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A. Toledo e M.

Neto, Ladrilho Hidráulico – História e Tecnologia de um material de Construção Sustentável

LADRILHO HIDRÁULICO – HISTÓRIA E TECNOLOGIA DE UM MATERIAL DE


CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL

A. TOLEDO M. NETO
Prof e Engo Civil Prof e Engo Civil
IFRN IFRN
Natal; Brasil Mossoró; Brasil
andre.lopes@ifrn.edu.br manoel.negreiros@ifrn.edu.br

RESUMO

O ladrilho hidráulico é um material de construção que teve amplo uso durante o Século XIX e inicio do Século XX no
Brasil como revestimento de pisos e paredes. A partir da implantação da indústria de materiais de revestimento
cerâmicos, seu uso foi sendo gradativamente reduzido. A fabricação é essencialmente artesanal e não é realizado
nenhum processo de queima. Sua produção gera poucos resíduos. Pode ainda agregar em seu traço resíduos de outros
processos industriais, ampliando seu aspecto de sustentabilidade. Estas características são desejáveis na arquitetura
moderna, que busca resgatar elementos históricos e personalizados associados a soluções ambientalmente corretas para
as edificações. Este trabalho tem como objetivos relatar a história do uso e fabricação deste material com um exemplo
no Brasil e analisar seu processo produtivo sob o ponto de vista tecnológico e ambiental.
.

1. INTRODUÇÃO HISTÓRICA

Segundo a NBR 9457:2013 [1], ladrilho hidráulico é definido como uma placa cimentícia paralelepipédica de dupla
camada, executada por prensagem, com a superfície exposta ao tráfego lisa ou em baixo-relevo.
Becker e Vuolo [3] definem ladrilho hidráulico como um material que resulta da mistura de areia, água, cimento
portland, pó de rocha e mais os óxidos de ferro que expõem as cores. Usam-se secantes à base de pó de pedra e cimento
seco. Cada peça possui duas camadas de argamassa e outra mais superficial (entre 5 e 7 mm) que vai receber os
pigmentos, em combinação dos tons básicos dos corantes.
O ladrilho hidráulico recebeu esta terminologia pelo fato de ser apenas submetido ao processo de cura de argamassa,
sem necessidade de altas temperaturas ou sinterização para sua produção. Sua secagem é natural e por imersão, sem
fornos ou estufas e praticamente sem geração de resíduos.
Este revestimento teve sua origem nos antigos mosaicos. Seus desenhos remetem aos mais variados contextos culturais:
imagens egípcias, africanas, bizantinas e germânicas. Foi largamente utilizado na Europa como revestimento de
paredes, sendo seu uso ampliado para pisos. No Brasil, as peças foram inicialmente importadas de Portugal, França e
Bélgica.
Seguindo a tendência européia, as primeiras fábricas brasileiras produziam ladrilhos destinados apenas para
revestimento de parede, sendo ampliada sua produção, posteriormente, para aplicação em pisos.
A utilização dos ladrilhos hidráulicos no Brasil foi intensa no século XIX e início do século XX. Conforme Melo e
Ribeiro [4], o período entre 1889 e 1922 – conhecido como perído eclético na arquitetura – possuiu um contexto
político, econômico e social que tornou possível a introdução de novas tecnologias e materiais, associados a um novo
saber fazer. O fim do trabalho escravo e o início de uma política de imigração, que, dentre outros objetivos, visaram
suprir a falta de mão-de-obra nas lavouras, introduziram uma nova classe de trabalhadores remunerados e,
consequentemente, mais especializados, no campo da construção civil. Dentre estes novos materiais destacou-se o
ladrilho hidráulico, como pode ser observado em diversas construções deste período.
O Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro/RJ (Fig. 1), o Palácio de Campos Elísios, em São Paulo/SP (Fig.
2) e o Teatro José de Alencar em Fortaleza/CE (Fig. 3) apresentam técnicas construtivas associadas ao período eclético
e a consequente utilização deste material.

Figura 1: Piso no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro/RJ. Fonte: Melo e Ribeiro [4].

Figura 2: Palácio de Campos Elísios, em São Paulo/SP. Fonte: Marques [5].


A. Toledo e M. Neto, Ladrilho Hidráulico – História e Tecnologia de um material de Construção Sustentável

Figura 3: Teatro José de Alencar em Fortaleza/CE. Fonte: Marques [5].

Com a implantação das fábricas de cerâmica no Brasil, em meados dos anos de 1950, o uso do ladrilho hidráulico
entrou em declínio. A produção artesanal de baixa escala dos ladrilhos foi rapidamente substituída pelos materiais
cerâmicos industrializados, que permitiam custos unitários mais baixos, prazos de produção menores e maior variedade
de cores e padrões.
No final do século XX, no entanto, a sociedade começou a resgatar em diversos segmentos a importância da estética
tradicional, com elementos que lembravam materiais de períodos antigos, e especialmente, personalizáveis. A
arquitetura e, em decorrência, os fabricantes de material de construção, resgataram então estilos de épocas anteriores e
surgiu a oportunidade de reutilização dos ladrilhos, tanto como elemento de resgate histórico, como um material que
possui características sustentáveis e de alto nível de personalização.
O longo período de declínio deste material causou o fechamento de vários fabricantes e a perda de profissionais e
informações necessários à sua produção. Da mesma forma foi verificado ser escassa a literatura científica sobre o
assunto. O conhecimento adotado na produção do ladrilho hidráulico é empírico e produziu poucos artigos e fontes de
análise crítica de métodos e materiais. Este artigo busca conhecer o processo produtivo tradicional e artesanal,
analisando-o tecnicamente e verificando o potencial de sustentabilidade deste mateirial.
Foi analisado o processo produtivo utilizado em uma fábrica existente na cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte,
Brasil. Este trabalho constitui, portanto, um início de busca e consolidação de informações sobre este material
tradicional da construção civil.

2. TECNOLOGIA DE FABRICAÇÃO

2.1 Localização da fábrica

O trabalho de análise da tecnologia do processo de produção foi realizado no município de Mossoró, na região
semiárida do estado do Rio Grande do Norte, Brasil, e distante cerca de 280 km de sua capital, Natal (Fig. 4).

Figura 4. Localização da cidade de Mossoró/RN no estado do Rio Grande do Norte. Fonte UFERSA – Universidade
Federal Rural do Semiárido.
Na região foi verificada a existência de um fabricante de ladrillhos hidráulicos, que, da mesma forma que outros
fabricantes do mercado brasileiro, mantêm os processos produtivos tradicionais e a utilização de materiais agregados
disponíveis na região.
A geomorfologia onde o município se encontra inserido resulta na abundância de rochas calcáreas, de forma que a areia
artifical, ou pó-de-pedra, utilizada na confecção dos ladrilhos, possui composição essencialmente calcárea.

2.2 Processo produtivo

A confecção da placa abrange três distintas camadas de materiais:


A primeira camada é a camada superficial. Nesta camada é feito o desenho desejado na peça. Depois de limpar a forma,
é colocado o molde do formato desejado e uma mistura – água, areia fina e corante em pó – é despejada nos
espaçamentos até completar a camada. Se o ladrilho for de cor uniforme, ou seja, liso, não é necessário molde. Esta
camada possui entre 3 e 5 mm.
A segunda camada é a camada de ligação entre a base, ou tardoz, e a camada superficial. Nesta camada o fabricante
local utiliza um material local denomidado arisco, constituído essencialmente de solo arenoso. A este solo é adicionado
cimento. Esta cama é bastante fina, pois os materiais são peneirados e lançados sobre a camada superficial, totalizando
cerca de 1mm de espessura.
A camada final, ou tardoz, compõe a maior parte da espessura do ladrilho. É constituída de uma mistura de cimento
portland e areia lavada média. É a camada composta por argamassa. Possui entre 15 e 20 mm de espessura nas peças
analisadas em fábrica.
A fabricação é feita manualmente, portanto, principalmente na primeira camada, é necessário bastante cautela para o
preenchimento do desenho nos moldes. As dosagens são empíricas e baseadas na repetição, sem ensaios de dosagem.
Após todas as camadas serem concluídas, é colocada a tampa da forma e levada para a prensa, onde todo o material é
comprimido, para diminuir os espaços vazios e garantir resistência. Em seguida o ladrilho é retirado da forma e
colocado em repouso por 24 horas. Logo após é colocado em imersão na água por mais 24 horas – origem da
denominação “hidráulico” de seu nome. Então, passados cerca de 21 dias, o ladrilho está pronto para ser aplicado. O
processo é demonstrado na figura 5.

Figura 5 – Etapas do processo de produção. Fonte: autor.


Na figura 6 é possível visualizar um molde utilizado para elaboração dos desenhos personalizados, também construído
artesanalmente por meio de corte e dobra de peças de metal. Na mesma figura é mostrado o armazenamento de ladrilhos
já prontos, com diversos padrões de cores.
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Figura 6 – Moldes para produção e ladrilhos estocados. Fonte: Revista Voe, no 26.

2.3 Análise do processo produtivo

2.3.1 Técnica de fabricação


Ao se levantar os materiais utilizados pela fábrica que atualmente produz ladrilhos hidráulicos, foi verificada a prática,
por tradição local, da incorporação de solo arenoso entre os materiais constituintes da placa de argamassa. Este material,
de reconhecidas características técnicas negativas para a argamassa, é incorporado com a finalidade de dar plasticidade,
porém torna-se potencial fonte de patologias como fissuras, comprometimento da vida útil e baixa resistência à
compressão. Este solo é chamado localmente de arisco.
Como forma imediata de melhoria dos materiais adotados, foi sugerido que o arisco fosse totalmente substituído por
resíduo proveniente do beneficiamento de mármores e granitos para a construção civil, pela sua disponibilidade na
região.
Foi verificada a ausência de quaisquer controles tecnológicos de recebimento de material. Somente é realizada uma
inspeção visual e um peneiramento prévio. O caráter artesanal não impede a realização de um controle tecnológico
permanente no recebimento dos agregados e do cimento, garantindo a qualidade do material.
Também não é realizado controle de qualidade do produto pronto. Segundo a NBR9457/2013 [1] é prevista a
conferência dos seguintes parâmetros:
a) Dimensões e tolerâncias: os ladrilhos hidráulicos devem ter um comprimento nominal mínimo de 400mm,
largura nominal mínima de 100mm, espessura nominal mínima de 18mm e tolerâncias dimensionais conforme
a tabela 1:

Tabela 1 – Tolerâncias dimensionais das peças (em mm). Fonte NBR9457/2013[1]


Espessura Tolerâncias
Nominal Comprimento Largura Espessura
10 a 20 ±3 ±3 ±1
>20 ±3 ±3 ±2

b) Resistência mecânica: a resistência mecânica das peças cimentícias, na condição de assentadas sobre as
camadas de apoio, deve ter resistência característica à flexão maior ou igual a 3,5MPa.
c) Aspectos gerais: as arestas das peças devem ser vivas e regulares, os ladrilhos não devem apresentar
empenamento superior a 3mm, a esconsidade não deve ser maior que 3mm e a ortogonalidade não deve
apresentar desvios a olho nu.
Foram realizados ensaios dimensionais em 09 amostras (placas) produzidas na fábrica analisada e apresentados na
tabela 2. Os resultados demonstram que o processo artesanal precisa ser melhorado para alcance das exigências
mínimas da norma vigente.
Tabela 02 – Resultado dos ensaios dimensionais
Comprimento
Dimensão Confor Espessura Confor Empenamento Confor Esconsidade Confor
Amostra / largura
média [mm] midade [mm] midade [mm] midade [mm] midade
[mm]
22,76 18,54
22,76 16,38
1 22,73 SIM SIM Ausente SIM Ausente SIM
22,90 16,08
22,50 18,68
23,10 17,50
23,24 17,50
2 23,11 NÃO SIM Ausente SIM Ausente SIM
22,78 16,10
23,32 16,06
22,56 16,28
23,30 16,20
3 23,12 NÃO SIM Ausente SIM Ausente SIM
23,00 18,00
23,60 18,24
22,80 16,38
23,00 16,18
4 22,89 SIM SIM Ausente SIM 1,82 SIM
22,70 17,80
23,04 17,94
24,14 18,48
22,80 18,06
5 23,46 NÃO NÃO Ausente SIM Ausente SIM
23,48 19,02
23,40 19,52
23,34 17,50
23,20 17,36
6 23,29 NÃO NÃO Ausente SIM 2,89 SIM
22,70 19,22
23,90 19,50
22,80 17,76
22,56 17,48
7 22,80 SIM SIM Ausente SIM Ausente SIM
23,20 18,18
22,64 17,78
23,10 20,64
23,00 20,32
8 23,32 NÃO NÃO 2,5 SIM Ausente SIM
23,40 21,12
23,76 22,00
22,56 17,40
21,58 17,74
9 21,96 SIM SIM Ausente SIM Ausente SIM
22,10 17,50
21,58 17,86

Deve-se considerar ainda que para aproveitar integralmente o caráter decorativo das placas é comum não se utilizar
rejunte entre as peças, criando o aspecto de carpete. Desta forma há maior exigência na perfeição dimensional das
peças.
As placas foram ainda submetidas aos ensaios para determinação da carga de ruptura à flexão conforme a norma NBR
13818:1997 [2]. Através deste trabalho foi possível também quantificar qualitativamente a possibilidade de uso do
resíduo como melhoria no processo produtivo. As amostras de numeração 1 a 4 tiveram o solo substituído pelo resíduo.
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As amostras 5 a 9 mantiveram os materiais tradicionais. Foi verificado neste ensaio que os valores atingidos pelas
placas de ladrilhos hidráulicos permaneceram próximos após a adição de resíduo, com uma pequena tendência a
incremento (tabela 3). O valor mínimo exigido pela NBR 9457:2013 é de 3,5 MPa, o que denota que especialmente o
tardoz  camada da placa que possui maior espessura  precisa ter seu traço de argamassa redefinido, pois a dosagem
atualmente utilizada pela fabricante não atende à carga mínima. Imagens dos ensaios podem ser vistas na Figura 7.

Tabela 3 – Resultado do ensaio de determinação da carga de ruptura à flexão


Média por grupo
Tensão de ruptura [MPa]
[MPa]
Amostra 1 3,46
Amostra 2 3,05
3,33
Amostra 3 3,30
Amostra 4 3,51
Amostra 5 3,33
Amostra 6 3,33
Amostra 7 3,35 3,30
Amostra 8 3,18
Amostra 9 3,31
Média 3,31

Figura 7 – Determinação da carga de ruptura à flexão. Fonte: autor

Observando os requisitos de qualidade previstos em norma e, para melhoria no processo produtivo, deve ser
incorporada uma rotina de controle tecnológico no recebimento de materiais e de conferência de qualidade nos lotes de
produtos fabricados. Os requisitos exigidos na NBR9457 não constituem dificuldade em se manter o caráter artesanal e
personalizado do material e ainda agregam importante confiabilidade no produto, estimulando sua utilização em futuras
edificações.

2.3.2 Sustentabilidade

O processo de produção utilizado na fábrica analisada não utiliza energia elétrica, pois a prensa é manual. Em
produções de maior escala a adoção de uma prensa elétrica será basicamente a grande e única demanda direta de
energia. A ausência de queima e a utilização integral de todas as matérias primas no corpo do ladrilho não geram
resíduos ambientais nem a necessidade de procedimentos especiais ambientais para controle de efluentes.
A região, em virtude de um rápido e recente crescimento da construção civil, apresenta uma considerável quantidade de
beneficiadores de mármores e granitos, para aplicação em pisos, revestimentos e pias para lavatórios. O beneficiamento
destes materiais gera resíduos sem aplicação direta em outros processos produtivos, contribuindo para o incremento no
volume do lixo urbano.
Desta forma, como citado durante o processo de produção, foi sugerida a incorporação deste material em substituição ao
arisco. As fotos apresentadas na figura 7 já apresentam peças produzidas com esta substituição.
A incorporação direta de resíduos inertes (não contaminantes) já constitui um segundo aspecto sustentável do ladrilho
hdráulico, além da própria produção com baixo consumo de energia e sem geração de resíduos.

3. CONCLUSÃO

Os ladrilhos hidráulicos, além de constituírem um material de importância histórica, com uso previsto em restaurações
de edificações antigas, bem como em projetos modernos personalizados, possui um grande potencial de uso como
material de baixo impacto ambiental. Porém a pouca oferta de literatura técnica sobre o processo de fabricação e seu
caráter empírico implicam na necessidade de adoção de processos modernos de controle tecnológico de matérias-primas
e de produtos acabados. Esta adequação trará confiabilidade e possibilidade de ampliação no uso deste material.

Referências
[1] ABNT (2013). NBR 9457 – Ladrilhos hidráulicos para pavimentação. Especificação e métodos de ensaio.
Associação Brasileira de Normas Técnicas. Rio de Janeiro, 15p.
[2] ABNT (1997). NBR 13818 – Placas Cerâmicas para Revestimentos. Especificação e métodos de ensaio.
Associação Brasileira de Normas Técnicas. Rio de Janeiro, 78p.
[3] Becker A.,Vuolo C. O Mago dos Ladrilhos Hidráulicos (2009). Revista Pós v.16 n.25 • São Paulo. Junho 2009.
[4] Melo C., Ribeiro R. Técnicas Construtivas do Período Eclético no Rio de Janeiro (2007). Revista Brasileira de
Arqueometria, Restauração e Conservação. Vol.1, No.3, pp. 080 - 085.
[5] Marques J. S. Estudo do Processo de Produção de Ladrilhos Hidráulicos Visando à Incorporação de Resíduos
Sólidos. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Edificações e Saneamento.
Universidade Estadual de Londrina, Paraná. 2012.
[6] Revista VOE, edição 26. São Paulo, 2011.

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