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CONSIDERAÇÕES SOBRE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO CONVENCIONAIS E NÃO


CONVENCIONAIS

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Normando P. Barbosa
Universidade Federal da Paraíba
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CONSIDERAÇÕES SOBRE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
CONVENCIONAIS E NÃO CONVENCIONAIS

Normando Perazzo Barbosa

Professor Titular, Doutor, do Departamento de Tecnologia da Construção Civil


Centro de Tecnologia, Universidade de Federal da Paraíba
Cidade Universitária
58059-900 João Pessoa – PB
email: nperazzo@lsr.ct.ufpb.br

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA


Introdução

A arte de construir é uma atividade relativamente recente na história da


humanidade [1]. De fato, o homem já era capaz de fazer jóias, pinturas, artefatos de
caça e pesca, quando há cerca de 10 mil anos, com o advento da agricultura, sentiu
necessidade de construir suas moradas para aguardar as colheitas. A partir daí foram
surgindo as primeiras aglomerações humanas que deram origem às cidades.
Evidentemente, os primeiros materiais de construção utilizados foram aqueles ofertados
pela natureza como pedra, palha, galhos e troncos de árvores (Figura 1) e, sem dúvida,
a terra.

Figura 1 – Casa dos primórdios da humanidade (de [2])

Com esses materiais o Homem foi capaz de produzir belíssimas obras de


engenharia, como são testemunhos as magníficas pirâmides do Egito, os palácios da
Pérsia e da Babilônia, as imensas catedrais, castelos e mosteiros medievais e tantos
outros monumentos fantásticos erguidos pelas civilizações da história antiga da
humanidade. Ainda hoje se pode ver obras construídas pelos romanos que desafiam
não as décadas nem aos séculos, senão aos próprios milênios (Figura 2), feitas numa
época em que não se conhecia o aço nem o alumínio, nem tão pouco o cimento
portland.

Figura 2 - Aqueduto de Garda e Panteon Romano, símbolos de construções duráveis

1
A terra ainda hoje abriga quase um terço da humanidade [2] e em paises
asiáticos, africanos e do oriente médio existem ainda muitíssimas urbes construídas
quase que inteiramente com esse material. Inúmeras cidades do interior do Iran são um
verdadeiro tributo à terra crua como material de construção (Figura 3).

Figura 3 – Vistas das cidades de Yazd e de Bam, Iran, construídos em terra.

No Iraque, antiga Mesopotânia, um dos berços da civilização, grande parte desse


patrimônio arquitetônico milenar foi vergonhosamente destruído por dezenas de
milhares de bombas lançadas por homens monstruosos, que constituem a cúpula
dirigente do país mais poderoso e violento do mundo. Julgando-se acima do bem e do
mal, de pouca cultura, acham-se no direito de invadir e destruir uma riquíssima
civilização para se apoderar das riquezas locais. Tudo isto contanto com a silenciosa
conivência dos demais governos do mundo, que temendo represálias sejam militares
sejam econômicas, não tiveram a dignidade de se contrapor à matança e destruição de
um povo e de sua arquitetura milenar.

No Brasil, muitas construções com terra foram feitas antes do aparecimento dos
materiais industrializados, e representam ainda um notável patrimônio, sobretudo em
cidades no que tiveram seu apogeu nos tempos coloniais como Mariana, Ouro Preto e
tantas outras (Figura 4).

Figura 4 – Construção de terra crua em Goiás Velho, Go

2
Com a revolução industrial, no século dezessete, começaram a aparecer os
materiais de construção que hoje são implicitamente conhecidos como materiais de
construção convencionais, ou industrializados. Bilhões e bilhões de dólares são gastos
em publicidade que tem conseguido incutir nas pessoas a idéia de consumi-los (Figura
5). Embora muitas vezes a construção industrializada apresente sofrível desempenho
do ponto de vista do conforto interior, as pessoas preferem-na porque a propaganda
está a lhes dizer que ela é que é boa. Ter a casa feita com tijolos cozidos, cerâmicas,
aço, concreto, passou a ser símbolo de modernidade e sinal de status!

Figura 5 – Incentivo ao consumo dos materiais de construção industrializados

Todos os cursos de Engenharia e Arquitetura têm na sua grade curricular as


cadeiras de Materiais de Construção nas quais quase que unicamente são
apresentados os produtos industrializados: o cimento, o concreto, o aço, o alumínio, as
cerâmicas, isto desde o século dezenove! Pouquíssimas fazem referencia ao bambu,
por exemplo, ou mesmo a terra crua como material construtivo!

A maciça propaganda e a difusão dos materiais industrializados teve como


conseqüência o desprezo, o esquecimento e o abandono de técnicas e materiais
tradicionais pelas camadas mais abastadas da população. Elas ficaram relegadas aos
estratos mais carentes que têm dificuldade na transferência e perpetuação das antigas
tecnologias. Aconteceu então o que se chama de perda de tecnologia! Décadas atrás
era possível se encontrar taipeiros de qualidade. Conheciam a técnica da fabricação de
paredes de taipa, sabendo distinguir a terra adequada, a quantidade de água a ser
posta e como proceder para um bom acabamento final. Hoje, as construções que
pessoas carentes de tudo fazem nas periferias das cidades e na zona rural, de péssimo
aspecto estético e funcional (Figura 6), levou a população em geral a associar o
material à pobreza. Isto, no entanto, deve ser desfeito, como se verá a seguir, em
benefício do futuro da própria humanidade!

3
Figura 6 - Casas de terra no Nordeste brasileiro: símbolo de tecnologia perdida

Particularidades dos materiais industrializados

Não há dúvida que com os materiais industrializados podem-se ser feitas


construções fantásticas, muitas vezes impossíveis de serem feitas com os materiais
tradicionais. No entanto, eles apresentam certas características que merecem ser
citadas e analisadas para dar motivos à meditação.

Emissão de gás carbônico e de outros poluentes

No processo de fabricação os materiais industrializados consomem oxigênio e


liberam CO2 e muitos outros poluentes responsáveis por chuvas acidas que danificam
severamente a natureza (Figura 7), e pelo chamado efeito estufa que lentamente está
aquecendo a Terra.

Figura 7 - Industrialização excessiva causa danos à Natureza (de [3])

4
Em abril de 2004 foi noticiado na imprensa que modificações genéticas foram
observadas em plantas sensíveis às mudanças ambientas em pleno Parque Ibirapuera,
em São Paulo, megalópole já sufocada pela poluição, tanto industrial quanto social.

O teor de gás carbônico na atmosfera tem crescido fortemente nas ultimas


décadas, por conta da industrialização exagerada que tem tido lugar no Planeta. O CO2
é um dos principais causadores do aumento do efeito estufa, que simplificadamente é
mostrado na Figura 8. Em atmosfera com baixo teor de CO2 grande parte da radiação
infravermelha que a Terra recebe do sol é refletida de volta ao Cosmos. Numa
atmosfera com muito gás carbônico, parte dessa radiação é refletida de volta a Terra.
No meio rural, longe de industrias, a percentagem de CO2 não passa de 0,1-0,2 %. Nos
grandes centros urbanos ela pode chegar até a mais de 1%. Em termos globais o que
se esta verificando é o aquecimento gradativo do Planeta (Figura 9 ) diretamente ligado
ao aumento da concentração de CO2 na atmosfera terrestre. A continuar neste ritmo,
corre-se o risco de as geleiras nos pólos se fundirem. O nível do mar pode aumentar
ate cerca de 80m (Figura 10) pondo em risco as populações costeiras e gerando um
total desequilíbrio natural. Note-se que o fenômeno já começou. Neves eternas nos
Alpes, por exemplo, tem perdido massa ao longo dos últimos anos. O mesmo pode ser
dito das imensas geleiras da Antártida. A flora e a fauna marinha já estão sentindo o
efeito. Destruição de corais por conta do aumento ainda que leve da temperatura da
água do mar já tem sido percebida. É, pois imperativo que o processo de emissão de
CO2 seja controlado! Tudo que se puder fazer para minimizá-lo será benéfico para o
futuro da humanidade.

Figura 8 - O efeito estufa (de [4])

5
Figura 9 – Aumento da temperatura media da Terra com o aumento da concentração de
CO2 na atmosfera (de [4])

Figura 10 – Consequência de fusão das geleiras

O aquecimento da atmosfera esta aumentando os desequilíbrios climáticos cujas


conseqüências são cada vez mais danosas (Figura 11), tendo em vista o aumento de
população do mundo, sobretudo a mais pobre. Fenômenos naturais como chuvas
fortes, inundações, ventos intensos, variações de temperatura, têm aumentado a
freqüência e a intensidade. Temperaturas recordes atingiram a Europa no verão de
2002, matando centenas de idosos não habituados a tais níveis de temperatura. Em
2004, em Fortaleza, caiu uma chuva (mais de 200 mm em um dia) cujo tempo de
recorrência seria de 250 anos! Também em 2004 um ciclone atingiu as costas de Santa
Catarina, fenômeno nunca antes observado!
A fabricação de cimento portland é um dos maiores emissores de CO2 na
atmosfera. Esta emissão é implícita ao seu processo de fabricação. Muito
resumidamente o cimento portland vem da calcinação de argila com calcário (carbonato
de cálcio). Durante essa queima, ocorre a descarbonatação do calcário segundo a
reação:
CaCO3 + calor => CaO + CO2

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Figura 11- Desequilíbrios atmosféricos causando catástrofes

Então, considerando-se a imensa produção de cimento portland no mundo atual


(só no Brasil em 2001 foram consumidas quase 40 milhões de toneladas!), vê-se a
fantástica quantidade de gás carbônico que é lançada na atmosfera por um único
produto industrial!

Consumo de energia

Os materiais industrializados exigem enormes quantidades de energia no seu


processo de fabricação e manuseio. Para se produzir aço, por exemplo, é preciso
chegar-se a temperaturas por volta de 1800 oC. Calcula-se que a energia envolvida na
produção de um simples vergalhão de 12,5 mm seja da ordem de 80 kWh, consumo de
uma família modesta. O alumínio exige por volta de 20 vezes mais! Para extrair esse
metal, no Maranhão, há uma hidroelétrica construída unicamente para abastecer uma
fábrica de Alumínio! Um saco de cimento de 50 kgf envolve aproximadamente 55 kWh!
A temperatura nos fornos (Figura 12) chega a 1450oC. Para se produzir azulejos e
revestimentos cerâmicos são exigidos possantes equipamentos para moagem,
prensagem e queima dos materiais. Esta tem lugar a temperaturas até superiores a
1200 oC! Assim, se for levada em conta a enorme quantidade destes materiais
produzidos no mundo moderno, (a produção de aço esta por volta de 800 milhões de
toneladas anuais) pode-se ter uma idéia do consumo desenfreado de energia exigido
para a fabricação dos materiais industrializados.

Compare-se agora estes níveis de energia com aqueles exigidos para uma
construção de tijolos de barro cru, sem cozimento, tão usado pelas civilizações egípcias
e mesmo no Brasil colonial, ou com os de uma construção feita com colmos de bambu
(Figura 13), ofertados pela própria Natureza, cuja energia para sua produção foi
unicamente a fornecida do astro rei!

7
Figura 12 – Fabricação de aço, forno de fábrica de cimento portland

Figura 13- Construções e baixíssimo consumo energético (à direita projeto do arquiteto


colombiano Simon Velles)

Geração de resíduos

A fabricação dos materiais de construção convencionais produz inúmeros


resíduos em volumes por vezes espantosos. Tome-se como exemplo a fabricação de
aço. A quantidade de escoria que resulta do processo é qualquer coisa de
extraordinária. Parte dela já é reaproveitada na industria do cimento, o que é muito
benéfico, porém nem toda ela é reaproveitada. Sobram ainda volumes consideráveis!

A Figura 14 mostra uma industria cerâmica vermelha no Nordeste Brasileiro.


Sem tecnologia avançada, considerável volume do produto é descartada no próprio
processo de fabricação: muitas peças se quebram antes da comercialização e a
deposição desses resíduos torna-se um problema ambiental.

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Figura 14 – Resíduos gerados na fabricação de cerâmica vermelha

Os métodos construtivos com os materiais industrializados produzem enormes


quantidades de entulhos (restos de construção), difíceis de serem reincorporados na
Natureza. Muitas vezes eles são dispostos irregularmente em terrenos baldios, aterros
clandestinos, ao longo de vias e praças publicas (Figura 15), e mesmo em margens de
rios urbanos. Estes têm suas calhas diminuídas e, quando das chuvas fortes, a água
sem ter para onde ir, vai visitar, sem pedir licença, a casa das populações ribeirinhas,
inundado-as e destruindo o pouco que possuem. O entulho permite a proliferação de
ratos e insetos danosos ao Homem, aumentando a incidência de inúmeros tipos de
doenças que afetam principalmente as populações pobres, aumentado-lhes o drama da
sobrevivência.

Erro!

Figura 15 – Deposição irregular de entulhos de materiais de construção convencionais

Outros problemas ambientais

Torne-se às industrias de cerâmica do Nordeste. A fabricação de telhas e tijolos


exige energia para calcinar as argilas. A energia mais barata na região é a que usa a

9
vegetação local, e, tendo em vista o volume de lenha consumido nas olarias, vê-se que
elas estão contribuindo para o triste fenômeno da desertificação constatado no interior
nordestino (Figura 16).

Figura 16 – Problemas gerados pelo uso da vegetação local como combustível


em indústrias cerâmicas no Nordeste Brasileiro

Necessidade de sistemas complexos e concentrados de produção e de mão de obra


especializada na fabricação e na aplicação

A fabricação dos materiais industrializados é feita de modo centralizado, em


complexos que reduzem cada vez mais a participação da mão de obra, substituída pela
robotica, pela informatica e e mais ainda pela indiferença humana.

A aplicação dos materiais de construção convencionais não se faz sem o


emprego de trabalhadores devidamente treinados para tal (Figura 17). A formação
dessa mão de obra é mais complexa de que aquela na qual se usam materiais mais
simples. Assim o paradoxo continua: muitos desempregados, sem acesso a
treinamento, não conseguem trabalhar com os materiais convencionais!

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Figura 17 - Mão de obra especializada para aplicação dos materiais convencionais

Custo elevado

Muitos dos materiais industrializados são hoje em dia fabricados por cartéis
globalizados que combinam, impõem e aumentam continuamente preços aos
consumidores. Assim, as industrias do cimento, do aço, do aluminio, das tintas, adotam
mecanismos que conduzam ao lucro maximo, pouco importando se considerável
parcela da população local não pode adquiri-los. Os precos nem sempre estão ligados
ao custo, mas sim a quanto de lucro podem gerar. Assim, as fábricas preferem vender
menos a maior preço que vender mais a menor preço, indiferentemente ao meio onde
estão inseridas. Contrariamente, pequenos produtores de materiais de construção
locais não conseguem repassar muitas vezes sequer seus custos de produção aos
preços! Está-se, pois, em um sistema tentacular que suga injustamente o fruto do
trabalho das pessoas e contribui para a absurda transferência de renda da maioria da
população para os gigantescos grupos industriais e financeiros, sob os quais nem os
governos centrais têm mais controle. São eles que ditam as regras, iludindo
perversamente as populações com a manipulada idéia de liberdade de mercado.

Tudo isto traz como conseqüência a crescente favelizacao das cidades (Figura
18), sobretudo nos hoje hipocritamente chamados países emergentes, para esconder
sua real condição de sub-desenvolvidos, alguns deles condenados a esta eterna
condição. Como os materiais de construção industrializados custam caro, as
populações excluidas por um sistema econômico que favorece alguns em detrimentos
da imensa maioria procuram se abrigar de qualquer forma, como se vê na Figura 19.
Essas más condições de habitação e falta de infraestrutura básica conduzem a
gravíssimos problemas de saúde pública. A OMS calcula que na América Latina há 24
milhões de infectados com a doença de Chagas, provocada pelo protozoário
Tripanosoma Cruzi , mal que se transmite pelo sangue causa lesões cardíacas e cujo
vetor é o inseto conhecido como Barbeiro, no Brasil Vinchuca, na Argentina e Chile
Pitos, na Colômbia, Chipos, na Venezuela. Ele encontra abrigo nos orifícios e vazios
das paredes dessas sub-habitações e continua sendo uma realidade (Figura 20). No
entanto, ao contrário da AIDS que ataca sem perdão pobres e ricos, como o mal de

11
Chagas afeta às pessoas sem dinheiro, pouca ou nenhuma importância é dada à
doença que, perfeitamente evitável, continua a minar a precária saúde dos deserdados
povos latino-americanos.

Figura 18 – Materiais de construção caros: favelização das cidades

Figura 19 – Sub-habitações de pessoas à margem da sociedade moderna

Figura 20 – Mal de Chagas ainda presente no Brasil

Assim, numa enorme e absurda contradição, apesar da imensa produção de


materiais de construção industrializados, a humanidade chegou ao novo milênio com
um deficit aproximado de 600 milhões de moradias (Figura 21).

Figura 21 – Contradição: imensa produção de materiais de construção industrializados


e milhões de pessoas sem direito à casa

12
Não bastasse essa gritante falta de moradias para grande parcela da população
mundial, parte significativa das que existem têm sido continuamente destruidas pela
ação de governos dominados pelo ódio, como é o caso do instaldo no Estado de Israel,
que bombardeia sem cessar as residências dos Palestinos, aumentando-lhes o deficit
habitacional. Armas com as últimas tecnologias são empregadas nessa destruição das
moradias de um povo que, numa gritante desigualdade, defende-se quase sempre com
as ancestrais pedras!

A insensatez não tem fim e bilhões e bilhões de dólares têm sido gastos para
demolição de casas, muitas delas centenárias, em países invadidos como o Iraque e o
Afeganistão. O dinheiro gasto para destruir e tomar a antiga Mesopotânia já seria
suficiente para eliminar praticamente toda a carência de moradia no chamado terceiro
mundo. Bombas moderníssimas têm sido usada na destruição de casas (Figura 22),
hospitais, prédios públicos muitos dos quais, verdadeiros patrimônios arquitetônicos da
humanidade, construidos com materiais tradicionais, como a terra.

Figura 22 – Bombas usadas para destruição de casas e disseminação do sofrimento

Se por um lado quase dois bilhões de seres humanos têm necessidade de uma
casa digna, algumas centenas de milhares de pessoas, que certamente fazem parte de
cúpula que dirige propositada e egoisticamente o mundo atual, têm suas habitações
fora de qualquer realidade relativa ao discernimento do espírito humano. Possuem
casas que de tão grandes (Figura 23) são impossíveis de terem seus cômodos visitados
pelo proprietário ao longo de sua ilusória existência. Assim, não é de admirar que
nesse mundo injusto no qual uns são mais iguais do que os outros, surjam os Bin Laden
e as bombas humanas, rotulados de terroristas porque golpeiam os que representam a
injustiça, ao passo que a matança oficial é justificada em nome liberdade. Que
liberdade? A de escolherem entre Coca Cola e Pepsi Cola? A de serem pobres, e de
serem explorados ? E a liberdade do direito a casa? Esta continua a não existir! Na
realidade o terrorismo está sendo alimentado pela ganância de parcela da população
que detém as riquezas mundiais e não querem reparti-las. Sem o menor discernimento,
tornam-se eles próprios os terroristas oficiais, mas alguns, de tão néscios, são
incapazes de se reconhecer como tal (Figura 24).

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Figura 23 - Casas milionárias: desafio ao bom senso humano

Figura 24 – Instrumento do terrorismo de estado

O reabilitação dos materiais tradicionais

Foi após a segunda guerra mundial que a Terra apresentou um maior


crescimento industrial. Até final dos anos 60 essa industrialização era baseada na
energia relativamente barata, pouca preocupação se tinha com o meio ambiente e com
a economia energética. Quando o Estado de Israel resolveu invadir terras onde se
encontravam os palestinos acirrando a disputa desigual pela sua propriedade, as
guerras com Egito e outros paises árabes produtores de petróleo tiveram como
consequência um aumento significativo desse material indispensável ao mundo
industrializado. Teve fim a era da energia barata! Começou também a percepção de
que os recursos energéticos do planeta não eram inesgotáveis. Foram surgindo os
movimentos ecológicos, e a idéia de preservação dos recursos naturais. No ramo da
arquitetura e da engenharia já apareceram pessoas pensando em voltar a utilizar
materiais e tecnologias tradicionais que envolvessem menos energia e contribuissem
para a preservação da Terra. Pouco a pouco essas ideias foram prosperando e hoje

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contam-se já muitas publicações sobre esses materiais e essas tecnologias, se bem
que mereçam ainda muito mais difusão e penetração nos bitolados meios universitários
em todo o mundo. No domínio da construção com terra (Figura 25) eventos
interessantes e publicações de nível já mostram que ela merece seu lugar entre os
materiais de construção. O mesmo pode-se dizer do bambu, outro fatástico material.

Figura 25 – Algumas publicações sobre construção com terra [2,5-11]

Tudo isto levou o Prof. Minke, da Universidade de Kassel, Alemanha, a citar que:

A arquitetura do futuro será aquela que terá em mente:


- a conservação dos recursos naturais
- a minimização do consumo de energia
- a redução da poluição para a produção de construções higiênicas e
saudáveis sem aumentar seu custo.

Aos materiais tradicionalmente usados pelo Homem ao longo de sua história,


agregando-se os resíduos das atividades humanas modificados de alguma forma a
poderem ser empregados nas construções, internacionalmente concordou-se em
chamá-los de materiais não-convencionais. No Brasil o prof. K. Ghavami, da PUC-Rio,
pioneiro em estudos no assunto já em finais da década de 70, criou a ABMTENC,

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Associação Brasileira de Materiais e Tecnologias Não-Convencionais na década de 90.
Conferências nacionais e internacionais já foram organizadas no sentido de incentivar a
difusão da pesquisa com esses materiais.

Pode-se justificar a denominação de não-convencionais porque eles não são


ainda regidos por normas técnicas já bem estabelecidas, aceitas e difundidas
mundialmente. Embora já se tenha muito caminhado no sentido do desenvolvimento de
documentos normativos consensuais, a estrada é ainda longa.

Pode-se dizer que os materiais de construção não convencionais são


ecologicamente corretos porque:

- tratam-se de materiais tradicionais disponíveis na natureza, muitos dos quais


renováveis, e como no caso do aproveitamento dos resíduos, contribuem para livrar o
ambiente de seu incômodo;
- envolvem muito menor energia que os industrializados
- em geral são não poluentes
- muitos incorporam-se novamente à Natureza sem maiores danos
- podem ser obtidos em processos não centralizados
- podem gerar tecnologias apropriadas
- podem levar a um menor custo construtivo
- podem fazer uso intensivo de mão de obra
- podem ajudar na redução do problema da casa nos países em
desenvolvimento

Tecnologias apropriadas são aquelas que fazem uso de ferramentas e


equipamentos simples e podem ser facilmente transferidas mesmo para populações de
pouca ou nula instrução. Grande parte dos materiais não convencionais é adequada
para esses tipos de atividade. Veja-se que aqui se pôs como sendo uma propriedade
benéfica a possibilidade de uso intensivo de mão de obra, contrariamente ao que prega
o monstruoso sistema capitalista, que procura ao máximo descartar o homem das
atividades de produção. Nos países em desenvolvimento, com taxas altíssimas de
desemprego, poder-se-ia utilizar esse imenso contingente de mão de obra
desqualificada e excluída para a fabricação de materiais de construção simples,
saudáveis, a um custo relativamente baixo e com enormes ganhos sociais. A
minimização do problema da casa é só uma questão de vontade política, como mais
adiante será visto.

Dificuldades com os materiais de construção não convencionais

Apesar do que aqui se tem mostrado, existem muitas dificuldades em se aplicar


em volumes consideráveis os materiais não convencionais na construção civil.

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Algumas delas são:

- preconceito: alguns deles (como a terra, o bambu, as palhas e fibras vegetais)


estão arraigados na mente da grande maioria das pessoas como “material de
pobre”;

- Não foram ainda tão pesquisados como os materiais industrializados – de fato,


enquanto aço, concreto, tijolos cozidos vêm sendo estudados desde o século
IXX, só recentemente houve um real incremento nas investigações sobre os
materiais não convencionais;

- Não estão inseridos nos cursos convencionais de engenharia e arquitetura


(com poucas exceções), de forma que os profissionais saem da universidade
sem a menor visão sobre eles;

- Faltam técnicos para aplicá-los corretamente – conseqüência do item anterior.


Embora com os materiais aqui referidos se possa gerar as tecnologias
apropriadas, não deixam de ser tecnologia. Esta requer o mínimo de controle
para se ter produtos de qualidade. Exige também a elaboração de um projeto a
ser seguido. Assim, qualquer ação de maior monta correria o risco de se perder
por falta de orientação técnica;

- Órgãos governamentais desconhecem ou ignoram propositadamente tudo que


é não convencional – conseqüência da maciça propaganda dos materiais
industrializados que deixam pouco espaço para qualquer alternativa, e da ainda
pouca difusão dos materiais não convencionais.

- Dificuldade de se organizar processos de auto-construção – é sabido que um


dos mais fecundos meios de financiamento de políticos e dirigentes de órgãos
estatais está na contratação de terceiros para execução de obras. Assim
pouquíssimo é o interesse em se organizar comunidades para atuarem como
vetor do desenvolvimento;

- Falta vontade política de resolver o problema da casa nos países e


desenvolvimento – esta é uma triste realidade. De fato, os dirigentes de quase
todas as nações estão hoje muito mais preocupados em agradar a quem não
precisa, como os grandes banqueiros internacionais, o FMI e outras instituições
encarregadas de manter a dependência dos povos sob a tutela do imoral capital
internacional, do que com o problema habitacional de sua população. É com
imensa decepção que se vê o pagamento rigorosamente em dia de juros
absurdamente elevados, quando o financiamento de um simples conjunto
habitacional ou mesmo o conserto de uma estrada estragada pela chuva atrasa
meses e meses e até anos.

17
Considerações finais

Apesar do aqui posto, a bem do futuro da humanidade vai-se requerer que os


materiais não convencionais tenham uma participação muito maior no mundo da
construção. È preciso desfazer o mito de que representam materiais de pobre, e pelo
contrário, possam ser valorizados pelo sustentabilidade que podem dar às engenharia e
arquitetura. Sua introdução nos cursos técnicos e universitários é imprescindível.

Não se quer aqui de nenhuma maneira descartar os materiais de construção


industrializados. O mundo não anda para trás! Muitos deles podem perfeitamente serem
aliados. O que interessa é que se reduzam os problemas ambientais. Assim, quando
possível, engenheiros e arquitetos devem procurar usá-los, mesmo que em associação
com os materiais convencionais. Veja-se o exemplo da Figura 26, uma igreja nas
proximidades de Lyon, França. Foi utilizada a terra crua nas paredes, mas a estrutura
do segundo piso toda ela em concreto armado! Então um material tradicional como a
terra, aliando-se ao convencional concreto reforçado com vergalhões de aço!

Figura 26 – Igreja na França associando materiais convencionais e não convencionais

Na Figura 27 vê-se agora que o mínimo de tecnologia pode transformar as


construções. O mesmo material, a terra, usado sem tecnica apropriada conduz a um
produto sem qualidade, ao passo que ela usada na forma de blocos prensados,
associados com cimento em pequenas quantidades, com os devidos cuidados, gera
uma habitação saudável.

Figura 27 – Casa de terra sem e com tecnologia em favela na Paraíba

18
Na Figura 28 vê-se agora a associação do bambu, um dos materiais não
convencionais de maior potencial, com materiais industrializados como concreto, tijolos
cerâmicos, cobertura metálica, argamassa de cimento portland. À esquerda tem-se uma
construção rural construida no Equador, à direita protótipo de casa construída em
Maceió, onde já foi criado o Instituto do Bambu, com apoio do SEBRAE, Alagoas. Nota-
se então que passos estão sendo dados na direção correta, sendo necessária sua
divulgação e disseminação.

Figura 28 – Bambu associado a materiais convencionais (à esquerda obra do arquiteto


Jorge Moran)

Assim quando necessário, é benéfica a associação do material não convencional


ao convencional, daí porque necessário é conhecer a ambos para explorar
conscientemente todas as suas potencialidades em favor de um futuro melhor para as
futuras gerações (Figura 29).

Figura 29 – Nova geração que espera viver na Terra sem problemas ambientais

19
Referências

1- Salvadori, M (1990) – Perché gli edifici stano in piedi. Ed. Fabbri, Etas SPA, Milano,
Itália.

2- Fundação Caloute Gulbenkian (1993) – Arquitecturas de Terra. Lisboa, Portugal

3 – Time-Life (1995) – Ciência e Natureza, Ecologia, Abril Livros, São Paulo

4 – Time-Life (1995) – Ciência e Natureza, Tempo e Clima, Abril Livros, São Paulo

5 - Houben, H; Guillaud, H (1989) - Traité de construction en terre. Edition Parenthèses,


Marseille, França.

6- Minke, G - Earth Construction Hanbook (1999) – Wit Press, Southampton, England

7- interni – Architettura di terra – Centre George Pompidu, Gruppo Editoriale Electra,


Itália..

8 –Fathi, H (1973) – Construindo com o povo. Ed. Brasileira Ed. Forense Universitária,
Rio de Janeiro, 1982.

9 - Barbosa, N P (1996) – Construção com terra crua: do material à estrutura.


Monografia para concurso de Prof. Titular do DTCC, Centro de Tecnología da UFPB.

10 – Proterra – Anais do I Seminário Ibero-americano de Construção com Terra.


Salvador, Ba, 16-18 set 2002.

11 – Politécnico di Torino (1998) – Terra incipit vita nova. Anais de Seminário


L´architettura di terra cruda dalla origini al presente. 16,17-abbil 1997, Turin, Itália.

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