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O FORMIDÁVEL (DAS UNGEHEUER) EM LAVOURA ARCAICA, DE RADUAN

NASSAR:
O motivo “a volta ao lar” e o romântico alemão

FERREIRA, Rafael Dias


FORNOS, José Luís Giovanoni
rafael.dias.ferreira@hotmail.com

Evento: XVII Encontro de Pós-Graduação


Área do conhecimento: Literatura Brasileira

Palavras-chave: Raduan Nassar; Lavoura arcaica; o formidável (das Ungeheuer).

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho investiga o romance Lavoura arcaica, de Raduan Nassar


([1975]). Dividido em duas partes, “A partida” e “O retorno”, seu tema adquire
expressão exemplar na parábola bíblica “O filho pródigo” (Lc, 15:11-32). O ponto a
ser desenvolvido, portanto, é o estudo da relação entre o motivo “a volta ao lar” e o
formidável (das Ungeheuer), em suas acepções próprias, presentes nas tradições
literária, filosófica e religiosa do romantismo alemão. Para tanto, parte-se de
distinção, cara ao comentador Rüdiger Safranski (2010), entre Romantismo e
romântico (Romantik/romantisch):

Neste livro trata-se do Romantismo e do romântico. O Romantismo é uma


época. O romântico é uma postura de espírito que não está limitada a um
tempo. Ela encontrou no Romantismo a sua expressão mais pura, mas o
romântico existe até hoje. Ele não é apenas um fenômeno alemão, mas
encontrou na Alemanha uma expressão especial, de tamanho âmbito que
no exterior às vezes se identifica a cultura alemã com o Romantismo e o
romântico (16).

“A volta ao lar”, no romântico alemão, tem sua origem vertida por Hölderlin,
para a Antígona, de Sófocles, o qual traduz δεινός ((A) deinós; (B) deinos; (C) deinos
(δεινός / δεινός / δεινός / ΔΕΙΝΟΣ)) por unheimlich, na célebre passagem: “Há muitas
coisas formidáveis no mundo, mas não há nada mais formidável do que o homem.”
Posteriormente, o adjetivo, cujo sinônimo é ungeheuer, dá lugar a um conceito
substantivado independente (das Ungeheuer).

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A teoria parte de Fichte e o desejo romântico de vir a ser um eu. Com efeito,
Fichte expõe uma radicalização do objeto do conhecimento como é em si mesmo —
a coisa em si (das Ding an sich), em Kant —, contrastando com a imagem parcial
captada pelos sentidos, a cognição limitada do intelecto humano, não a partir da
negação de um mundo exterior, em um solipsismo absoluto da existência do eu e
suas impressões, que descartam os outros entes (seres humanos e objetos),
enquanto partícipes da única mente pensante, mas da contradição de pensar um
não eu a partir de um eu.
3 MATERIAIS E MÉTODOS (ou PROCEDIMENTO METODOLÓGICO)

O método de pesquisa é conduzido pela complementação filológica do


pormenor, permitida pela prática da ciência da interpretação, a hermenêutica, sob o
nome de exegese,1 advinda do verbo grego que significa “eu conduzo, guio, explico,
interpreto”.2 Assim, o trabalho filológico pode ser encerrado, do ponto de vista
histórico, à medida que o método exaure as possibilidades de firmação do texto;
contudo, nessa perspectiva, o significado absoluto de uma palavra ou de uma
expressão não pode ser atingido, dado que sempre abre novas possibilidades de
interpretação.

4 RESULTADOS e DISCUSSÃO

O conceito o formidável3 adquiriu traduções diversas em português. Tais


acomodações são respeitadas na citação direta. Assim, o Inaudito, o monstruoso, o
infinito, o horror, etc. permanecem, exceto no corpo do texto, no qual é empregada a
tradução de Samuel Titan Jr.: o formidável, semanticamente mais próxima da ideia
da realidade como eminentemente terrível.
A tentativa de vincular Raduan Nassar ao Romantismo e ao romântico
reconhece as definições extensivas desses termos, isto é, para além do problema
periódico do Romantismo histórico e da liberdade da tradição alemã em atribuir a
diferentes objetos — estéticos ou não — o caráter extemporâneo de romântico. De
fato, como reconhecido por Safranski, no excerto acima, sua importância transcende
o mundo germânico; logo, o exotismo do recorte epistemológico visa a corresponder
ao também mirabolante assunto de Lavoura arcaica.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Almeja-se, com esta pesquisa, avaliar Lavoura arcaica no quadro da


literatura nacional. Para tanto, admite-se o posicionamento crítico e a aplicação de
considerações teóricas sobre o romance de Raduan Nassar, assim como a tentativa
de desvelar seus vínculos com os demais autores definidos no corpus, ou seja, o
diálogo de sua narrativa com as fontes do romantismo alemão.

REFERÊNCIAS

NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. [3.ª edição revista pelo autor; 22.ª reimpressão.]
São Paulo: Companhia das Letras, 2006 [1975, 1982, 1989].

SAFRANSKI, Rüdiger. Romantismo: uma questão alemã [Romantik: Eine deutsche


Affäre]. [Tradução e notas | Rita Rios] São Paulo: Estação Liberdade, 2010
[Carl Hanser Verlag, 2007].

1
Gr. (A) exḗgēsis; (B); exēgēsis; (C) eksigisis) (ἐξήγησις / ἐξήγησις / εξήγησις / ΕΞΗΓΗΣΙΣ).
2
Gr. (A) exēgéomai; (B) exēgeomai; (C) eksigeomai (ἐξηγέομαι / ἐξηγέομαι / εξηγέομαι /
ΕΞΗΓΕΟΜΑΙ).
3
Ungeheuer, em alemão, significa “monstro”, mas também o extraordinário, o incomum, o ingente.
Lya Luft, por exemplo, opta por “inaudito”, por adequação ao emprego que lhe impõe Nietzsche.

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