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Paulo Rónai

Rónai Pál

* Budapeste
1907

† Nova Friburgo (RJ)


1992
vida na Hungria

Seu pai era livreiro. Estudou


literatura, filologia e
línguas neolatinas.

Endre Ady era sua grande


paixão: “Nenhuma obra
literária exerceu sobre mim
influência igual”.
Foi para a França, onde estudou na Aliança Francesa
e na Sorbonne. Leu Balzac, que tornou-se seu
escritor predileto.

No diário, passou a assinar Paul, no lugar de Pál. Em


1930, tornou-se doutor em filologia e línguas
neolatinas aos 23 anos, com a tese “À Margem dos
Romances de Mocidade de Honoré de Balzac”.

Para sobreviver, dava aulas e fazia traduções.


“Escritor nas horas vagas, sou professor por vocação
e destino”.

Adolescente, alimentei em segredo a


esperança de assenhorear-me, com o
tempo, do maior número possível de idiomas: vinte, trinta, talvez ainda mais. Um de meus professores assegurava-me
que só os quinze primeiros eram difíceis.
Outra língua que perdi, já adulto, foi o finês. Em virtude de um pálido,
longínquo parentesco com o magiar, os candidatos a professor de húngaro
tinham de estudá-lo. Eu era um deles. A gramática finesa ensinou-me muita
coisa: por exemplo, que a minha língua materna tinha declinações com mais
de uma dúzia de casos e que, até então, usava às mil maravilhas sem
suspeitar-lhes a existência. (...) Nada disso, porém, interessava ao meu
examinador; ele só queria saber de mim o desenvolvimento das labiodentais
no finês, estoniano, vogul, ostíaco e zurieno. Passei no exame, mas nunca
mais pus os pés na aula desse famoso linguista, que em apenas cinquenta
anos de ensino conseguiu tirar a um país inteiro a vontade de conhecer
outro.
Naquela época eu ensinava latim e italiano num ginásio de
Budapeste. Uma vez por semana frequentava um café onde
se reuniam meus amigos linguistas. Um deles estudava o
sogdiano, outro preparava um ensaio sobre os pronomes
voguis, um terceiro acabara de publicar dois grossos volumes
de contos tcheremissos. Só interessados em idiomas exóticos,
tinham verdadeira paixão pelas línguas difíceis e
desprezavam minhas modestas excursões no domínio
neolatino.

(...) Realmente o espanhol não se comparava com nenhum


daqueles dialetos fabulosos. De mais a mais, era falado por
um número excessivo de pessoas, e os meus amigos só
apreciavam idiomas extintos ou, quando muito, falados por
meia dúzia de pescadores analfabetos.
literatura brasileira

Dom Casmurro, de Machado de Assis, foi lido em francês - seu primeiro livro brasileiro. “Uma literatura que tinha romancistas
daquele porte não podia deixar de interessar-me.”

Meu primeiro livro brasileiro [em português] foi uma Antologia de poetas paulistas. (...) As dificuldades começavam
pelo título, pois o Wörterbuch de Luísa Ey, naturalmente, não continha a palavra paulista.

Se não cheguei a entender a maioria dos poemas, adivinhei o sentido de alguns e acabei traduzindo um poemeto de
Correia Júnior, que publiquei numa revista. Ao reler a minha versão, alguns anos mais tarde, já aqui no Brasil, descobri
humilhado um enorme contrassenso. O poeta falava da rede na qual descansava a aguardar os sonhos; pois eu, que
nunca tinha visto semelhante objeto, julguei tratar-se de uma imagem poética e pus no texto húngaro “a rede dos
sonhos tecida pela imaginação”.
Uma dessas traduções caiu, por acaso,

nas mãos do então cônsul do Brasil em Budapeste, que me chamou, me deu um volume de Bilac, outro de Vicente de
Carvalho e três números antigos do Correio da Manhã.

A este jornal mandei um recorte da “primeira poesia brasileira vertida para o húngaro”. Nunca recebi resposta, mas
um dia chegou-me um envelope volumoso coberto de selos exóticos e cheio dos poemas, ainda inéditos, de um jovem
poeta carioca, o qual, depois de ter lido no Correio um tópico a respeito de minha esquisita mania, me julgara a
pessoa mais idônea para emitir a primeira opinião acerca de suas composições clandestinas.

Essa mensagem foi seguida de outras, escritas por outros leitores do jornal, todos poetas. Daí a pouco recebia
regularmente farta correspondência do Brasil: cartas com versos datilografados ou recortados de jornais, revistas,
livros.

As traduções seguiam um tanto arriscadas, com dicionários que

ignoravam totalmente os brasileirismos. No “Acalanto do seringueiro”, de Mário de Andrade, o uirapuru só podia ser
pássaro. Mas quanto tempo não levei para atinar que o cabra resistente do mesmo poema não designava bicho, mas
homem.
O escritor Rui Esteves Ribeiro de Almeida Couto era secretário da Legação do Brasil em Haia. Rónai escreveu-lhe uma carta
pedindo obras em português; o diplomata respondeu e enviou livros. Acabaram tornando-se amigos - seu “primeiro amigo
brasileiro”, que viria a ser fundamental no processo de obtenção do visto brasileiro.

(...) que significava a palavra Nordeste? Foi necessária uma longa carta de Ribeiro Couto (então cônsul na Holanda)
para dar-me uma ideia aproximativa do complexo sentido geográfico, antropológico, sociológico e, sobretudo,
poético, dessa denominação. (...) Tive menos sorte com um jovem poeta esquerdista em cujos poemas encontrara
inúmeras alusões aos morros cariocas. Pensando que eu não entendesse a palavra, respondeu à minha consulta com
uma lista de sinônimos: colina, outeiro etc. Só depois de nova troca de cartas cheguei a entender que, contrariamente
ao que se dava na minha cidade, onde os morros, cobertos de luxuosos palacetes, só abrigavam gente rica, no Rio eles
eram sinônimos de favelas, isto é, “conjuntos de habitações populares toscamente construídas e desprovidas de
recursos higiênicos”.
A publicação em jornais e revistas de algumas dessas traduções de poesias brasileiras motivou episódios curiosos.
Numa das minhas aulas de latim, por exemplo, um aluno me pediu, no meio da expectativa zombeteira de seus
colegas, que lhe explicasse um estranho poema lido por ele na véspera e pôs-se a recitar “No meio do caminho”, de
Carlos Drummond de Andrade. Embora não gostasse de interromper as minhas aulas, dessa vez não resisti à tentação
e citei outros versos do poeta. Falei da iconoclastia necessária da poesia moderna, da salutar reação ao “poético”
estereotipado, do valor profundo das sensações primitivas e virgens; mostrei como as exigências do lirismo e da
lógica são diferentes; insisti sobre o poder emocional do elemento grotesco; disse da importância da colaboração do
leitor com o poeta. A explicação transformara-se, nessa altura, em animada conversa, e por fim meus alunos
concordaram comigo em que cada época tinha a sua expressão literária, diversa das anteriores. Chegados a esse
resultado, pudemos voltar à leitura de Horácio. Já então os meus discípulos leram com interesse muito maior a ode
em que o poeta romano, considerado até então por muitos deles um versificador de lugares-comuns, se desculpava
da ousadia revolucionária com que introduzira na literatura latina formas e expressões “nunca antes divulgadas”.
O aparecimento das traduções num volume intitulado Mensagem do
Brasil foi acolhido pela crítica com o interesse que o momento permitia
(era agosto de 1939). Pela primeira vez na Europa Central liam-se versos
brasileiros e se podia entrever a existência no Brasil, até então só
conhecido como produtor de café, de uma civilização digna de estudo e
mesmo de admiração. O crítico Jorge Bálint – que mais tarde os nazistas
haviam de assassinar – deu a seu artigo este título: “O Brasil chegou-se
para mais perto”.

Foi essa, realmente, a minha impressão durante três dias. No quarto dia,
os tanques alemães cruzaram a fronteira da Polônia. Uma cortina de
fumaça passou a esconder o Brasil, a poesia, a alegria de viver.
Rónai foi preso pelos nazistas e enviado a um campo de trabalhos forçados.
Durante uma licença do campo, conversou com Otávio Fialho e recebeu a
notícia de que o governo brasileiro o convidaria “para emigrar”.

A carta-convite da Legação do Brasil chegou em outubro de 1940 e Paulo


Rónai finalmente obteve o visto - Otávio Fialho e Ribeiro Couto foram
decisivos para a retirada de Paulo Rónai da Hungria.
(...) ao cabo de 15 meses, cujos sofrimentos e angústias não cabem relatar aqui, lá estava eu de malas prontas para
conhecer o Brasil de perto. A viagem tinha de ser feita através de Portugal, única saída da Europa já em chamas.

Passei seis semanas em Lisboa sem que conseguisse entender patavina da língua falada. Pegava do jornal e
compreendia-o perfeitamente; o porteiro do hotel ou o garçom do café diziam três palavras, e eu me via outra vez no
mato sem cachorro.

costumava tomar diariamente determinado bonde e saltar no mesmo ponto, onde o mesmo condutor lançava o
mesmo grito. Sentava-me perto do homem, apurava os ouvidos para entendê-lo, tudo em vão. (...) na véspera da
minha partida, veio a revelação. O condutor gritava “Restauradores”; apenas, suprimia três das vogais da palavra (...).

Cheguei uns 20 dias depois. Que alívio logo de entrada! O Brasil recebia-me com uma linguagem clara, sem mistérios.
Ainda não desembarcara, e já não perdia nenhuma das palavras do carregador, que, em compensação, perdeu uma
das minhas malas. Entendi igualmente o funcionário da alfândega. O deslumbramento continuou na rua, no primeiro
táxi, no hotel. O idioma que eu aprendera em Budapeste era mesmo o português!
no Brasil

Já no Brasil, Rónai fez amizade com os grandes intelectuais da época -


Aurélio Buarque de Holanda, Cecília Meirelles, Carlos Drummond de
Andrade, Guimarães Rosa etc.

Ainda na Hungria, havia ficado noivo de Magda Péter. Do Brasil, tentou


casar-se com ela por procuração, para tentar salvá-la e viabilizar sua
vinda, mas ela acabaria assassinada pelos nazistas. Conseguiu, no
entanto, trazer familiares - sua mãe Gisela, suas irmãs Catarina, Eva e
Clara e seus cunhados Américo Gárdos e Estevão Soltész. Seu pai e seus
irmãos morreram durante a guerra.
Seu primeiro grande trabalho no Brasil foi a organização da tradução de A comédia humana,
de Balzac, a partir de 1944. Participaram do projeto 14 tradutores, entre os quais Brito Broca,
Carlos Drummond de Andrade e Mário Quintana. Rónai fez mais de 7 mil notas de rodapé
para os 89 livros da Comédia humana e escreveu os prefácios de cada um dos tomos. O
projeto, composto por 17 volumes, começou a ser publicado
em 1945, e levou dez anos para ser concluído.

Outra obra relevante foi a tradução dos contos da Antologia


do conto húngaro, de 1957, com prefácio de seu amigo João
Guimarães Rosa e revisão de Aurélio.

Rónai tornou-se um dos grandes críticos e tradutores do


Brasil da segunda metade do século XX. Por exemplo, a
respeito da crítica sobre Sagarana, Guimarães Rosa disse: “Só o Paulo Rónai e o Antonio
Candido foram os que penetraram nas primeiras camadas do derma; o resto, flutuou sem
molhar as penas”.
Sobre Grande Sertão: Veredas, escreveu: “Conjunto único e inconfundível, algo de real e de mágico sem precedentes em nossas
letras e, provavelmente, em qualquer literatura”. Riobaldo era o “Fausto sertanejo”.
Em 1951, conhece a arquiteta Nora Tausz, também judia imigrada, com quem se casa no ano seguinte. Têm duas filhas: Cora,
jornalista e escritora, e Laura, música, crítica e professora. A família comprou um sítio em Nova Friburgo, que batizou de Pois é.
Lá, organizou sua biblioteca - chamada de brilhoteca (rebatizada por sua neta Beatriz).
Algumas obras:

Os Meninos da Rua Paulo, de Ferenc Molnár

A comédia humana, de Balzac

Mar de histórias: antologia do conto mundial

Antologia do Conto Húngaro

Dicionário universal de citações

Curso Básico de Latim (até 2013 era o título mais vendido no Brasil)

Escola de Tradutores

A Arte de Traduzir
O homem que aprendeu o Brasil

de Ana Cecília Impellizieri Martins (2020)

Prêmio Literário Biblioteca Nacional

CATEGORIA CONTO – PRÊMIO CLARICE LISPECTOR

CATEGORIA ENSAIO LITERÁRIO – PRÊMIO MÁRIO DE ANDRADE

CATEGORIA ENSAIO SOCIAL – PRÊMIO SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA

CATEGORIA ROMANCE – PRÊMIO MACHADO DE ASSIS

CATEGORIA TRADUÇÃO – PRÊMIO PAULO RÓNAI

1º “Sátántangó, de László Krasnahorkai”. Grupo Companhia das Letras. Tradução de Paulo


George Schiller.

Citações de Como aprendi o português, do autor.

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