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Esta obra foi publicada originalmente em inglês com o título

MORE ABOUT PADDINGTON


por Collins, um selo da HarperCollinsPublishers Ltd.
Copyright © Texto: © 1959, Michael Bond
Ilustrações: © 1959, Peggy Fortnum e William Collins Sons and Co. Ltd.
Todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido, no todo ou em parte,
armazenado em sistemas eletrônicos recuperáveis nem transmitido por nenhuma forma ou
meio eletrônico, mecânico ou outros, sem a prévia autorização por escrito do editor.
Copyright © 2015, Editora WMF Martins Fontes Ltda.,
São Paulo, para a presente edição.

1a edição digital 2018

Tradução
MONICA STAHEL

Acompanhamento editorial
Fabiana Werneck Barcisnki
Revisões gráficas
Marisa Rosa Teixeira
Letícia Braun
Edição de arte
Katia Harumi Terasaka
Paginação
Studio 3 Desenvolvimento Editorial
Ilustração de capa
Mark Burgess a partir da ilustração original de Peggy Fortnum

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Bond, Michael
Os segredos de Paddingtom / Michael Bond ; ilustrações Peggy Fortnum
; tradução Monica Stahel. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2018.
2,746 KB ; ePub

Título original: More about Paddington.


ISBN 978-85-469-0209-5

1. Ficção – Literatura infantojuvenil I. Fortnum, Peggy. II. Título.


18-13907 CDD-028.5
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura infantil 028.5
2. Ficção : Literatura infantojuvenil 028.5

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora WMF Martins Fontes Ltda.
Rua Prof. Laerte Ramos de Carvalho, 133 01325-030 São Paulo SP Brasil
Tel. (11) 3293.8150 Fax (11) 3101.1042
e-mail: info@wmfmartinsfontes.com.br http://www.wmfmartinsfontes.com.br
SUMÁRIO

1. Um grupo familiar

2. A decoração do quarto

3. Paddington vira detetive

4. Paddington e a fogueira

5. Problemas no número trinta e dois

6. Paddington e as compras de Natal

7. Natal
1
UM GRUPO FAMILIAR

A
casa dos Brown, Jardins de Windsor
número 32, estava estranhamente tranquila. Era um dia quente de
verão e toda a família estava sentada na varanda, desfrutando o sol da tarde,
com exceção de Paddington, que tinha desaparecido misteriosamente logo
depois do almoço.
Além do leve ruído de papel quando o sr. Brown virava as páginas de um
livro enorme e do clique-clique das agulhas de tricô da sra. Brown, o único
som que se ouvia era o da sra. Bird, a governanta, preparando as coisas para
o chá.
Jonathan e Judy estavam montando um quebra-cabeça, ocupados
demais para pronunciar uma só palavra.
O sr. Brown foi o primeiro a quebrar o silêncio.
– Sabem – ele começou, dando um longo trago no cachimbo –, é
engraçado, percorri essa enciclopédia umas doze vezes e não há menção a
nenhum urso como Paddington.
– E nem vai haver! – exclamou a sra. Bird. – Ursos como Paddington
são muito raros. E é bom, se quer saber minha opinião, caso contrário isso
nos custaria uma fortuna em geleia de laranja.
A sra. Bird não parava de reclamar de Paddington por ele gostar de
geleia de laranja, mas todos sabiam que ela nunca deixava de ter um pote de
reserva na despensa para algum caso de emergência.
– Afinal, Henry – disse a sra. Brown, baixando o tricô –, por que está
procurando Paddington na enciclopédia?
O sr. Brown torceu o bigode, pensativo. – Ah, por nenhuma razão
especial – ele respondeu, vagamente. – Fiquei interessado, só isso.
Ter um urso na família era uma grande responsabilidade,
principalmente um urso como Paddington, e o sr. Brown levava o assunto
muito a sério.
– A questão é que – ele disse, fechando o livro bruscamente –, se ele
ficar conosco para sempre…
– Se? – Levantou-se um coro alarmado do resto da família, com exceção
da sra. Bird.
– O que está querendo dizer, Henry? – exclamou a sra. Brown. – Se o
Paddington ficar conosco para sempre? É claro que ele vai ficar.
– Já que ele vai ficar conosco – apressou-se em dizer o sr. Brown –, há
uma ou duas coisas que pretendo fazer. Em primeiro lugar, andei pensando
em decorar o quarto de despejo para ele.
Todos concordaram. Desde que tinha entrado em cena, Paddington
vinha ocupando o quarto de hóspedes. Como era um urso educado, nunca
tinha dito nada, mesmo quando teve de ser desalojado para dar lugar a umas
visitas, mas havia muito tempo andavam pensando que ele deveria ter um
quarto próprio.
– A segunda coisa – continuou o sr. Brown – é uma fotografia. Seria
ótimo se pudéssemos tirar uma foto do nosso grupo familiar.
– Uma fotografia? – exclamou a sra. Bird. – Engraçado o senhor dizer
isso.
– Ora – disse o sr. Brown –, por quê?
A sra. Bird voltou a se ocupar do bule de chá. – O senhor vai ver,
quando chegar a hora – ela disse. E, por mais que todos tentassem, foi a
única coisa que conseguiram fazê-la falar.
Felizmente, ela se livrou de mais perguntas, pois naquele momento o
barulho de uma batida forte veio da sala de jantar e o próprio Paddington
apareceu na porta envidraçada. Estava às voltas com uma grande caixa de
papelão, que tinha no topo um objeto de metal de forma misteriosa, com
pregos compridos numa das extremidades.
Mas o que provocou uma exclamação de espanto dos outros não foi
tanto o que Paddington carregava. Foi a sua aparência.
Seu pelo tinha um aspecto diferente, macio e dourado, e suas orelhas, ou
pelo menos o que dava para ver delas despontando por baixo da aba larga do
seu velho chapéu, estavam pretas e brilhantes como a ponta do seu focinho.
Até as patas e os bigodes dele estavam de um jeito que só vendo para
acreditar.
Todos se levantaram atônitos e a sra. Brown deixou escapar vários
pontos do tricô.
– Minha nossa! – exclamou o sr. Brown. – O que foi que você aprontou?
– Tomei um banho – disse Paddington, com cara de ofendido.
– Um banho? – repetiu Judy, pausadamente. – Sem ninguém mandar?
– Caramba! – disse Jonathan. – Vamos aplaudir!
– Você está bem? – perguntou a sra. Brown. – Quer dizer, está se
sentindo doente ou algo assim?
Paddington ficou mais injuriado ainda com o alvoroço que tinha
causado. Não era que ele nunca tivesse se lavado. Na verdade, fazia isso
todas as manhãs. Simplesmente tinha resolvido enfrentar um banho de fato.
Tomar banho significava molhar o pelo todo, e levava muito tempo para
secar. – Eu só queria ficar bonito para a fotografia – ele disse, com firmeza.
– A fotografia? – Todos ecoaram. Era realmente esquisito o jeito como
Paddington via as coisas.
– Sim – disse Paddington. Com uma expressão grave no rosto, ele se
curvou e começou a desamarrar o barbante da caixa de papelão. – Comprei
uma câmera fotográfica para mim.
Houve um momento de silêncio, enquanto os Brown observavam, por
trás, Paddington debruçado sobre a caixa.
– Uma câmera – falou o sr. Brown, finalmente. – Mas não é uma coisa
muito cara?
– Esta não foi – disse Paddington, respirando fundo. Ele se ergueu,
mostrando a maior câmera que os Brown já tinham visto. – Comprei numa
liquidação no mercado. Custou só três libras!
– Três libras! – exclamou o sr. Brown, parecendo muito impressionado.
Voltou-se para os outros. – Devo dizer que nunca conheci um urso com
tanto olho para pechinchas como o Paddington.
– Puxa! – disse Jonathan. – Tem capa para pôr na cabeça e tudo.
– O que é essa coisa comprida? – perguntou Judy.
– É um tripé – Paddington explicou, orgulhoso. Ele se sentou no chão e
começou a desdobrar os três pés. – É para fixar a câmera para ela não
tremer.
O sr. Brown pegou a câmera e a examinou. Ao virá-la, caíram alguns
parafusos enferrujados e vários pregos velhos. – Não é meio velha? – ele
perguntou, sem pensar. – Parece que alguém a usou como caixa de
ferramentas.
Paddington ergueu a aba do chapéu e olhou feio para o sr. Brown. – É de
um tipo muito raro – respondeu. – O homem da loja de coisas usadas falou.
– Bom, eu acho sensacional! – exclamou Jonathan, entusiasmado. –
Estou na frente, tire a minha foto primeiro, Paddington.
– Só tenho uma chapa – disse Paddington, resoluto. – As chapas extras
custam caro e não me sobrou nenhum dinheiro, por isso acho que vão ter
de tirar uma foto em grupo.
– Com certeza, parece complicado e meio grande para um urso –
observou o sr. Brown, enquanto Paddington parafusava a câmera em cima
do tripé e ajustava os pés para que ficassem na altura certa. – Está seguro de
que vai conseguir lidar com isso?
– Acho que sim – disse Paddington. Sua voz ficou abafada quando ele
sumiu debaixo da capa preta atrás da câmera. – O sr. Gruber me emprestou
um livro com tudo sobre fotografia e eu treinei debaixo das cobertas.
O sr. Gruber, que tinha uma loja de antiguidades no mercado
Portobello, era amigo íntimo de Paddington e o ajudava a resolver todos os
seus problemas.

– Bom, se é assim – o sr. Brown assumiu a situação –, sugiro irmos


todos até o gramado para que Paddington possa tirar nossa foto enquanto o
sol está brilhando – e foi para fora enquanto Paddington se apressava em
instalar a câmera e o tripé.
Logo Paddington anunciou que estava tudo pronto e começou a dispor o
grupo como ele queria, correndo de volta até a câmera de vez em quando
para olhá-los através das lentes.
Como a câmera estava muito perto do chão, ele teve de colocar o sr.
Brown agachado, numa posição meio desconfortável, atrás de Jonathan e
Judy, e a sra. Brown e a sra. Bird sentadas uma de cada lado.
Embora não dissesse nada, Paddington estava um pouco decepcionado
com o que via através da câmera. Só reconhecia o sr. Brown por causa do
bigode, mas os outros era muito mais difícil. Pareciam todos borrados,
quase como se estivessem no meio da neblina. Era estranho, pois quando
tirava a cabeça de baixo daquele pano o tempo estava bem ensolarado.
Os Brown esperaram pacientes enquanto Paddington, sentado na grama,
consultava seu manual de instruções. De repente ele descobriu um capítulo
muito interessante, intitulado Foco. Explicava que, para tirar fotos nítidas,
era importante verificar se a câmera estava a uma distância certa e
corretamente ajustada. Até havia uma ilustração mostrando um homem
medindo a distância com um barbante.

Muitos minutos se passaram, pois Paddington lia meio devagar e havia


muitos diagramas para serem consultados.
– Espero que ele não demore muito – disse o sr. Brown. – Acho que vai
me dar cãibra.
– Ele vai ficar desapontado se você se mexer – disse a sra. Brown. – Deu
muito trabalho posicionar todos nós, e parece que ficou muito bom, mesmo.
– Para vocês está ótimo, pois estão sentadas – reclamou o sr. Brown.
– Pss! – replicou a sra. Brown. – Agora parece que ele está quase pronto.
Está fazendo alguma coisa com um barbante.
– Para que serve isso, afinal? – perguntou o sr. Brown.
– É para medir vocês – disse Paddington, dando um nó na ponta.
– Bem, se me permite – protestou o sr. Brown quando viu o que
Paddington ia fazer –, acho que seria melhor você amarrar a outra ponta na
câmera do que amarrar esta na minha orelha! – O resto da sua frase
desapareceu num grunhido quando o urso puxou o barbante com força.
Paddington pareceu surpreso ao examinar com interesse o laço em
torno da orelha do sr. Brown. – Acho que fiz um nó corrediço por engano –
ele anunciou finalmente. Paddington não era muito bom para dar nós,
principalmente porque o fato de ter patas dificultava as coisas.
– Francamente, Henry – disse a sra. Brown –, não faça tanto escândalo.
Quem ouve pode até pensar que você se machucou.
O sr. Brown esfregou a orelha, que tinha ficado de uma cor roxa
engraçada. – A orelha é minha – ele disse – e está doendo mesmo.
Paddington saiu correndo na direção da casa.
– Aonde ele vai agora? – exclamou a sra. Bird.
– Deve ter ido medir o barbante – disse Jonathan.
– Uuh! – gemeu o sr. Brown. – Bem, vou me levantar.
– Henry! – disse a sra. Brown. – Se você fizer isso, vou ficar muito brava.
– Seja como for, é tarde demais – falou o sr. Brown. – Minha perna
adormeceu.
Para sorte do sr. Brown, Paddington voltou naquele instante. Olhou bem
para o sol e depois para o grupo que esperava. – Acho que vocês vão ter de
vir para cá – ele disse, depois de consultar o manual de instruções. – O sol
mudou de lugar.
– Não me surpreende – rosnou o sr. Brown, que estava sentado na
grama esfregando a perna. – No ritmo em que as coisas vão, ele vai se pôr
antes de terminarmos.
– Nunca imaginei que tirar uma fotografia fosse tão complicado – disse
a sra. Bird.
– Só não entendi bem – sussurrou Judy – por que o Paddington se deu
ao trabalho de tomar banho se é ele que vai tirar a foto.
– Essa é a questão – disse o sr. Brown. – Como você vai fazer para sair
na foto, Paddington?
Paddington olhou para o sr. Brown de um jeito estranho. Era uma coisa
na qual ele também não tinha pensado, mas resolveu enfrentar a dificuldade
quando ela se apresentasse. Antes tinha um monte de outras coisas
importantes para fazer. Depois de pensar um pouco, ele disse: – Vou apertar
o disparador, e então saio correndo pelo outro lado.
– Acontece que nem os ursos são capazes de correr tão rápido – insistiu
o sr. Brown.
– Tenho certeza de que o Paddington sabe melhor, Henry – sussurrou a
sra. Brown. – E, mesmo que não saiba, pelo amor de Deus, não diga nada. Se
ele perceber que tomou banho inutilmente, ninguém sabe como isso vai
acabar.
– Parece que a capa é muito comprida – disse a sra. Bird, olhando para a
câmera. – Não consigo ver o Paddington.
– É porque ele é baixinho – explicou Jonathan. – Teve que abaixar o
tripé.
Os Brown estavam sentados muito quietos, com um sorriso fixo nos
rostos, quando Paddington saiu de baixo da capa. Fez alguns ajustes
complicados na parte da frente da câmera e, depois de anunciar que estava
prestes a instalar a chapa fotográfica, desapareceu de novo.
De repente, para surpresa de todos, a câmera e o tripé começaram a
balançar perigosamente para trás e para a frente.
– Minha nossa! – exclamou a sra. Bird. – O que está acontecendo agora?
– Cuidado! – gritou o sr. Brown. – Está vindo na nossa direção.
Todos se levantaram, se afastaram e, com os olhos arregalados, ficaram
vendo a câmera que os seguia. Mas, depois de se aproximar alguns metros,
de repente ela parou, virou para a esquerda e foi ao encontro de uma moita
de roseiras.
– Espero de verdade que ele esteja bem – disse o sr. Brown, ansioso.
– Será que não devíamos fazer alguma coisa? – disse a sra. Bird, ao
ouvirem o choro abafado de Paddington.
Porém, antes que alguém tivesse tempo de responder, a câmera saltou
fora da moita de roseiras e voltou a atravessar o gramado. Deu duas voltas
em torno do tanquinho que havia no centro, pulou várias vezes no ar e caiu,
aterrissando com um ruído surdo no meio do mais belo canteiro de flores
do sr. Brown.

– Deus do céu! – gritou o sr. Brown, que avançava correndo. – Minhas


petúnias!
– Pouco importam suas petúnias, Henry! – exclamou a sra. Brown. – E o
Paddington?
– Bem, era de esperar – disse o sr. Brown, ao se curvar para levantar a
capa. – Está com a cabeça enfiada na câmera.
– Cuidado, papai – disse Jonathan, quando o sr. Brown começou a
puxar as pernas de Paddington. – Os bigodes dele podem ter ficado presos
no disparador.
O sr. Brown parou de puxar e, rastejando, deu a volta para espiar através
da lente. Depois de uma pausa, ele disse: – Não estou vendo nada. Lá dentro
está tudo escuro. – Ele bateu na caixa e lá de dentro veio mais um choro
fraco.
– Manteiga! Não há nada melhor do que manteiga para desentalar
alguém – disse a sra. Bird, correndo para a cozinha. A sra. Bird era uma
grande adepta da manteiga, que ela já tinha usado muitas vezes antes,
quando Paddington ficara entalado.
Mesmo assim, Jonathan segurando de um lado e o sr. Brown puxando
pelo outro, demorou um pouco para a cabeça de Paddington finalmente sair
de dentro da câmera. Ele se sentou na grama, esfregando as orelhas, com ar
muito abatido. As coisas definitivamente não tinham acontecido conforme
ele planejara.
Quando finalmente a ordem foi restaurada, o sr. Brown disse: – Sugiro
que se arranje tudo exatamente como estava antes e se amarre um barbante
ao disparador. Então Paddington pode se sentar no grupo, junto conosco, e
tirar a foto a distância. Desse jeito vai ser muito mais seguro.
Todos concordaram que a ideia era boa, e, enquanto o sr. Brown voltava
a arrumar o grupo, Paddington tratou de instalar a câmera e colocar a chapa
fotográfica dentro dela, dessa vez ficando mais afastado. Houve um ligeiro
contratempo porque ele puxou o barbante com muita força e o tripé caiu,
mas finalmente chegou o grande momento. A câmera fez um clique e todos
se descontraíram.
Um pouco depois, o homem da loja de fotografias pareceu surpreso ao
ver entrar pela porta a sra. Bird, todos os Brown e Paddington.
– É mesmo um modelo muito raro – ele disse, examinando com
interesse a câmera de Paddington. – Muito raro. Já li sobre ele, é claro, mas
nunca tinha visto um aparelho desses. Decerto estava guardado em alguma
despensa, ou algo assim. Parece que dentro dele tem manteiga.
– É que houve um pequeno acidente quando tentei colocar a chapa –
disse Paddington.
– Estamos todos muito ansiosos para ver o resultado da foto –
acrescentou o sr. Brown, apressado. – Será que o senhor poderia revelá-la
para nós enquanto esperamos?
O homem disse que teria muito prazer em lhes prestar esse serviço. Por
tudo o que tinha visto e ouvido, estava curioso para ver a fotografia. Correu
para sua câmara escura, deixando os Brown sozinhos. Não se lembrava de já
ter atendido um urso fotógrafo na loja.
Ele voltou com uma expressão intrigada no rosto. – Vocês disseram que
esta foto foi tirada hoje? – ele perguntou, olhando pela janela o dia
ensolarado.
– Isso mesmo – disse Paddington, observando-o desconfiado.
– Bem, cavalheiro – o homem levantou a chapa contra a luz para que
Paddington visse –, está bonita e nítida, certamente consigo ver todos vocês,
mas é como se o tempo estivesse nublado. E essas manchas de luz,
parecendo raios de luar, são muito estranhas.
Paddington tomou a chapa do homem e a examinou minuciosamente. –
Acho que foi quando acendi minha lanterna debaixo das cobertas – ele
disse, por fim.
– Bem, acho que é uma foto muito boa para uma primeira tentativa –
disse a sra. Bird. – E eu queria seis cópias em cartão-postal, por favor.
Tenho certeza de que a tia Lucy do Paddington, que mora no Peru, vai
adorar receber um. Ela mora num lar de ursos aposentados, em Lima – ela
acrescentou, dirigindo-se ao dono da loja.
– É mesmo? – disse o homem, impressionado. – Bem, é a primeira vez
que faço uma foto para ser enviada ao outro lado do mundo, ainda mais a
um lar para ursos aposentados no Peru.
Ele pensou por um momento. – Vou dizer uma coisa, se me
emprestarem essa câmera para que eu a coloque na vitrine da minha loja
por uma semana, além de fazer todas as cópias que vocês quiserem vou tirar
uma fotografia de cada um de vocês em troca – ele disse. – Que tal?
Enquanto caminhavam de volta para casa, o sr. Brown disse: – Eu devia
ter adivinhado que, se Paddington tirasse nossa foto, alguma coisa
excepcional aconteceria. Imagine só todas essas fotos por nada!
– Os ursos sempre acabam se saindo bem – disse a sra. Brown, olhando
para Paddington.
Mas ele não estava escutando. Ainda pensava em sua câmera.
Na manhã seguinte, bem cedinho, ele correu até a loja e ficou feliz ao ver
que ela já ocupava uma posição de destaque no meio da vitrine.
Embaixo, estava escrito: TIPO MUITO RARO DE CÂMERA ANTIGA –
AGORA PROPRIEDADE DO SR. PADDINGTON BROWN – JOVEM CAVALHEIRO
URSO DA REGIÃO.
Paddington ficou mais satisfeito ainda com outra plaquinha ao lado, que
dizia: UM EXEMPLO DE SEU TRABALHO. E embaixo estava sua fotografia.
Estava um pouco borrada e havia várias marcas de patas na margem,
mas uma ou duas pessoas da vizinhança vieram lhe dar os parabéns e muitas
disseram que tinham conseguido reconhecer nitidamente todos eles na foto.
No fim das contas, Paddington achou que as três libras tinham sido muito
bem gastas.
2
A DECORAÇÃO DO
QUARTO

P
addington suspirou fundo e puxou o chapéu para baixo, por cima das
orelhas, para não ouvir o barulho. Havia um tumulto tão grande que
estava difícil fazer as anotações no seu álbum.
Todo o alvoroço tinha começado quando o sr. Brown, a sra. Brown e a
sra. Bird receberam um convite de casamento inesperado. Ainda bem que
Jonathan e Judy não estavam em casa, senão seria muito pior. Paddington
não tinha sido incluído no convite, mas ele não se importou mesmo. Não
gostava muito de casamentos, a não ser pelo bolo grátis, e, mesmo que não
fosse, tinham prometido trazer um pedaço para ele.
Ele começava a desejar que todos fossem embora logo. Tinha uma razão
especial para querer ficar sozinho aquele dia.
Suspirou de novo, limpou a pena com cuidado nas costas da pata e
enxugou uns pingos de tinta que, de um jeito ou de outro, tinham caído na
mesa. Foi bem na hora que a porta se escancarou e a sra. Brown entrou.
– Ah, aqui está você, Paddington! – ela parou no meio do quarto,
olhando para ele. – Afinal por que está de chapéu dentro de casa? – ela
perguntou. – E por que sua língua está toda azul?
Paddington pôs a língua para fora o mais que conseguiu. – É uma cor
engraçada – ele admitiu, olhando-a interessado. – Talvez eu esteja meio
doente por alguma razão!
– Você vai ficar doente por alguma razão agorinha mesmo se não
arrumar essa desordem – esbravejou a sra. Bird, que vinha entrando. – Veja
isso. Frascos de tinta. Cola. Pedaços de papel. Minha melhor tesoura de
costura. Geleia de laranja espalhada por toda a toalha da mesa e Deus sabe o
que mais.
Paddington olhou ao redor. Estava mesmo uma bagunça.
– Estou quase terminando – ele anunciou. – Tenho só que ajeitar mais
algumas linhas e umas coisas. Estou escrevendo minhas memórias.
Paddington levava seu álbum de recordações muito a sério e passava
longas horas colando fotos e escrevendo suas aventuras. Desde que chegara
aos Brown, tanta coisa tinha acontecido que mais da metade do álbum já
tinha sido preenchida.
– Bem, mas dê um jeito de limpar tudo mesmo – disse a sra. Brown –,
senão não vamos trazer bolo nenhum para você. Agora, cuide-se. E não
esqueça: quando o padeiro vier, queremos dois pães de forma – ela acenou
um até-logo e saiu do quarto, atrás da sra. Bird.
– Sabem – disse a sra. Bird ao entrar no carro –, tenho a impressão de
que esse urso está tramando alguma coisa. Ele parecia muito ansioso para
que fôssemos embora.
– Ah, não sei – disse a sra. Brown. – Não imagino o que ele possa fazer.
Não vamos ficar fora tanto tempo assim.
– Ah! – replicou a sra. Bird, em tom sombrio. – Pode até ser. Mas ele
passou metade da manhã zanzando no andar de cima. Tenho certeza de que
está aprontando alguma coisa.
O sr. Brown, que também não gostava muito de casamentos, e no fundo
estava querendo poder ficar em casa com Paddington, olhou por cima do
ombro, pisando na embreagem.
– Talvez seja bom eu também ficar – ele disse. – Assim eu poderia
continuar decorando o quarto dele.
– Ora, Henry – disse a sra. Brown, com firmeza –, você vai ao
casamento e pronto. Paddington vai ficar muito bem sozinho. É um urso
muito capaz. E, quanto à sua vontade de continuar decorando o quarto
dele… você não fez nada nesse sentido por mais de quinze dias, portanto
tenho certeza de que dá para esperar mais um dia.
O quarto novo de Paddington havia se tornado um ponto delicado da
vida doméstica dos Brown. Fazia mais de duas semanas que, pela primeira
vez, o sr. Brown pensara em fazer isso. Nessa altura ele tinha raspado todo o
papel antigo das paredes, tirado os frisos, as molduras de madeira das
portas, as maçanetas e tudo o mais que estava solto, ou que ele tinha
retirado, e comprado um monte de papel de parede novo, cal e tinta. E
parou por aí.
No carro, sentada atrás, a sra. Bird fingiu não ter ouvido nada. De
repente lhe veio uma ideia que ela esperava não passar também pela cabeça
de Paddington. Mas a sra. Bird sabia muito bem como funcionava a cabeça
daquele urso e temeu pelo pior. Mal sabia ela que seus receios se tornavam
realidade exatamente naquele momento. Paddington estava apagando do
seu álbum as palavras “SEM FASER NADA” e acrescentando, em maiúsculas
bem grandes: “DECORANDO MEU CUARTO NOVO!”
Foi naquele dia, um pouco mais cedo, enquanto escrevia “SEM FASER
NADA” no seu álbum, que ele teve essa ideia. Paddington já havia notado que
muitas vezes tinha as melhores ideias quando estava “sem fazer nada”.
Por muito tempo todas as suas coisas ficaram embaladas, prontas para a
grande mudança para o quarto novo, e ele estava começando a ficar
impaciente. Cada vez que queria algo especial, tinha de desamarrar metros e
metros de barbante e desfazer embrulhos de papel pardo.
Após sublinhar as palavras em vermelho, Paddington arrumou tudo,
trancou seu álbum cuidadosamente na mala e correu para o andar de cima.
Muitas vezes tinha se oferecido para dar uma patinha na decoração, mas por
uma razão ou por outra o sr. Brown recusava a ideia, não permitindo nem
que ele entrasse no quarto enquanto as obras estavam em andamento.
Paddington não entendia muito bem por quê. Tinha certeza de que se sairia
muito bem.
Era um velho quarto de despejo que estava havia muito tempo fora de
uso. Ao entrar nele, Paddington o achou até mais interessante do que
esperava.
Fechou a porta, com cuidado, atrás de si e farejou. Sentiu um cheiro
intrigante de tinta e cal. Não era só isso, havia uma escadinha, um cavalete,
muitos pincéis, vários rolos de papel de parede e um balde grande de cal.
No quarto havia também um ótimo eco, e Paddington ficou um tempão
sentado no meio do assoalho enquanto mexia a tinta, só ouvindo sua nova
voz.
Havia tanta coisa diferente e interessante à sua volta que era difícil saber
o que fazer primeiro. Finalmente Paddington resolveu pintar. Escolheu um
dos melhores pincéis do sr. Brown, mergulhou-o na lata de tinta e olhou em
torno do quarto procurando onde pintar.

Depois de trabalhar na moldura da janela por algum tempo, começou a


achar que deveria ter começado por outro lugar. Segurar o pincel lhe dava
dor no braço e, quando tentou mergulhar a pata na lata de tinta e pintar
com ela, parecia que ia mais tinta para o vidro do que para a parte de
madeira, de modo que o quarto ficou meio escuro.
Balançando o pincel no ar, apontando para o quarto em geral,
Paddington disse: – Se antes eu passar cal no teto, talvez depois possa cobrir
todos os respingos com o papel de parede.
Mas, quando começou a trabalhar com a cal, percebeu que era quase tão
difícil quanto pintar. Mesmo ficando na ponta dos pés, no alto da escadinha,
dava um trabalhão alcançar o teto. Como o balde de cal era muito pesado,
ele tinha de descer toda hora da escada para molhar o pincel. Quando subia
de novo, a cal lhe escorria pela pata e colava em seu pelo.
Paddington olhou ao seu redor, desejando que ainda estivesse “sem fazer
nada”. Estava tudo começando a virar uma bagunça de novo. Tinha certeza
de que a sra. Bird ia ter o que falar quando visse aquilo.
Foi então que ele teve uma ideia brilhante. Paddington era um urso
engenhoso e não gostava de se deixar vencer. Recentemente tinha se
interessado por uma casa que estava sendo construída perto dali. Primeiro a
tinha visto pela janela de seu quarto e, desde então, passava horas
conversando com os homens e vendo-os içar as ferramentas e o cimento
para o andar superior por meio de uma corda e uma roldana. Certa vez, o sr.
Briggs, o mestre de obras, chegou a levá-lo até em cima dentro do balde e o
deixou assentar vários tijolos.
A casa dos Brown era velha e no meio do teto havia um gancho enorme
em que em outros tempos pendia um lustre gigantesco. E não era só isso.
Num canto do quarto havia um pequeno rolo de corda também…
Paddington pôs “patas” à obra rapidamente. Primeiro amarrou uma
ponta da corda no cabo do balde. Depois subiu na escada e passou a outra
ponta pelo gancho do teto. Mesmo assim, quando desceu, ainda levou um
tempão para conseguir puxar o balde para mais perto do alto da escada.
Estava cheio de cal até a borda e muito pesado, assim ele tinha de parar a
cada momento e amarrar a outra ponta da corda na escada, por medida de
segurança.
Foi quando Paddington desamarrou a corda pela última vez que as
coisas começaram a dar errado. Quando fechou os olhos e se inclinou para
trás para dar o último puxão, o ursinho teve a impressão, para sua surpresa,
de estar flutuando no ar. Era uma sensação muito estranha. Ele estendeu
uma pata para sentir o seu redor. Não havia absolutamente nada à sua volta.
O urso abriu um olho e quase soltou a corda de tão espantado que ficou ao
ver o balde de cal passar por ele descendo para o chão.
De repente tudo pareceu acontecer ao mesmo tempo. Antes que ele
pudesse estender a pata ou gritar por socorro, sua cabeça bateu no teto e ele
ouviu o estrondo do balde batendo no chão.
Por alguns segundos, Paddington ficou ali grudado, dando chutes no ar e
sem saber o que fazer. Então veio lá de baixo um ruído de gorgolejo. Ele
olhou para o chão e viu, horrorizado, que toda a cal estava escorrendo para
fora do balde. Sentiu a corda começar a se mover de novo, uma vez que o
balde estava mais leve. Então a corda passou de novo com rapidez, enquanto
ele descia para pousar num mar de cal.
No entanto, seus problemas ainda não tinham terminado. Quando
tentou se equilibrar no piso escorregadio, ele soltou a corda, e, chispando, o
balde disparou de novo para baixo e caiu no topo da cabeça dele, cobrindo-o
completamente.
Paddington ficou deitado de costas no meio da cal por vários minutos,
tentando tomar fôlego e adivinhar o que tinha batido nele. Quando
conseguiu se sentar e tirar o balde da cabeça, rapidamente voltou a colocá-
lo. Havia cal espalhada por todo o piso, a tinta tinha derramado das latas
formando pequenos rios de marrom e verde, e o boné do sr. Brown flutuava
num canto do quarto. Quando Paddington viu aquilo, ficou muito contente
por ter deixado o chapéu dele no andar de baixo.
Uma coisa era certa: ele teria de dar muitas explicações. E dessa vez seria
mais difícil do que nunca, pois não estava conseguindo explicar nem a si
mesmo o que tinha dado errado.
Um pouco mais tarde, sentado no balde emborcado e pensando no que
aconteceu, teve a ideia de empapelar as paredes. Paddington era de natureza
otimista e acreditava que as coisas deveriam ser vistas pelo lado bom. Se ele
colocasse o papel de parede direitinho, talvez ninguém notasse a bagunça
que ele tinha feito.
Paddington estava muito confiante na colocação do papel de parede.
Sem o sr. Brown saber, muitas vezes ele o tinha observado por uma fresta da
porta e a coisa parecia bem simples. Era só passar uma substância pegajosa
nas costas do papel e depois colocá-lo na parede. As partes mais altas não
eram muito difíceis, nem para um urso, pois podia-se dobrar o papel em
dois e colocar uma vassoura no meio, bem na dobra. Depois era só
empurrar a vassoura para cima e para baixo na parede, para o papel não
ficar enrugado.
Paddington sentia-se muito mais animado agora que tinha pensado em
colocar o papel de parede. Encontrou um pouco de cola já preparada em um
outro balde, que ele colocou em cima do cavalete enquanto desenrolava o
papel. No começo foi um pouco difícil, pois sempre que tentava desenrolar
o papel tinha de rastejar pelo cavalete, empurrando-o com as patas, e a
outra extremidade ia se enrolando de novo atrás dele. Mas finalmente ele
conseguiu passar cola num pedaço inteiro.
Desceu do cavalete, desviando cuidadosamente da cal, que agora estava
começando a secar formando grandes blocos. Então ele ergueu o pedaço de
papel de parede com a vassoura. Era uma tira comprida de papel, muito
mais comprida do que parecia enquanto ele passava cola nela, e, de um jeito
ou de outro, quando Paddington começou a agitar a vassoura sobre a sua
cabeça, o papel foi se enrolando nele. Depois de muito se debater, ele
conseguiu avançar na direção de uma parede. Recuou e verificou o
resultado. O papel estava rasgado em vários lugares e parecia estar cheio de
cola por fora, mas Paddington ficou muito satisfeito consigo mesmo.
Resolveu tentar com mais um pedaço, depois com mais um, correndo para
trás e para a frente entre o cavalete e as paredes, o mais rápido que suas
pernas conseguiam, num esforço para terminar tudo antes que os Brown
voltassem.

Alguns pedaços não ficaram muito bem colados, outros ficaram


encavalados e a maioria ficou com umas manchas esquisitas de cola e cal.
Nenhum pedaço ficou exatamente como ele queria, mas, inclinando a
cabeça e semicerrando os olhos para ver o efeito geral, Paddington achou
que estava bem bom e ficou satisfeito.
Foi ao examinar seu trabalho dando uma olhada final em torno do
quarto que ele notou uma coisa muito estranha. Lá estava a janela e também
a lareira. Mas já não havia nem sinal da porta. Paddington foi arregalando os
olhos. Lembrava-se nitidamente de que havia uma porta, pois tinha passado
por ela. Olhou para as quatro paredes. Era difícil enxergar bem, pois a tinta
dos vidros da janela estava secando e entrava pouca claridade, mas
decididamente não havia porta nenhuma!
– Não estou entendendo – disse o sr. Brown, ao entrar na sala de jantar.
– Procurei por todo lado e não vi sinal de Paddington. Eu disse a vocês que
deveria ter ficado em casa com ele.
A sra. Brown estava preocupada. – Minha nossa, espero que não tenha
acontecido nada. Ele não costuma sair de casa sem deixar um bilhete!
– Ele não está no quarto – disse Judy.
– O sr. Gruber também não o viu – acrescentou Jonathan. – Acabei de
chegar do mercado e ele disse que a última vez que o viu foi quando
tomaram chocolate juntos hoje de manhã.
– Você viu Paddington por aí? – a sra. Brown perguntou à sra. Bird
quando ela entrou, trazendo uma bandeja com as coisas do jantar.
– Não sei do Paddington – disse a sra. Bird. – Tive muitos problemas
com os canos de água para sentir falta de um urso. Acho que estão
obstruídos por uma bolha de ar ou algo assim. Estão fazendo barulho desde
que chegamos.
O sr. Brown apurou os ouvidos por um instante. – Parece mesmo
barulho de cano de água – ele disse. – Só que… é meio irregular – ele saiu
para o hall. – É como se fossem umas batidas…
– Caramba! – gritou Jonathan. – Ouçam… Alguém está enviando um
S.O.S.
Todos se entreolharam e então, numa só voz, exclamaram: –
Paddington!
– Misericórdia – disse a sra. Bird quando irromperam pela porta
empapelada. – Deve ter havido um terremoto ou coisa parecida. E esse é o
Paddington ou o fantasma dele? – ela apontava para uma figurinha branca,
que se levantava de um balde entornado para cumprimentá-los.
– Não consegui achar a porta – disse Paddington, choramingando. –
Acho que a cobri de papel quando fiz a decoração. Ela estava aí quando
entrei. Lembro que vi. Então comecei a bater no chão com o cabo da
vassoura.
– Puxa! – disse Jonathan, admirado. – Que bagunça.
– Você… a… cobriu… de papel… quando… fez… a… decoração –
repetiu o sr. Brown. Às vezes ele era meio lento para entender as coisas.
– Isso mesmo – disse Paddington. – Fiz uma surpresa – ele apontou
com a pata toda a volta do quarto. – Acho que está meio bagunçado, mas
ainda não secou.
Enquanto as ideias iam entrando devagar na mente do sr. Brown, a sra.
Bird veio em socorro de Paddington. – Agora não vale a pena brigar – ela
disse. – O que está feito está feito. E, se querem saber minha opinião, acho
que foi bom. Agora talvez a gente arranje bons decoradores para fazer o
serviço – a sra. Bird pegou Paddington pela pata e saiu com ele do quarto.

– E você, ursinho, vai direto tomar um banho quente antes que essa cola
e todo o resto endureçam!
O sr. Brown olhava para a sra. Bird e Paddington e o longo rastro de
pegadas e marcas de patas brancas enquanto se retiravam. – Ursos! – ele
disse, amargamente.
Depois do banho, Paddington ficou um tempão fechado no quarto,
esperando até o último minuto possível para descer para o jantar. Tinha a
péssima sensação de que estava desacreditado. Mas, surpreendentemente, a
palavra “decoração” não foi pronunciada nenhuma vez aquela noite.
Mais surpreendente ainda foi que, enquanto estava sentado na cama
tomando seu chocolate, várias pessoas vieram vê-lo e cada uma lhe deu dez
centavos de libra. Era tudo muito misterioso, mas Paddington não quis
perguntar nada, para que não mudassem de ideia.
Foi Judy quem resolveu o problema quando veio lhe dar boa-noite.
– Acho que a mamãe e a sra. Bird lhe deram dez centavos porque não
querem que o papai faça mais nenhuma decoração – ela explicou. – Ele
sempre começa as coisas e nunca termina. E acho que o papai também lhe
deu uma moeda porque não queria mesmo terminar. Agora vão chamar um
decorador e todo mundo vai ficar feliz!
Pensativo, Paddington foi bebericando seu chocolate. – Talvez se fizesse
outro quarto eu pudesse ganhar mais trinta centavos – ele disse.
– Ah, não, nada disso – disse Judy, séria. – Você já fez demais por um
dia. Se eu fosse você, não pronunciaria a palavra “decoração” por um bom
tempo.
– Talvez você tenha razão – disse Paddington, sonolento, esticando as
patas. – Mas eu estava sem fazer nada.
3
PADDINGTON VIRA
DETETIVE

O
velho quarto de despejo finalmente ficou
pronto, e todos, inclusive Paddington,
concordaram que ele era um urso de sorte por mudar para um quarto tão
bonito. A pintura era de um branco tão brilhante que ele quase podia se ver
refletido nela, e, além disso, as paredes eram forradas de um papel muito
alegre e ele também ganhou mobília nova, só para ele.
– Quem gasta tostões gasta milhões! – disse o sr. Brown. E ele comprou
uma cama novinha em folha, baixa, com pernas de tamanho especial, um
colchão de molas e um armário para Paddington guardar suas bugigangas.
Havia muitos outros móveis, e o sr. Brown tinha feito a extravagância de
comprar um tapete grosso e felpudo. Paddington estava muito orgulhoso do
tapete e estendeu folhas de jornais velhos nas partes em que ele andava para
não sujá-lo com as patas.
A contribuição da sra. Brown foram as cortinas novas, que Paddington
adorava. Na verdade, na primeira noite que passou no quarto novo ele não
conseguiu decidir se as fechava para admirá-las ou se as abria para apreciar
a vista pela janela. Saiu da cama várias vezes e finalmente resolveu deixar
uma cortina aberta e a outra fechada para que pudesse desfrutar a melhor
parte dos dois mundos.
Então uma coisa estranha chamou sua atenção. Paddington fez questão
de ter um abajur ao lado da cama para o caso de haver alguma emergência à
noite, e foi enquanto o acendia e apagava para admirar a cortina fechada que
ele a notou. Cada vez que acendia o abajur, uma luz lampejava em algum
lugar lá fora. Sentou-se na cama, esfregou os olhos e ficou olhando fixo para
a janela.
Resolveu tentar um sinal mais complicado: duas acendidas curtas e três
longas. Quase caiu da cama de tão espantado, pois cada vez que dava um
sinal este se repetia exatamente do mesmo modo no vidro.
Paddington pulou da cama e correu para a janela. Ficou ali um tempão,
olhando para o jardim, mas não viu nada. Depois de ter certeza de que a
janela estava bem travada, fechou as duas cortinas e voltou correndo para a
cama, puxando as cobertas por cima da cabeça, mais do que de costume.
Era tudo muito misterioso e Paddington não queria se arriscar.

No dia seguinte, no café da manhã, o sr. Brown lhe deu a primeira pista.
– Alguém roubou a minha abóbora premiada! – ele anunciou, zangado.
– Devem ter assaltado a horta durante a noite!
Ora, fazia algumas semanas que o sr. Brown vinha cuidando
zelosamente de uma abóbora enorme que ele pretendia apresentar num
concurso de legumes. Regava-a de manhã e à tarde, e todas as noites, antes
de deitar, ia até a horta para medir sua abóbora.
A sra. Brown trocou um olhar com a sra. Bird. – Não tem importância,
querido – ela disse. – Você tem várias outras quase tão boas quanto aquela.
– Pois para mim tem importância – rosnou o sr. Brown. – E as outras
nunca ficarão tão boas, pelo menos não a tempo para o concurso.
– Talvez tenha sido algum dos outros concorrentes, papai – disse
Jonathan. – Talvez eles não queiram que você vença. Era uma abóbora
magnífica.
– É bem possível – disse o sr. Brown, parecendo um pouco mais alegre.
– Estou pensando em oferecer uma pequena recompensa a quem a
encontrar.
A sra. Bird apressou-se em servir mais chá. Ela e a sra. Brown pareciam
ansiosas para mudar de assunto. Mas Paddington aguçou os ouvidos ao
ouvir a menção a uma recompensa. Assim que terminou a torrada com
geleia de laranja, pediu licença e foi para o andar de cima sem nem tomar
uma terceira xícara de chá.
Enquanto ajudava a sra. Bird a lavar a louça, a sra. Brown notou que
alguma coisa estranha estava acontecendo na horta atrás do jardim.
– Veja! – ela disse, quase deixando cair um prato do café da manhã, de
tão espantada. – Atrás do canteiro de repolhos. O que é aquilo?
A sra. Bird acompanhou seu olhar através da janela e viu alguma coisa
marrom se movendo num sobe e desce. Seu rosto se iluminou. – É o
Paddington – ela disse. – Eu reconheceria o chapéu dele em qualquer lugar.
– Paddington? – ecoou a sra. Brown. – Mas afinal o que ele está fazendo,
rastejando de joelhos e patas no chão pelo canteiro de repolhos?
– Parece que ele perdeu alguma coisa – disse a sra. Bird. – Ele está com
a lente de aumento do sr. Brown.

A sra. Brown suspirou. – Pois bem, acho que logo vamos ficar sabendo.
Sem saber do interesse que estava despertando, Paddington sentou-se
atrás de um talo de framboesa e tirou um caderninho, abrindo-o numa
página em que estava anotado LISTA DE PIZTAS.
Havia pouco tempo Paddington tinha lido uma história de mistério que
o sr. Gruber lhe emprestara, e começou a imaginar que era detetive. Com os
lampejos misteriosos da noite anterior e o sumiço da abóbora do sr. Brown,
convenceu-se de que finalmente sua oportunidade havia chegado.
Até então tudo tinha sido meio decepcionante. Tinha encontrado várias
pegadas, mas todas iam dar na casa. No grande espaço vazio deixado pela
abóbora premiada do sr. Brown havia dois besouros mortos e um pacote de
sementes vazio, mas só isso.
Mesmo assim, Paddington escreveu os detalhes cuidadosamente no
caderninho e desenhou um mapa do jardim e da horta, marcando com um
grande X o lugar onde a abóbora tinha estado. Então voltou para seu quarto
para refletir sobre todas as coisas. Ao chegar lá, acrescentou outra coisa ao
mapa: um desenho da casa nova que estava sendo construída do outro lado
da cerca. Paddington concluiu que certamente era de lá que tinham vindo
os lampejos misteriosos da noite anterior. Ficou um bom tempo observando
com seu binóculo de teatro, mas as únicas pessoas que viu foram os
trabalhadores da construção.
Pouco depois, quem observasse a casa dos Brown teria visto a figurinha
de um urso surgir na porta da frente e caminhar para o mercado. Felizmente
para os planos de Paddington, ninguém o viu sair e ninguém o viu voltar um
pouco mais tarde carregando um pacote enorme. Com um brilho animado
nos olhos, ele se arrastou escada acima e entrou no quarto, trancando a
porta cuidadosamente. Paddington gostava de pacotes, e aquele era
particularmente interessante.
Ele levou um tempão para desamarrar o barbante, pois suas patas
tremiam de entusiasmo. Quando abriu o papel, apareceu uma caixa
comprida de papelão, muito colorida, que tinha na frente as palavras
EQUIPAMENTO DE DISFARCE PARA DETETIVES.

Paddington brigou muito consigo mesmo desde que viu aquilo, vários
dias antes, na vitrine de uma loja. Embora sete libras parecessem uma
quantia enorme de dinheiro, sobretudo para quem ganha mesada de apenas
uma libra por semana, Paddington ficou muito feliz quando espalhou o
conteúdo da caixa no chão. Havia uma barba preta e comprida, óculos
escuros, um apito de policial, várias garrafas de produtos químicos com a
advertência “Manipule com cuidado”, que Paddington se apressou em pôr
de volta na caixa, uma almofada para tirar impressões digitais, um pequeno
frasco de tinta invisível e um manual de instruções.
Parecia um ótimo equipamento de disfarce. Paddington tentou escrever
seu nome com a tinta invisível e não conseguiu ver nada. Depois tirou as
impressões de sua pata e, debaixo das cobertas, soprou várias vezes o apito
de policial. Assim que teve a ideia de soprar pelo outro lado, um monte de
tinta caiu nos lençóis, o que seria difícil de explicar.
Mas foi da barba que ele mais gostou. Tinha dois pedaços de arame para
prender atrás da orelha. Quando se virou e de repente se viu no espelho,
Paddington quase deu um pulo. De chapéu e com uma velha capa de chuva
de Jonathan que o sr. Brown tinha separado para o bazar de roupas usadas,
ele mal conseguia se reconhecer. Depois de examinar o resultado no
espelho, de todos os ângulos possíveis, Paddington resolveu tentar no andar
de baixo. Era difícil andar direito; a capa velha de Jonathan era comprida
demais e ele pisava na barra toda hora. Além disso, suas orelhas não
seguravam a barba tão bem quanto ele esperava, de modo que teve de
segurá-la com uma pata, enquanto descia a escada de costas e segurava no
corrimão com a outra. Estava tão concentrado no que fazia que só ouviu a
sra. Bird subir quando ela já estava em cima dele.
A sra. Bird levou o maior susto quando trombou com o ursinho. – Oh,
Paddington – ela começou. – Eu ia justamente falar com você. Ia perguntar
se você podia ir até o mercado comprar meio quilo de manteiga para mim.
– Eu não sou Paddington – disse uma voz rouca, por trás da barba. –
Sou o famoso detetive Sherlock Holmes!
– Sim, querido – disse a sra. Bird. – Mas não esqueça a manteiga.
Precisamos dela para o almoço. – Então ela se virou, desceu a escada e foi
para a cozinha. A porta se fechou atrás dela e Paddington ouviu vozes
murmurando.
Tirou a barba, desapontado. – O preço de trinta e cinco pães doces! –
ele disse, amuado, sem dirigir-se a ninguém em especial. Seu primeiro
impulso foi voltar à loja e pedir seu dinheiro de volta. Trinta e cinco pães
doces eram trinta e cinco pães doces, e ele tinha levado um tempão para
economizar tanto dinheiro.
Mas, ao sair pela porta da frente, Paddington hesitou. Era muita pena
renunciar ao seu disfarce, e, apesar de a sra. Bird o ter reconhecido, talvez
não acontecesse o mesmo com o sr. Briggs, chefe de obras da construção ao
lado. Paddington resolveu tentar de novo. Ia até melhorar seu desempenho.
Ao chegar à casa nova, estava se sentindo mais satisfeito consigo
mesmo. Com o rabo do olho, tinha notado que várias pessoas olhavam para
ele quando passava. E, quando as olhava por cima dos óculos escuros,
muitas delas atravessavam a rua na mesma hora.
Foi andando em torno da casa sorrateiramente, até que ouviu vozes.
Vinham de uma janela aberta no andar de cima e, entre elas, reconheceu
nitidamente a voz do sr. Briggs. Havia uma escada apoiada na parede e
Paddington subiu por ela até sua cabeça chegar ao nível do peitoril da janela.
Então, com cuidado, ele espiou para dentro.
O sr. Briggs e seus homens estavam reunidos em torno de um pequeno
fogareiro, fazendo chá. Paddington olhou fixo para o sr. Briggs, que
despejava água na chaleira, e então, depois de ajeitar a barba, soprou forte o
seu apito de policial.
Ouviu-se um barulhão de louça se quebrando e o sr. Briggs deu um pulo.
Ele apontou com a mão trêmula para a janela.
– Minha nossa! – ele gritou. – Vejam! Uma aparição!
Os outros acompanharam seu olhar, boquiabertos. Paddington teve
tempo de ver quatro rostos pálidos olhando admirados para ele, e depois
deslizou pela escada e foi se esconder atrás de uma pilha de tijolos.
– Não estou vendo mais nada – disse uma voz. – Deve ter evaporado.
– Minha nossa! – repetiu o sr. Briggs, esfregando a testa com um lenço
sujo. – Seja o que for, nunca mais quero ver aquilo de novo.
Minha aorta ficou congelada! Dizendo isso, ele fechou a janela com força
e as vozes se calaram.
Por trás da pilha de tijolos, Paddington não acreditava no que ouvira.
Nunca tinha nem imaginado que o sr. Briggs e seus homens pudessem estar
envolvidos naquilo. Além do mais, tinha ouvido muito bem o sr. Briggs falar
em horta.
Depois de tirar a barba e os óculos, Paddington sentou-se atrás dos
tijolos e fez várias anotações no seu caderninho, com a tinta invisível.
Depois foi caminhando lentamente e pensativo rumo à mercearia.
Tinha sido um dia de boas descobertas, e Paddington resolveu que teria
de voltar ao local da construção quando tudo estivesse tranquilo.

Era meia-noite. Fazia tempo que todos da casa tinham ido para a cama.
– Sabe – disse a sra. Brown, justo quando o relógio batia as doze horas
–, é engraçado, mas tenho certeza de que o Paddington está aprontando
alguma.
– Não tem nada de engraçado – respondeu o sr. Brown, sonolento. – Ele
está sempre aprontando. O que será dessa vez?
– É esse o problema – disse a sra. Brown. – Na verdade eu não sei. Mas
hoje de manhã ele estava andando por aí com uma barba postiça. Deixou a
sra. Bird quase louca. Também ficou a tarde toda escrevendo coisas no
caderninho, e, sabe de uma coisa?
– Não – disse o sr. Brown, reprimindo um bocejo. – O quê?
– Quando olhei por cima do ombro dele, não havia nada escrito!
– Ora, ursos são sempre ursos – disse o sr. Brown. Ele fez uma pausa,
virando-se e esticando o braço para alcançar a luz de cabeceira. – Estranho
– ele falou. – Sou capaz de jurar que acabei de ouvir um apito de policial.
– Absurdo, Henry – disse a sra. Brown. – Você deve estar sonhando.
O sr. Brown encolheu os ombros enquanto apagava a luz. Estava com
muito sono para discutir. Mesmo assim, sabia que tinha ouvido um apito.
Mas, ao fechar os olhos e preparar-se para dormir, nem lhe passou pela
cabeça que aquilo tinha que ver com Paddington.

Muita coisa aconteceu com Paddington depois que ele saiu


sorrateiramente da casa dos Brown, protegido pela escuridão, e rumou para
a construção. Tantas coisas tinham acontecido, uma depois da outra, que de
início ele quase desejou nunca ter decidido ser detetive. Ficou contente
quando, depois de ter apitado com força várias vezes, um carro preto parou
na lateral da rua e dele saíram dois homens de uniforme.
– Ora, ora – disse o primeiro homem, olhando feio para Paddington –, o
que está acontecendo por aqui?
Paddington estendeu a pata dramaticamente na direção da casa nova. –
Capturei um ladrão! – ele anunciou.
– Um o quê? – perguntou o segundo policial, olhando para Paddington.
Ele já tinha enfrentado coisas muito estranhas em seu ofício, mas nunca fora
surpreendido por um ursinho no meio da noite. E aquele ainda tinha uma
longa barba preta e vestia um paletó de lã. Era completamente excepcional.
– Um ladrão – Paddington repetiu. – Acho que foi ele que assaltou a
horta do sr. Brown.
– A horta do sr. Brown? – repetiu o primeiro policial, meio estupefato
enquanto entrava na casa com Paddington, por sua entrada secreta.
– Isso mesmo – disse Paddington. – Agora ele pegou meus sanduíches
de geleia de laranja. Trouxe um monte comigo para o caso de sentir fome
enquanto estivesse esperando.
– Claro – disse o segundo policial, tentando zombar de Paddington. –
Sanduíches de geleia de laranja – olhou para o colega, batendo na testa. – E
onde está o ladrão agora? Comendo seus sanduíches?
– Imagino que sim – disse Paddington. – Fechei-o na sala e enfiei um
pedaço de madeira embaixo da porta para ele não poder sair. Minha barba
ficou presa num dos sanduíches, então acendi a lanterna para tirar alguns
fios da geleia e foi aí que aconteceu!
– Aconteceu o quê? – Os policiais perguntaram em coro. Estavam
achando meio difícil acompanhar a descrição que Paddington fazia do
desenrolar dos acontecimentos.
– Vi alguém piscando uma luz fora da janela – Paddington explicou,
com a maior paciência possível. – Então ouvi passos subindo a escada, e
fiquei à espera – ele apontou para uma porta no alto da escada. – Ele está lá
dentro!
Antes que os dois policiais conseguissem fazer mais perguntas, soou
uma batida e uma voz gritou: – Tirem-me daqui!
– Céus! – exclamou o primeiro policial. – Tem alguém aí dentro – e ele
olhou para Paddington com mais respeito. – Pode descrevê-lo, cavalheiro?
– Ele tinha cerca de dois metros e meio de altura – disse Paddington,
com indiferença – e pareceu muito zangado quando percebeu que não
podia sair.
– Hmm! – disse o segundo policial. – Bem, logo mais vamos ver isso.
Afastem-se! – Ele puxou o pedaço de madeira que estava enfiado embaixo
da porta e a escancarou, dirigindo a luz da lanterna para dentro do cômodo.
Todos recuaram, esperando que acontecesse o pior. Para sua surpresa,
quando o homem saiu, viram que era outro policial.
– Fiquei trancado! – ele exclamou, áspero. – Vejo umas luzes
lampejando numa casa vazia e vou investigar… e o que acontece? Um urso
me deixa trancado! – ele apontou para Paddington. – E se não me engano é
ele!
De repente Paddington começou a se sentir muito pequenino. Os três
policiais olhavam para ele, e, com toda a agitação, sua barba se desprendeu
de uma orelha.
– Hmm – disse o primeiro policial. – E o que você estava fazendo numa
casa vazia depois da meia-noite, amigo urso? E, ainda por cima, disfarçado!
Estou vendo que vamos ter que levá-lo para a delegacia para ser interrogado.
– É um pouco difícil de explicar – disse Paddington, com ar triste. –
Acho que vai levar bastante tempo. Vejam… tem tudo a ver com a abóbora
do sr. Brown, aquela que ele ia apresentar num concurso de legumes…
Os policiais não eram os únicos que estavam achando tudo aquilo meio
difícil de entender. O sr. Brown continuou fazendo perguntas muito depois
que Paddington foi levado da delegacia de volta à segurança da família.
– Ainda não compreendi o que o fato de eu ter perdido uma abóbora
tem a ver com a prisão do Paddington – ele disse, pela centésima vez.
– Mas Paddington não foi preso, Henry – disse a sra. Brown –, só foi
detido para investigações. De todo modo, ele só estava tentando recuperar a
abóbora. Você devia ser muito grato, isso sim.
Ela suspirou. Cedo ou tarde teria que contar a verdade ao marido. Já
tinha contado a Paddington. – Acho que foi tudo culpa minha – ela disse. –
Sabe… Eu cortei sua abóbora por engano!
– Você fez isso? – exclamou o sr. Brown. – Você cortou minha abóbora
premiada?
– É que não percebi que era a premiada – disse a sra. Brown. – E você
adora abóbora recheada. Foi nosso jantar de ontem!
De volta a seu quarto, Paddington foi para a cama bem satisfeito consigo
mesmo. Na manhã seguinte teria muita coisa para contar ao sr. Gruber, seu
amigo. Depois de ouvir toda a sua história na delegacia, o inspetor tinha
cumprimentado Paddington por sua coragem, mandando soltá-lo
imediatamente.
– Espero que haja outros ursos como o senhor, sr. Brown – ele disse, e
deu de lembrança a Paddington um autêntico apito de policial. Até o policial
que ele trancara disse que entendeu tudo o que tinha acontecido.
Além disso, por fim ele tinha descoberto o mistério das luzes que
piscavam. Ninguém tinha entrado na horta, eram simplesmente os reflexos
da lanterna dele na janela. Em pé na cama, ele se enxergava bem
nitidamente no vidro.
De certo modo, Paddington lamentava pela abóbora. Principalmente
porque não ia ganhar a recompensa. Mas estava muito contente por não ter
sido roubada pelo sr. Briggs, que, depois de tudo, tinha prometido carregá-
lo de novo no balde. Isso Paddington não queria perder.
4
PADDINGTON E A
FOGUEIRA

L
ogo depois da aventura da abóbora, o
tempo mudou. Começou a esfriar.
As folhas caíram das árvores e passou a escurecer muito cedo. Jonathan e
Judy tinham voltado para a escola e Paddington ficava sozinho em casa a
maior parte do dia.
Certa manhã, no final de outubro, chegou uma carta com seu nome no
envelope. Estava escrito “Urgente” e “Estritamente pessoal”, e era a letra de
Jonathan. Paddington não recebia muitas cartas, só um cartão-postal de vez
em quando, da tia Lucy do Peru, por isso ficou muito alvoroçado.
De certo modo, era uma carta muito misteriosa e Paddington não a
entendeu muito bem. Jonathan lhe pedia para varrer todas as folhas secas
que conseguisse e juntá-las numa pilha, deixando-a pronta para quando ele
voltasse para casa dentro de alguns dias. Paddington ficou confuso e, depois
de um tempo, resolveu consultar o sr. Gruber sobre o assunto. O seu amigo
sabia muita coisa e, quando não era capaz de responder a uma pergunta de
imediato, sabia exatamente onde procurar a resposta, na grande biblioteca
que ele tinha na loja de antiguidades. Muitas vezes ele e Paddington,
enquanto tomavam o chocolate da manhã, conversavam longamente sobre
coisas em geral, e nada agradava mais ao sr. Gruber do que ajudar
Paddington a resolver seus problemas.
– Problema compartilhado é problema pela metade, sr. Brown – ele
costumava dizer. – E devo declarar que, desde que você veio morar no
bairro, nunca me faltou assunto para pesquisar.
Assim que terminou o café da manhã, Paddington vestiu o casaco e o
cachecol, pegou a lista de compras da sra. Bird e rumou com sua cesta de
rodinhas para a rua Portobello.
Paddington gostava de fazer compras. Era um urso muito popular entre
os comerciantes do mercado, embora geralmente fosse difícil negociar com
ele. Antes de comprar qualquer coisa, ele sempre comparava os preços
minuciosamente nas várias bancas. A sra. Bird dizia que Paddington fazia o
dinheiro das compras da casa render duas vezes mais.
Fora estava mais frio do que Paddington esperava, e, quando ele parou
no caminho para olhar uma revistaria, sua respiração embaçou a parte de
baixo da vitrine. Paddington era um urso bem-educado, por isso, quando
viu o dono da loja encará-lo pela porta, esfregou a parte embaçada com a
pata para o caso de mais alguém querer olhar. Então de repente notou que o
interior da vitrine tinha mudado desde a última vez que havia passado por
lá.
Antes, era cheia de chocolates e doces. Agora tinham sumido e, no lugar,
estava um boneco meio esfarrapado sentado no topo de uma pilha de lenha.
Tinha na mão um cartaz que dizia:

LEMBREM-SE, LEMBREM-SE,
DIA 5 DE NOVEMBRO
PÓLVORA, TRAIÇÃO E CONSPIRAÇÃO

E, embaixo, havia um cartaz maior ainda, dizendo:

COMPRE AQUI SEUS FOGOS DE ARTIFÍCIO!


Paddington examinou aquilo minuciosamente e correu até a loja do sr.
Gruber, só parando para pegar sua ração matinal de pãezinhos doces na
padaria, onde ele tinha conta.
Agora que o tempo frio tinha se instalado, de manhã o sr. Gruber já não
sentava na calçada em frente à loja. Em vez disso, tinha colocado um sofá ao
lado do aquecedor, no fundo da loja. Era um canto aconchegante, cercado
de livros, mas Paddington preferia ficar lá fora. O sofá era velho e alguns fios
de crina ficavam saindo pelo tecido. No entanto, ele logo se esqueceu disso
quando dividiu a porção de pãezinhos doces com o sr. Gruber e começou a
falar dos acontecimentos da manhã.
– Pólvora, traição e conspiração? – disse o sr. Gruber, entregando a
Paddington uma enorme caneca de chocolate fumegante. – O que isso tem
a ver com o dia de Guy Fawkes?
Ele sorriu como se pedisse desculpas e limpou o vapor dos óculos ao ver
que Paddington continuava confuso.

– Sempre me esqueço, sr. Brown – ele disse –, que você vem do


longínquo Peru. Não deve saber nada sobre Guy Fawkes.
Paddington limpou o chocolate dos bigodes com as costas da pata, para
não manchar, e balançou a cabeça.
– Bem – continuou o sr. Gruber –, suponho que já tenha visto fogos de
artifício. Acho que lembro que, quando estive na América do Sul, há muitos
anos, lá sempre os soltavam nos dias festivos.
Paddington fez que sim com a cabeça. Agora que o sr. Gruber tinha
falado, lembrou que a tia Lucy o tinha levado para ver uma queima de fogos
de artifício. Embora ainda fosse muito pequeno, tinha gostado bastante.
– Aqui só temos fogos de artifício uma vez por ano – disse o sr. Gruber.
– No dia cinco de novembro – e ele continuou contando a Paddington tudo
sobre a conspiração para explodir as Casas do Parlamento, muitos anos
antes, descoberta na última hora. Desde então, comemorava-se o fracasso
do complô acendendo fogueiras e soltando fogos de artifício.
O sr. Gruber sabia explicar as coisas muito bem e, quando terminou,
Paddington agradeceu.
O sr. Gruber suspirou e, com olhar distante, disse: – Faz um bom tempo
que não solto fogos, sr. Brown. Um bom tempo, mesmo.
– Bem, sr. Gruber – disse Paddington –, acho que vamos fazer uma
queima de fogos. Vá à nossa casa, faço questão.
O sr. Gruber pareceu tão feliz com o convite que Paddington saiu
correndo para terminar suas compras. Estava ansioso para voltar à revistaria
e ver direito os fogos de artifício.
Quando Paddington entrou na loja, o homem olhou para ele,
desconfiado, por cima do balcão. – Fogos de artifício? Não sei se devo
vendê-los a ursinhos.
Paddington olhou feio para ele. – No Peru longínquo – ele disse,
lembrando-se do que o sr. Gruber tinha contado – nós sempre soltávamos
fogos nos dias festivos.
– Acredito – disse o homem. – Mas aqui não é o Peru longínquo nem
nada parecido. O que você quer? Rojões ou outro tipo?
– Acho que gostaria de experimentar aqueles que dá para segurar com a
pata para detonar – falou Paddington.
O homem hesitou. – Certo – ele disse. – Vou lhe dar um pacote de
estrelinhas. Mas, se você chamuscar os bigodes, não venha reclamar e pedir
o dinheiro de volta.
Paddington prometeu que tomaria muito cuidado e logo estava
correndo pela rua, rumo à casa dos Brown. Ao virar a última esquina, ele
trombou com um menininho que empurrava um carrinho de bebê.
O menino estendeu um boné que tinha várias moedas e levou a mão ao
chapéu, todo respeitoso. – Um trocado, cavalheiro.
– Muito obrigado – disse Paddington, tirando uma moeda do boné. – É
muita bondade sua.

– Ei! – disse o menino, quando Paddington se virou para ir embora. – Ei!


Você deveria me dar uma moeda, e não pegar uma.
Paddington o encarou. – Dar uma moeda a você? – ele disse, mal
acreditando no que ouvia. – Para quê?
– Para o Guy, é claro – disse o menino. Ele apontou para o carrinho de
bebê e só então Paddington notou que havia um sujeito dentro dele. Vestia
um terno velho e estava de máscara. Era muito parecido com o boneco que
ele tinha visto na revistaria, de manhã cedo.
Paddington ficou tão surpreso que abriu a carteira e colocou uma moeda
no boné do menino antes de saber exatamente o que estava fazendo.
– Se não quer dar um trocado ao Guy – disse o menino –, por que não
arranja um para você? É só arranjar um terno velho e um pouco de palha.
Paddington caminhou para casa muito pensativo. Quase se esqueceu de
pedir para repetir o prato no almoço.
– Espero que ele não esteja às voltas com mais uma das suas ideias –
disse o sr. Brown, quando Paddington pediu licença e foi para o jardim. – É
estranho que seja preciso lembrá-lo dessas coisas. Sobretudo quando é carne
ensopada. Geralmente ele adora bolinho.
– Acho que é uma Ideia – disse a sra. Bird, agourenta. – Conheço os
sinais.
– Bem, espero que o ar puro lhe faça bem – falou a sra. Brown, olhando
pela janela. – E é ótimo ele se oferecer para varrer todas as folhas. O jardim
está uma bagunça.
– É novembro – disse a sra. Bird. – Guy Fawkes!
– Oh! – exclamou a sra. Brown. – Minha nossa!
Durante uma hora Paddington ficou lidando no jardim com a pá de lixo
e a vassoura da sra. Bird. Os Brown tinham muitas árvores e logo ele juntara
uma pilha de folhas, que tinha quase o dobro de sua altura, no meio do
canteiro de repolhos. Ao sentar-se para descansar no meio do canteiro de
flores, sentiu que alguém o observava.
Levantou os olhos e viu o sr. Curry, vizinho dos Brown, espiando
desconfiado por cima da cerca. O sr. Curry não gostava muito de ursos e
estava sempre tentando pegar Paddington fazendo o que não deveria para
poder denunciá-lo. Na vizinhança, ele tinha fama de ser mesquinho e
desagradável, e os Brown tinham com ele o menor contato possível.
– O que está fazendo, urso? – ele rosnou para Paddington. – Espero que
não esteja pensando em queimar todas essas folhas.
– Ah, não – disse Paddington. – É para Guy Fawkes.
– Fogos de artifício! – disse o sr. Curry, irritado. – Horríveis! Fazem
barulho e assustam as pessoas!
Paddington, que andava pensando em experimentar uma das suas
estrelinhas, na mesma hora escondeu o pacote atrás das costas. – Então o
senhor não vai soltar fogos de artifício, sr. Curry? – ele perguntou, bem-
educado.
– Fogos de artifício? – O sr. Curry olhou para Paddington com
repugnância. – Eu? Não posso me dar ao luxo, urso. Desperdício de
dinheiro. Mais do que isso: se eu pegar algum vindo na direção do meu
jardim, vou chamar a polícia!
Paddington ficou muito contente por não ter experimentado suas
estrelinhas.
– Mas tem uma coisa, urso – com um brilho malicioso nos olhos, o sr.
Curry olhou ao redor para ter certeza de que ninguém estava ouvindo –, se
alguém quiser me convidar para uma queima de fogos, aí é diferente – ele
fez um gesto para Paddington se aproximar da cerca e continuou
cochichando na orelha dele. À medida que Paddington ouvia, sua cara ia se
fechando e sua orelha começava a cair.
– Acho uma pouca-vergonha – disse a sra. Bird mais tarde, quando
soube que o sr. Curry tinha se convidado para a festa da queima de fogos. –
Assustar um ursinho desse jeito, falando em polícia e coisas desse tipo. Só
porque esse pão-duro não quer comprar fogos para ele mesmo soltar. Ainda
bem que não veio falar comigo, senão eu dizer umas coisinhas a ele!
– Coitado do Paddington – disse a sra. Brown. – Parecia estar
desnorteado. Onde ele está agora?
– Não sei – disse a sra. Bird. – Ele saiu para tentar arranjar um pouco de
palha. Acho que tem a ver com a fogueira.
Ela voltou a falar no sr. Curry. – Quando penso em todos os serviços que
esse ursinho presta a esse homem, gastando as patas até os ossos, só porque
ele tem preguiça de fazer as coisas pessoalmente.
– Ele se aproveita das pessoas – disse a sra. Brown. – Até deixou seu
terno velho na varanda, hoje de manhã, para o homem da nossa lavanderia
levá-lo para lavar.
– Ele fez isso? – exclamou a sra. Bird, zangada. – Ora, vamos dar um
jeito nisso! – Ela correu para a porta da frente e gritou para a sra. Brown: –
A senhora disse que foi na varanda?
– Isso mesmo – respondeu a sra. Brown. – Bem no canto.
– Mas já não está lá! – gritou a sra. Bird. – Alguém deve ter levado.
– Estranho – disse a sra. Brown. – Não ouvi ninguém bater na porta. E o
homem da lavanderia ainda não passou. Muito, muito estranho.
– Bem feito para ele se alguém tiver levado – disse a sra. Bird, voltando
para a cozinha. – Vai servir de lição! Apesar da aparência severa, a sra. Bird
tinha um bom coração, mas ficava furiosa quando as pessoas se
aproveitavam de alguém, principalmente de Paddington.
– Tudo bem – disse a sra. Brown. – Espero que tudo se arranje. Preciso
me lembrar de perguntar ao Paddington se ele viu o terno ao entrar.
Acontece que Paddington ficou muito tempo fora e, quando ele voltou, a
sra. Brown tinha esquecido completamente o assunto. Já fazia algum tempo
que tinha escurecido quando ele entrou no jardim, pelos fundos, e
empurrou sua cesta pelo caminho até o barracão do sr. Brown. Então, com
certa dificuldade, conseguiu tirar da cesta um objeto grande e colocá-lo num
canto, atrás do cortador de grama. Também havia uma pequena caixa de
papelão em que estava escrito GI FAWKES, e que fazia barulho quando era
chacoalhada.
Paddington fechou a porta do barracão, escondeu bem a caixa de
papelão debaixo do seu chapéu, no fundo da cesta, e depois saiu sorrateiro
do jardim, dando a volta até a porta da frente. Estava satisfeito consigo
mesmo. Tinha feito um bom trabalho aquele fim de tarde, muito melhor do
que esperava, e à noite, antes de deitar, passou um tempão escrevendo uma
carta para Jonathan, contando tudo o que tinha feito.

– Caramba, Paddington! – exclamou Jonathan alguns dias depois, enquanto


se preparavam para a exibição de fogos. – Que monte de fogos de artifício! –
disse ele, espiando dentro da caixa de papelão, cheia até a borda. – Nunca vi
tantos!

– Sinceramente, Paddington – disse Judy, admirada. – Qualquer um


acharia que você andou fazendo uma coleta na rua ou algo assim.
Paddington acenou vagamente com a pata e trocou um olhar
significativo com Jonathan. Mas, antes que ele tivesse tempo de explicar as
coisas a Judy, o sr. Brown entrou.
Estava de casaco e botas de borracha e segurava uma vela acesa. – Certo!
– ele disse. – Estamos todos prontos? O sr. Gruber está esperando no
vestíbulo e a sra. Bird arrumou as cadeiras na varanda – o sr. Brown parecia
mais ansioso do que todos para começar a queima de fogos e olhou com
inveja para a caixa de Paddington.
Quando estavam todos no jardim, ele levantou a mão, pedindo silêncio,
e disse: – Como é o primeiro 5 de novembro de Paddington, proponho que
ele solte o primeiro fogo de artifício.
– Isso mesmo! Isso mesmo! – aplaudiu o sr. Gruber. – Qual deles quer
soltar, sr. Brown?
Paddington olhou pensativo para a caixa. Havia fogos de tantas formas e
tamanhos que era difícil resolver. – Acho que vou querer primeiro um
daqueles que dá pra segurar com a pata – ele disse. – Acho que quero uma
estrelinha.
– Coisa mais boba, estrelinhas – disse o sr. Curry, sentado na melhor
cadeira, servindo-se de sanduíches de geleia de laranja.
– Se Paddington quer, é isso que ele vai fazer – disse a sra. Bird,
lançando um olhar gelado para o sr. Curry.
O sr. Brown deu a vela a Paddington, tomando o cuidado de não deixar
cera quente cair na pelagem dele, e todos aplaudiram quando a estrelinha se
acendeu. Paddington a rodou acima da cabeça várias vezes. E todos
aplaudiram de novo quando ele a agitou no ar formando as letras P-A-D-D-I-
N-G-T-U-N.
– Impressionante – disse o sr. Gruber.
– Mas não é assim que se escreve Paddington – disse o sr. Curry, com a
boca cheia de sanduíche.
– É assim que eu escrevo – disse Paddington. Ele olhou muito feio para
o sr. Curry, só que infelizmente estava escuro e parte do efeito se perdeu.
– Que tal acendermos a fogueira? – apressou-se em dizer o sr. Brown. –
Assim todos nós poderemos ver o que estamos fazendo – e as folhas
estalaram quando ele se debruçou e aproximou o fósforo para acendê-la.
– Agora está melhor – disse o sr. Curry, esfregando as mãos. – Nessa
varanda de vocês venta muito. Acho que vou soltar mais alguns fogos de
artifício, se é que os sanduíches acabaram – ele olhou atravessado para a sra.
Bird.
– Acabaram, sim – disse a sra. Bird. – O senhor acabou de pegar o
último. Sinceramente – ela continuou, enquanto o sr. Curry se afastava para
remexer a caixa de Paddington –, como tem gente descarada. E ele mesmo
não trouxe nem uma girândola!
– Ele estraga tudo – disse a sra. Brown. – Estavam todos ansiosos por
esta noite. Tenho vontade de… – a sra. Brown não terminou de falar, pois
um grito veio da direção do barracão do jardim.
– Ora, Paddington – Jonathan gritou. – Por que você não nos contou?
– Não nos contou o quê? – perguntou o sr. Brown, tentando dividir a
atenção entre uma vela romana que tinha acabado de gorar e o objeto
misterioso que Jonathan arrastava para fora do barracão.
– É um boneco! – Judy gritou, entusiasmada.
– É fantástico! – exclamou Jonathan. – Parece uma pessoa de verdade. É
seu, Paddington?
– Bem – disse o urso –, sim… e não.
Ele estava com ar preocupado. No alvoroço, esqueceu completamente o
boneco que tinha usado para fazer a coleta para comprar os fogos. Não
queria que os outros ficassem sabendo para não fazerem muitas perguntas.
– Um boneco! Seria melhor ele ir para a fogueira – disse o sr. Curry,
tentando enxergá-lo através da fumaça. Por alguma razão estranha, havia
algo familiar naquele boneco que ele não conseguia identificar muito bem.
– Ah, não – Paddington apressou-se em dizer. – Não acho que seja bom
fazer isso. Ele não foi feito para ser queimado.
– Bobagem, urso – disse o sr. Curry. – Vejo que você não sabe muito
sobre a noite de Guy Fawkes. Os bonecos que o representam sempre são
queimados – ele afastou os outros para o lado e, usando o rastelo do sr.
Brown, colocou o boneco no topo da fogueira.
– Pronto! – ele exclamou, recuando e esfregando as mãos. – Assim está
melhor. Isso é que eu chamo de fogueira.
O sr. Brown tirou os óculos, limpou-os e olhou bem para a fogueira. Não
reconheceu o terno que o boneco vestia e ficou feliz por não ser dele.
Mesmo assim, teve um mau pressentimento. – Parece… parece um boneco
muito bem-vestido – observou.
O sr. Curry se empertigou e deu um passo à frente para ver melhor.
Agora que a fogueira estava bem acesa e clareava tudo, dava para enxergar
melhor. A calça estava pegando fogo e o paletó começava a chamuscar. Seus
olhos quase saltaram das órbitas. Apontou para as chamas com o dedo
trêmulo.
– É o meu terno! – ele rugiu. – Meu terno! Aquele que vocês deveriam
ter mandado para a lavanderia!
– O quê? – exclamou o sr. Brown. Todos se voltaram para Paddington.
Paddington estava tão surpreso quanto os outros. Era a primeira vez que
ouvia falar no terno do sr. Curry. – Eu o encontrei na soleira da porta – ele
disse. – Pensei que fosse para o bazar de roupa velha…
– Roupa velha? – gritou o sr. Curry, quase fora de si de tanta raiva. –
Bazar de roupa velha? Meu terno novo! Vou… Vou… – o sr. Curry
gaguejava tanto que nem conseguiu dizer nada. Mas a sra. Bird conseguiu.
– Para começar – ela disse –, esse terno não era novo. Já foi para a
lavanderia pelo menos umas seis vezes, pelo que sei. E tenho certeza de que
o Paddington não sabia que era seu. Além do mais – ela concluiu, com ar de
triunfo –, quem foi que insistiu para que ele fosse queimado na fogueira?
O sr. Brown fez força para não rir, e então percebeu que o sr. Gruber
olhava para ele por cima do lenço. – Foi o senhor, sabia? – ele soltou. – O
senhor disse para colocá-lo na fogueira. Paddington bem que tentou
impedir.
Foi difícil para o sr. Curry se conter, enquanto olhava de um para o
outro. Mas ele sabia que estava derrotado. Lançou um último olhar ao redor
e saiu pisando duro, noite adentro. Alguns momentos depois, o estrondo de
uma porta batendo ecoou pelas casas.
– Bem – disse o sr. Gruber, com uma risadinha –, devo dizer que,
quando o jovem sr. Brown está por perto, nunca há monotonia – ele
apalpou embaixo da cadeira e tirou uma caixa de papelão. – Agora
proponho continuar a exibição de fogos. E, se por acaso os fogos de artifício
acabarem, eu trouxe mais alguns.
– Engraçado o senhor falar isso – disse o sr. Brown, apalpando embaixo
da sua cadeira. – Eu também trouxe alguns!
Depois disso, todas as pessoas da vizinhança opinaram que era a melhor
queima de fogos a que tinham assistido nos últimos anos. Muita gente foi se
aproximando para olhar, e até o sr. Curry foi visto espiando por trás das
cortinas diversas vezes.
Quando Paddington ergueu a pata cansada e, com a última estrelinha,
escreveu no ar F-I-M, todos concordaram que nunca tinham visto uma
fogueira tão sensacional nem um boneco de Guy Fawkes tão bem-vestido.
5
PROBLEMAS NO
NÚMERO TRINTA E
DOIS

A
quela noite, depois que a fogueira
se apagou, de repente o tempo esfriou mais ainda. Quando Paddington
subiu para ir para a cama, abriu um pouquinho a janela para ver se havia
mais fogos de artifício. Aspirou o ar frio da noite e fechou rapidamente a
janela, mergulhou na cama e puxou as cobertas até as orelhas.
De manhã, ele acordou muito mais cedo do que de costume, tremendo
de frio, e, para sua surpresa, constatou que as pontas de seus bigodes, que
tinham ficado descobertas durante a noite, estavam duras. Depois de prestar
atenção por um instante para ter certeza de que o café da manhã estava
sendo preparado, vestiu seu casaco de lã e foi para o banheiro.
Lá Paddington fez muitas descobertas interessantes. Primeiro, sua calça,
que na noite anterior ele tinha deixado dobrada sobre o toalheiro, estava
dura como tábua, e, quando ele tentou desdobrá-la, fez um barulho
engraçado, como se fossem estalos. Depois, quando abriu a torneira, nada
aconteceu. Paddington logo decidiu não se lavar aquela manhã e correu de
volta para o quarto.
Mas ao chegar lá teve outra surpresa. Abriu as cortinas e tentou olhar
pela janela, só que ela estava branca e congelada, como a do banheiro.
Paddington soprou com força no vidro e o esfregou com as costas da pata.
Quando criou um espaço por onde dava para olhar, quase caiu de costas de
espanto.
Todos os vestígios da fogueira da noite anterior tinham desaparecido.
Estava tudo coberto por uma grossa camada branca. E não era só isso,
também caíam do céu milhões de grandes flocos brancos.
Ele correu para o andar de baixo para contar aos outros. Os Brown
estavam sentados em torno da mesa do café da manhã quando ele irrompeu
na sala de jantar. Paddington acenou a pata no ar, agitado, e gritou para
todos olharem pela janela.
– Minha nossa! – exclamou o sr. Brown, levantando os olhos do jornal.
– O que houve?
– Veja! – disse Paddington, apontando para o jardim. – Está tudo
branco!
Judy lançou a cabeça para trás e deu risada. – Está tudo bem,
Paddington. É apenas neve. Isso acontece todos os anos.
– Neve? – repetiu Paddington, com cara de quem não tinha entendido.
– O que é neve?
– É uma amolação – disse o sr. Brown, contrariado. Aquela manhã o sr.
Brown não estava de bom humor. Não esperava que o tempo mudasse tão
depressa e a água tinha congelado em todos os canos do andar de cima. Para
piorar, todos o culparam porque ele tinha esquecido de ligar o aquecedor de
água antes de ir para a cama.
– Neve? – disse Judy. – Bem, é… é uma espécie de chuva congelada. É
muito macia.
– É ótimo para fazer bolas de neve! – exclamou Jonathan. – Depois do
café vamos lhe mostrar como é. Ao mesmo tempo, podemos limpar o
caminho.
Paddington sentou-se à mesa e começou a desdobrar seu guardanapo,
sem conseguir tirar os olhos do cenário lá de fora.
– Paddington – disse a sra. Brown, desconfiada –, você estava de casaco
quando se lavou hoje de manhã?
– Uma lavadinha de nada – disse a sra. Bird, dando ao urso uma
tigelinha fumegante de mingau. – Quase nada mesmo, é o que eu acho.
Mas Paddington estava ocupado demais pensando na neve para ouvir o
que elas diziam. Estava imaginando um jeito de acelerar o café da manhã
colocando tudo no mesmo prato. Só que, assim que esticou a pata para
pegar os ovos com bacon e a geleia de laranja, deu com o olhar da sra. Bird e
rapidamente fingiu que só estava acompanhando o ritmo da música do
rádio.
– Se você for mesmo sair depois do café, Paddington – disse a sra.
Brown –, seria simpático se pudesse limpar os caminhos do sr. Curry depois
do nosso. Todos nós sabemos que a história do terno não foi culpa sua, mas
seria uma maneira de mostrar boa vontade.
– Boa ideia! – exclamou Jonathan. – Vamos ajudar você. Depois
podemos usar toda a neve que tiramos para fazer um boneco de neve hoje à
tarde. Que tal, Paddington?
Paddington parecia meio hesitante. Sempre que tentava ajudar o sr.
Curry, algo dava errado.
– Mas nada de jogar bolas de neve – avisou a sra. Bird. – O sr. Curry
sempre dorme com a janela do quarto aberta, mesmo em pleno inverno. Ele
não vai gostar nada se vocês o acordarem.
Paddington, Jonathan e Judy concordaram em ficar bem quietos e, assim
que terminaram o café da manhã, vestiram suas roupas mais quentes e
saíram correndo para ver a neve.
Paddington estava muito impressionado. A neve era mais funda do que
esperava, só que não tão fria assim, a não ser quando ficava parado muito
tempo no mesmo lugar. Em alguns minutos, os três estavam ocupados com
pás e vassouras para desobstruir os caminhos do sr. Curry.
Jonathan e Judy começaram pela calçada da frente da casa. Paddington
pegou seu baldinho de praia e começou o trabalho pelo caminho do jardim
dos fundos, que não era muito largo.
Encheu o baldinho de neve e depois foi esvaziá-lo, passando por um
buraco da cerca dos Brown, perto do lugar em que pretendiam fazer o
boneco de neve, à tarde. Era um trabalho duro, pois a camada de neve era
profunda e chegava até a barra do casaco dele. Mal acabava de limpar um
espaço, rapidamente caía mais neve, cobrindo tudo de novo.
Depois de trabalhar por horas, pelo menos era o que parecia,
Paddington resolveu descansar. Porém, assim que se sentou no balde,
alguma coisa lhe bateu atrás da cabeça, quase lhe arrancando o chapéu.
– Acertei! – gritou Jonathan, todo alegre. – Venha fazer bolas de neve,
Paddington, vamos fazer uma guerra!
Paddington se levantou do balde de um salto e deu a volta pelo lado do
barracão do sr. Curry. Então, depois de verificar se a sra. Bird não estava por
perto, catou um pouco de neve e a moldou, fazendo uma bola bem dura.
Segurando-a firme com a pata direita, fechou os olhos e tentou acertar o
alvo.
– Iah! – gritou Jonathan, quando Paddington abriu os olhos. – Errou por
um quilômetro. É melhor você treinar um pouco!
Atrás do barracão do sr. Curry, Paddington ficou coçando a cabeça e
examinando a pata. Sabia que a bola de neve tinha ido para algum lugar,
mas não tinha a menor ideia de que lugar era esse. Depois de pensar um
pouco, resolveu tentar de novo. Se ele desse a volta pelo lado da casa pé ante
pé, poderia pegar Jonathan desprevenido e acertá-lo pelas costas.
Ao passar na ponta das patas pela porta dos fundos do sr. Curry,
segurando uma bola de neve, notou que a porta estava aberta. O vento
soprava neve para dentro da cozinha e já havia um montinho sobre o
capacho. Paddington hesitou por um instante e puxou a porta, para fechá-la.
Quando ela se fechou, ouviu-se um clique, e ele a empurrou levemente com
a pata para ver se estava travada. Tinha certeza de que o sr. Curry não ia
querer neve espalhada pelo piso da cozinha e ficou muito satisfeito por ter
feito mais uma boa ação, além de varrer o caminho.
Para surpresa de Paddington, quando ele espiou pelo canto e viu a frente
da casa, o sr. Curry já estava lá. Estava de roupão por cima do pijama e
parecia estar com frio e furioso. Interrompeu a conversa com Jonathan e
Judy e olhou na direção de Paddington.
– Ah, aí está você, urso! – ele exclamou. – Andou jogando bolas de
neve?
– Bolas de neve? – Paddington repetiu, escondendo rapidamente a pata
nas costas. – O senhor disse bolas de neve, sr. Curry?
– Sim – respondeu o sr. Curry. – Bolas de neve! Uma grandona passou
pela janela do meu quarto agora há pouco e aterrissou bem no meio da
minha cama. Agora derreteu toda em cima da minha bolsa de água quente!
Se eu souber que você fez isso de propósito, urso…
– Ah, não, sr. Curry – disse Paddington, muito sério –, eu não faria uma
coisa dessas de propósito. Acho que não conseguiria. É difícil lançar bolas de
neve com a pata, principalmente grandes assim.
– Assim como? – perguntou o sr. Curry, desconfiado.
– Como a que o senhor disse que aterrissou na sua cama – falou
Paddington, parecendo meio confuso. Estava começando a desejar que o sr.
Curry fosse embora depressa. A bola de neve estava congelando sua pata.
– Mmm – disse o sr. Curry. – Bem, não vou ficar aqui fora, na neve,
discutindo travessuras de urso. Vim aqui para baixo com a intenção de lhes
dar uma bronca – e ele lançou um olhar aprovador para a calçada limpa. –
Devo admitir que fiquei agradavelmente surpreso – ele virou as costas para
entrar. – De fato, se vocês fizerem um trabalho bom como esse com o resto,
posso até lhes dar dez centavos! Para dividirem entre vocês – ele
acrescentou, para evitar mal-entendidos.
– Dez centavos! – exclamou Jonathan, desanimado. – Uma mísera
moeda de dez centavos!
– Tudo bem – disse Judy –, pelo menos fizemos a boa ação do dia. Vai
render por um tempo, mesmo em se tratando do sr. Curry.
Paddington parecia estar duvidando. – Não acho que vai render por
muito tempo – aguçando os ouvidos. – Na verdade, acho que quase já
deixou de render – e, enquanto ele ainda falava, ouviram um rugido raivoso
do sr. Curry seguido por várias pancadas fortes.
– O que houve agora? – exclamou Judy. – Parece o sr. Curry batendo na
porta dos fundos.
– Achei que estivesse fazendo um favor a ele – disse Paddington, com ar
preocupado –, por isso fechei a porta. Acho que ele ficou trancado do lado
de fora.
– Céus, Paddington – resmungou Judy. – Hoje você está com azar.
– Quem fechou minha porta? – rugiu o sr. Curry, voltando para a frente
da casa. – Quem me trancou fora da minha casa? Urso! – ele ladrou. –
Onde está você, urso?
O sr. Curry olhou rua abaixo, mas não havia uma alma à vista. Se
estivesse um pouco menos furioso, poderia ter notado três conjuntos
diferentes de marcas de patas e pés por onde Paddington, Jonathan e Judy
tinham fugido às pressas.
Depois de uma certa distância, as três pistas se separavam. As de
Jonathan e Judy desapareciam para dentro da casa dos Brown. A de
Paddington continuava na direção do mercado.
Por aquele dia, já tinha visto o sr. Curry o suficiente. Além disso, passava
das dez e meia e ele tinha prometido encontrar o sr. Gruber às onze para
tomar o chocolate matutino.

– Acho mesmo que o sr. Curry ficou meio esquisito da cabeça – disse a
sra. Brown, um pouco mais tarde. – Hoje de manhã ele estava sentado fora
de casa, de pijama e roupão, com toda aquela neve. Depois começou a
correr em círculos, brandindo os punhos.
– Mmm – murmurou a sra. Bird –, um pouco antes disso vi o
Paddington brincando com bolas de neve no jardim dos fundos do sr. Curry.
– Minha nossa – disse a sra. Brown. Ela olhou pela janela. O céu
finalmente tinha clareado, e o jardim, com os galhos das árvores inclinados
sob o peso da neve, parecia um cartão de Natal. – Está tudo quieto – ela
disse. – É como se estivesse para acontecer alguma coisa.
A sra. Bird acompanhou o olhar dela. – Eles fizeram um boneco de neve
maravilhoso. Nunca vi um tão lindo. Só é um pouco pequeno, mas parece
que está vivo.
– Não é o chapéu velho do Paddington que puseram na cabeça dele? –
perguntou a sra. Brown. Quando a porta abriu, ela se virou e viu Jonathan e
Judy entrarem. – Estávamos comentando – ela continuou – como é lindo o
boneco de neve que vocês fizeram.
– Não é um boneco de neve – disse Jonathan, com ar de mistério. – É
um urso de neve. É uma surpresa para o papai. Ele está descendo a rua agora.
– Parece que ele vai encontrar mais de uma surpresa – previu a sra. Bird.
– Estou vendo o sr. Curry esperando por ele perto da cerca.
– Ah, caramba! – Jonathan resmungou. – Só faltava essa!
– O sr. Curry sempre estraga tudo – disse Judy. – Espero que ele não
fique conversando demais com o papai.
– Por quê, querida? – perguntou a sra. Brown. – Não importa!
– Não importa? – gritou Jonathan, correndo até a janela. – Pois importa
muito, sim!
A sra. Brown não continuou o assunto. Não tinha dúvida de que ficaria
sabendo de tudo na hora certa, fosse o que fosse.
O sr. Brown levou um tempão para se livrar do sr. Curry e conseguir
entrar com o carro na garagem. Ao entrar, ele parecia muito aborrecido.
– Esse sr. Curry! – ele exclamou. – Veio me contar histórias sobre o
Paddington de novo. Se eu estivesse lá, de manhã, teria jogado mais de uma
bola de neve na cama dele – e, olhando ao redor, perguntou: – Por falar
nisso, cadê o Paddington?
Geralmente Paddington gostava de ajudar o sr. Brown a entrar com o
carro e era de estranhar que ele não estivesse lá fazendo sinal com as patas.
– Faz séculos que não o vejo – disse a sra. Brown. Ela olhou para
Jonathan e Judy. – Vocês sabem onde ele está?
– Ele não pulou na sua frente, papai? – perguntou Jonathan.
– Pular na minha frente? – exclamou o sr. Brown, estranhando. – Não
que eu saiba. Por que ele faria isso?
– Mas você viu o urso de neve, não viu? – perguntou Judy. – Bem ao
lado da garagem.
– Urso de neve? – disse o sr. Brown. – Minha nossa, não me digam…
que era o Paddington!
– O que aquele ursinho aprontou desta vez? – perguntou a sra. Bird. –
Vocês querem dizer que ele ficou lá fora, coberto de neve, esse tempo todo?
Nunca ouvi uma coisa dessas!
– Bem, na verdade a ideia não foi dele – disse Jonathan. – Não
totalmente.
– Acho que ele ouviu a voz do sr. Curry e se assustou – disse Judy.
– Tragam esse urso para dentro imediatamente – disse a sra. Bird. – Ele
vai acabar morrendo de frio. Tenho vontade de mandá-lo para a cama sem
jantar.
Não é que a sra. Bird estivesse zangada com Paddington. Estava apenas
preocupada com o que pudesse ter acontecido, e, quando ele entrou pela
porta, ela mudou de jeito imediatamente.
Pegou uma de suas patas na mão e tocou no focinho dele. – Meu Deus
do céu! – exclamou. – Está parecendo um iceberg.
Paddington tremia. – Acho que não gosto muito de ser urso de neve –
ele disse, com voz fraca.
– Imagino que não, de fato! – exclamou a sra. Bird. Ela se voltou para os
outros. – Esse urso vai para a cama agora mesmo, com uma bolsa de água
quente e uma tigela de caldo. Depois vou mandar chamar o médico.
Dizendo isso, ela pôs Paddington sentado perto da lareira e subiu
correndo para buscar um termômetro.
Paddington se recostou na poltrona do sr. Brown, de olhos fechados. De
fato, estava se sentindo muito estranho. Não se lembrava de já ter se sentido
daquele jeito. Ora tinha a sensação de estar frio como a neve lá de fora, ora
tinha a sensação de estar pegando fogo.
Não sabia muito bem quanto tempo tinha ficado ali deitado, mas
lembrava-se vagamente de a sra. Bird lhe enfiar uma coisa comprida e fria
debaixo da língua, dizendo que não era para ele morder. Depois disso, não
se lembrava de muita coisa mais, a não ser de que todos começaram a correr
de um lado para o outro, preparando sopa, enchendo bolsas de água quente
e arrumando o quarto de modo que ficasse confortável para ele.
Em alguns minutos tudo estava pronto e os Brown subiram todos ao
andar de cima para verificar se ele estava bem acomodado na cama.
Paddington agradeceu muito a todos e, depois de acenar-lhes com a pata,
deitou e fechou os olhos.
– Ele deve estar se sentindo mal – sussurrou a sra. Bird. – Nem tocou na
sopa.
– Caramba – disse Jonathan, tristonho, descendo a escada atrás de Judy.
– A maior parte da ideia foi minha. Nunca vou me perdoar se acontecer
alguma coisa com ele.
– A ideia também foi minha – disse Judy, em tom consolador. – Acho
que pensamos todos juntos. De todo modo – ela acrescentou, quando a
campainha da porta da frente tocou –, deve ser o médico. Logo vamos
saber.
O dr. MacAndrew ficou um tempão com Paddington e, quando desceu a
escada, estava com ar muito sério.
– Como ele está, doutor? – perguntou a sra. Brown, ansiosa. – Não é
uma doença grave, é?
– Pois sim – disse o dr. MacAndrew. – Parece que o jovem urso está
muito doente, de fato. Brincando na neve sem estar acostumado, decerto.
Dei remédio umas gotas para passar a noite. Amanhã primeira coisa de
manhã venho aqui.
– Mas ele vai ficar bom, não é, doutor? – disse Judy, chorando.
O dr. MacAndrew balançou a cabeça gravemente. – Não posso ainda
dar opinião – ele disse. – Nenhuma opinião – dizendo isso, desejou boa
noite a todos e se foi.
Aquela noite, os Brown subiram a escada todos muito tristes. Enquanto
se aprontavam para ir para a cama, a sra. Bird, silenciosamente, levava suas
coisas para o quarto de Paddington, para que pudesse ficar de olho nele
durante a noite.
Mas ela não era a única que não conseguia nem pensar em dormir.
Muitas vezes a porta do quarto de Paddington se abria devagarinho e o sr. e
a sra. Brown, ou Jonathan, ou Judy, entravam pé ante pé para ver como
estavam as coisas. De certo modo não parecia possível que pudesse
acontecer alguma coisa com Paddington. Mas cada vez que olhavam para a
sra. Bird ela simplesmente balançava a cabeça e continuava costurando, para
que não vissem seu rosto.
No dia seguinte a notícia da doença de Paddington se espalhou
rapidamente pela vizinhança, e na hora do almoço havia um verdadeiro rio
de visitas para ele.
O sr. Gruber foi o primeiro a aparecer. – Quis saber o que estava
acontecendo com o jovem sr. Brown, pois ele não apareceu às onze horas –
ele disse, parecendo muito preocupado. – Mantive o chocolate dele
aquecido por mais de uma hora.
O sr. Gruber foi embora mas voltou logo depois trazendo um cacho de
uvas e uma grande cesta de frutas e flores dos outros comerciantes do
mercado Portobello. – Nesta época do ano não há muita variedade – ele
disse, desculpando-se –, mas fizemos o melhor possível.
Ele parou na porta. – Tenho certeza de que ele vai ficar bom, sra. Brown
– ele disse. – Com tanta gente querendo que ele fique bom, tenho certeza de
que isso vai acontecer.
O sr. Gruber ergueu o chapéu para a sra. Brown e foi andando
devagarinho na direção do parque. Por alguma razão não queria voltar para
a loja aquele dia.

Até o sr. Curry bateu na porta aquela tarde, trazendo uma maçã e um
pote de geleia de mocotó, que, segundo ele, fazia muito bem para inválidos.
A sra. Bird levou todos os presentes para o quarto de Paddington e os
arranjou cuidadosamente ao lado da cama para o caso de ele acordar e
querer comer alguma coisa. O dr. MacAndrew apareceu várias vezes
durante os dois dias seguintes, mas, por mais que ele fizesse, parecia não
haver nenhuma mudança. – Temos que dar tempo ao tempo – era a única
coisa que ele dizia.
Três dias depois, na hora do café da manhã, a porta da sala de jantar dos
Brown se escancarou e a sra. Bird entrou correndo.
– Oh, venham depressa! – ela gritou. – É Paddington!
Todos se levantaram de um salto e encararam a sra. Bird.
– Ele… ele não piorou, não é? – perguntou a sra. Brown, expressando a
preocupação de todos eles.
– Misericórdia, não – disse a sra. Bird, abanando-se com o jornal da
manhã. – É o que estou tentando dizer. Ele está muito melhor. Está sentado
na cama, pedindo um sanduíche de geleia de laranja!
– Sanduíche de geleia de laranja? – exclamou a sra. Brown. – Oh, graças
a Deus! – ela não sabia se ria ou chorava. – Nunca imaginei que as palavras
“geleia de laranja” pudessem me deixar tão feliz.
Assim que ela terminou de falar, ouviram a campainha que o sr. Brown
tinha instalado ao lado da cama de Paddington para que fosse tocada em
caso de emergência.
– Minha nossa! – exclamou a sra. Bird. – Espero não ter falado cedo
demais! – Ela saiu correndo da sala e todos subiram a escada até o quarto de
Paddington. Quando entraram, ele estava deitado de costas, com as patas
para cima, olhando para o teto.
– Paddington! – chamou a sra. Brown, mal conseguindo respirar. –
Paddington, você está bem?
Todos esperavam ansiosos pela resposta. – Acho que tive uma recaída –
ele disse, com a voz fraca. – Seria melhor eu comer dois sanduíches de geleia
de laranja, só para garantir.
Os Brown e a sra. Bird se entreolharam, com um suspiro de alívio.
Embora ainda não estivesse totalmente bom, Paddington com certeza estava
a caminho da recuperação.
6
PADDINGTON E AS
COMPRAS DE NATAL

–A
cho que eu não deveria dizer isso – observou a sra. Bird –, mas
vou ficar feliz quando o Natal tiver passado.
As semanas anteriores ao Natal geralmente eram muito trabalhosas para
a sra. Bird. Passava a maior parte do tempo na cozinha, fazendo empadões
de carne moída, pudins e bolos. Aquele ano as coisas estavam mais difíceis
ainda, pois Paddington ficava quase o dia todo em casa, “convalescendo” da
doença. Paddington se interessava muito por empadões, e abria o forno uma
dúzia de vezes para ver se já estavam assados.
A convalescença de Paddington foi uma época difícil para os Brown.
Enquanto ficou na cama, já foi bem ruim, pois os lençóis viviam cheios de
sementes de uva espalhadas. Mas as coisas pioraram quando ele passou a se
levantar e zanzar pela casa. Ele não sabia ficar “sem fazer nada”, e mantê-lo
ocupado sem aprontar encrenca era um trabalho de período integral. Ele até
tinha feito muitas tentativas de tricotar alguma coisa, não deu para saber
exatamente o quê, mas a lã embaraçou tanto e ficou tão lambuzada de geleia
de laranja que no fim foi preciso jogar tudo fora. Até o homem da limpeza
pública reclamou quando veio recolher o lixo.
– Ele está muito quieto agora – disse a sra. Brown. – Deve estar fazendo
a lista de Natal.
– A senhora vai mesmo levá-lo para fazer compras hoje à tarde? –
perguntou a sra. Bird. – Lembre-se do que aconteceu a última vez*.
A sra. Brown suspirou. Lembrava-se muito bem da última vez que tinha
levado Paddington às compras. – Não posso deixar de levá-lo – ela disse. –
Eu prometi e ele está esperando ansiosamente.
Paddington gostava de fazer compras. Sempre adorava olhar as vitrines
das lojas e, desde que tinha lido no jornal sobre as decorações de Natal,
quase não pensava em outra coisa. Além disso, aquela vez teve uma razão
especial para querer fazer compras. Embora não tivesse dito a ninguém,
Paddington tinha economizado durante um bom tempo para comprar
presentes para os Brown e alguns outros amigos.
Já tinha comprado uma moldura para sua foto e mandado para o Peru,
junto com um pote grande de mel, para sua tia Lucy, pois presentes para
além-mar tinham de ser colocados no correio com antecedência.
Ele tinha várias listas marcadas como “SEICRETA” trancadas em sua
mala, e às vezes ficava ouvindo as conversas na esperança de descobrir
alguma coisa de que as pessoas estivessem precisando.
– Seja como for – disse a sra. Brown –, é tão bom tê-lo à nossa volta de
novo, e ultimamente ele anda tão bonzinho que acho que merece esse
prazer.
– Além disso – ela acrescentou –, desta vez não vou levá-lo às lojas
Barkridges. Vou levá-lo à Crumbold & Ferns.
A sra. Bird largou a assadeira com que estava lidando. – Tem certeza de
que levá-lo lá é a coisa certa? – ela exclamou. – A senhora sabe como eles
são.
A Crumbold & Ferns era uma loja muito antiga, onde todos falavam
sussurrando e os atendentes usavam fraque. Só as pessoas da elite iam à
Crumbold & Ferns.
– É Natal – disse a sra. Brown, inflexível. – Vai ser divertido para ele.
E, quando Paddington saiu com a sra. Brown depois do almoço, até a
sra. Bird foi obrigada a reconhecer que ele estava muito bem para ir a
qualquer lugar. Seu casaco de lã, que tinha acabado de voltar da lavanderia,
estava limpíssimo, e até o chapéu velho, que Paddington sempre insistia em
pôr quando ia às compras, estava excepcionalmente correto.
Mesmo assim, quando Paddington acenou com a pata ao virar a esquina
e a sra. Bird entrou em casa, ela não deixou de se sentir feliz por não ter ido
junto.
Paddington gostou da ida até a Crumbold & Ferns. Foram de ônibus e
ele se sentou bem na frente. Ficando em pé no assento, conseguia olhar pelo
buraquinho do anteparo atrás do motorista. Paddington bateu no vidro
várias vezes e acenou para o homem atrás do volante, mas ele estava muito
ocupado com o trânsito para poder se virar. Na verdade, eles rodaram um
longo trecho sem parar nenhuma vez.
O cobrador ficou zangado quando viu o que Paddington estava fazendo.
– Ei! – ele gritou. – Pare de ficar batendo aí! Ursos como você é que fazem
os ônibus terem má fama. Já passamos direto por três filas.
Mas era um homem gentil e, quando Paddington pediu desculpas, ele
explicou tudo sobre os sinais que faziam o ônibus parar ou continuar e lhe
deu um rolo de bilhetes vazio. Depois de cobrar todas as passagens, ele
voltou e começou a mostrar a Paddington os edifícios interessantes pelos
quais iam passando. Até lhe deu uma grande bala de menta que tirou do seu
porta-níqueis. Paddington adorava ver lugares novos e ficou chateado
quando o trajeto chegou ao fim e teve de se despedir do cobrador.
Houve mais um pequeno incidente quando chegaram à Crumbold &
Ferns. Paddington teve um pequeno acidente na porta giratória. Na verdade
não foi culpa dele. Ia entrando na loja atrás da sra. Brown quando um
cavalheiro de barba, muito distinto, veio saindo pelo outro lado. O homem
estava muito apressado e, quando empurrou a porta giratória, ela começou a
girar muito rápido, levando Paddington de embrulho. Ele girou várias vezes,
até perceber, para seu espanto, que estava de novo na calçada, do lado de
fora.
Teve uma rápida visão do homem de barba acenando para ele do banco
de trás de um carrão que se afastava. O homem parecia também estar
gritando alguma coisa, mas Paddington nunca soube o que era, pois naquela
hora pisou numa coisa pontuda e caiu para fora de novo.
Ficou sentado no meio da calçada examinando o pé e, surpreso,
verificou que tinha um alfinete de gravata enfiado nele. Paddington sabia
que era um alfinete de gravata porque o sr. Brown tinha um muito parecido,
só que o dele era bem comum, ao passo que aquele tinha uma coisa grande e
brilhante incrustada no meio. Paddington o enfiou na frente do seu casaco
de lã por segurança e então, de repente, percebeu que alguém falava com
ele.
– O senhor está bem, cavalheiro? – era o porteiro, um homem muito
digno, com um belo uniforme cheio de medalhas.
– Acho que sim, obrigado – disse Paddington, levantando-se e
sacudindo a poeira da roupa –, mas perdi minha bala de menta em algum
lugar.
– Sua bala de menta? – disse o homem. – Minha nossa! – Se ele ficou
surpreso, não demonstrou nada. Os porteiros da Crumbold & Ferns eram
sempre muito bem treinados. Mesmo assim, não pôde deixar de reparar em
Paddington. Quando notou o alfinete de gravata com um enorme diamante
no meio, concluiu que se tratava de alguém muito importante. – Decerto é
algum daqueles ursos de sociedade – disse a si mesmo. Mas, quando viu o
chapéu velho de Paddington, já não teve tanta certeza. – Talvez seja um
urso caçador e pescador que veio passar o dia na cidade – concluiu. – Ou
até um urso de sociedade que já teve dias melhores.
Assim, ele detinha com um aceno discreto os transeuntes que tentavam
ver o que estava acontecendo na calçada. Ao conduzir Paddington de volta
pela porta giratória até a sra. Brown, que esperava ansiosamente do outro
lado, ele procurava atento, como se ajudar um jovem urso de alta estirpe a
encontrar sua bala de menta fosse um acontecimento de rotina na
Crumbold & Ferns.
Paddington retribuiu sua saudação acenando com a pata e depois olhou
à sua volta. O interior da loja era impressionante. Por todos os lados,
homens altos, de fraque, faziam profundas reverências e lhes desejavam boa
tarde. As patas de Paddington estavam cansadas de tanto acenar quando
eles chegaram ao departamento de utilidades domésticas.
Como os dois tinham de fazer algumas compras secretas, a sra. Brown
deixou Paddington com o atendente e combinou encontrá-lo do lado de
fora da entrada da loja dali a um quarto de hora.
O homem garantiu à sra. Brown que Paddington ficaria em segurança. –
Embora eu não me lembre de nenhum urso de verdade – ele disse, quando
ela explicou que Paddington vinha do longínquo Peru –, temos vários
distintos cavalheiros estrangeiros entre nossos clientes. Muitos deles fazem
todas as suas compras de Natal aqui.
Quando a sra. Brown se foi, ele baixou os olhos para Paddington e
limpou um grão de poeira imaginário de seu fraque.
No fundo, Paddington estava um pouco intimidado na Crumbold &
Ferns e, não querendo contrariar a sra. Brown fazendo alguma coisa errada,
também passou a pata no seu casaco de lã para limpá-lo. O atendente,
fascinado, viu uma pequena nuvem de poeira levantar-se no ar e pousar
devagarinho no seu balcão lindo e limpo.
Paddington acompanhou o olhar do homem. – Acho que veio da
calçada – ele disse, tentando explicar. – Sofri um acidente na porta giratória.
O homem tossiu. – Oh, céus, que infelicidade – ele disse. Dirigiu a
Paddington um leve sorriso, decidido a ignorar o assunto. – E como
podemos ajudá-lo, cavalheiro? – perguntou, pomposamente.
Paddington olhou ao redor para ter certeza de que a sr. Brown não
estava à vista. – Quero um arame de roupa – ele anunciou.
– Um o quê? – exclamou o atendente.
Paddington moveu depressa a bala de menta para o outro lado da boca.
– Um arame de roupa – ele repetiu, com voz amortecida. – É para a sra.
Bird. Outro dia o dela arrebentou.
O atendente engoliu seco. Achou impossível entender o que aquele
ursinho extraordinário estava dizendo.
– Será – ele sugeriu, pois um atendente da Crumbold & Ferns
raramente cedia – que o senhor não se importaria em subir no balcão?
Paddington suspirou. Às vezes era difícil, mesmo, explicar as coisas.
Subindo no balcão, ele abriu sua mala e tirou de dentro um anúncio que
tinha recortado do jornal do sr. Brown alguns dias antes.
– Ah! – o rosto do atendente se iluminou. – O senhor quer um dos
nossos varais de roupa extensíveis – ele pegou de uma prateleira alta uma
pequena caixa verde. – Escolha muito adequada, se me permite, cavalheiro.
Própria de um jovem urso de bom gosto. Recomendo amplamente.
O homem puxou a ponta de um cordão por um buraco do lado da caixa
e a entregou a Paddington. – Este tipo de varal extensível é usado por
algumas das melhores famílias do país.
Paddington parecia bem impressionado ao descer do balcão, segurando
na pata o cordão de pendurar roupa.
– Veja – continuou o homem, debruçando-se no balcão –, é bem
simples. O varal está todo dentro desta caixa. Se o senhor for se afastando,
segurando a ponta do cordão, ele se desenrolará. Quando terminar de usá-
lo, basta girar esta manivela… – e sua voz mudou de tom.
– Basta girar esta manivela – ele repetiu, tentando de novo. De fato, era
meio perturbador. Em vez de entrar na caixa, como era de esperar, o cordão
de roupa saía cada vez mais.
– Peço mil desculpas, cavalheiro – o homem começou, olhando por
cima do balcão. – Alguma coisa emperrou… – disse ele, com voz apertada e
olhar preocupado, pois Paddington tinha sumido.
– Ouça – ele gritou para outro atendente, que estava um pouco adiante
–, por acaso você viu passar um jovem cavalheiro urso puxando um cordão
de pendurar roupa?
– Ele foi por ali – respondeu o outro homem, apontando para o
departamento de porcelanas. – Acho que se perdeu na multidão.
– Minha nossa! – disse o atendente de Paddington, pegando a caixa
verde e abrindo caminho entre a multidão de compradores, seguindo a pista
do cordão. – Minha nossa, minha nossa!
No entanto, o atendente não era o único a se preocupar. Na outra ponta
do cordão, Paddington também estava atrapalhado. A Crumbold & Ferns
estava cheia de gente fazendo compras de Natal e ninguém parecia ter
tempo para prestar atenção num ursinho. Várias vezes ele teve de rastejar
para baixo de alguma mesa para não ser pisoteado.
Era um varal de roupas muito bom e Paddington tinha certeza de que a
sra. Bird iria gostar. Mas ele não podia deixar de desejar ter escolhido
alguma outra coisa. Aquele cordão parecia não ter fim e ficava se
enroscando nas pernas das pessoas.
Ele continuou sempre em frente, deu a volta numa mesa cheia de xícaras
e pires, passou por um pilar, depois por baixo de outra mesa e o cordão de
pendurar roupa continuava atrás dele. A multidão se tornava cada vez mais
densa e Paddington tinha que empurrar com força para abrir caminho. Uma
ou duas vezes quase perdeu o chapéu.
Já estava perdendo as esperanças de conseguir encontrar o caminho de
volta até o departamento de utilidades domésticas quando avistou o
atendente. Para surpresa de Paddington, o homem estava sentado no chão,
com o rosto todo vermelho. Seu cabelo estava todo desgrenhado e parecia
estar brigando com um pé de mesa.
– Ah, aí está você! – ele disse, ofegante, quando viu Paddington. – Fique
sabendo, jovem urso, que o procurei por todo o departamento de
porcelanas. Agora você deu nó em tudo.
– Minha nossa – disse Paddington, olhando para o cordão. – Fui eu que
fiz isso? Acho que me perdi. Ursos não são muito bons para enfrentar
multidões, sabe… Acho que passei duas vezes por baixo da mesma mesa.
– O que você fez com a outra ponta? – perguntou o atendente.
Ele não estava de muito bom humor. Fazia calor e muito barulho
embaixo da mesa e as pessoas o chutavam. Além disso, estava indignado.
– Está aqui – disse Paddington, tentando encontrar sua ponta do
cordão. – Pelo menos estava, até há pouco.
– Onde? – gritou o atendente. Ele não sabia se era apenas o barulho da
multidão, mas continuava sem conseguir entender uma palavra que aquele
ursinho pronunciava. Quando parecia estar dizendo alguma coisa, era
acompanhado por um barulho alto de mastigação e um cheiro forte de
menta.
– Fale alto – ele gritou, pondo a mão em concha na orelha de
Paddington. – Não entendo uma palavra do que está dizendo.
Paddington olhou apreensivo para o homem. Ele parecia bem bravo e o
urso começava a desejar ter deixado sua bala de menta na calçada. A bala
era gostosa, mas falar com ela na boca ficava mais difícil.
Ele estava procurando um lenço no bolso do casaco de lã quando
aconteceu.
O atendente teve um leve sobressalto, seu rosto ficou imóvel e aos
poucos foi tomado por uma expressão de dúvida.
– Desculpe – disse Paddington, dando-lhe um tapinha no ombro –, mas
acho que minha bala de menta caiu na sua orelha!
– Sua bala de menta? – exclamou o homem, num tom de voz
assustador. – Caiu na minha orelha?
– Sim – disse Paddington. – Foi um cobrador de ônibus que me deu e
acho que ficou meio grudenta depois que comecei a chupá-la.
O atendente saiu de baixo da mesa rastejando e então foi se erguendo.
Com cara de nojo, tirou da orelha o que restava da bala de Paddington.
Segurou-a por um instante entre o polegar e o indicador e depois,
rapidamente, colocou-a em cima de um balcão ao lado. Já era bem ruim ter
que rastejar pelo chão desembaraçando uma corda de pendurar roupa, mas
ficar com uma bala na orelha era coisa jamais vista na Crumbold & Ferns.
O homem respirou fundo e apontou com o dedo trêmulo para
Paddington. Só que, quando abriu a boca para falar, Paddington já tinha
sumido, e o cordão de roupa também. Ele mal teve tempo de segurar na
mesa ao tropeçar nas próprias pernas. Vários pratos, um pires e uma xícara
foram para o chão.
O atendente levantou os olhos para o teto e, mentalmente, fez a menção
de evitar qualquer jovem urso que futuramente entrasse na loja.
Parecia estar havendo um tumulto para os lados do saguão da entrada. O
homem tinha ideia de qual era a possível causa da agitação, mas,
sabiamente, resolveu guardar seus pensamentos para si mesmo. Por aquele
dia já estava farto de lidar com clientes ursos.

A sra. Brown abriu caminho entre a multidão que se formara na calçada da


Crumbold & Ferns.
– Com licença – ela disse, puxando a manga do porteiro. – Por favor,
por acaso o senhor viu um jovem urso de casaco de lã azul? Combinamos de
nos encontrar aqui, tem tanta gente, estou começando a ficar preocupada.
O porteiro pôs a mão no quepe. – Será que não é aquele o jovem em
questão, senhora? – ele perguntou, apontando através de um vazio na
multidão para onde outro homem de uniforme estava às voltas com a porta
giratória. – Se é ele, ficou entalado. Completamente. Não consegue entrar
nem sair. Está bem no meio, por assim dizer.
– Minha nossa! – disse a sra. Brown. – É bem capaz que seja mesmo o
Paddington.
Na ponta dos pés, olhou por cima do ombro de um cavalheiro de barba
que estava na sua frente. O homem uniformizado gritava palavras de
encorajamento, batendo no vidro, e ela entreviu uma pata bem conhecida
acenando em resposta.
– É o Paddington! – ela exclamou. – Mas como foi que ele conseguiu se
meter ali?
– Ah – disse o porteiro –, é isso que estamos tentando descobrir. Tem a
ver com um cordão de pendurar roupas que se enroscou, pelo menos é isso
que estão dizendo.
Houve uma onda de agitação na multidão quando a porta começou a
girar de novo.
Todos correram na direção de Paddington, mas o homem de barba
chegou primeiro. Para surpresa de todos, ele agarrou sua pata e começou a
sacudi-la para cima e para baixo.
– Obrigado, urso – ele dizia. – Prazer em conhecê-lo, urso!
– O prazer é meu – repetia Paddington, tão surpreso quanto todos os
outros.
– Ora, ora! – exclamou o porteiro, muito respeitoso, voltando-se para a
sra. Brown. – Eu não sabia que ele era amigo de sir Gresholm Gibbs.
– Nem eu – disse a sra. Brown. – E quem é sir Gresholm Gibbs?
– Sir Gresholm – repetiu o porteiro, num sussurro – é um milionário
famoso. É um dos clientes mais importantes da Crumbold & Ferns.
Ele fez a multidão de curiosos recuar para dar passagem para
Paddington e o distinto cavalheiro.
– Cara senhora – disse sir Gresholm, fazendo uma profunda reverência
ao se aproximar. – A senhora deve ser a sra. Brown. Acabei de ouvir tudo
sobre a sua pessoa.
– Ah, sim? – disse a sra. Brown, desconfiada.
– Este seu jovem urso encontrou um valioso alfinete de gravata de
diamante que perdi agora à tarde – disse sir Gresholm. – Não só isso, como
também encarregou-se de mantê-lo sob custódia o tempo todo.
– Um alfinete de gravata de diamante? – exclamou a sra. Brown,
olhando para Paddington. Era a primeira vez que ela ouvia falar em alfinete
de gravata de diamante.
– Eu o encontrei quando perdi minha bala de menta – disse Paddington,
cochichando alto.
– Um exemplo para todos nós – declarou sir Gresholm, dirigindo-se à
multidão e apontando para Paddington.
Paddington acenou modestamente com a pata, quando duas ou três
pessoas aplaudiram.
– E agora, cara senhora – continuou sir Gresholm, voltando-se para a
sra. Brown –, imagino que gostaria de mostrar a decoração de Natal a este
ursinho.
– Bem – disse a sra. Brown –, era o que eu pretendia. Ele nunca viu, e na
verdade é sua primeira saída depois que esteve doente.
– Nesse caso – falou sir Gresholm, fazendo sinal para um carro de luxo
que estava estacionado junto da calçada –, meu carro está à sua disposição.
– Ooh – disse Paddington. – Verdade? – Seus olhos cintilaram. Nunca
tinha visto, nem mesmo sonhado em entrar num carro tão grande. – É
verdade, sim – disse sir Gresholm, segurando a porta para eles entrarem. –
Isto é – ele acrescentou, ao notar o olhar de preocupação de Paddington –,
se vocês me concederem a honra.

– Ah, sim – disse o urso, educadamente. – Gostaria muito de lhe


conceder a honra – ele hesitou –, acontece que deixei minha bala de menta
num balcão da Crumbold & Ferns.
– Ora, ora – disse o cavalheiro, ajudando Paddington e a sra. Brown a
entrar. – Então só há uma coisa a fazer.
Ele bateu com a bengala no anteparo de vidro atrás do motorista. – Pode
ir, James – ele disse. – E pare na primeira confeitaria que encontrarmos.
– Uma que tenha balas de menta, por favor, sr. James! – exclamou
Paddington.
– Exatamente, uma que tenha balas de menta – repetiu sir Gresholm. –
Isso é muito importante – ele se voltou para a sra. Brown e deu uma
piscadela. – É isso que eu mais quero.
– Eu também – disse Paddington, muito sério, olhando pela janela para
todas aquelas luzes.
Quando o carrão arrancou, ele ficou em pé no assento e deu um último
aceno para a multidão de espectadores boquiabertos, depois recuou,
segurando com a outra pata numa longa barra dourada.
Não era todo dia que um urso conseguia rodar por Londres num carro
tão magnífico, e Paddington queria desfrutar plenamente a oportunidade.

* Ver Um urso chamado Paddington.


7
NATAL

P
addington achava que o Natal estava demorando muito para chegar.
Toda manhã, quando corria para o andar de baixo, riscava a data no
calendário, mas, quanto mais dias ele riscava, mais o Natal parecia longe.
No entanto, havia muita coisa ocupando sua cabeça. Em primeiro lugar,
o carteiro começou a vir cada dia mais tarde, e, quando finalmente chegava
à casa dos Brown, havia tantas cartas que ele tinha um trabalhão para enfiar
todas elas na caixa do correio. Muitas vezes também havia pacotes de
aparência misteriosa, que a sra. Bird escondia imediatamente, antes que
Paddington tivesse tempo de apalpá-los.
Um número surpreendente de envelopes era para o próprio Paddington,
e ele fez uma lista minuciosa de todos os que lhe tinham mandado cartões
de Natal, para não deixar de agradecer.
– Você pode ser apenas um ursinho – disse a sra. Bird, ajudando-o a
arrumar as cartas sobre o console da lareira –, mas certamente deixa suas
marcas por onde passa.
Paddington não sabia muito bem como entender aquela observação,
especialmente porque a sra. Bird tinha acabado de encerar o piso da sala,
mas examinou suas patas e viu que estavam muito limpas.
Paddington fez seus próprios cartões de Natal. Alguns ele desenhou,
decorando as bordas com visco e azevinho. Outros ele fez com figuras
recortadas das revistas da sra. Brown. Mas todos tinham as palavras FELIZ
NATAL E BOM ANO-NOVO na frente e, dentro, traziam a assinatura
PADINGTUN BROWN acompanhada da marca de sua pata, para mostrar que
era autêntica.
Paddington não sabia muito bem como se escrevia FELIZ NATAL. Não
parecia muito certo, mas a sra. Bird conferiu todas as palavras no dicionário
para que ele tivesse certeza.
– Acho que não é muita gente que recebe cartão de Natal de urso – ela
explicou. – Provavelmente as pessoas vão querer guardá-lo, por isso é
melhor você ter certeza de que está tudo escrito certo.
Um fim de tarde o sr. Brown chegou em casa com uma enorme árvore
de Natal amarrada no teto do carro. Ela foi colocada numa posição de
honra, perto da janela da sala de jantar. Paddington e a sra. Brown levaram
um tempão para decorá-la com lâmpadas coloridas e enfeites prateados.
Além da árvore de Natal, havia correntes feitas de papel e azevinho para
pendurar, e também grandes sinos feitos de papel canelado. Paddington
gostava de fazer as correntes de papel. Ele conseguiu convencer o sr. Brown
de que ursos eram ótimos para pendurar enfeites de Natal, e os dois juntos
decoraram quase toda a casa. Paddington ficava em pé nos ombros do sr.
Brown, que lhe dava os percevejos. Uma noite as coisas não terminaram
bem, pois sem querer Paddington pôs a pata num percevejo que ele tinha
deixado em cima da cabeça do sr. Brown. Quando a sra. Bird entrou na sala
de jantar para ver que balbúrdia era aquela e para saber por que todas as
luzes tinham se apagado de repente, encontrou Paddington pendurado no
lustre pelas patas e o sr. Brown dançando em volta da sala esfregando a
cabeça.
Mas então a decoração estava quase pronta e a casa estava com aspecto
bem festivo. O aparador estava vergado sob o peso de nozes e laranjas,
tâmaras e figos, e Paddington não tinha autorização para mexer em nada. O
sr. Brown tinha acabado de fumar seu cachimbo e espalhava cheiro de
charuto pelo ar.
A agitação na casa dos Brown foi aumentando até chegar a ser febril,
alguns dias antes do Natal, quando Jonathan e Judy chegaram para passar as
férias em casa.
No entanto, se os dias anteriores ao Natal foram agitados e cheios de
atividade, nada se comparava ao próprio dia de Natal.
Os Brown levantaram bem cedo, muito mais do que pretendiam. Tudo
começou quando Paddington acordou e encontrou uma fronha enorme nos
pés da cama dele. Seus olhos quase saltaram das órbitas de tanto espanto
quando ele acendeu a lanterna, pois a fronha estava cheia de pacotes, que
certamente não estavam ali quando ele tinha ido para a cama na véspera do
Natal.
Os olhos de Paddington iam se arregalando cada vez mais enquanto ele
ia abrindo os presentes, todos embrulhados em papel brilhante e colorido.
Uns dias antes, seguindo as instruções da sra. Bird, ele tinha feito uma lista
de todas as coisas que desejava ganhar e a escondera numa das lareiras. Era
estranho, mas tudo o que ele escrevera na lista parecia estar na fronha.
Havia um grande jogo de química do sr. Brown, cheio de potes, frascos e
tubos de ensaio, tudo muito interessante. E havia um xilofone em miniatura
da sra. Brown, de que ele gostou demais. Paddington gostava de música,
principalmente em volume alto, para ele reger, e sempre quis alguma coisa
que ele pudesse tocar de verdade.
O embrulho da sra. Bird era mais fantástico ainda, pois tinha um boné
xadrez, que ele tinha pedido especialmente e até tinha sublinhado na lista.
Paddington ficou em pé na cama, admirando o efeito no espelho por um
bom tempo.
Quanto a Jonathan e Judy, cada um lhe deu um livro sobre viagens.
Paddington se interessava muito por geografia e era um urso muito viajado,
por isso ficou feliz ao ver que dentro havia um monte de mapas e fotos
coloridas.
O barulho no quarto de Paddington logo acordou Jonathan e Judy, e
num instante a casa toda estava no maior alvoroço, com papel de embrulho
e pedaços de barbante espalhados por todo lado.
– Sou muito patriota – resmungou o sr. Brown –, mas não suporto que
ursos comecem a tocar o hino nacional às seis da manhã, e ainda mais no
xilofone.
Como sempre, coube à sra. Bird fazer tudo voltar à ordem. – Nada mais
de presentes até a hora do almoço – ela disse, com firmeza. Ela tinha
acabado de tropeçar em Paddington, no patamar do andar de cima, onde ele
estava pesquisando seu jogo de química novo e alguma coisa desagradável
entrou num dos seus chinelos.
– Tudo bem, sra. Bird – falou Paddington, consultando o manual de
instruções –, é só um pouco de limalha de ferro. Acho que não é nada
perigoso.
– Perigoso ou não – disse a sra. Bird –, tenho que cozinhar, e ainda
acabar de decorar seu bolo de aniversário.
Como era urso, Paddington tinha dois aniversários por ano, um no verão
e outro no Natal, e os Brown iam fazer uma festa em sua homenagem, para
a qual o sr. Gruber tinha sido convidado.
Depois que tomaram café da manhã e foram à igreja, a manhã passou
depressa, e Paddington gastou a maior parte do tempo pensando no que ia
fazer em seguida. Eram tantas coisas que ficava difícil escolher. Leu alguns
capítulos dos seus livros e, com seu jogo de química, produziu alguns
cheiros interessantes e uma pequena explosão.
O sr. Brown já estava tendo problemas por lhe ter dado aquele presente,
principalmente quando, no manual de instruções, Paddington encontrou
um capítulo chamado “Fogos de artifício dentro de casa”. Fez uma “serpente
sem fim” que não parava de crescer e fez a sra. Bird morrer de susto quando
a encontrou descendo a escada.
– Se não tomarmos cuidado – ela confidenciou à sra. Brown –, não
vamos sobreviver ao Natal. Ou vamos explodir e virar picadinho ou seremos
envenenados. Agora mesmo ele estava testando meu molho com papel de
tornassol.
A sra. Brown suspirou. – Ainda bem que o Natal só acontece uma vez
por ano – ela disse, ajudando a sra. Bird a descascar as batatas.
– Mas ainda não acabou – advertiu a sra. Bird.
Felizmente, o sr. Gruber chegou naquele instante e alguma ordem se
estabeleceu antes que eles sentassem para jantar.
Os olhos de Paddington cintilaram quando ele viu a mesa. Não
concordou com o sr. Brown, que disse que tudo parecia bom demais para
comer. Mesmo assim, até Paddington estava visivelmente mais lento no
final, quando a sra. Bird trouxe o pudim de Natal.
– Bem – disse o sr. Gruber, um pouco depois, ao se recostar e olhar para
seu prato vazio –, devo dizer que foi o melhor jantar de Natal que saboreei
nos últimos tempos. Muito obrigado, mesmo!
– Pois sim! – concordou o sr. Brown. – O que tem a dizer, Paddington?
– Estava muito bom – disse Paddington, lambendo creme dos bigodes. –
Só que no meu pudim de Natal tinha um osso.
– Tinha o quê? – exclamou a sra. Brown. – Não seja bobo, pudim de
Natal nunca tem osso.
– O meu tinha – disse Paddington, resoluto. – Era bem duro, e entalou
na minha garganta.
– Meu Deus! – exclamou a sra. Bird. – Os cinco centavos! Sempre
coloco uma moeda de prata de cinco centavos no pudim de Natal.
– O quê? – disse Paddington, quase caindo da cadeira. – Uma moeda?
Nunca ouvi falar em pudim com moeda.
– Rápido! – gritou o sr. Brown, em tom de urgência. – É preciso virá-lo
de ponta-cabeça.
Antes que Paddington pudesse responder, viu-se pendurado de cabeça
para baixo enquanto o sr. Brown e o sr. Gruber se revezavam para
chacoalhá-lo. O resto da família estava em volta, olhando para o chão.
– Não adianta – disse o sr. Brown depois de um tempo. – Deve ter
descido muito – e ele ajudou o sr. Gruber a colocar Paddington numa
poltrona, onde ele ficou ofegante.
– Tenho um ímã lá em cima – disse Jonathan. – Podemos tentar fazê-lo
descer pela garganta dele na ponta de um barbante.
– Acho que não, querido – disse a sra. Brown, com voz de preocupação.
– Ele poderia engolir o ímã também, e seria pior – ela se debruçou sobre a
poltrona. – Como está se sentindo, Paddington?
– Enjoado – disse o urso, abatido.
– Claro – disse a sra. Brown. – Era de esperar. Só há uma coisa a fazer,
chamar o médico.
– Graças a Deus que a limpei bem antes – disse a sra. Bird. – Poderia
estar cheia de germes.
– Mas eu não a engoli – sussurrou Paddington. – Quase engoli, mas
depois a coloquei no canto do prato. Não sabia que era uma moeda de cinco
centavos, porque estava coberta de pudim.
Paddington estava se sentindo empanturrado. Tinha comido um dos
melhores jantares de que se lembrava e, depois, foi virado de cabeça para
baixo e chacoalhado, sem ter tempo de explicar.
Todos se entreolharam e foram se afastando pé ante pé, deixando
Paddington se recuperar sozinho. Pelo visto, não havia mais muita coisa a
dizer.
Depois do jantar as coisas se esclareceram, a sra. Bird fez um café forte e
Paddington voltou quase inteiramente à boa forma. Ele estava de pé na
cadeira, servindo-se de tâmaras, quando todos voltaram à sala. Seria preciso
muito para que Paddington voltasse a ficar doente por um bom tempo.
Após tomar café, sentaram-se em torno da lareira acesa, sentindo-se
aquecidos e confortáveis. Então o sr. Brown esfregou as mãos. – Bem,
Paddington – ele disse –, hoje não é só dia de Natal. Também é seu
aniversário. O que você gostaria de fazer?
Uma expressão misteriosa surgiu no rosto de Paddington. – Se todos
forem para a outra sala – ele anunciou –, tenho uma surpresa especial para
vocês.
– Ora, precisamos mesmo, Paddington? – disse a sra. Brown. – A lareira
de lá não está acesa.
– Não vai demorar – disse Paddington, decidido. – Mas é uma surpresa
especial, que precisa ser preparada – ele abriu a porta e, obedientes, os
Brown, a sra. Bird e o sr. Gruber foram para a outra sala.
– Agora fechem os olhos – pediu Paddington, depois que todos se
instalaram. – Eu aviso quando estiver tudo pronto.
A sra. Brown estremeceu. – Espero que não demore – ela falou alto. Mas
a única resposta foi o ruído da porta sendo trancada.
Eles esperaram por muitos minutos sem falar, até que o sr. Gruber
limpou a garganta. – Vocês acham que o jovem sr. Brown nos esqueceu? –
ele perguntou.
– Não sei – disse a sra. Brown. – Mas não vou esperar mais.
– Henry! – ela exclamou, ao abrir os olhos. – Você vai dormir?
– Err, o que foi? – rosnou o sr. Brown. Tinha comido tanto no jantar
que estava difícil ficar acordado. – O que está acontecendo? Eu perdi
alguma coisa?
– Não está acontecendo nada – disse a sra. Brown. – Henry, é melhor
você ir ver o que Paddington está fazendo.
Mais muitos minutos se passaram até o sr. Brown voltar dizendo que
não tinha encontrado Paddington em nenhum lugar.
– Ora, em algum lugar ele tem que estar – disse a sra. Brown. – Ursos
não somem no ar!
– Caramba! – exclamou Jonathan, quando um pensamento lhe passou
pela cabeça. – Será que ele está brincando de Papai Noel? Outro dia o
Paddington perguntou um monte de coisas sobre o assunto, quando
colocou a lista dele na chaminé. Aposto que foi por isso que ele quis que
ficássemos aqui. Esta chaminé tem ligação com a de cima, e a lareira não
está acesa.
– Papai Noel? – disse o sr. Brown. Pois eu vou mostrar o Papai Noel a
ele! – o sr. Brown enfiou a cabeça pela chaminé e gritou o nome de
Paddington várias vezes. – Não estou vendo nada – ele disse, riscando um
fósforo. Como que em resposta, um enorme monte de fuligem caiu lá de
cima na cabeça dele.
– Veja só o que você fez, Henry – disse a sra. Brown. Gritando desse
jeito, você fez a fuligem se desprender. Por cima da sua camisa limpinha!
– Se é o jovem sr. Brown, talvez ele esteja entalado em algum lugar –
sugeriu o sr. Gruber. – Ele comeu bastante no jantar. Fiquei me
perguntando onde ele colocaria tudo aquilo.
A sugestão do sr. Gruber teve um efeito imediato sobre o grupo, e todos
ficaram muito sérios.
– Ai, ele pode ter se sufocado com a fumaça! – exclamou a sra. Bird,
correndo para o armário de vassouras.
Quando ela voltou, armada com um esfregão, todos se revezaram para
empurrá-lo para cima da chaminé, mas por mais que aguçassem as orelhas
não conseguiam ouvir nada.
Com a agitação no auge, Paddington entrou na sala. Pareceu muito
surpreso ao ver o sr. Brown com a cabeça enfiada na chaminé.
– Podem vir para a sala de jantar agora – ele anunciou, percorrendo a
sala com os olhos. – Terminei de embrulhar meus presentes e estão todos
na árvore de Natal.

– Não vá me dizer – explodiu o sr. Brown, sentado na lareira esfregando


o rosto com um lenço – que você esteve o tempo todo na sala ao lado?
– Sim – disse Paddington, inocentemente –, espero que não tenha feito
vocês esperarem demais.
A sra. Brown olhou para o marido. – Pensei que você tivesse dito que
olhou em todos os lugares! – ela exclamou.
– Bem, nós tínhamos acabado de vir da sala de jantar – disse o sr.
Brown, encabulado. – Não achei que ele estivesse lá.
– Isso mostra como é fácil difamar um urso – disse a sra. Bird ao ver a
expressão do sr. Brown.
Paddington pareceu muito interessado quando lhe explicaram o motivo
de toda aquela confusão.
– Nunca pensei em descer pela chaminé – ele disse, olhando para a
lareira.
– Bem, e também não está pensando agora, não é? – replicou o sr.
Brown, muito sério.
Mas até a expressão do sr. Brown se transformou quando ele seguiu
Paddington até a sala de jantar e viu a surpresa que tinha sido preparada
para eles.
Além dos presentes que já tinham sido colocados na árvore, havia mais
seis, embrulhados recentemente, amarrados aos galhos mais baixos. Se os
Brown reconheceram o papel que tinham usado antes para embrulhar os
presentes de Paddington, foram muito educados e não disseram nada.
– Tive que usar papel velho – disse Paddington, em tom de pedido de
desculpa, apontando com a pata para a árvore. – Não me sobrou nenhum
dinheiro. Por isso vocês tiveram que ir para a outra sala enquanto eu fazia os
embrulhos.
– Ora, Paddington – disse a sra. Brown –, estou muito brava por você
gastar todo o seu dinheiro comprando presentes para nós.
– Acho que são presentes muito banais – disse Paddington, recostando-
se numa cadeira para observar os outros. – Mas espero que gostem. Pus
etiqueta em todos para vocês saberem de quem é cada um.
– Banais? – exclamou o sr. Brown. – Não acho que um porta-cachimbos
seja uma coisa banal. Ainda mais com um pacote do meu fumo favorito
amarrado atrás!
– Puxa! Um álbum de selos novo! – gritou Jonathan. – Sensacional! E
dentro já tem alguns selos!
– São do Peru, dos postais da tia Lucy – disse Paddington. – Guardei
para você.
– E eu ganhei uma caixa de tintas! – exclamou Judy. – Muito obrigada,
Paddington. É exatamente o que eu queria.
– Todos nós tivemos sorte – disse a sra. Brown, ao abrir um embrulho
que continha sua água-de-colônia favorita. – Como você adivinhou? Meu
último frasco terminou há uma semana.
– Peço desculpas pelo seu pacote, sra. Bird – falou Paddington. – Tive
um pouco de dificuldade com os nós.
– Deve ser alguma coisa especial – disse o sr. Brown. – Parece só
barbante, sem embrulho.
– Na verdade, é cordão de pendurar roupa – Paddington explicou –, não
é barbante. Eu o recuperei quando fiquei entalado na porta giratória da
Crumbold & Ferns.
– Então são dois presentes em um só – disse a sra. Bird, quando desatou
o último nó e começou a desenrolar metros e metros de papel. – Que
incrível! Não consigo imaginar o que seja.
– Ei! – ela exclamou. – É um broche! – E em forma de urso, que lindo! –
a sra. Bird mostrou o presente a cada um deles, parecendo muito comovida.
– Vou guardá-lo num lugar seguro – acrescentou – e só vou usá-lo em
ocasiões especiais, para impressionar as pessoas.
– Não sei o que é o meu – disse o sr. Gruber, e todos se voltaram para
ele, que apalpava o pacote. – Tem uma forma muito divertida. É uma
caneca! – exclamou, com o rosto iluminado de prazer. – E tem meu nome
pintado do lado!
– É para o seu chocolate das onze, sr. Gruber – disse Paddington. –
Reparei que a sua estava começando a lascar.
– Tenho certeza de que vai fazer meu chocolate quente ficar mais
saboroso do que sempre foi – disse o sr. Gruber.
Ele se levantou e pigarreou. – Quero dirigir meu agradecimento ao
jovem sr. Brown – ele disse – por todos os seus belos presentes. Tenho
certeza de que exigiram dele muita dedicação.
– Concordo! Concordo! – ecoou o sr. Brown, enquanto abastecia o
cachimbo.
O sr. Gruber apalpou debaixo da cadeira. – E, pensando nisso, sr.
Brown, tenho um presentinho para o senhor.
Todos se juntaram em torno de Paddington, às voltas com seu
embrulho, ansiosos para ver o que o sr. Gruber tinha comprado para ele.
Uma exclamação de surpresa se fez ouvir quando ele jogou o papel para o
lado, pois era um lindo álbum de recordações com encadernação de couro,
que trazia impresso na capa, em letras douradas, o nome “Paddington
Brown”.
Paddington não sabia o que dizer, mas o sr. Gruber fez um gesto com a
mão, dispensando agradecimentos. – Sei que você gosta de escrever sobre
suas aventuras, sr. Brown – ele disse. – E você tem tantas que certamente
seu álbum de agora está quase cheio.
– Está mesmo – disse Paddington, bem sério. – E tenho certeza de que
vou viver um monte de outras aventuras. Muita coisa acontece comigo. Mas
aqui só vou escrever as melhores!
Mais tarde, ao ir para a cama, sua cabeça girava tanto que ele mal
conseguia subir a escada, muito menos pensar em alguma coisa. Não sabia
muito bem do que tinha gostado mais. Dos presentes, do jantar de Natal,
dos jogos ou do chá, com o bolo de aniversário recheado de geleia de laranja
que a sra. Bird tinha feito em homenagem a ele. Parando um pouco no meio
da subida, ele concluiu que, mais do que tudo, tinha gostado de dar seus
próprios presentes.
– Paddington, o que é isso que você está levando? – ele deu um pulo e
escondeu a pata atrás das costas ao ouvir a sra. Bird chamar ao pé da escada.
– É só um pouco de pudim de cinco centavos – ele respondeu, olhando
com ar de culpa por cima do corrimão. – Imaginei que podia ficar com
fome à noite e não queria passar aperto.
– Francamente! – exclamou a sra. Bird, acompanhada pelos outros. –
Vejam só, o que esse urso está parecendo? Um chapéu de papel dez vezes
maior do que a cabeça, o álbum de recordações do sr. Gruber numa pata e
um prato de pudim de Natal na outra!
– Não importa o que ele está parecendo – disse a sra. Brown –, contanto
que ele continue sendo como é. Este lugar já não seria o mesmo sem ele.
Mas Paddington já estava longe e não ouvia o que diziam. Já estava
sentado na cama, escrevendo no seu álbum.
Antes de tudo, havia uma coisa muito importante para escrever na
página de rosto.
PADINGTUN BROWN,
32 JARDINS DE WINDSOR,
LONDRIS,
INGLATERRA,
OROPA,
MUNDO.
Na página seguinte, ele acrescentou, em letras maiúsculas: MINHAS
AVENTURAS. CAPÍTULO HUM.
Por um instante, Paddington pôs a pena na boca e depois colocou a
ponta no frasco de tinta, para não cair tinta no papel. Estava com muito
sono para continuar escrevendo. Mas não tinha importância. Amanhã seria
outro dia e ele tinha certeza de que viveria novas aventuras, embora ainda
não soubesse quais seriam.
Paddington se deitou e puxou as cobertas até os bigodes. Estava
quentinho e confortável. Ele suspirou satisfeito e fechou os olhos. Era bom
ser urso. Principalmente um urso chamado Paddington.

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