousada, eu dormi com uma paz que há muito
tempo eu não sentia. Era como se fosse tirado um peso enorme do meu
peito e saber que todos nós queríamos nos aproximar, era uma motivação e
tanto. Helena tinha razão, eu precisava me livrar daquele sentimento ruim
de abandono. Agora eu sabia que eles tinham um motivo para não
insistirem na minha ida pra lá. Eles queriam me proteger.
No dia seguinte, resolvi ligar para Dona Ana, mãe do Vini. Eu também
precisava me curar em relação à ela. Eu não poderia mais ter crises só de
vê-la. Precisava ser franca, assim como fui com meus pais. Isso inclusive
me ajudaria a ter coragem para ler a carta do Vini.
Ela me atendeu no terceiro toque e já foi me contando mais sobre a
mudança para Goiânia. Depois de um tempo, finalmente tomei coragem e
contei o porquê de não ter mantido contato. Confessei que era muito difícil,
pois ela me trazia muitos gatilhos. Dona Ana explicou que já imaginava
isso e que me entendia. Conversamos bastante e choramos juntas de
saudade do Vini, relembrando momentos engraçados com ele. Contei que
ainda não tinha lido a carta e que estava em busca de curar meu coração
primeiro, em todos os aspectos da minha vida, dando um passo por vez. Ela
disse que estava orgulhosa e que também teve que fazer isso para conseguir
seguir em frente.
Nos despedimos felizes e gratas por uma entender tão bem a outra. Ela
era a única que realmente sabia o que eu estava sentindo todo esse tempo.
Novamente, senti mais um peso sendo tirado do meu peito.
No meu terceiro e último dia hospedada, resolvi ir para o jardim mexer
em uma das planilhas do trabalho. Eu havia tirado esses dias de folga, mas
algumas coisas não poderiam ser deixadas pra depois.
Eu achei que estava bem isolada naquela pousada, até ver um rosto
conhecido gravando um vídeo ali no mesmo jardim.
— Dominic? — o chamei e ele olhou pra mim surpreso.
— Oi, gata. O que está fazendo por aqui? — ele perguntou, bloqueando o
celular e colocando no bolso.
— Precisava de um tempo sozinha para resolver umas coisas pessoais —
expliquei — E você? O que faz aqui?
— Estou gravando uns vídeos para postar e marcar a pousada. Você sabe,
ganhar uma graninha extra! — ele sorriu.
— Entendi. Espero que você faça muito sucesso. Você merece! — fui
sincera.
Ele me olhou com uma cara engraçada, mas feliz.
— Eu agradeço muito. Sabe, queria te contar uma coisa — ele se sentou
ao meu lado — Conheci uma pessoa bem legal há algumas semanas e só ela
fez com que eu conseguisse superar você.
Aquela revelação me deixou surpresa, mas muito aliviada. Ele realmente
merecia ser amado.
— E eu também vi algumas vezes como você fica com o tal de Yan. Você
estava diferente. Você olha pra ele como nunca olhou pra mim. Ali eu vi
que tinha te perdido de verdade — ele sorriu com um pouco de tristeza —
Mas a menina que eu conheci é maravilhosa e estou pensando em pedi-la
em namoro.
— Eu nem sei bem o que dizer — confessei pra ele — O que eu tenho
certeza é que eu desejo que você seja muito feliz.
Ele sorriu e me deu um abraço. Não demorou muito para Dominic sair e
continuar gravando seus vídeos mostrando a pousada.
Senti naquele momento que eu precisava falar com mais alguém para
curar a última parte quebrada em mim. Faltava ele.
ABRINDO O CORAÇÃO
Yan
— Você só pode estar brincando! Eu vou ser tio? — gritei ao telefone e
minha irmã começou a gargalhar do outro lado da linha. Que sensação boa!
— Meu Deus, maninha!Eu estou tão feliz por você!
Minha irmã Letícia e eu tínhamos apenas dois anos de diferença. Aos 20,
ela se casou com Bruno, um cara 10 anos mais velho. No início eu fui um
pouco preconceituoso, achava que ele poderia se aproveitar dela. Mas
depois descobri que ele era um cara muito bom e que cuidava da minha
irmã do jeito que ela merecia. Isso me tranquilizou demais porque eu sabia
que ela tinha crescido em um lar violento assim como eu e queria muito que
ela tivesse uma vida diferente. Agora, anos depois, ela realizaria o sonho de
ser mãe.
— Você foi a primeira pessoa para quem eu quis contar. Queria muito te
dar um abraço agora. Não estou me contendo de tanta alegria — ela disse e
eu conseguia até visualizar seu sorriso de orelha à orelha.
— Eu vou te ver — eu falei, surpreendendo até a mim mesmo — É, está
decidido. Eu vou até aí te ver agora e volto amanhã à tarde, pois segunda é
meu primeiro dia no novo emprego.
— Yan, não precisa. São mais de 5 horas de estrada. Você devia
descansar neste fim de semana para começar bem no novo emprego.
— Não, eu vou sim. Eu chego aí na hora do almoço. Coloca mais um
prato na mesa — falei decidido.
— Você é maluco! — ela gargalhou — Obrigada, maninho. Vou esperar
por você.
Depois de um banho, coloquei três mudas de roupas na mochila e tomei o
café da manhã. Ao sair de casa, olhei pra loja e tentei reprimir a angústia no
meu peito que se misturava entre saudade e decepção. Controlei a vontade
de ir até lá procurar por Júlia e coloquei meu celular em modo avião.
Passei no posto de gasolina para calibrar os pneus e abastecer. Não
demorou muito e eu já estava na estrada a caminho de Araguaína.
Foi difícil pensar em outra coisa durante todo o trajeto. Eu ainda estava
muito apegado a todos os momentos bons com ela e toda a paz que eu
sentia ao seu lado. Eu estava morrendo de saudade.
Mas pelo visto não era recíproco. Ela sumiu, nem se despediu no meu
último dia de trabalho e pra piorar, ainda estava com o ex. Cheguei a pensar
até que ela tinha feito isso pra tentar reprimir seus sentimentos por mim, já
que tinha decidido lutar contra eles. Mas pensei melhor e cheguei à
conclusão de que eu estava sendo muito confiante achando que ela
realmente estava apaixonada por mim, como eu estava por ela.
Ao chegar em Araguaína, mandei uma mensagem para o Pedro avisando
onde eu estava e que iria desligar o celular para aproveitar melhor meu
tempo com minha irmã. A verdade é que eu evitaria qualquer tentação de
ligar para a Júlia e me render à humilhação.
A mais nova gravidinha pulou de alegria ao me ver e me deu um abraço
apertado. Fazia meses que eu não a via e ela estava mais linda e radiante do
que nunca.
— É verdade o que dizem. A gravidez dá um brilho muito especial. Olha
só pra você! — eu a abracei de novo e dei um beijo na sua barriga. Meu
Deus! Eu já amava tanto essa criança.
— Tô vendo que você vai ser daqueles tios babões — ela brincou.
Atrás dela estava seu esposo Bruno, também com um sorriso enorme no
rosto. Eu o abracei e parabenizei pelo bebê. Em seguida, fomos almoçar
juntos.
Letícia disse que ainda não tinha falado para nosso pai sobre o bebê,
apenas para mamãe. O que era bem compreensível já que conviveu mais
com ela e as lembranças com ele eram bem ruins. Eu a confortei dizendo
que deveria fazer da forma como se sentisse melhor e até me ofereci pra dar
a notícia pra ele.
Meu pai ainda morava no mesmo lugar onde nascemos. Uma cidade do
interior, perto de Araguaína. Minha mãe se mudou com minha irmã e
alguns anos depois, vim morar perto delas, porém sozinho. Hoje minha mãe
morava com um cara com quem tinha uma união estável, mas que eu e
minha irmã não tínhamos muita afinidade.
— Animado para o novo emprego? — Bruno perguntou.
— Demais! Agora sim vai começar a valer a pena todos esses anos na
faculdade — sorri.
— Falta pouco pra você se formar, né? — minha irmã falou e eu assenti.
— Essa semana devo fazer as provas finais. Em breve eu mando o
convite para a formatura — pisquei pra ela que sorriu, orgulhosa.
Depois do almoço, Letícia notou que eu não tinha pego no celular uma
única vez.
— Você está fugindo do que? — ela se sentou ao meu lado na cadeira de
fibra que estava nos fundos da casa.
— Como assim? — me fiz de desentendido.
— Ah! Para com isso! Eu te conheço. Quem é a menina? — ela bateu a
mão na minha perna várias vezes, insistente.
Respirei fundo e resolvi contar tudo pra ela. Eu precisava realmente
desabafar. Guardar aquela mágoa sozinho estava me matando.
Contei desde o momento em que vi a Júlia pela primeira vez naquele bar
e todos os momentos maravilhosos que tivemos, até o dia doloroso de vê-la
em um vídeo no mesmo lugar com o ex. Falei sobre os traumas de Júlia e
como aquilo tinha criado uma barreira enorme pra ela.
— Você não falou com ela depois de ver o vídeo? — minha irmã
perguntou, preocupada.
— Acha que eu deveria fazer isso? Porque ela não me procurou a semana
toda. Eu não vou me desvalorizar nesse nível.
— Eu só acho que as pessoas deveriam ter a chance de se explicar. Ainda
mais se essa pessoa for alguém que você ama. Você a ama?
Olhei pra minha irmã que estava me encarando com empatia. Aquilo me
desmontou demais, pois senti que só ali eu não seria julgado e eu não
precisava me esconder, nem de mim mesmo. Coloquei a cabeça no colo
dela e comecei a chorar calado. Ela fez carinho no meu cabelo.
— Vou considerar isso como um sim — ela sussurrou e me beijou na
cabeça.
No outro dia pela manhã, recebi uma mensagem de texto do professor
Fernando e eu quase não acreditei. Ele disse que eu teria que passar por um
treinamento especial da empresa em Brasília. Eu passaria por um
aprendizado importantíssimo para o meu desempenho, pegando aulas e
palestras com alguns dos melhores engenheiros do país. Eu ficaria
hospedado em um hotel e todas as despesas seriam pagas pela empresa. Até
aí estava tudo perfeito. O que me fez ficar uns cinco minutos paralisado foi
o período total do curso: seriam quatro meses em Brasília. E eu só tinha
alguns dias pra me preparar.
NADA DE "LINDA" HOJE
Júlia
Eu não consegui falar com ele durante todo o final de semana. O celular
estava fora de área. Consegui saber com o Pedro que Yan estava em
Araguaína, visitando a irmã e que queria aproveitar ao máximo a visita.
Ainda no fim de semana, eu contei tudo pro meu avô, pedi perdão pelo
que já tinha feito ele passar e agradeci por toda a sua dedicação a mim. Ele
chorou muito, mas de felicidade por saber que eu finalmente estava
cuidando das minhas feridas. Ele me disse que Yan estava preocupado e
havia perguntado por mim. Isso encheu meu coração de alegria por saber
que ele não tinha desistido da gente.
Na segunda-feira, tive que arcar com o acúmulo de serviço dos dias que
eu precisei ficar fora. Só que pra ser sincera, nem qualquer exaustão do
trabalho faria eu me arrepender de ter tirado aquele tempo para ficar frente
a frente com meus traumas e buscar a cura. Valeu muito a pena.
Mas eu precisava arranjar tempo para procurar o Yan. Queria vê-lo e
contar tudo que tinha acontecido comigo. Queria beijá-lo e dizer que não
fugiria mais do que eu sentia por ele. Queria saber como foi o primeiro dia
no trabalho novo e dizer que estava torcendo pelo seu sucesso.
Só que no fim do expediente, eu tive que ir pra faculdade fazer as provas
finais. Imaginei que ele também estaria fazendo e cheguei a procurá-lo no
campus, mas Pedro disse que ele terminou rápido a prova e já tinha ido
embora.
Fui até a casinha e bati várias vezes. Liguei também no seu telefone, mas
ele não atendia. Será que ele estava me evitando?
No outro dia, muito serviço novamente e mais provas à noite. Ao
terminar, liguei pra ele, que finalmente atendeu.
— Oi — ele disse. Nada de "linda"?
— Oi — falei com o coração acelerado ao ouvir sua voz de novo — Você
está podendo falar agora? Está em casa?
— Sim. Estou estudando agora para as provas de amanhã. Não tenho
tempo para fazer isso durante o dia.
— Entendo. Eu também estou na correria lá na loja e quase não consigo
tempo pra estudar e fazer qualquer outra coisa. Só que eu preciso ver você.
— Precisa? — ele deu uma risada debochada no telefone — Então por
que não me procurou semana passada?
O tom ríspido da sua voz me deixou com um aperto no coração. Eu
nunca tinha visto ele falar assim.
— Eu precisava de um tempo para pensar e resolver algumas coisas na
minha vida. Eu quero muito te contar tudo, mas precisa ser pessoalmente —
falei com a voz meio trêmula. Eu estava com uma sensação muito ruim.
— Júlia, eu sinto muito — ouvi sua respiração pesada. — Não vai dar pra
conversar hoje. Estou bem ocupado. Mas sei que deve ter outra pessoa que
pode dar a atenção que você precisa. Se cuida.
E ele desligou o telefone na minha cara. Puta que pariu. O que foi isso?
Por que ele me tratou assim?
Fui pra casa repassando tudo na minha cabeça. Pelo que deu a entender,
ele estava chateado porque não falei com ele na semana anterior. Tudo bem,
eu realmente deveria ter sido mais aberta e explicado para ele o que eu ia
fazer. Mas, de qualquer forma, eu teria que fazer aquilo e enfrentar meus
traumas sozinha.
E que papo foi aquele de que "outra pessoa pode me dar atenção"? Do
que ele estava falando?
Muito confusa, quase não consegui dormir à noite.
MAL-ENTENDIDO
Yan
— Caramba! Quatro meses! — Pedro estava ainda digerindo a notícia da
minha viagem à Brasília — É muito tempo. A parte boa é que você vai
viver em um hotel com tudo pago. Isso é bem da hora! — ele sorriu.
Tentei sorrir também pra não ser um babaca com ele e disfarçar o buraco
no meu peito. Mas é claro que ele perceberia de qualquer forma.
— Vai conseguir ficar longe de Júlia sem sofrer? — ele perguntou
colocando a mão no meu ombro.
— Júlia já deixou claro que não quer saber de nada sério comigo. E eu
não estou a fim de dividi-la com nenhum outro cara — falei firme.
— Hum… — ele apertou os olhos querendo detectar algo no que eu disse
— A Mari disse que ela estava muito nervosa ontem na faculdade porque
não conseguiu falar com você direito. O que tá rolando?
— Ela voltou com o Dominic. Ela sumiu na última semana, não falou
comigo e na sexta-feira eu vi um vídeo no Instagram dele e ela estava lá —
contei, sem conseguir olhar pra ele e com a raiva voltando com tudo só de
relembrar.
— Puta merda. Sério? Mas que porra! — ele passou a mão no rosto, sem
acreditar. Até que então ele parou por um momento e disse: — Mas ontem
eu vi uma postagem dele dizendo que estava em um relacionamento sério
com uma menina lá da faculdade e ele estava todo meloso dizendo que
tinha se apaixonado por ela.
Senti uma pontada de esperança no coração.
— Que otário! O cara pegou a ex ficante poucos dias antes de assumir o
namoro com outra menina? — e assim meu amigo trouxe de volta a tristeza
em mim.
Fazia sentido. Talvez os dois quisessem uma despedida antes dele ficar
com alguém que quisesse assumir algo sério, diferente de Júlia. Será que os
dois tinham transado? Caralho. Eles estavam numa pousada juntos. É claro
que sim.
Era sexta-feira. Último dia de provas. Faltavam dois dias pra minha
viagem na qual eu ficaria quatro meses fora de Palmas. Minha cabeça
estava uma merda. Estava ansioso e empolgado com a experiência
totalmente diferente, mas não conseguia me livrar da dor e tristeza de ter
que ficar longe de quem eu mais queria. No fim, tentei enxergar como uma
oportunidade de superar esses meses junto com ela e toda a mágoa de ter
sido rejeitado. Seria bom. Eu ficaria bem.
Ao terminar minhas provas, fui direto para o meu carro e me surpreendi
ao ver Mariana encostada nele.
— Preciso falar com você e tem que ser agora! — ela disse com os
braços cruzados e batendo a perna.
— Pode falar — eu continuei andando em direção ao meu banco e abri o
carro.
— Você pode, por favor, parar um instante pra me ouvir? — ela falou
agora mais alto.
Parei e respirei fundo.
— Posso. O que você quer?
— Você e a Júlia precisam conversar. Está acontecendo um grande mal-
entendido entre vocês — ela falou nervosa.
— Mari, eu sei que você gostava da gente junto. E pode apostar que eu
também. Mas acho que não tem mal-entendido algum. Ela foi muito clara
comigo.
— Ela se abriu ontem pra mim e pediu desculpas por todas as vezes que
se fechou. Contou que há alguns anos ela perdeu um grande amor em um
acidente de moto e por isso não quis se apaixonar por mais ninguém.
— Eu sei disso. Eu descobri há algumas semanas. Inclusive me propus a
ajudá-la. Eu me expus totalmente, falei que estava apaixonado e que não
desistiria dela — eu cuspia as palavras sem pensar em nada — E o que ela
fez em troca?
— Ela não ficou com o Dominic! — ela gritou, fazendo meu coração
parar.
— O que você disse? — perguntei, sem quase conseguir respirar direito.
— O Pedro me contou agora a pouco o que você viu no Instagram e eu
sei que ela não ficou com ele. Ontem ela me disse que precisou se afastar
para encarar os seus traumas. Disse que foi ótimo pra ela e que saiu de lá
uma nova pessoa. Por um acaso, ela encontrou o Dominic na pousada. Ele
tinha ido fazer uns vídeos para divulgação do local. Ele faz isso o tempo
todo. Não rolou nada entre os dois. Você precisa acreditar em mim!
As palavras da Mariana vieram como uma bomba na minha cabeça. Mas
que porra eu fiz?
— Onde ela está? — perguntei.
— Acho que ela foi pra oficina.
Com o coração batendo acelerado, dei um abraço nela e entrei no meu
carro. Acho que nunca dirigi tão rápido na minha vida.
Cheguei na oficina que estava com pouca luz e fui entrando. Quase não
aguentei quando vi Júlia sentada no chão mexendo na moto dela. Ela estava
de shortinho e camiseta regata e as mãos sujas de graxa. Que saudade dessa
mulher linda!
Parei na porta e ela me viu. No seu olhar, encontrei surpresa e saudade.
Ajoelhei ao seu lado, pegando seu rosto com as duas mãos e ela
permaneceu imóvel, com um olhar assustado.
— Me perdoa — sussurrei, encostando minha testa na dela — Me
perdoa, linda.
— Te perdoar? Eu quem devo te pedir perdão — ela disse — Eu deveria
ter te procurado antes. Você estava certo.
— Eu te tratei mal. Eu pensei que você tinha ficado com o Dominic na
pousada. Eu pensei ter pedido você de vez — confessei, quase chorando.
Os olhos dela se arregalaram e ela me abraçou forte.
— Meu Deus, lindo. Jamais faria isso — ela segurou meu rosto e
algumas lágrimas acabaram escapando — Obrigada por insistir em mim.
Obrigada por ter pedido ajuda. Você fez com que eu conhecesse alguém que
me ensinou o que eu precisava para enfrentar meus problemas, minhas
dores. Eu devo também a você por conseguir me curar.
Aquelas palavras me trouxeram uma paz imensa. Sem hesitar nem mais
um segundo, puxei-a para um beijo longo e apaixonado. Eu senti tanta falta
dela, dos seus lábios. Ela retribuiu da mesma forma, tão desesperada quanto
eu. Quando dei por mim, ela começou a tirar minha camisa e eu a dela,
impacientes. Pude matar a saudade também dos seus seios lindos e sua pele
macia.
— Você quase me mata de saudade — sussurrei entre os beijos — Não
teve um dia em que eu não pensasse você desde quando te conheci.
Ela começou a tirar o resto das nossas roupas e eu fiquei um pouco
nervoso por estarmos no meio da oficina. Ao perceber que olhei para as
câmeras, ela sorriu e disse:
— Não se preocupe, amanhã mesmo eu apago a gravação.
Vendo essa empolgação dela, perdi todo e qualquer receio. Voltei a beijá-
la e ajudei a tirar as peças de roupa que faltavam. Ali mesmo, no meio da
oficina, nos entregamos totalmente um ao outro, tentando recuperar todo
esse tempo perdido. Me senti completo como nunca antes na vida e queria
por tudo essa mulher pra mim.
TEMOS POUCO TEMPO
Júlia
— Como foi a conversa com seus pais? — Yan perguntou ainda abraçado
a mim em sua cama. Depois daquele momento incrível na oficina, ele me
trouxe pra sua casa e novamente fizemos amor.
— Foi libertador. Eu nunca tinha ficado exposta daquele jeito, nunca fui
tão sincera sobre meus sentimentos. Mas só assim pude saber da verdade e
consegui olhar pra eles de outra forma — expliquei, fazendo carinho no seu
braço.
— Que bom que o padre Sérgio falou então com a tal de Helena.
— E que bom que você foi um baita de um enxerido e pediu ajuda pra ele
— dei um beliscão na sua barriga e ele subiu em cima de mim, segurando
meus braços. Eu não sei se conseguiria me acostumar com alguém tão lindo
quanto esse cara — Obrigada, de verdade — falei olhando nos seus olhos.
Ele então me deu um beijo lento, explorando minha boca com a língua.
— É incrível como eu não me canso de você — ele sorriu com a boca
ainda na minha — Já estou querendo te pegar de novo.
Sentindo seu corpo excitado em mim, sorri e deslizei para baixo,
colocando ele na minha boca.
Eram quase três da manhã e estávamos exaustos demais para qualquer
coisa. Eu estava ainda extasiada, mas Yan agora tinha uma expressão séria e
preocupada.
— O que está te incomodando? — perguntei.
— Não sei como te contar isso — ele passou a mão pelo rosto — É uma
merda a gente ter feito as pazes só agora. Perdemos muito tempo.
— A gente vai recuperar esse tempo. Nossas aulas já acabaram e…
— Eu vou precisar ficar quatro meses em Brasília para um treinamento
da empresa — ele falou de uma vez, me interrompendo.
Fiquei travada e ele, percebendo meu choque, se sentou na cama e me
colocou entre suas pernas, me abraçando forte.
— Tire os pensamentos ruins que estão entrando na sua mente agora.
Não estou indo embora, não estou abandonando você. Esses meses vão
passar rápido, você vai ver. Vamos nos falar o tempo todo e sempre que
possível, eu virei até aqui. Por favor, não se feche de novo pra mim — ele
suplicava no meu ouvido, me enchendo de beijos e carinhos.
— Você tem razão — falei depois de algum tempo, controlando minha
respiração — A gente vai superar essa — precisei reunir toda a força que eu
tinha pra dizer isso — Temos que aproveitar o tempo antes de você ir.
Quando você vai?
Ele respirou fundo e fechou os olhos.
— Quando você vai, Yan? — insisti.
— Eu vou amanhã, linda.
Puta que pariu.

Aproveitamos aquele dia ao máximo. Passeamos juntos no parque, na


praia, comemos juntos em todas as refeições e nos amamos várias vezes.
No sofá, na cama, no banheiro e até na área da frente da casinha. Juntos
também arrumamos suas malas e compramos o que ele precisaria nesses
primeiros dias.
Ele até pediu pra levar meu perfume e uma roupa minha e eu fiquei
enchendo o saco, chamando-o de psicopata. Na realidade, eu achei fofo
demais e queria fazer o mesmo.
Também pesquisamos sobre o hotel e vasculhamos todo o bairro onde ele
ficaria no Google Maps, localizando os pontos importantes como mercados,
hospitais e parques, para que ele continuasse se exercitando.
— Como vai ser na formatura? — perguntei, dobrando a última peça de
roupa e colocando na mala.
— Eu vou ficar acompanhando toda a preparação de lá e, no dia, vou
fazer o possível para estar presente. Na minha e na sua, é claro — ele veio
pra perto de mim e pegou na minha mão.
— Eu vou sentir muito sua falta — falei e meus olhos começaram a arder
e encher de lágrimas.
Ele me abraçou e me beijou.
— Eu vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para que você não se
sinta sozinha. Eu te prometo, linda.
MINHA NAMORADA
Yan
Chegou o dia da viagem. Tudo estava pronto. Eu já tinha visitado e me
despedido do Pedro e da Mari, agradecendo várias vezes por ela ter me
procurado e aberto meus olhos.
Também me despedi do Seu João, que não se conteve de alegria ao saber
que eu e Júlia estávamos juntos de novo. Ele dizia o tempo todo que esses
meses passariam rápido e que muito em breve, estaríamos pertinho um do
outro. Ele até me ofereceu dinheiro para ajudar com as despesas, o que eu
obviamente neguei.
Júlia me levou até o aeroporto e se ofereceu para cuidar do meu carro
enquanto eu estivesse fora. Resolvi que não o levaria, pois o pagamento da
empresa incluía também gastos com transporte e o hotel ficava perto da
sede do curso e dos outros locais que eu frequentaria durante esse tempo.
— Está ansioso? — ela perguntou, segurando a minha mão enquanto
esperávamos o embarque.
— Estou sentindo muita coisa ao mesmo tempo — sorri — Ansiedade,
animação, mas também angústia por ficar longe de vocês.
— Vai dar certo — ela sorriu. E ali eu vi o quanto ela estava sendo forte
por mim. Em todos os momentos, desde que soube que eu me mudaria, ela
fez o possível para controlar seus pensamentos e sua insegurança, para que
eu pudesse ir em paz e realizar esse passo importante da minha carreira.
Como eu poderia não amá-la? Como eu poderia não querer viver o meu
futuro ao lado dela?
Com esse pensamento, eu me virei para Júlia, segurei ainda mais firme
sua mão e olhei em seus olhos.
— Linda, você aceita namorar comigo oficialmente? Eu quero você mais
do que tudo. Quero passar por todos esses momentos sabendo que você está
comigo por completo. O medo faz parte da vida, mas quero ser corajoso
junto com você — nunca fui mais sincero.
Com os olhos cheios de lágrimas, ela me puxou para um abraço forte.
— Não tem nada que eu queira mais do que ser sua namorada. Eu amo
você, Yan.
Naquele momento eu soube o que era realmente a felicidade. Tudo o que
tínhamos vivido juntos foi verdadeiro e o sentimento era recíproco, não foi
inventado pela minha cabeça.
O anúncio do embarque soou e nós limpamos nossas lágrimas. Seguimos
até o limite onde poderíamos ficar juntos e dei mais um beijo nela.
— Eu te amo, Júlia. Te amo muito mesmo.
— Eu também te amo. Avise quando chegar no hotel — ela pediu com
um sorriso leve.
Entrei no avião com o coração a mil. O sentimento era de que eu tinha
aproveitado muito pouco nosso tempo, que precisávamos de mais. Só que já
era tarde. Nos próximos quatro meses eu não a teria por perto.
UMA GRANDE SURPRESA
Júlia
Um mês depois

Faltavam cerca de duas horas pra ele chegar. Seria tudo muito corrido,
não dava para ter imprevistos. Yan tinha conseguido se organizar para
chegar a tempo da minha formatura, que por sorte, seria no mesmo fim de
semana que a dele. O problema é que ele só tinha conseguido um voo que
chegaria em cima da hora do evento. Por isso, eu estava muito nervosa.
— Tudo pronto? Podemos ir? — meu avô perguntou, pegando a chave do
carro dele.
— Acho que ele não vai chegar a tempo — comentei olhando o celular
pela milésima vez.
— Vai sim, mas ele vai ter que ir direto pro local da formatura. Não
podemos esperar aqui, querida — meu avô pegou no meu braço e saímos de
casa.
Ele estava em Brasília há um mês. A rotina dele era muito puxada.
Passava o dia inteiro na sala de aula, tinha duas horas de almoço e à noite
tinha que revisar o conteúdo pois a cada duas semanas eles passavam por
uma espécie de avaliação. Era como uma nova faculdade. Mais curta, só
que em tempo integral.
Nos falamos todos os dias, sem falta. Por mensagem durante o dia e por
chamada de vídeo à noite. Eu tive medo de que acabasse faltando assunto
ou que ficasse um clima estranho e tentei ao máximo não comparar aquela
situação com o que vivi com meus pais. Mas a verdade é que Yan
simplesmente não deixou isso acontecer.
Ele também mandava encomendas pra mim frequentemente, ligando para
alguma loja em Palmas e pedindo para me entregar flores, doces e outros
presentes. Todos eles vinham com um recadinho como "Pensando em você
o tempo todo" ou "Espero que seu dia seja ótimo".
Yan cumpriu com certeza a promessa de não deixar com que eu me
sentisse sozinha. É claro que eu sentia falta do seu cheiro, do seu toque e
sua presença. Mas ele conseguiu, neste primeiro mês, me dar uma
segurança muito grande e me fazer amá-lo ainda mais.
Em cima do palco, com meus colegas de faculdade, quase não conseguia
ver os rostos com tanta luz na cara. A turma tinha preparado uma grande
cerimônia de formatura, com tudo que esse tipo de evento pede.
Depois de todo o cerimonial de início e dos discursos, os nomes
começaram a ser chamados para a entrega dos diplomas. Na vez da minha
amiga querida, muitos gritos e buzinas. Mari tinha muitos amigos e seus
familiares jamais perderiam esse momento. Pedro, é claro, gritava
enlouquecido, sem se preocupar em passar vergonha.
Quando eu ouvi o meu nome, levantei sorrindo e caminhei em direção ao
professor padrinho da turma que entregava o canudo. Eu estava esperando
poucos aplausos, mas para minha surpresa, ouvi muitos gritos e buzinas
também. Consegui avistar todos os meus queridos funcionários, meu avô, o
padre Sérgio e até Helena, pulando e festejando por mim. Meu coração
transbordou de alegria, mas quase parou de bater quando eu vi meus pais ao
lado do Yan, que sorria pra mim orgulhoso. Eu não podia acreditar naquilo.
Meus pais estavam ali? Junto com ele?? Mas como??
Quase não consegui andar direito de tão feliz e emocionada!
— Meu Deus, não acredito que vocês estão aqui! — corri para abraçá-los
quando a cerimônia acabou.
— Não poderíamos perder outro momento importante na sua vida. Que
coisa mais linda ver você lá em cima, recebendo seu diploma — minha mãe
disse, emocionada.
— Estamos muito orgulhosos de você, filha. Parabéns por mais essa
conquista! — meu pai beijou minha mão e me deu outro abraço — E agora
finalmente pude conhecer o Yan, que você tanto fala — ele revirou os
olhos, brincando.
— Pai! Ele já se acha, se ficar me expondo assim, ninguém vai aguentá-
lo — falei piscando para Yan que estava perto o suficiente para ouvir.
Não esperei nem mais um segundo e o abracei, sentindo uma paz tão
grande por estar novamente em seus braços. Ele me beijou e fez carinho no
meu rosto, como sempre.
— Você estava tão linda lá em cima. Estou muito feliz por você, meu
bem. Parabéns! — ele me beijou de novo.

Depois de muitos abraços e cumprimentos, seguimos todos para a festa


oferecida pelos pais da Mari para comemorar não só a nossa, mas também a
formatura de Pedro e Yan que aconteceria no dia seguinte.
Meus pais se entrosaram bem rápido com os anfitriões. Meu avô não saía
de perto deles, mostrando que estava com muita saudade também dos dois.
Padre Sérgio e Helena não puderam ir, mas consegui conversar com eles
e apresentá-la ao Yan, que agradeceu várias vezes a ela por ter me ajudado.
Na pista de dança da festa, abraçada com Yan, parecia tudo perfeito.
— Achei que você não chegaria a tempo — confessei, sorrindo.
— Pior que eu também achei. Eu vim orando pra que nada atrapalhasse
— ele beijou minha testa.
— Eu estou tão feliz que nem consigo descrever. Ter meus pais aqui,
junto com você, parece um sonho.
— E eu estou feliz por te ver assim e farei o que eu puder pra manter esse
sorriso seu — ele beijou meu pescoço, depois minha orelha.
— Pega leve, pois eu estou por um fio de ir embora e matar logo a
saudade de dar pra você — sussurrei.
Ele deu uma risadinha.
— Você leu meus pensamentos, linda. Estou contando os minutos pra
essa festa acabar e eu poder beijar e lamber cada centímetro seu — Yan
falou no meu ouvido, me deixando maluca.
Já em casa, ajudei meus pais a se instalarem no quarto de hóspedes. Eles
estavam exaustos e caíram rapidinho no sono, assim como meu avô.
Yan e eu então fomos para casinha, que eu tinha deixado limpinha e
arrumada pra ele. Mal entramos na sala e já tiramos nossas roupas com
pressa. Ele me colocou no colo e me levou pra sua cama, onde fizemos
amor e matamos a saudade.
Lado a lado na cama, fazíamos carinho um no outro. Era como se não
quiséssemos nem dormir, para aproveitar cada segundo da sua breve
estadia. Só de pensar que ele já voltaria na segunda, meu coração se
apertava.
— Você já leu a carta do Vinícius? — ele perguntou de repente. Eu nem
imaginava que ele pudesse se lembrar e ainda pensar nisso.
— Ainda não. Eu resolvi esperar minha formatura, que seria o dia em que
ele leria pra mim, se não tivesse partido — expliquei, parcialmente.
— Você tem medo de ler? — ele perguntou, decifrando meus
sentimentos.
— Sei lá, acho que sim — falei gaguejando e ele arqueou a sobrancelha
— Tá, eu tenho medo sim — sorri nervosa.
Ele então se levantou da cama e começou a abrir sua mochila. Arregalei
os olhos quando ele voltou segurando a bendita carta.
— Enquanto eu esperava você ajudar seus pais, fui até seu quarto e vi a
carta lá, do lado da sua cama. Eu pensei: “sério que ela ainda não leu?”.
Acho que você não tem que se martirizar mais com isso. Leia a carta, minha
linda. Eu vou estar aqui com você — ele estendeu o papel pra mim e nos
seus olhos pude ver quanta compaixão ele tinha.
MEU MAIOR MEDO
Yan
"Querida Júlia,
Hoje deve ser um grande dia pra você. O dia da sua formatura. Lembro
que sua motivação principal foi agradar seu avô e essa realmente é você,
sempre preocupada em fazer feliz quem você ama.
Eu tenho muito orgulho da mulher forte e incrível que está se tornando.
Deus me abençoou de uma forma sem igual por me dar o privilégio de ter
te conhecido e acompanhado esse seu crescimento. Amar você, pra mim, é
tão fácil quanto respirar. Você é apaixonante de tantas formas que nem sei
explicar. Seu sorriso, sua bondade e vontade de ajudar as pessoas… eu
amo até essa sua capacidade de ter sempre uma resposta pra tudo.
Você desde sempre foi muito determinada e quando coloca uma coisa na
cabeça, vai até o fim para alcançar. É por isso que eu sei que, quando você
estiver à frente da loja do tio João, aquele negócio vai decolar e ninguém
vai parar você.
Um dia tivemos uma discussão e eu nem me lembro mais o porquê. Mas
eu conversei com a minha mãe e disse que você tinha a cabeça dura. Ela
riu e disse que essa sua cabeça dura era o que te fazia me amar, mesmo
com meus defeitos. Disse também que o que faltava em mim, você me
ensinava a buscar. E também o contrário.
Pensando muito nisso tudo, eu entendi que meu amor por você é eterno.
Eu quero tanto o seu bem e a sua vitória que, pra mim, nada mais importa.
Se um dia você tomar um rumo diferente do meu (e eu espero que não), eu
sei que vou te amar de onde eu estiver e que eu vou continuar me
preocupando e agradecendo por ter feito parte da sua vida e você da
minha.
Você merece ser feliz e ser toda amada para sempre..."
Quando Júlia terminou de ler a carta, lágrimas desciam pelos seus olhos.
Obviamente a carta estava incompleta, pois ele não teve chances de
terminar de escrever. Mesmo assim, suas palavras atingiram até a mim. Eu
não o conheci, mas ao ouvir a leitura dela em voz alta, soube que ele era um
cara bom. Ou pelo menos, muito apaixonado.
Dei um abraço apertado em Júlia, que chorava, mas sem fazer escândalo.
Ela tinha se preparado para esse dia e eu tinha o dever de dar apoio para que
minha menina conseguisse lidar com isso sem que voltasse a se fechar. Esse
era meu maior medo.
— Quer falar alguma coisa? — perguntei, segurando sua mão.
— Estou sentindo algo estranho. Não sei descrever. Sinto saudade dele,
mas não da mesma forma de antes — ela disse enxugando as lágrimas.
— Talvez porque você esteja mais conformada com a partida dele. Você
agora enxerga tudo isso de outra forma.
Ela sacudiu a cabeça, concordando.
— Obrigada por estar comigo nesse momento. Você com certeza tornou
isso mais fácil pra mim — ela encostou a cabeça no meu peito.
— Eu quem agradeço por você ter me deixado ficar ao seu lado. É onde
eu quero estar — beijei sua cabeça e fiz carinho no seu rosto.
Assim, abraçados, conseguimos dormir.
O dia seguinte começou agitado na preparação para minha formatura. Eu
precisei comprar um terno novo e Júlia insistiu dizendo que queria me dar
de presente. No fim, acabei aceitando, mas só porque eu tinha certeza que
também ia ficar mimando ela o tempo todo quando eu finalmente estivesse
de volta e trabalhando como engenheiro civil.
Almoçamos junto com seu avô e seus pais, que eu achei duas figuras.
Eles eram muito engraçados e tinham muitas histórias pra contar. Os dois se
mostraram super interessados na minha vida, perguntaram tudo, até coisas
bem pessoais. Tentei não ficar constrangido, pois sabia que eles estavam
tentando aproveitar ao máximo o tempo aqui no Brasil. Eles ficariam
apenas um mês. Uma pena eu não ter a chance de passar mais tempo com
eles.
E o tempo passou depressa. Quando dei por mim, já era hora de ir pra
formatura. Minha irmã conseguiu chegar na hora, junto com minha mãe.
Meu pai disse que não estava se sentindo bem e então não pôde vir.
— Nossa! Agora faz sentido toda aquela tristeza do meu irmão por achar
que você não queria mais ele — minha irmã disse, olhando Júlia de cima a
baixo — Você é linda demais, menina!
Júlia sorriu e eu dei uma cotovelada de leve no braço da minha irmã.
— Para de me expor, Letícia.
Elas riram juntas e meu coração se encheu de alegria ao ver as pessoas
que eu mais amava se dando bem. Minha mãe também cumprimentou
minha namorada e pediu pra ter paciência comigo porque eu era muito
teimoso.
Ok. Elas queriam acabar comigo.
A cerimônia ocorreu bem, sem nenhum imprevisto grave. Meu professor
também estava lá prestigiando e também fiz questão de apresentá-lo para
Júlia, que foi toda educada como sempre. Ele ficou bastante interessado na
faculdade dela e perguntou várias coisas sobre seu trabalho.
— Parabéns também pela namorada — o professor Fernando disse
quando Júlia se afastou para voltar a falar com minha irmã. Ele me deu
alguns tapas nas costas e percebi que ele a seguiu com o olhar — Muito
bonita e interessante.
Era só o que faltava mesmo. Meu professor barra patrão, de olho na
minha garota.
— Obrigada — falei sem sorrir.
— Como está sendo esse namoro à distância? Eu não conseguiria. Acho
que eu surtaria só de pensar em deixar uma mulher como ela sozinha,
quatro meses longe das minhas vistas — ele disse, sorrindo.
Caralho. Eu estava com muita vontade de socar a cara dele agora.
Respirei fundo.
— Estamos indo muito bem. Nós dois somos fiéis um ao outro e só
faltam mais três meses. Pretendo vir pra cá sempre que eu tiver folga no
curso. Agora tenho que ir, professor. Obrigada pela presença. Nos vemos
em breve — dei um tapa forte nas suas costas e saí de perto dele o mais
rápido possível.
NOVATO DA LOJA
Júlia
Mais uma despedida.
Fiquei pensando em quantas vezes passaríamos por isso durante esse
tempo. Seria sempre como uma montanha-russa. Quando ele chegava, eu
me sentia no topo e mais feliz do que nunca. Mas sempre chegaria o
momento de nos despedir e meu coração ficaria apertado de novo.
— O dia hoje passou muito rápido — ele disse, se jogando na cama,
visivelmente cansado. Ele tinha chegado no dia anterior, às pressas, e
celebrado minha formatura. Agora, depois de um dia super corrido,
comemorou a sua formatura também. Realmente, era para estar bem
cansado.
— Espero que as próximas vezes que você vier aqui sejam mais
tranquilas, pra gente aproveitar mais um ao outro — falei, tirando seus
sapatos e seu terno.
— Também espero, linda. Vem aqui — ele bateu no lado da cama e eu
deitei — Como você está se sentindo em relação a essa minha distância? —
ele perguntou.
Parecia que ele lia meus pensamentos.
— Não gosto das despedidas — confessei — Mas acho que o fato de
sabermos que isso tem um prazo ajuda muito.
— Eu penso assim também. Ficar longe de você é uma tortura, mas sei
que ela vai acabar, e eu tenho muitos planos pra gente — ele disse,
colocando meu cabelo atrás da orelha.
— Planos, é? — arqueei a sobrancelha, curiosa — Gostei disso. Quero
saber mais.
Ele sorriu e me deu um beijo.
— Acho que precisamos ir por partes. Vamos enfrentar esse período
distante primeiro. Depois, eu começo a trabalhar de fato e aí a gente começa
a viver esses novos planos.
— Eu posso saber pelo menos um deles agora? — perguntei.
— Um deles é que eu quero construir uma casa e quero que você escolha
o local e imagine a casa dos seus sonhos. Porque ela vai ser o nosso lar no
futuro — ele disse, meio nervoso. Acho que ficou com medo da minha
reação.
Eu sorri e dei um beijo bem lento nele, querendo que ele tivesse a certeza
de que eu estava muito bem com essa ideia.
— Gostei desse plano — eu disse e ele sorriu aliviado.
Yan voltou pra Brasília no outro dia cedinho. De volta à rotina, fui pra
loja logo em seguida. Naquele dia eu conheceria o novo funcionário. Meu
avô disse que queria entrevistar os candidatos e escolheu um deles na
semana anterior. O cara era o dono da loja e o mais experiente. Obviamente,
eu deixei tranquilamente em suas mãos essa decisão.
Ao chegar na loja, fui recebida pelo novo vendedor. Ele era alto e forte,
mas tinha cara de ser uns dois anos mais novo que eu.
— Bom dia, dona Júlia. Eu me chamo Gabriel, sou o novo vendedor —
ele estendeu a mão sorridente.
— Bom dia, Gabriel. Seja bem-vindo. Pode me chamar só de Júlia
mesmo. Afinal, não sou tão mais velha assim — eu sorri e peguei na mão
dele.
— Com certeza não — ele olhou nos meus olhos — Sem o “dona”,
então.
— Meu avô já te passou toda a rotina de trabalho, certo?
— Na verdade, só algumas coisas. Disse que você me passaria o restante
hoje.
Depois de mostrar toda a loja, expliquei que, além de atender o cliente,
ele também ajudaria na organização, controle de mercadorias e emissões de
notas fiscais. Ele ouvia tudo muito atento e fazia várias perguntas, o que eu
considerava um ponto positivo.
Após explicar tudo, deixei ele trabalhando e fui cuidar de outras coisas na
minha sala. Quando eu cheguei, recebi uma mensagem de Yan no celular.
— Bom dia de novo, minha linda. Um ótimo dia de trabalho para você.
Sorrindo, digitei uma mensagem carinhosa de volta e fui cuidar das
minhas tarefas.
No fim do expediente, todos os funcionários já tinham ido, menos o
Gabriel, que estava olhando algumas peças que estavam à venda.
— Está tudo bem? Precisa de alguma coisa? — perguntei me
aproximando.
Ele me viu e deu um sorriso simpático.
— Estou aprendendo os nomes de algumas coisas — ele coçou a cabeça
sorrindo e eu pude ver o músculo enorme do braço. Ele, com certeza, era
daqueles ratinhos de academia — Não dá para o cliente perguntar se tem
uma peça e eu não saber do que ele tá falando.
— Tem razão. E você pode ir fazendo isso também durante o trabalho,
quando não tiver ninguém pra ser atendido, é claro — sugeri.
Ele assentiu.
— Ótimo. Hora de ir para casa então — o rapaz pegou sua mochila e foi
até a porta. Eu o segui, a fim de fechar a loja.
— Obrigada novamente pela oportunidade.
— Não precisa agradecer. Espero que você se adapte fácil. Aqui nós
somos muito parceiros uns com os outros. Qualquer coisa que precisar,
pode falar — reforcei.
Fechei a loja e fui andando até minha moto. Percebi que ele ficou parado,
me olhando.
— Essa sua moto é incrível! — ele disse.
Eu sorri e me despedi.
— Até amanhã!
LINGERIE AZUL-CLARO
Yan
Mais três semanas sem vê-la. Estava ficando maluco. Não apenas por
isso, mas também porque o curso estava fritando meus neurônios.
Era ainda pior que a faculdade. Acho que aqueles professores pensavam
que nós éramos gênios e estavam tranquilos em passar coisas super
complicadas. Eu estava me esforçando ao máximo pra não ficar pra trás.
Afinal, a empresa estava pagando por tudo aquilo, investindo em mim e no
meu potencial.
Mas eu estava acabado, mental e fisicamente. Eu passava oito horas no
curso sendo bombardeado com conteúdo e tinha que estudar mais ainda ao
chegar no hotel. Eu basicamente não tinha contato com outras pessoas que
não fossem meus colegas de aula. A maioria dos fins de semana tinha prova
e eu nem conseguia descansar.
Naquela noite, Júlia percebeu meu desânimo e cansaço durante a
chamada de vídeo.
— Você precisa de uns dias de descanso. Mesmo que seja aí no hotel
mesmo — ela sugeriu.
— Difícil. Mas acho que vem aí um feriado e não deve ter aula durante
um dia da semana. Infelizmente não consigo ir pra aí, pois vou ter prova no
dia seguinte. Mas pelo menos eu conseguirei descansar um pouco — peguei
o celular e deitei na cama — Como está indo o novo funcionário? — mudei
de assunto.
— Está indo bem. Ele aprende rápido e é bem esforçado — ela falou e a
câmera começou a se mexer mais, como se ela estivesse em movimento —
Mas não quero falar de trabalho. Quero te mostrar uma coisa que eu
comprei — ela colocou o celular na mesa do computador e foi em direção
ao banheiro. Depois de um minutinho, ela apareceu com uma lingerie azul-
claro. Nossa! Que coisa maravilhosa!
— Meu Deus, linda! Você me mata desse jeito — falei cobrindo a boca
— Vou ter que vender meu carro pra alugar um jato e ir pra aí agora! — eu
disse e ela deu uma gargalhada.
— Eu só quero te mostrar o que você vai poder curtir quando vier aqui. E
dar um incentivo a mais pra você vir logo — ela falou desfilando pelo
quarto.
— Você é linda demais. Eu sou muito sortudo mesmo! — falei sem
conseguir piscar, olhando pra tela do celular.
SEM PACIÊNCIA
Júlia
Mais um mês e uma semana sem vê-lo. A saudade estava tomando conta.
Pra piorar, ele estava tão cansado que as chamadas de vídeo estavam
ficando mais curtas.
Naquele dia, um dos meus funcionários, o José, estava fazendo
aniversário e combinamos todos de sair para uma lanchonete após o
trabalho. Eu disse que pagaria a bebida dele como presente e ele ficou
eufórico e todo mundo se animou.
— Chefinha, eu vou te dar prejuízo hoje — ele falou esfregando as mãos
como se estivesse com algum plano maligno.
— Se começar a passar vergonha, vou ter que descontar do seu salário —
eu brinquei e todos riram.
Resolvi ficar apenas no suco, principalmente porque estava de moto. Mas
tomei vários copos e em algum momento tive que ir quase correndo ao
banheiro fazer xixi. No caminho de volta, encontrei com Mari e Pedro, que
estavam chegando sozinhos no local. Ficamos conversando por um bom
tempo, até que resolvi voltar pra perto da galera do trabalho. Ao chegar,
notei que tinha esquecido meu celular na mesa.
— Júlia, seu celular tocou e eu atendi. Foi no automático, eu nem pensei
muito na hora — Gabriel sentou-se ao meu lado.
Sem saber muito como lidar com essa invasão de privacidade, tentei ser
educada.
— Ah… certo. Quem era? — perguntei, buscando a última chamada no
celular.
Notando que eu estava procurando o registro da ligação, ele disse: — Foi
uma chamada de vídeo pelo Whatsapp. Acho que era seu namorado.
Tentei retornar a chamada, mas tocou várias vezes e não atendeu. Mandei
um "oi" por mensagem e fiquei aguardando o retorno dele.
— O que você disse pra ele? — perguntei.
— Disse que você tinha ido ao banheiro e que voltava logo — ele falou
tomando sua bebida.
Fiquei um pouco preocupada. Não era legal outra pessoa atender o
telefone da sua namorada. Ainda mais um homem bonito.
— Tem quanto tempo que vocês estão juntos? — ele perguntou —
Desculpe se estou sendo curioso demais — ele sorriu.
— Tem alguns meses — respondi sem estender muito, ainda com a
atenção presa ao celular, aguardando uma resposta.
Ele se aproximou um pouco mais de mim pra falar mais baixo.
— Eu ouvi alguém falar que ele trabalhou por um tempinho na loja. Ele
deve ser um cara top demais, ein? Conseguiu conquistar a chefe — ele
comentou com um sorrisinho.
Que comentário desnecessário.
— Eu o conheci antes dele trabalhar com a gente. Na verdade, foi só uma
ajuda pois ele tinha acabado de chegar na cidade e precisava de trabalho —
expliquei, reunindo minha paciência toda.
— E aí depois ele conseguiu um emprego melhor?
— Sim. Ele está fazendo um curso em Brasília para o novo emprego —
olhei mais uma vez para o celular.
— Que legal! Ele vai ficar quanto tempo lá? — ele continuou
perguntando.
Ok. A paciência chegou ao fim.
— Vai ficar por um bom tempo. Acho que vou pra casa agora — me
levantei, dei tchau pra todos e fui embora.
A MAIS BELA VISÃO
Yan
"Acho que eu surtaria só de pensar em deixar uma mulher como ela
sozinha"
A fala do meu professor veio na minha cabeça. Acho que talvez eu
surtaria também. Quando aquele cara atendeu o telefone de Júlia, minha
insegurança bateu forte. Pelo barulho alto, o local era um bar ou alguma
lanchonete. Ele parecia ser novo demais, mas eu sei reconhecer um cara
bonito. Foi muito constrangedor e acho que deixei transparecer o meu
desconforto. Ao contrário de mim, ele exalava confiança, sorrindo o tempo
todo e falando dela com uma intimidade esquisita.
Eu precisava parar de pensar nisso. Tomei um banho para dormir e esfriar
a cabeça. Eu tinha que reprimir esse ciúme e ser racional. Da última vez que
fui impulsivo, não dei nem a chance dela falar e quase a perdi de vez.
Quando terminei o banho, tinha duas chamadas dela não atendidas e
algumas mensagens perguntando se eu ainda estava acordado e dizendo que
ela estava em casa.
"Oi, desculpe. Fui tomar banho"— respondi por mensagem.
Um minutinho depois ela já estava digitando.
"Posso te ligar?"
"Pode sim" — respondi.
Imediatamente ela ligou por chamada de vídeo e eu atendi, ainda só de
toalha.
— Oi, estava no banho — disse de novo.
— Que banho longo — ela riu — Estou retornando sua ligação tem mais
de meia hora — o tom dela não era bravo, mas ela fez um bico.
— Foi mal — foi o que eu consegui dizer. Não dava pra explicar que eu
estava tendo um surto porque um cara atendeu o telefone dela.
— Eu imagino que pra você não tenha sido legal o Gabriel ter atendido
meu telefone. Você já foi magoado antes e é normal se sentir inseguro
estando longe — ela disse, toda meiga e madura — O pessoal do trabalho
se reuniu para comemorar o aniversário do José, você se lembra dele? Eu
tinha ido ao banheiro e esqueci o celular na mesa.
Eu suspirei aliviado.
— Tudo bem, linda — Agora estava mesmo. Antes não.
— Você está bem mesmo? — ela perguntou, virando a cabeça pro lado de
um jeito fofo e preocupado. Linda demais.
— Estou. Você tem razão. Esse negócio de ficar longe um do outro acaba
fazendo a gente ficar meio louco — falei sorrindo — Mas mesmo que não
tenha acontecido nada demais, você é tão gata, independente, interessante e
divertida. Não dá pra eu me iludir achando que nenhum cara vai chegar em
você — confessei.
— Bom, muito obrigada pelos elogios — ela fingiu uma cara metida —
Mas não fique pensando nessas coisas. Eu estou com você.
— Eu sei. Acho que estou muito cansado, só isso. Esse curso está
acabando comigo. Mas como amanhã é feriado, eu vou conseguir descansar
finalmente.
Conversamos por mais alguns minutos e fui dormir. Queria ter forças
para conversar por mais tempo com ela. Eu sei que estava falhando nisso,
mas eu odiaria dormir no meio da ligação e deixá-la falando sozinha. O que
era bem possível de acontecer.
Acordei às 9:30 da manhã. Estava com saudades de dormir até esse
horário. Levantei e troquei de roupa para tomar café da manhã. Escovando
os dentes, ouvi um barulho de mensagem.
Quando eu peguei o celular, quase não acreditei.
"Estou aqui embaixo, lindo".
Meu coração acelerou. Júlia estava aqui?
Cuspi tudo na pia e lavei a boca voando. Passei a mão molhada nos
cabelos e corri até o elevador. Chegando no hall do hotel, procurei por ela e
nada.
Só quando eu saí na porta do prédio que eu tive uma das visões mais
lindas da minha vida e que eu jamais esqueceria. Júlia estava encostada em
um carro, segurando uma flor na mão e com uma mochila nas costas. Ela
estava maravilhosa, usando um vestido florido e uma jaqueta jeans. Seu
cabelo estava mais curto, mas ainda passava da altura dos seios. Ao me ver,
ela abriu o seu maior sorriso.
Parecia um sonho ou uma cena de filme. Minha linda menina viajou
quase 900 km pra me ver. Corri até ela que pulou em mim, dando um
abraço apertado. Eu a cobri de beijos, sem ligar pra nada, nem mesmo para
os olhares curiosos ao redor.
— Você está aqui mesmo? Não é um sonho? — eu disse ainda sem
acreditar direito.
— Sim! — ela deu um gritinho feliz — Eu vim saber se você quer
aproveitar esse feriado comigo.
— Com certeza eu quero — dei outro beijo nela, agora mais demorado
— Vamos subir, pelo amor de Deus — eu falei desesperado e ela começou a
rir.
— Você já tomou o café da manhã do hotel? — ela perguntou.
— Foda-se esse café da manhã. Eu quero você — puxei -a pelo braço e
corremos pro elevador.
Eu mal conseguia me segurar. Estava tão feliz e com tanta saudade que
queria tirar a roupa dela ali mesmo.
Chegamos no quarto e começamos a nos beijar intensamente, tirando
todas as peças de roupa com a maior pressa do mundo. Eu a queria de todo
meu coração e a distância estava acabando comigo a cada segundo.
Em poucos minutos, nós estávamos nos amando na cama. Dessa vez eu
não tive tanta delicadeza. Eu estava maluco de tanta saudade daquela
mulher, do seu cheiro e de cada centímetro do seu corpo maravilhoso. Eu
meti fundo nela várias vezes e cheguei a dar uns tapas na sua bunda, o que
eu ainda não tinha feito. Ela também estava diferente. Dessa vez mais
escandalosa. Ela gemia bem alto, o que fez com que eu não durasse muito
tempo depois dela se tremer toda em mim.
RECARREGANDO ENERGIAS
Júlia
Abraçados na cama, ficamos quietinhos por alguns minutos, sem dizer
nada. Era uma sensação maravilhosa estar de volta em seus braços, ser
amada daquela forma tão intensa por ele.
Eu já tinha decidido ir visitá-lo neste feriado, logo quando ele disse que
não teria aula e iria descansar. Só que no dia anterior, vendo aquela
insegurança dele, percebi que eu precisava fazer algo mais.
— Quais os planos pra hoje? — ele perguntou.
— O mesmo que você tinha antes de eu chegar: descansar. Você ainda
precisa disso, lembra? — dei um beijinho nele.
— Você quer ficar no quarto o dia todo? — ele perguntou, incrédulo.
— Não me importo. Acho inclusive que assim a gente consegue até
aproveitar melhor o tempo juntos. Amanhã a gente dá uma volta na cidade
— falei, dando de ombros.
Os olhos dele brilharam arregalados e o sorriso se abriu.
— Você vai ficar aqui amanhã também? — ele pulou em cima de mim,
eufórico igual uma criança, me fazendo sorrir.
— Você disse que hoje era feriado e que amanhã só teria uma prova pra
fazer. Depois é domingo. Então temos uns três dias para aproveitar ao
máximo. Hoje, você pode relaxar e descansar. Eu te ofereço até uma
massagem completa.
Ele me abraçou forte e respirou fundo no meu pescoço.
— Eu te amo demais. Obrigada por estar aqui e me entender tão bem.
Naquele primeiro dia, passamos o tempo todo no quarto. Pedimos todas
as comidas lá mesmo e ele dormiu como um bebê depois da minha
massagem. Depois que acordou, tomamos banho juntos e fizemos amor.
Assistimos um filme e ele dormiu de novo. Dessa vez eu o acompanhei.
No dia seguinte, ele saiu cedo para fazer sua prova e só chegou ao meio-
dia. Fomos almoçar em um restaurante perto do hotel.
— Como foi a prova? — perguntei.
— Foi ótima! Acho que fazer a prova relaxado e descansado ajudou
bastante — ele disse, sorrindo pra mim.
Pedimos também uma sobremesa e voltamos para o hotel. Eu insisti que
ele dormisse um pouco mais e depois de receber muito carinho ele cedeu e
dormiu. Era visível o cansaço acumulado nele e eu estava determinada a
fazer com que ele recarregasse suas energias mesmo comigo ali. Era tão
bom ver sua felicidade com a minha vinda. Ele toda hora me abraçava e
dizia que estava mais do que feliz. Mas o melhor ainda estava por vir.
À noite resolvemos dar uma volta na cidade e encontramos um bar
karaokê. Entramos e ele pediu dois drinks pra gente, dizendo que queria
relaxar. Ninguém estava cantando naquele momento, mas uma música
animada tocava e a gente resolveu dançar. Vê-lo descontraído e feliz enchia
meu coração de alegria também. Ele tomou outro drink, dizendo ser o
último. Ele não parecia estar sendo afetado pela bebida, mas com certeza
estava mais solto. Tanto que tomou coragem de pegar o microfone pra
cantar. Essa eu queria ver.
Ele ficou um tempo escolhendo uma música e eu sentei na mesa,
esperando o show. O cara era tão lindo e gostoso que a galera do bar notou
que ele ia cantar e já ficou observando. Torci pra que ele tivesse a voz de
taquara rachada, mas já tinha visto ele cantarolar e não era nada ruim.
Quando a melodia da música do Exaltasamba começou a tocar, minha
pele se arrepiou toda. Ele sorriu olhando pra mim e começou a cantar.
Quando eu te conheci
Minha vida mudou pra melhor
Eu voltei a sorrir
Há um tempo atrás eu tava na pior
Não sei o que eu fiz
Pra merecer tanto carinho assim
Se hoje estou feliz
É porque você está perto de mim
E não dá pra disfarçar
E quem olhar vai perceber
Que eu sou seu de mais ninguém
Te amo tanto e sinto que me ama também
A voz dele era muito bonita. Seus olhos estavam brilhantes, emocionados
e notei que os meus também. Era só uma música, mas que tinha bastante a
ver com a gente.
Naquele momento era como se só estivéssemos nós dois ali. No refrão,
ele se empolgou e começou a dançar um pouco mais e a galera começou a
se animar também. Eu sorria das suas expressões exageradas, mas cantava
junto com ele.
Nós nascemos um pro outro
E não dá pra resistir
Quando tocamos um ao outro
Amor igual eu nunca vi
Eu fico como se tivesse
Só você para pensar
É uma loucura a gente esquece
Não tem hora nem lugar
Naquela noite nos divertimos muito. Pedimos um motorista de aplicativo
para voltar pro hotel e ao chegarmos lá, tomamos banho juntos.
— Vem aqui — o chamei pra sentar na cama comigo e ele veio — Tenho
uma coisa pra você.
NÃO CURTO TRAIÇÃO
Yan
Quase não acreditei quando ela tirou uma caixinha da mochila e abriu pra
mim. Dentro tinham duas alianças de compromisso. Em choque, apenas
fiquei olhando pra ela. Nunca usei aliança de compromisso na vida.
— Eu comprei pra gente usar. Mas, por favor, não pense que é tipo uma
coleira — ela falou, sorrindo — Eu quero que seja uma forma de você se
lembrar que eu te amo, sempre que olhar pra sua. Não quero que se sinta
inseguro por conta da distância. Já passamos da metade do caminho.
Eu fiquei realmente emocionado com esse gesto dela. Júlia queria me
tranquilizar pela culpa de estar longe e também me dar segurança.
Dei um abraço apertado nela.
— Eu te amo, linda. Essa é a coisa mais legal que eu já ganhei na vida —
falei, ainda com a cara afundada no seu pescoço — Você enche minha vida
de alegria. Sou tão grato por te ter.
Coloquei a aliança no meu dedo e no dedo dela. Ela ficou me olhando
com uma cara fofa e eu não pude deixar de imaginar se um dia a gente faria
isso na frente de um padre, com nossos amigos e familiares.
O domingo passou voando. Passeamos um pouco na cidade pela manhã,
mas voltamos para o hotel à tarde. À noite eu a acompanhei até o aeroporto
no seu retorno pra casa.
— Obrigada por vir até aqui. Foram três dias maravilhosos — falei,
beijando sua mão enquanto esperávamos o voo.
— Foi incrível mesmo — ela falou sorrindo, mas seu sorriso era fraco.
— Você está bem? — perguntei, fazendo carinho no seu rosto.
— Estou. É só que… não gosto das despedidas — ela disse, olhando pro
chão.
Dei um beijo nela e um abraço mais demorado. Senti seu cheiro o
máximo que pude.
— Eu te amo, linda. Vamos superar isso — falei.
Não demorou muito para que ela já estivesse dentro do avião e eu
voltasse pra casa com o coração apertado.
Mesmo assim, comecei a semana mais animado e com as energias
renovadas. Estava até achando as aulas mais interessantes. Na minha turma,
tinham alunos de várias cidades do país que também estavam longe de seus
amigos, familiares e namorados(as). Eu estava tão focado em estudar, que
nem cheguei a conhecê-los melhor.
Mas, em uma das noites, um grupinho de colegas resolveu se encontrar
em um bar perto do hotel e me chamou também. Resolvi me dar o luxo, já
que eu estava com o conteúdo em dia e precisava relaxar um pouco, senão
ficaria maluco.
— Cara, acho que nunca estudei tanto na vida. Nem na faculdade — já
no bar, um deles, chamado Roger, falou e todo mundo concordou.
— No primeiro mês eu achei que não daria conta. Mas acho que agora já
estou anestesiada — disse uma das mulheres. O fato de estarmos no mesmo
barco até que dava um certo conforto.
A mulher e mais outra amiga saíram da mesa para ir até o balcão do bar.
E vi que todos os caras as seguiram com o olhar, analisando as duas.
— Eu pegaria a loira, com certeza — um deles falou e os outros riram e
concordaram. Roger, vendo que eu apenas ri, perguntou:
— Você não, Yan?
— Talvez, se fosse há alguns meses. Hoje eu tô namorando — falei
convicto. Alguns deles fizeram uma careta engraçada.
— Mas a namorada está bem longe, né? Quais as chances dela saber que
você pegou alguém que nunca mais vai ver na vida? — ele insistiu sorrindo
e bebendo sua cerveja.
— Cara, ela até poderia não saber. Mas não curto traição. Se eu não tiver
mais a fim, eu só termino.
— Dá trabalho terminar, nem sempre compensa — ele falou e alguns
caras acharam super engraçado — De qualquer forma, se você quisesse,
com certeza ela daria pra você — ele apontou com a cabeça pra garota
dentro no balcão, que agora olhava pra mim sorrindo.
Ok. Hora de voltar pro hotel.
TODA AJUDA É BEM-VINDA
Yan
— Nunca achei que casar fosse tão caro. Eu fui inventar de pesquisar
ideias e todas as coisas que eu gosto são um absurdo — Mari se jogou na
minha cama.
— Seus pais disseram que vão ajudar? — sentei ao lado dela.
— Sim, mas eu não quero abusar. O problema é que estamos ainda
gastando com as coisas para o nosso apartamento e aí fica difícil juntar para
pagar a festa — ela fez bico.
— E vocês fazem questão de fazer festa?
— Com certeza! É o nosso casamento! Tem que ser celebrado! — ela
falou se levantando — E por falar nisso, eu e o Pedro queremos que você e
o Yan sejam nossos padrinhos. Em breve vou mandar o convite formal.
Eu arregalei os olhos e dei um abraço forte na minha amiga. Senti que,
depois que me abri totalmente com ela, nossa conexão ficou ainda mais
forte.
— Será um prazer, amiga!
O dia na loja estava bem tranquilo e consegui adiantar bastante o trabalho
burocrático. Pra minha surpresa, recebi uma visita diferente. O professor e
chefe do Yan apareceu por lá. Obviamente, fui a mais receptiva possível,
querendo agradá-lo. Ofereci um café e o recebi em minha sala. Ele disse
que queria saber como estava a adaptação do Yan na cidade e no curso, mas
de alguém que, segundo ele, seria mais sincero.
— Bom, senhor Fernando…
— Por favor, Júlia. Não sou tão mais velho que você. Me chame só de
Fernando.
Eu sorri, reparando que realmente ele parecia ser bem jovem. Talvez
chegando nos 35 anos.
— Fernando, ele me disse e eu tenho notado que a rotina tem sido bem
puxada, mas ele está se saindo muito bem nas provas.
— Entendo. Realmente esse curso é uma prova de fogo. Eu também tive
que fazer algo parecido quando eu comecei. Tive que abrir mão de muita
coisa que eu gostava em prol do meu sucesso — ele falou olhando fixo pra
mim — Mas sei que você deve estar dando todo o apoio que ele precisa.
— Estou tentando. Já se passaram mais de dois meses e eu só consegui
visitá-lo uma vez. Com a loja, meu avô já idoso, quase não tenho
disponibilidade.
— Claro, claro. E por falar nisso, eu admiro muito o trabalho que você
tem feito aqui, apesar de tão jovem.
— Obrigada.
— Você é realmente uma mulher muito impressionante. O Yan não
imagina a sorte que teve — ele falou olhando pra mim e se levantou quando
seu telefone acendeu a tela, como se uma mensagem tivesse chegado —
Querida, eu preciso ir agora, mas gostaria muito de terminar essa conversa.
Podemos marcar um almoço ou um outro café? Tenho mais perguntas sobre
a estadia dele lá. Quero muito que ele se saia bem, mas não quero ter uma
influência direta nisso. Você entende?
— Acho que sim — me levantei também para levá-lo até a porta —
Podemos marcar. Também tenho interesse em contribuir para que ele se
sinta melhor lá.
Senti que seus olhos brilharam. Ele deu um sorriso.
— Ótimo. Posso pegar seu telefone?
Passei meu número e quando ia saindo, ele parou e se virou pra mim —
Ah! Júlia, se puder não comentar com o Yan que eu estou me envolvendo
nisso, eu agradeço.
Sinceramente, achei meio esquisita essa visita dele. Mas pensei bem e
lembrei que o Yan sempre falou muito bem do seu professor e de como eles
tinham uma relação bacana na faculdade, o que inclusive fez com que Yan
fosse chamado para o emprego.
Não gostei da ideia de não falar sobre a visita, mas se eu falasse e o
professor ficasse chateado, não iria mais confiar em mim e eu não queria de
jeito nenhum prejudicar a relação deles. Se Fernando estava preocupado
com o bem estar do Yan durante o restante do curso, eu faria o possível para
contribuir.
À noite, durante nossa chamada de vídeo, conversamos bastante sobre
muitas coisas. Mas seu professor não era uma delas.
Alguns dias depois, recebi uma mensagem de texto do Fernando. Ele
perguntou como eu estava e se poderíamos almoçar juntos e terminar a
nossa conversa. O professor marcou em um restaurante bem caro, o que eu
achei um pouco exagerado, mas não quis contestar.
Quando eu cheguei, fiquei até um pouco envergonhada. Eu estava usando
uma calça jeans e uma blusinha de alcinha. Ele estava com uma camisa e
uma calça social. Seus cabelos estavam penteados para trás com gel e o
perfume não passou despercebido.
— Que bom que conseguiu um tempo para vir — ele me cumprimentou
com um beijo na bochecha dessa vez. Muito educado, puxou a cadeira para
que eu me sentasse.
— Sem problemas — me acomodei, observando o local e as pessoas com
cara de ricas ao meu redor — Eu nunca tinha vindo aqui. Muito bonito o
restaurante.
— Eu gosto de vir aqui sempre que posso. A comida é boa e o ambiente é
agradável.
Pedimos nossos pratos e ele começou a perguntar mais sobre meu
trabalho e meu avô. Apesar de eu não prolongar muito minhas respostas, ele
ouvia atentamente e fazia novos comentários.
— Então, como posso te ajudar com relação ao Yan? — perguntei logo.
— Bom, eu andei pensando no que você falou sobre ele estar se sentindo
sobrecarregado com o curso. Pensei em tentar liberar ele às sextas-feiras e
aos sábados. O diretor do curso é meu amigo e acho que consigo. Quem
sabe assim ele descansa e até consegue vir aqui mais vezes — ele olhou pra
mim, tomando sua bebida.
Meu coração acelerou de felicidade.
— Nossa, Fernando! Isso seria ótimo! Mas será que ele não ficará
prejudicado nessas aulas que ele vai perder?
— Não, querida — ele pôs a mão em cima da minha — Os professores
podem disponibilizar o conteúdo depois de forma remota para ele estudar
conforme sua própria organização.

Retirando minha mão debaixo da dele, afirmei: — Acho que deveria falar
com o Yan para saber se ele concorda com isso.
Ele então se encostou na cadeira e deu um sorriso.
— Você é uma namorada e tanto. Sempre preocupada com ele e no que
ele pensa — Fernando chamou o garçom e pediu a conta — Como eu disse,
estou tentando não dar bandeira de que estou dando privilégios para o Yan.
Lá existem outros profissionais da empresa que estão passando pelo mesmo
desafio. Não pega bem eu ajudar apenas um deles. Você tem funcionários
também, sei que entende o que eu quero dizer.
— Entendo sim. Só não quero ter a responsabilidade de decidir o que ele
quer — falei sorrindo, meio sem graça.
— Certo. Vou pensar melhor como posso articular isso. De qualquer
forma, muito obrigada pela sua companhia nesse almoço. Quem sabe a
gente pode se tornar amigos também — ele me deu um abraço. Eu nem
soube como reagir.
— Obrigada pelo convite e pela preocupação com o Yan.
Ele deu um sorrisinho.
— Claro, claro.
IMAGINANDO O FUTURO
Yan
Fiquei muito feliz quando recebi o convite para ser padrinho do
casamento do Pedro e Mariana, ainda mais por saber que a minha linda
namorada estaria ao meu lado. A cerimônia aconteceria em apenas quatro
meses e eu já estaria de volta em casa, trabalhando.
Faltava muito pouco e eu contava os dias. Mas tirando a saudade da Júlia,
do Seu João, dos meus amigos e minha família, a estadia em Brasília estava
mais tranquila e prazerosa. Eu saía mais com os colegas e gastava meu
tempo livre malhando e conhecendo novos lugares da cidade.
Júlia e eu ainda mantinhamos a mesma rotina de conversar à noite, mas
durante o dia, as mensagens reduziram um pouco. Isso me dava um certo
aperto no coração, apesar de saber que ela tinha muito trabalho na oficina.
Não queria de jeito nenhum que a nossa relação esfriasse, mas não tem
jeito. Relacionamentos à distância são complicados. O que me tranquilizava
era a garantia de que eu estaria de volta em pouco tempo.
Em uma das nossas chamadas de vídeo, Júlia comentou que meu
professor Fernando a tinha convidado para um evento da empresa e queria
que ela me representasse. Ela estava receosa de aceitar, mas eu achei a
ideia dele super legal.
— E se ele pedir pra eu falar alguma coisa por você? Eu não tenho nem
ideia do que dizer — ela fez um bico fofo demais. Eu sempre ficava
impressionado com ela. Como uma empresária foda, que tinha que ser firme
com um monte de macho no trabalho, conseguia ser meiga e fofa assim
comigo?
— Acho que ele não faria isso. Ele é inteligente e sabe que não é sua
área. De qualquer forma, você não precisa ir se não quiser. Seria legal você
conhecer meus colegas de trabalho, as metas da empresa e se enturmar. Mas
você pode fazer isso quando eu voltar também.
— O Fernando disse que fazia muita questão. Vou tentar ir. Afinal,
devemos muito a ele pelo crescimento da sua carreira profissional.
— Que lindo você falando assim, colocando nós dois como um só — eu
falei, babando por essa mulher maravilhosa.
— Lógico. Eu quero que você se torne o melhor engenheiro do Tocantins
e fique rico logo pra eu poder dar o golpe da barriga em você — ela falou,
morrendo de rir da própria piada.
Apesar de também achar engraçado, o pensamento dela grávida
preencheu minha cabeça e eu fiquei sem fala. Parecia ser a coisa mais
perfeita desse mundo.
— Você sabe que foi uma brincadeira, não é? Por que está com essa cara?
— ela perguntou.
— Você quer ter filhos? — perguntei de repente.
Ela arregalou um pouco os olhos e sorriu, mordendo os lábios.
— Quero. Acho que dois é um número legal. Sempre quis ter um irmão e
acho a sua relação com sua irmã incrível. E você?
Eu sorri, feliz com a resposta dela.
— Também quero ter. Talvez mais de dois — eu arqueei a sobrancelha —
Acho que você vai ser uma mãe maravilhosa. Espero muito ser o sortudo a
viver isso contigo.
Ela abriu um sorriso enorme e encostou a cabeça no travesseiro. Acho
que assim como eu, ela também gostou de imaginar tudo isso.

No outro dia, depois de uma aula bem bacana sobre estrutura de pontes e
viadutos, resolvi pesquisar mais sobre o assunto na biblioteca do instituto
sede do curso. O local era bem bonito e espaçoso, mas tinham poucas
pessoas lá naquele dia. Peguei alguns livros sobre o tema e sentei em uma
das mesas vazias. Pouco depois, alguém sentou do meu lado.
— Oi. Vim estudar também e te vi sentado aqui. Como você está? — a
loira da turma, que agora eu sabia que se chamava Vanessa, falou sorrindo
pra mim.
— Oi, e aí? Eu estou bem. Gostei muito da aula de hoje. Vim ler mais
sobre o assunto.
— Eu também curti muito. Acho que é minha área favorita. Seria um
sonho trabalhar em um projeto grandioso como aquele que o professor
mostrou — ela então colocou a bolsa na mesa e se esticou na minha frente
para pegar um dos livros que eu tinha separado. Certo, ela não era muito
discreta.
— Esse livro parece ser ótimo! — ela começou a folhear.
Sem querer perder tempo nem iludir a garota, fui direto.
— Vanessa, o que você quer?
Ela parou e olhou pra mim mordendo os lábios.
— Gostei. Bem objetivo — ela se ajeitou na cadeira — Bom, eu te acho
um cara muito atraente desde o primeiro dia em que te vi. Mas além disso,
acho você muito inteligente e dedicado, o que aumenta ainda mais minha
vontade de te conhecer melhor — ela sorria de uma forma sensual.
— Não quero ser rude, você é muito bonita. Mas eu acho que você já
sabe que eu tenho namorada e não tem chance de rolar nada.
Ela se aproximou ainda mais de mim, me deixando mais sem graça.
— Eu sei, sim. Mas eu também sei que relacionamentos à distância são
complicados e que é ruim se sentir sozinho. Eu me sinto sozinha também. E
acho que se nós fizéssemos companhia um pro outro, seria muito bom —
ela pegou na minha mão.
Caralho. Que loucura é essa?
— Inclusive eu sou bem discreta quando preciso — ela fez um gesto
fechando a boca como se fosse um zíper.
Soltei a minha mão devagar e me afastei.
— Como eu disse, eu tenho namorada e não vai rolar — peguei os livros
e me levantei — Até amanhã, Vanessa.
PACOTE COMPLETO
Júlia
O evento era em um prédio muito bonito e que tinha uma visão
privilegiada da cidade. Procurei usar um vestido mais social, para combinar
com a ocasião. Quando cheguei, notei que muitas pessoas tinham cara de
ricas. É claro, estava cheio de engenheiros e empresários ali. Super
deslocada no ambiente, sentei na banqueta onde eram servidos os drinks e
tentei procurar o professor.
O barman simpático perguntou se eu queria um drink e eu aceitei.
Enquanto observava a produção dele atentamente, fui surpreendida com a
mão do professor na minha cintura.
— Você está muito linda, Júlia. Que bom que você veio — ele se sentou
ao meu lado.
— Obrigada. Conversei com o Yan e ele achou uma boa ideia eu vir.
— Ótimo! Então, o evento vai apresentar mais um projeto da nossa
construtora. Mas aqui o mais importante é a oportunidade de fazer novos
contatos e negócios — ele sorriu e pegou na minha mão — Vamos dar uma
volta.
Fernando andou comigo pelo local e cumprimentou algumas pessoas. No
entanto, o que eu achei estranho foi que em nenhum momento ele me
apresentou como namorada do Yan, ele apenas falava meu nome e dizia que
eu era empresária de uma das maiores autopeças da cidade. Isso me
incomodou bastante.
Ele acabou se distraindo com alguns colegas de trabalho e eu aproveitei
para sair de perto. Voltei para o bar onde tinha apenas uma senhora sentada.
Pedi mais uma bebida.
— Só enchendo a cara mesmo para aguentar esse evento, não é? — a
senhora falou, rindo da própria piada.
— Tipo isso — eu sorri também.
— Meu nome é Soraia. E o seu?
— Júlia. Você também trabalha no ramo da engenharia? — perguntei.
— Gostei da sua pergunta. Geralmente perguntam se eu sou esposa de
algum engenheiro — ela tomou um gole do seu drink — Eu sou engenheira,
sim. Tenho uma construtora aqui na cidade. E você?
Eu quase cuspi minha bebida querendo sorrir.
— Eu sou a namorada de um engenheiro — eu falei e ela soltou uma
gargalhada.
— Algum deles? — ela apontou com a cabeça para um grupo de homens
que estavam conversando.
Eu balancei a cabeça, negando.
— É loucura. Ele nem está na festa. O chefe dele me convidou para
representá-lo. Missão na qual estou falhando miseravelmente — ergui
minha bebida e tomei mais um gole.
— Interessante. E seu namorado não veio por quê?
— Ele está há três meses em Brasília fazendo um curso pela empresa na
qual trabalha. Volta daqui a algumas semanas.
— Namoro à distância é uma merda. Que bom que falta pouco. Sabe,
Júlia, apesar de você estar falhando na sua missão, deve significar muito pra
ele você estar aqui.
— Espero que signifique mesmo porque ninguém merece. O único que
eu conheço aqui é o chefe dele e olha lá — olhei pro Fernando.
— O chefe dele é o Fernando?
— Sim. Por que?
— Ele é um bom engenheiro e professor. Só que ele não tem medo de
pisar em qualquer pessoa pra conseguir o que quer. Eu já trabalhei com ele
uma vez e não gostei nada.
A descrição não parecia nem um pouco com o Fernando que eu conheci
até agora.
— Espero que seu namorado não conheça esse lado dele — ela falou se
levantando — Foi um prazer te conhecer, Júlia. E pra você não dizer que
sua vinda aqui realmente foi em vão, esse aqui é o meu cartão. Se seu
namorado quiser conhecer a minha empresa melhor, é só ligar — ela me
entregou o cartãozinho sorrindo.
— Poxa, obrigada. Foi um prazer te conhecer também, Soraia. Muito
sucesso pra sua construtora!
Em um momento da noite, um DJ começou a tocar e as pessoas foram
para uma pista de dança. O evento formal tinha se tornado uma festa. E eu
já estava bem farta.
— Acha que o Yan vai se importar se a gente dançar um pouco? —
Fernando se aproximou sorrindo.
— Eu acho melhor eu ir pra casa. O dia foi cansativo e meus pés estão
bem doloridos nesse salto — falei sorrindo, querendo deixar o clima mais
leve.
— Ah! Claro. Tudo bem. Você veio de moto?
— Não, dessa vez eu vim com um motorista de aplicativo.
— Eu te levo em casa — ele tomou o resto da sua bebida e colocou o
copo vazio em uma das mesas.
— Não, não. Não precisa, Fernando. Pode ficar e curtir mais a festa.
— Eu já cansei da festa e faço questão. É uma forma de agradecer pelo
seu esforço de vir — ele sorriu e estendeu o braço de uma forma engraçada.
Respirei fundo e resolvi aceitar. Não queria ser grossa.
O cara estava simplesmente com uma BMW i8 novinha no
estacionamento do prédio. Não consegui esconder minha admiração por
aquela máquina. Vendo minha expressão, ele sorriu e comentou:
— Você gosta de carros também?
— Esse aqui é uma beleza, ein? Você tem muito bom gosto!
— Eu deixo ele para ocasiões especiais — Fernando falou abrindo a
porta pra mim. O cara era muito charmoso e educado — E só entram
pessoas especiais também.
Ok. Isso estava mais do que estranho.
Ele tava dando em cima de mim mesmo?
Durante o trajeto até minha casa, ele foi perguntando sobre meus planos
para o futuro, se eu tinha vontade de casar, ter filhos, expandir a loja. Ele
comentava todas as minhas respostas e também falava dos seus projetos.
— Obrigada pela carona, Fernando. E pelo convite também — falei ao
chegarmos na porta da minha casa.
Ele sorriu e abriu a mão dele na minha direção, esperando que eu
colocasse a minha por cima. Totalmente sem graça, fiz o que ele queria e
ele levou minha mão até sua boca, beijando-a.
Socorro. Preciso sair desse carro.
— Eu quem agradeço, Júlia — ele disse soltando minha mão.
Quando eu ia saindo do carro, ele tocou no meu braço, querendo me
parar.
— Posso te perguntar uma última coisa?
Eu voltei a me sentar no banco e fiz que sim, porém morrendo de medo
da pergunta.
— Eu acho você uma mulher maravilhosa. O pacote completo: linda,
educada, independente. Não vou negar que eu sinto um tanto de inveja pelo
Yan ter te conhecido primeiro.
Puta merda. Fiquei em choque.
— Mas eu queria saber, por curiosidade, se você não estivesse
namorando com ele, em outras circunstâncias, eu teria alguma chance com
você? — ele perguntou e me olhou com uma cara que acho que qualquer
mulher não resistiria. Apesar de estar muito constrangida com a situação, eu
notei que seu questionamento era sincero e que ele realmente queria saber a
resposta.
— Nossa, Fernando. Eu nem sei bem como responder. Você me pegou de
surpresa — eu sorri sem graça — Você é muito bonito, educado e
inteligente. Acho que toda mulher solteira gostaria de ter uma chance com
você. Mas a verdade é que eu sou muito apaixonada pelo Yan. Estou muito
feliz ao lado dele e estamos empolgados pra viver muitas coisas quando ele
voltar. Eu não consigo nem imaginar nada além disso.
Ele sorriu de uma forma confiante. Parecia satisfeito com minha resposta.
E no fundo eu também, pois fui muito sincera. Com certeza, se eu fosse
solteira e não fosse apaixonada pelo Yan, eu ficaria com ele. Mas eu não
falaria com essas palavras, pois ele poderia ficar se iludindo. Não conhecia
ele de fato.
Me despedi novamente e fui pra casa, pensando em como eu contaria isso
pro Yan sem que ele ficasse maluco e quisesse matar o professor dele.
UM EMAIL IMPROVÁVEL
Yan
Ele só podia estar de sacanagem. Que filho da puta!
Eu quis socar a cara dele no exato momento em que Júlia me contou o
que rolou na festa.
— Eu acho que você deve se acalmar. Eu fui bem clara com ele sobre nós
dois. Acho que ele só queria massagear o próprio ego.
— Eu nem sei o que dizer. Estou muito puto e também decepcionado. Ele
sempre me respeitou tanto, desde a faculdade. Aí, agora que eu estou longe,
ele aproveita pra dar em cima da minha namorada.
— Está tudo bem. Você logo estará de volta. E eu não vou mais aceitar
nenhum convite dele, ok?
Respirei fundo, tentando me acalmar. Júlia era maravilhosa, acho que eu
teria que lidar com isso algumas vezes.
— Obrigada por ter me contado tudo — lembrei sobre o episódio com a
doida da minha sala — Eu também tenho que contar uma coisa pra você.
Uma das alunas do curso também ficou se jogando pra cima de mim. Eu fui
bem sincero e direto com ela. Falei que eu tinha você e que jamais rolaria
nada.
Ela engoliu seco e olhou para o outro lado.
— Você está bem? — perguntei.
— Sei lá. É muito estranha essa situação. Acho que é difícil para as
pessoas entenderem que relacionamento à distância também é sério.
— Pra mim está sendo muito sério. E pra você?
— Pra mim também. Mas estou contando os dias pra ter você aqui.
Eu estava me sentindo igual. Era como se não estivéssemos completos
com essa distância entre nós. Precisávamos do toque, do carinho, da
presença física um do outro. Não dava pra continuar assim.
— Eu te amo, linda. Também estou contando os dias.
Faltavam apenas duas semanas para o fim do curso. A ansiedade estava
me matando. Eu já vinha inclusive pesquisando as passagens de volta para
Palmas até que, ao chegar no hotel em um finalzinho de tarde, recebo a
notificação de um e-mail no meu celular.
“Caro Yan Brito,
É com muito prazer que informamos que, pelo desempenho mostrado
durante o curso de aperfeiçoamento em engenharia de transportes, você foi
solicitado para uma vaga de trabalho na maior construtora do país, com
sede em Belo Horizonte-MG.”
Minhas mãos começaram a tremer e minha respiração começou a falhar.
Não consegui terminar de ler o e-mail naquele momento.
Eu não sabia o que pensar, nem como reagir a isso. Meu peito se dividia
entre uma enorme surpresa e orgulho pela oportunidade, mas doía como
nunca antes. Andei pelo quarto, inquieto, ofegante. Meu Deus, o que eu ia
fazer? Eu estava diante da maior oportunidade da minha vida. Mas, para
isso, eu teria que deixar a pessoa que eu mais amava. Júlia não poderia ir
comigo, ela tinha um negócio em pleno crescimento em Palmas e seu avô
pra cuidar. Ela nunca aceitaria isso e eu não tinha nem coragem de pedir
algo assim.
A dor de ter que escolher acabava comigo. Sentei na cama, totalmente
perdido e comecei a chorar. A verdade era que eu queria quebrar aquele
quarto todo porque eu tinha raiva dessa situação. Será que eu nunca viveria
a felicidade por um longo período? Ela sempre tinha que vir em pedaços?
Eu merecia isso? O que eu fiz de errado? Eu seria por toda a vida aquele
menino incompleto da minha infância?
Eu precisava de ar. Saí do hotel e fui até uma praça que tinha ali perto.
Sentei em um dos bancos e tentei me acalmar. Pensei em ligar pra alguém.
Pra quem eu ligaria? Pedro me veio à mente.
— E ai, meu futuro padrinho! O que você manda? — ele atendeu.
— Pedro, eu tô fodido — minha voz falhou — Eu tô fodido, cara. Não
sei o que fazer — comecei a chorar pelo telefone igual a uma criança.
— Ei, calma, calma. Eu estou aqui. Espera um pouquinho, deixa eu sair
aqui da casa da Mari.

Alguns segundos depois ele falou comigo de novo e eu contei tudo pra
ele. Pedro parecia não saber também o que dizer.
— Cara, eu não posso te dizer o que fazer. Essa é uma decisão só sua —
ele falou, abatido — Mas eu me lembro de você um dia ter falado pra mim
que seu maior sonho era oferecer tudo do bom e do melhor para sua futura
família. O oposto do que você viveu. Essa oportunidade de trabalho com
certeza realizaria isso. Você chegou a falar com ela?
— Não. E nem sei se tenho coragem. Eu já a fiz sofrer tanto por conta
desses quase quatro meses longe. Ela foi firme, enfrentou até as próprias
inseguranças e traumas de abandono por mim, sempre na esperança que eu
voltasse. Pra ela valia a pena me esperar. Só que se eu aceitar esse emprego,
eu não vou voltar. É pra valer — falei ainda desesperado.
— Acho que você precisa conversar com ela e ser franco. A verdade é
sempre melhor. Eu sei que você não consegue nem pensar nisso agora e o
que eu vou falar, vai parecer nem fazer sentido nesse momento. Cada
pessoa é especial e ela é maravilhosa, eu sei. Mas você ainda pode conhecer
outra pessoa. Às vezes não era pra ser mesmo.
Depois de conversar com Pedro, voltei para o meu quarto mais calmo.
Porém, a dor ainda tomava conta. Abri meu computador e voltei a ler o e-
mail. Em anexo havia as funções da vaga e o salário. Puta que pariu. O
salário era muito alto. Era um valor que eu poderia nunca alcançar em
Palmas. O trabalho era incrível, era tudo o que eu sempre sonhei quando
resolvi ser um engenheiro. Na minha cabeça, nem fazia sentido tudo isso.
Eu tinha acabado de me formar, como eu consegui algo tão grande
assim?
SIGA SEUS SONHOS
Júlia
Ele estava muito nervoso e inquieto. Seu rosto estava diferente, os olhos
estavam inchados, como se tivesse chorado a noite toda. Isso me preocupou
demais.
— Você está me deixando assustada com essa cara, lindo — deitei na
minha cama com o computador no colo.
— Eu não sei como te falar isso.
Meu coração gelou. A última vez que ele disse isso foi pouco antes de
contar que ficaria quatro meses longe.
— Eu recebi uma nova proposta de emprego. É uma oportunidade
incrível para trabalhar na maior construtora do Brasil e ganhar um salário
inicial de 20 mil por mês.
Eu arregalei os olhos e tampei a boca. Caramba! Era uma baita grana.
Mas meu peito já estava apertado, parecendo saber o que viria em seguida.
— Mas esse trabalho não é em Palmas. É em Belo Horizonte, na sede da
empresa — ele apertou o nariz e não olhava pra mim.
Senti meu coração quebrar em vários pedaços.
Não era possível. De novo não.
Eu reuni todas as minhas forças e consegui perguntar:
— Então você vai se mudar para Belo Horizonte? — uma lágrima caiu.
Ele então começou a chorar também, de forma silenciosa.
— Eu ainda não sei o que eu vou fazer — ele falou.
Ficamos alguns minutos em silêncio, absorvendo tudo e tentando dar a
melhor resposta um para o outro.
— Você não pode abandonar seu sonho, Yan. Essa é realmente uma
oportunidade única — falei, secando minhas lágrimas.
— E quanto a nós?
— Bom, pelo visto não era pra ser — eu falei, mas as palavras soavam
muito amargas.
Ele balançava a cabeça, inconformado.
— A gente tem que pensar em uma solução — Yan se levantou e
começou a andar de um lado pro outro no quarto dele.
— Não consigo enxergar uma saída. Se eu não tivesse a loja e meu avô
idoso aqui, eu iria com você. Se você quisesse, é claro.
— Isso seria um sonho, linda. Seria perfeito. Mas eu entendo que isso
não tem como acontecer. Eu jamais pediria isso a você — ele falou me
olhando com empatia e colocou as mãos no rosto — Me desculpa, linda.
Por fazer você passar por isso. Eu nunca vou me perdoar.
— Não quero que você se sinta mal. Acho que são coisas que podem
acontecer com qualquer um. A vida é feita de escolhas mesmo.
— Mas não quero ter que escolher entre você e o emprego — ele se
aproximou da tela do computador — Eu amo você como eu nunca amei
nenhuma mulher. Eu tenho muitos planos pra gente. Não tivemos tempo de
viver quase nada — ele abaixou a cabeça, derrotado.
Além da dor que afligia meu coração, vê-lo triste assim acabava mais
ainda comigo.
— Eu sei, meu amor — falei, voltando a chorar — Mas eu sei que eu
nunca vou esquecer o que a gente viveu.
— Você está falando como se já estivesse se despedindo, linda. Não faz
isso comigo.
Eu respirei fundo. O que ele queria que eu dissesse?
— Eu sei que você quer ir. E acho que você deve correr atrás dos seus
sonhos. Quero que vá sabendo que eu entendo e que não sinto mágoa de
você. Se fosse antes de te conhecer, seria diferente. Mas você apareceu na
minha vida para mudá-la para a melhor. Por sua causa, eu enfrentei meus
medos e traumas. Eu jamais vou esquecer isso e serei eternamente grata.
— Eu sinto muito, linda. Sinto muito mesmo.
NENHUMA FAÍSCA
Júlia
Meses depois

— Nem acredito que você aceitou meu convite.


Pra ser sincera, nem eu estava acreditando.
Andando lado a lado com Fernando em um campo de futebol, fiquei me
perguntando o que diabos eu estava fazendo ali.
— Só você mesmo pra me tirar de casa para jogar bola. Eu vou passar
tanta vergonha.
— Relaxa. A galera aqui não é tão competitiva, a gente vem só para
brincar mesmo. Você vai ver! — Fernando colocou a mão no meu ombro e
sorriu — Eu mudo meu nome se você não sair daqui um pouco mais feliz
do que quando chegou.
Devolvi o sorriso. Isso seria fácil. Difícil seria piorar o meu humor. Mas
a verdade é que, desde que resolvi parar de me sentir culpada e responder
suas mensagens, meus dias têm sido um pouco mais agradáveis.
Há cerca de um mês eu o encontrei por coincidência na paróquia do
padre Sérgio e conversamos um pouco. Ele tinha ido doar as roupas que ele
não usava mais e achei aquilo bem legal. Depois desse reencontro, ele
voltou a me mandar mensagens, mas eu sempre evitava responder,
pensando no Yan e em como ele se sentiria com relação a isso.
No entanto, coloquei na cabeça que não deveria mais ficar insegura,
como se, em algum momento, Yan fosse voltar pra mim. Ele estava em
outro estado, vivendo uma nova vida. O que eu fazia ou deixava de fazer
não era mais da conta dele. Queria muito que fosse, mas não era mais.
Então, quando dei mais liberdade, Fernando e eu começamos a
conversar bastante por mensagens de texto, mas de forma amistosa. Apesar
de valorizar essa aproximação e essa nova amizade, eu não queria me
envolver com ele e tentei deixar isso bem claro.
A verdade é que eu ainda não conseguia sentir atração por mais
ninguém. Fala sério, o Fernando era lindo. Ele tinha os cabelos loiros, um
olhar marcante e um sorriso muito bonito. E conforme conversávamos, ele
se mostrava um cara engraçado e atencioso. Não tinha nada que me
impedisse de deixar rolar algo a mais. Mesmo assim, eu ainda tinha um
bloqueio com ele.
Só que naquele dia eu estava me sentindo péssima e ele estava tentando
mudar isso. Apesar de não saber jogar bola, graças ao meu avô, que gostava
muito de futebol e me fazia assistir com ele alguns jogos pela TV, eu acabei
aprendendo um pouco sobre o esporte. Isso me salvou para, pelo menos,
saber para onde chutar.
Depois que Yan foi para BH, minha rotina não mudou muito, mas voltei
a malhar e praticar mais corridas. O esporte é um grande aliado, com
certeza. Eu cuidava do meu corpo e da minha mente, tentando me
conformar de que tudo o que tínhamos vivido foi maravilhoso, foi ótimo
para nosso amadurecimento, mas que tinha acabado e que eu deveria
superar.
E graças ao preparo físico que eu tinha adquirido, meu desempenho
naquele dia foi melhor do que eu esperava. Eu corri bastante e consegui dar
bons passes. Errei um gol praticamente feito, mas dei assistência para outro.
Era muito divertido e não senti realmente ninguém me julgando. No fim do
jogo, estávamos mortos.
— Caramba, gata! Eu achei que eu estava bem fisicamente, mas levei
uma surra de você nas arrancadas — Fernando falou ofegante, mas
sorrindo.
Olhando sua cara vermelha, não segurei a risada.
— É, acho que a idade bateu, ein? — provoquei.
Ele abriu a boca, mal acreditando no que eu tinha dito.
— Como é que é? — Fernando disse, colocando as mãos na cintura.
A cara dele era impagável.
— Não fique chateado, você está ótimo para um senhorzinho.
Seus olhos se arregalaram e eu comecei a ter uma crise de riso. É claro
que eu estava só provocando. Fernando tinha só 36 anos e estava com o
físico ótimo. Mas eu não podia perder a chance de encher seu saco por
conta da nossa diferença de idade.
— Você vai ver agora quem é o senhorzinho — Fernando correu em
minha direção e me colocou em seu ombro, me carregando até o carro. Eu
dei um grito de susto, mas ainda sorria. Tinha tempo que não me sentia
tranquila assim. Fernando cumpriu a sua promessa.
Chegando na sua BMW, ele me colocou no chão, sorrindo. Ele estava
bem próximo. Próximo demais. Meio sem jeito, mas ao mesmo tempo
confiante, ele passou a mão no meu queixo.
— Senti falta de ver esse seu sorriso. Você não sabe o quanto ele é lindo.
Ave Maria! Não fala isso, não.
— Obrigada pelo convite. Estava precisando sair mesmo para brincar
um pouco.
— Quer tomar um sorvete antes de ir pra casa? — ele perguntou.
— Pode ser. Estou morrendo de calor.

Do campo passamos na sorveteria e resolvemos tomar nosso sorvete no


carro a pedido dele, que disse que queria ficar no ar geladinho.
Conversamos um pouco lá dentro e eu tive o maior cuidado para evitar sujar
aquela beleza de máquina.
— Daqui a alguns dias é meu aniversário — ele lambeu a colherzinha e
jogou o potinho numa lixeirinha ao lado do banco — Eu estava bem com
isso, mas com essa história de “senhorzinho”, você me quebrou.
Engasguei com o sorvete, em meio a uma gargalhada.
— Foi uma brincadeira, Fernando. Você está no auge!
— Sei… — ele deu um belo sorriso e ficou me olhando — Então, pra
não passar em branco a data, estava pensando em fazer um churrasco lá em
casa e convidar alguns amigos. Eu queria que você fosse e levasse seu avô
também.
Não sei se estava bem com a ideia de envolver meu avô de novo nas
minhas… loucuras. Mesmo assim, fui educada.
— Vou ver com ele. Mas de qualquer forma, farei o possível pra ir —
fui sincera. Era o mínimo que eu podia fazer pra agradecer todo esse
carinho dele por mim.
Terminei o meu sorvete e também joguei meu copinho no lixo. Me
pegando de surpresa, Fernando me pediu licença e limpou o canto da minha
boca. Fiquei paralisada e seu olhar experiente que estava em meus lábios, se
voltou para meus olhos.
— Sei que você ainda pensa nele — Fernando falou baixinho,
movendo seu polegar na minha bochecha — Não sou bobo de pensar que o
que você sente por ele se acabaria rápido. Mas quero muito ver mais vezes
você sorrindo como hoje.
Eu não sabia como reagir.
— Você é uma pessoa incrível. Eu te admiro e te respeito demais.
Mas não vou negar que quero muito experimentar seu beijo.
Ele desceu a mão para meu pescoço e enfiou a mão no meu cabelo. Sua
voz doce e rouca mexeu comigo. E seu carinho me fez relaxar, como não
fazia há meses. Fechei os olhos, me deixando ser cuidada. Eu sentia falta
disso.
Mas acho que ao me ver tão relaxada assim, Fernando acabou se
empolgando. Seus lábios encostaram nos meus e senti seu hálito gelado.
Fiquei um pouco assustada com a atitude e na minha cabeça começou um
bombardeio de pensamentos.
Parecendo adivinhar, ele disse sussurrando com os lábios roçando nos
meus:
— Não fica pensando muito. Deixa eu te fazer carinho. Só um pouco.
Ele me pegou no meu momento mais carente.
Ah, quer saber? Que se dane! O que pode acontecer de ruim? Comecei a
retribuir seu beijo e deu pra ouvir um pequeno gemido de satisfação vindo
dele. Fernando usou sua outra mão pra segurar meu rosto e intensificou o
movimento de seus lábios e sua língua.
Não vou mentir que estava gostoso. Ele beijava bem.
Mas a verdade é que eu senti…
NADA.
Nenhuma faísca.

Quando me afastei de sua boca, Fernando me olhava com uma cara de


desejo e felicidade. E dentro de mim, uma palpitação começou a surgir. Mas
não era recíproco. Era de arrependimento e de culpa.
Meu Deus, o que eu fiz?
VAZIO NO PEITO
Yan

— Não se preocupe, devo chegar amanhã por volta das três da tarde. Eu
vou pra sua casa?
— Isso, a Mari vai estar no salão e eu vou me arrumar em casa. Ela me
fez cortar o cabelo com quatro dias de antecedência só pra eu não ter o
perigo de esquecer, acredita? — Pedro riu.
— Acredito. E acho que ela foi bem esperta porque isso aconteceria com
certeza. Então ficamos combinados, vou para sua casa me arrumar aí.
— Você está bem com tudo isso? Eu ainda me sinto meio culpado de
fazer você e Júlia terem que entrar de braços dados na cerimônia.
— Está tudo bem. Talvez o clima fique meio estranho, mas apesar de não
estarmos mais juntos, ainda temos muito carinho um pelo outro.
— Que ótimo. Esse é o dia mais importante das nossas vidas e não faria
sentido vocês não estarem nele. Obrigada por vir de tão longe. Te amo,
cara.
— Também te amo.
Desliguei o telefone e voltei a respirar.
"Ainda temos muito carinho um pelo outro"? Fala sério!
Eu ainda amo aquela mulher com todas as minhas forças e só de imaginar
vê-la depois de tanto tempo, meu corpo travava.
Fazia alguns meses que eu estava morando em BH. A cidade era ótima, o
emprego era fantástico. Já no primeiro mês de trabalho, consegui mobiliar
boa parte do apartamento alugado. Pedro me ajudou a vender todas as
minhas coisas em Palmas e minha adaptação a toda essa mudança estava
indo bem.
Mas eu sentia falta da minha irmã, dos meus amigos e dela. Era como se
tivesse um vazio no meu peito, que só ela poderia preencher. Tentei sair
com outras meninas, cheguei a beijar algumas, mas não consegui fazer nada
além disso. Acho que talvez fosse pelo fato da gente não ter se despedido
presencialmente. Ela não quis e isso me doeu muito. Mas eu a entendia. Ela
odiava despedidas e com certeza a nossa seria muito difícil.
Eu fiz de tudo para tentar superá-la nesse período. Eu até prometi a mim
mesmo que não perguntaria dela para o Pedro, já que isso só dificultaria o
processo. Ele também se comprometeu a não falar dela. Agora não teria
jeito. A gente precisaria encarar um ao outro e eu teria o seu adeus de vez.
Só assim eu conseguiria superá-la. Eu acho.
Em BH, eu adquiri um novo hobby. Comecei a praticar muay thai por
indicação de um colega de trabalho e já na primeira aula eu me apaixonei
pelo esporte. Também continuei na academia e ganhei mais massa
muscular.
Minha rotina consistia em trabalhar durante o dia e treinar à noite. Aos
fins de semana, saía com os colegas de trabalho e assistia videoaulas para
aprender a cozinhar novos pratos. Eu tentava ocupar minha mente de todas
as formas para esquecê-la e tirar a raiva que eu sentia por não poder ficar
com ela.

Mesmo assim, quando eu deitava na cama para dormir, Júlia era sempre
meu último pensamento. Eu lembrava do seu sorriso, do seu corpo, das
noites na minha casa depois da faculdade, dos almoços com Seu João. Eu
fui muito feliz ao seu lado, pena que foi tão rápido.
Eu até cheguei a fazer algumas sessões com um psicólogo. Isso no intuito
de eu parar de me culpar por ter escolhido cuidar da minha carreira e
entender que nem sempre podemos ter tudo o que queremos. Antes disso,
eu me torturava todos os dias com pensamentos autodepreciativos.
Arrumando minha mala, pensei no que eu faria e diria a ela quando a
visse. Eu daria um abraço? Eu poderia tocar no seu rosto como eu fazia? Eu
pediria perdão mais uma vez? Não. Isso acabaria com a gente de novo.
Será que ela também sentia o mesmo?

No dia seguinte, peguei o voo para Palmas. No aeroporto, fui recebido


pela minha irmã que já estava com a barriguinha bem chamativa. Ela e o
esposo estavam de passagem na cidade e fizeram questão de me ver. Eu
estava morrendo de saudade e fomos almoçar juntos. Antes disso, aluguei
um carro no aeroporto para ter mais autonomia na cidade.
À tarde fui para o novo lar de Pedro e Mari. Ele ainda não estava lá, mas
disse pra eu ficar à vontade. O apartamento era muito bonito e espaçoso. Já
estava quase todo mobiliado. No corredor, várias fotos dos dois juntos e
também com seus familiares e amigos. Achei uma foto de Pedro comigo e
também uma foto da Mariana com a Júlia. As duas sorrindo, felizes. A
saudade e a ansiedade me consumiam.
SOBREVIVENDO À NOITE
Júlia
Meu rosto já estava doendo de tanto sorrir pra foto. E pensar que aquilo
era só o ensaio com as madrinhas e ainda teria muito mais durante a
cerimônia.
Faltavam menos de duas horas. Minha barriga estava doendo de
nervosismo. Não pelo casamento em si, pois estava tudo correndo muito
bem e os noivos estavam mais do que certos da decisão. Eu estava daquele
jeito por conta dele.
Como será que ele estava? Será que ele viria acompanhado de outra
mulher? Meu coração doía só de pensar nisso, mas eu reprimia esse
sentimento com todas as minhas forças. Ele era livre para estar com quem
quisesse.
Só que eu não sentia vontade de sair com outros caras, esse era o
problema. E pra piorar minha situação, depois do nosso beijo de algumas
semanas atrás, Fernando não saía do meu pé. Me mandava flores,
mensagens, presentes caros. Ele era uma boa companhia e sei que gostava
de mim. Mas é difícil a gente se render quando nosso coração já tem dono.
E mesmo depois do nosso término, nunca deixei de amar Yan.
Quando chegou a hora da cerimônia, meu coração parecia querer saltar
pela boca. Queria vê-lo, mais do que tudo. A cerimonialista no microfone
disse que os padrinhos deveriam se reunir em uma salinha perto da entrada,
onde seriam organizados na ordem certa em fila. Caminhei até lá e me dirigi
até o canto, muito nervosa. Logo outros padrinhos começaram a entrar.
Até que eu o vi entrando e nossos olhares se cruzaram.
Meu Deus! Ele estava lindo. Mais do que lindo, ele estava ainda mais
maravilhoso do que da última vez que o vi. Bem mais forte, mais corado e
tinha deixado a barba crescer um pouco. Ele veio andando em minha
direção e eu achei que iria desmaiar bem ali.
Sem dizer nada, ele parou ao meu lado nos fundos da salinha e segurou
firme a minha mão, ainda sem olhar pra mim. Acho que eu consegui ouvir
sua respiração de tão perto que ficamos e de tão ofegante que ele estava.
Senti que não tinha mais ninguém ali. O seu simples toque trazia toda a
paz que eu havia deixado de ter. Ele então ergueu a minha mão, a beijou e
dessa vez teve coragem de me olhar.
— Você está maravilhosa, Júlia.
Meu coração ficou apertado. Ele me chamou pelo meu nome.
— E bem nervosa também, como você pode ver — falei e ele olhou para
minhas mãos trêmulas.
— Eu entendo. Também quase não estou me segurando em pé.
Respirei fundo. Então ele estava tão nervoso quanto eu naquele
momento. Será que ele ainda me amava?
Ficamos em silêncio, mas no ar eu sentia que muita coisa queria ser dita.
Só que ninguém teria coragem.
— Como você está? — eu perguntei, tentando quebrar a tensão.
— Feliz por testemunhar esse momento tão importante para o meu
melhor amigo. Ele merece ser feliz e completo ao lado de quem ele ama —
Yan disse olhando para frente, em um tom melancólico.
Senti a tristeza na sua fala. Minha vontade era de abraçá-lo forte e dizer
que ainda o amava. Mas de que adiantaria? A situação ainda era a mesma
de antes.
— E você? Como está?
— Também estou feliz por eles e por você ter conseguido vir. Pedro é um
pé no saco, mas sei que sua presença aqui é muito importante pra ele.
Yan riu e encostou seu braço no meu. Meu corpo reagiu
instantaneamente.
— Que bom que você ainda quis entrar comigo — ele continuava
olhando pra mim e sua proximidade estava me matando.
— Não tinha porque eu não querer isso — finalmente consegui encará-lo
de volta — Você tem um lugar especial no meu coração.
Seus olhos brilharam e sua boca se abriu, como se quisesse dizer alguma
coisa, mas não pudesse. Acho que a noite seria assim, cheia de palavras não
ditas.
Depois de um tempo, a cerimonialista organizou os casais na fila e
mandou eu segurar o braço de Yan. Quando o apalpei, pude ter a certeza de
que ele estava se dedicando mais à academia. Ele estava muito gostoso.
Fiquei ainda mais nervosa. Minhas pernas começaram a falhar.
— Está tudo bem? — ele perguntou apoiando meu braço.
— Não me deixa cair nem tropeçar, ok? — falei e ganhei um sorriso
maravilhoso dele.
— Pode deixar, linda. Eu vou ter o maior prazer em te segurar — ele
abriu um sorriso malicioso e eu quase tive um infarto.
Que saudades desse Yan atrevido.
Porém, acho que ele se arrependeu de ter brincado com isso porque ficou
sério na mesma hora e voltou a olhar pra frente.
Não demorou muito para que a música começasse e fosse a nossa vez de
entrar. O braço do Yan era firme e sua outra mão estava perto de mim, me
dando mais segurança. Caminhamos pelo corredor e eu pude ver meu avô
em meio aos outros convidados. Seus olhos estavam vidrados em nós e ele
sorria. Tadinho, ele queria tanto que a gente desse certo. Olhando pra frente,
vi Pedro que também nos encarava e tinha um enorme sorriso no rosto.
Sentamos em nossos lugares, mas Yan não soltou minha mão. Eu queria
muito resistir a isso, mas estava adorando seu toque. Logo tocou a música
de entrada da noiva e todos se voltaram para a porta. Mariana estava
deslumbrante e meus olhos começaram a se encher de lágrimas. Yan
apertou mais forte minha mão, o que me fez olhar pra ele. Seu rosto estava
bem próximo do meu e seus olhos me davam a certeza de que ele ainda
tinha sentimentos por mim. Ele encarava minha boca de forma descarada,
parecendo querer me devorar.
— Por que está me olhando assim? — sussurrei pra ele.
— Não consigo evitar, linda. Juro que estou tentando, mas não dá. Ainda
sinto sua falta mais do que tudo — ele respondeu baixinho e minha pele se
arrepiou inteira.
Não sei como consegui sobreviver até o fim daquela cerimônia. Quando
percebi, Pedro e Mari já estavam se beijando, finalmente como marido e
mulher. Na saída da igreja, meu avô e Yan se abraçaram como se fossem pai
e filho que não se viam há anos. Meu avô, é claro, ofereceu carona até o
local onde seria a recepção, mas Yan recusou e disse que estava com um
carro alugado. Mesmo assim, lá no local, nos sentamos juntos na mesma
mesa e os dois colocaram toda a conversa em dia. Meu avô contou todas as
novidades, inclusive que estávamos querendo abrir outra loja na região sul
da cidade. Tinha tempo que eu não via meu avô tão falador e feliz.
Depois de tomar vários copos de suco, meu avô disse que precisava ir ao
banheiro e eu acabei ficando sozinha com Yan, que não parava de me olhar.
Assim ficava difícil.
— Você está mandando muito bem na loja. Parabéns!
— Obrigada. E você, como está o emprego?
— Está indo bem. Não é fácil, mas estou me adaptando.
Ficamos um tempo em silêncio. Até que meu celular que estava em cima
da mesa vibrou e o nome "Fernando" apareceu na tela.
Que merda!
Torci pra que Yan não tivesse visto, mas não teve jeito.
— Por que o Fernando está te mandando mensagem? Vocês ainda se
falam? — Yan se ajeitou na cadeira, desconfortável. Sua voz estava em uma
linha tênue entre o choque e o medo de ser invasivo.
— Sim. Nos tornamos amigos — falei dando de ombros, mas pegando
fogo por dentro.
— Eu achei que você tinha dito que não aceitaria mais nenhum convite
depois dele ter dado em cima de você quando ainda estava comigo — ele
começou a se exaltar.
— E eu disse. Mas as circunstâncias mudaram.
— As circunstâncias?! Você quis dizer eu sair de perto, não é? — ele
sorriu de um jeito debochado.
— Não. A verdade é que você não estava por perto muito antes disso.
Minha resposta atingiu ele em cheio. Não era minha intenção chateá-lo,
mas a forma como ele falava estava começando a me irritar. Ele ficou
calado por alguns segundos e fez a merda da pergunta que eu tanto temia.
— Vocês estão ficando? — sua voz falhava e seus olhos eram como
brasas.
Apertei o nariz entre os olhos, me entregando na hora.
— Caralho! — ele riu quase desesperado, colocando a mão na boca —
Filho da puta, desgraçado!
Na mesma hora meu avô voltou sorridente e Yan, tentando disfarçar,
disse que precisava ir ao banheiro também. Só que ele não foi. Ele
caminhou em direção ao jardim. Com o rosto pegando fogo, ignorei minha
cabeça dizendo para ficar quieta e pedi licença ao meu avô, indo atrás dele.
Caminhei com dificuldade na grama por conta dos saltos e da pouca
iluminação naquela parte do jardim. Eu olhava pra um lado e pro outro e
nada de encontrá-lo. Continuei andando até enxergá-lo em um banco de
madeira com as mãos na cabeça. Meu coração não aguentou quando ouvi os
soluços dele. Sentei ao seu lado e o abracei. Com os ombros sacudindo, Yan
colocou uma das mãos na minha perna.
— Está doendo demais, linda. Já é difícil imaginar você com outra
pessoa. Imagina essa pessoa sendo aquele traidor.
— Não estamos ficando. Só aconteceu uma vez — fiz carinho no cabelo
dele, arrasada por vê-lo assim.
— Vocês transaram? — ele ergueu o olhar pra mim e vi o medo
estampado na sua cara.
— Não! Foi apenas um beijo. E só uma vez. Foi um erro. Eu me
arrependi no momento em que aconteceu.
Ele respirou fundo e começou a secar as lágrimas.
— Certo. Eu não tenho o direito de ficar assim. Eu também beijei outras
pessoas — ele disse, me fazendo estremecer — Só que eu nunca passei de
um beijo. Eu precisava disso tudo aqui pra conseguir esquecer você — ele
se levantou e ainda parecia muito chateado.
— Como assim “precisava disso tudo aqui”? — perguntei, confusa.
— Eu preciso que você me fale que não me ama mais e que, apesar de ter
se arrependido de beijar aquele talarico, você não pensa mais em mim como
antes e conseguiu seguir sua vida.
No fundo deu até vontade de rir, pois tudo o que ele queria que eu falasse
era pura mentira. Ele se aproximou de mim e segurou meu rosto.
— Preciso que você diga isso pra eu entender que acabou de vez e poder
seguir em frente.
Senti vontade de mentir e dar a ele a libertação que tanto queria. Mas não
seria justa com nenhum de nós.
— Não posso dizer isso, lindo — olhei em seus olhos — Eu não estaria
sendo sincera nem com você, nem comigo. Não tem um dia em que eu não
pense em você. Meu coração não conseguiu se acostumar com a ideia de
não ser mais sua e não viver tudo aquilo que a gente sonhou.

Ele então fechou os olhos, numa mistura de cansaço com alívio e me


abraçou.
VOCÊ É MEU LAR
Yan
Voltamos para o salão e no final da festa, Seu João ofereceu a casa dele
pra eu dormir. Apesar de ficar tentado, achei que não seria uma boa ideia. O
fato de saber que Júlia ainda me amava não diminuía o problema, apenas a
angústia. Eu ainda estava trabalhando em outro estado e não teria como a
gente ficar junto. Dormir na casa dela não facilitaria as coisas. Pelo
contrário, a gente ia se machucar ainda mais.
Resolvi voltar pra casa de Pedro e Mari, já que eles iriam para um hotel e
depois viajariam juntos. Lá tomei um banho e fui me deitar. Apesar de ser
de madrugada, eu não conseguia dormir. Meus pensamentos estavam
bombardeando minha mente. Eu sentia uma raiva imensa do Fernando. Ele
foi baixo e acertou onde mais me doía. Eu sei que coisas assim podem
acontecer e a gente pode se apaixonar por pessoas que a gente nunca
imagina. Só que aquele safado estava de olho na minha namorada desde
quando eu a apresentei pra ele no dia da minha formatura. Eu vi como ele
olhou pra ela, só não imaginei que iria tão longe. Para ele deve ter sido
ótimo minha decisão de mudar de estado.
Na verdade, foi muito conveniente.
Extremamente conveniente.
De repente, me veio na cabeça uma lembrança da faculdade, durante uma
de suas aulas, onde ele falava sobre a importância de ter contatos no ramo.
Um de seus exemplos foi justamente um amigo que ele tinha em Belo
Horizonte, que trabalhava na mesma empresa na qual eu trabalho hoje. Meu
corpo gelou… Não! Eu estava ficando maluco. Ele não faria isso. Ele não
era tão escroto assim, era? Ele seria capaz de me mandar pra longe só pra
ficar com o caminho livre para pegar a Júlia? O pior é que parecia fazer
muito sentido. Eu não tinha experiência suficiente pra conseguir esse cargo
tão bom.
Quando o sol apareceu na janela, fui até ele. Eu precisava esclarecer essa
história. Fernando morava em um dos maiores condomínios da cidade onde
era uma baita burocracia para entrar. Então, quando eu chegasse na porta da
casa, ele já estaria preparado.
Depois da minha entrada autorizada, dirigi até a casa dele. Sua
empregada abriu a porta e disse que ele estava me esperando no escritório.
Nem bati na porta, só fui entrando.
— Estou tentando acreditar que fiquei maluco e que você não seria tão
baixo assim.
— E aí, meu jovem! Bem-vindo de volta! Tudo bem?
Falso. Desgraçado.
— Não vem com esse papo de merda! Você me apunhalou pelas costas!
Ele riu. O filho da puta riu da minha cara. Ao ver que eu avancei pra
cima dele, Fernando levantou uma das mãos me fazendo parar.
— O que você acha de conversar como um adulto? — ele apontou pra
cadeira à frente da mesa dele.
Ele só podia estar brincando.
— Eu não vou me sentar como se fosse a porra de uma reunião! Quero
que você confesse que mexeu os pauzinhos pra me mandar pra longe da
Júlia.
— Você está reclamando do fato de eu ter te dado a maior oportunidade
da sua vida? — ele falou sorrindo e balançando a cabeça — Eu sempre
gostei de você, Yan. Você sabe disso! Não ferrei com você! Eu te dei uma
oportunidade única de trabalho, que qualquer um dos engenheiros daquele
curso daria tudo pra ter.
— Você está querendo dizer que não fez isso pra pegar minha namorada?
— falei com ódio.
— Yan, quando você tiver a minha experiência, você vai entender que
quando a gente quer uma coisa, basta correr atrás e fazer acontecer. Eu
gostei muito dela e sei que ela gostou de mim. O único empecilho era você.
A propósito, o beijo dela é sensacional!
— Filho da puta! Eu vou acabar com você! — fui andando em sua
direção e ele se levantou com medo.
— Se você encostar em mim, sua vida é que estará acabada! Aceita que
você perdeu ela e bola pra frente!
Eu sorri, sarcástico.
— Você acha que consegue tudo com a porra desse seu dinheiro e seus
contatinhos, não é? Só que você não pode comprar todo mundo.
Ele não tirava o sorriso maldito da cara. Mas tenho certeza que com o
que eu estava prestes a fazer, ele mudaria a sua expressão.
Digitei o nome do gerente do RH da empresa em Belo Horizonte e
mandei um áudio.
— Ei, Rony. Yan aqui. Desculpe o horário da mensagem, mas quero
pedir minha demissão da empresa. Foi um prazer trabalhar com vocês, só
que meu lugar não é aí. Obrigada pela oportunidade.
Fernando imediatamente ficou sério.
— Você é burro ou é maluco? Você vai se queimar com a maior
construtora do país por causa dela? Você nunca mais vai conseguir nada
parecido com isso, seu retardado! — ele gritava enquanto eu saia da casa
dele.
Meu coração estava batendo forte com a adrenalina. E apesar de ter sido
uma grande decisão, eu estava em paz finalmente. Dirigi rápido até a casa
dela. Eu precisava vê-la, precisava explicar tudo e pedir mais uma chance.
Quando eu cheguei no portão, Seu João estava saindo para fazer uma
caminhada. Imediatamente, eu o abracei forte.
— Meu filho, o que houve? Está tudo bem?
— Meu lugar é com vocês, Seu João. Se ela me quiser de volta, é aqui
que eu vou ficar — falei com a voz embargada.
Ele me apertou e bateu nas minhas costas.
— Ela está lá dentro. Ainda está dormindo, mas eu deixo você entrar —
ele entregou a chave pra mim, piscando.
Entrei na casa silenciosa e segui para o quarto dela. Abri a porta devagar
e confirmei que minha menina estava dormindo. Dei a volta na cama e
sentei na beirada, perto do seu rosto. Ela dormia igual um anjo. A mulher
mais linda do mundo! Notei que ao lado da cama, em uma mesinha, estava
seu computador e o porta-retrato com a nossa foto. Quase explodi de alegria
por saber que ela ainda me mantinha por perto, que não quis me apagar de
vez da sua vida.
Olhei pra ela de novo e fiz carinho no seu cabelo, como eu costumava
fazer. A saudade era gigante e eu queria dizer tanta coisa. Ela começou a
abrir os olhos e quando me viu, ela sorriu e balbuciou com a voz rouca:
"Nossa, que sonho bom..."
E fechou os olhos de novo.
Não segurei o riso. Linda demais.
— Não é um sonho, linda. Eu estou aqui com você — comecei a beijar
seu braço, seu ombro e seu pescoço. Sentir seu cheiro de novo era
maravilhoso.
Ela então abriu os olhos de verdade e me segurou.
— Yan? O que está fazendo aqui?
— Eu vim pra dizer que não quero mais ficar longe. Meu lugar é ao seu
lado.
Ela franziu a testa, confusa.
— Como assim? E seu trabalho? — ela se sentou na cama, ainda
segurando meus braços.
— Eu acabei de pedir demissão.
Ela arregalou os olhos e colocou a mão na boca.
— Eu quero você mais do que tudo, linda. Não era pra eu estar lá. Foi
tudo uma armação contra a gente. Eu nunca seria feliz longe de quem eu
amo. De que adianta ter dinheiro, se não posso gastar ele com você? Pra
que juntar grana para dar o melhor pra minha família, se é com você que eu
quero construir uma? Como eu disse, meu lugar é aqui. Você é o meu lar.
Eu só preciso saber se você também me quer ainda — passei a mão em seu
rosto, com carinho.
Ela me olhou por alguns segundos, tentando assimilar tudo. Depois, se
jogou em cima de mim e me abraçou.
— Eu te amo! Eu te amo muito! — ela gritava.
Sem demorar nem mais um segundo, puxei-a para um beijo. Um beijo
mais do que esperado, cheio de saudade e de amor. Ela montou em cima de
mim e eu tratei logo de explorar seu corpo inteiro com minhas mãos. Ela
gemia de tanto tesão guardado e eu parecia que ia explodir. Tiramos nossas
roupas com pressa e fizemos amor ali na sua cama.
ESTAVA NA CARA
Júlia
Parecia um sonho. Não parecia ser real.
Estar de volta em seus braços era tudo o que eu queria. Nós dois
tínhamos o sentimento de que estávamos incompletos um sem o outro.
Depois de matarmos a saudade acumulada por meses, ele me puxou pra um
abraço, ainda na cama.
— Você conseguiu a proeza de ficar ainda mais gostoso do que quando te
conheci. Como isso foi possível? — perguntei sorrindo e ele deu uma
gargalhada.
— Recorri ao esporte para não enlouquecer de vez. Agora eu sou um
lutador.
— Sério? Nossa, que coisa sensual. Eu aprovei, viu? — dei um beijo
nele e ele apertou minha bunda.
— Não sei descrever a paz que sinto ao estar aqui com você. Há meses
não sinto isso — ele falou beijando minha pele.
— Não precisa descrever. Eu sinto o mesmo — de repente, lembrei do
que ele tinha dito — Não quero estragar o momento, mas estou curiosa. O
que você quis dizer quando disse que armaram contra a gente?
— O Fernando já estava a fim de você desde a minha formatura, quando
te viu pela primeira vez. Ele planejou tudo para que eu ficasse longe e ele
pudesse se aproveitar disso. Fernando falou com os empresários de Minas e
conseguiu aquela vaga pra mim.
Eu arregalei os olhos. Não era possível alguém tão baixo assim.
— E como você descobriu isso? — perguntei.
— Depois do casamento, eu liguei uma coisa com a outra. E hoje, fui
atrás dele e ele admitiu.
Coloquei as mãos no rosto. Como eu não percebi isso?
— Nossa, eu sou tão idiota!
— Não, linda. Ele enganou todo mundo. Não se sinta culpada — ele me
abraçou mais forte — Agora já foi. Estamos juntos de novo.
— Dessa vez é pra valer, não é? — falei sorrindo e olhando pra ele.
— Dessa vez é pra sempre.
EPÍLOGO
— Bom dia, lindo — cheguei por trás dele e beijei seu pescoço. Yan
parecia bem concentrado no computador.
— Bom dia, meu amor — ele beijou minha mão — Acordou cedo.
— Você que pelo visto madrugou aqui nessa mesa — peguei a xícara de
café dele e tomei um gole — O que está fazendo?
— Estou procurando um emprego, é claro. Não posso ficar aqui com
vocês sem contribuir com nada — ele falou e pude sentir a preocupação na
sua voz.
Depois que nós reatamos, Yan teve que voltar para BH para finalizar o
processo de demissão e trazer as coisas que não conseguiu vender. Só que
ele estava agoniado com o desemprego.
— Você não precisa ficar se perturbando com isso assim. Não tem que ter
pressa e…
Imediatamente, Soraia invadiu minha mente, fazendo meus neurônios
começaram a trabalhar.
— E o que? — ele notou minha pausa longa e se virou pra mim.
— Acho que sei onde você pode começar a buscar um trabalho. Espera
um pouco — corri até meu quarto e procurei o cartãozinho. Voltei e
entreguei pra ele — Aqui. A Soraia me deu pessoalmente o cartão dela e
disse que você poderia ligar quando precisasse.
Ele franziu as sobrancelhas.
— Soraia Mendes? Ela é "só" a dona da maior construtora de Palmas.
Quando foi que isso aconteceu?
— Bom, foi a única coisa positiva daquela festa chata que o babaca
Fernando me convidou — eu revirei os olhos — Apesar dele não me
apresentar como sua namorada nenhuma vez, eu tive a sorte de conhecê-la
por conta própria e ela gostou de mim.
Yan sorriu, orgulhoso.
— É claro! Quem não gosta de você é maluco — ele se levantou e me
envolveu em seus braços — Obrigada por se preocupar comigo, mesmo na
minha ausência.
— Liga logo pra essa mulher! Pode falar que descobriu que o Fernando
era um escroto. Acho que ela vai te entender bem.
Ele sorriu, mas fez uma cara confusa.
No quarto toque, ela atendeu.
— Bom dia, Dona Soraia. Tudo bem? Meu nome é Yan Brito, sou
namorado da Júlia, que a senhora conheceu há alguns meses em um
evento... Sim, ela mesma... Então, ela me disse que você entenderia se eu
dissesse que descobri que o Fernando era um escroto — ele falou, fechando
um dos olhos, com medo.
Deu pra ouvir a gargalhada dela de longe.
— Ótimo... Que horas a senhora tem disponibilidade?... Perfeito. Estarei
aí.
Quando ele desligou o telefone, eu levantei os braços querendo saber o
que ela disse.
— Dona Soraia disse que eu liguei em uma boa hora e ela está
precisando de um engenheiro que odeie o Fernando tanto quanto ela. Ela
marcou uma entrevista pra amanhã — Nós dois rimos juntos e nos
beijamos.
Ali eu senti que estávamos começando a construir nossa história e tive a
certeza que valeu muito a pena termos dado uma nova chance pra nós.
AGRADECIMENTOS
Algum tempo antes de escrever esse romance, encontrei uma cartinha
que escrevi aos 11 ou 12 anos, para o meu “eu” do futuro. Sim, sempre
gostei de escrever e nessa carta eu me perguntava se eu tinha virado
escritora, como eu desejava ser naquela época. Apesar de ser jornalista e
continuar trabalhando com histórias (só que agora reais), acabei deixando as
invenções de lado, mas sempre mantive meu lado criativo aflorado.
Então, depois de relembrar como eu amava o mundo da literatura, resolvi
começar a dar vida à história que já vinha rondando meus pensamentos.
Assim nasceu Uma Nova Chance. Um romance para mostrar que, ainda
que tudo pareça perdido, quando temos vontade de superar, Deus está ao
nosso lado dando forças e colocando as pessoas certas na nossa vida. Só
precisamos enxergá-las.
Agradeço de coração a todos que tiraram um tempo para ler minha
história, comentar e dar o feedback que eu amo receber. Obrigada à minha
família que sempre incentivou meu lado criativo e meus projetos. E
principalmente, obrigada a Deus, por sempre cuidar de mim com toda a sua
misericórdia e me dar dons muito legais.
CONTATO DA AUTORA
@patriciasoaresg
patriciasoaresg@mail.uft.edu.br
www.linkedin.com/in/patriciasgouveia

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