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INDIANA

UNIVERSITY

LIBRARY
5
REVISTA TRIMENSAL
5970

the Modelo
DO

INSTITUTO DO CEARÁ

L
B
TOMO I

1. TRIMESTRE DE 1887

Dedimus profectò grande


patientiæ documentum .

PIZA E ALMEIDA

CEARÁ - 1887
Typ . Economica
AS80

C3
v. /

INDIANA UNIVERSITY LIBRARY

SUMMARIO:

Relação nominal dos socios.


Meza administrativa .
Acta da sessão inaugural
Estatutos.
A vida de Antonio Rodrigues Ferrreira.
Testamento de Antonio Rodrigues Ferreira.
Memoria inedita apresentada á Junta do Governo do Ceará pelo
P. Vicente José Pereira.
Novas Canções Populares , A secca do Ceará, 1878 .
19.3-67

RELAÇÃO NOMINAL

DOS

OCIOS DO INSTITUTO DO GEARÁ


INSTITUTO

Bacharel Antonio Augusto de Vasconcellos .


Antonio Bezerra de Menezes .

Dr. Guilherme Studart .


Joakim de Oliveira Catunda .

P. Dr. João Augusto da Frota .

João Baptista Perdigão de Oliveira .


Dr. José Sombra.
Julio Cezar da Fonseca Filho .
Juvenal Galeno da Costa e Silva.

Bacharel Paulino Nogueira Borges da Fonseca .


Bacharel Virgilio Augusto de Moraes .
Bacharel Virgilio Brigido.
www
ww
J
MESA ADMINISTRATIVA

DO

Instituto do Ceará

PRESIDENTE

Bacharel Paulino Nogueira Borges da Fonseca.

VICE-PRESIDENTE

P. Dr. João Augusto da Frota.

1.° SECRETARIO

Joakim de Oliveira Catunda .

2.° SECRETARIO

João Baptista Perdigão d'Oliveira .

ORADOR

Julio Cezar da Fonseca Filho .

THEZOUREIRO

Dr. José Sombra .


C

6 REVISTA TRIMENSAL

COMMISSÕES

DE ESTATUTOS

Joakim de Oliveira Catunda .


Bacharel Virgilio Augusto de Moraes.
Julio Cezar da Fonseca Filho .

DE REDACÇÃO

Bacharel Virgilio Augusto de Moraes .


Bacharel Antonio Augusto de Vasconcellos .
Bacharel Paulino Nogueira Borges da Fonseca .

DE HISTORIA, GEOGRAPHIA E ESTATISTICA

Dr.Guilherme Studart.
Antonio Bezerra de Menezes .
Juvenal Galeno da Costa e Silva.

DE SCIENCIAS E LETTRAS

P. Dr. João Augusto da Frota.


Dr. José Sombra .
Bacharel Virgilio Brigido.

DE ACQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS

João Baptista Perdigão de Oliveira .


Antonio Bezerra de Menezes .
Joakim de Oliveira Catunda .

DE ADMISSÃO DE SOCIOS

Dr. Guilherme Studart .


Julio Cezar da Fonseca Filho .
P. Dr. João Augusto da Frota .
Sessão em 4 de Março de 1887

PRESIDENCIA DO DR. PAULINO NOGUEIRA

Aos quatro dias do mez de março de mil oitocentos


oitenta e septe, em um dos Salões da Bibliotheca Publi-
ca d'esta capital , presentes o Dr. Paulino Nogueira , Joa-
kim Catunda, João Perdigão , Dr. Guilherme Studart ,
Julio Cezar , Dr. Padre Frota , Dr. Antonio Augusto , An-
tonio Bezerra, resolveram fundar uma sociedade sob o ti-
tulo-Instituto do Ceará—com o fim de fazer conhecida
a historia e a geographia da Provincia e de concorrer
para a propagação das lettras e sciencias na Provincia .
Declarando n'esta occasião alguns dos socios presentes
que adheriam ao pensamento da sociedade e queriam to-
mar parte n'ella o Dr. Sombra , Dr. Virgilio deMoraes e
Juvenal Galeno , foram estes considerados como socios ef-
fectivos -Em seguida foram aclamados e unanimente ac-
ceitos presidente, Dr. Paulino Nogueira, vice- presidente
Dr. Frota, 1.º secretario J. Catunda , 2.º secretario João
Perdigão , thezoureiro Dr. Sombra, orador Julio Cezar
Filho . O presidente encarregou de organizar os Estatutos
á uma commissão composta dos socios : J. Catunda , Dr.
Virgilio e Julio Cezar Filho . E nada mais havendo a
tractar , designou o presidente a proxima quinta-feira
para a segunda reunião e levantou a sessão .
#
ESTATUTOS

DO

ŠNSTITUTO DO EAR
RÁÁ

Art. 1.°
S 1. ° O Instituto do Ceará tem por fim tornar conhe-
cidas a historia e a geographia da Provincia e concorrer
para o desenvolvimento das lettras e sciencias .
§ 2. Compõe-se de doze socios effectivos e de numero
indeterminado de socios correspondentes .
§ 3. Reunir-se-á uma vez por semana , em dia , hora
e logar determinado .
$ 4. Será dirigido por uma mesa composta de um pre-
sidente , um vice-presidente, dous secretarios , um the-
zoureiro e um orador , eleitos vitaliciamente .
0
§ 5. Publicará em uma revista trimensal as actas das
sessões e os trabalhos e mimorias off erecidas pelos socios .
Art. 2.°
0
S1. Para ser admittido socio effectivo , no caso de
morte ou renuncia de qualquer dos socios actuaes , deve-
rá o candidato apresentar um trabalho ou mimoria que
será submettido à consideração da commissão respectiva .
$ 2. Acceito o candidato , deverá este em sessão espe-
cial dizer algumas palavras acerca do seu antecessor, re-
10 REVISTA TRIMENSAL

memorando os serviços por elle prestados ao Instituto e


ás lettras .
$ 3. Para ser admittido socio correspondente deverá
o candidato satisfazer ás condições de admissibilidade de
socio effectivo .
$ 4. Cada um dos socios effectivos pagará uma joia
de dez mil réis ( 108000 ) e a mensalidade de dois mil réis
(2$000) . Os socios correspondentes pagarão igualmente
a joia de dez mil réis .
Art . 3.°
§ 1. Ao presidente incumbe : dirigir os trabalhos das
sessões , resolver os negocios urgentes no intervallo d'el-
las, e assignar com os secretarios o expediente e corres-
pondencia com as sociedades litterarias e scientificas .
§ 2. Ao primeiro secretario incumbe : lavrar a acta
das sessões, têr á sua guarda o archivo do Instituto e es-
crever a correspondencia .
$ 3. Ao segundo secretario incumbe : fazer a chama-
da dos socios, substituir ao 1. Secretario em seos impe-
dimentos e auxilial-o quando houver accumulação de
trabalhos .
$ 4. Ao orador imcumbe : fazer o discurso de rece-
pção dos socios effectivos , a oração funebre dos socios fal-
lecidos, e a do anniversario da fundação do Instituto .
$ 5 . Ao thezoureiro incumbe : arrecadar a joia e men-
salidade dos socios e assignaturas da Revista , e fazer as
despezas determinadas pelo presidente .
Art . 4.°
S Unico . Haverá mais as seguintes commissões : de re-
dacção, incumbida da destribuição das materias a publi-
car na Revista ; de sciencias e lettras, de geographia e
historia, encarregadas de dar parecer sobre trabalhos of
ferecidos ao Instituto e que digam respeito áquellas ma-
terias ; de acquizição de documentos relativos á historia
e á geographia da Provincia , sendo cada uma de tres
membros .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 11

Art. 5.°
S Unico . Os casos omissos serão resolvidos conforme
á natureza da Instituição .

Sala das sessões do Instituto , 24 de março de 1887.

PRESIDENTE ,

Paulino Nogueira Borges da Fonseca .

1. 0 SECRETARIO ,

Joakim de Oliveira Catunda .

2. SECRETARIO ,

João Baptista Perdigão de Oliveira .


97
B-
+ VIDA

DE

Antonio Rodrigues Ferreira

O politico , que mais legitima , benefica , extensa , desin-


teressada e exemplar influencia exerceu na generosa poli-
tica conservadora do Ceará , teve por berço provincia mui
distante, por pae cidadão de modestissima condição , e
sempre foi pobre de bens da fortuna .
Si por um lado este facto notavel honra o caracter cea-
rense que, para aquilatar do verdadeiro merito , prescinde
de titulos nobiliarchicos e dos ouropéis da riqueza , por
outro lado não honra menos aquelle que soube , por suas
proprias virtudes civicas, conquistar em terra estranha a
estima , confiança e gratidão de um povo altivo , intelli-
gente e emprehendedor,cheio de dignidade e destituido de

bairrismo, que amisquinha


O patrio amor, e açula os vis instinctos . ( 1 )

(1) Porto Alegre (Barão de Santo Angelo), " Colombo, Vol . 2.º ,
Cant. 20. Pag. 12."
14 REVISTA TRIMENSAL

Depois de quasi 28 annos de sua morte, sem que lhe


reste um só parente em quem sobrevivesse, abrio -se ago-
ra a opportunidade à justiça da posteridade que é ao mes-
mo tempo a da historia inflexivel.
Tambem uma homenagem séria não é prestada conve-
nientemente sinão um tanto longe do tumulo , quando as
paixões amigas ou inimigas se tem acalmado sem que a
indifferença tenha ainda começado . (2)
Nasceu Antonio Rodrigues Ferreira (3) na cidade de
Nictheroy , capital da provincia do Rio de Janeiro, em
1801 (4) , filho legitimo de Antonio Rodrigues Ferreira e
de D. Marcolina Rosa de Jesus.
Seo pae foi praça do exercito, mas conta-se que, tendo
dado baixa e compromettido-se em uma questão de terras ,
o
sahio furtivamente para o Rio da Prata, onde por muit
tempo não se soube mais noticias suas. (5)
o
Presume -se com bom fundament que a mãe tivesse
mo rr id o r
po es se te m p o , e qu o filh , reputando - se quasi
e o
or ph ão de pa e e m ã e , estas duas tristezas d'alma , na
ph ra se do ph il os op ho , tivesse por mais acertado procurar
oc cu pa çã o de ce nt e em outra parte .
Empregou se na Côrte em uma pharmacia franceza ,
cujo proprietario era exaltado liberal : mas , quando já
havia adquerido alguma pratica de botica e a estima de
seo patrão , é de sorpresa agarrado para recruta e reco-
lhido á cadêa publica .

(2) Guizol,, " Sir Robert Peel , L'Etude d'Histoire Contemporaine,


Cap. 1.º , pr
(3) Chamou-se a principio Antonio Rodrigues Ferreira de Macedo ;
mas, depois de casado , tirou MACEDO , que aliás sua mulher conservou
até á morte .
(4) Em um artigo publicado no PEDRO 11 n . 1133 de 18 de Junho de
1852 e desta data elle dizia que tinha 52 annos . Logo nasceu em 1801 .
(5) Até pouco antes de sua morte, esteve convencido de que o pae
tinha morrido. Teve certeza do contrario por carta que recebeu sua ,
recommendando-lhe dous moços . Isto referio-me o Snr. Guilherme
Augusto de Miranda como tendo ouvido-o ao proprio Ferreira .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 15

O tempo comportava esses excessos , já depois da disso-


lução da Constituinte, em fins de 1823 , quadra anormal
e penivel para os liberaes , então mais geralmente conhe-
cidos por patriotas .
Por causa das idéas do patrão , o inoffensivo e joven
caixeiro era tão duramente castigado !
Felizmente a violencia durou pouco . O general Catêtte ,
amigo do pharmaceutico , fêl-o evadir-se pela grade da
prisão, tão magrinho elle era , e refugiar- se a bordo de
um navio mercante , que estava a largar para o Recife .
O commandante, a quem o moço havia sido recommen-
dado , recommendou-o tambem, por sua vez , ao negociante
portuguez d'aquella praça, Manoel Gonçalves da Silva ,
que o acolheu benevolamente em sua casa .
Por felicidade sua , achava-se igualmente hospedado na
mesma casa o negociante e consul portuguez nesta praça ,
Manoel Caetano de Gouvêa, que com elle sympathisou ,
convidou -o e trouxe- o para seo caixeiro .
Foi a fortuna de ambos.
Mal pensava Gouvêa que trazia em sua compainha um
homem superior que lhe havia de ser tão util e seo amigo!
Mal pensava tambem o desventurado caixeiro que o des-
tino o levava para a sua terra promettida !
E' que assim tinha de ser.
Atirado nas plagas cearenses , como o naufrago em terra
estranha, vae elle agora transformar-se no bemfeitor da
humanidade, no chefe politico incomparavel .

II

Em 1825 chegaram á esta capital .


Coincidio a sua chegada com a secca terrivel que nesse
anno assolou a Provincia , e com os summarissimos julga-
mentos dos cabeças da revolução do Equador pela Com-
missão Militar.
Em quanto a natureza em braza fazia dizimar a popu-

3
16 REVISTA TRIMENSAL

lação com o supplicio cruel da fome, o cadafalso levan-


tado na praça publica fazia rolar inanimes as cabeças dos
patriotas cearenses . (6)
Imagine-se a impressão desanimadora que não deve-
riam causar tão horrorosos espectaculos á mente afflicta
d'aquelle que ainda sentia-se roçar pelas lugubres paredes
do carcere !
Parece que Céos e terra davam-se as mãos , em um
cortejo de desusadas torturas , como que para , por toda
parte , atormental -o e perseguil -o .
Era o contraric . E ' que o homem só encherga da na-
tureza a superficie .
Outro ter-se-ia amofinado logo , teria fugido talvez de
um paiz sú plantado de syrtes e espinhos ; seo animo va-
ronil , porem , avigorou - se ainda mais com essas scenas
extraordinarias de pranto .
São assim as almas de eleição da propria desgraça
sabem crêar elementos de vida ! Os mesmos revezes sio-
lhes de degráos para a gloria , que nunca teriam conquis-
tado si houvessem envelhecido no obscuro repouso de
longa prosperidade .
Os horrores inauditos da miseria foram -lhe de nova e
proficua escola de caridade , sublime e universal virtude de
que foi sempre fervoroso apostolo ; o sangue das victimas
a jorrar quente do patibulo feroz crêou -lhe invencivel
repugnancia ao algoz , e foi- lhe de proveitosa lição de
experiencia para , em toda sua vida , não comprometter a
ninguem em emprezas temerarias .
III

Quiz Deos que o primeiro beneficio que tivesse de pra-


ticar fosse na pessoa mais intima do seo bom patrão .

(6) A execução teve logar , em Abril Maio de 1825, no CAMPO DA


POLVORA,hoje PASSEIO PUBLICO , nos seguintes patriotas : Padre Gonçalo
Ignacio de Loyola Albuquerque Mororó , Coronel João de Andrade
Pessoa Anta, Francisco Miguel Pereira Ibiapina, major Luiz Ignacio
de Azevedo , vulgo Bolão , e Feliciano Jo é da Silva Carapinima
DO INSTITUTO DO CEARÁ 17

A mulher deste, senhora respeitabilissima , adoéce gra-


vemente de um parto arriscado .
O marido extremoso esgota rapidamente e debalde todos
os recursos medicos , que então eram escassos.
Quasi diante de um cadaver, a gratidão e a caridade
acordam no coração bemfazejo do ex-caixeiro da phar-
macia franceza a tão piedosa quanto arrojada resolução
de restituir a vida á quem quasi que já não a tinha mais .
E não é para admirar tanto a temeridade quanto a
felicidade .
Com pasmo geral a illustre enferma restabelece-se ,
graças à feliz applicação dos remedios e aos inexcediveis.
cuidados do improvisado medico !
Por isso um dos maiores medicos da França disse n'um
discurso publico que nas molestias ordinarias os enfer-
meiros sabiam tanto como os medicos , nas extraordina-
rias os medicos não sabiam mais do que os enfermeiros . (7)
Gouvêa então não só grato a tamanho serviço , como
convencido de que seria um beneficio à humanidade
aproveitar a aptidão medica do caixeiro , já seo amigo ,
com empenhos seos e do tenente-coronel Conrado , presi-
dente da Commissão Militar, conseguio do Protomedicato
do Recife licença para Ferreira abrir botica nesta capital ,
e á sua custa mandou vir d'aquella praça os medicamen-
tos necessarios .
Ferreira abrio botica na mesma casa , em que veio a
morrer (8) ; e desde logo a fortuna começou de sorrir-lhe.
Era em modestas proporções a mesma versão de Des-
mares , que de simples ajudante do grande oculista Schiel
attingio á celebridade depois da importantissima cura que
opérou no conde de Syracusa , restituindo-lhe perfeita a
vista compromettida .

(7) Conselheiro Bastos , " Medico do Deserto . "


(8) Casa terrea , de 3 portas, n . 24 da actual PRAÇA DO FERREIRA ,
antiga MUNICIPAL, outr'ora de PEDRO P'ertence hoje ao espolio do
finado pharmaceutico capitão Pedro Nogueira Borges da Fonseca.
18 REVISTA TRIMENSAL

Assim tambem a fama d'aquelle importante successo


andou muito adiante do nome de seo obscuro auctor.
O boticario foi logo convertido em medico , e é verdade
universalmente attestada que nenhum outro lhe levava
vantagem .
Augmentava-lhe a procura , alem da confiança, a cer-
teza de elle nada levar a ninguem pelos curativos , nem
mesmo aos pobres pelos remedios sobretudo em caso de
gravidade .
Sua popularidade crescia por actos constantes de bene-
ficencia ; e a musa popular , sempre expressiva em seos
veridicos conceitos , celebrisou-o em sua gratidão com o
caracteristico alcunha de - Ferreira Boticario, com que
aliás elle se lisongeava . (9)
Um dos seos mais applaudidos actos foi seo casamento
em 1827 com uma cearense mui pobre , como elle mesmo
o disse pela imprensa em 1852. ( 10 )
Sua mulher, D. Francisca Aurea de Macedo , tão desti-
tuida de bens da fortuna quanto rica de virtudes , era filha
legitima do honrado cearense João Carlos da Silva Car-
neiro, natural de Aracaty , donde havia chegado ha poucos
annos acossado pelos rigores da secca, em procura de re-
cursos, e que agora passava a fazer parte, com toda familia ,
da economia domestica do philantropico e humanitario
genro.
Mas Deos abençôou sua reconhecida humildade , que
foi parte solida para sua futura grandeza .

(9) Alguns espiritos pequeninos , mordidos pela inveja ou raiva , ás


vezes usavam desse alcunha por escarneo . Não assim, porem , na
Inglaterra , onde ora o nome de baptismo, ora o de familia , é affectuo-
samente estropiado on diminuido pelo povo . Foi assim que William
Pitt mudou-se em BILLY. John Russell em JOHONNY, Robert Peel em
BEBBY OU BOB, Palmerston em PAM, Disraéli em Dizzi ; e , tornando-se
esses alcunhas populares, ficam sendo de uso universal . Vide SIR
ROBERT PEEL pelo Conde de Jarnac , " Revue des Deux Mondes." NOTA .
(10) " Vim de minha provincia, Rio de Janeiro, para aqui com a
idade de 25 annos , moço , robusto e solteiro , "aqui me casei com uma
cearense mui pobre . " " Trecho do seo artigo no PEDRO u citado ...
DO INSTITUTO DO CEARÁ 19

IV

Ferreira foi sempre um espirito convencidamente or-


deiro .
Ninguem em politica já teve procedimento mais cor-
recto e coherente .
Todas as concessões rasoaveis poderia fazer ás pessoas ,
e as fazia muitas vezes , menos quando se tractava de
idéas .
Não é que já nesse tempo tivessemos na Provincia par-
tidos politicos definidos e extremados, como depois viémos
a ter ; mas porque elle com uma orientação admiravel
possuia o segredo de descobrir nos acontecimentos o fio da
boa causa com a mesma certeza com que o azougue des-
cobre o ouro .
Deixemos á margem factos de menor importancia para
abordarmos de preferencia aquelle que primeiro accentuou ,
pode-se dizer , firmou as escolas politicas em que ainda
hoje se acha dividido o paiz e a Provincia .
Depois da abdicação de 7 de Abril de 1831 , diz o Barão
Homem de Mello , o Brazil achou-se em uma dessas crises
supremas , que decidem dos destinos de uma nação .
Fraccionados os vencedores depois do successo , tres par-
tidos appareceram na scena politica , disputando o governo
do paiz ( 11) .
Bernardo Pereira de Vasconcellos , o maior genio politico
que o Brazil tem tido , depois de devotado á causa da de-
mocracia triumphante e encarnada no Acto Addcional ,
em 1834, hasteou na camara dos deputados a bandeira
do regresso, proferindo um dos seos mais vigorosos dis-
cursos, justificando -se : -
« Fui liberal ; dizia elle , então a liberdade era nova no
paiz , estava nas aspirações de todos , mas não nas leis ,

(11) Golpe de Estado, na Bibliotheca Brazileira , pag. 157.


20 REVISTA TRIMENSAL

não nas idéas praticas ; o poder era tudo ; fui liberal .


Hoje porém é diverso o aspecto da sociedade ; os principios
democraticos tudo ganharam e muito comprometteram ;
a sociedade que então corria risco pelo poder, corre agora
risco pela desorganisação e pela anarchia . Como então
quiz , quero hoje servil - a , quero salval-a ; e por isto sou
regressista . Não sou transfuga , não abandono a causa
que defendo no dia dos seos perigos , da sua fraqueza ;
deixo-a no dia em que tão seguro é o seo triumpho que
até o excesso a compromette .
« Quem sabe si , como hoje defendo o paiz contra a
desorganisação , depois de o haver defendido contra o des-
potismo e as commissões militares , não terei algum dia
de dar outra vez a minha voz ao apoio e á defeza da li-
berdade ? Os perigos da sociedade variam : o vento das
tempestades nem sempre é o mesmo ; como hade o politico ,
cégo e immutavel , servir o seo paiz ? » ( 12)
Essas idéas não podião deixar de quadrar a um espirito
puro , bem intencionado e essencialmente patriotico .
A democracia tem certamente dous defeitos que não
podião seduzil - o : aspira apaixonadamente a dominar
com exclusivismo , e é habitualmente dominada pelos
instinctos e paixões do momento . A julgar pela historia
do mundo , é de todos os poderes sociaes o mais exigente e
imprevidente , o que menos divisões e limites admitte ,
assim como o que mais obedece ás fantasias presentes , sem
cuidar do passado nem do futuro ( 13) .
Sobreleva que Alencar , para cuja eleição senatorial
elle havia concorrido ( 14) , agora na administração da

( 12) Vide Barão Homem de Mello , 66 Biographia de B. P. de Vas


concellos, na " Bibliotheca citada , Vol. 2, Pag . 57.
(13) Guizot, obr. cit . , pag. 353.
(14) Major João Brigido , “ Os Partidos politicos no Ceará , na Gazeta
Litteraria da Corte, " Vol 1.º Pag. 205 .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 21

Provincia ( 15) , não só por corresponder à politica demo-


cratica do seo intimo amigo Regente Feijó , como tambem
ás exigencias exageradas dos co-religionarios do Ceará ,
torna-se severamente hostil para com aquelles que op-
punham-se a seos actos .
De tal sorte que , quando Figueira de Mello , Ibiapina e
Pinto de Mendonça voltam da Camara dos Deputados dis-
postos a realisarem a politica de Vasconcellos , já encon-
tram crêado por Albuquerque , Machado , Ferreira e outros
o partido caranguejo em luta com o chimango ( 16) ,
fuzão dos Alencares com os Castros, que já agora tinhão
no ministerio , com a pasta da Fazenda , tambem o seu
chefe Manoel do Nascimento Castro e Silva.
Essas denominações esdruxulas foram muitos annos de-
pois substituidas por conservador e liberal, que ainda
prevalecem .
Aquelle teve por seo orgão A Opposição Constitucio-
nal e este o Semanario da Assemblea Provincial
Até que afinal cahio a situação por um acto de acriso-
lado patriotismo de Feijó .
Vehementemente contrariado em suas convicções, diz o
Barão Homem de Mello , desarmado perante a omnipo-
tencia parlamentar de então e da qual o governo era
como que uma commissão , inhibido de fazer appello ao
paiz , comprehendeu que não era o homem da situação
e que a sua continuação no poder era improficua para os
bens que desejava fazer ao paiz .

(15) Senador José Martiniano de Alencar foi nomeado por Carta


Imperial de 23 de Agosto de 1834, e tomou posse a 6 de Outubro do
mesmo anno
( 16) 0 Dr. Sylvio Romero , na " Revista Brazileira , Tom 6, Pag.
213 ," diz que chimango é palavra tupi , nome de partido politico
e " especie de rato ; " mas a idea verdadeira que tenho deste animal é
que é ave omnivora , especie de caracará (milvago chimango) . Vide
Pedro M. Posser, Maravilhas da Creação," Pag. 22. Por escarneo
foi este nome posto nos " liberaes " d'aquelle tempo que, em represa-
lia, poseram tambem nos adversarios o de " caranguejo", crustaceo
de dez pernas, muito abundante nos mangues da nossa costa
22 REVISTA TRIMENSAL

Então , com essa abnegação que formava o fundo de


seu caracter, tomou a nobre e elevada resolução de ab-
dicar o mando supremo, e o entregou a seus adversa-
rios (17).
Por Decreto de 18 de Setembro de 1837 nomêou minis
tro do imperio ao Dr. Pedro de Araujo Lima , depois Mar-
quez de Olinda, que neste caracter assumio interinamen-
te a Regencia do imperio , e chamou no dia seguinte ao
poder os conservadores, nomeando o gabinete de 19 de
Setembro , de que foi a alma Vasconcellos ( 18 ) .
Com a pasta da justiça e interino da do imperio , o gran-
de estadista explanou o seu programma, e desenhou com
franqueza os seus principios de governo . Todos os seos
actos tradusiam o pensamento de armar a autoridade , re-
construir a monarchia .
A' sua grande obra dedicou todo o ardor de suas cren-
ças . Da alta posição que occupava , facil lhe foi encami-
nhar a victoria das novas idéas ( 19) .
Manoel Filizardo de Souza e Mello (20) é escolhido para
inaugurar a situação na Provincia, e os caranguejos ,
como prova de sincera adhezão , fundaram o Dezeseis de
Dezembro , da data da posse do novo administrador, afim
de servir de orgão do partido e da nova ordem de cousas .
O presidente tambem, em arrhas de sua lealdade poli
tica , chamou para seo secretario o Dr. Miguel Fernan

(17) Biographia de Diogo Antonio Feijó, " Bibliotheca" cit Pag. , 120
( 18) O gabinete de 19 de Setembro compunha-se, alem de Vascon-
cellos, de Miguel Calmon Du Pin e Almeida ( Marquez de Abrantes) ,
Fazenda ; Antonio Peregrino Maciel Monteiro ( Barão de Itamaracá) ,
Estrangeiros; Joaquim José Rodrigues Torres (Visconde de Itaborahy) ,
Marinha ; Sebastião do Rego Barros, Guerra. Ainda não havia n'esse
tempo a Presidencia do Conselho , que foi creada por dec . n . 523 de 20
de Julho de 1847 ,nem a pasta da Agricultura , creada pelo Decreto n.1067
de 28 de Julho de 1860 e organisada por outro n . 2748 de 16 de Feve-
reiro de 1861.
(19) Biographia de B. P. de Vasconcellos cit. , Pag. 85.
(20) Nomeado por Carta Imperial de 16 de Outubro de 1837 .

w
ww
DO INSTITUTO DO CEARÁ 23

des Vieira (21) , principal proprietario e redactor do jor-


nal , que em 1840, com a elevação do actual Imperador
ao throno, tomou o nome de Pedro II , com o qual ainda
hoje se publica.
A 16 de Abril de 1837 Vasconcellos deixou o poder de-
pois de ter firmado no paiz o predominio definitivo da
escola conservadora (22) .
No Ceará os caranguejos firmaram tambem seo predo-
minio definitivo , tendo á sua frente Miguel Fernandes ,
Albuquerque, Machado , Ferreira e outros .

Em 1840 sobem ao poder , com o gabinete da Maiori-


dade, de 23 de Julho , os liberaes em todo o imperio , e
conseguintemente os chimangos na Provincia .
Mas esse gabinete , não obstante ser composto dos vul-
tos mais proéminentes do partido dominante (23) , mal
poude viver uns oito mezes , e menos ainda na Provin-
cia, onde a noticia chegára um pouco retardada , de
modo que o major João Facundo de Castro Menezes, no-
meado vice-presidente , só poude assumir a administração
e iniciar a derrubada a 9 de Setembro .
Os chimangos, apenas reassumiram o poder , publica-
ram , ad instar dos caranguejos , o Vinte e Trez de Julho ,
da data do novo ministerio .

(21 ) Nomeado por Portaria de 10 de Fevereiro de 1838, tomou posse


no mesmo dia
(22) Biographia de B. P de Vasconcellos cit. , Pag. 61 .
(23) Este gabinete compunha-se de : Antonio Carlos Ribeiro de An-
drada Machado e Silva , Imperio : Antonio Paulino Limpo de Abreu
(Visconde de Abaeté) , Justiçā ; Martim Francisco Ribeiro de Andrada ,
Fazenda Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho ( Visconde de Se-
petiba), Estrangeiros ; Antonio Francisco de Paula Hollanda Caval-
canti de Albuquerque (Visconde de Albuquerque), Marinha ; e Fran-
cisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque (Visconde de Suassuna) ,
Guerra.
24 REVISTA TRIMENSAL

A 23 de Março 1841 já os conservadores organisavam


gabinete , mas os caranguejos só começaram a gozar das
doçuras do poder a 9 de Maio , quando assumio a admi-
nistração da Provincia o general José Joaquim Coelho ,
depois Barão da Victoria (24) .
Dão perfeita idéa dos desmandos da situação decahida
os seguintes trechos do Relatorio , com que o novo gabi-
nete fundamentou perante a Corôa o pedido de dissolu-
ção da Camara dos Deputados recentemente eleita no do-
minio liberal :
« O Brazil inteiro , Senhor, se levantará para attestar
que em 1840 não houve eleições regulares . São irregu-
larmente suspensas (até mesmo em massa) autoridades,
1 cuja adhesão é suspeita ou duvidosa ; ordens com pre-
venção lavradas são confiadas aos agentes, que presidem
á empreza eleitoral , para remover obstaculos e impedir
que predomine a vontade publica ; empregados publicos
são collocados na dura collisão de optar entre o sacrifi-
cio da sua consciencia e o pão de seos filhos ; operarios
de repartições publicas, soldados , marinheiros de embar-
cações de guerra são constrangidos a levar á carga cerra-
da , em listas que lhes são impostas, um voto de que não
tem consciencia; agentes subalternos da menor moralida-
de , e autorisados para proceder como lhes aprouver, arre-
gimentam e armam individuos , cujos direitos são mais
que contestaveis, cuja nacionalidade mesmo é duvidosa ,
e muitos dos quaes, não pertencendo ás parochias , não
tem nellas voto ; estes regimentos invadem os templos ,
arrancam das mezas com violencia , e rasgando - lhes as
vestes , cidadãos que para as compôr haviam sido cha-
mados , e os substituem por outros à força ; expellem dos
mesmos templos com insultos e ameaças cidadãos paci-
ficos , que ahi concorrem para exercer um dos mais

(24) Nomeado por Carta Imperial do 1º de Abril de 1811 .


DO INSTITUTO DO CEARÁ 25

preciosos direitos do cidadão livre , qual o de eleger


os seos representantes . E se estes regimentos não
bastam , se o cidadão não se acobarda , a um aceno d'a-
quelles agentes , obedecidos pela força armada , são ac-
commettidos os templos , profanados por bayonetas , e cor-
re o sangue brazileiro ! » (25)
Por aviso do ministerio do imperio de 5 de Fevereiro
de 1842 já o governo havia declarado que a representação ,
que se acabava de eleger , não era digna de subir á pre-
sença do Imperador, e pelo Decreto de 1.º de Maio se-
guinte foi dissolvida essa Camara .
O Decreto de dissolução , diz Abreu e Lima , que não
pode ser suspeito aos liberaes , foi lido perante a Camara
entre 10 e 11 horas d'amanhã e ouvido com o mais pro-
fundo silencio . Passada meia hora estavam desertas a Ca-
mara e as galerias : nenhum signal houve de desappro-
vação , sem embargo de ser esta uma medida violenta , e
que se empregava pela primeira vez depois da Consti-
tuinte . (26) .
Emfim futuros historiadores poderão com justiça da
posteridade averiguar até que ponto foi util e neces-
sario nesse periodo da infancia e da organisação do Bra-
zil que o poder fosse exercido antes por estadistas secta-
rios do principio da autoridade do que pelos partidarios de
um liberalismo mais ardente e generoso do que reflecti-

(25) Este importante documento tem a data do 1.º de Maio de 1842,


e se encontra na " Historia da Revolução de Minas", pelo conego José
Antonio Marinho , e nas " Fallas do Throno, pelo conselheiro Pereira
Pinto, Pag 332.
E' assignado por todo ministerio , composto do : Marquez de Para-
naguá (Francisco Villela Barboza), Marinha ; Candido José de Araujo
Vianna (Marquez de Sapucahy) , Imperio: Paulino José Soares de Souza
(Visconde de Uruguay) , Justiça ; Miguel Calmon Du Pin e Almeida
(Marquez de Abrantes), Fazenda ; Aureliano de Souza Oliveira Couti-
nho (Visconde de Sepetiba), Estrangeiros ; José Clemente Pereira ,
Guerra.
(26) " Synopsis ou Deducção Chronologica dos Factos mais notaveis
da Historia do Brazil , " Pag. 387.
26 REVISTA TRIMENSAL

do, e sobretudo applicavel ás circumstancias do paiz n'a-


quella epocha de exaltação e anarchia (27) .
Pelo que diz respeito à Provincia, não pode ser mais
completa e desesperada a reacção operada pelo vice-presi-
dente major Facundo, hoje so attenuada pela exagera-
ção partidaria commum a todos n'aquelles tempos.
O proprio presidente, senador Alencar, teve a condem-
navel imprudencia , que lhe ia sahindo bem cara, de ir
pessoalmente a Sobral render a força publica que lá es-
tava destacada .
A assembléa provincial, exagerando a situação em
proveito dos amigos, commetteu ainda maior impruden-
cia, votando a lei n.º 220 de 29 de Dezembro , suspenden-
do por espaço de 31 dias as garantias especificadas nos
SS 6, 7, 8 , 9 e 10 do art . 179 da Constituição do Imperio,
e autorisando o presidente da Provincia a tomar às me-
didas exigidas pela segurança publica.
E a imprensa liberal excedeo -se tanto , penetrando até
no lar domestico para esganar a vida privada de uma ma-
trona respeitavel , a ponto da vindicta particular reputa-
tar-se com bastante rasão para roubar ao partido chimango
e á familia numerosa e illustre, na noute aziága de 8 de
Dezembro de 1841 , a vida preciosa do seo prestimoso
chefe que, como quasi sempre acontece, pagou dessa vez
bem caro o mal que não fez.
Era , portanto, uma das principaes missões do novo ad-
ministrador dar força á autoridade, pondo em execução
a lei de 3 de Dezembro , que acabava de ser promulgada .
Então pela primeira vez foi Ferreira honrado com
uma nomeação official - 6. ° supplente do delegado de
policia do termo da Capital (28) , cargo que acceitou e
de que nunca foi demittido nem pedio demissão , chegando
em virtude delle a assumir algumas vezes o exercicio

(27) Mello Mattos, " Paginas d'Historia Constitucional do Brazil ,'


Pag. 60 .
(28) Nomeado por Portaria de 18 de Março de 1812 .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 27

da delegacia , e uma dellas , a 3 de Setembro de 1856 , a


ser encarregado do expediente da secretaria de policia na
ausencia do respectivo chefe de policia.
Coube-lhe tambem esse anno ainda a honra de
exercer o mandato de vereador da camara municipal
da Fortaleza ; facto este a que se prende um dos episó-
dios mais interessantes da nossa historia politica e da
sua vida publica, e que por isso mesmo precisa de ser
bem explicado , para que inexactas e apaixonadas ver-
sões não tomem no futuro o logar da verdade .
Os chimango tinhão ganhado em toda a Provincia as
eleições de deputados geraes para a legislatura de 1842 ,
mas empregando a mais forte compressão contra à liber-
dade do voto , como ficou demonstrado .
Os caranguejos , preteridos em seos direitos , quasi
como em desespéro de causa , reuniram-se no collegio
central do Saboeiro , que aliás ainda não - era freguezia , e
apuraram a eleição , que haviam figurado feita na fre-
guezia de S. Mathéos com 1100 eleitores , tantos quantos'
eram precisos para cobrir-se toda a votação dos demais
collegios da Provincia.
Apurada a votação destes, serião eleitos : Manoel do
Nascimento , P. Carlos Augusto Peixoto de Alencar,
Vicente Ferreira de Castro e Silva , P. José Ferreira
Lima Sucupira , Dr. Francisco de Salles Torres Homem
(Visconde de Inhomerim) , Dr. João Capistrano Bandeira
de Mello , Tenente José Mariano de Albuquerque Ca-
valcanti e Joaquim Ignacio da Costa Miranda . Todos
chimungos .
Apurada, por em , a unica eleição de S. Mathéos , o re-
sultado seria todo favoravel aos caranguejos : Drs . Mi-
guel Fernandes Vieira , André Bastos de Oliveira , Fran
cisco de Souza Martins , Manoel José de Albuquerque ,
José Pereira da Graça ( Barão do Aracati) , Antonio José
Machado , P. José da Costa Barros e Antonio Pinto de
Mendonça .
28 REVISTA TRIMENSAL

O presidente da Provincia ordenou, por officio de 5 de


Fevereiro e 10 de Março , á Camara da Fortaleza que
apurasse a eleição de S. Mathéos , e expedisse diplomas
aos deputados eleitos ; mas não foi obedecido , pelo que
suspendeu-a, mandando juramentar e empossar os imme-
diatos em votos . (29)
Eram estes todos caraguejos , em cujo numero jà se en-
contrava o nome de Ferreira, e foram todos juramentados
e empossados . (30)
Logo na sessão de 1. ° de Abril Ferreira , no começo dos
trabalhos , apresentou a seguinte indicação : «< Indico que
esta Camara proceda á nova apuração para Deputados
que tem de servir na 5. legislatura , por isso que a pro-
cedida pela Camara transacta contém notas inexactas no
corpo da acta da mesma , o que a lei não permitte ; e de-
pois de legalmente apurados se remettam diplomas aos
Deputados , que nella obtiveram a maioria dos votos. >>

(29) PORTARIA : -Devendo todas as autoridades da Provincia pre-


star obediencia ao Presidente, por serem subordinadas à vista do art.
1º da Lei de 3 de Outubro de 1831. e tendo a Camara da Capital dei-
xado de cumprir a ordem que lhe fora transmittida em officios ns . 25
e 30 do governo da Provincia , claro está que se acha incursa no art.
154 do Cod . Crim .; e por isto o Presidente da Provincia, usando da
faculd de que lhe outorga o § 8 do art. 5 da sobredita lei de 3 de Ou-
tubro de 1831 , suspende dita Camara , que convocará os supplentes,
que a devem substituir, e lhes deferirá o juramento do estylo. Assim
se cumpra. Palacio do Governo do Ceará em 12 de Março de 1812.
José Joaquim Coelho .
(30) Acta da Sessão Extraordinaria de 22 de Março de 1812. - Pre-
sidencia do Snr Xavier Nogueira. Presentes os Snrs . José Antonio
Machado, João Baptista da Cunha , José Theophilo Rabello, ANTONIO
RODRIGUES FERREIRA , Francisco Fidelles arrozo , e Miguel Joaquim
Fernandes Barros, o Snr. Presidente, Francisco Xavier Nogueira, fez
ver que por ordem do governo da Provincia tinha convocado os Snrs .
Vereadores para lhes deferir juramento e tomarem posse, por ter sido
suspensa a de que elle fazia parte ; e por não comparecer o Secretario
nomeou o Snr. Presidente interinamente o Snr. Barros, e depois de
deferir juramento e empossar os Snrs. Vereadores acima mencionados
se retirou, tomando a presidencia o Snr Machado, por ser o mais
votado
DO INSTITUTO DO CEARÁ 29

Esta indicação foi approvada, procedeo-se á nova apu-


ração , sendo eleitos os candidatos caranguejos que rece-
beram ajuda de custo . (31 )
Muito exacerbou os chimangos esta apuração , que ain-
da hoje proclamam como escandalo inaudito , sem se lem-
brarem que esse escandalo não passou de simples e mere-
cida represalia a outros , sem duvida , maiores . Abyssus
abyssum invocat.
Nem o facto era virgem . O exemplo , os liberaes mes-
mos já o haviam dado em outras provincias .
No seo Relatorio , apresentado ao parlamento em 1837 ,
o ministro dajustiça Limpo de Abreu (Visconde de Abae-
té) já referia alguns , como o de figurar votando no colle-
gio do Lagarto, em Sergipe, composto apenas de cinco fre-
guezias, 3627 eleitores ! A votação dos districtos de Pi-
ancó e Souza, na Parahyba, supplantou pelo numero ,
diz o ministro , os votos de todo o resto da Provincia , e só
nomeou a deputação ! pelo que o governo, de sua pro-
pria autoridade, annulou a eleição dos Deputados dessa
Provincia , como consta do Decreto de 6 de Março de 1837 .
(32)
E' verdade que um mal não justifica outro, mas sem
duvida nenhuma o attenùa muito , e tira a quem o pra-
tica o direito de queixar-se da represália , que é um di-
reito incontestavel dos que soffrem .
Quem semêa ventos não deve surprender-se de co-
lher tempestades .
Em todo caso não devemos estygmatisar esse passa-
do , que merece antes ser levado á conta da exaltação de

(31 ) Pompeo , " Apontamentos para a Chronica do Ceará , " Pag . 12 ,


e "Ens Est. ," Tom . 2º, Pag. 317. "
(32) Vide "Systema Eleitoral do Brazil por Francisco Belisario
Soares de Souza, Parte, 2. , Pag. 47.
A eleição conservadora foi annullada pela Camara dos Deputados ;
mas com a dissolução desta perderam tambem os liberaes a sua.
30 REVISTA TRIMENSAL

tempos anormaes e do meio inculto e rude então predo-


minantes.
Virtude civica havia ahi a apreciar essa hombridade
de cavalheiro , que não recusa o combate com armas
brancas e a peito descoberto , nem a plena responsabili-
dade dos proprios actos .
Era isso que fazia de Ferreira um politico singular
adoravel : nas grandes crises era seo o posto mais arrisca-
do ; assim como sua palavra , quer aspera quer amiga ,
sempre a expressão purissima e convencida de suas in-
tenções , um evangelho de verdade .
Não tinha os detestaveis refolhos de Tiberio que, na
phrase de Tacito , externava nos labios o contrario do que
guardava no coração . Aliut in lingua promptum , aliud
in pectore clausum .
Com a morte levou a certeza de que ninguem, gregos
e troyanos , jamais ousou duvidar da sua lealdade .
Por isto os amigos o idolatravam , os adversarios o res-
peitavam e todos o admiravam.

VI

Factos importantissimos estavam proximos de confir-


marem -no ainda mais neste merecido conceito , que é hoje
a expressão sincera e espontanea de todos os cearenses .
O conselheiro José Carlos Pereira de Almeida Torres ,
depois Visconde de Macahé , repudiado dos chefes con-
servadores da côrte , havia por despeito organisado o ga-
binete de 2 de Fevereiro de acordo com os liberaes (33) , e
tomado a si a ingrata tarefa de castigar por toda parte ,

(33) O gabinete de 2 de Fevereiro de 1814 compunha-se de : Al-


meida Torres, Imperio ; Manoel Alves Branco ( Visconde de Caravellas) ,
Fazenda e interino da Justiça ; Ernesto Ferreira França, Estrangei-
ros ; Jeronymo Francisco Coelho , Marinha . interino da Guerra . So-
bre o repudio a Almeida Torres vide Mello Mattos , " Pagina de His-
toria Constitucional do Brazil" cit.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 31

nos antigos có- religionarios , a nobre altivez dos chefes ,


começando de dissolver a Camara dos Deputados (34) .
Nessas occasiões não faltam pretextos para a deserção ,
de sorte que o grito de rebeldia no olympo agradavel-
mente repercutio até a fralda da montanha .
Ainda não era conhecida pelo nome a celebre maxima
de Bismarck , que Silveira Martins perfilhou - o poder é
poder ; mas os seos effeitos fascinadores já erão assàs pre-
sentidos desde então .
Alguns caranguejos . aliás dos melhores serviços e
precedentes , pretextando exclusivismo do chefe , Dr. Mi-
guel Fernandes , na direcção da politica , adheriram á
situacão , alliando-se aos chimangos no illusorio e absur-
do intuito de crêarem um partido equilibrista ou do
meio, mantenedor do equilibrio entre os existentes .
Contavam com o apoio do governo e do seo delegado
na Provincia , Coronel Ignacio Corrêa de Vasconcellos ,
(35) já assás conhecido desde a sua primeira administra-
ção, e tinham conseguintemente por certo o triumpho
nas proximas eleições para Deputados Geraes.
Triumpharam com effeito (36) ; mas sua victoria , tão
desastrada como a de Pyrrho , converteo-se logo em pun-
gentes remorsos para elles . pelo anathema cruel que
lhes inflingio a opinião , sobretudo seos insuspeitos allia-
dos .
Estes conheceram um tanto tarde o presente grego

(34) Dissolve -a por Dec. de 24 de Maio de 1811, convocando ou-


tra para o 1.º de Janeiro do anno seguinte.
(35) Nomeado por Carta Imperial de 4 de Novembro de 1814 ,tomou
posse a 4 de Dezembro seguinte .
(36) Foram eleitos deputados geraes para a 6 a legislatura de 1845-
1847 quatro liberaes e quatro equilibristas : Dr. Frederico Augusto
Pamplona, Dr. Joaquim José da Cruz Secco, P. Carlos Augusto Pei-
xoto de Alencar, Dr. Manoel Soares da Silva Bezerra, Vicente Fer-
reira de Castro e Silva, Dr. João Fernandes Barros e P. José da Costa
Barros. Tendo fallecido este antes de tomar assento, foi substituido
pelo Dr. Thomaz Pompêo de Souza Brazil .

2
32 REVISTA TRIMENSAL

com que tinha sido castigada sua ingenuidad , mas cêdo


e
ainda para despedirem -nos pelo seo orgão , a Fidelidade
(37) , com o Ide- vos suissos engajados (38) , expressão que
tornou-se celebre pela sevéra e apropriada applicação ,
com que a justiça publica acabou de desmoralisal - os para
sempre.
Desde então até hoje a palavra equilibrista ficou va-
lendo em politica pela nodoa indelevel de Macbeth , que
nem toda agoa do oceano poude lavar. E' ainda uma
injuria bem qualificada atirada ao politico leal e sincero .
Quasi todos voltaram ao partido caranguejo e foram
recebidos como o filho prodigo na casa paterna ; sem
embargo de alguns, que, apezar do ferrete ignominioso
que lhes foi inflingido e que devia queimar-lhes a car-
ne , continuaram todavia a militar e por fim se confundi-
ram com os seos soberbos alliados , como as almas pen-
nadas do Inferno de Dante-

Pernas e coxas vi-as tão unidas


Que nem leve signal dava a juntura
De que tivessem sido divididas . (39)

Dos saquaremas, nome que então substituira o de ca-


ranguejos (40) , é justo que destaquemos, dentre os que
mais denodadamente batalharam pela boa causa , as pes-
soas de Ferreira, que já presidia a Camara da Fortaleza ,

(37) Era este o nome em que se havia transformado o "Vinte Tres


de Julho, para dar arrhas da " fidelidade" com que os " chimangos"
estavam dispostos a haverem-se com os seus alliados " equilibristas".
Dous annos depois ainda transformou-se em " Cearense", sob a redac-
ção e direcção de Frederico Pamplonae Pompeo, e ainda mantem o titulo .
(38) Allusão aos suissos e outros estrangeiros engajados pelo go-
verno para a guerra da Cisplatina, em 1826, e que se tornaram tão
turbulentos que o mesmo governo teve necessidade de despedil- os .
Vide J. Armitage, "Hist. do Brazil", Pag. 70.
(39) "Divina Comedia", Cant XXV, Traducção de Machado de
Assis.
(40) A denominação de " saquaremas," aos "carangueijos, " hoje
"conservadores," proveio da seguinte circumstancia. Por esse tempo
appareceo na provincia do Rio de Janeiro um celebre Padre Cèia ,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 33

verdadeira potencia politica , o maior obstaculo offerecido


ao adversario armado até os dentes ; e do Dr. Pedro Pe-
reira, na redacção de Periquito , jornalito caricato e espi-
rituosissimo, cujas pilhérias , do mais fino sal attico , em
prosa e verso , valiam por settas mortiferas arremessadas
ao inimigo commum , envolvido nas gargalhadas e redi-
culo geraes e esmagadores.
Os serviços deste, o partido procurou pagal-os logo
com uma cadeira no parlamento na primeira legislatura ;
mas com que moeda pagaria os d'aquelle ? Quem ousaria
mesmo ensombrar aquella organisação de brilhante , fal-
lando-lhe de recompensa aos seos actos incessantes de su-
bido desinteresse e do melhor quilate civico ?
Entretanto ninguem mais facil de se contentar : dava-
se por bem pago com a enorme e crescente popularidade
que o envolvia prodigiosamente como uma nuvem de
incenso .
Em Setembro de 1848 obteve elle uma dessas pagas
na eleição de camara da Capital .
Administrava a Provincia o actual senador Fausto
Augusto de Aguiar desde 13 de Maio (41 ) .

que se distinguio como subdelegado de policia da villa de " Saqua-


rema ". Expedindo uma ordem de prisão, dizia que si o réo resistisse
"fosse morto paulatinamente". Isto servio de thema para larga e
acrimoniosa discussão contra os liberaes, e o nome de " saquarema"
tornou-se logo notavel e apreciado Como Rodrigues Torres ( Visconde
de Itaborahy) e Paulino José Soares de Souza (Visconde de Uruguay)
tinham grande parentella nessa villa, e com efficacia defendiam os seos
parentes, e estes foram mais ou menos attendidos em contraposição aos
actos do Padre Cêia, foi a denominação se convertendo em synonimo
de favorecido, potentado, que a principio deo-se aos parentes desses
dous personagens politicos, e que depois passou ao partido inteiro,
inclusive o do Ceará — Esta explicação é necessaria : porque a maledi-
cencia partidaria quiz ver nessa nova qualificação motivo injurioso
para os que a abraçaram : attribuio-se-lhe a origem do verbo "sacar,
saquaremos," aliás "sacaremos, " pretenção emprestada aos conserva-
dores no combate de " S. Luzia , " em Minas, no qual os liberaes foram
derrotados. O nome é indigena ; significa - sem peixe ; de "sagoa"
peixe e " eyma" sem e proveio de uma lagoa no municipio. Dr. Martius,
Golss Ling Braz." Pag 524.
(41) Nomeado por Carta Imperial de 5 de Abril de 1848 .
34 REVISTA TRIMENSAL

Os chimangos preparavam-se para o pleito com ardor


quasi revolucionario . Era para receiar-se, por tanto,
grande alteração na ordem publica .
Mas na hora extrema ainda uma vez realisa-se o mons
parturiens do fabulista.
Não conseguindo da administração o apoio que espera-
vam e em que punham toda sua esperança, logo ao pri-
meiro encontro, tocaram a quartéis, ficando os saquare-
mas senhores do campo e da victoria.
Ferreira foi , nessa occasião, alvo das mais freneticas
ovações : o povo não consentio que elle fosse a pé para a
casa levou - o em braços desde a capella do Rosario , que
servia então de matriz .
Mas , assim como ha males que vem para bem, assim
tambem ha bens que nos trazem males .
Por causa dessa ovação ia Ferreira enviuvando nesse
dia.
A mulher, vendo -o assim agarrado pelo povo, sem sa-
ber a rasão, persuade-se de que queria-se assassinal- o , e
teve uma syncope tão profunda , que della veio a morrer
sete annos depois (42) , sem que antes podesse mais go-
sar saúde.
Ferreira era tambem esposo extremoso . Nunca mais
casou-se, e desde então trajou , até à morte, pésado luto ,
que retractava fielmente sua alma profundamente sen-
tida .
Aggravava-lhe essa tristeza o nunca ter tido um sò fi-
lho , nem mesmo illegitimo que podesse legitimar, como
elle declarou no seo testamento .

(42) NO PEDRO II n. 1430 de 21 de Fevereiro de 1855 Ferreira pu-


blicou este agradecimento :
« Antonio Rodrigues Ferreira cordealmente agradece ás pessoas que
se dignaram de obsequial-o acompanhando ao cemiterio do Croata o
corpo de sua muito presada esposa Francisca Aurea de Macedo , e es-
pera que renovarão este acto de caridade e religião, assistindo á missa
do setimo dia, que terá logar sexta-feira, 23 do corrente, pelas 4 horas
d'amanhã, na igreja matriz desta cidade. >>
DO INSTITUTO DO CEARÁ 35

Ora, si Lord Byron queixava-se de não só elle como


seos parentes nunca produzirem sinão fructos unicos ,
comparando -se por isso ás alimarias , tigres e leôas , que
parem pouco (43) , quanto mais o marido que nunca pou-
de ser pae e gosar dessa ineffavel delicia do coração hu-
mano !
Nada mais expressivo a este respeito do que o prover-
bio indiano : O homem só é completo quando é triplice :
tem mulher e filhos.
Mas Ferreira enganou - se : elle teve não um , mas mui-
tissimos filhos, todos immortaes , -esses que se contam por
suas boas obras, impereciveis na gratidão publica e par-
ticular.
VII

Outra ordem de serviços , que não os meramente poli-


ticos, concorreo talvez ainda mais para fazel - o um bene-
merito.
Refiro-me aos que prestou como vereador e presidente
da Camara Municipal da Capital no periodo não inter-
rompido de 18 annos (44) .
Entrou para a Camara , como vimos , em fins de Março
de 1842 , e já a 3 de Março do anno seguinte os amigos ,
reconhecendo sua superior aptidão , cederam-lhe a presi-
dencia, honra de que nunca mais foi preterido até a morte.

( 43) Emilio Castellar, " Vida de Lord Byron", Pag. 11.


(44) O leitor vae ver que o major João Brigido não foi justo nem
exacto quando disse na sua " Chronica , A Fortaleza em 1810, Pag. 29":
« O serviço, por tanto, que se tem attribuido a Antonio Rodrigues
Ferreira, de ter alinhado a cidade, fica redusido ao facto de ter con-
tribuido poderosamente, em epochas posteriores, para a observação
d'aquelle plano. A outro boticario caberia a gloria pela execução do
traçado de Paulet, sendo preciso restituir-lhe o que lhe tiraram, para
illustrar o nome d'aquelle .
Ferreira chegou ao Ceará em 1825 , quando já existiam muitas ruas
da nova planta. Entrou para a Camara, na qualidade de vice- presi-
dente, na eleição, que se fez no governo de Fausto A. de Aguiar ( 1848)
e servio de presidente no quatriennio seguinte , fallecendo em 1856 » .
36 REVISTA TRIMENSAL

Neste posto seo maior empenho consistio sempre em


beneficiar por todos os modos o municipio, maxime a ca-
pital , cujo aformoseamento , pode-se dizer sem medo de
errar, é quasi todo obra sua .
Tambem só elle, com o grande prestigio e força de
vontade de que dispunha , podia vencer todas as difficul-
dades que se lhe antepunham , consistentes de ordinario
no proprio interesse contrariado dos amigos.
Facillimo a um chefe politico é armar á popularidade,
preterindo o bem publico pelo privado ; difficilimo , po-
rem , fazer justiça contra os affecto ; do coração , e não le-
vantar rebeldia nem clamores !
Donde lhe vinha esse segredo ?
E ' porque naturezas ha , diz José de Alencar, que tem
a força de imprimirem o seo cunho n'aquelles que as cer
cam ; outras se apoderam da indole alheia insinuando-se
nella pelo affecto , impregnando-se de sua essencia (45) .
Mas não tardemos em rememorar esses serviços .
Na sessão de 25 de Abril Ferreira já pedia ao Presiden-
te da Provincia que mandasse ao Architecto levantar
nova planta da cidade, tendo em vista a existente , mas
com augmento de ruas e modificações de outras , afim de .
serem convertidas em praças , que não tinhamos ou ti-
nhamos defeituosissimas.
De posse dessa nova planta, deo começo com energia e
dedicação inexcediveis à obra bemdita e reparadora da
execução .
Na sessão de 19 de Junho já levava ao conhecimento
d'assembléa provincial a noticia da demolição quasi total
da rua do Cotovelo (46) , encravada na antiga Praça Mu-
nicipal, hoje do Ferreira , paralella ao lado do nascente .

(45) 0 Til. , Vol. 1o, Pag 77.


(46) Essa rua, que formava uma especie de cotovello , donde lhe veio
o nome, era formada de casas do Coronel Machado, negociante Marti-
nho Borges, D. Anna Senhorinha e Antonio Lopes Benevides . Vide
Actas das Sessões de 24 de Abril, 2 e 19 de Junho e 11 de Julho de
1843 .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 37

Era tambem proposito seo , de que só desistio para evi-


tar enormes despezas e prejuisos , demolir igualmente o
antigo edificio da Cadea do Crime, quando esta em 1855
passou para a Cadêa Nova , de modo que a praça se es-
tendesse até o actual sobrado do Coronel José Albano
(47) .
Não tendo podido realisar esse intento , pretendia le-
vantar no lado fronteiro ao sobrado do Coronel Machado
um outro torreão , igual ao do lado da actual Bibliotheca
Publica, para nelle funccionar a assembléa provincial
(48) .
Mas , não chegando a acordo com o Presidente Pires da
Motta limitou-se a dar ao predio camarario a convenien-
te transformação que ainda conserva, e comprou de in-
telligencia com o mesmo Presidente, por conta dos cofres
da Camara, os chamados Quartos d'Agostinha, sitos na
actual praça José de Alencar, demolio -os , e sobre elles
foi então levantado o elegante edificio d'assembléa pro-
vincial por conta da Provincia ( 49) .
Na praça do Garrote, hoje dos Voluntarios da Patria,
fez demolir uma casa que estava fora do alinhamento ,
obstruindo a passagem franca e a vista para o actual bou-
levard do Visconde do Rio Branco (50) .
Mais ainda teve elle de fazer, demolindo toda casaria
existente entre os edificios do Thezouro Provincial e o
d'Assembléa Provincial , hoje propriedade da Casa In-
gleza (51) , fazendo a nova praça da Sé .

(47) Vide Actas das sessões de 3 e 17 de Agosto de 185t .


(48) Vide Acta citada da sessão de 3 de Agosto de 1851.
( 49) Esses "Quartos" foram comprados por 2 : 400$000 , que foram
logo pagos pela Camara . Vide Acta supra.
(50) Vide a Acta da Sessão de 19 de Abril de 1818. Essa casa era
de Antonio Simões Ferreira Faria.
(51) Havião nesse espaço as seguintes casas : 2 e umas frentes de 5
portas de Francisco Xavier Nogueira, 1 de Manoel de Pontes Franco,
1 de D. Francisca Mendes, 4 de Bernardo José de Mello, 1 de D. Maria
dos Santos, 1 de Antonio Raposo , el sobradinho com duas casas de
D. Joanna, viuva de Luiz Carlos.
38 REVISTA TRIMENSAL

Demolio igualmente algumas casas de palha entre a


Sé e o palacete do Dr. José Sombra , uma dellas proxima
do Palacio Episcopal , com um pequeno pomar .
Desobstruidas , alinhadas e aformoseadas assim as pra-
ças, deo começo ao plantio de arvores pelas do Ferreira
e José de Alencar , no centro das quaes mandou abrir
dous cacim bões de pedra , com grande utilidade publica
ainda hoje, dos quaes pretendia fazer chafarizes (52) .
E tudo isto e outros muitos melhoramentos sabidos e
que omittimos por desnecessario , realisou com maxima
economia ; porque no ajuste do preço a moeda mais cor-
rente era o seu prestigio e popularidade.
Resolvida a demolição de um predio qualquer, ou o
proprietario convinha no preço arbitrado , ou ficava priva-
do de fazer mais reparos externos de qualidade alguma
no dito predio .
Nessa luta vencia sempre a Camara ; isto é , o bem pu-
blico.

XIII

Assim como era devotado ao bem material do munici-


pio , não o era menos à religião e ás obras de caridade .
Em 22 de Setembro de 1848 lançou a pedra fundamen-
tal de uma capella com a invocação de Nossa Senhora
das Dóres , de quem era fervoroso devoto , no sitio em que
a 22 de Setembro de 1878 , 40 annos depois , foi lançada
a pedra fundamental do magnifico templo do Coração
de Jesus.
Ainda hoje custa-nos a crêr que em uma cidade tão
sinceramente catholica como esta , onde o nome de Fer-
reira é tão querido , essa capella , que aliás chegou ao
ponto de receber a coberta , não attingisse à conclusão ,

(52) Acta cit. da sessão de 3 de Agosto de 1854.


DO INSTITUTO DO CEARÁ 39

quando outras em condições menos favoraveis , já ahi es-


tão prestando-se com maxima decencia ao seo fim reli-
gioso ! (53) .
Quando o ex-presidente Pires da Motta quiz dar an-
damento á obra do actual Hospital de Misericordia, co-
meçada na presidencia de Vasconcellos em 1847 , reunio
em palacio as pessoas mais gradas da Capital , procedeo á
uma subscripção (54) , e só de Ferreira confiou a adminis-
á qual esse pio estabelecimento chegou
tração , graças à
quasi a funccionar ainda em vida do benemerito varão .
Não menos se faziam sensiveis os seos sentimentos re-
ligiosos na ferv orosa devoção á S. José , padroeiro da fre-
guezia, cujas novenas festejava com pompa e enthu-
siasmo desconhecidos nesta terra, por isso ainda hoje re-
cordados .

(53) Debalde o senador Jaguaribe na CONSTITUIÇÃO n . 57 de 14 de


Abril de 1871 bradou contra a indifferença :
« O Tenente-Coronel Ferreira , tendo assignalado sua existencia por
muitos actos de beneficencia , quiz pouco antes de desligar-se da terra ,
assignalal-a por um importante serviço á religião . começando a erigir
a capella de Nossa Senhora das Dores em frente da praça hoje deno-
minada dos Voluntarios da Patria.
<«< Este acto de piedade christã , praticado por um cidadão presti-
moso, que na vespera de sua morte encontrou na população desta capi-
tal espontaneo acolhimento , devia ser motivo para conciliarem - se dous
sentimentos , cada qual mais louvavel, o de religiosidade que tanto o
distingue, e o de honrar a memoria do Tenente- Coronel Ferreira le-
vando ao cabo a obra por elle começada .
Assim , porem, não aconteceo ; as paredes da capella , aliás adian-
tadas, não receberam mais um só tijollo de accrescimo , depois da
morte do seo fundador !
Isto, porem, não é o peior : ha ahi alguma cousa mais sen uravel,
ha crime e sacrilegio .
Quando morreo o Tenente- Coronel Ferreira, havia ao pé da capella
grande quantidade de materiaes, a saber : tijollo , cal e consideravel
porção de optimas linhas ou traves de madeira de lei da melhor quali-
dade, ao passo que hoje nada disso existe !
Chamamos a attenção do Snr. Dr. Juiz de Capellas para este facto ,
que é deploravel e merece severa syndicancia . »
(54) Essa reunião teve logar a 25 de Março de 1851 , e a subscripção
orçou por cerca de 4 contos de réis, que foram logo entregues a Fer-
reira. Vide PEDRO ns . 1333 e 1335 de 27 de Março e 5 de Abril
de 1854.
40 REVISTA TRIMENSAL

Mas onde resplandecia mais sua alma candida era na


sacrosanta pratica da caridade, que soube sempre exer-
cer com tanta reserva que se tornava invariavelmente
conhecida pela bocca do beneficiado ; porque elle com-
prehendia melhor do que ninguem que em materia de
caridade onde acaba o mysterio começa a ostenta-
ção (55) .
A sua mio nunca se fechou ao pobre e o seo coração vi-
veu sempre aberto para todos os infelizes .
Só depois de sua morte é que se soube ao certo quanto
a modestia encobria nelle tanta virtude !
A quantas familias não soccorria ? A quantos orphãos
não amparava? A quantos , sem distinccão de côr politica ,
não protegeo ?
E ' cedo para declinar nomes , mas não o é para lembrar
os seos feitos .
Entre muitos tinha por devoção , todos os mezes , com-
prar certo numero de bilhetes da loteria da Côrte, unica
que havia então , para repartir por 12 donzellas pobres as
sortes que sahissem (56) .
Por tudo isso morreu pobra, podendo ter accumulado
honradamente boa fortuna ! (57) E-

Que o bom religioso verdadeiro


Gloria vaa não pretende, nem dinheiro . (58)

IX

Em grande parte seu extraordinario valimento pro-


vinha da inexcedivel abnegação em todos os seos actos .

(55) Alberie Segond, " Dia de S. Nunca ," Traducção de Salvador de


Mendonça, Pag. 120
(56) Vide PEDRO II n. 1909 de 30 de Abril de 1859.
(57) Todos os seos possuidor, segundo seo inventario , andaram
por 17:5078260 !
(58) Camões, " Lusiadas," C. 10 , E. 150 .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 41

Raros poderião dizer como elle : «Sou demais conheci-


do, não vivo , nem tenho familia que pretenda viver à
custa da nação ; nunca percebi um só sceitil que não
fosse por meio de minha profissão ; nunca tive a fofa
pretensão de querer figurar na scena politica ; portanto ,
não sou ganhador, sou devotado a meo partido por prin-
cipios e sympathias, tenho consciencia de lhe ter pre-
stado todo apoio que me tem sido possivel , com a melhor
boa fé e lealdade » (59) .
A' excepção de 6. ° supplente do delegado de policia ,
do mandato de vereador e presidente da Camara da Ca-
pital , teve a patente de tenente coronel do batalhão de
reserva da Capital (60 ) , e o habito de Christo por oc-
casião do anniversario natalicio de S. Magestade o Im-
perador ! (61 ) .
Era esse o seo maior brasão , mas não a sua inexpu
gnavel fortaleza .
Toda esta provinha principalmente da sua superiori-
dade natural . O mais era simples accessorio .
A medida do valor dos homens , diz Ruy Barbosa , não
é arithmetica , senão moral : está na personalidade , a qual
se aprecia menos pelas acções do que pela influencia .
Diz-se que os que escutavam a palavra de Chatam sen-
tiam haver al guma cousa mais bella no homem do que
as mais bellas cousas que elle fallava . O' Ióle , como
atinaste que Hercules era Deus ? Porque era fital - o e sen-
tir-me feliz . Quando eu encontrava Theséu , queria
vel-o dar batalha ou guiar o carro impetuoso ; mas
Hercules não demandava confronto , conquistava , appa-
recendo . São assim as almas de eleição : suas victorias
dão -se por demonstração de superioridade , não por cru-

(59) PEDRO 1 cit. 1133 de 18 de Junho de 1852


(60) Nomeado por Dec. de 17 de Setembro de 1852.
(61 ) Nomeado por Dec. de 2 de Dezembro de 1854.
42 REVISTA TRIMENSAL

zar de bayonetas ; triumpham, porque a sua chegada al-


tera a face dos acontecimentos (62) .
Outros poderiam ter os mesmos serviços, os mesmos
merecimentos , e até mesmo melhores dotes physicos ( 63) ,
mas não conquistariam as mesmas victorias , si lhes fal-
tasse essa superior iniciativa .
Aconteceria a elles o mesmo que aquelle heroe de que
falla Voltaire , na sua Henriada, brilhando na rətaguar-
-
da, mas eclipsando- se na vanguarda : -

Tel brille au second rang


Qui s'eclipse au primier.

Fazião-no até grande e respeitado , o que em muitos é


motivo de profundos desgostos , -certos impetos de cole-
ra com que costumava castigar os defeitos dos ami-
gos ; porque todos afinal reconheciam que esse não era
o fundo do seo caracter, aliás naturalmente doce e ama-
vel até para com as proprias crianças, só irascivel por
amor do bem e do proximo.
Seria defeito de temperamento ?

Não sei dizer qual é mais sacrosanto exemplo ,


Se Christo quando chama a si os pequeninos ,
Se , quando incendiado em impetos divinos ,
Expulsa e azorraga os vendilhões do templo . (64)

Mas chefes de partido ha, diz José de Alencar , que no


interesse de sua ambição , servem-se do talento prostitui-
do de um insigne tratante , com quem se atrelam e con-
vivem na maior familiaridade, como amigos e compa-

(62) " Discurso funebre" ao Senador J. Bonifacio .


(63) Ferreira era feio : um pouco baixo, magro, moreno, narigudo,.
cabello quasi a escovinha , trajava mal, e era inseparavel de uma lu-
neta de ouro que não tirava do olho direito, e o afeiava ainda mais.
Era tambem um tanto fanhoso como Gambeta ou J. de Alencar.
(61) Guerra Junqueiro, " A morte de D João , Introdução, " Pag . 34.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 43

dres, Pensam elles que mais tarde, quando deitarem fóra


esse torpe instrumento, podem lavar a mão que o mane-
jou ; mas enganam -se que essa lepra moral da corru-
pção não ha lexivia que lhe apague a macula (65) .
Semelhante conceito , aliás justissimo , jamais poderá
attingir a Ferreira..
De certo que um partido politico não é , não pode ser
como a impossivel Republica de Platão , toda composta
de bons ; mas nessa dura contigencia mesma de lidar
com gente peior, nem a propria maledicencia chegou a
attribuir-lhe familiaridade com quem não estivesse mui-
to na altura de merecel - a.
E estes eram raros .
Todos os mais guardavam-lhe respeitosa distancia,
que nunca ousavam transpór .
Co -religionarios de elevada posição , serviços e mere-
cimentos, deputados geraes mesmos , vião-se muitas ve-
zes descobrir-se quando elle apparecia , e tractal-o com as
mais scelectas distincções .
Era essa uma das provas mais evidentes da sua supe-
rioridade natural .
O leão não é o rei dos animaes porque seja o mais fe-
roz ; nenhum ao contrario mais generoso .
E' porque deve sel -o ; é porque , si não fosse , seria
universalmente acclamado ; é porque , si não quizesse ,
abrigariam-no unanimemente a acceital-o .
Ferreira tinha plena consciencia de si , e os que os cer-
cavam ainda conhecião melhor o seo valor .

E ' chegada a opportunidade de abordar o facto que


mais desgostos talvez tivesse causado a Ferreira em toda
sua longa vida politica .

(65) " Guerra dos Mascates, " Vol . 2. Pag. 143.


44 REVISTA TRIMENSAL

Acabava de ser promulgada a lei de 19 de Setembro


de 1855 , que dividio as provincias em circulos eleitoraes
de um só deputado e incompatibilisou a magistratura .
Era uma verdadeira conquista da idéa liberal , a cujo
serviço o marquez de Paraná , presidente do conselho de
ministros , poz seos talentos e grande prestigio .
Isto vem para dizer que a victoria foi arrancada aos
co-religionarios vencidos , mas não convencidos .
Euzebio de Queiroz , o chefe mais eminente do partido
conservador na Côrte, tocára á postos contra a invasão ,
vira-se no momento acercado de toda a deputação cea-
rense .
O successo repercutio na Provincia como triumpho li-
beral ; e, si não o foi em sua total consequencia , talvez
não fosse sinão porque a morte supprimio logo depois
da lista dos vivos o chefe do gabinete, substituido pelo
marquez , depois duque de Caxias ( 66) , que apenas não
exagerou a victoria contra o seo partido .
Mas o seo delegado na Provincia, Dr. Paes Barretto (67) ,
manteve sempre tão inteira neutralidade na administra-
ção , que por mais de uma vez chegou a merecer louvores
da imprensa liberal , em uma quadra climaterica , em
que seos antecessores não haviam escapado da mais des-
abrida opposição .
Estavam marcadas as eleições primarias para 3 de
Novembro, nas quaes deviam-se apresentar os conser-
vadores ( 68) , contando somente com os seos proprios re-

(66) Falleceo o mirquez de Paraná a 3 de Setembro de 1856, mas,


tendo enfermado gravemente desde 23 de Agosto, o marquez de Caxias ,
ministro da guerra, assumio interinamente neste dia a presidencia do
conselho e effectivamente n'aquelle .
(67) Francisco Xavier Paes Barreto foi nomeado por Carta Imperial
de 15 de Setembro de 1855, e tomou posse a 13 de Outubro seguinte .
Tendo deixado a administração a 9 de Abril de 1856, para tomar
assento na Camara temporaria, reassumio-a a 11 de Outubro do mesmo
anno .
(68) Data desse tempo a denominação de "conservadores para os
"caranguejos, dada por Euzebio de Queiroz quando no seo monu-
mental discurso de 16 de Junho de 1855, geralmente conhecido por
"canto de cysne, " porque foi o ultimo que pronunciou digno de seos
creditos de grande orador, combateo pela " conservação" da legislação
vigente contra as innovações do governo, que pregava a " Conciliação".
DO INSTITUTO DO CEARÁ 45

cursos , esses mesmos enfraquecidos por estemporaneas


candidaturas de amigos , animados pela possibilidade de
exito em uma pequena circumscripção eleitoral .
Tambem em tempo algum o partido conservador deu
tão má copia de si , não pelo que succedeu nas eleições
primarias, porque não se pode lançar á sua conta o san-
gue derramado nas parochias de Sobral , S. Anna e Im-
peratriz , mas pela desorganisação que já lavrava no seo
proprio seio , sem explicação rasoavel .
Não fallemos dos assassinatos e da practica de outros
graves crimes, que todos condemnamos ; mas a luta in-
cruenta pela victoria no terreno legal é mais do que
prova de vitalidade , é o exercicio de um direito pelo bem
commum , e que ninguem deve tentar supprimir na vida
dos partidos , sob pena de supprimil-os tambem.
E ' mui bello certamente sonhar com algum alento par-
lamentar onde o povo podesse exercer seus direitos sem
violencia e onde as opiniões mais diversas se podessem
conciliar sem discussão ; na practica esse idéal admiravel
não seria sinão a universal indifferença e a escravidão
nuiversal. Em toda parte onde existe um corpo elei-
toral e uma acção que se governa á si mesma , querer
acalmal-a e adormecel -a é querer annullar seo poder. Ao
contrario, onde quer que as instituições e os costumes
mantem a actividade dessas lutas beneficas , grandes fal-
tas podem commetter-se, mas não são irreparaveis , e o
futuro não está perdido . (69)
Não me arreceio das lutas apaixonadas , costumava di-
zer J. Russel ; é no meio das chammas e aos rudes gol-
pes que ferem a bigorna retumbante , que a liberdade
recebe sua forma , a consciencia a sua força .
Mas a luta fratecida , sem fomento de uma idéa generosa ,
que nome pode ter ? E ' a decomposição pelo egoismo .

(69) Duvergier de Hauranne, antigo ministro de Luiz Felippe, « Me-


morias sobre o Suffragio Universal .
46 REVISTA TRIMENSAL

Foi este o triste espectaculo que deo então o partido


conservador.
Os liberaes em summa mal poderam arregimentar suas
forças e dar combates em tres districtos, Aracati , Batu-
rité e Sobral ; mas apenas ganharam no primeiro e vié-
ram afinal a perder nos dous ultimos . (70)
Nos outros districtos o caso ainda foi peior para os con-
servadores , porque a divergencia travou-se entre co-
religionarios , parentes e até irmãos .
No Crato o Dr. André Bastos salvou-se acceitando qua-
si á ultima hora a eleição de supplente do Dr. José Vi-
cente Duarte Brandão , com promessa formal de na le-
gislatura seguinte ser-lhe cedida a deputação .
No Icó, o Dr. Francisco de Araujo Lima derrotou o pri-
mo , candidato da chapa , Dr. Raymundo Ferreira de Arau-
jo Dima, e fez-se eleger , cedendo a supplencia ao Dr.
Gervasio Cicero de Albuquerque e Mello .
Na Granja, o Dr. Sebastião Gonçalves da Silva, juiz
municipal do termo , contra a chapa do partido , elegeo-se
deputado de combinação com o Rvd . vigario da Viçosa ,
P. José Bevilaqua , que foi eleito supplente .
Nem mesmo a eleição do Dr. Miguel Fernandes cor-
reo placida no circulo de S. João do Principe e Sabo-
eiro , onde tinha sua familia. O mano , Dr. Manoel Fer-
nandes Vieira , apresentou - se tambem candidato , e só ce-
deo mediante o acordo de ser eleito supplente , e na se-
guinte legislatura deputado , como aconteceu .

(70) Pelo districto do Aracati foram eleitos : conego Antonio Pinto


de Méndonça , deputado, e Dr Hypolito Cassiano Pamplona , sup-
plente ; pelo de Biturité foram à camara em duplicata : os conserva-
dores, Dr. Domingos José Nogueira Jaguaribe , deputado, e o vigari-
Raymundo Francisco Ribeiro , supplente ; e os liberaes. Dr. Thomao
Pompen de Souza Brazil, deputado, e Dr. Vicente Alves de Paulz
Pessoa , supplente ; pelo de Sobral houve tambem duplicata : consera
vadores, Dr Francisco Domingues da Silva, deputado, e Coronel José
Camillo Linhares , supplente ; e liberaes, Dr. João Felippe da Cunha
Bandeira de Mello , deputado. e conselheiro José Martiniano de Alen-
car, supplente . Foram reconhecidos os conservadores .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 47

Na capital foi onde a tempestade mais se agitou .


1
O Dr. Pedro Pereira apresentou-se em competencia com
o Dr. Machado , candidato da chapa .
Contava com dous elementos : a patuléa formada de
desgostosos , que o competidor havia levantado na sua
recente chefatura de policia da Provincia , e a confiança
em que Ferreira , quando não o apoiasse ,não guerrearia o
seo antigo companheiro de luta contra o equilibrisino .
Ferreira envidou todos os meios conciliatorios para dis-
suadil-o de tão desarasoada pretensão, mas debalde .
Pedro Pereira recusou até a supplencia com compromis-
so formal de tomar assento por dous annos .
Ou tudo, ou nada !
O que fazer em tal caso ? O politico é um machinista
exposto a todos os perigos sobre a machina de fogo e aço
que o conduz . Eu queria ver no seo logar os criticos que
o condemnam. (71 )
Não era do caracter de Ferreira a duvida , a incerte-
za , quando se tractava do cumprimento do dever .
Já havia esgotado todos os recursos d'amisade ; resta-
va-lhe somente a luta inevitavel .
Pedro Pereira exagerou-se de mais crêando o Sol, jor-
nal joco-sério, em que procurou mettel-o a ridiculo ,
sua arma predilecta e aterradora .
Ferreira limitou- se a salvar o candidato da chapa ;
mas, si perdôou as injurias , gratuitamente atiradas , nunca
poude olvidar a ingratidão ; porque esta , como diz Ta-
cito, podemos calar ; não está , porem, em nós esquecel-a .
Não menos amarga foi-lhe a scena inqualificavel de
indisciplina do seo partido , outr'ora tão arrigimentado e
cheio de abnegação .
Os seos amigos mais intimos acreditaram que d'ahi
se originára a molestia terrivel , que levou tres annos
a minar tão preciosa existencia .

(71 ) Philarete Chasles, « A Psycologia Social» , Pag. l .


48 REVISTA TRIMENSAL

ΧΙ

Ferreira fallecou ás 9 horas da noute de 29 de Abril


de 1859 , victima de asphixia lenta devida á aneurisma
da aórta pectoral , na idade de 59 annos .
Teve a morte do justo . Talis vita finis ita .
Quando a medecina declarou-se impotente para sal-
var-lhe a vida (72) , tractou de salvar a alma.
Depois de receber todos os sacramentos da Santa Ma-
dre Igreja Catholica Apostolica Romana, conheceo que
approximava-se-lhe o momento fatal : pedio uma vela ac-
cesa e que com elle repetissem o nome de Jesus .
Tinha dado a alma ao Creador !
Desde que tornou-se publica a noticia de sua agonia ,
o pateo da casa ficou intransitavel de povo até o outro
dia à tarde , quando sahio o enterro .
São indescriptiveis as manifestações de pezar que du-
rante o trajecto lhe eram prodigalisadas .
Era uma verdadeira procissão , extraordinariamente
concorrida por todas as classes , sem distincção de political
de posição social , de idade nem de côres .
O feretro foi conduzido a principio pelos vereadores da
Camara, depois pelos officiaes superiores da Guarda Na-
cional até á matriz ; desta ao cemiterio pelo presidente
da Provincia , chefe de policia (73) e pessoas gradas .
O corpo teve sepultura perpetura no antigo cemite-
rio de S. Casimiro , çonhecido pelo do Croata , na confor-
midade da lei provincial n .° 874 de 16 de Setembro de
1855 , que lhe concedeo esse previlegio .

(72 ) PEDRO II citado n.º 1909 de 30 de Abril de 1859. Foram seos


medicos assistentes Drs. Manoel Mendes da Cruz Guimarães , José Joa-
quim Gonçalves de Carvalho e Joaquim Antonio Alves Ribeiro, que
na vespera conferenciaram com o conselheiro Francisco Freire Alle-
mão e Dr. Manoel Ferreira Lagos , Presidente e membro da Commis-
são Scientifica ; e seo confessor o Vigario João Felippe Ribeiro .
(73) Presidente Dr. João Silveira de Souza, chefe de policia Dr.
Abilio José Tavares da Silva.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 49

Todos os có-religionarios mais graduados tomaram


luto por 8 dias em demonstração de pezar.
Vinte e um annos depois , tendo a S. Casa resolvido
demolir o cemiterio de S. Casimiro , passou seos restos
mortaes para o novo cemiterio de S. João Baptista , com
a possivel solemnidade . (74)
Acham-se elles depositados no mausoleo da S. Casa no
novo cemiterio , do lado direito da Capella , andar supe-

(71) Eis como o conselheiro Estellita , Vice- Provedor da S. Casa ,


se exprime sobre essa trasladação no seo Relatorio de 1880 a 1881 , pu-
blicado no CEARENSE nº 31 de 2 de Abril de 1880 :-
« Resolvendo a Meza a demolição do antigo cemiterio de S. Casimi-
ro, em vista do seo estado de ruinas e profanação , em que se achava ,
tracta a Commissão nomeada de eregir no novo cemiterio um decente
jazigo para nelle serem recolhidos os ossos que de seo solo foram ex-
trahidos, destinando-se deposito decente e perpetuo para aquelles que
forem reclamados pelos interessados, que a isto tiverem direito , le-
vantando-se a par d'aquelle jazigo um maosulêo para serem recolhidos
os ossos do benemerito Antonio Rodrigues Ferreira, qae tanto hon-
hou em diversas legislaturas a cadeira de presidente da Camara Mu-
nicipal da Capital , e a quem tanto se deve pelos melhoramentos , que
emprehendeu e realisou , e que muito ha contribuido para distinguil -a
de muitas outras capitaes, que, á falta de um cidadão tão patriota e
desinteressad, onão tem a sua edificação a belleza e realce , que aqui se
observa >>
O CEARENSE n.º 83 de 13 de Abril de 1880 é ainda mais explicito :
« Hontem pela manhà teve logar a trasladação dos ossos exhumados
do antigo cemiterio de S. Casemiro» e depositados na Capella de
S. João Baptista para os mausolêos mandados construir para esse
fim pela Mesa Regedora da S. Casa de Misericordia
" Depois de celebradas as missas e mais ceremonias religiosas fo-
ram conduzidos á wão pelos membros das Irinandades, que compa-
receram ao acto , os caixões que continham os ossos , sendo aquelle
em que se achavam os restos mortaes do Tenente Coronel Antonio
Rodrigues Ferreira levado pelos Srs . Exm.o conselheiro André Au-
gusto de Padua Fleury, Dr José Julio de Albuquerque Barros, Dr.
José Pompeo de Albuquerque Cavalcante, Vice-Provedor interino, e
João Cordeiro, presidente da Camara Municipal .
« Ao acto compareceram os Exm.os Srs . conselheiro Presidente da
Provincia, Bispo Diocezano, Vigario Geral. Cura da Sé, Varios sacer-
dotes, seminaristas, as Irmandades do Rosario e do Livramento, a
Mesa Administrativa da S. Casa e alguns membros da respetiva Con-
fraria.
« O acto terminou ás 8 horas d'amanhã »
50 REVISTA TRIMENSAL

rior, onde lê-se : Tenente Coronel Antonio Rodrigues


Ferreira e sua Familia.

XII

No dia 15 de Maio de 1859 reunio-se o partido con-


servador para eleger quem, na ausencia do Dr. Miguel
Fernandes , que se achava na Côrte, deveria substituil- o .
Foi eleito o Coronel Machado . (75).
Começa agora a obra meritoria da gratidão publica .
A Camara da Fortaleza mandou collocar na sala das
sessões o seo retracto a oleo (76) ; mudou o nome da
praça , em que elle morava , de Praça Municipal para
Praça do Ferreira (77) ; pedio á assembléa provincial
e obteve autori sação, para despender até 5 contos de

( 75) Eis Circular sobre a eleição :


5 a
« ILLM . SR - Tendo fallecido no dia 29 do mez proximo passado o
nosso prestimoso amigo e dedicado partidario, o tenente-coronel An-
tonio Rodrigues Ferreira, sendo indispensavel que uma pessoa se en-
carregue aqui na capital de satisfazer as requisições e pedidos, que
vierem dos nossos corregionarios do interior da provincia, e que re-
presente provisoriamente o partido caranguejo, na ausencia do Dr.
Miguel Fernandes Vieira , nosso verdadeiro chefe, entenderam os nos-
sos amigos, que eu me devia encarregar de tão honrosa missão, em
consequencia do que me dirijo á V. S. , em quem reconheço dedica-
ção ás idéas d'este partido, afim de que não só acceite o offereci-
mento que ora, como me ajude a trazer ao nosso partido a mais
completa unidade .
Não ignora V S. o que vale a unidade em qualquer corporação, e
quanta força e importancia virá ella dar ao partido a que penten-
cemos .
Tenho toda a esperança, pois, de que V. S. approvará esta idéa, e
com o seo valioso auxilio me ajudará a elevar o partido ao maior grão
de prosperidade , que é de desejar .
V. S. pode contar em seu serviço com todos os meus esforços, e de
meus amigos . Sou-De V. S. - Amigo Obrigado e Criado, -JOSE AN-
TONIO MACHADO. - Ceará, 16 de maio de 1859.-(PEDRO II de 18 de
maio de 1859,)
(76) Actas das sessões do 1º de Junho de 1871 , de 17 de Março e
de 10 de Dezembro de 1876.
(77) Actas das Sessões de 12 e 13 de Outubro de 1871.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 51

réis com um mausolêo no cemiterio de S. João Baptista


(78) , e finalmente nomeou uma commissão central na
Capital , incumbida de promover a acquisição de meios
para levar a effeito um monumento na Praça do Ferrei-
ra , á construcção do qual deverião applicar -se aquelles
5 contos de réis (79) .
Essa commissão compunha- se dos Barões de Ibiapaba e
de Aquiraz, Visconde de Cauhipe e Drs . Manoel Fernan-
des Vieira e Paulino Nogueira Borges da Fonseca, mas
nunca funccionou , a principio por se acharem na Côrte ,
como deputados geraes, os 2. °, 4." e 5. ° membros , depois
por morte dos 3.º e 4.°.
Eis o varão cuja vida me propuz a esboçar.
Que elle tinha faltas, quem ousará contestar ?
Quem não as terá ? Perfeito só Deus .
Ninguem nasce sem defeitos , disse Horacio ; o melhor
é o que menos os tem . Nam vitiis nemo sine nascitur ;
optimus ille est qui minimus urgetur . (80)
Mas delle pode- se bem dizer :
Sua vida privada foi um curso de caridade para os co-
rações piedosos ;
Sua vida publica um curso de politica para os verda-
deiros patriotas .

Paulino Nogueira.

(78) Actos das sessões de 16 de Abril e de 24 de Julho de 1876 ,


e lei provincial no 1595 de 26 de Setembro de 1873 , art. 16 § 38
(79) Acta da sessão de 8 de Julho de 1876
(80) "Satyra" 3 a , Pag 20-
TESTAMENTO

Em nome de Deus , amem .

Eu Antonio Rodrigues Ferreira , como fiel christão ,


catholico , apostolico , romano que sou , em a qual reli-
gião nasci , fui creado e educado , e em a qual espero
morrer, tendo-me deliberado a fazer meo testamento ,
como faço de minha livre vontade, em meo perfeito juizo ,
senhor de todas as minhas faculdades intellectuaes , pas-
so a declarar as minhas disposições para , depois de
minha morte, serem cumpridas por meo testamenteiro
como minha ultima vontade .
Em primeiro logar , declaro que sou brasileiro , natu-
ral do Rio de Janeiro , filho legitimo de Antonio Rodri-
gues Ferreira e Marcolina Rosa de Jesus , esta fallecida
e aquelle residente na provincia do Rio de Janeiro .
Declaro que sou viuvo por fallecimento de D. Fran-
cisca Aurea de Macedo , de cujo consorcio não tive filho
algum, e nem outro algum illegitimo que podesse legi-
timar.
Quero que o meo testamento , logo que eu fallecer e
tenha de dar- se meu corpo à sepultura , faça vestir-me
em meu habito ordinario , casaca , calça e collete preto ,
para assim ser sepultado no cemiterio desta cidade no
mesmo logar onde existem os restos mortaes de minha
mulher e demais pessoas da familia, e que o caixão em
que fór o meo corpo encerrado e condusido seja na maior
simplicidade ; sendo condusido e acompanhado por aquel-
54 DO INSTITUTO DO CEARÁ

les de meos amigos que se prestarem independente de


convite .
Declaro mais que é minha vontade o não haver por
minha morte toques de sinos sinão aquelles signaes re-
commendados pelo rito da Igreja , somente as encom-
mendações , que a mesma Igreja ordena , com toda sim-
plicidade que exige este acto religioso , sem pompa al-
guma.
Quero que no setimo dia se diga uma missa no cemi-
terio por minha alma, assistindo aquellas familias de
minha amisade, que voluntariamente quizerem ouvir ;
mas quero , alem disso , que meo testamenteiro convide
a seis familias pobres para ouvirem a essa missa e á
cada uma dellas lhe dê uma offerta de dez mil réis : essa
missa, convite e offerta quero que se repita por espaço de
dez annos.
Quero que a trasladação dos meos restos mortaes se
faça para o logar que fór designado , e que me foi concedido.
competentemente , logo que tiver logar de ser collocada
a respectiva campa , e se possa convenientemente fazer
essa trasladação de todos os restos mortaes meos , e de
minha mulher e mais pessoas da familia, que estavam
sempre no mesmo jazigo ; e nesse dia mandarà o meo
testamenteiro resar uma missa por alma de todos .
Declaro que , não tendo descendentes, como já decla-
rei , ao meo pae, se existir no tempo de minha morte ( 1 ) ,
que em direito é meo legitimo herdeiro , lhe será trans-
mittido o dominio e posse de todos os meos bens que res-
tarem, logo que pagar todas as minhas dividas , e desses
bens podendo dispór como bem lhe aprouver, faço ex-
cepção da posse do sitio denominado Marinhas, nesta ci-

(1) O pae ainda existia ao tempo de sua morte, residente em Cor-


deiros, termo de Nictheroy ; passou procuração em 6 de Junho de
1859 no cartorio de Justino Antonio Lopes, ao Coronel Manoel Felix
de Asevedo Sá, nesta Capitai, para haver a legitima que lhe couhe ,
mas chegou á composição amigavel .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 55

dade, casas e mais pertences do mesmo sitio , porque nelle


continuará usufructuar a minha cunhada a Sr. D. Anna
Luisa da Silva, emquanto viva fór .
Se no tempo de minha morte já não existir o meo pae ,
ou se este não quizer acceitar a herança, institúo por mi-
nha herdeira a minha afilhada D. Francisca Luduvina da
Costa Leal , casada com o Sr. Antonio Teixeira Bastos
Leal.
Deixo á esta minha afilhada D. Francisca Luduvina
da Costa Eeal a terça de meos bens, como em direito pos-
so legar.
Declaro que as contas que se me devem , constantes
dos meos assentos, e que tiverem o signal não serão
exigidas dos devedores , somente serão recebidas suas im-
portancias se voluntariamente quizerem pagar.
Nomeio por meos testamenteiros , em primeiro logar, o
Sr. Antonio Teixeira Bastos Leal , em segundo o Illm. "
Sr. Dr. Miguel Fernandes Vieira e em terceiro o Illm . "
Sr. Gustavo Gurgulino de Souza.
Quero que o dito meo primeiro testamenteiro fique en-
cabeçado nos bens que deixo , e que não só cumprirá o
que fica aqui expressamente declarado , mas ainda o que
muito lhe deixo recommendado em particular .
E por esta forma tenho concluido e acabado este meo
testamento e disposição de ultima vontade, havendo re-
vogado outro qualquer anterior, e este mandei escrever
por Gervasio de Souza Raposo e assigno do meo proprio
punho.
Cidade da Fortaleza do Ceará , 27 de Abril de 1859. (2)

ANTONIO RODRIGUES FERREIRA .

(2) No mesmo dia foi lavrado o instrumento de approvação


tabellião Candido José Pamplona, sends testemunhas , pos
quim Gonçalves de Carvalho, Adolpho Herbster, Rufino José de Gou-
vea e Guilherme Augusto de Miranda.
Foi aberto no dia 29 do mesmo mez pelo Juiz Provedor de Capel-
las e Residuos Dr. José Antonio Rodrigues .
B-
-MEMORIA

APRESENTADA Á JUNTA DO GOVERNO

DA

PROVINCIA DO CEARÁ

PELO

Padre Vicente José Pereira,

MEMBRO DA MESMA JUNTA,

NA

SESSÃO DE 31 DE MAIO DE 1823

COPIA OFFERECIDA

AO

NSTITUTO DO ARÁ
EARÁ
CE
IN
PELO

seu 2 Secretario Perpetuo e socio fundador

João Baptista Perdigão de Oliveira

EM

8 de Junho de 1887 .
Em Sessão de 31 de Maio de 1823.

Abriose a Sessão a horas competentes , leose a Acta


passada , e achouse conforme. Despacharão se varios re-
querimentos de partes e expedirão se varios officios . O
Sr. Presidente digo o Sr. Padre Vicente José Pereira .,
Membro desta Junta do Governo offereceo huma Memo-
ria para o melhoramento da Provincia, requerendo , que
se lançasse na presente Acta , o que o Governo anuuio ,
e agradeceo , e mandou se lançasse na Acta , mas porque
o Expediente do Despacho não permittia , nem dava Lu.
gar a Lançar a Memoria pela extenção d'ella , deo Co-
missão a Francisco Esteves de Almeida , 2º Official da Se-
cretaria para a Lançar somente , e então feichar se a
presente Acta .
as
Quando de mim e de V. S. os cidadãos da pro-
vincia confiarão o Governo e responsabilidade a Deus ,
á Nação , e ao Imperador pelo bom regimem na boa
administração da justiça aos povos cooperando em
tudo para o socego, tranquillidade , e prosperidade d'elles .
Logo é hua das primeiras obrigaçõens dos Governos fa-
zer felizes aos seus governados . Este dever sagrado
deve ser exactamente observado , a custa da propria vida
pela Patria , e pelo bem publico , ha a maior de todas as
venturas . Esta Provincia hé parte não pequena do Im-
perio ; este não pode florecer, padecendo a mais pequena
parte do seo componente .
V. S. " estão certos do quanto tem padecido esta Pro-
vincia desde que nella retumbou o feliz éco da nossa In-
dependencia, que foi ouvido com o maior prazer e en-
60 REVISTA TRIMENSAL

thusiasmo dos povos ; abraçamos alegres o sagrado pa-


vilhão da nossa liberdade, e a deffenderemos a par de pe-
rigos , trabalhos e fadigas. A install ação de hum Gover-
no temporario no centro da provincia, em dias do mez
de Outubro do anno passado , foi necessaria, para conter
aos povos centros da anarchia, por se persuadirem que o
Governo Provisorio extincto não annuia a cauza da Inde-
pendencia , garantida por Sua Magestade Imperial . Que
prejuizos que perdas ! que males não tem experimen-
tado esta Provincia com a necessaria installação daquel-
le Governo !! Juntão se Tropas e mais tropas na Comar-
ca do Centro , obrigio a Villa do Icó, hua das mais ricas
e populozas da Provincia mais de 88 homens promptos
a defender a Cauza patria, arrazando por onde transita-
vão os gados dos mizeros Fazendeiros já pobres com as
successivas secas .

Estas Tropas juntas se demorão por alguns dias


-naquella Villa, que a deixarão arrazada, e consumi-
rão-se todos os gados, que havião na circunferen-
cia della, pois diariamente se matavão 100 bois , que na
epoca presente o seu menor preço he um conto de réis,
para sustentar Tropas insubordinadas, entregues ao
Commando de Chefes taes que pouco ou nada sentião ,
que se arrazasse a Nação inteira na sustentação de tro-
pas desregradas . Tomão-se em nome da Nação armas de
fogo e corte aos particulares , e igualmente polvora e mais
muniçoens.
Pedem se em nome da Nação dinheiros aos dizimei-
ros , que promptamente prestão , e igualmente dinhei-
ros prestados aos particulares, donativos etc. Entre-
ga-se tudo a Chefes , que tudo consomem, sem apresenta-
rem a receita da despeza . Tudo isto se está a dever ; nada
se tem pago. Não sabemos em que se gastou tanto di-
nheiro, pois os gados que se matarão ainda para pagar ,
e igualmente todo armamento e munição de guerra, que
tambem se consumio naquelle tempo e se está a dever
DO INSTITUTO DO CEARÁ 6b

ainda. Perguntar-se hoje pelo armamento de fogo e cor


te, e mais petrechos, e muniçoens de guerra, que se to-
marão naquelle tempo aos particulares do centro ; com
que horror o profiro ! Não se sabe que consumo teve.
Sabe-se que tudo se tomou, e tudo se está a dever . A
polvora não se gastou na guerra porque a Capital se ren-
deo sem hum tiro . Em que se gastou ? Que consumo teve
o armamento ? rec olheo-se aos armazens ? não . Entre-
gou-se aos seos donos ? tambem não. Faz horror conside-
rar só isto. Ha Chefes tão descarados, que perguntados
dizem que entregarão as T ropas e ellas consumirão tudo .
Forte desaforo e descaramento, e o que mais admira he
o actual Governo mostrar se indeferente a isto . Ou. à
Nação paga essa horrorosa divida immensa que se está
a dever, ou não paga. Se paga é necessario ter com que,
e se não pagão ficão os Povos centraes da provincia , que
governamos, pobrissimos , e arrastados e sem credito al-
gum, pois a maior parte já falidos de bens com as conti
nuadas secas, com o consumo do resto ficão inteiramen,
te sem meios de subsistencia. Não havia naquelle tempo
quem não fosse bom. patriota para dar consumo ao que
era da Nação e dos particulares.
O Governo Temporario depois de arrazada com Expe-
diçoen e de tropas a Comarca do Centro chega a esta Ca-
pital em dias de Janeiro do corrente e acha os cofres
da nação sem dinheiro. Nada se tinha pago das extra-
ordinarias despezas do centro que ainda hoje estão por
pagar. Accresce a necessaria despeza com os nossos De-
putados ás Cortes do Rio de Janeiro A Junta da Fazen-
da Nacional e Imperial perguntada pelo consumo do
dinheiro aprezenta a exacta despeza e receita de 1822 ,
Della se vê que a maior despeza da Folha Militar da-.
quelle anno orsou a setenta, e tantos contos despendi-
dos com a officialidade de 2 Linha confirmados por
Sua Magestade e com a Tropa de l' Linha desta Ca-
62 REVISTA TRIMENSAL

pital que era então composta de hum incompleto Bata-


lhão por preencher de officiaes e Soldados .
A tropa de 1 Linha no dia 22 de Janeiro aclamou o
Illm . José Pereira Filgueiras Presidente então do Governo
Temporario , Governador interino das Armas da provin-
cia independente do Governo politico. O Governo Tem-
porario obedeceo promptamente aquella voz arbitraria
da Tropa , não se oppoz a couza alguma e por tal foi
reconhecido em toda a Provincia. Este homem o Sr.
José Pereira Filgueiras chefe interino , da força armada ,
de quem não ignoramos a probidade , e honra e a docili-
dade do seo genio e bom coração , não tendo maiores co-
nhecimentos para desempenhar por si só as novas obri-
gações do seo novo emprego alludido , e mal aconselha-
do sem attender ao defficit dos Cofres Nacionaes subcar-
regados de imensa divida com os habitantes do centro
cria um novo Batalhão de 1ª Linha que unindo ao outro
ja creado lhe deo o titulo de Brigada . Forão nomeados
para esta Brigada de oito companhias hum Coronel ,
dois Tenentes Coroneis effectivos , quatro Majores , oito
Tenentes , e dous Alferes para cada Companhia , fóra Aju-
dantes, que tambem nomeou e muitos officiaes addidos
ao Estado Maior, e outros aggregados expressamente
prohibidos por Lei . Tira da mesma Tropa de 1ª Linha
sargentos, que nada percebem da tatica militar, e os
manda de Ajudantes para os Corpos de Milicias jà confir-
mados . A maior de todas as desgraças entre tanta offi-
cialidade de la Linha existente não se tirão entre todos
meia dusia que preenchão as suas obrigaçoens . Manda of
mesmo Senhor Filgueiras , que toda essa officialidade uze
de suas insignias militares , e que percebão o Soldo da
Nação .
Eu não culpo ao Illm. Sr. Filgueiras, pois sei
que elle deseja acertar ; eu culpo somente aos malva-
dos que o induzirão para isso , fazendo-lhe ver que assim
devia obrar. Approva o mesmo Senhor o plano de novos
DO INSTITUTO DO CEARÁ 63

Batalhoens de Cavallaria e Milicias que lhe forão apre


sentados pelos que querião ser Majores com soldo para
si, e seus Ajudantes . Todas estas extraordinarias pro-
postas são remettidas ao Throno Imperial . Oh ! Sen . "* !
Se hum só Batalhão de 1ª Linha incompleto de Officiaes
e Soldados , e a officialidade de Majores e Ajudantes de
2 Linha já Confirmados por Sua Magestade acabarão o
numerario dos Cofres da Nação , quando nada devia ,
que desordem , e transtorno não cauza este novo Bata-
lhão , e desigual com o accrescimo dos addidos , e aggre-
gados ? Como , meos Senhores , poderá esta provincia com
esta despeza ? Se S. M. Imperial Approvar os novos Ba-
talhoens de Cavallaria e Milicias agora apouco creada , e
e a Nação pagar a esse numero de Majores Ajudantes
d'elles, em que abismos sobre abismos se não precipita
esta Provincia ? A creação deste numero extraordinario
de novos Batalhões dentro dos termos estabelecidos para
preenchimento dos antigos Regimentos e Batalhõens já
confirmados motivou Guerra Civil e a intriga dos Chefes
dos novos Batalhõens com os dos antigos . Todos querem
preencher os seos Batalhõens , e nenhum o consegue por
falta de gente capaz , e o resultado necessario se não se
preencherem nem um e nem outros , e continua a confu-
são e a intriga.
O Batalhão dos Nobres Constitucionaes do Princi-
pe Real desta Capital creado pelo ex Governo Pro-
vizorio, o anno passado , offerece o plano mais favora-
vel a Nação para se obrigarem todos os seos officiaes e
Soldados servirem a Nação gratuitamente ainda em tem-
po de guerra, cujo plano já foi aprezentado por aquelle
Governo a S. M. Imperial , e he provavel ser Confirmado
não só pelo já dito , senão por ser já Confirmada a sua 1.ª
Companhia pelo Regio Punho . Este Batalhão se faz pre-
cizo preencher , e dando esta Junta por escripto ordem ao
seo Sargento mor Commandante para preencher , este
ainda não pode cumprir, não por descuido , sim pela con-
64 REVISTA TRIMENSAL

fusão dos dois Esquadroes de Cavallaria creados no ter-


mo daquelle. Os soldados que podem sentar praça nelle
se escusão della porque elle está em actual exercicio nos
Domingos e Santos, e por não trabalharem vão sentar
praça in voce naquelles dois de Cavallaria, que nunca
se hão de preencher, e quando farem chamados ao servi-
ço quer um soldo . Se he dificil preencher-se aquelle com
400 homens, capazes , de modica despeza de só se fardar
rem, como se podem achar 800 homens para aquelles
dois de Cavallaria com os requesitos legaes que tenhão
cavallos e os possão sustentar ? Não entendo ; não sei re-
solver o problema.

(Continúa )
NOVAS CANÇÕES POPULARES

A Secca do Cearà

( 1878 )

Minha patria ! Lar querido . . .


Qu'immensa desolação !
Cáe-me o pranto dolorido
No luto do coração ;
Que a minha terra adorada ,
Por fera sêcca assolada ,
Ora vejo amortalhada
N'amargura, n'afflicção !

Meu Deus ! .. que scenas d'horror !


Misericordia, oh Senhor !

Das selvas onde a verdura,


Onde os prados do sertão ?
A vertente d'agua pura
Que banhava a viração ? ..
Eis tudo sêcco mirrado !
Nem mais selva, nem mais prados
Sobre o solo requeimado
Por sol d'infando verão !

Meu Deus ! .. que scenas d'horrer !


Misericordia , oh Senhor !
66 REVISTA TRIMENSAL

E sobem vistas cansadas


S'imbebem no céo sem fim,
As chuvas, sempre esperadas ,
Procuram... supplicam, sim !
Mas, volvem do firmamento ,
Só trazendo o desalento ...
Que as nuvens varrêra o vento ,
Varrendo a esperança assim !

.. que scenas d'horror !


Meu Deus ! ..
Misericordia , oh, Senhor !

O gado que nédio outr'ora


Urrava escarvando o pó...
E' múmia que geme e chora ...
Nos ossos a pelle só !
De sêde e fome expirando ,
Penoso a vista espraiando .
Vai a campina lastrando ...
Em vão de seu dono o dó !

Meu Deus ! · que scenas d'horror !


Mizericordia , oh, Senhor !

Soluça o triste vaqueiro


Vendo o corcel se finar,
Das lides o companheiro ,
Ginête do campear ;
Depois o curral fechando ,
Sáe a pé, sáe esmolando ...
Pois, o gado se acabando ,"
Mais não tem que vaquejar !

Meu Deus ! que scenas d'horror !


Mizericordia , oh, Senhor !
DO INSTITUTO DO CEARÁ 67

A lavoura desparece ,
Como foge a creação ;
Já o abastado empobrece,
O pobre supplica o pão ;
E todos nivéla a sorte. . .
Vem a peste, surge a morte,
Ninguem se julga mais forte . . .
E' tudo - consternação !

Meu Deus !. • que scenas d'horror !


Mizericordia, oh , Senhor !

Os sertanejos descendo
Em bandos ao litoral...
Sem mantimentos ... comendo ,
Bravía raiz lethal . ..
Ai, choram... São retirantes ...
Andrajosos, mendigantes. . .
Esparsos ... agonisantes.
Perdendo o sopro vital !

Meu Deus ! .. que scenas d'horror!


Mizericordia , oh , Senhor !

Transforma-se em necroterio
O meu amado torrão ;
Da morte no vasto imperio
Só reina a - putrefacção !
Os corpos sem sepultura ...
Ao tempo... sem compostura ...
Do bruto , da criatura
Os restos em confusão !

Meu Deus ! .. que scenas d'horror !


Mizericordia, oh , Senhor !
68 DO INSTITUTO DO CEARA

Negreja o feral recinto


Nuvens de vis urubús . . .
Coveiro immundo e faminto ,
Qu'apenas deixa ossos nús ;
E quando baixa o relento ,
Eis o morcego cedento
A sugar minguado alento
Dos moribundos ... Jesus !

Meu Deus ! .. que scenas d'horror !


Mizericordia, oh, Senhor !

Aqui loucos, esfaimados ,


Cruéis filhos , cruéis paes !
Entre os seres desal mados ,
Virtudes celesteaes ! ..
A mãe que delira e freme ,
Se o filho com fome geme ,
Porque seus peitos espreme ..
E os peitos não vertem mais. !

Meu Deus ! .. que scenas d'horror !


Mizericordia , oh, Senhor !

Alli vê-se radiando


Os affectos filiaes ...
Fracos entes carregando
Os seus amigos leaes !
E da casa no terreiro
Uivando o fiel rafeiro . . .
N'outra parte, o bandoleiro
Devora restos mortaes !

Meu Deus ! .. que scenas d'horror !


Mizericordia , oh, Senhor !

E alem... o casal deserto !


Que a familia abandonou ...
DO INSTITUTO DO CEARÁ 69

Velho pai de passo incerto


E embreve á campa baixou ;
Após a consorte .. • o filho . • •
Qu'importa do moço o brilho ?
Tudo cahiu sob o trilho ,
Que o infortunio rojou !

Meu Deus ! .. que scenas d'horror !


Mizericordia, oh , Senhor !

Magros sobejos da morte ,


Buscando á morte escapar ,
Emigram p'ra o sul e norte .
Eil-os na praia a embarcar !
Oh, quadros tristes , penosos ! . .
O desterro . . . os ais saudosos . .
Que trances angustiosos ...
No barco ... á prôa . . . no mar ! . .

Meu Deus ! .. que scenas d'horror !


Misericordia , oh Senhor !

Revogai tamanha pena . . .


Clemencia, Senhor , perdão !
Se a culpa não foi pequena ,
Grande ha sido a expiação !
Em ruinas sepultada ,
Eis minha patria adorada . . .
Escutai a malfadada
Que vos pede compaixão !

Não mais , não mais tanto horror !


Misericordia , oh Senhor !

Juvenal Galeno.
REVISTA TRIMENSAL

DO

INSTITUTO DO CEARA

2º E 3º TRIMESTRES DE 1887

ANNO I

TOMO I

Dedimus profectó grande


patientiæ documentum .

TYP. DO CEARENSE.

Ceará- 1887,
SUMMARIO :

Copia dos officios trocados catre a Presidencia da P.ovincia e

o Instituto.

Conclusão da Memoria do Padre Vicente José Pereira.

Registro da Memoria dos principaes estabelecimento, factos e

casos raros accontecidos na villa da Santa Crnz do Aracaty

feito segundo a ordem de S. M. , de 27 de Julho ds 1782 pelo

ve.cador Manoel Esteves de Almeida, desde a fundação dadit

villa até o anno presente de 1795.

Faze o bem não cates a quem ou uma pagina da vida do Se-


nador Alencar. Dr. G. Studart.

Origens americanas Immigrações prehistoricas. J. Catunda.

Notas para a historia do Ceará . J. B. Ferdigão de Oliveira.

Os dous Imperadores. Juvenal Galeno.


Copia dos officios trocados entre a Presidencia
da Provincia e o Instituto.

No 1 Instituto do Ceará , 21 de Abril de 1887.

ILLM. EMX. SR.

O Instituto do Ceará , fundado modestamente

nesta capital no dia 4 de Março deste anno com


o decidido intuito de estudar principalmente a
historia da provincia , não tem podido até agora

obter um predio em que possa funccionar regu-


larmente, em consequencia das suas condições

financeiras, que ainda são precarias ; e estando

desoccupado e sem destino algum , o lado oriental


da Bibliotheca publica , antigo theatro- Concor-
dia,-o 1 que tivemos nestacapital, vem respei-
tosamente pedir a V. Ex. digne- se conceder lhe

dito compartimento para o Instituto celebrar suas


sessões , ouvindo V. Ex. previamento o respecti-
vo Bibliothecario publico .

O Instituto , certo de que V. Ex. não lhe recu-


sará tão relevante serviço , sem onus nem grava-
74 REVISTA TRIMENSAL

me para a provincia, desde já o agradece com ver-


dadeiro reconhecimento .

Deus Guarde a V. Ex.

Illm . Sr. Dr. Enéas de Araujo Torreão. D. Pre-

sidente da provincia.

Paulino Nogueira Borges da Fonseca,


Presidente .

Joakim de Oliveira Catunda,

10 Recretario.

João Baptista Perdigão de Oliveira,


2º Secretario.

PROVINCIA DO CEARA.- N. 1515.- 1ª Secção .


Palacio da presidencia , em 27 de Abril de 1887.

Conforme solicitaramVV . SS . em officio no 1 de


21 do corrente, acabo de recommendar ao Bi-
bliothecario Publico desta capital, que ponha á
disposição de VV. SS. o compartimento oriental
do edificio da respectiva Bibliotheca, para que
allifunccione o Instituto do Ceará, fundado por
VV. SS.

Deus Guarde a VV. SS

Enéas de Araujo Torreão.

Srs. Directores do Instituto do Ceará .


CONCLUSÃO

DA

MEMORIA

APRESENTADA A JUNTA DO GOVERNO

· DA---

PROVINCIA DO CEARA

PELO

Padre Vicente José Pereira ,

MEMBRO DA MESMA JUNTA

Taes as circumstancias e confusões da provin-


cia quando nos encarregamos do governo d'ella
no dia 3 de Março do corrente anno . N'este dia
reunimos por imperial approvação o governo das
armas ao civil. De então para cá em que me-
lhorou esta provincia ? Eu ignoro.
Logo que nos encarregamos do governo d'ella
peiorou a junta da Fazenda Nacional tirando - se
della seus empregadosde finanças, que dignamente
desempenhavam seu logar, e em logar desses sub-
stituimos homens sem luzes , e nenhum conheci-
mento de finanças.
Perguntando se-nos porque fizemos essa in-
justiça, não temos que responder, senão que
fizemos por condecendermos , ou para melhor
dizer, por VV. SS. condecenderem com a requi-
76 REVISTA TRIMENSAL

sição de brazileiros mal ponderados , que não


querião que fossem aquelles logares occupados.
por europeus sem outro crime senão o do nasci-
mento em Portugal e a razão porque se exagera
tanto o peccado europeu está clara .

A junta da fazenda o diz :

Despuzemos os europeos dos empregos Civis e


Militares, que dignamente occupavão.
A gentalha e escoria da plebe presenciando
isto assentarão que todos os europeos estavão
escommungados, e ella auctorisada para os ab-
solver com insultos, e pancadas em logar de ex-
orcismos e varinhas da Igreja . Daqui resultou
a desenvoltura da canalhada que ao principio
acobertada com a capa de patriotismo atacava ,
espancava e roubava a europeos e este patrio-
tismo tem se refinado e passado de europeos a
brazileiros, e quem não for africano hoje está
em perigo. Mandemos pagar o soldo a essa gran-
de officialidade de 12 linha, e ajudantes da 2ª , o
que não deviamos fazer, sem que nos fossem
apresentadas as suas patentes confirmadas, o que
fizemos obrigados, e constrangidos com medo
proprio dos revoltosos tempos em que estamos.
Eu já perdi o medo , porque vejo que obrando o
que devo o maior mal que posso soffrer é me
lançarem fora do governo , e isto é o que eu mais
desejo, e por isso nada temo quando trato da sal-
vação da provincia.
Ha muito que chamo e rogo a VV. SS. que
passemos a providenciar sobre as precizões, e
melhoramentos da provincia, e agora com a
maior instancia , insto , e rogo. Percão VV. SS .
o medo, e tendo em vista a razão , e a justiça,
DO INSTITUTO DO CEARA 772

arrostados todos e qualquer perigos , salve- se a


patria, ou morramos na defeza de seus direitos
e melhoramentos . A provincia está em desgra-
ça. Os cofres da nação estão exauridos . Não
podemos pagar a tanta tropa de 12 linha.
Nos temos prestado, e estamos prestando au-
xilio aos nossos irmãos do Piauhy, e com tropas
auxiliadoras estamos fazendo grandes despezas .
As tropas auxiliadoras, que desta Capital mar-
chão para o centro da provincia á se unirem com
as tropas que marcharão debaixo da voz do Illm .
Sr. Chefe da força armada José Pereira Filguei-
ras, e do Sr. Tristão Gonçalves, vogal deste go-
verno , desta provincia, para a de Piauhy, tem
feito , e estão fazendo grande despeza , e os gados
que vão matando para sua sustancia infalivel se
hão de pagar. Temos feito grandes despezas
com armas , e munições de guerra, que tudo se
deve.
Deve-se toda despeza que se fez no centro no
tempo do governo temporario.
Não é necessario só termes dinheiro para pa-
gar as diarias , digo as annuaes despezas , é neces-
sario que sobre para se pagar o debitado .
Os nossos Deputados breve tomão assento em
Côrtes, e são precizos todos os mezes quatro
mil cruzados de seos ordenados . Donde se ha
de tirar dinheiro para tantas despezas ? Os co-
fres o não tem , pois, para se suprir a extraordi-
naria já mandarão VV. SS . lançar mão dos di-
nheiros dos defuntos e auzentes com transação
de bilhetes, e este dinheiro já está acabado , como
é patente á VV, SS.
Senhores, despertemos de nosso lethargo em
que, digo, despertemos do somno , e lethargo, em
78 REVISTA TRIMENSAL

que jazemos , não é mais tempo de condecenden-


cias e frouxidão. He tempo de salvar a patria
de tantos males ou salvar a patria, olhando para
o interesse d'ella , e bem geral dos povos , que go-
vernamos, ou passemos pelo desgosto de vermos
a patria sucumbida inteiramente ; senhores aqui
não ha mais meio termo. Nada de condecenden-
cias, e temores ; ou salvemos a patria, ou entre-
guemos o governo da provincia apilotos mais ha-
beis que nós, que manejando com energia e intre-
pidez o leme do governo saibão dirigir a barca da
salvação da provincia ao ponto desejado . já não
posso ouvir mais clamores do povo contra este
governo. Clamão contra mim chamando - me ini.
migo da patria , porque não approvo desenvol-
turas contra europeos , e nem me agrada que se
tomem os empregos a esses , que occupam dig-
namente para se darem a brazileiros incapazes de
os occupar.
Sou tambem reputado inimigo da cauza por-
que quero, que se punão crimes commettidos por
brazileiros ; sou inimigo da cauza , porque não
quero que os brazileiros sentem todos praças de
officiaes, e comão o soldo da nação sem necsssi-
dade ; sou inimigo da cauza porque não quero
que se criem uns poucos de batalhães compostos
somente de Majores e Ajudantes brazileiros , que
comão o soldo da nação. Em fim os que falão
contra mim são muitos porque todos os patrio-
tas de hoje amão mais o proprio interesse do que
o bem geral. Contra VV. SS. tambem clamão
alguns, e entre esses alguns homens estabeleci-
dos , e de boa nota na provincia , e dizem que VV.
SS. por medo, receio, e condecendencia com os
cabeças esquentadas estão deitando a perder a

74
DO INSTITUTO DO CEARÀ 79

provincia, insensiveis a seus males, sem se des-


porem a remedial - os .
Lancemos mão senhores dos meios de obviar
tantos males e segundo penso se deve por em
pratica os seguintes artigos :

Seja abolido ja o novo Batalhão de 1ª linha ,


ficando completo o antigo , fazendo - se nova pro-
posta, escolhendo - se entre toda a officialidade os
mais dignos, sendo contemplados os officiaes eu-
ropeos confirmados por S. Megestade. Nada de
officiaes addidos e aggregados . Dê se baixa a
todos os mais e igualmente a todos os ajudantes
de Milicias novamente promovidos.
Os sargentos- móres de Milicias pagos instruão
as suas tropas, e se for precizo adjutorio mande-
mos algum official de 1ª linha suprir interina-
mente o logar de ajudante. Nada de pagar sol-
do por agora a ajudantes, senão os já confir-
mados.
20

Mandemos prehencher o Batalhão de Milicias


dos nobres constitucionaes do Principe Real ,
cuja officialidade e soldados não percebem soldo
ainda mesmo em tempo de guerra e está nesta
mesma villa em activo exercicio como é publico ,
e não chega ter 100 praças ; ha Batalhão tão ne-
cessario ? e para se preencher já deve esta junta
officiar aos chefes dos dois esquadrões de Caval-
laria novamente creados, que não sentem praça
a individuo algum morador na circumferencia
de seis legoas desta villa; termo determinado para
80 REVISTA TRIMENSAL

preenchimento d'aquelle Batalhão creado ante-


rior a estes. Preenchido este Batalhão de no-
bres, bem disciplinados suppre bellamente a falta
do batalhão de 12 linha que abulirmos , e fica na
capital igual força com muito menos da metade
da despeza que fazem os dois batalhões de 1 li-
nha.
30

Suppliquemos já a S. Magestade Imperial que


para poupar faturas despezas a nação não confir-
me batalhão algum novamente creado , de cujos
percebem os Majores e ajudantes.

40

Suppliquemos a S. M. Imperial não confirme as


patentes de Majores passadas pelo governador
das armas para o corpo de Milicias montados, e
de pé, já confirmados, todos a quem se passarão
este anno semelhante não estão nas circumstan-
cias da Lei , sem o menor conhecimento de tatica
militar, e não podem ensinar o bue não sabem.

5:

Mandemos já por em exercicio todas as Mili-


cias dos Esquadrões e Regimentos já confirmados ,
cujos chefes percebam o soldo da nação e não
trabalhão. Nada de perceber soldo sem trabalhar.

6!

Representemos a S. Magestade Imperial a des-


graça em que está a junta da Fazenda com a ex-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 81

pulção dos europeos , que dignamente preenchião


as suas obrigações, que os torne a mandar , ou
outros em seus logares principalmente um Es-
crivão Deputado , de que aquella casa tem a maior
necessidade pois o interino nada entende de fi-
nanças.
79

Não sãonecessarios tantos Escripturarios na


contadoria, e por isso não se deve prover os dois
logares, que vagarão,

89

A complicação de muitos annexos aosEscriptu-


rarios da Contadoria da logar a pouca escriptu-
ração com as outras occupaçães dos annexos de
que percebem ordenados de governadores, e por
isso devem dar-se a outros que se occupem com
elles ; e quando se dê a algum Escripturario não
seja nunca mais de um annexo .

99

O officio de Procurador Geral dos Correios


está por ordem Regia unido ao Escrivão Depu-
tado da junta que percebe deste emprego 120 $
réis annuaes sem o menor trabalho de uma pe-
nada de tinta. O Procurador Geral dos Correios
é um espectro que só se occupa em receber da
Nação aquelle ordenado, e por isso se deve abolir
já , poupando esse dinheiro a Nação ; eu afianço
a Imperial approvação de S. Magestade
Se o que eu tenho dito merece a approvação e
a attenção de VV. SS . vamos pór em execução
82 REVISTA TRIMENSAL

já, pois assim o exigem as nossas actuaes cir-


cumstancias. Da parte da Nação e de S. Mages-
tade Imperial supplico a VV. SS. queirão ter o
encommodo de mandar lansar na acta das sessões
deste governo tudo o que tenho dito. Se não
merecer a attenção de VV. SS. , o que se deve as
minhas poucas luzes e conhecimentos quero sem-
pre qne se lanse na acta para que o publico se
persuada, que eu nos poucos dias da minha curta
duração no Governo desejava fazer prosperar a
Provincia, o que não consegui pela falta de luzes
e verdadeiros conhecimentos e não por falta de
vontade, que fiz o que pude, e quem assim faz se
desonera de toda a responsabilidade a Deus, ao
Imperador e a Nação , pois ninguem está obrigado
a impossiveis.
Villa da Fortaleza , 29 de Maio de 1823 .
Vicente José Pereira, Deputado do Governo .
-A vista da dita Memoria Deliberou o Governo
que na proxima futura sessão poria em pratica
os melhoramentos , que ella contem . E por se-
rem mais de tres horas da tarde suspendeu o Sr.
presidente a sessão , em que assignarão :

P. PINHEIRO. PEREIRA. - CASTRO. -LIMA. -S .

el m
REGISTRO DE MEMORIA

DOS PRINCIPAES ESTABELECIMENTOS

FACTOS , E CASOS RAROS ACCONTECIDOS


NESTA VILLA DA SANTA CRUZ DO ARACATY , FEITA
SEGUNDO A ORDEM DE S. M. , DE 27 DE JULHO DE
1782 PELO VEREADOR MANOEL ESTEVES D'ALMEIDA.
DESDE A FUNDAÇÃO DA DITA VILLA, ATÉ O
ANNO PRESENTE DE 1885.

(Offer cieo pelo consocio Julio Cezar).

Foi edificada esta Villa no anno de 1748 pelo


Dr. Ouvidor geral desta comarca do Ceará- gran-
de Manoel José de Faria no lugar do Aracaty,
que por haver nelle uma cruz se denominou Villa
da Santa Cruz do Aracaty com meia legua em
quadro, de termo, tendo sido esta de Mathias
Ferreira da Costa, e até hoje se conserva com o
mesmo termo ; com grande magoa dos morado-
res della rodeada da juridição da Villa de Aqui-
raz, e suppo- to que á deligencias dos mesmos.
fosse conferida maior extenção de termo , com-
tudo, por representação da sobredita Camara do
Aquiraz lhe foi frustada , e não demarcada.
Antes da edificação da Villa se costumava
fabricar carnes seccas, e chegou este ramo de
negocio a tal auge, que se fabricavam annual-
mente vinte a vinte e cinco mil bois.
Depois de edificada a Villa cresceu o commer-
cio de sorte que se constitue hoje a mais popu-
84 REVISTA TRIMENSAL

losa de toda comarca do Ceará, não só pelos


seus bellos edificios nella levantados, senão pelos
seus habitantes pela maior parte civis e ricos ,
que custumavam conduzir para ella bastantes
fasendas e outros generos de negociação , que or-
çavam em todos os annos em quatro centos mil
crusados. Entre os commerciantes desta Villa ,
que para ella commerciavam, tanto com fasen-
das como com a fabrica de carnes seccas, se enu-
meravam o Capitão - mór João Pinto Martins e
seu irmão Bernardo Pinto Martins, os quaes para
a fabrica das carnes tinhão bastante escravatura ,
e entre ella um preto de nome Francisco , o qual
era casado, e porque uma noite tivera ciumes de
sua mulher, fizera a maior destruição , obrando
um caso muito horrorozo , porque se avançara á
mulher tambem escrava do mesmo, e com duas
facadas a matara, a cujas vozes acudira o Senhor
da mesma , Bernardo Pinto , em quem o dito ne-
gro cravou a faca, de que passados alguns dias
morreu, e entrando pela porta, subindo a escada,
esfaqueára um sobrinho do dito Senhor, e ma-
tara uma india pequena : espalhando - se esta no-
ticia acodiram os moradores da Villa, e vendo - se
o dito negro cercado de bastantes homens ; como
desesperado , meteu a faca em seu proprio corpo,
de sorte que lhe fez um horrorozo talho em cima
do umbigo que logo saltaram os intestinos fóra,
e não satisfeiio com este mal passara a faca a gu-
ela, cortando-a ; de que morrera no anno de 1787 .
Não deixa esta villa de padecer alguns encom-
modos em alguns annos, pois está situada nas
margens do rio Jaguaribe, com enchentes do so-
bredito rio, que a tem alagado com as suas cheias;
algumas vezes porém , e no anno de 1789 foi tão
DO INSTITUTO DO CEARA 85

extraordinaria que cresceram as aguas nella em


toda sua circumvisinhança á alt ra de 8, 10 e 12
palmos , conforme a altura, ou baixio do lugar.
No anno de 1790 principion , além de outras mais
moderadas , uma secca tão terrivel e rigorosa ,
que durou o espaço de 4 annos , porém no 1791
e 1792 mais excessiva , de tal sorte que derrubou ,
destruio e matou quasi todos os gados dos ser-
tões desta comarca, e por isso veio a perder
aquelle ramo de commercio das fabricas de car-
nes seccas desde o anno de 1793 exclusivo , por-
que no anno de 1794 já não honve gados que se
matar, e pereceriam todos, se da Capitania do
Piauhy não soccorressem aos dos sertões desta
comarca com seus gados , cujo dominio se espera
ser reparado em rasão de já ir de agora havendo
gados com que se poderá continuar a referida
fabrica das carnes seccas .
Além deste ramo de commercio da fabrica das
carnes, haviam outros muitos com que se fasia
grandioso negocio , como sejam couros de boi
salgados , vaquêtas, couros de cabra e pelicas
brancas, que se costumam fabricar nos sertões
e nesta Villa, cujos generos orçavam em cada um
anno de 25 a 30 : 000 couros salgados , 50 e 60 : 000
meios de sola e vaquêtas, 30 a 35:000 couros de
cabra, 2 a 3 : 000 pellicas, e supposto que antes
da secca grande já se plantasse algudões , contu-
do depois da secca perdido o gado , foi tal a
plantagem do dito genero que no presente anno
chegára a sua exportação a 19 ou 18 : 000 arro-
bas, de sorte que se vai restaurante a perda dos
gados, e augmentando-se este genero de com-
mercio cada vez mais , sendo este condusido em
sumaças para a praça de Pernambuco.
86 REVISTA TRIMENSAL

No anno de 1791 com as seccas referidas foi


crescendo a falta de alimentos necessarios que
se pozeram estes no maior extremo de necessi-
dade que se póde considerar, de fórma que sen-
do o preço da farinha de páo a 1 :000 réis, desta
sorte sahiram os habitantes dos sertões de suas
moradas, deixando os seus bens a procurar.re-
cursos da vida, e no caminho encontravam a
morte pela fome em que laborava o tempo , de
sorte que se comiam bixos e taes que nunca fôra
mantimento humano, como seja corvos, carca-
rás, cobras , ratos, couros de boi , raizes de ervas ,
como fossem o chique- chique, mandacarús, man-
dioca brava etc. , porém nesta Villa foi sempre a
fome mais moderada do que nos sertões , na qual
se refugiou muita gente, e nenhuma pessoa mor-
reu de fome, porque por mar lhe vinha soccôr-
ros, já da Bahia, já de Pernambuco e já do Ma-
ranhão. E além destes malles sobreveio outro
maior, porque laborando as necessidades e a
fome, no anno de 1793 foi tal a epidemia das
bexigas, que quasi consome todos estes povos,
de sorte que houve dia que se enterravam 8 e9
pessoas, chegando o numero dos mortos a 600.
No anno de 1794 supposto que faltasse o
commercio das carnes seccas, como Deus se quiz
lembrar de seu povo dando - lhe um bom inver
no, o que repetio no presente anno, se vai pon-
do este continente em melhor figura do que nos
annos proximamente passados , de sorte que se
espera o melhoramento do commercio antigo
desta villa .
Villa da Santa Cruz do Aracaty, 30 de Dezembro de 1795.

MANOEL ESTEVES DE ALMEIDA.


FAZE O BEM , NÃO CATES A QUEM

OU

Uma pagina da vida do Senador Alencar

+
Acossados pelas tropas da legalidade , os ho-
mens da malfadada Republica do Equador bus-
cavam fugir aqui e alli ás perseguições e ás vin-
dictas, consequencia obrigada das luctas fratri-
cidas.
Todos sabem que ao diacono José Martinia-
no de Alencar coube papel saliente n'esse movi-
mento das provincias nortistas.
Fugindo do Exu conseguira elle entrar no
territorio onde nascera, e por estratagemas es-
capar á espionagem de que era alvo cubiçado ,
quando em Riacho da Brigida logrou merecer a
hospedagem de um potentado do logar.
Já se lhe ia entrando ao espirito a esperança
de repouso relativo , quando ao terreiro da casa
hostaleira chega como dobre funerario , trasida
porservo fiel, a nova de que a algumas milhas
acampava un respeitavel troço de soldados , que,
sedentos de vingança e estimulados pelos pre-
mios e galardões promettidos , ião em cata de
um fugitivo, que, dizião , não andar muito dis-
tante d'aquellas paragens .
Ao ouvir estas palavras, que lhe equivalião
sentença de morte, poz - se Alencar em fuga pelos
88 REVISTA TRIMENSAL

prados e mattas, que em torno se estendião


a perder de vista, e foi dar a um sitio , onde
pobre choupana, habitada por marido e mu-
lher, quebrava a monotonia do logar e assigna-
lava, ella só, que alli o pé do homem havia transi-
tado.
N'aquelles bons tempos não batia inutila en-
te em uma porta em busca de guarida o vi-
andante, maxime si era um ministro da Re-
ligião , 5 e, pois , Alencar foi francamente aco-
lhido por Francisco Dias, que esse era o nome
do dono da cabana, e com phrases, que á sua
imaginação emprestava a solemnidade do mo-
mento, descobriu-lhe todos os segredos que a
sen nome se prendião , comquanto não escapas-
se a sua perspicacia o castigo reservado aos
que acoitavão aos então chamados inimigosp a
Patria, conseguiu mover tão sympatica piedade
que ahi viveu durante muitot empo sem que nada
demover o guarda fiel e protector da peri-
gosa porém humanitaria tarefa, que tomara so
bre si, embora, pobre como Job, carecesse de
tudo para o sustento proprio e das duas pes-
soas a que então se dedicava .
Como meio de conhecer a fundo os movimen-
tos dos perseguidores, Dias se alistou entre elles
quando notificado , e d'esta arte fazia impossivel a
captura de seu atribulado protegido .
Diminuida um - pouco a effervescencia dos ani-
mos partidarios , Alencar julgou asada a occa-
sião de abandonar o escondrijo e ir em deman-
da de outra região , onde , contando com amigos
podesse libertar o espirito de tantos sobresaltos
e entregar- se a uma vida de mais tranquilidade ,
em quanto não soava o momento de completo
DO INSTITUTO DO CEARA 89

esquecimento para suas opiniões e suas doutri-


nas, e então pensou que tudo encontraria si
podesse attingir as margens do S. Francisco ou
atravessando os sertões, embora invios , ir ter á
Feira de Santa Anna, provincia da Bahia, ou
mesmo á alguma . provincia mais longiqua. the
Quem suppozesse que a dedicação de Dias,
embora expondo a propria cabeça, limitou- se a
circumdar de impenetravel segredo a existencia
do homem, que a elle confiara- se, não faria
justiça aos sentimentos nobres, que cultivava
então aquelle typo do sertanejo Cearense ; ain-
da não se havia fechado para o perseguido repu
blicano o cyclo das attribulações , não quiz, por-
tanto, Dias deixar incompleta a obra da dedi-
cação e lá se póz a caminho , guia e guarda
costas, em busca da Bahia.
Pintar o que foi essa travessia sempre em
lucta contra a natureza, descrever os sobresaltos
e os terrores , que os accompanhavão quaes som-
bras, não é dificil , sem esforço a imaginação
póde concebel- os .
Quasi á meta d'aquella peregrinação , quando
tudo parecia annunciar uma melhor phase de
existencia, as circumstancias violentaram Alen-
car a se fazer prender, e para recebel- o abrem- :
se os portões da masmorra da Bahia.
Só alli se fez a separação d'aquelles dous ho-
1
mens fortes , tão differentes na condicção e na
fortuna , tão distanciados pela intelligencia, mas
irmãos pela sympathia e pelos sacrificios, que ·
tinha um sabido dispertara o outro.
.

90 REVISTA TRIMENSAL

Dobão- se os annos e completamente se tem


mudado a face das cousas politicas do imperio.
Não mais se ouve fallar em levantes de Republica,
a monarchia tem conquistado todos os espiritos.
Uma região do Ceará , porém , se vê desolada
com as atrocidades que o odio do potentado te-
nente-coronel João André tem provocado e com-
mettido em luta de morte com familia Caval-
cante.
Repugna ouvir os factos de frio canibalismo , que
horrorisão a Provincia.
Uns por perversdade de instinctos , outros para
escapar ás malhas da justiça publica provoca-
da por crimes anteriores, engrossão de dia a
dia as fileirasdos dous grupos combatentes.
Mas graças ás acertadas medidas tomadas pelo
presidente de então e as energicas correrias dos
soldados mandados em expedição contra elles ,
um termo é posto ás scenas de sangue , e sentão-
se no escabello dos réus para se ouvir condem-
nar á pena ultima aquelle tenente- coronel e seus
principaes companheiros na serie dos attentados
de que se lhes fazia carga justa ou injustamente .
No Icó e em S. Matheus é decretada a pena.
de morte contra alguns , e como havia appello
para a capital eil- os que vêm para a Fortaleza
sob boa escolta de homens armados.
Entre elles caminha um guarda costas de Au-
dré, assassino por vezes , e a quem a satisfação de
avistar Fortaleza inunda as faces de um rubor
estranho .
Um dia o presidente da provincia recebe car-
tas em que um pobre preso, que ia ser submettido
a julgamento, pedia-lhe com instancia a esmola
de curta conferencia. Essa lhe é facultada, e
DO INSTITUTO DO CEARÀ 91

avalie- se da surpresa da 1ª authoridade da pro-


vincia quando ouve dos labios do grande
criminoso a historia de um passado innocente ,
muito diversa da chronica dos actuaes horrores
e das repugnantes peripecias , que agora sobre sua
cabeça tinhão feito chover as maldições dos ceus
e as justas coleras dos homens, e avalie- se mais
do seu espanto quando elle, Alencar, o repre-
sentante do Imperador descobria no desgraçado ,
que se lhe ajoelhara aos pés , aquelle Dias, que
The salvara a existencia e a cuja dedicação , por-
tanto, devia sentar - se na cupola social, entre os
grandes da patria brazileira !
Admiravel mudança de scena : o perseguido , o
fugitivo ditando leis e circumdado de brasões
e de ouropeis ; aquelle , que arrancara-o á ira
imperialista , atirado ás gemonias do opprobio ,
victima da ignorancia, escravo do meio social !
" Vida por vida " foi a resposta de Alencar.
O prisioneiro voltou para a cella da masmorra,
mas, reunido em breve o jury, sahiu elle, graças
a altas protecções , absolvido unanimemente .
De volta a seus sertões viveu Dias ainda por
largos annos , até 1875 e sempre a repetir o bro-
cardo faze o bem , não cates a quem.

DR. GUILHERME STUDART.


ORIGENS AMERICANAS

IMMIGRAÇÕES PREHISTORICAS

O problema das origens americanas , pelas gran-


des difficuldades que o-involvem ,provoca o spiri-
to scientifico do seculo a agital - o continuamente ,
semque nemuma das soluções , que lhe dão , satis-
faça ás exigencias da sciencia ; diversas hypothe-
ses ha suggerido , ingenhosas umas, debeis outras ,
insubsistentes todas ; nemuma logra ainda a adhe-
são geral das intelligencias. A America conti-
núa a sêr o novo mundo , e os seres humanos, que
a povoavam antes da descoberta, devem necessa-
riamente provir d'este ou d'aquelle grupo eth-
nico do antigo continente. Si a civilisação ori-
ginal que se desinvolveu nas Cordilheiras tivesse
conhecido a nautica, e um subdito de Mano - Ca-
pac ou de Mocthezeuma II, conduzido das cor-
rentes oceanicas , como Cabral , aportasse ás cos-
tas aziaticas ou européas , com egual fundamento
chamariam os americanos novo mundo , - ao
que-antigo- hoje se denomina.
Entretanto a antiguidade da America a scien-
cia tem posto fóra de toda controversia ; vão já
esmorecidos os debates sobre si foi americana a
primeira terra que emergiu do oceano primordial ,
e n'ella ensaiados os primeiros esboços da vida ,
tendendo a prevalecer a opinião favoravel á
America.
Não se - contesta a autokhtonia dos productos
da actividade biologica encontrados neste emis-
93 REVISTA TRIMENSAL

pherio ; ninguem pretende que sua flora e sua


fauna viessem aliunde , exceptuado o homem ,
que pretendem os monogenistas e os polygenis-
tas, uns subtrahil- o , outros submetel- o á acção
das leis gegaes, e as mesmas obscuridades de
que se- irriça o problema parece que mais ali-
mento offerecem a essas tão encontradas opi-
niões. Com o facto do apparescimento do ho-
mem n'este continente no mesmo periodo golo-
gico em que appareceu na Europa e na Azia , se
invalescem os polygenistas ; na uniformidade das
leis mentaes e dos mesmos productos da sensi-
bilidade se-fundam os monogenistas, ponderan-
do que só a unidade de specie pode explicar o
facto singular de apresentar o homem em toda
parte as mesmas feições psykhicas ; e para expli-
car sua presença na America desde tão remotas
edades foi preciso que exondasse a Atlantida e
que as Aleutas e as correntes equatoriaes do Pa-
cifico e do Atlantico offerecessem, em passado dis-
tante , quando , por assim dizer, a humanidade
surgia do berço , uma via de communicações en-
tre os dous mundos , que se- pagou depois e nunca
mais se -reabriria sem os recursos da sciencia.
Da Atlantida havia um romance de Platão e
algumas vagas allusões em outros scriptores da
antiguidade, specialmente em Theopompo . O
que illude e dá ao romance de Platão apparencia
de realidade é a precisão comque o philosopho
idealista descreveu a physionomia da população
atlante . A Socrates dissera Critias , que a - ouvira
do avô, contemporaneo de Solon , a narração que
este colhera no Sanctuario de Sais , por occasião
de suas viagens ao Egypto . Transcrevemos aqui
uma parte d'essa narração, porque é d'ella que o
94 DO INSTITUTO DO CEAR Á

marquez de Nardaillac pretende que a Atlantida


sahe do dominio das hypotheses para entrar no
dos factos adquiridos á sciencia. O padre saita
a Solon : " A fundação de nossa cidade (Sais)
remonta a oito mil annos, conforme o- indicam
nossos livros sanctos . Vou fallar-te de teos con-
cidadãos, que viviam ha nove mil annos, e resu-
midamente te- dizer quaes as lei que os- regiam ,
e os grandes feitos que commetteram .... Sob o
influxo de leis sabias, vossos concidadãos se- des-
tinguiam muito dos outros povos na cultura da
virtude ... Consignam nossos livros muitas ac-
ções nobres de vossa republica , que excitam ad-
miração ; ha uma porém, que a todas excede pela
grandeza e coragem com que vossos concidadãos
a -praticaram .De uma poderosa esquadra resam
os livros sanctos que Athenas ditivera em sua
marcha invasora contra a Europa e Azia , vinda
do meio do Atlantico ; era então possivel atra-
vessar esse mar, porque deante da bocca que cha-
maes Colunas de Hercules havia uma grande ilha-
maior que a Libya e Azia reunidas, a qual facili-
tava aos navegantes passagem a outras ilhas e
d'essas a todo continente fronteiro , que orla esse
verdadeiro mar, porquanto o que se-acha aquem
do streito de que fallamos assemelha-se a um
porto de barra apertada ; ao passo que esse mar
è a terra que o- cinge podem com propriedade
chamar-se : um , mar, a outra, continente.
N'essa Atlantida reinaram principes poderosos
que estenderam seu dominio a toda a ilha, a
muitas outras e a partes do continente.
Aquem do streito dominaram no Libya até o
Egypto, e na Europa até Tyrrhenia.
Um dia os povos d'essa ilha reuniram suas for-
REVISTA TRIMENSAL 95

ças para conquistar vossa patria, o nosso e todos


os paizes aquem do streito Foi então , Solon ,
que vossa republica mostrou a todo universo seu
poder e seu valor, porquanto, a todos levando as
lampas na bravura e arte militar, a frente dos
hellenos ao principio, depois reduzida a seos pro-
prio recursos pelo abandono dos alliados que a-
expozeram aos maiores perigos , venceu aos ini-
migos, elevou tropheos, e salvou da escravidão
a povos que ainda não tinham soffrido o jugo es-
tranho, e salvou tambem generosamente a todos
os que, como nós , habitavam aquém das Colunas
de Hercules . Mais tarde sobrevieram terreno-
tos e grandes imnundações ; em um só dia e em
uma noite pavorosa toda a raça dos guerreiros
desapparesceu sepultada sob grandes massas de
terra, e a Atlantida se submergiu no mar. "
Eis a narração que no Timeu faz Platão. Des-
creveu o philosopho uma tradição real ou simples
mente uma ficção a que applicasse os principios
de sua Republica ?
O que resalta logo é que não se-tracta de uma
Atlantida geologica sinão protohistorica. Sof-
frem os dados da sciencia e da historia a exis-
tencia e o desapparescimento d'essa Atlantida na
epokha em que se- diz que floreceu ?
Fixemos bem seus limites no spaço e no tempo .
Defronte das Columnas de Hercnles se - esten-
dia para o oeste comprehendendo a Madeira e os
Açores e occupando o spaço que é hoje dominio
do mar de Sargaço ; desapparesceu subitamente
quando já os athenienses constituiam uma repu-
blica poderosa ; dominou na Africa o Egypto e
na Europa até Tirrhenia , isto é , a Etruria.
Não se pode entender que o dominio dos
96 DO INSTITUTO DO CEARÀ

Atlantes no Egypto fosse anterior á fundação da


monarkhia de Manes, pois que a esse tempo , os
hellenos, contemporaneos do facto , stanciavam
ainda nas regiões adjacentes ao Caucaso.
Da fundação da monarkhia até a 6ª dymnastia
não registra a historia dos habitantes do valle do
Nilo nemuma invasão extranha ; nacionaes fo-
ram todos os pharaós. Do fim da sexta ao prin-
cipio da undecima dymnastia entrou o Egypto
subitamente em um periodo de silencio e obscu-
ridade ; os monumentos são mudos, e quando
depois reapparesceu na historia , se-achava inteira
mente transformado na lingua e nos costumes.
Essa edade media do antigo imperio seria deter-
minada pela conquista ? E' possivel ; mas de
Manes a essa dacta decorrem 1964 annos , e nesse
tempo nem siquer haviam começado os tempos
heroicos dos Acheos. Dahi para diante é intei-
ramente conhecida a historia do Egypto .
As tradições primitivas dos grupos hellenicos
são mudas a respeito , e pela historia assistimos
á fundação do imperio atheniense , seo desenvol-
vimento e decadencia. Nem um facto , nem mo-
numento que auctorize a acceitação do que a So-
lon expoz o padre de Sais. E' portanto histori-
camente inadmissivel a Atlantida de Platão . Ve-
jamos a de Theopompo , que Ch . Ploix assim re-
sume :
" A Europa, diz Silemo a Midas , a Azia e Africa
são ilhas, pois que cercam- nas o Oceano ; sò ha
um continente , além d'ellas. E' este de uma ex ·
tensão immensa ; os animaes são enormes, os ho-
mens de tamanho duplo do nosso , e vivem o du-
plo de nossa vida . Alastram esse paiz cidades
grandes e numerosas. O modo de vida de seos
REVISTA TRIMENSAL 97

habitantes é particular, e seos costumes inteira-


mente differentes dos nossos . Duas cidades , so-
bretudo , são notaveis por sua extensão ; chama-
se uma Maklimos (Guerreira ) e outra Eusebe
(Piedosa) . Em Makhimos os homens nascem ar-
mados, guerreiam continuamente, estão sempre
a fazer conquista , e Makhimos impera sobre po-
pulações numerosa . Raramente morrem os Ma-
khimenses de molestia, mas quasi sempre nos
campos de batalha , a pedra ou a pau (porque não
pode feril os o ferro) . Possuem muito ouro e
muita prata , e o ouro não é mais estimado en-
tre elles do que o ferro entre nós. Quizeram
proseguir suas conquistas até o nosso mundo ,
e , atravessando o oceano em numero de 10 mi-
lhões , invadiram o paiz dos Hyperboreos ; mas
quando souberam que esses povos eram os mais
felizes de todos os povos da Europa, Azia e da
Africa acharam-lhes a existencia tão pobre e mi-
seravel que se- resolveram a não ir além. "
99
Continuando conta ainda Sileno que no paiz
dos Meropes havia um logar chamado -insupera-
vel - semelhante a um abysmo, onde não havia
luz nem trevas, mas um nevoeiro avermelhado.
Dous rios corriam perto d'ahi, o rio do Prazer e
o rio da Tristeza .
Ensombravam -nos grandes arvores , cujos fru-
ctos gozavam de propriedades particulares. Quem
comia dos fructos das arvores do rio da Tristeza
se-punha immediatamente a chorar e a se -lasti-
mar até morrer de consumpção ; e quem comia
dos fructos das arvores do Prazer começava a
remocar, passava successivamente por todas as
edades anteriores até que acabava por se-extin-
guir. "
98 DO INSTITUTO DO CEARA

Essa narração de Theopompo , que se- invoca


sempre a corroborar a de Platão, é ainda menos ac-
ceitavel do que ella . Aqui tudo é maravilhoso :
os personagens , os acontecimentos e os pheno-
menos da natureza animal e vegetal . E' um ro
mance a grega, não é uma historia , nem mesmo
uma tradição.
Si para a historia a Atlantida é impossivel ,
não o - é menos para a sciencia. A simples im-
pecção de um mappa-mundi nos- revela a forma
e disposição das terras. Enfeixam-se todas nas
proximidades do polo artico , estendem- se para
o sul, e acabam em mares profundo , com rema-
te cuneiforme ; o cabo Camorim, o da Boa- Es-
perança, o Farewell e Horn o - attestam.
Procurou -se explicar o phenomeno pela gran-
de accumulação d'agua para o polo do sul ; mas
verificou-se que tal accumulação não existe , e é
certo que uma tal accumulação para o polo do
norte não daria aos continentes remate cuneifor-
me, nem esses acabariam abruptadamente em
mares profundos. Essa uniformidade da forma e
direcção dos continentes indicam que são fun-
damentaes e não aventuaes. A Atlantida , atra-
vessando o oceano de leste para oeste, constitui-
ria uma excepção á lei geral que presidiu a for-
mação dos continentes , excepção que não vale
presumida sinão provada .
Não é menos maravilhoso o desaparescimento
da Atlantida. E' um facto adquirido á sciencia
que ao terminar o periodo glaciaria tinhamos
continentes o relevo que ainda hoje mantêm, com
pequenas modificações, produzidas pelo caminhar
lento dos seculos . Si aquella grande massa de
rochas desapparescesse subitamente nas profun-
REVISTA TRIMENSAL 99

dezas do Atlantico , em uma temerosa catastro-


phe, determinada pela acção violenta de pheno-
menos geognosticos, todos os continentes , des-
truidos em muitos de suas partes, soffreriam pro-
fundas alterações em seus relevos .
Não invalesce a hypothese da Atlantica com
as sondagens do oceano quadro a seis mil me-
tros de profundidade até o leito do Atlantico na
zona que ella devera occupar. O plató telegraphi-
co entre a Europa e America acha se alem do
parallello 50?; cobrem-no de dous mil e oitocentos
à trez mil metros d'agua [ termo medio, ] seguindo
logo profundezas de quatro mil metros. Basta ,
porém, a latitude para excluir a hypothese da
Atlantida.
Nem a historia nem a scienaia acceitam a gran-
de ilha de Platão ; é um romance sem valor sci-
entificou e impotente para explicar a presença do
homem nas duas Americas nos tempos quater-
narios.
Vejamos a immigração pelas aleutas.
Forma o arkhipelago aleontino uma grande
curva regular de 2.300 kil . ao N. O. da America ,
entre Alaska e a Kamtchatcha ; é composto de
umas cento e cincoenta ilhas, afóra os innumeros
arrecifes e rochas nuas. São as ilhas de peque-
nas dimensões , não medindo a maior d'ellas
mais de 13 o k. , e se dividem em septe grupos , o
primeiro dos quaes, a contar da Azia , dista de
Kamtchatcha 200 kil. , e do segundo grupo 400
kil .; é o maior claro entre os élos da cadeia , que
depois segue quasi sem intrrupção até encarar
com o continente americano . São mon anhosas ,
frequentemente envoltas em brumas , e açoitadas
de erupções vulcanicas ; o verão breve e ardente ,
100 DO INSTITUTO DO CAERÁ

o hinverno brando relativamente á latitude ; em


maio começa a degelar ; lagos e rios pequenos
no interior. O aspecto é carregado e desanima-
dor ; alguns volções estão continuamente a ex-
halar fumo, outros a despegar lavas, que enru-
brescem o manto de nevoas que lhes-envolvem
o cume, dando á paysagem tons phantasticos e
temerosos.
A flora quasi toda herbacea e tufosa ; apenas
na ilha das Raposas encontram - se pinheiros , ala-
mos, carvalhos e chorões , todos acanhados nas
formas e crescimento ; maritima quasi toda a fau-
na ; de rangifer e raposa a terrestre. A popu-
lação é esquimau, de statura mediana , rosto redon-
do, olhos pequenos, côr morena , nariz chato ,
cabellos negros e pouca barba, Vivem da caça
e da pesca ; indolentes , mansos , alegres e sensu-
aes . Em 1840 montava toda a população em
4645 almas; esse numero tem decrescido muito com
as relações dos russos. Essa obscura população vi-
via inteiramente desconhecida do mundo, so-
bre essa extensa linha de ilhas, até o principio
do seculo passado ; desde que começou a historia
para a Azia septentrional e para a America ,
nunca uma tribu ou siquer um individuo se pas-
sou das Aleutas para o continente aziatico , nem
para o americano ; parecia ignorarem a existen-
cia de outras terras além de suas ilhas .
E, phenomeno ainda mais notavel ! da Azia ,
tão açoitada dos grandes conquistadores, e cuja
pupulação , em algumas zonas, é tão densa que
torna acerba lucta pela vida, não registra a his-
toria a passagem de um grupo , de uma familia
para o arkhipelago aleontino. O mesmo facto
se-observou na America ; o ferro do colono san-
REVISTA TRIMENSAL 101

grou brutalmente a população indigena ; hou-


ve verdadeiras hecatombes , deante das quaes ain-
da hoje aterrorado passa o historiador. Entre-
tanto nunca os americanos procuravam nas Aleu-
tas abrigo contra a deshumanidade dos coloni-
zadores; com o sangue ensoparam a terra ameri-
cana , mas não procuravam salvação algures .

Ignoravam , não tinham tradições.


Ora si isto ainda no seculo passado foi assim ,
não obstante o enorme concurso de circumstan-.
cias que determinam o homem a emigrar, como
admittir que nos tempos quaternarios, quando
a população era muito menos densa , as condições
de vida mais ou menos eguaes, e o frio das re-
giões septentrionaes muito mais intenso , porque
foi o tempo das grandes geleiras, podessem gru-
pos de população emigrar da Azia para a Ame-
rica atravez da Aleutas ? A medida que um tal-
grupo se dirigisse para extremo N. E. da Azia
o frio o obrigaria, á mingua de recursos ,
a retrocedor á Azia meridional ou central ;
si não obstante passassem até o primeiro gru-
po do arkhipelago, o aspecto entristicedor da na-
tureza physica, a maior escassez de recursos ,
lhe quebraria o animo aventuroso , e, ou não
passaria além , ou voltaria á Azia. Só o deses-
pero de causa pode empregar o akhipelago das
Aleutas como caminho dos povos aziaticos para a
America, nos tempos quaternarios , isto é, nos
primeiros tempos do apparescimento do homem .
Esta quasi impossibilidade , torna- se absoluta pa-
ra os que , admittindo um centro unico de cre-
ação , admittem tambem um ou mesmo poucos
pares da specie, principalmente porque para
todos os monogenista o centro de creação não
102 DO INSTITUTO DO CEARÁ

dodia ser fóra dos limites da zona temperada ,


ou antes devia ser nos limites da zona quente
e da temperada.
Corrente oceanicas. Objectos fluctuantes, ati-
rados ás correntes equatoriaes do Atlantico e do
Pacifico , tem sido conduzidos ás costas ameri-
canas, oriental e occidental. Um pequeno bar-
co tripolado de pescadores teria a mesma sorte ?
Em uma tão longa travessia á fome e á sede su-
cumbiriam os tripolantes, e os vagalhões do A-
tlantico e as tempestades do Pacifico fariam mais
de uma vez sossobrar a barca. Supprimi a bus-
sola e as grandes embarcações ; cessará immedia-
tamente toda communicação entre os dous mun-
dos.
Si ainda hoje isso é assim, não obstante o aper-
feiçoamento relativo dos pequenos barcos de pes-
ca como o admittir que os primeiros ensaios
de construcção naval nos tempos quaternarios
fossem mais felizes ? Quando se-descobriu a
America toda a população era antiquissima ; não
havia si quer tradição de povos vindos de além ;
tinham todos o typo americano. Como admit-
tir que pequenos barcos se -desgarrassem da cos-
ta africana e aziatica em epokhas remotissimas ,
e depois quando cresceu a população e a pesca-
ria tomou muito maiores porpoções , nunca mais
se-reproduzisse o mes.no phenomeno em tem-
pos posteriores ?
A questã subsiste , pois, sem solução satisfa-
toria . Da fraqueza d'essas hypotheses deve - se
concluir que não houve immigrações na Ameri-
ca nos tempos prehistoricos ? Não ; somente ,
si ellas se - deram , a sciencia ainda as-ignora .
J. CATUNDA.
A PRIMEIRA VILLA

DA PROVINCIA

NOTAS PARA A HISTORIA DO CEARA (* )

(J. B. Perdigão de Oliveira)

O Sr. major João Brigido dos Santos, meu


illustre professor e bom amigo , compendiando
o que se ha escripto em diversas chronicas sobre
esta provincia formulou umas lições para o uso
das escolas primarias, importante trabalho que,
sob o titulo - Resumo da historia do Ceará- pu-
blíca actualmente nas paginas do Libertador.
Importantissimo é, de certo , o serviço que
S. S. presta com esse trabalho ás lettras patrias ,
immensa é a lacuna que com elle vem preen-
cher.
O Ceará, que conta um passado de quasi tre-
zentos annos e tem não pequeno numero de filhos
dilectos e de grande saber, não tem ainda sua
historia escripta !
Quarto se tem escripto , diz S. S. consta de
memorias, noticias de jornaes, chronicas , etc. ,
tudo disperso , sem methodo , nem systema. »

(*) Estas notas foram publicadas em artigos no Pedro 11, jorual


desta capital, do 1º de Dezembro de 1885 a 16 de Maio de 1886 .
ww
ww
104 REVISTA TRIMENSAL

Entretanto é certo que um povo , que não sabe


sua vida intima, que desconhece a historia de
seu passado , e não sabe dizer d'onde provém ,
que não póde contar suas glorias, nem a amar-
gura de sua tristeza , que tem conjunctamente no
pó dos archivos a virtude e o vicio sem poder
apresentar aquella á admiração e este á anima-
dversão de todos , esse povo não póde pretender
os fóros de civilisado .
E o Ceará, que ordinariamente se avantaja a
suas irmãs na escala do progresso, tem entre-
tanto quasi tres seculos de sua vida sepultados
em seus despresados archivos ! ..
Quantos feitos illustres , quem sabe , perna .
mecem ignorados ?, quantas infamias, quiça, oc-
cultam- se tambem nas densas trevas do silencio,
sem que possam ser condemnadas com a brasa
da maldição para exemplo e edificação das ge-
rações porvindouras e do presente ? ...
Esse facto é tanto mais para lamentar quando
é certo que o Ceará perde quotidiaanmente filhos
doutissimos, que succumbem precocemente ra-
lados de desgostos , victimas de uma politica
mesquinha, indigna dos homens sérios .
Todos conhecem essa grande verdade, todos
comprehendem a causa que leva robustos talen-
tos a beijarem tão cedo a lapide fria do sepulchro ,
todos lamentamo -nos entristecidos, mas , caso
estranho !, cada dia que se passa , novas victimas,
e victimas illustres, arrastadas não sei por que
ignota magia, cahem n'esse terrivel sorvedouro ,
como que para provar a verdade do anexim
abyssum vocat abyssum
Seus nomes .... para que cital os !
Si grande e illustre é a lista de nossos grandes

2
DO INSTITUTO DO CAERÁ 105

homens, triste e immensa é a lista das victimast


da politica.

Reactando .
« Quanto se tem escripto , diz S. S. , consta de
memorias , noticias de jornaes , chronicas , etc.
tudo disperso, sem methodo, nem systema. »
Si este facto é digno de lastima , mais ainda o
é que esses mesmos escriptos discordem entre
si , em diversos pontos , sem que seus autores
apresentem comtudo as bases em que se fundam
suas opiniões para tal divergencia , e que tantas
vezes um escriptor trate de um assumpto quan-
tas sejam as opiniões que externe a respeito .
Vejamos, por exemplo, sobre a fundação da
primeira villa da Provincia .
O Exm . Sr. conselheiro Araripe diz em sua
Historia da Provincia do Ceará ás paginas 108 e
109 que a primeira villa mandada crear na anti-
ga capitania fôra fundada no local em que se
acha esta capital, transferida depois para a barra
do rio Ceará, d'onde voltou mais tarde , e , sendo
ainda muddaa para aquella barra, veio poste-
riormente para a primitiva situação , e que só-
mente em 1713 fôra transferida para o logar
Aqui az.
A' pagina 127 , porem , escreve : Em 1708 a
camara municipal do Aquiraz pedia ao Rei a no-
meação de seis alcaides para a prisão de crimi-
nosos etc.
O illustre Sr. Dr. Pedro Theberge , de sau-
dosa memoria, á pagina 182 , tomo 1 de seu
"Esboço Historico sobre a provincia do Ceará,”
106 REVISTA TRIMENSAL

diz ser crença geral que a povoação do Aquiraz


foi elevada á villa no primeiro anno do seculo
passado . Confessa ignorar a época certa de sua
creação , mas accrescenta que adquiriu a certeza
de que em Maio de 1700 já funccionava o senado ,
pois que a 15 do dito mez representava ao Mo-
narcha que os moradores do termo muito sof-
friam dos roubos de gados que lhe faziam os
Gentios barbaros.
E conclue : " sendo já villa no meiado de Maio
e correspondendo - se com o Monarcha , foi o de-
creto da creação lavrado no fim do seculo ante-
rior ou primeiros dias do XVIII . A villa foi 1
creada debaixo do titulo de villa de S. José de
Riba-mar dos Aquiraz, e comprehendeu seu ter-
mo todo o territorio do Ceará grande , isto é a
capitania inteira . ”
As paginas 111 e 112 diz : " Houve n'esta
capitania durante o anno de 1711 e os seguintes
uma especie de levante á imitação dos mascates
em Pernambuco . Algumas pessoas, e especial-
mente o capitão - mór, interessadas em que a
Fortaleza fosse a cabeça do termo , em vez do
Aquiraz , representaram n'este sentido a El- Rei
qne por Alvará de 11 de Março do mesmo anno
mandou passar a villa e termo para a Fortaleza .
Os habitantes do Aquiraz não viram esta mu-
dança com bons olhos, e reclamaram contra ella ,
mas debalde porque tinham contra si o capitão-
mór e a tropa. Esta competencia formentou
entre os interessados dos dous lados uma intriga
que não tardou em passar ás vias de facto . Os
moradores do Aquiraz suscitaram os Indios
aldeados na visinhança á revolta , e reunidos e
guiados por alguns dos mais ardentes interessa-
DO INSTITUTO DO CEARÀ 107

dos resolveram resistir ás forças do capitão - mór.


Houveram entre os dous partidos renhidos en-
contros, nos quaes morreram muitos d'elles , mas
com especialidade Indios . •
El rei informado
d'estes acontecimentos restabeleceu as cousas ao seu
antigo estado , tornando a passara villa para o
Aquiraz, onde ficou sem mais competencia, e
Fortaleza ficou sendo o logar de residencia dos
capitães-móres . Esta nova transferencia effectuou-
se em virtude de uma Ordem Regia de 27 de Janeiro
de 1713 (E faz esta nota- segundo Pompeu-- Ens.
Estat. - Tom. 2º Pag. 265 : em virtude de Ordem
Regia de 9 de maio de 1713."
-No 2º volume dos Ensaios Estatisticos á pa-
gina 37 o venerando senador T, Pompeu, de sau-
""
dosa memoria , diz que a villa do Aquiraz é a
mais antiga da provincia; principiou em 1700 e
foi confirmada em 1710 por Carta Regia,
A' pagina 263— : " 1700 - creação da villa do
Aquiraz, a cuja jurisdicção ficou pertencendo
não só a povoação do forte, onde residiam os
capitães-móres, como todo o resto da capitania.
Esta creação molestou summamente os morado-
res do forte , inclusive o capitão - mór , e occasio-
nou alguns conflictos . "
Ainda o seguinte á pagina 265-: " 1711-11 de
março-Ordem regia, que transfere para a Forta-
leza a séde da villa do Aquiraz . "
"1713--9 de Maio- Ordem regia, restabelecen-
do o Aquiraz como séde do termo , de que resul-
tou conflictos entre os moradores d'esta villa e o
capitão- mór da Fortaleza . ”
No 1 volume , porém , no quadro dos munici
pios, á pagina 235 , lê-se " Aquiraz villa creada em
1713."
108 REVISTA TRIMENSAL

No Dicionario Topographico e estatistico es-


creve-Aquiraz foi a primeira freguezia e a pri-
meira villa da provincia do Ceará, e a séde da
antiga ouvidoria. —Foi creada villa em 1710 e fre-
guezia em 1700 com o orago de S José de Riba-
mar.
A' pagina 15 dos " Apontamentos para a Chro-
nica do Ceará" Aquiraz creada villa em 1700 ,
transferida a séde para a Fortaleza por ordem
Regia de 11 de Março de 1711 , e restituida outra
vez pela Resolução de 6 de Maio de 1713 que se
deu execução em 17 de Outubro do mesmo anno . "

-O Sr. Major João Brigido em seu "Resumo


chronologico ", á pag. 19 escreve : " -1700-25 de
Janeiro. N'este dia fez - se a eleição da primeira ca-
mara da provincia- a da villa de S José de Riba-
mar do Ceará, cujo termo comprehendia toda a
capitania-Foram eleitos- os capitães Manoel
da Costa Barros e Christovão Soares de Carva-
lho para juizes ordinarios; o tenente Antonio Di-
as Freire, Antonio da Costa Peixoto e João da
Costa Aguiar para vereadores e o capitão João de
Paiva de Aguiar para procurador.

" Estes individuos , escolheram para séde da


villa o logar Iguape (Aquiraz ) contra o voto do
capitão-mór Francisco Gil Ribeiro , mas pedindo
ao governador e capitão general de Pernambuco a
confirmação de sua eleição , este expediu em 24
de Março, as suas cartas de usança, mandando
que a séde da villa fosse a mesma povoação , em
que estava a fortaleza. "
A ' pagina 25 diz S. S.: " 1711-30 de Janeiro—
Carta regia ao governador geral de Pernambuco ,
mandando transferir para Aquiraz a villa de S.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 109

José de Riba- mar, que se tinha estabelecido junto


á fortaleza de N. Senhora da Assumpção . "
E á pag. 26-: " 1713-13 de fevereiro . - Ordem
do governador de Pernambuco, mandando que
se mude para o sitio Aquiraz a séde da villa de
S. José de Riba -mar, declarando que S. M. , me-
lhor informado da capacidade do sitio assim lhe
tinha ordenado, por Carta de 30 de Janeiro de
1711 , sem embargo de estar o Aquiraz a seis le-
guas da Fortaleza : pois que ficava na estrada
para diversas povoações, com rio navegavel cha-
mado Pacoty, em distancia de 2 leguas do mar,
onde estava o presidio de Iguape , com bôa ense-
ada para barcos, sustento de carne e farinha ,
o que não se acha junto á fortaleza de Assump-
99
ção.
" 27 de Junho . - Transferencia effectiva da
séde da villa para o sitio Aquiraz , conforme o
acto de installação existente nos archivos da
provincia. "
-Entretanto á pagina 23 lê- se -: -1708-27
de Novembro .... A camara do Aquiraz pedin
ao rei a creação de seis alcaides para prisão dos
criminosos , por não serem bastantes os 50 ou 70
soldados do presidio , pois que desde 1700 haviam
impunes 214 criminosos , que não eram perse-
guidos á falta de cadeia e agentes policiaes. "
Em 1881 , porém, S. S. declara pela Gazeta do
Norte que a villa do Aquiraz era realmente a
mais antiga da provincia, e que fôra creada por
Carta Regia de 1699 .
No trabalho que actualmente está publicando
diz S. S. a respeito d'esse assumpto :
" No governo d'este ultimo (Francisco Gil
Ribeiro) (16 de Julho 1700) inaugurou- se a pri-
110 REVISTA TRIMENSAL

meira villa, cujo termo comprehendia o territo-


rio de toda capitania . Os homens principaes da
colonia escolheram para séde d'esse termo o
logar Iguape (Aquiraz) contra o voto de Fran-
cisco Gil Ribeiro, o que foi parte para um litigio
mui longo , conflictos e mortes entre dois parti-
dos, que se levantaram, a saber os militares , que
queriam a villa no logar do presidio e os planta-
dores que opinavam pelo Aquiraz.
39
Apesar de ordens positivas de Lisboa e Per-
nambuco para que a villa fosse n'esse ultimo
logar, ella só se estabeleceu ahi definitivamente
em 1713 , tendo estado ora no Aquiraz , ora na
barra do Ceará, e ora no local da cidade da For-
taleza . "
*

Entre tantas e tão diversas opiniões , qual a


seguir ? De que lado está a razão ? A quem
assiste a verdade?
O que d'ahi resulta é que cada qual vai adop-
tando a opinião d'aquelle a quem na occasião
consulta ou lê, sem estalelecer comtudo um con-
fronto com as outras.
Os documentos officiaes , relatorios e quadros
estatisticos , vão tambem resentindo- se da mesma
falta, sendo certo que a opinião do venerando se-
nador Pompeu é a mais seguida, devido , talvez,
ao facto de ser official o seu trabalho .
Lembra- me um facto que vem a proposito nar-
rar: um dos ministerios exigiu , ha tempo , à pre-
sidencia da provincia cópia da Ordem Regia de
1713 que creára a villa do Aquiraz, segundo con-
stava de um seu officio , ou outro documento . Se
respondeu que na secretaria da presidencia não
DO INSTITUTO DO CEARÀ 111

existia tal ordem, e que, si tinha sido ella citada


ou mencionada no trabalho de que tratava o
ministerio, era porque assim o referia o senador
Pompeu nos Ensaios Estatisticos - trabalho offi-
cial.
Um grande vulto , cuja perda sensivel a Pa-
tria e a Religião ainda deploram o venerando
senador Candido Mendes, disse :
" Não temos uma historia completa ; temos
retalhos alcunhados com esse nome ; alguns não
são mais do que cópias dos precedentes, distin-
guindo-se apenas pelo estylo mais ou menos cor-
recto , disposição das materias, ás vezes nenhu-
ma idéa adiantando , quanto ás epocas notaveis
da nossa historia, e ao que é em geral bem co-
nhecido. A causa d'este facto provém da falta de
documentos e memorias contemporaneas impres-
sas, que muita luz podem dar, esclarecendo , rec-
tificando o que ha de incorrecto e inexacto com
a autoridade de algum nome. " (1)
Convencido d'essa triste verdade, com relação
a esta provincia , entendi, como seu filho que a
extremece , que devia , a despeito mesmo da hu-
mildade de minha pessoa, concorrer de alguma
forma para remediar esse mal ; e , assim, procurei
e consegui colligir diversos documentos , que abai-
xo faço publicar e que muita luz vém trazeráquel-
le ponto de controversia.
Assim procedendo , não me alenta mais do
que a esperança de ir estimular a outros a que
façam publicar novos documentos, que porven-
tura possuam ; e ; subtrahindo assim aos estragos

(1 ) Candido Mendes- " Memorias para a Historia do Extincto


Estado de Maranhão 99', prologo, T. I pag. VI.
112 REVISTA TRIMENSAL

das traças grande quantidade de reliquias do pas-


sado, fazer com que se restabeleça a verdade so-
bre um ponto de não pequena importancia da
historia de minha heroica Ceará.
Que consiga isto , ficarei contente .
D'esses documentos verifica- se que com rela-
ção á villa mandada crear na antiga capitania do
Ceará, pela ordem Regia de 13 de Fevereiro de
1699 occorreu o seguinte :
Em 1700 se procedeu a eleição da primeira
camara, sendo eleitos para os cargos de juizes or-
dinarios os capitães Manoel da Costa Barros e
Christovão Soares de Carvalho ; para os de ve
readores o tenente Antonio Dias Freire , Antonio
da Costa Peixoto e João da Costa Aguiar, e
para procurador o capitão João de Paiva de
Aguiar.
Estes cidadãos communicam , em carta de 25
de Janeiro de 1700 , ao Governador de Pernam-
buco o resultado da eleição e que ainda não se
tinha decidido o lugar separado em que devia ser
fundada a villa, em consequencia de haver a res-
peito diversas opiniões ; porém que elles com os
demais adjuntos tinham procedido á dita eleição
nolngar chamado Iguape. (doc . nº 1 )
Em 24 de Março responde o Governador de
Pernambuco , D. Fernando Martins Mascarenhas
de Alencastro , enviando - lhes as cartas de usan-
ça (que teem a data de 16 de Março ) e determi-
nando que a villa se fundasse no lugar em que
actualmente assiste essa pequena povoação , como
ordenava ao capitão-mór do Ceará, Francisco
Gil Ribeiro. (does. nº 2 e 3)
Este, cumprindo as ordens recebidas, fez fun-
dar a villa, sob a denominação de S. José de Riba-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 113

mar-junto da Fortaleza, debaixo das armas d'el


la, [ 2 ] e aos 16 de Julho juramenta e dá posse
á camara, que no dia 16 de Agosto delibera fa-
zer estatutos ou posturas acommodadas ao terre-
no e ao modo de vida de seus moradores , vis-
to não haver na villa regimento algum , pelo qual
se regesse com o povo . ( docs. 4, 5 e 7. )
Já em 15 de Maio aquelles cidadãos , reuni-
dos em camara, tinham dirigido cartas ao Rei
de Portugal, solicitando diversas providencias
para augmento e socego da capitania. (doc . 6. )
Em uma d'essas cartas communicam que a
villa tinha sido fundada junto da Fortaleza con-
tra a sua opinião e a da maior parte do povo-
por ser um lugar muito inconveniente , maxime
por causa da porto ser pouco capaz , havendo en-
tretanto na capitania outro lugar, a que chama-
va-se Iguape , junto do qual existia terras ara-
veis , abundante em agua e pescarias, porto facil
para entrada e sahida de embarcações, sendo por
isso mesmo procurado até per piratas, podendo
para evitar a estes ser coberto com uma plata-
forma com dez soldados ,
Em vista do exposto , julgavam de grande con-

(2) Fundar a vilia , isto é levantar o pelourinho para reconheci-


mento da villa.
Não posso precizar o mez e dia, em que isto se effectuon , pare-
ce-me ter sido em 25 de Maio , dia em que , como se verá adian-
te , os cidadãos eleitos para diversos cargos da camara, communi-
cam o facto a El- Rei de Portugal.
Como quer que seja, não me parece acceitavel a opinião do
Exm . con elheiro Araripe quando diz que foi-- aos 25 de Janeiro
-que se estabeleccira villa, porque isto sómente se realizou de-
pois da decisão do Governador de Pernambuco, que tem a data de
24 de Março.
) Sr. major J. Brigido diz que o dia 25 de Janeiro foi o da
(
eleição da camara, o que não contesto.
114 REVISTA TRIMENSAL

veniencia a inudança da villa para aquelle lugar,


e que até vir a decisão regia não considerariam a
mesma villa com o necessario fundamento . ( 3)
[doc . n° 5. ]
El-Rei responde a 2 de Outubro quanto ás pro-
videncias solicitadas [docs . 8 a 10] ( A respeito
da mudança não encontrei resposta ou decisão . )
-Quando se tratava de se levantar o pelouri-
nho para o reconhecimento da villa, houve recla-
mação por parte do povo para que não fosse na
Fortaleza , e sendo levado isto ao conhecimento
do Governador de Pernambuco , este mandou
mudar a villa para a parte mais coveniente. [ doc.
28.1
Em vista disso a camara em sessão de 20 de
Abril e 20 de Julho de 1701 accordou fazer a mu-
dança para a barra do rio Ceará, lugar escolhido
pelo capitão-mór Francisco Gil Ribeiro e Rvd. vi-
gario João de Mattos Serra, ouvidos a respeito
conforme a ordem do Governador de Pernambu-
co. (does. 11 e 12 )
Em 2 de Abril do anno seguinte o capitão-
mór Francisco Gil Ribeiro convocou a camara ,
a quem apresentou o capitulo de uma carta, que
the fôra dirigida pelo Governador de Pernambu-
co D. Fernando Mascarenhas , determinando que
a villa continuasse situada na Barra do rio Cea-
rá ; [doc. nº 13 ] o que dá a entender ter havido
pedido ou proposta de mudança da villa para
outra localidade.
-Em 24 de Fevereiro de 1706 o capitão-mór
do Ceará, Gabriel da Silva Lago, apresenta ao

(3) 0 Sr. Dr. Pedro Theberge disse, entretanto, que era o sena-
do da camara do Aquiraz que funccionava em 15 de Maio e se
correspondia com o Monarcha.
DO INSTITUTO DO CAERÁ 115

senado da camara uma proposta de mudança da


villa para junto da Fortaleza de Nossa Senhora
da Assumpção , e tendo no dia 26 o mesmo sena-
do se reunido , a pedido do povo , delibera a mu-
dança para o dito lugar, que tambem fôra esco-
lhido pelo povo. (docs. 14 e 15. )
Contra esse acto a camara, que entrou à ser-
vir, representa em 10 de Julho do mesmo anno .
[ 1706] ao Governador de Pernambuco , allegando
que sua antecessora assim tinha praticado coagi-
da pelo capitão-mór, homem pouco experiente
da terra .
Mostrando os incovenientes que se experimen-
tariam em continuar a villa na Fortaleza, diz a
camara o lugar é ladeira abaixo ladeira acima,
sem ter perto conveniencia para portos nem pa-
ra barcos, a não ser uma ponta chamada Mucu-
ripe , onde as embarcações com grande risco po-
dem tomar porto , não se bebendo no verão se-
não agua de cacimbas e ruim, sem rio de peixe
a não ser a costa do mar ; por isso pede permis
são para mudar a villa para o Aquiraz, que é, diz
ella " boa planicie , sitio alegre, boa agua per-
manente, rio de peixe , perto da barra do Iguape,
onde as embarcações podiam ancorar com segu-
ro . " [doc . 16. ]
O Governador responde a 11 de Setembro de-
clarando que, tendo sido a villa transferida da
Barra do Ceará sem ordem Regia e só por con-
sentimento do capitão mór, cumpria que a cama-
ra fizesse voltal- a para aquella localidade , isto
sem perda de tempo livrando de molestar— a si
e a elle- ; e que , quanto á mudança para o Aqui-
raz, ia submeter a proposta á consideração do
Monarcha , afim de resolver como fosse servido ;
116 REVISTA TRIMENSAL

porém que antes disso havia de se procurar lu-


gar apropriado para a construcção de fortale-
za . (doc. 17. )
Dando cumprimento a essa determinação , a ca-
mara accordou em sessão de 23 de Outubro a
mudar a villa do lugar Fortaleza para a Barra do
rio Ceará. (doc . 18. )
-Em 15 de Dezembro do anno seguinte [ 1707]
a camara que entrou a servir, dirige ao Rei de
Portugal uma carta em que, mostrando o pou-
co augmento que a villa tinha tido até então ,
já em consequencia das continuas mudanças , já
por causa da incapacidade dos lugares em que
tinha sido situada , pede permissão para transfe-
ril- a para o Aquiraz que está, diz ella, perto do
rio Pacoty, que tem barra, e do forte do Iguape ,
onde as embarcações podem ancorar com segu-
rança, e fica na estrada publica para augmento e
defeza do mesmo forte, com abundancia de man-
timento , peixe, pasto para gado vacum e cava-
lar. (doc. n° 19. )
-A camara que servia no anno de 1708 , [ 4 ]

[4 ] E' esta camara que, quando a villa ainda se achava na bar


ra do rio Ceará, pede em 21 de Agosto de 1708 ao Rei de Portugal
a creação de seis alcaides para a prisão de criminosos.
Fundamentando sen pedido diz ella : " que desde a fundação
da villa em 1700 por diante existiam duzentos e quatorze crimi-
nosos que não eram perseguidos por falta de cadeia e pessoas que
os prendessem por mandado dos Juizes, por não haver mais que
um pobre alcaide sea tensa e um meirinho, com que não se podia
guardar a terra e conseguir prisões, porque os cincoenta ou ses-
senta infantes , que annualmente vinham a capitania, não eram
bastantes para a guarnição das fortalezas existentes, e não podi-
am, ainda mesmo se quizesse, ser empregados naquelle mister. "
[doc . 20 -a]
O men illustre professor e Exm . Sr. conselheiro Araripe di-
zem que esse pedido foi feito pela --camara do Aquiraz e em datu
de 27 de Novembro de 1708.
DO INSTITUTO DO CEARA 117

reunindo -se no dia 8 de Outubro na Fortaleza de


Nossa Senhora da Assumpção , delibera mudar
para ahi o assento da villa, transferindo o pelou-
ro que se achava na barra do rio Ceará, até or-
dens em contrario do Rei de Portugal ; do que
mandou fazer termo de assentada e deu parte ao
capitão-mór do Ceará.
Para assim proceder allegava a camara ter re-
cebido autorisação do Governador de Pernambu-
co , D. Sebastião de Castro Caldas , em carta de
29 de Setembro de 1707. [doc . nº 20. ]
-Fazendo um historico do que até então ha-
via occorrido com relação a villa de S. José de
Riba-mar, a camara de 1713 diz ao capitão - mór ,
em carta de 24 de Março agora vemos o pelou-
ro junto da Fortaleza e não encontramos nos li-
vros de registro Ordem Regia ou do Governador
de Pernambuco , autorisando esta ultima mudan-
ça, pelo que pedimos que nos faça saber se tem
ordem ou poderes para a conservação da villa no
dito lugar, pois tendo de se construir a cadeia
não convém dar começo aos respectivos traba-
lhos sem haver certeza do legitimo assento da
villa. [doc . nº 21. ]
O capitão- mór, que então era Francisco Du .
arte de Vasconcellos , responde na mesma data
declarando que já encontrou a villa situada na
Fortaleza e que cumpria a camara ahi conser-
val-a, porque as armas da Fortaleza serviam pa- :
ra a segurança dos moradores e estes para a d'a
quellas e que, em qualquer parte em que a villa
estivesse situada , havia necessidade de edificação
de fortalezas . (doc. n? 22. )
Já nesse tempo havia baixado a Ordem Re-
gia de 30 de Janeiro de 1711 , mandando trans-
118 REVISTA TRIMENSAL

ferir a séde da villa da Fortaleza para o lugar


chamado Aquiraz : Ordem que só em carta de
13 de Fevereiro de 1713 o Governador de Per-
nambuco [ Felix José Machado ] envia ao capitão
mór do Ceará,-Francisco Duarte de Vasconcel-
los, afim de dar a divida execução , [docs . n° 23 e
24 ] , sendo por este remettida á camara no dia
15 de Abril do mesmo anno. (doc. nº 25 ,)
Antes de ter a camara recebido officialmente
essa Ordem, reunidas diversas pessoas, tendo por
protector ou guia o Rvd. vigario geral da Capita-
nia João de Mattos Serra , apresentaram em 16 de
Abril de 1713 aos officiaes da camara um reque-.
rimento assignado por 39 ou 40 moradores da
villa, solicitando á camara fizesse suster a execu
ção da mudança até segunda ordem do Gover-
nador de Pernambuco.
Os officiaes da camara declaram-lhes que não
teem ainda conhecimento da Ordem, e que dei-
xavam de receber o requerimento por não se
acharem em vereação .
O requerimento foi então entregue ao Procu-
rador do Conselho para que em nome do povo
procurasse o despacho no tempo opportuno e
requeresse o que fosse a bem de seus direitos .
(doc. n. 26) .
Recebida a Ordem , o Procurador da camara
apresenta-lhe um requerimento , declarando pro-
testar em nome do povo contra os damnos e
ruinas do serviço de Deus e de S. M. El- Rei de
Portugal e do mesmo povo, e contra os motins
que porventura sobreviessem com a execução de
tal ordem .
A camara recebe o requerimento que faz re-
gistrar em seus livros , e de tudo dá parte ao ca-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 119

pitão-mór do Ceará e ao Governador de Pernam-


buco. [docs. nº 27 e 28. ]
O capitão-mór responde logo no dia seguinte
[ 17 de Abril ] declarando que o vigario tambem
se lhe apresentou com outras pessoas pedindo
igualmente a não execução da Ordem, e que em
vista das razões apresentadas havia deliberado
attender-lhe, submettendo o caso á consideração
do Governador de Pernambuco . (doc. nº 29.
Este, por carta de 17 de Maio manda que a ca-
mara faça cumprir sem mais delonga a Ordem
Regia, autorisando a tambem a requisitar, se
assim fosse necessario para a mudança da villa,
auxilio de braço militar, que o capitão mór for-
necer-lhe -ia sob pena de desobediencia ás or-
dens suas ; devendo a camara communicar ao ca-
pitão Antonio Vieira da Silva , que se achava en-
carregado de fazer essa diligencia. (doc. nº 30. )
Em vista disto se effectuou em 27 de Junho
de 1713 a transferencia para o Aquiraz (5) da sé-
de da villa de S. José de Riba mar, que se acha-

[ 5] Como se verá, os documentos accusam que essa mudança


se effectua em cumprimento á Ordem Regia de 30 de Janeiro de
1711.
Façoça
mudan da villa
notar isto, para
porque o Sr. eza
a Fortal Dr. em virtud
Pedro e de umfalla
Theberge Alvaem raa
de
11 de Março de 1711, realisando - se a volta para o Aquiraz em
cumprimento de uma Ordem Regia de 27 de Janeiro de 1713.
-O venerando senador Pompen falla em uma Ordem Regia de
11 de Março de 1711 transferindo a séde da villa para a Forta-
leza e dá a Ordem, que a fez voltar para o Aquiraz, a data de 9
de Maio de 1713.
[6] Vê, pois, men illustre professor que, apenas deu- se reite-
ração da ordem do Governador de Peruambuco , foi cumprido o
mandado regio quanto á transferencia da villa para o Aquiraz, e
que em 1718 foi a vez unica que a mesma villa ahi esteve, tendo
estado até então ora na Fortaleza ora na barra do rio Ceará.
-Em sessão de 27 de Junho a camara accordou comprar uma
vacca e dous alqueires de farinha para dar em pagamento aos in-
indios que transportaram archivo,
120 REVISTA TRIMENSAL

va na Fortaleza, do que se lavrou terino . [ 6 ]


[doc. no 31. ]
-Poucos dias depois, em 18 de Agosto , foi a
villa do Aquiraz assaltada pelos indios anassés ,
jagoaribaras , payacús e outros , que mataram cer-
ca de duzentas pessoas , particaram roubos e
grandes estragos ( 7)
A camara se refugia na Fortaleza a convite do
capitão-mór ; e d'ahi é que communica ao Rei de
Portugal e ao Governador de Pernambuco não
só a mudança da villa para o Aquiraz, como
tambem o assalto soffrido . [ docs . nº 32 a 34. ]
--Mais tarde os moradores da Fortaleza e a :
propria camara do Aquiraz reclamam a volta da
villa para a Fortaleza, porém El- Rei D. João or-
dena em 11 de Outubro de 1721 que villa se con-
serve infallivelmente no Aquiraz , (8) do contra-
rio dar- se-ia por muito mal servido . [doc . nº 35.]
-Em 1725 , em vista de novas representações
para a mudança da villa para a Fortaleza , baixa
.
a Ordem Regia de 11 de Março determinando :
não só a conservação da villa no Aquiraz , como
tambem a creação de uma outra na Fortaleza .
(doc . nº 36. )
J
Essa nova villa é inaugurada em 13 de Abril
de 1726 pelo capitão mór Manoel Francez . (doc .
no 37.)

(7) Talvez seja este o levante de indios que o Sr. Dr. P. The
berge diz ter havido no anno de 1711 e seguintes, contra os mora
dores da Fortaleza, e considera- o promovido a conselho dos habi-
tantes do Aquiraz.
(8 ) Em vista do exposto , se me fosse permettdo corrrigir os tra-
balhos do venerando senador Pompeu, diria. Aquiras villa creada
em 1713 e confirmada em 1821 ,
[ 9] O Exm. conselheiro Arraripe falla em outras occurrencias
havidas a respeito dos limites das duas villas, as quaes não men-
ciono por não ter os docummentos relativos.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 121

-A delimitação de terreno para termo das


duas villas dá lugar a novas pendencias entre seus
moradores e as proprias camaras, sendo que a do
Aquiraz se queixára a El- Rei do capitão - mór
Manoel Francez, porque concedendo para a For-
taleza mais de oitenta leguas, reservára para o
Aquiraz apenas quatorze-, tirando assim sua
jurisdicção e o contracto das carnes, unica renda
do Conselho , e isto em proveito proprio, porque ,
diz a camara, o capitão mór tinha vendido umas
casas de sua propriedade- á camara da Fortale-
za, e esta só poderia pagal- as com o contracto
das carnes. [ 9] (doc . nº 38. )
-Dous annos apenas havia que o Ceará ti-
nha sido desligado da Parahyba [ Carta Regia de
8 de Janeiro de 1723] para constituir uma co-
marca ( ouvidoria ) independente.
A villa do Aquiraz , então a unica existente ,
era a séde da mesma comarca, mais tarde , porém,
com a nova creação da villa da Fortaleza , quiz a
camara d'esta que para ella passasse aquella pre-
rogativa e a competencia de nomeação de Almo-
xarife da Fazenda .
D'abi r. sultam representações de ambas as par-
tes, allegando cada uma razões em que se funda
seu direito .
Em 1754 El -Rei D. José julgando talvez pôr
termo a questão , baixa a Ordem de 14 de Dezem-
bro, determinando que o negocio se regule pela
antiguidade das villas , devendo ser preferida a
que fosse mais antiga . ( doc . nº 39. )
Nascem d'ahi novas questões, pois que cada
uma das villas pretende ser a mais antiga .
Então em 22 de Dezembro de 1757 o Monarch-
ordena ao Governador de Pernambuco que in-
122 REVISTA TRIMENSAL

forme a respeito, ouvindo por escripto ao capi-


tão-mór do Ceará e aos officiaes das camaras da
Fortaleza e do Aquiraz, averiguando tambem
em que tempo n'este ultimo lugar se constituiu
a villa, e si na Fortaleza sempre se conserva-
ram a camara e mais officiaes, de que se for-
ma uma villa, bem como quem tinha feito as
propostas de almoxarifes da Fazenda em todos
os annos que as houve. (doc. nº 40) .
Em 19 de Janeiro de 1759 a camara do Aqui-
raz dá sua informação ao Governador de Per-
nambuco, conforme este exigira em 26 de No-
vembro de 1758. (docs. 41 e 42) .
Por ultimo vem a Ordem Regia de 18 de Ja-
neiro de 1760 declarando a villa de S. José de
Riba- mar dos Aquiraz como cabeça da comarca,
pertencendo- lhe por isso a competencia da no-
meação de Almoxarife, visto ser a mais antiga
pois que foi creada no anno de mil setecentos e trese
e a que se acha junto da Fortaleza teve sua creação
no anno de mil setecentos e vinte e seis. (doc . nº 43)

Assim terminou no seculo passado a contenda


entre as duas villas; praza aos Céos que a publica-
ção dos documentos , de que trato , venha no se-
culo actual pôr termo a controversia- sobre o lu-
gar em que foi fundada a primeira villa da pro-
vincia.

Eis os documentos a que me refiro, e que para


maior autenticidade publíco com a orthographia
com que se acham registrados nos velhos livros
da antiga capitania.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 123

REGISTO DAS CARTAS QUE ESTE SENADO ESCREVEU


AOS GOVERNOS E BISPOS E CAPITÃES MÓRES E MAIS
PESOAS.

Meu Senhor foi Vosa Senhoria seruido por sua


masgestade que Deus guarde ordenar a que se
fizesce villa nesta capitania do Ceara grande e
e com o Rigimento de vosa Senhoria se ha fei-
to a dita villa em que todos os moradores della
ouuerão por bem a lembrança de sua magestade
que Deus guarde em nos querer aumentar neste
desterro, e com o emparo de Vosa Senhoria se
deue fazer tudo com milhor aserto pella emposi-
bilidade da terra que pera esta não hê nesecario
faze- lo emtudo presente a Vosa Senhoria que lon-
gas notisias deue de ter do estado della e como
em nos se fes emleição deste presente anno da
noua villa de São Jozeph de Riba - mar que ainda
senão ha desedido o lugar separado donde a de
ser fundada per auer uarias opionis porem nos
com os mais ajuntos fizemos emleisão em o lugar
chamado iguape per nos pareser mais comunien-
te e sempre ficamos sugeitos ao que Vosa Se-
nhoria for seruido ; com que mandamos de pre-
sente pello correio que o capitão mor Francisco
gil Ribeiro remete a Vosa Senhoria buscar no-
sas cartas de uzanca pera com ellas seruirmos a
Sua magestado que Dens guarde e seguir o que
Vosa Senhoria nos ordenar e a breuidade do
correio pedimos a Vosa Senhoria seia breue per
coanto queremos fazer presente nesta frota a
Sua magestade que Deus guarde algûs particu-
lares muito necessarios a seu real seruico a Vosa
124 REVISTA TRIMENSAL

Senhoria comseda Noso Senhor largos annos de


vida. Villa de Sam Joseph de Riba mar uinte
e sinco de janeiro de mil setesentos Seruidores
de Vosa Senhoria Manoel da Costa Barros, Chris-
tovio Soares de Carualho, João da Costa de
Aguiar, Antonio da Costa peixoto , Antonio Dias
freire, João de paina Aguiar.
E não continha mais dita carta que terladey
do original bem e fielmente pello juramento de
meu officio e me assignei de meu signal custu-
mado signal que custumo fazer, Jorge pereyra.

II

REGISTO DA CARTA QUE ESCREVEU O GOVERNADOR


LE PERNAMBUCO A ESTE SENADO, O SEGUINTE

Senhores oficiais da Camera da vila de Sam


Joseph de Riba mar Recebi a carta de Vm em
que ine dão conta da emleisam que eses pouos
fizerão das suas pesoas para a governanca desa
republica em cujo lugares espero obrem Vm de
maneyra que desempenhem as suas obrigasonis
e em tudo facam o seruiso de Sua magestade
tratando do bem cumum deses uasalos seus ;
Vão as cartas de uzanca pera Vmes entrarem a
seruir e a fundasão da villa se asentou fose no
mesmo lugar em que autualmente assiste essa
pequena pouasam na forma que o declaro e or-
deno ao capitão major Francisco gil Ribeiro e
asim o devem Vmes ter emtendido pera a exe-
cutarem tão bem pella parte que lhes toca . Deos
Goarde a Vmês mujtos anos. Recife uinte e
coatro de marsso de mil e sete sentos . Dom
Fernando Miz mascarenhas a lancastro . e não
DO INSTITUTO DO CEARÁ 125

cuntinha mais a dita carta que terladey do ori-


ginal bem e fielmente pello juramento de meu
officio e me assignei de meu sinal custumado
que custumo fazer. Jorge pereyra

III

REGISTO DA CARTA DE UZANÇA DOS OFFICIAIS DA


CAMERA QUE SERUEM ESTE PRESENTE ANNO

O Doutor Manoel da Costa Ribeiro do desem-


barguo de Sua Magestade ouvidor e auditor
geral do crime e silve nesta capitania de Pernam-
buco per Sua Magestade que Deus goarde ouvi-
dor dalfandega pera a causa dos homês
do mar juiz conceruador da junta do Commercio
geral provedor das fazendas dos defuntos e au-
sentes juiz das justificações tudo com alsada pello
dito Senhor que Deos goarde etc. Faço saber aos
que a presente carta de comûrmação virem que a
mim me enviou a dizer per sua petição o capitam
Manoel da Costa Barros , o capitão Christovão
Soares de Carualho , que elles sahirão per juizes
ordinarios da noua villa de São Jozeph de Riba-
mar do Ceará e o tenente Antonio dias freire
Antonio da Costa peixoto e joão da Costa de agui-
ar per ureadores e o capitão joão de paiua de aguiar
per procurador e que pera efeito de poderem exer-
cer os ditos cargos lhe mandase pasar sua carta
de usanca o que tudo mostrou ser uerdadeiro
pello que lhe mandei pasar a presente pela qual
mando que exercitem os ditos cargos na forma
que sahiram per elleisam e os hei per metidos de
posse e se fará termo nas costas desta donde se
lhes dara o juramento na forma que he uzo , e os
126 REVISTA TRIMENSAL

moradores daquelle districto e seus subditos


que lhe obedesam e goardem suas ordens duran-
te o tempo de seu anno e os hourem e estimem e
respeitem como a taes oficiaes do senado cumprão
asim e al não fação dado e pasado neste Reciffe
de pernambuco aos dezaseis dias do mez de marco
de mile sete sentos que pera firmesa de tudo lhe
mandei pasar a presente per mim asinada e sellada.
com o sello deste juizo ou sem elle ex causa E eu
Francisco da Costa Cordeiro escrivão a escrevi
Manoel da Costa Ribeiro. Ao sello.- Manoel da
Costa Ribeiro .

IV

termo que mandou faser o capitão major Fran-


cisco gil Ribeiro da pose e juramento que deu
aos novos oficiais da camera desta villa confor-
me a ordem que tinha do Senhor Gouernador
capitão geral de pernambuquo e per esta carta
de correr do doutor e auditor e ouvidor geral . Aos
dezaseis dias do mes de julho do anno de mil e
sete sentos dei a pose e juramento aos oficiais da
camera nesta villa de Sam jozeph de Riba mar
comforme o estillo e pera feé de verdade mandou
faser este termo Em que se asignou dito capitão
Major E eu jorge pereyra Escriuão da Camera
que o fis e escreuy. Francisco gil Ribeiro. E não
cuntinha mais a dita carta de uzanca que Registei
bem e fielmente pello juramento de meu oficio e
me asignei de meu signal custumado que uzo
fazer Jorge pereyra.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 127

CARTAS A EL REI DE PORTUGAL .

Athe o presente seruio de parroquia aos mora-


dores desta capitania o oratorio dos soldados E
agora com a nova villa se ade faser igreia esta-
sem comgra se V. R. M. lhe não puzer os morado-
res desta capitania sam pobres e uiuem muitos
alcansados; Per ordem do gouernador de pernam-
buco don fernando miz mascarenhas se asituou a
villa de Sam jozeph de ribamar nesta furtaleza
debaixo das armas sendo contra a opinião da ma-
jor parte deste povo e dos presentes oficiaes da
Camera per ser incomueniente per muitas Resons
principalmente persero porto pouquo capaz auen-
do outro mais sufisiente a que chama-se iguape e
junto delle muitas terras pera laura e muitas agoas
de abundancia e pescarias e o porto fasil pera pó-
der Entrar e sair embarcasõis que per tal o tem.
buscado algûs piratas per cuio respeito deue de
ser cuberto com hua plata forma com dez solda-
dos e quando V. R.M. seia seruido se mude a uilla
pera o dito porto sera de muita comueniencia è
aumento desta capitania e athe a ordem de V.R.
M. a não asituamos com o fundamento nessesario
Estas sam as cousas que nos parese nesesarias
ao bem da nossa Republica e seruico de V.R. M.
eo que V. R. M. mandar sera o mais asertado
E mui promtisimamente obdeseremos goarde
dɔɔs a V. R. M. feita em Camera uilla de Sam
jozeph de Ribamar quinze de majo de mil e sete
sentos, E não cuntinha mais a dita carta que
terladey bem e fielmente que estar asignada
ao phe della. Manoel da Costa barros. Chistovão
128 REVISTA TRIMENSAL

soares, João da Costa daguiar, Antonio da Costa


peixoto, Antonio dias freire, João de pauia aguiar,
E eserivão que a fiz e escrevy: Jorge pereyra.

VI

As terras que Esta capitania domina desta uil-


la pera a parte do sul hê athe o rio monxaro se
bem que o marco que devide esta com a do rio
grande fixqua sircumuesinho com o porto do
touxo per donde nos parese toqua a nossa uilla a
ribeira do asú; a qual esta pouoada de gados que
sairão desta Capitania a major parte delles e pera
a parte do norte agoas uertentes ao rio Camussi ;
e pera , o sertão o que as armas do Ceara tem com
quistado e discuberto isto pedimos per termo a
nossa uilla porque nem de outra nenhuă parte
podem ser estas terras gouernadas Pera major
aumento da nossa Villa pedimos a V. R. M. seia
nesta capitania a rematasão dos dizimos e não
a
na do rioos grande o que se lhe
ta er
comsedeu peloa go-
e r d e . . . i
fe ordem m a m ll
auerno a V bahia
geral da R Mathe e C de V. viR. M. de

Sam jozeph de riba mar quinze de majo de mil e


sete sentos- 3 não cuntinha mais a dita carta
que te ladey bem e fielmente mais que estar asi-
nado ao pe della Manoel da Costa Barros. Chris-
tovão Soares , joão da Costa daguiar , Anto-
nio da Costa peixoto , Antonio dias Freire, João
de paiua Aguiar. E eu Escrivão que a fis e escre-
vy. Jorge pereyra.
VII

Em os dezaseis dias do mes de agosto deste pre-


sente auno de mil e setesentos se juntarão em
DO INSTITUTO DO CEARÁ 129

Camera os oficines desta Villa de sam jozeph


de Riba mar onde pello procurador da Camera
em nome de o pouo foi requerido ser muito ne-
sesario pera o bom gouerno desta Villa e seu
termo pax e quietasão de todo este pouo fazerem-
se Estatutos ou posturas pellas coais este pouo
se governe acomodadas ao terreno e modo de vi
da de seus moradores como hê custume em to-
das as Respublicas bem gouernadas e bem orde-
nadas deste Reino e senhorios de purtugal e
guo votando sobre a materia porposta todo
o senado acordarão ser muy justo e nesesa-
rio fazerense as ditas posturas visto não aver
nesta villa Regimento algù per onde se gouerne a
camera e pouo; em particular E me mandarão a
mim escrivão da Camera fizese este termo que asi-
gnarão todos comigo em Camera da Villa de
Sam Jozeph de Riba mar dia e hera asima
Manoel da Costa Barros, Christovão Soares de
Carvalho , João da Costa de Aguiar, Antonio da
Costa Peixoto, Antonio Dias Freire, João de Pai-
ua Aguiar-
VIII

REGISTO DAS CARTAS QUE SUA MAGESTADE QUE


DEOS GOARDE FOI SERUIDO ESCREUER A ESTE
SENADO ESCRITAS EM DOIS DE OUTUBRO DO AN-
NO DE SETESENTOS RESEBIDAS PER MÃO DO
CAPITÃO MAJOR FRANCISCO GIL RIBEIRO EM
VINTE DE OUTUBRO DE MIL E SETESENTOS E HÚ .

1ª CARTA. -Ofesiais da Camera da uilla de


Sam joseph de Riba mar Eu el Rei Vos emuio
muito Saudar. Viosse a uossa carta de quinze
de majo deste anno, em que representais os

ww
130 REVISTA TRIMENSAL

grandes roubos que aos moradores desta Villa


faz o gentio barbaro o que sô tera Remedio
ordenandose aos capitaniz mores vos dem ad-
jutorio para se prenderem os delinquentes e que
prouados seos crimes na forma da lej seião cas-
tigados ou remetidos a pernambuco E pare-
seume dizervos que como estes roubos se fa-
zem per gentios mancos estes seião reputados
como uassalos deueiz denunciar as justicas pera
que conforme a sua culpa prosedão como for
justisa, e sendo nessesario para a sua prisão
alguma ajuda recorrera o mesmo ministro ao
capitão mor que lha darâ para este effeito es-
cripta Em Lisboa a dois de outubro de mil e
setesentos. Rey- para os oficiais da Camera
da uilla de sam joseph de riba mar,

IX

28 CARTA. - Oficiais da Camera de sam Jo-


seph de riba mar Eu el Rey uos emuio muito
Saudar. Viosse a uosa carta de quinze de majo
deste anno em que me pedis vos conceda os
mesmos previlegios que tem e goza a Camera
de olinda como tambem o governo e admenis-
trasão das Aldeas dos indios per ser asi perci-
zamente nesesario para o sosego desa terra e
bem dos mesmos indios E pareseume dizervos
que dandose as villas que novamente se ere-
girão no reconcavo da Bahia previlegios se lhe
não derão os mesmos E no que respeita a ad-
ministrasão dos indios que pedis que esta hê
dos capitães mores e se lhe não pode tirar e
uzando mal della se lhe esta ja dada a provi-
dencia de que se tire rezidencia do sen proce-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 131

dimento. Escrita em Lisboa a dois de outubro


de mil e setesentos. Rey. Para os oficiaes
da Camera da villa de Sam joseph de riba
mar,
X

3ª CARTA - Offeciais da Camera da uilla de


Sam joseph de Riba mar Eu el Rey vos
emuio muito saudar. viosse a nossa carta de
quinze de majo deste anno em que me pedis se
uos conceda per termo a ribeira do Assú per
estar pouoada de gados que sahirão dessa ca-
pitania a major parte, e pera a parte do norte
agoas uertentes ao Rio Camussi , e para o sertão
o que as armas do siarâ tem conquistado e
descuberto e que tão bem uos premita a arre-
matasão dos dizimos e que não seia no rio
grande, como se hauia detreminado pello go-
uernador geral e pareseome dizer uos que não
hâ que alterar a demarcasão que se acha feita
e emtendendo que pertence ao uosso destricto
algumas terras de que fazeis mencão podereis
recorrer aos mejos ordinarios, pedindo Prouisão
para este effeito , para se medirem e tombarem ;
e no que repeita a arematasão diguo a arema-
tasse o contrato dos dizimos do Ceará com se-
paracão dos do rio grande isto mesmo se tem
mandado obcervar per carta de dezaseis de se-
tembro de seis sentos e noventa e sette ao pro-
vedor mor da fazenda da Bahia ; e asi se ordena
nesta ocaziaō ao provedor da fazenda do Rio
grande execute invidavelmente o que nesta parte
se tem disposto. escrita em Lisboa a doze de ou-
tubro de mil e sete sentos. Rey E não cuntinka
mais as ditas cartas que registey dos originais
132 REVISTA TRIMENSAL

bem e fielmente pello juramento de meu offi.


cio e me asignei de meo signal custumado que
custumo fazer. Jorge Pereyra,

XI

Aos uinte dias do mes de abril deste pre-


sente anno de mil e sete sentos e hú annos Em
junta que fizerão os juizes e Vreadores e mais
oficiais deste senado desta Villa de Sam Jozeph
de Riba mar acordarão que Em uertude do
Capitulo da carta que acham registado no li
uro dos Registos deste Senado a folhas coatro
verso per seus antesesores o qual capitulo foi
escrito Em hùa carta que o gouernador de per-
nambuco Dom fernando miz mascarenhas de
Janeastro ao capitão major desta villa Francisco
gil Ribeiro e per elle se conhece a faculdade que
nelle da pera se mudar esta dita villa pera a par-
te mais conveniente comsultada pello dito capi-
tão major e o Reverendo Vigairo desta Capita-
nia João de matos serra e per elles foi dito
comsultavam a barra do Seara pera a dita mu-
danca e nesta mesma Vreasam o ouveram per
bem os ditos oficiais da Camera e de asim o
• acordarem mandarão fazer este termo de Vrea-
sam que asignarão E eu Jorge per yra Escriuão
da Camera que o escrevy. Antonio da Costa pe-
reyra, M. Nugueira Cardoso, João de Barros
Braga, Mathias Cardozo da Mota, Leonardo
de Saa, Gregorio De Brito Freyre.

XII

Aos uinte dias do mes de julho deste presen-


DO INSTITUTO DO CEVRÁ 133

te anno de mil e sete sentos e hú se juntarão


4.
Em Camera os juizes e Vreadores e mais ofi - row
ciais desta Villa de sam jozeph de Riba mar e 171-6.C
acordaram a mudança do pilourinho da parte.
1706-712
donde Esta posto tiralo pera a barra do siarâ
parte que ja esta comsignada e aseita na pri-
meira Vreasão que se fez en uinte de abril 1706
com o pareser do Capitão major desta capita- 76 - XX

nia Francisco gil Ribeiro fundador da dita Vil-


la E o mesmo pareser do Reuerendo Vigairo 1713-4 .
della João de matos Serra sendo dita mudan-
ca feita com comsentimento E per ordem do
gouernador e capitão geral de pernambuquo
Dom Fernando miz mascarenhas de lancastro
per carta que escreueo ao dito capitão major
cujo capitulo Esta terladado no liuro dos Re-
gistos deste Senado a folhas coatro uerso per
nossos antepasados Em cuja uertude fasemos
dita mudança da villa acordarão mais nesta dita
vreasam pera o aumento da dita villa manda-
rem pasar mandado pera o alcaide notificar as
pesoas que custumão trabalhar a este pouo per
deuerssos oficios com licenca deste senado a que
venhão uzar dos ditos seus oficios na dita Villa
pasando tão bem dital pera que o oficial de
coalquer oficio que seia não trabalhe fora da dita
Villa e querendo uzar do dito seu oficio tire
lisenca deste senado pera trabalhar na dita
villa e de asim o acordarem mandaram fazer
este termo que asignarão E eu Jorge pereyra
Escriuão da camera que o escrevy. Antonio da
costa pereyra, M. Nugueira Cardozo , João de Bar-
ros Braga, Leonardo de Saa, Gregorio De Brit-
to Freyre .
134 REVISTA TRÌMENSAL

XIII

Em o primeiro do mes de abril deste presente


anno de mil e sete sentos e dois se ajuntarão
os oficiais da camera per chamado do capitão
major desta capitania Francisco gil Ribeiro o
qual fez presente a este dito senado hú capitulo
de húa carta que teue do general de pernambu.
co Dom Fernando miz mascarenhas de lancas-
tro pera se comseruar a situasam desta villa
nesta Barra do Ceará donde esta situada e no
mesmo dia per se achar ser o sitio della perten-
cente a jrmandade de nosa Senhora da Asun-
cão padrueira da fortaleza desta Villa a cujo
Respeito se aforou o dito sitio a meja pataca
per cada casa que se fizer nesta dita villa com as
mais comdisões que se acharão no termo quẻ
fez este senado junto com o juiz Escrivão pro-
curador e algus mordomos da dita hermandade
eo Reuerendo Vigairo o qual termo Esta no
liuro deste senado e de asim o auerem obrado
mandarão fazer este termo que asignarão Em
camera E eu Jorge pereyra Escriuão da came-
ra que o escrevy Antonio da Costa pereyra,
Francisco da gama da Silua, Leonardo de Saa,
João de Barros Braga, Gregorio De Brito
Freyre.
XIV

REGISTO DA PREPOSTA QUE O CAPITAM MAIOR


GABRIEL DA SILVA DO LAGUO FES AO SENADO DA
CAMERA DESTA UILLA PERA A MUDANSA DA UILLA .

O Primeiro pouoador das sidades foi Caim


porque lhe ensinou o lume natural da rezam
DO INSTITUTO DO CEVRÁ 135

que pera se segurar asim melhor hera unir se


com muitos que uiuer separado e empararse de
hum so neste ten po pera o seu suseguo bastaua
lhe entam hum canpo com tudo marcou pera
o seu descanso e boa gouernansa huma sidade
porque iá entam sabia Caim pellas esperiensias
que é mais suave o sono quando a oniam dos
muitos que uegiam a quem dorme nas desposi-
sões do gouerno que a seguransa de hum so
que ainda que estes seia arguos que esteia
continuamente enuigitando os perigos contin-
gentes nam he posivel que lhe nam pestene-
iem os olhos e lhe enfraquesam as forsas na
considerasam de se uer solitario separado dos
muitos fora do Conselho desunido da boa con-
seruasão da republica .

Se a alma deixar de asistir ao Corpo se


Corpo deixar de asistir a alma se estas duas
partes nam se unirem pera a conseruasam do
todo rem o todo se podera conseruar nem as
partes poderam permanecer.

Huma republica he hum todo mistico de


quem o gouernador he alma e os uasalos o cor-
po pera a conseruasam dos suditos deue de
concorer do gouerno o cuidado e sem esta
boa destribuiçõis de misterios arruinase a alma,
e perdese o corpo, por que se destroem
os suditos e com elles o gouerno . Com que

meus senhores , eu sobretudo amo e quero o


soseguo de todo este pouo , mas quizera com
a minha e sua cautella, e boa conservasam
ter seguro o noso descanso , no aserto
da boa asituasam da uilla desta capitania.
He a materia do aserto da boa conseruasam
136 REVISTA TRIMENSAL

propia de sim mesma tão persuasiva que pera


se conseruar cada hum se deue persuadir a sim
mesmo ; e pera cada um conprar o aserto do
seu descanso, e das suas uontades ; pera a
boa conseruasam de toda esta republica . con-
seruaremse os pouos no melhor aserto nam
he negosio que tem nas palauras o funda-
mento so, nas obras se segura este edificio .
Hoie nos manda Deos e sua Magestad tratar
cada hum de nos do seu ben particular, pera que
escolhendo o que pera o ben comun for mi-
lhor fique interese de todos a conseruasam de
cada hum, e pera eu fazer do estado de cada
hum deste pouo com este meu pareser, a mes
ma pesoa mistica quizera hoie que unindose to-
dos como se foram hum, cada hnm se una como
se foram todos.
Pera que desta sorte me ueia eu unido com to-
do este pouo na boa eleiçam que espero fasa este
muito autorisado senado desta minha proposta ;
adonde mostro que a uilla desta capitania adon-
de se acha situada nam so pello sitio esta mal
fundada como tanben pellos inconuenientes que
nella se experimentam ; e tanben os senhores
camaristas tem esperimentado, e eu tanben ago-
ra o experimento, na dezuniam da boa gouer-
nansa desta republica . De sorte que asim como
se deue estranhar, estar a alma do gouerno se-
parado do corpo da gouernansa, asi, se dene
sensurar, estarem os senhores camaristas, de-
nedidos do gouerno desta Capitania ; porque
ainda que o gouerno e a gouernansa do senado
paresam duas couzas destintas sam uerdadeira-
mente so huma, e todas as uezes que nas respu-
blicas, o gouerno com a gouernansa, em hum
DO INSTITUTO DO CEARÁ 137

mesmo lugar nam fizerem huma resiproca uniam ,


nem se pode chamar republica, por que se per-
de o gouerno, nem uilla porque quiça, tanben
o senado se aroine por se achar deuedido do
uerno.
E se alguma pesoa por mais intelligente
e notisioza, me diser que em alguma parte do
mundo, se uio a desparidade que proximamen-
te se experimenta nesta capitania, eu me su
geito a sensura de todos : se olharmos pera os
reis , acharemos que pera ben gouernarem a sua
corte lhe he nesesario, a uniam do seu senado .
e asistensia dos seus conselhos ; se olharmos pe-
ra as conquistas, acharemos o mesmo : que adon .
de asiste o gouerno asiste a gouernansa . Isto
nam paresam pallauras consertadas, he só , ver-
dadeiramente o que sua Magestade que Deus
goarde manda, no seu regimento que se acha
na secretaria do conselho ultramar, tanben or-
dena mais o dito senhor que pera a autorida-
de dos gonernos, e o respeito das iustiças, e
boa gouernansa dos pouos asista o senado adon-
de o gouernador asiste ; isto he enquoanto a
uniam que deue ter em hum mesmo lugar o
senado com o gouerno : enquoanto a fundacam
das uillas e sidades manda tanben o dito se-
nhor principalmente no ultramar, que estas so
se fundem adonde aiam as conueniensias de
portos de mar, estando sempre estas, fundadas
debaixo do respeito de suas armas e quando esta
boa disposisam nam fose e paresese tirada da
boa resam pellas conueniensias que se seguem
aos comersios, e defensa dos mesmos pouos ,
basta que asim o ordene sua magestade no seu
regimento pellos seus conselhos adonde se acham
138 REVISTA TRIMENSAL

menistros nam so, em todas as siensias emsigues


como tanben nas esperiensias singulares .
Finalmente por todas estas rezõis me parese
que a uilla desta capitania seia fundada iunto as
armas desta fortallezaporque a conueniencia
que eu tenho em apontar esta mudanca, he so
fundada nos asertos de todo este pouo ; pera
que asim me ueia eu unido com o muito auto-
risado senado desta Republica porque com este
aserto nam se duuida se de sua magestade por
ben seruido e tanben os uotos, dos que uotarem ,
neste particular, se ueiam tanben de ouro coro-
ados ; porque os asertos nam meresem menos
estimasam, desta sorte ficara o gouerno satis-
feito , e o senado aplaudido , os moradores coro-
ados, e o pouo ben destribuido : e espero de
todos rasiosinem nesta materia, como he resam
que o fasam ; pera se uer consegido aquillo que
parese ser deficultoso : fortaleza de nosa Senho-
ra da asunsam do seara grande feita aos uinte
e coatro de fevereiro de mil e sete sen-`
tos e seis annos , gabriel da Silva do laguo . e
nam continha mais dita proposta que eu regis-
tei ben e fielmente da propria que me foi apre-
sentada sem couza que duuida fasa aos uinte e
seis dias do mes de feuereiro de mil e sete sentos
e seis eu Antonio fernandes da piedade escriuam
da Camara a escrivy.

XV

Aos uinte e seis dias do mes de feuereiro de


mil e sete sentos e seis annos nesta villa de sam
·)
Jozeph de riba mar nas casas della em iunta
14
que fizeram os oficiais da Camara por uotos do
DO INSTITUTO DO CEARÁ 139

pouo acordaram a mudar a uilla por uotos do


pouo pera iunto da fortalleza de nosa senhora
da asunsam desta capitania e de como asim
o acordaram mandaram fazer este termo em
que asinaram e eu Antonio fernandes da pie-
dade escrivam da Camara escrivy. Mideiros ,
Esteues, Souza, Peixoto Silua, Soiza.

XVI

REGISTO DA CARTA QUE ESCREVEU ESTE SENADO AO GO-


VERNADOR DE PERNAMBUQUO FRANCISCO
DE CASTRO E MOR IS.

Os oficiaes deste Senado do anno passado


nossos antecessores constrangidos do capitão
major desta Capitania gabriel da Silva do Laguo
pouquo experiente nesta terra mudaram a villa
dadonde estava pera o lugar digo mudaram a
uilla do lugar da barra do Siara dadonde es
tava pera o lugar desta fortaleza dadonde ja
foi mudada pellos inconvenientes que agora se
experimenta per ser o sitio adonde esta situa-
da de novo ladeira abaixo ladeira asima sem
auer perto della conueniensia pera pastos e de
uerão se bebe agoa de casimba e roin , ma
comueniensia pera os barquos a respeito de
terem húa ponta chamada mucuripe que com
grande risco das embarcasõnis podem tomar
porto donde não ha Rio de peixe mas que a
costa do mar, nesta mesma capitania se acha
hum lugar chamado Aquiraz com boa plani-
sia sitio alegre boa agoa permanente Rio de
peixe e pouco distante da barra do jguape adon-
de podem tomar porto com todo o soceguo a
140 REVISTA TRIMENSAL

uista destas rezõnis pedimos a V. S. nos con-


seda lisensa pera mudarmos esta villa deste lu-
gar donde se acha ao nomeado dos aquiras.
A pessoa de V. S. goarde Deus muitos annos em
Camera doze de julho de mil e sete sentos e seis
e eu Luiz Vilhegas de oliveira escrivão da Ca-
mera a escrevi . Bento Rodrigues Silveira , Es-
tevão Vicente guerra, domingos pereira Ramos,
Antonio de macedo Farias, Duarte pinheiro
Rocha. e não continha mais a dita carta que
eu registei da propria que me foi apresentada sem
couza que duvida fassa aos doze dias do mes
de julho de mil e sete sentos e seis annos , eu
Luis Villegas de oliveira escrivão da Camera a
escrevi.
XVII

REGISTO DA CARTA QUE ESCREVEU O GOUERNADOR DE


PERNAMBUQUO FRANCISCO DE CASTRO DE MORAIS
A ESTE SENADO .

Essa Villa se fundou no lugar da barra do


Siara onde estava per ordem do meu antecesor
do que se deu conta a Sua magestade que
Deos goarde, e daquelle Lugar não podia ser
mudada sem primeiro se dar parte ao dito Se-
nhor, e porque o Capitam mor gabriel da Sil-
va do Lago consentio na mudança so per pa-
recer dos oficiais desse Senado socede agora
diguo desse senado antecessores de Vossas
merses socede agora pedirem me Vossas mer-
ses que se torne a mudar pera o sitio dos aqui
raz per entenderem he mais capas, porem ja
tenho ordenado ao capitam mor e o faco a
Vossas merses que Joguo se torne a mudar a
DO INSTITUTO DO CEARÁ 141

villa pera onde estava, e pera se mudar a villa


diguo e pera se mudar pera os quiraz darei
conta a Sua magestade e se fara o que o dito
Senhor ordenar porem antes de se inudar se
ha de ver o lugar em que hade ficar a furtaleza
e conforme a isso se procurara lugar conue-
niente pera se por a villa e em quanto hade
estar como estava e adonde se tinha erigido e
asim o espero que Vossas merses a façam loguo
executar pella sua parte pera nos livrarem a
mim e a Vossas merses de os molestar. Deos
goarde a Vossas merses. olinda onze de se.
tembro de mil e setesentos e seis . Francisco
de Castro morais. e não continha mais a dita
carta que eu registei bem e fielmente da propria
que me foi apresentada sem couza que duvida
❤ fassa aos vinte e treis dias do mes de outubro
de mil e setesentos e seis annos e eu Luiz Vilhe-
gas de oliveira escrivão da camera o escrivi.

XVIII

Aos vinte e tres dias do mes de Outubro de


mil e setesentos e seis annos nesta villa de Sam
de Riba mar nas casas do Concelho
Joseph de
della en junta que fizerão o juis e mais Vreadores
e procurador do Concelho acordarão per Carta
que tiveram do governador de pernambuquo de
onze de setembro a mudar a villa outra vez do
lugar desta fortaleza pera a barra do Siara
de onde a tirarão os officiais da Camera seus
antecessores e per não terem mais que acordar
mandaram fazer este termo em que asinaram e eu
Luiz Vilhegas de oliveira escrivão da Camera
o escrivi. Gameiros - Guerra -Ramos- Faria.
142 REVISTA TRIMENSAL

XIX

TRESLADO DAS CARTAS QUE ESTE SENADO ESCREVEU EM


QUINZE DE DEZEMBRO DE SETESENTOS E SETE A SUA
MAGESTADE QUE DECS GOARDE, AS COAIS SE FIXARAM
E LACRARÃO E SE REMETEU, E NAM QUIZERAM OS VE-
RADORES SE REGISTASEM MAIS SEDO E SE REGISTÃO
HOJE SEIS DE MARCO DE 1708.

2ª CARTA. C Senhor. Juizes Vereadores que


seruirmos este Presente anno nesta villa de
Sam Jozeph de riba mar Capitania do Seara
grande Representamos a V. magestade o pou-
co augmento que a villa tem, por ninguem
querer viver nella porque sendo situada junto
a fortaleza, que sam humas areias infrutife-
ras sem sobstento nem agoa de veram, sinam de
casimbas, sem ordem se mudou pera a barra
do Rio Siara , que fica em hum cantto , ou pon-
ta de terra, onde não vaj Pesôa alguma, mais
que forsado de algum despacho ; e este capitam
mor Cabriel da Silva do Lago, a mandou ou-
tra vez pera a Fortaleza, o gouernador de Per-
nambuco, Francisco de Castro Morais, a fêz tor-
nar pera este Siarâ. Pedimos a V. magestade
nos consedesse o Poder ella situasse nos Aqui-
raz, que fica Pegado ao Rio Pacoty, que tem
Barra e junto da Fortalela do Iguape, donde
as inbarcaçõens Podem ancorar com seguro , e
porque fica na estrada Publica pera o aug-
mento e pera defensa do forte do dito Igua
pe, com abundansia de mantimentos Peixe e
pastos pera gados uacuns e caualares, on ao
menos Pera a estrada de morite - Pecú, que fica
na mesma distansia da fortaleza do Siarâ, de
donde ella agora está donde tem algumas con-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 143

veniensias Pera seu augmento . a Peçôa de V.


magestade goarde Deos largos e felizess annos .
Villa de Sam Jozeph de Riba mar em vereaçam
de quinze de dezembro de mil e setesentos e
sete annos . O Juis Jozeph de Lemos- O verea-
dor Manoel Gomes de oliveira. O vereador Joam
ferreira Chaves. o Procurador Pedro fernan
des Guerra. E nam continha mais a dita car-
ta que eu Manoel Monteiro de Miranda escri-
vão da Camera o tresladey bem e fielmente o
que uay na uerdade. Villa de Sam Jozeph de
Riba mar seis de marco de mil e setesentos e
cito annos. - Manoel Monteiro de Miranda.

XX

Aos oitto dias do mes de Outubro de mil


e setesentos e oito annos ao phe desta forta-
leza de Nossa Senhora da Assumpção termo
da villa de Sam Jozeph de Riba mar capita-
nia do Seara grande nas casas da Camara que
seruem della em Camara os Viriadores procu-'
rador com os Juises Ordinarios acordarão que
em uertude da Carta do Gouernador da Capi-
tania de Pernambuco Sebastião de Castro e
Caldas de vinte e nove de Setembro proximo
pasado viese o pilourinho que se achava na
villa velha da barra do Seara pera o lugar do
phe desta fortaleza principio da primeira dire-
são da dita villa e se fisese termo de assento
della athe segunda ordem de Sua Magestade
que Deos Guarde dandose do dito acordo parte
ao capitão Mor desta Capitania e de como asim
o acordarão mandarão fazer este termo em que
se asinarão e eu Gabriel Gonsalves de carva-
144 REVISTA TRIMENSAL

lho escrivão da Camara a escrivi. - Villegas,


Tavora, Aguiar, A. Aguiar, Farias, Bastos.

XX (a)

REGISTO DAS CARTAS QUE ESCREVEU O SENADO DA


CAMARA DESTA VILLA DE SÃO JOZEPH DE RIBA-
MAR A SUA MAGFSTADE QUE DEOS GDARDE .

2ª CARTA. — Senhor. Os juizes veriadores e


procurador que seruimos este presente anno
de setesentos e Oitto nesta villa de São Jo-
zeph de Riba-mar Capitania de Seara Grande
fazemos presente a V. Real Magestade que no
termo desta villa desde a creação della na hera
de sete sentos per diante hâ duzentos e qua-
torze criminosos e que estes não são presegui-
dos por falta de Cadeja e Pesoas que os pren
dão per mandados dos Juizes per não terem
mais que hum pobre alcaide sem Tensa e um
Meirinho com que so se não pode Bem guar-
dar a Terra e conseguir prisõis , que o numero
de sincoenta ou sesenta Infantes que vem a
esta Capitania cada anno ainda que delles se
quiserem valer pera este mister o não podem
fazer per inda estes não serem Bastantes pera
a guarnisão das Fortalezas que a real pesoa
de V. Magestade que Deus Guarde tem na Ca-
pitania pera a defensa della o que sô se con-
siguiria servindose V. Real Magestade conseder
seis hômes pera o Alcaide desta villa com
elles aguardar e andar em seguimento dos mal-
feitores pondo V. Real Magestade ao tal al-
caide e a cada um destes pera mais propinguos
e aparelhados estarem a Toda a ocazião algu-
ma Tensa por anno paga esta da renda do
DO INSTITUTO DO CEVRÁ 145

Conselho havendoa e não a havendo por Onde


V. Real Magestade for mais bem servido como
nas mais villas e sidades se costuma terem estes
homêns e pera cadeia huma finta athe qua »
trosentos mil reis tirada pellos Moradores della
que so desta sorte se fara serviso a Deos e a
Pesoa de V, Real Magestade que Deos Guar-
de e hauerâ exempo e sesarão maleficios e se-
rão repeitadas as Justisas e a Real Pesoa de V.
Magestade Guarde Deos noso Senhor pera am-
paro de seus vasallos Escrita em Camara nesta
dita villa de Sam Jozeph de Riba mar do Se-
ara Grande em vinte e um de Agosto de sete
sentos e Oitto annos . Eu Gabriel Gonsalves.
de Carvalho escrivão da Camara a escrivi . O
veriador Gonsalo de Mattos Tauora, o Veriador
João de Aguiar, o Procurador Baltezar Antu-
nes de Aguiar, o Juiz Antonio de Mesedo faria ,
o Juiz Francisco Antunes Bastos , e não con-
tinha mais dita carta en Gabriel Gonsalves de
Carvalho escrivão da Camara nesta villa de
Sam Jozeph de Riba mar Registei aqui bem
e fielmente da propria a este liuro de Registos.
sem cousa que duvida fasa aos vinte e hum
dias do mes de Agosto de mil sete sentos e
oitto . Gabriel Gonsalves de Carvalho .

XXI

REZISTO DE HUA CARTA QUE ESCREVEU ESTE SE-


NADO QUE PRESIDE ESTE ANNO DE 713 AO
SOBREDITO CAPITÃO MÓR ASIMA [ FRANCISCO
DUARTE DE VASCONCELLOS] QUE DE PRESENTE
GOVERNA ESTA CAPITANIA.

Tratando se neste Senado na fautura da cadeia


146 REVISTA TRIMENSAL

se nos move húa duvida, dessa queremos dar par-


te a Vm para nos la tirar como governador desta
praca que só Vm aqui a podera fazer he a se-
guinte ; Vendo se os Liuros deste senado nos
principios delles se acha foi deregida esta villa
com ordem que mandou o Sr. D. Fernando
Miz masquarenhas de Alencastro pella que ti
nha de sua Magestade que Deos Goarde para
que a ezecutase o capitão major que então veio
ser desta cappitania Francisco Gil Ribeiro para
que na forma da dita Ordem dirigise a dita
villa e debacho das armas desta Fortaleza com-
vocando para isso o pouvo desta cappitania
pra ver se aseitavão o dirigir se a dita villa
tudo se obrou na forma declarada e ao tempo
de se levantar a dita villa ou o pelourinho della
recarmou o dito pouvo o querião e aseitavão
mas não a prezistensencia della a que fose deba-
cho das armas que avia de ser fora do dito lu-
gar a sua situação ; Disto asima declarado se
fez auiso ao sobredito governador o qual res-
pondeu por sua carta que estâ nestes Liuros
que com o Pareser do dito cappitão mor e do
Reverendo vigairo que então hera o mesino
que agora he e o do mesmo Senado mudase o
Pelourinho para a parte mais conueniente que
The paresese visto o pouvo a não querer deba-
cho das armas asim se obrou e se fundou a
dita villa na barra do Ciara e se fez termo de
Asentada em que asinou o dito cappitam mor
e vigario e senado e juiz e oficiaes e
mordomos de N Senhora da Asumpção por
ser a dita villa posta en terras da dita Se-
nhora pello comsentimento que derão pello
asim permitir o Bispo que então hera per
DO INSTITUTO DO CEARÁ 147

Carta que escreveo ao Reverendo vigario


neste Logar se conseruou a uilla athe o tem-
po que vejo gouernar esta Cappitania Gavriel
da silva do Lago antesesor de Vm. o qual
com o respeito Gouerno envocou algum Pou-
uo e a mesma camara que então presedia e
mudarão o Pelourinho para junto desta For-
taleza sem ordem De S Magestad
e nem do
Gouernador de Pernambu , di st o se qu ei -
co
chou a nova camarâ que depois entrou por sua
Carta ao Sr. Francisco de Castro o qual en res-
posta ordenou a mesma camara tornasem a res-
tetujr o Pelourinho a mesma parte a onde esta-
va asim obrarão os Officiaes da Camera agora
uemos o dito pelourinho posto junto a esta
fortaleza e não achamos nos Liuros da Camara
Ordem de S Magestade nem do Gouernad
or de
pernambuco que puder dase a esta ultima mu-
dansa que he a duvida que temos com a fantu-
ra da cadeia ; se Umce tem esta o dem ou pu-
deres a conseruaçã
o do dito pelourinho nolo
faça a saber per seruiso de S. Magestad que.
e
encoanto sô pello Capitullo que achamos no re-
gimento de Umce nos não comuem gastar o
dinheiro deste senado do Noso corregedor pr
que para o fazermos neste lugar achamos o
não ter esta uilla termo , e como não tem não
pudemos por Iditaes para adquerir muradore
s
para ella dando - lhes seus chãos e quintaes por
data deste Senado sem que aja quem se niso
antrevenha V M? nos ordenarà o que for serui-
do e vir he mais ajustado que o relatarm
os a
Umce isto não com tenção de mudar a villa
Goarde Deos a pesoa de umce por muitos annos
feita en Camara aos quatorse de marco de
148 REVISTA TRIMENSAL

1713 E eu Manoel Guilherme escrivào


da camarâ a escrivy- Manoel Pires - Joseph
Duarte Cardozo - Pedro de morais- Rodrigo da
Costa de Araujo - Gregorio de Brito Freire-e
não comtinha mais a dita carta que Eu tresla-
dey da propria que se mandou ao dito Cappitão
mor bem e fielmente pello juramento de meu
oficio Eu O Escriuão da Camara Manoel Gui-
lherme.
XXII

REGISTO DA RESPOSTA DA CARTA ASIMA QUE


MANDOU O CAPPITÃO MAYOR FRANCISCO DUAR-
TE DE VASCONCELLOS A ESTE SENADO ETC.

Senhores Officiais da Camara , Vejo o que Vmes


ine dizem na sua carta e tudo o que ella relata
venero muito pois Julgo a Vmcs com enten-
dimento claro para disporem o que for mais
asertado ; No que toca ao que Vmes me dizem
sobre a edificasão desta villa bem sabem Vmes
que eu não criey Estes movimentos que já são
pasados e como achey a villa neste Lugar a
Vmes obrigação he attender a tudo o que for
de bem comum destes pouvos que muito amo
como he rezão e asim se me oferese dizer a
Vmes que a decizão desta perposta toca o de-
sedilla no estado en que está por Ordem
de Sua Magestade que entendo sempre se
acomodarâ ao que for milhor utilidade de Vines
que reparando bem no Capitullo que està no
meu regimento se declarara que as armas da
fortaleza seruem para a segurança dos Mres, e
es
os Mrs para Mayor segurança das armas : e
aonde quer que o sitio se posa escolher sempre
DO INSTITUTO DO CEARÁ 149

ahy se hade Idificar a fortaleza e para que as


Justisas debaixo do poder das armas se posa
milhor exzecutar, isto he o que entendo da re-
zulução que no dito capitullo esta e Vmes com
a sua boa direção porão tudo en seu lugar como
he rezão no que toca a Cadeia quando Vmes
achem lhe não pretensem o fazella que sô se
deue contenuar a custa del Rey, auizarej ao Sr.
Gouernador Felix Jozeph Machado de Ma para
que detreminando o asim posa eu dallo exe-
cução com aquelle desuello con que athe ago-
ra ajudej a que se fizesse e tenhão Umcs en-
tendido que a minha vontade he ajustarme
com o bem comum deste pouvo e seguir os
ditames de Umes porque sempre serão os mais
asertados as nobres pesoas de Umes Goarde
Deos como desejo villa de Sao Jozeph de Riba
mar do Ciara Grande 24 de Março de 1713
annos . Francisco Duarte de uisconcelios. e não
continha mais a dita carta que Treslladey da
propria bem e fielmente pello Juramento de
meu oficio. M. Guilherme,

XXIII E XXIV

SUSTANCIA DA ORDEM DE SUA MAGESTADE EM


QUE ORDENA SE MUDECE A VILLA DE SAM
JOZEPH DE RIBA MAR PARA O SITIO DO AQUI-
RAZ REMETIDA AO GOVERNADOR DE PER-
NAMBUCO E DESTE PERA O CAPITAM MOR QUE
ENTAM HERA DESTA CAPITANIA.

Sua Magestade milhor informado da capaci


dade do sitio em que deve conseruarce essa vil-
la de Sam Jozeph de Riba mar, foi seruido or-
150 REVISTA TRIMENSAL

denar me por carta sua de trinta de Janeiro do


anno de mil e sette sentos e honze fasça com
que a ditta Villa se citue e conserve no Aqui-
raz sem embargo de ficar este sitio distante
da Fortaleza seys legoas tendo o ditto Senhor
considerasam ficar na estrada publica para va-
rias povoasoens com Rio navegavel chamado
Pacoty em distancia de duas legoas ao mar e
na mesma o prezidio do Iguape com boa en-
seada para os Barcos sustento de carne e fari-
nha o que nam se acha junto a fortalleza do
Seara como lhe ensignuaram os Ministros e as
pessoas de supozisam e conhecimento de geogra-
phia de seu Paiz e em observancia da Rezolu-
sam de Sua Magestade ordeno a Vossa Mercê
que logo faça mudar a villa para o sitio do
Aquiraz e que nelle se conserve como o ditto
Senhor ordena.
Remeter- me- hâ Vossa Mercê certidam de
que asim se executou para com ella fa-
zer presente a Sua Magestade que Deus Goar-
de e a Vossa Mercê muitos annos. Olinda tre
ze de Fevereyr o de mil e sette sentos e treze .
Senhor Francisco Duarte de Vasconcellos .
Fellix José Machado . E nam se continha mais
nem meno em ditta sustancia da Ordem de
s

Sua Magestade que Deus Goarde que eu Cris-


pim Gomes de Oliveyra escrivam da Camara
nesta Villa do Aquiraz pello ditto Senhor aqui
tresladei bem e fielmente do Livro Primeiro
parte 3 fl 14 v que servio de Registo e vai
este na verdade sem couza que duvida fa-
ça ao qual me reporto .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 151

XXV

REZISTO DE HÚA CARTA QUE MANDOU O CAPI-


TAM MOR DESTA CAPPITANIA A ESTE SENADO
CUJA RESPOSTA FICA A MARGEM.

Snros Officiaes do Senado da Camara, O Se-


nhor Governador de Pernambuco Felix Jo-
zeph machado de mendonça por ordem que
teue de Sua Magestade que Deus Goarde de
Trinta de Janeiro de mil e sette sentos e onze
me ordena fasa mudar essa villa para o sitio
dos Aquiraz para que nelle se conserve como o
dito Senhor ordena na considerasam de milhor
capacidade daquelle sitio conforme as informa-
çois que o dito Senhor teue de Algumas pe-
soas insertas na dita ordem em obseruasão da
qual me pareseo faser a Vmce presentes a dita
ordem para como cabesas deste pouvo asertando
comigo o dia e tempo conveniente aponhamos
en exzecusão para dar conta ao dito Senhor de
que tenho comcluido esta deligencia pois me
pede sertidão para com ella dar conta a Sua
Magestade de que a diligencia se exzecutou na
forma sobre dita as nobres pesoas de ume-s
Goarde Deus como dezejo Va do Ciara 15 de
Abril de 713 annos . - Francisco Duarte de Vas-
concellos . E não comtinha mais a dita carta
que Eu Manoel Guilherme escriuão da camara
Treslladey bem e fielmente da propria a este
Liuro a que me reporto pello Juramento de
meu oficio-Manoel Guilherme,
152 REVISTA TRIMENSAL

XXVI

REZISTO DE HÚA CARTA QUE ESCREVEU ESTE


SENADO DE SETTE SENTOS E TREZE ANNOS AO
CAPPITAM MOR FRANCISCO DUARTE DE VAS-
CONCELLOS.

Sr. Cappitam Mor Francisco Duarte de uas-


concellos Pella Carta de umce vemos a noti-
sia que nos dâ por lha ter dado a umce O S
Governador Geral de Pernambuco Felix Joseph
machado de mendonsa por lha ter ordenado Sua
Magestade se mudase esta uilla para o sitio dos
aquiras e nos diga umce está para dar compri-
mento a dita ordem dandonos comsentimento
a isso que comsinasemos o dia para o poder
fazer como umce dese a saber a dita ordem a
muitas pesoas antes de nola fazer presente em
camara tiverão estas tempo de comular outras
mais a sy boas ou más para fazerem corpo
de pouuo trazendo comsigo por seu portetor
ao Rv Vig Geral desta cappitania João
de mattos serra com húa petição e hum asi-
nado nella de trinta e nove ou quarenta mo-
rradores desta uilla e Cappitania requerendo
nos fosemos seruidos despacharmnolhes sua pe-
tição mandando suster esta execução da mu-
dança da dita villa athe segunda ordem do
Sro Governador de Pernambuco ao que res-
pondemos na primeira Instancia não sabia .
mos da dita ordem pello dito Sr? nolo fazer a
saher nem umce athe este tempo e que nôs não
DO INSTITUTO DO CEARÁ 158

estauamos en veriação para lhe poder deferir


avista do que deichou a dita petição em mão do
procurador do conselho para que como procu-
rador do dito pouuo procurase o dito despacho
e requerese por elles seu direito ao despois dis-
to susedido e o pouuo hido e o Rd! Vigario che-
gou a Carta de umce e ajuntandonos nôs en
veriação para a abrir antes de ofazermos o dito
.
procurador do conselho nos fez hum requerimen-
to da parte do dito pouuo fosemos seruidos
mandar suster esta ezecução com protestos dos
danos que podia auer do serviço de Deus
e de sua Magestade e do dito pouuo as rui-
nas delles ou motins que podia aver requerendo-
nos lhe tomasemos seu requerimento e lheman-
dasemos botar en Liuro en hú dos desta Senado
e como temos o enzenpolo da uilla Irigida no
Re premetimos tomarlhe seu prostesto que nos
foi pedido tanto pella causa referida como por
não termos do Sr? Governador esta notisia como
umce nos não declarara as forças da dita or-
dem estas he a que andem admetir a umce ao
que for servido obrar por ellas pois the forão
estrebuidas que nos da nossa parte não empe-
dimos as ordens de Sua Magestade Guarde
Deus a pesoa de umce como pode feita em ca-
mara aos 16 de abril de 1713 annos E eu Manoel
Guilherme Escrivão da camara a escrivj - Manoel
Pires- Jozeph Duarte Cardozo-Pedro de mo-
rais- Gregorio De Brito Freyre - Manoel Gon-
çalves de Souza- e não continha mais a dita car-
ta que Tresladey da propria deste Liuro bem e
fielmnte sem couza que duvica faça. Manoel
Guilherme ,
154 REVISTA TRIMENSAL

XXVII

TITULO DO REQUERIMENTO QUE FEZ O PROCURADOR DO


CONSELHO O CAPITÃO RODRIGO DA COSTA DE ARAUJO
POR PARTE DO POUUO POR LHE SER REQUERIDO PEL-
LO MESMO POUUO O QUAL TROUCHE PCR ESCRITO
REQUERENDO LHE THOMASE NESTE LIURO DA CAMARA
PELLO DITO SENADO LHO ASEITAR ATHE DECISÃO DO
GOVERNADOR GERAL DE PERNAMBUCO O SRO FELIX
JOZEPH MACHADO DE MENDONÇA CUJO THEOR HE O
SEGUINTE.

O Que requeiro aos Srs. veriadores e Juizes


he que se faça prezente a Sua Magestade que
Deos Guarde e o Governador de Pernambu-
co a quem veio o decredito para a mudansa
desta uilla a suplica do que faz o pouuo em
sua petição sobre e aserqua por não constar
nos Liuros deste senado que o tal pouuo con-
viese com os Senadores nosos antesesores a
pedirem a tal mudansa como hera por direito
precizo e de obrigacão en rezão de se evitarem
discordias que do comprimento della pode aver
en rezão de pareserem ennauditos sem a demi
ção de sua suplica é que asim se faça pre-
sente ao capittam mor desta cappitania se sus-
tenha a exzecução no Enquanto senão deferir
por sua Magestade e o dito Senado declarou
aseitava o dito Requerimento athe ser deferid o
pello Governador e cappitam General
de Pernambuco o Sr. Felix Jozeph ma-
chado de mendonça a sua suplica e do con-
trario umces senhores companheiros obra-
rem portesta por todo o prejuizo que disso se
seguir no servico de Deus e de sua Magesta-
de que Deus Goarde por se lhe não fazer pre-
DO INSTITUTC DO CEARÁ 155

zente e não continha mais o dito requerimen-


to que Eu Manoel Guilherme escriuão da ca-
marâ Tresladey em Camarâ por ordem dos ditos
Veriadores que presente estauão o cappitam
Manoel Pires o sargento Mor Jozeph Dnarte
Cardozo e o Sargento Mor Pedro de morais
de Souza e o procurador do conseiho que fez o
dito Requerimento por qprte do fiouuo o cap-
pitam Rodrigo da Costa d'Araujo e os Juizes
Ordinarios companheiros o Coronel Gregorio de
Brito freire e o Tenente Coronel Manoel Giz
de Souza que todos asinarão en camarâ , Aos
dezaseis de Abril de mil e sette sentos E treze
E eu Manoel Guilherme asima nomeado Escri-
vão da Camarâ o Escrevj -Pires. - Cardozo , —
morais,―Araujo , -Freire, -Souza.

XXVIII

COPIA DA CARTA QUE ESTE SENADO ESCREVEU SOBRE CS


EFEITOS QUE OUVE EN SE NÃO MUD'R A VILLA PARA OS
AQUIRAS FEITA ESTA CARTA AO GOVERNADOR DE L'ER-
NAMBUCO FELIX JOZEPH MACHAD ) .

Antes deste Senado ter notisia da ordem que v.


s.fez presente ao cappitam Mayor dessa cappitania
ordenava Sua Magestade que Deos Goarde para
se mudar esta villa para o sitio dos aquiraz
veyo este senado o vigo e geral João de mattos
serra com alguns moradores que nella asistem
e outros no seu termo com hua petição asi-
nada por elles e hü requerimento por papel
escripto que tudo coutinha en huma couza e
a mayor sustansia Era fizesemos suspender não
156 REVISTA TRIMENSAL

se dar exzecução a dita ordem de se mudar a


dita villa nãɔ sabeudo nôs da ordem lhe acei-
tamos seu requerimento athe V. S. ordenar o
que for mais Justo dispois de asim auer suse-
dido tiuemos carta do cappitam Mayor em que
nos daua notisia da ordem a qual responde-
mos o susedido e que se elle queria dar com-
primento a ordem de Sua Magestade nôs o
não empediamos a isto segundou com outra
carta dizendonos tivera o mesmo requerimen-
to que este Sena lo teue do R1° Vigo e do pouo
por cuja cauza suspendia a ordem e daua a
V. S. notisia de tudo e que se nos paresese a
desemos a V. S. as conuiniencias que tiuerão
nosos antepasados para pedirem o lugar cha-
mado Aquiraz para lá se situar a ailla estes
elles que o pediram os deuião declarar a sua
Magestade por onde foj seruido consederlho
quando V. S. o seja en mandar dar exzecução
estamos para obedeser a U. S. no que nos or-
denar a nobre pesoa de V. S. Guarde Deos
por dilatados annos como deseja feita em ca-
merâ aos 16 Dias d › mes de Abril de 1713 annos
E eu Manoel Guilherme escriuão da camara
que o Escrevy- Manoel Pires Jozeph Duarte
Cardozo Pedro de morais de Souza Rodrigo
da Costa de Araujo w Gregorio de Brito freire
Manoel Gonsalves de Souza -e não conti-
nba mais a dita carta que eu tresladey bem
e fielmente pello Juramento de meu oficio da
propia que se remeteo ao dito Snr.- Manoel
Guilherme.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 157

XXIX

REGISTO DA SEGUNDA CARTA QUE O CAPITAM MAYOR DE TA


CAPPITANIA FRANCISCO DUARTE DE UAZCONCELLOS
MANDOU A ESTE SENADO.

Snros Officiaes do Senado da Camarâ; Pel-


la carta que a vmces escrevj Entendo terão
Vmces inteiro conhecimento da rezuloção com
que quis dar a exzecução o hir situar esta
villa nos aquiras conforme a ordem que me
remeteu o Sr. Governador Geral de Pernam-
buco Feliz Jozeph machado de mendonça por
carta que teve de Sua Magestade que Deus
Guarde em que asim lhe ordena, e tendo a
carta para mandar a VMces não foi com a bre-
uidade puciuel por mandar chamar hú sargen-
to a Fortaleza e se demorou de sorte que me
foj necessario mandalla pello cappitam Rodri-
go Henriquez asistente nesta casa e nella lhe
pedia a VMces asinalasem o Dia para se ex-
zecutar a dita diligencia e a este tempo des-
pedindo a carta chegou a esta casa o Rd! Vig
Geral desta cappitania com sua petição feita
pellos moradores desta Villa e os mais que o
redor della asistem e todos en pesoa o acompa-
nhauão dizendome a altas vozes que me re-
querião não mudase a uilla do lugar onde
estava porque nellas tinhão mayores conueni-
encias do que en outra parte, e que me pro-
testauão por todas as perdas e danos que ti-
nesem ; e alterasois dos pouos se as ouvese ;
ao que respondi que ordem do Snr Gouerna-
dor de Pernambuco en vertude da de sua Ma-

gestade e que a minha obrigação era dalla a


158 REVISTA TRIMENSAL

exzecução ; ao que me responderão que sua


Magestade fora mal enformado e que o devia
ser por pesoas particulares e não do pouvo por
que elles o erão e ental não vinhão e que a
uontade de sua Magestade era toda derigida
ao bem comum delles ; e pella notisia que
VMcs me dão nesta sua carta Veyo que o
mesmo pouo fez a VMces presente esta sua
vontade ; e a consideração que tiue para não fa ·
zer escupulo de dizer a algumas pesoas dese Se-
nado de que o Sr. Guernador de Pernam-
buco me mandaua a tal ordem de que remeto
a umce a copia para bem auerem foi por en-
tender que aquella fose a uontade do pouo que
asim o tiuesse pedido a quem se dirigem a
comseção de sua Magestade porque se enten-
dese que era contra a uontade dos morado-
res e que elles a haviam de impunar o não
fizera com que suponho que desculpada pode es-
tar com muita rezão qualquer consideração que
disto se pósa fazer e postas as couzas nestes
termos ine resolvo a dar conta ao Sr. Gover-
nador Geral de Pernambuco destas cappita-
nias porpondo - lheas rezoins deste pouo para
que resolua afinal a desizão desta contenda e
não me parese que nos termos prezentes se
dê cauza a alguma alterasam pois temos ex-
emplos de outras semelhantes ha pouco tem-
po susedidos e tanto en mim como en VMees
he obrigação rebater qualquer cauza que haya
ou motiuo para ruina e quando a VMces. lhe
paresa darem conta do que tem sucedido para
se não dar logo a exzecução a dita ordem o
poderão fazer com aquella Direção
com que costumão obrarem tudo com aserto
DO INSTITUTC DO CEARÁ 159

e ouuer rezoins Iquiualentes da parte da in-


formação que a sua Magestade se deu pellos
autecessores de umces de que o sitio dos aqui .
raz tem Melhor capasidade que este para se
Irigir a dita Villa o podião fazer porque eu não
tenho nenhumas notisias do bem que pode
auer no tal Citio dos aquiras para poder em-
formar com uerdade as nobres pesoas de umces
Guarde deus por felizes annos Villa 17 de Abril
de 713 Francisco Duarte de uazconcellos . — c
não continha mais a dita carta que eu tresla-
dey da propia bem e fielmente pello Juramen-
to do meu officio como escrivão deste Senado
Manoel Guilherme,

XXX

REZISTO DE HUA CARTA QUE VEYO DO GOVERNADOR


DE PERNAMBUCO.

Receby a Carta de VMces En que me repre-


zentão o Zelo e promptidão com que abrasa-
rão a ordem de sua Magestade a respeito da
mudansa da uilla para o sitio dos Aquiras não
obstante o obstaculo que se offerese por parte
de Alguns moradores e do Rd? Vigario por-
que para se exzecutarem as ordens do dito
Snr. não he nesesario senão que se repitão
como ja fiz, houuer alguă duuida na exzecu-
ção desta sobredita mudança (que senão deue
admetir incontrando que Sua Magestade man
da) pesão VMces ajuda de braço militar ao
Cappitam Mor Francisco Duarte de Vascon-
cellos que lha darâ prontamente ; aliaz pro-
cederej contra elle como dezobediente as minhas
160 REVISTA TRIMENSAL

ordens e as do dito Sur ; e o Cappitam An-


tonio Vieira da Silva serâ o que faça esta di-
ligencia mais prontamente pello seu prestimo
ao qual o farão VMces a saber da minha
parte para que asim o fique Entendendo ; as
ordens de Sua Magestade Executãose sem in
terpetração e replicase lhe dispoiz sendo ne-
omo me ordena
sesario o dito Snr, sendo Eu
Governador destas cappitanias por mercê sua
a quem puderâ conseder mais jurisdição se de-
vese dar se em hú vasallo em materia tão Sa-
grada como são os seus mandados , Deus guar-
de a umces muitos annos Olinda 17 de mayo
de 1713. Felix Jozeph machado. Snros Officiaes
da Camara da Villa do Ciarâ E eu Manoel Gui-
lherme escriuão da Camarâ a rezistei bem e
fielmente sem couza que duvida faça da pro-
pia que me foi aprezentada a este Liuro do
resisto aos 28 de Junho de 1713 annos - Manoel
Guilherme.
XXXI

COPIA DO TERMO DA ASSENTADA DA VILLA DE SAM


JOSE DE RIBAMAR NO SITIO DO AQUIRAZ

Aos vinte e sete dias do mes de Junho de


mil e sette sentos e treze annos neste sitio
do Aquiraz desta capitania do Seara Grande
seis legoas distante da Fortaleza della duas da
Barra do Rio Pacoty e duas da enseada do
Iguapê aonde estavam em Camera os vereado-
res o Sargento mor Josê Duarte Cardozo o
Tenente Coronel Pedro de Moraes o Juis or-
dinario Tenente Coronel Manoel Gonsalves de
Souza e o Procurador do Conselho o capitam
DO INSTITUTO DO CEARÁ 161

Rodrigo da Costa de Arahujo junto com o ca-


pitam de Infantaria Antonio Vieyra da Silva
que por ora rege esta capitania por aubzencia do
capitam mor della que se acha distante sin-
coenta legoas e o Reverendo Vigario desta ca-
pitania Dr. João de Matos Serra aonde foram
vindos juntos com os dittos officiaes da Came-
ra para em comprimento da ordem de Sua
Magestade que Deus Guarde e do Governador
Geral
e de r Pernambu
aclama dittfazerem
esta sobreco executar situar
a villa de
Josê de
Ribamar neste sitio do Aquirás na forma que
Sua Magestade ordena, e logo ditto capitam de
Infantaria Antonio Vieyra da Silva como exe-
cutor da ditta ordem por ordem que n'este Sena-
no estâ registada do Governador geral de Per-
nambuco foi ditto em voz clara e intelligivel :
Neste lugar do Aquirâz manda sua Mages-
tade que Deus Guarde Situar e aclamar a villa
de Sam Jozê de Ribamr do Seara Grande ,
Real , Real, por El Rey, Dom Joam Quinto Nos-
so tan
E e pelDeus
to quque
Senhor Guarde
o ditto Rey
capita de Portugal.
m de e
Iufantaria
Antonio Vieyra da Silva em nome de Sua Ma-
gestade que Deus Guarde foi situada a ditta
villa logo pellos dittos Senadores e o Reveren-
do Vigario e mais Povo que prezente se achou
foi selebrada e repetida a ditta aclamasam man-
daram se levantace o Pelourinho o que logo
se fez encontinente com muita promptidam
sem que houvesse contradiçam duuida ou re-

pugnancia de pessoa alguma , e de como em


comprimento da ordem de Sua Magestade que
Deus Guarde asim o fizeram e executaram man-
daram fazer os ditos Senadores este termo de
162 REVISTA TRIMENSAL

asentada situasam e aclamasam da ditta villa


em que se asinaram o sobreditto Capitão de
Infantaria como executor da dita ordem e
Reverendo Vigario com elles ditos Senadores ,
Manoel Guilherme escriuão da Camerâ que o
escrevi, O vigario João de Mattos Serra."-An-
tonio Vieyra da Silva " Manoel Gonsalves de
Souza " Jozé Duarte Cardoso . " Rodrigo da Cos-
ta de araujo " Pedro de Moraes. E nada se con-
tinha mais nem menos em ditto termo de asen-
tada desta ditta Villa que eu Crispim Gomes
de Oliveira escrivão da Camara desta dita Vila
do Aquirâz por Sua Magestade que Deus Guar-
de aqui treslladei bem e fielmente do livro Pri-
meiro Parte 5a fl, 26 V. e como consta da co-
pia da carta do Governador que entam hera
de Pernambuco D. Felix Jozê Machado inser-
ta no mesmo livro a fl, 27 V. Se Vê como este
ordenou ao Sobredito Cappitam Antonio Viey-
ra da Silva para a sobreditta deligencia e ex-
ecusam da ordem de Sua Magestade que Deus
Guarde ao que tudo me reporto.

XXXII

PRIMEIRA CARTA QUE ESTE SENADO ESCREVEO


ESTE PRESENTE ANNO DE 713 A SUA MAGESTADE
QUE DEOS GOARDE.

Senhor. Os Juizes e uereadores e procura-


dor que seruimos este presente anno de sette
sentos e treze nesta Villa de S. Jozeph de ri-
bamar capitania do Cearâ grande fazemos pre-
sente a V. real magestade que Deos guarde de
que esta Villa foi transferida por Orden de
DO INSTITUTO DO CEARÁ 163

V real magestade do lugar en que estaua para


a parte chamada aquirâs por ser Sitio mais
couiniente e utile para o asento della e para
as mais couiniencias que se requerem e herão
defetuosas En outra parte nella deuendo todos
asestirem com suas cazas para mayor aumen-
to e trato não asistem mais que as Justi-
ças e dous outros moradores com cazas sem
mais outras e Estas despouoada de gente E
nella correm sô as Justiças grande perigo e ris-
co de vida quando haja quem as queira ofen-
der por não ter nella pesoas moradoras de abun-
dansia quando taiz cazos susedão de quem se
ualhão para defença sua e poderem com ellas
emfragantes delitos administrar Justisa por
estar remota de moradores para húa parte de
meya legoa e para outra de legoa en que tão
azinha senão pode ocorrer e nesta cappitania
ha cantidade de oficiaes mecanicos e homens
que tratão de mercadurias de compas e ven-
das que asistem e morão por fora da uilla sem
para ella quererem vir podendo nella asestirem
de morada pella boa couiniensia pedimos a
Va real magestade seja seruido auer por bem
mandar que todos estes que na cappitania asis-
tem e os que destes tratos e oficios uiuem de
fora façam asento e morada na villa sendo
para isso obrigados e que os moradourez os
seyão tambem a fazer cazas nella inda que nellas
não queirão morar por que ficarão servindo
para nella morar as pessoas imposibilitadas por
seus alugues sobre a pena que Va real mages .
tade for seruido enporlhe a real pesoa de uos-
sa magestade guarde Deus por felizes annos
para amparo de seus Vasallos feita em camarâ
164 REVISTA TRIMENSAL

en 28 de Novembro ao pé desta fortaleza de N.


Snra da Assumpção E eu Manoel Guilherme
escriuão da Camarâ que a Escrevy E tresladej
da propia bem e fielmente e não continha de
mais pello Juramento de meu oficio Manoel
Pires Joseph Duarte cardozo - Pedro de moraes
de Souza - Rodrigo da Costa de araujo -Manoel-
Glz de Souza - Gregorio de Brito freire.- Manoel
Guilherme.
XXXII A

SEGUNDA CARTA QUE ESTE SENADO ESCREUEU A


SUA MAGESTADE QUE DEUS GUARDE ESTE AN-
NO DE 1713.

Os Juizes Vereadores e procuradores que


seruimos este presente anno nesta Villa de São
Jozeph de riba mar da cappitania do Ciarâ
grande fazemos prezente a vosa real magestade
en como o Governador de pernambuco por car-
ta que teue de Va real magestade que Deus
guarde de trintà de Janeiro de 1711 nos orde-
nou fizesemos mudar esta Villa do lugar en que
estaua para a parte e lugar chamado aquirâs fi-
ca mudada a uinte e sette do mes de Junho pro-
ximo pasado deste prezente anno na comformi-
dade da real ordem de Va real magestade que
Deus guarde para anparo de seus uasallos es-
cripta en Camarâ de uinte e outo de Novembro
de mil e sette sentos e treze annos ao pê desta
fortaleza de N. S. da Asumpção termo da mesma
Villa cappitania do Cearâ grande. E eu Manoel
Guilherme escriuão da Camarâ que escrevy, e
tresladey bem e fielmente e não comtinha de-
mais pello Juramento do meu oficio- Manoel
DO INSTITUTO DO CEARÁ 165

Pires- José Duarte Cardoso - pedro de morais de


Souza- Rodrigo da Costa de araujo- Manoel Glz
de Souza- Gregorio de Britto Freyre- Manoel
Guilherme.
XXXIII.

REZISTO DE HUA CARTA QUE ESTE SENADO ES-


CREUEU AO CAPPITÃO MÓR PLAZIDO DE AZE-
UEDO FALCÃO PEDINDOLHE INDIOS PARA HIR
PREZIDIR COM O SEGNADO NA UILLA DOS AQUI-
RAS .

Senhor Cappitam mor . Sua Magestade que


Deus guarde foi servido mandar mudar
esta Villa para o Sitio aquirâs com efeito se deu
exzecução a ordem do dito Senhor adonde este
Senado depois da dita mudança asestia fazendo
Variasois e os Juizes suas audiensiaz na ocazião
que este gentio se alterou contra nòs o Cappi-
tam mayor antesesor de Vmcê. que gouernava
esta Cappitania Francisco Duarte de uasconcel-
los obrigou ao ditto Senado se recolhese as abas
desta fortaleza para algum acordo que lhe fose
nesesario para a dispusição que se ouvese de re-
zoluer contra o dito tapuyo e porque hoje se
dis pella tropa que se tem recolhido a uello afu-
gentallo quer este senado recolher se a dita V
o que não póde conseguir sem que umce com
seu poder e cargo lhe mande fazer hú prezidio
furtificado com vinte e cinco ou trinta homens
com armas e monisõiz com que se posão defen-
der para que vindo o dito Inimigo a reconhe
ser aquella campanha a ache furtificada pois
a Envadio ao tempo que se levantou derruban-
do o pelourinho da dita villa e estruindo as ca-
166. REVISTA TRIMENSAL

zas que nella auia VMcê nisto obrará como


custuma no zello de tão bom servidor de Sua
Magestade que Deus guarde e a umce por Dila-
tados annos como pode feita em camarâ aos g
de Novembro de 1713 annos E eu Manoel Gui-
lherme escriuão da camara que a escrevy. Ma-
noel Pires - Joseph Duarte cardozo - Pedro de
morais de Souza- Rodrigo da Costa de araujo-
Gregorio de brito freire-e não comtinha mais a
dita carta que tresladey bem e fielmente pello
Juramento do meu oficio Manoel Guilherme.

XXXIII A

SEGUNDA CARTA QUE ESTE SENADO ESCREUEO AO


GOVERNADOR DE PERNAMBUCO FELIX JOZEPH
MACHADO SOBRE ESTAR ASESTINDO O DITO SE-
NADO JUNTO A ESTA FORTALEZA FORA DA VIL-
LA DOS AQUIRAS .

Exselentissimo Senhor paresenos dar conta a


u exc? que sendo nosa obrigação rezedirmos
n'aquella Va ainda que fose contra todos os en-
convinientes ficamos ao pê desta fortaleza pell
asim nolo auer orden Q do na ocazião deste leuan-
te o capitiam mayor Francisco Duarte de uas-
concellos e ora de presente o capitão Plazido
de azevedo falcão a cuyo cargo está o governo
da cappitania por asim lhe ser a elle conviniente
para a expedição do serviço de Sua magestade
que Deus. guarde despois de nosa chegada pela
sobredita ordem enuadio o Inimigo a uilla de-
rubando as casas e o pelourinho pondo o por
terra e tirandolhe a ferrage roubando e quebran-
do as fabricas do segnado pareeenos que Segun-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 167

do o que alcansamos senão deue eirigir o tal


pelourinho de nouamente sem que se dese parte
a V. exc? para mandar o que for seruido pois a
obediensia de suas ordens ficamos muitos pron-
tos a pésoa de uosa exc? Guarde Deus como po-
de escripta em camarâ en 28 de Outubro de
1713 annos E eu Manoel Guilherme escriuão da
camarâ que a escrevj - Manoel pires - Jozeph Du-
arte cardozo - Pedro de morais de souza - Rodri-
go da Costa de araujo - Gregorio de britto freire-
Manoel Glz de souza - e não continha mais a di-
ta carta que eu tresladey ben e fielmente pello
Juramento do meu oficio Manoel Guilherme.

XXXIV

SESTA CARTA QUE ESTE SENADO ESCREVEO A SUA MA-


GESTADE QUE DEUS GUARDE ESTE PREZENTE ANNO
DE 1713.

Os Juizes Vereadores e procurador que serui-


mos este presente anno nesta Villa de S. Jo-
zeph de riba mar da Capitania do Ciarâ grande
Damos conta a uosa real magestade que os
tapuyas anasês Jagoaribaras payacûs aldeados
a tantos annos debacho de mição se reuela-
rão contra nôs en dezoito do mez de agosto pa-
sado deste presente anno de 1713 unidos com
outras nasois de corso e matarão cantidade de
Jente que se supoem serão mortas no primeiro
agreço perto de duzentas pesoas senão esederem
pellos que ainda senão sabem fazendo muitos
latrocinios de bens e matança de gado e calua-
gaduras do que se deu logo conta ao Governa-
dor de pernambuco para nos secorrer com ar- ^ »
168 REVISTA TRIMENSAL

mas poluora e xumbo o que fes sem demora


mandando hû barco e ao dispois disto se levan-
tou na ribeira do acaracû distrito desta cappi-
tania outra nasão chamada areriû que tambem
estava debacho de mição e se supom terâ feito
outro tal estrago do que de novamente e da
necessidade en que se acha esta cappitania se dá
conta ao dite Governador para a secorrer, e
finalmente fica esta cappitania en tal estado que
se a onipotencia devina não enclinar os olhos
de misericordia para ella e vosa real magestade
como rey e Sur o seu grande poder en apla-
car com algum remedio se acabarâ tudo por-
que se uive na descomfiança que athe os Indios
desta mesma cappitania de quem vosa real ma-
gestade ha recebido Inumeraves serviços sendo
tão grandes seruidores pellos muitos Indiços ,
que dão se revelarão tambem quando ao presente
o não fação o uirão a fazer ao diante tudo cau-
zado do mau trato que lhes dão os cappitais que
vem para esta cappitania Gouernar por que de-
bacho daministração que vosa real magestade
Thes da se seruem delles sem lhes pagarem alem
de se lhe não mandar pagar o grande serviço
que vosa real magestade fazem sem disso Vosa
Real magestade ser sabedor para lhe remunerar
ao Menos com hu agradecimento por hua real
carta pois por sua grande miseria ja com isso se
contentarião ; con que pedimos a vosa real ma-
gestade se queira dignar e seruir como rey e
Senhor tão grande que he uzar com estes da
ademostração afetuoza en premio que for serui-
do por anno e que ao menos seja com sinco
principais e os sinco sargentos mores e os sinco
Tenentes e os des cappitais que tem as sinco
DO INSTITUTO DO CEARÁ 159

aldeyas porqué com isto ficarâ aplacado o en-


sendio que ao diante pode auer e teremos com
mais uontade e com mais segurança fidelidade
lialdade quem seya con nosco en ajuda de des-
truir estes barbaros leuantados como athe o pre-
zente fizerão com inteireza ; a real peson de
vosa magestade guarde Deus por largos e feli-
zes annos para amparo de seus uasallos feita
em camarâ aos 28 de Outubro de 1713 annos . E
eu Manoel Guilherme escriuão da camarâ que a
eserevj . E não continha mais a dita carta que
eu tresladey com os nomes declarados- Manoel
Pires- Jozeph Duarte cárdozo - Pedro de morais
de Souza- Rodrigo da Costa de armijo- Manoel
Gonsaives de Souza - Gregorio de Brito freire —
tudo na uerdade pello Juramento do meu oficio
-Manoel Guilherme.

XXXIV A

CÁRTA RÉLATORIO QUE ESTE SENADO ESCREVeo ao Go-


VERNADOR DE PERNAMBUCO FELIX JOZEPH MACHADO
COM AS MAIS .

Não eunoramos o reparo que Va Exc avera


feito a chegada dos correyos do cappitam mor
Francisco Duarte de uasconcellos en uer que fose
ese o unico que a u? exc? so dese conta do caso
susedido nesta cappitania com o levante dos ta-
puyas anasez Jagoaribaras payacus alDiados de-
bacho de mição e nos o não fizemos tambem
como heremos obrigados, mas sirua nos de des-
culpa de nosa umição para com Va Exc a ne-
nhua parte e notisia que se nos deo dos taes
correyos por averem sido mandados occultamen-
170 REVISTA TRIMENSAL

te sem que delles fosemos sabedores Juntamen-


te andarmos huns em seruiço de S. Magestade
por obrigação de cargos E outros en serco com as
armas nas mãos E outros en campanha em gran-
des distansias desta fortaleza e como do pro en-
tronto está Va Exca ja sertificado pella enfor-
mação do cappitam mayor E pella que daria a
Va Exca os correyos da muita mortandade de
Jente e destruisões de fazandas que foy hua
couza nunqua vjsta, resta agora dar conta a Va
Exca do que tambem hâ de prezente e pode por
peccados preseder ao diante depois da remesa dos
correyos do ditto cappitam mor do dia seguinte
vindo se retirando da villa cantidade de Jente
para debacho das armas desta fortaleza acom-
panhada de alguus brancos e Indios lhe sahio
ao encontro o tapuya Inimigo coaze a vista de
hua aldeya de Indios E botandolhe serco mata-
rão coaze toda a Jente que vinha e sô escaparão
coatro ou sinco pesoas por se averem debrusado
en terra en forma de mortos ainda asim bem
feridos e hu vereador desta Camara por uir mon-
tado ensima de um cavallo E ver que sô não po-
dia rezistir a hu grande exzercitto de tapuyas
sem que ouvesse hu Indio que desta tal aldea
acudisse a tanta lastima ou em nesesaria defen-
ça desparase hua arma mas so sim se afirma
tiverão estes o cuidado de os despirem depois
de mortos asenhoriandose dos vestidos e alfayas
que trazião e asim se justifica por que andando
estes sempre nus hoje andão vestidos e com ves-
timentas conhecidas e nós pello tempo en que
estamos tempo en que nos uemos nos calamos
desfarçando suas tensõis ainda que elles publi-
cão muita amisade fidilidade lialdade aos bran-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 171

cos por que tambem os tapuyas antes de seu le-


vante publicauão o mesmo e nem purisço deixa-
rão de se levantar e cometerem tanta ostilidade .
Tambem damos parte a Va Exc? que o tapuya
aldiado chamado areriú que abita na ribeira do
acaracú se tem revelado contra os moradores
daquella ribeira correndo ao seu Po misionario
con tres tiros dos quais foy Deus seruido livrallo
e que as Jentes daquella ribeira se tem recolhi-
do a serra da Ibiapaba avaleremse das armas
dos Indios tabayaras que estão debaicho do do .
minio do padre asenço gago da companhia de
Jesus que premita Deus estejão seguros e mais
livres de perigo do que nôs tambem a nasão ca-
nidê que abitaua nas cabiseiras do bonabohu
Ilargas de Jagoaribe que he mui poderosa e on-
tra mais nasão se tem revelado e unido com os
mais , e as Jentes daquellas ribeiras se tem forti-
ficado em aldeyas e finalmente fica toda a cap-
pitania en pezo en grauissimo perigo e risco
com bem poucas esperanças de ser bem susedi-
da e mais ainda com as desconfiança de que sa-
hindo hua grande tropa nosa que exsede numero
de quinhentos homens entre brancos e Indios e
por cabo Jeral o Cappitão de Enfantaria Auto-
nio Vieira da Silua en distansia de doze legoas
a comquistar estes Inimigos vão corendo por
coaze trinta Dias sem auer notisias do que lhe
tera susedido enfim Snr? esta Cappitania tão
abismada de Inimigos e mantimentos de farinha
e carne que se abacho de Deus Va Exca a não
secorre com Indios e mais Indios que se pusivel
fose por seu cabo o Governador delles e com fari-
nha e munisōiz que as que auia E uierão se tem
esbanyado em se partir com os prizidios de Ja-
172 REVISTA TRIMENSAL

goaribe e acaracú e mais sercumvizinhos e ou


tros que pudera auer se ouvera Jente e muni-
sõis ; nas primeiras aguas que são em Janeiro
acabará tudo por pecados Va eiselencia prouera
en tudo como tão bon Zelador que he do serui-
ço de Deus e de S. magestade que Deus guarde
a pesoa de Va eiselencia guarde Deus como pode
escrita em camarâ de 28 de Outubro de 1713. E
eu Manoel Guilherme escriuão da Camarâ que
a Escrevy Munoel Pires" Jozeph Duarte Cardo-
zo" Pedro de morais de Souza" Rodrigo da Costa
de araujo" Manoel Glz de Souza" Gregorio de Bri-
to Freyre," e não continha mais a dita carta que
Tresladey bem e fielmente pello jurameuto de
meu oficio. Manoel Guilherme.

XXXIV ( B)

QUARTA E ULTIMA CARTA QUE ESCREVEO ESTE


SEGNADO AO GOVERNADOR DE PERNAMBUCO FELIX
JOZEPH MACHADO .

Estando para partir este Correyo com as


mais cartas que aV. exa? escreve este Sena-
do por ter notisia da tropa que a vosa exca
se diz nellas andaua en campanha de quinhen-
tas pesoas mandou o capitam Plazido de aze-
uedo falcão dizer ao dito correyo para dar a va
exca notisia do que ella tiuese obrado e tam-
bem elle deue asim fazer não queremos nôs
da nosa parte tão bem faltar com essa obrigação
a dita tropa se recolheo por lhe adoeser muita
Jente da que levaua com sigo e lhe morrer do
mal que lhe deo tres pesoas e se dis chegarão al-

guns Doentes en estado que correm risco es-


DO INSTITUTO DO CEARÁ 173

caperem cauza esta por onde senão estruise o


inimigo tapuya encontrando se com a dita tro-
pa Duas vezes ou tres mas pello estado en que
se achaua a dita tropa Digo a Jente não póde
matarlhe mais que vinte e outo pesoas e polla
en fugida sobre o qual Jentio dizem foi hua
tropa dos homens de Jagoaribe com alguns ta-
puyas domesticos da mesma ribeira suposto a
Jente della seya pouqua quererâ Deos aJudal-
los a ter vensimento con que tenhamos nesta
cappitania algú susego porque se a dita tropa os
não estruir de sorte que fiquem bem atenua-
dos não fas duvida que no inuerno como Ja
dissemos a u? esselensa exprementarâ esta cap-
pitania alem das perdas que tem tido de fa
zendas e mortes terâ muito mais Deus nos acu-
da por sua Divina mizericordia E elle Guarde
a pesoa de uosa exe? por dilattados e felizes
annos como pode feita en camarâ aos 4 de No-
vembro de 1713 annos E eu Manoel Guilherme
escriuão da Camarâ que a Escrivy G ManoelPi-
res- Joseph Duarte Cardozo -Pedro de morais car-
dozo- Rodrigo da Costa de Araujo - Manoel Glz
de Souza - Gregorio de Brito Freire, -e não con-
tinha mais a dita carta que eu tre ladej bem e
fielmente pello Juramento do meu oficio- Ma
noel Guilherme.

XXXIV (C)

CARTA QUE ESCREVEO O CAPPITAM MOR PLAZIDO


DE AZEUEDO FALCÃO A ESTE SEGNADO EN RES
POSTA DA CARTA ASIMA.

Senhores Officiaes do Segnado do Camarâ


Veyo dizerme umees na sua carta que na oca-
174 REVISTA TRIMENSAL

zião en que este Jentio se alterou nesta cappi-


tania largarão a villa dos aquirâs obrigados pel-
lo capittam mayor que então Governaua fazen-
do os recolher as abas desta fortaleza para al-
gum acordo que lhe fose nesesario para as dis-
posisoiz da guerra e que com a notisia da tro-
pa que proximamente se recolheo e auer afu-
gentado o dito Jentio se querem Vmces reco-
lher a ella e o não podem fazer sem que lhe eu
mande fabricar hú prezidio Goarnesido com trin-
ta homens com poluora balla e armas para que
vindo o dito Inimigo a reconhes or aquella cam-
panha a ache furtificada o que tudo me pare-
se por agora não ser nesesario porque se umces
no tempo en que o Jentio se levantou e ma-
tou Jente naquella parte sendo en-
tão a ocazião de mayor perigo não largarão a
uilla senão obrigados hoye se acha mais de-
notisia que
sonbrada a campanha segundo a notisia
vmces me apontão da tropa de fazer o Jen-
tio afugentado me parese escusado o seguro.
do arraial que umces me pedem e bem sabem
umces que estão os Jndios para şahir para a
campanha e preseguir o Jentio e não estâ o
tempo para deixarmos de continuar com a guerra
contra o Inimigo além de que se o meu ante-
sesor teve rezão para obrigar a umees a que
aqui asestisem para o que lhe fose nesesario
para a dispusição da querra esta senão acha
aJnda acabada antes me parese estamos no
principio della não devem umces duvidar ca-
reço eu tambem do conselho de umces para
os asertos que com o favor de Deus preten-
demos alcançar na vitoria das nosas armas
contra os nosos Inimigos umces obrarão nes-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 175

ta materia com o aserto que custumão advir-


tindo que de nenhúa sorte estâ bem esta di-
vizão en tempo tão ariscado e que so se deue
atender a destruição do Jentio para sosego da
cappitania e posta neste poderão umces seguir
o que milhor estiver para conservação della tendo
me a mim sempre prompto para lhe obedeser
no que for a bem da Justisa e do seruiço
de umces as pesoas de umces Guarde Deus.
fortaleza 4 de Novembro de 1713 annos Pla-
zido de azeuedo falcão e nao continha mais a
dita carta que eu tresladey da propia bem e
fielmente pelo Juramento do meu oficio Ma-
noel Guilherme.

XXXIV (D )

TRELLADO DO BANDO DO PERDÃO AOS INDIOS QUE MAN .


DA AQUI RESI TAR O CAPITAM MOR PLAZIDO DE ASE-
UEDO FALCÃO O QUAL BANDO HE DO SNR. GOVER-
NADOR DE PERNAMBUCO FELIX JOZEPH MACHADO .

Felix Jozeph machado de mendonça e Sá


Castro E vasconcellos do Conselho de Sua ma-
gestade Sor e donatario do Conselho de Entre
homem e cauado Senhor das cazas de Castro
vasconcellos baroso e dos Selarios della alcai-
de mor da villa de mourão comendador e alcai-
de mor das comendas e villas do casal e seixo
Gouernador da cappitania de pernambuco e das
mais anechas etc.
Por quanto me chegou a notisia e me consta
que os Indios aldeados e cabocollos da cap-
pitania mor do Ceará grande Unidos se achão
huns levantados e outros neutrais postos en
176 REVISTA TRIMENSAL

armas é contra os brancos senhoriando toda a


campanha comfederados com os tapuyas e co-
mo se reconheserão sempre leaiz e fieiz uassa-
los auendo se elles e seus antepasados Justi-
ficado no valor com que se defenderão dos Ini-
migos da Coroa a fedilidade com que os taes
Indios continuamente se ouverão no serviço
del rey nosço Senhor e Defensa daquella cap-
pitania sacrificando as suas vidas com firme
lealdade contra o Jentio barbaro para que nun-
qua fose enfestada exprimentando da ostilidade
que este podia fazer-lhe-e considerando a gran-
de distansia que há de pernambuco & Cearâ
asim por terra como por mar que deficulta a
prontidão de secorro que hoye faria grande
falta en pernambuco e ser muito preciso
e conuiniente evitar a ruina que ameasa
aquella cappitania aplicando logo o ultimo re-
medio que pode ser mais pronto ao susego e
quietação daquelles pouuos -Ordeno ao cappi-
tam mor, ou a quem seu cargo seruir conse-
dão hu perdão Jeral en nome de Sua Mages-
tade qu Deos guarde aos dittos Indios e ca-
bocllos daquellas aldeyas declarando se lhes auel-
los por elle por perdoados de toda a culpa
eiseso estrago que tinerem feito contanto que
fiquem com toda a pas quietação obediencia e
fidelidade que sempre tiverão -E atendendo eu
a este fim hei por serviço de Sua Magestade
conseder como com efeito consedo en seu real
nome a todos os mayorais Indios e cabocol-
los das dittas aldeyas da cappitania do Ciarâ
que se acharão e concorrerão no tal alevan-
tamento e universalmente hey por perdoados
a todos de coais quer desordens culpas motins
DO INSTITUTO DO CEARÁ 177

tumultos mortes e outros quaisquer delittos que


se obrarão e cometerão por cauza do dito ale-
vantamento com condição de que vendo al-
guns outros que dentro de uinte e quatro oras
depois da publicação deste perdão Jeral se não
sosegarem e aquietarem pondose en defensa
dos brancos e fazendo o serviço de S. Mages-
tade como seus vasallos encorrerão na pena de
treidores e serão castigados como manda a ley
e se exzecutarâ nelles a pena della e os poderão
os mais liuremente prender e remeter a esta
praça do Recife para se exzeeutar nelles a dita.
ley - e para ser manifesto a todos ordeno ao
cappitão mor do Ciarâ ou a quem seu cargo ser-
uir mande publicar este perdão ao son de ca-
chas na dita cappitania e Juntamente o man-
de fazer patente pello modo que se ofereser
por todas as aldeyas aos dittos Indios e ca-
bocollos e da maneira que for coviniente para.
o susego e quietação de todos ― Pernambuco
29 de Setembro de 1713 annos. E eu o secre-
tario Joaquim mendes de aruarenga o Escrivy
e sobre escrevj Felix Jozeph machado de men-
donça e Sá Castro e vasconcellos e não conti-
nha mais o dito bando que tresladey bem e
fielmente pello Juramento de meu oficio a elle
me reporto por todo e entudo - Manoel Gui-
Therme
XXXIV (E)

RESISTO DO BANDO QUE MANDOU LANSAR NESTA CA-


PITNIA O CAPITÃO MOR DELLA PLAZIDO DE AZEVEDO
FALCÃO, SOBRE AS PAZES DO TAPUYA PAYACÛ.

Plazido de Azevedo falcão capitam de In-


fantaria paga da goarnisão da prasa do aresif-
178 REVISTA TRIMENSAL

fe de Pernambnco do terso do Mestre de cam-


po Dom Francisco de Souza e de presente de
goarnisam nesta fortaleza de nosa senhora da
Asumpção governando esta Capitania e Capi-
tão mayor por portaria do Snr governador Fe-
lix Jozeph Machado de Mendonça e
Sa Castro e Vasconcellos etc. Per ordem que
tenho do Snr gouernador de Pernambuco que
pera soseguo desta Capitania e bem della pos-
sa dar pazes a nasam de Tapuya que mas pe-
dise e porque sendo eu informado dos moradores
desta capitania da nasam Payacú do rancho
de que he Principal Mathias Seixas na ocasião
do leuante não matou Pesoa nenhúa mas an-
tes pos a todos os moradores que moraua nos
taboleiros e mais sircumvisinhos ajudando os
a retirar pera a Jocoaracoara aonde se fize-
rão fortes athe que com a ajuda das armas
desta fortaleza e dos mais moradorez e Indios
foram retirados postos em saluo pera escapa-
rem das tiranias dos Jagoaribaras e mais na-
soins e depois na campanha a mesma nasam
Payacú se apartou dos mais declarados bus-
cando as nosas armas pera ajudarem a guer-
rear e estruhir aos outros como se tem uisto
o que obraram em companhia do Capitam Pas-
choal correya em outra ocasião em companhia
do Coronel João de Barros Braga e agora de
prezente com o Sargento Mayor Domingos Ri
beiro que obrigados destas ocazions asima vi-
nha o tapuya. Jagoaribara pedirme pas que o
pouo desta capitania nam premitio eu lha dese
requerendome asim com hua petisam que pera
hiso me aprezentarão asignada por elles ha- .
vendo na dita petisam por boa a pas que eu
DO INSTITUTO DO CEARÁ 179

havia dado em nome de Sua Magestade que


Deos Guarde a dita nasam Payacú tanto de
Mathias Seixas como do Cardozo e do Geni-
papo asú e da aldeya do Apody e a do Capitam
mor Joam de Barros E por este meu bando
confirmo as ditas pazes en nome do dito Se-
nhor e todo o morador de qualquer calidade
e condição que seja desta capitania ou Indios
das aldeyas della que agrauar ou matar tapuya
traidor por hir
dos declarados o havereis por traidor
contra o bando e pazes que en nome de Sua
Magestade fis confiscando se lhe as fazendas
que se devasara judicialmente contra quem
no asima incorrer ficando loguo este emcargo
aos Juizes desta capitania que se publicara
a som de Caixas e se ficharâ nos lugares que
nesesario for rezistando se nos liuros da Ca-
mara dado e asignado nesta fortaleza de nosa
Senhora da Asumpção sub meu signal e sello
t aos noue de fevereiro de mil e sete sentos e
catorze Plazido de Azeuedo falcão estava o
sello e não continha mais o dito bando que
eu tresladey bem e fielmente pelo juramento
de meu oficio e asignej - Antonio Gomes Passos.

XXXIV ( F )

TERMO DE VEREAÇÃO.

Aos Dezasette Dias do mes de Outubro des-


te presente anno de mil e sette sentos E treze
neste territorio o redor da fortaleza de N. S.
da Asumpção adonde se acha este Senado a
requerimento do cappitam mayor Francisco Du-
arte de uasconcellos e per cauza do levante dos
180 REVISTA TRIMENSAL

tapuyas Jagoribara e mais nasoiz que cauza-


rão aos moradores desta cappitania dezacomo-
darense de suas cazas E mais vivendas como
tambem envadirão a villa cauza por onde este
Senado se acha no lugar declarado donde foi
nesesario fazer esta variação para os dias se-
guintes achando se Prezentes o Sargento May-
or Jozeph Duarte cardozo E o verea-
dor Pedro de morais E o procurador do Con-
selho o cappitão Rodrigo da Costa de Arauyo
e o Juiz Ordinario O Coronel Gregorio de Brito
freire Em a dita veriação acordarão Escre-
ver ao Cappitão mor Plazido de Azevedo fal-
cão sobre o secorro da infantaria e asim e
mais acordarão que o procurador do Senado
comprase papel bastante para Este Senado e
livros em branco para tudo o que for nese-
sario nelle acordarão mais que o dito procura-
dor pagase húa vaqua e a farinha que gastou
na mudansa da villa para O Sitio dos aqui-
raz acordarão mais que o dito procurrdor pa-
gase quinze pataquas des varas deste Senado ,
acordarão mais pagar o correyo que foi com
as cartas a pernambuco que são doze mil reis.
acordarão mais pagar ao alcaide cinco mil reis
que se lhe deue do seu selario athe o prezen-
te mez para o que mandarão pasar mandado
para o procurador e tizoureiro deste Senado
cobrar do contratador dinheiro nesesario para
as disposiçois asima a conta do que o dito con-
tratador Manoel Valente deue do contracto de
como asim o acordarão mandarão fazer este ter
mo que asinarão em Camarâ E eu Manoel Gui-
lherme escrivão da camera o Escrivy- Cardozo
-morais- Araujo - Freyre.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 181

XXXV

REGISTO DA ORDEM DE SUA MAGESTADE QUE DEUS


GUARDE PARA QUE INFALIVELMENTE SE CONSERVE A
VILLA DE SAM JOZEPH DE RIBA MAR NESTE SITIO DO
AQUIRAZ PARA O QUAL O DITIC SENHOR FOI SERVIDO
QUE SE MUDACE.

Dom Juam por Graça de Deus Rey de Por-


tugal e dos Algaves, daquem e dalem mar em
Africa Senhor de Guiné etc. Fasso saber a vós
officiaes da Camara da villa de Sam Jozeph de
Riba mar que se vio o que me representan-
tes em carta de vinte e seis de Fevereiro de
mil e sete sentos e vinte sobre as convenien-
sias que se seguiam a esses moradores em que
a villa que eu mandei situar no Aquiraz se
mudaçe pera essa Fortaleza me pareceu orde-
narvos que emfallivelmente se cumpra a mi-
nha real Ordem sobre a ditta Villa ser no
Aquiraz, tendo entendido que do contrario
me haverei por muy mal servido de vos , El
Rey nosso Senhor a mandou pellos Doutores Jozê
Gomes de Azevedo e Alexandre da Silva Cor
reya Conselheyros de Seu Conselho Ultrama-
rino e se passou por duas vias, Antonio de
Cosellos Pereyra a fez em Lixboa Occidental
a houze de Oitubro de mil e sete sentos e
vinte e hum, o Secretario André Lopes do La-
ure a fez escrever. Jozé Gomes de Azevedo . ” Ale-
xandre da Silva Correya ." E não se continha
mais nem menos em ditta Ordem de Sua Ma-
gestade que Deus Guarde e que eu Crispim
Gomes de Oliveira Taballiam publico em falta
de Escrivão da Camara aqui tresladei bem e
182 REVISTA TRIMENSAL

fielmente do livro 40 fls. 63 que servia de Re-


gistros nesta Camara que fica no cartorio della
ao qual me reporto em tudo e por tudo .

XXXV (A)

COPIA DE HUA CARTA QUE ESCREUEO O SNR CA-


PITAM MAYOR AO SNR GENERAL DE PERNAM-
BUCO D. MANOEL ROLIM DE MOURA.

Meu Snr. a mim, e a todos es vassallos des-


tas Capitanias dou os parabens da boa chegada
de V Exe a esse prassa, na qual nosso Senhor
comserve a V Exc com saude perfeita, para am-
paro geral de todos, e para que em mim tenha ,
hum subito, e criado que lhe obedece, (Não hê
alheo da minha obrigaçãam dar conta a V Exe
do estado desta Capitania , como o tinha feito
em parte, ao Snr Dom Francisco antecessor de
V Exc, o que agora fasso, mais por miudo pello
conhecimento que tenho tomado della, porque
he serto que se meus antecessores o tiverão
feito , tivera El- Rey nosso Senhor provido al-
guas cousas de remedio). Thomey posse desta
Capitania em nove de novembro, e fazendo vis-
toria nos Almazens, não achei armas capazes
para qualquer acção que se me oferesser, de que
já mandey a dita vestoria feita ao Almoxarife
da fazenda Real pello que se caresse de sento
e sincoenta ou duzentas armas polvra, e balla , e
algum ferro, como tambem achey a estacada
deste forte mui dignificada, a qual hei de acudir
com algum reparo, como tambem aos quarteis
dos soldados e oito pessas de artilharia que tem
dentro estam quoase desmontadas pellos repa-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 183

ros dellas estarem podres ; quando V Exc seja


seruido, havendo alguns reparos do calibre de
oito athe doze de sobresalente nessa prassa
mandar, me venhão hum par delles no barco ,
e juntamente dentro neste forte se acha hua ca-
dea pello nome, porque em sy, hê coatro pare-
des de barro de grossura de hum couto, sido não
com huas poucas de canas , incapas de ter presos
dentro, por cuja cauza, não hâ castigo , porque
nella se não conseruão os presos , se não athe
quando elles querem, porque a rompem, e fogem ,
ou seja pella pouca forsa da cadea ou pouca se-
gurança dos guardas, Aqui ententey reparalla,
pedindo a Camara hua pouca de madeira que ti-
nha aqui que lhe não seruia, e ma não quizerão
dar dizendo auizarão ao ouvidor geral, termos
em que se me suçeder, haver preso de supocição ,
logo immediatamente que se prenda o remeter
com guarda a essa prassa, porque não fiquem es-
tes sem castigo que por esta causa suçede haver
tantas eleivozias, e mortes nestes sertões .

Como tambem acho que he muito contra o


seruisso de Deus e de Sua Magestade se conser-
ue a villa nos Aquiraz, cuja o não hê senão pel-
lo nome porque nella não hâ mais que hua casa
de carnahuba que serue de Camera, e duas palho-
sas donde morão os escrivães , isto em hum tabo-
leiro , safio , cuja villa foi pedida a Sua Magesta-
de a pozesse ahy por conviniencia particular, de
algums, e bem se verifica que havendo ja tantos
annos não creçeo pouoaçam ninhúa por ser a ci-
tuação tam incapaz, mas só se se conserua para
maldades, que em o anno de 19 e 20, mattarão
dous escrivães da Camera eleivozamente nella ,
184 REVISTA TRIMENSAL

e lhe uzurparão os bens não sey como) donde


na realidade deuia ser a villa, hê junto desta
Fortaleza, porque hê porto de mar, donde está
hua companhia que vem todos os annos e hua
Igreja matriz , e alguns trinta casais, com hu
Riacho de Agoa excelente todo o anno, e a bem
do seruisso de Sua magestade que Deus goarde
pera que veja o Capitam mayor como obra a
justiça e esta tambem a quem gouerna, e de tu-.
do o que represento a V Exc achará quem no
enforme nessa prassa , todos os cabos quem tem
estado neste presidio, e capitaes mores.

Aqui se me apresentou duas ordens do Snr


Dom Francisco de Souza, antessessor de V
Exc, hua em que ordenaua ao Coronel João da
Fonseca ferreira intimasse ao Comissario geral
Lourenço Alves Feitosa mostrasse a ordem
com que levantava presidios, ou çitios em ter-
ras alheas com cominação de que não as mos-
trando, o prendessem, inviolavelmente, eu lhe
mandei dar inteiro comprimento , mas enten-
dendo a ruina que podia suceder, o Reparey
com hua carta que escrevy ao dito Coronel di-
zendo mandasse fazer a deligencia por pesoa
dezinteressada sem movimentos de Armas , que
como o tal Coronel, hê da parçealidade dos mon-
tes, que hê contra os feitozas, não fose esta or-
dem promotora de alguâ Ruina, e despois disto
me avizou o dito Coronel lhe mandasse alguns
soldados para fazer a deligencia, o que não fis ,
por não me pareçer asertado , por ja a este tem-
po, ter hua carta do Comissario Lourenço Alves
Feitosa, em que me dizia tinha nova ordem que
encontrava esta deligencia, porque se tinha in-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 185

formado o Snr governador, com menos verdade,


que a terra em que estava situado, era sua, se
lhe pertensese, aos montes algua couza, que a
ouvessem pellos meyos de Justissa, eu os tenho
amedrontado com cartas, a que se abstenhão de
toda acção nestes particulares, Estimara que V
Exc me fizesse a honra, mandarme hua porta-
ria para se lhe intimar, a huns e a outros, a que
nenhum tenha contendas por armas, senão ju-
diçialmente, com pena de serem tidos por deso-
bedientes, e Regullos , e se lhe confiscarem os
bens para a fazenda Real , porque com o res-
peito de V Exc farâ melhor fruto , o que lhe eu
mandar ; a outra a que governasse o tapuya ge-
nipapo, que se tinha retirado de Jagoaribe para
aquella parte , cujo tapuyo , me mandou dizer o
dito Coronel, que só sem encosto de Branco , no
dia catorze de Janeiro , dera em outro tapuyo
Cariri asú , e lhe matṭarão muita gente de armas ,
e lhe prizionara sincoenta de que ouvera reme-
ter os quintos, pesso a V Exc me queira fazer a
honra de não dar credito de repente a alguns re-
querimentos que se oferesserem de pesoas des-
ta Capitania sem primeiro me ouvir porque cus-
tumão a fazellas com cavillações , e quando lhe
não estâ a conta serem desta Jurisdissam , sam
da dessa prassa hê o que se me ofereçe repre
sentar aos pês de V Exc. a quem pesso, perdão
do dilatado da carta. Deus guarde a V Exc mui-
tos annos Fortaleza 20 de Abril de 1722. Ma-
moel Francez c eu Semião Glz de Souza a regis-
tey.
186 REVISTA TRIMENSAL

XXXVI

REGISTO DA ORDEM DE SUA MAGESTADE QUE DEUS


GUARDE PELLA QUAL ORDENA SE CONSERVE A
VILLA DO AQUIRAZ E QUE TAMBEM CREESE OU-
TRA JUNTO A FORTALEZA.

Dom Joam por graça de Deus Rey de Portu-


gal e dos Algarves daquem, e dalem mar, em
africa Snr de guiné etta . Fasso saber a vos ca-
pitam mor da capitania do Ceará, que vendo o
que me enformou o governador e Capitam gene-
ral de Pernambuco Dom Manoel Rollim de
Moura sobre a representação que me havieis fei-
to asy pello que pertencia a mudança da villa
como a facção da Fortaleza della ; Fui seruido
Resoluer por Resolução minha de nove do pre-
sente mez e anno em consulta de meu Conselho
Ultramarino que a villa dos Aquiraz se conserue
e que haja tambem outra Junto a Fortaleza
para que ajudem os seus moradores a defença
della e estes a tenham tambem por azillo , para
a sua conseruação de que me pareçeo avizar vos
para o terdes asy entendido ; El Rey nosso Se-
nhor o mandou por Antonio Roiz da Costa e o
Dr Joseph de Carvalho e Abreu, Conselheiros
de Seu Conselho Ultramarino , e se passou por
duas vias, Joam Tavares a fez em Lixboa oçi-
dental a honze de Março de mil e sete centos e
vinte e sinco , o Secretario André Lopes de La-
ure a fez escrever. Antonio Rodrigues da Costa,
Joseph de Carvalho e Abreu e eu Simão gonçal-
ves de Souza a registei. Simão Glz de Souza. E
não continha mais nem menos em ditta ordem
de Sua magestade que Deus Guarde que eu Cris-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 187

pim Gomes de Oliveira Tabelliam em falta de


escrivam da Camara aqui trelladei bem e fiel-
mente do Livro 5 ° fls 52 v que servia de regis-
to ao que me reporto ,

XXXVII

INSTALLAÇÃO DA VILLA DA FORTALEZA DE NOSSA


SENHORA DA ASSUMPÇÃO .

Manoel Francez capitão mor da Capitania do


Ceará grande , a cujo cargo está o governo
della, por Sua Magestade que Deus Guarde etc.
Porquanto Sua Magestade que Deus Guarde mo
manda por sua real ordem que haja uma nova
villa nesta fortaleza de Nossa Senhora da As-
sumpção do Ceará grande para augmento desta
capitania e defensa da dita fortaleza , em cum-
primento da dita real ordem fundo e crêo esta
villa em nome d'El Rei Nosso Senhor, para o
que nomeio a vossas mercês por Juizes e mais
officiaes do Senado da Camara , para que como
bons e fieis vassallos administrem justiça aos
moradores desta villa e cuidem em seu augmen-
to e do bem commum, guardando em tudo as
ordens e fiel vassallagem ao dito Senhor, agra-
decendo -lhe a mercê de os honrar com esta mer
cê, como tambem em nome do dito Senhor lhe
consigno por termo da dita villa por extremo ; —
do riacho da Piracabura té a Serra da Ibiapaba e
todo o territorio da parte da fortaleza, ficando
outra maior parte para a villa do Aquiraz, para
que se conserve e augmente conforme Sua Ma-
gestade manda; e para que conste a todo tempo,
esta se registre nos livros da Secretaria e nos
188 REVISTA TRIMENSAL

das Camaras das ditas villas e ponha para nas


partes mais publicas que venha a noticia a todos .
Fortaleza de Nossa Senhora da Assumpção treze
de Abril de mil e setecentos e vinte e seis annos.
O secretario Simão Gonçalves de Sousa o escrevi .
Manoel Francez.

CARTA DA CAMARA DO AQUIRAZ DIRIGIDA PELO


GOVERNADOR M. FRANCEZ .

XXXVII (A)

Tenho dado cumprimento a ordem de Sua Ma-


gestade que Deus Guarde da nova villa que man-
dou que houvesse junto d'esta fortaleza, em treze
do presente, donde se achou neste acto a no-
breza e ordenança , a companhia de infantaria e
Indios com os officiaes do Senado da Camara que
nomeei para dita e com commum applauso de
todos em geral, fiz ler em voz alta e intelligivel
a ordem do dito Senhor, e outra minha em que
encarreguei aos sobreditos officiaes do Senado , a
administração da justiça, aos moradores de que
lhes dei posse e juramento para bem cumprirem
as obrigações de seus cargos, e gritei em voz alta :
"Viva o Poderosissimo Rei D. João o Quinto
Nosso Senhor" - por tres vezes, o mesmo fez
todo o concurso que se achava a som de caixas e
tro.abetas com tres cargas de artilharia e mos-
quetaria, e a este mesmo tempo fiz levantar o
pelourinho, que eu mandei fazer, que espero com
ajuda de Deus Nosso Senhor tenha Sua Mages-
tade em breves annos n'esta villa, que maudou
crear, uma nobre povoação para augmento desta
capitania, meio este para que vossas mercês e
DO INSTITUTO DO CEARÁ 189

moradores d'esta villa se animem continuar no


seu augmento , pois n'essa parte se acha gente
com mais cabedal para se ajudarem para esse
effeito e eu para tudo , o que vossas mercês
acharem eu lhes sirvo, para ajudar a pedir a Sua
Magestade o farei por serviço do dito Senhor e 5
tambem no de vossas mercês, não faltarei a quem
Deus Guarde muitos annos. Villa da Fortaleza
de Nossa Senhora da Assumpção do Ceará gran-
de dezesete de Abril de mil setecentos e vinte
seis annos. Senhores officiaes do Senado da
Camara da villa do Aquiraz de vossas mercês
amigo- Manoel Francez.

XXXVII (B )

CARTA DA CAMARA DA FORTLEZA A DO AQUIRAZ .

Senhores officiaes do Senado da Camara da


villa de São José de Ribamar do Aquiraz.
Em execução da ordem de Sua Magestade que
Deus Guarde de onze de Março de mil setecentos
vinte cinco para a fundação desta villa do sitio
da Fortaleza que vossas mercês não ignoram ,
mandou o Capitão mor desta capitania Manoel
Francez , a quem veio commettida esta deligen-
cia pelo dito Senhor, convidar a maior parte da
nobreza e povo para se achar no dia 13 deste
mez, que foi sabbado de ramos neste mesmo
sitio , tendo já feito eleição nas nossas pessoas
para occupação dos cargos desta republica, e com
effeito com as solemnidades que requerem em
semelhantes actos mandou levantar o pelourinho
e nos deu a posse e juramento delles com os
quaes nos achamos obrigados a fazer a vossas
1

190 REVISTA TRIMENSAL

mercês presente esta acção de que damos os pa-


rabens a nossa fortuna por merecermos a dita de
lograrmos tão nobre visinhança como a de vossas
merces de quem pretendemos tomar as direcções
dos nossos asertos , porque na jurisdicção que o
dito Senhor deu a esta villa, que é da Piracabura
até a serra da Ibiapaba se comprehende o talho
desta villa, que é o unico açougue com que fica
esta jurisdicção e não duvidamos foi arrematado
como contracto das carnes que os antecessores
de vossas mercês poserão em praça a Manoel
Valente por preço de setenta e tres mil tresen-
tos e trinta e tres reis por cada um anno segun-
do a informação que temos , o que não podem
fazer contractos com a fazenda que administram
da Camara, mas que pelo tempo em que durar
a sua administração, com tudo como vossas
mercês dissimularão este negocio queremos nós
seguir o mesmo methodo , deixando acabar o dito
contratador o seu tempo debaixo da mesma ar-
rematação por desejarmos muito a conservação
da amisade de vossas mercês ; attendendo , porem
vossas mercês a que esta villa é a que dá maior
valor a esse contracto e que não tem este senado
outros reditos de que se valha para o que lhe é
preciso nas despezas que se lhe offerecem, por-
tanto devem vossas mercês largar para este Sena-
21 do as ditas terças do rendimento d'aquelle contra-
cto ou ao menos a metade fazendo- se a conta do
dia em que esta villa se erigio até o fim delle, para
que assim se faça melhor o serviço do Rei Nosso
Senhor, de quem sabemos são vossas mercês
fieis servidores, offerecendo as nossas vontades
para o que tambem vossas mercês nos ordena-
rem de serviço do dito Senhor e para o de vossas
DO INSTITUTC DO CEARÁ 191

mercês nos não so pouparem quando vossas mer-


cês se sirvam de fazer experiencia deste nosso
desejo . As muito nobres pessoas de vossas
mercês guarde Deus felizes annos. Villa da For-
taleza de Nossa Senhora da Assumpção do Ceará
grande. Eu José Nunes da Silva escrivão da
Camara a fiz escrever e subscrevi aos vinte e seis
do mez de Abril de mil setecentos e vinte seis
annos. Amigos de vossas mercês - Antonio Go-
mes Passo, Clemente de Quevedo, Jorge da Silva,
Pedro de Morais de Souza, João da Fonseca Ma-
chado.
XXXVIII

REGISTO DE HUA CARTA QUE ESCREVEU ESTE SE-


NADO A SUA MAGESTADE QUE DEUS GUARDE ,

Por hordem de onze de março de mil e sete


sentos e uinte e cinco foy Uosa magestade
seruido ordenar ao Cappitam mor desta Capit-
tania manoel Francez se conçeruase em pri-
meiro lugar a villa dos aquiraz e que ouves-
se outra tambem no citio da fortaleza e com
efeito a eregio fazendo para ella Juizes , e ue-
riadores , e mais oficiaes sem respeito nenhum
da Lei, e depois que asim criado esteue tudo
o dito Cappitam mor junto com a Camara nos
tomou o noso contracto das carnes renda uni-
ca e o vendeu e o arematou em prasa publi-
ca ; Bem nos parece dizermos foy mal empe-
trada hordem porque bem via o dito Cappi-
tam mor que tirando a renda desta Camara
dos aquiraz juntamente a jurisdição como a
tirou dando a noua uilla outenta, ou nouenta
legoas, deixando sô para esta catorze legoas
192 REVISTA TRIMENSAL

não conçeruou como vosa magestade ordenou ,


nem hê poçivel conçeruar ce duas nesta Cap-
pitania tão uesinhas huma da outra, porque o
contrato das carnes hú anno por outro , rende
seçenta mil reis que mal chega pera despɔzas
de hua casa, porém como o Cappitam mor nos
seis annos de seu governo sempre trabalhou
por destruhir esta villa. No fim de çeu go-
uerno en desserviço de nosa magestal satis-
feez seu intento , debaicho das suas comvini-
encias, como fose fazer huas casas naquela
villa para aquela Camara, que foram aualiadas
em coatro çentos mil reis e uendo que ella os
nam tinha pera lhos satisfazer fez no rema-
tar o noso contrato pera della lhe hiren pa-
gando ditas casas. Fez outras y outras mui-
tas que uendeo por negocio a uarias peçoas
que a mayor parte dellas heram soldados de
guarnição da fortaleza que destes he compos-
ta a noua villa que moradores nam pasaram
de meia duzia, e como esta camara deu hua
forsa daquella pella venda que auia feito do
contrato estimulado disto o dito cappitam mor
em hum dia que nos achavamos em veriasam
mandou marchar o cappitam do prizidio da
fortaleza Antonio Vieira da Silva com duzen-
tos e tantos homês que pondonos em serco
algus levou prezos , sem atender a que vosa
magestade por nos fazer honra e merce tem
hordenado nam prendam os Cappitam mores
homes da Camara durante o anno que o fo-
rem escrita en veriasam de catorze de feve-
reiro de mil e sete centos e vinte e outo an-
nos, por mim João de Aguiar Ferreira escri-
vão da camara que escrivy.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 193

XXXVIII (A)

REGISTO DA CARTA QUE ESTE SEGNADO DA CAMERA


ESCREVEU A SUA MAGESTADE QUE DEUS GUARDE

Por ordem de onze de Marso de mil e sete


sentos e vinte sinco foi Vosa mrgestade ser-
vido ordenar ao Capitam Maior desta Capita
nia Manoel Francez so conservase em primei-
ro lugar a villa dos aquiraz ; e que crease ou-
tra no sitio da fortaleza e com efeito a erigio
fazendo para ella Juizes e mais officiaes dan-
do lhe ao mesmo tempo jurisdisão de oiten-
ta ou mais legoas afim de desi par a desta vil-
la de que tu lo deu parte a vosa magestade
a Camara nosa antecesora de que não tivemos
reposta havendo tido de outras que a vosa ma-
gestade escreveu a sobre dita Camara ; hê asim
o dito Capitum Maior não empretou bem a
ordem de vosa magestade em que dizia se con-
seruase esta villa coando ao mesmo tempo lhe
tirou toda a jurisdisão pois lhe deixou sómen-
te coatorze que são do sitio da Piracabura the
o Rio Pirangi adonde principia a jurisdisão que
Vosa Magestade foy servido dar ao juiz pedano
da Ribeira de Jagoaribe ; Tirou tambem a esta
villa o contrato das carnes unica renda com
que se achaua huma cousa e outra asim havia.
de suceder por que como o Capitam Maior ven-
deu a nova Camara humas casas que tinha
feito forçosamente nos havia tirar o contrato
pera da venda delle se pagar como o fez de
tudo auisamos a Vosa Magestade pera despor o
que for mais conveniente estendendo nos a nos--
"
sa jurisdisão the o Rio Mundau de que fica


194 REVISTA TRIMENSAL

sincoenta legoas de jurisdisão pera a nova villa


ou desuiar esta pera mais distansia Deos goar-
de a vosa magestade muitos e delatados annos.
Villa dos Aquiraz 22 de Marso de 1729 annos.
Humildes vasallos de Vosa Magestade . Agosti-
nho Ferreira da Silva " João de Freitas Guima-
rães." Antonio Gaspar de Oliveira " Antonio de
Freitas da Silva " e não se continha mais em
dita Carta que en Manoel Dias Netto escrivão
da Camara aqui tresladey bem e fielmente da
propia original como nella se contem a coal me
reporto e me asinei Manoel Dias Netto.

XXXIX

Dom José por graça de Deos Rey de Porr


tugal e dos Algarves daquem e dalem mae
em Africa Senhor de Guiné etc - Fago sabe-
a vos Capitam mor do Ciará que uendo se o
que me representarão os Officiaes da Camara
da Villa de S. José de Riba mar dos Aquiraz
em carta de quinze de Agosto de mil, sette
centos , sincoenta e hum, a respeito de lhe per-
tencer e não a Camara da villla da Fortaleza
a eleição de Almoxarife e uisto tambem o que
neste particular responderão os Procuradores
de minha Fazenda e Coroa , e a informação que
sobre elle mandei tirar pelo Governador de Per-
nambuco. Me pareceo dizervos que aos Officiaes
da Camara da dita villa mando responder que
neste negocio se deve regular pela antiguidade
da creação das villas devendo preferir a que
for mais antiga, e a ella incumbe a obriga-
ção de nomear as pessoas de que se hade es-
colher o Almoxarife da Fazenda Real dessa
DO INSTITUTO DO CEARÁ 195

Capitania ; o que se vos participa para que assim


o fiqueis entendido . El- Rey nosso Senhor o
mandou pelos Conselheiros de Seu Conselho
ultramarino abaixo assignados , e se passou por
duas vias Luiz Manoel a fez em Lisboa a qua-
torze de Dezenbro de mil settecentos sincõen-
ta e quatro O Secretario Joaquim Miguel Lo-
pes de Laure a fez escrever Antonio Lopes da
Costa " Antonio Souza de Andrade . 1 via-
-
226 Por despacho do Conselho Ultramarino
de 3 de Dezembro de 1754. - Cumpra -se e regis
trese . Villa da Fortaleza 16 de Abril de 1755 .
L. D. -Registrada no Liuro primeiro que serve
de Registro de Ordens Reais a fis . 51. Villa
da Fortaleza 16 de Abril de 1755, Agostinho
de Barros Silva. --Registrada no Livro 4? que
serve neste Senado da Camara de Registro de
Ordens Reais a fis . 31. Villa 17 de Abril de
1755. - Manoel Albuquerque Silva.- Registrada
a fls. 2 do Livro 5? de Registros desta Pro-
vedoria . Villa da Fortaleza 18 de Abril de 1755.

XL E XLI

REGISTO DA CARTA DO GOVERNADOR DE PERNAM-


BUCO ESCRITPA A ESTA CAMARA PARA INFORMAR
SOBRE O CONTEHUDO NA ORDEM DE SUA MAGES-
TE AO DIANTE COPIDA

Senhores Officines da Camara da villa do

Aquiraz. Para informar a Sua Magestade Fi-


delissima que Deos guarde na forma que me
ordena se faz perciso que Vossas mercês vendo
a copia da Ordem junta asignada pela Secre-
tario deste Governo me informem por duas
196 REVISTA TRIMENSAL

vias em papel separado com toda a brevidade


do que se lhes offerecem. Deus Guarde a Vos-
sas Mescês. Recife vinte e seis de Novembro
de mil sete centos cincoenta e oito . - Luiz Dio-
go Lobo da Silva . " E nada se continha mais
em a dita carta. "
Copia- Dom Josê por Graça de Deus Rey
de Portugal e dos Algarves , daquem e dalem
Mar em Africa , Senhor de Guiné etc. Faço
saber a vos Governador e Capitam General da
Cappinania de Pernambuco que vendo se o que
novamente me aprezentaram os Officiaes da
Camara de Sam Josê de Riba mar dos Aqui-
raz em carta de dez de Abril do anno proximo
passado de que com este se vos remette co-
pia sobre a antiguidade d'aquella villa para ef
feito de ser eu servido resolver que aquella Ca-
mara e não a da villa da Fortaleza pertence
a nomeação de pessoas para Almoxarifes d'a-
quella Cappitania em declarasam de minha Real
Ordem de catorze de Dezembro de mil sette
centos e sincoenta e coatro porque Houve por
bem determinar que este negocio devia regular-
se pella antiguidade da creaçam das villas e
preferir para esta nomeasam a mais antiga. Me
pareceo Ordenarvos informeis com vosso parecer
ouvido por escripto ao Capitam mór e ao Ou-
vidor do Ceará e aos Officiaes da ditta Came-
ra da villa do Aquiraz e da Camera da villa
da Fortaleza averiguando vós em que tempo se
constituio a Villa do Aquiraz e se no sitio da
Fortaleza se conservou sempre a Camera e os
mais Officiaes de que se forma umaVilla e quem
tem feito as propostas pera Almoxarifes da Fa-
zenda Real em todos os annos em que as hou-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 197

ve. El Rey nosso Senhor a mandou pelos


Conselheiros de seu Conselho Ultramarino abai-
xo assignados e se passou por duas vias. Vi-
rissimo Manoel de Almeida e Araujo a fez em
Lisboa a vinte e dous de Dezembro de mil
sette centos e sincoenta e sette, O Secreta-
rio Joaquim Miguel Lopes de Laure a fez escre-
ver. Antonio Freire de Andrade , Antonio Lo-
pes da Costa " Informe o Capitam mor e o
Doutor Ouvidor Geral da Cappitania do Ceará
por duas vias o que lhes consta sobre o con-
tehudo na Ordem supra e o mesmo faram os
Officiaes da Camara das Villas do Aquiraz e
da Fortaleza . Recife vinte de Novembro de
mil e sette centos e sincoenta e oito .
" Estava a Rubrica do Illm. e Exm . Sr. Gene-
ral Luiz Diogo Lobo da Silva " Antonio José
Correya " E não se continha mais em a ditta
copia que eu Crispim Gomes de Oliveira Escri-
vão da Camera aqui registrei .

LXII

REGISTO DA ENFORMAÇAM QUE DERAM OS OFFICIAES DA


CAMERA AO GOVERNADOR DE PERNAMBUCO POR VERTU-
DE DA CARTA E ORDEM ASIMA REGI TADA

Illmo Exmo Snr. Recebemos a de Vossa Excel-


lencia juntamente com a copia de Sua Magestade
que Deus Guarde para informarmos sobre o
contheudo nella. Para o podermos fazer lemos
com attençam todos os Livros dos Registos
desta Camera e por elles nos certificamos que
esta villa dos Aquiraz foi constituida e situada
neste lugar aos vinte e sette dias do mez de Ju-
198 REVISTA TRIMENSAL

nho do anno de mil e sette centos e treze (1) como


consta do termo de assentada della cuja copia .
remetemos a Vossa Excellencia por ordem do
ditto Senhor remettida ao Excellentissimo Go-
uernador e Cappitam General Dom Felix José
Machado de Mendonça o qual ordenou ao Cap-
pitam mor que entam hera desta Cappitania
do Ceará Francisco Duarte de Vasconcellos por
carta de treze de Fevereyro do ditto anno de
cete centos e treze que logo mudaçe esta villa
do lugar da Fortaleza onde se achava situada
para este do Aquiraz como consta da copia da
ditta carta que tambem remettemos , em obser-
vancia do que se erigio com effeito e se situou e
assentou esta ditta villa neste dito lugar do Aqui-
raz vindo mudada daquelle daFortaleza, sendo ser-
to que esta ditta villa foi primeyro erigida e situa-
da naquelle ditto lugar da Fortaleza no anno de
mil e sette centos onde se conservou athe o de
mil e sette centos e treze (2 ) em que foi mudada
por vertude da ditta Real Ordem para este lu-
gar do Aquiraz onde athe o presente existe e se
conserua .
He sem duvida que desde o ditto anno de
mil e sette centos e treze ficou sem villa e con-
seguintemente sem Camera pois sem haver villa
não pode haver Camera athe o anno de mil e
sette centos e vinte e seis em que por ordem do

[1 ] O gripho é nosso .
12 Ha equivoco : como vimos a villa não se conservou semprý
na Fortaleza, depois de sua fundação nesse lugar [ em 1700]
foi transferida por mais de uma vez para a barra do Rio Ceará,
donde voltou em 1708 pela ultima vez, permanecendo então na
Fortaleza até 27 de Junho de 1713 quando se passou para o
Aquiraz
PERDIGÃO DE OLIVEIRA.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 199

dito Senhor expedida no anno de mil e sette


centos e vinte e sinco cuja copia tambem remete-,
mos se erigio nelle outra villa que hê a que ex-
iste e se denomina Villa da Fortaleza de Nossa
Senhora da Assumpção . **

No que respeita as propostas pera a nomea-


ção pera Almoxarifes da Fazenda Real se prin-
cipiaram estas a fazer na Camera desta villa
do Aquiraz como cabeça da Comarca no anno
de mil e sette centos e quarenta por vertude
e em cumprimento de hum precatorio do Dou-
tor Thomaz da Silva Pereyra Ouvidor Ge-
ral e Provedor da Fazenda Real que entam
hera desta Cappitania cuja copia tambem re-
metemos. He o que na verdade consta dos dit-
tos Livros em que se acham registados os do-
cumentos cujas copias remetemos. Deus Guar-
de a Vossa Excellencia. Villa do Aquiraz escri-
pta em Camera de dezanove de Janeyro de mil
è sette centos e sincoenta e nove. Crispim
Gomes de Oliveira escrivão da Camera a es .
crivy." De Vossa Excellencia. Muito Venera-
dores " o Juiz Apolinario Gomes Pessoa. " O Ve-
reador Francisco Pereira Façanha O Vereador
Francisco Gonçalves Chaves o vereador Mano
el Fernandes de Arauyo . " o Procurador Ma-
noel Rodrigues Serpa " E não se continha mais
em a dita informacam que deram os dittos of-
ficiaes da Camera com a qual remetteram coa-
tro copias dos documentos de que nella fazem
menção que se acham registados neste mesmo
Livro a fls 10 e fls 10 v e fls 26 e no livro 7:
fls. 121 v e que eu Crispim Gomes de Oliveyra
escrivão da Camera aqui registei.
200 REVISTA TRIMENSAL

XLIII

REGISTO DE OUTRA CARTA QUE ESCREVEU O CAP-


PITAM MOR E GOVERNADOR DAS ARMAS DESTA
CAPPITANIA JOAM BALTHEZAR DE QUEBEDO Ho-
MEM DE MAGALHAENS AOS OFFICIAES DA CAME-
1 RA DESTA VILLA COM A COPIA DA ORDEM DE
SUA MAGESTADE FIDELISSIMA EM A QUAL O
DITTO SENHOR ORDENA SEJA ESTA VILLA DO
AQUIRAS COMO MAIS ANTIGA, CABECA DE CO-
MARCA, E QUE A ELLA NÃO A VILLA DO FORTE
PERTENCE A NOMEAÇÃO DE PORPOREM TREZ HO-
MES PARA ALMOXARIFES DA FAZENDA REAL COMO
NELLA SE DECLARA.

O Senhor Governador e Cappitam General de


Pernambuco me remetteo a copia incluza da de-
terminaçam que Sua Magestade Fidellissima to-
mou a respeito de ser mais antiga essa Villa dos
A quiras que esta da Fortaleza , e como tal lhe
pertencer a nomeaçam das pesoas que ham de
seruir de Almoxarifes da Fazenda Real desta
cappitania, e em vertude da mesma ordem, or-
deno a vossas merces que logo a mandem re-
gistrar no Liuro dos Registos de Ordens Regias
desse Senado , e que com a mesma breuidade me
proponham tres pessoas mais idoneas e de me-
lhor capacidade para eu prover huma dellas em
o sobredito oficio e adeuirto a vossas merçes
que na forma da mesma ordem lhe fica a vossas
merces a regalia de ezcolherem para a ditta pro-
posta tres pesoas que basta serem asistentes
no continente desta cappitania e nam como athe
agora se costumava prouer que heram sô em
pesoas deste destricto, vossas merces asim o ex-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 201

zecutém logo e me remetam o proprio trezlado ,


certidam em como fica registado e a proposta
do referido oficio. Deos Goarde a vossas mer-
ces Villa da Fortaleza e de Julho desanove de
mil sette sentos e seçenta." Joam Balthezar de
Quebedo Magalhães" Senhor Juiz ordinario e
99
mais officiaes da Camera da villa do Aquiras.
COPIA. -Dom Joze por Graça de Deos Rey
de Portugal e dos Algarves da Quem e dalem
mar em Africa Senhor de Guiné etc. Fasso sa-
ber a vos Governador e cappitam General da
cappitania de Pernambuco que vendo se o que
me representaram os officiaes da Camera de Sam
Jose de riba mar dos Aquirâs em carta de des
de Abril de mil sette centos e sincoenta e seis
sobre a antiguidade daquella villa para effeito
de ser eu seruido rezoluer que aquella camera e
não a da villa da Fortaleza pertence a nomea-
çam de pessoas para Almoxarifes da cappitania
do Ceará, em declarasam da minha Real ordem
de catorze de Dezembro de mil sette centos sin-
coenta e coatro por que houuece por bem deter-
minar que este negocio devia regularce pella an-
tiguidade da creaçam das villas, e preferir para
esta nomeaçam a mais antiga : E vendo se o que
nesta materia informastes e o que responderam
o cappitam mor e ouvidor daquella cappitania e
os officiaes das camaras das dittas villas a quem
mandei ouvisses por escripto e sendo ouvidos os
Prouedores de minha Fazenda e Coroa sobre tu-
do Me pareceu ordenarvos que visto mos-
trarce claramente que a villa de Sam Joze de
riba mar dos Aquirâs he maís antiga e como tal
cabeça da comarca do Ceará pois foi creada no an-
no de mil sette centos e treze e a que está junto da
202 REVISTA TRIMENSAL

Fortaleza teue a sua creaçam no anno de mit e


sette centos e vinte e seis fica sesando a duvida
que se altercava entre as duas villas e deue a
sobre dita villa dos Aquiras fazer a proposta das
pessoas que ham de seruir de almoxarifes esco-
Thendo em toda a comarca tres moradores mais
abonados, e habeis para esta occupaçam, e asim
o participareis ao cappitam mor e ouvidor da
commarca e as cameras das duas villas, mandan-
do lhe a copia desta ordem , para que a registem
nas dittas cameras e senam puder innovar mais
esta duvida : El Rey Nosso Senhor o mandou
pellos conselheyros do Seu Conselho Ultramari-
no abaixo asignados, e se passou por duas vias ;
Esteuam Luis Correa a fes em Lixboa a dezoito
de Janeiro de mil sette centos e secenta, o con-
selheyro Francisco Xavier Assis Pacheco e S.
payo a fes escreuer Diogo Rangel de Almeyda
Castello Branco " Francisco Xavier Assís Pacheco
e S. payo" cumpra- ce como Sua Magestade Fi-
delissima determina, e se registe na Secretaria
deste Gouerno, no da cappifania mor do Ceará ,
e na Provedoria da Fazenda Real da mesma
cappitania. Recife vinte e oito de Mayo de mil
sette centos e secenta" estava a rubrica de Sua
Excellencia" Antonio Jose Correa" e não se con-
tinha mais nem menos em ditta carta do cappi-
tam mor desta cappitania e copia da Ordem de
Sua Magestade Fidelissima que eu Crispim Go-
mes de Oliveira escrivão da Camera nesta ditta
villa do Aquirâs cabeça da commarca desta cap-
pitania do Cearâ Grande pello ditto Senhor aqui
registei bem e fielmente da propria carta e co-
pia da ordem e fica este na verdade sem couza
que duvida faça escrevy e asignei nesta ditta
DO INSTITUTO DO CEARÁ 203

villa aos 22 dias do mez de Julho de 1760 e re-


meti a propia copia da ditta ordem e certidam
de como fica registada ao cappitam mor e Go-
vernador das armas desta ditta cappitania, o
Senhor Joam Balthezar de Quebedo Homem de
Magalhaens por asim mo ordenar a mim ditto
escrivão por carta sua que me mandou e fica no
Almario da Camera pera constar. -O Escrivan
da Camera Crispim Gomes de Oliveira.
OS DOIS IMPERADORES

-Revolução do Mexico-

Nas trevas dá-me a luz .... do tempo 5 genio,


Que me fazes voar no espaço infindo ....
-Que vês, que vês d'aqui ? -Immenso vácuo
E rolando n'um canto a terra ... E' lindo ?
-E na terra o que vês ?-A triste lagrima,
Que dos olhos de Adão seus filhos tem...
Oh, da noite do tempo genio , leva- me
Além ... além !

-Que vês n'aquella selva?--Um grande imperio


Que desfaz-se, meu Deus, qual fraca espuma !
Carlos Quinto triumpha e morre mártyre
O vencido monarcha, Montesuma !
D'Europa a legião rouba á gentilica
O ouro, vida, e lar ... nada a sustém !
On, da noite do tempo genio , leva-me
Além ... além !

-Que vês na mesma selva?-- Um outro imperio


Entre as armas de França ... oh , gloria summa
Carlos Quinto , teu neto, o nobre Austriaco
Ora os netos venceu de Monte: uma !
De seu sceptro- punhal baqueiam victimas
Ortega e Salazar... Quem o detém ?
Qu, da noite do tempo genio leva me
Além ... além !
205 REVISTA TRIMENSAL

-Que vês na mesma selva ? -O novo imperio


Aos pés de Juarez ... desfeita a bruma !
Ortega e Salazar, é cinza a purpura
Junto ao carcere fatal de Montesuma !
E no franco pendão eterna nodoa ....
Quem a pode lavar ? -Certo , ninguem !
Oh, da noite do tempo genio , leva- me
Além ... além !

-Que vês por toda a parte ? -A represalia . . . .


Já o premio da virtude após á lida...
Já o livre calcando a lei tyrannica … …….
A mão qu'hontem feriu- hoje ferida !
Ah, sempre a reacção ! Quanto mysterio
N'essa luta sem fim do mal e bem !
Oh , da noite dos tempos, basta, genio ...
Descamos ... vem !

JUVENAL GALENO .

-**-
REVISTA TRIMENSAL

DO

INSTITUTO DO CEARÁ

ΑΝΝΟΙ

4.° TRIMESTRE DE 1887

томо І

Dedimus profectò grande


patientiæ documentum .

Assignatura annual 4 $ 000 .

CEARÁ - 1887
Typ . Economica
VOCABULARIO INDIGENA

Em uso na Provincia do Ceará ,

COM

EXPLICAÇÕES ETYMOLOGICAS ,
ORTHOGRAPHICAS ,
TOPOGRAPHICAS , HISTORICAS , THERAPEUTICA , ETC.

POR

AULINO
LINO UEI
OGUEIRA .

ABACATE : planta originaria do norte do Brasil ; no


Pará é espontanea, e no Crato abundante . O fructo
tem um decimetro de comprimento , casca lustrosa e
resistente ; dentro contém uma massa verde saborosa,
que se come com assucar, limão ou vinho . S Ha o re-
dondo , de gargalo e o rôxo ou de Cayenna , assim cha-
mado, porque foi importado desse paiz em 1808. Braz
Rubim ,Vocabulos Indigenas e outros introduzidos no uso
vulgar, na Rev. do Inst . Hist . , T. 45, P. 364. O albu-
men é empregado contra dysenterias ; e de infusão com
vinho branco toma-se como aphrodisiaco . Barbosa Ro-
drigues, Rev. cit. , T. 44, P. 35. smd.com O caroço tem uma
utilidade singular : serve para marcar roupa . Posto sob
o panno e picado a alfinete larga no tecido uma tinta
210 REVISTA TRIMENSAL

inalteravel á acção da lavagem. S. de Frias ,Uma Viagem


ao Amazonas, P. 141 -Ety :-Silva Guimarães , no seo
Diccionario da Lingua Geral dos Indios no Brazil, diz
que na lingua principal dos indios do Pará essa fructa
tem o nome de anacatahy ; mas inclino-me a crêr que o
vocabulo é indigena, corruptéla de iba fructa e catú
bôa. E' frequente nessa lingua o - i inicial mudar-se
em- a, e possivel a syllada longa final tornar-se bréve.
Bem merece este nome

o abacate olente ,
Cuja polpa supera a fina crême ,

(PORTO ALEGRE, Colombo , T. 2, C. 29 , P. 251. )

Chama-se a arvore abacateiro . A terminação eiro , eira ,


juncta aos nomes de fructo ou fructa, significa arvore .
ABACAXÍ : a melhor especie de ananaz , de que dif-
fere no tamanho, grossura, côr e sabor ; a casca arro-
xêada, um pouco amarrellada, quando maduro , e o
miólo branco. Abunda muito no norte , sobretudo no
Pará. Para o sul váe degenerando e perdendo suas ex-
cellentes qualidades . - Ety : - corruptéla de íba fructo
e cati rescendente. Baptista Caetano , Vocabulario das
Palavras Guaranis, nos Annaes da Bibliotheca Nacio-
nal do Rio de Janeiro , T. 7, P. 185. Pelo cheiro e sabor
merecia de preferencia o elogio que fizeram os poétas ao
ananaz. (Vide) .
AÇAHÍ : ( E. edulis , M.) : palmeira oriunda do Pará
e Amasonas. Os cachos crescem até meio metro , forma-
dos de coquinhos do tamanho de um bago de uva. E'
um nucleo espherico, coberto de uma pellicula finissima
da côr da amora madura . Reduzem-no á bebida , derra-
mando uma porção em uma gamella com agua e esfre-
gando os côcos com as mãos ; destaca-se a pellicula , e
tinge-se a agua de uma côr negro- carminea . Passado
tudo por um panno, fazem uma bebida muito agradavel
com consistencia e gosto approximados do leite. Com
assucar é refresco da melhor qualidade. Esta combina-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 211

ção, como o guaraná, é invento dos indios . Hercules


Florence, Esboço da Viagem de Langsdorff no interior
do Brasil, Rev. do Inst. cit . , T. 39 , P. 176 · Ety :
abreviatura de uaçahi fructo saudavel , de ud fructo e
eçai saudavel , são . - Escreve-se geralmente assahi ;
mas impropriamente , porque o indigena não dobra consoante
gi , nem mesmo o- s , que corresponde ao- c cedilhado ,
porque a lingua repelle o sibillo, que lhe é proprio .
Couto de Magalhães , O Selvagem , P. 1 e 14. e Faria ,
Compendio da Lingua Indigena Brasilica , P. 2. No
Maranhão e Alagoas é conhecida por jussára .

ACARACÚ rio que deo o nome á cidade ; nas gran-


des cheias tem dado communicação até Sobral por ca-
nôas. Em 1839 foi a primeira ; em 1875 a segunda .
(Vide Cearense de Abril de 1875) —Ety : —acarȧ peixe,
acá corno e hy agua: ―rio de peixes de cornos, ou acard ,
goaçú grande, e hy - rio de peixes grandes . Martius ,
Glossaria Linguarum Braziliensium , P. 489 ; — acarȧ
garça e co buraco- rio do ninho das garças. J. de Alen-
car, Iracema, Notas , P. 169. Nenhuma, porém , é ac-
ceitavel ; pois nem o rio tem peixes grandes nem de
cornos , nem có significa buraco, como assevéra B. Cae-
tano na Rev. Bras . , T. 2 , P. 351. A verdadeira me pa-
rece: acará garça e co quinta ou roçado - quinta de gar-
ças, de que as margens do rio são abundantes ainda hoje :
garças brancas, grandes e pequenas ; pardas , grandes e
pequenas ; e azúes , conhecidas pelo nome de tamatiño.
(Vide Frei Francisco dos Prazeres Maranhão , Collecção
de Etymologiaș de Nomes Brasis , na Rev. do Inst. cit.
T. 8, P. 70 Por Decreto de 5 de Setembro de 1832 a
povoação foi elevada á freguezia com a denominação de
Barra do Acaracú, para onde foi então removida a fre-
guezia da Almofala : mas a lei provincial n.º 1814 de
22 de Janeiro de 1879 , art. 1. ° § 6.º, mandou escrever
Acarahú, e outra lei n.º 2019 de 19 de Setembro de 1882
elevou a villa á categoria de cidade com a só denomina-
ção de Acarahi . Com est'outra orthographia official a
sinificação será então : rio das garças, de acará e hú
agua. (Vide B. Caetano, Ensaios de Sciencia , T. 2.
P. 113) .
212 REVISTA TRIMENSAL

ACARACÚ - MIRIM : riacho , affluente do Acaracú .


Ety: Acaracú, e o diminuitivo mirim pequeno.
ACARACUSINHO : lagôa na freguezia de Arronches.
Nos terrenos adjacentes ha minas pobres de chumbo e
outros metaes , cuja exploração infructifera já foi con-
cedida por Decreto n.° 5356 de 23 de Julho de 1873-
19
Ety : A mesma do vocabulo antecedente, já traduzido
o deminuitivo mirim .
ACARAPE : serra, freguezia e villa á margem da
Estrada de Ferro de Baturité , proximo desta cidade . Por
causa da má qualidade do fumo , que primitivamente
ahi se fabricou , o nome acarape servio por muito tempo
de qualificar o máu fumo de qualquer localidade, e até
qualquer outro objecto ; mas tornou-se celebre por ter
sido o primeiro municipio na Provincia e no Brasil livre
de escravos. (a 1 de Janeiro de 1883) Ety : — acará
peixe e pe caminho, caminho ou canal do peixe , Mar-
tius cit. P. 489. Prefiro caminho das garças. J. de
Alencar cit. , P. 182. Acará tanto significa peixe como
garça, de cujas pennas os indios faziam seos pennachos
(G. Dias, Diccionario da Lingua Tupy) Sendo o rio po-
bre de peixe é mais natural a ultima versão.
ACARÍ : peixe cascudo , d'agua doce, de um palmo
de comprimento , quando muito , semelhante ao bagre na
forma . E' saboroso estando gordo . Ha o barbado , ca-
chorro e sovela. Ety :-càa mato e iri andar junto ; por
que anda em cardumes. Chama-se tambem peice do
mato (Vide Camboatȧ) .
ACAUÁN ( Herpetothères cachimand ) : ave da ca-
beça grande, côr cinzenta, barriga , peito e pescoço ver-
melhos , costas pardas , azas e cauda pretas , malhadas de
branco. Mata cobras , sustenta com ellas os filhos e pen-
dura-lhes como trophéos as pelles na arvore em que
habita . Passa por agoureira . Os indios , quando esperam
algum hospede, affectão conhecer pelo canto desta ave
o tempo em que aquelle deve chegar e o tempo que se
demoram na jornada. Os ovos seccos e feitos em pó são
contra-veneno do de cobra. G. Dias cit . e Brasil e Ocea-
nia, Obras Posthumas , T. 6 , P. 133. Dizem que as cobras
DO INSTITUTO DO CEARÁ 213

fogem quando ouvem o seu canto . Martius cit. P. 434 .


Seo canto, que só se faz ouvir nas noutes de luar, produz
nas jovens tapuyas tal abalo que causa-lhes ataques
hystericos, conhecidos pelo nome do passaro . B. Rodri-
gues , cit. P. 66. Mas pela caça que dá ás cobras é con-
siderada pelos indigenas como um natural protector do
homem. Walppaus, Brazil Geographico e Historico ,
Edic . condensada de Capistrano de Abreu e Valle Ca-
bral , P. 213 - José Gonçalves da Fonseca , Primeira
Exploração dos Rios Madeira e Guaporé, 1749 , P. 401 ,
dá o seo testemunho de ter visto um indio de Marajó, no
Pará , restabelecér- se da mordedura de uma surucucú
com o bico da acauan e do unicornio da inhaúma , redu-
sidos a pó, depois do emprego de outros remedios , sem
proveito ; e Baéna , Ensaio Corographico no Pará, diz
tambem que o bico , redusido a pó , serve de triága .
Ety: caa páu e uàn do verbo u comer: come páu
J. de Alencar cit. , P. 177. Mas esta ave não come páu ;
por isto é preferivel : --acă e um suffixo- briguento ; ou
acaé ou acab brigar, donde acaude brigador. B. Caetano ,
Vocab.cit. P. 19 e 213. Tambem é conhecida pelo nome de
macagua, contracção de mboi- acd-har aquelle que briga
com as cobras . B. Caetano cit . P. 213. Pode tambem ser
voz onomatopaica, corruptéla de uacauan , expressão do
seo canto , como opina B. Rodrigues cit . - Macedo Soa-
res, Rev. Bras . cit. T. 3.º , P. 225 , escreve cauản ;
Martius cit . , P. 465 — oacaoán, e G. Dias cit. — mau-
caoản ; mas a orthographia mais seguida é a do texto .
AGUAPÉ : nymphêa , a rainha das flores , a que os
indios chamavam- milho d'agua ou jaçanan , por servir
de ninho à essas aves paludáes ; nasce branca, e com a
luz do sol váe-se roseando até se tornar escarlate . J. de
Alencar, Ubirajara , Notas , P. 205. Em alguns rios ,
como na bacia do Rio da Prata , esta planta aquatica
cobre a agua com um tecido tão basto e compacto que
sustenta em cima um homem deitado ; e quando nas
primeiras enchentes o rio destaca algum pedaço desse
immenso tapete para arrastal-o em sua serena e vaga-
rosa corrente , os tigres costumão- se embarcar em cima ,
e assim viajão dias . Lá essa planta é uma especie de
214 REVISTA TRIMENSEL

lyrio aquatico , de flôres brancas em cachos, com o calice


da corolla ás vezes rôxo, ás vezes côr de rosa . Couto de
Magalhães. O Selvagem, cit. P. 161. Ety :-corruptéla
de ig agua e potira flor . Os portuguezes corromperam
esta palavra, transformando-a de iguapé em aguapé. J.
de Alencar cit. Mas B. Caetano no seo Vocab. cit. , P. 25,
dá - lhe melhor significação - redondo, chato , nome de
varias nymphêas ; e Moraes, no seo Diccionario Portu-
guez, verbo Agua, dá-lhe significação inadmissivel :-
especie de vinho muito aguado e fraco, da mistura
d'agua com o succo da uva já exprimida.
AIPIM : nome por que no sul é conhecida a nossa ma-
cacheira ou mandióca doce. F. Tavora, O Cabelleira ,
P. 310, Nóta. Batata excellente, quando enchuta, por
isto cantada pelos poétas-

Do aipím farinhento , côr de jaspe


Os cylindros que o pão vencem no gosto,
Qual vence o mangustão a pera iberia.
(PORTO ALEGRE, Colombo, T. 2 , C. 29, P. 253).

Os aipins se aparentam
Co'a mandióca, e tal furor alentam,
Que tem qualquer. cozido ou seja assado ,
Das castanhas da Europa o mesmo agrado.

(BOTELHO DE OLIVEIRA, A Ilha da Mare) .

Chama o agricultor raiz gostosa


Aipí por nome ; e em gosto se parece ,
Com a molle castanha saborosa,

(DURÃO , Caramurú, C. 7, E. 29) .

Ety : a
ai fructo e ipisecco - fructo secco , enchuto .
B. Caetano, Vocab. cit. , P. 29 - Moraes cit. dá quatro
especies : açú , branca, preta e pexà ; e escreve- aipim ,
aipii, impim ; mas a verdadeira orthographia é a do
texto .
y

DO INSTITUTO DO CEARÁ 215

ALUÁ : no Oriente è doce de farinha com manteiga


e jagra ; no Brasil 14- bebida de arroz com assucar , fer-
mentada em agua . Moraes cit.-No Maranhão chama-se
mocororó ao aluà de arroz , G. Dias, Dic. ; e no sul-
champanhe de ananaz ou de abacaxí . Macedo Soares ,
Rev. Bras. cit. , T. 3, P. 225 , Nota 1.ª Mas no Ceará é o
milho torrado , fermentado com agua e rapadura-Ety. :
agua na lingua dos negros , Moraes cit.; pode ser
introducção d'Asia , mas alguns o tem por africano .
Varnhagen, Historia Geral do Brasil , T. Î.º P. 185 ; —
ualuà termo da lingua bunda . Ivens e Capello , Viagem
de Benguela às Terras de Iaca . Mas Sylvio Romero ,
Rev. Bras. cit. , T. 6 , P. 213 , o dá por tupí, e Macêdo
Soares, na mesma Revista , T. 3 , P. 225 , Nota 1. , acha.
possivel que seja corruptéla de arud- cousa agradavel ,
boa cousa, gostosa , apreciavel , como é esta nossa bebida
popular . Penso tambem assim ; pois , si na lingua indi-
gena não ha-L , OR, que é muito brando , muda- se
constantemente em L.

AMENDOÍM (Arachis Hypogæa , Linn) : planta , cujas


sementes dão um oleo , que substitúe o azeite nos usos
culinarios. Ety : -corruptéla de mandubi . B. Caetano ,
Vocab. cit. P. 217. (Vide Mudubim).

ANACÈS : tribu que habitava a bacia do Jaguaribe


até o Mundahú ; docil , facilmente se acommodou com
os européos mas em 1713, em consequencia dos máos
tractos que recebeo destes , investio contra o Aquiraz e
depois contra a Paupina , perecendo na lucta 200 pessoas
entre homens , mulheres e meninos . Araripe, Historia
do Ceará , P. 112. Ety : quasi parentes . Varnhagen ,
Hist. cit. , P. 100 .

ANANAZ (Bromelia ananás ) é raiz com folhas de


feição das do croatá, seccas e fibrosas, com picos recur-
vos ; do centro sáe o fructo sobre o talo cylindrico , com
a casca amarella e o miôlo amarellado , corôado de fo-
lhas, como as do pé , porém mais pequenas. D'ahi os
elogios que tem merecido dos poétas, que o qualificaram
de rei das fructas -
216 REVISTA TRIMENSAL

Das fructas do Brasil a mais louvada


E' o regio ananáz , fructa tão boa,
Que a mesma natureza enamorada
Quiz como a rei cingil-a da corôa :
Tão grato cheiro dá, que uma talhada
Sorprende o olphato de qualquer pessoa
Que a não ter do ananaz distincto aviso ,
Fragancia a cuidará do Paraiso .

(DURÃO, Caramuri, C. 7, E. 43) .

Vereis os ananazes
Que para rei das fruitas são capazes :
Vestem-se d'escarlata
Com magestade grata
Que para ter do imperio a gravidade
Lograin da corôa verde a magestade ;
Mas quando tem a corôa levantada
De picantes espinhos adornada ,
Nos mostram que entre reis, entre rainhas ,
Não ha corôa no mundo sem espinhos.
Este pomo celebra toda gente,
E' muito mais que o pecego excellente ,
Pois lhe leva a vantagem gracioso
Por maior, por mais doce e mais cheiroso .
(BOTELHO DE OLIVEIRA, A Ilha da Mare) .

Enchia a taba, rescendendo o aroma


O rei das fructas, o ananaz olente
De cota de couro e kanitar de bronze ;
E juncto o vinho , em naturaes gomilhos ,
Fervendo a essencia do guerreiro pomo .
E ' fama secular que a ruim tristeza
Esta fructa real leda rechaça !
(PORTO ALEGRE, Colombo , T. 2, C. 29 , P. 250)

Do fructo faziam os indios o manauy- vinho de ana-


naz, que dizem ser melhor quando fabricado do fructo
inchado. O succo é recommendado aos doentes do figado
e estomago, e ainda aos que soffrem de pedras no figado
DO INSTITUTO DO CEARÁ 217

e na bixiga urinaria ; diuretico e desobstruente ; pode-


se applicar aos enfermos de febres continuas ou mesmo
agudas, como salutar refrigerante. Ety : de a fructo e
nânâ rescendente, modificado de né. B. Caetano , Vocab.

cit. , P. 34 Moraes tem-no por originario das Indias ,
donde foi transplantado para a America ; mas Varnha-
gen cit. , T. 2, Pref. , P. 13, e Notas, P. 446 , tem o vo-
cabulo por guarani , e G. Dias, Dic. , por tupi .
ANCORÍ sitio, lagoa e serrote no municipio de
Mecejana. Ety - supponho corruptéla de aricori (côcos
coronata), palmeira que cresce espontanea no norte .
Diz o Dr. H. Leal que o succo do fructo verde é empre-
gado contra ophthalmia . De aricori fez-se acori e por
fim como no texto .
ANDÁ-AÇU (joamėsia princeps) : arvore alta , co-
pada e cultivada . As sementes são purgativas e perigo-
sas ; pelo que são muito pouco empregadas . B. Rodri-
gues , Rev. Bras . cit . , P. 42. Planta medicinal , caustica ,
semelhante ao oleo de cróton . E' conhecida com a deno-
minação de Purga do gentio , Purga dos paulistas , Fructa
da arára. Pompêo , Ensaio Estatistico da Provincia do
Ceará , T. 1.º P. 167 , Nota 2. As sementes se empregam
tambem em emulsão emeto- cathartica nas febres palus-
tres rebeldes aos sáes de quinina . Barão de Villa Franca ,
Note sur les plantes utiles du Brésil . Ety - corruptéla
de é em - eng de sahir, de evacuar , e a fructo -
fructo purgativo . B. Caetano, Vocab . cit. P. 34 ; e açú
augmentativo-grande, abreviatura de turuçú , que na
a
composição perde a 1.ª syllaba . C. de Magalhães , O Sel
vagem cit. , P. 7 ; ou corruptéla de çur com o prefixo a
-o que excresce ou elle excresce . B. Caetano, Vocab.
cit . P. 24.www . Oçu, uaçu e guaçu são variações que signi-
ficam a mesma cousa. G. Dias , Dic.
ANDIRÓBA (Carapa Guayanensis, Aubl . ) : arvore
elevada; os fructos do tamanho da cabeça d'uma criança
e cheios de amendôas triangulares , mas o azeite muito
amargoso e só serve para alumiar e fazer sabão . Walp-
poeus cit. P. 217. Serve tambem para curar em fricções
as erysipélas, inchações, rheumatismo e feridas prove-
218 REVISTA TRIMENSAL

nientes de mordeduras de insectos; assim como é bom


preservativo da ferrugem, applicando- se-o sobre o ferro.
Diz S. de Frias cit . , P.219, que esse azeite é extraido das
sementes por meio d'agua a ferver. A casca é igual-
mente amargosa e medicinal ; serve, em cozimento , para
matar vermes intestinaes , nas febres intermitentes ; e
externamente emprega-se contra as impigens e as af-
fecções cutaneas, provenientes tambem das picadas dos
insectos. Martius, Syst. de Mat . Med.-Ety . :-nandy,
jandy oleo, e yroba muito amargoso . B. Rodrigues , Rev.
do Inst. cit. P. 42, e Fr. Maranhão cit . P. 71.
ANDREQUICÉ : capim ou graminea , cujas folhas
cortam como faca. (Macedo Soares , Rev. Bras . cit , T.
4, P. 269) , preferido pelos cavallos , que com elle muito
engordam . Freire Allemão , Questões propostas sobre
alguns vocabulos da lingua geral brasiliana, Rev. do
Inst. cit. , T. 45 , P. 353. É muito abundante na serra
do Araripe. -Ety.:-corruptéla de andirà morcego e
quicé faquinha - quicê de morcego , pela semelhança
com este animal , que fere e chupa os animaes , sopran-
do Os; da mesma forma por que este capim, não obstante
cortar os cavallos, engorda- os .
ANINGAÍBA OU ANINGA (Arum sp. ): arvore aqua-
tica ; os caules verdes acinzentados , folhas sagittifor-
mes, que formam verdadeiras estacadas, impenetraveis ,
chamadas Aningáes . Walppæus , P. 233. O fructo asse-
melha-se ao de um ananaz , pequeno, com corôa, porém
acre e caustico . John Luccok, Vocabulario da Lingua
Tupy, hev . do Inst. cit. , T. 44, P. 22. A casca é uma
especie de cortiça branca com que os aborigenes afiavam
suas quicés. A folha machucada , applicada em cata-
plasmas sobre ulceras atonicas, é modificativo ; assim
como o cozimento em banhos é de bom resultado para
o rheumatismo. Nicoláu Moreira , Supplemento do Dic.
de Plantas Medicinaes do Brazil. A mesma raiz , ralada
e posta sobre a mordedura da cobra , depois de sarjada
a ferida , é bom antidoto - Com pedaços do caule amar-
rados em cordas caçam os indios os jacarés quando es-
fomeados, porque atiram-se á essa isca e ficam com ella
DO INSTITUTO DO CEARÁ 219

presa nos dentes , e por ella são puxados para a terra.


B. Rodrigues, Rev. do Inst. cit. , T. 44, P. 44. Ety. : -
aninga e ibi arvore , arvore da aninga.
ANÚM (Crotophaga ) : ave voraz , sustenta- se de in-
sectos que apanha por modo muito curioso . É quasi do
tamanho de uma gralha e assemelha-se tambem á ella
na côr. O bico é bifurcado e grosso , porém termina em
unia ponta aguda. A cauda comprida e de oito pennas ;
vive perto dos campos cultivados . J. Luccok. cit . , P. 7 .
Tem por habito, ao meio dia, mais ou menos, subirem
todos á uma arvore e fazerem uma cantarola á maneira
da guariba ; donde vem ao povo a crença de que é ave
agoureira. É seo entretenimento predilecto emmaranhar
as crinas dos cavallos em que podem pousar. -- Andam
em bandos , e depõem os ovos em um só ninho por ca-
madas. Os ovos são azúes , cobertos de um pigmento.
B. Rodrigues, Rev. do Inst. cit. , T. 44 , P. 44 - Ety.:
- Vem da tal ou qual semelhança do seo grito des-
agradavel. J. de Alencar, Irac. cit. , P. 174; — canta
pronunciando o seo nome. Moraes cit . e Caldas Aulete.
Dic. Contemp. da Ling. Port.; - só , solitario , Martius ,
Gls. cit. , P. 34, e C. de Magalhães cit . , P. 193 , nota ; -
comedor, o glutão , do verbo u comer. J. Luccok cit. P. 7.
-Melhor : aparentado, conjuncto , porque esta ave vive
em sociedade, B. Caetano , Vocab. cit . , P. 37. Este voca-
bulo escripto com nh, á portugueza, traria confusão
com anhỏ (ang-hỏ) animæ, ire, suspirus, e añó-solus,
unicus. B. Caetano . Ens . de scien. cit. , T. 1.º , P. 59.
APÁRA (Cervus rufus , F. Cuvier ): especie de viado ,
da cabeça afilada , do pellagio escuro-vermelhado , galhos
simples. Habita os bosques e interna- se pelas grandes
florestas , onde vive solitario e aos pares, nutrindo-se da
folhagem tenra das araceas, fetos e grelos de algumas
gramineas. É a especie de carne mais saborosa. Walp-
pæus, P. 298 -É hoje raro na Provincia-Ety. : -apȧra
torto, por causa da conformação dos chifres tortos.
APUJARÉS : tribu errante e feroz , descendente dos
tobajáras e tapuyos , sem outras armas mais do que suas
maças-paus agudos em forma de dardos . Mello Moraes,
220 REVISTA TRIMENSEL

Corog . cit. T. 2. , P. 376, Theberge , Esboço Historico


sobre a Provincia do Ceará, Part. 1. P. 6. — Ety . :
poderosos , Roberto Southey , Hist . do Bras . ,T. 1.º , P. 136 .
AQUIGIROS ou Aquihiros : tribu de pegmêos , mas
muito valente. Theberge cit . P. 6.-Ety. : corruptéla de
iki-gi-i junto, machado pequeno ; porque andavam ar-
mados de machadinhas de pedra) , proporcionadas a
seo tamanho .

AQUIRAZ : villa, antiga capital da Capitania, à 7


legoas da Fortaleza . Ety. : - Araripe, Hist. cit . P. 110 .
dá como nome portuguez de uma antiga villa de Por-
tugal : mas não resta duvida que é indigena. Si não o
fosse deveria constar do Mappa de Portugal de João
Baptista de Castro , ou do Diccionario Geographico de
Paulo Perestelo da Camara ; e entretanto de ambos nada
consta . Por outro lado , si ainda assim não fosse , a
Aquiraz deveria ter precedido um nome indigena , como
acontece com os demais logares da Provincia ; e tambem
nada consta a este respeito . Ao contrario , folheando -se
os antigos registros da Camara Municipal do Aquiraz ,
nelles encontra- se, repetidas vezes , -Aquiras , Akiras,
Akirazes, - gentio desta terra. Ora , não é possivel que
para o gentio da terra os colonos fossem buscar o nome
de uma villa europêa, sendo antes certo que geralmente
a denominação das tribus indigenas era acceita e não
imposta pelos mesmos colonos . Estes applicavam aos
selvagens os nomes que ouviam elles dar a si ou aos
outros ; só por factos muito singulares os povoadores
civilisados do logar tiravam nomes para os indios , como
succedeo com os botocudos, canoeiros, cavalleiros e
outros, os quaes tinhão aliàs suas denominações proprias ,
conhecidas no seo idióma, como purus, payaguas , guay-
curús etc. Mas o que acaba de resolver toda a duvida é
a seguinte Nota , em latim, do Padre John Breiver ( que
esteve 10 annos na Ibiapaba e no Ceará em 1751 ) no
jornal allemão Christoph Gottlieb Von Murr, Journal
Zur Kunstgeshuchichite Allegemeinem Litteratur , Part .
XVII, Pag. 273-274, Impr . Niemberg, 1789 : « No-
tandum in oppido hujus Capitaniæ principali - Agoai-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 221

-
kird, dicto (Lusitani corruptè vocant — Aquiras vel
Aquiraz) et ejus vicinia pluviam communiter incipere
ad solis occasum et durare usquè ad meridiem sequentis
diei.» A qual traduso : «Deve- se notar que na principal
cidade desta Capitania , chamada Agoaikirȧ (Em por-
tuguez chamam-na por corruptéla Aquirás ou Ąkiraz)
não só nas visinhanças desta a chuva principia com-
mumente do pôr do sol , como tambem dura até ao meio
-
dia do dia seguinte. » Vê-se d'aqui que Agoaikira
ainda não é o nome primitivamente indigena ; este devia
ser Igikird , de ig agua , iki pouco , visinho , perto , e yrȧ
adiante ; significando agua pouco adiante. Depois
corrompeo-se em Agoaikira, já tradusido para o portu-
guez-ig, como se encontra ainda em muitos vocabulos ,
como Aguatú, orthographia de Pompêo tanto no seo
Dic. Top. , como Ens. Est. cit . , T. 1. , P. 37, e que é
corruptéla de ig-catú agoa boa, potavel , nome de uma
das maiores lagôas da Provincia , o qual passou ultima-
mente para a cidade e municipio a que pertencia . (Vide
Igatú) A etymologia e significação são naturaes ; pois
o Aquiraz está situado sobre uma collina, banhada pelo
rio Pacoty. O indigena , que ahi chegasse , diria natu-
ralmente ― ig-iki-yrȧ, agoaikirá , ou aquiraz, como
actualmente se escreve ; isto é , ―agoa pouco adiante.-
Resta a resolver uma objecção . O marquez de Pombal ,
receioso de que, pela importancia que ia tomando na
colonia a lingua tupi , viésse a ser prejudicada a portu-
gueza, entre outras medidas , tomou a de ordenar ao
Governador de Pernambuco , por Carta Regia de 6 de
Maio de 1758 , que elevasse à categoria de villa , com os
nomes de logares da metropole , as aldeas fundadas pelos
jesuitas, e que contassem, cada uma , de 50 fogos para
cima ; pelo que aquelle Governador baixou ao Capitão-
mór da Capitania do Ceará a Ordem de 6 de Agosto de
1763 , em virtude da qual passaram Macaboqueiro á
Granja, etc. Aquiraz não soffreu mudança de nome ,
porque já era villa , e a Ordem não podia retroctrahir á
ella, do mesmo modo por que não pôde retroctrahir ao
Ceará, antiquissima denominação da Capitania , antes
Paiz do Jaguaribe .
222 REVISTA TRIMENSAL

ARAÇÁ (arvore do genero psidium, familia das myr-


taceas) : A arvore chama-se araçazeiro , grande, pela
mór parte dá- se em terra fraca na visinhança do mar.
A fructa é saborosa e presta-se a excellente doce.

Os araçazes grandes ou pequenos,


Que na terra se criam mais ou menos ;
Como a pera da Europa engrandecidas ,
Como ellas variamente parecidas ,
Tambem se fazem dellas
De varias castas marmelladas bellas .

(BOTELHO DE OLIVEIRA, A Ilha da Maré. )

Ha diversas qualidades : Araçaguaçu ou grande , ara-


çá-pedra, araçá-peróba, araçá de umbigo , araçá-rana
ou brabo , araçá de veado e araçá-mirim ou pequeno ,
que é o melhor . O cozimento deste serve para lavar fe-
ridas velhas e de garganta, em gargarejos. -Ety.: de ar
tempo e ahá nascimento ; estação , epocha. Nome dado
a diversos psidiuns . B. Caetano , Vocab. cit . , P. 47.
ARACATÍ : cidade, cujo primeiro nome foi Cruz das
Almas. Candido Mendes, Memorias do Maranhão , T. 2°
P. 160 , Nota 3. -Ety. :-Pedra branca comprida para
cima, no logar Passagem das Pedras. Barba Alardo ,
Memoria sobre a Capitania do Ceará, na Rev. do Inst.
cit. , 1871 , P. 262; -bonança, opportunidade. G. Dias,
Dic.; mas a verdadeira é --bons ares, de ará tempo e catú
bom. Martius, Glos . cit. P. 539. Era assim que os selva-
gens do sertão chamavam ao vento do norte, que soprava
regularmente das 7 para as 8 horas da noute, e se der-
ramava pelo interior da Provincia, refrescando-o da
calmaria abrasadora do verão . D'ahi veio chamar-se
Aracati ao logar donde vinha a monção . Ainda hoje no
Icó o nome é conservado á brisa da tarde, que sopra do
mar. J. de Alencar, Irac. cit. P. 171. Entretanto Pom-
pêo, no seo Ens . Est. cit. P. 53, diz que esse vento , como
o Siróco nos desertos d'Africa , é prejudicial á salubri-
dade ! Não diz isto a tradição constante, que o dá como
um refrigerio das populações por onde passa, sem lhes
causar o minimo damno .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 223

ARACATÍ -AÇÚ : rio , que dá o nome á uma villa do


interior. Ety. : —aracatí grande , de aracati e açú au-
gmentativo .
ARACATÍ - MIRÍM : rio pequeno , que divide a villa
da Imperatriz da cidade de S. Anna . É geralmente co-
nhecido por Mirim . Ety. : -aracatí pequeno , de aracati
e mirim diminutivo .
ARACOIÁBA : rio na serra de Baturité ; suas aguas
são tão excellentes que uma lei provincial n.º 1423 de
12 de Setembro de 1871 já concedeo previlegio de 30
annos a quem as canalisasse para o abastecimento da ci-
dade-Ety.:-ara ave , coi fallar a desinencia ába si-
gnificando o logar em que a cousa se faz : onde as aves
gorgeiam .
ARAPIRÁCA : arvore grande, frondosa , da folha
miudinha, assim como a fructa , que o gado come. A
madeira é alva, duradoura, e presta-se á construcção
grosseira-Ety.:-páu liso , corruptéla de muirapiróga ,
de muira páu, e piróga calvo , liso . B. Rodrigues, Rev.
do Inst. cit. , P. 49 .
ARAPÓNGA ( Casmarrhynaes nudicollis ) : passaro
preto, quando novo, e branco, quando adulto, com o
pescoço azul esverdeado . B. Rodrigues, Rev. do Inst.
cit. T. 44, P. 48. Quanto mais velho tanto mais alvo
é elle, de um branco luzente semelhante a alvaiáde.
Silvio Dynarte (Taunay) Rev. Bras . cit . , T. 1.º , P. 102 ,
Nota 1 .
Sahio de branco a Araponga
Com tão galhardo primor,
Que foi alvo das mais aves
Pela alvura que mostrou .

(P. NUNO MARQUES PEREIRA , Romance. )

-Do tamanho de uma pequena pomba; tem o bico largo


na raiz , um pedaço depennado e de côr verde á roda dos
olhos. Pousa no tôpo da mais alta arvore dos bosques ,
e ali passa a maior parte do dia em um canto mavioso ,
que imita bem o ferrador atarracando ferradura na bi-
224 REVISTA TRIMENSAL

gorna. P. Manoel Ayres de Cazal , Corographia Bra-


sileira, T. 1.°, P. 127-

E o echo ainda mais funebre e monotono,


Como o som do martello sobre a incúde ,
Da immovel araponga , que soluça
De ancião jequitibá na altiva coma.

(MAGALHÃES, Confederação dos Tamoyos, C. 4° , P. 113. )

A cinzenta iraponga, cujo malho


Concute as rochas , e a deveza abala .

(PORTO ALEGRE , Colombo , T. 2° , C. 29 , P. 255) .

-Ety.: seu nome vem do seo canto . J. Luccok, Vocab.


cit . P. 7; uirapó ave branca . B. Rodrigues cit .; ard ave
e punga inchação; ave de papo , porque incha no pescoço
quando canta . Martius , Glos. cit . P. 452; a legitima de-
-
nominação indigena é guirapunga , que quer dizer
passaro que incha , allusão conceituosa á papada , até
carnosidade que estas aves tem por baixo do bico , e que
se entumescem e inchão . É tambem chamada ave de
verão, porque só canta durante a estação calmosa , alma
de caboclo, ferreiro , serralheiro e ferrador . Silvio Dy-
narte cit. Mas penso que a verdadeira é a do mestre :
passaro martellante, de guira on uira passaro e pong
soar. B. Caetano , Vocab. cit. P. 145 - G . Dias , Dic. cit .,
escreve guiraponga , B. Rodrigues cit. uiraponga, La-
cerda , Dic. da Ling. Port. arapenga , e Durão , C. 7 , E.
62, -hiraponga , e diz que é no gosto regalada.
ARAPÚCA armadilha de varinhas para pégar pas-
sarinhos . Juvenal Galeno , Scenas Populares , P. 273.
-
-Ely :-ara ave, e pug cahir, rebentar, no que cahe
passarinho . (Vide Quixó).
ARÁRA (da secção das aras) ; ave do bico revolto ,
semelhante ao papagáio , porém de maior corpo , e a
maior do genero, com uma grande cauda, que a impede
de descer continuamente ao chão , e com pennas de va-
rias cores . Moraes , cit .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 225

Qual das bellas aráras traz vistosas


Louras , brancas , purpureas, verdes plumas .

(DURÃO, Caramurú , C. I. E. 22) .

-
Ety. Os indigenas como augmentativo usavam re-
petir a ultima syllaba da palavra ; arára vem a ser,
portanto, augmentativo de arà. J. de Alencar, Irac.
cit. , P. 155 ; seu grito forte e aspero parece dizer arà ,
de que se lhe originou o nome. Moraes , cit . e J. Luccok,
Vocab. cit. , P. 8; fallador , parlador , derivado de aro ,
que na lingua dos Aymarás significa lingua, palavra ,
mandamento , licença . B. Caetano , Notas aos Indios do
Brazil de Fernão Cardin , P. 77; semelhante ao dia, á
luz . B. Caetano , Vocab . cit . P. 48. Figuradamente :
logro , pêta, baléla . E' mui gorda a arára, não passou .
C. Aulete, Dic. cit.
ARARÉNA : taba ou aldêa historica , onde foram hos-
pedados pelos tobajáras , na serra da Ibiapaba, os Padres
Francisco Pinto e Luiz Figueira , recemchegados - Ety. :
- corruptéla de irarana mel falso , de yra mel e rana
falso , parallelo a Irapuam Melredondo, um dos caci-
ques , que dominavam as tribus e tabas da Ibiapaba —-
Claudio de Abbeville cit . , Cap . 12, P. 80 , escreve Ara-
renda , que já é corruptéla tambem do nome do texto .
ARARÍPE : serra ; a chapada é secca e summamente
fresca , abundante d'agua em suas faldas e sobpés , donde
correm abundantes arróios , que utilisam todo o extenso
valle do Cariri . Todo esse terreno é bem cultivado , pro-
duz canna, legumes , mandiócas e algum café ; e passa
sinão pelo terreno mais fertil da Provincia , pelo mais
extenso , pelo que offerece mais proporções para des-
envolvimento da cultura . Pompêo, Ens . Est . cit . , T. 1. °
P. 141. Em seos calcaréos existem sal-gemma , sulphato
de magnésia de sɔda . Brasil na Exposição de Vienna
d'Austria, 1873, P. 53. Ety .: arȧra e ype habitação :
logar de arára. Martius , Glos . cit. , P. 491 .
ARAÚNA : passaro azul ferrete . G. Dias . Dic . - Ety .:
-sug azul e una preto. J. Luccok cit . , P. 8. A literal é :
226 REVISTA TRIMENSAL

arára, e una que significa preto . Martius, Glos . cit. , P.


438 e Taunay , Céos e Terra do Brazil, P. 18, Nota 1ª.
Mas nem sempre una significa preto ; tambem a côr
chegada ao negro ou escuro . (Vide Una) - E ' tambem
arvore corpolenta, que vegeta nos terrenos fortes e flo-
resce em Setembro . A madeira serve para architectura .
ARATÁNHA : serra fertil em café , em cuja falda está
situada a villa da Pacatuba . Ety.:-bico de ave, de ard
e tánhe- dente . (J. de Alencar, Irac . cit. , P. 184) -No
Ceará e Alagoas é tambem o nome de um camarão pe-
queno e branco ; e no Piauhy o das vaccas pequenas .
Beaurepeare Rohan , Glossario de Vocabulos Bras. , na
Gazeta Litteraria , da Côrte, 1883 , P. 87.
ARATANHAÍ : serrote na costa , entre Acaracú e Ca-
mocim . 1 Ety.: — aratanha e o diminutivo - i , arata-
nha pequena , porque é parecido com essa serra .
ARATICUM (do genero anona) : especie de pinha
molle , cheia de massa amarellada, com caroços da mesma
côr, casca fina verde, com picos porém molles e curtos ;
saborosa e sadia . Moraes cit. dá 3 qualidades : aticú-
cagão (assim chamado em Pernambuco) , ariticu - apé ou
do mato (rollinea selvatica, Mart.) , branco e doce, e
araticu-pana, que dizem ser venenoso , porque aos ca-
rangueijos que o comiam (diziam os indios) fazia mal .
Conhecemos mais : açú de sabor agridoce, arenario ou
d'areia, de embira , ponhé, do rio . (Anona spinesceno ,
Mart) . O cozimento da casca ou raiz do pana serve para
rheumatismo e contra o veneno da cobra ; assim como
raiz serve para afiador de navalha e para rolha de
garrafa. As sementes do do rio , reduzidas a pó e postas
sobre as ulceras comichosas das crianças, dizem que
matam o bicho das sarnas e curam-nas em pouco tempo.
As folhas do apé, bem quentes e postas sobre os tu-
mores inflammatorios , promovem a suppuração com bre-
vidade . O suador do cozimento das folhas faz des-
apparecer as febres intermittentes . As folhas machu-
cadas e applicadas sobre bobões syphiliticos os faz sup-
purar com rapidez . O chá dos grelos é contra a dôr de
colica < Ely : - arára e tyk sumo ou succo, sumo de
DO INSTITUTO DO CEARÁ 227

arára- J. Luccok. Vocab. cit . P. 13; -comida de arára ,


de arára e ticù liquido, massa . B. Rodrigues , Rev. do
Inst. cit. , P. 50 ; -a-ratî-cui, cuia ou vaso de cabaço ou
sabugo de fructas. B. Caetano , Vocab. cit.. P. 48.-- A
arvore chama-se araticuzeiro . Moraes cit.; mas C. Au-
lete cit. , sem fundamento , diz que é araticueiro !
ARERÉ : ( anas viduata ) marreca pequena ; tem a
cabeça preta toucada de branco , o peito pardo aver-
melhado , e as costas pardas pintadas . Domestica-se fa-
cilmente . B. Rodrigues, Rev. do Inst cit. , P. 49. - Ety .:
corruptéla de ereré, proveniente do seo canto, que é
um assobio, parecendo dar ás syllabas-é-re- ré. B. Ro-
drigues cit. Este autor escreve araré ou ererẻ ; mas
Martius , Glos. cit . , P. 449 , verbo Quaére , escreve arerè,
como vulgarmente se diz entre nós . Tambem serra
muito à margem do Jaguaribe , distante legoa e meia
do Aracatí; pequena e pedregosa , com uma caverna ce-
lebre por sua profundidade . Pompêo , Dic. Top.
ARERIBÚ : nome primitivo do actual Riacho das
Russas , assim chamado hoje , porque banha esta cidade .
Pompêo, Ens. Est . cit. , T. 2. P. 57. - Ety. : — arerẻ e
pú estrondo; grito da arerẻ.
ARERIÚS : tribu selvagem, que habitava a bacia do
Acaracú ; bravia e indocil . Araripe , Hist . cit . , P. 14-
――
Ety.: agua de areré , de arere, e u- agua.
ARIBÁ : ety. : - corruptéla indigena da palavra por-
tugueza-alguidar , usada nos nossos sertões na lingua-
gem vulgar: um aribà de pirão , de feijão , de arroz , etc.
ARIRÓN : serra secca e deserta no municipio de Ca-
nindé . Pompêo , Ens . Est . cit . , P. 167- Ety . : — corru-
ptéla de ariri (palmeira , cocos schizophylla , M. ) e que
literalmente significa em nascimento , fazer nascer .
B. Caetano , Vocab . cit. , P. 506. - Pompêo no Dic. Top.
escreve Airirón .

AROÉIRA ( ibatan astronium) : arvore de extraordi-


naria grandeza ; o miólo tão rijo que não broca nem
fende, donde o ditado popular - tubida de aroeira o
diabo que queira , porque a abelha não tem onde faça a
228 REVISTA TRIMENSAL

colmêa . Dura seculos enterrada no chão. Sua casca é


excellente adstringente, assim como o cozimento em-
prega-se nas affecções rheumaticas . D'ella se extráe
tinta côr de rosa com que se tinge algodão para fazer
rede. O extracto dos olhos emprega-se nas dyarrhéas-
-
Ety.: abreviatura de araroeira vocabulo hybrido ,
composto de arȧra e da terminação portugueza - eira
com a significação de arvore : arvore da arara, porque
é a arvore em que de preferencia essa ave pousa e vive.
Os indigenas tambem chamavam-na ibatan arvore
dura, pela rigidez do seu amago . —É tambem arbusto
de folhas aromaticas , que dá umas camarinhas verme-
lhas. Moraes cit .; assim como serrota secca e pedregosa
no municipio da Imperatriz .
ARUANA : tartaruga de inferior qualidade , com
cujos cascos cobrem-se bahusinhos e outros objectos de-
licados-Ety. - corruptéla de urud (vide) e nã seme-
lhante, tartaruga parecida com o urud.
ASSARÉ : villa central , cabeça de comarca - Ety.:
- corruptéla de iça estaca, e ere particula affirmativa.
Naturalmente alguma estaca alli encontrada pelos in-
digenas e que attrahio-lhes a attenção . -Acceitei a or-
thographia do texto por ser já official .
ATAPÚ busio grande ou caramujo, que serve de
trombeta ao nosso jangadeiro quando quer chamar os
companheiros ou freguezes ao mercado do peixe . J. Ga-
leno, Scen. Pop. , P. 273. Este uso foi abolido na capi-
tal em 1842 , prohibindo as patrulhas da policia que se
tocasse o busio na feira (vide acta da Camara Municipal
da Fortaleza de 18 de Maio de 1842) - Ely.: - corru-
ptéla de itá pedra e pú estrondo ; grito de pedra .
ATTA (anona): pinha do Brazil , conhecida em algu-
mas Provincias por fructa do conde. Passa geralmente
pela melhor fructa da Provincia , e é muito apreciada nas
outras Provincias. A arvore vegeta nos terrenos areno-
sos , onde dá ás vezes fructos maiores do que o côco da Ba-
hia . A madeira é fina, torta e imprestavel para qualquer
obra por sua porosidade e leveza, mas muito combusti-
vel . O caroço passa por venenoso -Ety :-de tata fogo
DO INSTITUTO DO CEARÁ 229

se fez , por metathesis , ―atta , por causa da facilidade com


que queima-se o páu . J. Luccok, Vocab. cit ., P. 14. --
Moraes, Aulete e os demais diccionarios escrevem ata ,
mas a orthographia etymologica é a do texto , de que
tambem usa B. Rodrigues , Rev. do Inst. cit. , P. 52.” A
arvore chama-se atteira.
AUÁ : povoado no caminho da Estrada de Ferro de
Sobral , perto dessa cidade-Ety. : -abreviatura ou raiz
de apgauá homem . C. Magalhães cit. , P. 26 .

BACURAU (Caprimulgus) : ave nocturna , parda , com


as pontas das azas brancas, bico curto e a abertura muito
larga ; cauda e pés cinzentos ; vôa baixo , ás vezes como
que cahindo, e pousa de preferencia em arvores seccas
e isoladas . Alimenta- se de insectos ; por isso habita de
preferencia as praias e varzeas . Tem à especialidade de
sempre estar gorda ; passa por uma das nossas boas
caças- Ety :-ba cahir , açú muito e rau falsamente , o
que cahe muito falsamente , de sorpresa - Teixeira de
Mello , Rev. do Inst . T. 49 , P. 53 , confunde-a com a
noitibỏ, ave differente . ( Vide Oitibó).
BACURÍ (symphonia globulifera) : arvore e fructo .
G. Dias, Dic. cit. A arvore dá excellente filaça para
calafetar navios , e é bôa madeira de construcção . C.
Aulete , Dic. cit. -- Do fructo faz-se afamado doce no
Maranhão -Ety : -o que cáe quando amaduréce , de ba
cahir, e curi logo . B. Rodrigues. Rev. do Inst. cit. ,
P. 54.
BACURUMICHÁ (bumeliæ sp . ) : arvore grande ; deita
um fructo pequeno , oblongo , cheiroso e doce, que se
come. Flóra em periodos indeterminados , com longos
intervallos ás vezes ; donde vem ao povo dizer que dá
de sete em sete annos , quando passa muito mais tempo
sem florar -Ety : -corruptéla de ibà arvore , kyrymi pe-
queno, ua fructo, -arvore de fructo pequeno - Martius
e C. Aulete cit. escrevem Cumichà.
230 REVISTA TRIMENSEL

BAIACÚ : peixe pequeno, vulgarmente conhecido por


peixe- sapo, pela forma que toma deste animalejo in-
chando, como uma bola, quando se lhe toca. A carne é
venenosa. Os indios assavam-no e serviam-se da carne
para matarem ratos . Martius , cit. P. 439. - Ha casos de
terem morrido pessoas que comeram-no com o fél , que
é onde dizem que está o veneno-Ety : -corruptéla de
paje feiticeiro e u comer comida de feiticeiro - Era
tambem o nome das tribus Canindé e Genipapo . Ara-
ripe , Hist . cit. , P. 15. Escreve -se muitas vezes Paiaci .
BANABUIHÚ : rio , nasce na serra de S. Rita , em
Maria Pereira e, engrossado pelo Quixeramobim e Sitiá ,
lança-se no Jaguaribe confundidas suas aguas com as do
Salgado , no Limoeiro , depois de um curso de mais de
50 leguas. Diz Milliet , Dic. Geog. , Hist . e Discrip. do
Imp. do Bras. T. 1.º , que as suas aguas não são salobres
como as do Salgado , quando as aguas do Salgado são
talvez as melhores da Provincia ! Deveu esse rio o nome
a um Salgado , colono aventureiro que em antiquissi-
mos tempos percorreu-o desde as suas cabeceiras , do
mesmo modo que um riacho em Russas tomou o nome
de Palhano do de um portuguez deste nome, que pos-
suio terras em suas margens - Ety : -corruptéla de pa-
namby borboleta , e hú agua. Martius cit. , P. 492.
BATIPUTÁ (gomphia caduca) : arvore agreste ; deita
uns fructinhos em cachos , que dão grande quantidade
de oleo empregado em usos medicinaes e industriaes .
Revista de Hortecultura , 1879 , P. 188 - E' especifico
contra o rheumatismo , e usa-se para o adubo da comida
-Ety : -corruptéla de abatiputa arvore de muito fructo
(cachos) , de iba arvore , ti fructo e etá muito , interposto
o-p por euphonia.
BATURITÈ cidade á 15 leguas da Capital pela Es-
trada de Ferro do seo nome. Antiga aldea . Elevada á
villa em 1763 com a denominação de ― Monte-mór o
Novo d'America, nome de uma villa do Alemtejo em
Portugal , manteve o nome indigena pela lei provincial
n.º 226 de 9 de Janeiro de 1841 , que a elevou á comarca,
e por outra n.° 844 de 9 de Agosto de 1857 , que lhe deo
1

DO INSTITUTO DO CEARÁ 231

a categoria de cidade - Ety : -narsega illustre , de ba-


tuira narsega e ete surperlativo no sentido incorporeo ,
correspondendo na linguagem figurada a valente nada-
dor . J. de Alencar, Irac . cit. , P. 182 ; certo aço , cor-
ruptéla de epo por ventura e ità-rete aço. Martius cit .
P. 492. Não me parece acceitavel a 1. por ser simples-
mente uma combinação engenhosa para realce de um
poéma de imaginação , pois não é crivel que o indio ,
intelligente em denominar as cousas, désse à uma serra
o nome de nadador ! A 2. porque , não conhecendo o in-
dio o ferro , com maioria de rasão não devera conhecer o
aço, que já é uma transformação artistica deste metal .
A verdadeira me parece corruptéla de ibi terra , tira
alta, isto é , serra, e eté em muito , por excellencia, ver-
dadeira . De ibi tiru-eté se fez Baturité serra verdadeira
ou por excellencia. Em tupi é frequente a quéda do i
inicial e a mudança em a ; assim como as contracções .
-Era tambem o nome de uma tribu, que habitava a
serra do mesmo nome, e os sertões ao sul della . -- The-
berge, Esboço Historico sobre a Provincia do Ceará
T. I.º, P. 6 .

BEBERIBE freguezia no municipio do Cascavel -


Ety : corruptéla de viba canna e pype logar onde :
onde cresce a canna . Martius cit . , P. 462 -- E ' tambem
o nome de uma fructinha, que se come, de um amarello
encarnado , do tamanho do murici .
BEIJÚ massa de tapióca ou de farinha de pàu ,
aplanada e cozida no forno . Moraes cit. - Ety : -cor-
ruptéla de mbeiyú (mbi-iù queimado, com translação
de significação para o effeito de queimar) , bôlo ou filó
de farinha torrada . B. Caetano , Vocab. cit. , P. 229
Este vocabulo já se encontra em todos os diccionarios
portuguezes .
BEIJUPIRÁ : tambem chamado cação de escama ;
passa pelo melhor peixe dos nossos mares, tanto que
antigamente o pescador, que o pescava, arvorava uma
bandeirinha no topo da véla da jangada e, ao chegar á
terra, pagava patente aos demais jangadeiros , como se
tivesse pescado o rei dos peixes- Ely : -peixe de bôlo
232 REVISTA TRIMENSAL

por causa da qualidade da sua carne , ou alterado de


pejub pelle amarella , ou apejub casca , escama amarella.
B. Caetano , Vocab . cit. , P. 229 - Durão , Caramuri, C.
7, E. 68, escreve Berupirá, e Magalhães , Conf. dos
Tam., C. 3, P. 38 - Jurupird. Mas a orthographia se-
guida é a do texto .
BERTIOGA : Ety :-corruptéla de buriqui-ôca covil
de buriquis ( macacos) . Varnhagen, Hist . cit. , T. 1.º ,
P. 53. Serróta no municipio do Icó.
BIBÓCAS : Ety :-corruptéla de ibibóg abertura de
terra, de iby terra e bog rachada, fendida. B. Caetano ,
Vocab. cit. , P. 190 - Não vem ainda nos diccionarios
portuguezes ; mas é um vocabulo de muito uso na lin-
guagem familiar : caminhos cheios de bibócas , isto é ,
de buracos , etc.
BOAÇÚ : povoação no termo da Palma e o pico mais
elevado da serra da Aratanha-Ety : boya cobra e açú
grande. Martius cit . P. 193. E' preferivel : mboiçi
traga cobra, donde naturalmente o nome mboi-cuai o
que traga muitas cobras, nome dado á uma especie de
giboia, que devóra as outras cobras . B. Caetano , Vocab.
cit., P. 250. - Esta cobra é denominada sucuriú, sucu
rijú e sucury, nomes differentes, mas que significam o
mesmo animal . C. Mendes , Memorias do Maranhão ,
T. 2 , P. 304 e Nota . ( Vide Gibỏia e Sucuriju)
BOIPÈBA : cobra pequena, fina , rajada , abundante
nos brejos e cannaviaes-Ety. :-cobra má ou venenosa .
Frei Maranhão , Collecção de Etymologias cit . , P. 71 .
Mas , alem de não ser essa cobra tão venenosa que auto-
rise esse nome, acresce que a verdadeira etymologia é :
boya cobra e apeba chata, Martius, Glos . cit. , P. 493 :
chata, ou porque , quando ferida contrahe-se e fica mais.
larga, como diz Anchiêta , Carta nos Annaes da Biblio-
theca Nacional cit . , Vol . 1. ° , P. 287 ; ou porque asseme-
lha-se à uma correia no chão . B. Caetano . Vocab. cit. ,
P. 250.- O povo chama-a tambem Goipeba contra a
melhor orthographia .
BORÈ instrumento musical dos indios. J. Galeno ,
Lendas e Canções Populares, Notas, P. 398 ; instru-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 233

mento musico de guerra ; dá apenas algumas notas ,


porém mais asperas e talvez mais fortes que as da trompa .
G. Dias, Cantos, Notas, P. 645 ; flauta de bambú. J.
de Alencar, Irac. , P. 170.- Ety. : - corruptéla de
mbiré (pret. de mbig-pig soprar, talvez contracção do
part. mimbirer o soprado ) ; especie de trombeta ou
flauta . B. Caetano , Vocab. cit . , P. 234 .

BRAÚNA (meanolexin braúna) arvore de espinhos


curtos e rijos . O cerne é pardo - escuro quasi prêto e
empregado em construcção civil e dormentes . Della
extráe-se uma tinta pardo- escuro , com que tingem al-
godão . E' arvore que não attinge a mais de 25 metros
de altura. B. Rodrigues , Rev. do Inst . cit. , P. 57 e 81 .
-Madeira rija, que resiste ao chão , e de que faz-se en-
genho de moêr canna, carros de bois , pilões , etc. - E'
um anti-escorbutico brando , mas activo , sem acrimonia ,
e é ainda dotada de propriedades anti-hysthericas e
nevrosthenicas . A resina é estimulante incisivo . Pom-
pêo, Ens . Est. cit. , T. 1. ° , P. 185 - Ety. : baraúna páu
ou madeira preta , corruptéla de muira páu e una preta .
B. Rodrigues cit .

BUGRE : Ety . :-escravo. Varnhagen . Hist . cit . T.


1.º , P. 101 , Conego Gay, Hist. da eRp . Jes. do Parag.
P. 78-A escravidão dos indios nasceo, por um lado , da
ambição dos colonos , que escravisavam-nos e até ferra-
vam-nos, como ao gado , para empregal-os nos seos en-
genhos de assucar e fazendas (C. Mendes , Memorias cit. ,
P. 504, Nota 4) ; por outro , pelo máu procedimento del-
les . Homens affeitos á caça, não sabiam procurar outro
meio de subsistencia para si ; conquistados , esbulhados
dos terrenos , não podiam resignar -se ; estranhos á civi-
lisação , não tinhão noções de propriedade, nem podiam
comprehendel a. Para corregil-os , o governo não recu-
sava o titulo de capitão-mór das entradas aos fazendei-
ros, que se propunhão á fazer-lhes guerra , e concediam
aos ditos capitães-móres as terras de que os desapossas-
sem . Assim o assassinato de um indigena não entrava
na ordem dos delictos . Pompêo , Ens . Est . cit . , T. 2. " ,
1
234 REVISTA TRIMENSAL

P. 266 e 268 - Bugre é nome injurioso, synonimo de vil ,


infame .

BURITI (mauritia vinifera , M. ) : a mais bella e mais


alta das palmeiras do Brasil , e suas palmas são em forma
de leques . O envolucro, que contém o fructo , é esca-
moso, assemelhando-se ao do pinheiro . Logo abaixo do
segmento encerra o fructo uma polpa amarella oleosa ,
doce que, macerada de mistura com agua e assucar , é
uma bebida nutriente e extremamente grata ao paladar.
Tão fino, porém, é o oleo que contém esta polpa, que
transpira pelos póros , dando á pelle dos que fazem con-
stante uso delle, como alimento quotidiano, a côr ama-
rellada do mesmo oleo , sem prejudicar as funcções do
organismo . Em tempos de fome o povo erra pelos sertões
do norte em busca deste fructo e do succo vinhoso e
inebriante contido no espique desta palmeira, para mi-
tigar a fome e a sêde. Alem da polpa agradavel , tem o
fructo uma amendoa com estivel, que fornece não pe-
quena quantidade de oleo para usos domesticos . Barão
de Villa Franca, Plantas que tem oleos , resinas, gom-
mas, balsamos, etc. na Rev. de Hort. cit. , 1879 , P. 13 .
Diz Labre, Noticias do Rio Purús , P. 41 , que o verda-
deiro nome desta palmeira é muriti, mas nos campos
chama-se buriti ; entretanto B. Rodrigues, Rev. do Inst.
cit. , P. 58, sustenta que são palmeiras differentes , posto
que no facies muito semelhantes : a murity ou mirity
não tem liquido algum e vive nas margens dos rios e
logares alagadiços-Ety. :-fructo nutritivo , corruptéla
de morỏ nutrir e ti fructo . Martius , Glos. cit. P. 439-

O bronzeo burity, que adora as fontes ,


E o côco ingente, que namora o pégo ,
Dá leite á infancia e limonada ao homem .

(PORTO ALEGRE, Colombo cit. , T. 2, C. 29, P. 253) .

Mas o mestre dá est'outra mais conforme com as regras


da lingua corruptéla de imbiriti arvore que emitte
liquido. B. Caetano, Vocab. cit. , P. 234 - Rio , nasce na
serra do Araripe ; e povoado no Crato, celebre pelo san-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 235

guinolento combate que nelle se ferio no dia 27 de


Novembro de 1831 entre as tropas imperiaes e as de
Pinto Madeira.

BURUÇANGA : pequeno cacête com que o jangadeiro


bate e mata o peixe que pesca-Ety. :-corruptéla de
myraçanga porrête, de myra páu e çanga estendido . J.
Verissimo , Scenas da Vida Amasonica , P. 39. Entre nós
já anda corrompido em araçanga, como pronunciam os
nossos jangadeiros . (Vide Jangada) .

CABÓCLO : nome dado aos indios pelos europeos em


represalia ao de emboȧbas nome de uma ave calçuda,
segundo a versão mais natural e commum. Este appel-
lido tornou-se tão injurioso para os indios que o governo
portuguez , para contental-os, teve de declarar por Al-
vará de 4 de Abril de 1755 que o ouvidor fizesse expel-
lir da comarca, dentro de um mez , sem appello nem
aggravo, aquelles que os chamassem por esse ou outro
qualquer epytheto injurioso ; acrescentando que os ca-
samentos dos colonos com indios não eram infamantes ,
antes motivo de consideração e de preferencia para os
cargos publicos . Consoante com estas ideias de digni-
dade o Marquez do Lavradio , por portaria de 6 de Agosto
de 1771 , rebaixou a um indio do posto de capitão - mór ,
por ter casado com uma preta, e assim manchado seo
sangue e mostrado- se indigno do cargo - Ety.:-pel
Ety.: -
lado, corruptéla de cabôca pellar. ( Martius, Glos . cit. ,
P. 37, ou porque os indios usavam de arrancar os ca-
bellos do corpo e da cara (Varnhagen , Hist. cit . , T. 1 ° ,
Pag. 101 , 1. Ediç . Abreu e Lima , Synopses da Hist . do
Bras. , P. 163 , Nota) ; ou porque elles rapavam os cabel-
los até as orelhas (Macedo , Liç . de Hist. do Bras . cit. ,
P. 40).
Nem se lhe vê nascer na barba o pello ,
Chata a cara e nariz , rijo o cabello .
(DURÃO , Caramurú , C. I , E. 20. )
236 REVISTA TRIMENSAL

Na 2.ª edição de sua Historia Varnhagen muda de opi-


nião e dá est'outra etymologia : - corruptéla de cuá-
boquả vergontea, ramo. Mas, a ser assim, como expli-
car a injuria que esse appellido fazia ao indio ? Menos
rasão teve C. Mendes , Notas para a Historia Patria,
na Rev. do Inst. cit . , T. 41 , P. 102 , Nota 38 , para dizer
que caboclo é corrupção de curiboca (vide) - Moraes
cit. , distinguindo sem criterio , caboclo ( côr avermelha-
da , tirante a cobre) de caboucolo . diz que este é o nome
que se dá na America aos portuguezes casados com in-
dias ou aos que nascem deste matrimonio ; e Alexandre
Rodrigues Ferreira- que o verdadeiro caboclo é o filho
do indio com preta ! O caboclo cearense é o mesmo indio ,
de côr avermelhada, acobreada, estatura mediana para
baixo , pé pequeno , pouca ou nenhuma barba , cabellos
muito corridos , pretos, duros e levantados ; por isto cha-
mados vulgarmente de - espeta- caju . Neste sentido tam-
bem o emprega Durão no seo Caramurú ; C. 1 , E. 77; C.
3, E. 85 ; C. 7, E. 46 e 59. Pela côr avermelhada de suas
pennas chama- se tambem cabocla uma especie de rôla ;
assim como , pela mesma rasão da côr , gerimú - caboclo ,
feijão-caboclo.

CABORÉ (da familia dos strigidae) : especie de mocho


ou coruja, pequeno , anda aos saltos pelos matos e estra-
das - Ety.: corruptéla de caboca fallar . J. Luccok ,
Vocab. cit . , P. 8 ; -habitador do mato , corruptéla de
cda mato e porá ou purè morador . B. Caetano, Vocab.
cit. P. 64 , C. Magalhães , O selv . cit . , P. 84. Não me pa-
recem acceitaveis : a 1. , porque caboré nada diz que
indique fallar ; a 2. , porque confunde com caipora,
que é muito diverso . Parece-me mais natural : - - salto
do mato, corruptéla de cda e poré salto . Martius , Glos.
cit . , P. 537-- No sul caboré é o filho do indio com a ne-
gra, cujo cruzamento deo em resultado uma raça mes-
tiça, intelligente , côr de azeitona , cabellos corridos e
extremamente negros . Em Matto Grosso e Goyaz cor-
responde ao vaqueiro ou matulo entre nós, ao caipira
em S. Paulo e Paraná , e ao gaúcho no Rio Grande do
Sul . C. Magalhães cit. P. 84.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 237

CABUÇÚ : abelha preta, grande , ordinariamente fa-


brica a colmêa em buraco ou ôco de páu ; só produz mel
e faz suas casas de cavaquinhos de madeira , que arranca
com as mandibulas ; a massa é uma especie de papel .
Pompêo, Ens. Est. cit. , T. 1. °, P. 118- Ety. : — cáa
arvore e coaú cidra , arvore da floresta . J. Luccok, Vocab.
cit. , P. 15 ; caba abelha e açu grande . Martius , Glos . ,
P. 493. - A verdadeira é : cabuce abelha e ù preta . B.
Caetano - Vocab . cit . , P. 102. Diz-se tambem capuxú ,
que é a mesma.
CACÁU (theobroma) : arvore do Pará , que pouco
cresce, mas esgalha muito. O fructo , além da semente,
come-se, e da polma adocicada , que envolve as mesmas
sementes, prepara-se o vinho de cacau , muito saboroso
e nutriente. No preparo do chocolate apura- se um oleo
fixo e solido , conhecido por manteiga ou banha de cacau,
empregada com bons resultados na racha dos beiços e
dos seios , como nos accessos hemorrhoidarios . B. Rodri-
gues , Rev. do Inst. cit . , P. 58.

Em alcofas enormes rouxeando


O oleoso cacáo, mimo dos bailes ,
E moeda do Azteca .

(PORTO-ALEGRE, Colombo cit . T. 2.º , C. 29 , P. 253. )

-Ely.:- parece introduzido na lingua tupi do caca-


huatl dos mexicanos . Martius , Glos . cit . , P. 427. G. Dias
o dá no seo Dic . por tupi ; e Durão o canta como arvore
originaria do Brasil no seo Caramurú , C. 7 , E. 47 :

Nas preciosas arvores se conta


O cacáo, droga em Hespanha tão commua,
Pouco n'altura mais que arbusto monta,
E rende novo fructo em cada lua :
A baunilha nos cipós desponta ,
Que tem no chocolate a parte sua ,
Nasce em bainhas, como páos de lacre ,
De um succo oleôso , grato o cheiro e acre .
238 REVISTA TRIMENSAL

-Na linguagem chula quer dizer-dinheiro . - Moraes


cit . C. Aulete cit. diz que a arvore chama-se cacau-
zeiro, mas o mesmo G. Dias dá cacau nome da arvore
e do fructo .
CACÍQUE : nome que se dá ao indio , de quem os da
sua nação se consideram vassallos . C. Mendes , Memorias
cit . , T. 2. , P. 371 , Nota . É uma especie de rei ou se-
nhor de 30 , 80 e 100 familias, que o obedecem, o acompa-
nhão com affeição , lhe pagão algum tributo , lavrão suas
terras e recolhem seus fructos . O cacicado passa de pais
a filhos, herdando-o o primogenito e , em falta deste, o
segundo e terceiro filho . Mas , si o indio se torna celebre
por suas proézas militares e adquire muitos adherentes,
estes o chamão cacique, e o constituem seu rei , sem
usurpação a direitos adqueridos . Toda distinção entre
nobreza e plebe se recebe dos caciques . Os que não des-
cendem destes são tidos por plebeos, mas os da sua raça
são tractados com o respeito e veneração com que na
Europa são tractados os membros das familias reaes .
Conego Gay, Hist. cit. , P. 88 -Ety .: de car obrigar ,
compellir , governar, e cic todos ; o que governa a todos .
CACHIRINGUENGUE : Ety. :-voz hybrida , com-
posta do vocabulo guarany quichiri resto de faca, faca
que se gastou e ficou faquinha , quicé , corrompido em
cachirin, e do vocabulo bunda ndenghi pequeno , cor-
rompido em quengue. (Vide Macedo Soares , Rev. Bras.
cit. , T. 4, P. 250 e 261 ) - Côto de faca, que não tem
serventia, á tôa . É quasi o mesmo que quicê. Entre nós
emprega-se vulgarmente com applicação geral á tudo
quanto nos parece sem prestimo : é um cachiringuenge;
isto é , um ente, um objecto inutil, sem valor, despre-
sivel.
CAETITÚ (dicotyles torquatus labiatus ) : especie de
porco , vive sempre em varas (ou magotes) ; a carne é bôa
e o couro tem o prestimo do do porco ordinario . É offen-
sivo no estado selvagem, manifestando sua raiva por
forte roncaria e bater de dentes ; mas facilmente se do-
mestica e até affeiçôa- se à pessoa que o alimenta . - Já
são raros na Provincia , Ens . Est. T. 1 , P. 211 , Nota . 5
DO INSTITUTO DO CEARÁ 239

Ety.caça do mato virgem, de caeté mato grande


e suu caça, mudado o -s em -t por euphonia. J. de
Alencar, Irac. , P. 176 ; - tatú do mato , de caa mato e
tatú, para differençar do tatú dos campos abertos . J.
Luccok, Vocab. cit. , P. 3 ; - corpo queimado , de cai
queimado e teté corpo , pelo aspecto de suas serdas , con-
stituindo o unico pello deste genero . E. Liais , Climats ,
Geologie, Faune et Geographie Botanique du Brèzil , P.
405. Mas a verdadeira é : o que bate os dentes, de tâ-i-tú
ou taititu. B. Caetano , Vocab. cit. , P. 475. No Amaso-
nas é conhecido tambem por tayaçú -dente grande ,
contracção de tanha dente e açú grande. B. Rodrigues.
Revist do Inst . cit . , P. 68 - chama-se tambem caetetú
o rodête da engenhóca de desmanchar mandioca , em
rasão da roncaria que produz , semelhando o que faz o
animal quando o enfurecem . Araripe Junior, Luizinha ,
Notas, P. 237; ou , como querem outros, porque este
animal devóra quanta mandióca encontra nos roçados ,
como faz o rodete .

CAIÇÁRA : cerca feita de páus estendidos sobre esta-


cas cruzadas em forma de trincheira. Faz-se commu-
mente nos roçados , no tempo proprio da plantação , dos
páus , que ficam da coivara--Ety : -o que se faz de páu
queimado, de cai queimado , e a desinencia ara que tem
ou que faz , anteposto -ç por euphonia. J. de Alencar ,
Irac. cit. , P. 188 ; -páu de jussara , de caa páu e jus-
sara palmeira ; ou-logar silvestre que em certo tempo
se queima, de cai queimado e ára tempo . Martius, Glos .
cit. , P. 494 ; -curral em que os indios tinhão escravos .
G. Dias, Brasil e Oceania na Rev. do Inst. cit. , T. 30 ,
P. 282 ; trincheira, arraial , G. Dias , Dic. cit . A ver-
dadeira -corruptéla de caa-iça estacas de mato , esteios
de mato, varas ou páus de mato , estacada , trincheira ,
tapume, cerca de páu . B. Caetano, Vocab. cit. , P. 63 e
75 - Caiçara foi outr'ora o nome de uma simples fa-
zenda, que passou á curato com a invocação de N. S. da
Conceição da Caiçara do Acaracú - Foi elevada á villa
em 5 de Julho de 1779 com o nome de Sobral, em Portu-
gal, de origem latina : de suber souvereiro (arvore) com
240 REVISTA TRIMENSEL

a terminação portugueza al, abundancia , alterou- se em


Sobral, que quer dizer abundancia de souvereiros , da
mesma forma por que carnaubal quer dizer abundancia
de carnaúbas. Pela lei provincial n .° 229 de 12 de Ja-
neiro de 1841 foi elevada á cidade com a denominação
de Fidelissima Cidade Januaria do Acaracù, em home-
nagem á princeza Januaria , actual Princeza de Join
ville, mana de D. Pedro II ; mas no anno seguinte outra
lei, n.º 244 de 25 de Outubro , art. 2, restabeleceo o nome
tão sómente de Sobral, que ainda se conserva .
CAIPÓRA entidade phantastica , representada ora
por um caboclinho encantado :-

É caboclinho feio
Alta noite na matta a assoviar ;
Quando alguem o encontra nas estradas
Saltando encruzilhadas,
Se põe a esconjurar !

È alma de um Tapuyo
Fazendo diabruras no sertão ....
Cavalgando o queixada mais bravio,
Transpõe valles e rios
Com um cachimbo na mão.

Assombro das manadas ,


Enreda a onça em moitas de cipó ;
:
De montanha em montanha váe pulando ,
Váe quasi que voando ,
Suspenso n'um pé só 1
(MELLO MORAES FILHO , Mythos e Poemas) .

Ora por um homem colosso . C. Magalhães , O Selv . cit.


P. 130- Máu agouro é encontral-o , donde vem chamar- se
caipóra ao homem a quem tudo sáe ao revez . G. Dias .
Dic. cit. E' o mesmo que guignon em francez ando en-
caiporado, tudo anda-me ás avessas. Araripe Junior ,
Luizinha cit . P. 241 - De caipóra já se fez caiporismo ,
que passou para os diccionarios portuguezes : azar , con-
:

DO INSTITUTO DO CEARÁ 241

tinuação de mallogros em todos os empregos . C. Aulete,


Dic. Ety: -talvez corruptéla de caa-póre cabóclo
bravo. J. Galeno , Scenas Populares cit.. P. 280 e Len-
das e Canções Populares cit . , P. 407 ; habitador dos
matos, de caa mato e póra habitador. Martius, Glos.
cit. , P. 494. Prefiro - caapóra o que ha no mato. B.
Caetano , Vocab . cit . , P. 63 e 413 .
CAJÁ (pondias) arvore fructifera , floresce no estio,
dá fructos no verão . G. Dias, Dic. cit . Cria na ponta das
radiculas um tuberculo semelhante à mandióca , que dá
uma farinha ou gomma usada nos tempos de penuria. O
fructo é do feitio de uma grande ameixa amarella, de
caroço acre-dôce . que dizem ser diuretico . Pompêo , Ens .
Est. , T. 1.º , P. 204 , Nota 1. - Sua casca vidrenta pres-
ta- se á obra ligeira de esculptura - Ety. : - corruptéla
de acaja fructo de caroço , de acȧ caroço e já fructo . B.
Caetano, Vocab . cit. , P. 21 —A arvore chamamos caja-
zeira, mas o indio- cajayba , arvore da cajá-Ha a caja-
rana que é a caja braba, de caja e rana falsa . E ' doce ,
mas não fica amarella , e é maior do que a outra . A casca
amarissima é medicamento empregado usualmente nas
sezões, febres graves , catharráes . E' poderoso tonico ,
que suppre no Ceará ao páu- pereira , columba e gen-
ciana, Pompêo, Ens . Est. , T. 1 , Þ. 182 e 197 .
CAJÚ (anacardium occid . ) : fructo da feição de um
cone truncado , amarello ou encarnado , de sabor mais
doce que agro .

De varias côres são os cajús bellos ,


Uns são vermelhos , outros amarellos ,
E como varios são nas varias côres
Tambem se mostram varíos nos sabores.
E criam a castanha ,
Que é melhor que a de França, Italia , Hespanha .

(BOTELHO DE OLIVEIRA , A Ilha da Marẻ. )

A castanha, que é o verdadeiro fructo , tem um oleo


caustico ; e a amendoa , que se come assada ou coberta
de assucar, tem segundo algumas versões effeitos aphro-
242 REVISTA TRIMENSAL

disiacos. O pedunculo , a que vulgarmente se chama


fructo , tem um succo aquoso refrigerante e anti-syphi-
litico, do qual se preparam limonadas , cajuadas , moco-
roró, vinho (acaju-y) e vinagre. Esse mesmo pedunculo ,
antes de amadurecer, chama-se maturi , e se emprega
em guisados . B. Rodrigues, Rev. do Inst . cit . , P. 36-
Do penduculo ainda se faz excellente doce, que os indios
chamavam- acaju-êm . A cajuada de manhã em jejùm
é estomacal , desenfastienta e dissipa febres-0 succo
expresso é excellente remedio para a ascites e a syphilis
inveterada . Pompêo , Ens. Est . cit . T. 1.° , P. 169 , Nota
1. -Da polpa secca fazia-se farinha que os naturaes pre-
feriam á qualquer outra, como o melhor acepipe. R. Sou-
they, Hist. cit. , T. 1 , P. 337 - Ety:-corruptéla de acajú,
de acà caroço e jú suffixo . B. Caetano , Vocab . cit. , P.
21 - A arvore é , segundo o mesmo R. Southey , a mais
util da America. As folhas de um cheiro aromatico e
as flores de deliciosa fragancia ; do tronco resuma-se
resina limpida, abundante e medicinal -

Chorava o tronco lagrimas de ambar,


Que umas sobre outras em christáes pendiam :
Desta resina o pó n'agua solvido
È para os indios grata medicina
De balsamico aroma ; de seus fructos
Fabricam elles precioso nectar ;
E quem mais talhas tem deste aureo vinho
Mais rico se reputa entre os selvagens .

(MAGALHÃES , Conf. dos Tam. cit . , C. 3 , P. 66. )

Muitas tribus contavam os annos pela fructificação do


cajueiro, pondo de cada vez uma castanha de parte . A
epocha da colheita era um tempo de folgança e alegria
como a vindima em outros climas . Por isso sitio , em
que o cajueiro crescesse em abundancia , tinha tal im-
portancia que ás vezes provocava guerra. A madeira é
rija , e tem sido usada para cavernas de botes grandes.
Hist. do Bras. cit. T. 1.°, P. 331 - Floresce em agosto e
setembro, flores brancas a principio , depois purpureas ,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 243

fructifica em Dezembro e Janeiro. G. Dias , Dic. cit. Para


isso vem logo no começo do verão leves aguaceiros,
chamados pirajd, porque a melhoria deste fructo dellas
depende. Varnhagen , cit. , T. 1.º , P. 92 ; e os chamavam
os indios pirajà, que quer dizer literalmente--fructa de
peixe, porque ao tempo da floração coincidia com o ap-
parecimento de muito peixe na costa, e elles suppunham
que era para comer essa fructa _______ Da resina acajú icica
servem-se os livreiros do norte de preferencia á gomma
arabica , não só por ser mais barata , como porque pre-
serva pelo seo amargo os livros de serem atacados dos
bichos . G. Dias, cit. - A casca é adstringente, as folhas
em alta dóse capitosas, e a raiz purgativa . Pompêo ,
Ens. Est. T. 1. ° P. 182. (Vide Sambaiba ).— Ha ainda o
cajul cajú pequeno, mais raro , porém muito apreciado
pela belleza e excellencia . Abunda na serra da Ihiapaba .
CALUNDÚ : capricho ; termo empregado vulgar-
mente: -Supportar minha raiva , meos calundús (chula)
-Ety.: corruptéla de acá-nundu, v . intr . febricitar , ter
febre (sentir, soar ou zunir a cabeça ) . B. Caetano , Vocab.
cit. P. 20 e 210.
CAMAPÚM (physalis edulis) : vegetal , cujo caule at-
tinge de 5 a 8 decimetros de altura . O fructo é como ba-
ga , de côr verde , com pequenas pintas brancas , quando
verde: branco-amarellas , como o ovo de , quando
maduro . Tem sabor amargo , e é considérado tonico - O
cozimento concentrado é util nos rheumatismos chro-
nicos . Nicoláu Moreira , Supplem . ao Dicc. de Plant .
Med. Bras. — O succo é indicado nas dóres de ouvido .
Chernoviz , Form . ou Guia Medica . Entre o povo é ga-
bado contra a itericia. Herva resolutiva amarga , que
nos suppre o alkekenge, e tem analogia de operação
com a dulcamára . Pompêo , Ens . Est. cit . , P. 196. O
povo applica- a tambem nas fumicações, queimando-a
para beneficiar a atmosphera viciada . - Ety.: cama
peito de mulher e pú estalo ; estalo do peito , porque o
fructo , quando verde , com a armação da casca, tem o
feitio do peito da mulher, e estala ao bater-se sobre al-
gum objecto , como fazem as crianças, batendo-o na
244 REVISTA TRIMENSAL

testa . E' tambem conhecido por Juà-poca herva de


estalo , de caha herva e puca estalar. Pizarro , Solamina
Brasileira , P. 77-Em Pernambuco chama-se bate-testa ,
e no sul canapů.
CAMARÁ (lantana camard) : arbusto de capoeiras ,
faz grande moita ; dá uma especie de malmequeres
amarellos a fructa preta, quando madura , é do tama-
nho de um caroço de chumbo . A rama é aspera, mas de
que o gado gosta muito , e lhe serve de bôa alimentação
nos tempos máos Della preparam - se banhos aroma-
ticos . As flores são peitoraes. Pompeo, Ens . Est. cit . ,
T. 1. °, P. 188 - Ety : corruptéla de coaporá herva
ou folha variegada, de muitas cores ou coloridas . B.
Caetano, Vocab. cit . , P. 65.
CAMBEBA : ety. : - cabeça chata , corruptéla de
acanga cabeça e peba chata . G. Dias, Brasil e Oceania
cit. , P. 180 , Nota 254, e B. Rodrigues , Ens . de Scien .
cit. , T. 1. ° . P. 180 , -É o nome de um peixinho dos nos-
sos rios e riachos , da cabeça chata ; peixe singular , pois
é crença geral que delle não se pode arrancar uma es-
cama em quanto vivo ou crú ; é preciso que seja cozido
primeiramente . E' tambem o appellido que davam os
portuguezes á tribu dos Omaguas ou Omduas , do Soli-
mões , no Amazonas , porque ella costumava apertar a
cabeça , desde criança , entre duas taboas até ficar á moda
de mitra ; ou para evitar de ser escravisada pelos mes-
mos portuguezes (Mello Moraes , Corog . cit. , T. 2. , P.
379) , ou para differençar -se dos anthropophagos . (B.
Rodrigues , cit . , T. 2. ° , Estancia 2 . ) -Amasonas no seo
Romance Historico cit . , Nota 12, diz que esse achamento
era á imitação do de uma qualidade de tartaruga deste
nome ; e J. Verne , Jangada , P. 166 , acrescenta - — que
essa tribu (Omaguas que quer dizer cabeça chata ) acha-
tava a cabeça por moda e que, passada esta , a cabeça
tornava á forma natural, de maneira que hoje não se
encontra mais vestigios da antiga deformidade ! Não é
exacto , porque em Luiz Figuier , As Raças Humanas ,
P. 531 , ainda encontra-se a Figura n . ° 239 desses indios
com as cabeças chatas-- O cearense é tambem geralmente
DO INSTITUTO DO CEARÁ 245

conhecido por cabeça chata , não pelo defeito dos Oma-


guas, mas por um tal ou qualquer achatamento da pro-
toberancia occipital --
CAMBÍCA : caldo do muricí amassado , sem caroço ,
com agua, assucar e leite , muito agradavel ao palladar
Ety.:- do guarani - cambi leite .

CAMBOATÁ : peixe cascudo , de escama, preto , pe-


queno, gostoso quando gordo ; crêa-se nos rios , riachos
e pantanos - É vulgarmente conhecido por soldado ou
do mato, porque, quando ha os primeiros repiquetes da
enchente , sóbe com as aguas que inundam os matos, e
quando estas descem, elle fica sobre as folhas seccas do
chão a desôvar ahi , onde espera o segundo repiquete
para voltar ao rio . B. Rodrigues , Rev. do Inst . cit. , P.
84, verbo Indià. Anda facilmente no secco , e resiste
tanto à morte que, mesmo depois de tiradas as tripas,
se arrasta a buscar a agua, e manifesta vida ainda na
panella até o gráu de fervura . Moraes, Dic. cit. — Ety :
-corruptéla de cuabo —oatà o que anda pelo mato . B.
Caetano, Vocab . cit . , P. 478 - Moraes tambem escreve
tamoatá contra a etymologia .
CAMOCÍM : porto em communicação com o mar, á
margem do qual está situada a villa do seo nome. Passa
pelo melhor da Provincia , comquanto Lisboa ( Obras ,
T. 2, P. 2 , L. 89) diga que em 1614 Diogo de Campos ,
explorando a barra , achou -a perigosa , a terra núa e
desprovida do necessario , pelo que não teve outro reme-
dio sinão voltar para Jericoacoara , onde estava fundea-
da sua esquadrilha . Chamam-no erradamente — rio :
Pompêo, Ens. Est. cit . , T. 2º , P. 226 , confunde- o com
o Curiahú, e Milliet cit. diz tambem que os indios , que
viviam na parte superior, o'appellidavam Croahii ; e
C. Mendes, Memorias cit. T. 2, P. 459 , Nota , accres-
centa que já se chamou rio de S. Cruz de S. Francisco .
-Ety.:-caa páu e mocyne polir , páu lavrado , Martius
cit. , P. 494 ; -corruptéla de co buraco , ambyra defuncto
e anhotim enterrar . J. de Alencar , Irac. cit . , P. 171 .
E' mais natural : corruptéla de camotim, pote , mudado
246 REVISTA TRIMENSEL

ot emc por euphonia. (Vide B. Rodrigues , Ens.


de Scien. cit. , T. 2.°, Nota) .
CANCÁN : ave da grandeza de um melro ; tem o
bico grosso e curto, o peito , cóllo e parte anterior da
cabeça ezevichados , um martinete ou pennacho da
mesma côr ; plumagem do dorso escura ; a do ventre
branca, as pennas da cauda longas e denegridas , com
uma orla ou faxa branca na extremidade . E' de indole
muito colerica , e persegue as outras aves , comendo -lhes
os ovos e os filhos ainda implumes . Moraes, Dic . cit.-
Especie de falcão, habita os logares pouco frequentados ,
e com voz estridula annuncía a chegada de alguem. G.
Dias , Dic. cit. Corajoso , não foge quando o aggredem ;
mas, voando proximo ou em torno ao aggressor, chega
ás vezes a encontral -o , donde vem o povo dizer que elle
tira o chapéo a quem o aggrede — Ety . : - seo nome é
onomatopaico , vem do seo grito , que parece dizel - o per-
feitamente . Os sertanejos chamão-no - quem-quem ;
Martius (Glos. , P. 542 ) -tentem ; Moraes cancão, e G.
G. Dias como no texto - Cancàn é tambem o nome de
uma dansa franceza, de movimentos rapidos e confusos.
C. Aulete, Dic. cit.

Desenfream-se os saltos do cancán ;


Erguem-se os pés á altura do nariz ;
E apanham-se os vestidos ás mãos cheias ,
Com a graça irritante das seréias
Dos bordéis de Pariz .

(GUERRA JUNQUEIRO, A Morte de D. Juan , P. 103).



Ety. Becherelle (Dicc. Nation. ) dá a etymologia do
latim quamquam , ou talvez d'anomatopéa do grito mas-
sante e fatigante do ganso e do pato ; mas Litré ( Gr .
Dicc,), com mais criterio , a dá do antigo francez caque-
han assembléa tumultuaria, algazarra, querella . Pro-
vavelmente proveio do emprego de algum folhetinista
para significar o tumulto e confusão que reinão em uma
sala onde dansão o cancàn . O mesmo se deo com a an-
tiga palavra hebraica tohubohu, que os francezes hoje
DO INSTITUTO DO CEARÁ 247

empregam muito para exprimir a confusão nas multi-


does ; e galimatias, corruptéla de gali mathia , para o
descurso descosido .
CANGAMBA : é a mesma jaritacaca ou maritacȧca
(vide)—Ety. : —gambá do mato , de caa mato e gambá
(vide) -
CANGAPÉ : ponctapé que a mergulhar a criança
ligeira e geitosamente dá no corpo dentro d'agua em
animada brincadeira . J. Galeno . Scen. Pop. cit . , P. 274 ,
Consiste em dar-se com o pé na cabeça de outrem mer-

gulhando . Ety. : - corruptéla de akangapé casco da
cabeça. (Vide B. Caetano , Ens . de Scien. cit. , T. 2. °
P. 103.

CANGATÍ : peixe de coiro , semelhante ao bagre ;


-
cresce até um palmo Ety. : ― acanga cabeça , e catú
boa - cabeça boa ; porque a cabeça deste peixe é sabo-
rosa .
CANGÍCA : angú do polmo do milho ou da farinha
do milho , com assucar, leite de côco ou de vacca , borri-
fado de canella - Ety. :-Moraes diz que talvez se derive
de canja termo d'Azia , e Fausto Barreto ( Diss. sobre
Themas e Raizes , P. 47) pensa que é de origem africana .
Deriva-se do vocabulo guarani caguai milho quebrado ,
e yi cozido . B. Caetano , Vocab . cit . , P. 65 , Costa Rubim,
Vocabulos cit . , P. 367 .
CANGUÇÚ : onça de pintas ou malhas grandes, que
dizem ser filha da pintada com a sussuarána ; é o leo-
pardo do Brasil . Pompêo , Ens . Est. cit. , T. 1.º , P. 211 ,
Nota 4- Do cruzamento desta com a tigre dizem que
sáe a preta manchada - Ety. : -acanga cabeça, e uçu
grande. B. Caetano , Vocab . cit. , P. 20 , e B. Rodrigues ,
Rev. do Inst. cit . , P. 61. Tem realmente a cabeça grande .
Pelas malhas tambem lhe veio o nome de jaguaripe, de
jaguar onça e igpé nodôa , mancha . Malta cit . , P. 249 .
CANINÁNA (coluber pæcillostoma ) : cobra longa , de
escamas aguçadas , amarellas e pretas. E' muito vene-
nosa. B. Rodrigues, Rev. do Inst. cit . , P. 61. Não dá
botes , mas acommette dando pulos , pondo -se ora em pé
248 REVISTA TRIMENSAL

sobre a cauda , ora de cabeça erguida correndo tão li-


geira que o povo diz que voa. Entretanto Moraes e C.
Aulete cit. dizem que é cobra inoffensiva e que se do-
mestica ! Ety. : -cainia dentes. J. Luccok, Vocab. cit. ,
P. 29. A mais natural é corruptéla de ñacaninâ a que
briga em pé, ou a que tem a cabeça em pé ou alerta
ena. B. Caetano , Vocab. cit. , P. 311 - E' tambem uma
especie de cipó (chicocca densifolia), cuja raiz serve de
remedio para as molestias syphiliticas.
CANINDÉ especie de arára ou guacamayo formo-
sissimo .

O Canindé , qual Ires relusente,


Mas fallão menos da pronuncia avaras,
Gritando as formosissimas aráras .

(DURÃO , Caramurú, C. 7. E. 64) .

Nãohacousa mais vistosa queojequitibá carregado de sua


folhagem abundante e pittoresca, servindo de azylo aos
canindès, que parecem flôres dessa agigantada arvore ;
si estas aves ouvem algum ruido desusado , de repente
abrem suas grandes azas de purpura, e volteiam junto
dos seos ninhos , fazendo vibrar na solidão o seo grito
sonóro ; e então , si os raios do sol sobre suas pennas re-
verberam, fazem como um resplendor de purpura e azul
a este rei das florestas. Ferdinand Diniz, Brézil Pitto-
resque, P. 68. - Ety. :-teo mato ? de caa mato e nde
teo ? Martius , Glos. cit. , P. 38 e 495 ; talvez contracção
de araracâ arára muito retincta . B. Caetano , Vocab.
cit. , P. 67 -Tribu da raça tapuia, assáz bravia, diffi-
cilmente submetteo -se à aldeiamento . Occupava as mar-
gens do Banabuihú e Quixeramobim. Araripe, Hist . cit. ,
P. 15. Foi reunida em missão aos Quixelos e Baturitès
pelos jesuitas no logar, que ainda hoje conserva o nome.
Theberge, Esb. cit. , P. 5. - E' tambem o nome de um
rio e de uma villa, cabeça de comarca.
CAPANGA : assassino assalariado , caceteiro. C. Au-
lete, Dic. cit. - Entre nós é mais propriamente o guarda-
costas , o peito-largo , o cangaceiro do potentado - Ety. :
DO INSTITUTO DO CEARÁ 249

caa mato e punga inchaço, topéte : o topetudo do


mato ou dos sertões . E' possivel que corresponda origi-
nariamente a matuto , vindo a ter hoje significação
translacta . (Vide Macedo Soares , Rev. Bras . cit. P. 229. )
CAPÃO : Ety : - corruptéla de caa mato e puảm re-
dondo . Martius cit . , P. 36 , Dias Carneiro , Poésias, Nótas ,
P. 233, Taunay, Céos e Terras do Brasil cit . , P. 12 ,
Nota 1.a -na lingua da terra valia tanto como dizer-
ilha de mato ou mato ilhado , nome que se dá aos oásis
ou boscagens no meio dos campos desertos . Varnhagen,
Hist. cit., T. 1.º, P. 93 ; corruptéla do tupi cahapôm ,
são zonas estreitas , mas extensas , de bosques muito den-
sos e ás vezes muito elevados . C de Magalhães , O Selv.
cit. , P. 161 ; -vem do guarani- kaa mato e paúm o que
está no meio: bosque no campo , mato isolado no meio do
campo, como a ilha solitaria na vastidão do mar ; ilha
de arvoredo . Macedo Soares , Rev. Bras. cit. , T. 3 , P.
324 ; -E' esta tambem a etymologia do mestre : B. Cae-
tano , depois de ter dito no Ens. de Scien . cit. , T. 2 , P.
127 - puảm ou pud significa levantar- se, de modo que
caa ou kaa-puám ou puả nada significaria , acrescenta
no Vocab. cit. P. 63 e 363 - kaa pai mato erguido , mato
isolado no meio do campo - Está de acordo J. Verissimo
Scen. da Vida Amas . , P. 39.-J. de Alencar , Gaúcho,
T. 1.º , Nota 7, manda escrever impropriamente—capoão ,
do mesmo modo por que se escreve - capoeira .
CAPÉBA (piper macrophyllon ) : arbusto do caule no-
doso , e applica-se contra as hydropesias. Tonico esti-
mulante, incisivo . Usa-se da raiz em cozimento . As fo-
lhas são detersivas . Pompêo, Ens . Est . cit . , T. 1º , P . 196 .
-
- Ety.: — folha chata , de caa folha e apeba chata . B.
Rodrigues , Rev. do Inst. cit . , P. 58-Tambem emprega-
se vulgarmente por camarada, companheiro , amigo .
Moraes e C. Aulete, cit .
CAPÉMBA : envolucro do caixo da palmeira quando
nova, ou o pé da folha. Chama- se capemba da carnaúba ,
da macambira , do croatá o pé da folha-Ety.:--a mesma
de cabeba, de que já é corruptéla. Encontra-se tambem
com a mesma significação capema , ou capenga.
250 REVISTA TRIMENSEL

CAPÊTA traquinas : este menino é um capéta, nin-


guem o atura (vulgar) . Ety : -é vocabulo tupi . Sylvio
Romero, Rev. Bras. cit. T. 6 , P. 213. Talvez corruptéla
de câpé o que tem osso quebrado , manco , e etá muito ,
muito aleijado , disforme, por ampliação , o demo.
CAPÍM (Tristegis glutinosa) : ety.:-caa herva e pe-i
rasteiro . C. Mendes, Memorias cit. , T. 2, P. 410 , Nota
2 . ; - corruptéla de caa-i-pe herva pequena no cami-
nho . Martius cit. , P. 37 e 388. A do mestre é : caa-
pii mato fino, herva. B. Caetano , Vocab. P. 67. Não
esqueçamos que C. Aulete cit. , diz que vem do baixo
latim capitum !-De capim nos veio o verbo capinar , pôr
a limpo o mato (C. de Mag. , O Selv . , P. 77) ; assim como
capina, capinal, capinador, capineiro e capinação .
Em algumas provincias , e entre a gente baixa , capinar
tem tambem a significação de furtar-se sem deixar nada .
G. Dias, Dic. cit. — Conhecemos diversas qualidades :
de planta, especial alimentação dos cavallos de estima-
ção ; açú, cresce em moitas, e tem as folhas tão duras
que cortam, especie de andrequicé, mas não se presta á
alimentação de animal alguma ; amargoso; de burro , es-
tende e penetra tanto no chão que, uma vez plantado ,
permanece a semente a despeito da maior sêcca; rasteiro,
pasto mais commum dos herbivoros ; milhan ou mi-
ihano ; mimoso , semelhante ao arroz , e o mais afamado
para a creação do gado ; papuan ; pé de gallinha , assim
chamado, porque a flôr parece-se com o pé deste bipede ;
de roça, e o cheiroso , por causa do cheiro que rescende,
sobretudo depois de secco. O chá deste é estomacal .
CAPIVÁRA (hydrocharus capybara): especie de por-
co , que costuma viver no capim, donde lhe veio o nome.
G. Dias, Dic. cit. , verbo Capiuára . A cabeça é com-
prida, um pouco comprimida lateralmente com o foci-
nhe arredondado ; os membros dianteiros tem quatro
dêdos e os trazeiros tres, armados de umas unhas pretas ,
fortes e um pouco curvas . Seo pello , duro e pouco as-
pero, é pardo amarellado pelas costas e esbranquiçado
pela barriga . Não tem cauda, e apenas um pequeno tu-
berculo indica seo logar. Nada e mergulha perfeita-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 251

mente, e até caminha pelo leito do rio , onde demora-se


muito . B. Rodrigues , Rev. do Inst . cit. , P. 61. - Amphi-
bio, mas vive quasi sempre n'agua , cabello russo e
aspero , os pés como os de porco , mas com membranas
entre os dedos . Pompêo , Ens . cit . , T. 1.º , P. 211 , Nota
2.ª
2. -É proprio para comer-se; domestica-se e cria-se em
casa como cão , sáe para pastar e volta por si mesmo .
Anchiêta, Carta nos Annaes da Biblioth . Nacion . cit. ,
T. 1.º , P. 284 -- Ety. :-o que vive ou habita no capim ,
de capim e uȧra o que mora ou habita . G. Dias , cit. ,
verbo Póra, Martius cit . , P. 442 ;-decompondo - se vê-se
que significa o campineiro , o que vive e sustenta-se de
capim ; capy quer dizer capim, e a dicção uára indica
frequencia, naturalidade. Com effeito o capivára não é
só herbivoro , como habita os capins das margens dos
rios e dos lagos . B. Rodrigues cit. -Alteração de capi-
guára comedor de herva, derivado de capi ou capini ,
herva, e guara tempo do verbo - u , significando o que
come. Este nome é derivado dos habitos deste animal ,
que é completamente herbivoro . O nome capybara, em-
pregado pelos naturalistas por nome especifico da espe-
cie, não pode ser admittido , porque é uma alteração es-
panhola da mesma palavra, e Azzára tinha já recolhido
do Paraguay o nome de capiygua, no qual se encontra
o-g primitivo, e onde falta somente a ultima syllaba,
cuja pronuncia é quasi muda . E. Liais , cit. , P. 545-
E' tambem um arbusto trepador . C. Aulete cit.
CAPUÁBA casa de gente pobre, choupana despre-
sivel . F. Tavora, Nota ao Cabelleira-Ety.:—caa-ramo ,
e puȧme em pé , casa tapada com ramos .
CAPUÉIRA : roçado , que não dá mais colheita e por
isso foi abandonado ao mato , para ser depois queimado
e com o adubo das cinzas fazerem-se novas plantações
e obterem-se novas colheitas .
Não verás derrubar os virgens matos ,
Queimar as capoeiras ainda novas ;
Servir de adubo a fertil cinza ;
Lançar os grãos nas covas .
(DIRCÊU, Parte 3.ª , Lyra 3.ª)
252 REVISTA TRIMENSAL

-Ety.:-mato renascente , de caa mato , e pyr mais.


Martius cit. , P. 39, Nota- É tanta a força vegeta-
tiva nos districtos quentes intertropicaes que ao derri-
bar-se ou queimar-se qualquer mato virgem, si o dei-
xamos em abandono, dentro em poucos annos ahi vere-
mos já uma nova mata intransitavel, e não produzida ,
como era de crêr , pelos rebentões das antigas raizes ;
mas sim resultantes de especies novas, cujos germens
ou sementes se não encontram nas extremas da anterior
derruba, e se ignoram donde viéram . A este novo mato
se chama capoeira, derivando esta significação de ser
analoga essa vegetação à dos capões. Varnhagen , Hist.
cit. , T. 1. ° , P. 93 ; -caa , apuám, era mato raso , por já
ter sido cortado, ilha de mato cortado uma vez . J. de
Alencar, Gaúcho cit . , T. 1. ° , Nota 7, Irac. cit . , P. 212 ;
transformação de có-pueira, có roça e pueira prete-
rito . Essa transformação é devida pura e simplesmente
á semelhança dos dous vocabulos , semelhança que fali-
citou a mudança do -o em-a ; como tobatinga se trans-
formou em tabatinga, tobajára em tabajára, cariboca
em coriboca ou curiboca ; e na propria lingua portu-
gueza devação em devoção . Beaurepaire Rohan , Rev.
Bras. cit. , T. 3. ° , P. 391 , - Verdadeira etymologia na
nossa opinião : de caa mato , mata, floresta , mato
virgem, e puera , coêra , preterito nominal , o que foi :
mato que foi, actualmente mato miúdo , que nasceo no
logar do mato virgem; mato virgem que já não é , que
foi botado abaixo , e em seo logar nasceu muito fino ,
miúdo e raso. Macedo Soares , Rev. Bras. , T. 3 , P. 228 ,
e T. 8, P. 120 - Moraes , Aulete e outros escrevem Ca-
poeira, mas preferi a orthographia do texto por mais
etymologica - Capueirão ou capueruçi , augmentativo
de Capueira , vegetação que sobrevem ao mato virgem
depois de derrubado . Machado de Oliveira , Rev. do Inst . ,
1856 , P. 444- Tambem ave (ondontophorus rufa) , pe-
quena perdiz de vôo rasteiro, de pés curtos, de corpo
cheio, listrada de vermelho escuro, cauda curta , e que
habita em todas as matas . É caça muito procurada e que
se domestica com facilidade. Tem um canto singular,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 253

que é antes um assobio tremulo e continuo do que canto


modulado . Walppous cit . , P. 332.

.....a capoeira
Que a flauta pastoril na selva entôa .

(PORTO ALEGRE, Colombo , T. 2 , C. 29, P. 255.)

Ety. - Vem naturalmente de frequentar capueiras .


Na generalidade das provincias é conhecida por Uru.
(vide) . Beaurepaire Rohan, Glos . cit. , P. 415, Allain ,
Quelques Données sur la Capitale et sur la administra-
tion du Brésil, P. 142 .
CAPUÉIRO : especie de veado, vermelho , do tama-
nho de um bizerro ; o mais commum e maior na Pro-
vincia. Excellente caça ; sustenta-se de flôres a mór
parte do tempo . - Ety . :-gosta de pastar nas capuèiras,
donde lhe veio o nome. Chamão -no tambem catinga ,
porque pasta nas catingas (G. Dias, Dic. cit . ) -Preferí a
orthographia do texto por mais etymologica.
CARÁ (chromis acard) : peixinho d'agua doce e de
escama de meio palmo de comprimento , quando muito ,
com listas amarellas . Ety. : - abreviatura de acarà
peixe (Martius, Glos . cit. , P. 443) , mas escamoso , cas-
cudo, nome de grande numero de peixes escamosos . B.
Caetano , Vocab. cit , P. 68 - Tambem especie de inháme,
e neste caso tem outra etymologia e significação : carâ
redondo , do feitio da batata. B. Caetano cit . Ha diversas
qualidades mimoso , nambú, da costa, barbado e açú.
CARÃO (ardea scotopacea , L.) ave aquatica, de
pennas e bicos longos e rôxos , côr parda como a do jacú ,
è cauda comprida . Sustenta-se de peixe , pelo que fre-
quenta assiduamente as margens das lagoas , lagos e
rios. Canta ao anoitecer, e seo canto é muito apreciado
dos sertanejos, porque dizem que presagía chuva. E' de
muita sagacidade, de sorte que é muito difficil pégal a
e até matal-a a tiro- Ety. : -O canto é um grito alto ,
que se ouve longe, e parece dizer ca-rão, donde onoma-
topaicamente lhe veio o nome. E' vocabulo indigena
254 REVISTA TRIMENSAL

importado da lingua geral. Macedo Soares, Rev. Bras.


cit. , T. 3, P. 225.
CARAPÈBA : excellente peixe de escama , d'agua
doce ; cresce mais de um palmo , muito chato . Ety . :-
card peixe e apeba chato.
CARAPECÚ : peixinho maior do que o cará, porém
do mar , branco , de escama; aclimata-se nos rios e lagôas .
Ety. :-card peixe e peci comprido ou fino .
CARAPÍNA : carpinteiro . G. Dias, Dic. cit. Ety . :-
corruptéla de carpinteiro. Martius cit . , P. 38 - Em tupi
carpinteiro é miraiupançára o que trabalha em páu . Č.
de Magalhães cit. , P. 31. Penso que o vocabulo é gua-
rani : de carapin raspar a casca grossa, lavrar , cercear ,
cortar em roda .
CARAPINIMA : arvore de folhas grandes , recortadas ;
cresce até grande altura , e produz um fructo semelhante
ao melão , mas venenoso . Faria, Nov. Dic. Port. O
cerne, muito fino , é vermelho-escuro , pintado de preto .
A madeira é empregada em arcos pelos indios e em
objectos de marcenaria de luxo . B. Rodrigues , Rev. do
Inst. cit., P. 64-E' tambem chamada madeira-tarta-
ruga ou de letras, por causa de suas manchas negras
sobre o campo marron, imitando as esquamosidades da
tartaruga. E ' excessivamente preciosa . S. Anna Nery ,
Le Pays des Amasones, P. 88 - Sua madeira é susceptivel
de um bello polido , pelas manchas imitando letras . Be-
cherelle, Dic. Fr. Naction. - Ety.:- páu ou madeira
miudamente pintada, corruptéla de muira páu e pinima
miudamente pintada . B. Rodrigues cit. -Sobrenome do
tenente-coronel José Feliciano da Silva (Carapinima) ,
um dos compromettidos na revolução da Republica do
Equador, nesta Provincia, em 1824.
CARAPITANGA : peixe do mar , de escama, do feitio
da sióba - Ety. : -cará peixe e pitanga vermelho .
CARATEUS : tribu que habitava o sertão , que ainda
hoje conserva seo nome, entre a serra da Joanninha e da
Ibiapaba ; bravía como a dos Arerius . Araripe , Hist.
cit . P. 15. - Ely. :-card batata, e teù lagarto - batata
de teű .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 255

CARCARÁ (polyborus vulgaris sp. ) : especie de ga-


vião, tem a parte superior da cabeça negra, e as pennas
podem levantar-se em forma de crista ; o pescoço , peito
è espaduas de um cinzento aloirado e claro ; o resto da
plumagem pardo annegrado , á excepção da cauda que
é de um branco sujo e termina em preto ; o bico azulado
na base, côr de corno na ponta ; o ires annegrado ; as
mandibulas avermelhadas e as pernas amarellas ; con-
tenta- se com toda qualidade de alimentos , immundicias ,
reptis, insectos , que até na pelle dos bois os busca ; re-
volve a terra para procurar os vermes , vive aos pares , e
ás vezes só ; reside ordinariamente em cima das arvores
e das casas ; raras vezes ataca as capoeiras ou pateos
das aves domesticas . Mourloup e Duval , Historia Na-
tural dos Tres Reinos da Natureza , P. 146 , n.º 10 —
E ' damninha á creação miúda : n'um rebanho de car-
neiros e cabras mata ou estraga todos os cordeiros e ca-
britos que apanha , despedaçando -lhes o cordão umbili-
cal , furando- lhes os olhos e cortando- lhes a lingua de
preferencia ; pelo que os fazendeiros pôem grande inte-
resse em dar-lhe caça. Para evital-o em algumas partes
costumam ensinar cães. Na provincia de Corrientes , diz
Pedro Posser, vimos o cão de gado tão activo como intel-
ligente, correndo solicito em volta do rebanho , que elle
só conduz e guarda , sem nunca consentir que o carcará
se aproxime impunemente . Maravilhas da Creação , P.
23 -Quando fui promotor no Saboeiro ( 1866) ouvi á pes-
sôa séria dizer que toda a força de um homem é insuffi-
ciente para arrancar uma aza deste abutre . Vive em
guerra continua com o urubú , por causa da presa, como
descreve Taunay , Céos e Terra do Brasil , P. 15 .

Qual carcará que o furto segue


Do urubú , e no ar desputa a presa.

(PORTO ALEGRE, Colombo , T. 2 , C. 34, P. 389) .

Na mythologia dos Mbayas representava o papel de


mensageiro ou embaixador. Gay, Hist. cit . , P. 65-
Ety.carâi, car arranhar e al dente, farpa . B. Cae-
256 REVISTA TRIMENSAL

tano, Vocab. cit. , P. 68 - A raiz car ou ra envolve a


ideia de delaceração e entra na composição de muitos
vegetaes providos de espinhos retorcidos como garras,
nos das aves e animaes que têm garras, ex :-taquara ,
caragua-d.caranda ,marija (vegetaes de espinhos retor-
cidos) ; caracard gavião , cararà lobo, caraîn arranhar ,
esfollar. C. de Mag. , O Selv . cit . , P. 87, n. 1. - Outros
dão o nome por onomatopaico . O grito agudo , prolongado
e triste é considerado pelos indigenas como signal de
máu agouro. Walppous cit . , P. 312.
CARIMAN : mandióca lavada por tres ou mais dias ,
feita em bolos , de que se fazem papas ou mingáu -
Ety. : - caric correr e mani mandioca, mandióca cor-
rida. J. de Alencar, Irac. cit . , P. 189 - G. Dias , Dic. ,
escreve caarimá especie de farinha de mandióca ; e
Martius, Glos . cit. , P. 94 e 388- caa-rima raiz de mo-
lho depois de secca : o amido da farinha da mandióca—
Já vem no Dic. de C. Aulete.
-
CARIRÍ : tribu tapuia, rolhos , refeitos do corpo ,
de cabellos negros ; viviam da caça e das fructas das
arvores, especialmente de côcos. No descobrimento do
Brasil habitava a cordilheira da Borborema, que reune
a Parahyba a Pernambuco . Os colonos depois deram-lhe
o nome de Cariris velhos em contraposição á parte, que
mais tarde viéra habitar o valle do Araripe, por isto
chamada Cariris novos . Mello Moraes , Corog . cit . , T.
2, P. 378, e Milliet . cit. - Foi aldêada pelos Carmelitas
em Missão Velha e Nova , na Salamanca, hoje Barbalha ,
e no Miranda , actualmente Crato . Theberge cit . , T. 1 ,
P. 6-Em 1780 foram d'ahi expulsos pelo corregedor
José da Costa Dias e Barros, por ordem do Capitão Ge-
neral de Pernambuco, José Cesar de Menezes , porque
causavam depredações aos novos colonos . Pompêo , Ens.
Est. cit., T. 2, P. 111. Com effeito esses indios eram
extraordinariamente rapinas e tão pessimo conceito con-
quistaram que os colonos converteram-lhes o nome de
cariri em caro e ruim - Ety.: ―- mel do mato , de caa
mato e ira mel ; ou cai queimado, ira mel ou rire de-
pois que. Martius, Glos. cit . , P. 494-R. Southey , Hist.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 257

cit. , T. 1.º, P. 318, confunde-os com os kiriris ; mas B.


Caetano , Ens. de Scien. cit . , T. 1.º , P. 23 , dá a tribu e
a lingua cariri ou kariri por differentes da kiriri. — Em
virtude da Carta Regia de 6 de Maio de 1758 foi a povoa-
ção dos Cariris elevada , em 1764 , á categoria de villa
com a denominação portugueza de Crato, com que se
celebrisou D. Antonio , Prior do Crato , candidato á
coroa de Portugal , em 1580 , por morte do rei , Cardeal
D. Henrique O Crato é hoje cidade importante, e sem-
pre foi um dos terrenos mais ferteis da Provincia. Por
duas vezes , em 1834 e 1846 , a deputação cearense tentou ,
debalde, fazel-a capital de uma nova provincia , desmen-
brada desta e da de Pernambuco .

CARIHÚ : rio , nasce da serra de S. Maria e do Brejo


Grande, engrossa o Bastiões e despeja na margem direita
do Jaguaribe, pouco abaixo de S. Mathéos : suas mar-
gens são muito frescas e muito ferteis para legumes ,
mandióca , fumo e canna . Pompêo , Dic . Top . cit.—Ety. :
-O visioneiro padre Francisco Telles de Menezes , na
sua Lamentação Brasilica , descobrindo por toda parte
thesouros escondidos , dá as duas : quaurijuba rio , cor-
rente dobrada , ou corijuba alforge ou sacco de ouro ;
porque, diz elle, á margem deste rio havia tanto ouro ,
que os indios o apanhavam em lascas para fazer preácas
para suas flexas, tendo depois sepultado em sexos todo
o que estava sobre a terra , em consequencia de desgostos
que tiveram . Desta versão , porém, toda filha de uma
imaginação enferma , não se encontra mais noticia em
parte alguma. O rio é tão pobre de ouro quanto o autor
de criterio. A verdadeira etymologia é agua sahida
do mato , de caa-ry-hú , allusão ás cabeceiras, que ficam
n'uma serra das mais cobertas de mattas .

CARNAÚBA (corypha cerifera Arr. ) : é uma pal-


meira preciosissima e de prestimo espantoso . Marcos de
Macedo, em sua Notice sur le Palmier Carnaúba , prova
com uma estampa que della e com ella sómente se pode
fazer uma casa completa para vivenda - O tronco minis-
tra as madeiras principaes , esteios e outros materiaes de
construcção civil e de marcenaria, assim como optimas
258 REVISTA TRIMENSAL

estacas para cercas divisorias, as quaes enterradas em


terrenos banhados pela agua salgada chega a petrificar ;
os talos ou nervuras das folhas servem de caibros , e
estas de telhas e as cascas de cordas. Milliet . cit . , verbo
Ceará. Talvez não se encontre em nenhuma região ar-
vore que se applique a tantos e variados usos ; donde
veio chamar-se carnaúba ao politico que presta-se a
todas as politicas . Resiste a intensas sêccas, conservan-
do-se constantemente viçosa . E' de uma duração secular ,
e presume-se que leva mais de duzentos annos para che-
gar ao seo completo desenvolvimento . As raizes produ-
zem os mesmos effeitos medicinaes da salsaparrilha . Do
tronco obtem-se fibras rijas e leves que adquirem o mais
lindo brilho. Do palmito, que quando novo serve de
alimento apreciado e muito nutritivo , faz-se vinho , vi-
nagre e uma substancia saccharina , e tambem grande
quantidade de gomma parecida com o sagú, cujas pro-
priedades e gosto possúe . Tem muitas vezes servido de
sustento aos habitantes em occasiões de excessivas sêc-
cas. O povo , diz R. Southey , faz da madeira uma farinha ,
e desta prepara uma massa, azéda e repugnante ao pa-
ladar de um estrangeiro , mas capaz de entreter a vida .
Hist. cit. , T. 6 , P. 416 ―― Do tronco fabricam-se instru-
mentos de musica, tubos e bombas para agua ; assim
como delle extráe-se sal , uma especie de maizena, e um
liquido bastante alvo, igual ao que produz o côco da
Bahia. A substancia tenra e fibrósa do amago e das
folhas substitúe perfeitamente a cortiça. A polpa do
fructo é de agradavel sabor, e a amendoa , assás oleósa e
nutritiva, é, depois de torrada e reduzida a pó , usada
como café pela pobreza . Das folhas sêccas fazem-se es-
teiras, chapéos , cestos e vassouras , do que já se exporta
porção para a Europa, onde é empregada no fabrico de
chapéos finos, que em parte voltam para o Brasil , cal-
culando-se em cerca de mil contos de réis o valor de sua
exportação annual no Brasil e da que é aproveitada na
industria nacional . Suas folhas produzem cêra appli-
cada ao fabrico de vélas, que tem extenso consumo nas
provincias do norte, principalmente nesta , onda já é
ramo importante de commercio . (Vide Exposição Uni-
DO INSTITUTO
་་་་ ་་་ ་་་ ་
DO CEARÁ 259

versal do Brasil em Vienna d'Austri , de 1873 , P. 38) .


Fazemos tambem das folhas sêccas urús , abanos , e A
dos talos gaiolas, giráos, camas (catres) , portas de chou-
panas, capoeiras de gallinhas , e brinquedos para crian-
ças ( enfeitados com giquirití ) . Do fructo verde ainda.
faz- se o moncusa , que é alimentação soffrivel e sadía .
Parece que Deos , por abençoar tão utilissima planta,
deo-lhe a estampa perfeita da Custodia , em que se guarda
a sagrada forma. Seo nome mais conhecido na sciencia é
Copernicia cerafica, mas tambem o é pelo de Arrudaria
cerafica, do nome do nosso naturalista Arruda Camara ,
o primeiro que ensinou o processo de extrahir- lhe a
cêra. Um dia, diz Pompêo , quando os poderes sociaes
cuidarem sériamente de seos interesses , se lembrarão
tarde de pór cobro á destruição de uma arvore, que é
uma verdadeira riqueza . Ens . Est. cit. , T. 1.º , P. 170 ,
Notá 1 .. Esse dia já havia chegado antes do illustre
cearense escrever essa apostrophe, em 1863 ; pois já
pela lei provincial n . ° 543 de 20 de Outubrò de 1851 ,
artigo unico, era prohibido em toda a Provincia o córte
da carnaúba, sob pena de 48000 de multa ou 15 dias de
prisão por cada uma que se derrubasse ; e nenhuma
outra lei ainda a revogou- Um phenomeno : No muni-
cipio de Oeiras (Piauhy) , diz João Alfredo da Costa ,
encontrei uma carnaúbeira que compunha-se de oito
galhos , graciosamente dispostos ; o que é uma verda-
deira raridade , uma bem pronunciada anomalia ; por-
que tem uma haste, que prende uma extremidade ao
sólo , erguendo para o espaço a outra, que expande-se
em festões de palmas veridentes . Excursão pelos domi-
nios da Ontologia, Cap . 4, P. 66 , Nota 7. Ety. : -
arvore que arranha , da contracção de caranhe arranhar,
e úba arvore ; porque esta palmeira , quando pequena ,
conserva em roda do tronco porção enorme de talos com
duros e abundantes espinhos , que a tornam inaccessivel ;
donde veio ao povo chamal-a cuandú , animalejo , especie
de porco espinho, que se assanha todo com quem se lhe
aproxima, apontando os espinhos , com que tambem se
torna inaccessivel . Por aqui se vê que erram C. Aulete,
Dic. cit. , e outros que escrevem carnaubeira , porque
260 REVISTA TRIMENSEL

esta decomposta traduz-se literalmente por - arvore da


arvore que arranha ; pois no portuguez a terminação-
eira, junta aos nomes de fructo , significa-arvore . Ex .:
cajd, cajazeira. - De carnaúba temos carnaúbal, abun-
dancia de carnaúbas.--Nome tambem de uma tribu , que
vagava entre os rios Salgado e Jaguaribe, dominando as
ribeiras do Bastiões e do outro rio, que della tomou o
nome. Araripe, Hist. cit. , P. 15 .
CARÓBA (bignonia brasiliana) : arbusto medicinal ,
de folhas amargas, empregadas no tratamento de ulce-
ras e molestias venéreas - Ety. : folha amarga , de caa
folha e ob amarga . B. Rodrigues , Rev. do Inst . cit. , P. 63.
CARUÁRA : formiga que dá nas arvores , cuja mor-
dedura faz tal coceira como se fosse sarna, donde lhe
veio o nome. E' tambem o nome de uma abelha pequena,
cujo mel é nocivo tambem. -Ety. :-Parece palavra não
corrompida, derivada da raiz, até hoje não de todo de-
cifrada, kara e a desinencia guàra , uára , ára , que tem
muitas significações e com a qual ora adjectivavam ora
substantivavam os verbos. J. Verissimo cit . , P. 40-
Caruára tambem significa sarna, corrimento, inchação ,
humor. G. Dias, Dic. cit.; mas aqui significa literal-
mente habitante das arvores, de caa arvore, e uára
logar donde é natural . B. Rodrigues, Rev. do Inst . cit .
P. 66 .
CARURÚ : beldroéga , João Gomes. G. Dias , Dic.
cit. E' uma comida saborosa e substancial deste nome,
especial da Bahia , feita desta herva, com azeite de
dendê, côco amarello , com pimenta : caruri de quiábos ,
de camarões .- Ety . :-corruptéla de caa-rerú folhas em
vazilhas . Os europeos, sem profundo conhecimento do
tupi, tem muitas vezes trocado nomes indigenas por
expressões da lingua dos negros ou alterado-os para as
palavras formadas do portuguez , a ponto de se tornarem
desconhecidos. Assim por exemplo : caa-rerú, que des-
igna uma planta de legumes (propriamente beldroéga)
muda-se em carerú, cariri , carorú, carourú, carurú e
carerú, significa ora esse vegetal , ora a phytotacea de-
candra. Martius cit. , P. 379 e 390 , Macedo Soares ,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 261

Rev. Bras. cit. , T. 3 , P. 229 ; -herva inchada ou grossa ,


folha aguada ou viçosa . B. Caetano , Vocab . cit. , P. 64
- Encontra-se já em Moraes e Aulete.
CATAPÓRA : bexigas doudas , benignas , variolas -
Ety.fogo interno , corruptéla de tatá fogo, madado o
t em - c. e pora interior . Molestia que resulta desse
fogo interior. G. Dias, Dic. e Bras. e Ocean. , P. 14,
Nota 1." - Já se encontra nos Dicc. de Moraes e de La-
cerda .

CATINGA : ety. : -contracção de caa mato e tinga


alvo , mato rasteiro . Martius cit . , P. 391 e 495 ; -mato
rasteiro e talvez de côr esbranquiçada ; d'aqui vem cha-
mar-se catinga a um logar de mato infesado . G. Dias ,
Dic. cit. ; mato espesso, garrunchoso . J. Galeno ,
Scen. Pop. cit . , P. 277 ; mato baixo , mas difficil de rom-
per. Araripe Junior, Luizinha cit . , P. 247 ; pequenas
arvores. E. Liais cit. , P. 409 ; corruptéla do guarani
caatî mato branco . B. Caetano , Vocab. P. 561 ; - mato
brancacento , Varnhagen , Commentario ao Roteiro do
Brasil de Gabriel Soares, Rev. do Inst. , 1851 , P. 183-
Tambem significa máu cheiro, bodúm , bolor , e nesta
accepção é vocabulo africano , bunda . Cannecattim , Col-
lecção de observações Grammaticaes da Lingua Bunda
ou Angolense e Dicc. abrev . da Ling. Congueza , e Ma-
cedo Soares , Rev. Bras. cit . , T. 1. °, P. 592, T. 4 , P. 254;
mas que é indigena decidem -se : G. Dias, Dic. cit, Mar-
tius, cit. , B. Caetano , Rev. Bras. cit . , T. 3.º, P. 35 :
vocabulo tupi levado para a Africa pelos portuguezes
depois que começou o trafego dos escravos negros ; e
Vocab. cit. , P. 591 : tambem significa bolor (vegetação
cryptogamica) e por estensão os cabellos dos sobacos.-
Pacheco Junior , Rev. cit. , T. 5 , P. 404 acrescenta :
Inclinamos-nos a crêr que tiram origem da lingua bra-
sileira (cati e caa-tinga) . No 1. ° caso parece-nos deo- se
uma das modificações accidentaes do systema phonetico
(anastrophe) ; as syllabas iniciaes da palavra tindapi-
quicati perderam- se, por serem breves, persistindo a to-
nica, como acontece aos vocabulos infiltrados pelo ou-
vido (cotigui, catingui , ou de interlocução euphonica ,
262 REVISTA TRIMENSAL

o que alias é muito usual, catinga) - De catinga já te-


mos catingar exalar máu cheiro . C. de Magalhães , cit . ,
P. 77, J. Verissimo cit. , P. 40 .
CATÚ : rio , nasce no Aquiraz , passa uma legoa acima
da villa, -- lança-se no mar- Ety.bom, são, logar
salubre. Martius cit. , P. 496 - Tanto este vocabulo ,
como o seo derivativo catucdua ou catucaba bondade ,
ou exprimem qualidades moraes ou bondade que não se
veja, como de uma planta efficaz para uma molestia. A
bondade physica para o indigena é o mesmo que boni-
teza e vice-versa . C. deMag. cit. , P. 65. Si porém essas
propriedades se referem ao espirito diz-se então - Tecô
angaurama, G. Dias, Dic. cit. , verbo Catuçaba .
CATUÁBA : arbusto , abundante no Crato , Ipú e ou-
tros logares . Emprega-se a casca como aphrodisiaca
Pompeo , Ens . Est. , T. 1.° , P. 186. - Ety . : - acatuab
direito , dextro , habil . B. Caetano , Vocab. cit . , P. 104.
CAUAÇU especie de tabóca ou palma com as folhas
grandes e duras . Da vara ou páu fazem-se cabos de vas-
souras — Ety.: caa folha e açú grande . Martius cit . ,
P. 391 .
CAUCAIA : antiga missão da nação dos Petiguáres ,
administrada pelos Jesuitas . Foi elevada á freguezia a
5 de Fevereiro de 1759 , e á villa a 15 de outubro do
mesmo anno, em cumprimento da Carta Regia de 6 de
Maio do anno anterior , com a denominação de Soure,
nome de uma antiga ordem honorifica de Portugal (dos
Moinhos do Soure) e de uma villa e freguezia do bis-
pado de Coimbra . A villa foi extincta pela lei provin-
cial n. 2 de 31 de Maio de 1833 e a freguezia por outra
n. 16 de 2 de Junho do mesmo anno. Pela de n.º 1361
de 5 de Novembro de 1870 foi restabelecida a freguezia
com a mesma denominação de Soure e a villa por outra
n.º 1772 de 23 de Novembro de 1878 com a denominação
de Villa Nova de Soure. Dista 3 legoas da Capital-
Ely.:-Vinho queimado , talvez aguardente . C. Mendes ,
Memorias cit. , T. 2.°, Introd . , P. 15 , Nota 2. Mas os
indigenas não tinhão bebida que se podesse traduzir por
vinho queimado : á aguardente chamavam elles cauin-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 263

tata vinho fogo. G. Dias, Dic. cit. Acresce que a aguar-


dente só foi conhecida dos indios depois da colonisação ,
antes muito da qual já existia Caucaia. Parece-me antes
corruptéla de caa mato e cai queimado ; traducção esta
que tem por si a autoridade de Barba Alardo , Memoria
cit. , P. 262: bem queimado está o mato.
CAUÍN : vinho . G. Dias e Martius cit. , P. 39 - Be-
bida de mandióca ou milho muito predilecta dos indios
Ety. :-corruptéla do guarani iga - ûi liquido ardente,
ou farinha de liquido ou de fermento , porque o cauin
era realmente um sorda fermentada , e não vinho pro-
priamente. B. Caetano , Vocab. cit. , P. 65.
CAUÍPE : rio , nasce na serra do Jod, termo de Soure,
despeja no mar ao norte, formando uma barra constante-
mente atterrada, depois de um curso de 10 a 12 legoas .
Ety.:-cauin vinho e ipe logar do vinho . Martius cit . ,
P. 494 - Tambem peixe de escama, d'agua doce , seme-
lhante ao piáu , porém alvo como a piába, de pouco mais
de um palmo de comprimento.
CEARÁ : nome do rio e da primeira aldêa , da Capi-
tania e da Provincia , primitivamente Paiz do Jagua-
ribe - Ety.: - canto da jandáia , de cémo cantar forte,
clamar, e de ará pequena arára ou periquito grasnador .
J. de Alencar, Irac . cit . , P. 163 e 179 , Ayres do Cazal ,
Corog . cit. , T. 2.º, P. 195 ; -corruptéla de ciard , espe-
cie de papagaio . Milliet. cit . , verbo Ceará , Martius , cit. ,
P. 496 (Pompêo , Dic. Top . , e Ens. Est. cit . , limita- se a
acceitar estas duas) ; -corruptéla de suid caça . Pizarro ,
Memoria Historica do Rio de Janeiro , T. 8 , P. 221 ,
Nota 1. (Milliet parece tambem não repellir esta) ;
pequeno caranguejo redondo ou do alagado, de Siarà-
mirim ou Syrag-mirim, corruptéla de ciriapuà , depois
por contracção ciri-d, cirid, Ceará. C. Mendes , Me-
morias cit. , T. 2.º , Introd . , P. 64, Nota, (Catunda , Es-
tudos de Historia do Ceará, P. 13 , descorda das duas
anteriores, e abraça esta) ; rio verde, de dzu (com o - d
pouco sensivel, e ou soando á franceza , aproximada-
mente como o participio passado do verbo savoir), e era
verde, vocabulo da lingua cariri . Do nome do rio, em
264 REVISTA TRIMENSAL

cujas margens se fundou uma fortaleza ,se foi chamando


- fortaleza do Ceará , e este nome com o tempo se foi
estendendo á capitania . Capistrano de Abrêu , Gazeta de
Noticias, da Côrte , n.° 270 de 27 de Setembro de 1886 e
Quinzena (da Fortaleza) , n . ° 5 de 15 de Março de 1887.
Nenhuma me parece acceitavel - A 1. ' , porque ara não
significa pequena arára nem periquito grasnador , mas
é uma abreviatura corrompida de guira , mira ave, pas-
saro em sentido geral , e assim encontra-se na composi-
ção de muitas palavras ; ex araponga . Mas quando
assim não fosse, não comprehende-se que o indigena,
querendo dizer -canto da janddia , omittisse este ultimo
Vocabulo da sua lingua, embora alterado , para substi-
tuil-o por ard, que não pode dar ideia exacta dessa ave;
pois a jandáia nem é grande como a arára nem pequena
como o periquito ; e seo canto aspero não pode exprimir
por anomatopêa - Ceard . Sobreleva que o indigena,
regra geral, compõe as palavras como o inglez , pos-
- ubirajara
pondo o possuidor à cousa possuida (ex :
senhor do cacete, de ubira cacete e jara senhor) , como
na lingua ingleza -reform-club, club da reforma . Por
tanto , conforme com as regras da lingua a palavra de-
veria compôr-se- aracemo , arace, que não é forma tu-
pica -― A 2. , porque nenhum chronista falla dessa es-
pecie de papagaio ciard, como assevéra C. Mendes ; e
Gabriel Soares, Noticia do Brasil, P. 87, falla apenas
da ave sija, do tamanho do papagáio, mas não papa-
gáio , o que é muito differente ; A. 3. , porque caça em
tupi nunca foi suid, mas çoo , sôo ou suu, como se pode
verificar em todos os diccionarios , desde Martius até G.
Dias . A 4. , porque presuppõe uma elaboração tão
longa, lenta e trabalhosa que não se conforma com a
indole do selvagem em tudo rapido e expressivo . Mas
não é só isto . O indigena, attestão todos os chronistas ,
não davam nomes à cousas ou pessoas sinão do que o
impressionasse. Ora , não é crivel que em um litoral es-
tenso e abundante de toda a sorte de crustaceos só o ca-
ranguejo redondo ou do alagado o impressionasse ! O
proprio autor tão pouca confiança tem na sua interpre-
tação que admitte outras de concomitancia , tirando - lhe
DO INSTITUTO DO CEARÁ 265

assim o valor e prestigio -A 5.º , porque, tendo sidɔ dado


o nome Ceará ao nosso territorio pelos petiguáres, da
nação tupí, quando pela primeira vez viéram do Rio
Grande do Norte com Pedro ou Pero Coelho de Souza ,
como assevera C. Mendes , não é crivel que elles prefe-
rissem um vocabulo da lingua cariri, de uma tribu ta-
puia, sua inimiga irreconciliavel delles -

Que por toda parte se estenderam


Sempre em frente do mar em guerra aberta
Co' os Tapuyas, que o centro procuraram ,
E que jamais comnosco paz quizeram .

(MAG . Conf. dos Tam . , C. 5 , P. 145) .

Depois nenhum chronista diz positivamente que os ca-


riris tivessem estado no nosso litoral ; antes ha certeza
de nunca cá terem vindo : da cordilheira da Borborema ,
centro da Parahyba e Pernambuco , onde foram encon-
trados pelos portuguezes no descobrimento do Brasil ,
(Milliet cit. e M. Moraes, Corog. cit . , T. 2, P. 378) passa-
ram parte para o valle do Araripe , donde não mais sahi-
ram . Como de lá , sem possivel ou provavel communica-
ção , poderião dar o nome ao litoral na distancia de mais
de 90 legoas ? A versão do interprete hollandez Elias
Erckman - de todos os annos virem os cariris ao litoral
somente comer cajú , de que gostavam muito , é de todo
inacceitavel ; pois , tendo elles os melhores e na maior
quantidade á mão , na chapada da Araripe , não tomariam
annualmente tão perigoso encommodo de uma viagem
ao litoral , onde habitavam seos inimigos figadaes. Nem
tão pouco pode crêr- se que o nome se désse primeiro ao
rio do que ao territorio ; porque , conforme com os docu-
mentos officiaes da maior valia o nome antigo era Ceará
Grande, já traduzido para o portuguez o augmentativo
açú ou guaçu, da mesma forma porque ainda hoje se
chama na côrte- Andarahy Grande. Sendo o rio Ceará
mirim, do Rio Grande do Norte, muito maior do que o
nosso río, com certeza os petigudres, ou quem quer que
o denominasse, não chamaria grande precisamente o
266 REVISTA TRIMENSAL

menor. O qualificativo só assentaria no territorio , que


é muito maior do que o da provincia visinha-Quer-me
parecer que a verdadeira etymologia vem a ser corru-
ptéla de çoo , soo ou suu caça, ára tempo e a particula
pospositiva-á, com que o indigena dava mais força á
expressão , significativa de uma convicção forte , fóra do
commum ; querendo assim dizer : verdadeiro tempo de
caça ! A abundancia de caça no nosso litoral é attestada
por todos os chronistas ; devia, por tanto , impressionar
agradavelmente o indigena, que della vivia exclusiva-
mente

Vagamos sempre, e nunca em firme assento


Nos deixam ter da caça os exercicios :
Buscamos nella os proprios alimentos ,
E habitamos onde à ha ou della indicios ,
E estes são de continuo os fundamentos
De occupar-nos em bellicos officios :
Verás as gentes em continuo choque
Sobre a quem o terreno ou praia toque.

(DURÃO, Caramuri, C. 3. E. 63) .

Muito commum tambem aos naturaes era esta expres-


são, que passou aos colonos , e de que ainda hoje usa-se
geralmente :-tempo de inverno , tempo de verão , tempo
de cajú, tempo de caça, etc.. em vez de estação do inver-
no, etc.-A orthographia primitiva Siard ainda mais
corrobóra esta interpretação , que dá caça na versão tupi
com ç (çôo) e com s (soo ou suu) : e ás vezes se encontra
corrompida em si, como em Siupé, outras em su , como
em Sucatinga . Em Ceará encontra -se a principio cor-
rompida em si , depois em ce, como actualmente. - Re-
futando-nos , Capistrano de Abreu apresenta-nos estes
dous argumentos : 1. ° A' vista das irregularidades das
estações em nossa Provincia não podia haver caça que
chamasse a attenção ; 2. As palavras de uma lingua se
transformam segundo leis regulares ; por conseguinte
sôo não pode dar ao mesmo tempo Siard e Siupé- Ao
1. respondo que na nossa Provincia nos tempos de sêcca
DO INSTITUTO DO CEARÁ 267

· é quando apparecem , pelo menos , mais certas qualidades


de caça, de modo até maravilhoso , como acontece com
as rôlas de arribação , vulgarmente avoantes , que fazem
nuvens de escurecer o tempo ! (Vide Pompêo , Ens. Est. ,
T. 1.º , P. 213 , Nota 2. ) Ao 2. respondo com Abel Ho-
velacque na sua Linguistica : A etymologia em si e por
si não passa de advinhação ! E Martius, Glos . cit. , P.
376, exemplifica :-Quem reconheceria em Burahẻm,
como agora chamamos , a palavra composta de―ymira
arvore, e éem doce , por causa da casca doce ? Tratan-
do-se de um trabalho de alguma forma historico , cremos
conveniente não omittir uma outra interpretação , que
não merece refutação , mas ser conhecida :-« Si foi este
nome posto pelo Hollandez , como alguns escrevem :
Seâra : voltando achamos : Araes : tú és a ára lapida ;
porque vem de ardor ou de aviditas , a secura ; sobre a
qual ardiam antigamente os animaes , que se sacrifica-
vam . E da mesma sorte que ainda hoje arde de amôr
sobre ella o Cordeiro de Deus nas mãos dos homens para
nos salvar ; assim tambem ardendo esta seára, do meio
do incendio sahirá a faisca a tocar o coração , guardando
sequioso , dará o signal na purificação das mesmas áras,
donde emana todo o bem. Si mudamos o e em i , acha-
remos a raiz , isto é , Raiz , que d'entre a seára brotará a
este para depois do grelo do olho sacar o pombo a folha .
para o signal. Conjecturas do tempo futuro ; e para nós
já presente. Si foi imposto pelos indios naturaes , deve-
mos escrever Ci- ára : mãe da ara , isto é , ci mãe , ara
d'ara ou pedra superior . Ou tambem Ci- iàra senhora
mãe ,porque iára quer dizer : senhora. O que tudo vem a
conferir quasi com o mesmo sentido supra , não obstante
ser a ultima. » Padre Francisco de Menezes , Lamentação
Brasilica cit.

CHIBÁTA : Ety . : do hebrêo shebet vara, açoute, in-


signia ou emblema de autoridade , sceptro . Moraes cit.
Mas é vocabulo guarani , derivado de yibatâ (y-ib-atâ) o
que é vara ou virga dura) . B. Caetano , Vocab. cit. ,
P. 591 .

CHIMANGO (milvago chimango) : especie de carcará,


268 REVISTA TRIMENSAL

alimenta-se de carne corrupta , de vermes, larvas e in-


sectos , mas não ataca as aves nem os mamiferos . P.
Posser, Maravilhas da Creação cit. , P. 24 - Não sei
com que fundamento Sylvio Romero diz na Rev. Bras.
cit. , T. 6 , P. 213, que é uma especie de rato !-Ety. :-
O mesmo Sylvio Romero o dá por vocabulo tupi, mas
não dá-lhe a etymologia . Provém de chimachima , nome
de algum gavião , que dão como onomatopaico , mas que
se explica por kibà caça piolho . B. Caetano , Vocab. cit.
P. 100 - Foi por muito tempo a denominação do partido
liberal na Provincia . (Vide Saquarema).
CHORÓ rio em Canindé , lança-se no mar com um
curso de 45 legoas . Tem a correnteza muito forte , de
modo que as enchentes são sempre acompanhadas de
estragos e grande ruido - Ety. :-de chororom murmu-
rar (voz onomatopaica) . Martius cit. , P. 496 - Tambem
nome de uma ave pequena, cocurutada, do papo branco
e costas pretas , mescladas de branco ; as femeas tem as
costas vermelhas . Chamam-na tambem Choro-choró.
CIPÓ (Convolvulus colubrinus) : Ety. : - raiz . Mar
tius cit. , P. 406 ; contracção de h-ib-pó o que é fibra
de arvore ; ou de ci pégar e pó fibra : filamento que
péga-se à arvore. B. Caetano , Vocab. cit. , P. 94 e 198
-De cipó já temos cipoal abundancia de cipó (Moraes e
Aulete cit.) , cipóada pancada com cipó (Aulete) e cipoar
bater com cipó. (J. Verissimo cit . , P. 40) . Cobra de cipó
(coluber bicarinatus) , assim chamada, porque imita
tanto o cipó na grossura e cór que entre os cipós destin-
gue-se apenas pelo movimento . O veneno é lento, não
mata, porém aleija , fazendo seccar a parte lesada -
Cipó de chumbo , pela cór deste metal ; medicinal , diure-
tico.
CIPOÚBA : arvore fina, parecida com o cipó ; sua
madeira presta-se à cercas.-Ety. :-cipó e uba arvore,
arvore de cipó .-O povo chama cipaúba contra a ety-
mologia.
CÓCO : fructo do coqueiro , do dendê, da pindoba, etc.
Ety.:-vocabulo africano. Varnhagen, Hist. cit . , T. 1.º ,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 269

• P. 185 ; termo brasileiro . Moraes cit. - Dubois Re-


quefort, Dic. Ety. de la Lang . Fr. , diz que é voz ame-
ricana . Tenho-o tambem por guarani , corruptéla de cog
alimentar e cùi vaso ; vaso de alimento ou que contém
alimento , allusão á casca rija , que cobre a amendôa ali-
menticia . ( Vide B. Caetano . Vocab . cit . , P. 80) .-Durão
o cantou como fructo originario do Brasil no seo Cara-
murú, C. 7. E. 45 : -

Distingue-se entre as mais na forma e gosto ,


Pendente do alto ramo o côco duro ,
Que em grande casca no exterior composto ,
Enche o vaso int'rior de um licor puro :
Licor, que á
à competencia sendo posto ,
Do antigo nectar fôra o nome escuro ;
Dentro tem carne branca como a amendoa,
Que a alguns enfermos foi vital , comendo- a .

Direi por demais que Faria, Dic. , concorda com Barros


em que os portuguezes deram o nome de côco á palmeira
coqueiro , em rasão de offerecer a noz interior delle pa-
recença com uma caraça com olhos e nariz mui propria
para metter medo ás crianças ! - Chama-se velado o
côco que não tem agua, sómente a amendoa. Dizem as
crianças que a lua bebeo- a - É tambem nome de uma
ave (strix flammea), indigena da Loanda.
CÓCÓ : rio, conhecido pela fama de suas excellentes
taínhas (Vide Tipuhú) ; nasce na serra da Aratanha , e
lança-se no mar a leste do Mucuripe, depois de um curso
de 8 legoas, formando , ás margens , grandes salinas —
Ety.: Coco (sem accento) quer dizer tio . (Vide Mar-
tius , Introd. , P. 14, Walppous , P. 431. Será esta a
etymologia, vindo o vocabulo mais tarde a receber
accento na vogal final , como tem acontecido com outros?
Pode ser o nome de algum cacique, que o dêo ao rio .
Tenho duvidas .

COITÉ : (crescentia cujetė, M. ) : arvore (cuyeira)


Ety. : cuyté derivado de cuya taça. J. Luccok, Vo-
cab. cit. , P. 13. - Preferivel : - corruptéla de cuy, e etẻ
270 REVISTA TRIMENSAL

cabaceiro, já aportuguesado. B. Rodrigues , Rev. do


Inst. cit. , P. 75 - Emprega-se a particula superlativa
eté coin os substantivos para se lhes dar e por
assim dizer prolongar a significação . G. Dias , Dic. cit.
Martius cit. , P. 381 , fundado na autoridade de Hum-
boldt, diz que este vocabulo foi um d'aquelles , que es-
palharam-se alem dos limites da lingua , á que perten-
ciam originariamente , e depois em toda a America. -
Já é vocabulo usado no portuguez como synonimo de
cuia - Nomes de duas povoações em Baturité e Mi-
lagres .
COIVÁRA : fogueira em que se queimam os ramos
que escapam ao incendio geral do roçado . D'ahi en-
coivarar, do uso dos nossos agricultores como synonimo
de queimar nas coiváras. J. Galeno , Lend. e Canç. Pop.
cit. , P. 44 - Ety. : - corruptéla de cogibá, de có roça
e iba galhos : o mato secco, os gravetos da roça, os ga-
lhos , a galharada da roça . B. Caetano , Vocab . cit. , P.
75 - Tambem já se diz encoivaramento . J. Verissimo
cit. , P. 40 .

COMBÚCA : fructo da cuyeira , aberto por cima, em


que as indias guardavam as suas curiosidades G. Dias ,
Dic., verho Iamurú ; ou em que carregavam agua. Mo-
raes cit.-Ety.:-corruptéla de cuiambuca ou bukecuia ,
de cuya e da palavra portugueza boca. Fr. Maranhão
cit. , P. 78 , Nota D ; - corruptéla de cuyambuca vaso
para carregar agua ou guardar liquido. B. Rodrigues ,
Rev. do Inst. cit. , P. 75 ; -cabaço comprido, de cuya
e mbucu, longo , comprido , largo. Malta cit. , P. 257-
Prefiro por mais natural : cuia furada, de cuia e
mbogua-mboca escavar, furar, fazer ôco . J. Verissimo
cit. , P. 41 - Ficar na combuca - aquillo que não se
quer expôr ao publico, ou guarda -se com reserva. G.
Dias, Dic. cit. E' tambem armadilha para pégar o
macaco. Quem pretende dar caça a este animal , enterra
em diversos logares uma especie de cabaço , com uma
pequena abertura, por onde só possa caber a mão do
animal , e deita-lhe milho dentro. O macaco, lambarino
como é , tendo prédilecção especial por esse legume, que
DO INSTITUTO DO CEARÁ 271

é uma das suas primeiras gulodices , mete a mão espal-


mada, enchendo- a a mais não poder . O buraco, porém,
só lhe dá passagem à mão vazia ; e o bruto, agarrado á
prêsa, que segura com avidez , vendo a impossibilidade
de retirar o braço , estribucha, grita , fraquêja, não se
lembra de meio algum de salvação , e deixa-se agarrar
estupidamente . E d'ahi vem o dizer-se, quando se quer
chamar espertalhão a um individuo : Oh I este é macaco
velho; já não mette a mão em combuca . S. de Frias cit . ,
P. 168.
CONDURÚ : (brosimum conduru) : arvore, cuja ma-
deira é muito procurada para taboados , chaprões e cam-
bões de carro de bois , por sua rigidez e duração; e no
Pará, diz B. Rodrigues, P. 68 , que serve para construc-
ção civil e naval . O fructo , do feitio da pinha , porém
mais pequeno , come-se . A folha e casca são aromaticas
-Ety.:-caa páu e ndurú que tine , porque a madeira ,
quando secca, como que tine, (sonat). Martius cit. , P.
-
388 Appellido de um celebre faccinora da Provincia.
COPAÍBA (copaifera jacquini D. C) : arvore elegante ,
que fornece boa madeira de lei , e é medicinal-

A copaíba em curas applaudida ,


Que a medica sciencia estima tanto .

(DURÃO , Caramurú , C. 7 , E. 51. )

O cerne vermelho escuro O oleo empregado como


anti-syphilitico e nos catharros chronicos , assim como
nas dôres uterinas e ferimentos dos pés para evitar in-
flammação e tetano . B. Rodrigues , Rev. do Inst . cit. ,
P. 72 - Nasce nos centros das mattas nas partes seccas
e livres , sobretudo , de aguas estagnadas . Ĝ. Dias , Dic .
cit. —O trabalho da extracção do oleo é bastante encom-
modo e insalubre por ser feito de inverno , e por isso ex-
clusivo dos indios. Labre cit . , P. 37 , Nota 6-0 oleo
não tem manipulação alguma ; conserva -se conforme
sáe . Na epocha competente , em occasião de grandes ,
calores , procede -se como se o tronco fosse um barril de
vinho : faz-se um pequeno furo, à certa altura, para a
272 REVISTA TRIMENSAL

introducção do ar, e sangra- se a arvore, que dá de si ,


sem mais trabalho , o oléo que tiver. E é que a copaifera,
não sendo furada , arrisca- se a arrebentar. Quando isso
acontece, o tiro, que ella despede, pode comparar- se ao
estampido de uma boa peça de artilharia. S. de Frias,
cit. , P. 233- Ety. : - Vocabulo guarani. Varnhagen ,
Hist. cit. , T. 1. °, P. 445 e T. 2. ° , Pref. , P, 13 ; -cuapa
arvore e yg agua : arvore que verte gomma ou oleo. J.
Luccok, Vocab. cit. , P. 16 : - corruptéla de copyiba
arvore do copim, pela semelhança que tem o desenvol-
vimento do tronco, onde se accumula o oleo , com os
ninhos que os copins edificam nos troncos. B. Rodrigues
cit. Este autor escreve - copaiyba , copaiba , copauva,
copiuva, copahiba , copahyba , cupahy, e cupiuba ; G.
Dias-cupaúba ; e Moraes diz que a melhor orthographia
é cupaiba ; mas a do texto é a mais conforme com a ety-
mologia.
COPIAR : alpendre, varanda , entrada da casa . Ety.:
cog casa e più caminho- Macedo Soares. Rev. Bras . cit. ,
P. 229. O vocabulo tupi escreve- se copiara . B. Baetano ,
Vocab. cit . , P. 76 , G. Dias, Dic. cit. , Araripe Junior
cit. , P. 239 , Mas em Moraes e C. Aulete já vem como
no texto - O vulgo já pronuncía copia , com quéda da
consoante final .

COPÍM (termites devastans , termes cumulans) ; for-


miga pequena, esbranquiçada e gorda, que se nutre do
farello do lenho dos edificios . Suas casas tem a forma
pyramidal , cheia de cellulas, salões , corredores ; resistem
por muitos invernos ás tempestades, mas um só momento
ás garras do tamanduá , que as desmancha e come os
habitantes. Suas mandibulazinhas são fortissimas , cor-
tando como navalhas , e produzindo , quando em activi-
dade, um ruido perceptivel á distancia . Ayres do Cazal
cit. , T. 1. , P. 58 - Em Cuyabá faz cumulos de terra
escura, em forma de tubos ou columnas , que chegão á
altura de um homem a cavallo . Os remadores , para se
livrarem dos mosquitos, servem-se dessa terra, a que
tambem chamão copim, reduzindo- a á fumaça espessa .
Hercules Florence cit . , P. 399 e 436. -A mandióca plan-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 273

tada sobre um ninho de copim ou se sobre ella o copim


se aninha, torna-se phosphorescente e muito venenosa !
B. Rodrigues, Rev. do Inst . cit. , P. 75- Ety. : — cỏ
buraco , e pim ferrão . J. de Alencar, Irac . cit. , P. 190 .
A do mestre : copi , de co ou caa roça ou páu , e për
picar, cortar, roçar. B. Caetano , Vocab. , P. 76 - Moraes,
C. Aulete cit . e outros escrevem cupim ; mas a ortho-
graphia do texto é a etymologica - De copim temos copi-
neira ou copira abelha de copim, de copim e yra abelha ,
assim chamada, porque esta abelha habita as casas aban-
donadas do copim.-Ha vermelha e preta.

CORÓ : especie de rato nocturno, com o pello acasta-


nhado e fusco ; a cauda longa e pilosa. Grita muito alto
de noute, com o que se agouram os indios . Quando
grita deixa perceber a voz- coro , donde lhe vem o nome.
Valle Cabral , Annaes da Bibliotheca Nacional, T. 1.º,
P. 184-Tambem peixe de escama , do mar, com listas
pardas por todo o corpo ; do tamanho de um palmo .
Depreciado quando magro - Ety . : —abreviatura de co-
roro (onomatopaico ) ―o que ronca ; porque este peixe
ronca ao se lhe pégar .
CRAÚBA : arvore da casca muito amargosa, coberta
de folhas amarellas como o páu d'arco : os veados co-
mem-lhe as folhas (G. Dias, Dic. cit . ) ; por isso os caça-
dores escolhem-na para espera de veados -Ety. : Con-
tracção da carahiuba dos indios pelo uso dos nossos
sertanejos . J. de Alencar, Ubur . cit . , P. 164- E' con-
tracção de carà por ymira páu e úba arvore ; arvore de
páu , porque esta arvore em certo tempo , como o pàu
d'arco, despede-se das folhas e fica no páu .
CRAUÇANGA : formiga vermelha , da cabeça gran-
de ; faz a casa n'um buraco fundo . A sua picada é ter-
rivel , dá febre e levanta empolas- Ety. : contracção
de coȧra buraco e çanga fundo , da profundeza da sua
casa .

CROAHÚ : rio , nasce da Ibiapaba , passa pela Granja,


e lança-se no mar, formando o porto do Camocim . Ety.:
―rio do croá , de crod (Vide Croatȧ) e hú agoa . -
274 REVISTA TRIMENSAL

CROATÁ bromelia espinhosa , parecida com o pé de


ananaz, de que se tirão fibras tanto ou mais fortes que
as do linho, das quaes se fazem soadores de sella, cordas
de rede, cabrestos de cavallo - Da capemba extráe-se
uma massa, que come-se. A fructa vermelha, da forma
da abobora, é muito cheirosa e de sabor agradavel . Di-
zem que, reduzida á garapada, é bom remedio para in-
flammações e um poderoso vermifugo. A semente é
muito diuretica-Pela fermentação colhe-se uma aguar-
dente agradavel ao paladar. Graty cit. , P. 289- Ety.:
contracção de caragoatà herva que arranha o vian-
dante, de caranhe arranhar e oâtá o que anda, por causa
dos espinhos . Martius cit. , P. 377 e 497 - E o mesmo
que craud e croà. G. Dias, Dic . cit. , verbo Caraod.
CROATAHY : especie de vegetação aquatica , que
cresce no fundo dos rios e poços, pela secca, a ponto de
impedir a pescaria . Onde a ha o peixe é abundante,
gordo e saboroso › Ety.:-croatà e hy agua, agua do
croatá.
CRUÈIRA: a parte grossa da mandióca , que não passa
na peneira ou urupemba. Moraes e C. Aulete cit.-Ety.:
-o que foi comida, contracção de caruéra, de cari co-
mida, alimento , com o preterito ér que foi. Macedo Soa-
res , Rev. Bras . cit . , T. 8.° P. 120. Melhor : kui farinha
e era preterito : farinha que já não é , por ser grossa de
mais. J. Verissimo cit. , P. 41.
CUANDÚ (ouriço cacheiro) : passa o inverno no co-
vil n'um profundo somno. Carnivoro , devóra insectos
e reptís ; trepa arvores para colher fructas ; não sãe so-
sinho de noite, e come de dia . É de natural manso e
póde-se domesticar . Hourloup e Duval cit. , P. 109 , N° 2
Come-se a carne, que é gostosa. G. Dias, Dic. cit.-
Ety.:-Martius , P. 380, escreve quandú, coandú, e coen-
dú e diz que estes vocabulos viéram da lingua dos ne-
gros. Mas é tupi : -pode-se reportar a guandu guâ, de hâ
pello e tu querer, de mbotu quer, alterado de ti. B. Cae-
tano, Vocab. cit. , P. 85. Preferivel á do mestre : cua
cintura e a particula ndu, que serve para mostrar o uso
de alguma cousa, assim refere-se à cauda deste animal ,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 275

que é agarradora , isto é , forma uma cintura em torno do


objecto que segura . B. Rodrigues, Rev. do Inst. cit. ,
P. 74.
CUATÍ ( nasua solitaria, v. New . ) : animalejo ; dor-
me nas arvores como o macaco, mas de dia desce a
caçar. Sustenta-se de minhócas , cobras ainda que sejão
venenosas, e até dejabotys, comendo-lhes pés e mãos até
onde lhe chega o focinho . G. Dias , Dic. cit . - Costuma
viver em bandos , e é damninho . -Exposição Universal
do Imperio do Brasil em Philadelphia , 1876 , P. 34 —
Ha de duas especies : social que vive sempre em bando ,
e solitario, que vive isolado. O 1. chama- se tambem
cauti-monde, porque deixa-se facilmente pégar com ci-
lada . E. Liais cit. , P. 427 - Ety. :- nariz na cintura,
de cua cintuta, e ti nariz , porque dorme com o nariz
na cintura. G. Dias ; quâ molle e ty focinho , que os
qua
indigenas sempre observadores lhe deram , alludindo á
consistencia e ao movimento , que tem o focinho . B. Ro-
drigues, Rev. do Inst. cit . , P. 70 ; — aquatê nariz de
poncta, nariz ponctuado , focinho . B. Caetano , Vocab.
cit. , P. 45 G. Dias escreve Cuati ou Cuatim .
CÚIA : cabaço aberto pelo meio e limpo do miólo ;
serve para comer- se ou beber- se nelle , e para outros mis-
teres.-Ety.:-de cui. B. Rodrigues, Rev. do Inst. cit. ,
P. 75 ; -vaso de comer , de cui vaso em geral , e do verbo
- comer. B. Caetano , Notas aos Indios do Brasil de
Fernão Cardin cit . , P. 89.- É vocabulo tupi já admet-
tido no portuguez . C. de Mag . , O Selv. , P. 47- Moraes
escreve, cuya, e C. Aulete como no texto , cuja ortho-
graphia é a mais commum ..
CUMARÚ (diptrix odorata Wied, cumarana odorata
Aubl.) : é a mesma imburana de cheiro . Arvore de mar-
cenaria. As flores são côr de purpura. O fructo contém
uma semente cheirosa, semelhante á uma fava, e que
costuma se botar no rapé para dar-lhe aroma Della
extráe-se um oleo fino e aromatico , empregado nas per-
fumarias . Labre cit. P. 37 , Nota. Das folhas faz-se
opodedoc contra dõres rheumaticas ; e o succo da en-
trecasca, com assucar, dizem que é excellente romedio
276 REVISTA TRIMENSAL

para belidas - A casca é anti-spasmodica e sedativa ,


usada em banhos para as dôres rheumaticas ; é anale-
ptica, diaphoretica, e emmenagoga. Pompêo, Ens . Est. ,
cit. , T. 1. , P. 169 , Nota 7, e P. 179, Nota, in fine
-
Ety : corruptéla de cumbari tempo , de cu alimento ,
e mboorú alegrar. B. Caetano, Vocab. cit. , P. 81 - Acho
preferivel : curu comprido, ua fructo , semente, e arú
do verbo rub eu tenho : o que tem semente comprida ;
porque o fructo, que é uma drupa alongada, com o en-
docarpo osseo, contém uma só semente. B. Rodrigues ,
Rev. do Inst . cit. , P. 75- Cumarim, arvore do fructo
menor, corruptéla de cui fructo, e mirim pequeno . Mar-
tius , P. 392 .
CUMATÍ (psidium albidum) : arvore e fructo . Da
casca as indias fazem uma infusão, que serve de oleo e
tambem de mordente para pintar cuias e pól-as lus-
trosas. G. Dias, Dic. cit. , verbo Crueira . O fructo é
menor do que o do araçá , doce e cheiroso , do feitio de
um peitinho ― Ety.corruptéla de cú alimento , co-
mida, uá fructo e - i diminutivo , anteposto o t por
-
euphonia : fructo pequeno que se come C. Aulete es-
creve Cumaty contra a indole da lingua ; pois o y final
é de ordinario designativo d'agua . Ex : -Taquari ta-
quára fina ; Taquary agua ou rio da taquára.
CUNHA : antigamente, a femêa de qualquer animal .
G. Dias, Dic. cit . - Sensu primitivo mulier , de animalibus
sexum fœminium significat. Martius cit. P. 446 - Já é
admittido geralmente na linguagem commum como sy-
nonimo de mulher india ou cabócla- Em guarany -
cuna -Ety. :-- compõe- se de lingua despégada ou aberta ,
singular etymologia, que leva a crêr que a mulher
guaraní se serve profusamente do dom da palavra .
Graty cit. , P. 200. Parece provir antes de coyd, coñá ,
o que ermana, emparelha, a companheira, a mulher.
É notavel este nome, porque ainda se lhe podem dar
muitas derivações : de côy par, pode ser coyar a que
faz par, a companheira ; de cu alimentar concebe-se
cuja a que alimenta e ainda outras. A melhor parece
levar a co o ser, yang anima (alma) , ou yab nasce. B.
Caetano, Vocab . cit. , P. 78 e 82.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 277

CURIBÓCA : Vocabulo tupi , porque se conhecião os


nascidos das raças cruzadas, mas o uso fez preferir o
nome de mameluco , porque ainda hoje se conhecem no
Pará os descendentes mestiços das raças africana e ame-
ricana . Varnhagen , Hist. cit . , T. 1.º , P. 172 — Entre
nós é o homem de côr escura , entre cabóclo e negro. J.
Galeno, Lend. e Canç. Pop. , P. 411 ; de pelle averme-
lhada escura , cabellos lustrosos e amarellados . Araripe
Junior cit. , P. 240 -- Ety. : -corrupção de cariuỏca ti-
rado do branco , de cariua e oca tirar. C. Mendes , Notas
para a Hist. Patria cit. , P. 101 , Nota 38 , J. Verissimo
cit. , P. 11— Martius , P. 38 , escreve mais orthographi-
camente - caribóca homem mestiço ; mas a orthogra-
phia do texto é a do commum dos escriptores .

CURIMA : peixe de escama dos nossos rios ; cresce até


palmo e meio , e é um dos mais apreciados d'agua doce—
Ety.corruptéla de quirî-bae o que é tenro, o que é
delicado . B. Caetano , Vocab . cit . , P. 438 - Temos tam-
bem a curimai, mais fina , de- curima e i -diminutivo .
CURIMATAN (schizodon fasciatus) : peixe d'agua
doce , de escama, de palmo e meio de comprimento; muito
·
apreciado pelo sabor . Anda sempre em cardumes , aos
saltos , como a taínha , procurando as correntes e ca-
choeiras Ety.:- curima e antán grossa . J. Lucook
cit. , P. 28 .
CURÚ : rio , nasce na serra do Machado , em Quixe-
ramobim, e lança-se no mar, no logar Parȧ do Norte ,
depois de um curso de mais de 45 leguas , formando um
porto accessivel a pequenos navios . Pompêo , Dic . Top.
-Ety. : -Camisa , camisola sem mangas , lençol que se
amarra em roda do corpo , ordinariamente das mulheres ,
Macedo Soares, Rev. Bras . cit . , T. 4. ° , P. 250 , Nota : —
curú, curub sarna, seixos , pedras pequenas , cascalhos .
B. Caetano, Vocab . cit . , P. 84: -- escraboso . B. Rodrigues ,
Rev. do Inst . cit. , Notas ao Vocabulario ; abundancia,
por toda parte. C. Mendes , Memorias cit . , T. 2. °, In-
trod . , P. 12. E' esta derivação a que me parece preferi-
vel , pelo menos explicavel pelo facto historico . Quando ,
a 17 de Setembro de 1614 , Diogo de Campos explorou
278 REVISTA TRIMENSAL

esse rio, achou em suas margens e aguas infinita caça


e pescaria, inclusive uns buzios de feição a botijas, com
muito que comer dentro, de modo que somente nesse
logar poude dizer que a sua gente não soffreo fome.
Lisboa, Obras. cit. , T. 2. , P. 88. É provavel que dessa
abundancia viésse o nome.
CURUMÍM : menino . G. Dias, Dic. cit. , e J. Galeno ,
Scen. Pop. , P. 280. Mas não todo menino : recem-nas-
cido-mitangai , ou menino pequeno; até dous annos
mitanga; até sete -curumim-mirim; de sete até quinze
-curumim; curumim-guaçu ou rapaz, se já se empre-
gava na caça ou na pesca. Ives d'Euvreux , Viagens ao
Norte do Brasil durante os annos de 1613 e 1614 , Ed.
1864, Cap. 21-Ety.:-Moraes cit. escreve- Curubim ,
e diz sem fundamento que o vocabulo é aziatico , signi-
ficando o indio moço de servir, ou servo addito á gleba;
e no Brasil rapaz ou moço de servir alugado ; podendo
ser que os jesuitas missionarios déssem este nome das
duas Indias promiscuamente, não obstante ser um só
idióma, ou que seja um dos que são communs ao Bra-
sil e á India, como acontece em nome de terra de uma
e outra região- Ety.: kyrymi-curumi, de kyry pequer-
rucho, criancinha - J. Verissimo cit. diz que a forma
mais correcta seria kynymi ou cunumi, no abaneenga
ou guaraní primitivo- Entre nós o vocabulo está vul-
garmente corrompido em Culumim, com a mudança
commum dor em l, letra que aliás o indigena não co-
nhecia, como já ficou dito .
CURUMINJÚBA: serra em Maranguape - Ety.:-
menino amarello , de curumim, e juba amarello . Mar-
tius . Glos. cit. , P. 496.
CURURÚ ( pipa ) : sapo grande e preto , difficil de
andar e, quando anda, é aos pulos como o coêlho . Ex-
pelle um leite que produz ophtalmia e cegueira. G.
Dias, Dic. cit. Dizem que tem tanta força magnetica
que colhe os passarinhos que o fitam, e os proprios bizer-
ros, pelo que os sertanejos são solicitos em dar-lhe caça.
Tem pequena protuberancia na cabeça, donde vem cha-
marem-no tambem sapo de chifre. (Vide Martius cit. ,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 279

P. 447) Ety.: em guarani vagaroso, que chega


tarde. Graty cit. , P. 200 ; Onomatopaico - ronco , ron-
cante, soando pela garganta . Pode tambem provir de
curúrub- que tem ou faz sarna ; pois segundo a crença
vulgar o simples passar do sapo pelo corpo , e até só pela
roupa , produz uma erupção cutanea . B. Caetano , Vo-
cab. cit., P. 84 - Ha tambem uma cobra chamada cu-
rurù-boia cobra do cururu ; ou porque alimenta-se do
sapo, como diz Alexandre Rodrigues Ferreira ; ou por-
que se aninha nas raizes das arvores , e se enrosca no
tronco como sapo , segundo Baêna . E' mais grossa do
que as outras e verde , pelo que tambem a chamam co-
bra verde : pois entre as folhas se distingue pelo movi-
mento - Cururu tambem uma qualidade de cipó muito
forte e duradouro , que se presta para amarrar cercas e
paredes de casas de taipa . O succo deste cipó , bebido
com agua, é remedio efficaz contra os vomitos de san-
gue. Moraes cit . Os selvagens do Amasonas extráem
desta planta um veneno muito activo , com que hervam
as suas settas . Rev. de Hort. cit. , 1879 , P. 52.
CUTÍA (dasyprocta caudata) : animalsinho ; habita
nos bosques , collinas e varzeas , fazendo raras vezes tóca
para viver, por preferir os troncos ôcos das arvores.
Corre com velocidade , dando grandes saltos como
lebre, com a qual muito se parece na timidez e agudeza
do ouvido . Alimenta-se de raizes e fructas , preferindo
entre todas as da palmeira. Em captiveiro come carne
e peixe. Assenta - se sobre as cadeiras , e leva com as
mãos o alimento á boca. A cór é de um pardo cinzento
amarellado , com uma tintura de amarello por baixo ; as
pernas negras . Bôa caça, e a pelle muito forte. Hour
loup e Duval cit. , P. 138- Parece pouco intelligente,
ainda que de orgãos dos sentidos muito apurados . As
pernas anteriores são muito mais longas do que as de
deante. Tem a urina fetida . Vive ás vezes em bandos
de 7, 8 e até de 15 a 20. Walppous cit . , P. 285. Do
couro fazem-se bons sapatos, tão bom e macio é . Ety. :
vigilante, do verbo acuti esperar, acautelar , esprei-
tar, como quem váe pé ante pé. G. Dias, Dic. cit. , verbo
Acuti , Walppous cit. , P. 184, B. Rodrigues, Rev. do
280 REVISTA TRIMENSAL

Inst. cit. , P. 72, E. Liais cit. , P. 534 - Talvez de a


gente , cûr-té modo de comer ou tragar, com as patas
dianteiras ; ou de a- coti saltar de cabeça para baixo ,
porque esse animal tem as pernas posteriores demasia-
damente altas de modo que fica inclinado o corpo para
a cabeça. B. Caetano, Vocab. cit. P. 22 e 84 Ha tam-
bem a cobra de cutia, assim chamada, por ser este ani-
mal o seo sustento mais commum . G. Dias, Dic. cit . Di-
zem que esta cobra açouta com a cauda aos que a moles-
tam . Braz Rubim cit. , P. 365.
CUTUCAR : Ety. : -tupi- tucȧ -tucȧ dar murros , aco-
tovelar. G. Dias, Dic . cit. , verbo Tucà ; kutug, kutuc
furar ; bater, tocar, mas tocar com um objecto pontudo ,
com uma faca, com o dedo , com o cotovelo . - E' um dos
verbos mais expressivos que a lingua popular do Brasil
herdou do tupi . J. Verissimo cit. , P. 41 ; -- verbo gua-
rani cutug, composto de quiti esfregar, raspar, rapar,
limpar, afiar : bater roupa, sovar . B. Caetano , Vocab.
cit. , P. 438 ; ou furar, do substantivo verbal kutukab,
de kutug. C. Caetano , Ens. de Scien . cit . , T. 2. ° P. 106
-E' vocabulo admittido geralmente no portuguez por
tocar com a ponta. C. de Magalhães , O Selv . cit. , P. 77 ;
ou por tocar no corpo, empurrando . B. Caetano , Vocab.
cit . Mas no Sul se diz Catucar. J. Verissimo , cit.

EMBIOCAR : ety. : verbo de origem tupica , empregado


em portuguez como synonimo de entrar no buraco (oca).
C. de Magalhães cit. , P. 77. Do uso familiar, significando
encolher-se, murchar, e até calar- se.
EMBÍRA (xilopea sericea): especie de cordão feito da
casca interior (fibra) de algumas arvores . Durão , Nota
ao Caramurú.-Ety. :-corruptéla de ybira casca . Mar-
tius , P. 48 ; de mbir-pir a pelle, a casca. J. Verissimo ,
P. 41 ; ou antes - pelle de arvore, entrecasco , alburno .
B. Caetano , Vocab. P. 203. Pode ainda ser corruptéla
de ymbira, de yb, mudado o bem m arvore, e pira, mu-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 281

dado o bem p pelle : arboris pellis, arboris cutis. B.


Caetano , Ens . de Scien. , T. 1. ° , P. 62. Moraes escreve
Envira, de todo desusado .
EMBIRATÁNHA (bombacis sp . ) : planta que dá em-
bira ou fibras tão rijas, que servem para cordas . J. Ga-
leno, Scen. Pop . , P, 274. Dá uma batata comprida ;
quando nova é tenra e de um adocicado agradavel .
Pompêo, Ens . Est . , T. 1.º , P. 204 , N. 2 - Ety.: de
embira e tanha, corruptéla de ïtân de pedra, dura , rija:
embira forte.
EMBIRÍBA (canna clauca) : arvore pequena, das fo-
lhas miudas e despontadas ; dá um fructinho cheiroso
de gosto ardoso e é adstringente . O vulgo attribúe-lhe
qualidades medicinaes . Della extráe-se a embiribina ,
xarope medicinal- Ety. : embira , e iba arvore , arvore
da embira.
EMBIRICÍCA : Ety.:-embira cortada , de embira , e
cica cousa partida ― Pedaço de embira , de que se ser-
viam os indios , e ainda hoje os nossos pescadores para
enfiarem o peixe, formando a cambada , que conduzem
em páu ao hombro , ou no dedo . Já se ouve embiricica
de peixe por cambada de peixe.

EMBOÁ (zufus) : centopêa , cujo corpo é formado de


pequenas conchas, como o tatú, de côr escura e lustrosa,
de fragil consistencia . As extremidades , como as da co-
bra de duas cabeças ( ibijảra ) , são tão parecidas que com
difficuldade distingue-se a cabeça da cauda . Os maiores
attingem a 3 polegadas , e não excedem da grossura de
um cipó regular-Ety. : -B. Caetano , Vocab. cit.. P. 32
e 478, escreve amboȧ centopéa, em geral insectos de pel-
los erguidos , corruptéla de tâ- bi- a o que tem pellos hirtos .
Mas o nosso emboȧ não tem pellos ; a casca é vidrenta
fragil e lustrosa- Penso que vem de mboà o laçador, o
que arma laço; porque esta centopéa , ao tocar- se-lhe ,
enibola-se de repente, à maneira do tatú-bola, como que
armando um laço .
ENCANGAR : geralmente admettido no portuguez
por metter os bois no jugo - Ety. :-de acanga cabeça .
282 REVISTA TRIMENSAL

C. de Magalhães, O Selv . , P. 77. Já vem em C. Aulete,


significando-perder o movimento , etc.
EXÚ abelha pequena. -Ety. : -corruptéla de eirú.
Martius cit. , P. 448. A verdadeira é : corruptéla de ei-
chú busca, mel , de ei mel e chi buscar, especie de abe-
lhas negras. B. Caetano , Vocab. cit. P. 115 e 172 - C.
de Magalhães cit. , P. 14, escreve ichu; e Pompêo , Ens .
Est., T. 1.°, P. 218 enxú - Ha tambem uma abelha
menor, de côr pardacenta -exui, de exú e o diminu-
tivo- ; laboriosa, que constróe favos de delicioso mel .
- Pompeo, e Taunay, Céos e Terras do Brasil, P. 112,
escrevem Inxuhy , injuy, contra a etymologia.

GAMBÁ ( D. cancriovora , temm. didelphides ) : qua-


drumano , do genero dos mamiferos marsupides . — É
quasi do tamanho de um pequeno gato . O focinho e a
cabeça parecem-se com os do cuatí; tem tambem os mes-
mos dentes a lingua formada como a do tamanduá . O
pello dos hombros e pernas é espesso e cinzento e o da
barriga amarellado . Cauda comprida , pellada , meia es-
camosa e acinzentada . Como o cangamba tem um fetido
insupportavel , e delle differe no nome e nos habitos :
aquelle habitante das florestas ; este dos logares onde a
vegetação é desenvolvida . É bôa caça, sendo bem tra-
tada . J. Luccook. cit . , P. 6.- O nome marsupides, de-
rivado do latim marsupium (bolsa) foi a principio em-
pregado para designar o grande grupo ou antes à classe
inferior dos mamiferos, de que nos occupamos , porque
muitas das femêas desses animaes tem no abdomen uma
dobra longitudinal da pelle de cada lado do corpo , dis-
posta de maneira a poder recobrir as mamas, e formar
assim uma especie de bolsa contendo estes orgãos e fe-
chada com o auxilio de musculos . Os filhos nascem mal
desenvolvidos . Os orgãos dos sentidos, notadamente os
olhos e as orelhas , não estão ainda bem formados quando
elles deixam o seio materno. Neste estado se ligam ás
têtas da mãe até completar seo desenvolvimento , sendo
DO INSTITUTO DO CEARÁ 283

protegidos por essa bolsa . Mais tarde deixam as mámas ,


e sahem para começarem a andar e nutrir- se no exte-
rior, mas se refugiam ainda por algum tempo na bolsa
ao indicio do menor perigo, sendo tambem desta ma-
neira que as mães os transportam de um logar para
outro. Quando crescem não é possivel trazel - os todos
na bolsa, a mãe conduz algumas vezes 2 ou 3 delles nas
costas . E. Liais cit. , P. 114 e seguinte - Muito agil em
subir as arvores , a cujos topos chegam com extrema
facilidade a favor da sua cauda apprehensora . Dá caça
ás gallinhas e pombos ; e á semelhança dos Putorius
(Doninhas) devoram os óvos com tal delicadeza que os
deixa vasios sem quebrar-lhes a casca. Walppous cit . ,
P. 276--Tem notavel predilecção pela aguardente . Quem
os quer apanhar colloca em logar, onde lhe seja facil a
entrada, algumas vasilhas com o liquido tentador, que
elles saboream soffregamente, e só deixam depois de
bebados. E' bom divertimento vel-os neste estado a pu-
lar, a revolver-se e a guinchar, como se déssem garga-
lhadas de jubilosa embriaguez . S. de Frias , cit. , P. 194
-Chamam-no vulgarmente cassaco , corruptéla de com
sacco da dobra no abdomen , especie de sacco - Ety. :-
de came ou game mama , peito , e mbde objecto , cousas ,
e que equivale a mamas encobertas . E. Liais cit . , P.
329— (Vide Cangambȧ , Jaritacȧca , Sarigué e Timbú).
GAMBÓA : caneiro que se faz dentro d'agua , onde se
toma o peixe, tapando a entrada quando a maré vasa
para despescar a gamboa ou cambôa . Moraes cit . — Ety. :
derivado da lingua abañeê, onde se pode explicar por
cercado d'agua , atalho do rio para designar o curral do
peixe. B. Caetano , Rev. Bras . cit. , T. 3.º , P. 26 .
GARÁPA : agua com mel de abelha , ou com assucar,
limão , ou com o succo de fructas acidas , como tama-
rindos , laranjas azêdas , maracujás , etc. - Entre nós é es-
pecialmente a calda da canna de assucar. Com esta si-
gnificação C. Aulete escreve, sem fundamento , guarapa
-Ety.o liquido escorrido , de igarapa , gerundio de
ly-arab (i-yar-ar colher a agua que cae) apanhar o es-
corrido, o distillado . B. Caetano , Vocab , cit. , P. 212.
284 REVISTA TRIMENSAL

GARAPU (servus simplici-cornis, III, cervus nemo-


rivagus, Fr. Cuvier.) : veádo pequeno, vermelho , com
pintinhas brancas. Tem as orelhas grandes , donde veio
o chamar-se orelhas de garapú ao individuo , que as tem
grandes e acabanadas-Ety.:-corruptéla de caa folha ,
ri muitas vezes, e acú que se divulga entre alguma
cousa; assim chamado por dormir entre a folhagem , e
não lhe apparecer mais do que o lombo . G. Dias, Dic.
cit. , verbo -Cuaçú-cariacú .
GARGAÚBA : arvore, de cuja casca se tira a embira,
com que se faz a corda chamada poita. - A fructa é do
tamanho de uma cereja, de côr amarella , gosto adoci-
cado , mas com travo . Moraes . cit.-Ety.:-a mesma da
craúba, de que é corruptéla.
GENIPABÚ : riacho entre a Pavuna e Tapery -
Ety. agua do genipápo , de genipapo, mudado o p
em b, fructa, e ù, abreviatura de hu agua.

GENIPÁPO (genipa brasiliensis L.) : fructo da arvore


genipapeiro ; do tamanho e feitio de um limão grande ;
pardo por fóra , com a casca engelhada e molle quando
maduro ; tem dentro uma polpa amarellada agridoce e
adstringente, muito substancial e estomachal . Quando
verde applica-se a rupturas para recolher o intestino , e
sobretudo ás rescentes para apertar o annel relaxado .
Quando maduro cáe d'arvore espedaçado , donde dizer- se
vulgarmente cahio como um genipapo maduro do indi-
viduo que deo uma grande e desastrada quéda. Dá tinta
preta, e vem d'ahi chamar-se tambem genipapo á uma
malha escura sobre as cadeiras dos mulatos recemnas-
cidos , o que é prova de não ser branco- Ety. : -ñandi
azeite e iba fructa : fructa de azeite. B. Caetano , Vo-
-
cab. , P. 313 e 569 Chama-se já muito geni (abrevia-
tura do nome) , com que tambem já váe sendo conhecida
a gingibirra (bebida popular) por ser mais commumente
-
feita do genipapo Era igualmente o nome de uma
tribu tapuia, que occupava a chapada da serra de Ba-
turité , e os sertões ao sul d'ella . Theberge cit. , T. 1.º ,
P. 5 ; assim chamada , porque pintava-se com a tinta
DO INSTITUTO DO CEARÁ 285

preta do genipapo , pelo que erão tambem esses indios


conhecidos por negros . Araripe cit . , P. 15 .
GERIMU (cucurbita major rotunda) : abobora - Ety :
corruptéla de yeribú o que faz agua , emergir, sahir,
ensopado, aguado , embebido . B. Caetano , Vocab . cit . ,
P. 184 e 592. — A especie mais commum é o arára e a
mais apreciada - o caboclo , que é comida agradavel com
o leite.
GIA : ra grande , abundante nos nossos riachos e cor-
rentes . Come-se, e dizem que é saborosa como a gallinha
—Ety. : —G. Dias , Dic. cit . , o dá por tupi, mas não dá
a etymologia. Parece-me provir de ig (por metathese)
gi agua, e de a fructo e , por extensão- o que brota, o
que surge : o que procéde d'agua .
GIBÓIA (boa constrictor) : é das serpentes maiores e
muito notavel pelo comprimento, força , belleza das
1
córes e regularidade das malhas . A's vezes chega a 30
e 40 pés de comprimento ; o focinho tem a parença com
o de um cão de caça ; as escamas quadradas, e ao com-
primento do costado uma camada seguida de grandes
malhas ováes , de pardo escuro , postas tranversalmente
duas a duas . Ainda que tão enorme reptís sejão desti-
tuidos de veneno , a sua força , agilidade e astucia os
fazem temiveis. Ou pendurados das arvores , ou mer-
gulhados n'agua, ou escondidos por entre a herva ,
espreitam a présa , arrojam- se á ella , e a enleiam , aper-
tam e machucam com as suas roscas . Quando o animal
está inteiramente ralado , o estende no chão e , depois de
o untar com a bába , começa de o tragar. Nesta especie
de deglutinação dilata consideravelmente as queixadas ,
e parece que devóra um corpo mais volumoso que o seo.
A's vezes é pilhado o monstro nesta penosa obra, e então
é facil matal -o , porque nem pode fugir nem desengas-
gar-se. As tribus selvagens lhe tributam culto sob
varias denominações , e os mexicanos tinhão como pre-
sagios importantes os assobios mais ou menos fortes que
ella dá . Panorama, T. 1.º , P. 169 -Depois de tão fiél
descripção veja o leitor a falta de criterio de Porto Ale-
gre, no seo Colombo , T. 2, C. 35 , P. 406 , attribuindo á
286 REVISTA TRIMENSAL

gibóia o que se conta da cobra preta, animal muito


differente !

Alli , a esposa o filho ao seio encosta


Sem que a surda gibóia a rêde chegue,
Chupe o leite materno, e ponha a cauda
Nos tenros labios do enganado infante,
Em quanto o somno lhe entorpece a madre.

Ety. :-cobra de arremesso , de gi machado e boia cobra,


porque esta serpente lança o bote, semelhante ao golpe
do machado . J. de Alencar, Irac. cit , P. 174 ; -cobra
de arremesso (que procumbit, descendit), de jub-boya .
Martius cit. , P. 498- A verdadeira é :-cobra d'agua de
ig (por metathese) gi ou i agua e boya ou mboi cobra.
B. Caetano, Vocab. cit. , P. 591 , B. Rodrigues, Rev. do
cit . - Felizmente
Inst. cit. , P. 55, Moraes e Lacerda cit.
já não temos mais a giboia , mas seo nome é tão conhe-
cido e repetido ainda entre nós, que não pude esque-
cel-o . (Vide Boaçu e Sucurijú) .
GIJÓCA : grande lagoa, a 6 legoas ao norte da cidade
do Acaracú, a cujo municipio pertence ; com perto de
10 legoas de circumferencia ; muito piscosa, pelo que na
ultima secca servio de grande refrigerio e alimentação
á pobreza- Ety. : -ig (por metatheze gi) agua, e jóca
lavar agua que se presta á lavagem .
GIQUÍ : especie de manga tecida de cipós e taquáras :
serve para pesca e caça (G. Dias , Dic. cit . ) , ou covos
afunilados , ás vezes com duas sangas, que se mettem
nos caneiros . Varnhagen, Hist . cit . , T. 1 , P. 117-0
copim desfeito no giqui é um dos melhores attrahentes
do peixe-Ety. :-y ique-i o em que se entra. B. Cae-
tano, Vocab. cit. , P. 587 - Já vem nos dicc. de Moraes e
Aulete-Povoado no Aracati - J. Verissimo cit . , P. 441,
escreve Jequi.
GIQUIÁ : cesto ou covo para apanhar peixe-Ely. :
-y-iquid o que entra, apanha. B. Caetano , Vocab. cit . ,
P. 587 .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 287

GIQUIRÍ : arvore das folhas miúdas , de espinhos cur-


vos para os dous lados , agarrando por ambos como os da
chamada unha de gato -Ety . : -y-iqui o que entra , eri
muitas vezes , alludindo á forma dupla do espinho , que
agarra .
GIQUIRITÍ (abrus precatorius ) : especie de trepa-
deira, cujas sementes são usadas como remedio energico
nas ophtalmias rebeldes ou granulosas. Pompêo , Ens .
Est. cit. , T. 1 , P. 172 , Nota 1. -Segundo Nicolau Mo-
reira é narcotico ; e Freire Allemão Sobrinho -muito.
venenosa : determina perda dos sentidos e convulsões .
As folhas são empregadas contra molestias de garganta ,
tosse , etc. Os indios serviam-se da semente secca , do
tamanho de um caroço de chumbo bastardo muito en-
carnado , com o olhinho preto , para enfeites dos seos
collares e maracás ; e as creanças ainda hoje as empre-
gam tambem para enfeites de brinquedos Ety. : —
giquiri e ti fructo , semente ; semente de giquiri.
GIRÁU :: casa ou terraço feito sobre forquilhas , serve
de canteiro , paiol ou ventilador. G. Dias , Dic . cit.; ou
sobre forcados em sitios alagadiços . Martius cit . , P. 59 .
— Na jangada é uma especie de estrado onde acommo-
dão-se os passageiros . Em geral é qualquer estiva ele-
vada do sólo e suspensa em forquilhas. J. de Alencar ,
Irac. cit . , P. 263 , e C. Aulete cit . - Leito de varas sobre
forquilhas ; serve para guardar a louça , panellas, pratos
e legumes. J. Galeno , Lend. e Canç . Pop. , P. 395 —
Ety.corruptéla de yirab o que é para colher a co-
mida . B. Caetano , Vocab . cit . , P. 598 — Moraes escreve
jurȧo.
GITIRÁNA ( argyreia alagoana ) : especie de trepa-
deira, que vegeta muito nos brejos e cannaviaes . Ha
de 2 qualidades : das flores brancas e roxas, delicadas ,
do feitio de uma campanhia -Ety. :-batata falsa, de
yeti batata, e rana falsa . Braz Rubim cit . , P. 371.――· E'
preferivel : ñatirana , yatirana , getirana ( in- atê-rá ) o
que é para amarrar ; liga. B. Caetano, Vocab. cit. ,
P. 315 .
288 REVISTA TRIMENSAL

GOIÇÁMA : linha fina , sem anzol , de pescar agulha


para isca de peixe de corso - Ely. : -corruptéla de
cuma-âi, cumamâi dente ou farpa para ser engolido,
especie de fio com que pescam ; verbo transitivo- pescar
com linha sem anzol . B. Caetano , Vocab. P. 81 .
GOYANA : Ety. : - gente estimada, corruptéla de
guaya gente e na estimada . Varnhagen, Hist. cit. , T.
0
1. P. 100 , Nota 3 ; ou antes - parente dos alliados , ou
alliados parentes , corruptéla de coya unidos, ligados ,
alliados , e na misturado ou parente. B. Caetano , Notas
- Povoado na
aos Indios de Fernão Cardin, P. 97
Granja.
GOYANÁZES : tribu tapuia , docil , das que mais de-
pressa se alliáram aos portuguezes . Habitava os arre-
dores da Capital. Mello Moraes cit. , T. 2, P. 385. Diz
Araripe , Hist. , P. 16, que este vocabulo é uma denomi-
nação particular dos Anacés - Ety.:- a mesma que a
de Goyana - Varnhagen cit. escreve - Guianazes ; G.
Dias, Brasil e Oceania cit. , ora Goyanazes (P. 37 e 38) ,
ora Goianazes (P. 269) . Mas Gabriel Soares, Noticia do
Brazil cit. , escreve como no texto , que é a orthographia
commum .

GOYANÍNHA : povoação em Missão Velha — Ety . :


- -Goyana pequena, de Goyana e mirim já traduzido
para o portuguez.
GRAJÁU : Ety . : -contracção de guira passaro e o
verbo yar estar pégado , unido : cesto em que se guarda-
vam passaros. Hoje applica - se tambem á guarda de
outros objectos : grajau de laranjas etc.
GRAUÇÁ : especie de caranguejo , que se encontra
em pequenos buracos na areia da praia, de que tem a
côr. Alimenta- se de immundicias, e é usado como re-
solvente nos tumores . Ety. :-contracção de coara (mu-
dado por antithese) o c em g) buraco , e uçà caranguejo :
caranguejo do buraco para differençar do do mangue.
GRAÚNA : um dos nossos passaros mais apreciados
pelo canto ; de uma côr preta luzidia. J. de Alencar ,
Irac. cit. , P. 164- Ety. :-contracção de guira passaro
DO INSTITUTO DO CEARÁ 289

e una preto - Silvio Dynarte (Taunay) na Rev. Bras.


cit. , T. 1. ° , P. 108 , n.º 2 , e B. Rodrigues, Rev. do Inst.
cit. , P. 64, escrevem caraúna contra a etymologia, e
dizem que em algumas provincias este passaro é conhe-
-
cido pelo nome prosaico de vira-bosta ! No norte da
Provincia é conhecido apenas por cupido , talvez pela
semelhança das notas do seo canto , as quaes dizem per-
feitamente . — cỏ - pio .
GROAHÍRA : rio ; nasce nas terras altas, que dividem
Quixeramobim de S. Quiteria, e entra pela margem
esquerda do Acaracú , 5 legoas acima da cidade de So-
bral , depois de um curso de mais de 30 legoas . Ety. :
contracção de guira e yra mel : mel de passaro , ou de
que os passaros gostam .
GRUMIXÁMA (eugenia brasiliensis ) : fructo como o
da cereja ; tem embaixo uma corôasinha verde

a grumixáma
Cuja flôr tropical o sol festeja .

(PORTO ALEGRE , Colombo , T. 2 , C. 29 , P. 251 ) .

Ety.corruptéla de curumi menino e cama peito .


- Moraes escreve Igramanixama e
Martius cit. , P. 394 -
C. Aulete Grumuchama !
GUABIRÁBA, ou
GUABIRÓBA : arvore parecida com a goiabeira , prin-
cipalmente o páu , mas a folha é mais lisa. A madeira
é muito forte. O fructo é pequeno como a jinja , mais
amarello e de excellente sabor - Diz Pinheiro Chagas ,
Virgem Guaraciaba , P. 257 , que dá um azeite detestavel
-Ety. :-bago amargo, de gua bago e yrob amargo .
Martius, P. 294 ; ou : guabirab ou guabirob , de guabi ao
comer-se, e rob amargo , desabrido . B. Caetano, Vocab.
cit. , P. 130 e 185 ; ou folha cheirosa , de guam cheiro, bi
pelle e ob folha . B. Rodrigues , Rev. do Inst. cit. , P. 80 .
-No Imp. do Bras. na Exp . de Philad. cit . , P. 59 , e
em C. Aulete encontra-se guabirába (cordia rotundifo-
lia) e guabirába (psidium multiflorum , psidium corym-
290 REVISTA TRIMENSAL

bosum) como arvores distinctas . -J. de Alencar, Irac.


cit. , P. 172 , e Pinheiro Chagas escrevem guabiróba ; mas
G. Dias, Dic. cit . , escreve guabiraba , assim como Ma-
cedo Soares, Rev. Bras. cit. , T. 1 , P. 591 - B . Rodrigues
escreve tanto guabiraba como guabiróba , guadiràba
como guadiróba . Moraes -quabiràba . Na Provincia é
uma mesma arvore , com a differença que no litoral cha-
ma-se guabiraba, e no sertão guabiróba .
GUABIRÚ rato grande, maior do que o catita ou
camundongo, e menor do que o punarè. Habita as casas ,
mas é damninho e não se come-Ety. : -corruptéla de
guab-porú o que devóra a comida. B. Caetano , Vocab.
cit. , P. 130.
GUAIÁ : caranguejo grande, encarnado , sarapintado
de branco ou amarello . Vive no mar , e sómente se en-
contra nas rochas. Nunca sáe d'agua. Dizem que o
casco , dissolvido n'agua, é remedio excellente para o
fluxo das mulheres ; assim como tambem que, dissolvi-
das moscas n'agua , servem de remedio interno para
retensão de ourinas , e externo para molestias dos olhos .
J. Galeno , Scen. Pop. , P. 274 —
- Ety. : - guâ de côres
variadas , e uá fructo , semente ou tudo que emerge do
sólo o que brota da rocha de côres variadas , allusão ao
seo constante viver na rocha , e ás côres variadas do
casco .
GUAIÁBA (psidium) : arvore, cresce pouco , sem
copa espessa ; a madeira flexivel, porém muito forte. O
fructo chega até o tamanho do sapotí-Ha de 3 qualida-
des : branca ou da China, amarella e côr de rosa. As
suas cascas e grêlos, pela quantidade de tanino , que
contém , são empregados nas dyarrhéas e leuchorréas .
B. Rodrigues, Rev. do Inst. cit. , P. 79 - Ety. :-Mar-
tius cit. , P. 381 , diz que este foi um dos productos na-
turaes que foram espalhados alem dos limites da lingua ,
á que pertenciam originariamente , e depois em toda
America .-Marcgrav , Hist. Nat. do Bras., P. 104, diz
que este fructo foi introduzido no Brasil , e Moraes-que
a arvore é tanto do Brasil como das Antilhas . Mas Var-
nhagen, Hist . cit. , T. 2, Pref. , P. 13, sustenta que o
DO INSTITUTO DO CEARÁ 291

vocabulo é tupí, já conhecido na Europa . De feito , ou


vem de coyd- coñá, coyhab ermaniento , emparelhamento ,
ou de guayab agglomerado de fructos ou de sementes .
B. Caetano, Vocab . cit. , P. 78 e 137 - C . Aulete escreve
goyaba e Moraes -- goiaba ou gaiaba . O doce chama-se
guaiabada, e é muito apreciado .
GUAIAMÚ : Ety. : - irmão do guaià, de guaid ca-
ranguejo deste nome, e mo irmão ; porque este crustaceo
é da familia dos guaids : não vive em mangue , mas em
buraco pedregoso ou secco. Moraes escreve guayamú.
È a mesma orthographia de B. Caetano, Vocab. cit. , P.
137 , que decompõe o vocabulo tupí : gua redondo , com
i pospositivo, mais o suffixo a , ou de qua- i- de furados
(covos), bur emerge. Prefiro a outra .
GUAINAMBÍ : nome que os indios dão ao beijaflor ou
colibrí, a que attribúem o dom de levar e trazer noticias
do outro mundo . Nota 14 ao Caramurú , P. 101 (Vide
Sacy) .
Uma ave, entre outras ha, que se descorre ,
Ou fama certa seja, ou voz fingida ,
Que do jardim a nós , de nós la corre,
Como fiel correio d'outra vida .
Dizem que vôa , quando algum lá morre
E exprime no seo canto enternecido
0 que alma passa nas eternidades
E que nos leva e traz doces saudades .

(DURÃO , Caramurú , C. 3 , E. 36.)

-Ety. : -brinco das flores. Os selvagens tiraram natu-


ralmente esta designação do modo , por que o colibrí tre-
mula, como suspenso á flôr, para chupar-lhe o mel ,
semelhante ao movimento das arrecadas suspensas ás
orêlhas , o que elles chamam namby-póra . J. de Alencar ,
Ubir. , P. 192 ; - costumam os autores traduzir raios de
sol, quando com bom fundamento creio que significa —
pescocinho mimosamente pintado , de gua pintura , o ad-
jectivo guai formoso , lindo , expressão terna e anhumi
pescoço pequeno . Silvio Dynarte (Taunay) , Rev. Bras.
292 REVISTA TRIMENSAL

cit., T. 1. , P. 107, Nota 2. " ; - creio que o verdadeiro


nome é guanamby, de gua pintura , e namby orelha , re-
ferencia ás pennas brilhantes , formando mesmo em al-
gumas especies como que orelhas na avesinha . B. Ro-
drigues, Rev. do Inst. cit. , P. 79. A do mestre : De
guai-aibi (quai-albi passa de subito) fez-se guai-raibi,
guainambi beija-flôr, pica-flôr, colibrí ; ou guiramimbig
passaro scintillante. B. Caetano, Vocab. , cit. , P. 132.-
É o verdadeiro nome de um antigo sitio no caminho de
Mecejana, o qual anda corrompido em Eguanambi e até
em Aguanambi !
GUAJERÚ (multicaulis icaco) : arbusto fructifero ,
rasteiro, vegeta em logares arenosos . G. Dias, Dic. cit .
- O cozimento das folhas é remedio para rheumatismo
Ety.: -- gua pintado e juru boca, porque o fructo
tinge os labios de quem o coine.
GUARÁ (ibis rubra) : ave de côr rubra luzidía — -

Os guarazes pelo ostro tão luzidos ,


Que parecem de purpura vestidos.

(DURÃO, Caramurú, C. 7, E. 63) .

Nasce branca, torna-se preta, e por fim de um encarnado


vivissimo . G. Dias, Dic. cit. Mas Frei S. Carlos no seo
poéma Assumpção da Virgem, C. 2.º- diz que nascem
já negros

e os vermelhos
Guarás, que pennas trajam sendo velhos
De escarlate , se bem que negros nascem .

Conserva sempre as extremidades das azas pretas . Ayres


do Cazal , Corog. cit. Em algumas partes é tambem
conhecido por João Fernandes, Braz Rubim , cit. , P.
371
— Ety.: - arára d'agua , de ig agua e ard arára. J.
de Alencar, Irac. cit. , P. 165 ; -talvez pennas para
enfeites, de guay enfeites e rab pennas. B. Caetano ,
Vocab. cit. , P. 135 - Prefiro : guâ variada de côres , e
ard contracção de guira passaro ; ave de variadas côres ;
DO INSTITUTO DO CEARÁ 293

allusão ás que toma desde que nasce até que envelhece.


-Guard, tambem nome de um cão selvagem , lobo bra-
sileiro . Neste sentido tem etymologia diversa : provém
do verbo u comer, do qual se forma com o relativo g e
a desinencia ára o verbal guara comedor . A syllaba
final longa é a particula pospositiva d, que serve para
dar força á palavra. J. de Alencar cit . , P. 175 — Não é
mais do que uma corruptéla de yauarà cão . B. Rodri-
gues , Rev. do Inst. cit. , P. 81 -Outros , porém , pensam
que veio-lhe este nome do pello avermelhado da côr da
ave guard. C. Mendes , Memorias cit . , T. 2 , P. 330 ,
Nota 1. - Não é exacto , porque o pello deste cão é cin-
zento ou pardo , mais claro no ventre . B. Rodrigues cit .
GUARÍBA (simia seniculus , s . belzebuth .) : macaco do
queixo inferior muito sahido, cabeça pyramidal e cauda
longa. É menos agil do que os das outras especies . An-
tes de romper o dia , ou depois de anoitecer, solta uivos
prolongados , que produzem um sinistro effeito na soli-
dão das florestas americanas . Estes uivos , que parecem
uma funebre ladainha , o que faz com que os plantado-
res digam quando ouvem - Lá estão os guaribas re-
sando, -tem impressionado todos os viajantes . Ferdinand
Diniz assevéra que esses gritos se assemelham ao psal-
mear dos frades , Eschege- que fazem lembrar o canto
dos judéus nas synagogas. Saint Hilaire acrescenta que
á essa vozeria succede um ruido semelhante ao que faz
o rachador, quando decepa uma arvore com o machado .
P. Chagas cit. , P. 257— As femêas conduzem os filhos
nas costas, á maneira das indias e muitas vezes se de-
votam a ellas . S. Anna Nery, Le Pays des Amasones ,
P. 58-Ety.:- Pode ser , ou corruptéla de guahur-îb o
uivador (literalmente chefe dos cantores ou berradores) ,
ou de huguari de cauda, ib o primeiro , o principal de
cauda . (B. Caetano , Vocab. cit . , P. 136) ; -ou de uariba,
de uâ cauda e ib levantada (B. Rodrigues, Rev. do
Inst. cit. , P. 106) .
GUAIÚBA : peixe vermelho com ligeiras listas es-
verdeadas ; de escama e do mar, do tamanho da garôpa.
-Ety.:-gua variadas côres , e ib principal ; o primeiro
294 REVISTA TRIMENSAL

dos peixes de variadas côres - Tambem nome de um


rio, que nasce na serra da Aratanha e corta a povoação
da Guaúba á 6 legoas da Capital pela Estrada de Ferro
de Baturité Pompêo . Dic. Top. , diz que este rio se
chama tambem Aratanha e Rio Formoso- Ety.: - - por
onde vem as aguas do valle ; de goatà valle, y agua,
jur vir, e be por onde. J. de Alencar. Irac. cit. , P.
184. É forçada. O nome do rio e da povoação vem tam-
bem do do peixe.

QUAXINÍM : especie de raposa , de côr cinzenta, e


muito valente ; de orelhas pequenas, rosna á gente
como cachorro, pelo que o chamam vulgarmente-- ca-
chorrinho do mato ·- Sóbe ás arvores com facilidade e
alimenta-se de carne, hervas, óvos , etc. É pequeno , tem
o pello lustroso , cinzento- pardo nos lados, esbranqui-
çado no ventre, com uma listra preta entre as orelhas ,
e a ponta do nariz preta. No Amazonas é conhecido por
iguaudra cão d'agua, de y agua e iaudra cão . B. Ro-
drigues, Rev. do Inst. cit. , P. 82- È indigena d'Ame-
rica Meridionol , muito commum no litoral do Brasil ;
é um plantigrado semelhante ao lavandeiro d'America
do Norte. Imp. do Brasil na Exp. Univ. de Phil. 1876 ,
P. 34.-Ety.:-corruptéla de iguȧra - xuim, de iguára
cão, e xuim rasteiro . B. Rodrigues cit.

IBIAPÁBA : uma serra, como vulgarmente se cha-


ma, senão muitas serras juntas , que se levantam ao
sertão das praias do Camocí, e mais parecidas ás ondas
do mar alterado , que a montes , se vão succedendo e
como encapellando, umas apoz outras em districto de
mais de 4 legoas : são todas formadas de um rochedo
durissimo e, em partes, escalvado e medonho , e em ou-
tras de verdura e terra lavradia . Da altura destas ser-
ras não se pode dizer cousa certa, mas que são altissi-
mas, e que se sobe, as que o permittem, com maior tra-
balho da respiração , que dos mesmos pés e mãos , de
que é forçoso usar em muitas partes. Mas depois que se
DO INSTITUTO DO CEARÁ 295

chega ao alto dellas pagam bem o trabalho da subida ,


mostrando aos olhos os mais formosos paineis , que por
A
ventura formou a natureza em outra parte do mundo ,
variando de montes , valles , rochedos , picos, bosques e
campinas dilatadissimas , e de longe do mar , no extremo
dos horizontes . Sobretudo olhando do alto para o fundo
das serras, estão-se vendo as nuvens debaixo dos pés ,
que como é cousa tão parecida do Céo , não só causam
saudades, mas já parecem que estão promettendo o
mesmo que se vem buscar neste deserto . Os dias do po-
voado da serra são breves, porque as primeiras horas do
sol cobrem-se com as nevoas , que são continuas e muito
espessas . As ultimas escondem-se antecipadamente nas
sombras da serra, que para a parte do occaso são mais
visinhas e levantadas. As noutes, com ser tão dentro
da zona torrida, são frigidissimas em todo o anno, e no
inverno com tanto rigor, que iguala us grandes frios do
norte, e só se podem passar com a fogueira sempre ao
lado. As aguas são excellentes, mas muito raras , e á
esta carestia attribuem os naturaes ser toda serra falta
de caça de todo genero. A. Vieira , Kelação da Missão
da Serra da Ibiapaba , Cap . 8 - Ety. : --terra cortada ou
partida . Frei Maranhão cit , P. 80 ; -fim da serra, de iby
serra e apaba, porque a significação do verbo apab é
acabar-se. Malta, Corog . cit. , P. 256, Pompêɔ, Ens. Est .
cit. , T. 2.° , P. 217 , Nota ; -fim da terra. Silva Guima-
rães, Vocab. cit . (Tribu Jupuróca ), P. 24 , Ignacio Ac-
cioly, Informação e Descripção Topographica e Politica
do Rio S. Francisco , P. 25, Nota ; -serras altas que
vistas de longe se assemelham ás ondas. Silva Guima-
rães cit. (Lingua dos Tupinambas), P. 23 ; acabou-se
a serra, porque a Villa Viçosa fica quasi na extremidade
da serra. Barba Alardo cit . , P. 271 ; terreno desco-
berto, de ibi terra e pabe tudo; assim como á uma
região montanhosa que apresentava uma vasta exten-
são núa, com algumas arvores grandes, chamavam os
indianos yby-pabe donde Ipiappaba . Martius, Gloss . cit . ,
P. 501 e 538 ; - terra plana, de iby terra e paba ou peba
plana . Na composição esta desinencia paba ou peba
pedem de ordinario uma vogal antes de si , e parece que
296 REVISTA TRIMENSAL

se não consulta alguma regra de grammatica, mas a


simples euphonia. Freire Allemão , Questões cit. , P.
358. Mas a verdadeira é : terra talhada . A. Vieira cit. ,
Lisboa, Obras, T. 2. °, P. 410 , C. Mendes , Memorias,
cit. , T. 2. , P. 272, G. Dias, Dic. , Theberge cit . , P. 55 ,
J. de Alencar, Irac. cit. , P. 166 e o proprio Martius , P.
50 ; porque da banda em que fica a costa é quasi inac-
cessivel cortada como a prumo , parece uma muralha,
fabrica da natureza e imperfeição da arte, tão alta que
assombra as mesmas nuvens , e aos mesmos olhos tira
a vista. J. de Moraes, Hist. da Comp. de Jes . , Cap. 4.
Concorda B. Caetano, no Vocab. P. 189 : -córte de terra ,
terra em barranco , alcantilada , de ibi-áb , v . transcortar
terra, cavar terra, fazendo barranca .

IBIAPINA : villa ( S. Pedro de) na serra da Ibiapaba ,


da comarca de S. Benedicto-Ety.:-res crepitus ven-
tris, nullius pretii . Martius cit. , P. 492 ; terra tosqueada ,
de iby terra e apino tosquear. J. de Alencar, Irac. cit. ,
P. 179.

IBOAÇÚ : Ety. : -agua quente, de hy agua e moaçú


quente. Martius cit. , P. 510 - A' povoação deste nome,
na Granja, não póde caber esta significação ( Vide
Ipuaçu).
ICÓ (colicoendron yco) : arvore, abunda nas margens
do Jaguaribe e resiste ao verão sempre verde ; dá uma
fructinha do tamanho de uma pitomba, nociva aos ani-
maes, porque os embebeda. Diz Pompeo que o antidoto
é ourina nos ouvidos. Ens. Est. cit. , T. 1. °, P. 173 , Nota

7.- Ety. agua ou rio da roça , de yg agua, e có roça
-Frei Maranhão cit. , P. 74. Melhor : sua roça, de - i
sua, e có roça. G. Dias, Dic . cit. , Malta cit . , P. 250,
Faria, Compendio da Lingua Brasileira, P. 133 - Era
tambem o nome de uma tribu tapuia, numerosa , que
habitava as serranias entre o rio Salgado e do Peixe ;
foi attrahida para a missão do Rio Grande do Norte.
Theberge cit. , P. 6- Cidade, comarca e freguezia no
centro .

ICOSÍNHOS : tribu tapuia, que habitava o sitio, em


DO INSTITUTO DO CEARÁ 297

que se acha hoje a cidade do Icó- Theberge cit. , P. 6


Ety.:-Icós pequenos , de Ico e mirim já traduzido .
IGAÇABA : talha grande para agua- Moraes, C. Au-
lete e Lacerda cit.; outr'ora - especie de cantaro ou vaso
de que os indios serviam-se para a agua e para o vinho .
Pinheiro Chagas cit . , P. 257; -louça -G. Dias. Dic . cit .
-
-Ety. :-pote d'agua, de ig, agua e çaba cousa propria.
J. de Alencar, Irac. , P. 166 ; -talha grande d'agua , de
i ou ig agua e talha. Moraes e Lacerda cit . ; -corruptéla
de igassȧua vazilha de carregar agua, de ig agua e sara
carregar. B. Rodrigues, Ens. de Scien., T. 2.°, P. 19 ,
Nota 1 . ;- receptor ou conductor d'agua, vaso d'agua,
pote, tina. B. Caetano , Vocab . cit. , P. 199 ; Co ou espe-
cie de cantaro ou vaso de que se serviam os indios para
a agua e para o vinho. P. Chagas cit. , P. 257- Ha de
duas especies : para agua e deposito de bebida inebri-
ante, e a que servia para urna funeraria, cujos feitios
são diversas, e por isto tem outras etymologias . B. Ro-
drigues, P. 19 .

Já o cadaver dentro da igaçaba,


Com as guerreiras armas, de que usava,
Tinha sido enterrado em funda cova.

(MAGALHÃES, Conf. dos Tam. , C. 1.º , P. 18) .

G. Dias, Bras. e Ocean. , Obras Posthumas, T. 6.º ,


P. 200 , Nota 4, escreve kiçaba talha em que os indios
enterravam o defunto, para differençar de igaçaba , que
era o nome que davam ao pote ; mas á pag. 229 escreve
igaçaba, tambem como significando- urna. A differença
não está na orthographia, mas na etymologia-Igaçaba,
pote , confunde-se perfeitamente com igaçaba urna.
Iguassáuas, corruptéla de iuçdua , do verbo iuçá matar
com a terminação verbal dua, àba de Anchieta que faz
çàua ou çaba por terminar o verbo em vogal ; significa
o logar onde se mata, ou se enterra um morto ás ve-
zes o instrumento. B. Rodrigues , Ens. de Scien . cit. ,
T. 2. °, P. 9, Nota .
298 REVISTA TRIMENSAL

IGATÚ lagoa na Telha, talvez a maior da Provin-


cia. Na ultima secca ( 1877 a 1879) suas margens foram
de uma fertilidade espantosa em cereáes-Ety . :-Igatú
ou icati agua bôa ou rio bom, de ig ou i agua e catú
bom . B. Caetano , Vocab. cit . , P. 201 - No Dic . cit . de
Milliet, encontra-se Icatú, cidade antiquissima do Ma-
ranhão, elevada em 1616 por Jeronymo de Albuquerque
á villa com a denominação de Aguas Bôas , traducção
literal do vocabulo - Pompêo no seo Ens . Est. , T. 1.º,
P. 37 e Dic. Top. , escreve Aguatú,com a forma hybrida ;
e a lei provincial n .° 3035 de 20 de Outubro de 1883,
deo á cidade , comarca, municipio e freguezia da Telha
o nome da lagôa, mas com a orthographia Iguatú , como
ainda não vimos escrito ! A do texto é a mais etymo-
logica e usada.
IGUÁPE : enseáda , porto do Aquiraz , a 2 legoas da
villa. -Ety. : - onde a agua faz cintura, de ig agua,
cua cintura e ipe onde ; enseáda . J. de Alencar, Irac.
cit. , P. 181 .
IMBAÚBA (cecropia peltata , L) : arvore do tronco
branco e grandes folhas ; são as formas que mais dão
na vista. Walppous cit . , P. 220 -E' medicinal - Ety . :
-corruptéla de ayg, ay, ai ou unai preguiça , e uba
arvore ; arvore da preguiça ; porque este animal vive
de preferencia nesta arvore, de cujos grêlos faz exclusi-
vamente o seo alimento . (Pompêo, Ens . Est. cit ., Tom .
1.º, P. 167 , e B. Rodrigues , Rev. do Inst. cit . , P. 40) .
Tambem se escreve Ambaùbu .
IMBE (philodrendron imbé, Scholt) : cipó forte, muito
fino, que serve para cestinhos e baláios. (J. Galeno,
Lend. e Canç. Pop. , P. 404) -Muito delicado e flexivel .

O imbé pasmoso , qual torcida serpe ,


Vertendo fios côr de sangue morto .

(PORTO ALEGRE, Colombo , T. 2 , C. 30 , P. 285) .

Ety. : arvore que se arrasta , trepadeira ( cipó) , de


im por ib arvore, e bè por he pende . B. Caetano , Vocab.
}

DO INSTITUTO DO CEARÁ 299

cit. , P. 203 - C . Aulete tambem o dá com a sígnificação


de cipó de amarrar.
IMBOÁCA : morro no Parazinho , entre o Pecém e o
Mundahú, o qual se avista do mar -Ety. : -ponta ou
pico de terra, corruptéla de ibi terra e acá caroço , pro-
tuberancia , ponta , pico.
IMBÚ fructo do imbuzeiro, mais pequeno do que o
ôvo de uma gallinha ; debaixo de uma casca aspera
contém uma polpa succulenta de agradavel cheiro, ao
mesmo tempo acida e doce. Com leite e assucar se faz
do seo sumo um acepipe, a que dá-se o nome de imbu-
zada . R. Southey, Hist. cit. , T. 6, P. 157 - Ety . : -
expremido dá uma grande quantidade d'agua donde seo
nome, de uu beber, ou de ambȧe-ú cousa que pode
beber-se J. Luccok - cit. , P. 13 ; ou abreviatura de iba
imbu fructo que faz vir ou que dá agua . B. Caetano,
Vocab. cit. , P. 203. Escreve-se tambem ambú e umbù.
IMBURÁNA (burserva leptophlocos ) : arvore pequena
da casca muito cheirosa , que se usa na roupa para dei-
tar-lhe cheiro - Ety. : - imbuzeiro falso , de imbú ou
imbuzeiro , e rana falso . Martius, Glos . cit. , P. 501 .
IMBUZEIRO ( spondias tuberosa , Arr. ) : arvore ,
abunda nas serras , sobretudo do Araripe ; mas já vae-se
aclimatando no litoral - Tem nas raizes, que são hori-
sontaes e á flôr da terra , bolbos de um palmo de diametro,
cheios d'agua, como melancia , a que se devem muitas
vidas. R. Southey cit. , T. 6 , P. 157 e Pompêo , Ens.
Est. cit. , T. 1. °, P. 204 , Nota 3. A esses bolbos o povo
chama cunca, especie de batata , do feitio da mandióca ,
doce e branca ; chupa-se como a canna de assucar . Na
estação calmosa é refrigerio dos vaqueiros e caçadores ,
que com elles matam a sêde-Ety. :-arvore do imbú ,
de imbi, e a terminação portugueza eiro arvore.

INGÁ (ingá edulis) : fructo da ingazeira , da feição de


uma fava , contendo diversas selulas, com caroço em
cada uma, cobertos de uma polpa tenue, delicada e
doce
300 REVISTA TRIMENSAL

O ingá velloso , protector dos rios ,


No verde estojo recolhendo a polpa
Que a sêde acalma nas estivas horas.
(PORTO ALEGRE , Colombo , T. 2, C. 29, P. 251 ) .

Ety.fructo de caroço, corruptéla de ib fructo e ca


caroço . Moraes cit. escreve Anga ; mas a orthographia
do texto é a mais commum.
INHÁME (dioscorea) : batata sadía e saborosa-Ety.:
-vocabulo africano , Moraes cit .; mas Durão , no seo
Caramurú, C , E. 34, a dá por oriunda do Brasil ; e
J. Luccok, Vocab. cit. , 27, tem o vocabulo por tupí,
corruptéla de yk e mano raiz que féde. Tenho duvida.
INHAMUM : sertão que se estende desde as cabecei-
ras do Jaguaribe até Igatú, e comprehende Tauhá ,
Arneiroz e Cococí-A lei provincial n.° 52 de 25 de Se-
tembro de 1836 crêou a comarca de S. João do Principe
dos Inhamuns- Ety. : -irmão do diabo , corruptéla de
amo solitario , demo, e mó irmão , J. de Alencar, Serta-
nejo, T. 2, P. 188 - Veio-lhe este nome, diz Barba
Alardo cit. , P. 269, da tribu jucà (Vide) , que habitava
essas paragens .
INÚBIA : trombeta de guerra dos indios. G. Dias ,
Brasil e Oceania cit. , P. 182. Era tão grossa e comprida
que media um diametro na abertura, Lery, Viagem
feita na terra do Brasil, P. 22. Especie de corneta usada
pelos brasiliensis . Nota ao Caramurú, P. 134. Tinha
um som estridente que se fazia ouvir á immensa distan-
cia. Araripe Junior, Jacina A Marabá , P. 324-Ety. :
-os poétas nos seos versos tem fallado em inúbia , cousa
que nem os guaranis das missões, nem os tupís da costa,
nem os omaguas do sertão conheciam ; o nome generico
da flauta em abañeênga era mimby, que escrito mybu e
tambem mubu, depois tornou-se inubie, expressão que
ajunta letras, ao meo ver, de um modo avesso à indole
do abañaeênga . B. Caetano. Ens. de Scien. , T. 1.º , P.
38, e T. 2. , P. 4. Não vem ainda nos dicc. port .
INUÇU rio , corre na Ibiapaba , limita o Campo
Grande de S. Benedicto , tomando o nome de Macam-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 301

bira no sertão deste nome até despejar no Poty. Ety. : -


rio grande , de i ou hy agua, e uçú grande. Tambem se
escreve Inaçú .
IPÉ (bignomia tecoma ) : é o nosso páu d'arco. G. Dias ,
Bras. e Ocean. cit. , P. 93 , B , Rodrigues, Rev. do Inst.
cit. , P. 85 , J. Galeno , Lyra Cearense, P. 12 , Araripe
Junior, Jacina A. Marabá cit . , P. 317 e Imp . do Bras.
na Exp. de Vienna d'Austria cit. , P. 36- Tomou o nome
de pau d'arco , porque delle se serviam os indigenas para
fazer os arcos das suas fléchas. Varnhagen , Hist. cit.,
T. 1.º, P. 113 , e Agassiz , Viagem ao Brasil , P. 44.
Madeira rija , de construcção grosseira , mas uma das
mais bellas arvores do Brasil . Alta , de casca dura , fo-
lhas lustrosas , oblongas e compostas. Quanto mais velha
mais magestosa -

Mais valido e robusto envelhecera


Como envelhece o Ipe. Deram-lhe os annos
Mais cerne ao tronco magestade á rama.

(G. Dias, Poema Americano , Obr. Posth . , T. 1 ° , P. 118) .

Pelo verão , quando despoja - se de sua folhagem, cobre-se


de tantas flores como folhas, o que lhe dá um aspecto o
mais bello que se pode imaginar. Almeida Pinto , Dic.
de Bot. Bras. cit.

Loureja a flôr do ipé , antes das folhas ,


Qual arauto venal .....

(PORTO ALEGRE, Colombo , T. 2 , C. 30 , P. 285) .

Ety. : - corruptéla de ib arvore, e é para dar mais força :


arvore verdadeira , por excellencia - Em S. Paulo é co-
nhecida por ipeuva ou piuva , corruptéla de ipẻ e yb
arvore : arvore do ipé . B. Rodrigues, Rev. do Inst . cit. ,
P. 85. Vem já nos dicc . de Faria e Aulete .
IPECACUANHA ( cophelis ipecacuanha , Rich . ) :
planta cujas raizes contém propriedades emeticas , muito
apreciadas-
302 REVISTA TRIMENSAL

Tolteca fora, viajante e medico :


A quina descobrio e a ipecacoánha !
Contra a putrida febre o povo invoca ;
Conduz seo vulto em procissão solemne
Onde o ar impestado infunde a morte.

(PORTO ALEGRE , Colombo cit . , T. 2, C. 22, P. 69) .

Ha preta e branca , sendo mais pronunciadas as proprie-


dades medicamentosas desta- Ety. : -Varnhagen dá o
vocabulo por guarani. Hist. cit. , T. 1. P. 446 ; e Mar-
tius cit. , P. 377 e 396, explica a sua formação : -de pe
caminho, caa herva, guéne vomitar- herva do caminho
que produz vomitos , fez-se primeiramente - pe-ca-
cuen (Gabriel Soares, Noticia do Brasil, Part . 2, Cap .
61 ) ; depois - picahonha , e pela semelhança desses ve-
getaes com a estimada e geralmente conhecida ipeca-
cuanha, estendeu-se á esta aquelle nome ; e, para dis-
tinguil-o das especies maiores, chamaram I (pequeno)
pé-ca-guéne, donde ipecacuanha . Preferivel de ipeca
pato, e conha membro viril, allusão feita à disposição
das raizes , que são em aspiral , como são os penis dos
palmipedes do genero Anas . B. Rodrigues , Rev. do Inst.
cit. , P. 85 Anseris penis . B. Caetano , Vocab . cit . , P.
204 - Martius cit. diz que o nome popular desta planta
é poȧya (Vide) - Nos autores estrangeiros ella vem es-
crita ipeca, como tambem escreve C. Aulete ; mas o
nome mais popular entre nós é do texto , que o povo já
corrompeo em papaconha, como já se encontra escrito
em Pompêo, Ens. Est. cit. , T. 1 , P. 191 .
IPÚ terreno de um barro preto , massapé , que tem
muito humus vegetal ou decomposição vegetal e ani-
mal , que as aguas acarretam das serras , e por isto muito
substanciosa, humedecido pelas correntes , que destas
descem e correm para alguma extensão -Pompêo, Ens.
Est. cit. , T. 1 , P. 140 -Ety . : - contracção de ipohú
alagadiço , pantano, o que tem agua ; ou de ipoçi ato-
ladiço ou sumidouro d'agua . B. Caetano, Vocab. cit. ,
P. 206 e 422 - Em virtude da C. R. de 6 de Maio de
1758 a povoação do Ipú Grande passou á villa com a
DO INSTITUTO DO CEARÁ 303

denominação de Villa Nova d'El-Rei , comprehendendo


o Campo Grande ; mas eram tantas as intrigas nesse
logar (dizem Ayres do Cazal cit . , T. 2, e Milliet cit . ,)
que o povo passou antes a chamal-a Villa Nova dos
Enredos. As leis provinciaes n. " 200 de 26 de Agosto
de 1840 e n.º 261 de 3 de Dezembro de 1842 transferio
a villa para o Ipú Grande com a denominação de Villa
Nova do Ipu Grande. Outra lei n.º 472 de 31 de Agosto
de 1848 elevou a villa á comarca com a simples deno-
minação de Ipú , com que foi elevada á cidade pela lei
n. 2098 de 25 de Novembro de 1885. Faria no seo Dic.
diz que ipú é tambem raiz e planta medicinal ; mas não
tenho destas conhecimento (Vide Jangada).

IPUAÇU : Ety. : —ipú grande , de ipù e açú grande


-Da corruptéla deste nome é que vem Iboaçú , povoação
na Granja . Com effeito quem examinar essa localidade
ainda pode descobrir vestigios de um ipú grande, resul-
tado das modificações que soffreram com os tempos os
rios Ubatuba, Camoropim e Timonha , que a limitam .
IPUÇÁBA riacho , nasce na Ibiapaba , forma uma
cascata acima da cidade do Ipú , e despeja no rio Jatobȧ .
Ety. : - sangradouro do ipú , corruptéla de ipú e sara
carregar , levar , despejar. -Pompêo chama impropria-
mente Ipú a este riacho , no seo Dic . Top..
IPUÉIRA : lagôa rasa e alongada no meio das var-
zeas, formada pelo inverno , e que desapparece , acabado
este; ou, como diz J. Galeno , Sen. Pop. , P. 276 , é o logar
do campo , que se enche d'agua no inverno , conservan-
do-a por alguns mezes Ety. : -- agua retirada , de i
agua e puyr retirada . Martius cit . , P. 504 ; ou poço
d'agua, de i e pueira poço . Moraes cit. , verbo Giboia.
A povoação de Ipueiras no Ipú foi elevada á villa pela
0
lei provincial n . 2036 de 25 de Outubro de 1883 , e á
freguezia por outra n. ° 2 de 27 de Outubro do mesmo .
anno. Mas a lei n.º 2071 de 2 de Agosto do anno seguinte
passou-a á povoação como d'antes .
IRACÈMA : romance e heroina : Lenda do Ceará por
J. de Alencar. E' um dos nomes mais populares entre
304 REVISTA TRIMENSAL

nós . Ety.vocabulo guarani , que significa - labios


de mel, de ira mel , e tembe labios se fez iracéma . Tembe
na composição altera-se em ceme, como na palavra
ceme-yba. J. de Alencar. Irac. cit. , P. 164.

Guardei sua imagem n'um longo suspiro


D'um sonho cruel ;
Pedi ás florestas um canto , um poêma,
E ouvi o seo nome : formosa Iracema
Dos labios de mel .

(D.or JOSÈ NOGUEIRA, Iracema).

IRAPUÁ (rufricus , Latreille) : abelha virulenta e


braba, grande e negra ; faz colmêa nas arvores . No
tempo de grandes seccas, as abelhas selvagens perecem
á falta de nutrição . Mas esta se refugía na carnaúba ;
faz sua colméa no tronco , ordinariamente entre as folhas
seccas que cercam este. Como a colmêa é muito solida-
mente construida de um betume negro composto de uma
mistura de argila e bosta , e finalmente estes insectos ,
muito colericos , defendem a todo transe sua propriedade ,
não se pode desalojal -a sinão pelo ardil e pelo fogo.
Assim, à noite, põe-se fogo no tronco da palmeira, ella
asphixia-se : pode-se então colher com facilidade , e sem
damno algum para a carnaúba, o mel muito grosso e
delicioso. M. de Macedo , Notice sur le Palmier Carna-
uba, P. 15 , Nota 1. Ety. : -favos de mel convexos ,
corruptéla de yra mel , e pudm redondo , por causa da
forma redonda da sua colmêa . Martius cit ., P. 504 e J.
de Alencar, Irac. cit . , P. 168 Prefiro : corruptéla de
eira-puâ abelha levantada , porque mora em arvores ou
sobre galhos -B. Caetano , Vocab. cit . 175- J. de Alen-
car cit. , e Pompêo , Ens. Est . cit. , T. 1.° , P. 219 , escre-
vem Arapud contra a etymologia.
ITACARÁNHA : olho d'agua potave!, que abastece a
cidade da Viçosa -Ety. ;-pedra aspera, de itá pedra , e
caranhe arranhar .
ITACURUMÍ : serrote a 9 leguas da villa do Camocím ,
estudado em 1878 , de ordem do goveruo imperial , pelo
DO INSTITUTO DO CEARÁ 305

engenheiro inglez Julius Revy para a construcção de


um açude publico Ety. - pedra com filho. de ita
pedra e curumi menino ; porque ao lado do cabeço prin-
cipal se apresentam rochedos menores . Martius cit. , P ,
538 e Milliet- Escreve-se commumente Itaculumi , mu-
dado o - r em l.
ITANS : povoação em Baturité -Ety :-pedra polida.
C. de Magalhães , O Selv , cit . , P. 28. Prefiro : ita concha ,
colher, o que tem forma de concha ou colher ; o que
colhe, o que apanha , modificado de tar colher , ou de îtâ.
Tambem significa sino . B. Caetano , Vocab . cit . , P. 177 .
ITAPÁÍ : arraial no Acarape, caminho da Estrada
de Ferro de Baturité . Ety. : -pedra com pequeno lascão
ou fenda ; de ita pedra , poc lascar , e i pequeno .
ITAPIPOCA: villa na fralda da serra da Uruburetama .
Ety. :-pedra rebentada , de itȧ pedra e pipoca rebentar .
ITAQUATIÁRA : pico elevado na serra da Urubure-
tama. Diz Pompêo , Dic. Top. , que o barometro marca
ahi 69 gráos, e o thermometro 23 - Ety . : - pedra pin-
tada , de la pedra e coatiara pintada . B. Rodrigues ,
Ens. de Scien. cit. , T. 3, P. 35 , Nota, C. Mendes , Me-
morias cit. , T. 2 , P. 288 , Nota 1.ª e P. 291 , Nota 2.ª , e
Severiano da Fonseca, Viagem ao redor do Brasil, T.
2 , P. 371 .
ITARÈMA : monte perto da serra de Maranguape,
em que Mathias Beck , habil aventureiro hollandez , em
1649 suppoz ter encontrado as minas de prata que , se-
gundo a tradição, já havião sido descobertas por Martim
Soares Moreno . José Hygino , Rev. do Inst . Archeol. e
Geog. Pern. , 1886 , P. 19 —Ety . : -pedra de cheiro agra-
davel , ou cheiro agradavel de pedra , de itá pedra e
rema cheiro agradavel . Hoje não ha mais noticia de tal
monte.
ITATINGA : serrote de 122 metros de altura em
- Ety. : -- pedra alva , de itá pedra e tinga
Mecejana
branca , Martius cit. , P. 538 - Não sei em que se fundou
Sylvio Romero para dizer nos seos Cantos Populares ,
T. 1.º, P. 25 , Nota, que significa pedra azul !
306 REVISTA TRIMENSAL

JABORANDÍ (pilocarpus sennatifolius) : arbusto cujo


fructo contém uma só semente, com cheiro aromatico-
As folhas são potente sudorifico . incisivo , muito empre-
gado no estado insipiente das febres , nas constipações
do peito, nos rheumatismos ligeiros : alexiterico , diure-
-
tico, sialogogo. È altamente echthyotoxico - Pompeo ,
Ens. Est. , T. 1. ° , P. 173 , Nota 1. , P. 184 e 189- —
Mastigadas servem para acalmar dôres de dentes . Cher-
noviz, Formulario - Segundo as ultimas experiencias ,
o alcalvideé remedio tambem para as affecções oculares ,
do figado , para o beri-beri e febres amarellas . D. J.
Pereira Guimarães , Carta à Gazeta de Noticias da Côrte
-
de 6 de Março de 1880 A raiz serve para curar mal
das gengivas. Moraes cit. Ha de trez qualidades :
Betys, Pitarran, que o povo chama- Aperta-mão , e o
popular João-brandi. Barão de Villa Franca, Note sur
les plantes utiles du Brésil - É abundante nas serras da
-
Aratanha, Baturité , Ibiapaba e Meruóca - Ety. :
Martius, P. 397 , apenas diz que ja é provavelmente
contracção de iba arvore ; e o mestre escreve - yabo-
randi ou talvez yaguarandi nome dado ás arvores,
difficil de explicação . B. Caetano , Vocab. cit . , P. 567-
Explico por corruptéla de iba arvore, ob por bo folha , e
ndi particula que serve para mostrar o uso de alguma
cousa arvore cujas folhas são de muito prestimo ou
uso . Moraes escreve Jaborandiba , e Pompeo jebarandi ,
jaburandi e como no texto .
JABOTÍ (testudo tabulata) : especie de kagado , das
mattas , differente do jurára, kangapára e tartaruga,
que vivem nos lagos e rios , C. Mendes , Memorias cit . ,
T. 2, P. 88 , Nota 3. - A carne é muita sadía , e o figado ,
grande em sua quantidade, é o mais regalado comer
que a natureza crêou - S. Estacio da Silveira, Relação
Summaria das Cousas do Maranhão , P. 25 - É diffici-
limo de morrer : esquartejado, separado do casco , ainda
manifesta vida ; pelo que usa-se de matal-o primeiro
n'agua fervendo para depois tratal-o . (Vide Camboatȧ).
DO INSTITUTO DO CEARÁ 307

-Entre os indigenas era o symbolo da gravidade , pru-


dencia e sabedoria . C. de Magalhães cit . , P. 185- A'
uma especie oblonga chamão Mussuản. G. Dias, Dic.
:
cit.Ety.yy-abuli-ti o que tem folego tenaz , per-
sistente. B. Caetano , Vocab . cit . , P. 564. G. Dias tam-
bem escreve Jabolim.
JABURÚ (mycteria americana) : ave ribeirinha. G.
Dias , Dic.- Maior do que o pirú e menor do que a êma ,
sem cauda, de um alvo acinzentado , bico grande , esver-
deado e forte, com a ponta meio curva e aguçada ; as
pontas das azas pretas , o dorso tambem preto e uma
coleira avermelhada ; as pernas altas e amarelladas ;
nutre-se de peixe . É tristonho e solitario , raras vezes se
vê aos pares, e aninhão-se em arvores excessivamente
altas . Ĥa uma especie menor e rara , jaburú- moléque,
porque tem as pernas e a pelle pretas - Ety. : - abre-
viatura de ayapiru, de que se fez - yabiri, yaburù o
papo inchado , a repleta , a infatuada , ou a catadora , a
esgaravatadora. B. Caetano , Vocab . cit. , P. 564. - Tam-
bem se escreve Jabirú .
JÁCA : fructa. G. Dias, Dic. É como uma grande
abobora coberta de uma casca , que parece com lixa
muito grossa ; tem dentro uma massa amarellada , quasi
como gomma de ôvo , fibrosa , entre a qual , como gom-
mos ou bagos, está a parte que se come e é muito doce ,
forrando um caroço que, cozido , come-se tambem, e é
agradavel . Moraes cit.- Na Azia e Brasil tambem cha-
mam-na durião. Ha a molle e a dura , conforme os
bagɔs são molles ou duros - Ety. : - yà fructa , e acá
caroço ; fructa de caroço.

JACÁ : cesto de cipós como cassuás . G. Dias , Dic.;


·1
feito de taquáras. Aulete , Dic. Ety. : — ajacá : aiy-
acà busca, grãos , ajuncta grãos . B. Caetano , Vocab .
cit. , P. 54.

JACAMÍ (psophia crepitans) : ave do tamanho de uma


gallinha, côr escura , cacarejando e fazendo repetidas
mesuras. Conhece os hospedes ; e o mais interessante é
que nunca se esquece desta cerimonia uma só vez por
308 REVISTA TRIMENSAL

dia . Tem o bico muito comprido, leva em constante


zunido a apanhar moscas . S. de Frias cit. , P. 92- É
um artista de admiravel perfeição : seo ronco , ainda
mesmo ouvido de perto, figura vir de longe e impre-
gnado de suave melancolia dos sons, que atravessam
um longo espaço . Nada mais saudoso e contemplativo
do que ouvir, em uma noute de luar, diversos bandos
de jacamins cantar, a horas certas, sua pousada mono-
día. Domesticado se apaixona pela pessoa que o anima,
a ponto de ter ciumes quando alguem se aproxima della .
Possúe mais a rara qualidade de não consentir brigas
entre aves domesticas, sem que logo intervenha para
apazigual-as ; pelo que os meninos o chamam juiz de
paz. Quando as gallinhas tiram os pintos , elle os toma
á força para crêar e zelar com um extremo paternal
excessivo . Dias Carneiro, Poézias, Notas, P. 225. Ha
de muitas especies, mas todas conhecidas pelo rumor
que fazem no papo, ou, como pretendem outros, na
barriga, quando se aproximam á gente. G. Dias , Dic.
A especie mais commum é súra , de pernas compridas e
finas , de um preto luzidio , pescoço longo , e o bico ama-
rellado . Passa horas, ás vezes, suspenso n'um pé só ,
rodando e fazendo misuras ; donde veio o chamar-se vul-
garmente jacami ao homem mezureiro -Ety. : -y-acâ-
mi a que tem a cabeça pequena ; ou y-og-ami a caseira ,
a que em casa se acostuma ; y-aca-mi a que move a
cabeça, a mezureira . B. Caetano, Vocab. cit . , P. 565 .
JAÇANA (parra jaçanã) : ave aquatica . J. Galeno ,
Lyra Cearense, P. 144 - Do tamanho de uma jurité ;
preta, com uma pequena protuberancia carnosa encar-
nada sobre o bico ; pernas altas , finas e azúes ; dedos
muito compridos ; a unha do pollegar tambem comprida
e aguda, com esporões nas azas. Ha outra de um rôxo
avermelhado , porém mais pequena e sem protuberancia .
È muito procurada pela belleza de sua plumagem :
papo vêrde, dorso cinzento, cauda curta, azas grandes,
bico delgado e testa esverdeada. -Ety. :-corruptéla de
ñahana(ñ-eça-enâ que está de olho alerta -ou erguido .)
B. Caetano , Vocab. cit. , P. 312- Moraes escreve Jacana.
(Vide Japiaçoca).
DO INSTITUTO DO CEARÁ 309

JAÇANAHÚ : lagoa muito conhecida , no caminho


de Arronches para Maranguape pela estrada de roda-
gem. -Ety. : -agua da jaçanã , de jaçanã e hù agua.
JACARANDA (machorium sp. ) arvore da madeira
rija, de construcção , aromatica , que vale ouro em fo-
lhetas . Macedo , Noções de Corog . do Bras. , T. 1.º, P.
143. Attráe a vista pela elegancia de sua folhagem
pennada, com flôres amarellas . Walppous cit . , P. 219
- Ety.y-acang-rantâ o que tem cabeça dura ; ou
heaquâ cheiro e rantâ forte. B. Caetano, Vocab . cit . , P.
565 e 572.
JACARÉ (caimán fissipes) : animal . A couraça esca-
mosa que o reveste, é chapa onde não entrão mesmo as
balas da melhor espingarda . Pode estar uns 40 dias sem
alimento algum. Em alguns lagos , em que dura a sêcca,
vive enterrado na areia ás pilhas S. de Frias cit. ,
P. 176-
...... Ao mar lançou-se
Enorme amphibio, jacaré medonho ,
Raiz da creação, mesclada féra
Que o ar respira como as aves livres ,
E o pégo habita dilatados annos !

(Porto Alegre , Colombo , T. 1.º , C. 11 , P. 249) .

Põe os ovos , duros e asperos , sobre ninhos de gravetos ,


na praia, e constantemente os guarda com a vista , donde
veio o dizer-se que os choca com os olhos , quando é o
sol que disso se encarrega. B. Rodrigues, Rev. do Inst.
cit . , P. 89-

Simulado kaimán , co'a vista immovel


Em loura praia, protegendo os ovos,
Que os raios zenithaes almos fecundam ,
Contra as aves arranca , e contra o vento ,
Cioso de que a prole se não gore.

(PORTO ALEGRE, Colombo , T. 2, C. 2 , P. 261 ) .

No Amasonas a onça tem tal fascinação sobre elle que


310 REVISTA TRIMENSAL

come-lhe a cauda sem se mover ; salta no rio ou lago ,


puxa-o para a terra, vira-o uma e muitas vezes , dá - lhe
na queixada, mette-lhe as garras no ventre e marty-
risa-o á imitação do gato antes de devorar o rato . Depois
de haver assim martyrisado o enorme e possante am-
phibio , que alli está quiéto, immovel e como que fasci-
nado , pula sobre elle, e começa a devoral-o pela cauda .
Terminada a primeira refeição cobre com folhas a parte
encetada, e afasta-se da victima, certa de que a encon-
trará no mesmo logar quando voltar . Si por alli acon-
tece passar alguma pessoa embravece- se o jacaré , abre
a guéla enorme e ameaça atirar-se contra o viajor ;
entretanto que espera. sem fazer o menor movimento ,
sem tentar sequer fugir, que volte de novo a onça para
acabar de devoral-o . Não sei explicar esta especie de
fascinação , que exerce a onça sobre esses gigantes dos
lagos e igarapés. Creio que duvidosa não seria a victoria.
em favor delle se ousasse travar luta corporal com a
onça, porque é prodigiosa a força que tem o jacaré na
cauda e nas queixadas. Entretanto não ha exemplo de
haver tentado semelhante acommettimento ; deixa-se
cobardemente agarrar pela onça , e morre sem tentar a
mais pequena resistencia. Parece a onça conhecer a
fascinação que exerce sobre elle, assim como respeitar
as terriveis phalanges de dentes , que lhe enchem as
queixadas. Antes de saltar n'agua , quando tem de atra-
vessar algum rio , uiva duas ou trez vezes , como para
annunciar a sua passagem, e os jacarés , que seriam
capazes de devoral-a se a não conhecessem, fogem espa-
voridos para o fundo dos rios ou lagos - Conego Fran-
cisco Bernardino de Souza, Pará e Amasonas no Brasil
Illustrado , N.° 3, P. 46 - Ha de 3 especies : otinga , de
papo amarello , branco e preto, que é o menor, e a sua
carne bem preparada dizem que é saborosa ; o pardo,
esverdeado claro ; e o curua esverdeado escuro, com as
escamas escabrosas e catinguento -Moraes escreve jaca-
réo ou jacaréu, e diz que o de papo amarello ataca a
gente. Por este motivo chamaram-se tambem de papo
amarello, allusão á essa especie de jacaré atrevido , aos
liberaes da Regencia trina, que em 1832 atacaram a
DO INSTITUTO DO CEARÁ 311

Constituição , pretendendo reformal -a por um Golpe de


Estado, como passou para a historia - Ety . :-abrevia-
tura de hechacarè o mirador- B. Caetano, Vocab. cit. ,
P. 565- Mas haveria jacaré no Ceará ? Pelo menos é a
tradição corrente , attestada por antiquissimos nomes
de logares, como Jacarecanga , Jacarehy- Os da especie
pequena, diz Pompêo , ainda se encontram nos pantanos.
junto ao litoral- Ens . Est . , T. 1. ° , P. 214- Os francezes
chamam o jacaré- Caimán e os inglezes-Alligator ; mas
os dicc. port. de Constancio , Faria e Aulete já trazem
Caimão, de que já usaram Porto Alegre (Kaimán) e
F. Varella (Caimán) , Obr. Compl . , T. 2, - Eu Amo a
Noite, P. 216
JACARECÁNGA : morro no litoral e riacho no su-
burbio da capital , conhecido e apreciado pela excellencia
de suas aguas (Vide Tipuhú)—Ety . : -cabeça de jacaré;
de jacaré , e acanga cabeça —J. de Alencar, Irac. cit . ,
P. 187 e Martius cit . , P. 507. Outros querem que lhe
viésse o nome da conformação do morro á maneira da
cabeça do jacaré , visto do mar . (Vide Jacaré).

JACAREHY : lagôa pequena , a 2 legoas da capital ,


no municipio de Mecejana ; nunca sécca, e tem logares
de lamaçal, em que submerge tudo quanto cáe . E ' pis-
cosa-Ety. : - agua de jacaré , de jacaré, e hy agua.
(Vide Jacaré) .
JACÚ (penelipida) : ave . G. Dias, Dic. Sustenta- se
das flores da craúba , páu d'arco (ipe) , etc. - Ha de diver-
sas qualidades : jacutinga (penelope leucoptera ) , porque
tem brancas as pennas do meio das azas ; jacupėba , ja-
cupéma ou jacupemba (penelope superciliares) . Nas flo-
restas do Amasonas ha o jacú-açú ( penelope christata )
e o cujubi (penelope cumanensis) , da cabeça branca,
pernas vermelhas , que canta de madrugada . C. de Ma-
galhães, cit . , P. 169 , Nota . A vianda deste jacú suppre ,
pelos desertos, a falta de gallinha para os doentes . C.
Mendes, Memorias cit . , T. 2, P. 404, Nota - Ety. :
vem do grito imitativo do passaro . E. Liais cit . , P. 132 ;
ou o que traga, engole fructas, de yà fructa , e cu comer
312 REVISTA TRIMENSAL

B. Caetano, Vocab. cit. P. 565- Povoação no muni-


cipio de Canindé .
JACUMA : páu em cruz fincado á beira da costa, no
qual se colloca um homem como espia, para avisar os
pescadores de rêde da vinda ou passagem do peixe - È
um termo , neste sentido, muito conhecido dos nossos
homens do mar - Ety.:-yakuma pôpa ou talvez o
remo que, movido pelo timoneiro , servia de leme . J.
Verissimo cit. , P. 43. Mas G. Dias , Dic. , e Martius , P.
508, dão por leme-A significação do vocabulo no Ceará
é sem duvida já translata.
JACUNDÁ : peixe de escama d'agua dôce, de um
palmo de comprimento mais ou menos , tão manso que
ás vezes se deixa pégar á mão . Não é gostoso mesmo
estando gordo . - Ety. : - corruptéla de ñacundá o que
tem boca grande, ou antes -ña cû etá o que traga
muito. Nome de peixe. B. Caetano , Vocab. cit. , P. 311 .
JACURUTÚ (bubo magellanicus) : ave, do tamanho
de uma gallinha, noctivaga , côr pedrez ; os guinchos
arremedão gargalhadas de mofa. G. Dias, Dic. O povo
tem o seo canto por agoureiro-Ety. :-ñacurulú, nome
onomatopaico , B. Caetano, Vocab. cit. , P. 313 - Rio ,
nasce na serra das Cobras em S. Quitéria, e despeja no
Acaracú , depois de um curso de 16 legoas. Suas aguas
são excellentes.
JACURUTUÓCA : lagôa no municipio de Maranguape
-Ety. :-ninho de jacurutú ; de jacurutù, e ôca casa.
JAGUARIBÁRA : horda selvagem que vagava nas
proximidades do rio Jaguaribe. Araripe, Hist . cit. , P.
16- Ety. : - senhor do jaguaribe, de jaguaribe e jàra
senhor ; porque presumia dominar as margens do rio .
JAGUARIBE : a maior bacia da Provincia ; nasce nos
Inhamuns, e despeja no oceano depois de um curso de 130
legoas. Na estação invernosa adquire grande volume
d'agua e uma largura maior de uma legua , mas sécca
todos os annos , ficando apenas grandes poços e uma
corrente subterranea a poucos palmos abaixo das areias.
Pompeo, Dic. Top . O seo leito mostra que o rio devia
3

DO INSTITUTO DO CEARÁ 313

ser em outro tempo mais caudaloso , e que as alluviões


tem espalhado as suas aguas , encaminhando- as sobre
terras arenosas, que as embebem, antes da sua emboca-
dura no mar. Talvez que com alguns diques nos pontos ,
onde a corrente se reparte, se remediaria este inconve-
niente, e o rio teria um curso regular, que offereceria
meios de transportes faceis , com o que cobraria muito
mais actividade o commercio interno da Provincia.
Milliet cit. Por trez vezes , debalde, se propoz na Ca-
mara dos Deputados a canalisação do S. Francisco para
o Jaguaribe em 1835 França Leite, em 1848 Marcos
de Macedo , em 1877 Alencar Araripe e o autor deste
Vocabulario : obra monumental e utilissima que, tor-
nando este rio navegavel, viria previdencialmente em
salvação da Provincia em tempos calamitosos de sêcca .
Tambem debalde a lei provincial n.º 1532 de 7 de
Agosto de 1873 concedeo previlegio exclusivo por 45 1
annos para o estabelecimento de pequenos barcos a va-
por para o transporte de passageiros e mercadorias entre
as immediações dos logares Fortinho ou Chapẻo e a
cidade do Aracatí - O primeiro nome do Ceará foi Paiz
do Jaguaribe, e o deste rio - S. Lourenço , do nome de
uma fortaleza que os portuguezes construiram em sua
foz C. Mendes, Memorias cit . , T. 2, Pref. , P. 15 ,
Nota e P. 553 , Nota 6. ― Ely. : - abundancia de onça ,
de jaguar onça, e iba abundancia . J. de Alencar , Irac.
P. 167 ; -rio jaguar, assim chamado , não como o Tigris
( grande rio da Turquia d'Asia ) pela rapidez e força da
corrente, mas pela multidão de féras, que lhe frequen-
tavam as margens . R. Southey cit. , T. 6, P. 394 ; - rio
de onça . Martius cit. , P. 508 , C. Mendes , Memorias
cit. , T. 2. , Pref. , P. 71 , Silva Guimarães , Vocab . cit. ,
P. 23, Pompeo (jaguar-yg) , Ens . Est . cit . , T. 1 , P. 27 ;
-cão máu , de jagoȧra cão , e ayba máu , Frei Maranhão
cit. , P. 70. Parece-me preferivel : terra de onça , de
jaguára onça e igbig ou ibi terra . Malta cit . , P. 249.
JAGUARIBE - MIRÍM : Ely. : -jaguaribe pequeno , de
jaguaribe e mirim pequeno . Braço do rio Jaguaribe ,
por isso lhe foi applicado o diminutivo. A sua margem
ficam a villa e comarca do mesmo nome.
314 REVISTA TRIMENSAL

JAGUARURÁNA : tribu tapuia,que vivia a 60 legoas


da Ibiapaba nos arredores da Fortaleza, alliada aos por-
tuguezes, mas inimiga dos Guainacés. Padre A. Vieira ,
Rel. das Miss. cit. , Cap. 9, e Ayres do Cazal cit. - Mas
Araripe, P. 16, pensa que Guainacés e Jaguararanas são
denominações particulares dos Anacés ; porquanto nos
documentos antigos , que consultou , não encontrou o
nome de sua habitação . Inclino-me á esta opinião . Ety. :
-jaguaribe manso ; assim como Guanacés gente esti-
mada ; o que condiz com a denominação e indole dos
Anacés.
JAIBÁRAS : rio, nasce na Ibiapaba, e entra no Aca-
racú, pouco acima de Sobral. Ety.: - provém de yaib
brénhas. B. Caetano , Vocab. , P. 569 .
JAMACARÚ : especie de cardo agreste e espinhoso ;
vegeta de preferencia nas praias ; dá flôres amarellas e
cheirosas, e um fructo encarnado , a preciado dos vian-
dantes pela sua frescura refrigerante. Segundo Cher-
noviz cit. , é peitoral, com propriedades anti-escorbuti-
cas, e a planta assada tambem é remedio para os tumores
glandulares- Ety. : - de ja fructo , ma ligado , caa páu
e aru do verbo rub eu tenho : fructo que está ligado ao
páu, como acontece com este cardo , que dá o fructo no
páu como a jaqueira . C. Aulete diz que é o mesmo que
mandacarú e cumbeba, e Chernoviz que é o mesmo
jaramacari, mandacarú, urumbeba ou cumbeba e fi-
gueira da India - Moraes escreve jamaracú.
JANAGÚBA : arvore, cujo leite , muito viscoso e
medicinal , serve para curar quebraduras e hernias es-
tranguladas . Tão viscoso é o leite que com elle pégão- se
passarinhos deitando -se-o n'arvores em que se essentam
e donde não podem mais sahir - Ety. : - corruptéla de
ñandi leite e uba arvore ; arvore que dá leite.
JANDÁIA : ave, menor do que o papagáio , á cuja
familia pertence. Tem o peito , encontros e cabeça colo-
ridos de amarello -avermelhado brilhante ; ponta das
azas azúes , e o resto da plumagem vêrde. Domestica- se
facilmente, e aprende uma ou outra palavra- Ety.:-
vem do guarani ñendai (nome dado a diversos passaros
DO INSTITUTO DO CEARÁ 315

gritadores) Braz Rubim cit., P. 372. E' preferivel a


do mestre : do tupi ñendaya , de ñeê- etá- aib que falla
muito e mal . B. Caetano . Vocab. cit. , P. 335 - É for-
çada a de J. de Alencar : - periquito grasnador ; de
neng fallar, antan duro , forte , aspero , e ára desinencia
verbal , que exprime o agente-nh ' ant ára , substituido
ot por d, e or por i tornou-se nhandáia , dondejandȧia .
Irac. cit. , P. 173.
JANDAÍRA : abelha de côr escura avermelhada ;
fabrica mel excellente e medicinal -Ety . : -contracção
de jemonha que fabrica e yra mel : a que fabrica mel .
J. de Alencar, Irac. cit. , P. 163 .
JANDIRÓBA (feuillea trilobata) : planta trepadeira ,
de effeito medicinal energico . Nasce á beira dos brejos ,
dá uns cabacinhos (noine por que é mais vulgarmente
conhecido entre nós) , applicados á molestias syphiliticas
Dos caroços desses cabacinhos diz C. Aulete que ex-
tráe-se luz em Pernambuco - Chamam-se tambem pau-
listas- Ety. :-de ñandì azeite e rob amargo ; arvore de
que se tira azeite amargo . B. Caetano, Vocab. , P. 313 .
JANGÁDA : pequeno barco de pescaria , e de embarque
e desembarque de pessoas e mercadorias . Compõe- se de
seis páus de piúba (vide) , vulgarmente conhecida por
páu de jangada : os dous do centro chamam-se Meios , os
immediatos Bordos, e os dous ultimos Memburus. Mas
quando o do meio é bastante grosso já tenho-a visto de
cinco, com os quaes Guimarães Junior, Sonetos e Rimas ,
P. 161 , cantou A Jangada : -

Cinco páus mal seguros e enlaçados


Rompem os ventos perfidos e irosos :
Nelles confiam mais que venturosos
Dous pescadores nús e desgraçados .

São seos acessorios : Banco de Véla , que serve para sus-


tentar o mastro grande e a Véla ; Carlinga ta bolêta
com furos em baixo do Banco de Véla, em que prende -se
o pé do mastro , mudando-se de um para outro, conforme
a conveniencia da occasião ; - Bolina taboa que, entre
316 REVISTA TRIMENSAL

os dous Meios e junto ao Banco de Véla , serve para cortar


as aguas e evitar que a Jangada descáia para sotavento ;
Vela uma grande e unica, de algodãosinho , de fórma de
um triangulo isosteles, cosida n'uma corda junto do
mastro, o que se chama palombar a vela ; assim como
limar a vèla, para ficar bôa , enchel-a de limo verde ; o
que se consegue com o limo de páu e a agua salgada ,
ficando exposta ao sereno : Uma véla bem limada dura
por uns dous annos, mais ou menos ; — Ligeira corda
présa á ponta do mastro e nos Espèques para segurar
aquella ; Retranca vara que abre a Véla ; - Escota
corda amarrada na ponta da Retranca e nos Caçadores :
para encher a véla de vento pucha-se a Escota ; -Caça-
dores dous tornos pequenos na pôpa ; —- Espèques dous
tornos de seis palmos com uma travessa , e no meio uma
-
forquilha ; Forquilha para cada pescador amarrar
nella uma corda e, quando preciso , segurar-se derrêando
o corpo para o mar, e assim aguentando a queda da
jangada ; -Espèques e Forquilha para nelles collocar- se
o Barril d'agua , a Quimanga, a Cuia de Vela , a Tapi-
nambaba, o Samburà e o Bicheiro ; - Tauaçu pedra
grande furada , prêsa n'uma corda , que serve de ancora :
e Çaçangar o acto do jangadeiro sondar o logar em que
está para lançar n'agua a ancora; --Quimanga cabaço em
que se guarda a comida ; - Cuia de Vela concha de páu
com que se molha a Véla quando venta , donde o dito.
-
popular Emquanto venta agua na véla ; - Tapinam-
baba (vulgarmente pinambaba ) maçame de linha com
anzões ; - Sambura cêsto da bôca apertada em que se
guarda o peixe ; - Bicheiro grande anzól préso n'um
cacête, com que se pucha o peixe pescado para cima da
Jangada , afim de não quebrar a linha ; -Banco de Go-
verno á pôpa, no qual se assenta o mestre e amarra - se o
Tauaçu - Macho e Femêa dous calços á pôpa, onde
mette-se o remo, servindo este de léme . (Vide J. Galeno ,
Lend. e Canç. Pop. , P. 271 ) ; - Giràu (Vide) estrado
préso aos dous Espèques para, nas Jangadas de embarque
e desembarque, collocaram-se as bagagens e passagei-
ros, e desta forma não serem molhados ; - Araçanga
(Vide Buraçanga) cacête com que se mata o peixe pes-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 317

cado ; - Ipú drame com que é présa a linha ao anzól


para o peixe não cortal-a ; Goiçama (Vide) linha fina
sem anzól para pescar agulha para isca ; — Atapú (Vide
) buzio grande com que o jangadeiro chama os
freguezes áà compra do peixe- As Jangadas maiores tem
de 6 a 7 metros de comprimento , e duram dous annos
mais ou menos . São lançadas ao mar sobre rólos de
cajueiro por ser a madeira mais duradoura - Na ordem
ascendente temos a Balsa , que é a reunião de algumas
Jangadas, convenientemente ligadas , destinadas á lon-
gas viagens , de provincia á provincia . Na ordem descen-
dente temos o Paquete que é a Jangada menor ; o Co-
ringa, menor do que o Paquete , e o Bote, unico que não
tem vèla, pelo que foi tambem o unico, que escapou á
maldição de Camões, Lus . , C. 4 , E. 102 :

Oh maldito o primeiro que no mundo


Nas ondas vela poz em sêcco lenho !
Digno da eterna pena do Profundo ,
Si é justa a justa lei que sigo e tenho .
Nunca juiso algum alto e profundo
Nem cithara sonora , ou vivo engenho ,
Te dê por isso fama nem memoria ;
Mas comtigo se acabe nome e gloria.

A Jangada no porto da Forteleza tornou - se legendaria


pelos relevantes serviços que prestaram os jangadeiros
á libertação de escravos na Provincia, não se prestando
por fórma alguma ao embarque dessa mercadoria hu-
mana ; pelo que no dia 14 de Março de 1884 trez delles ,
Francisco José do Nascimento (depois alferes da guarda
nacional) , Francisco José de Alcantara e José Felix
Pereira Barbosa , embarcaram para a Côrte no paquete
Espirito-Santo , conduzindo a Jangada Libertadora , que
foi recolhida , como reliquia patriotica , ao Muzeu Nacio-
-
na) — Ety. : — Em parte alguma , sinão na America ,
principalmente na famosa terra da S. Cruz , diz Var-
nhagen, se encontram barcos com tal forma e appa-
rencia. Panoráma , T. 12. P. 376 No Brasil , porém ,
só se encontram desde o Maranhão até Alagôas . Mas a
318 REVISTA TRIMENSAL

palavra é conhecida na Asia e Europa , desde a mais


remota antiguidade, antes mesmo do descobrimento do
Brazil . No Magnum Lexicon Novissimun Latinum et
Lusitanum, e no Novissimo Diccionario Latino Por
tuguez de Santos Saraiva , encontra-se já ratis , is com
a significação de jangada de paus que antigamente ser-
via de barco. É licito, portanto , acreditar que Horacio
já a conhecia quando na Ode 3.° do Liv . 1. disse :

Illi robur , et æs triplex


Circa pectus erat, qui fragilem truci
Commisit pelago ratem
Primus :

(Traducção : Tinha fortaleza e ambição de dinheiro no


peito aquelle que primeiro commetteo ao mar revolto a
fragil jangada) -Constancio , Nov. Dic . e Etym . da
Ling. Port., e Faria. Nov. Dic. da Ling. Port . , dizem
que a etymologia vem provavelmente do verbo latino
jungo, ère juntar, atar, e da terminação dda : jangada
janga maior Na Asia tambem era conhecida , signifi-
cando o Naire que por certo premio empenhava sua fé
de livrar, defender e proteger ao portuguez à custa de
sua vida. (Vide Panorama, T. 1. ° , 1837 , P. 119 ) Nem
mesmo na America do Norte era ignorada. Na Evange-
lina de Longfellow (Traducção de F. Doria) , Cap . 2, P.
97, a proposito dos miseros naufragos do perfido com-
mandante Winslow, lê-se : -

De exules era uma troça : co' a jangada


Da naufraga nação se pareciam ,

J. Bonifacio (senador) canta em um dos seus Sonetos o


Jangadeiro da Gallilea ; Durão , Caramuri , C. 3, E. 54,
já contempla a jangada , fabricada de lenhos , no Deluvio
Universal ; e tanto E. Zóla, L'Assomoir, T. 1.º , P. 92 ,
como Alberic Segond, Dia de S. Nunca , P. 117 , nos
fallam da celebre Jangada da Meduza , naufragada em
1816 na costa d'Africa no banco de Arguim . (Vide Pa-
norama, T. 2, 1838 , P. 178) . Mas tudo isto será suffi-
ciente para determinar que jangada no Ceará não seja
DO INSTITUTO DO CEARÁ 319

vocabulo da lingua indigena ? Não sem duvida ; mas o


Dr. G. Studart, em artigo na Quinzena n.º 11 , P. 82 ,
refutando um meo no n.° antecedente, captivou me assás ,
mas infelizmente não convenceu-me, asseverando , fun-
dado na antiguidade do termo , que este era de origem
aziatica. Este argumento não colhe ; pois tambem anti-
quissimo é Nicodemos , appellido do judéu generoso e
compassivo, que fez modestas honras funebres a Jesus
Christo , dando - lhe um lençol para amortalhar- lhe o ca-
daver e um sepulchro para o guardar . Entretanto é este
o mesmo nome que deram os Mundurucús , do Amazo
nas, á sua aldêa ! Porque deram esses indios à sua aldêa
um tal nome, não o sei dizer , responde A. M. G. Tocantins,
que lá esteve com elles . Presumo , acrescenta o intrepido
engenheiro, que a identidade de nome nada mais seja do
que o effeito de mero acaso ( Vide Estudos sobre a Tribu
Mundurucús na Rev. do Inst . , T. 40 , P. 75. ) Tambem
muito antigo é o vocabulo mameluco , que no arabe quer
dizer-escravo ; no Oriente - os rapazes christãos que se
apanhavam na guerra ou que por tributo se davam á
Porta ( Moraes, Dic . ) ; nɔ Mogol -escravos compradosque
os Sultões do Egypto , successores de Saladino , tomavam
para guarda de sua pessoa ( M. Edom , Resumo da Hist.
Sagr. , P. 337 , N. 2) ; em algumas terras da Peninsula-
o filho do christão com moura (Varnhagen , Hist. cit . ,
T. 1 , P. 172) , e já celebrado por Camões (Lus . C. X, E. 32)
como uma raça no Egypto :

De esperas , basilicos e trabucos ,


A Cambaicos crueis e Mamelucos .

Mas, não obstante isto , Candido Mendes , que nada disto


poderia ignorar, mostrou -se antes inclinado a crêr que
mameluco, no Brasil , (o filho do europeo com tapuia,)
provinha de alguma expressão tupi. (Vide Notas para
a Hist. Patr . cit . , P. 226) .- Synthetisarei as rasões em
que apoiei minha opinião e agora fortifico -a : 1. Porque
a palavra se decompõe e explica conforme com as regras
da lingua geral ou tupi da costa : de ñ¹n , yan , jan cor-
rer, ig agua, e ára (corrompida por euphonia em áda)
320 REVISTA TRIMENSAL

desinencia verbal que exprime o agente ; vindo , por


tanto , a principio- ñan ig ára, yan ig ára, jan ig ára,
e por fim jangada a significar literalmente-aquillo que
corre n'ugua ;-2. Porque na construcção da nossa jan-
gada não entra uma só peça de ferro ; o que prova ser
ella invenção exclusiva do indigena, que não conhecia
esse metal , mas não obstante sabia, elle somente , dar a
esse barco a solidez necessaria, prendendo os páus com
fortes cavilhas de madeira rija. Ainda hoje o nosso jan-
gadeiro scisma tanto com o ferro na jangada que, si nella
apparece algum prego, rejeita- a certo de que está caipóra,
não lhe dará mais pescaria ; 3. Porque quasi todos os
nomes dos accessoriosa ou partes componentes da jangada
são indigenas ; -4. Porque a todo o estrangeiro causa
admiração a nossa jangada . A atrevida jangada de Per-
nambuco , diz Varnhagen, ainda hoje acommette nossos
mares, com pasmo do viajante europeo, que mal concebe
como haja quem arrisque a vida sobre uns tóros ligeiris-
simos, mal unidos, que vão quasi debaixo d'agua , nave-
gando dias e dias, longe da vista da terra (Hist. cit . ,
T. 4, P. 171) . Nada do que vimos neste dia (no Recife) ,
refere Henri Koster, excitou tanto a nossa admiração
como as jangadas vogando em todas as direcções . O ef-
feito que produzem estes barcos grosseiros é tanto mais
singular quanto percebemos , mesmo á pequena distan-
cia, somente a véla e os dous homens, que o dirigem.
(Voyages Pittoresques , Scientifiques et Historiques en
Amerique, Brézil, T. 1. Cap. 1. , P. 4. ) . Tivemos esta
manhã ( 17 de Abril de 1865) , dizem M.me e Mr. L. Agas-
siz , mui grande distracção . Encontrámos (Recife) muitos
destes barcos que se chamam catimarons (jangadas),
frageis embarcações de pescaria, dirigidas por pescadores
que parecem, nesta costa , verdadeiros amphybios . Seo
batel consiste em alguns ligeiros troncos de arvores li-
gados uns aos outros , e sobre os quaes passa a vaga a
cada instante sem que estes homens pareçam de qualquer
forma inquietar-se. Pescam , andam , assentam-se , bebem,
comem, dormem sobre estas 4 ou 5 travezinhas mal uni-
das, tão socegadamente e a seo gosto, na apparencia ,
como nós no meio do luxo do nosso poderoso navio .
:

DO INSTITUTO DO CEARÁ 321

Voyage au Brézıl, P. 32) ; -5 . Porque o estrangeiro


forma da sua jangada ideia muito diversa da nossa : ou é
-umas cannas atadas com juncos e flexiveis vergonteas
á maneira de uma balsa. (A. Knivet, Narração da No-
tavel Viagem no anno de 1591 da Inglaterra ao Mar do
Sul, na Rev. do Inst . Hist . , 1878 , P. 227) ; ou - de 40 pés
de comprimento e 25 de largura, mais ou menos , com pla-
taforma e altura de 2 pés acima do nivel do mar . feita em
um dia e por um só homem , com acommodações para
dezenas de pessoas (J. Verne, O Chancellor , Diario do
Passageiro J. R. Kazallon , P. 90) : ou - feița de taboas
embricadas e bem empregnadas de resina a ferver, com
portas e janellas, salas de visita e de jantar , quartos ,
varanda, cosinha, sendo precisos 2 annos para a sua con-
strucção (J. Verne, A Jangada . Parte 1. , P. 95) ; —
6. Porque a semelhança de um vocabulo com o de outra
lingua não pode determinar a identidade de etymologia .
A mor parte cahe sobre raizes cuja semelhança se ex-
plica , ou pela onomatopéia , ou por outras rasões tiradas
da propria natureza da ideia . Ernesto Renan , Histoire
Général des Langues Semetiques, P. 447. E' assim que,
por onomatopéia , a parte das visinhanças de Belém , no
Pará, traz por origem Capira ou Karipira nome de um
|Campina,
chefe indigena que alli existio (C. Mendes , Notas para
a Hist. Patr. cit . , P. 86 , N. 18.) E' assim tambem que
do vocabulo guarani quiririog , quiririó (queri-irù-yeô
por yemo a que ou com que dorme se deita, B. Caetano ,
Vocab. , P. 438) se fez leôa , cobra do litoral á que se attri-
búem ferocidade e valentia que não passam de fabula :
quiririog transformou - se em iririog , depois em iririôa , .
ririôa (já forma bunda) , iriôa , riôa (idem , r brando ,
quasi ) leôa . A palavra tomou a forma portugueza mu-
dando o g em a na terminação , e trocando o r fraco (como
todo r tupí ou guarani ) pelo 7. (Vide Macedo Soares ,
Rev. Bras. , T. 4 , P. 270 , N. 1.º ) Leôa na Europa , signi-
ficando a femêa do leão , será dicção portugueza ; mas
no Brasil , com o significado de cobra , será de origem
guaraní . -Finalmente é ainda assim que, por onomato-
péia , e pela propria natureza da ideia, de jaguar-tyryc
onça de evitar ou de fugir (a preta , a mais terrivel ) fize-
322 REVISTA TRIMENSAL

ram os portuguezes tigre corruptéla de tyryc com


quéda do vocabulo primordial jaguar; de modo que a
onça preta, entre nós, por ser a mais feroz e asseme-
lhar-se ao tigre tanto no physico como no nome, ficou
sendo conhecida geralmente por tigre, animal que não
existe no Brasil ( E. Liais cit . , P. 458) . Desta forma a
palavra tigre, dicção portugueza , applicada a animaes
ferozes e parecidos, tem etymologias diversas : como
tigre, propriamente dito , vem do grego tigris (Moraes
cit. ) , como onça preta do Brasil vem do tupi tyryc.
Neste sentido poderia accumular innumeros exemplos ,
mas bastão estes trez. Assim tambem a palavra jungada,
dicção portugueza, applicada a barcos com tal ou qual
apparencia, tem etymologias diversas : como barcos an-
tiquissimos pode vir de -janga e áda, como quer Mo-
raes , ou de jungo e àda como querem Constancio e Faria ;
como barco cearense, porem, do feitio e prestimo por nós
descriptos , vem sem duvida do tupi -ñan-ig-ára , de que
os portuguezes fizeram , por onomatopéia e pela propria
natureza da ideia-jangada . D'Asia veio-nos simples-
mente a dicção, não a etymologiu . -E ' precisamente o
caso :
Alfana vient d'Equus sans doute ;
Mais il faut avouer aussi
Qu'en venant de lá jusqu'ici
Il a bien changé sur la route.

JANGURUÇU : lagoa no municipio de Mecejana .


Ety.onça grande, corruptéla de jaguar onça, e uçu
-
grande. Ha tambem Janguruçúsinho, já traduzido
para o portuguez o mirim , nome de um corrego no mes-
mo municipio .
JAPECANGA : (omilax japecanga) ; cipó de espinhos
(J. Galeno, Lyra Cearense cit. , P. 102) ; cheio de nosi-
nhos , do qual se fazem excellentes chibatinhas de mão .
-Cresce tanto que J. Verne o dá , no Pará , com legoas
de comprimento ! (A Jangada cit . , P. 32) .- E ' a salsa-
parrilha do paiz - Barão de Villa Franca, Note sur les
plantes utiles du Brésil , e Chernoviz , Formulario cit.
Ety.:-corruptéla de yuapecang , iaupecang e ibapecang
DO INSTITUTO DO CEARÁ 323

arvore de espinhos ou de púas. B. Caetano , Vocab . cit . ,


P. 596 -Os indigenas chamavam Juapecanga. C. Men-
des, Memorias cit. , T. 2 , P. 418 , Nota 2.ª
JAQUITIRANABÓYA : (fulgora laternaria ): insecto
semelhante á cigarra , grande, com a cabeça do feitio da
de cobra ; anda aos pares- E' tão venenosa que affirmam
que a sua mordedura é mortal ; foge do fumo da roupa
queimada-Cunha Mattos, Corog . Hist. da Provincia
de Goyaz, na Rev. do Inst . , T. 38 , P. 7. Mas não ha
exemplo algum que justifique essa fama de venenosa .
(Vide Walppous cit. , P. 369 e Pompêo , Ens . Est . , T. 1.º,
P. 216 e Nota 1 . )- Ety. : -do guarani ñaquirâ cigarra
e mboi cobra ; por allusão se diz que a sua mordedura
é mortal - Braz Rubim cit. , P. 372- Poinpêo escreve
Tiranaboia , Cunha Mattos Jequitiranaboya , e outros
Gitiranaboia ; mas a orthographia etymologica é a do
texto .
JARACATIÁ (carica) arvore fructifera do mato
• virgem , tambem chamada mammão do mato , mammão
brabo, mammota e ibiruba . C. Aulete cit . O leite é de
um effeito seguro na cachexia paludosa e obstrucções
abdominaes com hydropezia . Barão de Villa Franca ,
Note sur les plantes utiles du Brésil . O fructo é amarello
e doce à semelhança de um mammão pequeno oblongo .
-Quando maduro é grato ao paladar, e verde serve para
doces e outras preparações culinarias. Rev. de Hort . cit ,
1878 , P. 228 .-- O succo emprega - se na opilação . Cher-
noviz , Form . cit. -Ety. : -como a arvore é espinhosa
nota-se na composição hati , donde cati ; é nome dado
tambem a Cactus . B. Caetano , Vocab . P. 573—G. Dias ,
Dic., escreve jacaratiȧ .
JARARÁCA : (bothrops) : cobra, acinzentada , com
manchas côr de café ; muito venenosa-

Vôa entre outras com forças horrorosas ,


Batendo a aguda cauda a jararáca ,
Com veneno, a quem fere, tão presente,
Que logo em convulsão morrer se sente.

(DURÃO, Caramurú , C. 7, E. 56) .


324 REVISTA TRIMENSAL

A mordedura mata no fim de 24 horas , si bem que se


possa com remedio ás vezes evitar a morte . Anchiêta ,
Carta cit. , P. 286.-E' antidoto o entrecasco do angelim ,
tomado internamente e applicado á mordedura ; e já li
em um jornal que o era tambem uma pillula grande de
limão e mercurio.- Diz J. de Alencar que, sorprendida
pelo incendio , arremessa -se furiosa contra o fogo e rompe
estortegando-se pelo campo abrasado . T'il . T. 4 , P. 78.-

O fogo despertou as jararácas ,


Inimigas do fogo, que dormiam .
Eil-as silvando vem, o fogo investem ,
Debatem-se com elle ; ora recúam ,
Erguem-se inchadas , cahem sobre as fogueiras ,
Aquella já salta, e a cauda o chão açoita ;
Ora em torno se arrastam té que o extinguem .
Só esparsos carvões e cinzas restam .

(MAGALHÃES , Conf. dos Tam . cit. , C. 4.° , P. 112) .

Ha engano neste juise . Pelo menos no Ceará a cobra ,


inimiga do fogo , é a surucucú (Vide) . Ajararáca ás ve-
zes chega até ás casas , e não mostra tal aversão ao fogo
ww .
Cruza-se com a surucucú, pelo que torna se difficil a
classificação dos hybridos, que se encontram. B. Rodri-
gues , Rev. do Inst . cit. , P. 94 Ha de 2 especies : a
preguiçosa (craspedocephalus brasiliensis, e da cauda
branca (craspedocephalus lanceolatus) - Ety. :- cor-
ruptéla de yara agarrar e roag envenenar : que enve-
nena a quem agarra, B. Caetano, Vocab. cit . , P. 573-
Tambem chamada - mboya- apeti cobra que fere com o
rabo . B. Caetano cit. , P. 263 ·--- Habita tanto nos logares
seccos como humidos . Walppaus , cit , P. 319 .
JARARACUÇÚ : (lachesis mutus) : cobra, de um
verde negro , comprida, delgada , e muito venenosa . C.
Aulete cit. Amiga dos brejos - Seo veneno é terrivel ,
tanto pela acção rapida, como pela propriedade que
tem de volatisar o sangue, e fazel-o sudar pelos póros .
Pompeo, Geog. , P. 460 , e Ens . Est . T. 1 , P. 214 - Offe-
rece como phenomino predominante de sua mordedura
DO INSTITUTO DO CEARÁ 325

uma grande tendencia para a grangrena . E. Liais cit . ,


P. 67 ---·Ety. : —jararáca grande, de jararáca , e uçú
grande, não por ser major , mas por ser mais grossa .
JATAÍ (hymenea martiana) : arvore bella e fron-
dosa , que destilla uma gomma assucarada - Emprega-se
na asthma. Barão de Villa Franca , Note sur les plantes
uliles du Brésil - O fructo é desagradavel , mas os indios
ocomem ; com a resina , chamada jutay- cica , invernisam
a louça, e das cascas fazem suas ubàs , em que andão em-
barcados . G Dias , Dic. cit .; assim como dessa resina se
servem para allumiar -Chernoviz , Form . cit .- Ely. : -
jatai, contracção de- y - á átâ arvore do fructo duro . B.
Caetano . Vocab . cit . , P. 584. Nicoláu Moreira , Indicações
Agricolas , P. 55 , e C. Aulete cit . , escrevem jetay, e G. Dias
cit. , -jutay, e outros jatahy (Vide Jatoba) -Ha tambem
uma abelha do mesmo nome (trigonu jaty) , menos braba
do que a uruçú ; gentil e arruivada , abundante em de-
licioso mel , cujos favos guardam os perfumes das flores .
Taunay, Céos e Terras do Brasil , P. 111 , e J. de Alen-
car , Irac. cit. , P. 164— Ety . : -íatai ( ei—etd—ei abelha
de muito me ) . B. Caetano cit. , P. 184 e 174 -- É a mesma
Jaty - Walppous cit.. Diz Martius , P. 458 , que essa
abelha tem este nome, porque é nessa arvore (Jataí) que
ella faz o mel .

JATOBA (hymenea bourbazil, L.) ; arvore frondosa.


A fructa é como uma fava , com um palmo de compri-
mento , mais ou menos , cheia de farinha ou massa , que
se come. Moraes cit . Da casca extráe- se excellente azeite
para luz . A resina é preferivel ao angico para molestias
pulmonares-Ety. : -contracção de jatahy , oba folha e d
augmentativo : jatahy de grande copa . J. de Alencar ,
Irac . cit. , P. 182 - Ha uma qualidade menor, Jatobal ,
cujo fructo é mais doce - Diz C. Aulete que esta arvore
é a mesma jetai ou jatai . —Jatobá serra e serrote no mu-
nicipio de S. Quiteria.
JERERAHÚ : lagoa, que deo o nome ao sitio, no
municipio de Maranguape, afamado pela excellencia das
suas laranjas ( Vide Tipuhu) - Ety. :- lagoa das mar-
récas, de jereré ou ireré marréca , e hi agua — J. de
326 REVISTA TRIMENSAL

Alencar, Irac. , P. 184 - Era interessante o ardil com


que o indio pegava marrécas nas lagoas : - lançava ca-
baços nas lagoas até que se avesassem a elles , e depois
mettia-se pela agua com um cabaço na cabeça e buracos
nos olhos , e chegando á ellas mansamente , as ião mer-
gulhando pelas pernas, e debaixo d'agua lhes torcia a
cabeça. Estacio da Silveira cit. , P. 26 .

JERICOACOARA : enseáda historica entre Acaracú e


Granja, onde em 1611 já esteve ancorada a esquadrilha
de Jeronymo de Albuquerque, quando este foi expulsar
os francezes do Maranhão . Pompêo , Dic. Top . cit . -Ahi
em 1613 o mesmo Jeronymo de Albuquerque lançou os
fundamentos de um povoado , a que chamou N. Senhora
1:5
do Rosario. Macedo , Liç. de Corog . cit. , T. 2, P. 68-
Ahi tambem os hollandezes , aproveitando-se das vanta-
gens de uma posição estrategica , assenhorearam-se do
terreno , e levantaram um pequeno forte, cujas ruinas
ainda se vê em baixa maré . A. Bizerra , Folhetim , na
Constituição , n . ° 36 de 31 de Maio de 1885-Ety . :-
buraco de aves variadas, de jeru ou ajeru ave , papagaio ,
gua variada e coára buraco . Martius cit. , P. 510 ; -
enseáda da varzea dos papagáios , de jeru papagaio , cuà
varzea, e codra . J. de Alencar, Irac . cit. , P. 188 ; -bahia
das tartarugas , corruptéla de juraracodra . Varnhagen ,
Hist. cit. , T. 1 , P. 328 , Macedo , Liç . cit . , T. 2. P. 68 e
Hist. do Bras. P. 49 ; - cabo das tartarugas. Theberge
cit. , P. 24. É mais tradiccional : buraco das tartarugas ,
corruptéla de jurard tartaruga e coara . Estacio da Sil-
veira cit . , Lisboa, Obras, T. 2 , P. 76 , C. Mendes , Me-
morius cit. , T. 2, Pref. , P. 53, e Obr. P. 6, Nota 3 e
P. 39, Nota 1. , Pompêo, Ens. Est . , T. 2, P. 258 .

JARITA CACA : (mephilis ulester) : No Jornal do Com-


mercio e no Diario Official da Côrte vem publicada a
seguinte noticia do Dr. Emmanuel P. Frank sobre este
animalsinho, a qual é tão interessante que a transcrevo
integralmente : - « Nas minhas viagens pelo interior do
Brasil, tive occasião de observar, pela primeira vez nas
margens do Amazonas e mais tarde na extremidade op-
posta do imperio, um curioso animal chamado no norte
DO INSTITUTO DO CEARÁ 327

Jaritataca ou Maritataca e no sul Zorilho . Deste animal


encontram-se duas especies , desde a Patagonia até as
Montanhas Rochosas; uma que se acha no sul é grizalha ,
a outra tem a côr preta , com uma bella lista branca, que
The corre ao longo do dorso , e acaba na cauda em forma 1
de bandeira . Esta ultima especie acha-se em quasi todo
sertão do Brasil, e é maior que a primeira. O animal de
que tratamos, é carnivoro , gosta muito de caçar pintos ,
que sabe apanhal os muito bem, assim como coêlhos ,
lançando -lhes á entrada das covas algumas gotas do seo
liquido ; immediatamente o coêlho corre para fóra afim
de não morrer asphixiado , e a maritataca o apanha . As
gallinhas cahem do poleiro e servem de pasto á marita-
taca . Quando ella não encontra tão delicados manjares ,
cava minhócas nas varzeas , servindo -lhe bem as com-
pridas unhas ; isto acontece principalmente nas noutes.
de luar, nas quaes o observador attento poderá vel- as
dansando em pé sobre suas patas trazeiras e agarrando - se
duas a duas pelas mãos, ao som de um pequeno gríto
monotono, mas não desagradavel . Parece estranho este
facto , e não acreditei nelle sinão depois de tel - o obser-
vado . Foi somente por acaso que na ultima viagem, que
fiz aos sertões de Minas , estudei mais de perto este ani-
mal. A unica defeza que possúe consiste em uma vesi-
cula volumosa , munida de dous canaes , que acabão em
outros tantos orificios, collocados de cada lado da cauda .
Nesta vesicula segreda um licor amarello , de um cheiro
activissimo e tão penetrante , que não ha desinfectante ,
nem mesmo chloro , que possa fazer desapparecer com-
pletamente. A menor particula deste liquido , que o ani-
mal pode, por um simples aperto muscular, lançar á
grande distancia e com jacto certeiro , espalhado no ar,
empesta- o por tal sorte que faz fugir todos os viventes ,
até mesmo o urubú, que não prima pela delicadeza do
olphato . Esta unica arma basta-lhe ; não foge ella do
homem , nem da onça, nem mesmo da jararáca . Este
ente é o unico que não respeita a ninguem, e é por todos
respeitado : respeito mephitico , entendamos-nos . Tendo
morto na caça uma maritataca , decidi-me a fazer-lhe a
autópsia , o que só consegui com extraordinario esforço
328 REVISTA TRIMENSAL

de vontade. Não sahi , porém , incolume da tentativa ;


uma gota tão somente do conteúdo vesicular , que me
cahira na camisa , poz- me em tal estado de desespero , que
vi- me obrigado a abandonar toda minha roupa , a sacri-
ficar minha barba e cabellos , para livrar-me do terrivel
miasma, que nelles se tinha aninhado . Tudo durante
trez semanas, até a agua que bebia , parecia-me inficio-
nada . Notei que o liquido concentrado tinha cheiro
muito menos desagradavel do que misturado com agua :
espalhando-se , porem , no ambiente, os seos effluvios eram
infernaes. Sentindo o cheiro de perto parecia- me que
ferrea mão apertava-me a fronte, e teria por certo des-
maiado , si assim continuasse. Tão energicas proprieda-
des , particulares a todos os antipasmodicos , tanto ani-
maes como vegetaes, taes como almiscar, castorio , assa-
fetida , me fizeram suppór que este liquido teria effeitos
anti-pasmodicos, ainda maiores do que todos os outros
até hoje conhecidos . Sendo tempos depois consultado por
pessoa que soffria terriveis ataques de asthma , aconse-
lhei o uso do repugnante remedio. Bastava guardar
algumas gotas em um frasco fechado a esmeril e chei-
ral-o somente por um instante, quando sentia aproxi-
mar-se o ataque para ver- se livre delle. O doente a
principio tinha repugnancia ; cedeo , porém, depois , por
ter ainda mais medo da molestia do que do remedio .
Apoz poucas applicações achou-se o doente curado . Os
ataques foram- se tornando mais raros, espaçando se cada
vez mais até desapparecerem de todo . Cumpre me dizer
que se pode extrahir quasi incolume o liquido , empre-
gando-se alguma cautella. »- Ely. :-senhor do fedor da
ourina, de yara senhor , tick ourina, e caca ou taca fedor .
J. Luccok cit. , P. 5 - Si fór maritacaca ou maritatàca
pode ser- fedor da barriga , de marica (alteração da
palavra portugueza- barriga pelo indigena . B. Caetano
hev. Bras., T. 4, P. 26) e caca ou laca . Luccok
escreve maritafede, e dá a jaratacaca pelo mesmo can-
gamba , differente da marilacaca ! -Pompêo (Ens . T. 1 ,
P. 211, N. 3) -jaritacaca , vulgarmente maritacaca .
Entre nós o cangambá é a mesma jaritacaca ou mari-
tacáca (Vide).
DO INSTITUTO DO CEARÁ 329

JUA : fructo do juazeiro , carnudo , do tamanho de um


muricí, porém mais comprido , amarello esbranquiçado,
a casca aspera e gosto menos agradavel ; é empregada
contra a tisica pulmonar- Ety.:-jua fructo espinhoso e
fructo amarello , nome dado ás bagas de diversas sola-
neas de calice espinhoso e ás mesmas solaneas . B. Cae-
tano. Vocab. cit . , P. 596 ; -variação de cui , modificado
em qui, quá , designação dos indios a todo fructo carnudo.
Martius cit. , P. 378 ; -fructo amarello , de yub amarello
e ua fructo . B. Rodrigues , Rev. do Inst . cit. , P. 94. É
inacceitavel de caha herva. Pizarro , Solamina cit . ,
P. 77- Serra no municipio de Soure , e riacho tributario
do rio Cauipe .

JUAZEIRO (zizuphus juazeiro, M. ) ; arvore abun-


dante nos terrenos alluviaes argilosos do sertão ; nunca
despe a folhagem , e em outubro , no maior rigor da secca,
renova a folha , que é um alimento nutritivo para o gado.
Seo entrecasco serve para curar chagas. Pompêo , Ens .
Est ., T. 1 , P. 173 , Nota 3. - Na secca de 1825 obser-
vou-se um phenomino botanico , que não consta se tenha
repetido , ao menos com tanta abundancia. O joazeiro
distillava das folhas mel em tal quantidade que a gente
pobre colhia-o para alimentar-se e vender. Pompêo ,
Memoria sobre o Clima e Seccas do Ceará, P. 21-0
entrecasco presta - se tambem, como sabão , á lavagem da
cabeça, e a cinza á lavagem da roupa -Ety. :- arvore
do juá, dejuá e a terminação portugueza eiro, que signi-
fica arvore, posposto ao nome de fructo.- Tambem ha
Jud- mirim, mais pequeno , abundante nas margens do
-
Jaguaribe Juaseiro , povoação no Crato.
JUBÁIA : riacho e povoação na serra de Marang
-Ety. : - agua saudavel , corruptéla de ig por gi, ju; e
dia saudavel ; anteposto o b por euphonia.

JUCA (lucuma gigantea) : arvore que fornece boa


madeira de construcção. Servem-se do entrecasco , como
angico , para toda qualidade de offensas physicas , feri-
das , contusões, etc. , e usam como xarope contra as ca-
tharráes agudas e chronicas . Pompêo , Ens . Est. cit. ,
330 REVISTA TRIMENSAL

T. 1 , P. 173 , Nota 5- Da arvore extrahio- se ultima-


nente a jucdina, xarope com diversas applicações medi-
cinaes, approvado pela Junta de Hygiene da Côrte - O
páu é tão rijo que delle servião- se os indios para mata-
rem suas victimas - Ety. : - por esta rasão deram- lhe o
nomedejucá matar. J. de Moraes, Hist . da Comp . de Je-
sus cit. , Cap. 41 e G. Dias, Dic. - Do páu passou o nome
ao riacho no termo do Tauha, e tambem á tribu , que occu-
pava as margens desse riacho,. muito guerreira, amiga
da guerra para ter occasião de matar, donde lhe veio o
nome. J. de Alencar , O Sertanejo cit. , T. 2, P. 187-
Aldeada em 1727 foi depois d'ahi retirada pela destrui-
ção que fazia nos gados dos colonos visinhos. Pompêo ,

Dic. Top. Em 1761 foi reunida ás dos Cariris e Cariùs
para povoar a nova villa do Crato. Theberge cit. , P. 7.
-O logar do antigo aldeamento foi elevado á freguesia
por Provisão de 13 de novembro de 1783 e inaugurada a
13 de Março do anno seguinte com a denominação por-
tugueza de Arneiroz, que ainda conserva. Araripe cit. ,
P. 4- (Víde Inhamuns) .

JUÇARA (euterpe linicaulea ) : palmeira tão rija que


della os indios faziam trincheiras mais seguras que as
mais bem reguladas fortalezas . Seos espinhos grandes e
duros servem de agulhas de fazer meias. Thesouro Des-
coberto cit . , P. 350. Tambem significa comichão , coceira ,
frieira . Martius, P. 59. E ' neste sentido que temos este
vocabulo Ety. :- em tupí contracção de iba arvore e
yukára que come (que faz comichão) . B. Caetano, Vocab.
P. 597. (Vide Açahi. )
JUNDIA : peixe de escama semi-ossea, que vive no
lodo. dos rios e lagos : é dos chamados do mato (Vide
Camboata) . Semelhante ao acary. B. Rodrigues , Rev.
do Inst. cit. , P. 84 - Ety. :-B. Caetano dá tres : de
ñandi-à o que brota ou deita azeite ( Vocab. , P. 313) ;
de hatici hirto, crespo, se fez ñantiá, ñandid, yandia,
nome dado a peixes barbados, como bagres . (Idem ,
P. 315) ; cabeça de aspiral , por causa das barbas . (Idem ,
P. 597 - Tambem se escreve Jandid, e ha uma especie
menor ― Jandial.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 331

JUNDUÍ : aránha pequena, branca e tão venenosa


que diz o povo que mata a planta em que faz a teia.

Si a branca junduí agasalhado


Deu acaso á.folhinha d'uma atteira ,
O seo galho a rejeita .. ....

(J. GALENO, Lyra Cearense cit . , P. 100. )

Ety. :- de ñandú , yandú aranha , e o diminuitivo i pe-


queno. Aranha que faz teia nas casas . B. Caetano , Vocab.
P. 570 - Tambem escreve-se Jandui.
JURÉ : riacho no municipio do Ipú - É tradicção que
em suas margens se tem achado boas amethystas e ouro
de subido quilate . Pompêo, Dic. Top. - Já o governo
imperial , por Dec. n.º 3779 de 12 de Janeiro de 1867 ,
concedeo previlegio por 30 annos para a exploração de
minas de ouro, chumbo , soda e outros mineraes-Ety.:-
vazilha de rā , da contracção de jui vazilha e rurẻ rã .
Martius cit. , P. 511 .
JURÉMA (acacia juréma) : arvore de porte mediano ,
com a haste principal e ramos de côr escura , tendo em
sua superficie rigidos espinhos ; flores brancas . Os fru-
ctos empencados representam vagens, que tem poucas
sementes. Almeida Pinto . , Dic . de Bot. Bras. cit.- A
casca é amarga e muito adstringente ; usa- se interna-
mente em decocção contra as dyarrhéas, hemoptises e
enterorrhagia ; externamente , ainda em decocção e em
emplastro contra as ulceras atonicas e putridas , hemor-
rhagias externas, e para vigorar os tecidos flacidos-
Ens. de Mat. Med . e Therap . Bras . , P. 61 —O cozimento
em banhos é remedio contra as inchações erysipelatosas .
Chernoviz , Formulario cit.- As sementes ou mesmo
toda planta passam por venenosas, excepto as raizes , que
são tidas por contraveneno (Barão de Capanema) -- A
casca é tonica de natureza estupefaciente . Pompêo ,
Ens. Est. cit . , T. 1.º, P. 173 , Nota 2.- É tambem
nome de uma bebida celebre do indio , tanto pela prepa-
ração , como pelos effeitos. Quando os portuguezes apor-
taram pela primeira vez ao Brasil , o segredo da prepara-
332 REVISTA TRIMENSAL

ção da juréma era confiado à uma donzella consagrada


a Tupán, a qual , como as antigas vestaes da Roma de
Numa Pompilio , devia , sob pena de morte, guardar per-
petuamente a virgindade. Este costume já forneceo as-
sumpto a um dos mais bellos episodios de Alencar em
sua Iracema. Ens . de Mat . Med . e Ther . Bras. cit .
Antes de partirem para a guerra, os indios consultavam
os seos pagés de um modo original . Embriagavam-se
com ajuréma. Eram os sacerdotes que presidiam á mys-
teriosa elaboração desse licor sagrado, que possuia as
propriedades do hatchisch, inspirava sonhos deliciosos
aquelles que o bebiam. Quando acordavam do extasi ,
os indios ião contar aos pages o que tinhão sonhado , e
pela explicação dada desses sonhos é que se decidia a
empreza, e o meio,de a levar ao cabo. Desta forma, com
estes simples oraculos , os sacerdotes selvagens , não
menos habeis do que os civilisados , exerciam sempre na
tribu um dominio incontestado . P. Chagas, Virg. Qua-
raciába, P. 257 -Ety. :- espinho de cheiro agradavel,
de jú espinho , e rema cheiro agradavel . J. de Alencar ,
Irac. , P. 168 .
JURITÍ (peristera frontalis) : ave, de cór vermelha
escura, avinhada ; muito timida , vive nas mattas e se
arreceia de campos abertos . Walppous cit . , P. 330 —
Boa caça, mas tão arisca que as que nascem em casa
fogem para o mato logo que crescem. -Tem o canto sau-
doso e triste, celebrado pelos poetas .

A jurití suspira sobre as folhas seccas


Seo canto de saudades ;
Hymno de angustias , fervido lamento ,
Um poêma de amor e sentimento ,
Um grito de orphandade .

(CASIMIRO DE ABREU, Primaveras , Juriti, P. 82.

E geme a jurity nas assomadas.

(F. VARELLA, Obr . Compl. , T. 2 , Narração , P. 171 ) .


DO INSTITUTO DO CEARÁ 333

Ety. :- seo nome deriva-se de sua mansidão : juruce é


affavel . J. Luccok cit . , P. 10 ; jurití nome generico das
pompas apparece yeruti , yuruti, yuriti, etc. B. Cae-
tano , Vocab., P. 589.
JURUBÉBA : arbusto espinhoso . G. Dias , Dic. cit. M
A fructa é do tamanho e cór do fructo do murici verde ;
amarga, mas excellente remedio contra febres intermi-
tentes, ictericias , hepatites chronicas. Chernoviz , Form.
cit. É tonico aperiente, muito usado principalmente
como desobstruente nas affecções do figado , opilações e
hydropezias , usada na infartação de visceras , e é estoma-
chico ; tem ainda propriedades depurativas . As fru-
ctas podem ser administradas em conservas ou electua-
rio. Pompeo , Ens. Est. cit. , T. 1 , P. 173 , Nota 4, e P. 196
Ha de muitas especies : braba (solanum bravia) , tam-
bem chamada jurupetinga ; juribeda ou jupeda nill
(solanum paniculatum) , e do Pará (solanum mamosum) .
Moraes e C. de Magalhães , seguindo a Velloso , escrevem
urumbeba, Pompeo -juripėba ou jerověva , e o mesmo
Chernoviz - juripéba ou jupéba ― Ety. : -Esta ultima
dicção de Chernoviz faz crer que o vocabulo anda cor-
rompido dejú espinho e péba chato ; espinho chato , pelo
achatamento especial do espinho deste arbusto .

MACACHÉIRA : espirito maligno dos caminhos , que


sorprendia os viandantes . Magalhães (Conf. cit. C. 4.º,
P. 113) , ou que seguia e acompanhava os guerreiros em
suas marchas . (G. Dias, Bras . e Ocean . , P. 103) — Ety.:
corruptéla de mo- canco -ser o que gosta de cansar a
gente, ou de mo-can-gy-ser o que gosta de enfraquecer
a gente ou de mo-cañy-ser o que gosta de fazer a gente .
perder-se ou andar erradia (B. Caetano , Notas aos In-
dios do Bras . , P. 99) , ou finalmente de ibagacuera , con-
tracção de îb-ibá-gacuera virado para o céo ; qualifica-
tivo em aipi macachera provém de outra raiz (B. Cae-
tano , Vocab. P. 185- (Vide Aipím)—Ety. vocabulo
334 REVISTA TRIMENSAL

portuguez, corruptéla de cheira-mal ! J. Luccok, P. 27


-
R. Southey, T. 1.° , P. 327, seguindo a Philippe
Beaver, dá a batata por indigena do continente hespa-
nhol, comquanto cultivada n'Africa e desconhecida nas
Indias Occidentaes. Talvez venha da contracção de mi-
moi-garicuera o que foi embebido d'agua ; mandióca de
molho . B. Caetano , Vocab. P. 280- Diz C. Aulete que
no Norte do Brasil chama-se o aipim macuxeza !

MACAMBIRA (encholirii sp. ) : bromelia , de cujas


folhas extrahem-se fios para rede ; ou especie de ananaz
bravio. G. Dias, Dic. Dá uma batata de que usam em
farinha por tempo de fome. Pompêo, Ens . Est. , T. 1.º ,
P. 205, N. 1. -Ety. : -embira de rede, de amaca rede
de dormir e mbira . Martius, P. 512 (Vide Inuçú).

MAÇARANDÚBA (lucuma procera): arvore, produz


um fructinho doce, que se come. O leite é bom para
molestias do peito. S. de Frias , P. 272 -- A madeira é
de construcção . - Emprega-se vulgarmente como sy-
nonimo de cacête, talvez por ser usado o deste páu . G.
Galeno , Lend. e Canç. Pop. , P. 411 - Ety. : - corru-
ptéla de mocén derramar, ranhe logo e ubu arvore ar-
vore que distilla um liquido chamado gutta percha.
Martius, P. 514- Diz Labre, P. 37, N. 2 , que ainda não
é conhecido o processo para preparar esse liquido .
MACAÚBA (acrecomia sclerocarpa) : palmeira espi-
nhosa ; seo fructo é um coquinho , cuja casca cobre uma
polpa adherente, amarella e doce, debaixo da qual ha
um caroço muito duro , contendo uma amendoa , que se
come. O espinho serve para almofada de renda - Do
tronco extráhe-se uma fecula muito nutritiva , seme-
lhante ao sagú, e tanto o pericarpo gommoso, como os
caroços de consistencia rija, são comestiveis , e forne-
cem oleos com applicação culinarias . Rev. de Hort. ,
1879, P. 14-Ety.:- arvore de leito pensil , de amaca
(agora na lingua geral maquira) rede de dormir, e uba
arvore. Martius cit. , P. 512 - No norte da Provincia
chama-se macajúba, e no Rio Grande do Norte - ma-
caíba.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 335

MALÓCA aldêa , tribu , horda . Ety. : - corruptéla


de morỏ gente , e oca casa : casa de gente . J. de Alen-
car, Ubir. P. 171 - Esta palavra ainda não vem nos
diccionarios portuguezes , mas encontra- se frequente-
mente nos chronistas, e é muito usada . Macedo Soares ,
Rev. Bras. cit . , T. 4. °, P. 246 , nota 1. " , portanto , não
tem rasão para duvidar da origem indigena do vocabulo ,
só porque no tupi , guarani , cayuá ou xocrem não ha —l--
letra desconhecida no alphabeto bråsilico-- Ha innumeros
casos de vocabulos tupís em que o до corrompeu-se
em —- 1, como em curumi corrompido em culumí
De malóca já temos amalocar aldêar os indios em maló-
cas . Outros escrevem molóca mais etymologicamente ;
mas a orthographia do texto é a mais corrente (Vide
Martius, P. 61 , Amazonas , Nota 17 , e B. Rodrigues ,
Ens. de Scien. T. 2. P. 8 e T. 3 , P. 10) .

MANACA (franciscea uniflora) : - flôr, e tambem


nome que se dá á moça mais bella de uma festa . G.
Dias, Dic. cit . -- É flôr de um arbustinho silvestre co-
nhecido pelo nome de Flôr da Quaresma , Flor de Santa
Maria ou do Natal ; forma touceira . É de duas côres ,
branca pura ou tinta de rôxo , ou todas de côr rosea pur-
purina ; tem as pontas redondas e parecem jasmim . Pela
belleza de duas côres no mesmo pé , pelo cheiro suave
que derrama, podia esta planta ser ornato dos nossos
— A raiz é medicinal , e o
jardins. Almeida Pinto cit .
cozimento produz lethargos. Martius cit . , P. 399.
Tonico anti -febril e muito empregado contra a syphilis
inveterada , e ultimamente contra o colera- morbus.-
Pompêo . Ens . Est. , T. 1. ° , P. 176 , Nota 1.ª Planta
nativa , muito conhecida em todo o Ceará , cuja raiz em-
pregada, segundo Baêna , pelos indios para produzirem
uma sorte de delirio furente, ou mesmo loucura persis-
tente, é usada quasi como especifico contra o rheuma-
tismo artecular . Em alta dose produz escurecimento da
vista, confusão de ideias, delirio inconstante , tremores ,
opéra como emeto-cathartico , e.em doses refractas deter-
mina abatimento , sentimento de frio ou frescura . É na
minha opinião optimo succedaneo da digitalis ou da de-
336 REVISTA TRIMENSAL

daleira e já hei-o empregado com vantagem em hy-


pertrophias e outras lesões do coração . Passa por con-
traveneno, e chama-se mercurio dos pobres nos sertões
do nosso imperio - Pompêo cit. , P. 181 - Ety . :-abre-
:-
viatura de maneaqua ramalhete cheiroso , feixe cheiroso ,
nome dado a diversas flôres odôras . B. Caetano , Vocab.
cit . , P. 217.

MANDACARÚ : é o mesmo jamacarú (Vide) .

MANDAPUÇA (mouriria puçá) : arvore fructifera dɔ


mato virgem ; vegeta de preferencia nos taboleiros ; o
fructo amarello , do tamanho de uma pitomba , com ca-
roços , terminando por uma especie de corôa, come - se ,
e é de um doce agradavel a polpa que cobre bs caroços
-Ety.manda, feixe, rolo , amarrado, e ua fructo ,
interposto ump por euphonia ; fructo de feixe, al-
lusão à disposição engenhosa dos caróços - Moraes es-
creve - manpúsa , Faria como no texto e tambem
madapuçá, J. Luccok, P. 19 - mandapussa , e C. Aulete
mandapusa.
MANDIÓCA (jatropha manihot) : planta pequena ; a
raiz, formada de grandes tuberculos carnudos e ovȧes ,
dá a fecula alimenticia chamada farinha . É a mais im-
portante riqueza vegetal da nossa terra; é mais neces-
saria e occupa um logar mais importante na alimenta-
ção do nosso povo do que a batata na Inglaterra
Pompêo, Ens . Est. , T. I. , P. 208 , Nota 1.- Si Céres
mereceo um logar na mythologia da Grecia , com maior
rasão se devia esperar a deificação de quem ensinou aos
seos irmãos o uso da mandióca. Esta raiz comida crúa
ou de qualquer modo que não se lhe extráia o succo que
tem , é veneno lethal ; ora , difficilmente se concebe
como selvagens poderam jámais descobrir que d'aqui se
prepara um alimento sadío . R. Southey , Hist . cit . , T. 1 °,
P. 325. D'ahi a lenda de S. Thomé, e a apotheóse dos
poétas-

Foi Sumé ou Thomé, como é mais certo ,


Que era branco e trazia longas barbas,
t

DO INSTITUTO DO CEARÁ 337

Quem mostrou aos tupís como extrahindo


Da mandióca o succo venenoso
Se fabrica a farinha e a tapióca.
MAGALHÃES, Conf. dos Tam . , C. 5 , P. 145) .
É sustento commum , raiz presada ,
Donde se extrahe com arte util farinha,
Que saudavel ao corpo, ao gosto agrada ,
E por delicia dos Brazis se tinha .
Depois que em bolandeiras foi ralada ,
No Tapeti se espreme e se convinha ,
Fazem então a puba e a tapióca ,
Que é todo o mimo e a flôr da mandióca .
(DчRÃO, Caramurú, C. 7, E. 28) .
A mandióca que Thomé Sagrado
Deu ao gentio amado ,
Tem nas raizes a farinha occulta :
Que sempre o que é feliz se difficulta .
E parece que a terra d'amorosa
Se abraça com o seo fruito deleitosa ;
Della se faz com tanta actividade
A farinha que em facil brevidade
No mesmo dia sem trabalho muito
Se arranca , se desfaz , se coze o fruito ;
Della se faz tambem com mais cuidado
O beijú regalado
Que feito tenro por curioso amigo
Grande vantagem leva ao pão de trigo .
(BOTELHO DE OLIVEIRA , A Ilha da Marẻ. )
C. Mag. cit. , P. 133 e Rev. do Inst . Hist . , T. 36 , P. 499 ,
refere outra lenda , do Mandi, em Santarem , no Pará .
Quando faltava mandióca , os indios recorriam a uru-
curi-iba , especie de palmeira , cuja madeira rachada so-
cada e pulverisada, dava uma sorte de farinha , que se
chamava de pàu nome , que restrictamente significativo
no seo emprego originario , se applica agora com menos
propriedade à farinha da mandióca . R. Southey cit . ,
P. 328 Segundo Macgraf, Hist. cit . , P. 123 , ha 23
qualidades de mandióca ; e , segundo o Imp . do Bras.
338 REVISTA TRIMENSAL

na Exp. de Vien. , 1873 , P. 181 , ha 30 - Ely . : -


Não é facil de explicar a etymologia desta dicção , que
se acha modificada em outras linguas. Que é do abne-
enga não resta duvida, mas o notavel é que, sendo um
dos vocabulos mais espalhados e usados , não vem no
geral dos Vocabularios e no Dic. Port . e Bras., por
exemplo , trata-se de typyrati, nypuba, carina, farinhas
de mandioca , mas a menor referencia a esse nome, que
dá-se como se fosse portuguez ou de outra procedencia .
B. Caetano , Vocab . cit . P. 217. O seo nome ou é corru-
ptéla de mbaihog folhas da arvore do Céo , ybai arvore
do Céo , e hog folhas , allusão a Sums, applicado depois
a raiz . (Vocab. cit. , P. 217 e 227) ; ou , independente de
lendas e com simplicidade grande, pode se suppôr que
de mitynog desenterrado vem mind og ou mandiog e até
ibamindiog contracto e significando fructo desenterrado .
A contracção ou elisão das iniciaes é facto certo ; falta
mostrar a lei della . (Vocab. cit . P. 270) --Macedo Soares ,
Rev. Bras. cit . , T. 1.º , P. 591 , diz que vem de mandioc.
Em algumas partes do Rio de Janeiro chama-se man-
diócas aos que nós chamamos matutos . Sylvio Romero ,
Contos Populares, T. 1. ° , Introd . , P. 23.

MANGÁBA (harconia sp.) : fructo agreste da man-


gabeira, maior do que a caja, de côr verde amarellada
quando maduro , com pintas pardas e gosto saboroso . Na
sua Ilha da Mare Botelho de Oliveira cantou o com pro-
priedade : -
A mangava mimosa ,
Salpicada de tinta por formosa ,.
Tem o cheiro famoso ;
Como se fora almiscar oloroso ;
Produz-se no mato
Sem querer da cultura o duro trato ,
Que como em si toda bondade apura ,
Não quer dever aos homens a cultura.
Oh que galharda fructa e soberana
Sem ter industria humana !
E se José as tirára dos pomares
Por ambrozia as pozéra entre os manjares !
DO INSTITUTO DO CEARÁ 339

Dá excellente doce e aguardente muito apreciados .


Diz Walppous , P. 249 , que posta em conserva chega até
os mercados da Europa . De manhã em jejúm, comida em
demasia, embebeda . A arvore (mangabeira ) vegeta de
preferencia nos logares arenosos , como taboleiros ; e o
logar onde cresce chama-se mangabal . Martius , P. 536
Notou o botanico Ferreira que o seo leite tem a pro-
priedade e prestimo da gomma elastica . G. Dias, Dic.
Mas é de qualidade inferior e de mais difficil extracção
do que o da maniçoba - Ety . : —do guarani mangad man-
gaba - Braz Rubim cit . , P. 374 ; -do part. mang, man-
gab logar, tempo , modo de atar , amarrar, enfeixar . E'
fructo cujo leite fornece borracha . B. Caetano , Vocab. ,
P. 217.

MANGARÁ : a tubera de que nascem certas plantas :


o mangara da bananeira. C. Aulete. Entre nós é o caixo
da bananeira ainda em embryão, ou como diz G. Dias,
Dic. , é a batata da bananeira . — Ety . : -de bả carả fru-
cto redondo , ou fructo cascudo ; nome dado a diversos
caladium , Begonias . B. Caetano , Vocab . , P. 217.
MANGERIÓBA (cacia occidentalis ) : arbusto medici-
nal , de cujas sementes a pobreza serve- se como de café .
A raiz dá tinta ; e diz Pompêo que é usada em bebida
como ante-febril , e a folha para banhos , e tambem como
emplastro sobre os engorgitamentos visceraes , e as se-
mentes torradas como café para as pessoas que soffrem
pobreza de sangue. Ens . Est. , T. 1.º, P. 172 , Nota 3. "-
Ety. :-mang, feixe, ri muitas vezes , oba fructo : fructo
muito enfeixado , allusão à sua vagem comprida e toda
disposta em caroços .
MANIÇÓBA (jatropha sp . ) : arbusto de 2 a 4 metros .
lactifero e de caule nodoso . Sangra quando ferido . Os
grêlos tenros come -se em guizados . O liquido da folha,
fervido e fermentado , pode reduzir-se a vinagre, ou ficar
bastante coalhado e doce para servir de mel . R. Southey ,
Hist. cit. , T. 1.º, P. 2360 arbusto produz uma batata
semelhante à mandioca , que dá uma gomma usada nos
tempos de fome. Pompeo, Ens. Est. , T. 1. , P. 204 ,
Nota 3. D Ety. : - folha da mandióca, G. Dias, Dic .
340 REVISTA TRIMENSAL

Prefiro rosto , semelhança ou feição da mandioca , de


manioc mandióca e çoba rosto, semelhança. Araripe Ju-
nior, Jacina A Marabá, P. 313- A maniçoba é tão pa
recida com a folha da mandióca que illude ; e, como a
desta embebéda o animal que a come ; é preciso cuidado
para não confundil-as . -Ha tambem a maniçobinha ,
maniva braba, cujas raizes , tuberosas e interior formado
de uma substancia compacta, frouxa, aquosa , não dão
fecula . No tempo de carestia o povo serve-se da massa
para fazer farinha. Almeida Pinto cit.
MANIPÉBA : a mais notavel especie de mandióca ;
pode conservar-se 3 e mais annos na terra sem alterar- se
e cresce tanto que um só pé dá uma carga de batatas .
Pompeo, Ens. Est . , T. 1.º , P. 208 , N. 1. - Ety. : -man-
dióca fina, de mani mandióca e peba chata e , por exten-
são, pequena, fina , allusão ás folhas, differentes das da
mandióca.
MANIPUÉIRA : agua que distilla a mandíóca ralada
e exprimida, a que tambem se chama tucupim . G. Dias ,
Dic. Essa agua ou succo é um veneno violento , contém
acido prussico em abundancia . Chernoviz , Formulario ,
verbo Tapioca Os colonos por tel-o como nocivo cos-
tumavam a principio expremer a mandióca em lojas e
logares subterraneos . onde menos probabilidade hou-
vesse de algum accidente. R. Southey, Hist. cit. , T. 1. °
P. 326- Das experiencias do Dr. Fernin , feitas em
Cayena e lidas em 1761 na Academia das Sciencias de
Berlin , resultou conhecer-se que a distillação priva a
esse succo das suas propriedades venenosas , e que é nas
primeiras onças do liquido distillado que o veneno pa-
rece achar-se . De 50 libras de succo distillado extrahio
elle 5 onças de um liquido extremamente venenoso . Fo-
ram dadas 35 gotas desse liquido a um escravo envene-
nador , condemnado á morte , o qual succumbio de vio-
lentas contorsões, dando gritos horrorosos . O Padre Si-
mão de Vasconcellos cit: diz que o succo do ananaz é
antidoto ; e Pison ( Medicina Bras . , L. 1 ' , Cap . 2 , P. 19)
que a manipuéira o é ás ophtalmias - Uma cataplasma
da mandióca com esse succo era reputado excellente
remedio para aposthemas ; igualmente se administrava
DO INSTITUTO DO CEARÁ 341

contra lombrigas , ás feridas antigas para comer- lhes a


carne chagada, para limpar o ferro, e como antidoto.
incomparavel a certos venenos e a mordeduras de cobras .
R. Southey cit -Eutre nós usa- se com grande proveito
do café amargo como antidoto ao veneno da manipuéira
na gente - Ety. :- de mani manidióca , com o preterito
puer que foi a agua que se expreme da massa da man-
dióca ralada para fazer farinha : o pó que assenta dessa
agua é a gomma, a manipueira é veneno para bois e
porcos. Macedo Soares, Rev. Bras. cit. , T. 8.º , P. 121
-Sylvio Romero , Contos cit . , T. 1.º , P. 47 , Nota , es-
creve manipeira ( ! ) caldo da mandioca depois de extra-
hida delle à tapioca ou povilho .

MANIVA : pé da mandióca . G. Dias, Dic.- Entre


nós é mais propriamente o pedaço do páu da mandióca,
que se enterra nos matumbos ou covas para nascer ; ou ,
depois de, sêcco ao sol e batido ou esmagado para ali-
mentar animaes . ― Ety. páu da mandióca , de mani
mandióca, e iba páu . De moniva já se fez o verbo po-
pular desmanivar, que quer dizer decidir a questão .
Araripe Junior, Luizinha , P. 244.
MAPINGUÍNHO : qualidade de fumo apreciado e pro-
curado no nosso mercado -Ety . : -De Baependy, ´em
Minas , era importado esse fuino que , pela sua boa qua-
lidade em relação ao nosso ( Vide Acarape) teve grande
procura, e começou de chamar- se, para distinguirem do
outro, fumo de Baependy. Com a tendencia do povo a
abreviar os nomes , passou -se a chamal-o simplesmente
baependy, depois baependim . Já na lei do orçamento
.
provincial n . 570 de 11 de Dezembro de 1851 , art . 11 ,
encontra-se corrompido em mapendim ; e por ultimo
como no texto , já inteiramente aportuguezado - Bae-
pendy é vocabulo tupí , com diversas significações : ou
-qual é tua cousa ? Que queres tu ? de mbâe cousa,
pe interrogativo , e ndè tua. Martius cit . , P. 492 ; - ou
-quem és tu ? de abȧ -pe - ndé. G. Dias, Dic . , verbo
Pê ; ou finalmente- máu caminho , de mbde cousa ruim ,
ndy preposição com , em companhia, e pe caminho .
Freire Allemão cit . , P , 353 .
ww
w
342 REVISTA TRIMENSAL

MAPIRUNGA (eugenia tinctoria) : fructa silvestre ,


pequenina, muito pretinha e doce-Ety.:-fructa preta,
corruptéla de ud fructa e pixuna preta - Outros escre-
vem mapurunga .
MARACÁ : instrumento das solemnidades religiosas
dos indios , privativo dos pages , emblema symbolico da
divindade . Vinha a ser uma cabaça de cuia , cheia de
pedrinhas , enfiada em um cabo de páu e corôada de
pennas de guards : quando a moviam ou achocalhavam
fazia um ruido como o das matracas das egrejas , que
até no nome se lhe parece . Varnhagen , cit. , T. 1.º ,
P. 113- Devia semelhar aos sceptros dos antigos truões ,
Os pagés tocavam-no para annunciar qualquer solemni-
dade, e enchiam . no de fumo de tabaco, que sahia depois
pelos orificios, que representavam os olhos e as orelhas ,
quando queriam dar os seos oraculos . P. Chagas cit . ,
P. 254- Entre os tapuios uma tribu poderosa tomava o
nome de maraca, e devia ser sem duvida a nação sa-
grada. Fernão Diniz , Os Indios - Do ruido do maracà
veio o chamarem tambem a cascavel maracà-boia,
ou simplesmente maraca cobra de maracá , pelo cho-
calho que tem na cauda . Por ampliação do sentido di-
recto dá-se este nome ao chocalho feito de lata e cheio
de pedrinhas , que serve ás crianças de brinquedo . G.
Dias , Dic.--Neste sentido é vocabulo e objecto de grande
uso entre nós - Ety.:-era todo instrument de corda ;
o
de sopro era mimby. B. Caetano , Ens. de Scien . T. 2,.
P. 119 ; de mará o que ha ou haverá , o como será , e
cá marcar. B. Caetano, Vocab . P. 228.
MARACAJA: gato pintado como onça , grande e feroz:
dá-se no Malabar e no Brasil ; do couro fazem sapatos-
Ety.:-o que grita como maracá , de maraca , e já ou
gá, um dos tempos do verbo aé dizer , fallar- Tambem
é conhecido no tupí pelo nome de jaguarandi , corru-
ptéla de jagua-ro-ndi : jaguá que enyesga os olhos ,
sendo ndi uma particula que se ajunta para indicar uma
acção habitual , e re, significando envesgar os olhos ,
pelo habito deste animal de contrahir as pupillas. E.
Liais cit . , P. 463 e 465 ; -gaiteiro, frauteiro , e tambem
·
DO INSTITUTO DO CEARÁ 343

nome de gato brabo. B. Caetano , Ens . de Scien . cit .,


T. 2.º , P. 119 - Tambem é conhecido por - gato do mato
(G. Dias, Dic. ) ; ou gato brabo (Varnhagen , P. 101
e 254) .
MARACANÁN (conurus) : ave, maior que a jandáia ;
cabeça cinzenta, corpo verde , pés negros e olhos ver-
melhos . G. Cias, Dic. , diz que é papagáio amarello !
Então não é a nossa - Ety, :-o que imita o maracá, de
mbaracú e na semelhante, pela vozeria dessas aves ; ou
contracção de paracáu ana papagáios colligados , con-
junctos, porque andam sempre em bando . B. Caetano ,
Vocab. , P. 220 - C . Aulete escreve maracanhà !

MARACANAHÚ : lagoa no caminho de Baturité ,


pela Estrada de Ferro . Estação , ponto de bifurcação para
Maranguape-Ety.:-agua da maracanã , de maracanan
e hú agua.
MARACUJĀ (passiflora maliformis, e tacsonia san-
guinea, Juss .) : fructo conhecido . G. Dias, Dic. — Frei
Durão , porém, no seo Caramurú, C. 7. °, E. 37 a 40,
cantou-o de modo singular : -

Nem tu me esquecerás, flôr admirada,


Em quem não sei , se a graça, se a natura
Fez da Paixão do Redemptor Sagrada
Uma formosa e natural pintura :
Pende com pomos mil sobre a latada ,
Aureos na côr, redondos na figura,
O âmago fresco , doce e rubicundo ,
Que o sangue indica que , salvara o mundo

Com densa copia a folha se derrama,


Que muito á vulgar Era é parecida ,
Entre- sachando pela verde rama
Mil quadros da Paixão do Author da vida :
Milagre natural, que a mente chama
Com impulsos da graça, que a comida,
A pintar sobre a flôr aos nossos olhos
A cruz de Christo, as chagas e os abrolhos.
344 REVISTA TRIMENSAL

E ' na fórma redonda , qual diadéma,


De pontas, como espinhos , rodeada,
A columna no meio, e um claro emblema
Das chagas santas e da cruz sagrada :
Vêem-se os trez cravos e na parte extrema
Com arte a cruel lança figurada ,
A côr é branca, mas de um rôxo exangue ,
Salpicada recortada o pio sangue.

Prodigio raro, estranha maravilha ,


Com que tanto mysterio se retrata !
Onde em meio das trevas a fé brilha
Que tanto desconhece a gente ingrata :
Assim do lado seu nascendo filha
A humana especie, Deos piedoso trata,
E faz que quando a graça em si despreza ,
Lhe prégue co ' esta flôr a natureza .

As raizes são narcoticas, anti - histericas e sedativas .


Pompêo, Ens. Est. , T. 1. ° , P. 182. - Ha de diversas qua-
lidades : maracujá-açú , de garapa, de cobra , peròba , de
coruja, de estalo, de moxila, de mamão, da matta , e
maracujá-mirim ou de garapa , o melhor de todos, a
que se refere Durão cit. , e Botelho de Oliveira na sua
Ilha da Mare :

O maracujá tambem gostoso e frio


Entre as fruitas merece nome e brio ;
Tein nas pevides mais gostoso agrado
Do que assucar rosado ,
E ' bello cordeal , e como é mulle
Qual suave manjar todo se engolle .

Por isto tambem é vulgarmente conhecido por mara-


cujá-suspiro , denominação poética e natural , porque
como que se o engole em um suspiro ! Ely.: - Le fruit
de la passiflore. S. Anna Nery cit. , P. 151 ; - a flôr da
paixão e seo fructo , de maracá o Deos Penate, que era
feito da casca deste fructo . J. Luccok, cit . , P. 24 ;
corruptéla de maraca-cui-iba arvore do fructo maracá
DO INSTITUTO DO CEARÁ 345

(crepitaculum magicum referens) Martius cit. , P. 400-


Preferivel > fructo que faz vaso , que
dá vasilha, cor-
ruptéla de mborucujá. B. Caetano , Vocab. P. 255 -
MARAJAITÍBA : ribeira do rio Ceará, em cuja mar-
gem esquerda os hollandezes fundaram o Forte de cinco
pontas, chamado Schoonemborch Varnagen , Hist. cit. ,
T. 1. ° , P. 401 - Segundo J. Brigido, Res . Chron. cit. ,
P. 13, é o riacho Pajehu, antigo Ipojuca ou Telha, que
atravessa a Capital . Inclino- me à opinião de C. Mendes ,
Memorias cit., T. 2.º , Introd . , P. 71 , que pensa que o
rio em que os hollandezes projectaram estabelecer esse
Forte não é a pequena ribeira do Ceará , mas outro rio
mais ao sul , talvez o Jaguaribe, em cuja foz tambem os
portuguezes tiveram um Forte chamado S. Lourenço ;
sendo para notar, acrescenta , que Jaguaribe quer dizer
rio de onça, e entre este e o Apody havia pelo litoral
· um logar chamado habitação de onças, equivalente de
Marajaitiba Ora basta a significação da palavra para
mostrar a improcedencia de Varnhagen e J. Brigido ;
pois. sem um monumento litterario de mór valia , não
é crivel que se désse esse nome á ribeira do Ceará ou
á do Pajehú, que não consta que em tempo algum fossem
frequentadas de onças , e por tanto podessem merecer se-
melhante nome.

MARANGUÁPE : serra , rio, cidade e comarca a 3 le-


goas da Capital por um ramal da Estrada de Ferro de
Baturité Por C R. de 24 de Outubro de 1752 o capitão-
mór Luiz Quaresma Dourado obteve permissão para ex-
plorar livremente minas de prata nessa serra , desco-
bertas por elle e dous filhos (Vide Itaréma) - Ely. : —
arvore que de nenhuma maneira se come, de mara ar-
vore, angai de nenhuma maneira , e gunbe comer. Mar-
tius cit. , P. 514 ; -talvez guerreiro , sabedor da guerra ,
abreviatura de moramonhang fazer guerra , ou o sub-
stantivo simples guerrear, de que se fez o verbo com-
posto , e coaub sabedor. J. de Alencar, Irac. , P. 183-
Em datas de antigas sesmarias encontra-se escripto Ma-
raguaba , de que Maranguape já deve ser corruptéla, e
que significa arvore de comer, ou de fructo que se
346 REVISTA TRIMENSAL

come ; de mara arvore e guabe comer -- Penso que é


esta a verdadeira etymologia - Ha tambem o rio Ma-
ranguapinho, já traduzilo o mirim , e é braço do Ceará.
MARITACACA : o mesmo que Jaritacaca (Vide) .
MECEJÁNA : villa a 2 legoas da Capital - J. Alencar ,
Irac. , P. 186 , o dá por nome tupí, e o decompõe : o que
fez abandonar ou foi occasião ou logar de abandonar ;
de cejar abandonar, a desinencia una indicativa da
pessoa que exercita a significação do verbo , e a parti-
cula mo do verbo monhang fazer. Mas não tenho du-
vida em ser o nome portuguez ; e a raão de decidir
é simples e evidente. Por C. R. de 6 de Maio de 1758
mandou o Marquez de Pombal elevar a villas as aldeas
dos jesuitas, que contassem mais de 50 fogos , com de-
nominações de logares de Portugal . Entre outras foi a
aldea Paupina elevada á villa pelo Ouvidor geral de
Pernambuco , Bernardo Coelho da Gama Passos , no dia 1°
de Janeiro de 1760 com o titulo de Villa Nova Real de
Mecejana d'America . Só pelo titulo vê-se que o nome é
de Portugal ; e nem é crivel que no Brazil houvesse quem ,
sem interesse algum , contrariasse uma ordem positiva
do poderoso ministro . O mesmo J. de Alencar escreve
Mocejana, como Barba Alardo cit. , P. 263 ; mas C.
Mendes , Memorias cit. , T. 2 °, Pref.. P. 16 , Nota 3 ,
diz que é erro não escrever Messejana . Entretanto a or-
thographia do texto é a mais corrente e já é official
E' tambem lagôa á entrada da villa , celebre pela salu-
bridade de suas aguas .
MERUÓCA : serra, freguezia e villa- As proverbiaes
uberdade do solo e amenidade do clima já foram de-
cantadas, em prosa pelo Dr. João Ribeiro no seo romance
Carlos, P. 9 , e em verso pelo conselheiro Bandeira de
Mello na sua poézia Lembrança da Patria :

Quam doce é contemplar no ethereo assento ,


De cór de opála, a matutina nuvem,
Quando sobre a neblina branqueando ,
Qual niveo chamalote desdobrado ,
Da Meruóca oscilla ao pé da encosta ,
E como que se abraça ao seo rochedo !
#

DO INSTITUTO DO CEARÁ 347

Ou quando pelos céos , ao puro sopro .


Da viração , correndo em destilada ,
Graciosa reflecte as varias formas
Nos liquidos christaes , ou fundos póços ,
Nunca exhauridos pela mão fervente
De longo estio que os sertões abrasa !

Ety. : casa de mosca , de merú, mosca , e ỏca casa .


Martius cit. , P. 515 , e J. de Alencar, Irac . cit . , P. 180 .
MINGÁU : das sementes do algodão (mandy ) os indios
faziam o mingȧu, nome que tambem adoptámos , appli-
cando-o a papas feitas de outras feculas . Varnhagen ,
Hist. cit . , T. 1.º. P. 486- Ety.: M de migȧu com a
mesma significação . J. Verissimo cit . , P. 45 - O Padre
Luiz Figueira, na sua Arte de Grammatica cit . , P. 80 ,
escreve mingaú , e traduz tambem por papas ralas . E'
o part. do verbo cau , mingab esmigalhada , papas , sopa .
B. Caetano , Vocab. cit. , P. 280.
MINHÓCA : verme vulgar , que vive debaixo das pe-
dras em lɔgares que lentejam , ou em buracos na terra . ·
-Ety.de miñog , part. de og tirado , extrahido , ar-
rancado - B . Caetano , Vocab. , P. 270. —
1 MIRÍM : rio ao sul da cidade do Acaracú , E ' o Ara-
catí-mirím , mais conhecido por Mirim - Ety.:- pe-
queno, pouco G. Dias, Dic. E' o diminutivo mais
commum dos indigenas . C. de Magalhães cit . , P 7.
MOAMBA palavra que appareceo entre os retirantes
no periodo da ultima secca, de 1877 a 1879 , e genera-
lisou-se extraordinariamente com a significação de ve-
lhacada, furto , esperteza - Ety. - Em Ives e Capello ,
Viagens de Benguella á terra de Idca, T. 1. ° , P. 11 e
69, encontra-se a estampa de uma especie de cesta com-
prida, usada n'Africa pelos naturaes para as suas via-
gens, como a nossa maca , chamada Mu-homba . Mas
não é neste sentido innocente que se deve tomar o vo-
cabulo do uso cearense - Sua etymologia vem do verbo
moang, que faz no partecipio moâ-hab o que faz sombra ,
o que resguarda, o que apprehende. O mesmo verbo en-
contra-se com a significação apropriada na Rel . da Miss.
348 REVISTA TRIMENSAL

do Padre Vieira, Cap. 13 : Igreja de moanga Igreja


"
falsa , morandub s dos Abarés patranhas dos Padres.
Morandubas tambem vem do mesmo verbo moang, de
que moâ-hab é uma variação , corrompida facilmente
em moamba, como no texto .--Em Martius , P. 65, moanga
tambem significa fingimento .
MOÇAMBÉ arbusto da familia das capparidéas-
Habita os logares frescos do sertão : emprega-se o cozi-
mento da raiz nas catharráes, tosses, tisica e febres
intermittentes . Pompêo, Ens. Est. , T. 1.°, P. 175 , N. 4
-O banho da mesma raiz é muito diurético -- Ety . : -
corruptéla de pó raiz e çaimbé arranhadora, allusão a
pequenos espinhos que tem o arbusto nas folhas e
galhos .
MOCÓ (cavia rupestres ) : animalejo menor do que a
cotía , mas como esta bôa caça - Quando está parado
põe-se sempre de cócoras , donde veio-lhe o appellido
popular de -mane de cocras - Etyabreviatura de
mocoi dous, porque este animalejo anda aos casaes . B.
Rodrigues, Rev. do Inst . cit . , P. 99- Pau de mocó :
arvore que cresce entre as pedras e nunca perde a fo-
lhagem que, principalmente pela sêcca , é sempre d'um
verde escuro : dá tuberculos ; seus ramos queimados
produzem uma fumaça que céga a quem se expõe á sua
acção. Pompêo , Ens . Est . , T. 1. ° , P. 177 , N.° 2 Da
raiz extrahe-se gomma alva , de que alimenta-se a po-
breza nos mãos tempos ; e da fructa tira-se uma la,
macía, que serve para travesseiros - Veio-lhe o nome da
predilecção que tem o mocó á esta arvore - Chama-se
tambem mocó o pequeno surrão da pelle felpuda do
coélho, com a fórma mais ou menos do animalejo .

MOCORORÓ : succo do cajú fermentado . No Mara-


nhão é aloá de arroz . G. Dias, Dic. , Excellente depura-
---- ―
tivo Ely.: talvez onomatopaica , da fervura do
liquido em certo gráu .
MOCOTÓ : arteculação- Ety. : -corruptéla de mbco-
çog fazer jogar, fazer oscillar, fazer mover. Termo vul-
gar. B. Caetano , Vocab. , P. 245 - E' tambem sapo gran-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 349

de; preto dos lados , do qual se conta que engole brazas.


G. Dias, Dic. cit.
MOÇÚ : peixe semelhante á lampreia . G. Dias, Dic.
E' morêa muito pequena , habita nos riachos , mais habi-
tualmente na lama e lócas ; lisa, de couro , amarello
pardo . Chamam-na peixe-cobra , por ser parecida com
à cobra. Labre , Noticia do Rio Purús , P. 36 , N. 13 — E’
coberta de um musgo ou lodo , que a torna escorregadia
a ponto de não se poder pégal - a á mão ; donde chamar-
se moçù o que nos escorréga das mãos : Escorregou como
um moçu - Ely. : -de mboçu (iha- hu) que come o fructo
de arvore . Tambem nome de uma cobra . B. Caetano ,
Vocab . P 2630 mussum que simula atra serpente —
-
P. Alegre, Colombo , T. 2.º , Ĉ . 29 , P. 254 – G. Dias es-
creve mussum ; mas a orthographia do texto é a de B.
Caetano .
MOMBÚCA (trigona mombuca) : especie de abelha
pardacenta , que fabrica grande quantidade de mel . A
cêra é medicinal e o cer muito procurado pelos sapa-
teiros para encerar a linha . - Ha de duas qualidades :
açú e mirim. Martius , P. 461 -Ety. :-gerundio de
mombug furando - Martius , Vocab . P. 284- Nicolau Mo-
reira cit. , escreve mambuca e Martius, P. 463 , tanto
desta forma como da do texto .
MONDÉ : metter, recolher : tronco , prisão : armadi-
lha para apanhar animaes - G . Dias, Dic . Armadilha
para apanhar caça , laço , fojo , trapeira , alçapão . Vulgo
mundeu ou mundéo . B. Caetano , Vocab. , P. 297 - Ety. :
De mudê com a mesma significação e sem corrupção .
J. Verissimo cit . , P. 46 - Não será corrupção de pó mão e
hé prender agarrar pela ou com a mão ? (Vide B. Cae-
tano cit. , P. 146 , verbo Gundé.)
Aqui tens a gente de Hanigagia
Que a ema venceu, e o lepido veado !
Ingenhosa e guerreira em seos folguedos
Prima a graça e destreza a par do invento :
Foi ella quem primeira ao papagaio
Ensinou a cantar , e a jacutinga
No mondé recolheo com outras aves !
350 REVISTA TRIMENSAL

(P. Alegre , Colombo , T. 2.° , C. 27, P. 228. ) Martius ,


P. 63, e G. Dias escreve monde, que é mais usual . (Vide
Arapúca .)

MOQUÉCA : guizado de peixes miúdos , cozinhados


de mistura com farinha de mandioca, e assados na braza
em folhas de bananeira Ety. : - Será termo guaraní ,
tupí ou africano ? Calam-se os lexicos . Macedo Soares ,
Rev. Bras. T. 4.° , P. 265. Vem de mokéca ou pokéca
embrulho -G. Dias, Dic. De poque, mboque embrulhar .
J. Verissimo cit . P. 45 - Estar ue moquéca é estar de pé
dormente, sem se importar de cousa alguma . G. Dias,
Dic. cit.

MOQUÉM : simplesmente o assado envolto em folhas


e feito sobre a braza . J. de Alencar , Ubir. , P. 201. A
maneira por que os indigenas conservavam a caça para
não apodrecer, quando andavam de viagem . Nas caba-
nas a tinhão no fumeiro . J. de Alencar, Irac. , P 172-
Ety.: corruptéla de mocden assar na labereda . G. Dias ,
Dic. , Martius cit , P. 516.- De mokãe seccar , enxugar ,
tostar. J. Verissimo cit . , P. 45- De moquém já temos
os verbos do nosso uso moquear e amoquecar . (J. de
Alencar, Ubir . cit) ; assim como amoquecar - se por en-
colher-se, embrulhar se.

MORORÓ : especie de cipó ( Martius, P. 401 ) ; mas


entre nós é páu fino, muito forte e duradouro , escolhido
por isso para curráes e cercas . A folha , grande e macia,
presta-se inuito, quer secca quer verde, á alimentação
do gado - Ety. : -moro nutrir, alimentar, e rô produzir :
arvore que serve de alimentação , allusão ás folhas .
MUCAMBA criada que ajuda á ama nos mysteres
domesticos -Ely. :-derivado do abaneenga mak mby a
que mostra a mama, a que dá leite. signincando altrix,
nutrix e posteriormente ministra . No sentido de minis-
tra na Bahia usam de mumbunda em vez de mucama ;
e mumbanda veni de mo-ubâ quie vestit , que vestem
induit. B. Caetano, Ens de Scien. , T. 2.°, P. 140 -Entre
nós ouve-se autes mucama, que já vem em Moraes , Au-
lete e outros .
F

DO INSTITUTO DO CEARÁ 351

MUCÍCA : açoite que o pescador dá com a linha


quando o peixe morde a isca. G. Dias , Dic. , - Ety. :-
muziki, muziki , muciqui, mussiqui , musiqui— motus
hamatoris in virgam dum piscem sentiat hamum cepisse,
Martius , P. 464— E' vocabulo de uso frequente na pes-
caria.

MUCUÍM (especie microscopica do genero trombi-


dium) : mosquito pequeno . Polvora -- G Dias , Dic.-
Insecto minimo rubro , cuja mordedura na pelle faz mo-
lestissima dór . Debella-se com aguardente . S. de Frias
cit. , P. 227-Ety.:-do guaraní picuii. Braz Rubim cit . ,
P. 375 - de mo em coom arder e i pequeno . Martius
cit . , P. 463 ; -alteração de mocuû, moccô fazer arder ,
pungir, queimar. Mosquito . B. Caetano , Vocab . cit ,
P. 270.
MUCUNA : trepadeira , dá uma grossa fava, que con-
tém sementes do tamanho de óvos de pombo . Em tempo
de penuria o povo serve- se desta fava mediante longo
processo, lavando- a em 9 aguas , e da raiz , que é seme-
Îhante à da mandióca ; porém, por mais cautella que
tenha , cedo ou tarde se manifestam os effeitos toxicos
dessa planta a inchação geral , pallidez . tonteiras , em-
fim completa anemia e anazarca são os seos effeitos .
Pompêo , Ens. Est . , P. 175 , N. 8. —Ety. : -- moçû amar-
rar , corda , e nã semelhante , parecido com corda trepa-
deira .
MUCURÍPE : enseada e povoação no litoral , á uma
legoa de distancia a leste da capital , com um bom anco-
radouro , estudado em 1875 pelo celebre engenheiro in-
glez Sir John Hawkshaw. Em 1610 Martim Soares Mo-
reno, para fortificar a costa muito frequentada por na-
vios francezes , teve ordem para levantar e levantou no
logar- Ponta do Mucuripe- um presidio fortificado , com
uma ermida á N. S. do Amparo (que ha muito não existe)
Macedo , Noç . de Corog . cit. , T. 2. ° , P. 67 — E nesse
mesmo logar foi mais tarde levantado tambem um pha-
rol-Ely. :-fazer alguem alegre , de corib alegrar, e mo
particula ou abreviatura do verbo monhang fazer , que
se junta aos verbos neutros para dar- lhes significação

352 REVISTA TRIMENSAL

passiva. J. de Alencar, Irac. P. 181 ; -logar do mucury,


de mucury ou mocury arvore do litoral de um fructo
cheiroso que se come. Martius, P. 401. A verdadeira é :
logar abundante de mocó, de mocó e pe logar onde
abunda alguma cousa . Ainda hoje, os mais antigos habi-
tantes do logar guardam a tradicção, da grande abun-
daucia desse animalejo que ahi existio- Mantenho a
orthographia do texto por já ser official - Ha tambem
com este nome uma serra na freguezia de S. Anna , 5 le-
goas ao norte da cidade, com 6 legoas de extensão, bas-
tante alta, que serve de balisa aos navegantes, que de-
mandao o porto do Acaracú Poinpêo, Dic. Top. Deste
prestimo , igual ao do pharol na Ponta do Mucuripe,
veio-lhe o nome .

MUDUBÍM : planta, cujas folhas assemelham-se ás


do feijão da Hespanha, e tem os ramos ao longo do chão ;
planta-se à mão, cada pé dá um grande prato de amen-
doís, que nascem nas pontas das raizes . Essas amendoas
comidas, assadas ou cozidas, são aphrodiziacas , assim
como prestam-se a confeitos e doces. Dellas extrahe-se
oleo para o cabello e para a comida. -Ety . : -Moraes a
dá por planta leguminosa da Angola ; Durão, Caram . ,
C. 7. , E. 34- por mato do Brasil ; Chernoviz , Form . ,
por originaria do Brasil , transportada para as Antilhas ,
Africa, etc.; e Labre cit . , P. 38, N. 9 , diz que foi en-
contrada pelos indios do Amazonas no estado silvestre,
e cultivaram-na em seo proprio interesse. E' vocabulo
guarauí-Varuhagen , Hist. cit. , T. 1 , P. 445 , N. 41 ;
-corruptéla de mendobi, mandobi ou mandubi estar em
montão, de má montão e ubi estar Montoya, Vocabul.
y Tezoro de la Lang. Guar. ; -ou corruptela de man-
dubi, fructo enterrado ou sepultado , de ybá enterrado ,
sepultado e lyby fructo. B. Caetano , Vocub. cit . , P. 217
-O demonstrativo prenominal - t de tuby por estar in-
tercalado não é estranho que se mude em nd, a mudança
de y, ora em u ora em 2, é natural e frequente, e a quéda
da inicial y muito usual . B. Caetano , Notas aos Indios
do Brasil de Fernão Cardin cit . , P. 101 .
MUGANGA : especie de abobora grande. Ely. :-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 353

Macedo Soares , Rev. Bras. , T. 4.º , P. 265 , tem duvidas


si vem do guaraní si do bunda nganga . Tambem tenho-as.
Vocabulo usado nos nossos centros como synonimo de
gerimú : diz-se muito : -mugango assado ou cozido , por
jeremú assado ou cozido.
MULUNGU (erythrina corallodendron) , L. ) : arvore,
cuia altura varía entre 5 e 10 metros , casca lisa, folhas
compostas e flores grandes , de um bello colorido verme-
lho na epocha da florescencia despe-se de suas folhas
cobrindo-se de flores rubras. O fructo é uma vagem
curva , com 10 a 15 millimetros de comprimento sobre
5 de largura , mais ou menos , brotando uma ou mais
sementes rubras com uma nodoa negra sobre a parte
lateral. Pela sua leveza servem-se della os nossos ser-
tanejos para cavalletes de atravessar os rios nas suas en-
chentes, tal como o cantou Bandeira de Mello na sua
Lembrança da Patria cit . :—

O fôfo molungú , que atropellado ,


Sem saber , como nós, qual riba o espera,
Desce á mercê da rapida corrente,
Depois que o cavalgou alegre turba ,
Na loucura feliz dos primos annos !

O extracto do cortex provoca um somno reparador.


Caminhoá , Plantas Toxicas do Brasil , P. 87 ; e é tido
por famoso medicamento contra as hepatites chronicas
e obstrucções do figado . Almeida Pinto cit. , P. 327-
O cozimento do entrecasco , para bebida e como banho , é
usado para combater qualquer excitação do systema ner-
voso, e se emprega como calmante . Chernoviz , Form .
cit.- Tambem servem-se do entrecasco para dôres de
dentes e engorgitamentos visceraes, que sobrevem ás
febres . O entrecasco ainda usado em chá é excellente nar-
cotico contra as insomnias mais rebeldes . Pompéo , Ens .
Est . T. 1.º , P. 175 , N. 2. - Ety . : -Martius , P. 380 , tem o
vocabulo por oriundo de uma das linguas dos negros ;
mas G. Dias, Dic. , o dá por tupí . E' corruptéla do
guaraní ou tupi- murungu, nome de arvore natural do
paiz da familia das leguminosas . Entre os brasileiros é
354 REVISTA TRIMENSAL

frequente, como lapso de lingua, ouvir-se a transfor-


mação do em ", e vice versa . Valle Cabral , Gazeta
Litteraria, da Côrte , T. 1. ° P. 347 - G. Dias , Dic , verbo
Mamid, escreve molongo ; e Pompeo - murungú, ou
como no texto , que é a orthographia commum.
MUNDAHÛ : rio , nasce na serra da Uruburetáma , e
despeja no mar depois de um curso de 25 legoas 9
formando porto a 40 legoas ao noroeste da Capital . E'
tambem povoação . Ety. :-agua de peixe mandi, de
mandi e hú agua. Fluvius piscis Pimelodi maculati.
Martius, P. 513 ; - rio tortuoso , de monde cilada e hú,
por causa das grandes voltas que dá . J. de Alencar ,
Irac. , P. 180 - E ' esta a verdadeira-A orthographia do
texto já é official .

MUNGUBA (bombax mungúba) : arvore , madeira . G.


Dias, Dic. Attinge um grande desenvolvimento , quer
em altura, quer em grossura ; e, apezar da sua madeira
ser molle e esponjosa , é empregada em canôas , que com
o correr dos annos , e com o limo que cria por fóra , torna-
se de muita duração . Refere Robert Hogg que Christo-
vão Colombo , em sua viagem á America, encontrou em
Cuba uma canôa desta madeira de 90 palmos de com-
primento e largura proporcional , que podia accommodar
150 homens. Cresce tambem n'Asia, principalmente em
Cantão, onde os Chins a denominam Macmain , e utili-
sam-se da madeira . Não se aproveitando aqui a madeira ,
desprésa-se tambem a linda seda , que seos fructos soltam
aos caprichos do vento . Raro é aquelle que se utilisa da
paina, que todo imperio importa, e que só o valle do
Amazonas podia para todo elle fornecer, constituindo
uma industria e um grande ramo de commercio . B. Ro-
drigues, Rev. do Inst. cit. , P. 117- E' frondosa como a
oiticíca e como esta resiste à sêcca . Da entrecasca os indios
faziam cordas para amarras de canôas e escotas de véla .
(G. Dias , Dic . , verbo Mautamutà e Cordas) . Dá um
fructo cheio de cotão , semelhante ao da Samaúma, com
a differença de ser negro ; e delle extrahe- se excellente
oleo para luz ; assim como fazem-se bolos saborosos -
Da arvore veio o nome á uma parte da serra de Maran-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 355

guape e á uma fazenda no municipio da Pacatuba com


Estação na Estrada de Ferro de Baturité-Ety . : —arvore
associada , de mung associada e uba arvore , porque a
Mungúba vegeta com outras, fazendo até mattas - G.
Dias, Dic. , escreve Monguba e Monguba -i , e B. Rodri-
gues (Ens. de Scien. , T. 2.° , P. 37) como no texto , que
é a orthographia etymologica . Muitos escrevem Mun-
gubeira, mas é errado (Vide Carnaúba e Oiti) . No Ma-
ranhão é conhecida por Mamoirana .
MUQUIRANA : especie de piólho ou lendea, que se
agarra á pelle . Termo vulgar- Ety. - corruptéla de
mbiquirat lendeas do piolho de pelle , ou de nam-oquirâ
piólho que se agarra á pelle, de yâ- mbi-quirai lendeas
do couro cabelludo . B. Caetano , Vocab . , P. 234 e 312.
Ouve-se entre nós mucurána .
MURICÍ (byssomina verbasifolia , Kth .) : fructa sil-
vestre, pequena como a ginja, mas amarella , com muito
bom cheiro e gosto . Moraes cit. Della faz- se uma sabo-
rosa bebida chamada cambica (Vide) , especie de crême
deliciosissimo . Araripe Junior, Luizinha, P. 242 -Cha-
mam-no mantimento de pobre , porque é fructo de que
muito se utilisa a pobreza para sua alimentação . Mar-
tius cit . , P. 516. Omurici dá em moitas, de prefe-
rencia nos terrenos arenosos , como praias e taboleiros-
Ety.:-corruptéla de imbiriti arvore que emitte liquido .
B. Caetano , Vocab . , P. 234 .
MURIÇÓCA : insecto pernilongo . G. Dias Dic.; cria-
se n'agua. C. Aulete , Dic. Atravez do panno da lã chupa
o sangue. R. Southey , Hist . cit . , T. 6, P. 360 - Ety. :-
de pir-y-çog o que fura a pelle, ou mberi- y- çog a mosca
perfuradora. B. Caetano, Vocab . , P. 232 - Parece-me
poder tambem traduzir- se a que fere a gente, corruptéla
de moró e çuu ou çoc morder-Martius , P. 464 , escreve
muruçoca , murusoca e murisoca ; e Luccok , P. 31 , -
murisoca- No Pará e Amazonas chama - se carapanã
Amazonas cit . , N. 3.- Quando á noute se aproximam
os carapanãs costuma- se dizer no Pará oikê iori moroçoc
ahi vem picar a gente ; o que é tomado em sentido figu-
rado, como entendendo -se que moriçoc é o nome proprio
356 REVISTA TRIMENSAL

de taes mosquitos . Faria, Comp . cit. , P. 19- Nota a-


Em horas certas se encarregam de atormentar o via-
jante. Si atacam em grandes bandos, produzem irrita-
ções, que ás vezes provocam febres . J. Pinkas , Rev. da
Socied. de Geog . do Rio de Janeiro , T. 3', P. 306 .
MURITIA PUÁ : lagoa em Mecejana-Ety. : - de mu-
riti, buriti e puàm ilha : ilha do burití . J. de Alencar,
Irac. , P. 184 .
MURUÁNHA : mosca pequena, azulada , persegue os
animaes. Ety. :- corrupção de muruanja. Martius,
P. 464 - Parece-me preferivel- ferrão de mosca ou
mosca de ferrão, corruptéla de merú mosca e tanha
dente, com suppressão dot por euphonia.
MURURÚ : Vocabulo muito empregado em estylo
vulgar como synonimo de quebramento , amollecimento
do corpo estou de mururi, isto é , com o corpo amol-
lecido , moído -Ety.: fazer humido , de mi fazer, e
ruri humido. C. de Magalhães cit . , P. 86 ; ou corru-
ptéla de mborurù fazer encher, fazer amollecer mo-
Îhando . B. Caetano , Vocab . cit . , P. 256- Tambem herva
de folhas largas, grossas , arredondadas e lustrosas , tão
abundantes em certos lagos, pantanos e rios do Mara-
nhão, que impede- lhes a egação . C. Mendes , Memo-
rias cit. , T. 2. ° , P. 414, N. 2 - Parece ser o nenuphar.
G. Dias , Dic.
MUTÚCA moscardo , mosca grande, cuja mordedura
faz sangue ; persegue os animaes . G. Dias , Dic. - Tem
um ponto escuro redondo em cada aza, e a mordedura
muito tremenda ; encontra-se nos logares pantanosos .
J. Luccok cit . , P. 30 Ety. :- do verbo cotuca picar.
Martius, 9. 464 ; ou mbotug furar . B. Caetano , Ens . de
Scien., T. 2. °, P. 106 .
MUTÚM (crax urumutum) : ave , do tamanho de um
pirú pequeno, todo preto , excepto o bico e as pernas ,
donde seo nome-O canto é lugubre :---

Ouvio-se do mutúm o assento lugubre.

(P. ALEGRE, Colombo , T. 2. ° , E. 29 , P. 259.)


:

DO INSTITUTO DO i CEARÁ 357

Ety. - mutum escuridão , negrume. J. Luccok cit . ,


P. 11 -corruptéla de mbir tu o que tem pelle negra .
Entretanto alguns dão como onomatopaico , B. Caetano .
Vocab. cit., P. 232.
N

NAMBÍ : orelha , argola , aza de qualquer vaso . G.


Dias, Dic. Ety.: -de na- ambi pelle de união , orelha .
B. Caetano , Vocab . , P. 298 Já é vocabulo admittido
vulgarmente como synonimo de troncho da orelha : -
egua nambi, a que só tem uma orelha . G. Dias , Dic.
e outros escrevem namby , que não me parece bôa ortho-
graphia (Vide Nota no fim. )
NAMBÚ (rhynchotus rufescens ) : ave dos campos
ou das capoeiras , muito timida , de côr escura arruivada ,
á que se dá constante caça , pelo afamado sabôr da sua
carne . Walppous cit. , P. 332. Sura , de pés vermelhos .
Os óvos são roxos , do tamanho dos de pombo , mais ou
menos ; e, quando tiram os filhinhos vão correndo logo .
Quasi não vôa , corre muito fazendo certo ruido ; do que
lhe veio o nome Diz o povo que seo canto é igual ao
sorriso, indica as horas : tantos sorrisos , tantas horas .
J. Galeno , Scen . Pop. , P. 280. Canta a horas certas da
noute . C. de Magalhães cit . , P. 170. Canta como que
marcando as notas : tá, tá, tá, tá, e váe repetindo cada
vez mais depressa até parecer uma só nota- Diz - se que ,
quando perseguida , suppõe-se escondida e livre do pe-
rigo si póde apenas occultar a cabeça ; pelo que é facil
pegal-a; donde veio comparar -se o incautocom a nambú
-Talvez por isso diga J. Luccok , P. 11 , que é apanha-
nhada por meio de gritos Ha a açú, grande , branca ,
e a sururina , tão esquiva que ainda não poude ser do-
mesticada , embora tirada em casa de ôvo encubado por
uma gallinha . Amazonas cit . , Nota 28 Ety. :
inambú ou ynambú ; y-am-bur a que emerge em pé , a
prumo ; y am a que se levanta bú estrondando ; n in-
terposto só por euphonia . A corredeira , a que corre ; de
ñamdú (ñ an corre ho vae, ou ñan corre tu estrepitante,
ou ñan ub perna de correr . B. Caetano , Vocab . cit. ,
P. 173 e 313 - G. Dias , Dic. , escreve inhambri .
358 REVISTA TRIMENSAL

OITÍ : arvore grande, de folhas miúdas . O fructo é do


feitio e tamanho de um ôvo de gallinha , mais ou me-
nos ; amarello-abronzeado , quando maduro ; é muito
cheiroso . Cobre o caroço uma massa gostosa amarel-
lada, que é o que se come-Ety.:-Oiti, îti (ib arvore e
tir erguida) arvore alta , crescida , elevada , tambem cha-
mada guiti. B. Caetano , Vocab. , P. 211. Escreve- se ge-
ralmente oitizeiro , significando o pé do oiti ; mas é erro ,
porque no vocabulo do texto já se contém a significação
de arvore .

OITIBÓ : ave nocturna , especie de coruja, que canta


no oiti. E' escura a sua plumagem , e o seo todo triste
e melancolico . Pertence à uma familia de passaros , que
está para as andorinhas, como as aves de rapina no-
cturnas para as diurnas . Vive solitaria , evita a luz , e
só ao anoutecer é que sáe do seo retiro em busca de in-
sectos crepusculares e nocturnos, seo habitual alimento .
Dias Carneiro , Poézias , Notas, P. 225. Tem o canto lu-
gubre- Araripe Junior Jacina cit . , P. 323- Os indios
ouviam como agouro o piar do oitibo e tinhão - lhe , como
os antigos européos , certo receio e até respeito , e nunca
o matavam . Varnhagen, Hist . cit. , T. 1. P. 123- Ety .:
-vem o nonie da voz da ave. Martius , P. 465 - Oitibo
sôa como grito que sáe da sombra do oití . Dias Carneiro
cit. -Póde-se bem decompôr - grito do oití , de oiti e bú
grito , allusão ao seo viver no oití , donde canta . Sem
rasão Martius escreve noitibo ; assim como Teixeira de
Mello , confunde-a com o bacuràu (Vide) .
OITICICA (pleragina umbrosissima, Arr . ): arvore gi-
gantesca, propria das margens dos rios e dos terrenos al-
luviáes, á cuja sombra recorrem os viventes nas horas
de intensa calma ; dá um fructo muito oleôso , de que se
-
tira grande quantidade de óleo para tinta e luz
Pompêo, Ens. Est . , T. 1. ° , P. 202 , N. 1. , Geog . , P. 515
-
Um pouco leitosa tambem, de folhas maiores do que
as do oiti, com pello branco nas faces, e ainda nos
ramos superiores . Almeida Pinto cit . --Do fructo extrahe-
1

DO INSTITUTO DO CEARÁ 359

se azeite , que exála cheiro desagradavel , mas serve



para luz . Ety . : - oiti de que se tira resina , de oiti e
icig (i agua e cig, hig ou cib pegajoso) resina . B. Cae-
tano , Vocab. cit . , 198 e 211 .

PÁCA (cœlegenis páca ) : animal de quasi 2 pés de


comprimento , olhos pardos e a ponta do focinho anne.
grada ; é de um ruivo aloirado no lombo e ilhargas. A
carne é muito saborosa, assemelha-se ao leitão no gosto
e no tamanho á lebre . Vive nos bosques nos covís ; sua
voz parece-se com o grunido do porco . Sáe de noute
em procura de alimento , raizes, vegetaes e fructas.
Devasta cannaviaes. Hourloup e Duval cit. , P. 80 , nº 8—
Faz grande sociedade com a surucucú, de sorte que da
muita união destes dous animaes resultou a fabula, que
ha entre tapuios , de que as pácas procedem dessa cobra.
Gonçalves da Fonseca , Prim . Explor . dos Rios Ma-
deira e Guaporé, ! 747 , por ordem do Governo , C. Men-
des, Memorias cit . , T. 2.º , P. 401-Ety.:-de pag acor-
dar B. Caetano, Ens. de Scien . , T. 2. ° , P. 109 ; — a
experta . Vocab . cit . , P. 358 ; de pac acordar , despertar ,
tirado do costume desse roedor de despertar ao anoute-
cer. Quando alguem o vê diz : iguê -pac, despertou . B.
Rodrigues , Rev. do Inst . cit . , Pag . 102 e 359 .
PACATUBA : villa e comarca a 5 legoas da Capital
pela Estrada de Ferro de Baturité , na fralda da serra da
Aratanha -Ety. : - logar abundante de páca , de páca ,
e tuba logar abundante . Martius , P. 517 : - couto das
pácas. J. de Alencar, Irac. , P. 184.

PACÓVA (musa paradisiaca , L. ) : planta aziatica e


brasileira, cujo tronco consta de várias sobrecápas e
folhas que o corôam grandes e largas ; produz o fructo
em caixos que consta de varias pencas as quaes , presas
ao talo , chama- se mangará (vide) . Moraes cit . As
pacóvas da terra foram um dos primeiros alimentos que
mais se generalisou no Brasil , em quanto da ilha afri-
cana de S. Thomé não se transportaram , as quaes por
360 REVISTA TRIMENSAL

isso ainda hoje tem este nome. Alguns pés desta planta
ao abrigo da choupana ou tujupar de um colono , asse-
guravam a subsistencia sem trabalho ; pois , como diz
um contemporaneo, parece que a bananeira que alguns
crêem ser a Figueira do Paraiso Terreal , foi a planta
dada ao homem para excepção do preceito de dever elle
ganhar o sustento com o suór do seo rosto . Varnhagen ,
Hist. cit. , T. 1.º, P. 170.

As bananas famosas na doçura ,


Fructas que em cachos pende e cuida a gente
Que fóra o figo da cruel serpente .

(DURÃO , Caramurú, C. 7 , E. 44) .

Mas o Padre Ventura , em uma Humilia nos seos Ser-


mões, sustenta, com a tradicção da Egreja , que a fructa
do Paraiso era o ― figo Cresce, com effeito , sem tra-
balho , offertando os seos cachos abundantes e nutriti-
vos, e em certas estações bastaria ella só para supprir
a mór parte de todos os cereáes; pois, segundo os calcu-
los scientificos de Mr. Humboldt, a mesma porção de
sólo , empregada na cultura da bananeira, produz 50
vezes mais substancia alimenticia do que se fôra plan-
tada de cereáes . Fernão Diniz , Os Indios.

As bananas no mundo conhecidas


Por fructo o mantimento appetecidas ,
Que o céo para regalo e passatempo
Liberal as concede em todo tempo .
Competem com maçãns ou baonezas,
Com peros verdeaes , ou camoezas ;
Tambem servem de pão aos moradores
Si da farinha faltam os favores ;
E ' conducto tambem que dá sustento
Como se fosse proprio mantimento ;
De sorte que por graça ou por tributo
E ' fructo , é como pão , serve em conducto .

(BOTELHO DE OLIVEIRA , A Ilha da Mare. )


DO INSTITUTO DO CEARÁ 361

-
Da pacóba faziam os indios o vinho pacoy, e faz- se
hoje excellente vinagre . E ' fructo tanto agradavel ao
velho como ao menino .

A banana fluente , grato cibo


Do ancião e da infancia deleitada.

(PORTO ALEGRE, Colombo , T. 2. ° , C. 29 , P. 251 ) .

-Ety. : - entre os chiquitanos - pacauh , os piacás-


pacohua , os mondurucús-pacová, os oyampis- pacone ,
Severiano da Fonseca , Viag. ao Redor do Bras . , T. 1.º ,
P. 367 , N. B.- Vocabulo tupí , de que fizemos pacóva ,
por que é conhecida a banana em todo imperio . C. de
Magalhães cit. , P. 29 ; -do guaraní -pacó-bá fructo da
folha de enrolar. B. Caetano , Vocab . , P. 358 , Macedo
Soares, Rev. Bras . , T. 1.º , P. 591 -
— Pacoveira arvore
da pacóva , bananeira .
PACÓCA comida substancial e saborosa , constante
de carne assada com farinha, batida no pilão até delir .
Usa-se de mistura com certas fructas , como banana , la-
ranja, mamão , e até com café - Ety . : —cousa batida ,
pilada , corruptéla de mbde cousa e coçoca socar , pilar ,
pisar-
PACOTÉ : arvore frondosa , da flor amarella . Dá uma
fructa maior do que a do algodão , dentro da qual ha
uma fibra sedosa , com que se enchem colchões Tam-
bem dá embira de que se faz corda conhecida pelo seo
- embira de prender , corda ; de pacob
nome - Ety.:
folha de estender , embira , e he prender, amarrar
PACOTY : rio , nasse da serra de Baturité , e lança-se
no oceano 2 legoas abaixo do Aquiraz , depois de um
-
curso de 25 legoas. Pompêo, Dic. Top . -- Ety . : — para
o mar, de pa contracção de parand mar e coty ou coti
para voltado para o mar. Martius , P. 517- O rio é
realmente voltado para o mar , mas como são quasi todos ;
e além disto parand significa rio grande, e não mar.
――
Prefiro rio das pacóvas, da abreviatura de pacóba e
y agua, interposto o - t- por euphonia . J. de Alencar ,
Irac. , P. 181 .
362 REVISTA TRIMENSAL

PACUJA : povoado em Sobral - Ety . : - fructa da


pacóva, da abreviatura de pacova e já fructa.
PAJÉ : sacerdote, propheta , medico e tambem feiti-
ceiro. Martius, P. 78, G. Dias, Dic. , C. Mendes, Me-
morias cit. , T. 2. °, P. 475 , N. 1. - Desta forma o
vocabulo , que significa sacerdote, os catechistas rebai-
xaram a designar tambem- feiticeiro . Lembra diabulus
que, remontando à fonte etymologica , váe ter ao mesmo
radical de zeus, jupiter , jovis etc. B. Caetano , Notas
aos Indios do Brasil cit. , P. 106 - D'ahi a distinção em
pajé catú ou bom, e paje ayba ou máu . O 1. ° corresponde
ao medico, e o 2. ° ao feiticeiro , mandigueiro , que falla
com o diabo , etc. Thesouro Descoberto no Amazonas ,
2. Parte, na Rev. do Inst . , T. 40 , P. 497 - Sem em-
bargo , porém , dessa distinção . todos os pajes entre os
mundurucus erão irremissivelmente punidos com pena
de morte. Tocantins cit . P. 107 - Ety. :-de paije o que
diz o fim (qui dicit finem) , propheta, oraculo , medico ,
curandeiro , feiticeiro . B. Caetano, Vocab. , P. 363 e Ens .
de Scien. T. 1.°, P. 38 - A orthographia mais commum
é pagé, mas é contraria á etymologia- De piaye se fez
piága, que é o mesmo vocabulo corrompido . G. Dias,
Bras. e Ocean . cit . P. 108-

Vossos deoses , ó Piágas, conjura ,


Susta as iras do fero Anhangá .
(G. DIAS , Cantos . O canto do Piága , P. 12. )

E' corrupção de piaye ; bastou que se mudasse o y em


9, por erro de impressão , para tornar-se piaye, donde
piága, cujos cantos tanto que fazer tem dado aos litte-
ratos e romancistas . B. Caetano , Ens. de Scien . cit.
PAJEHÚ riacho que atravessa a capital , despe-
jando no mar- Formava antigamente na sua barra uma
cambôa , pela qual entravam embarcações miúdas ,
dando desembarque a leste da fortaleza no espaço agora
occupado pela casa de banhos da municipalidade. J.
Brigido , Res. da Hist . do Ceará , P. 13 - Em 1836 o
Presidente, senador Alencar, fez em sua fóz uma re-
F

DO INSTITUTO DO CEARÁ 363

preza , aguada publica , que ainda se conserva , reparada


em 1878 pelo Prasidente conselheiro José Julio Ety.:
—agua do pajé , de pajẻ e hú agua. 4
PANACÚ cesto comprido e tambem carro . G. Dias ,
Dic. Este vocabulo já se encontra nos dicc. port. com a
significação de cesto comprido com as bordas voltadas
-
para dentro . Ety. :-Moraes fál-o derivado de panici ,
e Faria de panica ; mas a verdadeira é : vaso forrado ,
corrupção de ubânacû. B. Caetano , Vocab . P. 360-
Muitos escrevem panacum , porém a orthographia mais
correcta é a do texto . B. Caetano , Nota aos Indios do
Bras. , cit. , P. 6 .
PANAN especie de cação de grandes beiços . Se-
gundo o povo, os beiços , postos á entrada de formiguei-
ros , matam ou afugentam as formigas . J. Galeno , Scen .
Pop. P. 274 Ety. : -panû o que bate, allusão aos
grandes saltos que dá este peixe quando pescado .
1
PANEMA debalde , em vão . Mastius , P. 78 , e G.
Dias, Dic. Sem prestimo. Silva Guimarães cit . , P. 33.
Usado vulgarmente por poltrão , pobre , sem espirito .
Araripe Junior , Luizinha , P. 239-Ety .: - do guarani
pané, contracção de iba nê, îba rê privado de fructos ,
esteril , pobre, falho , falto , inutil , sem prestimo . B. Cae-
tano , Vocab. cit. , P. 360 - Em tupi-panema ruím , inutil ,
J. Verissimo cit . , P. 46.
PAPUÁN : capim rasteiro , de folha larga , venenoso .
Tinguija os animaes que o comem - Ety . : -capim ras-
teiro , de caa capim, e pua deitado , estendido .
PARACURÚ : nome com que o Parasinho passou á
villa. A lei provincial n.º 16 de 14 de Agosto de 1874
transferio a séde da villa para o Trahirý com a deno-
minação de N. Senhora do Livramento- Ety. : -la-
garto do mar, de pará mar e curú lagarto.
PARAÍBA (simaba versicolor , S. H. ) : arvore que os
indigenas tinhão por venenosa ; suas folhas e casca são
muito amargas ; pelo que o cozimento desta serve em
lavatorios para matar piôlhos tanto no homem como
sobretudo nos animaes . Chernoviz cit. A semente é
364 REVISTA TRIMENSAL

usada exteriormente em banhos como antipsorico.


Pompêo , Ens. Est . T. 1. °, P. 196-E' a arvore frequen-
tada pela jaquitiranabóia- Ety . : -arvore má , alteração
de ibirá arvore e ibae má, in malam partem , allusão ao
veneno que os indios attribuião ao vegetal .

PARASINHO : pequena enseáda ao norte da barra do


rio Ceará, onde se abrigam jangadas e canôas de pes-
carias. Pompêo, Dic . Top . Outr'ora Parnamirim (vide) .
C. Mendes , Memorias cit. T. 2. °, P. 166 , N. ° 4 e P. 182,
N. 2. Mas hoje é vulgarmente conhecida por Para-
combuco , pela fórma da combuca que toma a enseáda
-Povoação a 16 legoas da Capital , elevada á villa com
a denominação de Paracurú . (Vide) ---- Ety .: - mar
pequeno , de parȧ mar , e mirim já tradusido para o por-
tuguez.

PARIPUÉIRA : povoação no Aracati - Ety . : - nome


hybrido : pari-ipueira voz do tupi hy-pabe agua- tudo ,
e a terminação portugueza eira Martius cit. , P. 520 .

PARNAMIRÍM : é o mesmo que Parasinho ( vide)


Ety. : contracção de parand rio , e mirim pequeno .
Mas em geral é o canal do rio grande que fica aper-
tado entre ilhas (C. de Magalhães , P. 7) ; ou o canal
que entra outra vez no mesmo rio donde partio (Walp-
poeus cit. , P. 67, N. ° 1) ; ou finalmente -- braço de rio ;
porção estreita de um grande rio formado e apertado
entre ilhas durante o curso ; furo que communica dous
rios , ou as aguas de um mesmo rio no meio do qual se
atravessam ilhas . (J. Verissimo cit . , P. 46. )

PATATÍVA (fringilla plumbea , v . Newied, ou spore-


phila plumblea, Cab. ): pequeno passaro gracioso , de côr
plumblea bom cantor e muito apreciado , sobre todos
os afamados do Crato

As patativas, que o saudoso canto


Imitão , requebrando com sons varios .

(DURÃO , Caramurú, C. 7, E. 65) .


DO INSTITUTO DO CEARÁ 365

E a patatíva se desfaz em trenos


Junto á beira dos rios .
(F. VARELLA, Obr . Compl. , T. 1. , Gualter o Pescador ,
P. 172).
Tem vida muito longa. Vive até 20 annos em gaióla .
Walppous, P. 328 -Ha tambem uma qualidade preta ,
com o pescoço e o peito brancos. Dizem que estes são os
machos , e os cinzentos as femêas - Ety.: - corrupção
de tatag estalar e por extensão trinar , e ib , iva chefe : o
principal dos cantores , allusão ao canto da ave.
PATUA : caixa , arca , canastrinha quasi da feição de
um bahú. G. Dias, Dic. Nome ainda usado no norte
para designar os mesmos objectos , productos da indus-
tria indigena, aproveitada pelos colonisadores . J. de
Alencar, Ubir . , P. 183. Mas no sentido commum indica
uma camandula ou oração escripta , enrolada em panno
com alguma veronica de latão, prêsa a um cordão para
dependurar no pescoço . Ha infelizes que acreditam tão
sinceramente na influencia de taes patuds mandingas,
que, uma vez de posse delles , suppõem-se invulnera-
veis , assassinos muitas vezes que se tornam perigosis-
simos , por viverem persuadidos de que não ha mal que
possa entrar-lhes . Araripe Junior , Luizinha cit . , P. 240
-Serve tambem para a gentalha supersticiosa guardar
remedios e cousas que dizem livral-a de tiros , feridas,
ferros , balas, e servem para amarrar os senhores . Mo-
raes cit. Ety . : -contracção de patiguà , de hupati-
gua o que pertence á rêde ou á cama ; cêsto , caixa , ca-
nastra, bahú - B. Caetano , Vocab . , P. 362 — G. Dias ,
Dic. , escreve -pataud.
PATURI (anas viduata) : especie de pato , menor ,
muito abundante e apreciado pelo sabor da carne, aliás
muito rhéumôsa : o macho é quasi sempre de um rôxo
mais preto com uma colheira azul ferrete ; e a femêa
de um pedrez sujo-Ety.:- voz bybrida , composta da
palavra portugueza pato e do diminutivo tupi i , inter-
posto o por euphonia ? (vide Martius , P. 467. ) Será
onomatopaico , do grito estridente desta ave , como que
dizendo este nome ? Nada encontránios nos dicc. port.
366 REVISTA TRIMENSAL

PAUL : terra encharcada em agua, pantano , brejo ;


no plural paves e não paules . Moraes cit . - Ety.:
C. Aulete e Lacerda o dão derivado do latim palus , údis
o paúl ; mas é apenas corruptéla de ipaué, e este de hy
pabe agua tudo ; donde os brasileiros tiraram paues para
qualquer agua estanque ou alagadiço . Martius, P. 502 ,
verbo Hypaua . Não encontrei ety. nos outros dicc . port.
(Vide B. Caetano, Vocab. cit . , P. 363, verbo Paû.)

PAUPINA : lagoa insignificante, mas muito piscosa


a um quarto de legoa além de Mecejána (Pompeo , Dic.
Top.)-Ety. : - Parece a Pompêo , Dic . cit. e Ens . Est. ,
T. 2.° , P. 273, provir da tribu paupina que alli se al-
dêara ; mas a tribu que alli primeiro povoôu a antiga
aldea , já tendo esta o mesmo nome, foi a dos petiguáres
(C. Mendes , Memorius cit. , T. 2. ° , P. 467, N. 2. ) Nesta
mesma Nota C. Mendes diz que o vocabulo é corruptéla
de Pai- Pina , nome em que os indios corromperam Pa-
dre Pinto, veneravel catechista , cujos ossos foram alli
sepultados ; mas na P. 62, Notas ao Pref. , rectifica o
seo engano . Qual então a ety. ? Na sua Memoria cit . ,
P. 263, o ex-governador Barba Alardo escreve- Para-
páo-pinna , e traduz por lagôa -grande redonda com pȧos
em roda; o que é de todo ponto inacceitavel ; pois , alem
do mais, a Paupina é lagoa insignificante e, por tanto ,
não podia merecer dos indios o incabivel qualificativo
de parà mar, etc. Mas a orthographia pard-páo-pinna
faz reportar á primitiva origem que deve ser paracȧu
papagaio e pind listrado ao comprido e , por ampliação ,
pintado ou contrafeito, nome de algum cacique que o
déu á lagoa , como a cunha Porangaba (Vide) , déu o seo
á outra lagoa da aldêa visinha . No dominio colonial
paracáu corrompeo-se muito naturalmente em parapáu,
mudado o c em p , por mais euphonico ao ouvido civili-
sado ; e por fim, cahidas as syllabas primordiáes pará ,
ficou a ultima formando , com o nome seguinte , paupina ,
dicção aportuguezada , euphonica e abreviada , conforme
com o uso dos colonos . No tupí são frequentes os exem-
plos de vocabulos abraviados por quéda de syllabas ( vide
Pirão) ; e no portuguez mesmo , como em kilogramma ,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 367

que já é medida conhecida somente por kilo . (C. Mendes ,


Notas para a Hist. Patr . cit. , P. 104) . Tambem fre- A
quente no tupí é a mudança de uma syllaba final longa
em breve (Vide Pacóva) Da lagôa passou o nome á
aldêa , e tambem a um serrote que fica ao lado (Vide
Mecejdna.)
PAVÚNA : lagoa que deo o nome á povoação no mu-
nicipio da Pacatuba-Ety.:-corrupção de pixúna preto .
Martius, P. 520. Talvez nome de algum cacique, que
morou á margem da lagoa .
PECAPÁRA (podoa surinamensis) : especie de mar-
réca , mas do bico gallinaceo ; cór rôxa escura , acınzen-
tada por baixo . As pennas são impermeáveis . Muito
arisca e sagaz ; nada e mergulha com destreza e por
tanto tempo que ás vezes parece ter deṣapparecido de
todo.—
Vôou incauta e perdeu-se
Neste lago a pacapára.

(J. GALENO , Lyra Cearense , P. 100. )

Tem os pés tortos para dentro , e que não a sustentam


sufficientemente em terra; d'ahi o viver constantemente
n'agua , e chamar- se pecapȧra o que tem os pés tambem
tortos como ella-Come-se , mas a carne tem o gosto de
peixe, sua alimentação constante. - Ety . : - pato torto ,
aleijado , de ipéca pato , e apȧra torto , aleijado- Escre-
vem , por tanto , contra a etymologia : J. Galeno —paca-
pára ; Araripe Junior , Luizinha , P. 238 — precapȧra ;
Teixeira de Mello , Rev. do Inst . , T. 49 , P. 53 , -paca-
parra, e Walppous , P. 395 , -picapára , ou patiahus
d'agua . Só Pompeo , Ens. Est. cit . , T. 1. ° P. 213, escreve
como no texto. A orthographia de Teixeira de Mello é
de todo inadmissivel, tanto pela ety. , como pela indole
da lingua, que não admitte consoantes dobradas , sobre-
tudo o- r, que é sempre brando . (Vide Tobajára . )
PEITÍCA : ave pequena , de côr avermelhada , e caude
comprida. Canta aos pares ; e, como canta muito alto ,
á toda hora do dia e da noite, e com enfadonha insis-
368 REVISTA TRIMENSAL

tencia , passou-se a chamar familiarmente peitica á pes-


sôa impertinente assim como ao duende , que nos per-
segue de dia e de noite-Ety. : seo nome vem do seo
canto, que parece dizer-peitica- No Pará é conhecida.
por matinpereira ou matintapereira , corrupção de maty-
perere.
PÉMA camoropim pequeno , ou que passa do mar
para a agua-doce-Ety.:-variação de apeba chato . (G.
Dias, Dic. , verbo, çapó, C. de Magalhães cit . , P. 126 ,
N. 2) e por extensão pequeno . (Vide Manipeba).
PERÁU : depressão repentina que apresenta o fundo
de um rio buraco no leito de um rio ou lago , a parte
mais funda de um rio ; sumidouro-Ety. :-Diz Moraes
que vem do francez perreau caldeirão mui fundo , poço
fundo d'agua . Mas a sua verdadeira ety. é abreviatura
do guaraní iperáu caminho falso d'agua, fundo , sorve-
douro d'agua ou rio (B. Caetano , Vocab , P. 205) ; de pe
caminho, e rdu fingido, falsamente. J. Verissimo cit . ,
P. 47
PERÉBA chaga, fistula, (G. Dias, Dic. pequena
ferida, sarna, erupção herpetica (J. Verissimo , P. 46)
Ainda não vem nos dicc. port. , porém já é muito usado
como synonimo de ferida insignificante , de nenhuma.
profundidade , cicatrisando . -Ety - signal ou mancha
de sarna , cicatriz , chaga com casca , ferida velha ,
marca; de pe casca e reb alterado de rub manchado ,
pinctado , solto . B. Caetano, Vocab . , P. 371 - De perèba
já temos perebento, cheio de peréba.
PERERÉCA : termo vulgar ; synonimo de cousa pe-
quena, insignificante : um pereréca , um pererequinha
para significar cousa minima- Ety. :-do verbo perereg
onomatopaico : bater as azas , patinhar, ir aos saltos . B.
Caetano, Vocab . , P. 371 - Tambem póde ser do guaraní
guerere. especie de ra pequena, esbranquiçada : sua voz
consta de um gemido desentoado; frequenta as arvores.
Braz Rubim cit . , P.375 - No norte já se usa vulgarmente
-
pererécar, significando - cahir e revirar. C. de Maga-
lhães cit. , P. 77.
DO INSTITUTO DO CEARÁ 369

PERNAMBUQUINHO : enseáda na costa , perto da


barra do Aracati-açú , na qual fundeão barcos pequenos
Pompeo, Dic. Top . -Ety : - Pernambuco pequeno ,
já tradusido o diminutivo mirim - São diversas as ety .
dadas ao vocabulo Pernambuco : bôca do mar , de parand
mar e buca corrupção da palavra portugueza boca . Frei
Maranhão , P. 78. Nota d ; rio comprido , de para-na rio
e mbucú ou pucú largo , longo , Malta , P. 254 ; mar fu-
rado . G. Soares , Noticia do Brasil; mar cavando os ro-
chêdos , ou oceáno que entra com violencia pelos esco-
lhos ( recifes) , de parand mar e por arrebentado . Mar-
tius , P. 520-

Em o meyo desta obra alpestre , e dura ,


Hua boca rompeo o mar inchado ,
Que na lingua dos barbaros escura
Paranambuco, de todos é chamado ."
De Para na que he mar, Puca rotura ,
Feyta com furia desse mar salgado ,
Que sem no deriuar, commetter mingua ,
Coua do mar- se chama em nossa lingua.
(Bento Teixeira Pinto , Prozopopêa , dirigida a Jorge
Dalbuquerque Coelho , Capitão e Governador de Per-
nambuco , Ñoua Luzitania etc. , Descripção do Recife de
Pernambuco).

-braço do mar, de parand e mbô ou mbuk braço , Var-


nhagen, Hist. cit. , T. 1 , P. 38 , N. , e Sumé, Lenda , Pa-
norama, T. 12 , P. 349 , N. 2 ; furo ou lingua do mar ,
corrupção de paranabuc ou paranabucú (C. Mendes ,
Memorias, T. 2, P. 68 , Notas) , ou irrupção , sahida ou
boca para o mar, de paranabuc. Desta palavra os por-
tuguezes , talvez pela phonetica nazal dos indigenas ,
entenderam Pernampuc e por corrupção Pernambuco
(C. Mendes , Notas para a Hist. Patr . , P. 303) . Pre-
ferivel rochêdo cavado das aguas do rio ou mar , deri-
vado de Paranabuca , palavra do idióma dos indios Ca-
hetés, que estavam de posse deste paiz no tempo em
.que foi descoberto . Milliet de S. Adolphe , Dic. Geog. ,
Hist. , e Descrip . do Brasil -Pernambuquinho é tambem
povoação na serra de Baturité .
370 REVISTA TRIMENSAL

PERÓBA (aspidosperma) : arvore, madeira de con-


strucção muito branda e luzidía , J. Luccok cit. , P. 20
--
Ety.: do guaraní pirog_casca e yrob amargosa.
Braz Rubim cit. , P. 375 ― Prefiro arvore da casca
amarga, iperob por ib arvore, pe casca e rob amarga. B.
Caetano , Vocab . , P. 205 - No Av. do ministerio da Ma-
rinha n.º 254 de 4 de Novembro de 1825 vem escripto
Paroba . Talvez erro typographico .

PETÉCA : especie de volante ou supapo (bóla) feito


de palha de milho , que as crianças lanção ao ar com a
palma da mão . D'aqui se originou a phrase, hoje vul-
gar, fazer petéca de alguem. G. Dias , Dic. - Ety.:: -
gerundio do verbo peteg, bater. B. Caetano , Vocab. ,
P. 171 --Petequear já é muito usado em Minas e S. Paulo
por jogar. C. de Magalhães , P. 76 .
PETIGUÁRES : tribu da raça tupica , do Rio Grande
do Norte . Acompanhou a Pedro ou Pero Coelho de
Souza ao Ceará em 1604 , e o expulsou do seo estabele-
cimento em Jaguaribe ; mas depois tornou- se fiel alliada
dos portuguezes sob o commando de Camarão e Jacaúna
-J. de Alencar, Irac. P. 167- Diz Gay, Hist . da Rep.
do Parag. , P. 57, que era a tribu mais cruel de toda
raça tupí ; mas eram grandes lavradores de seus man-
timentos, de que estavam sempre providos , e eram ca-
çadores bons e tão frecheiros que não erravam tiro ;
grandes pescadores de linha no mar e nos rios . Canta-
vam , bailavam, comiam, bebiam e fallavam como os
tupinambás G. Soares, Noticia do Brasil, Cap . 13-
Ety.senhores dos valles. Ibi significa terra ; ibi-
tira veio a significar serra ou terra alta Aos valles
chamavam os indios ibi- tira-cua cintura das montanhas .
A desinencia jára senhor, acrescentada , formou a pa-
lavra ibyticuȧra, donde pytiguares . J. de Alencar cit .--
Araripe, Hist. , P. 15 , escreve potiguar, e dá outra ety.:
de poti camarão e uára comedôr: comedor de camarão-
Penso que a mais natural é : senhor do fumo , de petùm
fumo, de que eram lavradores e uára senhor - C.
Mendes, Memorias, T. 2, Pref. P. 66 - Outros escrevem
arbitrariamente potiguaras , potyguares, peliquares ou
1

DO INSTITUTO DO CEARÁ 371

pitogoares são uma e mesma casta de indios , que ha-


bitavam desde Pernambuco até Piauhy , e ainda além ,
como querem alguns --- Abrêu e Lima , Sinopsis Chro-
nologica da Hist . do Bras . , P. 52 , N. 1.ª

PETAGUARY : corrego na serra d'Aratanha- Ety. :


-agua dos petiguáres , de pèliguar e y agua- E ' tam-
bem povoado ( S. Antonio de) e serrota , do prupo da
Aratanha , a qual se destaca por um pequeno valle ao
norte, com meia legua de extensão , muito cultivado de
café Tanto o nome do povoado como do corrego e da
serrota, é uma recordação de que os Pytagoarys (Peti-
guáres) habitaram suas proximidades . C. Mendes , Me-
morias, T. 2, Pref. P. 28 , Pompêo , Dic. Top .
PIABA : peixinho d'agua dôce, de escáma, abun-
dante nos rios e lagos ; dão dentadinhas ou beliscões . A
nossa terá 3 pollegadas de tamanho , quando muito ; mas
as dos rics e lagoas de Campos , no Rio de Janeiro , são se-
melhantes á sardinha e tão saborosas como esta . Teixeira
de Mello cit. P. 55-Ety.:-do verbo pi-hab torcer pelle ,
beliscar- B . Caetano , Vocab. P. 374 e seguinte .

PIAÇÓCA (parra jaçanȧn L. ) , especie de jaçanán ;


vôa pouco, com as pernas cahidas-Ety.:-pé escondido ,
de pi pé e açoaq escondido ; porque esta ave, quando
pousa, geralmente occulta uma perna― B. Rodrigues ,
Rev. do Inst. , P. 64 - Já se ouve japiaçoca (Vide Ja-
çanȧn. )
PIAU : peixe de escáma ; tem a cabeça gorda , é ex-
cellente - Labre cit . , P. 36 , N. 10 - D'agua dôce , roliço
e escuro com listras mais escuras- Os maiores são cha-
mados de vara , porque andam em cardumes ; crescem até
2 palmos -Ety. : —de ipiáu o que tem pelle manchada ,
sardento ; nome de peixe de pelle sardosa - B . Caetano ,
Vocab. , P. 174 e 374 .
PICHAÍN : ety .: de apichain rugoso, crespo , aspero ;
enrugar, encrespar : pelle crespa, cabello grênho B.
Caetano , Vocab. , P. 238 e 375 - Usamos com applicação
somente ao cabello cabello pichain é o carapinha.
Termo vulgar .
372 REVISTA TRIMENSAL

PICHURÍ (nectandria ou ocotea pychurim major) :*


planta ; dá uma fava do mesmo nome, muito medicinal
Ety.de pichiri (pi-ciri pelle lisa , escorregadía)
sujo de suor, de humidade, de oleo ; nome de planta-
B. Caetano , Vocab. , P. 375 .
--
PICU : rio pequeno em Soure-Ety . : de apicú ou
apicúm corôa de arêa, que cobre a maré ; dunas . Mar-
tius cit. , P. 81 .
PINDAÍBA : vara de anzol : nome dado aos arbustos
de que os indios usavam tirar essas varas - Quando o
indio nada tinha que comer ia pescar com a sua vara
desse arbusto ; donde o anexim popular muito conhe-
cido entre nós : Estar na Pindaiba , significando não
ter recurso algum-Ety.:-de pinda anzol , e îb vara
B. Caetano , Vocab. , P. 376 , e Martius , P. 404.
PINDÓBA (coccus australis ) : especie de palmeira de
côcos pequenos e duros, que cobrem com a casca uma
bôa amendoa . Os indios com as palmas cobrem as suas
tejupȧres, e fazem esteiras , que servem de portas . G.
Gias, Bras. e Ocean. cit. , na Rev. do Inst: cit .. P. 142
-Ety.:-folha da palmeira pinda , de pinda e ob folha.
Martius, P. 404 e G. Dias. Dic . Melhor : -folha de pal-
meira, palma em geral , nome tambem da mesma pal-
meira. Vem de mi esconder, tapar , e tob folha para
esconder ou tapar , porque os indios se serviam para
cobrir suas choupanas. B. Caetano , Vocab . , P. 377
Pindoba tambem chama-se a palmeira nova.
PIPOCA : milho que estála rebentando em flôres
quando lançado sobre a cinza ou a area quente - Ety.:
abatixi popóc milho que estála, de abatixí milho e
popóc estalar donde a palavra popóc. G. Dias , Dic.
Preferivel gerundio de pi-pog pelle rebentada ; esta-
lando a pelle, a ou para estalar , B. Caetano , Vocab . , P.
376 , 378 e 411 .
O babado milho
Em tostadas espigas , em cangica ,
Em macías pipocas . rebentadas,
Quaes brancas flores, no burralho intenso .
(P. ALEGRE, Colombo , T. 2 , C. 29, P. 253)
DO INSTITUTO DO CEARÁ 373

De popỏc já temos popocar abrir arrebentando (C. de


Magalhães, P. 77) , ou borbulhar , bulhar , ferver em
borbotões (J. Verissimo cit. , P. 49) , já corrompido em
pipocar e papocar . Ouve-se muito : o milho pipócou ; a
corda papócou .
PIQUI (caryocar brasiliense) arvore e fructo . Este é
espherico, grosso , com uma ou mais cavidades , contendo
caroços e uma substancia gorda ou oleosa , em grande
quantidade , de que os habitantes dos sertões do norte do
imperio se servem como alimento e como condimento .
Rev. de Hort. cit . , P. 22— Ety. :- espinho da pelle , de
pi pelle e ki espinho , allusão aos espinhos do endocarpo .
B. Rodrigues, Rev. do Inst . cit . , P. 184 ; ou antes :
de piquir o tenro de dentro ou do interior . B. Caetano ,
Vocab. , P. 395- Labre cit . , P. 42 , diz que os habitantes
do Amazonas chamam á esta arvore piquid ; e Nicolau
Moreira cit. , P. 54 , confunde- a com a arvore do sêbo ,
a diversa .

PIQUIÁ (aspidosperma olivaceum) : arvore ; não cresce


muito , nem engrossa como o páu d'arco , aroeira e an-
gico . No fim do inverno cahem todas as folhas , que são
substituidas por flores roxas ou amarellas . Imp. do Bras.
na Exp. Univ . em Vien. d'Austria , P. 36—Ha uma qua-
lidade chamada marfim , porque toma esta cór quando
sécca. E' madeira mui rija e apreciada em construcção .

Aureo pequiá com claras vistas .


Que n'outros lenhos por matiz se engasta .

(DURÃO , Caramurú , C. 7 , E. 52) .

Ety. :-- piquíhá , pequiá , piqui , piquy , de pe pelle, ki


espinho e uá fructo ; fructo de pelle espinhosa , allusão
aos espinhos do endocarpo . B. Rodrigues , Rev. do Inst .
P. 184— E ' preferivel : de apequiá casca manchada ou
suja, de ape casca e quid manchada ; ou de pi do inte-
rior, do imo, te corpo e à de ang que envolve . B. Cae-
tano, Vocab. , P. 39 , 378 e 424 - Moraes e Roquêtte escre-
vem Pitid.
374 REVISTA TRIMENSAL

PIRA : peixe em geral , mas especialmente o de pelle ,


porque o de escáma é designado na costa ou em tupí por
card ou acard- Tambem qualidade especial de peixe do
mar, semelhante à taínha no feitio e tamanho , mas de
escaminhas tão miúdas e difficeis de tirarem-se que cos-
tumão primeiro passar -lhes limão para facilitarem a ex-
tracção . E ' gostoso quando gôrdo- Ety. : -de pi-rá o que
tem pelle ou cutis, o que é nú , limpo ; ou de pir pelle e
o suffixo - a : ser de pelle. B. Caetano , Vocab. , P. 378 e
518 , verbo Timbó. -G. Dias , Dic . , escreve pyrá e como
no texto .

PIRACÚNGA : serrota no municipio de Canindé , em


cuja encosta, que olha para E. N. E. , ha uma mina ri-
quissima magnetica -Pompêo , Ens. Est . , T. 1.º , P. 159 ,
N. 1. -Ety. :-páu deitado , corruptéla de ymira páu e
çanga estendido .
PIRAGÍBE : sobrenome de familia -Ety . : -espinha
'de peixe, corruptéla de pirajiba . A. Knivet cit . , P. 268 ;
ou braço de peixe, talvez espinha . Varnhagen , Hist.
cit. , T. 1. , P. 290 , N. 1 .; ou barbatana , braço de peixe .
B. Caetano, Vocab. P. 381 Tambem pode ser peixe
cozido , de pirá e yib cozido .
PIRANGY rio de pouca agua ; nasce no Quixadá ,
e lança-se no mar entre Sucatinga e Paripuéira no logar
chamado Barra do Pirangy -Ety. :- rio vermelho , de
piranga vermelho , e y agua. Martius , P. 522 e C. Men-
-
des, Notas para a Hist. Patr. cit. , P. 84 Realmente
ha logares em que a agua deste rio é vermelha .

PIRANHA (serrasalmo piranha) : peixe de escáma ,


d'agua doce , cór de perola - E' o terror dos nadadores .
-Cresce até palmo e meio, com 2 terços de largura ;
tem a boca grande, guarnecida , como a do tubarão , de
serrilhas de dentes agudos , que cortam como navalha.
Pompêo, Ens. Est. , T. I. , P. 215 , N. 1. -Pequenas , como
são, devóram o corpo do animal mais volumoso , dentro
de curto espaço , porque se juntão aos milhares , em car-
dumes cerrados , tumultuosos , innumeraveis . Detestam
as aguas lodosas , são inoffensivas quando se nada por
DO INSTITUTO DO CEARÁ 375

entre ellas são , mas tornão - se excessivamente carnivoras


se chegão a provar sangue. Uma simples arranhadura
é o bastante para que ellas sejão perigosissimas . S. de
Frias cit. , P. 74 - Refere C. de Magalhães cit . , P. 162 ,
que no combate naval do Alegre, no Rio da Prata , por
occasião.da abordagem do vapor Jaurú, cahiram á agua
alguns paraguayos feridos ; attrahidas pelo sangue as
piranhas os devoraram quasi vivos , deixando em poucos
minutos os esqueletos limpos - Ely . ; - contracção depirá
peixe e de anhanga diabo . Araripe Junior, Jácina A
Marabá cit. , P. 323 ; -dente de peixe, de pirá e sainha
dente ; thesoura . Martius , P. 468 , G. Dias , Dic. cit. ; -
de pirâi o que agarra, corta , despedaça, a thesoura, a
tenaz, a torquez, o alicate, o peixe piranha . Macedo
Soares, Rev. Bras . , T. 8.º , P. 122 , B. Caetano , Vocab. ,
-
P. 379 Nome primitivo da actual villa do Principe
Imperial - Disse-me pessoa de criterio que a mudança do
nome foi devida ao desejo de verem si assim acabavam-
se tantas intrigas , que delaceravam o logar.
PIRÃO : farinha de mandióca fervida em caldo de
• carne ou peixe . A este chama-se escaldado, e ao feito
d'agua fria-pirão d’agua , ou solto . Já se encontra em
todos os dicc. port . , e é de uso commum em todo Brasil
-Ety . : —do guaraní mbaipira maçamorra , isto é , o pi-
rão ; porque dizem que antigamente os indigenas dessa
nação mataram um hespanhol , o devoráram cozido , e
do caldo fizeram pirão . É assim essa denominação cahio
em proverbio , por haverem achado muito sabor na co-
mida ; mas, depois , fazendo a separação de mbai de
mbaipira, limitaram , para designar o hespanhol , as pri-
meiras syllabas , e as ultimas o pirão .. C. Mendes , Notas
para a Hist. Patr . , P. 91 ; — corruptéla do guaraní ty-
pyrô, de ty sumo , pi apertar e rô pór : pór a remôlhar ,
fazer sôpas. Braz Rubim cit. , P. 377 - E' preferivel : de
tipirô pór de môlho , ensopar (tipi afundado , mergulhado ,
e rô, rû pór) se fez o partecipio mindipirô —mitìpîrô
ensopado, vulgo pirão . B. Caetano , Vocab. , P. 528
Com a quéda das duas primeiras syllabas ficou piró de
que se fez pirão . Varnhagen, Hist. cit. , T. 1.º , P. 486
O Padre Luiz Figueira , Arte de Gram. cit . , P. 80 ,
376 REVISTA TRIMENSAL

ainda escreve- mindypirô papas grossas, e Faria, Comp.


cit. , P. 12 , -marapyron .
PIRAPÓRA : riacho na serra de Maranguape, celebre
pela limpidez , frescura e salubridade das suas aguas ,
que proporcionam deliciosos e famosos banhos nos loga-
res das cachoeiras-Ety. : -São muitas : salto do peixe ,
de pirá peixe e póre salto-J . de Alencar , Irac . , P. 183 ,
Frei Maranhão cit. , P. 252 ; -peixe que salta , de pirá
e po saltar. Gay cit. , P 59 ; -salto do peixe ou logar
onde o peixe habita , de pirá e pore salto , ou pora habi-
tante : -locus ubi pisces saltant aut habitant . Martius ,
P. 522- A do mestre : o que tem peixe. B. Caetano ,
Vocab. , P. 63 e 412.
PIRA ÚNA : peixe preto , escuro , vulgarmente méro.
G. Dias, Dic. , e Martius, P. 470-A nossa piraúna, po-
rém , é differente do mero na cór e no tamanho : é aver-
melhada e cresce pouco mais de um palmo a maior ; ao
passo que o méro é escuro e cresce do tamanho de um
tubarão. Desta forma ao nosso peixinho não é applicavel
a - Ety. :- peixe preto , de pird peixe, e úna preto . B.
Caetano, Vocab. , P. 381 (Vide Una.)
PIRIQUÁRA : barra do rio S. Gonçalo, no Trahiry,
com curráes de pescaria, muito abundante de peixe-
Ety. -corruptéla de pirá peixe , e de codra buraco :
loca de peixe. Puteus piscium . Martius , P. 522 .
PIRIQUITO papagáio muito pequeno, conhecido e
apreciado . Ely. :- do francez perroquet papagaio ,
diminutivo de Pierre Pedro ; porque , como notou Mé-
nage, sempre foi uso dar nomes de homens ás aves : ave
semelhante ao papagaio , mas mais pequena - Constan-
cio , Lacerda e Faria , Dicc. cit.- Martius , P. 467 , tem
duvida si é voz tupica ; e B. Caetano , Vocab. P. 396 ,
escreve pi-ri-qui-ti passaro pequeno verde ou azul , vulgo
piriquíto ? Para mim não resta duvida que o vocabulo é
indigena , mas onomatopaico : o piriquito diz claramente
este nome -- Ha uma especie muito interessante e mais
rara, a menor, muito verde, do bico branco e curto . O
macho tem os encontros de um azul lindo . Vive pouco
-Chama-se tapacú, porque é suro ; mas uns , para evi-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 377

tarem um som desagradavel a ouvidos pudicos , escrevem


tapacúm, e outros- sem cáuda , como fez T. de Mello
(Vide Rev. do Inst . cit . T. 49 , P. 52.)
PIROCAIA : lagoa em Arronches-Ety.:-peixe quei-
mado , de pirá peixe , e cảia queimado .
PITANGA (E. pitanga , L. ) : fructo acido ou agridoce,
côr escarlate , do tamanho da jinja , porém mais chato ,
canallado - Moraes cit .--

As pitangas fecundas
São na côr rubicundas
E no gosto picante comparadas
São d'America jinjas desfarçadas .

(BOTELHO DE OLIVEIRA , A Ilha da Maré. )

As pitangas com côres golpeadas


Dão refrigerio na febril secura .

(DURÃO , Caramurú , C. 7 , E. 44.)

Ety. sorver cheiro , de piter sorver e ang odor Mar-


tius , P. 404 ; -corruptéla de ibipiranga pelle vermelha ,
de pi pelle e piranga vermelho , allusão a epicarpo da
fructa . B. Rodrigues , Rev. do Inst. , P. 105- Melhor :
fructa vermelha, de ibd fructa, e piranga. B. Caetano ,
Vocab. , P. 187 Pitanga não designa somente a fructa ,
affixo ás palavras peixe, madeira, passaro , etc. , servia
tambem de designar objectos , em que a intelligencia do
barbaro como que não acertava com outra qualidade
mais que a da cór . Nos proprios nomes dos rios se descu-
bria sua curteza de idéias . Uns eram designados pela
apparencia de suas aguas , donde vem termos tantos rios ,
vermelhos , negros , pretos, claros ou brancos e verdes ;
outros por alguma ossada de homens ou de animal , que
achava á sua margem, como jacaré canga (vide) Var-
nhagen , Hist . cit . , P. 110 — Com a mesma orthographia
tem significação diversa―criança de peito ; e , portanto ,
ety. tambem diversa : de piter chupar e ang alma ; ou
porque as criancinhas atrahem e deleitam a quem as vê ;
378 REVISTA TRIMENSAL

ou porque absorvem porção d'alma dos paes -J . de Alen-


car, Irac , P. 189 .
PITAR : tomar ou chupar o tabaco-Ety. :-de pety-
ar tomar o petum (tabaco) De pitar já temos pituda ,
piteira e pito (cachimbo) . B. Caetano , Notas aos Indios
de Fernão Cardin , cit. , P. 107 , Varnhagen , Hist . cit. ,
T. 2.°, P. 446 , e Moraes cít. Pito já empregamos fami-
liarmente como synonimo de advertencia , carão : passei-
lhe um pito .--Temos tambem piteira , especie de cactus ,
cujas folhas chamam lancêtas ou espadas, tem as pontas
tão duras e agudas que furam facilmente como qualquer
instrumento perfurante.-

Sobe a lança virente da piteira ,


Dentre longas espadas . ...

( P. ALEGRE, Colombo , T. 2 , C. 30 , E. 290)

PITIMBÚ logar na Serra da Ibiapaba , cabeceira do


rio Timonha-Ety.:-de piter chupar, e imbú arvore do
imbú (spondias) - Sugere fructum spondice . Martius ,
P. 522.

PITÓMBA (meleagrinex pernambucana) : fructo da


pitombeira (sapindus esculentus), consistente em um ca-
roço redondo e pequeno , coberto de uma polpa delgada ,
doce e branca, com uma casca grosseta amarellada . Mo-
raes cit. Os poétas foram infiéis na pintura que delle
fizeram Botelho de Oliveira , Ilha da Maré, descreve- o
impropriamente dourado e cheiroso !

As pitombas douradas se as desejas


São no gosto melhor do que as cerejas ;
E para terem o primor inteiro
A vantagem lhe levam pelo cheiro .

Durão , Caramurú, C. 7, E. 44 , não foi menos infiel ,


pintando-o como gemma de ovo !

As flagrantes pitombas delicadas


São, como gemmas d'ovos , na figura .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 379

A amendóa (caroço) é perniciosa ás aves de creação : e A


tenho notas da producção de effeitos toxicos , produzidos
da sua ingestão no estomago em creanças. Pompêo,
Ens. Est. , T. 1.º , P. 182— Ety . :-de piter chupar e oba
fructo fructo de chupar, allusão á côdea que se come ,
é gostosa .
PITINGA especie de camarão pequeno e branco que
serve de isca na pescaria. Hoje , por extensão , qualquer
peixinho que sirva de isca. Ety. :- corruptéla de pe-
tinga branco, claro . J. Verissimo cit . , P. 48 - Em Moraes
lemos que é tambem especie de mingáu , de mandióca
mal lavada e de máu cheiro , como indica tinga, que
significa fedor ou fedorento na lingua geral .
PITÚ camarão pardo , quasi preto , com uma lista
esbranquiçada no lombo - Habita nos rios . O pitú-açú
das
tem um dente, que se costuma deitar ao pescoço
crianças como remedio para a dentição —Agahi pitú-açú !
é expressão familiar de affirmação que nos sabe ....-
Ety. :- casco preto , de pi pelle , casca , casco e u abre-
viatura de una preto , escuro .
PITUÍM : catinga de podre Ety. - de ypiti forte,
muito e yú podre ; donde o vocabulo brasileiro pitiúm .
Macedo Soares , Rev. Bras . , T. 4. ° , P. 256 ; ou pitúi , do
interior que extravasa , cheio, farto , 1 trasbordante B.
Caetano , Vocab. , P. 400 — Pituím já é vocabulo vulgar
entre nós.
PIÚBA ( apeida cymbalanea) : arvore comprida, muito
direita, com a casca muito verde e lisa . A madeira é
molle e branca , e a casca se esfolha muito bem - G. Soa-
res , Not. do Bras. cit . - Varnhagen , Panorama cit. ,
T. 12 , P. 376 , diz que em nenhuma outra parte , sinão
na terra da S. Cruz, cresce esta arvore extraordinaria .
Mas Julio Verne, Hist . dos Grand. Viaj . e das Grand.
Viaj. , P. 171 , diz tambem que no dia 29 de Julho de
1585, o explorador Davis verificou no sitio da bahia.
Gilbert a presença de uma enorme quantidade de ma-
deira de jangada, entre a qual cita uma arvore inteira,
No
que não teria menos de 60 pés.de comprimento
Ceará ha de má qualidade na serra de Baturité ; pelo
380 REVISTA TRIMENSAL

que os nossos jangadeiros, todos os annos , vão- se forne-


cer em Alagoas, onde a ha da melhor qualidade e em
abundancia. -Ety. :-contracção de apeib arvore de ca-
nôas, jangadeira. B. Caetano , Vocab. , P. 200 - Tambem
pode ser arvore de pelle, de pi pelle e úba arvore.
PIXANA gato . G. Dias , Dic . , e Martius , P. 82 -
Ety. - o que belisca, o que arranha , do verbo pixane
arranhar, beliscar- E' , alem disto , a voz por que este
animal acóde mansamente-0 gato foi domesticado pe-
los indios do Perú . C. de Magalhães cit. , P. 32.
POÁIA (cephaelis ipecacuanha) : é a mesma ipeca-
cuanha (vide) -Ety .: -raiz contra veneno; da contracção
de cipó raiz e ayba , aya veneno , mal . Martius , P. 377 e
-
404 Pode tambem ser contracção de cipó e dia sauda-
vel : raiz medicinal - Aioo , diz o mesmo Martius , P. 377 ,
no dialecto meridional significa - curar.

POCÉMA : vozeria , algazarra . Moraes e C. Aulete-


Ety. - bater de mão ; de pó mão e cemo clamar ; por-
que os indigenas acompanhavam o vozear com o bater
das palmas e das armas, fazendo grande alarido nas oc-
casiões solemnes, como em começo de batalha , ou nas
expansões de alegria. J. de Alencar, Irac.; P. 170 , A.
Vieira, Cartas , T. 2. " , P. 31 .
PÓITA corda feita da gargaúba -Ety. :- de pooita
gerundio de poot (de po fio , où elle está ?) emmaranhado ,
a ou para emmaranhar - B. Caetano, Vocab. , P. 409 .
PORANGABA : lagoa á uma legoa da capital , a qual
dêo o nome á antiga aldêa dos indios algodões (amanay)

-Ety.:- belleza - Martius, P. 83 , e G. Dias, Dic.
Pompêo, Dic. Top. , escreve parangaba e dá-lhe a mesma
significação ; mas C. Mendes (Memorias, T. 2, Pref. ,
P. 15 , N. 2) com a mesma orthographia (parangaba),
que, considera corrupção de payangaba , dá-lhe a signi-
ficação de padrinho, tambem sem fundamento , como
depois, nas mesmas Memorias reconhecêo (P. 67) . Igual-
mente Barba Alardo , P. 262 , não tem base para traduzir
o vocabulo por - agua que se parece com cunha bonita ;
pois porangaba é apenas o nome de uma cunha bonita ,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 381

que deo-o à lagôa deste sitio , e ultimamente a um poê-


meto de J. Galeno - A aldêa passou em 1759 á villa
com a denominação de Arronches, do nome de uma
villa de Leiria, em Portugal , já decantada por Camões ,
Lusiadas, C. 3. E. 55 , e C. 8.º , E. 19A lei provin-
cial n . 2 de 13 de Maio de 1835 extinguio a villa, an-
nexando o termo ao da Capital; mas a de n.º 2097 de
25 de Novembro de 1885 restabeleceu a categoria de
villa com a denominação de Porangaba . (Vide Tipuhú).
PORANGABUÇU : lagôa no caminho de Arronches ,
á meia legoa da capital-Ety.:-porangaba grande , de
porangaba è uçù grande.
PORÁNGO : cuia ou cabaço vasío Ety . : corru-
ptéla de porongo ou purungo , e este de porog cɔm a
significação dada P B. Caetano , Ens. de Scien . , T. 2. ",
P. 109 .
POTÁBA dadiva , quinhão , quóta , offerta , porção
que cabe na mão , ração , punhado G. Dias , Dic. -
Termo vulgar : boa polaba - Ety . : - do guaraní, com- :
posto de pỏ mão e ta colher ; parte , porção , o que cabe
na mão . Braz Rubin cit.. P. 378; ou participio do verbo
potar, mbotar (po- tar colher á mão , o que colhe a mão ,
colher o que ha) — B. Caetano , Vocab , P. 423 .
POTÓ : insecto , expelle un liquido caustico , produ-
zindo chagas dolorosas , que saram difficilmente . E'
tambem planta medicinal , cuja raiz tem um principio
summamente acre : usa- se da raiz contuza para fazer
rubefacção na pelle . Pompêo Ens . Est . cit . , P. 177-
Ely. : alteração de tata fogo .
POTIHU : rio em Baturité -Ety. :- rio do camarão ,
de poti camarão , e hú agua.
PRÊÁ (cavia apered) : especie de rato (G. Dias, Dic .) ;
mas sem cauda e melhor alimento . (C. Mendes , Memo-
rias, T. 2.º , P. 515 , N. 2. ") ; tem pescoço curto e grosso ,
e a cabeça conica ; as orêlhas pequenas e redondas ; os
olhos salientes e vivos . São plantigrados , de pés curtos ,
com 4 dêdos nas patas anteriores e 3 nas posteriores ; as
unhas curtas , mas muito fortes - E ' timido , mas pru-
382 REVISTA TRIMENSAL

dente. Quando sahe de seo escondrijo é sempre com a


maior cautéla , olhando para um e outro lado, para de-
pois dar pequenas carreiras em busca das hervas de que
se alimenta - Walppous , P. 287 e 288 - Os préás com-
poem uma pequena tribu , cujas especies se multiplicam
nas regiões em que existem numerosos campos culti-
vados-Ahi fazem grandes estragos- Ety. : - abrevia-
tura de aperéá, comprehendido por F. Cuvier no nome
generico d'Anama que quer dizer agradavel. E. Liais
cit. , P. 471 e 540.
PRÉCABÚRA : lagôa pequena entre Mecejana e
Aquiraz, a qual desagua no mar.- Ety. :-lagoa cheia
de pato, da corrupção de ipeca pato, e ipura cheio - A
lei provincial n. 615 de 19 de Setembro de ! 854 es-
creve impropriamente preacabura , que queria dizer
cheia de prêd, denominação que não assenta n'uma
lagoa .
PREAÓCA : serra entre Aquiraz e Cascavel , a 5 le-
· goas do mar- Ety. : -tóca ou covil de prêá; de prêd, e
oca casa, por extensão tóca , covil- Martius, P. 523.
PRIMAMÚNA : lagoa em Mecejana -Ety. : - logar
de peixe preto , de pird peixe, mame logar, e una preto .
PÚBA: mandióca enterrada na lama até amollecer
(Moraes) ; ou que se deixou muito tempo n'agua cor-
rente (G. Dias, Dic.) - Púba applica-se hoje a todas as
batatas-Ety.:-corrupção de pyba . B. Rodrigues , Rev.
Bras. , T. 9, P. 49 , Nota - Vem do participio pur ferver
ou fermentar: puba fermentado, apodrecido . B. Caetano ,
Vocab. , P. 426.
PUÇA rêde pequena , feita do fio do tucum, com a
qual pescavam os indigenas tainhas (paratis) , e mais
peixes , que com a enchente da maré entravam pelos
a
esteiros. G. Soares , Noticia cit. Part. 2. Cap . 134, e
Varnhagen, Hist . cit . T. 1. °, P. 177 - Rêde de pescar--
Martius, P. 84 , e G. Dias, Dic . - Entre nós é vocabulo
mais usado como significando labyrinto grosso e cheic
-Ety.: de apiça ou pii-hab o com que ou em que se
debulha, joeira, salpica, ou melhor o participio de pug
DO INSTITUTO DO CEARÁ 383

furar- puhab esburacado , rendado : rêde , renda , crivo .


B. Caetano, Vocab . , 390 - Moraes escreve poça contra a
etymologia.
PUCUMAN fuligem , aliás pendurucalho de fuli-
gem, pendente das chaminés - Ety.: -corrupção de ape
huma superficie toda negra , casca ennegrecida . B. Cae-
tano, Vocab. , P. 81 - Termo vulgar.
PUNARÉ : rato grande do mato , do tamanho de um
prêá , mas melhor caça e com rabo grande cabelludo
amarellado ; pelo que é tambem conhecido vulgarmente
pelo appellido de rabudo Differe do guabirú em ser
maior e viver sem pre no mato - Ety .: corruptéla de
piyaré o que fica ou está pégado ao fundo , ao principal ,
ao corpo, allusão à grande cauda do animal .

QUÊM-QUÊM : formiga grande e preta , cuja dentada


é dolorosa pelo córte que dá. Carréga os óvos e se ani-
nha na superficie da terra. B. Rodrigues, Rev. do Ins.
cit. , P. 67 Ety. : alteração de aquéqué, especie de
formiga. B. Caetano , Vocab . , P. 45 Vem da radical
quir cortar , repetida , do uso do indigena para ás vezes
formar o augmentativo : muito cortante , ou que corta
muito Quém -quêm é tambem o nome, por que nos
nossos centros é conhecido o cancão (Vide) . Chamam-o
assim do canto, que parece dizer estas palavras- (Vide
Tentém).
QUICÉ : faca - Martius , P. 60 , G. Dias , Dic. , C. de
Magalhães , P. 19 Faca pequena . J. Galeno , Scen .
Pop . , P. 280 - Termo vulgar com a significação de faca
pequena gasta pelo uso - O indigena não a fazia de
ferro, que não conhecia, mas da taquára que , prepa-
rada ao fogo , tornava -se tão cortante como o proprio
metal . Araripe Junior, Jacina A Marabar , P. 318 –
Ety. -de quir cortar, e he aguçado , instrumento agu-
çado e cortante ; faca . B. Caetano , Vocab. , P. 435 .
QUIRÍ arvore, de cujos galhos fazem- se afamados
cacêtes ; pelo que já o cacête é conhecido vulgarmente
384 REVISTA TRIMENSAL

por quiri- Ety. : -arvore que corta, fere , ou com que


se corta ou se fére ; de quir cortar , e i abreviatura de ib
arvore .
QUIXABA porco do mato - Ety : - de quichab cor-
tadura, evidentemente do participio quihab e quichár
o que corta- B. Caetano , Vocab. , P. 434- (Vide Caetiti
e Capivára) .
QUIXADA : villa e freguezia florescentes, e ainda
mais si fosse concluido o grande açude , que em 1886
começou o engenheiro J. Revy a construir de ordem do
governo imperial . — Ety. : - a mesma do vocabulo se-
guinte.
QUIXARÁ : tribu tapuia , tambem conhecida por Qui-
xada, que habitava o interior da capitania , especial-
mente a barra do rio Sitia. Araripe, Hist . , P. 5 - Ety .:
Oh eu sou senhor ! de qui oh , xe eu, e uára senhor.
Martius, P. 524- Corrompeo-se em Quixada , conser-
vando o nome primitivo a um povoado entre S. Matheus
e Santa Anna do Brejo Grande .
QUIXELÓ : tribu tapuia, que se entregava com pai-
xão á rapina. Tão depressa se deixou aldêar na missão
da Telha (Iguatu) como abandonou - a para ir pilhar e
roubar . Foi reunida ás dos Canindés e Baturites para
povoar a villa deste ultimo nome ― Theberge , P. 7,
Araripe, P. 15- Bom Jesus do Quixeló , nome da antiga
aldêa , creada freguezia pela lei provincial n . 1429 de
14 de setembro de 1871 - Ety .: da corrupção de qui oh,
xe eu e ro amargo , revolto , turbulento : oh eu sou tur-
bulento, trefego , incorrigivel .
QUIXERAMOBÍM : cidade , comarca e rio a 40 legoas
da Capital . O rio nasce do coração do grupo central das
serras do oéste da Provincia , banha a cidade e engrossa
o Banabuihú, depois de um curso de mais de 30 legoas ,
pelos sertões mais ricos em pastagens e criação . Pompêo,
Dic. Top. A cidade foi por largo tempo uma povoação
de pastores , até que por Provisão de 15 de Novembro
de 1755 foi creada freguezia com a invocação de Santo
Antonio de Padua , e por Carta Regia de 13 de Junho
de 1789 villa , com a denominação de Villa Nova do
DO INSTITUTO DO CEARÁ 385

Campo Maior de Quixeramobim , " para o fim , dizia a


Carta, de se recolher á ella os vadios, malfeitores e va-
gabundos , que infestam o paiz com roubos , assassinatos
e toda qualidade de crimes atrozes , sob pena de serem
considerados relapsos , e suas prisões recommendadas a
todas as autoridades civís , e militares. "-Ety . : -O vo-
cabulo está profundamente corrompido. Em 1704 , diz
Araripe, P. 65 , os indios chamavam kinarẻ e os colonos
kiaremobim ao rio que então se descobria ― Por outro
lado diz Theberge no seo Esboço cit . publicado no Diario
de Pernambuco de 1862 ; « Tenho para mim que a de-
nominação de Quixeramobim , applicada a esse local , tira
antes a sua raiz destes indios (Quixarás) do que da pa-
lavra que significa carne gorda ; pois persuado-me que
já existia a denominação do rio Quixeramobim anterior-
mente ao facto de saber- se que seo valle produzia carne
gorda , ou por outra, que era proprio para a criação de
gado . » Na edicção official de 1870 , porém , o Esboço sup-
primio este periodo , que aliás dava noticia da significa-
ção tradiccional do vocabulo As outras ely. não satis-
fazem : Oh meos outros tempos ! de qui oh, were outro,
amonbine tempo : oh ego alio tempore ! Comminação.
Quos ego alio tempore. Martius, P. 524 , J. de Alencar,
Irac. , P. 182 ; -vacca gorda, Milliet cit . Prefiro : carne
gorda, não só por ser a unica tradiccional , como porque
se explica regularmente por corruptéla de quirán gorda
mbiú carne . A lei provincial n.º 22 de 4 de Junho de
1835 , elevando a villa á comarca , e a de n . ° 770 de 14
de Agosto de 1856 elevando- a á cidade, manteve apenas a
denominação de Quixeramobím - João Dias Paes Lemos ,
um dos mais esforçados promotores da nossa independen-
cia nacional , foi agraciado por D. Pedro I com o titulo de
Marquez de Quixeramobim , mas do nome de uma sua
fazenda no municipio de Itaguahy , provincia do Rio de
Janeiro .
QUIXÓ armadilha para pégar animaes pequenos , e
nisto differe da arapúca , que serve para pégar aves ,
(vide) , alem de que esta é armada na superficie da terra ,
e o quixo em buraco - Ety. :: - de quir cortar e çôo caça,
animal - o que corta ou mata a caça .
386 REVISTA TRIMENSAL

S :-O indigena não conhecia esta letra ; porque, como


já dissemos em outra parte (vide Açahi e Assare) e ex-
plicaremos melhor na Nota final , a lingua repelle o si-
billo que lhe é proprio . Mas usamos della , em vez do c
cedilhado , sem contradicção alguma ; porque, sendo o
nosso trabalho um Vocabulario Indigena em uso na
Provincia, etc. , devemos respeitar o uso que, assim como
faz lei, pode tambem consagrar esta innovação , que já
foi acceita por autoridades respeitaveis .
SABIA (turdus sabia) : ave avermelhada cinzenta , do
papo branco , cujo canto Gonçalves Dias , natural do Ma-
ranhão , tanto celebrisou na sua Canção do Exilio , es-
cripta em Coimbra.-

Minha terra tem palmeiras ,


Onde canta o Sabiá ;
As aves, que aqui gorgeião ,
Não gorgeião como lá.

Casimiro de Abreu não se mostrou menos apaixo-


nado do seo canto nas suas Primaveras , O Meu Lar ,
P. 78-

Se eu tenho de morrer na flôr dos annos ,


Meu Deus não seja já !
Eu quero ouvir na laranjeira, á tarde ,
Cantar o sabia !

As especies mais conhecidas são : sabiá-cóqua, a que


vulgo chama subiá- côco ; sabiá-tinga , conforme é branco
ou ruivo (Martius, P. 472) ; sabid-gongá , do papo aver-
melhado ; sabid- cica.-

E o hymno, os uivos, e a palavra amiga


Do verde sabiásica , em cujo peito
As rouxas lasiandras se estamparam !

(P. ALEGRE, Colombo , T. 2, C. 29 , P. 259. )


DO INSTITUTO DO CEARA 387

o sabiá da matta , pardo , do papo branco , é de todos o mais



afamado, sobretudo o de Alagoas e Bahia : exalta-se á
vista d'agua, de que é apaixonado.-

E o pardo sabiá , flauta dos rios .

( P. ALEGRE cit. , C. 30 , P. 290 )

Na terra os sabiás sempre são mudos ,


Mas junto d'agua tem a voz que é encanto .

(DURÃO, Caramurú, C. 7 , E. 65. )

—Ety . : --contracção de haabiả (haâ-pii-har aquelle que


resa muito) , nome geral dado a tordos e aves cantoras
congeneres . B. Caetano , Vocab . , P. 147 — No Amazonas
é conhecido por uirachué passaro chorão , de uira pas-
saro , e chuẻ chorão . B. Rodrigues , Rev. do Inst . cit . ,
P. 114- E' tambem nome de uma arvore , do páu fino ;
a madeira muito usada em cercas e cercados . Vem seo
nome da cór da casca , parecida com a da ave .
SABORÁ : materia amarrellada dos favos novos da
abelha . B. Rodrigues , Rev. Bras. cit. , T. 9 , P. 48 , N. 2. *
-Ety . : -corruptéla , ou de heborá o que ha de ter mel ;
ou de tebord, de teiporá o que vae ser mel ; amago da
colmêa , o mel amargo ou de máu gosto , a comida das
abelhas . B. Caetano , Vocab . , P. 61 e 493 .
SACY : avezinha , parda , do tamanho de um pombo ;
seo canto , triste e lugubre, é mais frequente à noute do
que durante o dia ( Lamartinier) -Os indios suppunham-
na mensageira do céo (J. Galeno , Lyra Cearense, P. 102)
e era tida por sagrada, porque recebia em si as almas
dos mortos ( Avis apud indianos Goyatacos sacra ha-
bita, quippe que mortuorum hominum animas in se re-
ciperet) Martius , P. 474 (Vide Guaynumbi Ety. :-
o que é mãe das almas , de hà, hang alma, e cy mãe ,
nome de beija-flor , colibri , de um animal e de uma es-
pecie de demonio . Para este ultimo pode o nome vir de
acy, dóer, no relativo haci, com o h fixado em ç : hací
o que faz doer ou dor. B. Caetano, Vocab. , P. 86.
388 REVISTA TRIMENSAL

SAGUI (chrisothrix entomophaga) : o menor da es-


pecie simia. Martius , P. 472- A carne passa por sabo-
rosa iguaria entre os selvagens . Walppous cit . , P. 270
-O povo crê que este animalsinho morre de fazer- se-lhe
carêta , donde o comparar-se vulgarmente o cobarde ao
sagui- Ely.:- corruptéla de çayui macaco pequeno ou
macaquinho. B. Rodrigues, Rev. Bras. cit. , P. 110. Pre-
ferivel : olho que mexe, corrupção de eça olho , e coi
mexer experto , vivo , attento . B. Caetano, Vocab. , P. 85
-Tambem se vê sauhy em J. Pinkas, Rev. da Socied. de
Geogr. do Rio de Janeiro , T. 3.º , P. 304 , e saguim em
C. Aulete , B. Rodrigues e no proprio B. Caetano , que dá
tanto esta como a orthographia do texto . ' Preferi a do
texto por mais etymologica e commum .
SAMAUMA (eriodendron samauma , Mart ) : arvore
gigantesca, vegeta nos terrenos frescos . Dá uma fructa
do feitio de um caráu , dentro da qual ha uma fibra se-
dosa, côr do algodão- Ganga da India , de que se fazem
excellentes colchões- Em logares apropriados à sua ve-
getação é arvore importante, estende os galhos quasi
horisontaes á grande distancia do solo e fascina a vista
com a massa arrojada de seo tronco e galhos enormes e
a formosura de sua folhagem. Walppous cit . , P. 209 —
Ety.:-corruptéla de çam-hab pellos , felpas, pennugem ,
e ib arvore : arvore de fibras filamentosas. B. Caetano ,
Vocab., P. 87 - Escreve-se tambem samaúba , que é me-
lhor orthographia .
SÁMBA dansa popular ao som da vióla , do pandeiro
e de improvisos . Nem se imagina o desesperado sara-
coteio , no qual todo corpo estremece, pulsa , sacode , gira .
cambaleia , como se quizesse desgrudar-se . J. de Alen-
car, Til, T. 4. , P. 54- Silvio Romero, Rev. Bras . cit . ,
T. 1. , P. 198 , dá esta dansa por privativa dos homens
das praias e margens dos grandes rios . No Ceará , porém ,
podemos asseverar que a ha em toda parte, tanto no lit-

toral como no centro , distante de praias e rios Ely.:
-Araripe Junior, Luizinha cit. , Notas , declara não
conhecel- a . E' de origem africana . J. Verissimo cit . ,
P. 21 ; - adoração a Deos , termo africano . Cannecatim ,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 389

Coll. de Obs. Gram. sobre a Ling. Bunda ou Angolense,


e Dic. abrev. da Ling. Congueza ; --é um verbo conguez
da 2.ª conjugação , que significa adorar, invocar , im-
plorar, queixar- se , rezar. No angolense ou bundo , igual-
mente, rezar, é cusamba : na conjugação do verbo perde
a syllaba inicial do presente do infinito ; de sorte que,
além deste tempo e modo, em todos os outros o termo
bundo é samba , mussambo . E' uma dansa religiosa ,
como é candombe, uma ceremonia do culto , dansa ,
honra e louvor da divindade , homenagem semelhante
á de David , psalmeando e dansando em frente do taber-
naculo , dansa como a dos sacerdotes de todas as reli-
giões primitivas, uma funcção hieratica, Macedo Soares ,
Rev. Bras. cit. , T. 1.º , P. 592 , e T. 4.º , P. 245 — Segue-
se a palavra do mestre : Outras considerações me levam
a pôr em duvida que sejão angolenses muitos vocabulos
dos quaes o Sr. Macedo Soares cita na pag. 592 do 1.º
Tomo desta Revista , dentre os quaes alguns até me pa-
recem ser do tupi, levados para a Africa pelos portu-
guezes depois que começou o trafego dos escravos ne-
gros . Entre elles apontarei samba, que é uma dansa ,
mucamba, catinga , tanga , etc.-B. Caetano, Rev. Bras.
cit. , T. 3 , P. 35 — Samba , de çam ser ligado , fazer liga ,
unir-se, conjugar- se ; dansa em que faziam roda , dando
as mãos . B. Caetano , Vocab . , P. 87 - Póde tambem ser
corrupção de huyb flecha e ymbo fuso , de que se fez
suumba e depois samba . Nesta dansa vertiginosa quando
o dansador sáe , parte como uma flecha e move- se , sara-
pateando , como um fuso . Pode ser que da semelhança
proviésse o vocabulo.

SAMBAÍBA (cecropia concolor ) : arvore , a folha é tão


aspera e consistente que serve de lixa para alisar a ma-
deira. E' o nosso cajueiro brabo , de que se tiram chi-
batas muito fortes , e cuja casca tem o mesmo prestimo
que o macacú mirím nò Pará : os pescadores mettem as
Finhas de pescar no succo resinoso , que extrahem da
entrecasca , afim de se lhes não desgastar tão depressa
-O cozimento das folhas é adstringente , e emprega-se
em banhos contra a inchação das pernas e do escroto.
390 REVISTA TRIMENSAL

Chernoviz , Form. cit. Ety.:- corrupção de hobâibib


arvore de folha aspera, vulgo sambaiba . B. Caetano ,
Vocab., P. 165 .
SAMBAIBINHA (davilla americana) : arbusto , cujas
folhas tem o sabor amargo e as flores um cheiro des-
agradavel -Tem as mesmas propriedades medicinaes da
sambaiba (vide) Chernoviz, Form . cit. - Ety.: -sam-
baíba pequena , já traduzido o diminutivo mirim .
SAMBAMBÁIA (Steris caudata ) é herva parazita
(cabello vegetal) , de que se fazem suadores de canga-
lhas , e que tem prestimo medicinal- Ety. : -contracção
de caa-amby-aioo frutex fructu muciliginoso medicinali .
Martius , P. 389.
SAMBURA : cesto com orelhas, da bôca apertada , em
que o pescador guarda o peixe que pesca (J. Galeno ,
Scen. Pop. , P. 272) , ou em que o pobre guarda suas
provisões — Já vem em Moraes e Aulete, e tambem em
alguns poétas-

Ai vejão como é bonita


Co ' as tranças presas na fita
Co' as flores no samburá !

(C. DE ABREU, Primaveras, Moreninha , P. 92.)

Ety.: im segundo uns é vocabulo africano , segundo


outros tupi . J. Verissimo cit. P. 24-E' tupí , corrupção
de namby orelha e urú cesto : cesto de orelhas . J. de
Alencar, Ubir . , P. 183.
SANHAÇU (tanagra auneapilla) : ave pequena , ca-
nóra, de côr cinzenta plumbea, com azas de cor azul es-
verdeada . Alimenta-se com formigas. Walppous , P. 327
-Ety.de sahy (vide) e açú grande - B. Rodrigues ,
Rev. do Inst. cit . , P. 115 .
SANHARÃO : especie de abelha impetuosa ; faz a
colmêa n'arvore em forma de um piston, mas só fabrica
cêra. Costuma atacar de preferencia os cabellos e emba-
raçal-os ; donde o chamar-se vulgarmente sanharão o
cabello embaraçado-Ety. :- de sanhé impeto e rỏ em-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 391

baraçar ou misturar (vide Martius , P. 472) - - Melhor :


corruptéla de eçañaró olhos arremetter, nome dado ás
abelhas e vespas - B. Caetano , Vocab. , P. 111 .
SAPÉ (anetherum bicorne) : herva , nasce nas terras
cansadas , de folhas compridas e estreitas ; dá um pendão
branco , com que se cobrem palhoças, e trava tanto que
faz as terras más . Moraes cit . - E ' diuretico (Chernoviz
cit. ) , mas dizem que a raiz enthisica os animaes quando
empregada em alcochoado de cangalhas . B. Rodrigues ,
Rev. do Inst. cit . , P. 115 Ety. :-seo caminho ou ca-
minho delle , de ça seo e pé caminho . Martius , P. 524,
e G. Dias , Dic. , P. 155 , letra R. A verdadeira : contrac-
ção de ecapé o que allumia : graminea que servia para
cobrir casas e fazer fachos. B. Caetano , Vocab. , P. 88 -
Sapé já se emprega como synonimo de casinha ou chou-
pana.-

O balanço da rede , o bom fogo


Sob um tecto de humilde sape.
(F. VARELLA cit . , A Roça , P. 126. )

De sapé já temos sapezal logar onde cresce o sape. Mar-


tius , P. 536 .
SAPÉCAR : tostar, queimar mal - Ety . : —do guaraní
hapeg, composto de ha pello , pe superficie, chamuscar,
e a desinencia portugueza ar : queimar levemente com
chamma . Braz Rubim, P. 378 , Sylvio Romero , Rev.
Bras . , T. 6.º , P. 214. B. Caetano , Vocab . , P. 481
Ainda não vem nos dice . port. , mas é vocabulo muito
usado , assim como o subst . derivado sapéca sova , pisa-
No Pará ouve-se saberecar , saperecar , saprecar e sabre-
car, em geral com or final imperceptivel ; mas sapre-
car é a mais geral e a que , parece, tende a supplantar
as outras . J. Verissimo cit. , P. 49 .
SAPIRÁNGA : nome usual de uma molestia d'olhos ,
que gasta as pestanas, póndo as palpebras vermelhas -
Ety. :-de eçá olhos e piranga vermelhos . J. de Alencar
Irac. , P. 184. E' a mesma ety . de sapiron choro con-
tinuo de 3 dias , honra com que os indios distinguiam as
392 REVISTA TRIMENSAL

exequias dos seos defunctos illustres . Araripe cit . , P. 85 .


- Planta tinturaria (bignonia sarm . indit . ) Pompêo ,
Ens. Est . , T. 1. P. 202 - Lagoa em Mecejana.
SAPÓTA (achras sapota) : fructa muito apreciavel
pelo sabor adocicado . E' do tamanho de um côco pequeno
-
da Bahia ; a casca é uma pellicula parda areienta
Ety. -fructa da raiz, de sapó raiz e a fructa, interposto
ot por euphonia .
SAPOTI (achras) : é a sapóta (vide) pequena , do ta-
manho de uma guaiába , mais ou menos- E' muito ape-
tecido de certas aves-
.. o pardo e doce
Sapoty, que desperta os sons canoros
Do meigo sabià, do gaturamo.
(P. ALEGRE , Colombo , T. 2. ° , C. 29, P. 252. )

-Ety. -de sapola , e o diminutivo i pequeno .


SAPUCAIA (lecythis ollaria) : arvore ; onde ella mais
vegeta tem 15 pés de altura, boleada em arcos naturaes
de ramos que, afastado cada um para o seo lado a 3
metros do chão , reunem-se a 30 pés, enrolam-se no
tronco como filamentos de uma columna em aspiral , e
cuja cabeça se abre n'um ramo vegetal , que as plantas
parasitas pintam de amarello escarlate e branco . J.
Verne, A Jangada cit. , P. 1. , P. 68- Pela sua cópa é
muito procurada dos macacos ; assim como o tronco dos
queixadas-
O campo da selva, a sapucaia,
Amor da simia e do voráz queixada ,
Que faminto lhe abate cerceo tronco .
(P. ALEGRE, Colombo , J. 2.º , C. 29, P. 252. )
- Dá um fructo osseo
do tamanho e com feição de um
côco . J. de Alencar, Nota ao Guarany.
Deo co' a cabeça de um contra a do outro ,
Que batendo quebram-se estalando ,
Como estalam batendo as sapucaías .

(MAGALHÃES, Conf. dos Tam. cit . , C. 1. °, P. 76)


DO INSTITUTO DO CEARÁ 393

-Da mesma arvore os indigenas faziam cordas . G. Dias ,


Dic. , P. 48 ; e da entrecasca excellentes embiras e es-
topa para calafetar navios-J . Verne cit. -A casca em-
prega-se na ictericia , hepatite e affecções chronicas das
visceras abdominaes. Chernoviz , Form. cit . - Vegeta
em todo imperio esta arvore . B. Rodrigues cit . E ' li-
gnifera e de construcção . Pompéo , Ens. Est . , T. 1.º ,
P. 199. — Ety . : -Malta cit. , P. 252 , diz que vem de çapỏ
raiz e cáia queimada , mas confessa que ignora o motivo
desta ety .- Deriva- se da corrupção de sopid (çopiá) ôvo
e acajá arvore de floresta , e deve significar- acajá com
sementes em um ninho de aves. A semelhança do grande.
fructo em forma de póte e das sementes nelle contidas ,
com um ninho de ovos , deo naturalmente motivo a
chamar-se sapucaia à gallinha domestica , importada
da Europa . Martius , P. 378 - Significando gallinha
dão -lhe ainda outra ety .: o que grita , por tomar o indi-
gena o canto do gallo para significar a gallinha . C. de
Magalhães cit. , P. 52 , e C. Mendes , Notas para a Hist.
Patr . cit. , P. 108 – B . Caetano : em tupí gallinha , aliás
o gallo (o gritador) , do verbo sapucai gritar, clamar ;
arvore, de sapucaya fructo que faz saltar o olho , con-
tracção de ia fructo , eça -pucá- i que tem saltamento do
olho . Vocab. , P. 89 , 144 e 183 .

SAPUPĂRA : sitio de canna em Maranguape, em cujo


engenho distilla - se a aguardente, que já se chama vul-
garmente -sapupára - Ety. :— : - raiz torta , de çapó raiz ,
e apára torta.

SAQUARÊMA : lagôa ; deo o nome á uma villa na


provincia do Rio de Janeiro , a qual tornou- se celebre
na politica do paiz a ponto de dar tambem o nome, em
todo o imperio, ao partido que actualmente se chama
conservador (Vide esta Revista , P. 32, Nota 40) —Ety. :
- sem peixe , corruptéla de sagoa peixe eyma sem .
Martius, P. 524 .

SARACÚRA : é a nossa sericóia , assim chamada no


sul-J. Galeno , Lyra Cearense, P. 144- Ely. : -
— (Vide
Sericóia) - Tambem planta (bignonia hirtella), tempe-
394 REVISTA TRIMENSAL

rante e adstringente, empregada contra as diarrhéas


chronicas . Chernoviz , Form. cit.
SARARÁ : formiga vermelha de azas, que emerge á
luz nos dias de sol depois das chuvas ; do tamanho da
de roça. Gosta muito de dôces-Chama-se vulgarmente
sarará à pessoa do cabello vermelho , da côr desta for-
miga-Entre o povo formiga de aza passa por agoureira
como os côrvos n'antiguidade . A. de Freitas - Lendas e
Superstições do Norte do Brasil-Ety. :- formiga nas-
cida da luz do dia , contracção de iça formiga , ara dia
e rá nascer B. Caetano , Vocab. P. 478 e 486- E' tam-
bem nome de passaro - S. de Frias cit . , P. 106 .
SARIEMA (dicolophus cristatus , de Illiger) : ave da
alvura e tamanho da garça ― Muito menor do que uma
éma, donde o chamarem-na vulgarmente semiêma meia
êma- Tem longas pernas vermelhas ; vive ao sol ; nu-
tre-se de formigas, de lagartos e de fructos carnosos . A
sua carne é apreciada pelos habitantes do sertão , que a
comparam á do pato silvestre. Walppous , P. 336 -
Passa por destruidora das serpentes . J. Verne , A Jan-
gada cit. , P. 78-Tem o piar triste, alimenta- se tambem
de cobras, pelo que se cria domesticamente em róda das
casas . B. Rodrigues , Rev. do Inst . cit. , P. 115 -Ety . :
-corrupção de hariabde christa ou topete em fórma
de espiga, armado em christa ou christado em espiga .
E ' esta a significação quasi literal em abañeenga do
nome desta pernalta , com quanto Azara dê o nome como
onomatopaico do grito da ave. B. Caetano , Ens . de
Scien., T. 1. , P. 41 , e Vocab. , P. 90 ;-a que tem christa
B. Rodrigues cit . - Walppous escreve seriema , assim
como Faria, Dic. , e J. Galeno (Lyra Cearense, P. 144)
que diz que sariema se diz vulgarmente - E' o contra-
rio o verdadeiro nome etymologico é çariéma mudado
no texto -Pedro Posser cit . , P. 254, escreve sary-ema,
e diz que é nome indigena, donde os francezes fizeram
o seo cariama.

SARIQUE (dedelphis) : da ordem dos marzupiáes , es-


pecie de gambá (vide) . Martius, P. 448 , e Araripe Ju-
-
nior, Luizinha, P. 248 Ety. : - ventre fendido , de
DO INSTITUTO DO CEARÁ 395

righẻ ou riguẻ ventre e do verbo çaça ou sasa atraves-


sar. (E. Liais cit . , P. 316) ; porque a femêa tem sobre o
ventre uma especie de bolsa em que traz os filhos
quando pequenos . C. Aulete cit . - Escreve- se tambem
sariguêa, sarohé ou saruẻ, que é o mesmo .
SAÚNA : peixe do mar, de escama, pequeno e depre-
ciado -Ety. : - olhos pretos , de eçá olhos e úna pretos.
-
Tem os olhos muito pretos, donde lhe veio o nome
Tambem nome de um passarinho pintado de branco e
preto . O canto parece-se com o da gallinha chóca .

SAÚVA (atta cephalotes) : formiga grande, castanha


escura quasi negra. cabeçuda, armada de formidavel
torquez ou mandibulas ; terrivel , pelo que della se ser-
vião os indios para pôrem á prova a valentia dos noivos :
o que supportava sua mordedura era o escolhido - Ferra
esta formiga na carne com tanta ou mais valentia , rela-
tivamente, que cães de fila ; porque estes vem a largar,
e ella não larga ainda que a matem , e antes perderá a
cabeça, ficando com as torquezes cravadas na carne do
que soltar a prêsa ; por isso usam della alguns cirur-
giões quando querem coser alguma cicatriz com segu-
rança- Thez. Desc . do Amas . cit . , P. 169 - E ' damninha
á lavoura, donde o nome de formiga de roça , Martius ,
P. 474 - As mandibulas tem tal consistencia que , no
silencio da noite, quando ellas estão em actividade ,
destruindo , por exemplo , as folhas de um arbusto ,
ouve-se perfeitamente o estalido das frondes decepadas
por espodões animaes . Alf. de Freitas , Est . e Obs. sobre
as Formigas, P. 19 -Uma plantação de milho destinada
a alimentar um pessoal de mais de cem pessôas, foi por
estes insectos devorada em poucas semanas . C. de B. no
Diario Official da Côrte, n . ° 121 de 2 de Maio de 1885-
No Maranhão (é historico) tal damno faziam antiga-
mente ás plantações que os Religiosos de S. Antonio .
propozeram acção de força contra ellas para fazel- as
despejar de suas casas ! Lisboa , Obras . T. 3.º , P. 174,
516 e seguintes As feméas chamam- se tanajuras ( vide)
e a casa tapicoê, de tací formiga, picoé escavado , ou de
tapii choça, casa , e coê ôca . B. Caetano , Vocab. , P. 482
396 REVISTA TRIMENSAL

-Ety . :- Póde ser qualquer : - formiga voracissima ,


agros devastans, ideo vulgo a Praga do Brasil vel Rey
do Brasil. Nomen ab uû comedere et sapuȧ vel sapyȧ,
velociter. Martius, P. 485 , verbo Usaubao ; corrupção
de içá formiga e yba páu ; formiga que faz mal á la-
voura. B. Rodrigues, Rev. do Inst. cit . P. 66 e 67,
Nota, verbo Caruára ; de içá e ub ou ib chefe, princi-
pal formiga mestra . Montoya , Gram. y Dic. (Arte,
Vocab. y Tesoro de la Lengue Tupi o Guarany ; -de hab
cortar e ib arvore : corta arvore ; ou de iça e ubȧe que
come formiga devoradora. B. Caetano, Vocab. , P. 497
e 549.
SERICÓIA : ave quasi amphibia, de côr amarella
avermelhada , do tamanho da zabelê ; bico e pernas
grandes, com uma protuberancia carnosa sobre o bico,
perto da cabeça ; sustenta-se de peixe ; e distingue-se
pela carreira veloz - Canta invariavelmente ao pôr do
sol , como que despedindo- se do dia , segundo a crença
popular.-

Escuta , filha , a estas horas ,


Que a sombra deixa as alturas ,
Lá cantão as saracuras
Junto aos lagos côr de azul ...
(F. VARELLA cit . , A Volta , P. 220. )

- E' tambem crença popular que advinha chuvas --

E junto das selvas, na beira dos lagos ,


Gentís sericóias cantando diziam :
Que breve das chuvas as gottas sem conta
Aquellas areias e mattas teriam.
(J. GALENO, Lyra Cearense, Porangaba , P. 89) .

E ' tambem crença vulgar que , quando cantam agru-


padas á roda dos charcos , dizem :-

Tres potes , tres potes .


Tres potes e um côco só
DO INSTITUTO DO CEARÁ 397

E ' tão real esta crença que nos nossos centros esta ave
é vulgarmente conhecida por tres potes - (Vide Theo-
philo Braga nos Cantos Populares de Sylvio Romero ,
T. 2º , P. 206) —Ety . : -seo nome é onomatopaico ; vem
do seo canto-(Vide Saracura ) .

SERNAMBÍ : nome que dão os indigenas á qualquer


porção que se encontra de conchas (itans) , quer pelas
margens dos rios, quer pelas praias B. Rodrigues ,
Ens. de Scien. , T. 2. " , P. 25 e Nota- Especie de concha
de que se f 1
queimada em fornos. Rayol (Barão de
Guajará) Motinsticos , T. 4. ° , P. 336- Especie de
crustaceo . Martius, P. 474 e 543 Tambem residuos e
os pingos , que cahem da borracha no chão , ou a 3.ª
qualidade da borracha- S. de Frias cit. , P. 237 —Ety . :
-
A palavra, hoje corrupta , pode ter duas traducções ,
uma exprime perfeitamente o pensamento do indio , ou-
tra , parecendo traduzil-o melhor, nada explica- Quanto
á mim quer dizer : -- restos da vazante, e não orelha de
caranguejo. Com effeito, quando estudei o caracter do
indio , uma das cousas que mais me chamava a attenção
era a propriedade na applicação das phrases. A contrac-
ção das syllabas deo a suppressão de lettras, que a diffi-
culdade phonetica fez com que o civilisado formasse uma
palavra quasi differente da primitiva . Sernamby deriva-
se de seryc vazante da maré , e sembyr restos . Parece ser
esta a verdadeira traducção ; mas esta , nada exprimindo
em relação ao objecto , affasta- se do genio da lingua , que
tão bem aqui explica a origem. Com effeito é sempre
depois que vasa a maré , que nos pontos onde encontrei
os sernambys ainda inflúe, que se encontram as conchas
que ficam pelas praias, como restos ou como refugo do
mar. Dão tambem pela semelhança este nome aos restos
que se perdem no processo da coagulação da gomma
elastica, e que formam a borracha ordinaria . B. Rodri-
gues cit. - E ' , portanto, inacceitavel a ety. de S. Anna
Nery cit , P. 116 , N. 2 . , -orelha de caranguejo .
SICURÍ : cação - Martius , P. 475 475 -
— Especie de tu-
barão . O da galha preta é tão terrivel que , quando cahe
era um curral, acommette ligeiro e impetuoso os pesca-
398 REVISTA TRIMENSAL

dores , que precisão de matal-o primeiro para poderem


entrar e despescar-Ety. :-de ci pégar e coryb ligeiro :
o que péga, o que acommette ligeiro .
SIÓBA excellente peixe do mar , de escáma arro-
xeada , semelhante à carapitanga , com a differença que
esta tem a escáma vermelha - Ety. : -corruptéla de çoo
carne e b principal : a melhor carne ou melhor das
carnes, allusão á excellencia da carne deste peixe- Em
Pompêo , Ens . Est . , T. 1. ° , P. 216 , encontra-se serióba !
SIRÍ : caranguejo do rio ou do mar. Martius , P. 474
-O candéia , assim chamado , porque sahe à borda do
mar onde se pesca com candeia . Moraes cit. Mas o nosso
siri é diverso do caranguejo no feitio, na côr e no gosto :
maior, mais chato , esbranquiçado , pernas mais finas ;
menos gostoso e apreciado-Ety.:-o que se arreda , anda
para atraz ou recúa ; de cirig escorregar, deslisar- se :
ci-cy liso, ri fluir. B. Caetano , Vocab. , P. 94.
SIUPÉ : pequeno rio , em cuja barra se acha a povoa-
ção do seo nome, e forma o pequeno porto do Pecém a
7 legoas da Capital - Ety . : -logar de caça , de çôo caça
e ipe logar J. de Alencar, Irac. , P. 180 ; -ou caminho
da caça , de çóo caça e pé caminho - B. Rodrigues , Rev.
do Inst. cit. P. 379. J. Milliet cit . escreve Cioppé, e J.
de Alencar Soipé .
SOCAR ety. :-do guaraní çog pilar , bater com páu ,
malhar etc. Dir-se-ia que vem do verbo portuguez socar ,
mas a mim me parece o contrario , porque nem em Diez
vem este verbo , nem nos dicc . vem a ety. de socar pilar ,
como o empregam em portuguez . B. Caetano , Vocab.,
P. 95- De socar temos sóca a 2.ª producção da canna . A
a
1. chama-se folha e a 3. sesóca .
SOCÓ (ardea egretta) : ave aquatica cinzenta ; ali-
menta-se de peixe, e é quasi do tamanho da sericóia,
com as pernas, pescoço e bico maiores - O socó-boi é o
maior da especie, com umas pintinhas pretas , assim cha-
mado de uma especie de urro que dá. Tem um viver
- Na comarca do
triste e um vôo pesado e desengraçado -
Saboeiro é o nome dos politicos conservadores , e dos libe-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 399

raes o de carrapato- Ety. : — de socá os que comem aos


sócos. J. Luccok cit . Verdadeira : corrupção de çog-hỏ
bae vae batendo ou batendo vae, ou manquejando : nome
dado a diversos pern'altas, e no interior do Brasil tam-
bem á Rhea americana . B. Caetano , Vocab. , P. 165 .

SUAÇUAPÁRA (cervus rufus) : veado galheiro , de


chifres espaçosos , pasta nos matos ; por isto chamado
veado do mato . E' tambem conhecido somente por Apȧra
-
(vide) — Do tamanho de uma novilha . C. de Magalhães
cit. , P. 164 — Ety . : -veado torto , de suaçú veado e apȧra
torto , por causa dos chifres tortos -Suaçú compõe - se de
teçá où ceça olho e açú grande, referencia aos grandes
olhos do veado . B. Rodrigues, Rev. do Inst. cit. , P. 118 ;
ou testa grande , de suha testa e açú , por ter o veado a
testa e a cabeça grandes (Alexandre Rodrigues Ferreira) ;
ou çúu mastigar e açú grande ruminante . G. Dias ,
Dic.

SUCATINGA : povoação no municipio do Cascavel ,


cortada por algumas lagoas , inclusive a Salgada , nota-
vel por crystalisar sal quasi igual ao das salinas da praia
sem aliás communicar com o mar ! Nos seos terrenos
tem-se encontrado grandes ossadas fosseis de animaes
antediluvianos . Pompêo , Dic . Top.— Ety. : mato de
caça, de suu, corruptéla de çoo (pronunciado á ingleza) ,
e linga mato rasteiro.
SUÇUARANA (felis concolor, L.) : onça pequena
(Araripe Junior , Luizinha , P. 243) ; cruzamento da can-
guçú com a tigre- E' de todas a menos offensiva , não
obstante Varnhagen (Hist. , T. 1.º , P. 96) , para signifi-
car sua fereza , chamal-a leôa d'America -Ha de 2 quali-
dades vermelha , suçuarána propriamente dita, e mas-
saróca , por causa de uma massaróca que tem na cáuda
E' a especie mais abundante na Provincia. Quando
lhe falta carniça nas mattas tem- se dado casos de procu-
rarem-na nos povoados. Ainda em dias de Junho de 1885
foi morta uma suçuarána, a tiro e a cacête, dentro da
cidade do Aracatí, na Cacimba do Povo , onde fôra beber
agua (o facto é verdadeiro : não só referira-o a Gazeta
do Norte do tempo , como asseverou-m'o pessoa de ele-
400 REVISTA TRIMENSAL

vado criterio, testemunha ocular , em carta de 18 desse


mez e anno) -Ety. :-corrupção de cucuacuara , cugua-
carana e soasoarana ; de çú alimento , cuacu encobrir ,
e ara terminação muitas vezes empregada para designar
habito o que encobre o seo alimento ; pois a suçuarána
tem com effeito o costume de occultar a preza sob folhas
sêccas para comel- a de novo quando tem fome ; habito
que de todos os grandes felinos d'America só ella possúe .
E. Liais cit. , P. 460.-

Assim nas selvas cautelosa encobre


A onça astuta com floridas ramas
O veado que à noute trucidara ,
Furtando aos olhos do colono o crime.

(P. ALEGRE , Colombo , T. 1. °, C. 4.º P. 125. )

Parece-me preferivel : de suaçú veado e rana falso , feita


a referencia á côr do pello desses carnivoros , mostrando
que, si bem tenha a côr do veado, comtudo não o é (B.
Rodrigues, Rev. do Inst . cit . , P. 118) ; ou corrupção
por metathesis de suasuran similis cervo, ou talvez qui
cervi villos seu lanam (scilicet habet) , B. Caetano , Ens .
de Scien. , T. 2. °, P. 108.
SUCUPÍRA (bowdichia virgiliodes , Mart.) : arvore
magestosa ; cresce muito, levantando garbosamente seos
enormes ramos.-

Dá-me um plectro bizarro e magestoso,


Alto como os ramos da sicupira .

(CASTRO ALVES, Espumus Fluctuantes, Coup . d'Etrier. ,


P. 235.)

-A madeira é propria para construcção naval , e , por


sua rigidez , della se fazem carros de boi e outras obras
fortes E' um aperiente energico usa-se da casca, que
é amarga, e sub-adstringente, depurativo - Pompeo ,
Ens. Est. , T. 1. ° , P. 190 e 198 - Ety. : - corruptéla de
hapo ou sapo raiz, pi ou pira crúa , pela semelhança que
tem a casca da raiz com a cor da carne crúa - Com ef-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 401

feito as raizes são roxo - escuro ou côr de carne , donde


tambem vem o nome de sapopira-vermelha . Entre os
productos da sapopira ha o que vulgarmente se chama
cerveja de sapopira , que é um liquido que corre do al-
burno das arvores velhas quando cortadas, que não só
tem o gosto de cerveja , como cobre-se de uma espuma
espessa - Bebem essa cerveja contra os males do esto-
mago. B. Rodrigues , Rev. do Inst. cit. , P. 67- Durão ,
(Caram. C. 7 , E. 52) escreve supopira , Magalhães (Conf.
dos Tam., C. 4 , P. 107) sacupira , Chernoviz (Form .)
― sucupira, Pompêo
sebipira ou sucopira , Walppous
(Ens. , T. 1. , P. 190 , 198 e 19) secupira ou sucupira ,
C. Alves cit. sicupira ; assim como B. Rodrigues-
Preferi a orthographia do texto porque, não sendo nem
uma etymologica, esta é ao menos a mais commum até
como sobrenome de familia .
SUCURIJÚ (bôa aquatica) : tanto este nome como
os de sucuriú, sucurijuba e sucury, são denominações
de uma só cobra , a Boaçú (Vide) . C. de Magalhães , 0
Selv . cit. , P. 164 , fez-lhe a discripção . A nossa não é
menor, engole um bizerro . Pompeo, Ens. Est. , T. 1.º,
P. 214-

Porém , d'entre um paúl qual massahyba enorme,


Que o lenhador possante a custo só derruba ,
Um vulto de serpente a s'enroscar nos ares
Roncando firma o bote , -- audaz sucuruiúba !

Ao boi se lança e colhe- o ; e ao estalar dos ossos ,


Que quebram- se a ranger na funda selva escura ,
Com a lingua que tremúla afoga o pello fulvo ,
Ao visco que poreja a maxilla impura.

De trago em trago sorveo- o ... e hibernal á sombra


Da arvore vetusta, em que , cheia , adormece ,
Do boi que resta ? No ar , como um alfange , as pontas ,
Em semi- circ❜lo boca , ao dia que amanhece .
(MELLO MORAES FILHO , Cantos do Equador).
402 REVISTA TRIMENSAL

-As lontras são suas maiores inimigas. Ayres do


--
Cazal , T. 2. , P. 74 Diz o Padre Anchieta que ella
mata os animaes mettendo-lhe a colla no anus ; outros
que enrola o rabo em algum tronco para melhor segu-
rar-se e segurar a prêsa - Ety.:--vem de suakara ilharga
e jú espinho ; porque na parte inferior do terço da cauda
occultam-se transversalmente, sob as escamas , duas
unhas corneas de um a dous decimetros , distantes uma
da outra um decimetro pouco mais ou menos , com as
quaes enrola-se aos troncos das arvores , quando salta
sobre a prêsa, para sustentar o impulso que soffre esti-
cada pela anta, por exemplo . Os indios não a matam ,
porque a tem por mai d'agua, mas apreciam muito as
unhas, que para elles é um talismán - B. Rodrigues ,
Rev. do Inst. cit. , P. 55 - Tambem pode ser corrupção
de hucuriyú a tragadora. B. Caetano, Vocab. , P. 84.--
E ainda animal roncador, de soo animal , curu ou cury
roncador, e jú suffixo ; porque o grito desta serpente é
medonho. (Vide J. de Alencar, Irac. P. 175) .

SURA : gallinha ou outra qualquer ave sem rabo .


J. Galeno, Scen. Pop . , P. 273 - Ety. : - contracção de
-
súu animal e apára torto , aleijado No sul chama -se
tambem súra o ordenança ou soldado , que acompanha
os ministros ou qualquer autoridade . Pacheco Junior,
Rev. Bras. cit . , P. 394.

SURUBÍM (platistoma lima) : peixe especial do rio


S. Francisco , e d'agua dôce ; grande e saboroso . Alguns
tem-se encontrado de um metro e 50 centimetros de ta-
manho e de 135 libras de pêzo . A carne é um pouco
dura , branca e ligeiramente amarella Graty. cit. ,
P. 313. Além da opinião corrente entre os indigenas ,
que este peixe protege os filhos conservando - os nos
bronchios, Reinhard affirma que o stegophilus insidiosus
vive como parazita na cavidade bronchial do sorobim .
Walppous cit. , P. 366 A ser exacto , não ha que du-
vidar de Soleyman quando descreve um méro pescado
no mar Larevy dos Arabes ou mar de Oman , em cujas
entranhas se encontrou outro mais pequeno, que conti-
nha em si outro ainda menor, ambos vivos - J. Verne ,
DO INSTITUTO DO CEARÁ 403

Gr. Viajens e Gr. Viajantes , Cap . 2 , P. 38- Ha de 3 qua-


lidades-- esbranquiçado, escuro e pintado . Este tem a pelle
branca prateada , manchada de preto azulado - Etý. :-
corruptela de coryb ligeiro-Martius, P. 475 ; -do gua-
raní surubí . B. Rodrigues , Rev. Bras. , T. 6.º , P. 379—
Melhor: pelle lisa ou de escorregar, de curú escorregar e
bi pelle — B. Caetano , Vocab. , P. 97 Nos nossos rios
não ha este peixe ; mas o seo nome passou ao gado, que
imita a sua côr . (J. de Alencar , O Sertanejo cit . , T. 2º ,
P. 341 ) : boi-surubim , é nome que se ouve em todo
nosso sertão .
SURUCUCU (lachesis rhombata , ou cotalus mutus):
esta denominação indica a semelhança com a sua con-
genere de cascavel, de que, porém , se differencía pela
ausencia do chocalho , donde a denominação especifica
muda. Walppous , P. 349 -A pelle, segundo Ayres do
Casal , é alcatifada com semetria , malhada de cinzento
sobre o branco , a cauda armada com dous ferrões e a
mordedura apenas curavel. C. Mendes , Memorias cit. ,
T. 2.º, P. 401 , N. 2. E' tão venenosa que depois de
morta, o dente é mortifero - Baéna, Ens. Corog. do
Pará cit. E' curta, grossa e preguiçosa ; não ataca o
homem , sem ser atacada , tornando- se então feroz , si che-
gam a perseguil-a Vive nos logares sombrios das
mattas. B. Rodrigues, Rev. do Inst. cit . , P. 117 - E'
muito inimiga do fogo : costumam fazer fogueiras nas
mattas para matal- as, porque ellas lançam- se ao fogo
para apagal-o . Pompêo , Ens. Est . , T. 1.º , P. 214 --
(Vide Páca e Jararáca).—

Já vistes contorcer-se uma serpente ,


lançada viva de um incendio à chamma ,
empinar-se na cauda ,
enroscar -se, voar,
ao sentir estalar
escama por escama ?
silvar buscando victima
co' os olhos chammejantes?
404 REVISTA TRIMENSAL

ir enroscar-se impavida
ás chammas coruscantes ,
e na indomavel furia
morder rubro carvão ?

(THOMAZ RIBEIRO, D. Jayme, P. 41 ) .

Ety.provavelmente de sururú. J : Luccok cit. ,


P. 24 "Nomen significat" : vertens horsum vorsum , a
sururú et coco vel cocotyg . (Martius , P. 476) : virando
de frente para cá-Tambem arbusto espinhoso- J. Ga-
leno , Lyra Cearense, P. 144.

TÁBA : aldêa (G. Dias, D. ) , ou , mais litteralmente ,


o logar onde faz-se a patria - Ety.: de tama patria ,
berço , e a desinencia ába , indicando o logar , modo , in-
strumento da cousa - J. de Alencar, Ubir . , P. 170 .
TABATINGA : povoação na serra de Maranguape e
sitio na cidade da Viçosa para sempre celebre pela hor-
rorosa hecatombe na noite de 6 de Outubro de 1878 de
uma familia de 19 pessoas assassinadas e cremadas ! -
Ety.:-corruptéla de tauá barro e tinga branco . B. Ro-
drigues - Ens. de Scien. , T. 2. °, P. 11 , N. 2. e Estampa
13 e N. 2.; barro branco (B. Caetano , Vocab. P. 468,
S. Anna Nery, Le Pais des Amasones , P. 116 , N. 1. , e
Faria cit. , P. 11) , para branquear casa . (Martius , P. 525)
e de que se servem as indias do Pará na pintura das
cuias. (G. Dias, Dic. ) Para lhe dar mais tenacidade e
cohesão na edificação mistura -se-lhe no Pará a gomma .
liquida da sorveira R. Southey, Hist. cit . , T. 6. ° - ,
P. 322, Nota .
TABÓCA : nome de uma especie de canna ou taquára
rodeada de púas mui solidas. Moraes . E ' Vocabulo que
já vem nos dicc . port. e muito usado- Levar tabóca diz-
se hoje d'aquelles a quem sáe malograda alguma ten-
tativa. G. Dias , Dic. -Ety. : - corruptéla de itag- bog o
que estala rebentando ou rebenta estalando ; ou de tabog
DO INSTITUTO DO CEARÁ 405

que se fende ; ou de itá-bog fende pedra, do uso destas


taquáras mui rijas em escavar com agua as pedras para
fendel-as . B. Caetano , Vocab. , P. 177 e 469- E' inac-
ceitavel casa de aldêa , de taba aldêa, e ôca casa. Mar-
tius, P. 525.

TAINHA (globio cyprinus) : peixe d'agua dôce, de


escama, do feitio e tamanho do pirá, porém melhor e
mais apreciado - Abunda no mez de Junho , épocha
em que desóva e engorda- B. Rodrigues , Rev. do Ins.
cit. , P. 119- As melhores são as afamadas do rio Cocó
A especie maior os indigenas chamavam curimán e
a menor parati . C. Mendes . Notas para a Hist . Patr . ,
P. 134, N. 34. Chamam parati (peixe branco , de pirả
peixe e ti branco) pela sua carne branca. B. Caetano ,
Vocab. , P. 380. (Vide Tipuhú).
TAÍPA parêde de esteios gravados com ripas , varas
ou cipós e cheios os vãos de barro molle, com que de-
pois se emboça e alisa a parede— Ety. : - do vocabulo
arabe tabid . Moraes cit. Me parece antes abreviatura
de taipaiba parede (com quéda da ultima syllaba) , de
itá pedra e peba chata . Passou o vocabulo para o por-
tuguez pela necessidade de destinguir esta parêde gros-
-
seira da do uso civilisado de pedra e cal ou tijollo e
barro .

TAMANDUA (myrmecophaga tetradactyla) : animal


do corpo alongado , coberto de longos pellos , cauda longa
tambem pillosa , patas provídas de fortes unhas . O focinho
é longo e tubuliforme. A lingua delgada, comprida ,
cylindrica e muito portatil . E ' com o auxilio deste
orgão que elle toma a sua empreza alimentar. Introduz-
na nos formigueiros e , apoz alguma demora, retira- a
coberta de formigas e deglute assim de cada vez grande
porção desses insectos e suas larvas . Walppous , cit. ,
P. 296.-

Hirsuto tamanduá soltando a lingua


á formiga, flagello da cultura.

(P. ALEGRE , Colombo , T. 2. ° , C. 35 , P. 406.)


406 REVISTA TRIMENSAL

As especies mais notaveis : tamandud-bandeira (myrme-


cophaga jubata) assim chamado por causa da cauda, que
é comprida, forrada de crinas pardacentas ; quando anda
levanta-a parecendo uma bandeira . (J. Verne, A Jangada
cit. , P. 163) , e tamandud-mirim (myrmecophapa dida-
ctyla) . O bandeira , ou tambem açú grande,já é rarissimo
na Provincia (Pompêo , Ens . Est . , T. 1. °, P. 212 , N. 2.ª) ;
é inoffensivo si não o aggredem ; mas repelle a aggressão
de modo engenhoso e triumphante ; pois é—

animal fraco
Que não ousa atacar , mas que manhoso
Deitado espera o aggressor incauto ,
E abraçando- o lhe crava as curvas garras.

(MAGALHÃES, Conf. dos Tam. cit. , C. 2. °, P. 41. )

Emilio Carrey diz que com essa compressão o proprio ti-


gre morre asphyxiado (J. Verne cit. ) . Ao avistar a onça ,
percebendo o risco , deita-se immediatamente de costas e
abre os braços. A féra , ignorando a sorte que a espera e
julgando facil a bôa presa, salta-lhe ao pescoço ; elle
abraça-a com a furia do desespero , e mata-a quasi sem-
pre, morrendo com ella. S. de Frias cit. , P. 176 - Ety. :
-comedor de formigas. J. Luccok cit. , P. 6 ; -caçador
de formigas, de taixi formiga e monde caçar . Martius ,
P. 478 ; de taixi mondud caçador de formigas . B. Ro-
drigues, Rev. do Inst. cit. , P. 119 - Melhor corrupção
de tacémonduar caçador de formigas ; ou por syncope
ou crase de tasymonduar fez-se tamanduȧ caçador de
formigas. B. Caetano, Ens. de Scien. , T. 1.º , P. 66-
Chamam-no tambem cumbiri lingua fina, corrupção de
cû lingua e miri pequena, fina. B. Caetano , Vocab. ,
P. 81 .
TAMANJUÁ : insecto cabelludo que destróe as plan-
tações : penetra no tronco da planta, sobretudo do feijão ,
e sáe no olho , deixando-a morta Ety. - insecto pel-
ludo que espicaça a planta, de tama de pello , ju espinho
e á fructo, por ampliação - planta .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 407

TAMATIÃO (bucco capensis) : especie de garça azul ,


abundante nas margens do rio Acaracú . - Ety. : -alte-
ração de tîmatiâl o que tem bico de gancho , allusão ao
seo bico grosso, pontudo , rasgado até os olhos , chanfrado
nas extremidades e guarnecido de grandes cerdas . (B.
Caetano, Vocab .. P. 477) . C. Aulete escreve Tamatiȧ ,
e Moraes Tamátia .

TAMBORIL : villa central da Provincia -- Ety.


Tambor pequeno que se toca nas festas das aldeas . Não
era, como diz Eduardo Perié ( Bibliotheca Luso - Brasileira
P. 49 , N. 1. ) fabricado com uma cabaça ou um côco -
Um exemplo dessa especie de timbale pode-se ver em
G. Dias, Dic..- verbo Tambora . E' vocabulo que já se
encontra em todos os dicc . port. , sem a etymologia , e usa-
do dos melhores poetas mesmo em Portugal .

Feitas bebés , comendo um keque,


Tocando frauta ou tamboril,
Ou arrastando a aza em leque
Ingenuamente ás onze mil .

(G. JUNQUEIRO , Velhice do Padre Eterno , P. 176. )

-Ety. : —vocabulo hybrido : tambor pequeno, de tam-


bora já corrupção pelos indigenas da palavra portugueza
tambor , e do diminutivo tupí mirim. De tambora-mìrím
ou tambor-mirim fizeram os colonos a dicção inteira-
mente aportuguezada ― tamboril e até tamborim sobre-
nome de familia.- A arvore, de que faziam os indios
esses tambores, muito apropriada por sua leveza e poro-
sidade , teve tambem o nome de tamboril , á cuja abun-
dancia deve a villa seu nome No norte do Piauhy
chama- se á esta arvore timbaúba , que no Ceará é muito
differente- Diz Moraes que tamboril é tambem uma es-
pecie de peixe. E por tal Gil Vicente, em seos Autos ,
appellidou a um collega de rotundo abdomen.-

E Garcia de Resende ,
Feito peixe tamboril,
408 REVISTA TRIMENSAL

TAMBUEIRA : mandióca pequena e mal grada , e as-


sim a canna que cresceu mal e os gomminhos muito cur-
tos e de muitos nós - Moraes e Aulete . Mas no Ceará é
-a espiga de milho onde estão presos os grãos ; é o
mesmo que sabugo (Faria Dic. cit. ) , ou melhor -a es-
piga do milho falhada , de grãos pequeninos, fanados ,
murchos. Macedo Soares, Rev. Bras. , T. 8.º , P. 121-
Ety. abreviatura de catanguera ou catambuera , de
acă caroço , grão , tang tenro , fresco , novo , viçoso , ro-
busto, com o preterito cuer na 1.ª forma , e puer (mu-
dança natural e constante do p em b) na 2.ª Macedo
Soares cit.
TANAJÚRA : formiga de azas , preta e grande , re-
gula do tamanho de uma vespa, de 2 a 3 centimetros de
comprimento , a cabeça grande , e a cintura em completa
desproporção com o abdomen, que é enorme -Esse abdo-
men, assado ou frito , é ainda hoje um petisco muito da
predilecção dos naturaes ; mas comido em demazia dá
diarrhéa. Os tupinambás apreciavam-no tanto que eram
chamados tatá-tanajuras comedores de formiga — Era a
tanajúra para elles a formiga por excellencia ; por isso
chamavam- na uça-ete. (Ivo d'Evreux e Claudio d' Ab-
beville cit. ) -Diz B. Rodrigues ( Rev. do Inst. cit . , P. 66)
que a tanájúra é a femêa da saúva (vide) ; mas o Barão
de Capanema (Rev. de Hort. cit ., 1877 , P. 76) a dá por
formiga de ambos os sexos, que em Outubro, Novembro
e Dezembro sahem das trevas para o ar , e em considera-
vel altura fecundão , morrendo o macho ; e a femêa as-
sentando-se em logar apropriado para novo formigueiro ,
começa por decepar as azas e penetrar no chão , seguin-
do-se o trabalho da producção , etc. 11 Em S. Paulo as
tanajúras são hoje uma fonte de renda para muitos in-
dustriosos , que se occupam em vestil-as, em costume da
moda, ou caricaturando algum personagem conhecido ,
e as vende depois por bôa somma como curiosidade . Tive
ensejo , accrescenta Alfredo de Freitas cit . , C. 3.º , P. 43 ,
de ver duas dessas formigas que estavam collocadas den-
tro de uma caixinha sobre cuja tampa se lia a seguinte
inscripção : Formigas Tanajuras vestidas . Unico depo-
sito. S. Paulo , Brazil. Jules Martin.- Ety. :- tenra
DO INSTITUTO DO CEARÁ 409

comida, de tang tenra e jura alteração de yurú, yurub,


do verbo u comer : allusão ao petisco do abdomen .

TANGA : pedaço de panno com que os escravos co-


brem as partes pudendas, enrolando-o na cintura, pen-
dente como uma fralda. Constancio , Dic. Port. - Moraes
estende-o tambem aos indios-Ety.:-vocabulo africano
Varnhagen , Hist. , T. 1.º , P. 459 ; saiote . Cannecattim
cit.; vem do bundo ou congo como uma forma accidental
do verbo conguez canga , ligar , amarrar numeros , etc.
Macedo Soares , Rev. Bras . , T. 1 , P. 592 e T. 4 , P. 249 ; -
ou nos veio d'Africa ou do latim tзanga , que se encontra
no seguinte passo do Cod . Theor .: usum tzangarum
atque bracharum intra urbem venerabilem nemini liceat
pallium.... præcipimus inheberi . Pacheco Junior, Rev.
Bras. , T. 5.º , P. 404 ; tanga era uma moéda aziatica
portugueza do valor de 3 vintens ; porque uma tanga
custava esse valor deo- se-lhe com o uso esse nome , do
mesmo modo por que tambem no Brasil os bragȧes eram
equivalentes nas forragens a certos dinheiros ou soldos .
Moraes cit. E' vocabulo de origem americana , tupi , le-
vado para a Africa pelos portuguezes depois que começou
o trafico dos escravos negros (B. Caetano , Rev. Bras .,
T. 3. , P. 35) : de ang envolver fez-se l'ang com o prefixo
t envoltorio , vulgo tanga . B. Caetano , Voeab . , P. 478—
De tanga já temos tangar cobrir-se à roda da cintura com
tanga. C. Aulete.
TANGUÉRA : rio , nasce da serra da Aratanha , passa
o valle da Sapupára e o sitio que delle tomou o nome, e
despeja no rio Maranguape , engrossando o rio Ceard-
Ety. :-corrupção de teongoera defuncto .

TAOCA : formiga chamada de correição (Martius , P. 88


e G. Dias, Dic ) , vermelha e inoffensiva , não obstante di-
zer Moraes que é preta e a sua mordedura dóe e queima 1
Gosta muito de doce ; pelo que tambem é vulgarmente
conhecida por formiga de assucar. Ety. : - de to og a
-
que tira folhas , formiga , vulgo correição B. Caetano ,
Vocab. , P. 480 Moraes escreve tayoca , como tambem
a chama o povo .
410 REVISTA TRIMENSAL

TAPÉRA : aldêa velha, sitio abandonado (G. Dias,


Dic. , Martius, P. 88, e Graty, P. 199 , N. 2. ) , que tinha
para com os tupís uma influencia horri vel . Sua mente
subrescitada enchia-os de visões hediondas , a que raro
podia uma alma forte resistir . Araripe Junior, Jacina
-
cit. , P. 291 Chama-se hoje tapéra a um simples sitio
ou roça, que não tem dono . Varnhagen. Hist. , T. 1. ,
P. 116- Mesmo assim a imaginação popular ainda enche
as tapéras de e - piritos e visões maleficas. Nenhum ser-
tanejo dormirá n'uma casa abandonada , ainda que esteja
em bom estado, prefere dormir no campo, ao ar livre,
ou debaixo de uma arvore. Dias Carneiro cit. , P. 224 --
Ety.:-contracção de taba aldea , e púera preterito , que
passou logar onde esteve o povo . Montoya cit.; ou
povo que foi , participio de tub - B Caetano , Vocab. ,
P. 481 , Macedo Soares , Rev. Bras . , T. 3.º , P. 228 e
T. 8. , P. 123.

TAPERY : lagôa no municipio de Mecejana , caminho


da Pacatuba - Ety. :- agua da tapéra, de tapéra e hy
agua.
TAPETI : manga de esteira para preparar a mandióca.
Martius, P. 93 e G. Dias , Dic. Feita de talas de uarumã
ou guruma, Dr. F. da Silva Castro, Gazeta Medica da
Bahia, 1868 , n.° 39- E' instrumento engenhoso : collo-
cavam os indios a massa dentro, uma pouta amarravam
no galho de uma arvore.e a outra em uina pedra grande ;
de modo que, com o pêso , a manga elastica alongava e
apertava ao mesmo tempo a massa, fazendo correr toda
a manipueira.- Ety. :-de tipiti ( ti liquido , pi premer e
iti lançar) espremer, metter em prensa, escorrer, distil-
lar ; prensa , espremedor ou espremedouro. B. Caetano ,
Vocab. , P. 506 e 511 - Outros escrevem tambem Tape-
tim .
TAPIOCA : bolo da gomma da mandióca , meio sêcca ,
cozido no forno ou fogareiro . Para o sul confundem-na
com a farinha da mandióca , como se vê da Exposição
do Bras. em Vienna cit. , P. 181 corrupção de typyog,
typyoc sedimento precipitado , coálho, coalhado , o que
se extráe do liquido ; do radical y agua , correr, ty li-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 411

quido, o que corre . Macedo Soares, Rev. Bras . , T. 8.º ,


P. 121 , N. 1. ' ; de ti sumo , pi apertar , a torcer, o co-
zido , deixando o caldo . Braz Rubim cit. , P. 385 , - Me-
lhor de tipiog tipiar, de tipi precipitado e ar cahir :
coalho, coalhado . B. Caetano , Vocab., P. 528 ― Não
acho procedente a observação de J. Verissimo , P. 50-
G. Dias, Dic., escreve Typioca, e Macedo Soares diz que
no Paraná ainda se diz Tipioca.

TAPÚIA : ety. :- : — literalmente - fugido da aldêa , de


taba aldêa e puyr fugir, J. de Alencar, Irac. , P. 182 ;
do guaraní tapui, composto de tapi cousa comprada e
teû geração : nome por que os guaranís designavam os
contrarios . Braz Rubim cit . , P. 382. Preferivel : o que
anda desgarrado , de tabi errado , desviado e har que anda
ou turba dos apanhados, de tapii part. de tar tomar,
comprar, colher e eii multidão . B. Caetano , Vocab. ,
P. 469 e 483. Livremente : contrario ou inimigo , Var-
nhagen, Hist . , T. 1.º , P. 448 ; gentio . G. Dias , Dic.

Em guerreiras columnas , feroz gente ,


Que no horror da figura assombra tudo ,
Fazem por armas uma massa ingente,
Tendo de duro lenho um forte escudo ;
Frechas e arco no braço armipotente ;
Nas mãos um dardo de páo santo agudo ;
Sobre os hombros a rede, á cinta as cuias ,
Tal a imagem dos cruéis tapúias.

(DURÃO, Caramurú , C. 4 , E. 26.)

A principio tapuia era o vocabulo com que se designava


genericamente todo e qualquer indigena, ainda que
oriundo de raça diversa (Lisboa , Obras, T. 2.º , P. 198) ,
os proprios europeos em estado de guerra (G. Dias , Bras.
e Ocean. , P. 10 , N. 1. ") , ou os indios vencidos pela raça
invasora , a dos tupinambás (P. Chagas , A Virg . Guar.
cit. , P. 255 , N. 16 ) . Hoje já está adraittido nos dice .
412 REVISTA TRIMENSAL

port . (Moraes) . Diz-se tapúro o homem gentio, e tapúia


a mulher gentia . (Martius , P. 88, N. 2. ) No Pará já é
synonimo de servo : pede-se, engaja-se um para seo
tapúio ou tapúia , conforme é homem ou mulher indi-
gena. Amasonas cit. , N. 14

TAPURÚ : insecto branco , formado da manipueira,


do succo venenoso da mandióca em estado putrido ,
e tão venenoso como este. Sêcco e reduzido a pó , as in-
digenas com elle matavam os maridos , e os escravos os
senhores, misturando- o na comida . R. Southey, Hist.,
T. 1. , P. 326 e Nota . Hoje chamamos tapurú a qual-
quer insecto, venenoso ou não. - Ely. :- de tapérú, ta-
porú, literalmente o que devóra lã ou felpas o que
come raiz ; bicho , verme, insecto . B. Caetano , Vocab. ,
P. 481 e 483 .

TAQUARA canna braba. Das especies a maior cha-


ma-se açú , grande em altura de muitas varas, grossa e
solida, em cujo ôco os indios faziam comida . Moraes.
Corresponde ao bambu. - Ety. : -pán ôco , de ita pedra ,
ferro e pau duro , e quára ou cuara buraco . Macedo
Soares, Rev. Bras , T. 8. " , P. 125 , N. 1. Melhor de
quar com a preposto e t fixo - taquar - o furado , o ôco ,
o acanudado ou tubular ; ou de aqua ir em ponta, t-aqua
o que vae em ponta ( pontuado, alongado) , taquaro que
tem ou dá pontas , farpas etc .; as taquáras eram usadas
especialmente para fazer pontas de flechas. B. Caetano ,
Vocab. , P. 484 G. Dias, Dic. , escreve Tacuára.

TAQUARÍ canna braba fina - Ety. : -taquára fina ,


de taquara e i diminutivo pequeno , fino . C. de Maga-
lhães cit. , P. 8.
TATAÍRA (trigona tataira) : abelha pequena e ver-
melha ; faz a colmêa no páu ; a picada é temida em ra-
são do erythema que determina com producção de phly-
cternas. Walppous , P. 380 --Ely. - mel de fogo , de
tata fogo e yra mel Martius, P. 474 ; ou abelha de fogo ,
de tata e eira abelha. Malta cit . , P. 256. Em tupí - mel
de fogo, de tata e ira, e tambem nome da abelha que o
faz . B. Caetano, Vocab. , P. 487 .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 413

TATAJÚBA (maclusa tinctoria ): madeira preciosa de


tinturaria . A lei provincial n ° 6 de 17 de Maio de 1835 ,
art. 3, impoz 50 réis por cada arroba deste páu no acto
da exportação ; mas no anno seguinte outra de n.º 25
de 19 Agosto revogou-a - Tatajúba logar em Santa Qui-
teria, onde o naturalista João da Silva Feijó , de ordem
régia, estabeleceu uma officina para refinar salitre ,
aproximadamente 400 arrobas, que colheu de uma
mina em 3 annos . Pompêo , Dic. Top. Da mina ha uma
planta topographica-Ety. :- corruptéla de ita pedra e
tambem pau duro e juba amarello : (Martius, P. 528) :
páu amarello , de que se extráe tinta amarella , como do
páu brasila encarnada .
TATÚ (dasypus longicaudus) : animal conhecido . G.
Dias, Dic. - Seo corpo é coberto de uma couraça solida ,
formada por uma carapuça ossea composta de escamas
polygonaes. A cauda é igualmente coberta de escamas,
que em algumas especies se reduzem a tuberculos .
Walppeus , P. 298 Cava um buraco e desapparece
com admiravel presteza , e basta que elle consiga en-
terrar parte do corpo para ser difficil arrancal - o- Toda
minha força, accrescenta E. Liais , P. 350 , foi insuffi-
ciente para arrancar pela cauda um, que começára a
cavar, sendo -me preciso o auxilio de um negro forte-
Mas acredita o povo , que mettendo -se o dêdo no anus ,
cede facilmente . Ha de diversas qualidades , mas nós
somente temos 3 : tatú eté ou verdadeiro , tambem cha-
mado tatù veado e tatù gallinha, pela excellencia de
sua carne tatù apȧra ou bóla; porque, ao simples con-
tacto , toma a fórma de uma bóla , que se póde lançar ao
longe como outra qualquer, empregando o animal nessa
transformação uma força tal que seria decepado o dêdo ,
que ficasse entre elle e as bordas do seo casco , sendo in-
sufficiente a força de dous homens para abril-as . Tal é à
propriedade do casco para se contrahir que, diz o mesmo
E. Liais, tocando com a ponta do escapello no de um
bóla , mais de uma hora depois de morto , já separado do
corpo , o casco fechou-se bruscamente pela metade . Por
isso mesmo é tido pelo povo como tendo pauta (pacto)
com o demonio
414 REVISTA TRIMENSAL

... Vimos o demo


N'um tatú encarnado , porque em bóla
Rolando nos fugio, como se fôra
De bombarda um pellouro vomitado .

(P. ALEGRE, Colombo , T. 2. °, C. 34 , P. 379. )

O tatù peba , isto é , chato ; porque , quando não póde


enterrar-se, achata-se à terra para ficar protegido pela
sua couraça- (E . Liais cit) ; ou allusão ao casco que não
é bem convexo . e sim um pouco achatado na parte su-
perior. Buffon deo -lhe o nome de encoberto, porque ge-
ralmente vive nas tócas que cava, e donde só sáe para
o seo pascigo nocturno. B. Rodrigues , Rev. do Inst.
cit. , P. 119 - E' o que mais cava e com mais rapidez ,
sempre tem uma multidão de caminhos subterraneos.
E ' encontrado nas sepulturas ; por isto o povo acredita
que come cadaveres, e tein-lhe repugnancia á carne. Em
contraposição ao verdadeiro chamão-no vulgarmente.
falso ; donde muitas suppôrem erradamente que p ba
significa falso. No tupi falso é rana (Vide Suçuarana)
Rabo de tatú planta, cujo succo , muito gommoso,
emprega-se contra a thisica. Chernoviz , Form . O povo
diz : - Dous tatús não fazem casa n'um só buraco ; lin-
gua de tatu por faca de ponta Araripe Junior, Lui-
zinha, P. 244 - Ety.: — F. Cuvier deo-lhe o nome de
priodonte, que quer dizer -dente de serra, pela analogia
dos seos com os de uma serra E. Liais cit.; - arma-
dilha , Montoya e J. Luccok cit. , Melhor : de tu por ca
casco, escama e tu póde ser por lou too abs . de oó en-
corpado, denso . B. Caetano , Vocab. , P. 490 .
TATÚMONDÉ : povoado no districto de Arronches-
Ety. -mondé de tatú, de tatú e mondé armadilha .
TAUAPE : povoado no caminho de Maranguape -
Ety.:-logar de barro amarello , de tauá barro amarello ,
e pe logar. J. de Alencar, Irac. , P. 189 .

TAUHA povoação , elevada á villa em 1802 com a


denominação de S. João do Principe : mas ainda é co-
nhecida pelo nome indigena-Ely.:-barro amarello-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 415

G. Dias, Dic. A verdadeira orthographia é Taud; res-


peitei a do texto, porque é official .
TEJÚ : lagarto . G. Dias , Dic . A banha é excellente
remedio , sobretudo a do tejuaçu, ( Vide) para inflamma-
ções, e feridas na garganta Ety.: o que come ; ou
de teu ou teiyu, litteralmente tely gentalha e u comida:
comida da gentalha, da tropa : lagarto . B. Caetano ,
Vocub. , P. 358 , verbo Pacú , e 515- Uma pequena es-
pecie de cipó ou excellente contraveneno - Significa :
deixae-o comer. J. Luccok, P. 240 - A batata tem o
nome do proprio lagarto por lhe servir de antidoto ao
veneno da cobra-Outros escrevem tambem Tiù e Teiù.

TEJUAÇU (tupinambus nigropunctatus) : lagarto


grande e perde - Sua arma é a grande cauda , com que
se defende e açoita , desa piedadamente , a propria casca-
vel . Quando mordido por este reptil cura-se inconti-
nente comendo o antidoto, que é a batata, chamada też
do seo nome. Curado volta reanimado á luta até matar
o inimigo ás chicotadas . A banha é muito medicinal , e
o coiro muito procurado para artefactos- Ely. : tejú
grande, de teju (outros escrevem tiú ou teiú. G. Dias,
Dic. ) lagarto, e açù grande. (Vide Tejú).
TEJUBÍNA : lagarto verde , pintado , dos campos; cres-
ce ás vezes até ao comprimento do camaleão pequeno.
Tem o feitio da lagartixa , com a differença da côr e ta-
manho Ety . : -tejú ou teiú pintado , de tejù lagarto
e pignha pintado , listrado .
TEJÚCO : lameirão , atoleiro, tremedal de mangue.
C. Mendes , Memorias cit . , T. 2.º , P. 115 , N. 3— Ety. :
-corrupção de tyjúca lama, barro podre . Martius ,
P. 92 , S de Frias cit . , P. 178 – De tejúco já temos teju-
cal lameiro e entejucar enlamear. - G. Dias, Dic. , e Mar-
tius cit. , escrevem tyjúca . Varnhagen (Hist . T. 2. ,
Pref. , P. 13) tujùco , mas reconhece que a orthographia
do texto é mais euphonica , e B. Caetano (Ens . de Scien .,
T. 1 ° P. 67 pr. ) — tyjug lutum , no Brasil tyjuka ; mas
no Vocab. P. 547, escreve tyjuco, de ti liquido e yug
podre ; lama, lôdo , lamaçal .
416 REVISTA TRIMENSAL

TEJUPAR : cabana, choupana ou palhoça dos indi-


genas, com duas aguas , que tocão no chão, com tapa-
mento de palha. Era coberta de pindóba de sapé ou de
juncos. Araripe Junior , Jacina cit. , P. 306 – 0 jupá
feito de esteira ( tupės) serve de porta ao tejupar. B.
Rodrigues, Ens. de Scien. , T. 2. , P. 13, N. 2.- Ety. :
- do guaraní teijù e upaba logar de muitos , logar pu-
blico . Cabana , palhoça, rancho pequeno. Braz Rubim
cit. , 383- Melhor corruptéla de teyi gentalha e upab
pousio , morada. - É a óca miseravel , fóra da malóca- B .
Caetano, Vocab. P. 515- G. Dias, Dic. , escreve tejupaba
e nos Cantos, P. 650 , tejupaba ou tejupab . Preferi a or-
thographia do texto , por mais adoptada e euphonica-
Varnhagen, T. 2. ° , Pref. , P. 16 - J . Verissimo cit. ,
P. 51 , já escreve Tejupȧ .
TEMTÉM : ave pequena , cantora . G. Dias, Dic. cit .
(Vide Cancão)--

De um temtêm , escondido na andiróba ,


Escutava o cantar, que tudo imita .

(P. ALEGRE, Colombo , T. 2. , C. 34 , P. 388.)

-Do tamanho de uma rolinha , toda vermelha , bico e


cauda pequenos, com uma cocoruta parda , como o ca-
pote. Faz o ninho grande e comprido , quasi todo de
espinhos Ety. : -seo nome é onomatopaico , vem do
canto, que parece dizer temtém .
TETÉO passarinho pernilongo , de côr arroxeada
como a da rôla, papo preto , encontros brancos , e tem no
alto da cabeça uma penna maior, assim como a modo
de pennacho . O biquinho é comprido , e apenas come
lôdo e bichinhos d'agua. Quasi não dorme ; passa a
noute com o pé erguido e as azas abertas : quando cáe
o pé elle desperta, e o mesmo acontece se fecha as azas ;
pois estas tem um ferrãosinho , que o fére. Assim não
póde pegar no somno ; e ao menor barulho grita e vôa
dos alagadiços onde vive. Não pousa nas arvores ; tem
os dêdos tão curtos que não seguram-se nos galhos . J.
Galeno , Scen. Pop. , P. 140 -Acompanha a quem o dis-
DO INSTITUTO po Ceará 417

perta de muito perto, passando perto da cabeça , donde


a versão popular que elle tira o chapéo de quem o ag-
grede- Ely. : -seo nome é onomatopaico , vindo do seo
canto , que diz perfeitamente-teteo G. Dias , Dic. , es
creve Téo-téo , e Pompêo , Ens . Est . T. 1.º , P. 213,
Petéo, talvez erro typographico .
TIBÁU : morro de arêa na costa da Provincia , o qual
lhe serve de extrema com a do Rio Grande do Norte.
Pompêo, Dic. Top. - Ety.: -de ityc derrubar e pabe
tudo ; tudo cahido ( Sylva tota cœsa ). Martius , P. 529-
Pompeo escreve Tibáo, e Martius de ambos os modos --
Parece-me , porém , que o vocabulo não é indigena ; mas
corrupção de Theobaldo , velho que ahi residiu em re-
motos tempos . Pelo menos esta tradicção me foi trans-
mittida e garantida por pessoas de criterio , e devo por
lealdade entregal- a ao leitor.
TIMBAÚBA : arvore; a madeira é molle e leve, mas
o tronco engrossa tanto que ás vezes dous homens não o
abarcão. Dá uma fructa muito amargosa, que bota
espuma, de que o povo se serve, como sabão , para lavar
a cabeça (Vide Tamboril) - Tambem é lagôa ou brejo
no municipio do Crato, no qual, cavando- se uma ca-
cimba , com a agua , que sáe da terra , vem peixe ; o que
prova que existe massa d'agua subterranea coberta pelos
paúes, que formam os brejos . Em algumas partes esses
novos terrenos formam ilhas fluctuantes. Pompêo , Ens.
Est. , T. 2. ° , P. 109 , N. 1 '--Lagoa tambem no municipio
de Arneiroz , na qual se encontram, em escavações ,
grandes fosseis de dimensões gigantescas . Pompêo , Dic.
Top. Ety.: arvore do timbó , de timbó (vide) e uba
arvore - Martius , P. 529 , escreve Timbauva , e Gay,
P. 406, Timbahuva .
TIMBÓ (physalis heterophylla ) : é nome generico no
Brasil na linguagem popular e applica-se à todas as
plantas empregadas para envenenar o peixe em póços
de pescarias; é peculiar ao sul do imperio , e substituido
no norte pelo de tingui ou barbasco . Chernoviz , Form.
Este arbusto é conhecido por timbó-peixe : serve não só
para embebedar o peixe, como tambem dizem que tem
418 REVISTA TRIMENSAL

effeito sedativo , collocado em cataplasmas sobre dôres


rheumaticas das arteculações- Tambem triturado e de-
luido em agua aproveita á extincção dos formigueiros .
C. de B. no Diario Official cit . O timbo ataca geralmente
no homem o cerebro e os rins . O peixe apanhado por
esse processo , posto que não offenda a quem o come,
comtudo em poucas horas fica deteriorado . B. Rodri-
-
gues , Rev. do Inst . cit. , P. 127 Ety. : - do guaraní
timbó espuma, porque esfregando-se esta planta deita
espuma. Braz Rubim cit. , P. 384. Melhor : o que tem
cor branca ou cinzenta (ti ser branco e bor ter) : vapor,
fumo, exalação, perfume, cheiro . E ' nome dado a va-
rias plantas , cujas emanações enebriam ; assim como a
arvores e madeiras . B. Caetano , Vocab. , P. 518 - C.
Aulete diz que timbó é mais conhecido pelo nome de
canapú , e em Pernambuco pelo de bate-testa ! E ' rio no
municipio da Pacatuba.
1
TIMBOAÇÚ : rio , nasce no Itacurumi e despeja no
porto do Camocin Ety. - timbó grande, de timbó e
açú grande.
TIMBÚ especie de gambá (vide) . J. Luccok cit . ,
P. 6.-Ety.:-focinho preto, de ti focinho e û preto ; ou
de tî focinho e bú furar. B. Caetano , Vocab. , P. 136 pr .
e 519.

TINGUÍ (Jacquinia tingui ) : arbusto muito conhe-


cido, não só pela virtude narcotica de embebedar o peixe
(Varnhagen , Hist. , T. 1. , P. 117) , como o gado a ponto
de tambem matal-o . (J. de Alencar, O Sert. , T. 2. °,
P. 341. ) O peixe tinguijado não faz mal a quem o come
(Aulete) , e o gado escapa , sangrando- se logo ou cortan-
do-se-lhe as orelhas- Tem uma semente cuja amendoa
produz um oleo concreto , de que se faz promptamente
sabão de inferior qualidade com uma dissolução alcalina
a ferver. Pompêo , Ens. Est. , T. 1. ° , P. 178 , N. 1. - 0
cozimento das raizes é excellente remedio contra as
sarnas . Descourtils , Flora Pittoresca e Medicinal das
Antilhas, T. 3, P. 144 - Ety . :-agua branca ou de es-
puma , de ti branco e ig agua ; trovisco . (B. Caetano ,
Vocab. , P. 519) ; ou agua fetida, de tinga fetida e i agua ,
DO INSTITUTO DO CEARA 419

porque o tingui amassado deita um licor de máu cheiro ,


que embebeda . D'ahi tinguijar embebedar o peixe com
tingui, tinguijada pescaria com tingui, e tinguijado
peixe embebedado com tingui . Moraes cit. C. Aulete
escreve tingui (sem assento) , B. Caetano tinguî e La-
cerda tinguí, como Moraes ; mas manda que não se pro-
nuncie o u. A pronuncia geral é a do texto - (Vide
Timbỏ .)
TIPÓIA : antigamente-- pedaço de rêde em que as in-
digenas traziam os seus filhos ás costas, como ciganos ,
escanchados nos quadrís . Fernão Cardin , cit. , P. 10-
Na conversação emprega-se como synonimo de rêde pe-
quena. J. Galeno , Lyra Cearense, P. 101 ; e no estylo
chulo por faxa . J. de Alencar , Irac . , P. 188 - Era fabri-
cada da casca do tauari ou tuiri , de que tiravam tiras .
Walppous , P. 255.-Ety.:-vocabulo africano . Varnha-
gen, Hist. , T. 1.º , P. 458 , Lacerda , Dic.; da Angola e
do Brasil . Moraes ; tipoi , tipoia camisa sem mangas , vo-
cabulo alheio. Martius, P. 90 , N. 2 .; do guaraní tupoi
vestido de mulber. Braz Rubim cit. , P. 386. Vem de
tupai, depois tupoi, tipoi o que pende das côxas, do
quadril - B . Caetano, Vocab, P. 359 e 546 , e Notas aos
Indios de Fernão Cardin , P. 120 Já vem em todos os
Dicc. Port
TIPUHU corrego no municipio de Aquiraz , o qual
deo o nome á uma fazenda que tornou -se afamada pela
excellente farinha que fabricava. Dizia-se muito que
devia viver feliz quem possuisse estas cinco cousas :
tainhas do Cocó , farinha do Tipuhu . agua da Jacare-
-
canga , cunhas da Porangaba e laranjas do Gererahú ·
Ety.:-agua do tapúia , corrupção de tapuia e hú agua.
TIQUÁRA : sumo de qualquer fructo com farinha ,
agua e assucar . G. Dias , Dic. No Ceará é com a rapa-
dura- Ety. : -o aguado , a cousa que leva agua, feita
com agua ; de ty liquido e quar, quara forma de har-
-
ara-ar exprimindo o modo de ser J. Verissimo cit . ,
P. 52 - No Pará chama -se Xibé, em Minas jacúba (termo
africano) , de que já se fez o verbo enjacubar , tomar
a jacúba (vide Carlos Ottoni , Viagem ao Rio S. Fran-
420 REVISTA TRIMENSAL

cisco, P. 46) -Entre o povo já tiquára anda corrompido


em diqudda- G. Dias, Dic. , escreve Tycodra.
TITICAR : termo vulgar; bater, tocar na cousa , em-
purrando-a, movendo-a aos pouquinhos : titicar a cas-
tanha, é expressão muito usada dos meninos no jogo da
castanha do cajú-Ety. : - de titica o palpitar. Tagica
titica pulso . Ceça titic, pestanas. G. Dias , Dic.
TOBAJÁRA : tribu da raça tupica , que dominava a
serra da Ibiapaba; cultivava a mandióca, o milho e ou-
tros legumes ( Vide Tocarijús) . Alfonse de Beauchamp ,
Hist. du Brez. , T. 1.°, P. 44-Ety.:-muitos escrevem
tabajáras e dão -lhe conseguintemente ety . e significação
differentes : senhores das aldêas ou aldeões, de taba
aldea e jára senhores . Varnhagen, Commentarios ao
Roteiro de Gabriel Soares, Nota 13, e Hist . cit . , T. 1.º ,
P. 101 , Gay cit . , P. 78, Frei Maranhão , P. 78 , G. Dias ,
Dic. verbo Póra, P. 145, e J. de Alencar, Irac. , P. 164-
Mas G. Dias, que no logar citado escreve tabajára e tra-
duz por senhores das aldeias , e em Notas aos seos Cantos ,
P. 646, justifica extensamente essa ety. e tradução , no
seo mesmo Dic. cit. , P. 172 , escreve tobajára e traduz por
cunhado do homem, e no Bras . e Ocean . , P. 14 e 33 , Nota
30 , mantendo a mesma orthographia , traduz, por cunha-
dos dos Tupís ! C. Mendes (Notas para a Hist. Patr. ,
P. 231 ,Nota admira-se desta tradução , e com a orthogra-
phia tobajára, substitúe-a por senhores da terra- Como
nome de tribu não é de certo apropriado tabajára , por
isso que não seria distincção entre povos que , com raras
excepções, viviam todos em tabas. Quadra mais a lição
tobajara- fronteiro, por isso que é uma distincção mais
natural . (Vide Malta cit. , P. 255) . Os tobajáras, eram
os indios principaes do Brasil e pretendiam ser elles os
primeiros povoadores e senhores da terra-

Posto que os Tabajaras se acreditem


Os primeiros senhores desta terra ,
E orgulhosos por isso assim se chamem .

(MAGALHÃES, Conf. dos Tam . , C. 5. ° , P. 144. )


DO INSTITUTO DO CEARÁ 421

O nome, que tomaram, o mostra ; porque dra (jára) quer


dizer senhores, toba rosto , e vem a dizer que são senho-
res da terra, que elles tem pela fronteira do mar, em
comparação do sertão e na verdade elles sempre senho-
reáram grande parte da costa do mar Padre Simão de
Vasconcellos , Noticias Curiosas e Necessarias do Brasil,
Liv. 1.º , n . 156 - Sobreleva que na dicção Tobajára
estão de acordo os maiores mestres da lingua : antiga-
mente-Vieira, Rel. da Miss . cit . , José de Moraes Hist.
da Comp. de Jes ., e Jaboatão , Orbe Serafico , T. 1 , Dig . 2,
Est. 13 ; nos nossos tempos - B. Caetano , Ens . de Scien.,
T. 2.º , P. 7 e 119 , traduzindo tambem o vocabulo por
adversario ou fronteiro Pompêo, Dic. Top. e J. Ĉa-
tunda , Estudos de Historia do Ceará, P. 27, escrevem
tabajarras contra a indole da lingua, que não dobra
consoante alguma, principalmente or, que é sempre
brando , como em querer. C. de Magalhães cit ., P. 14 , e
Faria, Comp cit. , P. 2.
TÓCA buraco de animaes, escondrijo, covil, cóva.
-Ety. :-do francez toucquet canto. Constancio , Dic.;
do hespanhol tueca , C. Aulete ; do latim lócas , do alle-
mão loch. Sylvio Romero, Rev. Bras. , T. 5.º , P. 494 ;
do latim toga , que entre os comicos na linguagem po-
pular de Roma significava — residencia , morada . Pa-
checo Junior. Rev. Bras. cit . A verdadeira : o que cobre
ou tapa, do verbo og cobrir, tapar com o demonstrativo
geral--t . Este vocabulo passou para a linguagem vulgar
brasileira com grande ampliação de significação : tỏca
é synonimo de furna, caverna, buraco, escondrijo , mo-
rada. B. Caetano , Notas aos Indios do Brasil de Fernão
Cardin , P. 24, e Vocab. cit. , P. 534, J. Verissimo cit. ,
P. 22- De tóca já temos entocar metter na tóca e -
TOCAIA : espera para surprender alguem ou alguma
cousa ; escondrijo , onde se mette alguem para fazer a
espera . - Ety. :- vem de tóca (vide) - Este vocabulo
passou para o portuguez , donde tambem se formou o
verbo tocaiar, que quer dizer esperar espreitando alguem
para atacal-o quando passa pelo logar. C. de Magalhães
cit. , P. 77 , J. Verissimo cit. , P. 53 , e Braz Rubim , P. 386
-Varnhagen, Indios Bravos, P. 37 , escreve tucajar.
422 REVISTA TRIMENSAL

TOCARIJU tribu tapúia da serra da Ibiapaba , ce-


lebre pelo barbaro assassinato do venerando Padre Fran-
cisco Pinto ( 1. catechista que veio ao Ceará) no dia 11
de Janeiro de 1608- Pompêo no seo Ens. Est . , T. 2. °,
P. 258, diz que os assassinos foram os tobajaras, que
alias foram os vingadores da morte do santo varão ! (vide
Padre Vieira, Rel. da Miss . cit. , Cap . 1. ° , e José de Mo-
raes cit. , Cap. 5 . , -Ety . :-espinho occulto . de tocari
participio de to-car encobrir, occultar, e jú espinho :
etymologia que muito se conforma com a indole perver-
samente refolhada e traiçoeira desses barbaros - Outros
escrevem tacarijus ; mas preferi a orthographia do texto
por ser a do Padre Vieira , grande mestre da lingua, e
que residio muito tempo na Ibiapaba - Theberge cit. e
J. Brigido . Res. Chron . para a Hist. do Ceará, P. 47 .
escrevem tucurijus, o que não é sinão erro typogra-
phico .
TORÉM flauta , tambor, caixa de guerra - Ety. : -
0
no 2. significado pode vir de tu bater cu batido, no 1.º,
porém, como tambem se diz borê ou mborê, talvez se re-
porte a tibureê com quéda da syllaba inicial - B. Cae-
tano, Vocab. , P. 546 -Tambem pode vir do guaraní tore
cousa descorde , voz desentoada, Braz Rubim , P. 384.
Outros escrevem toré, flauta feita de tabóca . Faria Dic.
Diz Martius , P. 482 , que chamavam torem, porque era
feito da pelle da cauda do animal toro , de que os indios
faziam suas tubas . - No Ceará torém é arvore alta de fo-
lhas largas e do páu ôco como a tabóca ou taquára , mas
sem a mesma consistencia , da qual os indios faziam um
instrumento de festa , especie de maraca, chamado torem
do nome da arvore. Do instrumento passou tambem o
nome á dansa dos mesmos indios , celebrada ao toque desse
instrumento . (Vide Boré.)

TRAÇANGA : formiga preta , maior do que a tracuȧ .


Não é damninha ; mas a dentada dóe muito . Quando se
assanha faz tamanho ruido que se ouve perfeitamente.
-Ety. -contracção de tarará soar, estalar, icd formiga
e çanhe dente : formiga de dente que estala , allusão ao
barulho que fazem essas formigas .
DO INSTITUTO DO CEARÁ 423

TRACUA formiga de côr vermelha ou preta . A ver-


melha causa os mesmos estragos que o copím ; e da casa,
lavada em cinza de cacáo , se faz isca - G. Dias, Dic.--
Aninham -se nas raizes das orchideas , nas bromelias e nos
páus e cipós , preparando uma materia para sua vivenda ,
semelhante ao amodou, e que serve para isca de fogo,
pelo que é conhecida por isca de tracuá, de que usam
muito os indios . B. Rodrigues , Rev. do Inst. cit . , P. 67
-Ety. :-de tara - cu que devóra espiga , ou de tara-guar
devoradora de espigas . B. Caetano , Vocab . , P. 486 -
G. Dias cit. escreve taracuả.
TRAHIRA (syodus ) : peixe das cabeceiras dos rios e
aguas paradas . E ' de pelle parda-escura , muito voraz ,
e cuja carne, posto que saborosa , é muito espinhosa. B.
Rodrigues, Rev. do Inst. cit. , P. 128 - E' pequeno e
d'agua doce. J. Galeno , Lyra Cearense , P. 144—Ety. :
contracção de tureira (tá -reú arranca pello) . B. Cae-
tano , Vocab . , P. 486.
TRAHIRY : rio pequeno, que faz barra no mar a 30
legoas ao norte da Capital . A lei provincial n.º 1604 de
14 de Agosto de 1874 transferio para a povoação deste
nome a séde da freguezia e villa do Paracurú com a
denominação de N. S. do Livramento ; mas outra n.°
1669 de 19 de Agosto do anno seguinte mudou a deno-
minação pela de Villa do Trahiry - Ety. : —rio das tra-
hiras, de trahira peixe deste nome e y agua-J. de Alen-
car, Irac. , P. 180.
TRAPIA (cratava trapid , L. ) : arvore, dá um fructo
amarello e redondo semelhante ao do maracujá suspiro ,
mas de inferior qualidade - E' anti-syphilitico . Pompêo ,
Ens. Est. , T. 1.º , P. 177 , N. 5.ª—Ety . : —fructo de papa-
gáio, contracção de tarabé especie de papagaio (Martius ,
P. 530) e á fructo . - E ' tambem serra em S. Mathéus.
TREMEMBÉ : tribu , pacifica e inoffen siva, cujo Prin-
cipal ou Cacique era Tatuguaçu Tatú Grande. Vieira,
Rel. cit. Cap. 5.- Occupava a costa desde a foz do Ja-
guaribe até ao Maranhão . Eram habeis nadadores : arre-
mettiam a nado contra os tubarões com um páu agudo ,
que lhes encaixavam pela guéla a dentro, com o que os
424 REVISTA TRIMENSAL

traziam á terra e tiravam delles os dentes para flechas .


Varnhagen, Hist . cit. , T. 1 , P. 117. Tal a sua pericia em
natação que eram por isso appellidados peixes racionaes.
C. Mendes, Memorias cit. , T. 2.°, P. 190 , N. 1. , P. 444,
N. 1. e P. 468, N. 4.- Foram aldêados pelos Jesuitas
e depois transferidos para Almofala, termo do Acaracú.
A moéda de que serviam-se em suas transações era mim-
bós, novellos de fio de algodão . Barba Alardo , Memo-
ria cit. , P. 272 Hoje estão confundidos na massa da
população civilisada. Araripe cit , P. 27 - Ety. :- de
memby gaita, occe buzina . Martius , P. 530 ; de tere-
membé, em tupí, tumultuario, amotinado. B. Caetano ,
Vocab., P. 459. A' uma tribu pacifica repugna seme-
lhante ely. Prefiro : vagabundo, nome dado pelos tobaja-
ras, que habitavam as aldeas - Varnhagen cit. , P. 101 ,
Gay cit. , P. 78.
TRUÇU : serra no Inhamuns ; rio , nasce na serra do
Flamengo, termo do Saboeiro , dos riachos Quincule, A-
more, Fuel, Quinque e Areré, e despeja no Jaguaribe
abaixo do Iguatu-Ety.:-contracção de turuçú grande,
naturalmente em relação ao Truci ( que muitos chamam
e escrevem Tricy) e que deve-se traduzir por menor, rio
que nasce no Thaud e despeja no Jaguaribe.
TUBIBA : abelha pequena , preta ; tem ferrão com que
muito fere. Faz a colmêa no páu -Ety. :- corrupção
de caba vespa, abelha e iba má, allusão á mordedura.
TUCANGUÍRA (cryptaceus causticus) : formiga preta
cuja picada é muito dolorosa. G. Dias, Dic. A picada
pode produzir febre. C. de Magalhães cit. , P. 273, N.;
ou , como diz J. Pinkas cit. , P. 306 , actúa como ferro em
braza sobre a epiderme. E' do tamanho de uma caba ou
de um maribondo; tem como este um ferrão no abdomen,
cuja ferroada, além de muito dolorosa , é venenosa. Pro-
duz dôres intensas , febre , e chega mesmo a causar a
morte. Cumpre notar que a sua mordedura produz ef-
feitos aphrodisiacos , e que a união immediata dos sexos
faz cessar as dores e os seos effeitos. Anda aos pares ;
aninha-se no chão . B. Rodrigues, Emancipação dos
Mauhès, Rev. da Exp. Antrop . , 1882 , P. 10 , e Rev. do
DO INSTITUTO DO CEARÁ 425

Inst. cit., P. 67 -- Felizmente vive em isolamento, e é


encontrada com superior difficuldade. Alfredo de Frei-
tas , Estudos cit . , Cap . 4.º , P. 69 - Tem grandes mandi-
bulas ; della serviam-se os Mauhès para ensinar a for-
taleza aos mancebos cruciados com a sua mordedura.
Martius , P. 482- Ety. :- C. de Magalhães escreve tu-
candira e diz que no Sul chamão-na çaracutinga , B. Ro-
drigues tocandyra , Martius tocânguira , tocanguibura e
tucanguira, Walppous , P. 378 , tocandirá, e G. Dias como
no texto . Pela lição de B. Rodrigues pode-se explicar
-
por ferrão duro no abdomen ; da corruptéla de ti-cong
ferrão osseo , duro , e guir parte inferior , baixo—- Em B.
Caetano, Vocab. , P. 394 , encontra- se tucángi arvore de
ferir.

TUCANO (ramphestos) : ave . G. Dias , Dic. Do tama-


nho de um marrecão , singular pela grandeza deforme
do bico , curvo e dentado , que em algumas especies é 4
vezes maior do que a cabeça. E ' preto, com o papo ver-
melho e amarello ; deste se faz enfeite para senhoras .
O manto do nosso Imperador é guarnecido do arminho
do papo. Moraes cit. -Ety . : —de tuca esmurrar , bater ,
allusão á defeza de que se serve . J. Luccok cit. , P. 12 ;
de tutug bater frequente, onomatopaico : nome dado a um
tucano e passarinhos vulgo picapau ; ou antes ― de ti
bico e cang osseo : bico osseo . B. Caetano , Vocab. , P. 541
e 546 .

TUCÚM (astrocaryum tucuma) : palmeira , cujas fo-


lhas guarnecem o espique em espaços alternados e direc-
ções differentes, e fornecem fibra superior . Walppœus,
P. 221 Essa fibra ou fio preparado pelo indio com a
resina da almecega era fortissimo . J. de Alencar , Nota
ao Guarani . Della serviam- se para fazer suas redes de
pescar, para cordas de arco e outros misteres , que Porto
Alegre, Colombo , T. 2. ° , C. 29 , P. 252. resumio :-

o cacho escuro
Do cerdoso tucum, amor dos brejos ,
Linho da selva, preador dos peixes .
426 REVISTA TRIMENSAL

-- Ety.que fére, corrupção do verbo tu, tug ferir e


jú espinho, ou tucû o que se alonga- B. Caetano , Vo-
cab., P. 541 .
TUCUNDÚBA : povoações no termo de Soure , co-
marca de Maranguape, e no do Acaracú -Ety . :-logar
do tucum ; de tucúm palmeira deste nome, e tuba logar .
Martius, P. 530.

UBÁIA fructinha silvestre, pouco maior do que uma


ameixa, amarella , quando madura e um tanto azêda ,
mas gostosa - Ety. : -fructa agradavel , de uba fructa e
dia agradavel . J. de Alencar, Irac , P. 173- Pode tam-
bem ser ubaia ou uváia fructa azêda , de iba hai fructa
está azêda B. Caetano , Vocab. , P. 184 - Diz Aulete
que é fructo da ubaiamuchama !
UBAJÁRA : celebre caverna no termo da Granja ,
sobre a serra da Ibiapaba , tão profunda que ainda nin-
guem poude chegar á sua extremidade ; apenas conhe-
ce-se uma pequena área, limitada por um ribeiro , que
corre nesse vasto antro , inaccessivel aos curiosos por falta
de ar , de modo a apagarem -se as luzes ; sendo necessario ,
para depois acertar-se com a sahida , que se marque o
terreno por onde se tenha passado E' uma das maiores
cavernas de que ha noticia , inclusive a Mamouth nos Es-
tados-Unidos . Tão alta que á sua cupula não attinge um
foguete, como já se teve occasião de verificar . Diversas
pessoas tem penetrado nella e deixado no salão principal
do seo antro os seos nomes escriptos na rocha . Em 1855
escreveo o seo o Padre Manoel de Medeiros , mais tarde
Bispo de Olinda - Pompêo falla em uma mina de cobre.
nesse logar (Dic. Top. ), e em uma rica pedra preciosa
que o inglez Dixon achára na gruta (Ens. Est. , T. 1.º ,
P. 164, Nota) ; e Theberge em uma mina abundante de
prata, (Esb. cit. , Part. 1. , P. 169-0 Dr. João Francisco
de Lima , medico em Sobral , percorreu minuciosamente
a gruta, e della deixou curiosa noticia, que publicou -se
no Cearense n.° 412 de 14 de Março de 1851 ; assim como
DO INSTITUTO DO CEARÁ 427

Antonio Bizerra , na Constituição citada . - Ety. :- se-


nhor da canôa , de ubd canôa ejára senhor : nome de um
cacique que por muito tempo habitou a caverna --- Pom-
pêo Dic cit. e Ens. Est. , T. 2. ° , P. 226) e- creve Uba-
járra contra a indole da lingua (Vide Tobajára) . Já se
escreve tambem Bajara com quéda da vogal inicial .
UBATUBA : povoação no municipio da Granja , a 18
legoas da cidade - Ely. : - feitoria de vestido , de oba
vestido e tyba feitoria (fabrica ) — Frei Maranhão cit . ,
P. 80 Mas esta significação repugna a selvagens tão
estranhos , como eram os nossos . aos usos civilisados
E' preferivel : logar da canôa , de ubȧ canôa e tuba logar.
Martius , P. 531 , e Malta cit . , P. 256 .
UMARY (geoffroya sp . , L. ) : arvore leguminosa (Mar-
tius, P. 531 ) , utilissima no nosso centro , por causa do
fructo, que se come cozido , e é grande refrigerio da po-
breza como alimentação substancial , sobretudo reduzida
á gomma, que é peitoral e vermifugo . A arvore é grande ,
frondosa ; a folha miúda serve de excellente sustento ao
gado-Ainda usa-se da folha cozida para curar diarrhéa .
Pompêo , Ens . Est . , T. 1.º , P. 178 , N. 2.— No principio
do inverno verte tanta agua dos olhos que molha a terra:
o que é bom signal de inverno para os sertanejos — E'
freguezia e villa na comarca de Lavras.- Ety . : cor-
rupção de ib , uba arvore e ri correr, manar e y agua :
arvore que distilla agua .
ÚNA : rio no municipio da Granja-Ety. : - empre-
ga-se na composição em logar de pitúna negro , preto ,
escuro . Rio preto ou negro diriam os indigenas - yg ou
y'-una : nós dizemos una simplesmente, porque o yg se
acha traduzido na palavra portugueza . que se lhe acres-
centa : Rio-U'na . G. Dias , Dic . , C. de Magalhães , P. 87 .
Convém notar que este vocabulo nem sempre significa
preto , mas tambem a côr aproximada do preto . Ex.:-
Arar una arára azul ferrete : Tapanhúna cafuz , que é a
côr de azeitona ; Piraúna , que é peixe avermelhado .
Corresponde ao adjectivo niĝer , nigra , nigrum latino ,
que tambem nem sempre significa negro , mas ás vezes
a cór proximada . Ex . :-
428 REVISTA TRIMENSAL

O formose puer, nimium ne crede colori


Alba ligustra cadunt, vaccinia nigra leguntur.
(VIRGILIO, Egloga 2. ° , v . 18. )

O nigra ahi não significa negro, mas a côr do vacino ,


quando se colhe, que é a do lyrio azul ou da violeta
rôxa.

URÚ : cesto tecido da palma da carnaúba com ban-


doleira da mesma palma , para trazel-o a tiracôlo , como
os soldados as patronas , onde guarda- se um indispensa-
vel (Vide G. Dias, Dic.) - Ety.:-de yrú o que contém
ou traz, continente , cesto , caixa . B. Caetano, Vocab. ,
P. 209-- - E' tambem uma ave das nossas serras , cujo
canto parece dizer urú, donde lhe veio o nome , J. Ga-
leno, Scen. Pop. , P. 273- Em algumas provincias é
conhecida pelo nome de Capoéra . Beaurepaire Rohan ,
Gloss. cit. , P. 415 - E' ainda o nome de uma formiga
preta, pequenina, mas cuja mordedura dóe muito . Ha-
bita as arvores a que é fatal — Seo nome vem da sua
casa , do feitio de um urúsinho .
URUBU : ave conhecida . G. Dias, Dic. Nasce branco,
mas quando cresce fica preto - Temos de 3 qualidades :
preto (cathartes brasiliensis ) camiranga, ( que quer dizer
cabeça vermelha, por causa de uma carnosidade verme-
lha que tem na cabeça) e urubutinga , (cathartes papa)
que quer dizer urubú branco , que é o urubú- rei ( Moraes ,
Dic.) , não obstante o povo confundil -o impropriamente
com o preto . E' este um dos mais bellos passaros das
florestas do Brasil : o mais formoso sem duvida em côres
e plumagem ; o aspecto, porém, e os habitos são de le-
gitimo corvo. E' do tamanho de um ganso . Tem olhos
grandes e redondos ; íres de brilhante alvura ; palpebras
vermelhas ; bico como o dos urubús : comprido curvado
e de um alaranjado vivo . Abaixo do bico expande - se
uma caruncula carnosa , que cahe de um lado e d'outro ,
de côr tambem alaranjada . Desde o olho até esta carno-
sidade, a pelle núa pucha para rôxo . Acima da cabeça
ha uma parte completamente desnudada , rubra , com
pennasinhas tão pequenas e separadas que parecem pel-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 429

los. Por baixo dos olhos e do pescoço sahem carunculas


unidas e compridas, de um escuro claro e que , em forma
de arco , vão ligar-se acima da nuca, unindo -se então
n'um filete carnoso , que desce por traz do pescoço até á
base do peito. E' vermelho claro em cima, preto no meio
e amarello em baixo . As côres da cabeça são realçadas
por um fundo negro do ébano , que bem se pode chamar
a moldura. O pescoço é totalmente desnudado de pen-
nugem. A pelle parece pelle de luvas : é amarello vivo
na frente, côr que cambía insensivelmente para verme-
lho carregado . Esse pescoço nú e tão bem colorido sahe
de um collar de pennas acinzentadas , que parecem vir
das costas e se reunem no peito , a formarem novamente
uma linha de separação , que se esbate pouco acima da
barriga . O collar semelha um ornato de mulher. O resto
das pennas é branco , excepto nas extremidades das azas ,
que são pretas . Os pés são brancos . Hercules Florence
cit. , P. 376 -- Este urubú não deve só o nome de rei ás
côres brilhantes das pennas ; outra circumstancia deo
origem a appellidarem-no - rex vulturum ( rei dos abu-
tres) . Conta Alcides d'Orbigny que um bando de urubús
que em volta do corpo d'um animal desputa entre si a
posse dos pedaços que lhe arrancam, ao ver o urubú-rei
que se approxima , retiram-se à distancia de alguns pas-
sos . Fui muitas vezes testemunha deste facto , posso
affirmar que em frente de nenhuma outra ave as espe-
cies mais pequeninas dos abutres abandonam a presa ,
como fazem em frente do urubú-rei . Tão depressa o en-
chergam , por mais entretidos que estejam , todos se re-
tiram, e ao vel- o approximar- se como que o saúdam le-
vantando e abaixando alternadamente as azas e a cauda ,
Toma o urubú- rei o logar que elles lhe cedem , e todos
aguardam silenciosos que haja por bem retirar -se . Pedro
M. Posser, Maravilhas da Creação , P. 16- E ' crença
indigena que este urubú sobe além das nuvens , e que
as flechas ornadas com as suas pennas não erram o alvo ;
assim como que a supplica escripta com ditas pennas é
ouvida . O urubú branco é a bondade, o negro o mal .
S. Anna Nery , Le Pays des Amasones , P. 69 , B. Rodri-
gues, Rev. Bras . , T. 9, P. 40 , Nota . Além disto acredi-
430 REVISTA TRIMENSAL

tam tambem os indigenas que a espingarda com que se


matou um urubú negro fica inutilisada . J. Verissimo
cit , P. 62- Ety. :-ave voraz , de urú ave e uú , vu co-
-
mer Martius, P. 485 , e S. Anna Nery cit . , P. 68 ; —
comedor de carnes podres e voraz , donde seo nome de û
comer. J. Luccok, P. 12. Prefiro : iribú , de y- ré bur ou
y-né-bur o que exala fetido . B. Caetano, Vocab . , P. 558 .
URUBURETAMA : serra alta e fertil , sobre a qual
está situada a villa da Imperatriz a 18 legoas ao noroeste
da Capital Ety. - ninho de urubú . J. de Alencar ,
Irac. P. 180 ; casa de urubús. Pompêo , Dic. Top. ;-
casa de muitos urubús, corrupção de urubú-reté-taba .
Martius . P. 532.

URUCU (bixa orleana , L. ) : planta . tinta vermelha .


G. Dias, Dic., Martius , P. 95 A planta é medicinal ,
usada como tonico e como peitoral . Pompêo , Fns . Est.,
T. 1. , P. 178, N. 3-Ety. :- Parece ser i-ri-cu liquido
d'arvore ; mas attendendo-se já ao uso de pintarem os
corpos , de adubarem a comida com ella , pode ser ub rocú
pincta pernas, ou ú rocú faz tragar comida . Tambem
pode ser yu rocúi vaso ou cuia de espinho , da forma e
modo de ser do fructo ; assim como de rocui queimar
fez-se urucu vermelhão . B. Caetano , Vocab . , P. 456
e 558.

URUÇU abelha amarella escura ( Pompêo , Ens . Est .


T. 1 .. P. 219) , do tamanho da jandaira ; faz a colmêa
no chão e produz inuito e bom mel - Ety. : - corruptéla
de eira abelha e uçú grande , por causa do mel grosso ,
espesso , abundante, que dá esta abelha . B. Caetano ,
Vocab.. P. 176 e 559- J. de Deus , Dic . Pros. e Moraes
escrevem oruçú , e diz esta que é uma abelha parda ou
negra, mais brava que a jatahi !

URUPÉMA : peneira para escorrer a maniva , a massa


humida da mandióca, ou para peneirar milho , feijão ,
-
arroz , etc. Havia outras feitas de canna braba (uba)
inais largas, maiores e fortes, de feição de esteira que ,
em vez de gelozias e portas , tapavam as janellas e por-
tas das casas pobres- Ety . :-tecido de uru , de uru pa-
DO INSTITUTO DO CEARÁ 431

lha de que se faz este objecto , e pema tecido , crivo de


urú- Moraes , Dic. e Braz Rubim cit. , P. 290 - Melhor :
cesto chato , de irú cesto e peb chato : peneira , crivo .
B. Caetano , Vocab. , P. 210. Moraes escreve urupema
ou urupemba , e G. Dias , Dic . , gorupema , urupema ou
urupemba. Nós chamamos indistinctamente urupema
ou urupemba.

XARA : a pessoa que tem o mesmo nome que nós ;


o nosso homonynno . Meu ou minha card. Tratamen-
to muito usado, principalmente entre mulheres . — Ety . :
- de xhê-xê meu , minha, e têra nome , com a substi-
tuição ou mudança do t em r , como é natural no tupi ,
fez-se xẻ-rêra o meo nome , o nome de mim, por cor-
rupção xêra , como se diz no Pará , e xará como usa-
mos . (J. Verissimo , P. 54. Entre nós ouve- se mais Xa-
rapim .

XEXEO (cassicus) : passarinho preto , do papo encar-


nado e bico branco . De madrugada já começa a cantar .
Como o Tordo dos Remedios ( turdus polyglotus) dos
norte-americanos , tem a habilidade de arremedar e imi-
tar a voz de todos os mais passaros , que afinal corrom-
pem o canto , continuando a ouvil -o -Ety . : -seo nome
é onomatopaico ; vem de seo canto , que parece dizer
exactamente xexéo .

n XIXÁ (jiluantea emetica ?) : arvore e fructo . Arvore


linheira, de folhas curtas e dentadas ; cresce e engrossa
muito. Deita um fructo, como uma amendoa que se come;
mas a flôr exála um cheiro fetido insupportavel , seme-
lhante ao das fezes escrementicias- Ety. : - fructo re-
pulsivo de xi ou chi interjeição Olá ! servindo para
chamar, ameaçar e renegar , e uá fructo . Mudou -se o
u em por euphonia . C. Aulete e G. Dias. , verbo Tam-
bóra, escrevem xixi, nome d'arvore.
432 REVISTA TRIMENSAL

Z: (Vide Nota no fim) .


ZABELE (crypturus noctivagus) : especie de nambú,
porém maior, do tamanho de uma franga ; corpo aver-
melhado , e pés vermelhos - Vive em terra mariscando
com as gallinhas domesticas. Walppous , P. 331- Bôa
caça .
Entre as volateis caças mais mimosa,
A Zabelê, que os francolins imita.
E ' de carne suave , deliciosa ,
Que ao tapúia voraz a gula incita.

(DURÃO , Caramurú, C. 7 , E. 61. )

Tem o canto saudoso-Ety.:-seo nome é onomatopaico ;


vem do seo canto, que parece dizer zabelé. Faria, Dic. ,
escreve Zabelez !
CORRIGENDA

PAGINAS LINHAS
59 16 - Onde lê-se - confiárão o Governo e
responsabilidade a Deus - leia-se :
confiário o Governo, logo nos revis-
timos da obrigação e responsabili-
dade a Deus ,
59 22 a 23 · Onde lê-se-a custa da propria vida
pela Patria- leia-se : á custa da pro-
pria vida, sacrificar a vida pela Pa-
tria,
59 23 Onde lê- se- ha a maior de todas as
venturas ― leia-se : hé a maior de
todas as venturas ,
74 4 Onde lê-se-Illm . Sr. - leia-se : Illm .
e Exm . Sr.
83 8 — Onde lê-se- anno presente de 1885
-
leia-se : anno presente de 1795.
113 4 - da nota 2.ª - Onde lê-se - em 25
de Maio - leia-se em 15 de Maio
114 13 - - Onde lê -se - para a parte mais co-
veniente (doc . 28) - leia-se : para a
parte mais conveniente (doc . 21) .
114 22 - Onde lê-se - Em 2 de Abril -leia-se:
Em o primeiro de Abril
115 13- Onde lê-se- incovenientes- leia- se:
inconvenientes
116 14 - · da nota 4.ª— Onde lê- se— O meu il-
lustre professor e Exm. Sr. Conse-
lheiro Araripe - leia-se : O meu il-
lustre professor e o Exm. Sr. Conse-
lheiro Araripe
119 A nota 6. acha-se nesta pagina
quando devia estar á pagina 120 .
II

PAGINAS LINHAS
120 A nota 6. que devia estar nesta pa-
gina acha-se à pagina 119 .
120 3 da nota 8. Onde lê-se - confir-
mada em 1821 - leia-se : confirmada
em 1721 .
120 - A nota 9. que lê-se nesta pagina
devia estar na pagina 121 .
ས་

121 A nota 9. que devia estar nesta pa-


gina acha-se na 120.
$

8 - Onde lê-se por qrprte do fiouuo-


leia-se por parte do pouuo


170 7 - Onde lê-se do cappitam major -
leia-se do ditto cappitam major
NOTA

Os indigenas não conheciam todas as letras do nosso


alphabeto , e de algumas do seo conhecimento não se
serviam como nós.
O facto chegou a dar prigem a verdadeiras extrava-
gancias.
Faltavam-lhes o F, Le R, diz G. Soares, porque não
tinhão nem fẻ, nem lei, nem rei . Tratado Descriptivo do
Brasil, Part. 2. , Cap. 150. O que, acrescenta o Padre
Simão de Vasconcellos , me faz duvidar da sua salvação ,
porque isso me indica não serem capazes de terem nem
fé,nem lei, nem rei ! Noticias Curiosas do Brasil, P. 21 .
Ou de viverem sem fé, nem lẻ, nem rẻ, como se pro-
nunciava. G. Dias, Bras. e Ocean. na Rev. do Inst.,
1867 , P. 96 , N. 127.
Mas basta ligeira reflexão para mostrar que valor se
deve dar á tão extravagante opinião , como si os Tupis
devessem ter palavras portuguezas ou que os vocabulos
dos dous idiómas, correspondentes áquellas ideias , de-
vessem de necessidade começar pelas mesmas iniciaes ,
ou que enfim podessem existir homens sem religião ,
sociedades sem leis e guerreiros sem chefes ! G. Dias
cit., P. 136 .
Era preciso que as primeiras palavras da infancia fos-
sem por todo universo as mesmas, afim de entrever-se
resquicio de uma lingua universal ; não se póde , por tanto ,
pretender que os Brasís não tivessem nem Deus , nem Lei
nem Rei , pelo facto de terem de menos algumas letras do
alphabeto, quando nada disto lhes faltava, como se vê
em Tupd Deus, Teco Lei , Tubichába Chefe . Malta cit. ,
P. 243.
Sobreleva que ao alphabeto indigena não faltava o r;
o que elle não tinha era o r forte como o nosso : o indigena
pronunciava-o brando como no verbo portuguez querer.
B. Caetano, Ens . de Scien. , T. 2.º , P. 119 , C. de Ma-
galhães , P. 14 , G. Dias , Bras. e Ocean. Obr. Posth.
II

T. 7 , P. 121 e 171 , Macedo , Liç. de Hist . do Bras . , P.


561 , e Faria, Comp. da Ling. Bras. , P. 2."
O que os indigenas não conheciam em absoluto era
o s, pela simples rasão de repugnar á lingua o sibillo
que lhe é proprio. Em vez delle usavam do c cedilhado .
B. Caetano, Vocabulario, G. Dias, Dic . Tup. , C. de Ma-
galhaes cit. , P. 14, e Faria cit. , P. 2. Mas , não obstante,
sendo geralmente admettido e por autoridades do valor
de Martius e outros, entendi que não devia repellir o uso
ceitação até official; e por isto o adoptei tambem .
com
Pela mesma rasão não fazião o plural , como nós , com
o acrescentamento do s, mas sim da particula etá . Ex:
Apyába homem, Apyabaeta homens . A dicção plural
com s em algumas palavras já é corrupção portugueza,
éomo em Apujares, Aquigiros, Inhamuns , etc.
Igualmente não tinhão o z , que era substituido pelo
e cedilhado , como assevera Anchieta, citado por Sou-
è
they, Hist. do Bras., T. 1. °, P. 320. O uso tambem o
tem admittido , mas em rarissimas palavras. Entre nós
so conheço Zabele, orthographia e dicção mais communs.
Outra particularidade desta lingua : não dóbra con-
soante alguma, nem mesmo nella encontrão- se origi-
nariamente duas consoantes , ou duas letras liquidas ou
mutuas. G. Dias , Dic. Tup. , verbo Bra, Faria , P. 2. ",
in fine. Alguma excepção é méra corruptéla portugueza ,
pela figura cráse ou metathese .
Ainda uma observação , que não encontrei em autor
algum, mas que o estudo me fez recolher como exacta .
Sempre que o - i - final significar agua, ou cousa que
o valha, deve ser substituido por y ; porque no tupí é
guarani esta letra ou o
o— são as significativas de liqui-
dos. Ao contrario , deve-se escrever com i final ( com as-
sento ou sem elle) todo vocabulo que não envolver ideia
de agua. Ex.: Taquari taquára fina ou taquarí , Ta-
quary rio da taquára.
Esta orthographia não só me parece philologica , como
tem a vantagem incontestavel de definir bem os voca-
bulos , distinguindo - os.

O Autor.
INDICE DAS MATERIAS

PAG.
RELAÇÃO NOMINAL dos Socios do "Instituto do Ceará" 3
MEZA ADMINISTRATIVA do "Instituto do Ceará ".
ACTA da Sessão do " Instituto do Ceará" de 14 de
Março de 1887 ( Installação) . . . 3
ESTATUTOS do "Instituto do Ceará" . 9
VIDA de Antonio Rodrigues Ferreira . 13
TESTAMENTO de Antonio Rodrigues Ferreira. 53
MEMORIA do Padre Vicente José Pereira, 57 e 75
NOVAS Canções Populares . • 65
COPIAS de Officios trocados entre a Presidencia da
Provincia e o " Instituto " . 73
REGISTRO DE MEMORIA dos Primeiros Estabeleci- ta
mentos , Factos e Casos raros acontecidos nesta
Villa da Santa Cruz do Aracaty, feito segundo a
Ordem de S. M. de 27 de Julho de 1782 pelo
Vereador Manoel Esteves de Almeida , desde a
Fundação da dita Villa até o anno presente de
1795 83
FAZE O BEM, não cates a quem 87
ORIGENS AMERICANAS , Immigrações Prehistoricas . 92
A PRIMEIRA VILLA da Provincia, Notas para a His-
toria do Ceará · 103
OS DOUS IMPERADORES , Revolução do Mexico . 204
VOCABULARIO INDIGENA em Uso na Provincia do Ceará ,
com explicações Etymologicas, Orthographicas .
Topographicas, Historicas, Therapeuticas , etc. • 209
NOTA . 433
ALD
ALF Collections Vault

3 0000 113 921 518

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